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FUNDAMENTOS BÍBLICOS
UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.a Tathyane Lucas Simão
Prof. Ivan Tesck
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
220.07
S719E Souza, Maria Gisele Canário de
APRESENTAÇÃO.....................................................................01
CAPÍTULO 1
Estudo da Bíblia........................................................................9
CAPÍTULO 2
O Antigo Testamento e sua História....................................21
CAPÍTULO 3
O Exílio, e a Volta do Exílio Decretada pelo
Império Persa..........................................................................63
CAPÍTULO 4
Segundo Testamento...........................................................109
APRESENTAÇÃO
O estudo do livro mais vendido do mundo, cerca de seis bilhões de cópias, a
Bíblia, passou por uma série de transformações e descobertas ao longo da história.
Podemos imaginar que esse processo de leitura e conhecimento não é tão simples,
pois existem inúmeras formas de interpretá-la. Com essa disciplina, Elementos
e Fundamentos Bíblicos, almejamos que você seja introduzido nesse processo de
leitura e aprendizado.
Os autores.
C APÍTULO 1
Estudo da Bíblia
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Capítulo 1 ESTUDO DA BÍBLIA
A Bíblia – Palavra de Deus – chega até nós, nas nossas igrejas e/ Os leitores da Bíblia
ou comunidades, às pessoas de fé, em forma de literatura. É importante se veem desafiados
a identificar a
percebermos que na Bíblia Deus faz uso da linguagem humana para ser Palavra de Deus,
compreendido. Nesse sentido, os leitores da Bíblia se veem desafiados a revestida com
identificar a Palavra de Deus, revestida com palavras humanas. palavras humanas.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A cada leitura feita surgem diversas fontes de sentidos. É claro que sem
leitores e leitoras intérpretes, pessoas, comunidades-igrejas, as narrativas bíblicas
permaneceriam letra morta. São os leitores que dão vida ao texto e fazem com que
a narrativa se torne Palavra de Deus. Textos lidos sem o esforço da interpretação
tornam-se materialidade da letra, é a fragilidade das leituras fundamentalistas e
historicistas.
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Capítulo 1 ESTUDO DA BÍBLIA
Por causa desses motivos é que vamos aprender a ler a Bíblia de forma
diferente. E para isso existem alguns métodos científicos: sincrônico e diacrônico
– bem como suas especificidades – e leituras que podem nos ajudar. Veja no
próximo item, após a atividade proposta, os métodos mais utilizados pelos
exegetas atuais.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 1 ESTUDO DA BÍBLIA
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O estudo dos diversos estilos literários nos ajuda a entender que certos
textos são poéticos e não podem ser interpretados como uma verdade científica.
Isso, por exemplo, aparece no poema dos seis dias da criação (Gn 1,1-2,4), que
é escrito, possivelmente, num contexto de forte sofrimento no período exílico, se
trata de um convite para louvar a Deus, mas não obriga ninguém a crer que o
mundo foi feito em seis dias.
O povo sabia ler a presença de Deus nos fatos corriqueiros da sua história
de vida. Por isso, a Bíblia, essa coleção de livros, não contém só orações, bons
conselhos, frases edificantes. Nela estão presentes fatos da vida, com tudo que
sabemos que tem a vida: heroísmo e violência, generosidade e pecado, sangue,
guerra, casos de família, machismo, preconceitos, lealdade e traição, interesses
econômicos e políticos e tantas outras situações. A Bíblia nos revela que Deus
é a verdade! Mas ela também revela quem somos nós: humanos! Propensos ao
amor, às dores, virtudes e fraquezas.
Duas atitudes podem A Bíblia pode ser entendida como um espelho, que reflete a nós
nos levar a uma mesmos, com isso ela nos ajuda a discernir sobre nossas deficiências
falsa ideia de Deus
e da encarnação: e capacidades. E nos aponta para um mundo cheio de esperança,
dar valor absoluto com possibilidades de transformações inimagináveis. Duas atitudes
a tudo o que está
escrito literariamente podem nos levar a uma falsa ideia de Deus e da encarnação: dar
e ignorar os valor absoluto a tudo o que está escrito literariamente e ignorar os
condicionamentos condicionamentos humanos e literários do texto.
humanos e literários
do texto.
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Capítulo 1 ESTUDO DA BÍBLIA
O teólogo que se propõe a estudar a Bíblia deve ser fiel à Igreja, trabalhando
com competência, para ajudar a própria Igreja a aprofundar sua compreensão da
Palavra de Deus. É necessário também dar aos fiéis e às lideranças comunitárias
ferramentas que os ajudem a ler a Bíblia com o olhar na realidade e no período
bíblico, e não o contrário, o que poderia gerar equívocos desastrosos. A Palavra
de Deus correria o risco de ser descaracterizada! E aquele desejo de fazer valer a
vontade de Deus poderia surtir um efeito contrário.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
As Igrejas cristãs são gratas pelo trabalho dos especialistas que ajudaram e
ajudam a entender o texto bíblico de uma forma diferente, ajudando a superar a
leitura literal e adentrando a leitura que expresse o sentido que estava presente
no período em que o texto foi escrito. Ser repetitivo, e querer que o texto fale à
nossa vida, sem levar em conta o motivo pelo qual o texto foi escrito, pode incorrer
numa infidelidade ao texto, e consequentemente, ao projeto de Deus.
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Capítulo 1 ESTUDO DA BÍBLIA
Atividade de Estudos:
Algumas ConsideraÇÕes
Nesse primeiro capítulo buscamos introduzi-lo, caro aluno, ligeiramente na
leitura da Bíblia, de maneira mais acadêmica, mas também pastoral. Acreditamos
que uma realidade contempla a outra. Para isso, fizemos uso dos métodos
propostos pela exegese bíblica, citamos apenas os mais utilizados, que são o
método sincrônico e o anacrônico. Sabendo interpretá-los, seremos favorecidos
por uma compreensão mais ampla da Bíblia. A Bíblia pode ser um local que inspira
a rezar/orar, mas não de forma ingênua, não relativizando a fé, mas verificando as
várias imagens de Deus construídas ao longo da história.
Ler a Bíblia é uma tarefa exigente, de acordo com o que vimos ao longo desse
capítulo, no entanto, se soubermos utilizar as ferramentas de leituras propostas
pelos mais variados métodos de leituras exegéticas, pode se tornar algo tranquilo.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Ao longo da nossa vida fomos acostumados a ler a Bíblia com muito medo,
receio que acabou por gerar um bloqueio na hora da leitura. Tentando enxergar
as narrativas como muito belas, “algo do céu”, mesmo aquelas que retratam
situações de violência, tentávamos reinterpretá-las a ponto de se tornarem lindas
aos nossos olhos.
Dessa forma, ficou difícil vermos a Bíblia como uma biblioteca de livros
literários, escritos em um período muito distante e diferente dos costumes que
vivenciamos na sociedade hodierna. Optamos por ver a Bíblia como algo sagrado,
muito sagrado, intocável e distante de nós!
As ferramentas de leituras não podem ser vistas como algo que vai nos
tirar a fé. Para quem é religioso, isso é muito importante, porém sabemos que a
Bíblia não é lida apenas por religiosos, mas por cientistas, ateus e curiosos em
geral. Isso significa que os crentes possuem uma responsabilidade muito grande,
faz-se necessário um diálogo de igual para igual, e não apenas repetir de forma
fundamentalista o que pastores, padres, pregadores e lideranças em geral fazem.
Não veja isso como algo intolerante, mas veja como um sinal de ressignificar nos
dias atuais a Palavra de Deus, que para nós se faz necessária! Se posicione e
lembre que o conhecimento é um processo de aprofundamento da fé e da própria
existência. Pense nisso e reflita!
ReFerÊncias
ANTONIZI, Alberto, et al. ABC da Bíblia. São Paulo: Paulus, 1982.
LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2014.
SERVIÇO de animação bíblica. Iniciação à leitura da Bíblia. São Paulo: Paulinas, 2007.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
ContextualiZaÇÃo
A Bíblia, como bem sabemos, é um livro diferente de todos os outros livros
que conhecemos, pois não se trata de um livro, mas de uma coleção de pequenos
livros (livretos, cartilhas). A palavra Bíblia se origina do grego, que significa,
literalmente, “livrinhos”, pois indica o plural da palavra biblion, que é o diminutivo
de “biblos”.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A história da Bíblia pode ser comparada à história de uma casa, que começou
pequenina e pobre, com poucos cômodos, mas ao longo dos anos foi passando
por reformas, recebendo acréscimos, novos cômodos, até tornar-se um enorme
casarão. Conforme dito anteriormente, a Bíblia levou mais de mil anos para
ser compilada. Ao ser iniciada, foi a partir de pequenas histórias de libertação
que foram contadas a partir da oralidade, posteriormente sendo registradas por
escrito, celebradas, recontadas, atualizadas em novos acontecimentos e sofrendo
acréscimos com novas histórias, memórias, cânticos, provérbios, leis e orações,
tudo passando por inúmeras revisões, até formar o livro que temos hoje em mãos.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A crise dos grandes centros urbanos a partir de 1.200 a.C., causada por vários
fatores, entre os quais a chamada “invasão dos povos do mar”, e o processo de
resistência ao sistema de dominação das cidades-estado, fazem com que grupos
de pastores, camponeses e gente marginalizada (hapirus) de Canaã, e pessoas
escravizadas no Egito, encontrem nessas aldeias a possibilidade de viver longe
da dura opressão imposta a eles pelos reis cananeus e pelo faraó. Essas pessoas
vão aumentar as populações de Hebron, Bersabeia, Betel e Siquém.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Nesse processo, algum povo pode ter trazido o culto a Javé para dentro das
aldeias e tribos de Israel. Javé parece ser uma divindade que veio de fora de Canaã
(Ex 2,16;3,1-2; Dt 33,2; Jz 5,4; Hab 3,3). Javé é integrado ao panteão das tribos e
aldeias camponesas, possivelmente como o Deus dos guerreiros e da guerra (cf.
