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PSICOLOGIA

Psicologia
organizacional
ou empresarial:
aspectos de saúde
Marcela Montalvão Teti

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Listar as funções que o psicólogo desempenha nas organizações.


> Identificar como seu processo de trabalho contribui para a gestão da em-
presa.
> Relacionar suas tarefas com os aspectos de saúde da organização.

Introdução
A psicologia organizacional, ou empresarial, é um dos inúmeros campos possíveis de
trabalho para profissionais da psicologia no Brasil. A profissão foi regulamentada
no país em 1962, e a empresa foi um dos primeiros campos que surgiram. Junta-
mente à clínica e à psicologia escolar, a vertente organizacional permanece forte,
oportunizando trabalho e emprego para recém-formados e psicólogos seniores.
As funções e as atividades dos profissionais da psicologia, bem como o cuidado
que devem ter no trabalho e com colaboradores mudou ao longo da história. Nas
últimas décadas, o maior ativo de uma empresa passou a ser as pessoas. Por
isso, investir em capacitação, seleção por competências e análise de motivações
tornou-se primordial para que a organização cresça e possibilite a qualidade de
vida no trabalho para profissionais que fazem parte dela.
2 Psicologia organizacional ou empresarial: aspectos de saúde

Neste capítulo, você vai estudar as funções de profissionais da psicologia


na organização e como suas atividades promovem uma gestão de qualidade,
considerando que o mundo em que vivemos desafia qualquer equipe a manter-
-se saudável, vivendo e se realizando no ambiente de trabalho cotidianamente.

O que é psicologia organizacional e as


possibilidades de atuação profissional
A psicologia organizacional é o campo da psicologia responsável por com-
preender a parcela de fenômenos psicológicos que englobam o contexto
de organizações, instituições, grupos organizados e suas implicações para
os sujeitos desses interpelados. A psicologia organizacional se diferencia
da psicologia social e do trabalho, porque se relaciona mais aos interesses
gerenciais e, como o nome sugere, ao campo empresarial. Já a psicologia
social e do trabalho está mais próxima das relações sociais de trabalho,
com uma perspectiva crítica em relação à vida e às formas de vivenciar o
ambiente de trabalho.
A psicologia social e do trabalho, muitas vezes, assume o ponto de vista
do trabalhador, denunciando práticas gerenciais nocivas à sua vida e ofe-
recendo resistência. Podemos pensar a psicologia organizacional, por sua
vez, de um modo mais abrangente (ROTHMANN; COOPER, 2009). A psicologia
organizacional não só se relaciona às atividades laborais sob a lógica de um
contexto organizacional, mas também contempla qualquer atividade que
tenha relação com o trabalho, com as organizações e com a produtividade.
Na medida em que os sujeitos atuam para melhorar o sucesso da organização,
suas análises versam sobre as implicações econômicas da produção, mas
também sobre o trabalho das pessoas.

Trabalho e emprego não são a mesma coisa. Trabalho é toda a ati-


vidade que fazemos implicando retorno ou pagamento. É aquilo
que fazemos para ganhar a vida. O emprego está relacionado a uma forma
determinada de trabalho, com o contrato, que implica remuneração, é regulado
e tem caráter jurídico (BORGES; YAMAMOTO, 2014).

O campo da psicologia organizacional inclui duas frentes muito importan-


tes. Na primeira, a psicologia organizacional é um campo científico de análise
do comportamento humano nas organizações. Muitos profissionais que estão
nas instituições de ensino superior conduzem pesquisas sobre as formas de
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trabalho, modos de relação e engajamento dos indivíduos com o que fazem,


por exemplo. Já a segunda frente está comprometida com a aplicação das
descobertas científicas no ambiente de trabalho. Dentro da organização, o
psicólogo pode ser um consultor ou um funcionário do quadro, que coloca
em prática métodos e estratégias baseados em evidências.
O psicólogo organizacional elabora fichas de inscrição nas candidaturas
a vagas, define os salários e os benefícios, organiza treinamentos, designa
tarefas, entre outras atividades. Também realiza tarefas mais associadas ao
indivíduo, acompanhando a saúde do funcionário, como está seu desempenho,
sua motivação e a segurança nas atividades que exerce, além de cuidar das
contratações desde a seleção (SPECTOR, 2012).
A psicologia organizacional, portanto, é um campo de atuação múltiplo. Seu
trabalho não é apenas aplicar as regras de mercado e promover a adaptação
do colaborador às leis econômicas. A psicologia atua para contribuir com o
trabalho, prezando pela potencialização da empresa, levando em conta as
necessidades do trabalhador. Sua missão é:

