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III CURSO DE ESPELEOLOGIA

E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Foto: Cristiano Fernandes Ferreira

PROMOÇÃO ORGANIZAÇÃO E REALIZAÇÃO APOIO


III CURSO
DE ESPELEOLOGIA
E LICENCIAMENTO
AMBIENTAL
23 de maio a 03 de junho de 2011

PROMOÇÃO ORGANIZAÇÃO E REALIZAÇÃO APOIO


DILMA ROUSSEFF
Presidente da República

IZABELLA TEIXEIRA
Ministra de Estado de Meio Ambiente

RÔMULO JOSÉ FERNANDES BARRETO MELLO


Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

MARCELO MARCELINO DE OLIVEIRA


Diretor da Diretoria de Biodiversidade – Instituto Chico Mendes

JOCY BRANDÃO CRUZ


Chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV)

SÔNIA RIGUEIRA
Presidente do Instituto Terra Brasilis

EQUIPE TÉCNICA CECAV/ICMBIO:


Ana Lúcia de Oliveira Galvão
Cláudia do Val Vilela
Cristiano Fernandes Ferreira
Débora Campos Jansen
Issamar Meguerditchian
José Carlos Ribeiro Reino
Julio Ferreira da Costa Neto
Lindalva Ferreira Cavalcanti
Maristela Felix de Lima
Renata M. Rossato
Ricardo José Calembo Marra
Rita de Cássia Surrage de Medeiros

EQUIPE TÉCNICA INSTITUTO TERRA BRASILIS NESTE TRABALHO


Priscila Soares de Paiva Campos Moreira
Sônia Carlos Carvalho (coordenadora / organização do curso)

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade


Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV)
SCEN – Av. L-4 Norte – Trecho 02, Ed Sede do CECAV
CEP: 70818-900 – Brasília/DF
Tel. (61) 3316.1572 - fax (61) 3307.1370
http://www.icmbio.gov.br/cecav
cecav.sede@icmbio.gov.br
Apresentação 1 A apostila está dividida em dois módulos. No
Nas últimas décadas, presenciamos a expansão da primeiro, grandes nomes da espeleologia brasileira
atividade econômica no Brasil com conseqüente discutem temas fundamentais para a compreensão
aumento da pressão sobre os recursos naturais. dos ambientes cársticos: geoespeleologia, biologia
Tornou-se iminente a necessidade de um aparato subterrânea, espeleometria e avaliação de impac-
legal para garantir a proteção do patrimônio espe- tos ambientais; já o segundo módulo aborda a es-
leológico nacional, bem como normatizar seu uso. peleologia aplicada ao processo de licenciamento
Desde que a Constituição Federal de 1988, em seu ambiental. Nele, técnicos do Cecav abordam desde
Art. 20, inciso X, instituiu que as cavidades naturais o histórico da espeleologia, a partir de Peter Lund,
subterrâneas são bens da união, uma série de atos até a legislação atual, com a publicação da Instrução
legais foram editados pelo poder público visando Normativa 02/2009 do Ministério do Meio Ambien-
ordenar as atividades potencialmente impactantes te, que estabelece a metodologia de classiicação
ao patrimônio espeleológico do Brasil. do grau de relevância de cavidades naturais subter-
Considerando a necessidade de aprimorar os râneas e cria regras para o licenciamento ambien-
instrumentos de gestão ambiental do patrimônio tal dos empreendimentos e atividades localizados
espeleológico no sistema de licenciamento am- em área de ocorrência de cavernas.
biental, o Centro Nacional de Pesquisa e Conser- Acreditamos que está apostila também ser-
vação de Cavernas (CECAV), juntamente com o virá para futuras consultas e, portanto, buscamos
Instituto Terra Brasilis, realiza o I Curso de Espeleo- ilustrar os conceitos apresentados e enriquecê-la
logia e Licenciamento Ambiental do Instituto Chi- com o máximo de referências bibliográicas, tonan-
co Mendes, cujo publico alvo são os proissionais do-a um referencial e importante apoio ao técnico
de instituições pertencentes ao Sisnama responsá- quando da análise de processos de licenciamen-
veis pela análise dos processos de licenciamento to ambiental.
ambiental de atividades potencialmente poluidoras
ou degradadores de cavidades naturais subterrâne- Jocy Brandão Cruz
as, ou de sua área de inluência. Assim, buscamos Chefe do Centro Nacional de Pesquisa e
atender a diretriz do Programa Nacional de Conser- Conservação de Cavernas – CECAV
vação do Patrimônio Espeleológico (PNCPE) para
a integração de ações setoriais, por meio da des-
centralização de ações, do fortalecimento da ação
governamental, do estabelecimento de parcerias
e envolvimento dos setores interessados na imple-
mentação do Programa.
Nosso objetivo é contribuir com o fortaleci-
mento institucional para a gestão do Patrimônio Es-
peleológico (Componente 6 do PNCPE), por meio
da formação de recursos humanos e o desenvolvi-
mento da espeleologia nos órgãos ambientais com-
petentes para realizar o licenciamento ambiental
de tais empreendimentos e atividades, conforme
a legislação de proteção do patrimônio espeleoló-
gico (Decreto Nº 99.556/90, alterado pelo Decreto
Nº 6.640/2008; Resolução CONAMA Nº 347/2004).
Apresentação 2
O Instituto Terra Brasilis, no cumprimento de sua
missão institucional de promover e apoiar inicia-
tivas voltadas à proteção do patrimônio natural e
cultural, tem atuado em vários projetos e ativida-
des que ajudam na obtenção deste objetivo.
É com este propósito que o Terra Brasilis, em
articulação com o Instituto Chico Mendes de Pro-
teção à Biodiversidade, através do Centro Nacio-
nal de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas, está
apoiando a realização do Curso de Espeleologia e
Licenciamento Ambiental, cujo principal alcance
é o de formar quadros da administração pública
brasileira, visando melhorar os padrões técnicos
e gerenciais do extraordinário acervo espeleoló-
gico do Brasil.
Os variados temas tratados nos textos assina-
dos por diversos autores, aqui reunidos, constituem
uma expressiva fonte de conhecimentos e informa-
ções úteis àqueles que no seu trabalho cotidiano
estão envolvidos com o licenciamento ambiental
de empreendimentos que impactam direta ou in-
diretamente as cavernas localizadas em diferentes
regiões do Brasil.

Sônia Rigueira
Presidente do Instituto Terra Brasilis
SUMÁRIO

1 Introdução à Espeleologia 7

2 Geoespeleologia 25

3 Prospecção Espeleológica, Topograia e Espeleometria de Cavernas 45

4 Biologia Subterrânea 89

5 Análise de Impactos Ambientais em Terrenos Cársticos e Cavernas 123

6 Atividade de Campo 149

7 Histórico e Contextualização Legal 153

8 Legislação Ambiental Aplicada 169


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

1 INTRODUÇÃO À ESPELEOLOGIA à identiicação de centenas de cavernas em uma


área, digamos, de algumas centenas de hectares,
Luís B. Piló e Augusto Auler
tornando difícil qualquer estudo posterior. Vários
Instituto do Carste estudos têm demonstrado, também, que cavernas
muito pequenas são quase invariavelmente despi-
1.1 Introdução
das de atributos de importância, devido à ausên-
O presente documento tem como principal obje-
cia de zona escura, ausência de espeleotemas ou
tivo traçar um panorama introdutório ao estudo
de animais troglóbios.
das cavernas. Inicialmente serão apresentados os
Consideramos que o limite dimensional mí-
principais conceitos, incluindo algumas caracte-
nimo para se deinir o que é caverna deve variar
rísticas das cavernas e do carste. Em seguida, será
com o tipo de rocha, sendo maior no caso de ro-
avaliada as potencialidades das cavernas no Brasil,
chas muito propícias ao cavernamento; e menor
assim como as principais áreas de ocorrência. A im-
no caso de rochas onde cavernas são feições de
portância das cavernas, suas fragilidades e amea-
menor ocorrência.
ças de degradação são descritas em seguida. Após
Segundo o Decreto N. 6.640, de 07/11/2008,
esse tópico, uma síntese da legislação sobre as ca-
“cavidade natural subterrânea é todo e qualquer
vernas é apresentada. Esta introdução é encerrada
espaço subterrâneo acessível pelo ser humano,
com uma breve exposição sobre os estudos espele-
com ou sem abertura identiicada, popularmen-
ológicos no processo de licenciamento ambiental.
te conhecido como caverna, gruta, lapa, toca,
1.2 Deinições e algumas características das abismo, furna ou buraco, incluindo seu ambien-
cavernas e do carste te, conteúdo mineral e hídrico, a fauna e a lora
A deinição mais utilizada internacionalmente para ali encontrados e o corpo rochoso onde os mes-
caverna consiste em uma abertura natural forma- mos se inserem, desde que tenham sido forma-
da em rocha abaixo da superfície do terreno, larga dos por processos naturais, independentemente
o suiciente para a entrada do homem. Esta dei- de suas dimensões ou tipo de rocha encaixante”.
nição é adotada pela União Internacional de Espe- Para a análise das cavernas, no contexto do li-
leologia - UIS, órgão que congrega as instituições cenciamento ambiental, a legislação atual deine
nacionais de espeleologia. Trata-se de uma deini- que essas deverão ser avaliadas sob os enfoques
ção claramente antropogênica e, em certos casos, regional e local. A Instrução Normativa Nº 2, do Mi-
indesejável. Em termos cientíicos adota-se deini- nistério do Meio Ambiente - MMA, de 20 de Agosto
ções distintas. Sob o ponto de vista de um peque- de 2009, deine para o enfoque local uma unida-
no troglóbio, um reduzido canal pode constituir-se de geomorfológica que apresenta continuidade
em caverna. O mesmo ocorre sob o ponto de vista espacial, podendo abranger feições como serras,
da hidrogeologia, já que grandes volumes de água morrotes ou sistema cárstico, o que for mais restri-
podem luir por dutos muito estreitos para serem tivo em termos de área, desde que contemplada
acessados pelo ser humano. a área de inluência da cavidade.
Em termos de licenciamento é necessário esta- Para o enfoque regional, a referida IN. Nº 2 dei-
belecer parâmetros dimensionais a respeito de que niu uma área com homogeneidade isiográica, ge-
é caverna. Tem-se utilizado uma metragem míni- ralmente associada à ocorrência de rochas solúveis,
ma de 5 m para se deinir cavernas. Consideramos que pode congregar diversas formas do relevo cárs-
este limite adequado em se tratando de cavernas tico e pseudocárstico tais como dolinas, sumidouros,
em litologias como minério de ferro. Em calcários ressurgências, vales cegos, lapiás e cavernas, delimi-
ou dolomitos, rochas solúveis e altamente favorá- tada por um conjunto de fatores ambientais espe-
veis a conterem cavernas, um limite de 5 m leva cíicos para a sua formação. Essa área homogênea

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

foi deinida como unidade espeleológica. (sucos, ranhuras e canais de dissolução na ro-
As cavernas tendem a ocorrer, principalmen- cha) e sumidouros (onde a drenagem superfi-
te, nos denominados terrenos cársticos, ou seja, cial adentra para o meio subterrâneo através de
áreas onde a litologia predominante compreen- condutos). Por último, predomina uma drena-
de rochas solúveis. Mas em outras áreas, que não gem subterrânea, efetuada através de um siste-
as cársticas, também podem ocorrer cavernas. A ma de condutos ou fendas alargadas na rocha,
palavra karst, que foi aportuguesada para cars- ou seja, através de galerias subterrâneas, que
te, é a forma germânica da palavra servo-croata não são visíveis na superfície.
kras, cujo signiicado original é terreno rochoso, O sistema cárstico compreende, em linhas
desnudo, característica de uma região situada no gerais, o ambiente externo, denominado por al-
nordeste da Itália e no noroeste da Eslovênia. Tal guns como exocarste (ou simplesmente carste
região é considerada entre os especialistas como supericial), marcado por formas supericiais ge-
o carste clássico, já que foi ali a primeira vez que radas primordialmente pelo ataque químico de
esse tipo de relevo foi descrito e estudado, a par- águas meteóricas, e o domínio subterrâneo (endo-
tir da segunda metade do século 19. carste ou carste subterrâneo), representado por
Quando se fala em paisagem cárstica, al- cavidades subterrâneas, geradas pela dissolução
gumas características são determinantes. Esse por águas subterrâneas de origem diversa. Um ter-
tipo de paisagem peculiar está associado a ro- ceiro domínio, o epicarste, pode também ser re-
chas carbonáticas (particularmente calcários e conhecido, dizendo respeito à zona logo abaixo
dolomitos), podendo se referir também a pai- da superfície, englobando o contato entre o solo,
sagens similares em outras rochas solúveis. O quando existente, e a rocha calcária.
processo principal de formação desse relevo é Alguns autores têm usado o termo pseudocarste
a dissolução da rocha através do tempo geoló- para se referir as paisagens que apresentam feições
gico. Essa característica é bem típica do carste, semelhantes às cársticas, tais como cavernas, dolinas
pois a grande maioria das paisagens é modela- e escarpas rochosas. No entanto, essas feições não são
da principalmente por processos erosivos. Tam- formadas sobre típicas rochas solúveis como em um
bém apresenta um conjunto de formas típicas, verdadeiro carste. Por exemplo, as depressões do tipo
tais como dolinas (depressões fechadas), va- doliniformes e cavernas da Serra dos Carajás, no sudes-
les cegos, paredões, abrigos rochosos, lapiás te do Pará, desenvolvidas em rochas ferríferas (minério

Figura 1.1: Peril esquemático do sistema cárstico, compreendendo o carste supericial, o epicarste e o carste subterrâneo (cavernas).

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

de ferro e canga), foram denominadas de pseudocárs- canga são extremamente favoráveis à formação
ticas por Maurity & Kotschoubey (1995). de cavernas, adicionou mais um componente ao
Atualmente existe uma tendência para incluir mosaico espeleológico brasileiro. Ocorrem tam-
as rochas silicatadas, particularmente os quartzi- bém, embora em menor escala, cavernas em gra-
tos e arenitos, no grupo das rochas carstiicáveis. nito, gnaisse, rochas metamóricas variadas como
Essa propensão deriva de demonstrações de que micaxistos e ilitos, além de coberturas de solos.
a dissolução da sílica, anteriormente considerada Até o momento, cerca de 10.000 cavernas en-
de baixa solubilidade, tem tido um papel impor- contram-se registradas nos cadastros espeleológi-
tante na confecção de morfologias supericiais e cos existentes no país. Esses cadastros abrangem
subterrâneas tipicamente cársticas. Bons exemplos principalmente informações coletadas por grupos
da ação efetiva desses processos podem ser obser- amadores de espeleologia. No entanto, muitas ca-
vados na região quartzítica do Roraima venezue- vernas identiicadas ainda não foram incluídas nos
lano e na região do Parque Estadual do Ibitipoca, cadastros espeleológicos, seja porque o trabalho
em Minas Gerais. foi realizado no âmbito proissional, encontrando-
Salienta-se que uma indeinição ainda existen- se arquivado nas próprias empresas executoras ou
te dentro dessa discussão é saber quais os critérios nos órgãos ambientais, seja simplesmente porque
que qualiicam uma paisagem como sendo cárs- não houve interesse em se efetuar o cadastramen-
tica. Para alguns autores, é necessário que o trans- to no caso de grupos ou indivíduos amadores. Des-
porte de massa em solução seja mais importante ta forma, o número total de cavernas identiicadas
que o transporte de massa por outros processos. até o momento no Brasil deve ser superior ao refe-
No entanto, tais mecanismos, no contexto da di- rido número, com um incremento provavelmente
nâmica da paisagem, são marcados por desconti- da ordem de algumas centenas de novas caver-
nuidades, geralmente de difícil mensuração. Por nas por ano.
exemplo, ainda sabemos pouco sobre os proces- A Tabela 1.1 apresenta, de forma preliminar,
sos de dissolução na geração de cavernas nas for- baseado no conhecimento atual e na experiência
mações ferríferas de Minas Gerais e do Pará. pessoal dos autores, o número de cavernas identi-
icadas até o momento em cada litologia e o pro-
1.3 Potencialidades das cavernas no Brasil vável potencial espeleológico (grutas existentes,
Cerca de 90% das cavernas reconhecidas em todo porém ainda não identiicadas). Essa tabela deve
o mundo desenvolvem-se em rochas carbonáti- ser considerada apenas como um referencial, uma
cas. No Brasil, no entanto, devido a fatores ainda ordem de grandeza de valores a servirem de pa-
pouco conhecidos, mas seguramente envolven- râmetro para a construção de um modelo de po-
do variáveis geomorfológicas e climáticas, areni- tencial espeleológico para nosso país.
tos e quartzitos são também muito susceptíveis
A Tabela abaixo torna evidente o enorme po-
a formação de cavernas. Mais recentemente, a
tencial espeleológico de nosso país. O alto percen-
constatação de que áreas de minério de ferro e
tual de cavernas reconhecidas em minério de ferro
Tabela 1.1 Estimativa (ordem de grandeza) do potencial espeleológico brasileiro em
relação a cavernas conhecidas e litologia.

Litologia Número de cavernas Provável potencial Percentagem de


conhecidas (cavernas ainda não cavernas
conhecidas) conhecidas
Carbonatos 7.000 > 150.000 < 5%
Quartzitos 400 > 50.000 < 1%
Arenitos 400 > 50.000 < 1%
Minério de ferro 2.000 > 10.000 < 20%
Outras litologias 200 > 50.000 < 0,5%

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e canga deve-se aos intensivos esforços de prospec- A Figura 1.2 apresenta as principais áreas car-
ção realizados nessas áreas durante os Estudos de bonáticas do Brasil (em preto) e também as prin-
Impacto Ambiental, visando a instalação de empre- cipais áreas quartzíticas que apresentam cavernas
endimentos minerários. As minas de minério de ferro, (em laranja). Também representadas estão áreas
nesse momento, estão em plena expansão, tendo em carbonáticas de pequena extensão (triângulos) e
vista que o mercado asiático está muito aquecido.. áreas em outras litologias (principalmente arenitos)

Figura 1.2. Mapa mostrando as principais litologias que apresentam cavernas. Rochas carbonáticas estão representadas em
negro. Rochas quartzíticas estão representadas em laranja. Áreas carbonáticas de pequena extensão estão representadas por
triângulos. Outras litologias que apresentam cavernas estão representadas por quadrados. Áreas de minério de ferro que apre-
sentam cavernas estão representadas por estrelas vermelhas.

onde se conhecem cavernas (quadrados). O potencial espeleológico do Brasil é, ainda,


As regiões areníticas, apesar de apresentarem enorme. Parece seguro airmar que, hoje, menos
considerável potencial espeleológico, tendem a de 5% das cavernas existentes tenham sido iden-
não apresentar conlitos em relação à atividade mi- tiicadas. Nosso potencial espeleológico situa-se
nerária, não estando, pois, representadas na igu- seguramente na faixa de algumas centenas de mi-
ra. Áreas em minério de ferro estão representadas lhares de cavernas. Apenas a título comparativo,
por estrelas vermelhas. em países mais desenvolvidos na identiicação e

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exploração de cavernas, como Itália e França, com por rios caudalosos, e a região de Mambaí, também
áreas equivalentes ao estado de Minas Gerais, cer- com um grande número de cavidades importantes.
ca de 40 mil cavernas são conhecidas. A ausência No estado da Bahia destaca-se a Serra do Ramalho
de pesquisa, pequeno número de espeleólogos, di- e seus arredores, com várias cavernas importantes,
iculdades de acesso, dentre outros motivos, justi- entre elas a Gruta do Padre, com 16,3 km de exten-
icam o reduzido conhecimento que ainda temos são, a terceira maior caverna do país, e a região de
do potencial espeleológico brasileiro. São Desidério, comportando algumas das caver-
nas com maior espaço interno do país.
1.4 Principais áreas contendo cavernas no Os calcários e dolomitos do Grupo Una ocor-
Brasil rem a partir da região central da Bahia, estendendo-
A maior ocorrência de rochas favoráveis à formação se até o norte do estado. Duas áreas concentram as
de cavernas no Brasil é representada pelos calcários principais cavernas de interesse: a região da Chapa-
e dolomitos do Grupo Bambuí, que se desenvol- da Diamantina, com várias cavernas de grande ex-
vem desde o sul de Minas Gerais até o centro-oes- tensão e beleza, como a Lapa Doce, e a região de
te da Bahia, passando também pelo leste de Goiás. Campo Formoso, que abriga as duas maiores ca-
Inserida nos calcários Bambuí encontra-se, entre vernas do país, a Toca da Boa Vista (Figura 1.5) e a
outras, a região de Lagoa Santa, berço da espele- Toca da Barriguda (Figura 1.6), respectivamente com
ologia brasileira, com mais de 700 grutas registra- 108 km e 30 km de extensão. Muito próximo destas
das (Figura 1.3); a região de Arcos e Pains, também duas cavernas existem aloramentos do calcário Ca-
com centenas de cavernas conhecidas, e a região atinga, que apresentam algumas cavernas impor-
do vale do Rio Peruaçu, com a magníica Gruta do tantes, entre as quais a ampla Gruta do Convento.
Janelão (Figura 1.4) e vários sítios arqueológicos.