Ex 15,2-3; 14,14.24-25.27; Jz 4,14-15; 1Sm 17,47). Contudo, nas tribos e aldeias,
estes guerreiros travam apenas guerras defensivas contra saqueadores. Seu culto
acontecia no momento em que os camponeses necessitavam transformar seus
instrumentos de trabalho em armas (1Sm 17,40-43) e formar linhas de guerreiros
para defender a vida de suas famílias, suas colheitas, suas terras e sua liberdade.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O Sistema Tribal
O longo período pré-histórico da humanidade foi, possivelmente, uma época
marcada por grupos menores e por bandos. Eram caçadores e coletores. Somente
a partir do 10º milênio a.C. se conhecem, no antigo Oriente, processos de transição
para a agricultura. Segundo Gerstenberger (2007, p. 29), “o tamanho ideal de
grupos errantes na busca por alimentos era em torno de dez e trinta pessoas.
Se considerar um grupo consanguíneo, logo se chega a um número desses, em
analogia a grupos de primatas”.
O sistema tribal marca a sociedade das montanhas nos séculos XII e XI a.C.
Durante este período, as planícies ainda continuavam sob o controle dos reis
cananeus e sob o jugo das cidades-estado. Foi um período antimonárquico.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Primeira parte:
<https://www.youtube.com/watch?v=sdEm2K5Ue4E& feature
=youtu.be>.
Segunda parte:
<https://www.youtube.com/ watch?v=Z9Uux51qDes&feature
=youtu.be>.
No projeto do êxodo está implícita uma busca contínua por libertação, que
após ser contada oralmente é redigida por escritores que tinham interesse em
preservar sua memória no meio popular da sociedade de Israel. É um projeto que
vai se realizando aos poucos, mediante gestos concretos assumidos pelo povo,
quando decidem não mais ser escravos. Recusam servir ao faraó e ao Egito, e
daí um grupo de escravos (hebreus) decide traçar seu próprio destino. Esse povo
vive uma experiência profunda ao caminhar pelo deserto com o seu Deus. O Deus
que caminha com o seu povo é peregrino, habita em cabanas junto aos seus, e
faz aliança com eles.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
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deve ser atribuído a Deus (que é seu artífice) e, portanto, deve ser ritualmente
destruído sem dele tirar vantagem material. Como conclusão, se o povo for fiel a
Deus, seguramente vencerá. E, ao contrário, se for derrotado, deverá procurar as
causas do insucesso numa infidelidade sua (LIVERANI, 2008, p. 349).
Os povos estranhos serão substituídos pelo povo eleito, que pode tomar
posse de um território já preparado – com cidades, casas e campos – desde que
elimine sem piedade os habitantes anteriores e garanta a total devoção a Yahweh
de todos os membros da nova comunidade que se pretende construir:
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A redação final dos livros de Gn, Ex, Lv, Nm e Dt, e a reunião dos livros que
formam a Torah, conforme a tradição judaica, e Pentateuco, conforme a tradição
cristã, são concluídas por volta do ano 400 a.C.
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Atividade de Estudos:
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Na Babilônia, esse grupo é tratado como escravo, utilizado como mão de obra
nas construções públicas, nas lavouras, na reconstrução de cidades destruídas e
em outros trabalhos forçados: "Este povo foi despojado e saqueado, todos eles
estão presos em cavernas, estão retidos em calabouços. Foram submetidos ao
saque e não há quem os liberte; foram levados como despojo, e não há quem
reclame a sua devolução" (Is 42,22). Muitos não enxergavam mais sentido na vida
nem perspectivas quanto ao futuro.
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Atividade de Estudos:
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"Deus disse: 'Haja luz', e houve luz" (Gn 1, 14). No primeiro dia, Deus cria a
luz e a separa das trevas. O tema da separação dos elementos opostos aparece
em várias narrativas de povos vizinhos. No Gênesis, os três primeiros dias são
dias de separação. No relato bíblico, a separação não acontece por meio de um
combate entre as divindades, conforme o relato da Babilônia, mas é um gesto de
Deus. Após esse gesto, Deus dá nome à sua criação, confirmando sua relação e
responsabilidade com ela.
À luz ele chama dia, e à treva, noite (Gn 1,3-5). No relato babilônico, a luz
vem em primeiro lugar e pertence à divindade. Para os autores de Gênesis, a luz
não é mais propriedade dos deuses. O abismo e a luz não são sagrados, são
apenas criaturas de Deus.
No segundo dia, Deus faz o firmamento (Gn 1,6-8). A ideia de que o céu
separa as águas de cima e as de baixo está presente em outras culturas. O céu
é pensado como uma placa de metal, que Deus pode abrir e fazer cair a chuva:
"abriram-se as comportas do céu" (Gn 7,11; Jó 37,18). Dizer que Deus faz não se
trata simplesmente de um chamado à existência, mas de uma fabricação. Ele não
avalia esta obra.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
No terceiro dia, cria a terra firme (Gn 1,9-13). As águas são recolhidas e
aparece a terra firme. Está no coração e na boca do povo: "O céu foi feito com a
palavra de Javé, e seu exército com o sopro de sua boca. Ele represa num dique
as águas do mar, coloca os oceanos em reservatórios" (Sl 33,6-7). Os babilônios
acreditam que Marduk mora no meio do oceano. No poema bíblico, o mar e a terra
são criados pela palavra de Deus e pertencem a ele. Esta é a segunda criação
avaliada como boa: "E Deus viu que era bom" (Gn 1,10).
A obra do terceiro dia ainda não está completa. É necessário que a terra
produza vegetação e árvores. A origem está na palavra de Deus. Ele ordena que a
terra produza seus frutos. Para Israel, a terra é criatura de Deus. A sua fertilidade
não depende de uma divindade, mas ela produz naturalmente, segundo o que
Deus ordena. E no final, pela segunda vez nesse dia, temos a avaliação: "Deus
viu que isso era bom" (Gn 1,12).
No quarto dia, ocorre a criação de luzeiros no céu para separar o dia e a noite
(Gn 1,14-19). A palavra de Deus chama à existência o Sol, a Lua, as estrelas.
Os nomes sol e Lua não aparecem. Esses astros são divinizados pelos povos
vizinhos de Israel, porém, no relato bíblico, eles são simplesmente luzeiros, cuja
função é iluminar a terra e comandar o dia e a noite, os meses e as estações. Na
Babilônia, acredita-se que o Sol, a Lua e as estrelas possuem o poder de controlar
o destino das pessoas. Essa crença é desacreditada pelos autores de Gênesis 1,
que evidenciam que os astros são criaturas de Deus.
No sexto dia, Deus cria a humanidade (Gn 1,24-31). No terceiro dia, a terra
produz a vegetação e as árvores frutíferas; no sexto dia, a terra é chamada a
produzir os animais terrestres. Todos são chamados a produzir e a se multiplicar
"segundo a sua espécie", esse estribilho aparece no terceiro, quinto e sexto dia
(Gn 1,12.21.25). Depois de tudo criado, Deus cria o 'adam – a humanidade – "à
imagem de Deus ele o criou, homem e mulher os criou" (Gn 1,27). É a última das
criaturas. Todo o cenário está preparado para recebê-lo.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O ser humano não foi criado, como relatam algumas narrativas, para ser
escravo das divindades, mas como sua criação, como ser com quem Deus
se relaciona e dialoga. O ser humano é para ser a imagem e semelhança de
Deus: mulher e homem são chamados à vida. Como o Criador, o ser humano
é chamado a trabalhar para que triunfe a luz, para realizar, construir e procriar,
dando continuidade à obra de Deus.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Por isso, da mesma forma que Deus abençoa os animais e o ser humano,
ele também abençoa o sábado e o santifica. O sábado tem que ser um dia para
as pessoas resgatarem a sua consciência, sua identidade e a sua fé. Elas não
devem estar submetidas ao trabalho escravo. É um tempo de encontro para fazer
memória de suas tradições. É tempo de celebrar e de refazer as energias! Este
primeiro relato termina com uma breve conclusão: "Esta é a história do céu e da
terra, quando foram criados" (Gn 2,4a).
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
filho do deus Ea. Marduk resolve atacar Tiamat, mas impõe uma
condição: se ele vencer será nomeado rei dos deuses. Eles
aceitam as condições de Marduk, que parte para o combate.
Marduk envolve a sua rival em sua rede e lança no rosto dela
o Vento Maligno. E enquanto os ventos atacavam o estômago
dela, seu corpo foi distendido e sua boca se abriu totalmente.
Nesse momento, com a flecha, Marduk corta o estômago, as
entranhas e o coração de Tiamat, eliminando a sua vida e a
dos deuses que a seguiam. Em seguida, ele toma o corpo de
Tiamat e o divide como uma concha, em duas partes: com a
metade, ele estabelece o céu, cerca com um portão e coloca
guardas para impedir que as águas escapem.
