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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

PROJETO DE SALVAMENTO DOS SÍTIOS


ARQUEOLÓGICOS IDENTIFICADOS NA ÁREA DE

INUNDAÇÃO DA UHE BARRA GRANDE (SC/RS)

RELATÓRIO FINAL: SALVAMENTO ARQUEOLÓGICO NO


RESERVATÓRIO, MARGEM DIREITA E ESQUERDA DO RIO
PELOTAS: ATIVIDADES DE CAMPO E LABORATÓRIO

Florianópolis, janeiro de 2004.


BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

______________________________________________________

PROJETO DE SALVAMENTO DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS


IDENTIFICADOS NA ÁREA DE INUNDAÇÃO DA UHE BARRA
GRANDE (SC/RS)
RELATÓRIO FINAL: SALVAMENTO ARQUEOLÓGICO NO RESERVATÓRIO,
MARGEM DIREITA E ESQUERDA DO RIO PELOTAS: ATIVIDADES DE
CAMPO E LABORATÓRIO

Processo IPHAN nº 01510.000042/2003-12


Portaria IPHAN nº 138, de 22/07/2003 (DOU de 23/07/2003).

Execução: Scientia Ambiental S/C Ltda.


Rua Jornalista Nicolau Nagib Nahas, 399
88047-570 - Florianópolis (SC)
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Empreendedor: Barra Grande Energética S.A. - BAESA


Rua Frei Rogério, 564 - Centro
88590-000 - Anita Garibaldi (SC)
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Apoio Institucional: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS


Núcleo de Pesquisas Arqueológicas – NUPArq
Av. Bento Gonçalves, 9500
Bloco 3 – Prédio 43 –311
Depto. de História – Sala 116 A1
91509-9000 - Porto Alegre (RS)
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______________________________________________________
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EQUIPE TÉCNICA

Scientia Ambiental
Coordenação Geral: Dra. Solange Bezerra Caldarelli

Responsável pelos trabalhos


de laboratório: Ms. Ana Lucia Herberts

Pesquisadores: Ms. Sirlei Elaine Hoeltz

Estagiários: Adelson André Brüggemann (UDESC)


Cristina Benedet (UDESC)
Letícia Morgana Muller (UDESC)
Livim Monteiro Hoffmann (UFSC)

NUPArq/UFRGS:
Coordenação: Ms. Silvia Moehlecke Cope

Responsável pelos trabalhos de campo: João Darcy de Moura Saldanha

Pesquisadores: Adriana Fraga da Silva


Mariana Petry Cabral
Rodrigo da Costa Angrizani

Estagiários: Carolina Aveline Deitos da Rosa


Clarisse Caleggari Jacques
Mateus Lovato Gomes Jardim

Itaconsult:
Coordenação: Ms. Osvaldo Paulino da Silva

Pesquisadores: Fábio José do Lago

Estagiários: Sandro Henrique da Rosa


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 04

PARTE I - RESGATE ARQUEOLÓGICO NO RESERVATÓRIO - MARGEM DIREITA 05


DO RIO PELOTAS / SC

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM CAMPO 05

TRABALHOS DESENVOLVIDOS EM LABORATÓRIO 13

ANEXOS 71

PARTE II - RESGATE ARQUEOLÓGICO NO RESERVATÓRIO - MARGEM 90


ESQUERDA DO RIO PELOTAS / RS

INTRODUÇÃO 90

A ÁREA DE PESQUISA E SEU HISTÓRICO 93

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM CAMPO 97

TRABALHOS DESENVOLVIDOS EM LABORATÓRIO 123

ANEXOS 144

CONSIDERAÇÕES FINAIS 193

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 197

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INTRODUÇÃO

Este relatório encerra as atividades de resgate na área de intervenção da UHE Barra


Grande, o qual foi desenvolvido em dois momentos: o primeiro, na área do canteiro
de obras, encerrado em 2003 (Processo IPHAN nº 01510.000142/2001-79); o
segundo, referente ao presente relatório, na área de inundação do empreendimento.

Como as pesquisas, em ambas as margens do Rio Pelotas, foram feitas por equipes
diferentes, responsáveis tanto pelos trabalhos de campo quanto pelos estudos de
laboratório, o relatório divide-se em duas partes, sendo a primeira consagrada às
pesquisas na margem direita do Rio Pelotas (Estado de Santa Catarina) e a
segunda consagrada às pesquisas na margem esquerda do Rio Pelotas (Estado de
Rio Grande do Sul).

Nas considerações finais, procurou-se homogeneizar e comparar as informações de


ambas as margens.

O próximo passo será a publicação dos resultados da pesquisa, conforme projeto


apresentado ao IPHAN.

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PARTE I - RESGATE ARQUEOLÓGICO NO RESERVATÓRIO -


MARGEM DIREITA DO RIO PELOTAS / SC

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM CAMPO

INTRODUÇÃO

Na primeira etapa de campo, executada no mês de Julho de 2003, pela equipe de


pesquisa da Itaconsult, sob a responsabilidade do arqueólogo Osvaldo Paulino da
Silva, foi realizado o salvamento do sítio arqueológico Armino Frigotto I, identificado
durante o levantamento arqueológico do reservatório (Scientia Ambiental, 2002: 15),
como áreas 14 e 15, conforme resultados apresentados anteriormente no Relatório
Parcial 01 (Scientia Ambiental, 2003a).

Inicialmente, as áreas 14 e 15 foram consideradas como sendo dois sítios líticos:


Armino Frigotto I e Armino Frigotto II. Porém, em laboratório, as peças arqueológicas
coletadas foram consideradas como duas áreas de concentração de um mesmo
sítio, caracterizado por uma ampla área com material esparso em superfície,
semelhante aos sítios líticos SC-AG-96 e SC-AG-97, encontrados no canteiro de
obras.

Salienta-se que este sítio foi denominado Armino Frigotto I, com a sigla SC-AG-101,
seguindo a ordem de cadastro dos sítios arqueológicos localizados no canteiro de
obras da UHE Barra Grande.

O SÍTIO NA PAISAGEM

O sítio lítico aberto Armino Frigotto I localiza-se na comunidade de São Sebastião do


Rincão, município de Anita Garibaldi, tendo sido classificado como sítio lítico pré-
colonial superficial.

O sítio está assentado em área de relevo suave, próximo a encosta de colina,

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distante 200 metros de um lajeado e a 4,5 km do Rio Pelotas, a uma altitude de 600
metros acima do nível do mar, entre as coordenadas UTM 491569 / 6925140.

O terreno apresenta diversos afloramentos basálticos e solo argiloso de pouca


profundidade. As rochas espalham-se pela superfície do terreno, juntamente com
alguns artefatos líticos.

Durante anos, a área foi utilizada para agricultura, com o emprego de métodos
primários de cultivo, inclusive queimadas. Atualmente, a área apresenta cobertura
vegetal rasteira, sendo utilizada para pastoreio de gado vacum e atividade apícola.

Vista da área onde se localiza o sítio lítico Armino Frigotto, área I.

Vista da área onde se localiza o sítio lítico Estrada de acesso ao sítio lítico na margem
Armino Frigotto, área II. direita do rio Pelotas, localidade de São
Sebastião do Rincão, município de Anita
Garibaldi.

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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ADOTADOS

A delimitação do sítio foi realizada por meio de caminhadas sistemáticas (transects)


em grade de dois metros, até se cobrir toda a área de dispersão de material, com
cerca de 20.000m².

Nesta área, o material arqueológico, disperso, foi coletado sistematicamente,


utilizando-se aparelho de GPS (Global Position System) para a plotagem de cada
peça. O resultado determinou a área exata do sítio, a partir das concentrações de
material lítico em superfície. Esses foram os elementos diagnósticos para definição
da área de dispersão de materiais e, portanto da área a ser escavada, uma vez que
nenhum outro elemento diagnóstico estava disponível, devido à baixa densidade de
material nos locais.

Após a limpeza superficial da vegetação, deu-se início à implantação da estrutura de


escavação. Com auxílio de GPS, foi determinado um eixo Norte/Sul de 6 metros de
extensão e outro eixo Leste/Oeste de mesma medida, criando assim um plano
cartesiano, com capacidade de expansão, contemplando inicialmente uma área de
36m².

Nas duas áreas escavadas, foi elaborado um croqui descritivo, contendo todos os
elementos em superfície, assim como a delimitação de cada área, na escala 1/50,
possibilitando a coleta sistemática do material arqueológico.

Os níveis foram estabelecidos artificialmente em 10cm. de espessura. O primeiro


nível foi esgotado nas duas áreas, condicionando o percentual de escavação dos
níveis subsequentes à ocorrência de material arqueológico naquele nível.

O rebaixamento das quadrículas foi acompanhado do registro de todos os elementos


materiais presentes nos níveis, em croqui na escala 1/10.

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Limpeza e piqueteamento sendo realizado Realizando rebaixamento do primeiro nível,


na área I. sítio Armino Frigotto, área I.

Limpeza e quadriculamento da área do sítio Armino Frigotto II.

DESCRIÇÃO DOS TRABALHOS E RESULTADOS

Sítio Armino Frigotto - Área l

O quadriculamento do sítio visou a coleta sistemática do material arqueológico


disposto em superfície. Foram coletadas nesta área 05 peças líticas lascadas,

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parcialmente encobertas pela vegetação rasteira (grama). Como referido
anteriormente, este conjunto de materiais definiu os limites da área a ser escavada.

Artefato lítico localizado em superfície, na quadrícula D6, no sítio


Armino Frigotto, área I.

O primeiro nível, de 0 a 10 cm, foi escavado em toda a superfície demarcada, isto é,


36m². Apresentou solo argiloso pouco compactado, de coloração marrom, com
interferência de rochas e pequenas raízes. Presença discreta de grãos de carvão e
pouco cascalho intemperizado. Ocorreu também sílica amorfa, como quartzo,
calcedônia e ágata.

A evidenciação deste nível apontou a ocorrência de 04 produtos de lascamento. No


segundo nível, de 10 a 20 cm, foi escavada apenas 50% da superfície delimitada,
em forma de tabuleiro de xadrez, evidenciando-se somente duas peças
arqueológicas. A decisão de diminuir a área de escavação decorreu da baixa
quantidade de artefatos no primeiro nível, que demonstrou que se tratava de um sítio
de baixa densidade de material. O solo apresentou-se argiloso, com coloração
marrom e grande ocorrência de basalto intemperizado, pequenas rochas e raízes,
grãos de carvão dispersos e isolados.

Considerando-se a baixa densidade de material arqueológico no segundo nível,


escavou-se apenas 05 quadras, dispostas regularmente pela área delimitada, em

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forma de poço-teste. Encontrou-se solo argiloso com muito cascalho e rochas com
grau de intemperismo elevado. Nenhuma evidência arqueológica adicional foi
registrada.

Vista geral do primeiro nível escavado no Vista geral da área escavada, no segundo
sítio Armino Frigotto, área I. nível em 50% e no terceiro nível, nas
extremidades e no centro, sítio Armino
Frigotto, área I.

Sítio Armino Frigotto – Área ll

Os procedimentos de pesquisa aplicados nesta área foram semelhantes aos


descritos para a área anterior, com delimitação de porção de escavação em igual
tamanho.

A coleta sistemática efetuada na superfície apresentou 05 peças arqueológicas


lascadas, também parcialmente encobertas pela camada de grama que cobria a
área.

No primeiro nível escavado, observou-se solo argiloso e pouco compactado, com


ocorrência de sílica amorfa, como calcedônia, ágata e quartzo e pequenas rochas.
Grãos de carvão também foram evidenciados, porém sem concentração ou manchas
de cinzas, oriundos muito provavelmente das queimadas aplicadas no terreno para
preparação de lavouras. Escavaram-se todas as quadrículas constantes da área do
sítio. O conjunto de material arqueológico evidenciado foi composto por 17 líticos.

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Constatada a baixa ocorrência de material arqueológico no primeiro nível, decidiu-
se, como no sítio anterior, reduzir a escavação para cinqüenta por cento da
superfície delimitada, também em forma de xadrez. Observou-se solo pouco
compactado, com ocorrência de sílica amorfa e manchas de cascalho intemperizado,
juntamente com pequenas rochas. Neste nível, não se evidenciou nenhum material
arqueológico.

O nível 3 também obedeceu ao mesmo padrão metodológico aplicado ao nível 3 da


outra área. No rebaixamento das quadrículas, em forma de poço-teste, evidenciou-
se solo argiloso de tonalidade marrom, com presença de cascalho intemperizado e
pequenas rochas, não tendo sido evidenciado nenhum material arqueológico.

Artefatos localizados em superfície, na quadrícula C3 (dir.) e B4 (esq.) no sítio Armino


Frigotto, área II.

Vista geral do primeiro nível escavado, sítio Vista geral do segundo nível em 50% e
Armino Frigotto, área II. terceiro nível, nas extremidades e no centro,
no sítio Armino Frigotto, área II.

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Coleta Sistemática de Superfície

Foi realizada coleta sistemática na área de entorno de ambos as áreas escavadas


no sítio, tendo sido registrados e coletados os artefatos dispersos numa extensão de
aproximadamente 20.000m². Foram plotadas e coletadas 15 peças líticas, com
registro de coordenadas UTM de cada uma delas.

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TRABALHOS DESENVOLVIDOS EM LABORATÓRIO

ANÁLISE DA INDÚSTRIA LÍTICA

Sirlei Elaine Hoeltz


Adelson André Brüggemann

Introdução

Ao longo de três meses (outubro – dezembro/2003), foram realizadas as atividades


laboratoriais de análise do conjunto lítico do sítio arqueológico resgatado na área do
Reservatório da UHE Barra Grande, margem direita do rio Pelotas. Este relatório
apresenta os resultados destas atividades.

No trabalho de prospecção da área que será afetada pelo reservatório da referida


usina hidrelétrica, na margem direita do rio Pelotas, foram identificados dois sítios
arqueológicos. Porém, devido a proximidade entre eles, decidiu-se por considerá-los
como um único sítio, mas subdividido em duas áreas distintas de concentração de
material arqueológico. Sendo assim, estes foram resgatados e seus conjuntos líticos
totalizam 49 peças.

Desde o início das atividades, houve a preocupação de melhor explicarmos a


dinâmica da vida dos grupos caçadores coletores e ceramistas que habitaram a
região. Dessa forma, destacamos entre outros fatores, a variabilidade de seus
registros arqueológicos, associando a sistemas de assentamentos de grupos pré-
históricos como índice de identidade e identificação cultural, a partir do estudo das
cadeias operatórias.

Assim, elaboramos uma lista de análise (ver anexo IV) que permite comparar os
vários sítios arqueológicos e identificar o que é que se modifica no que diz respeito
às estratégias adotadas pelos grupos na organização do uso dos espaços, a fim de
tentar compreender como viviam estas populações pretéritas no vale do rio Pelotas.

Além disso, apresenta-se neste relatório uma discussão acerca das Tradições

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Arqueológicas para grupos caçadores coletores que ocuparam a atual região Sul do
Brasil, na tentativa de destacar elementos que possam elucidar algumas questões
que suscitam dúvidas quanto a variabilidade de seus artefatos.

Com o objetivo de melhor caracterizarmos o conjunto lítico que compõe o objeto de


estudo deste relatório, apresentam-se também, os conceitos que contribuíram para o
processo de análise das peças, as características geológicas da região, dando
ênfase as condições de obtenção da matéria prima para confeccionar os artefatos, e
por fim, os resultados da análise de todo o conjunto lítico que constitui o sítio
arqueológico SC-AG-101.

As Tradições Umbu e Humaitá: caracterização e revisão dos conceitos

A arqueologia brasileira desenvolve seus trabalhos em função de dois conceitos


básicos: tradição e fase. Estes dois conceitos foram empregados pelo Programa
Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), cujas definições são
encontradas na “Terminologia Arqueológica para a Cerâmica” (Chmyz, 1966). Tais
definições derivam de determinadas abordagens arqueológicas norte-americanas.
Os termos fase e tradição foram largamente utilizados pelos norte-americanos em
anos anteriores à década de 60 e foram sistematizados por Willey e Phillips (1958).
Os autores advertem que as diferenças entre as unidades arqueológicas não se
resumem apenas a espaços físicos ou a instrumentos tipologicamente diferentes, e
sim a todo um conjunto de características detalhadamente analisadas que permitem
identificá-la como uma nova unidade, distinta de qualquer outra já conhecida.

Fazendo uso destes conceitos, através do PRONAPA, nas pesquisas que se


desenvolveram no sul do Brasil, o termo tradição foi empregado para caracterizar
dois grandes grupos de caçadores coletores denominados Umbu e Humaitá.

Conforme trabalhos anteriores, os grupos de caçadores coletores da tradição Umbu


se estabeleceram em diversas áreas, principalmente nas planícies sul-sudoeste e
zonas contíguas à encosta do planalto e tiveram uma abrangência temporal entre
300 e 11 500 anos A.P. Sua área de dispersão chega ao norte, até o nordeste do

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estado do Paraná e República do Paraguai; a oeste, nas províncias argentinas de
Corrientes, Entre Rios e Misiones; a leste, o Oceano Atlântico; e ao sul, até o
extremo sul da América, no estreito de Magalhães (Ribeiro, 1990a: 131). Ocuparam
sítios a céu aberto e abrigos sob rocha.

A matéria prima utilizada é variada: basaltos, arenitos silicificados, sílex, quartzo,


calcedônia, etc. A técnica de lascamento é a percussão direta e a técnica de
retoques por pressão uma característica peculiar desta tradição. Seus instrumentos
mais típicos são as pontas-de-projétil, seguidos de “chopping-tools”, “choppers”,
bifaces, pontas, buris, raspadores, lesmas, etc.

A tradição Humaitá, segundo Kern (1990: 101-103), é comumente designada como


uma tradição sem pontas-de-projétil. Foi definida para os grupos de caçadores
coletores que se estabeleceram em um ambiente específico caracterizado pelas
florestas subtropicais e teve uma abrangência temporal entre 1.130 e 8.700 anos
A.P. Seus sítios são encontrados em meio às florestas subtropicais nas encostas
meridionais do planalto sul-brasileiro, no Vale do Alto Uruguai e nas alturas cobertas
de matas de araucária do norte do Rio Grande do Sul. Igualmente está representada
em sítios do Vale do Alto Rio Paraná e de seus afluentes, na Argentina (Misiones),
no Paraguai, no oeste de Santa Catarina, no oeste e norte do Paraná e sul de São
Paulo.

Esta tradição lítica apresenta, de um modo geral, sítios a céu aberto, raramente
ocupando cavernas ou abrigos sob rocha. A maioria dos sítios é superficial, com
níveis arqueológicos de 20 a 30cm. Este grupo instalou-se junto às margens dos rios
e arroios das grandes bacias hidrográficas do sul do Brasil (Paraná, Uruguai e
Jacuí), tanto nas várzeas quanto nos terraços e colinas vizinhas.

Quanto à utilização da matéria prima para a confecção de seus artefatos líticos,


caracteriza-se pelo uso do arenito silicificado e/ou basalto, preferencialmente,
variando de região para região. A técnica de lascamento empregada foi por
percussão direta, inclusive com retoques, porém estas, segundo Kern (1983/84:
104), seriam de maneira controlada e cuidadosa. O conjunto de utensílios típicos

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dessa tradição é composto por lâminas de machado manual, lascadas bifacialmente
(bifaces), talhadores (“choppers” e “chopping-tools”, ou seja, as talhadeiras uni e
bifaciais), picões, raspadores, plainas, facas, furadores, pontas e lascas (Kern, 1990:
112).

Estas definições se sustentaram por muito tempo, pois a reconstrução da história


material da vida humana era o objetivo principal da disciplina arqueológica. Ao
considerar-se indistintamente o estudo das indústrias pré-históricas, não só no
Brasil, o que se observa é que por um longo tempo este se restringiu à descrição e à
classificação somente dos testemunhos, em detrimento de uma interpretação mais
geral das atividades técnicas dentro das quais estes testemunhos se inserem. A pré-
história européia, no século passado, mostrou-se muito eficaz estabelecendo um
quadro crono-cultural através de “fósseis diretores” ao efetuarem uma observação
direta de seus artefatos. Aqueles estudos concentrando-se somente nas
observações e descrições empíricas dos artefatos líticos, a fim de explicar a
variabilidade de seus conjuntos e definir tradições culturais, foram feitos sob uma
óptica onde o desenvolvimento social seria determinado por leis naturais e os
homens sendo sujeitos passivos. Tais procedimentos fizeram com que, como diz
Lima (2000, s/p.) “vicejava uma ecologia cultural não raro equivocada, fornecendo
mais propriamente cenários que discutindo de forma efetiva o fenômeno da
mudança decorrente de adaptações dos sistemas sócio-culturais ao meio ambiente”.

Deste modo, nestas últimas décadas, o que se observa é a recorrência de trabalhos


questionando a validade dos conceitos de ambas as tradições. É consenso entre os
autores a opinião de que as análises são, na maioria das vezes, sucintas e
esquemáticas, onde a prioridade recai na identificação de tipos morfológicos de
artefatos, sem um padrão analítico quantitativo ou qualitativo unificado. A bibliografia
não apresenta referências quanto às técnicas de análise demandadas pelo estudo
de indústria líticas, evidenciando poucas tentativas de estudo sistemático deste tipo
de material (Prous, 1986/1990: 44).

Hilbert, por exemplo, questiona os antigos modelos e sugere a hipótese das


tradições Umbu e Humaitá fazerem parte de uma mesma indústria lítica:

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Podemos inferir que estas culturas Pampa-Planalto (Umbu –
Humaitá) constituem uma única cultura de caçadores
coletores, que utilizou diferentes ambientes em épocas
distintas. Esta utilização diferenciada dos respectivos
ambientes (Pampa-Planalto) está relacionada à localização
dos sítios e composição e confecção dos instrumentos líticos.
Para testar esta hipótese, necessitamos de outros métodos de
classificação, diferentes dos até então utilizados (Hilbert, 1994:
13).

O autor acrescenta que os instrumentos líticos sofreram modificações formais ao


longo do tempo e que, através da interpretação destes aspectos formais e
funcionais, almeja-se um esclarecimento dos processos transformatórios, suas
origens, leis e regularidades.

Os trabalhos de Dias (1994) e Hoeltz (1997) também procuraram apontar os


problemas causados na aplicação dos conceitos de tradição e fase definidos pelo
PRONAPA. Hoeltz (op. cit.), em seu estudo, centrou-se na organização tecnológica
das indústrias líticas no Vale do Rio Pardo (RS), no que se refere à tecnologia de
produção e ao comportamento desta produção em face à disponibilidade da fonte de
matéria prima. Os resultados demonstraram que nem sempre os artefatos
classificados tradicionalmente como da tradição Humaitá são exclusivamente
pertencentes a esta tradição.

No estado de São Paulo, tem-se o trabalho de Blasis (1996) onde, referindo-se à


tradição Umbu, comenta o quanto pode ser equivocada a definição de uma tradição
unicamente baseada na posse de fósseis-guia:

...De fato, muitos sítios cujas coleções são pobremente


conhecidas foram integradas a esta tradição apenas por
exibirem pontas de flecha, sem que quaisquer outras
referências estivessem presentes. Como se viu, este é um
critério frágil; no estado de São Paulo, por exemplo, pontas
estão presentes em quase todas as regiões estudadas, sendo
que as indústrias, quando comparadas a partir de parâmetros
mais abrangentes, muitas vezes são mais diferentes do que
semelhantes (De Blasis, 1996: 103).

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Cita-se ainda trabalhos mais recentes, como o de Dias (1999), que em uma análise
tecno-tipológica comparativa de coleções da tradição Umbu se propõe a discutir a
variabilidade de suas indústrias líticas. A autora conclui que foi possível perceber a
existência de uma bagagem tecnológica comum aos sítios independentemente de
suas diferenças espaciais e temporais, justificando a utilização do conceito de
Tradição para afiliar culturalmente os contextos; no entanto, ressalta que há
diferenças marcantes quanto às escolhas tecnológicas associadas ao processo de
produção de artefatos funcionalmente equivalentes em forma, no caso das pontas
de projétil pedunculadas.