[...] explorar, analisar, compreender como interagem as múltiplas dimensões que


caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizações, em um mundo
crescentemente complexo, construindo, a partir daí, estratégias e procedimentos
que possam promover, preservar e restabelecer a qualidade de vida e o bem-estar
das pessoas, sem abrir mão da produtividade da qual depende o atendimento das
necessidades dos indivíduos e dos grupos sociais (ZANELLI; BASTOS; RODRIGUES,
2014, p. 550).

Muitas relações cotidianas se dão em espaços organizacionais, e muitas


necessidades humanas são atendidas pela prestação de serviços, como os
voltados à saúde e ao lazer. Esses espaços podem ser de iniciativa gover-
namental, iniciativa privada ou associações que reivindicam direitos sociais
e comunitários. Considerando que as organizações “são o modo como as
pessoas e os grupos sociais se estruturam para atender às suas próprias
necessidades”, podemos entender que o trabalho se relaciona à constituição
da subjetividade humana (ZANELLI; BASTOS; RODRIGUES, 2014, p. 550). É uma
das formas de o indivíduo construir sua identidade dentro do grupo. Perder
o emprego, ter conflitos no trabalho ou ficar sem trabalhar de forma perma-
nente são situações que acabam afetando a identidade de um indivíduo e
as relações sociais a partir das quais também se constitui (ZANELLI; BASTOS;
RODRIGUES, 2014).
Por isso, a presença da psicologia em uma organização é tão importante,
para entender as organizações e os indivíduos que fazem parte dela, visando
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a uma sociedade melhor. Podemos sistematizar alguns campos de potencial


atuação para o profissional de psicologia organizacional (ZANELLI; BASTOS;
RODRIGUES, 2014):

„ comportamento organizacional;
„ desenho organizacional;
„ consultoria organizacional.

No campo da psicologia do trabalho, por sua vez, seriam potenciais campos


de atuação:

„ condições e higiene do trabalho;


„ saúde no trabalho;
„ ergonomia;
„ orientação profissional e de carreira;
„ emprego, desemprego e empregabilidade.

Já na gestão de pessoas, o psicólogo poderia atuar nos seguintes campos:

„ administração de pessoal;
„ análise do trabalho;
„ recrutamento e seleção;
„ treinamento, desenvolvimento e educação;
„ avaliação de desempenho;
„ relações de trabalho.

Nesta seção, estudamos o que é psicologia organizacional, suas funções e


os campos que um profissional da psicologia pode exercer numa organização
ou empresa. Além disso, vimos que o indivíduo é atravessado pelas organi-
zações seja como cliente, consumidor ou operador dos serviços oferecidos.
Na próxima seção, vamos estudar algumas questões atuais sobre os modos
de trabalho e as consequências para a saúde mental do trabalhador.

Atuação de profissionais da psicologia


organizacional
O conhecimento produzido na psicologia organizacional advém não de uma
prática exclusiva do ramo científico da psicologia, mas de um contexto aplicado
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às organizações e à ambiência do fenômeno do trabalho. Por isso, é preciso