Marduk constrói estações para os deuses, fixando seus
semblantes como constelações. Ele determina o ano
designando zonas: ele estabelece três constelações para cada
um dos doze meses.
Quando Marduk ouve as palavras dos deuses, seu coração o
leva a realizar obras engenhosas.
Abrindo sua boca, ele disse a Ea, deus das águas: "Acumularei
o sangue e farei que surjam os ossos. Estabelecerei um
selvagem, 'homem' será o seu nome; criarei um homem
deveras selvagem. Ele será encarregado de servir aos deuses
para que eles possam ter tranquilidade!"
Kingu contribui para a revolta, levando Tiamat a se rebelar, e
entrar em combate. Eles prendem Kingu, segurando-o diante
de Ea. Por ser considerado culpado, eles cortam suas artérias.
Do seu sangue é criada a humanidade. Ea impõe o serviço e
libera os deuses. Depois de Ea, os sábios criam a humanidade,
impondo-lhe o serviço aos deuses (BIERLEIN, 2003, p. 85-87).
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
• A leitura dos relatos da criação segundo Gênesis 1,1 até 2,4a e segundo
o mito babilônico nos possibilita perceber diferentes tentativas do ser
humano de responder às perguntas sobre as origens da Vida. Perguntas
sobre as quais teólogos e cientistas continuam se debruçando, perguntas
que são repetidas a cada geração. De onde vem a vida? Numa dimensão
de fé, acreditamos que a origem da vida está em Deus. E nossa atitude
é de reverência diante do mistério do universo, que nos convoca a um
cuidado permanente para que a vida continue existindo. Sempre.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Embora em Jerusalém Javé ocupe espaço central por ser o Deus do rei e da
religião oficial (Sl 2; 89), todas as outras divindades do povo de Israel, ou oriundas
de alianças ou imposições políticas e econômicas, também serão cultuadas ali
(2Rs 23,4-14), integradas na vertente religiosa de legitimação de poder e da
riqueza.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Após a morte do rei Salomão, Roboão sucedeu seu pai no trono. Os nortistas
não aceitaram facilmente essa realidade. Contudo, exigiram que Roboão se
apresentasse numa assembleia na cidade de Siquém, dessa forma exigiram as
condições para que o rei fosse admitido: acabar com os conflitos e a opressão. O
povo teria voz ativa como no tempo da confederação das doze tribos (1Rs 12,1-5).
a) Elias
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
b) Eliseu
c) Amós
Jeroboão II, por volta do séc. VIII, foi o décimo terceiro rei do Reino do Norte.
Seu reinado aconteceu em uma época de enriquecimento, mas na qual o luxo dos
mais ricos contrastava com a pobreza da maior parte da população.
d) Oseias
O profeta Oseias, com o mesmo vigor de Amós, faz fortes denúncias aos
opressores políticos e religiosos de sua época. Mas os pecados de Israel, dessa
vez, são identificados como a “prostituição” do povo, que abandonou o projeto de
Javé para servir a Baal (Os 4,2.4-10; 6,7-10; 10,4; 12,2.8-9). Essa ótica é reforçada
pela experiência pessoal de sua esposa que, segundo os textos, o abandonou e
entregou-se à “prostituição sagrada” nos ritos balísticos de fecundidade. Mas ele
a perdoou quando decidiu voltar para casa (Os 1,2-3,5).
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Sua experiência pessoal o fez repensar a relação entre Javé e seu povo.
Oseias percebe que a causa principal de toda a situação complicada do povo
seria sanada, caso se convertessem a Javé, que perdoaria, pois o seu amor
prevaleceria. Daí a denúncia ao culto idolátrico torna-se a sua principal temática.
O Reino do Norte teve o seu fim em 722 a.C. com a destruição da Samaria,
sua capital, para não se erguer jamais. O Reino do Sul, apesar de ser bem menor
e mais pobre, continuou existindo por mais algum tempo, mesmo pagando o preço
da vassalagem, como veremos no próximo item.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
a) Isaías
b) Miqueias
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
Nesse período, Ezequias, que era rei de Judá (716-687 a.C.), faz a reforma
atacando os santuários e lugares altos do interior (cf. 2Rs 18,3-6). O mesmo rei
lidera o movimento antiassírio e faz guerra contra as cidades filisteias (705-701;
2Rs 18,8).
Mediante todas essas injustiças, Miqueias é o defensor dos pobres que são
violentados por essa elite dominante. Ele grita contra os ricos e poderosos de
Jerusalém: “Vocês são gente que devora a carne do meu povo” (Mq 3,3; cf.3,10).
Miqueias é um camponês que vive espoliado, exprime sua dor e ira em linguajar
duro e forte, muito parecido com a profecia de Amós, que era também do interior
comprometido com as causas das pessoas pobres subjugadas pelo sistema
governamental.
c) Sofonias
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Mas quem era mesmo esse povo da terra? Era o grupo defensor da dinastia
de Davi, formado por grandes donos de terra, que com outros dirigentes de
Jerusalém oprimiam e exploravam o povo (Ez 22,29). A população camponesa
era obrigada a fornecer alimento para manter o comércio e sustentar o luxo e
mordomia da corte israelita (1,8). O profeta denuncia com vigor a concentração
de riqueza em Jerusalém, a centralização do excedente agrícola, o controle
do comércio e as práticas religiosas. A principal característica dos oráculos de
denúncia é o “dia de Javé” (cf. Am 5,18-20) contra os opressores (1,7.14-18; 2,2).
Sofonias é o grito profético do povo explorado. Os pobres da terra, como sujeito
histórico, são a única esperança de uma sociedade baseada na justiça e na
pobreza, na partilha e solidariedade (2,3): eles são amados e protegidos por Javé.
d) Hulda
e) Jeremias
O profeta Jeremias nasceu por volta do ano 650 a.C., em Anatot, pequena
aldeia levita da tribo de Benjamim (Jr 1,1), cerca de 6km ao nordeste de
Jerusalém. É provável que seja descendente de família sacerdotal ligada às
tradições dos levitas do Norte. Este grupo se caracteriza pela fé no Deus da vida,
em oposição ao Javé oficial do Templo, e também por defender os interesses da
população camponesa contra as injustiças da monarquia (26, 11-18). A linguagem
de Jeremias utiliza imagens do campo (2,20-27; 14,4-5) e sua profecia brota da
preocupação com o sofrimento dos camponeses (10,17-25).
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
f) Naum
g) Habacuc
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Algumas ConsideraÇÕes
Ao longo desse capítulo pudemos nos aproximar um pouco mais da história
de Israel, verificando mais de perto algumas das suas inúmeras narrativas.
Buscou-se dar a você, aluno, algumas ferramentas de leitura. O conteúdo mais
aprofundado, dependendo do seu interesse, poderá encontrar de maneira mais
ampla na bibliografia indicada. Você, num primeiro momento, pode achar muito
complicado estudar a história de Israel, de fato, essa dificuldade ocorre porque os
escritos bíblicos não são narrados de forma linear, pois não se trata de um livro
apenas, mas de muitos, escritos ao longo de vários séculos, o que colabora para
identificar o contexto em que surgiram as narrativas.
Por outro lado, é claro que essa tarefa exige um pouco de esforço, não
diferente da missão que tiveram muitos dos profetas do antigo Israel, de acordo
com o que vimos no conteúdo. A profecia é fundamental para explicar o contexto
social, político e ideológico do Israel antigo. No Antigo Testamento transparecem
nas narrativas nitidamente duas maneiras de fazer e viver a profecia: os profetas
da corte e os profetas camponeses. Cada um se identificando com um projeto
distinto. Ao ler o texto bíblico, você pode verificar de qual profeta a narrativa trata,
quais os seus interesses, e por quem ele se identifica e sofre/clama por justiça.
ReFerÊncias
ANTONIZI, Alberto, et al. ABC da Bíblia. São Paulo: Paulus, 1982.
KONINGS, Johan. A Bíblia nas suas origens e hoje. Petrópolis: Vozes, 1998.
LIMA, Maria de Lourdes Corrêa. Exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2014.
MARQUES, Maria Antônia; NAKANOSE, Shigeyuki. Deus viu que tudo era mui-
to bom. Entendendo o livro de Gênesis 1-11. São Paulo: Paulus, 2007.
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Capítulo 2 O ANTIGO TESTAMENTO E SUA HISTÓRIA
SHIGEYUKI NAKANOSE. (Jn 2,5): Uma leitura de Jonas 2,1- Continuo a con-
templar o teu santo Templo 11. Revista Vida Pastoral – setembro-outubro 2010
– ano 51 – n. 27 p. 21.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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C APÍTULO 3
O Exílio, e a Volta do Exílio Decreta-
da pelo Império Persa
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
IMPÉRIO PERSA
ContextualiZaÇÃo
Neste terceiro capítulo temos como objetivo principal a compreensão de
uma etapa muito importante da história de Israel, que é o exílio da Babilônia e
o possível retorno da antiga elite de Judá para Jerusalém. Nessa perspectiva,
iremos descobrir que a literatura bíblica depende, e muito, desses eventos, pois
boa parte dos seus escritos foi reelaborada a partir da experiência do exílio e do
pós-exílio.
O Que é o Exílio?
Muito se fala em exílio na Bíblia, mas o que foi esse acontecimento tão
relevante nas narrativas bíblicas? Na verdade, não aconteceu apenas um exílio
na história de Israel, foram muitos, mas só um deles se tornou o mais conhecido.