Também Dias e Silva (1998) a partir da avaliação dos conceitos de sistemas


tecnológicos e estilos, analisam a noção de estilo tecnológico e as suas implicações
no estudo de indústrias líticas (Umbu e Humaitá) de duas regiões distintas do Rio
Grande do Sul e comentam: “... nossa preocupação é entender quais aspectos, além
do artefato-guia, justificariam a distinção entre dois conjuntos líticos originalmente
definidos em termos de tradições arqueológicas e divididos em diferentes fases
arqueológicas para o sul do Brasil. Nossa proposta é que se complexifiquem os
parâmetros definidores de sua variabilidade, bem como que se procure apreender
contextualmente as causas de suas variações internas” (Dias & Silva, 1998: 20).

Morais (2000: 8), em seu trabalho no Paranapanema, estado de São Paulo, se


defronta com o mesmo problema e afirma não considerar válida a distinção feita
para as duas tradições através de pressupostos sustentados por assinaturas
tipológicas. Para ele, a variabilidade de artefatos tem mais a ver com o tipo de
matéria prima disponível que força o uso de técnicas de processamento adequadas
para cada caso.

As pesquisas desenvolvidas, nestes últimos 5 anos, pela equipe de arqueólogos da


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), também através
dos seus trabalhos de arqueologia por contrato, têm proporcionado novos subsídios
para discussão.

Um deles, ao longo do rio Uruguai, norte do estado do Rio Grande do Sul, e muito

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próximo à área deste projeto, na área a ser atingida pelas obras da construção e
implantação da Usina Hidrelétrica de Machadinho (Hoeltz, 1999); e o outro, no oeste
do mesmo estado, na obra de implantação do gasoduto Uruguaiana – Porto Alegre,
num trecho partindo do Rio Uruguai até a Usina Termoelétrica de Uruguaiana
(Hoeltz, 2001).

Em ambos os casos, mediante análises tecno-tipológicas das indústrias líticas1, a


dúvida maior ficou por conta de estabelecer o que é que faz com que uma indústria
apresente conjuntos artefatuais diferenciados de outra indústria, uma vez que não se
percebem tecnologias de produção diferenciadas. Além disso, nos sítios em
Machadinho, há casos de, numa mesma indústria, serem encontrados tanto
artefatos diagnósticos de uma quanto de outra tradição – por exemplo, pequenos
bifaces retocados, inclusive pontas-de-projétil (Umbu), “associados” a grandes
bifaces toscos (Humaitá). As mesmas observações podem ser feitas no que se
refere às indústrias líticas dos grupos ceramistas. No caso de Uruguaiana (numa
fase preliminar) relacionou-se todos os grupos à tradição Umbu, e concluiu-se que,
ao apresentarem técnicas de produção lítica semelhantes, a variabilidade de suas
indústrias se deu em função da funcionalidade diferenciada de seus sítios.

Cita-se ainda o trabalho (inédito) de doutorado de André Jacobus que, em um


estudo de caso, tem tratado dos “Caçadores Coletores na Mata Atlântica” (Jacobus,
2000). Em seus resultados preliminares, conseguiu identificar (através de um
levantamento das publicações e catálogos de diversas instituições) 284 sítios de
caçadores coletores, dentre estes, 55% encontram-se relacionados à tradição Umbu
e 25% à tradição Humaitá. O autor comenta que “possivelmente muito do que é
classificado como pertencente à tradição Humaitá não passe de material lascado por
grupos associados às outras tradições”.

Um dos trabalhos mais recentes sobre esta discussão encontra-se na pesquisa de

1 Em Machadinho foram identificados 58 sítios arqueológicos; destes, 13 apresentaram


exclusivamente artefatos de matéria prima lítica; 30 são lito-cerâmicos e em 15 evidenciou-se uma
sobreposição de material histórico. No total foram analisadas mais de 10 mil peças líticas. Em
Uruguaiana, ao longo de 35km, têm-se 10 sítios líticos, com um total de 1.361 peças. (HOELTZ,
2001).
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Dias & Hoeltz (2002), onde as autoras trataram de analisar as coleções líticas
associadas a sistemas de assentamentos de ceramistas, na região do Alto Rio dos
Sinos (RS). Tal trabalho tem possibilitado questionar as estratégias de análises
tradicionais desenvolvidas no intuito de conceituar tradições culturais. Deste modo,
afirmam que:

Se observados alheios ao seu contexto e de acordo com uma


tipologia funcional, o material lítico destes sítios se
enquadraria na definição clássica de um conjunto pertencente
à Tradição Humaitá. Portanto, para que se possa avançar no
conhecimento sobre as sociedades caçadoras coletoras do sul
do Brasil, faz-se necessário uma reorientação das estratégias
de análise de sítios líticos associados a sistemas de
assentamento de grupos ceramistas, devendo-se abandonar
as categorias funcionais baseadas na morfologia dos artefatos
e optar por aquelas definidas a partir de aspectos da
organização tecnológica que permitam interpretações sobre a
variabilidade de conjuntos líticos. Estes dados, por sua vez,
devem necessariamente ser acompanhados de estudos
contextuais de caráter regional e integrados entre si, fruto de
diferentes estratégias de mobilidade e uso do espaço por
distintas sociedades pretéritas (Dias & Hoeltz, 2002: s/p.).

Como constatado, não são poucos os problemas envolvidos na conceituação de


tradições pré-cerâmicas para o sul do Brasil.

Tecno-Tipologia e Funcionalidade: aspectos teóricos

Conforme Vialou:

A tecno-tipologia é o estudo raciocinado: em primeiro lugar, do


lascamento e do talhe da matéria prima; em segundo, dos
retoques intencionais, transformando os produtos de
lascamento em utensílios; em terceiro, das marcas deixadas
pelas utilizações; e, em quarto, dos utensílios numa
perspectiva de classificação (Vialou,1980: 62).

Concordando com esta perspectiva, consideramos que cabe ao artesão, até chegar
ao produto final de sua produção, efetuar uma seqüência de gestos técnicos que
20
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
reflete a característica técnica de um grupo como um todo. É somente através da
análise particular dos lascamentos e retoques que as diversas indústrias líticas se
diferenciam. A tecnologia lítica, segundo Vialou, é invariável na sua organização
sistemática e universalmente idêntica. A originalidade ocorre somente quando os
elementos são vistos separadamente, "[...] uma matéria prima nova, um artesão
diferente, daí o estilo" (Vialou, 1980: 65).

O que se tem observado na maioria dos trabalhos sobre indústrias líticas, em geral,
são abordagens tipológicas limitadas a uma descrição do material, procurando
apenas definir a sua funcionalidade. E caracterizando-os de forma a enquadrá-los
como pertencentes à determinada tradição. Mas considerando que tais utensílios
podem ter sido usados de diversas maneiras, em razão de funções variadas, não
podemos falar, por exemplo, de raspadores quando não é feita uma análise
funcional tendo em vista as marcas de utilização. Não é possível caracterizar um
dado sítio se na sua indústria não for encontrado seu artefato lítico característico. As
meras descrições, quando não acompanhadas de um estudo tecnológico funcional
que interprete a organização de uma dada indústria lítica, podem induzir a equívocos
no momento de classificá-la.

A tipologia, a saber, o reconhecimento dos utensílios e sua classificação em tipos,


quando se fundamenta em dados tecnológicos, tem acesso tanto ao particular como
ao universal; sabe reconhecer em que uma indústria é original, única mesmo; sabe
simultaneamente mostrar em que se inscreve num contexto geral, local, regional ou
mais vasto ainda (...) (Vialou, 1980: 65).

Collins afirma que:

A tecnologia está marcada pelas limitações impostas pelo


comportamento da fratura conchoidal, da natureza das rochas
e minerais possuidores de propriedades para o lascamento e
da capacidade das culturas primitivas para executar e
controlar as forças. (...) qualquer tecnologia lítica específica
está estruturada em resposta às necessidades da cultura,
escolha, qualidade e conhecimento dos artesãos, assim como
os fatores, classe, quantidade e qualidade da matéria prima.
Quando o acesso à matéria prima ou as necessidades
culturais trocam, se produzirão trocas na tecnologia (Collins,

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
1989/90: 51-52).

Para Collins (1989/90: 51), a manufatura dos instrumentos, embora siga um


procedimento linear, não invalida a possibilidade de analisá-la em etapas, mesmo
que estas etapas não sejam suficientemente distintas, em termos de procedimento e
rendimento, a ponto de individualizá-las. O autor refere-se a estas etapas como
"grupo de produtos", onde cada grupo contém características próprias com
qualidades de rendimento diferentes entre si, mas de forma que o rendimento de
dada etapa ou grupo dependa do rendimento anterior. Seu modelo de análise é
composto de cinco etapas, que são: obtenção da matéria prima, preparação e
redução inicial de núcleos, lascamento primário opcional (modificação primária),
lascamento secundário e formatização opcional (modificação secundária) e
conservação ou modificação opcional de peças desgastadas pelo uso. Segundo o
autor, cada grupo de produtos, exceto o primeiro, consiste de duas classes de
materiais: os produtos de dejetos (resíduos de lascamento) e os objetos destinados
a maior redução ou uso (Collins, 1989/90: 52).

A primeira etapa é a obtenção da matéria prima, que, na concepção do autor, refere-


se às rochas ou minerais que são lascáveis de modo que o artesão as seleciona
entre os recursos disponíveis. Os meios mais comuns de adquirir a matéria prima
são a coleta, a exploração de afloramentos e alguma forma de importação. Nos
locais em que a matéria prima ocorre em superfície (depósitos coluviares, praias,
peças soltas deixadas pela erosão de uma matriz), a única atividade de obtenção
necessária é a coleta seletiva. Pode ocorrer que a matéria prima desejada deva ser
extraída de afloramentos e muitas vezes o material está exposto na superfície em
quantidade insuficiente ou de qualidade inferior, indicando que mais e melhor
material poderia ser obtido em depósitos profundos. Outro caso diz respeito ao fato
do material desejado para lascar não se encontrar disponível localmente. Neste caso
deve-se empregar alguma forma de importação. Em resumo, a obtenção da matéria
prima pode ocorrer de várias formas e os artesãos se abastecem dos materiais
necessários ou desejados para a produção de artefatos líticos através da articulação
direta ou indireta com o ambiente físico. Uma vez que a matéria prima tenha sido

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
obtida, a redução inicial pode ocorrer imediatamente no local de obtenção ou então
ser transportada para o sítio arqueológico e lá se dar continuidade ao processo de
produção dos artefatos (Collins, 1989/90: 53-55).

A segunda etapa é a preparação e redução inicial de núcleos, onde o artesão deve


transformar a matéria prima em uma forma apropriada para usar como ferramenta
ou para uma maior redução (Collins, 1989/90: 55-56). Constitui-se de três opções
básicas:

1. Pode concentrar-se na formatização do núcleo, utilizando-o como base para a


produção de um artefato, e descartar todas as lascas que se desprendem
desta formatização;

2. Pode otimizar o desprendimento das lascas, utilizando-as como base para a


produção de artefatos, e descartar o núcleo esgotado; ou ainda;

3. Pode reter ambos, o núcleo e as lascas desprendidas, de forma a utilizá-los


imediatamente após a redução inicial sem sofrerem qualquer tipo de
modificação (retoques).

Conforme Dias (1994: 90), os resíduos de lascamento que resultam dessa etapa são
as lascas primárias (corticais), que apresentam a face externa e/ou o talão total ou
parcialmente cortical (Prous, 1986/90: 17), juntamente com os núcleos esgotados e
abandonados.

A terceira etapa diz respeito ao lascamento primário opcional (modificação primária),


onde as lascas e os núcleos da atividade anterior podem ser lascados antes de
usados ou reduzidos ainda mais. O principal objetivo desta atividade é dar forma ao
artefato. Esta formatização pode ocorrer de diversas maneiras, mediante a
modificação por retoques nas bordas dos núcleos e das lascas (Collins, 1989/90:
56). Esta modificação primária de núcleos e lascas produz também resíduos de
lascamento, onde com a retirada de novas lascas sobre as cicatrizes das primeiras
retiradas obtêm-se lascas sem córtex, cuja face externa e/ou talão apresentam
cicatrizes dos lascamentos anteriores: são as lascas secundárias (Prous, 1986/90:

23
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
18). Segundo Dias, as peças bifaciais ou unifaciais, sobre núcleos ou lascas,
correspondem a esta etapa de produção. Ele afirma que esta categoria de artefatos
pode corresponder a uma etapa anterior à produção de pré-formas ou pode ser
utilizada como artefatos de funcionalidade variada e que as pré-formas, resultantes
da etapa de modificação primária, são utilizadas para a produção de instrumentos
mais complexos (Dias, 1994: 91-92).

O lascamento secundário e formatização opcional (modificação secundária)


correspondem à quarta etapa de produção e as pré-formas do grupo anterior
constituem o ponto de partida desta atividade. As pré-formas são lascadas
bifacialmente exibindo as formas do produto acabado e esta etapa inclui,
predominantemente, o processo do lascamento bifacial (Collins, 1989/90: 56). Dias,
citando Collins (1989/90), observa que esta etapa corresponde à produção de
instrumentos mais complexos, como as pontas-de-projétil, cujas pré-formas
anteriores recebem uma modificação secundária ou refinamento através de retoques
por pressão, antes de se tornarem funcionais (Dias, 1994: 92).

A quinta e última etapa corresponde à conservação ou modificação opcional de


peças desgastadas pelo uso, cujos artefatos com bordas desgastadas podem ser
reciclados. Ou as bordas são reativadas de forma a manterem sua função original,
ou os artefatos são totalmente modificados, transformando-se em novas peças com
outra funcionalidade (Collins, 1989/90: 57).

Procedimento para a Análise do Material Lítico

Considerando os pressupostos teóricos acima descritos, desenvolvemos nossas


pesquisas a partir da análise tecno-tipológica, que enfoca tanto a procedência da
matéria prima, quanto às tecnologias de produção empregadas na transformação
destas diferentes matérias-primas em artefatos, além da distribuição quantitativa e
qualitativa dos resíduos de lascamento e a análise funcional dos artefatos
relacionadas a retoques e marcas de utilização.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Conforme Andrefski (1998: 134) a produção da debitagem é sensível a um número
variado de diferentes tipos de comportamento tecnológico e a combinação dos
atributos pode variar dependendo das limitações associadas à produção, uso,
manutenção e descarte dos artefatos. Não existe uma fórmula do tipo “livro de
receitas” para o tipo e escala de análise que deve ser conduzida na debitagem para
se obter um tipo específico de interpretação de comportamento. Para o autor, as
interpretações mais convincentes são aquelas que usam resultados derivados de
diferentes atributos de debitagem e/ou tipos de debitagem.

Considerando o exposto acima, elaboramos uma nova lista de atributos e, portanto,


mais adequada ao material em análise. Assim, baseamo-nos tanto no modelo de
Hilbert (1994), quanto no modelo de Dias & Hoeltz (1997) para o estudo dos
resíduos de lascamento (lascas e núcleos) e artefatos brutos; e no modelo proposto
por Dias & Hoeltz (2002), para classificar os artefatos bifaciais.

Segue a apresentação dos atributos analisados na lista individualmente.

LISTA DE ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO

Dados de Identificação

A. Número de Catálogo: Identificação do material arqueológico de um sítio em


laboratório.

B. Setor: Divisão do sítio conforme as coordenadas geográficas.

C. Quadrícula: Subdivisão do sítio de 1m2 .

D. Nível: Altura da camada arqueológica escavada.

E. Nº de Coleta: Identificação do material arqueológico de um sítio em campo.

Atributos para caracterização dos dados básicos

Aqui são indicados todos os artefatos líticos produzidos, durante o seu

25
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
processamento, em suas formas básicas e os atributos que são comuns a todas as
peças.

Os atributos que compõem esta lista baseiam-se nos trabalhos de Tixier et al (1980),
Laming-Emperaire (1967), Brezzilon (1977) e Moraes (1987), sendo os seguintes:

F. Forma Básica

Bloco Natural: Rocha natural que não sofreu ação antrópica.

Lasca: Fragmento de rocha, debitado por uma percussão, aplicada em um ponto


periférico determinado do núcleo. A lasca apresenta, tipicamente, uma face externa
dorsal (a que se encontrava no exterior do núcleo antes da debitagem), uma face
interna ventral (a que se encontrava no interior do núcleo antes da debitagem) e um
talão (a superfície sobre a qual foi aplicada a percussão), (Laming-Emperaire, 1967,
35).

Dependendo do tipo das técnicas de lascamento o produto resulta em lascas


unipolares ou bipolares. São lascas que, por apresentarem características bastante
peculiares, são perfeitamente identificáveis.

Crabtree (1972: 11-12) também denomina o lascamento unipolar de lascamento por


percussão direta ou lascamento controlado. Os passos técnicos associados ao
lascamento unipolar são descritos da seguinte forma por Prous:

Segundo a técnica mais clássica, dita de lascamento unipolar,


o artesão ou o experimentador segura um bloco (núcleo) de
matéria prima na mão direita. Escolhendo um superfície
adequada (plano de percussão), bate nestas para retirar
lascas de um bloco. Esta operação deve ser feita em função
de normas estritas, sendo uma delas a de que o ângulo entre
o plano de percussão e a parte externa do bloco a ser lascado
seja igual ou inferior a 90º (senão não haverá lascamento)
(Prous, 1986/1990: 17-18).

Em função dos sucessivos golpes desferidos em sua superfície, os núcleos


unipolares apresentam-se vincados de cicatrizes que correspondem ao negativo da

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
face interna das lascas que se desprenderam. Tanto a cicatriz deixada no núcleo,
quanto à face interna da lasca unipolar apresentam evidências da dispersão do
impacto que provocou o lascamento, na forma de ondas de força. A força do golpe
faz com que parte da plataforma percutida desprenda-se do núcleo, formando o
talão da lasca. A percussão também produz, na lasca unipolar, um bulbo marcado
de onde divergem as ondas de força, conferindo a sua face interna uma
conformação levemente côncava.

Quanto ao lascamento bipolar, Rütschilling (1989: 47) diz que proporciona o


rompimento de pequenos núcleos de matéria prima, a partir de percussão com
apoio. O termo bipolaridade dá-se em função dos dois pólos de força em ação no
processo de produção de lascas. O golpe no plano de percussão direta produz uma
contra-força no ponto de apoio (plano de percussão indireto), gerando dois pólos de
força em oposição linear, cuja ação acarreta a ruptura do núcleo.

As lascas bipolares, segundo Rütschilling, geralmente tem duas faces planas, ou


ligeiramente planas, onde nas extremidades são visíveis plataformas opostas
correspondentes às zonas de impacto direto e indireto. A face mais plana quase
sempre é interna. A face externa apresenta freqüentemente irregularidades
provocadas por lascamentos ou desprendimentos anteriores. Segundo a autora,
quando a direção do golpe se faz em um ângulo diferente de 90º com a superfície do
núcleo, a propagação do mesmo não atingirá a extremidade oposta apoiada. O
golpe se dissipará em outra direção, podendo gerar lascas com bulbo positivo ou
sem ponto de percussão indireto (Rütschilling, 1989: 50).

Prous e Lima descrevem os procedimentos técnicos associados ao lascamento


bipolar da seguinte forma:

A peça a ser debitada é colocada verticalmente sobre a face


plana de uma bigorna de rocha, preferencialmente resistente
(...). O batedor é segurado em uma das extremidades, mas
será usada uma parte próxima ao centro da face (nunca as
extremidades; sob pena de machucar a mão que segura o
bloco a ser debitado). Algumas percussões leves devem
provocar a saída de lasquinhas curtas do bloco, tanto do lado
proximal (o que recebe o impacto do batedor), quanto do lado

27
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
distal (em contato com a bigorna); estes golpes preliminares
esmagam ambas as zonas percutidas e visam assentar a peça
melhor sobre a bigorna (...) e a debitagem pode ser iniciada
com golpes mais violentos. É geralmente aconselhável
provocar um rachamento total do bloco núcleo com uma
pancada violenta, apertando o núcleo entre os dedos. Assim
sendo, o bloco se separa em duas metades (por vezes um
seixo pode rachar em 3 ou 4 gomos) [que] (...) podem servir de
núcleos para obter lascas finas e muito cortantes (Prous &
Lima, 1986/1990: 97-98).

O estudo da dispersão dos resíduos de bipolaridade pelos autores revelou que “a


dispersão dos produtos de debitagem a partir da bigorna se faz em um ângulo de no
máximo 110º à frente e a direita do experimentador. As peças maiores ficam entre
os dedos, as de tamanho médio saltam até 30 cm e os estilhaços podem ir até 1
metro de distância” (Prous & Lima, 1986/1990: 98).

Deste modo, as lascas podem ser:

Unipolar: Lascas com um ou mais pontos de percussão obtidas através da


percussão unipolar. Na face ventral da lasca pode formar-se um bulbo e cicatrizes
dependendo do tipo de matéria prima, do peso do percutor e da força e velocidade
do impacto.

Bipolar: Lascas com dois pontos opostos de impacto. Segundo Heinzelin são lascas
"obtidas por debitagem bipolar. As ondas de impacto se propagam às vezes em dois
pontos opostos da mesma lasca, mas nem sempre" (Heinzelin de Braucourt, 1962:
13 apud Brézillon, 1977: 101). Segundo Prous e Lima as lascas bipolares não
apresentam, em muitos casos, nem talão, nem face interna, nem face externa no
sentido habitual. "São produtos de debitagem finos, com gumes agudos, cujo talão é
substituído por uma linha de esmagamento (...) Em conseqüência, lascas bipolares
têm tendência a serem mais retas que as unipolares" (Prous & Lima, 1986/90: 100).

Núcleo: A designação de núcleo envolve contradições entre os vários autores.


Vialou o define como "o que resta do bloco da matéria prima após o lascamento, um
resíduo" (Vialou, 1980: 64). Entende que um núcleo somente tem por função

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
fornecer uma quantidade relativa de lascas e que é comum, seja por confusão de
formas ou por hipóteses de funcionamento, vê-lo designado como raspador, peça
bifacial, utensílio com reentrância, etc. Brézillon afirma serem as definições de
núcleos em geral constantes e cita Leroi-Gourhan, dizendo que "toda massa de
matéria prima debitada toma forma de núcleo" (Leroi-Gourhan, 1964: 9 apud
Brézillon, 1977: 87).

Laming-Emperaire (1967: 35) conceitua núcleo de uma forma similar, dizendo ser
um bloco de matéria prima preparado para que dele se possa tirar uma ou uma série
de lascas. No entanto, cita um tipo de núcleo "re-utilizado", que se caracteriza como
um núcleo que não é mais utilizado como tal, mas no qual um ou vários cantos foram
retocados e utilizados como utensílio. É o que se observa algumas vezes no
material em análise.

Sendo assim, é correta a definição de núcleo empregada por Vialou. Porém,


quando o mesmo encontra-se modificado (com retoques ou marcas de utilização),
ele passa a ser um determinado artefato cuja denominação não se faz necessária,
para não se esbarrar no problema do emprego de terminologias funcionais. Quando
alguns autores referem-se a "raspador sobre núcleo" ou "raspador sobre lasca"
subentende-se estarem eles se referindo à forma básica original deste raspador.

Fragmento de Lasca: Lasca incompleta sem a parte proximal.

Fragmento de Núcleo: Núcleo incompleto no seu comprimento, largura ou


espessura.

Detrito: "(...) peças sem formas definidas que não possuem retiradas ou retoques ou
ainda uma morfologia que lhes defina a função." (Moraes, 1977; 45 apud Moraes ,
1987: 56).

Artefato Bifacial ou Unifacial: Artefatos bifaciais são os que apresentam lascamentos


bifaciais, isto é, lascamentos tanto dorsais quanto ventrais numa mesma zona a
partir da borda; e artefatos unifaciais, são os que apresentam lascamentos
unifaciais, isto é, lascamentos dorsais ou ventrais a partir da borda.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Artefato Polido: Inclui-se dentro dos artefatos brutos, apresentam superfícies
naturais polidas.

Artefato Bruto: Materiais que não sofreram lascamento. Estes artefatos apresentam
uma superfície destinada a servir de base de percussão ou fricção ao material a ser
trabalhado, por isso são evidentes em suas superfícies as marcas de utilização ou
polimento. São geralmente usados para polir, macerar, esmagar, friccionar, bater,
moer, etc.