compreender como o trabalho (especificamente falando de organizações) se
alicerça, suas práticas e modelos de atuação, os objetivos institucionais e a
estrutura organizacional. Nesta seção, vamos nos debruçar sobre a temática
dos modelos de gestão e sua implicação na atuação dos profissionais.
Para que a empresa cumpra sua missão, há de se considerar a proposição
de um modelo de gestão que, ao apresentar um conjunto de normas e princí-
pios, norteie a tomada de decisões de gestores e profissionais. Atualmente, o
ambiente corporativo vem demandando uma série de diferentes habilidades
dos atores (profissionais) envolvidos. Isso significa que o mercado tem de-
limitado um perfil de profissional capaz de identificar problemas e prover
soluções para a organização em que atuam. Portanto, não basta fazer um
trabalho bem-feito; é preciso fazer com foco em algum resultado que gere
valor à organização.
Nos últimos tempos, algumas das habilidades e competências mais solici-
tadas são planejamento estratégico; gerenciamento e liderança; estruturação
e hierarquização de ações; gestão do desempenho; gestão de equipes e de
pessoas; gestão de responsabilidades e da cultura organizacional; autonomia,
coordenação e organização de processos; gestão de conflitos; e nivelamento
para competitividade (LUGOBONI et al., 2020). O Quadro 1 descreve algumas
habilidades.

Quadro 1. Definições das variáveis mais frequentes

Habilidade Descrição

Gestão de equipes Têm como propósito alcançar os objetivos


e de gestão de organizacionais, utilizando, de maneira eficaz, as
pessoas qualidades das pessoas. Estabelecem objetivos e
permitem que a organização e seus membros aprendam
e compartilhem conhecimentos e competências,
assegurando o cumprimento do dever.

Papel gerencial e São responsáveis por um conjunto de atividades


liderança a desempenhar numa organização, de acordo com
a posição ocupada. O papel gerencial lida com a
complexidade administrativa. Já a liderança lida com
criação de sentidos e de motivação do pessoal.

Poder e Podemos citar cinco fontes associadas à aquisição de


responsabilidade poder por parte dos líderes: poder legítimo, poder de
coerção, poder de recompensa, pode de especialista e
poder de referência.
(Continua)
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(Continuação)

Habilidade Descrição

Desempenho Os resultados são verificados por meio de medidas de


desempenho. Comparam-se os objetivos estabelecidos
com aquilo que foi efetivamente alcançado. As medidas
efetivas de desempenho são integradas à gestão dos
processos.

Coordenação A divisão do trabalho em várias tarefas e a coordenação


dessas tarefas para que a atividade seja desempenhada
são duas exigências opostas e fundamentais. Quanto
mais um trabalho é subdividido em tarefas menores,
feitas por muitos indivíduos, maior é a necessidade de
coordenação.

Autonomia Diz respeito a que ponto uma pessoa, equipe ou marca


pode seguir seu próprio caráter ou motivação. No
Google, por exemplo, a autonomia está incorporada à
filosofia de organizar a empresa em torno de pessoas
de alto impacto, alocando-as em pequenos times.

Organização Constitui um agrupamento de pessoas que dividem


tarefas. É um sistema colaborativo, mediado pela
comunicação entre diferentes partes de um mesmo
sistema. Assim, forma-se um arranjo deliberado e
sistemático de pessoas que desempenham papéis
formais e compartilham um propósito comum.

Cultura É uma das partes básicas da organização e pode ser


comparada aos seguintes indicadores, por exemplo:
distância do poder, individualismo/coletivismo,
masculinidade/feminilidade, atitudes em relação às
incertezas e orientação no tempo.

Planejamento Planejar implica definir as metas da organização,


estratégico estabelecer estratégias para alcançá-las e desenvolver
planos para as atividades a serem realizadas. Significa
compreender o ambiente, olhar para o futuro e
estabelecer a agenda da organização.

Estrutura e A estrutura de uma organização representa a divisão


hierarquização de total do trabalho em tarefas distintas e a maneira
ações que se coordena a execução dessas tarefas. Para isso,
tem-se como denominador o modo como são aplicados
os recursos da empresa para atender às demandas de
mercado.

Fonte: Adaptado de Lugoboni et al. (2020, p. 87).