Nesse capítulo iremos caminhar com os exilados da Babilônia e fazer o retorno
com eles, e, com isso, conhecer um pouco mais da literatura que foi escrita nesse
período. Vamos lá?
No VIII séc. a. C. ocorreram três exílios. Neste período a Assíria era a grande
potência mundial e subjugara todo o mundo então conhecido. A deportação de
seus povos dominados, em especial da elite que governava, era parte do plano,
com práticas de guerra e de subjugação.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Portanto, o exílio babilônico é o mais conhecido, mas não o único, por conta
disso iremos aprofundá-lo um pouco mais. Vamos lá!
Este exílio permaneceu na memória, foi superado, mas não foi esquecido,
como aconteceu com os demais, inclusive do século VIII, que chegou a atingir
milhares de pessoas. No entanto, seu destino não chegou a ser resgatado porque
não puderam regressar. Enfim, caíram no esquecimento, ainda que o profeta
Jeremias, em torno de 630 a.C., deles se lembrasse:
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
IMPÉRIO PERSA
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O primeiro Isaías denunciou aqueles que desejavam: "terra a terra” (Is 5,8).
Já o segundo Isaías convocou os exilados na Babilônia: “saí daí!”. Dessa forma
fica evidente que as denúncias do primeiro Isaías são uma espécie de preparação
para a conclamação para o segundo Isaías. Ter que superar a expatriação e
superar os diversos tipos de opressões na própria terra são dois lados de uma
mesma moeda. Resgate de exilados e da liberdade são quase como alma gêmea.
Acontecimentos Históricos
Historicamente não dá para negar que o século VI a.C., século em que
ocorreu o exílio da Babilônia, foi um período de reviravolta, não somente para
Israel, mas para grande parte do mundo antigo. Esse período é chamado pelos
historiadores de “período axial”, registrado por inúmeras inovações.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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No entanto, toda essa opressão não demorou por muito tempo, os egípcios
reagiram, fizeram uso da sua tradição milenar e seus férteis vales junto ao rio Nilo.
A partir disso, começaram a buscar por sua mais rápida autonomia e começaram
por expulsar os assírios de suas terras. Além de afugentar os invasores, seguem
perseguindo-os. A hegemonia da Assíria na Palestina é muito contestada.
Dessa forma, o império egípcio alcança o grande rio Eufrates na Mesopotâmia,
no período da agonia assíria. Essa influência egípcia na Palestina, na segunda
metade do séc. VII a.C. e no próprio VI séc. a.C., é importante e decisiva para a
compreensão da expatriação de Judá.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Para Judá, esse impasse que ocorreu entre os babilônios e egípcios foi fatal.
Isso aconteceu por conta da posição estratégica ocupada por seu território.
Para os impérios egípcios era fundamental ter Judá como aliada. Afinal, era
uma área para o abastecimento de suas tropas. A rigor, para quem vem do Egito,
Judá se constitui no primeiro lugar onde os exércitos podem reabastecer-se. Após
centenas de quilômetros por terrenos áridos e inóspitos, a região de Judá fornece
água e comida. Contudo, para as estratégias militares daqueles tempos, um tal
território era decisivo. Os faraós egípcios da época trataram logo de manter boa
vizinhança com os reis de Jerusalém.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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Corte real
Militares
Funcionários
do Estado
Famílias de
políticos
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Após 587, de acordo com Jr 52,30, parece ter ocorrido uma outra deportação,
no entanto só sabemos dela por meio de Jeremias, cujo versículo nos deixa muitas
dúvidas (SCHWANTES, 2009). Em todo caso, de acordo com esta nota, houve
outra leva de deportados em 582. Não teria chegado à casa das mil pessoas.
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Jeremias menciona retirantes que se haviam evadido para povos vizinhos por
ocasião da destruição de Jerusalém. Há informações a respeito de emigrantes
ao Egito (Jr 41-42). Por conta de todos esses conflitos, a sociedade de Judá
foi reduzida pela metade. Mesmo diante disso, ainda compunha um número
expressivo. Era em Judá, durante o período exílico, que havia o maior contingente
populacional do povo de Deus.
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A pesquisa bíblica afirma que essa obra historiográfica foi compilada mais
ou menos no ano 550 a.C., no período exílico, em Judá. Os autores desta obra
são definidos como deuteronômicos, isso porque a sua linguagem se assemelha
e estão comprometidos com a adoração exclusiva a Javé. Se tem a impressão
de que seriam os mais afetados pela tentação da idolatria (veja caps. 12-13). E
aos reis são impostas tamanhas restrições em Deuteronômio 17,14-20 que seu
governo, a rigor, é inviabilizado. O que resta são os profetas! E, de fato, este é,
para o Deuteronômio, o mediador e cumpridor predileto do projeto da unicidade
de Javé, do lugar sagrado e do povo (Dt 18, 9-22). Um profeta ideal, Moisés, é a
grande esperança!
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a) Josué
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fronteiras. À primeira vista, as guerras de Javé assustam. Isso porque não existe
ação bélica invasora alguma, conquistadora e destruidora que seja aprovada
por Deus. Os leitores deparam, isto sim, com relatos fictícios que visam animar,
integrar e determinar as ações expansionistas e controladoras da reforma
deuteronomista realizada por Josias.
Um bom exemplo dessa história narrada para exaltar Javé, o Deus de Israel,
e o povo residente em Judá, pode ser verificado na época em que os hebreus
começam a ocupar as terras da região. Em meados do séc. XII a.C., as grandes
cidades-estados cananeias já não existem. Jericó, outrora pertencente aos
cananeus, por exemplo, não passava de um monte de ruínas. Seu esplendor
tinha desaparecido fazia mais de dois séculos (Js 6).
No fundo, toda a narrativa que compõe o livro de Josué só recebe sua forma
definitiva no período do exílio babilônio (597-536 a.C.). Por volta da metade do
ano 400 a.C., a época em que a sua redação foi finalizada, o controle exclusivo
do templo e da cidade de Jerusalém estava nas mãos dos sacerdotes. Estes, por
meio de um governo pautado pela teocracia, buscam sustentar os ideais de um
povo escolhido e protegido por Javé, agora compreendido como o único Deus (Dt
6,4-9). Na ocasião, impulsionados a seguir fielmente os estatutos apresentados
por Javé, esses sacerdotes recolhem e organizam tradições de sábios
deuteronomistas escritas na reconstrução do templo em meio a uma sociedade
que vive sob o sistema Templo-Estado.
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b) Juízes
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Uma vez que os capítulos finais do livro partem de tal premissa, não seria
de estranhar, se delineassem impasses insuperáveis. Ao assim não procederem,
testemunham que o tribalismo soube mais do que tudo superar as dificuldades
que iam surgindo. Aquele período foi muito difícil, no entanto, não faltaram
soluções e libertadores. Nela não está, pois, a razão para a criação do Estado,
ao contrário disso, nela encontramos um modelo social e teológico, o que faz com
que o Estado não seja necessário: “Gideão lhes disse: não dominarei sobre vós e
tampouco meu filho dominará sobre vós. Javé vos dominará” (Jz 8,23).
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O fórum mais comum era a família ou clã, no qual o pai era o senhor e chefe
legal dotado do direito e obrigação para adjudicar disputas e violações entre
familiares, inclusive a execução de punição, por exemplo, o castigo de um filho
desobediente (cf. Dt 21,18), e em tempos muitos antigos, a pena de morte, como
na história de Judá-Tamar (cf. Gn 38). Nesse sentido, Abraão restaurou a justiça
na ocasião quando Sara foi tratada com desprezo pela sua serva Agar e apelou
para o marido para retificar a injustiça contra ela (cf. Gn 16,1-6).
Outro ambiente de corte era o fórum da aldeia ou pequena cidade. Seu local
era a porta da cidade e o judiciário era formado pelos anciãos do lugar. Esses
anciãos funcionavam como testemunhas em negociações como no casamento de
Rute e Boaz. Arbitravam disputas entre litigantes, como se percebe por um dos
sentidos do vocábulo hebraico para julgar, a saber arbitrar e por outras evidências.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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O livro de Rute 4,1-2 apresenta uma imagem gráfica de como um fórum era
constituído no portão:
Com relação aos âmbitos sagrados dos santuários, certamente dois dos
templos de Jerusalém eram sujeitos às leis regulamentadas por uma supervisão,
execução e tratamento de casos de violação. Esta jurisdição estava nas mãos
dos sacerdotes, e posteriormente em casos de santuários reais, como Betel (cf.
Am 7,10-17) e no primeiro templo, nas mãos dos reis. A assim chamada reforma
cúltica de Josias (cf. 2Rs 23) é um exemplo marcante.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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Por contraste, outro tipo de expressão diz o seguinte: se você fizer isso, o
seguinte acontecerá. Esse tipo é – em formas variáveis – falado ou escrito não
apenas antes da consequência estipulada, mas também antes da ação descrita.
