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Resumo
Este artigo aborda o tema da saúde mental, trabalho e a Psicologia. O enfoque teórico e
conceitual foi direcionado pela Psicologia Organizacional e do Trabalho, mas não
exclusivamente, pois o tema é complexo e vasto. O objetivo do trabalho foi observar
produções científicas nos periódicos brasileiros de Psicologia disponibilizados na plataforma
Scielo, dos últimos cinco anos, e perceber como a saúde mental e o trabalho se relacionam. A
análise seguiu o eixo da Psicologia Organizacional e do Trabalho. Em termos de método, após
busca por termos chaves na plataforma Scielo e seleção dos artigos, a análise se deu por
leitura e revisão integrativa, o que possibilitou analisar e interpretar o que foi lido,
construindo a análise qualitativa, através dos artigos exemplares encontrados durante a
pesquisa. Como resultado, percebe-se que as relações de poder dentro das organizações, as
mudanças tecnológicas e trabalhistas se mantém e direcionam as relações de trabalho. A
Psicologia Organizacional e do Trabalho precisa estar atenta e instrumentalizada,
teoricamente, a fim de primar pela valorização da dignidade humana em seus aspectos
psíquicos e pelo resgate do sujeito nas relações de trabalho.
Abstract
This article addresses the topic of mental health, work and Psychology. The theoretical and
conceptual focus was guided by Organizational and Work Psychology, but not exclusively, as
the topic is complex and vast. The objective of the work was to observe scientific productions
in Brazilian Psychology journals available on the Scielo platform, from the last five years, and
to understand how mental health and work are related. The analysis followed the axis of
Organizational and Work Psychology.
___________________________
¹ Acadêmica do curso de Psicologia na Faculdade IENH. adripsico46@gmail.com
Revist. Front. Psico., n. 2, jul-dez 2021.
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Eckhardt e Mascarello. Saúde mental e trabalho: uma revisão por meio da Psicologia organizacional
e do trabalho.
In terms of method, after searching for key terms in the Scielo platform and selecting the
articles, the analysis was carried out by reading and integrative review, which made it
possible to analyze and interpret what was read, building the qualitative analysis, through the
exemplary articles found during the search. As a result, it is clear that power relations within
organizations, technological and labor changes are maintained and direct labor relations.
Organizational and Work Psychology needs to be attentive and theoretically instrumentalized
in order to strive for the valorization of human dignity in its psychic aspects and for the rescue
of the subject in work relationships.
1. INTRODUÇÃO
instituições e como este tipo de preocupação poderá ser uma tendência para a Psicologia,
principalmente no contexto pandêmico e de retração econômica no qual se encontra o Brasil.
Esta pesquisa nasce como preocupação acadêmica de experiências pessoais em
contextos organizacionais e fabris e reflexões alcançadas por análises bibliográficas sobre
saúde mental em ambiente de trabalho. O indicativo de resultado, como se verá ao final, é que
a maior causa de desencadeamento do sofrimento psíquico no ambiente de trabalho é devido à
pressão colocada através de metas pré-estabelecidas na área produtiva (MERLO E LAPIS,
2007); (SELIGMANN-SILVA, 2011), problemas organizacionais e assédios em geral.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
atuais. A batalha pela saúde e velhice minimamente digna era a própria luta pela
sobrevivência (DEJOURS, 1998).
De acordo com Dejours (1998), as exigências do trabalho e da vida eram (e ainda são)
uma ameaça ao próprio trabalhador(a), cheia de riscos e sofrimentos (o que era conhecido
como Miséria Operária), que se comparava a uma doença contagiosa, devendo ser encarada e
tratada como tal, surgindo daí um movimento denominado higienista como resposta social ao
perigo.
Para Dejours (1998), o trabalho torna-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele
se opõe à sua livre atividade. O bem-estar, em matéria de carga psíquica, não advém só da
ausência de funcionamento, mas, pelo contrário, de um livre funcionamento, articulado
dialeticamente com o conteúdo da tarefa, expresso, por sua vez, na própria tarefa e revigorado
por ela. Um trabalho livremente escolhido ou livremente organizado oferece, geralmente, vias
de descarga mais adaptadas às necessidades. O trabalho torna-se, então, um meio de
relaxamento e, às vezes, a tal ponto, que uma vez que a tarefa terminava, o trabalhador se
sentia melhor do que antes de tê-la começado.
Para Bleger (1984), quando o psicólogo ingressa para trabalhar numa instituição
(escola, hospital, fábrica, clube, etc.), a primeira coisa que se deve fazer é não abrir um
gabinete, nem um laboratório, nem um consultório para a atenção aos indivíduos doentes que
integram a instituição. Sua primeira tarefa é investigar e tratar a própria instituição. Este é o
seu primeiro “cliente”, o mais importante.