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É preciso compreender tanto o contexto que mobiliza, provoca e produz


quanto os sujeitos (as pessoas, os profissionais) por ele produzidos. Esse
entendimento pode se dar pelo estudo dos modelos de gestão e como estes
organizam o dia a dia organizacional, a vida das pessoas, seus comporta-
mentos, percepções, pensamentos, etc. Um modelo de gestão significa um
modo de explicar e organizar a vida laboral dos colaboradores. Inclui obje-
tivos, missão, valores e propósitos, que embasam discursos, pensamentos,
premissas, verdades, percepções, comportamentos e práticas profissionais
(ANTUNES, 1999; BORGES; YAMAMOTO, 2014; CODO, 2006; ROTHMANN; COOPER,
2009; ZANELLI; BASTOS; RODRIGUES, 2014). Um modelo de gestão:

[...] é um composto de regras e diretrizes que deve orientar os gestores na escolha


da opção mais adequada, para conduzir a organização a atingir sua missão com
eficácia. Estes modelos são extremamente importantes para o contexto atual,
em que o ambiente é volátil e as empresas precisam se adaptar para sobreviver
(RIBEIRO et al., 2022, p. 27).

Confira a seguir alguns modelos possíveis de gestão no contexto organi-


zacional (RIBEIRO et al., 2022).

„ Gestão participativa: baseada em grupos de trabalhos em que poucos


administram. Ocorre de forma consultiva, grupal ou representativa. O
capital humano é um diferencial para a organização, incentivando a
participação das pessoas nas decisões, para torná-las mais efetivas,
em consonância com a estratégia da empresa e com o sentimento
coletivo.
„ Gestão por resultados: estabelece o rumo estratégico e incentiva
programas de mudanças. O foco é na melhoria contínua em cada ação
da empresa, por meio de planos de ação, que devem ser inspecionados
regularmente.
„ Gestão por competência: estruturado a partir de uma série de práti-
cas sociais para definir como as organizações e o mercado recrutam,
contratam, desenvolvem, promovem, premiam, atribuem valores de
remuneração, demitem, orientam políticas de inclusão e exclusão do
mercado de trabalho, entre outros.
„ Gestão por processo: baseado na premissa da melhoria contínua dos
processos. Tem como foco central a atenção às necessidades dos
clientes. É possível citar modelos como o Seis Sigma, o 5S e o PDCA.
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O Seis Sigma identifica e estabelece melhorias nos processos das


organizações. O 5S é baseado em seis sensos: utilização, organização,
limpeza, normalização e disciplina. Por fim, o PDCA ampara o diagnóstico, a
análise e o prognóstico de problemas das organizações com as etapas: planejar
(do inglês, (plan), fazer (do), checar (check) e agir (act).

„ Excelência em gestão: foca a reordenação organizacional. Abrange


11 princípios da excelência reunidos em oito critérios de avaliação
(maturação de gestão e graus de excelência nos processos organizacio-
nais): pensamento sistêmico, aprendizado organizacional e inovação,
liderança transformadora, compromisso com os usuários, adaptabi-
lidade, desenvolvimento sustentável, orientação para os processos e
geração de valor.

É preciso considerar estruturações e arquiteturas sociais, como esses


modelos de gestão, para compreender como a subjetividade e a saúde psí-
quica dos colaboradores de uma empresa são impactadas. A seção seguinte
vai abordar esse desdobramento.

Subjetividade humana como instrumento


de trabalho e de gestão das organizações
A revolução industrial e o modo de produção capitalista colocaram o trabalho
como central nos modos de vida. Da metade para o final do século XIX, a or-
ganização das cidades e o surgimento de máquinas atraíram um contingente
considerável dos meios rurais, produzindo mudança nas formas de convívio
entre as pessoas e na rotina cotidiana de um indivíduo.
No final do século XIX, trabalhar produzia sucesso econômico. Apesar do
afã às novas formas de produção de bens materiais, nessa fase surgiram
críticas à alienação no trabalho, à monotonia e à repetição das ações, além
do embrutecimento. Permanecer por muitas horas no serviço, atrelado a um
equipamento de forma rígida, apresentava como consequência a necessidade
de um indivíduo sob controle e cada vez mais duro.
No início do século XX, testemunhamos a organização do trabalho e a
necessidade de cientifização da dinâmica industrial. Observamos a emer-
gência do modelo taylorista-fordista e a produção de bens em massa. Nesse
momento, vemos instituir-se o estado de bem-estar, em que o consumo de
mercadoria passou a estar relacionado à dinâmica da produção. Com a forma-
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ção do estado de bem-estar, o trabalho se tornou mais dinâmico e objetivo,