Esse tipo de expressão é claramente prescritiva, ou legislativa na sua natureza,
enquanto o outro é claramente adjudicatório na Bíblia Hebraica. Nesse sentido,
deve ficar claro que o caso de Lei não é legislativo, porque se apoia na adjudicação
de casos baseados em costume. Ambos os tipos de expressão, o adjudicatório e
o legislativo, são partes do caso de lei e, por sua vez, se alicerçam principalmente
em lei de costume.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Essas leis cobrem as áreas daquilo que se pode chamar de Lei primária
e reparadora. Na Lei primária a declaração do caso descreve relacionamento
legal, enquanto a declaração das consequências prescreve os termos desse
relacionamento, isto é, os direitos e deveres antes da violação. Por exemplo (Ex
21, 22), diz, “Quando homens brigarem” (relacionamento legal) “mas se houver
dano” (em termos daquele relacionamento). No caso da lei reparadora, a violação
hipoteticamente declarada é seguida por uma definição de reparação.
c) Rute
- direito de respiga;
- resgate da terra;
- casamento misto
- Universalismos.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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- O retorno de Noemi para Belém e a opção de Rute por Noemi (Cap. 1);
- Rute nos campos de Booz e seu encontro com ele (Cap. 2);
- Booz e Rute na eira (Cap. 3);
- O resgate em favor de Noemi em Belém (Cap. 4)
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
d) Samuel e Reis
Ora, o Estado é a história dos fortes, poderosos, e dos arcos em suas vitórias
contra os fracos e em sua espoliação dos pobres. O direito do rei é, de acordo
com 1Sm 8,10-18, a exploração nua e crua de seus súditos, portanto, conta-se a
história do Estado para negar a validade da exploração.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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A seguir vamos conhecer um pouco mais sobre uma divindade que foi muito
protestada pelo próprio Javé, Baal.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Baal também foi chamado Haddu (=Hadade), um deus que está acima de
todo deus da tempestade que dá a chuva suave e que faz renascer a vegetação.
Nesse sentido, os anos de seca eram atribuídos ao seu cativeiro temporário ou
até mesmo a sua morte. No entanto, em sua reivindicação, campos, rebanhos e
famílias tornavam-se produtivos.
Para além disso, Baal era considerado um deus da guerra e uma divindade
ligada à fertilidade que se une a Anate, mais tarde igualada a Astarte. Por meio
de um recital mítico se trazia de volta a vida na festa de outono do ano novo e
também por intermédio do casamento sagrado, representado no culto pelo rei, a
rainha e uma sacerdotisa. Era por meio desses rituais que os semitas acreditavam
assegurar a fertilidade da terra. Esse ritual era comum na Babilônia, mas pouco
atestado, não de forma clara, em Canaã.
Durante o período dos juízes, Israel sucumbiu a este culto, visto como
contagioso (cf. Jz 2,11; 6,25), e tinha de sofrer o livramento de Javé, evitando
assim graves consequências. Foi na dinastia de Omri que o culto a Baal se tornou
a religião oficial do Reino do Norte (cf. 1Rs 16,31). Nesse sentido, pode ser que
os milagres de Israel feitos por Eliseu e Elias foram polêmicos a favor de Deus,
condenando os poderes atribuídos a Baal, divindade pagã da natureza, o fogo (cf.
1Rs 18,17; 2Rs 1,9-16), chuva (cf. 1Rs 17,1; 18,41-46), alimento (cf. 1Rs 17,1-6,
8-16; 2Rs 4,1), crianças (cf. 2Rs 4,14-17) e revivificação (1Rs 17,17-23; 2Rs 4,18-
37; 13,20-22). No entanto, o culto a Baal não foi suficiente para livrar a terra do
culto degradado e ainda ocorreu o cativeiro do Reino do Norte, que culminou em
muitas disputas políticas e destruições, como demonstra o livro de Oseias.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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Ela não reconheceu que era eu quem lhe dava o trigo, o vinho
e o azeite; quem lhe multiplicava a prata e o ouro, que eles
usavam para fazer um ba’al” Por isso, retomarei meu trigo e
meu vinho na época da safra. Retomarei minha lã e meu linho,
que cobriam sua nudez (Os 2,10-11).
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Recapitulando:
O Fim do Exílio
O exílio teve seu fim no ano de 539 a.C. Neste ano a Babilônia foi julgada
definitivamente pelo Império Persa. O rei persa era Ciro e foi triunfalmente recebido,
em especial na capital do Império Babilônico. Novos tempos iniciavam. Sob suas
condições vieram a se concretizar os projetos elaborados por remanescentes e
exilados. Alguns. Outros foram refutados. Outros, enfim, foram remodelados.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
IMPÉRIO PERSA
Os que para Segundo Isaías são os desanimados (Is 40,27;49,14) hão de ser
os que se integraram ao mundo mesopotâmico. Não pensam em regressar. Aliás,
quando após 539 a.C. efetivamente houve possibilidades para o retorno, poucos
se utilizaram dessa liberdade dada pelo Império Persa. Pelo que nos conta –
mesmo com os relatos de Esdras (cf. Esd 7) – poucas pessoas retornaram à
Palestina. Portanto, além de serem uma minoria, os exilados não aderiram em
bloco às propostas de seus profetas Ezequiel e Deutero-Isaías.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Atividade de Estudos:
A Lei e o Templo
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Por contraste, outro tipo de expressão diz o seguinte: se você fizer isso, o
seguinte acontecerá. Esse tipo é – em formas variáveis – falado ou escrito não
apenas antes da consequência estipulada, mas também antes da ação descrita.
Esse tipo de expressão é claramente prescritiva, ou legislativa, em natureza,
enquanto o outro é claramente adjudicatório na Bíblia Hebraica. Nesse sentido,
deve ficar claro que o caso de Lei não é não legislativo porque se apoia na
adjudicação de casos baseados em costume. Ambos os tipos de expressão, o
adjudicatório e o legislativo, são partes do caso de Lei e, por sua vez, se alicerçam
principalmente em Lei de costume.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
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Israel valorizou muito a sua Lei – Torá. O cristão atual pode surpreender-se,
então é melhor recolocar a ideia no seu contexto histórico. Possuir as próprias
leis significa ser uma verdadeira nação. De acordo com Dt 4,8, o mais explícito no
mérito, de fato afirma: “E qual a grande nação que tenha estatutos e normas tão
justas como toda esta Lei que eu vos proponho hoje?” O objetivo do Pentateuco
não é o de dar a Israel uma Lei válida para cada lugar e cada tempo. A sua ideia,
se assim pode ser dita, é a de fornecer a Israel a prova de que ele é uma nação
que possui as suas próprias leis. No fundo, o Pentateuco possui o arquivo jurídico
de Israel.
Com um vocabulário mais atual, pode-se dizer que o Pentateuco não possui
o direito positivo de Israel. Trata-se de uma obra para ser consultada, mais do que
série de leis a serem aplicadas ou definitivamente outorgadas pelos juízes.
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O Império Persa
A ascensão persa surpreendia todo o mundo de então e foi extraordinariamente
rápida. Os persas nem figuravam entre as potências tradicionais da Mesopotâmia.
Vindos do Oriente, em poucos anos souberam adonar-se, inicialmente sob Ciro,
tanto da Mesopotâmia quanto do Egito, tanto da Ásia Menor quanto da Síria/
Palestina.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
IMPÉRIO PERSA
nem mesmo aparecem. Isso evidentemente não significa que não tivessem estado
por trás da edição da lei. Afinal, de outra maneira dificilmente se explica que Ciro,
já um ano após haver assumido o poder na Babilônia, tenha se importado com
a distante e destruída Jerusalém. Os exilados se mobilizaram para a obtenção
deste decreto. Dêutero-Isaías anos antes já havia aclamado Ciro como o ungido.
Com isso, por meio da administração persa e com seu total apoio, os exilados
definem o futuro do templo, de Jerusalém, de Judá. O mesmo se poderia formular
também de outra maneira: os persas se valem dos deportados, com pleno
consentimento para a concretização dos seus planos em Judá. E a Palestina,
sem dúvida, era interessante para os persas. Em 538, recém-haviam se adonado
da Mesopotâmia. Ainda não eram efetivos senhores da Palestina. Esta e, em
especial, o Egito figuravam nas futuras pretensões de Ciro. E para alcançar a
conquista do Egito, era relevante contar com o apoio de Judá e Jerusalém, esta
porta de entrada para as terras do Nilo. O decreto de Ciro de 538 tem a ver com a
pretendida invasão do Egito, definitivamente efetivada em 525 a.C.
Algo que surpreende é que o decreto não tenha falado sobre o regresso
dos exilados. Talvez não fosse a questão principal na ordem do dia. Afinal, Judá
estava povoada e lá viviam os remanescentes. É muito provável que os exilados
não estivessem interessados num retorno imediato. Enfim, também poderia se
conjeturar que deles se estaria tratando implicitamente ao falar do retorno dos
utensílios do templo. É o que atesta Esd 1. Em todo caso, nestes primeiros anos
após a vitória persa, a reedificação dos santuários em ruínas concentrava as
atenções. Para os autores de Esdras, o enfoque era outro bem diferente. Deram
destaque também ao retorno (Esd 1,3).
Além disso, não se poderá deixar de contar com a dinâmica própria e peculiar
trazida à tona sob as novas contingências pós-exílicas. O pós-exílio não é apenas
a continuação dos projetos teológicos formulados sob as condições do exílio. É um
momento novo, próprio. Por exemplo, Ageu sem dúvida é favorável à restauração
do santuário. Nesse sentido está sua profecia. Contudo, para ele, este novo
templo – tão apoiado pelos persas – inauguraria o aniquilamento da dominação
persa! Dessa forma percebemos como eram a dinamicidade e a inovação que
foram as propostas pós-exílicas, não se esgotam em ser prolongamentos de
correntes de tempos exílicos.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Atividade de Estudos:
Algumas ConsideraÇÕes
Ao longo desse capítulo pudemos perceber os percursos vividos pelo povo
de Israel ao longo da sua trajetória exílica e pós-exílica. Por séculos o povo
experienciou um período de constantes incertezas. Por conta disso, conhecer
um pouco desses caminhos é fundamental para compreendermos as narrativas
bíblicas que foram sendo construídas, reconstruídas ou readaptadas durante um
tempo de sofrimento, mas que nunca perderam a esperança!