Termófero: Peça com ou sem ação antrópica, destacada da rocha original pelo
aquecimento.

G. Matéria prima: Das qualidades físicas, mecânicas e químicas da matéria prima


dependem as técnicas de lascamento que são empregadas. Assim, a matéria prima
está intimamente associada a processos produtivos específicos e à formação de
instrumentos característicos. Identificou-se a utilização das seguintes matérias-
primas, as quais são definidas segundo Dana & Hurlbut (1976: 530 e 573) e
Schumann (1985: 50, 52 e 114):

Basalto: Rocha vulcânica de coloração escura e granulação fina, por vezes


amigdalóides (cavidades preenchidas) ou vesiculares (cavidades vazias).
Geralmente são rochas maciças e, por isso, oferecem lascamento precário; porém,
em outros casos, existem estruturas de fluxo ígneo que marcam descontinuidades
físicas e propiciam maior facilidade de lascamento.

Arenito Silicificado: Também chamado de metaquartzito ou arenito intertrápico e


oriundo do pirometamorfismo entre lava (basáltica) e arenito. São rochas
extremamente endurecidas junto ao contato com o derrame sotoposto e de fratura
conchoidal cortante.

Arenito: Rocha sedimentar onde as camadas de areia se consolidaram em massas


rochosas. Os grãos de areia podem ser cimentados por sílica, carbonato, óxido de
ferro ou material argiloso. O quartzo é o principal componente na formação dos
arenitos. A cor da rocha depende da natureza do cimento.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Calcedônia: Variedade criptocristalina fibrosa do quartzo. Apresenta variada
coloração, brilho céreo, translúcida. Freqüentemente reveste ou preenche cavidades
nas rochas. A calcedônia apresenta bom lascamento em virtude de características
estruturais oriundas de suas cristalizações. A formação destes minerais dá-se pela
precipitação química em camadas, resultando em descontinuidades físicas,
permitindo deste modo um fácil lascamento.

Quartzo leitoso e hialino: Os cristais de quartzo leitoso são comumente prismáticos,


com as faces do prisma estriadas horizontalmente. Fratura concóide, brilho opaco e
dureza 7 na escala de Mohs. O quartzo hialino possui as mesmas características do
quartzo leitoso. É uma variedade cristalina do quartzo de granulação grossa.
Quartzo incolor - cristal de rocha.

Hematita: É um mineral de cor preta à cinza escuro, de brilho metálico e traço


vermelho. Sua dureza varia entre 5,5 e 6,5 na escala de Mohs, ocorrendo na
natureza em depósitos ferríferos ou como pigmentos vermelhos, comuns nos
sedimentos (Leinz & Amaral, 1989: 40).

Meta-Lamito: Lamito recristalizado por metamorfismo termal. Rocha formada em


ambiente sedimentar, de baixa energia de transporte, tendo como área fonte os
derrames basálticos e que sofreu metamorfismo termal, com a recristalização da
matriz em calcedônia, quando da ocorrência de novo derramamento.

Riodacito: Rocha constituída especialmente por micrólitos de feldspato alcalino,


plagioclásio, quartzo (e formas microcristalinas ou em processo de desvitrificação da
sílica) e opacos, com argilo-minerais intersticiais, do grupo das esmectitas.

H. Estado de Preservação: Apresentação geral da peça, podendo ela estar


completa (inteira) ou incompleta (fragmentada). Se incompleta, pode estar
fragmentada em seu comprimento e/ou largura e/ou espessura.

I. J. K. Medidas: As dimensões são tomadas nas três direções da peça e informam


seu comprimento, largura e espessura. O comprimento para as lascas é medido
segundo o seu eixo de lascamento (longitudinal), isto é, perpendicular ao plano de

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
percussão da peça. Largura e espessura são medidos perpendicularmente ao
comprimento. Para os núcleos, o comprimento é mensurado paralelamente ao eixo
longitudinal dos negativos de lascamentos predominantes. A largura (maior medida)
e espessura (menor medida) são também tomados perpendicularmente ao
comprimento. Quando não é possível definir predominância de negativos,
estabelece-se como comprimento o seu maior eixo de lascamento. Este
procedimento permite comparar dimensões entre núcleos e lascas. O peso é obtido
em gramas. O ângulo de lascamento, para as lascas, é calculado tomando-se o
ângulo formado entre a plataforma de percussão e a sua face ventral. Para os
núcleos e bifaces, é o menor ângulo formado entre a plataforma de percussão e um
negativo de lascamento ou entre dois negativos de lascamento (ângulo de inclinação
em relação à borda).

L. Quantidade de Superfície Natural (córtex) Total: A superfície natural


corresponde à camada externa da peça, cuja espessura depende simultaneamente
da duração da exposição aos agentes atmosféricos, das condições climáticas e da
natureza da matéria prima empregada pelo artesão. A quantidade de superfície
natural presente numa peça é variável, podendo cobrir algumas partes, ser
totalmente coberta ou ainda não apresentar córtex.

M. Origem da Matéria Prima: Sua classificação depende da presença de superfície


natural na peça. Deste modo, pode ser:

Sem informação: Não apresenta mais nenhum vestígio da camada externa, não
sendo possível, desta forma, determinar sua origem, se de seixo ou bloco.

Seixo: São fragmentos destacados há algum tempo da rocha-mãe, com as arestas


desgastadas, formas arredondadas e superfície geralmente lisa, devido ao
transporte (ação mecânica). Neste trabalho consideramos seixo as peças obtidas
nos leitos dos rios (córtex liso pela ação da água).

Bloco: Presença da camada externa de alteração de uma rocha, que, neste caso,
indica ser a matéria prima proveniente de afloramentos. Afloramentos são os locais
naturais das rochas, sendo, portanto, a matéria prima destacada diretamente da

32
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
rocha-mãe. A superfície não é lisa e nem as arestas são tão desgastadas quanto as
de um seixo.

Placa: Fragmentos destacados da rocha-mãe com formas geralmente retangulares,


onde ambas as faces (dorsal e ventral) são planas.

Indicadores Tecnológicos

Este item procura decompor o material lítico lascado em suas características


tecnológicas básicas. Como a confecção de artefatos líticos baseia-se em uma
tecnologia extrativa, produz grande quantidade de resíduos diferenciados de acordo
com a etapa de produção. Sua análise, portanto, permite a reconstituição da cadeia
operatória por trás dos artefatos, mesmo quando estes se encontram ausentes. A
arqueologia experimental, bem como a etno-arqueologia, auxilia-nos a compreender
esta categoria de fenômenos de forma particularizada, decomposta em diferentes
indicadores (Dias & Hoeltz, 1997) Esta etapa de análise abrange quatro grupos,
envolvendo às formas básicas: lascas, núcleos, bifaces e artefatos brutos.

Atributos para Caracterização de Lascas

Tendo como orientação básica a seqüência de produção definidas por Collins (1975)
- entre produtos de redução inicial (preparação inicial da matéria prima para a
extração de córtex), modificação primária (pré-formatação das bases de produção de
artefatos, sejam estes produzidos sobre núcleos ou sobre lascas através de
tecnologia unipolar ou bipolar) e modificação secundária (associado à finalização e
acabamento por retoque), as lascas foram, segundo atributos técnicos
característicos, divididas em várias categorias - variando também segundo os
critérios adotados pelos pesquisadores.

Laming-Emperaire (1967: 36) e Collins (1975) as dividem nos seguintes tipos (N):

Dados de Lascas Unipolares

N. Tipo de Lascas

Lascas unipolares iniciais ou corticais – segundo Leroi-Gourhan (1966 apud Laming-


33
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Emperaire, 1967: 36), correspondem a primeira lasca destacada do núcleo, ainda
revestida de córtex. A parte dorsal é completamente coberta por córtex e o plano de
percussão, quando existente, é de uma plataforma natural da rocha. São lascas
primárias (Prous, 1986/90: 17).Correspondem aos resíduos de lascamento
resultantes da segunda etapa de produção de Collins(1989/90).

As lascas citadas a seguir podem tanto ser o produto dos resíduos de lascamento
obtidos na terceira quanto na quarta etapa de produção de Collins.

Lascas unipolares primárias ou de preparação – São lascas retiradas após o


primeiro lascamento de uma massa de matéria prima. Apresentam no seu dorso
marcas dos lascamentos precedentes ou até restos de córtex (Laming-Emperaire,
1967: 36). Apresentam um plano de percussão pronunciado, largo, indiferente ao
tamanho da lasca. Também denominadas, segundo Leroi-Gourhan (1966 apud
Laming-Emperaire, 1967: 36), lascas de descortinamento; ou, segundo Prous
(1986/90: 18), lascas secundárias.

Lascas unipolares secundárias ou de redução de biface – Lascas derivadas da


produção de artefatos bifaciais. São de pequena espessura e seu perfil longitudinal,
geralmente, apresenta uma leve curvatura. Apresentam o plano de percussão
estreito e, por vezes, formando um lábio em seu canto ventral. A lasca bifacial é
produto de uma retirada posterior à de preparação, sendo mais própria à finalização
e ao acabamento, podendo ser, inclusive, o produto dos lascamentos de retoque.

Lâminas – São definidas como lascas cujo comprimento é igual ou superior a duas
vezes sua largura (Brézillon, 1977: 99).

Microlascas ou lasca de retoque – Também produto de lascamentos de retoque,


mas diferenciam-se das lascas bifaciais por serem pequenas, finas, talão reduzido,
puntiforme ou ausente e sem formação de lábio. Associam-se à última etapa de
refino ou acabamento do artefato, designado de modificação secundária por Collins.

Lasca de machado polido – Lascas derivadas de machados polidos; reconhecidas


pelo polimento existente na sua face dorsal.

34
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
O. Tipo de Plano de Percussão Direto

É a superfície que recebeu o golpe que destacou a lasca de seu núcleo (Laming-
Emperaire, 1967: 51). Tixier et al (1980: 41) denomina-o "talão" ou "parte destacada
do plano sobre o qual se deu o golpe". Este plano pode ser natural da rocha ou
preparado pelo artesão, podendo apresentar-se:

Liso: Superfície plana, regular, com negativo de apenas um lascamento.

Facetado: Superfície irregular, com negativos de dois ou mais lascamentos. É


completo quando no negativo se evidencia o ponto de percussão; e incompleto,
quando o ponto de percussão foi retirado devido a lascamento ou redução
sobreposto.

Linear/Puntiforme: Plano muito estreito, linear, onde se observa o ponto de impacto


do golpe.

Superfície natural (córtex): O plano de percussão é a própria superfície natural da


rocha.

P. Canto Dorsal do Plano de Percussão Direto

É o canto externo do plano de percussão. Segundo Laming-Emperaire “é aquele


que, antes da debitagem, constituía a borda do plano de percussão do núcleo"
(Laming-Emperaire, 1967: 51). Este canto pode ser preparado para a retirada da
lasca, recebendo vários golpes e ficando reduzido; neste caso, temos um canto com
redução dorsal. Ou não ser preparado e, portanto, não apresentar redução dorsal.
Esta redução pode apresentar-se escalonada, macerada (idem item anterior), ou
ainda, apresentar somente uma cicatriz de lascamento (redução não intensa). Se
não houver redução, o canto pode apresentar superfície natural.

Dados de Lasca Bipolar

São lascas com dois pontos opostos de impacto. Segundo Heinzelin são lascas
“obtidas por debitagem bipolar. As ondas de impacto se propagam às vezes em dois
pontos opostos da mesma lasca, mas nem sempre” (Heinzelin, 1962 :13 apud
35
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Brézillon, 1977: 101). Segundo Prous e Lima as lascas bipolares não apresentam,
em muitos casos, nem talão, nem face interna, nem face externa no sentido habitual.
“São produtos de debitagem finos, com gumes agudos, cujo talão é substituído por
uma linha de esmagamento (...) Em conseqüência, lascas bipolares têm tendência a
serem mais retas que as unipolares” (Prous & Lima, 1986/90: 100).
Morfologicamente se dividem em: cônica, laminar, angular e prismática.

(N) Tipo de Plano de Percussão Direto: Podem ser os mesmos planos definidos
para lascas unipolares, acrescentando apenas mais um tipo:

Macerado/esmagado: Superfície irregular, com uma seqüência de negativos


truncados, formando uma série de pequenos degraus, ou ainda apresentar marcas
consecutivas de picoteamento, umas sobre as outras, provocando uma área
irregular, resultado de um picoteado intenso.

(O) Tipo de Plano de Percussão Indireto: Relacionado apenas às lascas bipolares.


A reflexão do golpe no apoio/bigorna bipolar produz pontos de percussão indiretos
na região distal da lasca. Os tipos produzidos são idênticos aos descritos no item
dos tipos de plano de percussão direta.

Atributos para Caracterização de Núcleos

O núcleo, para Vialou:

é um resíduo, quaisquer que sejam sua forma, o número e o


arranjo dos negativos do lascamento (...) a obtenção de planos
de percussão é o objetivo máximo no momento da preparação
do bloco de matéria prima, à medida que o núcleo se
transforma pelas retiradas sucessivas (Vialou, 1980: 70).

O núcleo, deste modo, pode apresentar-se de várias formas, dependendo da


posição e quantidade de planos de percussão (plataformas) presentes. Plataforma é
o plano de percussão, ou melhor, o plano de retirada, é a superfície à margem da
qual o golpe do percutor é dado para lascar - debitar a lasca. Ocorre algumas vezes
do núcleo apresentar retoques e/ou marcas de utilização, o que indica que, após ser
explorado como fonte de matéria prima (esgotada ou não esta fonte), foi empregado
36
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
para algum fim, transformando-se num artefato. Resta, neste caso, apenas o núcleo
como forma básica da peça. Vialou (1980: 70) refere-se a alguns núcleos do sítio
Almeida (SP) com arestas nitidamente entalhadas e que podem ter servido como um
denticulado ou uma lasca com reentrâncias. Diz serem estas utilizações ocasionais,
ou estas peças tiveram uma outra possibilidade técnica, servindo o núcleo para uma
finalidade diferente da original, onde o artesão aproveitou-se dos dados morfológicos
resultantes de um outro processo tecnológico. Talvez aqui semelhante situação
tenha ocorrido, pois não é raro encontrá-los utilizados de alguma forma.

N. Tipo de Núcleo

Tomando por base os tipos2 de núcleos apresentados por Vialou (1980: 71-74), mas
considerando certas diferenças, identificamos:

Núcleo unipolar com uma plataforma definida: Todas as retiradas são efetuadas a
partir de um único plano de percussão (plataforma). Este plano de percussão pode
ser uma face plana, uma fratura do bloco de matéria prima ou o negativo de uma
retirada que extraiu a calota de um núcleo. Estas retiradas, na maioria das vezes,
tendem a concentrarem-se na extremidade do núcleo, dando-lhe então uma forma
piramidal ou de cone. Ou, ao invés de convergirem a um ápice, as retiradas sempre
unidirecionais ganham uma face oposta, que num plano é quase que paralelo ao
plano de percussão - "núcleo troncônico", segundo Vialou (1980: 74). Neste caso
tendem a uma forma retangular.

Núcleo unipolar com duas plataformas opostas: As retiradas são efetuadas a partir
de dois planos de percussão opostos entre si, de forma que estas retiradas tenham
direções paralelas e sentidos contrários.

Núcleo unipolar com duas plataformas em ângulo: Presença no núcleo de dois


planos de percussão que formam um ângulo entre si, de forma que tanto a direção
quanto o sentido das retiradas sejam variáveis.

2 Não os classificamos como tipos, na verdade, representam diferentes técnicas e opções de


obtenção de lascas que resultam em determinadas formas.
37
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Núcleo com várias plataformas em outras posições – poliédrico: As retiradas
parecem ser efetuadas em todas as faces do núcleo. Leroi-Gourhan (1964: 9 apud
Brézillon, 1977: 90) denomina-o comumente de "núcleo globular", dizendo
apresentar, às vezes, uma aparência de plano de percussão irregular.

Núcleo bipolar: Núcleos que apresentam duas plataformas, uma direta e outra
indireta. Podem apresentar diversas formas.

O. Tipo de Plataforma

Os tipos de plataformas identificadas nos núcleos são os mesmos tipos de planos de


percussão identificados e descritos para lascas (item O). Evidencia-se, porém, mais
um tipo de plataforma: superfície ventral. Quando uma lasca é destacada de
qualquer massa de matéria prima e esta mesma lasca continua sendo fonte de uma
série de outros lascamentos, ela passa a ser um núcleo apresentando uma
plataforma ventral (parte interna da primeira lasca retirada da massa de matéria
prima). Esta plataforma ventral pode ainda apresentar um negativo de lascamento
sobreposto ao seu bulbo e, neste caso, tem-se uma plataforma denominada de
superfície ventral com rebaixamento de bulbo. Observa-se que um único núcleo com
mais de uma plataforma pode apresentar vários tipos de plataformas.

P. Canto da Plataforma

Da mesma forma que o canto dorsal do plano de percussão das lascas (item P), as
plataformas do núcleo podem ser preparadas ou não: sem redução ou com redução.

Atributos para Caracterização de Artefatos Bifaciais e Unifaciais

Esta lista refere-se àqueles artefatos que apresentam lascamentos bifaciais e


unifaciais. Os artefatos bifaciais apresentam lascamentos tanto dorsais quanto
ventrais numa mesma zona da borda de uma peça; e os unifaciais apresentam
lascamentos dorsais ou ventrais numa mesma zona da borda da peça. São peças
que apresentam uma técnica de confecção que lhes é peculiar: uma seqüência de
modificações (reduções e retoques) ao longo de toda a borda dorsal e/ou ventral da
peça (neste caso: face 1, com maior quantidade de negativos de lascamento e, face
38
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
2, com menor quantidade de negativos de lascamento). Consideramos também para
análise a forma das extremidades da peça, isto é, se a sua terminação se dá em
ponta ou não. Deste modo, a análise dos negativos das modificações e da forma da
peça permitiu definir se os artesãos de um mesmo grupo de caçadores coletores, ao
confeccionarem seus artefatos bifaciais e unifaciais, obedeciam a uma seqüência de
gestos técnicos pré-estabelecidos. Portanto, nosso objetivo é verificar a existência
de um padrão de produção de artefatos bifaciais.

Fugiria aos objetivos deste trabalho a tentativa de classificação das pontas-de-


projétil. Seguiu-se apenas a análise de seus aspectos técnicos, procurando
constatar possíveis diferenças locais.

N. Suporte: Corresponde à forma básica inicial da massa de matéria prima


empregada para a confecção dos artefatos bifaciais e unifaciais. Estes podem ser:

Bloco: A massa de matéria prima utilizada provém de afloramentos.

Seixo: A massa de matéria prima utilizada provém de fragmentos há algum tempo


destacados da rocha-mãe e que foram transportados pela água.

Placa: Fragmentos destacados da rocha-mãe com formas geralmente retangulares,


onde ambas as faces (dorsal e ventral) são planas.

Lasca: Lasca proveniente de lascamentos por percussão direta, onde se observa


somente um único pólo no qual o golpe foi efetuado.

O. Tipos Tecnológicos

Classificados segundo a posição dos lascamentos (retiradas) bifaciais ou unifaciais,


a presença na parte proximal de superfície natural e a forma das extremidades,
podem ser:

Tipo 1: Retiradas unifaciais em uma extremidade apenas, com terminação em ponta.

Tipo 2: Retiradas periféricas unifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma


lateral) e uma terminações em ponta.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tipo 3: Retiradas periféricas unifaciais em todo o contorno e duas terminações em
ponta.

Tipo 4: Retiradas bifaciais em uma extremidade apenas, com terminação em ponta.

Tipo 5: Retiradas periféricas bifaciais, parte proximal cortical e terminação em ponta.

Tipo 6: Retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma


lateral), e sem terminação em ponta.

Tipo 7: Retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma


lateral), e uma terminação em ponta.

Tipo 8: Retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma


lateral), e duas terminações em ponta.

P. Q. Quantidade de Negativos

Contabilizar os negativos de lascamento dos artefatos bifaciais e unifaciais, em


ambas as faces, permite que se defina a intensidade de sua debitagem,
considerando-se as dimensões dos mesmos. Poderá apresentar até três, entre
quatro e dez ou mais de dez negativos mensuráveis.

Atributos para Caracterização de Artefatos Brutos/Polidos

Esta lista refere-se àqueles materiais que não sofreram lascamento. Estes artefatos
apresentam uma superfície destinada a receber ou servir de base de percussão ou
fricção ao material a ser trabalhado, por isso são evidentes em suas superfícies as
marcas de utilização ou polimento.

N. Tipo de Artefato Bruto: As peças podem ser denominadas de:

Percutor: Seixos, geralmente de formas arredondadas, ovaladas ou elipsóides, cujas


superfícies apresentam-se alisadas. As superfícies periféricas da peça servem para
bater, lascar, triturar ou moer um outro material, de forma a apresentarem um
picoteamento.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Percutores multifuncionais: Idem a um percutor onde as superfícies centrais, quando
apresentam uma leve depressão, servem como apoio a materiais destinados a
serem triturados ou quebrados.

Bigorna (apoio): Bloco de forma natural, não trabalhado, sendo que seu uso é
evidente por marcas de golpes impressos em sua face plana. São blocos que
servem de apoio a materiais destinados a serem batidos, quebrados ou triturados
por meio de um percutor (Laming-Emperaire, 1967: 85).

Polidor Manual: Geralmente sobre plaquetas de arenito, raramente blocos.


Apresentam ambas ou apenas uma de suas faces alisadas. Sem um estudo das
marcas de uso é impossível determinar se estas plaquetas teriam servido para polir
uma peça (por exemplo, desgastar uma borda, produzindo uma plataforma de
retoque) ou para moer e esmagar um material mole (por exemplo, grãos).

Peça com depressão semi-esférica: Seixo ou pedra que apresenta uma ou várias
depressões situadas em uma ou em duas faces opostas.

Seixo sem modificação: massa de matéria prima transportada pela água sem ação
antrópica.

Alisador de Cerâmica: Pequenos seixos com superfície lisa para polir a cerâmica.
Possuem, como marcas de utilização, ranhuras e uma superfície brilhosa.

Mós (moedor): Pedra cuja parte útil é constituída por uma superfície plana ou, então,
ligeiramente côncava em virtude do uso. É parte complementar da mão de mó,
utilizada na moagem de alimentos.

Mão de Pilão: Semelhante à Mão de mó, é maior e atua por percussão, triturando
grãos ou minerais com sua extremidade distal.

Machado Polido: São peças que se apresentam totalmente polidas ou semi-polidas


ou com polimento apenas na sua extremidade distal (parte ativa). Sua borda distal
geralmente é convexa e a proximal convexa ou plana.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Atributos para Caracterização de Material Lítico com Modificação

O artesão, na intenção de confeccionar um dado artefato, executa uma série de


gestos técnicos tendo em mente uma forma já pré-estabelecida de seu produto final.
Deste modo, o artesão age intencionalmente na escolha da matéria prima, na
seleção e produção da forma básica do material e nos gestos técnicos que
desencadeará para chegar ao produto final - o artefato.

Segundo Moraes (1987: 170), artefato é todo objeto talhado com a finalidade de
apropriação de uma forma pré-concebida mentalmente e que qualifica-se como tal
pela presença de retoque. Porém, as marcas de uso, quando existentes, não
necessariamente ocorrem somente em bordas retocadas, podendo ocorrer nas
bordas "cruas" sem o acompanhamento de retoques, ou mesmo nos materiais não
retocados. Desta forma, Mansur (1986/1990: 116) define artefatos pela evidência de
utilização que apresentam. Nesta análise, o artefato tem forma e/ou função definidas
evidentes pelos retoques e/ou utilização que apresenta.

Não é nosso objetivo denominar artefatos e diferenciá-los em tipos (morfológicos ou


funcionais), procedimento da maioria dos pesquisadores. Interessa-nos, isto sim, a
análise dos aspectos técnicos que deram forma ao artefato, desde sua forma básica
até as modificações ocorridas, entendidas aqui como retoques e marcas de uso.
Assim, não se fala, por exemplo, em raspadores sobre lascas, raspadores sobre
núcleos, facas, lesmas, etc, Deste modo, tentamos evitar erros de terminologia
apontados por Vialou (1980: 64), que afirma que não só as tipologias funcionais
como as morfológicas chegam, às vezes, aos mesmos erros.