Figura 1.5 Grande salão na Toca da Boa Vista (Foto Ezio Rubbioli).
Figura 1.3 Maciço calcário onde se localiza a Lapa do Sumi-
douro, na região cárstica de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho)

Figura 1.6 Galeria na caverna Barriguda (Foto Ezio Rubbioli).

Figura 1.4 Gruta do Janelão, no Parque Nacional do Peruaçu. No sul do Estado de São Paulo e no Paraná alo-
ram os calcários e dolomitos do Grupo Açungui. É
No estado de Goiás destaca-se a região de São uma região de grande beleza, que contém mais de
Domingos, com várias enormes cavernas percorridas 300 cavernas. No lado paulista, a maior concentração
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está no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PE-


TAR), com algumas das cavernas mais ornamenta-
das do país, como a Caverna Santana. Próximo ao
PETAR, o Parque Estadual de Jacupiranga abriga a
Caverna do Diabo, parcialmente adaptada para o
turismo, com amplos salões extremamente orna-
mentados. O lado paranaense do Grupo Açungui
possui muitas grutas, embora de menores dimen-
sões. Em Santa Catarina ocorrem os calcários do
Grupo Brusque, apresentando como principal ca-
verna a Gruta de Botuverá, no município de mes-
mo nome.
No oeste do país ocorrem calcários e dolomi-
tos do Grupo Corumbá e do Grupo Araras. Os pri-
meiros ocorrem principalmente no Estado do Mato
Grosso do Sul, nos arredores da Serra da Bodoque-
na, apresentando belas cavernas alagadas, princi-
palmente nas proximidades da cidade de Bonito.
O Grupo Araras, por sua vez, predomina no Mato
Grosso e também apresenta muitas grutas, prin-
cipalmente próximo a Nobres. Em Rondônia, no Figura 1.7 Gruta do Centenário (Foto Ezio Rubbioli).
Pará e no Amazonas ocorrem alguns aloramentos
de calcário. Os mais importantes situam-se próxi-
mos a Itaituba, no Pará, onde a recente coloniza-
ção tem levado à descoberta de algumas cavernas
de importância.
No nordeste do Brasil aloram os calcários do
Grupo Apodi, que, apesar de possuírem muitas ca-
vernas, ainda não nos revelaram grutas de grande
porte. No Estado do Ceará, os calcários do Grupo
Ubajara possuem ocorrência restrita, apresentan-
do poucas cavernas conhecidas, entre elas a famo-
sa Gruta de Ubajara. Várias ocorrências de menor
porte de calcários e dolomitos existem em todo o
Brasil. Algumas aparentam possuir pouco poten-
cial ao passo que outras, em locais mais remotos,
ainda não foram adequadamente exploradas por
espeleólogos.
O potencial brasileiro em termos de cavernas
em quartzito é enorme. O Brasil possui algumas
das maiores e mais profundas cavernas do mundo Figura 1.8 Gruta da Bocaina (Foto Ezio Rubbioli).
neste tipo de rocha. Numa pequena área no cen-
e a quarta caverna mais profunda do país, a Gruta
tro de Minas Gerais, o Pico do Inicionado, encon-
tra-se três das mais profundas cavernas conhecida da Bocaina (Figura 1.8) e a Gruta Alaouf, respectiva-
neste tipo de rocha, a Gruta do Centenário (Figu- mente com 404 m e 294 m de desnível, também
ra 1.7), com 484 m de desnível e 3.800 m de exten- se localizam no Pico do Inicionado.
são é a segunda mais profunda do país. A terceira

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

As regiões do Parque Estadual de Ibitipoca, de na sua maioria, pequenas, com média em torno
Carrancas e de Luminárias, no sul de Minas Gerais, dos 25 m de extensão. No entanto, já foram regis-
também apresentam um rico acervo de cavernas tradas cavernas em minério de ferro com mais de
quartzíticas. Outra área de importante concentra- 300 m, além de importantes volumes subterrâneos,
ção de cavernas deste tipo é a região da Chapada tanto em Carajás como no Quadrilátero Ferrífero.
Diamantina, na Bahia. Várias regiões, principalmen- No Brasil ainda ocorrem cavernas em granito,
te no nordeste e no sudeste, apresentam cavernas gnaisse e bauxita, entre outras. São em geral ca-
quartzíticas de importância. No estado do Amazo- vernas de pequeno porte. Uma exceção é a Gru-
nas, a pouco conhecida Serra do Araçá, contém a ta dos Ecos em Cocalzinho, Goiás, inserida em sua
mais profunda caverna quartzítica do Brasil e do maior parte em micaxistos, e que possui 1.600 m
mundo, o Abismo Guy Collet, com 670 m de des- de extensão.
nível. Cavernas areníticas são bastante freqüentes
1.5 A importância das cavernas e do carste
em todo o território nacional. Existem importantes
Com a revelação das cavernas brasileiras pelos via-
concentrações na Chapada dos Guimarães (MT), em
jantes, a partir do século 19, é possível chegar à clara
São Paulo, no Paraná e no interior do Piauí, além de
compreensão de que muitas delas contém registros
muitas cavernas de grande porte dispersas em vá-
cheios de signiicado, além de abrirem vários cami-
rias regiões da Amazônia.
nhos para uma melhor compreensão do passado. Ou
Ocorre ainda um grande número de cavernas
seja, essas cavernas são merecedoras de conservação.
em rochas como minério de ferro e canga, nas re-
Desde o trabalho pioneiro do naturalista di-
giões ao sul de Belo Horizonte (Quadrilátero Ferrí-
namarquês Peter Wilhelm Lund (Figura 1.11), na
fero) e na Serra dos Carajás, no Pará. São cavernas,
primeira metade do século 19, as cavernas têm for-
necido importantes registros fossilíferos, os quais
têm formado a base das pesquisas sobre a pale-
ontologia de vertebrados do Pleistoceno brasilei-
ro. Esses documentos paleobiológicos revelam-se
fundamentais para o conhecimento taxonômico,

Figura 1.9 Cavernas em minério de ferro e canga no Quadri-


látero Ferrífero..

Figura 1.10 Cavernas em minério de ferro e canga no Quadri- Figura 1.11 naturalista dinamarquês Peter Lund, considerado
látero Ferrífero.. o “pai da paleontologia brasileira”; .

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

e Serra dos Carajás, no Pará, dentre outras áreas.


Os ambientes cársticos certamente inluencia-
ram a vida dessas populações. Um aspecto interes-
sante é que embora dotados de particularidades
culturais e inscritos em um diversiicado quadro i-
toecológico (lorestas estacionais de domínio atlân-
tico, formações deciduais de mata seca, incluíndo a
caatinga, os cerrados e a loresta ombróila), essas
populações pré-históricas mantiveram a caracte-
rística não predatória no contato e uso da entrada
Figura 1.12 Esqueleto articulado de preguiça-gigante em ca-
verna da Bahia. . das cavernas ou abrigos rochosos do Brasil.
anatômico e paleoecológico dos mamíferos qua- No momento, a região de Lagoa Santa, em Mi-
ternários do Brasil nas Gerais e, São Raimundo Nonato, no Piauí, guar-
Cavernas com depósitos fossilíferos são fre- dam os mais antigos registros dessas culturas, que
qüentes em diversas regiões brasileiras, dentre as datam em mais de 11 mil anos B.P. Salienta-se, ainda,
quais Lagoa Santa, em Minas Gerais, São Raimun- que a contemporaneidade do homem pré-histó-
do Nonato, no Piauí, sertão e região central da rico com os megamamíferos extintos foi aventada
Bahia, região do Ribeira, em São Paulo, dentre ou- nas cavernas de Lagoa Santa, inicialmente por Pe-
tras. Nesses sítios jazem ossadas de animais como ter Lund, em 1844. Recentemente, fragmentos ós-
preguiça-gigante, mastodonte, gliptodonte, tigre seos de uma preguiça-gigante (Scelidodon cuvieri)
dente-de-sabre, entre outros. É fascinante. e do temido tigre dente-de-sabre (Smilodon popu-
As idades obtidas tanto pelo C-14 quanto pelo lator), encontrados nas cavernas de Lagoa Santa,
método U/Th demonstram uma grande variabilida- foram datados respectivamente em 9.990 e 9.130
de temporal dos fósseis encontrados nas cavernas, anos B.P., o que veio reforçar a tese da coexistên-
que se estende do Pleistoceno Médio ao limiar do cia entre o homem pré-histórico e os animais per-
Holoceno. Ossadas de animais extintos mais recen- tencentes a megafauna extinta (Neves & Piló, 2003).
tes datadas na região de Lagoa Santa (preguiça e ti- Até o momento, no entanto, não há no registro ar-
gre dente-de-sabre) acusaram idades em torno de queológico brasileiro qualquer evidência clara de
nove mil anos. Contrariamente ao que se pensava que os primeiros humanos izeram uso, como re-
até recentemente, a deposição dos fósseis nas ca- curso alimentar, ou como fonte de matéria prima,
vernas não se deu em apenas um momento especí- dos grandes mamíferos extintos.
ico. Muito pelo contrário, foram vários os episódios Foi também nas cavernas que se concentra-
de deposição de fósseis nas cavernas brasileiras. ram as ossadas dos mais antigos brasileiros. O es-
A relação entre arqueologia e as cavernas tam- queleto de “Luzia”, exumado no abrigo rochoso de
bém é evidente, tendo em vista que esse meio é Lapa Vermelha IV, em Lagoa Santa, encontra-se po-
favorável a preservação de vestígios arqueológicos sicionado em camadas sedimentares superiores a
(menor umidade, menor iluminação e temperaturas 11.000 anos B.P., sendo considerado o esqueleto
mais estáveis). São inúmeros os paredões e entra- mais antigo das Américas. Esse grupo pré-históri-
das de cavernas que registram usos diferenciados co, que usou intensamente as entradas das caver-
como abrigo, moradia, palco de rituais, cemitério e nas da região, é caracterizado por crânios estreitos
suporte para a arte do homem pré-histórico, des- e longos, faces estreitas e baixas, assim como órbi-
tacando-se as regiões de Lagoa Santa, em Minas tas e cavidades nasais também baixas, apresentan-
Gerais, São Raimundo Nonato, no Piauí, Médio São do grande semelhança com a morfologia craniana
Francisco (Januária até Montalvânia), Monte Alegre dos nativos australianos e dos africanos atuais.

14 1 INT R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Isso ocorreu em razão de um deslocamento perió-


dico do eixo de rotação da Terra que fez com que o
hemisfério Sul começasse a receber mais radiação
solar do que o hemisfério Norte. Quando come-
çou o período mais seco, a maioria das estalagmi-
tes parou de crescer.
Quanto aos aspectos históricos, as primeiras
referências sobre as formas supericiais e subterrâ-
neas do relevo cárstico foram feitas através dos re-
Figura 1.13 Restos humanos sendo exumados na Lapa do San- latos de naturalistas e viajantes que percorreram o
to, Carste de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho) interior de Minas Gerais no século 19 e limiar do sé-
culo 20. Narrativas da riqueza e singularidade das
grutas e formações cársticas podem ser aprecia-
das nos trabalhos de Peter Lund, Spix & Martius,
J.W. Wells, H. Burmeister, dentre outros. Destaca-
se, ainda, que o estudo sistemático das cavernas
como campo de atuação e conhecimento, no Bra-
sil, teria início em Ouro Preto, com a criação da SEE
- Sociedade Excursionista e Espeleológica dos Alu-
nos da Escola de Minas, em 1937.
O carste também tem se destacado por seu
Figura 1.14 Manifestação rupestre em São Raimundo Nona-
to, no Piauí. aspecto ecológico. O trabalho do botânico dina-
marquês E. Warming na região cárstica de Lagoa
Os sítios geomorfológicos que guardam re-
Santa, no século passado (1863 a 1866), é reconhe-
gistros paleoambientais passíveis de datações
cido como o primeiro tratado sobre ecologia ve-
absolutas estão posicionados nas calhas fluviais,
getal, no qual foram analisadas e identiicadas mais
nos horizontes orgânicos enterrados, terraços e
de 2.600 espécies vegetais.
várzeas, nos paleosolos preservados nas vertentes
As cavernas também vêm servindo palco de
e, particularmente, nos depósitos químicos das ca-
diversas manifestações religiosas, sendo muitas
vernas. Datações nesses depósitos, denominados
vezes, transformadas em verdadeiros santuários,
de espeleotemas, pelo método U/Th, que cobre um
principalmente na região central do Brasil. Dentre
período de poucos milhares de anos até 500 mil
as mais visitadas estão a Gruta Mangabeira (Figura
anos, têm colocado os depósitos de cavernas bra-
1.15 na página seguinte), Lapa do Bom Jesus e Gruta
sileiras como verdadeiros arquivos paleoclimáticos.
dos Brejões, na Bahia, Lapa de Antônio Pereira (Fi-
Registros das razões isotópicas de oxigênio e
gura 1.16 na página seguinte) e Lapa Nova, em Mi-
carbono em espeleotemas, datados pelo méto-
nas Gerais e a de Terra Ronca, em Goiás.
do U/Th, consolidaram-se nos últimos anos como
As atividades econômicas também apresen-
um dos melhores indicadores paleoclimáticos de
tam expressivo valor no domínio cárstico. As prin-
regiões (sub) tropicais. As cavernas brasileiras já
cipais formas dessas atividades são: agropecuária,
demonstram grande potencial para tais estudos iso-
explotação de recursos minerais (água, calcário,
tópicos. Um desses estudos, efetuados nas caver-
minério de ferro, argila, mineralizações), aprovei-
nas do nordeste e liderado por Francisco William da
tamento hidrelétrico, utilização de recursos lores-
Cruz Júnior, do IG-USP, tem revelado o início do cli-
tais e turismo.
ma semiárido no Nordeste, há cerca de 4 mil anos.

1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 15
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

de condutos, que atuam como drenos subterrâ-


neos para o transporte rápido (livre) e altamente
localizado da água. Nesse contexto são constituí-
das as denominadas rotas de drenagem subterrâ-
nea, muito susceptíveis às alterações ambientais.
O luxo mais rápido dessas drenagens poten-
cializa a propagação muito mais rápida de possíveis
poluentes que tenham atingido o aqüífero cárstico.
Outro aspecto importante é que as bacias de dre-
nagem, no carste, não se limitam necessariamen-
Figura 1.15 Lapa de Bom Jesus, na Bahia.
te aos divisores de águas supericiais, podendo se
estender muito além desses limites. Um impacto
pontual no sistema hidrológico pode atingir áreas
mais expressivas.
Os processos de abatimento também são bem
freqüentes nos terrenos cársticos. As denominadas
dolinas de colapso são os principais registros des-
ses processos, tendo sua origem associada a aba-
timentos de tetos e paredes rochosas de condutos
subterrâneos (cavernas) ou de solos posicionados
Figura 1.16 Lapa de Antônio Pereira, em Minas Gerais. sobre a rocha solúvel. Esses abatimentos são carac-
terizados principalmente por movimentos rápidos,
Diante do exposto, nota-se que são muitos os
verticais e, muitas vezes, catastróicos, quando inci-
atributos que dão as paisagens cársticas e as ca-
dentes em áreas urbanizadas, a exemplo do ocorri-
vernas uma expressiva signiicância no mosaico
do nas cidades de Sete Lagoas, em Minas Gerais e,
paisagístico brasileiro. Salienta-se um importante
Cajamar, no estado de São Paulo. Em Cajamar, estu-
conjunto de elementos naturais e culturais, digno
dos indicaram que a superexplotação de águas sub-
de análise de valoração. Por outro lado, o carste e as
terrâneas ocasionou os processos de abatimentos.
cavernas têm peculiaridades que os colocam mais
Estudos bioespeleológicos, por sua vez, têm re-
vuneráveis às interferências humanas mal planeja-
velado uma importante fauna em nossas cavernas,
das, as quais podem gerar impactos adversos e de-
na qual se incluem diversos grupos taxonômicos:
gradação ambiental.
insetos, aracnídeos, diplópodes, crustáceos, quiló-
1.6 Fragilidades das cavernas e do carste podes, dentre outros. Segundo Trajano e Bichuette
A paisagem cárstica e as cavernas têm sido consi- (2006), o ambiente subterrâneo é altamente vulne-
deradas, por diversos autores, como um domínio rável a alterações ambientais, em virtude do elevado
frágil e peculiar. Realmente, esses terrenos apre- grau de endemismo de muito de seus componen-
sentam alguns elementos que os colocam dentro tes (troglóbios), em geral pouco tolerantes a fatores
de um contexto diferenciado de análise ambiental. de estresse (alteração de habitat, poluição quími-
Primeiramente é importante destacar a ques- ca, lutuações ambientais não-naturais, eutroiza-
tão hidrológica. No carste, particularmente naqueles ção), da dependência de nutrientes importados do
que já atingiram um maior grau de desenvolvimen- meio epígeo, e do fato das populações serem fre-
to, a drenagem apresenta-se predominantemente quentemente pequenas e com baixa capacidade
subterrânea, sendo realizada através de condutos de recuperação, como conseqüência de suas es-
(cavernas). Ou seja, os cursos d’água supericiais fo- tratégias de ciclo de vida.
ram capturados para sistemas (aqüíferos) integrados

16 1 INT R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

1.7 Principais impactos potenciais ao cars- áreas de lavra. Em muitos casos atinge-se uma si-
te e às cavernas tuação em que perdas – para um dos lados – tor-
As paisagens cársticas e as cavernas constituem nam-se inevitáveis. É importante salientar que a
um domínio frágil e peculiar. Pequenas alterações interação entre as cavernas e a mineração é uma
ambientais podem representar ameaças sérias à via de mão dupla em que impactos atingem am-
integridade do meio subterrâneo. Em nosso país, bos os atores envolvidos. As atividades minerárias
impactos ambientais em cavernas têm ocorrido poderão ser fortemente afetadas pela presença de
desde os primórdios da colonização portuguesa, cavernas. A conservação de cavernas poderá ser
principalmente devido à extração mais intensa de afetada pela atividade mineraria.
salitre no interior de grutas da Bahia e de Minas Ge- A degradação total ou parcial da caverna tam-
rais para a produção de pólvora no século19, e uti- bém representa um cenário possível, principalmen-
lização religiosa de cavernas a partir do século 17. te quando da implementação de grandes obras de
Impactos ambientais em cavernas podem ser engenharia (barragens, aeroportos etc.)(Tabela 1.2).
de variadas magnitudes e conseqüências, abran- A utilização da própria caverna poderá trazer im-
gendo desde a destruição (supressão) total da ca- pactos adversos, como no caso de turismo de mas-
verna até impactos localizados de baixa magnitude. sa e uso religioso.
Sem dúvida, o conlito mais direto provém da O desmatamento apresenta-se como um dos
atividade minerária no contexto da qual a caverna,
principais impactos indiretos da atividade humana
inserida no bem mineral a ser extraído, coloca-se
sobre as cavernas. O desmate em domínios cársticos
como um empecilho à instalação ou expansão de
Tabela 1.2 Principais impactos potenciais no carste e nas cavernas.
Atividades Impactos potenciais
Mineração Degradação visual; interferências nas rotas de
drenagem subterrânea; poluição de aqüíferos;
vibrações nas cavernas decorrentes das detonações
para desmontes; sobrepressão acústica;
supressão total ou parcial de cavernas.
Reservatórios e barragens Aumentos dos processos de abatimento; fugas d’água;
alagamento total ou parcial de cavernas; alteração no
uso do solo no entorno.
Urbanização/Industrialização/ Poluição e superexplotação de aqüíferos; abatimentos
Grandes obras de engenharia induzidos; erosão superficial e assoreamento de
cavernas; chuva ácida; poluição atmosférica;
inundações. Sobrepressão acústica e alteração do
sistema de drenagem (terraplenagem).
Adaptação para o turismo em Obras de engenharia no interior da caverna; destruição
massa/uso religioso intensivo de espeleotemas; pichações; liquefação e compactação
do piso das cavernas; alteração do biótopo cavernícola;
geração de lixo; poluição de corpos hídricos.
Desmatamento/Agropastoris Fragmentação de habitats, perda de espécies vegetais e
animais; erosão e assoreamento de corpos hídricos;
alteração do biótopo cavernícola. Contaminação de
aqüíferos por pesticidas e fertilizantes; superexplotação
dos aqüíferos.
Visitação Pisoteamento, quebra de espeleotemas, pichações,
poluição da caverna.