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
IMPÉRIO PERSA
Ao ler a Bíblia podemos ter a impressão de que o povo de Israel era monoteísta
desde o começo, ou que adorava somente a Javé e não possuía imagens divinas.
Entretanto, as evidências de que dispomos indicam que o monoteísmo foi adotado
em Judá somente no período pós-exílico, em uma das reformas mais recentes
pelas quais passou a fé de Israel. A arqueologia e os próprios textos bíblicos nos
mostram que o povo de Israel levou muitos séculos até tornar-se monoteísta e
banir de seu meio o culto e as imagens dessas diversas divindades.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
É importante que saibamos ler a Bíblia de tal maneira que nos ajude a viver
as experiências de libertação e resgate da dignidade. Experiências essas que
podem ser como aquelas vividas pelos escravos do Egito, pelos camponeses e
pastores cananeus no ambiente do êxodo, pelas tribos de Israel, e também pelas
pessoas que foram acolhidas por Jesus e integradas nas comunidades cristãs
primitivas. Seremos fiéis a este espírito que habita o núcleo mais sagrado da
Bíblia, quando as pessoas empobrecidas, injustiçadas, oprimidas, ou que têm
suas vidas ameaçadas e que ainda não conheceram ou experimentaram “vida em
abundância”, reconhecerem no uso da Bíblia uma Boa-Nova!
ReFerÊncias
BRENNER, Athalya. Ester, Judite e Susana: a partir de uma leitura de gênero.
São Paulo, Paulinas, 2003.
ENTRICH, Thomas. The Fertility Pair Ba‘al and ‘Anatin the Ugaritic Texts.
Disponível em: <http://www.academia.edu/480859/The_Fertility_Pair_Ba_al_and_
Anat_in_the_Ugaritic_Texts>. Acesso em: 1 jan. 2017.
RÖMER, Thomas. A origem de Javé. O Deus de Israel e seu nome. São Paulo:
Paulus, 2016.
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Capítulo 3 O EXÍLIO, E A VOLTA DO EXÍLIO DECRETADA PELO
IMPÉRIO PERSA
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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C APÍTULO 4
Segundo Testamento
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:
110
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
ContextualiZaÇÃo
Já se passaram mais de vinte séculos desde que nasceu o cristianismo.
Os cristãos precisam retornar a Jesus para enraizar sua fé com mais verdade e
descobrir de fato quem é Jesus, bem como o seu projeto. Com isso não estamos
pensando em pesquisar com mais detalhes a biografia de Jesus, até porque isso
não seria possível, uma vez que os escritos que temos não são biografias, mas
retratos de comunidades da segunda geração de seguidores que procuravam,
assim como nós, conhecer e experienciar concretamente os ensinamentos de
Jesus instigados pelos seus primeiros discípulos.
No prólogo do livro de Rafael Luciani, escrito por Pagola (2013, p. 4), o autor
propõe que para retornar a Jesus exige-se de nós três tarefas fundamentais: num
primeiro momento seria aceitar a humanidade histórica de Jesus como paradigma
de nosso modo de ser humano, o que se revela em Jesus não é um conteúdo
doutrinal, mas o modo de viver mais humano e humanizador que possa existir,
pois responde fielmente à vontade de um Deus que não só quer seguidores,
mas busca um mundo mais humano. Em um segundo momento, colocar em
prática essa práxis concreta de Jesus como realidade última e definitiva. No
fundo, retornar a Jesus significa um comprometimento com ele, não com uma
religião convencional, mas a causa do reino de Deus, com o Pai que é bom e
compassivo. Esse comprometimento vai se tornando firme de acordo com as
condições históricas que vão obstaculizando seu reinado de paz e justiça, e no
desenvolvimento de uma prática fraterna a serviço de todas as vítimas.
111
ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Fica evidente que para os cristãos aquele que viria a ser chamado o Filho
de Deus não se fez homem, em geral, se fez um tal homem particular, judeu,
galileu, num determinado momento da história do mundo. Como um homem,
evidentemente, foi marcado pela geografia e pela história de seu país, por sua
cultura e esteve sujeito às leis econômicas, entrou nos conflitos políticos e
partilhou das esperanças de seu povo.
a) Situação política
Foi no século I a.C. que Roma passou pela maior revolução da sua história e
a posteriori se tornou a maior potência econômica do Mediterrâneo. Contudo isso
não foi tão simples, pois estava desprovida de uma infraestrutura administrativa,
e a velha cidade, que é Roma, assumiu com muita dificuldade a governança
daquele imenso império. Os governadores nomeados nem sempre são aqueles
gananciosos denunciados pela imaginação tradicional, mas é certo que as
províncias estavam sujeitas, muitas vezes, a uma governabilidade egoísta, por
falta de uma verdadeira política de fusão. Contudo, essa ruptura entre Roma e
o seu império territorial reforça o poderio dos chefes militares, de sorte que o
Senado não controlava, de certo imperfeitamente, a política externa, pela qual
teoricamente ele seria o responsável. No nível interno, as instituições de cunho
mais tradicionais pareciam incapazes de resolver os conflitos entre os homens
e as facções. As guerras civis que irromperam em 49 a.C. e que dilaceraram o
mundo romano por mais de 15 anos seriam o resultado desta violência, que pode
ser chamada de endêmica.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
b) Situação geográfica
c) Situação social
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
d) Situação econômica
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Por fim, precisamos nos recordar que Jerusalém era um grande centro de
negócios e atraía negociantes, coletores de impostos, judeus da diáspora que se
tornaram muito ricos.
Para além da importância política, sem dúvida o que prevalecia era a religião.
Jerusalém era centro de poder político e religioso e isso o caracterizava como a
cidade fortaleza do Império Romano. Jerusalém era a cidade do templo. O fato de
residir em uma cidade considerada santa impunha certas obrigações. Observa-
se rigorosamente as prescrições relacionadas à observância do sábado, que
excluía qualquer trabalho. Em Jerusalém as prescrições da pureza legal, que
acarretavam muitos inconvenientes para a vida diária, representavam um papel
diferente daquele das cidades onde residiam muitos pagãos.
O certo é que o templo era muito importante para todo o povo que vivia
em Jerusalém. Trazia algumas vantagens, pois com a arrecadação monetária
que o templo proporcionava se conseguia pagar a manutenção dos edifícios da
cidade, os cuidados com sua limpeza, a pavimentação das ruas e talvez também
o serviço de água. Contudo, a desigualdade social era um grande problema a ser
enfrentado.
e) Situação religiosa
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Pelos anos 750 a.C. o Reino de Israel, formado por Salomão, foi
dividido entre Norte e Sul. O Reino do Norte em 722 a.C. foi arrasado
pelos assírios, seus vizinhos do Norte. O Sul, por sua vez, sofreu a
mesma sorte e foi conquistado pelos babilônios, que destruíram o
Templo e deportaram a população como escravos para a Babilônia.
Agora o Povo de Deus não tem mais terra e nem Templo. Somente
depois do regresso do exílio da Babilônia a religião judaica começa
a tomar a forma atual. Surge nesta época a Sinagoga, o culto
passa a centralizar-se surgindo a figura do rabino, geralmente um
fariseu conhecedor da lei judaica. Este hábito já teve seu início na
Babilônia, onde o povo judeu não possuía mais seu Templo. Assim,
a Sinagoga passa a ocupar lugar central na religião judaica, sendo
um ponto de encontro dos judeus para as orações e para a leitura
das Sagradas Escrituras. Na época de Jesus existia o Templo de
Jerusalém, que centralizava o culto judaico e as peregrinações, mas
já existia a Sinagoga, que servia de encontro nos sábados e servia
de escola para os filhos dos judeus se iniciarem na leitura da Torá.
Jesus frequentou o Templo e a Sinagoga. Sabemos que os Romanos
no ano 70 d.C. destruíram o Templo de Jerusalém. Daí por diante a
Sinagoga adquire forças e passa a ser o lugar do culto.
118
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Para finalizar esse prévio conhecimento sobre o local em que Jesus viveu,
é necessário considerar que havia muitos israelitas que viviam fora do seu local
de origem, espalhados por várias regiões. Viviam na diáspora, ou seja, dispersos.
Havia muito tempo que esses grupos estavam diretamente em contato com
outras culturas, de forma especial a grega, que era manifestada de várias formas,
como a língua e costumes. Já vinha de muito tempo a simpatia que a vivência
da fé provocava em pessoas e grupos das cidades onde os filhos de Israel se
encontravam inseridos, a ponto de tais simpatizantes serem conhecidos como
tementes a Deus, embora sem aderir plenamente à religião judaica celebrada na
sinagoga, reconheciam e valorizavam o culto ao Deus único e os apelos à justiça
e à solidariedade surgidos da lei mosaica.
119
ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Quem foi Jesus? O que ele escreveu? Na verdade, não há indícios de que
Jesus tenha escrito nenhuma narrativa. No fundo, os escritos que se tornaram
canônicos, ou seja, foram reconhecidos pelos religiosos como escrituras, se
tratavam de releituras feitas pelos seguidores dos seguidores de Jesus, ou seja,
já haviam decorrido mais de 30 ou 40 anos após a sua morte e ressurreição.