Baseada na tecnologia dos retoques e marcas de utilização, a análise das


modificações é que dá suporte às definições morfológicas e funcionais. Segundo
Hayden e Kaminga tal análise: "busca as chaves de compreensão da evolução
comportamental e do desenvolvimento cultural através da identificação de quais
comportamentos (atividades) estão nos artefatos arqueológicos" (Hayden &
Kaminga, 1979: 1).

O início da análise funcional remonta aos trabalhos desenvolvidos por Semenov

42
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
(1981) e seus colaboradores na década de 50. Sua principal contribuição foi ter
demonstrado que as peças líticas conservam vestígios indestrutíveis depois da
utilização e que é possível identificá-los ao se empregar um equipamento ótico
adequado. Semenov (1981: 13), referindo-se à elaboração do método de seleção
dos instrumentos com marcas de utilização, diz ser preciso distinguir as
particularidades de tais marcas, diferenciando-as daquelas feitas pela ação de
agentes naturais, assim como dos sinais falsos produzidos pelo homem
contemporâneo, pela intencionalidade ou ainda pela casualidade.

Para a análise funcional, dispunha-se apenas de uma lupa binocular de baixo


aumento (20X), não sendo possível, por isso, uma análise mais criteriosa dos
vestígios de utilização. É preciso, sem dúvida, além de microscópios de altos
aumentos (eletrônicos), estudos experimentais controlados com matérias-primas
semelhantes, para obter uma análise segura. Identificamos apenas aquelas marcas
possíveis de serem vistas com a lupa e freqüentemente questionamos se as marcas
como as microfaturas correspondiam à utilização ou, simplesmente, a retoques
intencionais feitos pelo artesão. Semenov atentou para esta questão quando
identificava sinais de desgaste em ferramentas de sílex paleolíticas: "(...) com
freqüência estes sinais de uso não se diferenciam dos deixados pelo retoque feito
pelo homem para aguçar a borda desgastada ou para retirar o filo de uma borda
demasiado aguda" (Semenov, 1981: 14).

Convém ressaltar que a análise tecno-tipológica e funcional enfoca um processo que


é, acima de tudo, dinâmico, onde os atributos do material lítico não podem ser
analisados isoladamente. Os atributos que compõem esta lista estão baseados nos
trabalhos de Brézillon (1977), Mansur (1986/90), Tixier et al (1980), Vialou (1980),
Laming-Emperaire (1967), Moraes (1987), Semenov (1981) e Binford (1963).

Dados de Modificação

R. Tipo de Modificação

São as peças que podem apresentar retoques e/ou marcas de uso. Os retoques
constituem a última fase da confecção dos artefatos e as marcas de utilização

43
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
correspondem ao emprego do artefato antes do seu descarte (abandono). Alguns
materiais são simplesmente utilizados sem terem sido retocados, nem por isso
deixando de ser artefatos. Ainda assim é preciso ressaltar a importância dos
retoques, uma vez que eles podem transformar-se num atributo tecnológico
diferenciador dos grupos pré-históricos e servirem diretamente na definição dos tipos
de artefatos (ainda que nem sempre o retoque seja a sua parte ativa).

Segundo Vialou, retocar "é transformar, totalmente ou em parte, um produto de


lascamento, em suas faces ou em suas bordas (ou as duas juntas), efetuando
retiradas quaisquer que sejam sua forma, direção, tecnologia" (Vialou, 1980: 88). Os
retoques consolidam o gume dos artefatos, tornando-os mais espessos, ou então
reavivam os gumes já gastos pelo uso. Podem igualmente transformar uma borda
cortante em uma borda não cortante, na intenção de utilizá-la como borda de
preensão ou de encabamento, fato observado em alguns bifaces. Observa-se ser,
algumas vezes, muito difícil distingui-los de certas marcas de uso, necessitando-se,
nestes casos, de experimentações e instrumental eficientes.

Tixier et al definem os retoques como "as extrações obtidas por percussão ou


pressão com a finalidade de realizar ou acabar os artefatos" (Tixier et al, 1980: 59).
Semenov (1981: 92-94) destaca que os retoques por percussão direta implicam em
efetuar numerosos e freqüentes golpes destinados a eliminar pequenas porções da
superfície do artefato em elaboração e que estes retoques também poderiam ser
aplicados com a ajuda de um "punção" intermediário de pedra ou osso. Este tipo de
retoque com instrumento intermediário, só conhecido por dados etnográficos,
tornaria possível destacar partículas do material em confecção em lugares precisos.
Outro tipo de retoque seria por contra-golpe, também efetuado por um "punção"
onde o artefato em elaboração encontrava-se apoiado sobre uma outra pedra. Diz o
autor que este tipo de técnica, por não apresentar resultados muito satisfatórios, não
poderia ser empregada na produção de retoques finos como na produção de pontas-
de-projétil; mas teria sido largamente empregada no preparo de percussão na
técnica de redução de peças bifaciais.

Semenov (1981: 94-111) refere-se também aos retoques por pressão,

44
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
caracterizando-os por produzirem bordas finas e delicadas, pressionando a ponta de
um instrumento (de osso, madeira ou pedra, dependendo da tenacidade da matéria
prima que sofre o retoque) sobre a borda do artefato em elaboração. O autor
destaca a possibilidade de retoque por pressão, utilizando-se a técnica do contra-
golpe com percutor brando; porém, é praticamente impossível determinar a presença
desta técnica no material arqueológico.

É muito difícil, no que se refere ao material em estudo, determinar o procedimento


empregado na confecção de seus retoques sem desenvolver experimentações com
matérias-primas afins. As matérias-primas respondem diferentemente aos retoques,
dependendo de suas propriedades físicas, sendo, portanto, difícil diferenciar, por
exemplo, retoques produzidos por percussão direta com percutor brando de
retoques produzidos por pressão. Concordamos com Vialou, que diz:

Não há mil maneiras de retocar lascas: as soluções técnicas


de percussão ou pressão são limitadas, encontram-se poucos
tipos de retoques; porém, há várias formas, posições, etc., de
modo que os fatos tecnológicos são fundamentais, sempre
primeiros quando se compreende a relação tecnológica -
tipológica (Vialou, 1980: 94).

Já a análise das marcas de utilização permite constituir o tipo de atividade


processada pelo artesão quando no emprego de determinado artefato, como raspar,
cortar, furar, etc. Pesquisas mais aprofundadas relacionadas a estas análises
funcionais começaram somente a se desenvolver a partir do final da década de 70 e
início da década de 80 na Europa, através do uso de microscópios de reflexão para
estudar micropolidos, com resultados muito satisfatórios. A maioria dessas
pesquisas, no entanto, referem-se às marcas de uso presentes nos gumes de
artefatos confeccionados em sílex. Como nem todas as matérias-primas respondem
da mesma forma às marcas de utilização, concordamos com Mansur (1986/90: 126-
127) quando ela afirma ser necessário realizar, em cada caso, toda uma fase de
estudo experimental que permita definir estas marcas de modo preciso.

Os atributos técnicos empregados para a análise das modificações são os seguintes:

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Retoque: Este primeiro atributo diz respeito à disposição e extensão dos retoques,
baseando-se em Moraes (1987: 177) e Laming-Emperaire (1967: 58-59). Quanto à
disposição, estes retoques podem ser: regulares, que se encontram perpendiculares
ou oblíquos à borda, mas paralelos entre si; e irregulares/escalariformes, que se
encontram perpendiculares e oblíquos ao mesmo tempo em relação à borda, de
forma a não haver paralelismo entre si ou, inclusive, estarem superpostos uns aos
outros. Podem ainda ser rasante (com um ângulo de 10º), semi-abrupto (entre 30º e
70º) ou abrupto (80º-90º).

Arredondamento: É possível identificar com a lupa binocular ou até algumas vezes a


olho nu um arredondamento nas bordas das peças. Isto ocorre principalmente nas
peças de arenito ou arenito silicificado, onde seus grãos de quartzo se gastam após
serem friccionados em objetos resistentes e as bordas ganham um aspecto
arredondado. Este aspecto ficou bem evidente na análise experimental.

Polimento (brilho): Associado ao arredondamento ocorre um brilho característico nas


bordas utilizadas.

S. Localização da Modificação

Segundo Laming-Emperaire (1967: 58), os retoques podem ser feitos na face interna
(lado ventral da lasca), na face externa (lado dorsal da lasca) ou em ambas. Para os
artefatos bifaciais e unifaciais, denominamos face 1 (maior quantidade de negativos
de lascamento) e face 2 (menor quantidade de negativos de lascamento) Desta
forma, os retoques podem ser:

Dorsal: Também denominados externos ou diretos, quando os golpes ou a pressão


do retocador foram aplicados sobre a face interna da lasca, sendo que os
lascamentos afetam a face externa.

Ventral: Também denominados internos, indiretos ou inversos, quando a ação foi


aplicada sobre a face externa da lasca e, portanto, os lascamentos afetam a face
interna.

T. Posição da Modificação
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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Esta pode ser proximal, mesial, distal, ou a combinação destas.

Resultados da Análise Tecno-Tipológica das Indústrias Líticas

Analisamos o conjunto lítico de modo a compará-lo com outros conjuntos estudados


nesta área, na tentativa de compreender a dinâmica de organização do espaço
pelos grupos pré-históricos que ocuparam a região, considerando as suas
estratégias de escolha e obtenção de matéria prima, as tecnologias de produção por
eles selecionadas e os tipos de artefatos resultantes destas escolhas.

Sítio Arqueológico Nº de peças

SC-AG-101 49

TOTAL 49

Estratégias para a obtenção da matéria prima

Geologia e Geomorfologia

O estudo geológico da região é fundamental para que se compreenda a organização


tecnológica das culturas pré-cerâmicas, pois da matéria prima lítica depende a
sobrevivência dos grupos.

Conforme Relatório de Impactos ao Meio Ambiente (Engevix, 1998: p.10), a área de


Influência Indireta do empreendimento está inserido em terrenos de idade jurássico-
cretácea, com mais de 100 milhões de anos, constituídos por uma seqüência
vulcânica que inclui rochas pertencentes a formação geológica denominada Serra
Geral, que é uma das formações que compõem a Bacia Sedimentar do Paraná.

Estas rochas representam uma das mais expressivas manifestações deste tipo de

47
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
vulcanismo em todo mundo, abrangendo uma área com cerca de 1. 200. 000 Km2,
que inclui vários estados brasileiros e alguns países da América do Sul.

A área aqui em estudo está inserida em duas grandes unidades geomorfológicas:

✓ Planalto dos Campos Gerais; e o

✓ Planalto Dissecado do Rio Iguaçu /Rio Uruguai.

A Formação Serra Geral é representada por rochas vulcânicas básicas e ácidas,


constituindo todo o planalto (limite da escarpa erodida), que, para o norte do Rio
Grande do Sul e em outros Estados, recebeu a denominação de Serra Geral (daí a
origem do nome). Observa-se que, sob o aspecto macroscópico, estas rochas
variam tanto em coloração, quanto em granulometria, estrutura e dureza, o que
decorre das variações composicionais, intensidade das alterações e possança das
unidades. Para Rambo: “Constituiria tarefa simplesmente impossível o querer indicar
a distribuição geográfica destes tipos, pois em toda parte eles ocorrem de mistura
(...)” (Rambo, 1994: 235).

Estas rochas formaram-se a partir do rápido resfriamento das corridas de magma


efusivo e as feições que melhor caracterizam estas unidades vulcânicas são as
zonas de fraturamentos horizontais e verticais. Ocorrem também evidências de
zonas vesiculares ou amigdalóides, que se caracterizam pela presença de vazios em
forma esférica ou semi-esférica, preenchidos totalmente, parcialmente, ou mesmo
sem preenchimento de cristais. Os minerais de preenchimento normalmente são
quartzo, calcedônia, ágata, calcita, zeólitas e argilo-minerais. No trabalho, para
facilitar a identificação, denominamos estes minerais em somente dois tipos:
calcedônia e quartzo. Deste modo, todas as rochas que fazem parte do “grupo do
quartzo” como ágatas, opalas, ametistas, etc, não foram individualizadas; optamos
por chamá-las de calcedônias. Segundo Rambo, o quartzo constitui-se na principal
formação secundária do basalto, gerando-se a partir da infiltração e deposição de
água saturada de sílica (SiO2) nas áreas vesiculares localizadas, principalmente,
nas áreas de diaclasamento horizontal, onde há uma maior propensão à retenção de
água (Rambo, 1994: 244-246). O quartzo no interior das drusas pode individualizar-

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
se de forma micro-cristalina, nas calcedônias e ágatas, ou macro-cristalina, na forma
de cristais de quartzo hialino (Schumann, 1985: 24).

Uma particularidade na região são feições que correspondem a sistemas de


drenagem radial e anelar controlados por fraturamentos que podem estar associados
a intrusões alcalinas ou a chaminés vulcânicas. Estudos cronológicos indicam que o
magmatismo da bacia do Paraná ocorreu em um intervalo de aproximadamente 10
milhões de anos, entre 135 e 145 m.a. (Turner et al, 1994).

Os diques e “sills” de diabásio correspondem à porção intrusiva do magmatismo da


Bacia do Paraná. Os diques constituem corpos discordantes preenchendo fraturas,
enquanto os “sills” são formas concordantes alojadas em espaços intercamadas,
principalmente em sedimentos. Estas intrusões podem também silicificar o arenito
(rocha encaixante) quando no contato devido ao aquecimento.

Outras rochas que compõem o conjunto geológico da bacia sedimentar do Paraná


são os arenitos da Formação Botucatu.

A Formação Botucatu localiza-se exposta numa faixa bastante estreita e contínua no


Estado de Santa Catarina, principalmente no contorno da escarpa basáltica da Serra
Geral. A espessura dos afloramentos desta Formação varia entre 50 e 100 metros.

Nestes afloramentos, que se encontram desde o norte até o sul do Estado,


principalmente na porção leste, percebe-se os arenitos avermelhados entrepostos a
camadas sedimentares e lavas da Serra Geral. Considera-se que esta Formação é
constituída, principalmente, por arenitos eólicos de grãos arredondados, com
granulometria média (diâmetros máximos entre 0.25 mm e 0.48 mm) à fina
(diâmetros máximos entre 0.05 mm e 0.25 mm) e estratificação cruzada (variações
de intensidade e direções dos ventos ocasionam este tipo de estratificação). O
Arenito Botucatu é constituído essencialmente por grãos de quartzo (mineral
resistente), interligados por um cimento predominantemente limonítico (mistura de
óxidos e hidróxidos de ferro), o que lhe dá uma boa resistência. Porém, dependendo
da intensidade de alguns fenômenos como erosão e intemperismo, pode perder este
cimento limonítico, transformando-se num arenito friável ou mesmo areia. Esta

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
formação apresenta grande porosidade e permeabilidade, sendo, por isso,
considerado o melhor aqüífero do Rio Grande do Sul. Petri e Fúlfaro consideram que
“(...) se o período de formação das primeiras manifestações vulcânicas datam do
Neojurássico, uma idade Neotriássica ou Neojurássica pode ser atribuída ao Arenito
Botucatu” (Petri & Fúlfaro, 1983: 216).

Os Depósitos Atuais e Subatuais correspondem a uma unidade que engloba os


sedimentos depositados pelo rio Uruguai e outros cursos d’água, assim como
depósitos de talus. Os depósitos aluvionares fluviais, originados pela destruição das
rochas pré-existentes pela ação do intemperismo e processos erosivos, constituem a
planície de inundação dos rio Uruguai e afluentes.

Têm-se também os arenitos silicificados (ou metaquartzitos) que são rochas


areniticas dispostas intercaladas entre as rochas vulcânicas basálticas e em alguns
locais, como no estado do Rio Grande do Sul, são identificados com espessuras de
até 40 metros. São rochas extremamente endurecidas junto ao contato com o
derrame sotoposto e fratura conchoidal cortante. Estas unidades sedimentares
intercaladas com derrames básicos estão preservadas na base do pacote vulcânico
e representam a deposição dos sedimentos em períodos de ocorrências do
vulcanismo. Suas características petrográficas e estruturais (composição quartzo-
arenítica e estratificação cruzada de grande porte) permitem correlacioná-las aos
arenitos da Formação Botucatu. Conclui-se, deste modo, que o ambiente desértico,
em toda a região da Bacia do Paraná, persistiu por algum tempo, após o início do
vulcanismo. As lentes de areia, quando sobrepostas por um derrame vulcânico,
ficam submetidas a pressões litostáticas elevadas. Seu comportamento friável, até
certo ponto fluído, faz com que sejam injetadas nas fraturas de contração da base
do derrame, formando o que se denomina diques de areia. Estes diques são,
normalmente, de pequena espessura, sofrendo forte ação termal da lava,
silicificando e endurecendo.

Origem e disponibilidade da matéria prima empregada

Na região em estudo, das rochas indicadas na descrição geológica, ocorrem,

50
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
principalmente, afloramentos de rochas vulcânicas (basálticas), associados à
calcedônia e quartzo. Os afloramentos de arenitos silicificados raramente são
evidenciados, possivelmente devido as altas cotas de altitude da área.

Mas o que se observa, quanto à escolha da matéria prima pelos grupos pré-
históricos, é a alta freqüência em quase todas as indústrias da área estudada
(canteiro de obras e reservatório), dos materiais confeccionados em basalto.

Os ocupantes dos vários sítios tinham à sua disposição as matérias primas, acima
indicadas, tanto na forma de seixos quanto de blocos e placas. No entanto, os
artesãos optaram, quase que na sua maioria, pelas matérias primas disponíveis na
forma de blocos, ao invés de seixos e placas. Os percentuais de blocos (quase
sempre mais do que 50%), nos conjuntos líticos, excede em muito os seixos
(menores que 15% ou até inexistentes).

Observa-se, na região, muitos afloramentos de basalto e geralmente próximos aos


assentamentos, em média 500m ou 1,0Km. Inclusive, é possível identificar-se alguns
artefatos isolados (lascas ou peças bifaciais) sobre estes afloramentos, o que
possibilita assegurar a passagem dos artesãos no local. Assim, entende-se que esta
escolha deve-se aos pequenos custos na procura e transporte dos mesmos. Deste
modo, é coerente afirmar que a escolha da matéria prima sujeita-se à abundância da
mesma. Evidencia-se também uma significativa quantidade de peças desprovidas de
superfície natural na totalidade das amostras, o que impossibilita, portanto,
determinar a procedência de suas matérias primas.

Concorda-se com Andrefski quando diz que “a disponibilidade de matéria prima lítica
é um dos condicionantes mais importantes na tecnologia de produção de
ferramentas de pedra” (Andrefski Jr., 1994: 21). O autor observa que há uma
segunda variável associada com a organização tecnológica que é tão importante
quanto a configuração do assentamento (populações móveis e sedentárias) e que
pode bem ser um primeiro fator na análise de como uma coleção lítica é
definitivamente organizada no que diz respeito à forma do instrumento, esforço de
produção e cronologia pré-histórica. Ele afirma que este componente é a

51
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
disponibilidade da fonte de matéria prima lítica, a qual define por abundância e
qualidade (Andrefski Jr., op. cit.).

Quanto à qualidade das mesmas, diríamos que o basalto utilizado é bastante friável
(baixa qualidade), e portanto, com um péssimo lascamento. Já o meta-lamito, ao
contrário, por apresentar uma matriz quase vítrea, torna-se excelente para a
confecção de artefatos (alta qualidade).

Andrefski Jr. relaciona a abundância e a qualidade da matéria prima lítica à


produção de instrumentos formais e informais. Os instrumentos formais são
caracterizados como instrumentos flexíveis; isto é, populações móveis no caso de
ocuparem regiões de matéria prima não adequada poderiam reavivar os
instrumentos trazidos com elas. Como exemplo temos os bifaces, os núcleos
preparados formalmente e as lascas retocadas. Os instrumentos informais são
instrumentos improvisados e relacionados às populações sedentárias. São
manufaturados, usados e descartados num curto período de tempo, como por
exemplo as lascas não retocadas. O autor (Andrefski Jr. op. cit.: 23) sugere que a
matéria prima de baixa qualidade tende a ser usada na confecção de instrumentos
informais. Matéria prima de alta qualidade seria usada na confecção de instrumentos
formais quando não abundante e empregada na confecção de instrumentos formais
e informais em caso de abundância.

Talvez este seja o caso ocorrido na região em estudo, pois é significativa a


quantidade de artefatos bifaciais mal acabados na maioria dos conjuntos líticos. Mas
esta é uma discussão que teremos mais adiante quando analisarmos os tipos de
artefatos bifaciais e unifaciais.

O que se pode concluir é que a escolha da matéria prima não está só diretamente
ligada à sua abundância, mas também pela facilidade de acesso até ela. O tipo de
matéria prima empregada nas indústrias dos sítios estudados vem ao encontro da
afirmação de que a organização da tecnologia lítica de qualquer grupo pré-histórico
está diretamente relacionada ao meio-ambiente. Os grupos tiveram de adaptar-se a
ele de alguma maneira, enfatizando o que diz Ricklis e Cox:

52
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Em combinação com informações sobre normas de ocupação
e subsistência, é aparente que a organização da tecnologia se
ajusta às necessidades mais fundamentais de obter recursos
bióticos. Como resultado, a eficiência lítica não foi uma
constante, porém flutuou dentro de um subsistema cultural
dinâmico que se articulou com as demandas de operações
adaptativas gerais (Ricklis & Cox, 1993: 444).

Selecionadas e adquiridas as matérias-primas, vamos relacioná-las às tecnologias


de produção empregadas, analisar o conjunto lítico e investigar como se comportam.

Análise da indústria lítica do sítio SC-AG-101

Primeiramente, cabe ressaltar que este sítio é a céu aberto, disposto numa
declividade suave de um potreiro abandonado, e não foi encontrado qualquer
fragmento cerâmico neste ou proximidades.

O conjunto lítico deste sítio é composto por 49 peças, que estão representadas na
sua grande maioria, por lascas bipolares (28%) e núcleos unipolares (24%), e o
restante, em proporções menores, por artefatos bifaciais/unifacias (20%), fragmentos
de núcleos (18%), lascas unipolares (6%) e detritos (4%).

Forma Básica SC AG 101

20% 6%
28%
4%

18%
0% 24%

Lasca Unipolar Lasca Bipolar Núcleo


Frag. de lasca Frag. de núcleo Detrito
Art. Uni/Bifacial

53
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Quanto às estratégias de obtenção da matéria prima, constata-se que o grupo pré-
histórico selecionou preferencialmente, o basalto (65%) para a produção de sua
indústria lítica. Trata-se de rochas amplamente disponíveis tanto no local de
assentamento, quanto na área próxima do sítio. Entretanto, em menores proporções,
tem-se a presença de calcedônias (35%).

Matéria Prima

35%

65%

Basalto Calcedonia

Correlacionando os tipos de formas básicas com a matéria prima, evidencia-se que


as lascas bipolares são produzidas exclusivamente em calcedônia.

A correlação evidente entre calcedônia e a técnica de lascamento bipolar tem sido


observada em outras áreas de estudo. Como por exemplo, na área da UHE Barra
Grande (Caldarelli, Org., 2003) e em vários trabalhos efetuados no Estado do Rio
Grande do Sul (Dias, 1994; Hoeltz, 1999 e 2001). Esta recorrência pode estar
relacionada às pequenas dimensões dos geodos de calcedônia – igualmente para
os cristais de quartzo – onde o emprego da técnica bipolar parece ser a mais
adequada. Outra possibilidade é a relação existente entre os cristais de quartzo e
calcedônia/lascas bipolares e o trabalho doméstico feminino (informação oral do
prof. Dr. Klaus Hilbert).

Os núcleos desta indústria estão representados predominantemente pelo tipo


unipolar com duas plataformas em ângulo (67%). Em menores quantidades, têm-se
54
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
os núcleos do tipo unipolar com várias plataformas (17%), e dos tipos unipolar com
uma plataforma e bipolar (ambos 8%).

Núcleo unipolar com duas plataformas em ângulo, confeccionado em basalto com 2/3 de
superfície natural, com plataforma lisa sem redução (Peça n° 101-12).