De acordo com o autor (1984), toda empresa tem como objetivo fundamental, de uma
ou de outra maneira, um incremento de sua produtividade, melhor dito, de suas utilidades. Da
área de psicologia institucional espera-se, explícita ou implicitamente, uma condução das
relações humanas que leve a esta finalidade finalística da empresa, e do convívio mais
harmonioso possível entre empregados e demais parceiros institucionais. Em nenhum caso o
psicólogo deve se situar como agente ou promotor da produtividade, porque não é esta a sua
função profissional. Seu objetivo é a saúde e o bem-estar humano, o estabelecimento ou
criação de vínculos saudáveis e dignificantes. Seus objetivos podem levar tanto a um aumento
da produtividade, ou dos benefícios, como a uma diminuição da mesma, de maneira
passageira, transitória ou estável, mas em nenhum caso é isto o que mede a eficácia de sua
tarefa (Idem, p. 63).
Em qualquer situação, deve-se salientar que o psicólogo deve trabalhar com
exclusividade segundo os seus objetivos e rechaçar tarefas incompatíveis aos seus propósitos.
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Eckhardt e Mascarello. Saúde mental e trabalho: uma revisão por meio da Psicologia organizacional
e do trabalho.
E sua finalidade última é buscar, na psico-higiene, a promoção da saúde dos indivíduos e seus
respectivos grupos. Nesta abordagem, o psicólogo procura entender processos organizativos
relacionados ao trabalho, com estudos ligados à vida cotidiana, desemprego, informalidade,
autogestão, cooperação em projetos relacionados às relações entre trabalho e saúde
(DEJOURS, 2011).
4. DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Scielo. Foram utilizados termos gerais e específicos, como se viu nos termos da busca dos
artigos e estes separados em planilha Excel para análise, com nome do periódico, título do
artigo, ano da publicação, autores, temática, abordagem/método, classificação em artigo
teórico e/ou empírico.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quadro 01
Número Revistas Título Ano Autores Temática Abordagem/Método Teórico/
Empírico
A Revista Psicologia e Sociedade foi a com maior número de artigos sobre Psicologia
e trabalho. Por causa do seu perfil editorial, pesquisas sobre o tema têm maior abertura e
chance de publicação neste periódico.
No Quadro 02 está inserida a recorrência de artigos publicados por ano. O ano de 2020
foi o com maior número de artigos. Estes eram geralmente ligados ao tema da pandemia,
perdas de direitos trabalhistas, previdência e mudanças da gestão do trabalho como elementos
importantes para as relações entre Psicologia e saúde mental.
Quadro 02
Ano Quantidade
2015 1
2016 5
2017 2
2018 4
2019 1
2020 7
Os temas e abordagens dos artigos foram muito variados, não existindo uma
preponderância. Evidentemente com a exceção da relação entre Psicologia e saúde mental do
trabalhador. Um ponto importante foi a tendência, a partir de 2020, dos estudos inserindo a
variável Covid-19 nas discussões sobre o mundo do trabalho e como a Psicologia teria pela
frente novos desafios. A discussão sobre gestão e Psicologia Organizacional e do Trabalho -
POT estava em interessantes artigos a partir de 2016, principalmente discussões com
aprofundamento teórico sobre relações entre saúde mental, gestão do trabalho e a organização
como um dispositivo de poder.
Em relação aos artigos com estudos empíricos ou teóricos, houve um equilíbrio, com
apenas um artigo de vantagem para estudo empírico, com 11 ocorrências. Vale ressaltar que
os artigos referenciais selecionados na discussão qualitativa não deixavam marcante a
separação entre estudos empíricos e teóricos, pois as discussões conceituais e teóricas estavam
sempre presentes, principalmente com a abordagem ligada à POT, pela qual demos maior
primazia na escolha.
Quadro 03
Em nosso caso, a Psicologia tem um papel central nessas relações de poder e controle e
precisa entender os processos políticos em jogo.
Relacionado ao primeiro artigo acima, podemos encadear o estudo “Como a Análise
do Comportamento tem Contribuído para Área da Saúde?” de Marin et al. (2020) abordando
como a Psicologia da saúde pode abordar a promoção e manutenção de estados saudáveis em
ambientes profissionais através da Análise do Comportamento Aplicada. As análises das
intervenções sugeridas pelos autores são interessantes, pois são generalizáveis para diversos
contextos de trabalho ou atuação profissional e indicam alterações de comportamentos que
podem ser importantes, desde que adaptadas, para promoção de comportamentos mais
saudáveis por parte de funcionários ou trabalhadores. As sugestões são questões simples que a
Psicologia pode estabelecer, como discussão sobre problemas do sono, saúde ocupacional,
uso de drogas, comportamento auto lesivo entre outros, com os trabalhadores, no processo de
escuta e atenção.