1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 17
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

tem sido ocasionado por duas atividades principais: de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental nos
agropastoril (expansão) e extrativismo para obten- casos de empreendimento potencialmente lesivos
ção de insumos lorestais, principalmente lenha e ao Patrimônio Espeleológico Nacional”.
derivados. Diante desse quadro, várias regiões con- A partir da promulgação da Constituição Fe-
tendo cavernas vêm sofrendo signiicativas alte- deral de 1988, as cavernas do país ganharam um
rações em decorrência dos desmatamentos, tais status importante. Em seu artigo 20, a Constitui-
como fragmentação de habitats e perda de espé- ção deiniu as cavernas brasileiras como “bens da
cies vegetais e animais. A falta de proteção vege- união”. Ou seja, as cavernas passaram a integrar o
tal acelera os processos erosivos e o esgotamento domínio patrimonial da União, pois apresentavam
dos solos, como também o assoreamento de sis- interesse para a administração e para a comunida-
temas hidrológicos. de administrada.
A urbanização e criação de zonas industriais Após a promulgação da Constituição Federal,
também podem ocasionar vários tipos de proble- o IBAMA, através da Portaria Nº 887, de 15/06/90,
mas e impactos nos ambientes cársticos e nas ca- estabeleceu as principais normas para a gestão
vernas: inundações, poluição de corpos hídricos, das cavernas brasileiras. Nessa Portaria mereceu
abatimentos induzidos, alteração nos sistemas hí- destaque o Art. 3º, que limitou o uso das cavida-
dricos supericiais e subterrâneos, poluição atmos- des naturais subterrâneas apenas a estudos de or-
férica e chuva ácida. dem técnico-cientíica, bem como atividades de
Em muitas dessas situações, quando de estu- cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, re-
dos de viabilidade do empreendimento, torna-se creativo e educativo.
necessário proceder a uma avaliação da relevân- Logo em seguida, o Decreto Federal Nº 99.556,
cia da caverna. Essa avaliação pode vir a ser crucial publicado em 01/10/90, reairma o estabelecido na
tanto para o destino inal da caverna quanto para Portaria 887 e, pela primeira vez, enfoca objetiva-
o futuro do empreendimento. Obras que neces- mente a proteção e o manejo das cavernas. Inicial-
sariamente venham a trazer impactos de grande mente é importante destacar o art. 1º: “as cavidades
magnitude ao acervo espeleológico podem vir a naturais subterrâneas existentes no território na-
ser alteradas ou mesmo inviabilizadas. A análise de cional constituem patrimônio cultural brasileiro,
relevância está, pois, intimamente relacionada ao e, como tal, serão preservadas e conservadas de
tipo e intensidade do impacto ambiental. modo a permitir estudos e pesquisas de ordem
técnico-cientíica, bem como atividades de cunho
1.8 Legislação afeta ao tema
espeleológico, técnico-cultural, turístico, recreati-
A primeira manifestação legal sobre o interesse do
vo e educativo.”
poder público na proteção e conservação de caver-
No entanto, na deinição de patrimônio es-
nas se deu através da Resolução CONAMA Nº 009,
peleológico exposto no referido Decreto, não há
de 24/01/86. Essa resolução visou a criação de uma
menção de valor ou relevância de atributos para
Comissão Especial para tratar de assuntos relativos
a formação do conceito de patrimônio. Conside-
à preservação do Patrimônio Espeleológico. Com os
rando a necessidade de se aprimorar e atualizar o
subsídios recebidos de instituições integrantes da
Programa Nacional de Proteção ao Patrimônio Es-
referida Comissão foi editada, em seguida, a Reso-
peleológico, aprovado pela Comissão Especial, foi
lução CONAMA Nº 005, de 06/08/87, que resolveu
editada a Resolução CONAMA Nº 347, de 10/09/2004.
criar o “Programa Nacional de Proteção ao Patrimô-
Essa Resolução trouxe pela primeira vez o con-
nio Espeleológico”. Nessa resolução, mereceu desta-
ceito de cavidade natural subterrânea relevante,
que o item 3º, que determina que “seja incluída na
que até então não tinha sido considerada na le-
Resolução/CONAMA/Nº 001/86, a obrigatoriedade
gislação anteriormente estabelecida. Segundo o

18 1 INT R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

inciso II, do art. 2º, são relevantes as cavidades na- resoluções CONAMA, a Portaria 887 do IBAMA e o
turais subterrâneas que apresentem signiicativos Decreto 99.556. Trata-se do momento inicial, com
atributos ecológicos, ambientais, cênicos, cientíi- peril altamente conservador e restritivo quanto
cos, culturais ou socioeconômicos, no contexto lo- ao uso das cavernas brasileiras, que foram consi-
cal ou regional. deradas, de forma indiscriminada, patrimônio es-
O mais lógico seria a necessidade de preser- peleológico brasileiro. Não há dúvida que, para um
vação e proteção das cavernas consideradas rele- primeiro momento, esse conjunto jurídico trouxe
vantes, isto é, aquelas que possam vir a integrar o um ganho expressivo no sentido de valorização das
patrimônio espeleológico brasileiro. cavernas brasileiras, já que muitas cavernas foram
Em 07 de novembro de 2008 foi publicado preservadas individualmente ou através de conjun-
o Decreto Federal Nº 6.640, que alterou signiica- tos, diante da criação de unidades de conservação.
tivamente o status jurídico referente a proteção O segundo momento é composto pela Re-
das cavernas brasileiras. Esse decreto prevê a clas- solução CONAMA Nº 347, que juntamente com o
siicação das cavernas segundo quatro graus de Projeto de Lei Nº 2832/2003 e o último parecer da
relevância: máximo, alto, médio e baixo. A deter- Advocacia Geral da União, formam um conjunto de
minação das cavernas de relevância máxima, que documentos de conteúdo transicional, entre uma
não poderão sofrer impactos ambientais, foi reali- fase de legislação muito restritiva, para uma fase
zada através de parâmetros deinidos pelo referi- mais lexível quanto ao uso das cavernas brasileiras.
do decreto. Os demais graus de relevância foram O terceiro momento é composto pelo Decre-
detalhados na Instrução Normativa N. 2 do Minis- to Nº 6.640 e a Instrução Normativa Nº 2, do MMA,
tério do Meio Ambiente – MMA, que seria publi- que através do estabelecimento de um método cri-
cada no dia 20 de agosto de 2009. terioso de análise de relevância das cavernas bra-
Já as cavernas classiicadas como de relevância sileiras, busca identiicar aquelas merecedoras de
alta, média e baixa poderão ser objeto de impactos conservação e que formarão o Patrimônio Espele-
irreversíveis, através do processo de licenciamento ológico Brasileiro.
ambiental. Impactos irreversíveis em cavidades de
1.9 As etapas dos estudos espeleológicos
relevância alta, no entanto, deverão ser compensa- no processo de licenciamento ambiental
dos pelo empreendedor através da preservação de (EIA/RIMA)
duas cavernas com o mesmo grau de relevância, de De acordo com o artigo 3° do Decreto N° 99.556, de
mesma litologia e com atributos similares à que so- 1° de outubro de 1990, que dispõe sobre a proteção
freu o impacto, que serão consideradas cavidades das cavidades naturais subterrâneas existentes no
testemunho, ou seja, de preservação permanente. território nacional: “É obrigatória a elaboração de es-
As cavernas de relevância média que sofrerem tudo de impacto ambiental para as ações ou os em-
impactos irreversíveis, por sua vez, merecerão por preendimentos de qualquer natureza, ativos ou não,
parte do empreendedor ações que contribuam temporários ou permanentes, previstos em áreas de
para a conservação e o uso adequado do patrimô- ocorrência de cavidades naturais subterrâneas ou de
nio espeleológico brasileiro. Essas ações serão dei- potencial espeleológico, os quais, de modo direto ou
nidas pelo órgão ambiental competente. Impactos indireto, possam ser lesivos a essas cavidades, icando
irreversíveis em cavernas classiicadas como de re- sua realização, instalação e funcionamento condicio-
levância baixa não merecerão ações de compen- nados à aprovação, pelo órgão ambiental compe-
sação pelo empreendedor. tente, do respectivo relatório de impacto ambiental”
Através do exposto, é possível identiicar três Já a Resolução CONAMA Nº 347, de 10 de se-
momentos na legislação sobre cavernas no Bra- tembro de 2004, que dispõe sobre a proteção do
sil. O primeiro está representado pelas primeiras patrimônio espeleológico, prevê em seu artigo 4°

1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 19
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

que, “a localização, construção, instalação, amplia- • Levantamento bibliográico. O levantamento


ção, modiicação e operação de empreendimentos e bibliográico da região constitui etapa básica
atividades, considerados efetiva ou potencialmente de qualquer trabalho espeleológico. Informa-
poluidores ou degradadores do patrimônio espele-
ções sobre as cavernas, a geologia, a geomor-
ológico ou de sua área de inluência dependerão de
fologia etc. são fundamentais e poderão trazer
prévio licenciamento pelo órgão ambiental compe-
um grande número de informações já revela-
tente, nos termos da legislação vigente”.
A referida resolução complementa, ainda, no das através de estudos precedentes.
§ 1° que, “as autorizações ou licenças ambientais, na • Avaliação do potencial espeleológico e pros-
hipótese de cavidade natural subterrânea relevante pecção. Determinação do potencial espeleo-
ou de sua área de inluência, na forma do art. 2o in-
lógico das Áreas Diretamente Afetadas (ADA)
ciso II, dependerão, no processo de licenciamento, de
pelo empreendimento e de suas Áreas de In-
anuência prévia do IBAMA, que deverá se manifestar
luência Direta (AID), através de levantamento
no prazo máximo de noventa dias, sem prejuízo de
bibliográico, envolvendo documentos carto-
outras manifestações exigíveis”.
gráicos de cunho geológico, hidrográico e
Enquanto aparato legal de caráter preventivo,
geomorfológico. Havendo potencial espeleo-
o Licenciamento Ambiental torna-se essencial para
lógico, as áreas de maior capacidade de ocor-
garantir a conservação e a preservação de cavida-
rência de cavernas devem ser percorridas em
des naturais subterrâneas avaliadas como de alta
campo, tendo os caminhamentos documen-
e máxima relevância. Trata-se de um instrumento
tados em mapa ou imagem.
fundamental dentro da política de construção do
patrimônio espeleológico brasileiro. • Topograia das cavernas. Após a deinição do
As etapas dos estudos espeleológicos, serão grau de precisão dos levantamentos, será efe-
aqui apresentadas de forma sucinta. Trata-se so- tuado o mapeamento espeleológico das ca-
mente de um panorama de como pode ser en- vidades identiicadas, incluindo planta baixa,
caminhado o tema no processo de licenciamento além de seções transversais e longitudinais.
ambiental. O mapa será posteriormente digitalizado uti-
lizando-se softwares especíicos de desenho
Licença Prévia (LP) espeleológico. Em seguida deverão ser calcu-
Concedida na fase preliminar do planejamento e lados os valores espeleométricos.
da viabilidade da atividade considerada efetiva ou
• Estudos geoespeleológicos. Visando um diag-
potencialmente poluidora. Contém requisitos bá-
nóstico de qualidade do contexto físico da ca-
sicos a serem atendidos na fase de localização do
verna, os estudos geoespeleológicos deverão
empreendimento, observados os planos munici-
conter os seguintes itens:
pais, estaduais ou federal do uso do solo.
Nessa fase deverá ser realizada a maior parte • Inserção das cavernas no cenário paisagístico;

dos estudos espeleológicos, tendo em vista que • Litologia;


esses estudos deverão ser analisados visando pos- • Estrutura;
síveis adequações no plano diretor do empreendi-
• Morfologia;
mento ou até mesmo a sua viabilidade. Nessa fase
poderão ser incluídos: • Hidrologia;

20 1 INT R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

• Sedimentos clásticos e orgânicos (incluindo como já amplamente constatado nas regiões


potencial paleontológico); áridas do nordeste brasileiro.

• Sedimentos químicos (espeleotemas). • Análise de relevância das cavernas

• Estudos bioespeleológicos. Os estudos bio- Segundo o Decreto Nº 6.640, a cavidade na-


espeleológicos merecerão um maior detalha- tural subterrânea será classiicada de acordo
mento no capítulo especíico desta apostila, com seu grau de relevância em máximo, alto,
mas alguns pontos essenciais de estudos já médio ou baixo, determinado pela análise de
podem ser discriminados: atributos ecológicos, biológicos, geológicos,

• Coletas de dados bioespeleológicos serão re- hidrológicos, paleontológicos, cênicos, históri-

alizadas visando detectar diferenças climáticas co-culturais e socioeconômicos, avaliados sob

sazonais; enfoque regional e local.

• Descrição do sistema tróico da caverna, in- • Avaliação dos impactos, medidas mitigadoras,

formando os tipos de aportes energéticos; monitoramento e medidas compensatórias.

• Identiicação dos vertebrados e invertebrados; Diante da avaliação dos impactos ambientais


adversos nas cavernas relevantes, decorrentes
• Avaliação da ocorrência de espécies amea-
da atividade que estará sendo proposta, deve-
çadas, endêmicas, raras e que deverão ser en-
rá ser analisada a viabilidade ou readequação
quadradas, quando possível, nas categorias
do empreendimento. A conclusão dos estu-
troglóilas, troglóxenas e troglóbias;
dos pela viabilidade ou readequação da ativi-
• Particularidades ecológicas ou observações dade merecerá estudos complementares, tais
importantes dos organismos encontrados nas como medidas de controle, monitoramento,
cavidades. salvamento espeleológico e compensação.
• Estudos sócio-econômicos e histórico-cultu-
Licença de Instalação (LI)
rais. O diagnóstico do meio sócio-econômico,
Diante de vistoria técnica do órgão ambiental e
no contexto espeleológico, deverá identiicar,
após a conclusão pela viabilidade do projeto de
descrever e analisar as variáveis citadas abaixo:
forma plena ou através de sua readequação, será
• Aspectos históricos e pré-históricos. As ca-
autorizado o início da instalação do empreendi-
vernas muitas vezes representam referenciais
mento, de acordo com as especiicações constan-
históricos para a comunidade local ou mesmo
tes no EIA, como também aquelas elencadas pelo
para o país, além de guardarem vestígios da
órgão ambiental competente durante a emissão da
ocupação de grupos humanos pré-históricos.
LP. Nessa etapa, caso necessário, deverão ser reali-
• Aspectos culturais. As cavernas podem ser zados estudos especíicos, envolvendo:
utilizadas pela população como objeto ou lo-
• Monitoramento (vibração, fauna, hidrologia
cal de culto, atividades educacionais, turismo,
etc.) de sítios espeleológicos;
lazer entre outros.
• Determinação de perímetro de proteção das
• Recursos hídricos. As cavernas podem ser-
cavernas;
vir de fontes de água para populações locais,
• Medidas para proteção de sítios espeleológicos;

1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 21
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

• Manejo de sítios espeleológicos;

• Salvamento espeleológico; Etapas do Etapas dos estudos


Licenciamento espeleológicos
• Detalhamento de medidas compensatórias.
● Levantamento bibliográfico;

Licença de Operação (LO) ● Avaliação do potencial


espeleológico e prospecção
Com o término dos estudos espeleológicos espe- espeleológica;

cíicos, o órgão estadual licenciador retornará ao ● Topografia das cavernas;


local para nova vistoria, a im de constatar se o em- Licença Prévia - LP ● Estudos geoespeleológicos;
preendimento foi instalado de acordo com o pro- ● Estudos bioespeleológicos;
jeto apresentado e licenciado, principalmente no
● Estudos sócio-econômicos,
tocante ao atendimento das condições e restrições históricos culturais;

ambientais em relação às cavernas. ● Análise de relevância;

Medidas condicionantes e compensatórias po- ● Avaliação dos impactos, medidas


mitigadoras, monitoramento e
derão ter vigência após a concessão da LO, sendo medidas compensatórias.

necessário, no entanto, o estabelecimento de um


● Monitoramento de sítios
cronograma de execução. A Tabela 1.3 apresen- espeleológicos;

ta as possíveis etapas do licenciamento ambien- ● Determinação de perímetro de


proteção das cavernas;
tal e dos estudos espeleológicos no processo de
Licença de Instalação - ● Medidas para proteção de sítios
licenciamento. LI espeleológicos;

● Manejo de sítios espeleológicos;

● Salvamento espeleológico;

● Detalhamento de medidas
compensatórias.

● Aprovação dos estudos específicos


desenvolvidos na fase de instalação -
medidas condicionantes e
Licença de Operação -
compensatórias poderão ter vigência
LO após a concessão da LO, sendo
necessário o estabelecimento de um
cronograma de execução e
acompanhamento do órgão
ambiental.

22 1 INT R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

10. Referências

AULER, A.S. Protocolo de estudos ambientais em


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indicativo jurídico. PROJETO BRA/01/039 – Rela-
tório 3. Apoio à restruturação do Setor Energético.
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dos Carajás-PA. Degradação, pseudocarstiicação,
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NEVES, Walter Alves; PILÓ, Luis B. O Povo de Luzia:


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PILÓ, Luís B. ; Ambientes cársticos de Minas Gerias:


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PILÓ, Luís B. Geomorfologia Cárstica. Revista Bra-


sileira de Geomorfologia, Rio de Janeiro, 2000 v. 1,
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1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 23
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

24 1 INT R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

2 GEOESPELEOLOGIA

Augusto Auler & Luís Piló

Instituto do Carste

2.1 O Carste e as cavernas


As cavernas não estão isoladas na paisagem. Elas
fazem parte de um relevo bastante particular de-
nominado relevo cárstico. O nome carste se origina
de uma região calcária na fronteira entre a Eslovê-
nia e a Itália denominada localmente de Kras. A
Figura 2.1 Maciço calcário intensamente lapiezado. Parque
partir daí o termo se internacionalizou, passando Nacional de Ubajara, Ceará.
a designar todas as regiões que apresentam fei-
ções semelhantes. Dentre as peculiaridades das re-
giões cársticas podemos mencionar a ausência de
rios supericiais, já que a maior parte da água corre
em condutos subterrâneos, o fato da rocha (nor-
malmente calcários e dolomitos, mas também sal,
gesso, arenitos e quartzitos) ser dissolvida por água
ácida gerando feições como lapiás, dolinas, sumi-
douros, surgências, cavernas dentre muitas outras.
O processo básico que provoca a geração das
formas cársticas em regiões calcárias pode ser sin-
tetizado pela equação: Figura 2.2 Lapiás do tipo rinnenkarren na região central da
Inglaterra.
H₂O + CO₂ + CaCO₃ = 2HCO₃- + Ca2+
uma caverna. Sumidouros e surgências marcam o
local onde um rio supericial desaparece na rocha
A água de chuva absorve dióxido de carbono
ou surge sob forma de nascente. Já as cavernas são
(CO₂) na atmosfera e se torna ácida devido à for-
apenas mais uma entre várias feições cársticas, um
mação de ácido carbônico (H₂CO₃). Esta água ao
conduto subterrâneo que transporta a água que
entrar em contato com a rocha já é capaz de dis-
se iniltra através de dolinas ou sumidouros. As ca-
solver o calcário. Lapiás ou karren correspondem
vernas fazem parte de um contexto e estão intima-
a canalículos ou estrias na rocha (Figura 2.1 e Figu-
mente relacionadas com as outras formas cársticas.
ra 2.2), por vezes pontiagudos, que são formados
pela ação da água ácida da chuva. Esta mesma
água, ao penetrar no solo absorve ainda mais di-
óxido de carbono associado a raízes de plantas e
ao húmus. Ao atingir a rocha a água estará bastan-
te ácida, podendo então dissolver o calcário e alar-
gar as fraturas da rocha.
Dolinas estão entre as formas cársticas mais co-
muns. Consistem em depressões no terreno por ve-
zes suaves, por vezes abruptas (Figura 2.3 e Figura
2.4). Podem ser formadas pela lenta dissolução de
uma fratura, levando ao rebaixamento da superfí-
cie da rocha, ou mesmo pelo desmoronamento de Figura 2.3 Principais tipos de dolinas.

2 GE OE S P E LE OLOGIA 25
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Cavernas secundárias são aquelas geradas


após a rocha ter sido formada. Inclui a maioria es-
magadora das cavernas conhecidas, como as ca-
vernas cársticas.
Uma segunda maneira de classiicar as caver-
nas diz respeito à forma de atuação do agente es-
peleogenético. Duas grandes categorias podem ser
diferenciadas. Cavernas exógenas são criadas por
meio de agentes que atuam no exterior do maci-
ço rochoso, de fora para dentro. Exemplos típicos
Figura 2. 4 Dolina de colapso em zona urbana. Sete Lagoas, seriam as cavernas litorâneas formadas pela erosão
MG, 1988.
de ondas, bastante freqüentes em todo o litoral bra-
As cavernas podem ser primárias ou secun- sileiro, como nos basaltos de Torres, RS, ou a Gruta
dárias. Cavernas primárias são aquelas formadas Que Chora, em Ubatuba, SP. Cavernas geradas pela
simultaneamente às rochas que a contem. O me- ação de ventos são comuns em áreas desérticas,
lhor exemplo seriam os tubos de lava, freqüen- não tendo sido descritas até o momento no Brasil.
tes em regiões vulcanicamente ativas, e ainda não Outro tipo de caverna exógena são abrigos gera-
descritas no Brasil. Durante a erupção de um vul- dos por erosão lateral de rios. São normalmente de
cão, a lava (rocha em estado líquido) escorre pelas reduzidas dimensões e em litologia variada, estan-
encostas da montanha. A lava tenderá a se esfriar do descritas em vários locais do Brasil. Orifícios ou
e solidiicar na área externa (contato com o ar) e reentrâncias em rochas graníticas recebem o nome
no contato com o piso da montanha. No entanto, genérico de tafone. Os tafoni (forma plural de tafo-
no núcleo a lava continuará a luir. Quando cessar ne) podem ser de grandes dimensões, chegando
o suprimento de lava, devido ao término da erup- a formar cavernas. Na região próxima a Milagres,
ção ou alteração da rota de escoamento, um con- BA, às margens da BR-116, existem belos exemplos
duto tubular será gerado. As cavernas em tubo de de cavidades deste tipo (Figura 2.5). Sua gênese é
lava estão normalmente muito próximas à superfí- provavelmente devido à ação física do intemperis-
cie, sendo por isto muito afetadas por abatimentos. mo no maciço rochoso. Muitos tafoni não chegam
Desta forma, este tipo de caverna tem vida normal- a constituir cavernas, por serem pouco profundas
mente curta, estando preservada apenas em locais em relação à altura da entrada.
de erupção recente, de até alguns milhares de anos.
No Brasil, as atividades vulcânicas são mais antigas,
e qualquer tubo de lava gerado no passado, pro-
vavelmente terá sido destruído pela erosão. Outro
exemplo de caverna primária seriam as cavernas
em tálus. Tálus são zonas de abatimentos, muito
freqüentes em encostas de morros de granito ou
gnaisse. Os recessos entre os blocos podem for-
mar uma série de espaços vazios interconectados.
Algumas das maiores cavernas graníticas do país
são na verdade cavernas em tálus, como a Gruta
Figura 2.5 Tafoni na região de Milagres/Itatim, Bahia. As letras
do Quarto Patamar na Serra de Paranapiacaba, SP.
da palavra Tyresoles possuem cerca de 6 m de altura.
Cavernas em tálus ocorrem também em quartzito
e minério de ferro.