Desenho: Adelson André Brüggemann

Nos núcleos unipolares com duas plataformas em ângulo os artesãos eliminaram


quase que totalmente a superfície cortical, de modo que, em parte desses núcleos
(37,5%) restam apenas 1/3 de córtex, ou possuem metade da peça recoberta por
superfície cortical (37,5%). Poucos núcleos (25%) apresentam até 2/3 de córtex.

Diferentemente, os núcleos unipolares com várias plataformas em outras posições


apresentam maiores quantidades de córtex. Destes, 50% possuem até 1/3 de
superfície cortical e 50% possuem até 2/3.

No que se refere aos tipos de plataforma destes núcleos, há predominância, em


ambos os tipos, de plataformas facetadas. Contudo, para o tipo unipolar com duas
plataformas em ângulo, evidenciou-se plataformas lisas e facetadas. Já os núcleos

55
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
unipolares com várias plataformas em outras posições apresentam somente
plataformas facetadas.

Núcleo unipolar com várias plataformas em outras posições, confeccionado em


bloco de basalto com 2/3 de superfície natural, com plataforma facetada com
redução (Peça n° 101-14).
Desenho: Adelson André Brüggemann

56
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

 Núcleo unipolar com várias


plataformas em outras posições,
sobre bloco de basalto.

Apesar dos artefatos bifaciais e unifaciais encontrarem-se pouco representados


neste conjunto lítico – com apenas 20% das peças – podemos subdividi-los em três
tipos. O primeiro, com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas
em uma lateral) e uma extremidade em ponta, perfaz 70% da amostragem, enquanto
que os artefatos que possuem retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou
apenas em uma lateral) sem terminação em ponta constituem-se em 20%, e os que
possuem retiradas periféricas unifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e uma terminação em ponta (10%).

Tipo de Biface

70%

10%

20%

1 2 3

57
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Os suportes para a confecção destas peças, quando possível determinar,
apresentam-se na forma de blocos, seixos e placas.

As peças com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e uma extremidade em ponta, na sua maioria (86%), apresentam até 1/3 de
superfície natural e o restante, apresenta metade da peça recoberta por córtex.

Artefato bifacial confeccionado em basalto com 2/3 de superfície natural, com suporte
em placa, possui retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em
uma lateral) e sem terminação em ponta, com mais de 10 negativos de lascamento
na face 1 e entre 3 e 10 negativos na face 2. Face 1 (dir.), perfil (centro) e face 2
(esq.) (Peça n° 101-13).
Desenho: Adelson André Brüggemann

58
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Artefato bifacial confeccionado em basalto com 1/3 de superfície natural, com suporte em
bloco, possui retiradas periféricas bifaciais em apenas uma lateral e sem terminação em
ponta, com mais de 10 negativos de lascamento na face 1 e na face 2. Face 1 (esq.), perfil
(centro) e face 2 (dir.) (Peça n° 101-07).
Desenho: Adelson André Brüggemann

59
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

 Artefato bifacial com


retiradas periféricas
bifaciais em todo o contorno
(ou apenas em uma lateral)
e uma terminação em
ponta, confeccionado sobre
bloco de basalto, face 1
(esq.) e face 2 (dir.).

Artefato bifacial com retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma
lateral) e uma terminação em ponta, confeccionado sobre bloco de basalto, face 1 (esq.) e
face 2 (dir.).

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Artefato bifacial confeccionado em basalto com 1/3 de superfície natural, com suporte
em bloco, possui retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno e uma terminação
em ponta, com mais de 10 negativos de lascamento na face 1 e na face 2. Face 1
(esq.), perfil (centro) e face 2 (dir.) (Peça n° 101-16).
Desenho: Adelson André Brüggemann

61
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Artefato bifacial confeccionado em basalto com 1/3 de superfície natural, com


suporte em bloco, possui retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno e uma
terminação em ponta, com mais de 10 negativos de lascamento na face 1 e na
face 2. Face 1 (esq.), perfil (centro) e face 2 (dir.) (Peça n° 101-17).

Desenho: Adelson André Brüggemann

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Artefato unifacial confeccionado em basalto com 1/2 de superfície natural, com


suporte em bloco, possui retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno e uma
terminação em ponta, com mais de 10 negativos de lascamento na face 1 e na face 2.
Face 1 (esq.), perfil (centro) e face 2 (dir.) (Peça n° 101-19).
Desenho: Adelson André Brüggemann

63
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Artefato unifacial confeccionado em basalto com 1/3 de superfície natural, com suporte
em seixo, possui retiradas periféricas unifaciais em apenas uma lateral e uma terminação
em ponta, com mais de 10 negativos de lascamento na face 1 e de 1 a 3 negativos na
face 2. Face 1 (esq.), perfil (centro) e face 2 (dir.) (Peça n° 101-18).
Desenho: Adelson André Brüggemann

64
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Artefato bifacial confeccionado em basalto com 1/3 de superfície natural, com suporte em
bloco, possui retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno e uma terminação em
ponta, com mais de 10 negativos de lascamento na face 1 e na face 2 (Peça n° 101-15).
Desenho: Adelson André Brüggemann

65
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
No estudo das lascas unipolares que compõem este sítio, observou-se que há
exclusivamente lascas unipolares de preparação (100%). O plano de percussão
destas lascas são lisos (67%) e facetados (33%), cujos cantos dorsais não
apresentam redução.

 Lasca de preparação, cuja


matéria prima é basalto.

No que diz respeito às lascas bipolares, seus planos de percussão direto podem ser
recobertos por superfície cortical (89%) ou lisos (10%). Já os planos de percussão
indiretos apresentam-se macerado/esmagado (50%), superfície cortical (25%) ou
sem este plano de percussão (25%).

São insignificantes as modificações observadas nas lascas. Apenas uma lasca


apresenta retoque na face dorsal na porção distal.

Considerações finais

Nos últimos anos, o estudo das indústrias líticas, relacionado aos grupos caçadores
coletores no Sul do Brasil, tem suscitado dúvidas pertinentes quanto a validade dos
conceitos das tradições arqueológicas Umbu e Humaitá, consagrados pela literatura
da área. Conforme Dias3, “ambas tradições líticas foram definidas a partir das
atividades no sul do Brasil desenvolvidas pelo Programa Nacional de Pesquisas

3DIAS, Adriana S. Variabiliade Lítica e o Conceito de Tradição Arqueológica: Novos aportes para
uma Arqueologia de Caçadores Coletores no Sul do Brasil. Comunicação apresentada na X Reunião
66
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Arqueológicas (PRONAPA), na década de 1960”.

Os questionamentos surgiram na medida em que os pesquisadores lançaram novas


hipóteses, apoiados por teorias e concepções diversas daquelas utilizadas durante
os estudos das indústrias líticas nas décadas de 1960 e 1970. Dessa forma,
destacou-se que a análise pautada apenas na morfologia dos artefatos
arqueológicos não era suficiente para explicar a dinâmica de vida dos grupos
humanos que habitaram a região antes do contato com o europeu.

Pesquisadores comprometidos com as tendências teóricas que guiam as pesquisas


arqueológicas em outros países, principalmente, Estados Unidos da América e
França, lançam mão de outras técnicas de pesquisa e abordagem dos conjuntos
líticos. Dentre estas abordagens, algumas irão tentar compreender o contexto
ambiental em que o sítio arqueológico se insere e outras destacarão a variabilidade
artefatual dos conjuntos, onde se fará a análise das técnicas aplicadas à confecção
dos artefatos, a obtenção da matéria prima e o descarte do material. Assim, num
estudo paralelo - a compreensão do meio ambiente em que o sítio está inserido e a
análise das técnicas de confecção dos artefatos – é possível levantar hipóteses
contextualizadas que levam em consideração toda a complexidade que compõe um
sítio arqueológico, além de perceber as relações entre os conjuntos de artefatos
tanto intra quanto inter sítios.

Durante a análise do sítio SC-AG-101, não se perdeu de vista o contexto ambiental


em que estava inserido e outros estudos realizados na região. Dessa forma, a
pesquisa desenvolveu-se a partir da análise tecno-tipológica, que enfoca tanto a
procedência da matéria prima, quanto às tecnologias de produção empregadas na
transformação destas diferentes matérias-primas em artefatos, além da distribuição
quantitativa e qualitativa dos resíduos de lascamento e a análise funcional dos
artefatos relacionadas a retoques e marcas de utilização.

Diante das evidências apontadas na análise deste conjunto lítico, comparando-o a


outros estudos, entre eles as pesquisas realizadas no Canteiro de Obras da UHE

Científica da SAB, Recife, 1999.


67
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Barra Grande, pode-se facilmente correlacioná-lo à tradição Humaitá, pois, de
acordo com Dias,

A tradição Humaitá foi definida em função da presença de


peças bifaciais de grande porte e morfologia variada,
destacando-se aquelas de forma bumerangóide, Também
estariam representadas por choppers alongados, unifaciais e
bifaciais, raspadores plano-convexos e lascas retocadas. Os
sítios desta tradição seriam superficiais e a céu aberto e
estariam estabelecidos em área de floresta subtropical, junto
às margens dos rios e arroios das grandes bacias
hidrográficas do sul do Brasil (Paraná, Uruguai e Jacuí), tanto
nas várzeas, como terraços e colinas vizinhas.4

Como foi destacado durante a análise, o sítio SC-AG-101 possui um percentual


bastante significativo (22%) de peças bifaciais/unifacias alongadas e de grande
porte, evidência esta que corrobora para acreditar-se na hipótese de este ser um
sítio ocupado por um grupo pré ceramista, cuja indústria lítica estaria relacionada a
tradição arqueológica Humaitá.

No entanto, esta seria uma resposta plausível para a compreensão parcial do sítio,
caso não fosse considerado o resultado de outras pesquisas na mesma região.
Pode-se destacar, principalmente, a análise dos conjuntos líticos dos sítios SC-AG-
40, SC-AG-47 e SC-AG-97 A, pois estes mantêm entre si e com o sítio analisado
neste trabalho, semelhanças quanto a confecção dos artefatos bifaciais/unifaciais e
por conseguinte, semelhanças quanto aos núcleos e lascas encontradas nos sítios.

A proximidade geográfica entre eles também deve ser considerada. Os sítios SC-
AG-40 e 47 possuem indústrias líticas semelhantes quanto aos seus conteúdos
(formas básicas dos materiais) e a presença, em ambos, de fragmentos cerâmicos
permitem sugerir que estes locais tratam-se de assentamentos de grupos
ceramistas.

4DIAS, Adriana S. Variabiliade Lítica e o Conceito de Tradição Arqueológica: Novos aportes para
uma Arqueologia de Caçadores Coletores no Sul do Brasil. Comunicação apresentada na X Reunião
Científica da SAB, Recife, 1999.
68
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
A cerâmica que os compõem, conforme a literatura, é classificada como pertencente
à tradição Taquara, que foram grupos ceramistas que ocuparam as regiões frias do
planalto do sul do Brasil. Estes grupos estão relacionados à construção de casas
subterrâneas, que são estruturas, inclusive, encontradas na proximidade dos sítios.
Quanto ao sítio SC-AG-97 A, este apresenta semelhanças quanto aos artefatos
bifaciais/unifacias encontrados nos outros dois sítos. São artefatos do tipo com
retiradas periféricas bifaciais em todo o contorno (ou apenas em uma lateral) e uma
extremidade em ponta. Este sítio parece ter sido um local de atividades
especializadas, cujo grupo encontra-se vinculado aos grupos ceramistas dos sítios
SC-AG-40 e 47.

Observa-se que o sítio SC-AG-101 (ver anexo II), encontra-se inserido entre as
cotas de 600m e 625m de altitude e que a dispersão das peças coletadas (ver anexo
III) não indicam concentração de lascas e núcleos numa área e artefatos
bifaciais/unifaciais noutra, ou seja, todo o conjunto lítico apresenta-se espalhado por
toda a superfície (a maioria) e alguns na área escavada sem evidências de relação
entre os tipos de artefatos, ou seja, não é possível estabelecer quaiquer relações
entre a posição das peças no sítio e prováveis locais de confeção de artefatos ou
atividades específicas realizadas no sítio.

Como já foi explicitado, chama a atenção o número de artefatos bifaciais/unifaciais


que compõem este sítio. Sugere-se, portanto, que este local trata-se de um sítio de
atividades específicas de um grupo ceramista, e não um sítio de assentamento
permanente, como é o caso do sítio SC-AG-40. Corrobora esta hipótese, estudos
realizados na margem esquerda do rio Pelotas, no Estado do Rio Grande do Sul,
onde foi destacada a pequena variabilidade e quantidade de artefatos que compõem
os sítios pesquisados nessa margem. Além disso, sugeriu-se que estes sítios seriam
de atividades realizadas em apenas uma jornada e nas proximidades dos
acampamentos. Infelizmente, é difícil definir os tipos de atividades exercidas no
local, pois a funcionalidade destes grandes artefatos bifaciais/unifacias, espalhados
por quase todo o sul do Brasil, ainda não está muito clara. Sugere-se que tenham
sido utilizados para derrubar árvores e cavar a terra.

69
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
No que diz respeito aos núcleos e lascas unipolares que compõem este sítio, ficou
evidente a predominância, entre os núcleos, os do tipo unipolar com duas
plataformas em ângulo e, entre as lascas, as do tipo de preparação. Ou seja, é
possível que a obtenção da matéria prima e a retirada da camada cortical se
processasse em outro local, pois não há lascas corticais no sítio. Além disso,
destaca-se também a pequena quantidade de lascas unipolares encontradas no
sítio, estas perfazem apenas 6% do conjunto.

Enfim, diante das evidências, não apenas do sítio SC-AG-101, mas de todo o
conjunto de sítios que formam a complexidade característica de ocupação do vale do
rio Pelotas, pode-se sugerir que este sítio é mais um sítio que, conforme a literatura,
está relacionado à tradição Taquara e não à tradição Humaitá - mesmo que o
conjunto de artefatos coletados apresente apenas peças líticas e nenhum fragmento
cerâmico.

70
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO I: MAPA COM A ATUALIZAÇÃO DA LOCALIZAÇÃO DOS SÍTIOS


ARQUEOLÓGICOS RESGATADOS NO RESERVATÓRIO DA UHE BARRA GRANDE

71
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Inserir mapa (Auto cad)

72
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO II: LEVANTAMENTO PLANOALTIMÉTRICO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO


ARMINO FRIGOTTO – ÁREA I E II

73
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Inserir mapa (Auto cad)

74
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO III: CROQUIS DA ESCAVAÇÃO DO SÍTIO ARQUEOLÓGICO


ARMINO FRIGOTTO – ÁREA I E II

75
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Área I – Superfície

76
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área I – Nível 0-10cm

77
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área I – Nível 10-20cm

78
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área I – Nível 20-30cm

79
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área II – Superfície

80
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área II – Nível 0-10cm

81
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área II – Nível 10-20cm

82
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Área II – Nível 20-30cm

83
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO IV: LISTA DE ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO

84
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
P.1

85
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
P. 2

86
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO V: TABELA DE ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO

87
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
P.1

88
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
P. 2

89
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
PARTE II - RESGATE ARQUEOLÓGICO NO RESERVATÓRIO -
MARGEM ESQUERDA DO RIO PELOTAS / RS

INTRODUÇÃO

Neste momento, apresentamos o relatório final sobre os trabalhos de campo e


laboratório desenvolvidos pelo Núcleo de Pesquisa Arqueológica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul na área de alagamento da Usina Hidrelétrica da Barra
Grande, margem esquerda do Rio Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ao fim de três
etapas de campo, entre os meses de Setembro e Dezembro de 2003, todos os sítios
arqueológicos identificados durante o trabalho de prospecção arqueológica na área
foram visitados, tendo sido alvos de diferentes trabalhos de salvamento, de acordo
com suas características.

Este relatório está estruturado em três partes: (1) apresentação geral da área, com
indicação de trabalhos arqueológicos anteriores; (2) os trabalhos realizados em
campo, com uma introdução aos aspectos teóricos e metodológicos que lhes
guiaram; e (3) os resultados das análises de laboratório do material recolhido com
breve discussão sobre a metodologia empregada.

Na segunda parte, há uma divisão, entre os trabalhos realizados nas duas primeiras
etapas de campo (já apresentados nos dois relatórios anteriores) e os trabalhos
realizados nas últimas etapas de campo, nos meses de novembro e dezembro de
2003. Já na parte dedicada aos resultados das análises de laboratório, há uma
separação pelo tipo de material encontrado: lítico (sobre pedra) e cerâmico, já que
passam por métodos de análise distintos.

Durante os trabalhos de prospecção na área de alagamento na margem esquerda


do Rio Pelotas, realizados durante o mês de março de 2002 pelo arqueólogo
Rodrigo Lavina, foram localizados dez (10) sítios arqueológicos na área de
influência. Destes, nove (9) foram recomendados para resgate, pois o décimo
tratava-se de um sítio de estruturas subterrâneas localizado fora da área de

90
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
alagamento, ficando preservado para futuras investigações. Assim, os trabalhos
realizados nestes três meses compreendem o salvamento de nove sítios
arqueológicos. Segue uma breve descrição de cada um deles, além do décimo sítio
que não necessitou de salvamento por estar localizado em área não atingida pelo
alagamento.

1. Cerro Alegre 1: sítio lítico superficial situado em patamar aplainado sobre o leito
do rio Pelotas, em área coberta por capão de mata secundária, contendo
afloramentos rochosos.

2. Cerro Alegre 2: sítio lítico superficial situado em meia encosta, em área ocupada
por plantação e pastagem.

3. Rincão das Aduelas 1 (sítio não indicado para salvamento): área com possível
estrutura subterrânea, em local situado fora do alagamento do usina. Não pode ser
constatado se era de fato um sítio arqueológico.

4. Rincão das Aduelas 2: sítio lítico superficial situado em meia encosta, nas
cabeceiras do Lajeado do Pinto, contendo muitos matacões naturais de basalto, em
área utilizada para plantação.

5. Rincão dos Lourenços 1: sítio lítico a céu aberto situado em topo de morro, em
área atualmente utilizada para plantação. Apesar de situar-se fora da área de
alagamento, foi recomendado para resgate.

6. Rincão do Gramado 1: sítio lítico superficial situado em patamar aplainado junto


à margem esquerda de um riacho tributário do Lajeado do Tigre, em área atualmente
utilizada para plantio.

7. Rincão do Gramado 2: sítio lítico superficial localizado em topo de morro,


atualmente utilizado para plantação de feijão e milho.

8. Rincão do Gramado 3: sítio lítico superficial localizado em patamar aplainado


junto ao rio Pelotas, em área atualmente utilizada para plantio.

91
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
9. Agência 1: Sítio lítico superficial, localizado em patamar plano, entre o rio Pelotas
e um afluente menor. Sua área esta sendo utilizada para plantio.

10. Guabiju 1: Sítio lito-cerâmico, localizado em pequeno patamar plano, em uma


espécie de istmo formado pelos lajeados Guabiju, e do Tigre e o próprio rio Pelotas.
Este sítio foi trabalhado por Pedro Augusto Mentz Ribeiro em 1984, quando do
primeiro levantamento para a então planejada UHE Barra Grande. Na ocasião,
existia no local uma antiga casa circundada por uma roça. Mentz Ribeiro coletou 119
fragmentos cerâmicos e algumas peças líticas em superfície. Nenhuma intervenção
no subsolo foi realizada naquele momento (Ribeiro et all, 1985).

Além destes, uma outra área teve material coletado, sendo então denominada de
Entre-Gramados, justamente por estar localizada entre os sítios arqueológicos
Rincão do Gramado 1 e Rincão do Gramado 2.

92
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

A ÁREA DE PESQUISA E SEU HISTÓRICO

APRESENTAÇÃO DA ÁREA EM INVESTIGAÇÃO

As áreas abrangidas pelos trabalhos de salvamento descritos neste relatório


localizam-se nos atuais municípios de Pinhal da Serra e Esmeralda, RS.

Quanto às suas características ambientais, a área pesquisada situa-se no nordeste


do Estado do Rio Grande do Sul, nos chamados Campos de Cima da Serra. Os
municípios de Pinhal da Serra e Esmeralda pertencem à região geomorfológica do
Planalto das Araucárias que corresponde à porção mais oriental do Domínio
Morfoestrutural das Bacias e Coberturas Sedimentares, que abrange trechos do
Estado do Rio Grande do Sul e a porção sul do Estado de Santa Catarina.

O Planalto das Araucárias ocupa uma superfície de 61.300 Km², limitando-se a


nordeste com a Depressão do Sudeste Catarinense, a leste com a Planície Costeira
Interna, ao sul com a Depressão Central Gaúcha e a oeste com o Planalto das
Missões e o Planalto da Campanha. O contato com a região geomorfológica
Depressão do Sudeste Catarinense, assim como a região geomorfológica Planície
Costeira Interna, faz-se através de um escarpamento abrupto, por vezes com 1.000
metros de desnível. Este paredão rochoso, que apresenta vertentes de facetas
triangulares, é conhecido regionalmente como Aparados da Serra.

Os principais rios que atravessam o Planalto das Araucárias são o rio Pelotas
(formador do rio Uruguai e limite político entre os Estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina), rio Taquari e seu formador rio das Antas, rio Caí e rio dos Sinos,
todos eles em seus alto e médio cursos. Com exceção do rio Pelotas, todos os
outros referidos pertencem à bacia de drenagem do rio Jacuí. A região pesquisada
está junto ao rio Pelotas e no divisor de águas com o rio das Antas.

As características da Região Planalto das Araucárias são bastante heterogêneas,


sendo nela identificadas quatro Unidades Geomorfológicas. Os municípios

93
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
estudados situam-se no Planalto dos Campos Gerais, que representa uma ampla
área elevada, onde se registram as maiores cotas altimétricas de todo o domínio, na
ordem de 1.100 e 1.200 metros.

Em termos climáticos, os municípios estudados enquadram-se no clima de tipo


úmido moderado (IBGE,1986: 773-774), sendo a temperatura média anual entre 16
e 18º C, estando as temperaturas máximas em janeiro, oscilando entre 27 e 33º C; e
as mínimas em julho, entre 6 e 8º C. Durante o inverno ocorrem geadas e nevadas
com alguma freqüência. Os ventos predominantes são o Leste e o Minuano no
inverno, e o Norte no verão e primavera, quando ocorre a chamada “Viração da
Costa”, aragem que invade a região durante a estação mais quente.

A vegetação predominante nos municípios de Pinhal da Serra e Esmeralda


corresponde, segundo Jacobus (1992: 2-4), aos tipos Campos e Floresta Ombrófila
Mista. Estes tipos de vegetação são divididos em formações devido a fatores como
altitude e espécies vegetais predominantes. Na região dos Campos a formação mais
abundante é a Gramíneo-lenhosa e a menos extensa é a formação Parque. Ambas
apresentam florestas de galeria, ou seja, matas ciliares que crescem junto aos
cursos de água.

A formação de Campos Gramíneo-lenhosos ocorre em altitudes superiores a 800


metros em relação ao nível do mar, em áreas de relevo ondulado e fortemente
ondulado, apresentando cerca de 113 espécies vegetais arbóreas. Os vegetais
predominantes são as gramíneas que formam touceiras, destacando-se o capim
caninha. A vegetação arbórea é constituída por exemplares de pinheiro brasileiro
isolados ou agrupados, por capões de variadas dimensões e por florestas de galeria.
Nos capões são encontrados pinheiro-bravo, carne-de-vaca, pau-sabão, canela
lajeana, murta, casca d’anta, cambuizinho e goiabeira-do-mato. Nas florestas de
galeria predominam espécies como murta, camboatá branco, guabirobeira,
congonha, cambuí, branquilho, sucará, guamirim, guamirim-ferro e cambuí-preto.

Devido às queimadas ocorridas na maior parte dos campos da região desde o


século passado, as gramíneas que formam touceiras foram substituídas por

94
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
gramíneas de colmo subterrâneo, mais resistentes ao pisoteio e ao fogo. Este tipo
de cobertura propiciou, por sua vez, o desenvolvimento de plantas como carqueja,
vassoura, caraguatá, samambaia das taperas, alecrim-do-campo e maria-mole.