e a produtividade ficou associada ao trabalho mecânico. Tanto na primeira
fase da revolução industrial quanto no momento da organização científica
do trabalho, observou-se a necessidade de ações sem o viés do pensamento.
A subjetividade na organização prejudicaria o trabalho, atrasando-o ou mu-
dando a forma da produção.
A atuação da psicologia organizacional era voltada para as relações hu-
manas. O foco era reduzir os problemas de convívio entre os indivíduos e
destes com o trabalho. A partir da metade o século XX, o mundo acompanhou
o esgotamento do modelo taylorista-fordista e a falência do modo tradicional
de fazer o trabalho. O fim da guerra fria, a falência do estado de bem-estar, o
incremento tecnológico e o estreitamento das relações entre os países com a
globalização provocaram alteração nas organizações e, consequentemente,
no jeito de o trabalho se realizar. A dinâmica do consumo também sofreu
alteração, apontando para uma especificação da produção. Com isso, outros
estilos de gestão passaram a ser necessários, bem como outros modos de
organização do trabalho.
A fim de dar conta da exigência da sociedade que emergia no final do
século XX, as organizações precisaram criar outras táticas para organizar o
trabalho em torno das suas tarefas. Houve a necessidade de reduzir os con-
troles fordistas e de uma abertura à participação do trabalho na produção.
A tentativa de eliminar as iniciativas e tomadas de decisão foi substituída
pelo estímulo ao posicionamento do trabalhar. Verificou-se que expropriar
a produção do saber do operário seria inalcançável. Foi preciso estimular
a flexibilidade da produção e a especialização do serviço e buscar novas
formas de produtividade que abarcassem uma participação do operário
naquilo que ele fazia.
A vida do indivíduo atravessado pelo trabalho se transformou de forma
preponderante. Antes, o estado de bem-estar era fixado do lado de fora da
organização, era externo à produção. Aos poucos, essa lógica foi substituída
por uma produção de bem-estar do indivíduo dentro do trabalho. Nesse
momento histórico, implantou-se uma rotina trabalhista em que figuram a
existência de espaços de autonomia, o reconhecimento e a criatividade para
aumento da produtividade. Pensar no trabalho antes era visto como desne-
cessário, mas os novos estilos gerenciais sinalizaram que as organizações,
de um modo geral, precisam considerar o pensar.
As últimas décadas operaram nas organizações mudanças irreversíveis. O
trabalho considerado pesado foi substituído pelo trabalho intelectual. Há um
combate ao gigantismo da organização, evitando-se os níveis hierárquicos.
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As organizações focam na atividade final ou no objetivo do seu serviço e