26 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Cavernas endógenas, por outro lado, são for- geralmente associada à ocorrência de rochas
madas primordialmente por agentes atuantes no solúveis, que pode congregar diversas formas
interior da rocha. Um exemplo seriam as cavernas de relevo cárstico e pseudocárstico tais como
tectônicas, representadas por fraturas ou falhas dolinas, lapiás e cavernas, delimitada por um
abertas pela movimentação natural das camadas conjunto de fatores ambientais especíicos
rochosas. Outro tipo seriam as cavernas cársticas, para sua formação.
formadas pela ação química da água ácida em ro- A deinição apresentada pelo Decreto Fede-
chas solúveis. A maioria esmagadora das cavernas ral é de difícil aplicação. No enfoque local, no caso
existentes no planeta é deste segundo tipo. Tra- de estarmos lidando com cavernas secas e isola-
taremos principalmente das cavernas em rochas das na paisagem (como o caso de muitas caver-
carbonáticas, que perfazem a maior parte das ca- nas em tálus ou em minério de ferro) a área a ser
vernas conhecidas. Cavidades em outros tipos de considerada seria a própria caverna e seu entorno
rocha, como rochas siliciclásticas (arenitos, quart- imediato. Em muitas regiões teríamos dezenas ou
zitos, conglomerados), e em minério de ferro serão centenas de zonas de enfoque local.
também abordadas. Também a deinição de enfoque regional é
2.2 Unidade Geomorfológica e Unidade pouco coerente, por ser por demais ampla. Alguns
Espeleológica grupos ou formações geológicas (como o grupo
Os conceitos de “Unidade Geomorfológica” e “Uni- Bambuí ou a Formação Sete Lagoas nele inserida)
dade Espeleológica” aplicados a espeleologia foram se estendem por milhares de quilômetros, fazen-
introduzidos a partir da publicação do Decreto Fe- do com que o enfoque regional seja exagerada-
deral 6640 em ins de 2008. Estes termos, segun- mente grande.
do a Instrução Normativa No 2, dizem respeito Já as deinições da Instrução Normativa são
respectivamente ao enfoque local e enfoque re- mais coerentes, propiciando a deinição de áreas
gional. Segundo o Decreto 6640 estes termos são de enfoque local e regional “administráveis” do pon-
deinidos como: to de vista ambiental. O enfoque regional (Unidade
• Enfoque Local – Unidade Espacial que englo- Espeleológica) guarda relação com o conceito de
ba a cavidade e sua área de inluência. Províncias e Distritos Espeleológicos originalmente
deinidos por Karmann e Sánchez (1980), embora
• Enfoque Regional – Unidade espacial que en-
exija um detalhamento melhor. A deinição des-
globa no mínimo um grupo ou formação ge-
tes parâmetros deverá ser efetuada dentro de ba-
ológica e suas relações com o ambiente no
ses cientíicas, levando em consideração aspectos
qual se insere.
espeleológicos e isiográicos em geral.
Já a Instrução Normativa fornece uma deini-
ção muito distinta: 2.3 Espeleogênese em cavernas em rochas
carbonáticas
• Enfoque Local (Unidade Geomorfológica) – Rochas carbonáticas (calcários, dolomitos, már-
Unidade geomorfológica que apresente con- mores em vários níveis de pureza) possuem a pro-
tinuidade espacial, podendo abranger feições priedade de serem solúveis ao ataque de águas
como serras, morrotes ou sistema cárstico, o ácidas. Estas rochas irão concentrar a maior par-
que for mais restritivo em termos de área, des- te das cavernas existentes no planeta. O dolomito
de que contemplada a área de inluência da e o mármore são menos solúveis que os calcários.
cavidade. Isto não impede, no entanto, que longas e amplas
• Enfoque Regional (Unidade Espeleológi- cavernas se formem nestas rochas. A maior caver-
ca) – Área com homogeneidade isiográica, na brasileira, a Toca da Boa Vista, com mais de 100

2 GE OE S P E LE OLOGIA 27
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

km explorados, se insere em dolomitos. De uma As diversas formas de recarga da água, a es-


forma geral, os processos envolvidos na gênese trutura da rocha, a direção de escoamento da água
de cavernas em rochas carbonáticas são similares subterrânea, entre outros fatores, irão inluenciar o
nestas três litologias, o que permite que se trate o padrão das cavernas. Em planta, após o levantamen-
assunto de uma forma uniicada. to topográico, pode-se observar que a coniguração
As cavernas são “anomalias“ na massa rochosa. espacial das cavernas tende a seguir determinados
A maior parte do volume dos carbonatos é essen- padrões. Segundo Palmer (1991) existem 5 padrões
cialmente maciça, não possuindo grandes espaços planimétricos principais de cavernas. A Figura 2.7
vazios. Worthington (1991) estima que em carbo- mostra estes padrões. Cavernas dendríticas consti-
natos carstiicados, a porosidade devida a cavernas tuem o tipo mais comum. Consistem em um con-
ica entre 0,1-1%. As cavernas estão geralmente con-
dicionadas a certos níveis ou horizontes de desen-
volvimento. Lowe (1992) acredita que horizontes de
iniciação na rocha condicionam a localização dos
condutos e a própria existência da caverna. Estes
horizontes podem ser o contato entre rochas so-
lúveis e insolúveis, que segundo Palmer (1991) res-
pondem pelo controle geológico de 18% de todas
as cavernas conhecidas. Algumas grutas no carste
do Vale do Ribeira e em Lagoa Santa se posicionam
em contatos litológicos. Fraturas (planos de ruptura
normalmente verticalizados de origem tectônica,
Figura 2.6), falhas (planos de ruptura verticalizados
com movimentação relativa entre os lados) e planos
de acamamento (plano horizontalizado que divide
diferentes camadas da rocha) são os horizontes de Figura 2.7 Padrões morfológicos de cavernas segundo Palmer
iniciação mais propícios para a espeleogênese. De (1991).
acordo com Palmer (1991), 99% das galerias de ca- duto de um rio (ativo ou pretérito) principal com
vernas estão orientadas segundo estas estruturas. condutos laterais se unindo como tributários. A Gru-
Outros horizontes favoráveis podem ser níveis de ta do Cesário, em Campo Formoso, BA, é um exce-
minerais sulfetados, níveis de distinta granulome- lente exemplo de caverna dendrítica (Figura 2.8).
tria, horizontes com carstiicação pretérita (paleo- Cavernas reticuladas possuem galerias condiciona-
carste), entre outros. das por fraturas, que se entrecruzam em angulos
determinados pela estrutura da rocha. A Lapa Nova,
em Vazante (MG), consiste em exemplo bem conhe-
cido. Cavernas anastomóticas (ou anastomosadas)
apresentam diversas galerias curvilíneas que se en-
trelaçam. A Gruta da Escada, em Matozinhos, MG,
exempliica este padrão. Cavernas espongiformes
se caracterizam por um padrão de salas e condu-
tos de formato irregular, se unindo como os poros
de uma esponja. Muitas das cavernas inseridas no
calcário da Formação Caatinga possuem este tipo
Figura 2.6 Dolina de entrada da Gruta do Centenário, Pico do de padrão. Setores labirínticos da Toca dos Ossos,
Inicionado, MG, notando-se o intenso fraturamento.

28 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

em Ourolândia, ilustram magniicamente este tipo


morfológico. Cavernas ramiformes mostram con-
dutos de peril e seção irregular, se ramiicando de
forma errática. As cavernas no Grupo Una, na re-
gião de Campo Formoso, possuem esta morfolo-
gia, como a Toca da Barriguda (Figura 2.9). Muitas
cavernas mostram uma morfologia que abrange
mais de um padrão, assim como gradação entre es-
tes padrões podem ser comuns. Da mesma forma,
muitas cavernas são apenas fragmentos de outro-
ra grandes sistemas, em que um padrão morfoló-
gico não pode ser determinado com precisão. O
termo genérico "caverna labiríntica", muito usado
por exploradores e espeleólogos, pode indicar ca-
vernas do tipo espongiforme, ramiforme, reticulado
ou mesmo anastomótico, dependendo da densi-
dade de galerias que se interconectam.
Cavernas epigênicas são aquelas geradas pelo
luxo de água a partir de zonas de recarga na su-
perfície, oriundas de águas meteóricas (de chuva
ou de rios supericiais). Compreendem a grande
maioria das cavernas existentes. No entanto, várias
cavernas, incluindo a maior do Brasil e algumas das
maiores do mundo, ocorrem devido a ação quí-
mica de águas ascendendo em profundidade, ou
acidiicadas no interior do maciço rochoso. Esta ca-
Figura 2.8 Gruta do Cesário, Campo Formoso, BA, uma caverna
dendrítica. tegoria recebe o nome de cavernas hipogênicas.

Figura 2.9 Toca da Boa Vista, Campo Formoso, BA, uma caverna reticulada/ramiforme.

2 GE OE S P E LE OLOGIA 29
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Cavernas Epigênicas torrenciais. Outras cavernas possuem uma zona su-


Nas cavernas epigênicas a água se iniltra no ma- perior vadosa, atingindo o lençol freático e pros-
ciço rochoso a partir do exterior. A maneira como seguindo alagada na zona freática. Estes exemplos
esta iniltração se dá será importante na deinição mostram que as cavernas podem existir em todas
do padrão das galerias. Em locais onde o iniltração as zonas hidrológicas, possuindo frequentemente
é pontual, como por exemplo em um sumidouro galerias em mais de uma delas.
ou em fundo de dolina, a tendência será a forma- Experimentos realizados em gesso mostram
ção de uma caverna do tipo dendrítica. No caso de como ocorre a propagação de galerias a partir de
uma iniltração difusa, como em uma zona de inun- um ponto de iniltração. Inicialmente, sob luxo la-
dação, cavernas labirínticas do tipo reticulado ou minar, forma-se uma série de pequenos canalículos
anastomótico podem se formar. Auler (1995) mos- que se propagam em direção ao ponto de saída.
trou que boa parte das cavernas do carste de La- Quando um desses protocondutos consegue se co-
goa Santa são labirintos reticulados formados pela nectar ao ponto de saída, ele passará a transmitir
iniltração difusa da água de lagos. uma quantidade maior de água, se alargando mais
As cavernas podem ocorrer em todos os tipos rapidamente. Isto fará com que os outros condutos
de zonas hidrológicas. Na zona freática, os condu- se desenvolvam em direção a ele, ou então sejam
tos tenderão a escolher o percurso mais simples de abandonados, iniciando uma caverna de padrão
acordo com o gradiente hidráulico, em direção à dendrítico. Pesquisas mostram que um importan-
zona de descarga. Assim sendo as fraturas e os pla- te incremento na taxa de dissolução de um proto-
nos de acamamento mais propícios serão utilizados. conduto se dá quando ele ultrapassa o limite de
Extensas cavernas se desenvolvem totalmente na transição entre o luxo laminar e turbulento. O luxo
zona freática. Um exemplo seria os sistemas quilo- passará a ser turbulento quando o protoconduto
métricos de cavernas alagadas na Flórida, USA. No atingir um diâmetro por volta de 10 mm, depen-
Brasil, cavernas exploradas por espeleomergulha- dendo do gradiente hidráulico e da temperatura.
dores como a Nascente do Rio Formoso, em Boni- Em termos de química, é necessário que a água
to, MS ou o Sistema da Pratinha em Iraquara, BA, mantenha sua capacidade dissolutiva ao longo de
exempliicam cavernas na zona freática. Na zona todo o percurso. A medida que ela dissolve o car-
vadosa, um tipo de caverna bastante simples é for- bonato, a água vai se tornando saturada, diminuin-
mado quando a água se iniltra em um abismo e do assim a capacidade de alargar o conduto. No
percorre fraturas e planos de acamamento até atin- entanto, essa diminuição se dá de forma bastante
gir a zona freática. Neste tipo de caverna o curso lenta, tornando possível que longos protocondutos
d'água, por vezes temporário, não está conectado sejam alargados. Worthington & Ford (1995) acredi-
ao aqüífero e luirá independentemente do nível tam que além do ácido carbônico, o ácido sulfúri-
de base até adentrar a zona freática. Diversas cavi- co, ainda que em pequenas quantidades, pode ser
dades verticalizadas em várias regiões brasileiras se- importante na iniciação de condutos.
guem este tipo de modelo, como alguns abismos Ford & Ewers (1978) propuseram um modelo
no Vale do Ribeira, SP. Muitas cavernas também se espeleogenético que é ilustrado na Figura 2.10. De
desenvolvem no contato entre estas zonas hidroló- acordo com esse modelo, a densidade das juntas
gicas. Em regiões de climas sazonais, como a maior na rocha irá deinir o tipo de caverna gerado. Em
parte do Brasil, diversas cavernas tornam-se alaga- carbonatos dobrados com pequena densidade de
das quando de chuvas intensas, transicionando da juntas, o luxo tenderá a seguir as poucas zonas de
zona vadosa para freática. Um bom exemplo são os descontinuidade disponíveis, adotando um per-
condutos e "teto baixo" da Gruta Olhos d Água, em il com "loops" profundos. A medida que a densi-
Itacarambi, MG, que inundam quando de chuvas dade de juntas aumenta, a água poderá escolher

30 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Depois que o conduto passa pela fase de ini-


ciação, ele pode evoluir de duas maneiras prin-
cipais. Na paragênese (Renault, 1968), o conduto
evolui ascendentemente. Na singênese ele evolui
descendentemente. Inicialmente, com o conduto
totalmente na zona freática, a água, dissolve teto,
paredes e piso ao mesmo tempo favorecendo o
aparecimento de uma seção aproximadamente cir-
cular. Com o rebaixamento do nível freático, o topo
do conduto passa a possuir ar e, portanto, a disso-
lução passará a ocorrer somente no piso, criando
pouco a pouco um peril do tipo cânion. As altas
galerias de rios no carste do Vale do Ribeira são câ-
nions vadosos que evoluiram desta maneira. Re-
baixamentos abruptos do nível de base, ou juntas
favoráveis, podem causar a migração da água para
condutos inferiores independentes, deixando se-
cas as galerias superiores. A evolução descenden-
te será atenuada quando um nível impermeável
for atingido. Os grandes sistemas do carste de São
Domingos, GO, constituem belíssimos exemplos
de cânions vadosos que atingiram (e escavaram)
Figura 2.10 Modelo de Ford & Ewers, relacionando rotas de luxo um embasamento ígneo.
e densidade de fraturamento.
Em uma evolução paragenética (Figura 2.11), o
rotas de luxo mais retilíneas, culminando no caso luxo lento da água permite que se acumule sedi-
de cavernas essencialmente planas que seguem o mento no piso. Este sedimento impermeabilizará
contorno do lençol freático. No Brasil, onde muitos a base, fazendo com que a água dissolva prefe-
dos nossos carbonatos são horizontalizados, as ca- rencialmente no teto. Assim o conduto evoluirá
vernas tenderão a seguir planos de acamamento ascendentemente, havendo um equilíbrio entre a
subhorizontais, gerando uma morfologia de am- deposição de materiais inos no piso e a dissolução
plos e longos condutos com poucos desníveis. Um no teto. O desenvolvimento paragenético cessará
bom exemplo seria a extensa galeria principal da quando for atingido o nível freático. Em um con-
Gruta do Padre, no oeste baiano. duto paragenético preservado, os sedimentos pre-
Segundo Worthington (1991), a extensão da enchem um cânion, deixando um espaço vazio no
bacia de drenagem e o mergulho e a direção das topo. No carste de Lagoa Santa, entre outros locais,
camadas de carbonato são os principais fatores a é nítida uma fase paragenética.
determinar a que profundidade em relação ao nível Numerosas formas esculpidas pelas águas nas
freático a maior parte dos condutos irá se desen- paredes, piso e teto de galerias podem fornecer in-
volver. Cavernas ativas existem a grande profundi- dícios importantes a respeito dos processos envol-
dade, conforme demonstrado pela exploração por vidos na espeleogênese. Estas feições recebem o
submersíveis e espeleomergulhadores. Profundida- nome genérico de espeleogens. Ondas de erosão
des acima de 300 m já foram atingidas em alguns (ou scallops) são concavidades nas paredes que são
locais. No Brasil, a Lagoa Azul, em Niquelândia, GO, bastante úteis para se interpretar direção de luxo
foi explorada até -260 m. em galerias secas. Possuem um bordo mais suave e

2 GE OE S P E LE OLOGIA 31
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Figura 2.12. Scallops no teto de uma galeria de caverna.

Cúpulas são depressões arredondadas que


ocorrem em geral no teto, condicionadas por fra-
turas. Sua gênese é controvertida. Alguns autores
acreditam que são geradas por corrosão de mistu-
ra, quando do contato entre águas que descendem
pela fratura com águas que preenchem totalmen-
te o conduto da caverna. Outras hipóteses incluem
dissolução por contato entre a água da fratura e o
ar da caverna, ou mesmo por dissolução devido a
águas ácidas injetadas durante inundações. Caver-
nas hipogênicas apresentam este tipo de feição,
neste caso sendo interpretadas como formadas
por dissolução por água ascendente sob pressão
ou pelo próprio vapor associado ao ar da caverna.
Anastomoses são um conjunto de canalículos no
teto ou paredes. São bastante comuns em caver-
nas paragenéticas, formando-se no contato entre
sedimento e solo. Anastomoses podem também
evidenciar a fase inicial de espeleogênese em uma
caverna. Pendentes são projeções nos tetos. Bas-
tante comuns em cavernas que foram preenchidas
por sedimentos, tem sua gênese provavelmente re-
lacionada à dissolução diferencial na interface se-
Figura 2.11 Evolução paragenética de uma galeria (peril e dimento-rocha (Figura 2.13).
seções) segundo Pasini (1967).
Cavernas vadosas podem ser percorridas por
rios. Neste caso a água não mais ocupará todo o
outro mais inclinado. A direção pode ser determina-
perímetro da galeria (salvo as vezes em caso de
da facilmente, sempre do lado mais inclinado para
enchentes) e a gruta tenderá a ser escavada para
o lado mais suave. Conhecida a largura do conduto
baixo, da mesma forma que um rio escava um câ-
e o comprimento da onda de erosão, com o auxí-
nion. Na fase vadosa também tem início a formação
lio de um gráico pode-se determinar a velocida-
de espeleotemas, depósitos cristalinos muito fre-
de da água que gerou aquele conduto (Figura 2.12).
qüentes em grutas. A caverna pode eventualmente

32 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

subterrânea produzindo o ácido sulfúrico que dis-


solve a caverna. A origem do H2S pode estar ligada
a bacias de hidrocarbonetos (petróleo), como no
caso das enormes cavernas de Lechuguilla e Carl-
sbad nos Estados Unidos. A oxidação de lentes de
pirita, um mineral do grupo dos sulfetos de ocor-
rência freqüente em carbonatos, pode vir a gerar
ácido sulfúrico em quantidades suicientes para
formar grandes cavernas. Este parece ser o agen-
te principal responsável em maior ou menor grau
Figura 2.13. Pendentes na Gruta dos Túneis, Lagoa Santa, MG. pela gênese de diversas cavernas em litologias do
Grupo Una, centro Norte da Bahia, como a Toca da
tornar-se totalmente seca e por im se aproximar Boa Vista (Auler et al. 2003).
(devido à erosão do terreno e soerguimento) da Cavernas hipogênicas diferem em alguns as-
superfície e ser removida pela erosão (Figura 2.14). pectos importantes de suas correspondentes epi-
O processo de formação e evolução de uma gênicas. Como foram criadas a partir do interior da
caverna é lento e pode levar milhões de anos. Du- rocha, não possuem qualquer relação com o ter-
rante todo este processo existem vários fatores e reno supericial. Suas entradas são normalmente
variáveis que interferem e dão às cavernas uma abatimentos fortuitos devido à interceptação de
grande variabilidade de formas e tamanho. condutos preexistentes quando do rebaixamento
natural da superfície. Sedimentos luviais são em
Cavernas hipogênicas
geral ausentes. A mineralogia dos espeleotemas
Em uma caverna hipogênica, o agente ativo na
é distinta, destacando-se, no caso de cavernas for-
dissolução provem da subsuperfície, podendo ser
madas por ácido sulfúrico, espeleotemas de ges-
tanto ácido carbônico quanto ácido sulfúrico. A
so. Pendentes, cúpulas e forte intemperismo na
água ascendente, normalmente aquecida devido
rocha são outras feições típicas. Cavernas hipogê-
à profundidade, pode vir carregada destes ácidos.
nicas não possuem necessariamente entradas, e
Cavernas criadas desta forma são denominadas
portanto podem permanecer à margem das des-
cavernas hidrotermais. Ácido sulfúrico é o agen-
cobertas espeleológicas, dando a falsa impressão
te principal na gênese de muitas cavernas hipo-
de que representam uma tipologia rara no contex-
gênicas. Pode ser produzido a partir do gás H2S
to espeleológico.
que ascende pela rocha e se mistura com a água

Figura 2.14 Ao inal da evolução de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e erosão supericial.