No norte do município de Pinhal da Serra encontramos uma formação de Campos


do tipo Parque. Esta ocorre em altitudes superiores a 1000 metros e possui cerca de
23 espécies arbóreas, dentre as quais destaca-se o pinheiro brasileiro encontrado
isolado ou em grupos, bem como junto a capões e florestas de galeria.

A área contemplada por este projeto também abriga Florestas Ombrófilas Mistas,
divididas nas formações Montana e Alto-montana. A formação Montana ocorre em
altitudes que variam entre 400 a 1000 metros, sendo nela encontrada cerca de 196
espécies arbóreas e no estrato emergente ocorre o pinheiro brasileiro. A formação
Alto-montana ocorre em altitudes superiores a 1000 metros e nela encontram-se
cerca de 103 espécies arbóreas. Esta formação é encontrada na divisa entre os
municípios de Pinhal da Serra e Anita Garibaldi (Estado de Santa Catarina).

PESQUISAS ANTERIORES

Em 1984, o arqueólogo Pedro Augusto Mentz Ribeiro e sua equipe e os


pesquisadores Arno Alvarez Kern, José Otávio Catafesto de Souza e Fernando
Seffner realizaram pesquisas arqueológicas no vale do rio Pelotas, na área que seria
inundada pelo reservatório da já planejada Usina Hidroelétrica de Barra Grande. A
pesquisa foi realizada na margem esquerda do rio Pelotas, desde os limites dos
municípios de Vacaria com Bom Jesus até os de Vacaria com Esmeralda. Foram
selecionadas para prospecção, então, quatro zonas ao longo do rio e de seus
afluentes da margem esquerda.

No município de Esmeralda (naquela ocasião, Pinhal da Serra era um distrito de


Esmeralda) foram localizados setenta e sete (77) sítios arqueológicos sendo vinte e
sete (27) em campo aberto, trinta e nove (39) conjuntos de casas subterrâneas

95
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
totalizando 135 estruturas, três (3) estruturas sobre a superfície, três (3) galerias
subterrâneas, dois (2) abrigos sob rocha e três (3) cavernas. As dimensões da
maioria das estruturas estavam entre 6 e 10 metros de diâmetro, variando em
número de uma até 23 estruturas por sítio. A maior estrutura subterrânea encontrada
possui dimensões de 19,60 x 22,10 metros.

Foram realizadas seis datações pelo método de Carbono 14 em quatro estruturas,


resultando em datas de 355 +/- 50 a 650 +/- 60 anos AP. Foram identificadas três
tradições culturais a partir da análise do material cerâmico e lítico, sendo vinte e
quatro (24) sítios pertencentes à tradição ceramista Taquara, dois (2) sítios à
tradição Humaitá e um (1) sítio à tradição Umbu (Ribeiro et all, 1985).

Nos municípios de Vacaria e Bom Jesus, a equipe de Kern levantou quinze (15)
sítios arqueológicos, sendo a sua maioria encontrada fora da área de inundação. A
pesquisa desenvolvida evidenciou a existência de quatro tipos de sítios diferentes,
aparentemente pertencentes à mesma cultura: conjunto de estruturas subterrâneas
que se poderiam considerar aldeias, grandes habitações ou estruturas isoladas,
sítios a céu aberto do tipo sítio-acampamento e sítios para obtenção de matéria-
prima (Kern et al, 1989: 111).

Os resultados das pesquisas de Kern e outros foram publicados em dois momentos


na Revista Veritas (nº 34 e 35), em março e julho de 1989.

Além da visita destes pesquisadores, não houve mais nenhuma pesquisa


arqueológica na área.

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM CAMPO

ORIENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA OS TRABALHOS DE CAMPO

Para o trabalho na margem esquerda da área de alagamento da UHE Barra Grande,


partimos da idéia de que a configuração espacial dos artefatos em um sítio
arqueológico é heterogênea. Neste sentido, a investigação da variação espacial da
cultura material em um sítio e entre sítios deve ser considerada como um dos pré-
requisitos imprescindíveis numa aproximação à interpretação do registro
arqueológico.

Esta variabilidade espacial inter e intra-sítio está diretamente relacionada à


ordenação hierárquica, derivada de diferenças entre indivíduos ou grupos, na
medida em que estes desempenham atividades especializadas ou dispõem de
diferentes níveis de controle sobre recursos. Em termos regionais, diferenças entre
assentamentos de uma mesma sociedade podem estar relacionadas a fatores
ambientais ou a fatores de ordem sócio-política, de modo que sítios de diferentes
ordens de grandeza e configuração estrutural interna expressam, dentro de um
sistema de assentamento, hierarquias e/ou contingentes demográficos distintos. Por
sua vez, as diferenças da cultura material nos diversos espaços de um sítio podem
remeter a áreas de atividades específicas e indicar eventuais aspectos da
organização sócio-política e econômica (Wust, 2001).

Tais preocupações nortearam a metodologia a ser empregada no resgate dos sítios.


Desta forma, privilegiou-se neste projeto a morfologia dos sítios, orientando para
uma coleta sistemática e representativa do material arqueológico. Isto porque a
análise espacial destes elementos permite a investigação dos processos da
formação do depósito arqueológico e do significado dos diversos espaços nos
assentamentos pré-coloniais.

No entanto, a própria variabilidade entre os sítios exigiu um constante


redimensionamento da metodologia durante a pesquisa de campo, sem que isso

97
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
comprometesse a concepção original do projeto. Neste sentido, buscamos sempre
empregar - para cada tipo de sítio - uma metodologia que privilegiasse a coleta em
área ampla da maior quantidade de peças com rigoroso controle espacial.

Para os sítios líticos empregamos uma metodologia já consagrada nos trabalhos de


campo por nós realizados em linhas de transmissão e no próprio canteiro de obras
da UHE Barra Grande. Devido à baixa densidade de peças em superfície,
inicialmente demarcávamos todas as peças visíveis realizando o percorrimento
sistemático do terreno, com espaçamento regular entre os pesquisadores de no
máximo 5 metros. Logo depois era instalada uma ou mais estações topográficas, a
partir de onde eram coletadas individualmente todas as peças, com controle
tridimensional.

Em locais onde houvesse concentrações maiores de material arqueológico, foram


realizados poços-teste para verificação em sub-superfície. No caso de verificarmos a
existência de concentrações abaixo da superfície, foram realizadas decapagens em
níveis artificiais, com plotagem geralmente bidimensional das peças.

Já no caso do único sítio lito-cerâmico identificado na área, a metodologia


empregada foi outra. Como inicialmente não havia visibilidade nenhuma do solo, e
não foi possível encontrar nenhum vestígio arqueológico na superfície, foi aplicado
um método de escavação de poços-teste distribuídos de forma sistemática na área
que havia sido indicada como sítio arqueológico. A partir dos resultados obtidos com
esta técnica, a área com maior densidade de artefatos foi escolhida para uma
escavação em área ampla. Este sítio foi o único que apresentou potencial para tal
tipo de atividade, mostrando densidade de peças em sub superfície.

Seguindo estas premissas no resgate dos sítios, assim como mantendo sempre uma
postura flexível em relação às estratégias de trabalho, foi possível aproveitar ao
máximo o tempo disponível para as atividades de campo. O planejamento prévio do
resgate de cada área favoreceu a aplicação de técnicas adequadas para sítios
bastante distintos, mantendo sempre em aberto a possibilidade de mudar as
estratégias quando necessário. Isso se deu porque o trabalho de campo em

98
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
arqueologia, no seu decorrer, sempre traz novas observações à equipe, que precisa
então se adaptar às novidades de forma a obter o máximo de informações sobre
cada local.

RESUMO DOS TRABALHOS DE CAMPO APRESENTADOS NOS RELATÓRIOS PRÉVIOS

Os trabalhos realizados entre os meses de Setembro e Novembro de 2003 foram já


relatados anteriormente, sendo por isso aqui apresentados de forma resumida.
Neste período foram realizados em campo trabalhos de resgate em oito sítios
arqueológicos, sendo que em um deles o trabalho só foi concluído na última etapa.
O nono (9º) sítio indicado para salvamento também foi resgatado durante a última
etapa, sendo relatado no próximo item.

Inicialmente, antes de começar o trabalho de salvamento, a equipe fez uma visita


guiada pelo arqueólogo responsável pela prospecção da área (Rodrigo Lavina) a fim
de conhecer os acessos e planejar estratégias. Nesta visita, dois sítios não puderam
ser reconhecidos devido ao mau tempo, que impossibilitou a acesso.

Após esta visita, o salvamento dos sítios arqueológicos teve início, sendo priorizados
os sítios em áreas com maior urgência de liberação, seguindo, com isso, um pedido
da BAESA. Desta forma, iniciamos os trabalhos nos sítios mais próximos ao
barramento seguindo uma ordem de distanciamento deste.

Segue a descrição sumária do trabalho realizado em cada um dos sítios, na ordem


em que foram resgatados.

Cerro Alegre 1 e Cerro Alegre 2

Após uma inspeção inicial, verificamos a pouca distância entre os locais


considerados como estes dois sítios arqueológicos. Consideramos, então, tratar-se
de apenas um sítio dividido em duas áreas de concentração: área 1 e área 2.

A primeira área, denominada Cerro Alegre-Área 1 (Cerro Alegre 1), situa-se em meio

99
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
a uma mata secundária que cobre uma superfície de cerca de 100X50 metros.
Apesar da densa cobertura vegetal, a visibilidade do solo é relativamente boa,
estando exposto em muitos locais o embasamento rochoso basáltico.

Realizamos um caminhamento sistemático na área, no sentido leste-oeste, e todas


peças arqueológicas encontradas foram marcadas para posterior coleta. Apenas 5
peças arqueológicas foram encontradas, confirmando uma baixa densidade e
dispersão de artefatos. Decidimos, então, apenas delimitar a área de ocorrência e
coletá-los sem plotagem individual, considerando a pequena quantidade de material
como indicador da baixa potencialidade de estudo espacial.

Realizamos, então, o caminhamento sistemático na área que foi denominada por


nós de Cerro Alegre-Área 2. O local situa-se em meia encosta, com forte inclinação.
O solo é muito pedregoso, contendo afloramentos rochosos de basalto, e alguns
nódulos de quartzo e calcedônia.

Com uma excelente visibilidade do solo, foi feito um caminhamento sistemático,


demarcando todas as evidências arqueológicas. Após um percorrimento exaustivo
da Área 2, constatamos a existência de várias concentrações de artefatos líticos ao
longo de toda lavoura, que mede cerca de 500X100 metros.

Para a coleta de todas as evidências, realizada com nível topográfico e praticamente


peça por peça (coleta individual) foram necessárias doze estações topográficas.
Havendo alguns casos isolados de peças muito distantes das concentrações e sem
possibilidade de alcance com o nível topográfico (exigindo a transferência de
algumas estações), optamos por coletar este material com referenciamento por GPS
(o datum utilizado durante todo o trabalho foi SAD 69).

Em nenhum local foi constatada a possibilidade de existência de material


arqueológico em sub-superfície. Foi observado, ainda, a baixa densidade de refugos
de lascamento entre o material coletado, caracterizado em geral por grandes
instrumentos lascados sobre bloco.

A próxima área trabalhada foi chamada de Cerro Alegre-Área 3 (Cerro Alegre 2).

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BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Trata-se de lavoura em pousio, abaixo da da Área 2, parte em meia encosta com
forte declive, parte em patamar plano, cobrindo uma superfície de cerca de 100X50
metros. A visibilidade do solo era média para boa em algumas partes.

Novamente, foi realizado um percorrimento sistemático, sendo que todas peças


encontradas eram marcadas para posterior coleta.

Ao todo foram instaladas três estações topográficas nesta área para a coleta de
artefatos. Também neste local não constatamos a possibilidade de existência de
artefatos arqueológicos em sub-superfície.

Vista geral do sítio arqueológico Cerro Na chamada Área 1 do sítio Cerro Alegre,
Alegre, a partir da estrada para a barca equipe faz percorrimento sistemático.
Pedra Overa.

Na chamada Área 3 do sítio Cerro Alegre, Coleta com auxílio de um nível topográfico
coleta do material arqueológico com nível na Área 2 do sítio Cerro Alegre.
topográfico.

101
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

 Na chamada Área 2 do sítio Pedra


Overa, caminhamento sistemático. Observe
a inclinação do terreno.

Ao todo, no sítio arqueológico Cerro Alegre (nas suas três áreas), foram coletadas
mais de 100 peças arqueológicas, sendo que aproximadamente 90% estavam
dentro da Área 2. Nenhuma outra área de ocorrência de artefatos arqueológicos foi
constatada no local denominado Cerro Alegre.

Rincão do Gramado 1

Situa-se em local plano, entre uma estrada interna e um afluente menor do Rio
Pelotas, em área de lavoura em pousio, com superfície de 200X500 metros. A
visibilidade do solo era média para ruim em algumas partes.

Foi realizado em percorrimento sistemático de toda área, com a marcação de todas


evidências arqueológicas para coleta. Foram encontradas duas áreas de ocorrência
de artefatos líticos, ambas com baixa densidade.

A primeira área de ocorrência (Gramado 1- Área 1) localiza-se sobre uma pequena


colina, abaixo de estrada interna. A estação topográfica foi instalada no centro da
concentração, na posição 0494265/6916 440. Foram encontradas apenas três peças
arqueológicas.

A segunda área de ocorrência de artefatos (Gramado 1- Área 2) localiza-se em parte


plana do terreno, em meio a duas nascentes de córregos, utilizada para plantio de
milho. A visibilidade do solo era boa. A estação topográfica utilizada para coleta dos
artefatos foi instalada no ponto 0494 332/6916 384. Foram coletadas oito peças.

102
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Nenhuma outra área de ocorrência de artefatos arqueológicos foi constatada no
local denominado Gramado 1. Devido à baixa densidade de material em área tão
ampla, foi desconsiderada a abertura de poços-teste.

No sítio arqueológico Rincão do Gramado Na chamada Área 1 do sítio Rincão do


1, tem início a caminhamento sistemático Gramado 1, é feita a coleta do material
para localização do material arqueológico. arqueológico identificado.

Na segunda área de concentração de material arqueológico identificada no sítio Rincão do


Gramado 1 (Área 2), equipe realiza a coleta das peças utilizando um nível topográfico.

103
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão do Gramado 2

O sítio denominado Gramado 2 localiza-se no topo de uma colina junto ao rio


Pelotas, em área atualmente utilizada para plantação em pousio. A visibilidade do
solo era boa. Foi feito um percorrimento sistemático do terreno. Apesar de
percorrermos toda a área, muito pouco material arqueológico foi encontrado. Por
vezes os materiais se distanciavam um do outro mais de 100 metros. Coletamos as
peças com referenciamento por GPS, uma vez que elas estavam tão dispersas que
a margem de erro do GPS não afetaria significativamente a escarsa distribuição.
Foram coletadas cerca de oito peças.

Depois de realizarmos a coleta do sítio Gramado 2, realizamos um percorrimento da


lavoura localizada entre os sítios Gramado 2 e Gramado 1- Área 2. Apesar da
visibilidade do solo ser mediana, encontramos algumas peças (três), que foram
coletadas com GPS. Este local foi denominado "Entre Gramados".

Não havendo mais evidências de material arqueológico, a área foi liberada.

Rincão do Gramado 3

O sítio Rincão do Gramado 3 encontra-se dividido em duas áreas, separadas por


uma estrada interna, em locais de lavoura em pousio. A visibilidade do solo é média
para ruim em algumas áreas. Realizamos o caminhamento sistemático por toda
extensão nas duas áreas, mas apenas uma peça arqueológica foi encontrada, sendo
coletada com GPS.

Também percorremos ainda outras áreas fora da delimitação de abrangência do


sítio, sem nada encontrarmos. Ao que tudo indica o sítio era formado por poucas
peças, que foram coletadas por Rodrigo Lavina durante o levantamento do
reservatório. Consultando o relatório do levantamento, constatamos que ele coletou
ao todo 5 artefatos arqueológicos naquele momento. Sendo assim, também este
local foi considerado encerrado para o resgate arqueológico.

104
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

No sítio arqueológico Rincão do Gramado Vista geral para o sítio arqueológico Rincão
3, equipe realiza o caminhamento do Gramado 3, situado no topo da colina ao
sistemático da área previamente indicada. centro da foto.

No sítio Rincão do Gramado 3, é feito o No Rincão do Gramado 3, equipe coleta as


percorrimento sistemático da área, com a poucas peças encontradas com auxílio de
localização de muito poucas peças. um GPS.

Devido à baixa densidade de material Em área adjacente àquela delimitada


arqueológico e sua alta dispersão, equipe durante o levantamento inicial para o sítio
opta por fazer caminhamento sistemático Rincão do Gramado 3, é feito o
sobre área situada entre Rincão do percorrimento sistemático, quando foi
Gramado 1 e Rincão do Gramado 3 (Entre- localizada a única peça encontrada nesta
Gramados), onde esparso material também ocasião.
foi coletado.

105
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços

Situa-se em um topo de morro, utilizado para plantio, entre duas estradas internas e
um potreiro. Esta área não será atingida pelo alagamento da usina, mas foi também
indicada para resgate. Havia boa visibilidade do solo devido à aragem para a lavoura
e para uma horta.

Realizamos o percorrimento sistemático marcando todos artefatos. Instalamos o


nível topográfico no centro da lavoura para coleta de material. Foram coletadas mais
de 80 peças, sendo verificada uma área com alta concentração e densidade de
artefatos. No potreiro, local que julgamos continuar a densidade de artefatos líticos,
realizamos três poços-teste para verificar a existência de material em sub-superfície.
Os testes, de 1X1 metro, foram distribuídos com espaçamento entre três e quatro
metros, sendo escavados até a profundidade de 30cm, com níveis artificiais de
10cm.

No sítio arqueológico Rincão dos No sítio Rincão dos Lourenços, equipe


Lourenços, localizado em altitude fora do tenta localizar material arqueológico na
alagamento da UHE Barra Grande, é feito área de potreiro, mas devido à baixa
caminhamento sistemático sobre a área de visibilidade nada encontra.
lavoura. O poste ao centro da foto é da
rede de distribuição de energia elétrica.

De acordo com o proprietário das terras, a área onde realizamos as sondagens foi
pouco alterada pela agricultura, tendo sido apenas utilizado arado de boi, e estando
sem uso para agricultura a mais de 30 anos. Assim, dada a existência de material

106
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
em sub-superfície em área pouco alterada pela agricultura, este é um sítio que
mereceria continuidade no trabalho. No entanto, como não será atingido, nem
diretamente, pelo lago da usina, optamos por resguardá-lo para pesquisas futuras.

Tem início no sítio Rincão dos Lourenços a Na área de potreiro adjacente à horta no
coleta das peças encontradas na área de sítio Rincão dos Lourenços, equipe inicia a
horta. Cada saco plástico no chão indica abertura de três poços-teste para avaliar a
uma peça. integridade do sítio, o que resultou em
grande quantidade de peças, em especial
diminutos fragmentos de lascamento.

 Na área de potreiro do sítio Rincão dos


Lourenços, vista dos poços-teste
finalizados. Até 20cm de profundidade
apareceu material arqueológico. A seta
indica o Norte magnético.

Rincão das Aduelas

Localizado em meia encosta, com forte declive, em área utilizada para plantação de
milho. O centro do sítio foi alterado pela construção de uma estrada interna. Solo
juncado de blocos de basalto em variados estados de decomposição. É possível
encontrar blocos rochosos de basalto sadio, próprio para o lascamento, como
indicado inclusive pela presença de artefatos arqueológicos produzidos sobre esta

107
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
mesma matéria-prima.

Realizamos um percorrimento sistemático do terreno. Foi notado, principalmente nas


partes mais altas do terreno, onde o afloramento rochoso está mais exposto,
concentrações de pedras lascadas recentemente, possivelmente para retirada de
material para construções de taipas, não se tratando de artefatos arqueológicos.

Poucas peças realmente arqueológicas foram encontradas (cerca de 10). Foi


instalada uma estação topográfica para coleta do material, no ponto 0485 219/6921
249. A partir dela, mais outras estações foram instaladas para coleta de artefatos
localizados em áreas mais distanciadas ou com forte inclinação.

Em uma área mais baixa em relação ao local de maior concentração de peças,


encontramos três peças talhadas em ambas faces (bifaces) confeccionados em
basalto, espalhados por uma superfície de 100X100 metros. Estes foram coletados
com auxílio do GPS.

Em outra ocasião, quando ainda realizávamos o salvamento do canteiro de obras da


UHE Barra Grande, um morador do local nos doou uma mão de pilão lítica, que foi
localizada nas imediações deste sítio. Nenhuma outra área de ocorrência de
artefatos arqueológicos foi constatada no local denominado Rincão das Aduelas.

Vista geral da área onde se situa o sítio Amostra de blocos de basalto com
arqueológico Rincão das Aduelas. lascamento recente encontrados em
algumas áreas específicas do sítio.

108
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Fazendo a coleta do material arqueológico Em áreas afastadas e com baixíssima


com auxílio de nível topográfico no sítio densidade de peças no sítio Rincão das
Rincão das Aduelas. Aduelas, foi utilizado o GPS para a coleta
de material.

Guabiju 1 – RS-PE-22

Sítio lito-cerâmico, localizado em pequeno patamar plano, entre os arroios Guabiju e


do Tigre e o próprio rio Pelotas. Foi trabalhado por Pedro Augusto Mentz Ribeiro em
1984, quando foram coletados 119 fragmentos cerâmicos e algumas peças líticas
em superfície. Nenhuma intervenção no subsolo foi realizada naquele momento
(Ribeiro et all, 1985).

Uma vez que este sítio apresentava densa cobertura vegetal, impossibilitando assim
a visualização da distribuição dos vestígios em superfície e, desta forma, a própria
delimitação do sítio, elaboramos uma estratégia amostral que cobrisse toda área a
ser investigada, a fim de elegermos as áreas que nos dariam mais informações
sobre a estrutura do assentamento. Esta estratégia se deu através da abertura de
poços-teste em distâncias regulares, de 5 a 7 metros, com os quais poderíamos
conhecer as densidades e profundidade de deposição de artefatos arqueológicos,
em um procedimento recomendado por Winter (1976).

O acesso ao local se dá por uma trilha no mato com mais de 1Km de extensão (não
havendo acesso de carro). Montamos um acampamento junto ao mato, praticamente
sobre área do sítio. Durante a abertura de valas de drenagem para montagem das
barracas encontramos um fragmento cerâmico. Outras duas peças líticas foram

109
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
encontradas em superfície, no meio de uma trilha aberta por animais.

Inicialmente montamos uma estação topográfica no centro da área a ser investigada


(local entre a mata existente e a antiga casa, onde Mentz Ribeiro localizou o
material), no ponto 0500009/6906818 (datum SAD 69), numa altitude de 600 metros.
A partir desta estação, foram tomadas medidas do sítio para elaboração de um
croqui plani-altimétrico, e realizadas as marcações de cinco quadrículas (1X1m) de
teste. Todas elas foram demarcadas segundo uma malha imaginária orientada para
o norte, e denominadas de acordo com sua distância ao ponto zero (100/100).
Assim, foram chamadas de 100/100 (no centro da área); 106/100 (a norte a 5
metros); 99/93 (a oeste a 6 metros); 93/100 (a sul e a 6 metros); e 100/109 (a leste e
a 8 metros).

Sítio RS-PE-22, realizando medidas com Sítio RS-PE-22, limpeza do terreno para
estação topográfica. instalação dos primeiros poços-teste.

Sítio RS-PE-22, instalando primeiros Sítio RS-PE-22, início das escavações dos
poços-teste com auxilio da estação poços-teste. Em primeiro plano a
topográfica. quadrícula 106/100.

110
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
O primeiro poço-teste, 100/100, apresentou as seguintes características: De 0 a
10cm, a textura do sedimento é argilo-arenosa, friável, contendo alguns grânulos de
carvão, às vezes formando aglomerados, parecendo ser resultado de queimadas
recentes, possivelmente para preparo da horta. Até os 5cm aparece lixo recente
(vidro, tecidos, borracha, etc). Abaixo de 5cm e até 15cm evidenciamos o
aparecimento de artefatos indígenas, principalmente cerâmica (8 fragmentos) e
peças líticas (18 peças, principalmente de lascamento em calcedônia). A partir de
10cm o sedimento muda para uma textura mais argilosa. De 15 a 20cm o material
arqueológico escasseia até que a quadrícula se torna estéril antes dos 20cm de
profundidade.