terceirizam outras atividades, que engessariam a produção e burocratizariam
seu cotidiano. Observou-se o surgimento do modelo toyotista japonês, com
uma inversão na lógica da produção: são produzidas pequenas quantidades de
muitos produtos, o que atende à necessidade de especialização da produção
e da mercadoria sinalizada pelos consumidores.
Com essas medidas, os aspectos subjetivos passaram a ser reconhecidos
e valorizados. O controle da produção, que antes era interno, passou a ser
interiorizado e se desenvolver na forma de autocontrole. A ordem rígida e
hierarquizada, sem espaço para a subjetividade humana, foi substituída pela
disciplina do próprio indivíduo, por sua participação na personalização do
produto e pela gestão de seus resultados (BORGES; YAMAMOTO, 2014).
Tais mudanças apontaram para duas novas concepções sobre o trabalho.
A primeira sinaliza a ética do lazer, e a segunda, a formação de laços sociais.
As duas criticam o modelo antigo e científico de produção e, por isso, podem
ser confundidas, mas há diferenças entre elas, assim como as propostas de
superação dos problemas que esse novo modelo de produção pode acarre-
tar. Em resumo, ambas reconhecem que o modelo fordista torna impossível
superar a alienação no trabalho. O indivíduo não consegue se reconhecer
como membro de um coletivo, o que o incapacita de ser sujeito de poder.
Embora haja transformações no mundo do trabalho, considera-se que elas
estão sendo realizadas de forma autoritária, partindo sempre do capitalista,
sem participação do trabalhador.
O contingente de trabalhadores nas organizações está sempre menor.
Eles não se reconhecem em suas atividades, e as ocupações tradicionais
desaparecem, o que amplia a exclusão social. Na passagem do trabalho
considerado pesado para o trabalho intelectual, evidencia-se a emergência
de um trabalho imaterial, que é cognitivo e amplia o setor de serviços. A fim
de superar essa imaterialidade, retirando o trabalho do processo de formação
da identidade do trabalhador, passa a ser necessário o resgate dos valores
éticos e comunitários na organização. Na vertente da ética do lazer, a redução
das jornadas de trabalho passa a ser fundamental (BORGES; YAMAMOTO, 2014).
No entanto, observamos que as mudanças das últimas décadas oportuni-
zaram ao trabalhador a consciência sobre o processo do fazer. Ele consegue
se reconhecer no produto, na mercadoria, no serviço. Para uma parte da
população empregada, há o acesso a cargos e atividades de qualidade. Esse
novo momento trabalhista produz uma ampliação das profissões, que estão
cada vez mais diversificadas. Incentiva-se a formação educacional, já que
são exigidas cada vez mais a polivalência e a qualificação do trabalho e do
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trabalhador. O trabalho é visto por boa parte do contingente como repleto


de sentido e contribuição social.
O grande problema do mundo do trabalho da perspectiva do laço social
é perceber que há uma passagem do industrialismo para o informacionismo.
O trabalho, embora supere a alienação, diversifica identidades. Não há iden-
tificação do trabalhador com um cargo, mas com o serviço e o pensamento
plural. O novo pacto para garantir um bem-estar no trabalho, portanto, impõe
a construção de identidades mais sólidas, especialmente coletivas.
Nesta seção, vimos como se construiu historicamente a ideia de subjeti-
vidade humana como instrumento de trabalho e de gestão das organizações.
Estudamos as formas de atuação da psicologia organizacional junto aos
grupos, como forma de melhorar o desempenho da gestão na atual confi-
guração do trabalho. A partir da ideia de grupamentos sociais no trabalho, é
possível apontar caminhos para identidades mais sólidas e coletivas, além
de pensar estratégias de solidariedade e comunitarismo na organização. Na
próxima seção, vamos estudar questões emergentes sobre a saúde mental
e o bem-estar nas organizações.
No decorrer do século XX, observamos a passagem de um trabalho fun-
damentado na execução mecânica de serviços para um trabalho cada vez
mais intelectual. Também vimos que o trabalho não é só uma parte anexa ao
indivíduo, mas constitutivo dele. Portanto, se o trabalho muda, deixando de
ser braçal para ser intelectual, o estilo de vida do ser humano também muda.
Se o modo do exercício do trabalho é braçal, os acidentes ocupacionais se
abatem sobre o corpo, como perdas de membros, fraturas, cortes, esmaga-
mentos, infecções, etc. Quando o trabalho passa a ser intelectual, o acidente
de trabalho se torna diferente e atua sobre a subjetividade do indivíduo. As
doenças ocupacionais passam a ser depressão, psicose, síndrome de burnout,
transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno bipolar, crise de ansiedade,
surtos psíquicos das mais diversas ordens, entre outras.

Nas últimas décadas, o trabalho é cada vez mais subjetivo e incide no


tipo de doença que identificamos nas empresas. Se a doença também
é subjetiva, devemos trabalhar para potencializar o bem-estar na organização.