2 GE OE S P E LE OLOGIA 33
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Espeleogênese em cavernas não carbonáticas ferro alterado de alta porosidade que chega a atin-
Dentre as rochas não carbonáticas onde ocorrem gir 50% do volume da rocha. Em regiões de miné-
processos de dissolução e conseqüente geração de rio de ferro silicoso, a dissolução da sílica também
um número expressivo de cavernas cita-se o ges- exerce um papel importante.
so, o sal, o gelo, o quartzito, o arenito e o minério Uma vez que o enriquecimento supergêni-
de ferro. Cavernas em gesso, sal e gelo ainda não co consiste na retirada de matéria do protominé-
foram descritas no Brasil, ao passo que cavidades rio (lixiviação), além do aumento residual do teor
nas demais litologias mencionadas são bastante em ferro, o processo promove também um signi-
freqüentes, inserindo-se os exemplos brasileiros icativo aumento da porosidade e permeabilida-
entre os mais representativos do mundo. Iremos de do corpo mineral. Ribeiro (2003), trabalhando
enfatizar, pois, cavernas em arenito/quartzito e em no Quadrilátero Ferrífero, demonstrou que pode
minério de ferro. haver uma redução de até 40% do volume da ro-
Quartzitos e arenitos são rochas assemelha- cha, resultando em minério friável com alta poro-
das, compostas principalmente por sílica, sendo sidade. A remoção de sílica e/ou dolomito resulta
que os quartzitos são basicamente arenitos que em uma concentração e conseqüente geração de
sofreram metamorismo, ou seja, foram sujeitos à zonas com minérios de ferro de alto teor (proces-
alta temperatura e pressão. Os processos espeleo- so supergênico).
genéticos que atuam em arenitos e quartzitos são A morfologia espongiforme e o fato de que a
similares. A sílica e o quartzo são muito pouco so- entrada é muitas vezes dimensionalmente incom-
lúveis, mas sob climas quentes podem sofrer lenta patível com os condutos interiores leva a supor
dissolução. Esta dissolução inicial irá permitir que que algumas das cavernas tivessem, originalmen-
a água comece a circular em canalículos (protoca- te, evoluído no interior do maciço, sem uma saída
vernas) removendo os grãos de quartzo e alargan- para o exterior (caverna oclusa). Da mesma forma,
do por ação mecânica o conduto. Estes processos galerias maiores conectadas por condutos meno-
ocorrerão preferencialmente nos planos de descon- res podem ter evoluído independentemente e pos-
tinuidade da rocha. Em quartzitos e arenitos, a dis- teriormente terem se conectado.
solução cumprirá um papel inicial importante, mas Autores como McFarlane & Twidale (1987) acre-
quantitativamente menor quando comparado com ditam que a dissolução dos óxidos de ferro, e não
a evolução por erosão, que será responsável pelo somente de sílica e dolomita, são essenciais na
efetivo alargamento dos condutos. Portanto, uma carstiicação em minério de ferro. A criação do que
primeira fase dissolutiva leva à remoção do cimen- McFarlane & Twidale (1987) chamaram de “zonas pá-
to silicoso que une os grãos de quartzo, ou mesmo lidas” no saprólito dependeria da lixiviação de fer-
à dissolução das bordas dos cristais de quartzo, fa- ro. Devido ao caráter pouco solúvel de óxidos de
zendo com que os mesmos iquem soltos. A ação ferro, estes autores evocam a atuação de agentes
erosiva da água pode, então, facilmente remover microbiológicos, já que existem microorganismos
estes grãos, criando as cavernas. capazes de remover Fe através de complexação e
Em minério de ferro pouco se sabe sobre a gê- formação de quelatos que possuam ainidade com
nese das cavernas. Simmons (1963), trabalhando em o ferro. Ainda não há dados para quantiicar a per-
áreas com presença de minério de ferro dolomítico da de volume da rocha via dissolução do ferro. Ex-
no Quadrilátero Ferrífero, foi pioneiro em atribuir a pressivos espeleotemas (pingentes) formados por
gênese de cavernas em minério de ferro e canga oxi-hidróxidos de ferro demonstram a solubilida-
a processos de dissolução. Segundo ele, a dissolu- de do ferro.
ção do dolomito, mas também de quartzo e hema- Na Serra dos Carajás duas fases espeleogenéti-
tita, leva à formação de uma zona de minério de cas foram propostas por Pinheiro & Maurity (1988).

34 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Durante a primeira fase, inteiramente na zona freá- processos de abatimento de blocos, é responsável
tica, ocorre a formação de complexos alumino-fer- pela maior parte da morfologia atualmente obser-
rosos e argilo minerais instáveis de Fe, Al e Si que vada nas cavernas de minério de ferro estudadas.
preenchem os vazios da canga e da Formação Fer- Evolução ascendente de galerias, devido à abati-
rífera Bandada, mas também ocorrem em níveis in- mentos, é também freqüente em algumas grutas.
feriores a esta. A remoção deste material residual
Gênese única ou rara
instável leva à formação de cavidades irregulares
O conceito de raridade depende, claro, do que se
que podem ser observadas nas paredes e cavidades
considera comum. Para ser utilizado de forma co-
das cavernas (Pinheiro & Maurity, 1988). A segun-
erente é necessário haver uma amostragem signi-
da etapa, ainda na zona freática, envolve proces-
icativa do atributo em questão. Por exemplo, se
sos erosivos (piping) que basicamente expandem
conhecemos apenas poucas cavernas em determi-
as cavidades geradas na primeira etapa, levando
nada região e somente uma delas apresenta gênese
então à formação de galerias e salões. Estes pro-
ligada a fatores hipogênicos, ela poderia ser consi-
cessos erosivos serão intensiicados quando a ca-
derada como rara. Mas isto pode ser um mero arti-
verna passar a ser exposta à atuação de processos
fício de uma amostra reduzida. Com estudos mais
vadosos, propiciando também a atuação de pro-
aprofundados, pode-se comprovar que a hipoge-
cessos de abatimento (Pinheiro & Maurity, 1988).
nia é freqüente naquela área e, com isto, sua gê-
Piló & Auler (2005), em revisão sobre o tema,
nese perderia a “raridade”.
adotam muitas das idéias discutidas anteriormen-
Como regra geral, cavernas geradas por pro-
te, admitindo a existência de duas etapas distintas,
cessos hipogênicos tendem a ser mais raras do
a primeira delas com predominância de processos
que cavernas epigênicas. Outro tipo bastante raro
dissolutivos (químicos) e a segunda sob a ação de
de gênese de cavernas é quando há contribuição,
processos erosivos (físicos). A primeira etapa, endó-
na escavação de algumas galerias, de animais da
gena, envolve reações químicas no interior da mas-
megafauna, como tatus gigantes. Poucas cavernas
sa rochosa na zona freática, gerando zonas de alta
apresentam este tipo de gênese. Cavernas geradas
porosidade. Posteriormente o material friável resul-
por processos hidrotermais também são pouco co-
tante será lixiviado para o exterior através de pro-
muns. Cavernas em que há contribuição signiicati-
cessos similares ao piping descrito para cavidades
va de corrosão por águas de condensação também
em rochas siliciclásticas. Esta segunda etapa, inicia-
devem ser consideradas como raras.
da na zona freática, pode ter continuidade na zona
Cavernas em rochas pouco propícias ao ca-
vadosa, quando os processos de piping podem vir
vernamento, como granitos, gnaisses, siltitos, so-
a ser favorecidos.
los, etc, são normalmente feições menos comuns,
Bordas de topo de serras, áreas onde haja que-
podendo ser raras dependendo das circunstâncias.
bra de relevo, ou encostas íngremes, são locais em
que o gradiente hidráulico do lençol freático será Morfologia única e estrutras
mais pronunciado, resultando em uma maior velo- espeleogenéticas
cidade da água subterrânea e concomitante maior De modo a se auferir se determinada morfologia é
capacidade erosiva da mesma. única deve-se fazer uma comparação com a mor-
Iniciada a etapa erosiva das cavidades e sendo fologia das cavernas conhecidas, tanto no enfoque
estabelecida uma saída para o exterior, os processos local quanto regional. Para tal comparação é ne-
físicos serão incrementados. Material de granulo- cessária observação do mapa da caverna, buscan-
metria ina será aportado para o interior das caver- do-se determinar o seu padrão planimétrico em
nas, principalmente via canalículos, de onde será relação aos padrões morfológicos conhecidos (den-
evacuado para o exterior. Esta fase erosiva, aliada a drítico, ramiforme, espongiforme, anastomosado e

2 GE OE S P E LE OLOGIA 35
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

reticulado). Caso determinada morfologia seja muito aspectos biológicos, não será tratada neste módulo.
pouco freqüente poderá ser considerada como rara. Os sedimentos clásticos compreendem des-
A morfologia pode também referir-se às micro- de material com tamanho de blocos até minúscu-
formas (espeleogens), como cúpulas, scallops, etc. los grãos de areia. A maior parte provem de fora
A legislação refere-se a estas microformas como “es- da caverna (sedimentos alóctones), embora algu-
truturas espeleogenéticas”. A descrição geológica mas rochas como calcários impuros, quartzitos ou
das cavernas deverá conter registro da ocorrência, arenitos, forneçam sedimentos provindos do inte-
dimensão e demais características dos espeleogens. rior da própria caverna (sedimentos autóctones).
Uma análise comparativa com as demais cavernas A composição da sedimentação alóctone de-
no enfoque regional e local poderá deinir se de- pende da área fonte. No caso de depósitos aluviais
terminada morfologia é ou não única. (trazidos por rios) pode representar material oriun-
Os padrões do tipo ramiforme e espongiforme do de áreas distantes, inseridas na bacia de capta-
tendem a ser quantitativamente mais raros, embo- ção da drenagem. Este material tenderá a possuir
ra diicilmente sejam únicos. Espeleogens tendem graus variados de arredondamento, fruto do trans-
a ser comuns em cavernas carbonáticas, mas raros porte desde a área fonte. Por vezes é possível dis-
ou inexistentes em grutas em rochas siliciclásticas tinguir gradações na granulometria, importantes
ou em minério de ferro. para se determinar o ambiente deposicional. Por
exemplo, sedimentos de granulação muito ina,
Estruturas geológicas de interesse cientíico
como argila, normalmente indicam sedimentação
Compreendem feições geológicas como conta-
em situações de água estagnada ou de luxo muito
tos entre litologias diferentes, estruturas na rocha
lento. Já sedimentos de granulometria mais gros-
como dobramentos, falhas, feições deposicionais,
seira, como seixos ou calhaus, necessitam de con-
etc. As cavernas, por propiciarem uma visão inter-
siderável caudal e normalmente são oriundos de
na do aloramento rochoso, apresentam o poten-
luxo com maior velocidade.
cial para esclarecer questões fundamentais relativas
Entre os sedimentos autóctones, blocos caídos
à história geológica de determinada área, princi-
do teto perfazem a maior parte da sedimentação.
palmente se houver ausência de aloramentos na
Os abatimentos são processos naturais, inerentes
superfície. Um relatório geoespeleológico bem es-
ao ciclo evolutivo das cavernas. Lembrando que
truturado conterá descrição destas feições, permi-
o vazio representado pela caverna suporta milha-
tindo uma análise comparativa em relação a outras
res de toneladas de rocha acima; há uma conside-
cavernas em escala regional e local.
rável tensão no maciço rochoso. Os abatimentos
representam alívios de tensão, a partir dos quais
2.4 Sedimentação em cavernas
a caverna busca atingir uma forma mais estável
2.4.1 Sedimentação clástica que melhor se ajuste ao jogo de tensões. Os aba-
A maior parte das grutas apresenta algum tipo de timentos ocorrem de forma espaçada no tempo,
sedimentação. Em geral são argilas ou areias trazi- não constituindo um perigo que deva preocupar
das por rios ou enxurradas a cobrir o piso da ca- os espeleólogos. Blocos podem ser de vários ta-
verna ou material desprendido do teto e paredes. manhos, desde blocos com mais de 50 m de altu-
Os sedimentos de origem não química podem ser ra, como na Gruta dos Brejões (BA) até diminutas
classiicados em dois grandes grupos, ou seja, aque- lascas. Outra forma de sedimentação autóctone
les originários a partir de rochas (sedimentos clás- compreende material insolúvel (impurezas) comu-
ticos) ou aqueles derivados de material orgânico. mente encontradas em meio à rocha matriz, como
Sedimentação orgânica, por guardar relação com bolsões de argila ou zonas arenosas.

36 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Praticamente todas as cavernas apresentam das cavernas. Os diferentes tipos de circulação de


tanto sedimentação alóctone quanto autóctone, água dão origem a formas distintas de espeleote-
embora sedimentação alóctone seja mais comum mas. Águas gotejantes podem formar estalactites
em cavernas carbonáticas. Grutas hipogênicas ten- no teto. As estalactites apresentam muitas vezes
dem a apresentar reduzida sedimentação alócto- formato de um ino tubo apresentando um duto
ne, como é o caso da Toca da Barriguda e Toca da central por onde circula a água. Este tipo de esta-
Boa Vista. Grutas em minério de ferro e em rochas lactite recebe o nome popular de “canudo de re-
siliciclásticas apresentam predominantemente se- fresco”. Este duto central pode vir a ser entupido (ás
dimentação autóctone. Temos, por im, o exemplo vezes pelo próprio crescimento de cristais). Não po-
de grutas em tálus que são constituídas por espa- dendo circular pelo interior da estalactite, a água
ços vazios em meio a blocos abatidos. passa a escorrer pelas bordas, dando origem a es-
talactites de formato cônico. Quando a freqüência
2.4.2 Sedimentação química
do gotejamento é alta, não há tempo para depo-
Os depósitos cristalinos formados no interior da ca-
sitar na estalactite toda a carga mineral contida na
verna recebem o nome genérico de espeleotemas
gota. A gota atinge o solo e dá origem a estalagmi-
(do grego “depósitos de cavernas”). Os espeleote-
tes. A eventual junção de estalagmites e estalacti-
mas conferem beleza às cavernas, compreenden-
tes cria o espeleotema denominado coluna. Muitas
do centenas de formas, desde as mais comuns,
vezes o teto não é plano e a gota escorre deposi-
como coralóides, estalactites e estalagmites, até
tando uma delgada camada de calcita, que pode
formas muito raras encontradas em poucas caver-
crescer e formar uma lâmina tortuosa conhecida
nas. Em cavernas carbonáticas, apesar de mais de
como cortina. Outra variedade de espeleotema ori-
uma centena de minerais terem sido identiicados
ginada a partir de gotejamentos é o escorrimento
como formadores de espeleotemas, a grande maio-
de calcita. Conforme o nome indica, consiste em
ria é constituída por apenas três minerais: calcita
depósitos formados a partir do escorrimento de
(CaCO₃), o mais freqüente mineral de cavernas; ara-
água em paredes da caverna.
gonita (também CaCO₃, porém com uma estrutura
Muitas cavernas apresentam circulação de
cristalina diferente) e gipsita (CaSO₄.2H₂O). Como a
água no piso, sob forma de pequenos rios ou lagos.
cor destes três minerais é branca, esta é a coloração
É possível que esta água também esteja carregada
dominante nas ornamentações de cavernas carbo-
em minerais, podendo depositar espeleotemas. Um
náticas. No caso da calcita e da aragonita, o proces-
dos espeleotemas mais típicos gerados por águas
so mais comum de deposição envolve o processo
circulantes são as represas de travertinos, barragens
inverso à reação química de dissolução menciona-
em geral de calcita que represam água. Formam-
da anteriormente. A água saturada em carbonato
se em seqüência podendo atingir vários metros de
de cálcio (sob forma de bicarbonato de cálcio, que
altura e dezenas de metros de extensão em casos
é solúvel em água) libera dióxido de carbono (CO₂)
excepcionais. No interior das represas de traverti-
ao entrar em contato com a atmosfera da caverna.
nos, ou mesmo em lagos, pode-se formar espeleo-
O bicarbonato irá transformar-se em carbonato de
temas relacionados à águas estagnadas. Jangadas
cálcio, que é insolúvel, e portanto haverá a deposi-
constituem inas camadas de calcita que lutuam
ção do mineral sob forma de calcita ou aragonita.
na superfície da água. São formadas devido a libe-
A gipsita é diferente, depositando-se muitas vezes
ração de CO₂ a partir da superfície da água, ican-
devido á evaporação da água.
do “suspensa” pela tensão hidrostática, afundando
Portanto, os espeleotemas são sempre for-
ao menor toque. Outro espeleotema peculiar é a
mados através da precipitação de minerais a par-
pérola de caverna, semelhante às pérolas tradicio-
tir de soluções aquosas que atingem o ambiente
nais, porém formadas a partir da acumulação de

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

camadas concêntricas de calcita ao redor de um coninados. Os espeleotemas denominados lores


núcleo representado muitas vezes por pequenas também são pouco comuns e possuem grande
pedras. No interior dos lagos, cristais denomina- beleza. Algumas lores consistem em emaranha-
dos “dente de cão” podem também ser formados. dos de helictites nos remetendo a um “espague-
Em outra maneira de se formar espeleotemas te” cristalino, outras irradiam inos cristais a partir
a água pode circular através dos poros da rocha ou de um ponto único. A lores formadas pelo mine-
através de estreitas issuras, sem chegar a formar ral gipsita, apresentam em geral aspecto retorcido.
gotas. Este tipo de água é conhecido como água Espeleotemas podem também ser formados
de exsudação. É como se a rocha “suasse”. Os espe- a partir de águas de condensação, ou seja, o vapor
leotemas formados por águas de exsudação são contido na atmosfera. O ambiente no interior das
em geral mais raros e mais frágeis. As helictites, por cavernas é normalmente saturado, com a atmos-
exemplo, são formações que desaiam a lei da gra- fera se aproximando de 100% em relação à umida-
vidade, formando feições cristalinas que crescem de relativa do ar. Este vapor pode aderir às paredes
para frente ou para cima, ou mesmo apresentam e formar pequenos espeleotemas, normalmente
aspecto retorcido. Só se formam em ambientes coralóides. A Figura 2.15 ilustra alguns dos princi-
pais tipos de espeleotemas.

Figura 2.14. Ao inal da evolução de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e erosão supericial.

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Além do valor estético, os espeleotemas po- longo dos milênios, os rios subterrâneos e enxur-
dem ser utilizados para alguns trabalhos cientíicos radas foram carregando ossos de animais para o
de importância. É possível obter a idade precisa de interior das cavernas. Na caverna, a salvo das chu-
espeleotemas de calcita e aragonita através do mé- vas, do vento, do sol e da ação de outros animais,
todo que mede o decaimento radioativo do urânio os ossos foram preservados através de processos
para o tório. Estes estudos fornecem importantes de fossilização que inclui, entre outros, o recobri-
informações sobre a idade das cavernas e da pai- mento por espeleotemas, ou a substituição do ma-
sagem ao redor. As estalagmites, em particular, terial do osso por substâncias minerais. Mas nem
podem representar importantes arquivos paleo- sempre é necessário haver transporte por rios. Al-
ambientais, fornecendo informações importantes guns animais entravam nas cavernas por vontade
sobre as mudanças climáticas que ocorreram na própria, talvez em busca de água. Lá morriam e só
região da caverna no passado. viriam a ser localizados por espeleólogos após vá-
rios milênios.
2.5 Paleontologia
Muito do que se conhece sobre a paleonto-
As cavernas têm, há longos tempos, se destacado
logia de mamíferos do período Pleistoceno (o pe-
como excelentes locais para a existência e preser-
ríodo geológico que vai de cerca de 1,6 milhão de
vação de material arqueológico e paleontológico.
anos até 10 mil anos atrás) provém de estudos em
O homem primitivo utilizava as cavernas como abri-
cavernas. Ainda há muito a descobrir. No entanto,
go, morada, ou mesmo como local para rituais. Ao
é importante que, antes de remover um osso de
contrário da cultura Maia, o homem primitivo bra-
uma caverna, seja efetuado um estudo dos proces-
sileiro em geral não adentrava as cavernas, per-
sos que trouxeram o osso até aquele local, marcan-
manecendo na zona de entrada. Alguns dos mais
do-o precisamente no mapa da caverna. Apenas
importantes sítios arqueológicos do Brasil estão
depois destes estudos deve haver a remoção do
associados a cavernas. Basta lembrar as cavernas e
osso para o laboratório.
abrigos do Parque Nacional da Serra da Capivara
A fauna extinta encontrada em depósitos de
no Piauí, do vale do Peruaçu e da região de Lagoa
cavernas é variada, abrangendo muitas espécies
Santa, em Minas Gerais. Pinturas rupestres e impor-
de grande porte. Entre estas podemos mencionar
tantes vestígios de ocupação, como material lítico
o mastodonte (tipo de elefante de grande porte),
(instrumentos de pedra), cerâmico (como potes),
preguiça-gigante, macacos e tatus gigantes entre
restos alimentares e inclusive ossadas humanas e
muitos outros. O homem conviveu com alguns
de animais são comumente encontrados.
destes animais durante um período relativamente
Acredita-se que a ocupação humana no Brasil
curto. Por volta de 10 mil anos iniciou-se a extin-
ocorreu há cerca de 12 mil anos atrás, embora exis-
ção desta fauna tão particular, conhecida principal-
tam locais que apresentem evidências ainda mais
mente através de estudos em cavernas.
antigas. O homem primitivo, no entanto, continuou
a utilizar as cavernas até a chegada dos primeiros 2.6 Recursos hídricos
colonizadores europeus. Algumas cavernas apre- A água é um importante recurso no carste. Em
sentam vestígios mais recentes, estudados pela ar- regiões áridas ou semi-áridas, como no nordes-
queologia histórica, como ocupação e desenhos te brasileiro, as cavernas, na ausência de poços ou
feitos por escravos, tropeiros, entre outros. Ou seja, cisternas, representam o único local onde se pode
cavernas podem apresentar relevância histórica. acessar água (Figura 2.16). Conforme já menciona-
Muitas cavernas brasileiras são, também, riquís- do, a paisagem cárstica caracteriza-se por luxo de
simas em material fóssil pertencente à fauna já ex- água subterrâneo, com reduzida expressão luvial
tinta. Esta é a área de estudo da paleontologia. Ao em superfície.