O segundo poço-teste, 106/100, apresentou as seguintes características: De 0 a


10cm a camada é argilo-arenosa, compacta, contendo raízes, fragmentos de carvão
e basalto decomposto. Nos primeiros 5cm apareceu também material recente
(tecidos, pregos, etc). Os artefatos indígenas se concentram entre 5 e 10cm de
profundidade. Foram localizados 18 fragmentos cerâmicos (todos eles muito
fragmentados, por isto o alto número de peças) e 1 artefato lítico. De 10 a 20cm a
quadrícula torna-se arqueologicamente estéril. Ao delimitarmos as fundações da
casa que havia antes no local, constatamos que esta quadrícula foi colocada
justamente aonde deveria ser a parede, explicando assim o estado totalmente
fragmentado da cerâmica neste local.

O poço-teste 99/93 apresentou as seguintes características: sedimento com textura


argilosa, compacta, contendo fragmentos naturais de basalto e quartzo, e pouco
carvão. O material arqueológico se concentrava entre 5 e 15cm de profundidade,
sendo principalmente formado por fragmentos cerâmicos (12 peças) e lítico (18
peças). Abaixo dos 15cm a quadrícula torna-se estéril do ponto de vista
arqueológico. Foi notada uma perturbação de raiz no canto sudoeste da quadrícula,
que fragmentou muito a cerâmica que existia no local.

A quadrícula 93/100 apresentou de 0 a 10cm um sedimento de textura argilo-


arenosa, compacto, contendo raízes finas, nódulos de basalto,e calcedônia, além de
poucos carvões. O material arqueológico começa a aparecer abaixo de 3cm de

111
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profundidade, se concentrando até 15cm. Ao todo foram recolhidas 11 fragmentos
cerâmicos e 7 artefatos líticos. Foi notada uma boa preservação dos fragmentos
cerâmicos (alguns com mais de 10cm de comprimento). Abaixo dos 15cm
começamos a evidenciar o afloramento rochoso. A quadrícula foi rebaixada até
25cm, tendo se tornado arqueologicamente estéril aos 15cm.

A quadrícula 100/109 apresentou de 0 a 10cm uma textura argilo-arenosa, com


compactação baixa, contendo alguns carvões recentes e muitas raízes O material
arqueológico começou a aparecer abaixo de 5cm de profundidade, se concentrando
até os 12cm. Foram encontrados, ao todo, 8 fragmentos cerâmicos e 12 artefatos
líticos. Abaixo dos 12cm a quadrícula torna-se estéril do ponto de vista arqueológico.

Com a abertura destas primeiras quadrículas, algumas constatações puderam ser


feitas: ao norte, junto da antiga casa que havia sobre o sítio (quadrícula 106/100), o
material está muito fragmentado possivelmente pelo resultado do constante
movimento dos moradores. Na quadrícula central (100/100) e oeste (99/93) foram
encontrados muitos artefatos líticos, principalmente relacionados ao trabalho de
debitagem de peças, indicando ser aí uma área de concentração destas evidencias.
Podemos adiantar que nenhuma outra quadrícula aberta no sítio forneceu
quantidade comparável de material lítico. Nas quadrículas Sul (93/100) e Leste
(100/109) foram encontrada quantidades razoáveis de fragmentos cerâmicos, e em
ambas eles se apresentam em bom estado de preservação.

Com o objetivo de confirmar e refinar estas observações seguimos a amostragem da


área. Instalando outras quadrículas entre a área central e norte e a área leste do
sítio para ver como se dava o contato entre elas. Assim, foram instaladas as
quadrículas 104/105 e 100/105 (ver croqui de localização).

A quadrícula 104/105 apresentou as seguintes características: De 0 a 10cm o


sedimento se mostrou argiloso, com média compactação, contendo raízes, blocos de
basalto e fragmentos de quartzo natural. De 0 a 5cm foram encontrados materiais
recentes (vidro, tecidos, plástico), misturado com muitas sementes de pêssego ( a
quadrícula esta debaixo de um pessegueiro). Abaixo dos 5cm começa a aparecer

112
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material arqueológico, seguindo até cerca de 15cm. Foram encontrados ao todo 7
fragmentos cerâmicos (a maior parte bem fragmentado), e 5 artefatos líticos. De 15
a 20cm a quadrícula se mostrou estéril do ponto de vista arqueológico.

Na quadrícula 100/105 a camada tinha textura argilo-arenosa, compacta, contendo


fragmentos naturais de quartzo, basalto em decomposição e poucos carvões. De 0 a
5cm a quadrícula apresentou material recente(borracha, tecidos). O material
arqueológico foi encontrado de 5 a 15cm, contendo fragmentos cerâmicos (6 peças,
a maioria em bom estado de preservação) e líticos (5 peças, a maioria relacionada à
debitagem de um núcleo de quartzo hialino). Abaixo dos 10cm de profundidade a
camada se torna mais friável, e abaixo de 15cm o material arqueológico desaparece,
a medida que vão surgindo rochas do afloramento.

Com estas quadrículas conseguimos confirmar que ao norte a camada arqueológica


está muito perturbada pelas atividades da casa que havia no sítio (maior presença
de material recente e estado fragmentado da cerâmica na quadrícula 104/105), bem
como conseguimos visualizar, na quadrícula 100/105, uma transição de uma área
com maior presença de lítico (a oeste) para outra onde há uma presença expressiva
de artefatos cerâmicos bem conservados (a leste).

Partimos então para testar os limites do sítio arqueológico, com a abertura de


quadrículas em pontos extremos. Uma primeira foi aberta no canto sudoeste da área
(quadrícula 93/93), enquanto uma segunda e uma terceira foram abertas junto do
mato, a nordeste e leste da área (quadrículas 104/110 e 101/113).

A primeira quadrícula, denominada 93/93 apresentou uma camada argilo-arenosa,


compacta, contendo raízes e pouco carvão. Antes dos 10cm de profundidade a
quadrícula foi interrompida, pois encontramos o afloramento rochoso. Apenas dois
fragmentos cerâmicos e um artefato lítico foram encontrados.

A quadrícula 104/110 apresentou textura argilo-arenosa, compacta, contendo raízes


e pouco carvão. Nos primeiros 5cm foram encontrados muitos caroços de pêssego.
De 5 a 10cm foram encontrados 4 fragmentos de cerâmica, bem conservados.

113
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Abaixo dos 10cm e até 20cm a quadrícula torna-se estéril do ponto de vista
arqueológico.

A quadrícula 101/113 apresentou um sedimento argilo-arenoso, compacto, contendo


muitas raízes e poucos nódulos de basalto e calcedônia. O material arqueológico se
concentrou entre 3 e 7cm de profundidade, tendo sido encontrados 7 fragmentos
cerâmicos (a maior parte bem fragmentado) e 1 artefato lítico. De 10 a 20cm o
sedimento se torna argilo-arenoso, mais friável e estéril do ponto de vista
arqueológico.

Seguimos tentando identificar o limite do sítio, abrindo outras quadrículas ao sul. A


primeira quadrícula aberta (93/106) apresentou sedimento com textura argilosa,
compacta, contendo pequenos carvões e poucas raízes. Foi a quadrícula mais fértil
do ponto de vista arqueológico em todo o sítio. Ao todo foram encontrados 27
fragmentos de cerâmica bem conservados (alguns com mais de 10cm de
comprimento), e muitos pertencentes a um mesmo vasilhame, sendo perfeitamente
remontável em laboratório. Foram também encontrados 4 artefatos líticos. O material
arqueológico está concentrado entre 3 e 11cm de profundidade. Abaixo disto, e até
20cm, mais nada foi encontrado. Esta quadrícula, assim, confirmou a tendência das
quadrículas 93/100 e 100/109 de presença de quantidade maior de artefatos
cerâmicos com boa conservação.

Na quadrícula 89/101 o sedimento se mostrou argilo-arenoso, compacto, contendo


pequenos grânulos de carvão e tocos de raízes apodrecidas. O pouco material
arqueológico encontrado (2 fragmentos cerâmicos) saiu do nível 5 a 10cm. De 10 a
20cm a quadrícula se torna completamente estéril do ponto de vista arqueológico,
quando então começa a surgir grandes blocos do afloramento rochoso.

Na quadrícula 89/106 o sedimento se mostrou argilo-arenoso, compacto, contendo


alguns nódulos de basalto e quartzo. O pouco material arqueológico (3 fragmentos
cerâmicos e 2 artefatos líticos) foi encontrado entre 5 e 10cm de profundidade.

Com a abertura destas duas quadrículas conseguimos o limite sul da concentração

114
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no sítio arqueológico.

Sítio RS-PE-22, escavação dos poços- Sítio RS-PE-22, escavação das quadrículas
teste. Em primeiro plano a quadrícula 100/109 (à direita) e 100/105 (à esquerda).
100/109. Ao fundo a quadrícula 100/100.

Detalhe da escavação da quadrícula Escavação da quadrícula 100/105. Ao


93/100, quando começam a aparecer os fundo está a quadrícula 100/109 (finalizada)
primeiros blocos do afloramento rochoso. e 104/110 (sendo escavada).

Vista geral das escavações. Área das quadrículas 104/110 (esquerda) e


100/109 (direita).

115
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Vista geral das escavações. Em primeiro Sítio RS-PE-22, tomando medidas das
plano a quadrícula 89/101 sendo escavada. quadrículas finalizadas.

Com isso, ao final das duas primeiras etapas de trabalho de campo já havíamos
conseguido resgatar sete dos oito sítios líticos superficiais e ainda obter uma boa
amostragem da variabilidade do material arqueológico ao longo do sítio RS-PE-22,
delimitando sua concentração identificando uma área para concentrar a escavação.

RELATO DO TÉRMINO DAS ATIVIDADES DE CAMPO

Entre o final de Novembro e as primeiras semanas do mês de Dezembro de 2003, a


equipe do Núcleo de Pesquisa Arqueológica da UFRGS voltou a campo para realizar
as últimas etapas do trabalho de salvamento dos sítios arqueológicos identificados
na área atingida pelo alagamento da usina. Neste período, o trabalho esteve dirigido
para a continuação da escavação no sítio RS-PE-22 (Guabiju 1) e a coleta de
material no sítio Agência.

Segue a descrição do trabalho realizado em cada um destes sítios.

Sítio arqueológico Agência

O sítio arqueológico denominado Agência é um sítio lítico superficial, localizado em


patamar relativamente plano, próximo à calha do rio Pelotas, entre este e um
pequeno afluente. O acesso até ele é precário, sendo feito através de uma trilha
dentro da mata secundária que predomina na área, com declive acentuado.

116
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Atualmente, no local do sítio utilizam a área para plantio de milho e feijão, sem uso
de arado mecanizado.

Na visita anterior a este sítio, de reconhecimento e planejamento de estratégias,


observou-se que o material arqueológico era muito escasso. Nesta visita para
realizar seu salvamento, buscou-se ampliar a área observada da outra vez a fim de
certificar-nos da baixa densidade de evidências arqueológicas.

Assim, foi realizado um caminhamento sistemático de toda a área lavrada no entorno


do sítio, que está atualmente contornado por mata secundária. Este caminhamento
foi feito com três pessoas distantes entre si não mais do que 5m, o que variava de
acordo com as condições de visibilidade do terreno.

Após uma prospecção intensiva por vestígios, apenas seis peças foram
encontradas, reforçando nossa observação inicial sobre a escassez de material
arqueológico neste sítio. Devido a essa baixa concentração das peças e ao diminuto
número de evidências, optamos por coletá-las com referenciamento por GPS. Assim,
as posições de cada evidência são as que seguem (neste caso específico, o datum
utilizado no GPS foi WGS84).

Peça Descrição Posição

01 duas lascas de basalto 0495 933/ 6912 249

02 seixo de rio quebrado 0495 973/ 6912 226

03 artefato bifacial 0495 996/ 6912 235

04 lasca de basalto 0496 006/ 6912 275

05 seixo de rio quebrado 0495 995/ 6912 217

Com a coleta deste material, o salvamento deste sítio foi encerrado.

117
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Coleta superficial sistemática no Sítio Agência 1.

Sítio arqueológico Guabiju 1 (RS-PE-22)

Retornamos ao sitio Guabiju 1 no dia 28 de Outubro de 2003.

Seguimos a abertura de quadriculas no entorno da área de maior concentração de


cerâmica (entorno da quadricula 93106). O objetivo e delimitar esta concentração e
entender sua natureza, ou seja, o que ela representa.

Foram inicialmente abertas as quadrículas 91/103, 94/109, 87/103 e 91/106.

A quadrícula 91/103 mostrou-se muito pobre em artefatos arqueológicos. Somente


foram encontrados dois fragmentos de cerâmica nos primeiros 10cm de
profundidade, mostrando que para este local a concentração já havia acabado.

A quadrícula 94/109 também se mostrou com baixa densidade de material, com


poucos artefatos líticos e cerâmicos presentes até 10cm de profundidade.

A quadrícula 87/103 comportou-se da seguinte maneira: de 0 a 3cm a camada era


húmica, seguida por outra semi compacta, contendo basalto em decomposição, com
muitas raízes, pequenos fragmentos de carvão. e 6 fragmentos cerâmicos,

118
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
concentrados nos primeiros 10cm. Aos 20cm, a camada vai ficando mais pedregosa,
a medida que se aproxima do afloramento.

A quadrícula 91/106 mostrou-se extremamente pobre em vestígios arqueológicos,


contendo 3 pequenos fragmentos cerâmicos e 1 lítico, concentrados nos primeiros
10cm.

A seguir, abrimos as quadrículas 94/105, 92/105 e 93/104.

Na quadrícula 94/105 localizamos um dos limites da concentração de artefatos,


localizado no canto sudeste da quadrícula, contendo fragmentos muitos e bem
conservados fragmentos cerâmicos. Para noroeste a densidade baixa
significantemente. Após os 10cm de profundidade o material escasseia, sendo
substituído por fragmentos de basalto oriundos do afloramento.

Na quadrícula 92/105 também localizamos a concentração. Alguns fragmentos


cerâmicos são perfeitamente remontáveis em uma única peça. Após 10cm, o
material se torna novamente escasso, aparecendo o afloramento de basalto.

Na quadrícula 93/104 localizamos o limite leste da concentração, com grandes e


remontáveis peças concentradas na porção oeste da quadricula.

Esta etapa se encerrou no dia 1 de Novembro de 2003.

Voltamos novamente para o sítio Guabiju 1 no dia 3 de Dezembro de 2003.

Como já havíamos delimitado os limites norte, sul e oeste da concentração,


procedemos a decapagem em área ampla do local, a fim de verificarmos zonas de
atividade nesta concentração. Assim, delimitamos uma área de 5 X 4 metros para
escavação total, tendo como centro a quadrícula 92/106. A escavação se deu por
níveis artificiais de 10cm. Antes da abertura das quadrículas tomamos medidas de
altura com teodolito dos seus quatro cantos.

A estratigrafia comportou-se da mesma maneira que nas demais quadrículas


escavadas, ou seja: de 0 a 10cm, a textura do sedimento é argilo-arenosa, friável,

119
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
contendo alguns grânulos de carvão Abaixo de 5cm e até 15cm evidenciamos o
aparecimento de artefatos indígenas, principalmente cerâmica e peças líticas. A
partir de 10cm, o sedimento muda para uma textura mais argilosa, começando a
aparecer mais rochas procedentes do afloramento. De 15 a 20cm o material
arqueológico escasseia até que as quadrículas se tornam estéril antes dos 20cm de
profundidade.

A escavação colocou a descoberto uma concentração de artefatos perfeitamente


delimitada, com um diâmetro de 4 metros. Nos seus limites, os artefatos cerâmicos
estão mais agrupados e intactos. No centro foram encontradas poucas peças, onde
também notamos uma ausência da grande quantidade de rochas que estão no
entorno da concentração (limpeza do local). No limite leste da concentração,
localizamos uma vasilha cerâmica inteira fragmentada in situ, associada a um
pequeno machado polido. No limite sul da concentração, junto às quadrículas
91/105, 91/107 e 92/108, encontramos manchas escuras no solo, com forma
aproximadamente circular que apareceram aos 10cm de profundidade, continuando
até os 20cm, quando ainda se aprofundam 3cm no solo. Tudo indica serem
negativos de postes, possivelmente para sustentação de um telheiro de madeira e
palha.

Com estas indicações em mãos, é possível interpretar esta concentração como uma
pequena choça de palha indígena, como as indicadas na bibliografia para os grupos
ceramistas do planalto (Schmitz & Becker, 1991), como sítios de acampamento nas
matas de galeria do rio Pelotas. Esta choça seria pequena (4 metros de diâmetro),
abrigando possivelmente uma família nuclear. Nela foram encontradas vasilhas
inteiras indicando que não só era o local de descanso dos indígenas, mas era
também abrigo para seus pertences. A pequena espessura dos postes do telhado,
aliada a pouca profundidade da camada arqueológica, sustenta a hipótese de ser
apenas um acampamento, não um local de moradia permanente.

Após terminarmos a escavação em área ampla, e dado que nenhuma outra área do
sitio indicou outras concentrações de artefatos como a escavada, encerramos os

120
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
trabalhos no sitio Guabiju.

Abertura de poços-teste no sítio RS-PE-22. Escavação em área ampla na concentração


de material cerâmico do sítio RS-PE-22.

Escavação e demarcação de novas Na área onde foram concentrados os


quadrículas na concentração de cerâmica trabalhos no sítio RS-PE-22, equipe
do sítio RS-PE-22 escava uma grande concentração
cerâmica.

Vista da concetração cerâmica na Vista geral da área escavada, situando


primeira quadrícula em que aparecereu quadrícula 92/107 (com seta do norte),
(92/107). A seta indica o norte (20cm de onde foi encontrada uma grande
comprimento). concentração cerâmica.

121
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Na quadrícula 93/107 segue a Ao final da escavação, vista geral da área


concentração cerâmica (toda ela aberta, com amplo afloramento de
localizada entre 5 e 20cm de basalto evidenciado. Seta indica Norte
produndidade. Seta indica Norte (20cm (20cm de comprimento).
de comprimento).

 Outra vista do resultado ao fim da


escavação. Note alguns vazios no
afloramento. Seta indica Norte (20cm de
comprimento).

122
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

TRABALHOS DESENVOLVIDOS EM LABORATÓRIO

Todos os artefatos cerâmicos e líticos dos sítios foram lavados com água e, após a
secagem, numerados com tinta nanquim. Cada peça foi individualmente numerada,
segundo o sítio, a posição geográfica da coleta (quadrícula), o nível estratigráfico e o
número dentro da unidade mínima da escavação (plotagem). Foi realizada a
contagem e classificação da natureza do material, segundo os seus aspectos
morfológicos, por níveis estratigráficos de cada unidade escavada. Este
procedimento permitiu uma melhor caracterização da densidade e distribuição
espacial dos sítios trabalhados, guiando estratégias amostrais para seleção de
unidades a serem analisadas detalhadamente em laboratório.

Algumas bordas e elementos decorativos da cerâmica e dos artefatos líticos


representativos foram desenhados, sendo que uma amostra destas peças foi
escaneada com a finalidade de ilustrar o presente relatório.

Com o objetivo de sistematizar os dados provenientes das análises e de facilitar o


processamento por meio da informática, foram elaboradas fichas analíticas
específicas sobre os aspectos tecnológicos e morfológicos dos artefatos cerâmicos e
líticos. Foram criados diversos bancos de dados sobre os aspectos quantitativos e
qualitativos do material arqueológico, empregando-se o programa Excel .

OS ARTEFATOS LÍTICOS

Orientação teórica-metodológica adotada para a análise do material lítico

O material lítico recuperado pelo projeto, em sua maior parte lascado, foi analisado
parcialmente de acordo com uma proposta metodológica baseada amplamente em
Andrefski (1998). Este autor, ao fazer um balanço dos principais atributos utilizados
na análise de material lítico, apresenta os aspectos positivos e negativos de cada

123
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
um, possibilitando a cada pesquisador uma escolha mais de acordo com seus
problemas e limitações.

A lista de atributos dos artefatos que foi elaborada para a presente análise busca
oferecer dados para discutir duas questões principais sobre os sítios arqueológicos
resgatados: (1) a função do sítio e (2) o grau de sedentarismo dos grupos
assentados. Para tanto, foram selecionados aqueles atributos apresentados por
Andrefski (1998) que permitissem o mapeamento de atividades realizadas em cada
sítio e que tivessem maior capacidade de replicabilidade entre diferentes
pesquisadores, tornando os resultados mais confiáveis e mais aptos para
comparações com outros trabalhos.

A análise segue uma proposta tecno-tipológica (tipologia feita sobre características


tecnológicas), em que se busca identificar o processo produtivo das peças, desde a
coleta da matéria-prima até acabamentos mais minuciosos de alguns instrumentos.
Este processo é dividido para fins analíticos em estágios que caracterizam a cadeia
operatória de manufatura das peças. A identificação destes estágios dentro de cada
indústria lítica é importante para a definição de padrões que a caracterizem, uma vez
que produtos muito semelhantes podem ser produzidos de forma muito distinta.
Assim, o processo produtivo - a escolha por determinada cadeia operatória - é um
indicador mais significativo sobre características específicas de cada indústria do
que as peças acabadas. É nesse sentido que Andrefski (1998) ressalta a
importância de trabalhar com toda a coleção de material arqueológico, e não apenas
com uma pequena parcela (usualmente os instrumentos acabados).

Assim, a análise desenvolvida foi aplicada a todos os vestígios resgatados, que


foram estudados individualmente de acordo com uma das cinco fichas de atributos,
que foram separadas em (1) debitagem, (2) núcleos, (3) instrumentos sobre lasca,
(4) instrumentos sobre núcleo e (5) instrumentos brutos, polidos e picoteados. Além
de medidas métricas de todas peças, também foram observados a quantidade e o
tipo de córtex presente, a quantidade de cicatrizes aparentes, o tipo de suporte
utilizado na produção dos instrumentos e outros atributos específicos para cada um
destes tipos gerais. Para as duas categorias de instrumentos lascados (sobre núcleo

124
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
e sobre lasca), foi utilizada também uma listagem de tipo morfológico baseada no
Guia para o estudo das indústrias líticas da América do Sul (Laming-Emperaire
1967). Esta teve o objetivo de identificar a existência ou não de formas
padronizadas, não significando, no entanto, uma ligação direta entre estas formas e
as funções por elas exercidas. A escolha por este tipo de denominação para a
morfologia dos instrumentos deve-se a um problema constatado em estudos
anteriores, em que a ênfase sobre descrições extremamente objetivas das peças
acabou por torná-las, dentro do banco de dados, muito homogênea. Assim,
escolhendo morfologias talvez menos objetivas, mas que oferecem uma visualização
mais concreta das peças, busca-se sanar o problema anterior, e permitir a
identificação de semelhanças e diferenças entre as coleções.

É apenas depois de feita a análise que as duas questões propostas como problema
para estas coleções podem ser endereçadas. O interesse em buscar identificar a
função dos assentamentos e o grau de sedentarismo dos mesmos está em melhor
compreender o tipo de ocupação humana com a qual estamos lidando. Coleções
líticas do planalto sul-brasileiro foram muito pouco trabalhadas, sendo o interesse
dessa área em geral voltado para as coleções cerâmicas. Assim, os sítios
arqueológicos sem presença de cerâmica, tradicionalmente classificados como
pertencentes à tradição pré-cerâmica Humaitá, tornaram-se objetos de pesquisa
periféricos. Entretanto, justamente pelo desconhecimento destas coleções, vem
sendo colocado por diferentes pesquisadores um problema quanto à possibilidade
destes sítios serem também parte do sistema de assentamento de grupos
ceramistas. Neste caso, ao invés de representarem uma ocupação pré-cerâmica,
estes sítios seriam vestígios de locais de atividades específicas de grupos
ceramistas. É nesse sentido que a análise proposta para o material resgatado busca
agir.