Na interface entre psicologia e trabalho, podemos considerar três grupos


de teorias que têm como foco a saúde do trabalhador. O primeiro é da ordem
dos estudos do estresse e defende que a saúde significa redução dos con-
flitos e problemas no ambiente profissional. O segundo grupo se baseia na
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psicodinâmica do trabalho. Trata-se de uma teoria de orientação psicanalítica


que preconiza a libido como força maior na constituição do indivíduo, do
trabalhador. A teoria psicodinâmica argumenta que o trabalho é uma forma
eficaz de sublimação, uma espécie de canalização saudável dessa libido. O
terceiro grupo de teorias se baseia na abordagem da ciência epidemiológica.
Propõe que o indivíduo é um ser psicossocial e tem no trabalho a expressão
de uma multideterminação pela relação entre os demais. Para essa percep-
tiva, o fenômeno da saúde estaria articulado com o manejo e o controle das
transformações que ocorrem no trabalho (ZANELLI et al., 2010).
Em resumo, essas três perceptivas nos fazem ver que saúde implica a
redução das situações conflituosas, bem como o investimento no prazer
e na satisfação do indivíduo por meio de suas tarefas organizacionais e da
qualificação das relações interpessoais. Desse modo, ele pode se expressar
de forma autêntica e segura dentro do ambiente de trabalho.
Como vimos neste capítulo, a presença do psicólogo organizacional e do
trabalho é fundamental e necessária. A produtividade será sempre o objetivo
de qualquer empreendimento. O bem-estar e a satisfação no trabalho só virão
se alguém estiver cuidando disso, por exemplo, realizando treinamentos,
preparando processos seletivos, observando o espaço que as pessoas tra-
balham, identificando motivações e descobrindo formas de engajamento dos
grupos nas atividades. Desse modo, o psicólogo ajuda a promover relações
saudáveis e a identificação do indivíduo com o resultado do seu trabalho.
Além disso, incentiva que qualquer trabalhador se veja como agente das
mudanças que possam encontrar. Tais ações incidem sobre a forma com que
o indivíduo pensa em si mesmo e determina como irá superar obstáculos e
seguir colocando em prática seus pontos fortes, sendo solidário, recebendo
auxílio e praticando a cidadania organizacional. Assim, promove um ambiente
seguro na organização. A psicologia é fundamental para compreender a di-
nâmica do trabalho, e o psicólogo é figura inestimável para qualquer círculo
diretivo, contribuindo com o desenvolvimento e a potencialização da vida
do trabalhador.

Referências
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.
5. ed. São Paulo: Boitempo, 1999.
BORGES, L. O.; YAMAMOTO, O. H. Mundo do trabalho: construção histórica e desafios
contemporâneos. In: ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; BASTOS, A. V. B. (org.).
Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 25-72.
CODO, W. Por uma psicologia do trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
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LUGOBONI, L. F. et al. Modelos de gestão: uma revisão da literatura brasileira. Cafi, v.


3, n. 1, p. 83-102, 2020.
RIBEIRO, S. P. et al. Modelos de gestão: enfoque no modelo MEG. Universitas, ano 16,
n. 31, p. 23-44, 2022.
ROTHMANN, I.; COOPER, C. Fundamentos de psicologia organizacional e do trabalho.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
SPECTOR, P. E. Psicologia nas organizações. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
ZANELLI, J. C.; BASTOS, A. V. B.; RODRIGUES, A. C. A. Campo profissional do psicólogo
em organizações e no trabalho. In: ZANELLI, J. C.; BORGES-ANDRADE, J. E.; BASTOS, A.
V. B. (org.). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2014.
p. 549-582.
ZANELLI, J. C. et al. Estresse nas organizações de trabalho: compreensão e intervenção
baseadas em evidências. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Leituras recomendadas
CHANLAT, J. F. (coord.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 1996.
DWECK, C. S. Mindset: a nova psicologia do sucesso. São Paulo: Objetiva, 2017.
LOTTO, B. Golpe de vista: como a ciência pode nos ajudar a ver o mundo de outra forma.
Rio de Janeiro: Rocco, 2019.
MASI, D. O ócio criativo: entrevista a Maria Serena Palieri. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

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