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

sua relação com os planos de acamamento, geran-


do zonas de maior permeabilidade, a condutivida-
de hidráulica das fraturas se situará entre 10-3 a 10-6
m/s. O luxo em fraturas pode ser laminar em al-
guns casos, mas não sendo o meio granular, este
não obedecerá à lei de Darcy, podendo ser descri-
to pela lei de Hagen-Poiseuille:

Q = R2γiA/3μ onde:

Figura 2.16. Entrada de caverna associada a poço artesiano. R – raio hidráulico


Serra do Ramalho, Bahia.
γ – peso especíico
μ – viscosidade
O movimento de água subterrânea no cars-
te pode ser dividido em três componentes princi-
No entanto, o luxo em fraturas muitas vezes
pais, de acordo com o tipo de porosidade e luxo
se dará de forma turbulenta. Fraturas (ou planos de
existente. A maior parte das regiões cársticas carac-
acamamento) alargadas recebem o nome de con-
teriza-se por uma “Tripla Porosidade”, sendo esta re-
dutos. Em condutos, o luxo turbulento predomina.
presentada pela matriz rochosa, fraturas e condutos.
A porosidade total representada pelos condutos em
A porosidade na matriz rochosa é, em geral,
regiões cársticas é necessariamente variável. Porém,
baixa em se tratando de rochas maciças, antigas e
é claro que estes perfazem um volume nitidamen-
bem cristalizadas como os carbonatos brasileiros.
te inferior ao das fraturas, visto que nem todas fra-
No entanto, fácies algais, e outras variações litológi-
turas são dissolvidas de forma a se transformarem
cas podem criar zonas com maior porosidade. Esti-
em condutos. Estimativas realizadas em diversos
mativas realizadas em aqüíferos cársticos do mundo
aqüíferos do mundo mostraram valores de poro-
mostram que a porosidade na matriz atinge valores
sidade entre 0,5 a 0,001 % do volume total da ro-
entre 2 a 15% do pacote rochoso. A condutividade
cha. No entanto, por constituírem espaços vazios
hidráulica na matriz será necessariamente baixa,
muitas vezes de grandes dimensões, os condutos
entre 10-5 a 10-11 m/s. O luxo na matriz será lami-
possuem altíssima condutividade hidráulica, esta
nar, obedecendo a tradicional lei de Darcy, ou seja:
situando-se entre 10-1 a 10-5 m/s. Fluxo turbulen-
to em condutos (ou fraturas) é descrito pela lei de
Q = KAi onde:
Darcy-Weisbach:

Q – vazão
Q = A(8Rgi/f )½ onde:
K – condutividade hidráulica
A – área de luxo
g – aceleração da gravidade
i – gradiente hidráulico
f – fator de fricção

Fraturas são freqüentes em meios cársticos as-


Todas as considerações acima efetuadas leva-
sim como planos de acamamento. No entanto, em
ram em conta um luxo totalmente na zona freáti-
relação ao volume total de rocha, a porosidade das
ca (ou seja, abaixo do nível do lençol, onde todos
fraturas é baixa, respondendo em média, por valo-
os espaços vazios estão tomados por água). No en-
res entre 0,1 a 0,01 %. Apesar disto, devido à con-
tanto, é bastante freqüente luxo vadoso (devido a
tinuidade lateral das fraturas, sua interconecção e
condutos no topo do lençol freático, ou suspensos

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

devido a zonas impermeáveis). Neste caso, o luxo Da mesma forma, um aumento repentino do gra-
se dará em regime aberto, com uma zona aerada diente hidráulico pode causar a transição entre
em sua porção superior, obedecendo a equações um regime de luxo laminar para turbulento, alter-
como a lei de Manning: nando o comportamento de luxo. Estas conside-
rações preliminares servem para ilustrar a incrível
2/3 1/2
V = (1,49 R i )/n onde: complexidade que pode advir do luxo em aqüífe-
ros cársticos, justiicando a individualização da hi-
V – velocidade da água drogeologia cárstica como uma disciplina “a parte”,
n – coeiciente de “roughness” não sujeita às leis normalmente aplicadas à hidro-
geologia em meios porosos, ou em meios fratura-
Assim sendo, a tripla porosidade típica de regi- dos não solúveis. As principais zonas hidrológicas
ões cársticas carbonáticas engloba modos de luxo estão ilustradas na Figura 2.17.
descritos por distintas leis da hidráulica, de modo Em regiões de arenitos ou quartzito predomi-
que se torna bastante difícil qualquer caracteriza- na a porosidade de matriz, devido ao tipo de ro-
ção de um aqüífero cárstico. Muito embora a ma- cha constituir-se predominantemente por grãos de
triz rochosa seja responsável pela maior parte do quartzo. Já em minério de ferro predomina o lu-
volume de espaços vazios (mais de 90%), a maior xo em fraturas, devido à baixa porosidade primá-
parte do volume de água (mais de 90%) escoará ria deste tipo de rocha.
através de condutos. A importância de cada um
Epicarste
destes distintos tipos de porosidade será variável
Durante períodos chuvosos, com o aumento da re-
dependendo do aqüífero. É também possível que
carga no aqüífero cárstico, ocorre um efeito de re-
condutos na zona freática passem a ser localizados
tenção temporária das águas que percolam pelo
na zona vadosa (ou vice-versa) devido ao rebaixa-
solo em direção ao rocha carbonática. Elas são re-
mento induzido (ou natural) do aqüífero. Deste
tardadas pela capacidade pontual de absorção dos
modo a dinâmica hidráulica neste conduto se alte-
calcários. Fica então formado um “lençol freático”
rará signiicativamente dependendo da época do
suspenso na zona de contato entre o carbonato
ano e das condições de recarga ou bombeamento.

Figura 2.17. Zonas hidrológicas no carste: 1 - zona supericial e epicárstica, onde a água escoa supericialmente ou percola pelo
solo, alterita ou issuras alargadas no calcário; 2 - zona vadosa, onde a água circula livremente pelos condutos, sob a ação da
gravidade; 3 - zona de oscilação do nível freático, onde os condutos apresentam-se alternadamente seco e inundado; 4 - zona
freática, onde os condutos estão totalmente ocupados por água.

2 GE OE S P E LE OLOGIA 41
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

e a rocha. Esta zona, que abrange também os pri-


meiros metros da rocha carbonática, é denomina-
da zona epicárstica. O aqüífero “temporário” assim
formado drenará rapidamente para as fraturas mais
abertas, formando cones de rebaixamento. Duran-
te épocas de chuva é importante considerar a inlu-
ência do aqüífero epicárstico na gênese de feições
supericiais, como dolinas. Ele representa um cor-
po hídrico de considerável potencial de armazena-
mento, que retardará a iniltração de água, criando
uma zona em que a oscilação do lençol será rápida, Figura 2.18. Utilização de traçador corante (rodamina) em
ressurgência nos Estados Unidos.
podendo criar gradientes hidráulicos elevados, in-
duzindo a colapsos. Salienta-se, também, que de-
analítico, além de serem necessários cuidados es-
vido a já citada capacidade de armazenamento da
peciais quanto ao manuseio do material radioativo.
zona epicárstica, a resposta de eventuais piezôme-
Traçadores são especialmente úteis para se
tros à recarga pluviométrica pode ser retardada.
checar modelos numéricos, confrontando direções
Contaminação e direções de luxo obtidas no campo com direções inferidas pelos mo-
Ao contrário de aqüíferos em meio granular ou po- delos. Os resultados obtidos muitas vezes diferem
roso, o luxo em aqüíferos cársticos pode ser bas- marcadamente do inferido pelos modelos, propi-
tante rápido, principalmente se o mesmo ocorrer ciando a calibração destes.
em condutos. Devido a isto a capacidade de dis- Para a correta gestão de regiões cársticas e
persão de eventuais poluentes é muito alta. A uti- cavernas é importante evitar a colocação de lixo
lização de traçadores corantes (Figura 2.18) é uma ou resíduos diversos próximos a cavernas ou pon-
técnica bastante difundida, e utilizada largamente tos de absorção de águas pluviais, como dolinas.
para se determinar direções de luxo em sistemas Uma vez que adentrem o sistema cárstico podem
com luxo turbulento. Conforme já realçado, o lu- se dispersar rapidamente, diicultando sua detec-
xo turbulento responde pela maior parte do vo- ção e remediação.
lume de água circulante em um maciço calcário.
Devido à impossibilidade de se obter uma visão
2.7. Procotolo mínimo para avaliação e
detalhada da coniguração dos condutos em pro- aprovação de estudos geoespeleológicos
fundidade, o que se obtém a partir de testes com Para a avaliação da qualidade de estudos ambien-
traçadores é uma linha reta ligando o ponto de in- tais na área de geoespeleologia recomendamos,
jeção do traçador ao ponto onde o mesmo foi de- em linhas gerais, o seguinte encaminhamento:
tectado, sem levar em conta a sinuosidade da rota
de luxo. Portanto, as linhas de luxo obtidas por tra- a) Checagem do caminhamento
da prospecção
çadores são simpliicações, muitas vezes não rele-
A importância desta etapa deriva do fato de que,
tindo eventuais direções de luxo inferidas através
caso o caminhamento não seja suiciente, corre-
de potenciometria.
se o risco de não haver identiicação de cavernas
Fluxo laminar em fraturas, ou mesmo luxo tur-
relevantes. Deve-se checar se a malha de cami-
bulento de regime lento, normalmente não podem
nhamento (esforço) é suiciente e se as principais
ser detectados com traçadores, devendo-se ado-
feições favoráveis a cavernas foram percorridas, as-
tar outra metodologia, como o uso de traçadores
sim como auferir se áreas de maior potencial foram
radioativos. Esta técnica é difícil do ponto de vista
alvo de caminhamento mais detalhado.

42 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

b) A localização das cavernas foi efetuada f) A litologia e estruturas geológicas foram


com precisão? registradas?
É importante que seja utilizado um GPS de precisão A atual legislação exige que a relevância das ca-
para que se tenha a localização exata da caverna vernas seja realizada levando em consideração a
e seu posicionamento em relação ao empreendi- litologia em que a caverna se insere. A correta deter-
mento, pois irá permitir determinar seu perímetro minação da litologia é, pois, absolutamente essen-
de proteção, muitas vezes essencial para o futuro cial. Para tanto deve-se consultar mapas geológicos
planejamento do empreendimento. e efetuar caracterização no campo. As estruturas
geológicas porventura presentes também devem
c) O mapeamento da caverna apresenta su-
iciente precisão? ser registradas e, quando possível, fotografadas.
O mapa é a carteira de identidade e o CPF da ca- g) Houve detalhada caracterização da mor-
verna. É a partir dele que todos os estudos são re- fologia e da gênese da caverna?
alizados. De sua qualidade depende também a Conforme discutimos, a morfologia da caverna, tan-
qualidade dos dados geoespeleológicos e bioes- to em relação a seu padrão morfológico quanto às
peleológicos. Recomenda-se, no caso de cavernas microformas (espeleogens) é extremamente impor-
inseridas na ADA, um mapeamento no mínimo em tante para se auferir a relevância das cavernas. O
nível BCRA 5C, embora o ideal seja nível BCRA 5D ou padrão é normalmente determinado pela análise
superior. Para cavernas que não serão diretamente do mapa, sendo essencial um bom mapeamento.
impactadas pelo empreendimento pode-se acei- Observações de campo permitem complementa-
tar mapas em grau de precisão inferior. ções e a descrição das microformas. Considerações
acerca da gênese da caverna devem também ser
d) Foram deinidos corretamente os
enfoques local e regional? apresentadas, estando embasadas em uma deta-
A deinição da Unidade Geomorfológica (enfoque lhada descrição no relatório.
local) e da Unidade Espeleológica (enfoque regio- h) Houve caracterização da sedimentação
nal) é essencial para a consecução dos estudos de clástica e química?
relevância. Esta determinação deve ser calcada em A origem (alóctone, autóctone) e tipo (granulome-
parâmetros geológicos e isiográicos. Em algumas tria, litologia, etc) da sedimentação clástica devem
áreas estes enfoques já estarão deinidos e referen- ser alvo de detalhada descrição. Da mesma forma
dados por estudos anteriores. Mas em áreas pou- os espeleotemas devem ser descritos em relação
co trabalhadas cabe aos consultores envolvidos a à sua origem, tipologia, dimensão e beleza esté-
proposição dos enfoques, sempre respeitando o tica. A determinação da mineralogia depende de
disposto na legislação corrente. análises destrutivas e, portanto, devem ser realiza-
das com cautela. Recomenda-se que seja efetua-
e) Foi observada a inserção geomorfológi-
ca da caverna? da coleta apenas em casos em que haja dúvidas
Observar se o relatório de geoespeleologia abor- sobre a mineralogia ou no caso de provável mine-
dou a relação da caverna com a paisagem que a ral raro ou pouco comum. A avaliação do potencial
circunda. É importante destacar se a caverna está paleontológico também deve ser efetuada, tendo
associada a uma dolina, sumidouro, se posiciona- como base observações supericiais ou escavações
se em alta, média ou baixa vertente, se está as- de trincheira-teste.
sociada à uma área de pastagens ou lorestas, se i) Houve descrição dos aspectos hidrológicos?
encontra-se em base de escarpa, etc. O posiciona- A presença de rios subterrâneos e lagos devem ser
mento geomorfológico é importante pois permite consideradas, pois constituem elementos importan-
inserir a gruta como elemento geográico de uma tes no contexto da caverna. No Brasil, muitos destes
paisagem cárstica.

2 GE OE S P E LE OLOGIA 43
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

corpos hídricos possuem caráter sazonal, ocorren- LOWE, D.J. The origin of limestone caverns:
do apenas durante a estação chuvosa. A percola- An inception horizon hypothesis. PhD thesis,
ção de águas na caverna, responsável pela geração Manchester Metropolitan University, 1992.
de muitos espeleotemas, também varia bastante McFARLANE, M.J.; TWIDALE, C.R. Karstic features
de acordo com as chuvas. A presença de conden- associated with tropical weathering proiles.
sação e principalmente, a inluência dos fatores hi- Zeitschrift fur Geomorphologie Suppl. Bd. 64: 73-
drológicos na gênese da caverna, espeleotemas e 95, 1987.
espeleogens devem ser descritas em pormenor.
PINHEIRO, R.V.L.; MAURITY, C.W. As cavernas em
j) A análise inal de relevância contemplou rochas intempéricas da Serra dos Carajás (PA)
todos os itens exigidos pela legislação? – Brasil. Anais 1. Congresso de Espeleologia da
A análise de relevância consiste em sintetizar todos América Latina e do Caribe, p. 179-186, 1988.
os aspectos mencionados anteriormente e aplicá-
PALMER, A.N. Origin and morphology of limestone
los à legislação vigente, buscando deinir a impor-
caves. Geological Society of America Bulletin 103:
tância da caverna em relação ao enfoque local e
1-21, 1991.
regional. É importante que seja elaborada uma sín-
tese descritiva sobre cada caverna. Essencial é um Pasini, G. Nota preliminare sul ruolo speleogenetico
banco de dados atualizado contendo as cavernas dell’erosione “antigravitativa”. Le Grotte d’Italia 4
em escala local e regional a serem consideradas (1): 75-88, 1967.
como amostra comparativa. Durante a análise de PILÓ, L.B.; AULER, A.S. Cavernas em minério de ferro
relevância recomenda-se que sejam construídas ta- e canga de Capão Xavier, Quadrilátero Ferrífero,
belas de modo a facilitar o entendimento do ana- MG. O Carste 17: 92-105, 2005.
lista que, nem sempre, conhece todas as cavernas RENAULT, P. Contribution a l’etude des actions
mencionadas. Os dados coletados em campo tam- mécaniques et sédimentologiques dans la
bém devem ser apresentados, permitindo checa- spéleogenèse. Annales de Spéléologie 23 : 529-
gem e perenização das informações. 596, 1968.
2.8 Referências bibliográicas RIBEIRO, D.T. Enriquecimento supergênico de
AULER, A.S. Lakes as a speleogenetic agent in the Formações Ferríferas Bandadas: Estruturas
karst of Lagoa Santa, Brazil. Cave and Karst Science de colapso e desordem. Tese de doutorado,
21: 105-110, 1995. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003.

AULER, A.S.; Smart, P.L. The inluence of bedrock- WORTHINGTON, S.R.H. Karst hydrogeology of the
derived acidity in the development of surface and Canadian Rocky Mountains. PhD thesis, McMaster
underground karst: evidence from the Precambrian University, 1991.
carbonates of semi-arid northeastern Brazil. Earth WORTHINGTON, S.R.H.; Ford, D.C. High sulfate
Surface Processes and Landforms 28: 157-168, 2003. concentration in limestone springs: An important
FORD, D.C.; EWERS, R.O. The development of cave factor in conduit initiation? Environmental Geology
systems in the dimensions of length and depth. 25: 9-15, 1995.
Canadian Journal of Earth Sciences 15: 1783-1798, 1978.
KARMANN, I; SÁNCHEZ, L.E. Distribuição das rochas
carbonáticas e províncias espeleológicas do Brasil.
EspeleoTema 13: 105-167, 1980.