Seguindo Andrefski, a quantidade e a diversidade de artefatos presentes em cada


coleção são bons indicadores do tipo de assentamento. Assim, locais de atividades
específicas apresentam uma maior quantidade de instrumentos para funções
determinadas, logo têm uma menor diversidade artefatual. O inverso disso

125
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
caracterizaria assentamentos com um grau maior de sedentarismo, como por
exemplo, acampamentos residenciais. Além disso, dados relativos ao refugo da
produção dos instrumentos (debitagem) também permitem identificar locais de
manufatura, uso e reciclagem das peças, tornando possível o mapeamento de áreas
de atividades internas aos sítios.

É desta forma que a análise dessas coleções, ao problematizar o tipo de


assentamento em que foram resgatadas as peças, busca entender que tipo de
ocupação humana afinal produziu estes sítios: se de fato são grupos não portadores
de cerâmica, possivelmente adeptos de um modo de vida caçador-coletor, ou são os
próprios grupos ceramistas em locais de atividades específicas, onde seu
instrumentário apoia-se em material lítico. Acredita-se, com isso, ser possível
clarear, ao menos para esta região, o problema que tem sido colocado sobre a
tradição Humaitá.

Os atributos selecionados encontram-se na lista colocada em anexo (anexo II).

Resultados da análise do material lítico

Sítio Arqueológico Cerro Alegre

A coleção que compõe este sítio compreende 63 peças líticas, as quais, a partir da
análise tecno-tipológica, foram classificadas segundo a tecnologia de produção
empregada. De acordo com as principais categorias de análise, a coleção demonstra
uma clara divisão das peças entre debitagem e instrumentos, ou seja, 43% da
coleção está relacionada a produtos de debitagem e núcleos enquanto, 57%
corresponde a instrumentos.

A matéria-prima utilizada é o basalto (100%), sendo este proveniente de


principalmente de afloramentos rochosos (71%), porém, detectamos também o uso
de seixos de rio (8%). Estas características indicam um aproveitamento de matéria-
prima local, provavelmente obtida na área do sítio, repleta de afloramentos
basálticos e próxima ao arroio Pedra Oveira. A técnica de debitagem empregada no

126
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
lascamento destas rochas corresponde essencialmente à unipolar, resultando em
núcleos com mais de uma plataforma de debitagem.

Composição Geral da Amostra


Cerro Alegre

2%

30% Debitagem
39% Núcleo
Instr. sobre lasca
Instr. sobre bloco

13% Artefato bruto

16%

Aproveitamento de Matéria-prima
Cerro Alegre

Basalto

100%

Em relação à presença de cobertura natural, percebe-se a predominância de peças


onde esta corresponde a menos de 25% da superfície. Entre os restos de debitagem
a ausência completa de córtex é de 32% e entre os instrumentos é de 17%. Esta
última categoria apresenta maior presença de cobertura natural, principalmente, nos
instrumentos fabricados sobre bloco.

127
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Presença de Córtex - Debitagem


Cerro Alegre

5%
16% Ausente
32%
Menos de 25%
De 49% a 25%
De 74% a 50%

47%

Suporte Original de Lascamento Presença de Córtex - Instrumentos


Cerro Alegre Cerro Alegre

Não identificado 3%
8%
21% 17% Ausente
6%
Bloco rolado de Menos de 25%
afloramento 23% De 49% a 25%
Bloco de De 74% a 50%
14% afloramento
De 99% a 75%
Seixo
57%
51%

No que concerne aos instrumentos, predominam os fabricados sobre bloco (71%),


mas também há os fabricados sobre lasca (29%). A classificação morfológica destes
apresenta uma grande variabilidade, o que pode estar indicando a ocorrência de
diversas atividades neste sítio.

Presença de Córtex - Debitagem


Cerro Alegre

5%
16% Ausente
32%
Menos de 25%
De 49% a 25%
De 74% a 50%

47%

128
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Morfologia dos Instrumentos


Cerro Alegre

Raspador terminal
3%
3% Raspador semi-circ.
26%
Lasca com
20% modificação
Talhador circular

Talhador reto
3%
6% Talhador lateral
3%
Borda de biface

Não padronizado
36%

Sítio Arqueológico Rincão das Aduelas

A coleção deste sítio é composta por 19 evidências líticas. Da mesma forma que o
sítio arqueológico Cerro Alegre, há um equilíbrio entre restos de debitagem (21%
debitagem e 32% núcleos) e instrumentos (11% sobre lasca e 36% sobre bloco).

Composição Geral da Amostra


Rincão das Aduelas

32% Debitagem
36%
Núcleo
Instr. sobre lasca
Instr. sobre bloco

11% 21%

Também aqui o basalto foi a matéria-prima primordial na produção dos artefatos,


correspondendo a 100% da amostra. A análise do suporte original de lascamento
indica uma larga utilização das rochas locais, ou seja, os afloramentos rochosos

129
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
desta região, não sendo empregado nem mesmo seixos de rio. A técnica de
lascamento unipolar foi a única em empregada na produção das peças.

Aproveitamento de Matéria-prima
Rincão das Aduelas

Basalto

100%

A cobertura cortical nos restos de debitagem é mais representativa do que no sítio


descrito anteriormente. Este dado pode estar relacionado com a produção dos
artefatos sobre bloco. Este tipo de instrumento predomina na amostra, cuja
variabilidade nas formas é relativamente menor do que o apresentado no sítio Cerro
Alegre.

Presença de Córtex - Debitagem Presença de Córtex -


Rincão das Aduelas Instrumentos
Rincão das Aduelas

17% 17%
22% 22%
Ausente Ausente
Menos de 25%
De 49% a 25% Menos de 25%
33% 33% De 74% a 50%
De 49% a 25%
56%

Suporte Original de Lascamento Tipo Tecnológico de Debitagem


Rincão das Aduelas Rincão das Aduelas
17%
Lasca unipolar
16%
Não identificado
Lasca unipolar de
16% Bloco rolado de biface
afloramento
68% Bloco de afloramento 83%

130
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Morfologia dos Instrumentos Rincão das


Aduelas

Lasca com
14% 7%
7% modificação
Talhador

Talhador reto

Talhador lateral
72%

Sítio Arqueológico Rincão dos Lourenços

A coleção lítica deste sítio arqueológico é composta por 137 peças. Desta
amostragem, 94% está relacionada a restos de lascamento, ou seja, 89% são
classificados como debitagem e 5% como núcleos. Como se percebe, este a coleção
lítica deste sítio apresenta uma configuração bem diferenciada dos apresentados
anteriormente.

Composição Geral da Amostra


Rincão dos Lourenços

1% 1%
4%
5%
Debitagem
Núcleo
Instr. sobre lasca
Instr. sobre bloco
Termófero
89%

Em relação ao aproveitamento de matéria-prima, esta distinção persiste. O sítio


Rincão dos Lourenços apresenta um uso mais diversificado de rochas, onde a
calcedônia (54%) e o quartzo (23%) aparecem como materiais preferenciais em

131
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
relação ao basalto (20%). Esta escolha por outros tipos de rocha vai se refletir
também na técnica de debitagem empregada. Assim, o uso da técnica bipolar de
lascamento parece estar ocorrendo em combinação com a debitagem unipolar
(encontramos núcleos unipolares e bipolares nesta amostra). Dos suportes
empregados no lascamento, foi percebida uma pequena predominância dos
nódulos, isto é, suportes relacionados à obtenção de calcedônia e quartzo.

Aproveitamento de Matéria-Prima
Rincão dos Lourenços

3%
20%
23% Basalto
Calcedônia
Quartzo
Outros

54%

A pouca presença de cobertura natural da rocha tanto entre os produtos de


debitagem quanto nos instrumentos também é outra característica da coleção lítica
deste sítio. No que se refere aos instrumentos, possuem pouca representatividade,
correspondendo a 5% da coleção. A principal categoria morfológica dentre estes é a
lasca com modificação, o que pode estar demonstrando um pequeno investimento
na produção de artefatos formais.

Aproveitam ento de Matéria-Prim a Presença de Córtex - Instrum entos


Rincão dos Lourenços Rincão dos Lourenços

3%
20%
23% Basalto
Calcedônia Ausente
50% 50%
Quartzo Menos de 25%
Outros
54%

132
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Suporte Original de Lascamento Tipo Tecnológico de Debitagem


Rincão dos Lourenços Rincão dos Lourenços

Lasca unipolar
Não identificado
16% 20%
26% Lasca bipolar
Bloco rolado de
afloramento
Fragm. de lasca
Bloco de 13%
2% afloramento
61%
Seixo de rio 31% Fragm. de lasca
10% bipolar
1% Nódulo 20% Detrito

Sítio Arqueológico Gramado I

A coleção deste sítio arqueológico é composta por 12 evidências líticas. Dentre elas,
11 correspondem a instrumentos fabricados sobre bloco de basalto. Dentre os
artefatos, seis (ou 55%) deles não possuem uma morfologia padronizada, estando
os demais divididos entre talhadores e um chopper.

Morfologia dos Instrumentos


Gramado 1

9% Tallhador circ
9% Tallhador curvo
55% 18% Talhador reto
Chopper
9% Não padronizado

Observando-se a categoria “estágio de redução” para artefatos sobre bloco,


percebemos uma baixa intensidade de investimento na formatação e redução dos
instrumentos: 64% correspondem a instrumentos que não possuem as laterais
completamente trabalhadas, 27% referem-se a peças cujas laterais estão
trabalhadas porém com córtex presente e 9% (uma peça) possuem córtex removido
porém laterais não refinadas.

133
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Suporte Original Estágio de Redução dos Instrum entos


Gramado 1 Gram ado 1

9%
9% Não identificado
27%
Bloco rolado Estágio 1
27%
Estágio 2
37% Bloco de 64%
Afloramento Estágio 3
27% Seixo

Sítio Arqueológico Gramado II

O material arqueológico deste sítio corresponde a um resíduo de debitagem bipolar


sobre calcedônia.

Sítio Arqueológico Gramado III

O material arqueológico correspondente a este sítio é um instrumento sobre bloco de


basalto lascado bifacialmente, morfologicamente, classificado como talhador reto.
Assim como os artefatos resgatados no sítio Gramado I, este apresenta um baixo
grau de redução, ou seja, margens laterais trabalhadas porém, com presença de
córtex.

Sítio Arqueológico Entre Gramados

A coleção arqueológica deste sítio corresponde a duas peças. Uma lasca unipolar
de basalto e um instrumento bifacial lascado sobre seixo de basalto. Este artefato foi
morfologicamente classificado como chopping tool, portanto possui baixíssimo
investimento de redução na sua produção.

Sítio Arqueológico Agência I

A coleção deste sítio corresponde a 5 peças líticas produzidas sobre basalto. Destas
peças, duas são lascas unipolares de seixos e uma é biface sobre bloco,
morfologicamente classificado como talhador reto. A baixa densidade deste sítio
pode estar indicando um local de atividade muito restrita e específica.

134
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Sítio Arqueológico RS-PE-22: Guabiju

A coleção lítica deste sítio é composta por 73 evidências relacionadas,


principalmente, a restos de debitagem (87% são debitagem e 10% são núcleos). Da
mesma forma que o sítio Rincão dos Lourenços, a amostragem apresenta um
aproveitamento maior de matérias-prima como o quartzo (46%) e calcedônia (36%)
em relação ao basalto (18%).

Com posição Geral da Am ostra Aproveitamento de Matéria-prima


RS-PE-22 RS-PE-22

10% 3% 18%

Debitagem Basalto
46%
Calcedônia
Núcleo
Quartzo
Artefato bruto 36%
87%

Este comportamento está diretamente relacionado à predominância dos nódulos


(80%) como suporte preferencial para lascamento, que parece ter conjugado as
técnicas de unipolaridade e bipolaridade. Em relação aos núcleos encontrados,
estes foram debitados a partir de percussão bipolar. Assim, pode-se pensar no uso
do espatifamento bipolar dos nódulos posterior lascamento por percussão unipolar.

Quanto à cobertura cortical, a coleção apresenta a maior parte das peças com
menos de 25% de córtex. Porém, encontramos quantidades córtex bem variadas
nesta coleção, o que deve estar indicando que boa parte dos processos de
lascamento tem início e fim na área do sítio.

Outra característica relevante da amostra apresentada então, é a ausência completa


de artefatos lascados. Isto é, os dois únicos artefatos que aparecem são seixos

135
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
provavelmente empregados como percutores. Esta informação pode estar indicando
o aproveitamento expediente das lascas sem um maior investimento na produção de
artefatos.

Presença de Córtex - Debitagem Suporte Original de Lascamento


RS-PE-22 RS-PE-22

17% Ausente
6% Não identificado
2% 25% Menos de 25% 13%
De 49% a 25% 1% Bloco de
3%
De 74% a 50% afloramento
11% Seixo
De 99% a 74%
Total 80% Nódulo
42%

Tipo Tecnológico de Debitagem Tipo de Núcleos


RS-PE-22 RS-PE-22

21% 22% Lasca unipolar


Lasca bipolar
8% Fragm. de lasca
Fragm. bipolar Núcleo Bipolar
27% Fragm. natural
22%
100%

Lasca Unipolar Percutor

136
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Bifaces sobre núcleo.

Bifaces sobre núcleo

137
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Biface sobre lasca Biface sobre núcleo

Lasca unipolar de grandes dimensões Uniface sobre seixo

138
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Micro-lascas Núcleo unipolar

OS ARTEFATOS CERÂMICOS

Orientação teórica-metodológica adotada para a análise do material cerâmico


do sítio RS-PE-22

A classificação do material foi realizada levando em conta atributos tecnológicos,


morfológicos, e funcionais de cada peça. Na escolha dos atributos e sua descrição,
levamos em conta manuais como Rye (1981), Shepard (1969), Sinopoli (1991), além
da tese de doutoramento de Wüst (1990) e Robrahn (1995).

A representação gráfica foi realizada a partir dos critérios levantados por Meggers &
Ford (1970). Em Anexo colocamos a lista dos atributos considerados na análise.

Do total dos fragmentos registrados nas quadrículas escavadas do sítio RS-PE-22


foram analisados 161cacos, sendo 129 fragmentos de corpo, 17 de base e 15
fragmentos de borda. Em Anexo está a tabela de análise cerâmica do sítio.

O antiplástico identificado em todas as peças foi a areia fina e as impurezas


observadas também em todos os cacos: hematita, quartzo, mica e feldspato.

139
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Quando foi possível identificar o método de manufatura (pelo local da fratura) este foi
o roletado anelado e o modelado. Este último está presente nas bases, outras foram
iniciadas (o centro) com argila modelada e seguidas por roletes, outras com toda a
base modelada (paredes com roletes).

A maioria dos fragmentos apresenta tratamentos das superfícies internas e externas


alisadas, muito freqüente também é a brunidura, tanto externa como interna. Outros
tipos de tratamento de superfície verificados são o pinçado vertical (uma peça),
ungulado horizontal (uma peça – o ungulado apresenta-se em faixa, o resto da
superfície da vasilha possui tratamento alisado), inciso losangulado (duas peças).

Todas as bases possuem forma côncava, a não ser uma cuja forma não foi
identificada.

Os cinco tipos de queima da tabela de análise cerâmica foram encontrados nos


fragmentos analisados.

Quatorze (14) fragmentos possuem fuligem (3 são bases e o resto constituem-se de


fragmentos de parede); nove (9) possuem restos de alimentação carbonizados no
interior (3 bases, o resto em paredes) e um (1) fragmento possui gordura interna
(este também com fuligem externa).

As formas que conseguimos reconstituir encontram-se a seguir.

140
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

141
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

142
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

143
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO I: PLANTAS E CROQUI DOS SÍTIOS RESGATADOS

144
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Cerro Alegre 1 e 2

145
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Gramado 1, 2 e 3

146
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Rincão dos Lourenços

147
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Rincão das Aduelas

148
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Guabiju - RS-PE-22 (guabiju a)

149
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Guabiju - RS-PE-22 (guabiju b)

150
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Guabiju - RS-PE-22 (guabiju c)

151
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

TOPOGRAFIA DO SÍTIO RS-PE-22

CURVAS DE NÍVEL DE 50 EM 50CM


curvas de nivel de 50 em 50 cm

835.00

830.00

825.00

820.00

815.00

810.00

-5.00 0.00 5.00 10.00 15.00 20.00 25.00

0.00 5.00 10.00 15.00 20.00

152
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

DENSIDADE DA CERÂMICA NAS QUADRÍCULAS ESCAVADAS

SÍTIO RS-PE-22

24.00

22.00 24.00

22.00
20.00 20.00

18.00
18.00
16.00

14.00
16.00
12.00

10.00
14.00
8.00

12.00 6.00

4.00

10.00 2.00

0.00
8.00

2.00 4.00 6.00 8.00 10.00 12.00 14.00 16.00 18.00 20.00 22.00

0.00 5.00 10.00 15.00 20.00

153
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

DENSIDADE DO LÍTICO NAS QUADRÍCULAS ESCAVADAS

SÍTIO RS-PE-22
Sítio RS-PE-22

24.00

17.00
22.00
16.00
15.00
14.00
20.00
13.00
12.00
11.00
18.00
10.00
9.00
8.00
16.00
7.00
6.00
5.00
14.00
4.00
3.00
2.00
12.00
1.00
0.00
-1.00
10.00
-2.00
-3.00
8.00

2.00 4.00 6.00 8.00 10.00 12.00 14.00 16.00 18.00 20.00 22.00

0.00 5.00 10.00 15.00 20.00

154
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

DISTRIBUIÇÃO DAS QUADRÍCULAS ESCAVADAS

SÍTIO RS-PE-22

106/100

104/105 104/110

101/113
100/100 100/105 100/109
99/93

Nm
93/93 93/100 93/106

89/101 89/106

155
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Agência 1 a

156
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

Agência 1 b

157
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO II: LISTA DE ANÁLISE CERÂMICA

158
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Lista de análise

159
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO III: LISTA DE ANÁLISE LÍTICA

160
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Lista de análise p. 1

161
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Lista de análise p. 2

162
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Lista de análise p. 3

163
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

ANEXO IV: TABELAS DE ANÁLISE DO MATERIAL LÍTICO E CERÂMICO

164
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Cerro Alegre p. 1

165
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Cerro Alegre p. 2

166
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Cerro Alegre p. 3

167
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Cerro Alegre p. 4

168
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão das aduelas p. 1

169
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão das aduelas p. 2

170
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p.1

171
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 2

172
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 3

173
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 4

174
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 5

175
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 6

176
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 7

177
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Rincão dos Lourenços p. 8

178
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Gramados p. 1

179
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Gramados p. 2

180
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
RS-PE-22 p. 1

181
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
RS-PE-22 p. 2

182
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
RS-PE-22 p. 3

183
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
RS-PE-22 p. 4

184
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 1

185
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 2

186
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 3

187
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 4

188
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 5

189
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 6

190
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 7

191
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Tabela cerâmica p. 8

192
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os vestígios arqueológicos resgatados na área do reservatório da UHE Barra


Grande foram muito menos numerosos e diversificados do que os resgatados na
área do canteiro: enquanto nesse foram recuperadas milhares de peças, naquele
foram apenas algumas centenas.

Esse fato muito provavelmente deve-se às características topográficas íngremes da


área de inundação do empreendimento, pouco favoráveis à implantação de
assentamentos mais estáveis. O que se recuperou foram vestígios de
assentamentos pouco densos e de curta duração, provavelmente dedicados a
atividades restritas.

Os sítios arqueológicos registrados foram essencialmente líticos, tendo sido


resgatado apenas um sítio cerâmico, na margem esquerda do reservatório (Sítio
Guabiju).

Além disso, registrou-se a presença de maior número de sítios também na margem


esquerda, a saber:

Nome Categoria1 Material Margem


Cerro Alegre Sítio Lítico lascado Esquerda
Rincão das Aduelas Sítio Lítico lascado Esquerda
Rincão dos Lourenços Sítio Lítico lascado Esquerda
Gramado I Sítio Lítico lascado Esquerda
Gramado II Ocorrência Lítico lascado Esquerda
Gramado III Ocorrência Lítico lascado Esquerda
Entre Gramados Ocorrência Lítico lascado Esquerda
Agência I Ocorrência Lítico lascado Esquerda

1 Foram consideradas ocorrências arqueológicas os locais onde o número de peças resgatadas foi
inferior a 10.
193
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
Guabiju Sítio Cerâmico e lítico Esquerda
Armínio Frigotto Sítio Lítico lascado Direita

O quadro abaixo permite uma visão mais abrangente e comparativa do material


recuperado nos sítios e ocorrências líticos.

Total
Sítio/ Suporte dos
Debitagem Instrumento Técnica Matéria Prima de
ocorrência Instrumentos
peças
71% Bloco
Cerro Alegre 43% 57% Unipolar 100% basalto 63
29% Lasca

Rincão das 77% Bloco


53% 47% Unipolar 100% basalto 19
Aduelas 23% Lasca

61% não
54% calcedônia
identificado
Rincão dos Unipolar 23% quartzo
94% 6% 11% Bloco 137
Lourenços e bipolar 20% basalto
2% Seixo
3% outros
26% Nódulo
9% não
identificado
Gramado I 8% 92% Unipolar 100% basalto 12
64% Bloco
27% Seixo
100%
Gramado II* 100% - Bipolar - 01
calcedônia

Gramado III* - 100% Unipolar 100% basalto 100% Bloco 01

Entre
50% 50% Unipolar 100% basalto 100%bloco 02
Gramados**

50% Bloco
Agência I Unipolar 100% basalto 05
20% 80% 50% Seixo
80% nódulos
46% quartzo 6% não
RS-PE-22 Unipolar
97% 3% 36% calcedônia identificado 73
Guabiju e bipolar
18% basalto 13% Bloco
1% Seixo
73% Bloco
Armínio Unipolar 65% basalto
78% 22% 18% Seixo 49
Frigotto e bipolar 35% calcedônia
9% Placa

No que se refere à matéria-prima empregada, é nítida a preferência pelo basalto,

194
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
seguido pela calcedônia, ambas consistindo em rochas largamente presentes na
área de estudo, não exigindo grandes deslocamentos para sua obtenção.

Para o basalto, a técnica de lascamento foi unipolar, enquanto que para a


calcedônia empregou-se a técnica bipolar. Em todos os sítios e ocorrências os
objetos sobre blocos predominaram sobre os objetos sobre lascas. O investimento
na redução da matéria-prima para produção de instrumentos foi baixo. As lascas
também apresentam poucos indícios de modificação, constituindo, essencialmente,
lascas de preparação.

Embora à primeira vista esses sítios e ocorrências pudessem ser atribuídos à


Tradição pré-ceramista Humaitá, de acordo com a bibliografia tradicional, a hipótese
defendida no presente estudo, quando se pensa a área pesquisada como um todo
(canteiro e reservatório) é que se trata de sítios e ocorrências ligados à tradição
ceramista Taquara (termo que agrupa, no Sul do Brasil, os antepassados dos índios
kaingang historicamente registrados), para o que corroboram as características
tecnológicas e tipológicas da indústria lítica recuperada tanto nos sítios líticos quanto
nos cerâmicos, que são indiscutivelmente similares.

Contrariamente à complexidade arqueológica registrada na área do canteiro de


obras da UHE Barra Grande, os sítios e ocorrências arqueológicos resgatados no
reservatório são mais simples e pouco densos, indicando permanência nos locais
identificados de um número pequeno de pessoas, por um curto espaço de tempo,
para realização de atividades restritas.

Fazem, no entanto, parte do sistema mais amplo de assentamento registrado no


relatório final do resgate no canteiro de obras (Caldarelli, 2003), o qual compreende
sítios funcionalmente diversificados: cerimoniais, de atividades específicas e
residenciais. Os sítios residenciais diferenciam-se, por sua vez, entre unidades
domésticas escavadas e protegidas para o período do inverno e unidades
domésticas menos elaboradas para o período do verão. As estruturas arqueológicas
mais próximas do Rio Pelotas (como as registradas no reservatório) parecem ter
sido voltadas a atividades restritas, de curta duração, enquanto que as estruturas

195
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL
residenciais de duração mais longa e maior densidade demográfica foram
implantadas mais afastadas do rio.

196
BAESA SCIENTIA AMBIENTAL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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197
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