O que sabemos é que mesmo Jesus tendo uma vida curta – não tão curta
para a expectativa de vida da época –, sua trajetória impactou a vida de grupos de
pessoas que se convenceram da relevância das suas palavras, da gratuidade dos
seus gestos, sobretudo em favor dos mais excluídos da sociedade, como era o
caso das viúvas-mulheres, órfãos, crianças, estrangeiros, doentes, endemoniados
etc.
120
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Dessas e tantas outras experiências que Jesus viveu com os adeptos do seu
movimento, emergiram ao longo dos tempos alguns registros escritos, indicando
e fortalecendo as dificuldades que esses grupos periféricos e excluídos da
sociedade do seu tempo enfrentavam. Dentre as dificuldades, uma era importante:
não possuíam a identidade romana, pois se tratavam de grupos de pessoas
excluídas (mulheres, órfãos, estrangeiros, impuros) tanto pelo Império Romano
como pelo judaísmo, isso porque mantinham um perfil que os colocava fora da
sociedade. Muitos dos seguidores de Jesus não possuíam a cidadania romana,
e isso era muito grave, pois não possuíam o direito de pensar em sociedade
e muito menos de se organizarem a partir de uma proposta de vida de cunho
revolucionária, como a incentivada e vivida por Jesus, pois lutavam por um mundo
justo para todos criado por Deus. Para os judeus, essa era a maior de todas as
blasfêmias, pois eles achavam que mantinham o controle sobre Deus. A forma
como os judeus acreditavam em Deus (distante, poderoso, cheio de poder) se
destoava e muito daquela pregada e vivida por Jesus (próximo, humano, amante
dos mais fracos, pecadores e marginalizados da sociedade).
Não temos dúvidas de que Paulo foi o grande responsável por propagar as
ideias do cristianismo nascente. Foram muitas as cartas escritas por Paulo ou
atribuídas a ele. Essas cartas foram escritas em torno do ano 50 d.C., ou seja,
20 ou 30 anos após a morte de Jesus. As cartas foram importantes no trabalho
missionário de Paulo, pois era através delas que ele se comunicava com as
comunidades mais distantes, dando orientações e até com o intuito de superar as
desavenças.
121
ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O objetivo não era mostrar os fatos como realmente haviam acontecido, e sim,
manter viva, também para o futuro, a lembrança das ações e palavras de Jesus,
de modo que a vida continuasse sendo iluminada por elas. Cada Evangelho foi
escrito em vista de determinado público, em tempo e espaço diversificados. É por
esse motivo que encontramos nos Evangelhos muitas diferenças, mesmo quando
narrado um mesmo episódio, mas também certas semelhanças. Os três primeiros
Evangelhos, por serem tão parecidos, são considerados Evangelhos sinóticos.
122
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O EVangelHo de Marcos
“Mas ide dizer aos seus discípulos e
a Pedro que ele vos precede na Galileia.
Lá o vereis como vos tinha dito” (Mc 16,7).
O Evangelho de Marcos pode ser considerado uma pequena cartilha, pois são
apenas 16 capítulos, o menor de todos os Evangelhos. Por causa disso sempre
foi usado em segundo plano ao longo da história do cristianismo. Contudo, nos
dias atuais se tornou uma fonte de inspiração até mesmo para a leitura dos outros
Evangelhos, isso porque pode ter sido o Evangelho que foi escrito por primeiro.
Além do mais, há indícios de que os Evangelhos de Mateus e Lucas tenham o
assumido como base para os seus escritos.
Quem foi o autor que escreveu essa pequena obra? Nada sabemos com
certeza. Pagola (2013a, p. 11) afirma que pode ter sido João Marcos, que
acompanhou Paulo e Barnabé em sua primeira viagem missionária. Provavelmente
foi escrito no ano 70 d.C., possivelmente em alguma região da Síria, próxima da
Palestina. Quando os escritos chegaram a Roma, é provável que tenha sido feita
uma segunda edição que se espalhou ligeiramente por entre as comunidades
cristãs que iam surgindo pelo império afora.
124
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O EVangelHo de Mateus
Livro da origem de Jesus Cristo,
filho de Davi,
filho de Abraão (Mt 1,1).
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Jesus faz uma interpretação da lei bem diferente e acusa escribas e fariseus
de transformá-la em mandamentos humanos a serviço dos grupos dirigentes.
Ele afirma que não veio mudar a lei, mas dar-lhe pleno cumprimento, e que a
justiça a ser praticada precisaria superar a noção de justiça dos doutores da lei
(Mt 5,17-20). Ele não enfatiza os detalhes, o legalismo e as aparências, mas diz
que é necessária a misericórdia (23,23); seu critério fundamental para a justiça
é a solidariedade com os pobres, como mostra a cena do Juízo Final (25,31-
46). Ele fez uma inversão no que os escribas pregavam e proclamou os pobres,
então considerados "malditos", como bem-aventurados. Jesus também ultrapassa
as expectativas messiânicas reféns da forma distorcida de interpretação das
promessas do Antigo Testamento. Por essas razões, foi condenado à cruz.
É provável que o Evangelho de Mateus tenha sido escrito por volta do ano 85
d.C., o que pode ser comprovado a partir dos seguintes fatos:
127
ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A questão do autor não é o fato mais importante, isso porque, antes da sua
redação final, os Evangelhos eram ensinamentos catequéticos, orais ou escritos,
sobre palavras e atos de Jesus, com o intuito de apresentá-lo de maneira mais
próxima à comunidade. A maneira como o Evangelho chegou até nós é obra de um
redator que organizou os documentos que com certeza já existiam anteriormente.
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Por volta do ano 66 d.C., os romanos tentaram tomar posse das riquezas
que havia no Templo de Jerusalém. Os vários grupos de judeus, mesmo com
ideais diferentes, uniram-se para lutar contra o Império. Essa revolta foi chamada
de Guerra Judaica (66-73 d.C.). As consequências foram desastrosas: o Templo e
a cidade de Jerusalém foram destruídos; saduceus, zelotas, sicários e herodianos,
grupos influentes na vida das pessoas, desapareceram. Dois grupos de judeus não
assumiram a guerra até o fim e sobreviveram: os judeus fariseus e os judeus cristãos.
129
ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
O movimento que está por trás da narrativa de Mateus faz a sua opção
de interpretar de forma diferente a lei: “Ide, pois, e aprendei o que significa:
‘Misericórdia quero, e não o sacrifício” (Mt 9,13; cf. 12,7). Essa narrativa é a única
que cita o profeta Oseias 6,6 duas vezes. Jesus é apresentado como o mestre
de uma lei baseada na misericórdia. É necessário entendermos que a palavra
misericórdia, para a comunidade de Mateus, tem a ver com compaixão, ou seja,
os seguidores do movimento de Jesus sentem a dor do outro e com isso buscam
ajudá-los a sair desta situação de sofrimento.
130
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
O EVangelHo de Lucas
“Visto que muitos já tentaram compor
uma narração dos fatos que se
cumpriram entre nós – conforme nos
transmitiram os que, desde o princípio,
foram testemunhas oculares e ministros
da Palavra – a mim também pareceu
conveniente, após acurada investigação
de tudo desde o princípio, escrever-te
de modo ordenado, ilustre Teófilo,
para que verifiques a solidez dos
ensinamentos que recebeste” (Lc 1,1-4).
É provável que o Evangelho de Lucas tenha surgido por volta dos anos 85
a 90, em alguma cidade grande da Ásia Menor, dominada pelo Império Romano.
Pode ter sido Antioquia, Éfeso, ou mesmo numa cidade da Grécia. Estas cidades
eram, em sua maioria, cidades portuárias, onde circulavam muitas pessoas
vindas de diversas regiões, com culturas e religiões diferentes. Nestas cidades
vigorava o helenismo, um sistema que os romanos herdaram dos gregos e que
se caracterizava essencialmente pelo estímulo à competição comercial e à busca
desenfreada do lucro.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
132
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Outros afirmam que o livro dos Atos foi escrito por pessoas que viviam em
comunidades fundadas por Paulo, ou seja, aqueles cristãos da segunda geração
(70-100), entre os anos 80 e 90. Afinal, esse livro foi escrito onde?
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Os grupos que estão por trás dos Atos dos Apóstolos enfrentaram muitas
dificuldades e conflitos internos e externos. O livro dos Atos expressa a tentativa
da comunidade de fazer uma revisão, de voltar às origens e encontrar motivações
para resistir.
O EVangelHo de JoÃo
É possível que a narrativa joanina tenha levado mais ou menos 60 anos para
ser escrita. Provavelmente, foi sendo elaborada em várias regiões: no Norte da
Galileia, na Síria e na Ásia Menor. A última redação do livro teria acontecido em
Éfeso, na Ásia Menor, por volta do ano 95, com alguns acréscimos posteriores.
É um escrito que deve ser lido como interpretação e vivência das comunidades,
com o objetivo claro de aprofundar a fé em Jesus, Messias e Filho de Deus. Na
tentativa de entender melhor esse texto, vamos olhar a história e a vida dessas
comunidades.
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
A lei principal era a do Sábado, que nasceu para manter viva a memória
da libertação e assegurar o descanso da comunidade, mas que com o tempo se
tornou uma lei opressora. O cumprimento da lei foi colocado acima da pessoa.