44 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

3 PROSPECÇÃO ESPELEOLÓGICA, TOPO- Nesta etapa é possível identiicar conlitos e deter-


GRAFIA E ESPELEOMETRIA DE CAVERNAS minar soluções para um melhor planejamento, vi-
sando uma melhor identiicação e controle dos
3.1 Prospecção espeleológica
impactos ambientais que serão gerados.
Vitor Moura Por outro lado, uma prospecção deiciente
compromete todas as etapas seguintes dentro de
Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas
um licenciamento ambiental, levando a um co-
/ Instituto do Carste
nhecimento impreciso e incompleto em relação
3.1.1 Introdução ao conjunto espeleológico de uma área. Estes er-
A prospecção espeleológica envolve todos os tra- ros geram normalmente desperdício de recursos
balhos, desenvolvidos em escritório e em campo, inanceiros, de recursos humanos e necessidade
que levam ao reconhecimento e caracterização de revisões nos estudos ambientais.
inicial do conjunto de ocorrências espeleológicas
de uma área. Na etapa de prospecção as cavernas 3.1.2.1 Etapas metodológicas envolvidasa

são encontradas, localizadas geograicamente, ca- Uma boa prospecção não pode ser feita nem so-
dastradas e caracterizadas. O sucesso desta etapa mente em escritório, através de pesquisas bibliográ-
exploratória, que consome muitos recursos inan- icas e técnicas remotas, nem somente em campo,
ceiros e tempo das equipes de trabalho, depende com o caminhamento pelas áreas alvo, mas deve
de um planejamento estratégico adequado, de combinar as duas formas de trabalho. A seguir são
uma execução objetiva e metódica. descritas, de forma sucinta e didática, as etapas
Dentro das décadas de atuação dos grupos metodológicas básicas que devem compor, ideal-
de espeleologia brasileiros a prospecção sempre mente, um trabalho de prospecção espeleológica.
foi parte das expedições, revelando grandes des- Esta sequência metodológica pode variar em cada
cobertas. Mas a rotina dos licenciamentos ambien- trabalho, de acordo com os objetivos, informações
tais criou uma demanda mais exigente. Para estes disponíveis, limitações e outros fatores..
trabalhos é necessária uma prospecção mais pla- Levantamento de informações existentes
nejada, profunda e adaptada às exigências da ava- No início de um trabalho de prospecção é funda-
liação ambiental. mental saber o que já foi levantado na área de es-
3.1.2 A importância do trabalho de prospec- tudo. Esta etapa envolve uma pesquisa em fontes
ção espeleológica diversas, que guardam informações sobre o conjun-
Dentro de um processo de licenciamento ambiental to espeleológico já reconhecido na área em questão.
a prospecção assume um papel pioneiro e decisivo. As informações de interesse podem estar contidas
Uma boa prospecção possibilita o desenvolvimento em livros, artigos cientíicos em periódicos especia-
de todas as etapas subseqüentes envolvidas neste lizados, estudos técnicos e ambientais anteriores,
tipo de trabalho, permitindo um correto planeja- mapas topográicos, mapas temáticos, em cadas-
mento, por exemplo, das etapas subsequentes de tros espeleológicos e outras fontes. Informações im-
topograia, estudos de bioespeleologia, geoespele- portantes sobre a ocorrência de cavernas podem
ologia e outros. Em relação ao planejamento e ava- ainda ser veiculadas em informações orais, por pes-
liação de empreendimentos com impactos sobre o soas que moram ou trabalham na área em questão.
conjunto espeleológico de uma área a prospecção Atualmente os cadastros espeleológicos são
pode, no decorrer dos seus trabalhos, determinar instrumentos indispensáveis para a pesquisa es-
ajustes no plano diretor destes empreendimentos. peleológica e registro das ocorrências. Estas bases

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 45


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

de dados são dinâmicas, o que signiica que uma diversas escalas e resoluções, como um podero-
prospecção deve considerar as ocorrências espe- so e deinitivo instrumento para os trabalhos de
leológicas registradas na área e, após a conclusão prospecção. Rapidamente estas imagens toma-
do trabalho, alimentar os bancos de dados com ram papel central dentro dos trabalhos, mas seu
as novas ocorrências identiicadas. No Brasil ainda uso não exclui, por exemplo, um mapa topográ-
existem muitos dados imprecisos e conlitantes em ico ou um mapa geológico como outro impor-
todos os cadastros, mas a realização contínua de tante instrumento de reconhecimento do terreno
novos estudos espeleológicos é um dos principais e do potencial espeleológico de uma área. É im-
instrumentos para a consolidação e revisão destes portante que todo o conjunto de bases cartográ-
bancos de dados. Os cadastros hoje em funciona- icas tenha escala compatível com a proporção
mento no Brasil são: do empreendimento, permitindo a visualização
• Base de dados do CECAV, disponível em http:// adequada do seu plano diretor e das suas áreas
www4.icmbio.gov.br/cecav de inluência.
A igura 3.1 mostra a comparação entre um
• CNC – Cadastro Nacional de Cavernas, da SBE
mapa topográico e uma imagem de satélite, de
– Sociedade Brasileira de Espeleologia, disponí-
uma mesma área. O mapa topográico representa
vel para acesso de associados em http://www.
de forma eiciente o relevo e feições geomorfoló-
sbe.com.br/cnc
gicas típicas como as dolinas, já a imagem de saté-
• CODEX – Cadastro Nacional de Cavernas, da lite representa melhor as diferenças de vegetação,
Redespeleo Brasil, disponível em http://www. ediicações e estradas. Metodologicamente o ide-
redespeleo.org/ al é combinar todos os recursos disponíveis para a
O levantamento da documentação cartográ- visualização do terreno.
ica disponível normalmente envolve pesquisa Atualmente podem ser gerados mapas topo-
1
em cartas topográicas, mapas geológicos, ma- gráicos, mapas hipsométricos e modelos digitais
pas geomorfológicos, mapas pedológicos, fotos de elevação (MDE) em escalas adequadas a partir
aéreas, ortofotos e imagens de satélite. Estes ins- de imagens, por exemplo, da SRTM (Shuttle Radar
trumentos são de grande importância tanto para Topographic Mission) e do Aster (Advanced Spa-
a situação espacial das áreas de inluência direta ceborne Thermal Emission and Relection Radio-
do empreendimento em questão, ou seja, a Área meter) (Parma, 2007; Cruz et al., 2005). Estas novas
Diretamente Afetada (ADA) e a Área de Inluên- ferramentas auxiliam a visualização do relevo e de-
cia Direta (AID), quanto para o reconhecimento vem ser utilizadas em conjunto com as imagens de
de feições geomorfológicas, geológicas e pedo- satélite, tanto para o planejamento, quanto para a
lógicas com potencial para ocorrência de caver- execução dos trabalhos de prospecção.
nas. Principalmente as imagens, como as fotos
Avaliação de potencial espeleológico
aéreas, ortofotos e imagens de satélite são de
A partir da pesquisa de informações existentes so-
grande utilidade para a diferenciação de classes
bre o conjunto espeleológico de uma área a equipe
de vegetação, áreas urbanizadas, áreas de culti-
de trabalho tem em mãos as informações básicas
vo, de solo exposto, hidrograia e outros aspec-
para avaliar o seu potencial espeleológico. Para esta
tos. Recentemente este conjunto de referência
avaliação o ideal é elaborar uma análise combinan-
cartográica incluiu as imagens de satélite, com
do as seguintes informações:

1 Os mapas topográicos trazem informações sobre o relevo, principalmente através da representação das curvas de nível, já os
mapas hipsométricos trazem uma classiicação com base nas faixas de altimetria numa determinada área.

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Figura 3.1: Comparação entre mapa topográico sombreado, à esquerda (Cvancara, 1995) e imagem de satélite, à direita (Google
Earth™, acesso em 28-06-2010). As imagens abrangem a mesma área a sul do Mamoth Cave National Park, Kentucky – USA.

• ocorrências registradas em levantamentos es- seguintes) é exempliicado um conjunto de docu-


peleológicos anteriores mentos cartográicos de uma área ictícia de estu-
• estudos ambientais e trabalhos cientíicos do na APA Carste de Lagoa Santa, considerando as
anteriores áreas de inluência direta de um empreendimento
de extração de calcário, também ictício.
• mapas topográicos, hipsométricos e mode-
los digitais de elevação Deinição da estratégia de prospecção
• imagens de satélite Uma vez deinidas as zonas de potencial espele-
ológico esta informação deve ser cruzada com a
• mapas geológicos
situação, ou contexto do empreendimento a ser li-
• mapas geomorfológicos cenciado. Normalmente as áreas focais da prospec-
• mapas pedológicos ção são a ADA e a AID, pois estão relacionadas com
a inluência direta do empreendimento a ser licen-
Com base neste conjunto de documentos a
ciado. Nesta etapa é fundamental uma representa-
equipe do trabalho de prospecção deve avaliar en-
ção espacial desta situação de inluência em base
tão o potencial espeleológico da área. Dentro de
cartográica de escala compatível com a área de es-
uma mesma área devem ser delimitadas zonas com
tudo. A prospecção espeleológica só pode ser pla-
alto, médio e baixo potencial de ocorrências espe-
nejada e executada devidamente com a deinição
leológicas, gerando um mapa temático de poten-
e representação espacial precisa das áreas de inlu-
cial espeleológico. Este passo é de grande utilidade
ência do empreendimento e do seu plano diretor.
para deinir a estratégia de prospecção.
A deinição lógica da estratégia de prospecção
Nas iguras de número 3.2 a 3. 5 (nas páginas
espeleológica é concentrar esforços primeiramente

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 47


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Figura 3.2: Imagem de satélite mostrando uma área ictícia de estudo, localizada ao sul da Lagoa do Sumidouro, parcialmen-
te incluída no Parque Estadual do Sumidouro, municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo - MG. São mostrados os períme-
tros da ADA e AID de um empreendimento, também ictício, de extração de calcário.

Figura 3.3: Porção do mapa geomorfológico, correspondendo da área ictícia de estudo (CPRM, 1998), notar que neste mapa
é mais fácil a identiicação das formas do relevo e feições com potencial de ocorrência de cavernas, como paredões e dolinas.

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Figura 3.4: Porção do mapa geológico, correspondente à área ictícia de estudo (CPRM, 1992), em toda a área de inluência
do empreendimento ictício o mapa indica presença de calcários do Grupo Bambuí.

Figura 3.5: Imagem de satélite da área ictícia de estudo, com as cavidades registradas no três cadastros disponíveis (CANIE,
CNC e CODEX).

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

na ADA, executando uma malha de caminhamen- visualização, de caminhamento, características mor-


to mais densa, com objetivo de identiicar o maior fológicas de entradas de cavernas, encobrimento
número possível de ocorrências, em caráter de le- por vegetação e outros fatores naturais. Nas de-
vantamento exaustivo. A densidade da malha de ca- mais áreas de inluência de um empreendimen-
minhamento é variável, em função principalmente to, como na AID, a estratégia de prospecção pode
das características de visualização, de relevo e po- assumir uma malha de caminhamento gradativa-
tencial espeleológico da área. Por exemplo, numa mente menos densa, admitindo um percentual
área de mata a malha de caminhamento deve ser amostral mais baixo. A igura 3.6 ilustra esta grada-
mais densa, ou seja, com quadrantes menores, do ção de densidade de malha de prospecção e per-
que em uma área de campo aberto, com mais fa- centual amostral, em relação às áreas de inluência
cilidade de visualização de feições propícias para de um empreendimento.
ocorrências de cavernas. Na ADA a meta deve ser A determinação dimensional da densidade da
levantar 100% das ocorrências espeleológicas, ain- malha de prospecção e percentual amostral a ser
da que este percentual amostral seja impossível atingido em cada área varia de caso a caso, mas é
de ser garantido em função de diiculdades de fundamental que a metodologia da prospecção

Figura 3.6: Esquema de gradação entre as áreas de inluência de um empreendimento em relação à densidade da malha de
prospecção e percentual amostral dentro do conjunto espeleológico da área de estudo.

espeleológica determine estes valores, justiican- com o mapa de potencial espeleológico, indicando
do através da exposição dos critérios adotados para quais quadrantes são prioritários para o caminha-
esta determinação. mento. Na igura 3.7 foi simulada a gradação entre
A igura 3.7 ilustra, na área ictícia de estudo, as os quadrantes das malhas de prospecção. Os qua-
demarcações da ADA e AID com as respectivas ma- drantes em vermelho representam áreas com alto
lhas de prospecção. Neste exemplo didático foi ado- potencial para ocorrências espeleológicas, em la-
tada uma malha de prospecção com quadrantes de ranja, estão simulados os quadrantes com poten-
50x50 metros para a ADA, e de 150x150 metros para cial intermediário e em amarelo as áreas com baixo
a AID. Na estratégia de prospecção exempliicada potencial espeleológico. Um procedimento meto-
as malhas de prospecção devem ser sobrepostas dológico semelhante foi utilizado em CPRM (1995).

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Figura 3.7: Imagem de satélite da área de estudo ictícia com as malhas de prospecção exempliicadas na ADA e AID, as co-
res indicam a gradação de potencial espeleológico.

Trabalho em campo de uma icha de cadastro padronizada, que deve


De acordo com variáveis como número de equipes ser utilizada para cada cavidade identiicada, con-
de campo, tempo previsto para o trabalho, limita- tendo os seguintes dados:
ções de caminhamento e outras, deve ser deinido • registro das coordenadas geográicas das ca-
um roteiro básico de caminhamento dando priori- vidades existentes, obtidas com equipamento
dade para a ADA, seguindo depois para a AID. Em de GPS, em graus decimais, utilizando datum
todas as áreas deve ser priorizado o caminhamen- WGS 84, a partir da captura de sinais advindos
to prospectando áreas de maior potencial espele- de um mínimo de 4 unidades bem distribuí-
ológico, seguindo posteriormente para as áreas de das na constelação dos satélites, no(s) ponto(s)
potencial inferior. A igura 3.8 (na página seguin- onde localiza(m)-se a(s) base(s) topográica(s)
te) exempliica um caminhamento desenvolvido a “zero” da(s) entrada(s) da cavidade.
partir desta estratégia. Neste exemplo o caminha-
• denominação local, município, nome da fazen-
mento é mais denso na ADA e menos denso na
da ou da região em que se insere a cavidade;
AID, em ambas as áreas foram priorizados os qua-
drantes vermelhos, de alto potencial espeleológico. • dados de identiicação do proprietário da área
De acordo com as orientações contidas em onde a caverna está inserida;
CECAV(2009) os caminhamentos realizados em • altitude;
campo devem abranger toda a área afetada pelo
• topograia detalhada da cavidade;
empreendimento, contemplando todas as fei-
• projeção horizontal da área de inluência da
ções geomorfológicas típicas associadas a caver-
cavidade (mínimo 250 metros);
nas. Estes caminhamentos devem ser registrados
em campo e comprovados dentro do relatório. Nas • descrição das entradas e formas de acessos;
atividades em campo é fundamental a elaboração

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Figura 3.8: Imagem de satélite da área ictícia de estudo com as malhas de prospecção exempliicadas na ADA e AID, as co-
res indicam a gradação de potencial espeleológico. Nesta igura foi marcado, em verde, um caminhamento exempliicado,
mais denso na ADA e menos denso na AID.

• classiicação da caverna quanto aos aspectos pode ser elaborado um conjunto de mapas temá-
hidrológicos e morfológicos; ticos, de acordo com os objetivos de representa-
• registro fotográico. ção dos resultados.
Os cuidados com esta etapa são justiicáveis,
Tratamento, interpretação e apresentação pois a partir do relatório a prospecção espeleoló-
dos resultados gica vai ser avaliada. Estes resultados serão a base
Após a conclusão da etapa de campo da prospec- de todos os estudos subsequentes, que irão com-
ção os dados obtidos devem ser tratados e interpre- por o diagnóstico ambiental. Com este resultado
tados, visando a apresentação lógica dos resultados podem ser planejados e realizados os estudos de
e conclusões da prospecção espeleológica, em for- geoespeleologia, bioespeleologia, arqueologia,
ma de relatório. Nesta etapa, além do uso da infor- paleontologia e outros. Também para a avaliação
mação textual, tabelas explicativas, documentação do plano diretor do empreendimento e suas im-
fotográica e diagramas, é importante utilizar uma plicações ambientais a prospecção espeleológica
base de representação cartográica adequada. A constitui a base.
escala desta representação cartográica deve ser
compatível com a área de estudo, em áreas muito Como avaliar uma prospecção espeleológica?

extensas pode ser gerado um mapa geral de articu- A forma mais racional e adequada para avaliação de
lação e mapas secundários, em escala maior. Nor- uma prospecção espeleológica não é simplesmen-
malmente utiliza-se como base uma imagem de te a análise dos resultados inais, ou seja, a análise
satélite, onde é representada a contextualização do das ichas de cadastro, do mapa de caminhamento
empreendimento, o caminhamento e as cavidades e das ocorrências espeleológicas identiicadas. Para
identiicadas. Para a representação dos resultados atingir uma avaliação adequada destes trabalhos o
ponto central a ser analisado deve ser a metodologia

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

adotada. Analisando-se a metodologia é possível cavernas, o mapeamento sistemático é um impor-


medir se o trabalho em questão utilizou uma base tante instrumento de conhecimento do potencial
bibliográica e cartográica adequada, se conside- espeleológico da área. Neste caso, a documenta-
rou os levantamentos existentes, cadastros espe- ção das cavidades é fundamental para a avaliação
leológicos, estudos ambientais preexistentes e se, dos possíveis impactos ambientais sobre elas.
a partir disto, deiniu adequadamente o potencial Aspectos que devem ser levados em conside-
espeleológico da área e uma estratégia adequa- ração na análise da topograia espeleológica:
da de trabalho para o contexto do licenciamento. Precisão: quando se fala em topograia, a maio-
ria das pessoas associa a atividade aos instrumen-
3.2 Topografia e espeleometria de tos corriqueiramente utilizados no mapeamento
cavidades naturais de superfície, como teodolito, o nível e a estação
Texto adaptado do livro "Mapeamento de Caver- total. Contudo, dentro de uma caverna, a leveza,
nas - Guia Prático. Rubbioli, E. & Moura, V." robustez, estanqueidade e baixo custo do equipa-
mento são características essenciais. As bússolas e
Ézio Rubbioli
clinômetros que atendem a estas necessidades e
Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas que são adotados atualmente na topograia espe-
leológica têm uma precisão muito menor. É cla-
3.2.1 Introdução ro que, em condições especiais ou para atender a
O mapa espeleológico é fundamental para o en- objetivos especíicos, podem ser utilizados instru-
tendimento da sua forma, das suas proporções, das mentos de alta precisão, como a estação total, mas
direções das galerias, dos obstáculos existentes, da isso ainda está longe de ser a realidade do dia-a-
relação com a superfície e da localização das entra- dia do espeleólogo.
das, entre outras funções a que se presta O mapa Morfologia subterrânea: o interior de uma caver-
é a prova concreta de uma exploração, indicando na possui uma variedade e complexidade de for-
os locais atingidos e as possibilidades de continu- mas diicilmente encontradas na paisagem externa.
ações, além dos dados espeleométricos (medidas É praticamente impossível representar todas estas
da extensão e do desnível). Serve ainda como base feições em um mapa. Principalmente quando se
para qualquer estudo cientíico (nas áreas de bio- trata de uma cavidade extensa.
logia, geologia etc.). No caso de cavidades abertas Diiculdade de acesso e limitação de tempo: Al-
ao turismo o mapa é um importante instrumento guns lugares dentro de uma caverna estão tão dis-
para o planejamento de rotas e estruturas de pro- tantes, ou são tão difíceis de serem atingidos, que
teção/visitação, bem como para o monitoramento os deslocamentos até a área a ser mapeada con-
das intervenções realizadas e do estado de conser- somem a maior parte do tempo da equipe. Nestas
vação das cavernas. No campo das análises e licen- situações o mapeamento deve adotar uma meto-
ciamentos ambientais, em minerações e em outros dologia que concilie a eiciência com a precisão. O
empreendimentos em áreas com ocorrências de mesmo acontece em situações em que a equipe
não dispõe de muito tempo para efetuar o mape-
amento. Muitas vezes é preferível concluir rapida-
mente todo o mapeamento ainda que o mesmo
não seja extremamente preciso. Um mapa extre-
mamente preciso e detalhado de uma caverna de
grandes proporções e de difícil acesso pode con-
sumir anos para ser concluído. As limitações e ob-
jetivos do mapeamento devem ser avaliados em
cada caso.
Diiculdades internas: as condições em que são re-
alizados os mapeamentos nem sempre são ideais.