O tema da mudança organizacional se sobressaiu. O papel importante da Psicologia é
ser um diferencial para planejar mudanças organizacionais e ir além de metas de
produtividade e que não pensem nas questões humanas ligadas aos resultados das empresas e
instituições. Os aspectos afetivos das mudanças organizacionais são cada vez mais estudados
e são reconhecidamente relevantes para o planejamento antecipado de estratégias mais
coadunadas ao que as pessoas esperam da adoção de novas práticas. O comportamento
adequado aos processos de mudanças organizacionais é um fenômeno que deve estar nas
metas para bons resultados nestas alterações.
Seguindo a questão das práticas dos psicólogos do campo da saúde do trabalhador, o
artigo de Keppler e Yamamoto (2020) discute a consolidação de políticas públicas no Brasil
através dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST). Os autores analisam
como profissionais de Psicologia atuam nos Centros e, além de verificar perfil de atuação,
descrevem a formação da área para a atividade de saúde do trabalhador e os limites de
formação na prática cotidiana destes profissionais. As intervenções da Psicologia na área do
trabalho precisam estar atentas para esta literatura e para com as experiências consolidadas,
como as apontadas pelas autoras, para escolha dos meios mais adequados de escuta e
tratamentos específicos.
As articulações teóricas sobre dispositivos de poder nas organizações, através de uma
lógica pós-disciplinar, são eixos importantes de discussão conceitual que atravessam diversos
artigos e se articulam com a POT, principalmente nas relações entre organização do trabalho e
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Eckhardt e Mascarello. Saúde mental e trabalho: uma revisão por meio da Psicologia organizacional
e do trabalho.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações entre saúde mental e trabalho ou como a Psicologia analisa a relação entre
ambos é uma área consolidada, embora com grande espaço para mais pesquisas e discussão de
abordagens inovadoras. Os eixos escolhidos para discutir o tema foram proveitosos, embora
muita coisa tenha ficado de fora da discussão teórica. Os eixos ligados ao trabalho, saúde
mental e a POT são vastos e interessantes em entender como a Psicologia poderá atuar em
empresas e instituições em que pressões do trabalho podem resultar em problemas para os
trabalhadores.
Os aspectos organizacionais, os impactos tecnológicos, as mudanças legais e agora a
pandemia, estão constantemente pressionando alterações no mundo do trabalho. Como já
apontava o Ministério da Economia (2018), auxílios-doença tendem a aumentar, embora com
cada vez mais trabalhadores sem carteira assinada ou contratados em regime CLT. E muitos
destes auxílios relacionados a transtorno mentais e comportamentais ligados e pressões no
trabalho por conta das mudanças sugeridas acima.
As relações entre saúde mental e trabalho, de acordo com a área da Psicologia
Organizacional e do Trabalho, foram discutidas dentro de um mínimo necessário em razão do
grande tamanho do assunto. De qualquer forma, foi importante entender como o trabalho foi
pensado na história, suas diversas concepções e como se transformou, como pensamos no
primeiro objetivo específico que é entender o conceito de trabalho, a concepção dos tipos de
trabalho que existem e que produz efeitos diversos na sociedade.
Como Ziliotto (2008) aponta, a rotina desmedida da eficácia produtiva nas empresas e
outras instituições favorecem aumento de fadiga, indisciplina e improdutividade como
respostas conscientes ou não. O profissional de Psicologia precisa estar atento a estas
respostas nas relações organizacionais. Sem uma atenção conceitual por parte de psicólogos e,
claro, experiência empírica, o diagnóstico e procedimentos de tratamento, via intervenção,
acaba não sendo efetivo, por não ter conexão e sentido aos trabalhadores.
estudo, é compreendido pela Psicologia, pois muitos pacientes podem ter a causa de suas
tensões e sofrimentos originada das relações de trabalho.
Esta pesquisa acabou nos demonstrando a importância da Psicologia nas organizações,
tanto para pensar mudanças de gestão e ritmos de produção, como também no planejamento
da qualidade de vida dos empregados e servidores. Relações com muita tensão geram
comportamentos refratários e adoecimento, prejudicando tanto as instituições como, o mais
importante para nós, a vida dos trabalhadores e as pessoas próximas em seu círculo mais
amplo fora das organizações.
REFERÊNCIAS
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