Outra lei igualmente importante era a da pureza. Essa lei dividia as pessoas e as
coisas em puro e impuro.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A lei do puro e do impuro era muito complexa, pois definia quem estava mais
perto e quem estava mais longe de Deus. Uma pessoa doente ou com alguma
deficiência física era considerada impura por causa de algum pecado, uma vez
que a doença era vista como castigo de Deus. O simples contato com pessoas ou
coisas impuras já causava impureza. Estar impuro significava não poder participar
do culto e, consequentemente, da salvação.
Por conta das regras impostas que determinavam quem estava impuro, e
em que condições, muitas pessoas viviam em situações quase permanentes de
impureza. As autoridades judaicas, através da lei, tinham a pretensão de dominar
o corpo da mulher e do homem. Essa situação de opressão possuía maior peso
para a mulher, que ficava impura por causa da menstruação (Lv 15,19), das
relações sexuais (Lv 15,18) e do dar à luz (Lv 12,2-5). Para se purificarem, as
pessoas deviam levar ofertas e pagar o tributo religioso em dia. Isso custava
muito caro, dificultando para os pobres o cumprimento da lei. No fundo, essa lei
era mais severa para as pessoas que fossem mais pobres.
136
Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
O Tema da RessurreiÇÃo
Num primeiro momento as comunidades cristãs primitivas experimentaram
a morte de Jesus como um enorme fracasso, como se tivesse chegado ao fim
qualquer forma de esperança (Lc 24, 13-24).
137
ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
As Cartas Paulinas
Paulo, o apóstolo de Jesus, é um personagem apaixonante para os cristãos.
Esse personagem pode ser conhecido pela narrativa do Atos dos Apóstolos e,
sobretudo, pelas suas próprias cartas ou que foram atribuídas a ele. O conjunto
das cartas paulinas soma um total de 13 cartas, divididas da seguinte forma:
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Uma pergunta nos questiona: Como é que Paulo, que era judeu, nasceu tão
distante, numa cidade grega da Ásia Menor? Desde o sexto século a.C. havia um
grande sistema de migração de judeus para fora da Palestina. Em praticamente
todas as cidades do Império Romano existiam bairros judeus e cada um com sua
própria sinagoga e organização comunitária. Eles formavam a assim chamada
diáspora. De acordo com Mesters (2008, p. 15):
O apóstolo Paulo viveu num bairro judeu que era muito rigoroso e exigente
com relação às práticas da lei. Era de lá que podia perceber o ambiente aberto
que pairava sobre a cidade grega. Foram justamente esses dois locais que
influenciaram diretamente a sua vida. Interessante, porque Paulo procurara
se adaptar dependendo do local em que estivesse, por exemplo, possuía dois
nomes, um para cada ambiente: Saulo era o seu nome judaico (At 7,58), e Paulo
o nome grego (At 13,9). Contudo, ele prefere e assina Paulo, mas Deus o chama
de Saulo (At 9,4).
Como todos os garotos judeus de sua época, Paulo foi ensinado na casa dos
pais e na sinagoga do bairro, a escola estava ligada à sinagoga. Para a formação
básica era previsto: aprender a ler e escrever, conhecer e aprender a lei de Deus
e a história do povo; assimilar as tradições religiosas; aprender as orações, em
especial os salmos. O método era simples: pergunta e resposta, ou seja, repetir e
decorar, e também a disciplina e a convivência.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Ao mesmo tempo que Paulo teve toda essa oportunidade de estudo entre
os sábios de Jerusalém, vivia na Galileia um homem chamado Jesus, pobre,
carpinteiro e que não teve condições de estudar em Jerusalém. Ao que tudo
indica, Paulo e Jesus nunca se encontraram em vida (2Cor 5,16). Jesus era mais
velho que Paulo, em torno de cinco ou oito anos. Contudo, os dois devem ter tido
formação básica em casa, na sinagoga e na escola ligada à sinagoga. Mesters
(2008, p. 18) faz uma breve comparação entre Jesus e Paulo:
Paulo tinha uma profissão, era fabricante de tendas (At 18,3). Pode ser que
tenha herdado esta profissão do próprio pai, pois era esse o costume da época. O
aprendizado começava por volta dos 13 anos e durava de dois a três anos.
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Paulo fazia questão de dizer que tinha cidadania romana (At 16,37; 22,25)
e que possuía esse direito desde o seu nascimento (At 22,29), ou seja, herdou
do seu pai. Se a família de Paulo possuía cidadania romana, significava que
tinha uma boa fortuna (At 22,28). É muito provável que Paulo tenha aprendido
a profissão do pai não tanto para sobreviver disso como trabalhador, mas para
administrar a oficina do pai como proprietário.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Paulo não conhece essa comunidade e por esse motivo escreve para
preparar uma possível visita. Mesmo em meio a sua complexidade teológica,
mantém o objetivo pastoral em todas as cartas.
Paulo chegou a Corinto após o discurso filosófico feito em Atenas, que aliás
foi um grande fracasso. Em um ano e meio, Paulo descobriu que a opção pelos
mais pobres era a mensagem culminante da cruz de Cristo (At 18,11). Foi acolhido
pelo casal Priscila e Áquila e se inseriu na vida da cidade através de trabalhos
manuais como fabricante de tendas.
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Paulo passou pela Galácia por ocasião da sua segunda viagem missionária
(At 16,6). E aí fundou comunidades que voltaria a visitá-las na sua terceira viagem
missionária (At 18,23). Éfeso representou uma espécie de posto missionário, a
partir do qual Paulo mantinha contato com as comunidades. Foi aí que chegaram
para ele notícias da Galácia.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Carta a Timóteo
A carta de Timóteo deve ter sido escrita na Macedônia por volta dos anos 64
ou 65 d.C. Busca prevenir a liderança da comunidade de Éfeso contra os falsos
doutores (1Tm 1,3-20; 4,1-11; 6,3-10). O ambiente cosmopolita possibilitava a
inserção de novas ideias e concepções religiosas.
Apocalipse de JoÃo
A revelação pode ser vista de vários pontos de vista, sob diferentes luzes. É
assim que vemos o livro do Apocalipse e ao mesmo tempo somos convidados a
lê-lo sem resignação ou terror diante dos acontecimentos narrados. No fundo, ele
situa a realidade atual e futura do mundo à luz de Deus e do cordeiro, visão de
justiça e misericórdia. O Apocalipse de João só tem sentido se visto a partir da sua
revelação última e simbólica e a certeza de que tudo pode acabar, exceto a vida.
Veja o que o autor francês Leloup (2014, p. 13-14) fala a respeito da revelação:
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
A nova Eva traz consigo os sinais do novo: sol, lua, estrelas (Lc 21,35). O
dragão é a antiga serpente (cf. Ap 12,9) que cresceu e virou um bicho forte, feio e
feroz. Símbolo do mal e da morte, do sistema político e econômico que oprime a
vida dos pequenos. A serpente antiga (Ap 12,9) representa a raiz do mal que age
na história e se encarna nas práticas do Império Romano: totalitário e enganador.
Traz sinais de poderes absolutos e ilimitados.
A luta é desigual: mulher x dragão. A vida parece perder para a morte. Deus
opta pela vida e defende a mulher. É interessante notar que o dragão nunca
ganha.
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Atividade de Estudos:
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
Algumas ConsideraÇÕes
Ao longo desse capítulo pudemos verificar algumas informações ou chaves
de leitura que nos ajudam a ler e entender melhor as narrativas do Segundo
Testamento. Pudemos perceber que os textos bíblicos não são autobiografia e/
ou biografia de Jesus, e que os manuscritos foram compilados e entendidos como
sagrados muito tempo depois da morte e ressurreição de Jesus.
Por esse motivo, precisamos ter bem claro que se tratam de textos escritos
por simpatizantes ou seguidores, posteriores aos primeiros discípulos, que se
identificavam com o projeto de Jesus, como é o caso do apóstolo Paulo, que foi
uma figura fundamental para que o cristianismo se espalhasse pelos confins do
Império Romano e, consequentemente, chegasse até nós hoje.
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ELEMENTOS E FUNDAMENTOS BÍBLICOS
Testamento que, por sua vez, os explicitam e aplicam à vida prática. Não podemos
compreender suficientemente a mensagem de Jesus nem os escritos que a
explicitam, sem conhecermos as circunstâncias históricas em que nasceram,
por isso pudemos conhecer um pouco mais sobre a organização política,
socioeconômica e ideológica da Palestina no período em que Jesus viveu, bem
como os seus primeiros seguidores.
À frente, temos o grande desafio de fazer Jesus ser conhecido não a partir
daquilo que nos é pregado, mas a partir da nossa busca por conhecer Jesus na
sua fonte originária! Bons estudos!
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Capítulo 4 SEGUNDO TESTAMENTO
ReFerÊncias
CASONATTO, Odalberto Domingos. Quando surgiu a Sinagoga? 2011. Dispo-
nível em: <http://www.abiblia.org/ver.php?id=1817>. Acesso em: 27 ago. 2017.
PAGOLA, José Antonio. O caminho aberto por Jesus. Marcos. Petrópolis: Vo-
zes, 2013a.
ROSA, Luiz da. Por que os evangelhos de Lucas, Marcos, João e Mateus
são chamados de sinóticos? 2015. Disponível em: <http://www.abiblia.org/ver.
php?id=8220>. Acesso em: 29 ago. 2017.
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