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O frio, o cansaço e a fome fazem parte do cotidia- itas de material sintético, escritas com canetas de
no de uma exploração. Com isso, o sistema de to- retro-projetor, que possuem tinta resistente à água,
pograia, o equipamento e até mesmo o nível de as quais podem ser ixadas com o auxílio de peque-
detalhamento devem ser adequados a todas estas nos blocos. Depois de terminado o mapa as itas
diiculdades. Isto é importante inclusive para a se- duram ainda um bom tempo e podem ser reco-
gurança da equipe. lhidas. Assim, elimina-se o impacto que seria pro-
duzido por outras formas de marcação de bases.
3.2.2 Métodos de levantamentos topográi-
cos em caverna Visada: é o segmento de reta que une duas bases.
Não seria exagero airmar que a espeleotopogra- Normalmente uma visada é deinida pelas medi-
ia encontra adeptos em todas as regiões do mun- das de distância, em metros, de azimute e de incli-
do onde se exploram cavernas, sendo a principal nação, em graus.
ferramenta para se documentar uma cavidade e Linha de trena: é a seqüência das visadas que li-
essencial para qualquer tipo de pesquisa. Embora gam as diversas bases de uma topograia. Funcio-
a variedade morfológica do mundo subterrâneo, na como o esqueleto da topograia.
aliada a fatores externos (disponibilidade de tem- Azimute: é o ângulo, projetado no plano horizon-
po, recursos humanos e objetivos diversos), tenha tal, da visada em relação ao norte magnético. O ins-
levado à criação de metodologias diferentes até trumento utilizado para se efetuarem estas leituras
mesmo dentro de um mesmo país, a essência do é a bússola e os seus valores podem ser estabele-
mapeamento espeleológico permanece inalterada. cidos em graus (0 a 359º) ou grados (0 a 399). As
Em linhas gerais, os levantamentos consistem em es- que utilizam graus correspondem à imensa maio-
tabelecer uma série de pontos dentro da caverna, in- ria dos equipamentos disponíveis. Uma leitura de
terligados de forma que seja possível saber a posição 0° indica que a orientação da visada corresponde
relativa de cada um em relação a um referencial pré- à do norte magnético.
determinado (uma entrada, por exemplo) e em rela- Inclinação: é o ângulo, projetado no plano vertical,
ção aos limites da cavidade (paredes, piso e teto). Estes da visada em relação a um plano horizontal. Seus
pontos são o que chamamos de bases topográicas. valores são medidos em graus por um instrumento
Mas antes de entrarmos na parte prática da topo- chamado clinômetro, e podem variar entre –90º a
graia, algumas deinições devem ser consolidadas: + 90º, sendo que a leitura 0° signiica que a visada
Bases ou estações: são os pontos que escolhemos é horizontal. Os valores positivos indicam visadas
como referência para os levantamentos topográi- em aclive e os negativos, em declive. No clinômetro
cos. Eles podem ser ixos, estando situados em ele- geralmente existem duas escalas, uma em graus e
mentos da própria caverna, como paredes, teto e a outra em percentuais, que correspondem à tan-
espeleotemas, ou serem “lutuantes”, ou seja, não gente do ângulo.É muito importante assegurar que
estando marcados isicamente em nenhuma fei- o instrumentista observe sempre a escala em graus.
ção do espaço interno da caverna. É importante 3.2.2.1 Instrumentos
sempre avaliar o impacto que a marcação de ba- Cartas topográicas, imagens de satélite e ortofo-
ses ixas, que não deixa de ser um tipo de depre- tocartas: São recursos importantes na exploração e
dação, irá causar sobre as cavernas. É comum ver estudo detalhado de áreas com potencial espele-
belos conjuntos de espeleotemas com marcas de ológico, possibilitando identiicação geográica da
fuligem ou números de bases escritos à tinta. O uso gruta. Podemos dividir as bases cartográicas em
de tintas, fuligem e incisões sempre causa impac- dois grandes grupos: as imagens e as representa-
tos. Por outro lado, um pedaço de papel ou ita de ções gráicas. O primeiro grupo consiste basicamen-
algodão é facilmente deslocado e apodrece rapi- te em imagens de satélite e fotos aéreas que são
damente. Consideramos a melhor opção o uso de

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

nada mais que vistas espaciais da superfície terres- geográico, que recebe informações de satélites e
tre e que, no caso de fotograias aéreas, apresentam calcula posições sobre a superfície terrestre. Com
a vantagem uma visão tridimensional da superfí- ele é possível ixar geograicamente, por exemplo,
cie – estereoscopia. As fotos aéreas são caras, nor- a entrada de uma gruta através das coordenadas.
malmente apresentam escalas muito ampliadas e Atualmente, além da localização das cavernas, o
defasadas no tempo. O seu uso requer o apoio de GPS vem sendo utilizado para realizar o mapea-
um mapa geográico, uma vez que não são geore- mento das trilhas de acesso às regiões, a diferentes
ferenciadas (não possuem a malha de coordenadas) entradas de cavernas, clarabóias etc, aumentando
e nem possuem uma escala precisa. Já as imagens ainda mais o potencial de exploração das regiões
de satélite encontram-se em plena evolução, sen- cársticas. Antes de usar o GPS certiique-se de que
do cada vez mais precisas e acessíveis. Para se ter o instrumento esteja conigurado corretamente.
idéia, o custo do km2 de uma imagem de acervo Bússola: Fornece o azimute. Na realidade existem
do satélite Quick Bird, com 60cm de resolução es- dois tipos básicos de bússolas: o primeiro grupo é
pacial (atinge uma escala visual até 1:1000) se inicia formado por instrumentos dotados de uma agulha
em US$16,50. As técnicas de processamento digital magnetizada que gira sobre um eixo, indicando o
de imagens de satélites também podem ser úteis ângulo em relação ao norte em uma escala ixa ao
para a prospecção de cavernas, permitindo a lo- corpo do aparelho (limbo). O segundo grupo, lar-
calização de dolinas e a identiicação de litologias gamente utilizado nas cavernas, são as bússolas de
propícias à formação de cavernas. limbo móvel, ou seja, a escala (que possui a forma
A carta topográica é uma representação grá- de um disco) gira sobre o eixo e indica o azimute
ica da morfologia externa - baseada na interpre- através de um visor ixo. Os modelos mais comuns
tação de fotos aéreas - contendo curvas de nível, são das marcas Suunto, Sisteco e Silva, e consistem
hidrograia, estradas, etc. Contudo, boa parte do em uma caixa de alumínio (ou plástico) envolven-
território nacional não possui mapas em escalas do um recipiente plástico onde o disco imantado
compatíveis com as necessidades espeleológicas, gira livremente. Este “recipiente” é totalmente her-
que deveriam ser de no mínimo 1:50.000. mético e cheio de um líquido viscoso que impõe
A ortofotocarta, ou simplesmente ortofoto, é movimentos mais lentos do disco (ao contrario
um tipo de imagem aérea que fornece uma pro- das bússolas “secas” – exemplo: Brunton - onde a
jeção em escala precisa, eliminado distorções que agulha oscila livremente e demora a se estabilizar).
aparecem nas fotos aéreas. Estas podem conter cur- Como as bússolas sofrem interferência dos
vas de nível, indicação das coordenadas e limite de
municípios. São particularmente úteis na exploração
e na prospecção espeleológica, uma vez que per-
mitem a identiicação das feições cársticas (como
as fotos e imagens de satélite) em uma escala bas-
tante detalhada (1:10.000). Contudo, a sua cobertu-
ra se restringe a poucas áreas do Brasil (igura 4.2).
Como complemento dos levantamentos es-
peleológicos, devem ser utilizados ainda os ma-
pas geológicos, que permitem identiicar as áreas
com litologias e feições especíicas. campos magnéticos, todo instrumen¬tista deve
Receptor GPS (Global Positioning System): Cada veriicar se alguma parte do seu equipamento cau-
vez mais utilizado para navegação, é um aparelho sa desvios no aparelho. Pilhas e partes metálicas
ligado a um sistema mundial de posicionamento ou até mesmo rochas que contenham hematita

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costumam causar erros signiicati¬vos nas leituras. o padrão da maior parte dos levantamentos reali-
Normalmente as bússolas utilizadas em caver- zados nos últimos. Contudo, devem ser tomados
nas possuem graduações de 0,5 graus e muitas de- cuidados adicionais na sua utilização, uma vez que
las marcam valores diretos e invertidos (ou seja, a os erros de leitura são difíceis de ser percebidos em
visada defasada de 180º). Este recurso é particular- campo. É também fundamental que o instrumen-
mente útil no caso de leituras invertidas, em que to utilizado possua uma mira a laser que identii-
o instrumentista troca de posição com o ponta de que o local exato onde está sendo feito a leitura.
trena (os motivos que justiicam esta inversão de Caderno de croquis e planilha de anotação: É
posições serão tratados mais adiante). Também de- onde, a lápis, é feito o croquis e são anotados os da-
ve-se atentar para que a bússola seja calibrada para dos da topograia. Em algumas situações são utili-
o Brasil (zona 3 - Southern Equatorial Zone). Todas zadas cadernos à prova d’água, feitos de poliéster.
estas marcas de bússolas citadas são de fabricação Dependendo da metodologia adotada e da dispo-
européia, e somente sob encomenda conseguimos nibilidade da equipe, o croquis e a anotação po-
instrumentos calibrados. dem ser desempenhados por pessoas diferentes.
Clinômetro: Fornece a inclinação, em graus posi- Neste caso a planilha de anotações deve ser forma-
tivos ou negativos. Os fabricantes, detalhes cons- tada anteriormente, inserindo campos para as me-
trutivos, cuidados e utilização são similares aos das didas a serem efetuadas. Já o caderno de croquis
bússolas. A diferença principal é que este instrumen- deve possuir folhas lisas ou quadriculadas (que fa-
to deve ser lido na posição vertical; além disso, não cilitam o desenho, como veremos mais adiante).
sofre interfe¬rên¬¬cia dos campos mag¬n鬬ticos.
3.2.2.2 A equipe
Nor¬mal¬mente apre¬senta duas escalas: em graus
Como veremos mais adiante, a qualidade do mapa
(de +90º a –90º) e percen¬tual (+150% a –150%).
topográico de uma caverna depende da conjun-
Os valores utiliza¬dos na topo¬graia sempre são
ção de vários aspectos, que vão desde a escolha
em graus.
do equipamento e da metodologia utilizada até o
Trena: Com ela se determina a distância, em me¬tros
tipo da caverna. Contudo, cabe à equipe a respon-
sabilidade principal pelo resultado inal. O entrosa-
mento, a habilidade e a experiência de cada um,
particularmente, e da equipe como um todo, são
fatores decisivos. Até mesmo funções que, teorica-
mente, exigem um conhecimento menor (como a
de anotador, por exemplo) quando não desempe-
nhadas de forma criteriosa podem comprometer
todo um mapeamento.
Normalmente uma equipe de topograia é for-
mada por 3 a 5 espe¬leólogos, que desempenham
e centímetros, de cada visada. Normal¬men¬te são
funções pré-estabelecidas.
utilizadas trenas de poliéster, reforçadas com ibra
Croquista: A principal responsabilidade do croquis-
de vidro, com comprimentos variando de 20 a 50
ta é a coordenação geral dos trabalhos. Normal-
metros, do tipo que icam alojadas em um rolo de
mente é o mais experiente da equipe, deinindo o
plástico ou as trenas a laser. Atualmente os instru-
caminho a ser percorrido, orientando o posiciona-
mentos de medição através de taqueometria (co-
mento das bases, deinindo o ritmo da topograia
nhecidos como trenas a laser) tornaram-se bastante
e procurando manter o entrosamento da equipe.
acessíveis em termos de preço e resistentes às con-
Elabora o esboço da caverna, representado suas
dições severas de umidade e impacto tornando-se

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feições principais através de plantas, cortes e per- topográicas – ou simplesmente bases) unidos por
is, além de todos os detalhes que irão compor o meio de vetores (chamados de visadas e determi-
mapa inal, tais como espeleotemas, drenagens, nados através da leitura da distância, do azimute e
posição das bases topográicas, etc. da inclinação) que irão percorrer todas as galerias
Instrumentista: Responsável pela leitura da bússola da caverna. A partir desses pontos são feitas medi-
e do clinômetro (azimute e inclinação, respectiva- das de largura e altura, além de anotados todos os
mente). Esta tarefa exige concentração e atenção, detalhes básicos (com o auxílio do croquis) para a
uma vez que inluencia diretamente a precisão confecção de um mapa. Os instrumentos e as fun-
dos levantamentos. É recomendável que as leitu- ções de uma equipe não sofrem grandes variações,
ras sejam feitas pelo menos duas vezes antes de se e a maior parte dos espeleólogos adota uma me-
anunciar o valor deinitivo (em caso de discrepân- todologia muito parecida.
cia, deve-se repetir o processo quantas vezes forem Método das Bases Flutuantes
necessárias). Pessoas com problemas de visão ou Embora a metodologia da topograia seja bem sim-
mesmo as que usam óculos podem encontrar di- ples, alguns procedimentos podem ser adotados
iculdade na leitura dos instrumentos. a im de garantir uma maior precisão, maior eici-
Ponta de trena: Apesar de ser uma função que exi- ência ou mesmo para cumprir algum objetivo es-
ge menos experiência do que as demais, um bom pecíico. Dentre todas as possíveis inovações, o
ponta de trena, que esteja ciente de suas responsa- posicionamento das bases talvez seja o item que
bilidades e que aplique com atenção a metodologia permite a maior variedade de opções. Para um le-
correta, tornará mais fácil o trabalho de todos, agili- vantamento expedito, sem muito rigor e compro-
zando sensivelmente o andamento da topograia. misso com futuras continuações, pode-se adotar
Esta função consiste em marcar e medir a distância o método das bases lutuantes. Neste caso a posi-
entre as bases. O ponta de trena deve ter sempre ção de uma base ica “solta” no espaço, sendo algo
em mente, na hora de escolher o local para uma próxima dos olhos do instrumentista. A leitura é
base, o conforto e a facilidade na leitura dos ins- feita diretamente na direção do capacete do pon-
trumentos e o caminhamento da topograia, tendo ta de trena buscando manter a mesma altura em
em mente o local escolhido para a base seguinte. relação ao piso para evitar possíveis desvios na in-
Anotador: Responsável pela anotação dos dados clinação. A seqüência dos trabalhos é feita com o
de cada visada além das “características” da base, deslocamento do instrumentista para a posição do
que são as medidas de distância entre a base e ponta de trena, que avança, por sua vez, na dire-
o teto/piso da galeria (alturas) e as paredes (late- ção da continuação da galeria. Como é muito di-
rais). À medida que as informações são repassadas, fícil respeitar perfeitamente a posição da base ao
o anotador deve repeti-las em voz alta para que e longo das visadas, os erros acabam sendo maiores.
equipe tenha ciência de que os valores foram es- O Método das Bases Flutuantes foi largamente
cutados e anotados corretamente. Erros nas anota- utilizado em importantes cavernas de Goiás e de
ções são muito comuns e, muitas vezes, são difíceis São Paulo na década de 70 e no início dos anos 80.
de serem corrigidos, comprometendo a coniabi- Caso os levantamentos tenham a pretensão
lidade do mapa. de chegar a níveis mais coniáveis com relação à
precisão, a primeira coisa que se deve procurar é
3.2.2.3 Dentro da caverna - metodologias,
suas vantagens e desvantagens garantir o posicionamento preciso das bases. Para
Como já foi dito anteriormente, a espeleotopo- tanto, existem diversos métodos e, com certeza, é
graia consiste basicamente na determinação de difícil deinir o mais correto, uma vez que a qua-
uma seqüência de pontos (chamados de bases lidade dos levantamentos vai depender de uma
conjunção de fatores que vão desde a qualidade

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dos equipamentos utilizados até a experiência e Uma saliência na parede, um bloco ou até mes-
a capacidade da equipe. Contudo, vamos citar as mo um espeleotema podem servir de amarração,
alternativas mais comuns, buscando sempre elu- garantindo uma posição coniável e permanente.
cidar as possíveis vantagens e restrições de cada Uma vez deinido o ponto, este é marcado e iden-
metodologia. tiicado, permitindo a sua utilização em vários mo-
mentos da topograia. As distâncias entre a base
e as paredes, o piso e o teto são medidas, permi-
tindo a localização espacial da base em relação à
galeria. Este método exige a utilização de bússo-
las de leitura direta (tipo Suunto ou Silva), uma vez
que o instrumento deve ser lido o mais próximo
da base. As vantagens deste sistema são a rapidez
e a sua praticidade, uma vez que pode ser utiliza-
do em qualquer tipo de caverna (com a exceção
de condutos submersos). Em contrapartida, o ins-
trumentista pode ter que se sujeitar a posições, às
vezes, não muito confortáveis para a leitura dos
instrumentos, o que a torna bastante suscetível a
erros. Além disso, existe um desgaste físico maior,
dependendo do tipo de cavidade (muitas vezes as
leituras são feitas com o instrumentista deitado e
se contorcendo para chegar próximo à base mar-
cada). Quando o instrumentista está habituado a
esse sistema, acaba adotando “artifícios” para facilitar
as leituras, sem o comprometimento da precisão.

O Método das Bases Flutuantes, descrito an-


teriormente, tem como principal vantagem a agi-
lidade na execução da topograia. Além disso, o
desenvolvimento linear da cavidade pode ser ob-
tido através da simples da soma das distâncias na
caderneta de anotações, uma vez que a maioria das
bases é posicionada no centro das galerias. O pon- Como maior vantagem do Método das Bases
to fraco deste método é a baixa precisão das me- Fixas podemos citar a maior precisão na medição
didas de distância, azimute e inclinação, uma vez das distâncias e dos ângulos e a possibilidade de se
que a posição das bases não pode sofrer variações retornar facilmente a pontos especíicos da topo-
ao longo das leituras. graia para se refazer algum trecho problemático, já
Método das Bases Fixas que todas as bases são marcadas. Porém este méto-
Neste caso, as bases topográicas são posicionadas do, por vezes, perde a vantagem da precisão ao co-
diretamente sobre elementos naturais da caverna. locar o instrumentista em situações extremamente

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desconfortáveis e difíceis, o que prejudica a quali- Este método exige mais prática e atenção do ins-
dade geral da topograia. trumentista, que deve, ao mesmo tempo, observar
Método das Bases Flutuantes medidas com Prumo o posicionamento do prumo e o local da visada.
A utilização do prumo é um sistema fácil e enge- Método do Tripé
nhoso de se criar uma base ixa sem depender da Outro artifício para melhorar a precisão da topogra-
existência de elementos naturais da caverna. Nes- ia é a utilização do tripé como suporte dos instru-
ta abordagem é utilizado um par de ios de prumo mentos (bússola e clinômetro). Apesar de pouco
com marcações ou nós pré-determinados pelo ins- difundido, este método já foi utilizado em impor-
trumentista conforme posições confortáveis para tantes cavidades brasileiras, produzindo mapas
a sua leitura (em pé, sentado, deitado). O prumo é muito precisos e detalhados.
utilizado em conjunto pelo instrumentista e pelo A leitura é feita a partir de um ponto escolhi-
ponta de trena - cada qual com um prumo com mar- do para a montagem do tripé. O instrumentista di-
cações idênticas. Na hora de serem feitas as leituras, reciona a visada para uma base posicionada perto
os prumos são posicionados na mesma graduação do chão e indicada por um ponto luminoso (com
(altura do piso) e a leitura dos instrumentos é feita um LED, vela ou algo similar). Este procedimento
na sua extremidade superior, enquanto este está exige que a base do tripé esteja nivelada para que
posicionado exatamente em cima da base, que é a bússola possa girar livremente. Assim como nas
marcada e identiicada com ita no chão. Com isso “bases ixas” a distância de cada base (a base onde
temos a garantia de que as bases estão posiciona- está o instrumentista e a base do ponta de trena)
das a uma mesma distância do piso, além da co- até o piso é diferente e cada uma deve ser medi-
locação de um ponto ixo no chão da caverna. No da, pois será necessária para o cálculo da inclinação
caso de uma nova visada utilizar a mesma base, o da galeria. A primeira corresponde à altura do tri-
prumo é novamente posicionado, não sendo ne- pé, enquanto a outra pode ser considerada como
cessário adotar a mesma altura da visada anterior zero, pois ica a poucos centímetros do piso da ca-
(pode-se adotar uma altura mais adequada ao novo verna. O andamento da topograia é feito deslo-
trecho a ser topografado). É recomendável tam- cando-se o tripé para a base seguinte, onde, com
bém que sejam criadas bases ixas nas paredes ou o auxílio de um prumo, ica garantida a posição
em outro local mais protegido da caverna, princi- dos instrumentos exatamente em cima do ponto
palmente nas bifurcações e nos condutos laterais, marcado no piso.
uma vez que as marcações no piso estão muito sus- O método do tripé não é recomendável em ca-
ceptíveis a deslocamentos acidentais. vernas alagadas, em abismos ou em trechos com
Este método mostra-se bastante preciso e ei- teto muito baixo. Também exige uma série de cui-
ciente, contudo encontra algumas limitações que dados adicionais, o que e torna a topograia mais
dependem das características da gruta. Locais com lenta e minuciosa. Além do mais, poucas bússolas
água (principalmente em trechos fundos ou com podem ser acopladas a um tripé (o modelo mais
correnteza) ou abismos comprometem a aplicabili- usado nestes casos é a Brunton). Sua utilização é
dade do sistema. Nestes casos o método das bases recomendada somente em casos onde a precisão
ixas pode ser utilizado em conjunto com o prumo. seja fundamental.
Outro fator a ser considerado é que, embora o con-
Observação sobre a tabela:
ceito do prumo crie condições para uma topograia
A precisão de uma topograia depende dos equi-
mais precisa, o andamento da equipe torna-se um
pamentos adotados. Contudo, a forma como es-
pouco mais lento, já que o prumo deve ser posicio-
tes são utilizados (ou seja, a metodologia) pode
nado exatamente em cima da base e o instrumen-
interferir nos possíveis erros cometidos. Com isso,
to, exatamente em cima do prumo, a cada visada.

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 59


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Tabela comparativa entre os métodos topográficos


Método Precisão Erros Eficiência Restrições Indicações
Bases Baixa Grandes Alta Nenhuma Grutas pequenas,
flutuantes que podem ser
mapeadas em
umaúnica
jornada, ou
quando o
tempo é escasso.
Bases Média Médios Alta Nenhuma Aplicável em
fixas qualquer tipo de,
principalmente
nas mais
complexas e nas
que exijam um
trabalho
prolongado
Prumo Média Pequenos Média Algumas Grutas sem rios
caudalosos,lagos
profundos ou
abismos.
Tripé Alta Pequenos Baixa Muitas Grutas sem rios
caudalosos, lagos
profundos ou
abismos.Indicado
para trabalhos
que exijam uma
maior precisão.

os mapeamentos que utilizam os mesmos equipa- reformulação completa objetivando uma adequa-
mentos podem ser mais ou menos susceptíveis a ção às novas tecnologias e métodos topográicos.
erros, dependendo de como os instrumentos são Provavelmente, em um futuro próximo, a classii-
empregados. cação da UIS será o novo padrão mundial para de-
inição da precisão espeleotopográica.
3.2.3 Graus de precisão Segundo o método BCRA podem ser distin-
A determinação da precisão do levantamento to- tos sete graus de precisão para a linha central da
pográico é importante, pois torna possível que se topograia e quatro classes de precisão para o de-
determine a idedignidade do mapa em relação à talhamento das galerias.
cavidade trabalhada, estabelecendo parâmetros No Brasil, a maioria esmagadora dos levanta-
para comparar a precisão e o detalhamento de um mentos situa-se entre os graus 2 e 4, e raramente
mapa espeleológico. Existem dois sistemas de classi- atingem a classe D, com relação aos detalhes das
icação, o da British Cave Research Asssociation (BCRA) galerias. Isto é normal e aceitável, principalmente
e o da Union Internationale de Spéléologie (UIS). O sis- em um país onde o número de cavernas a mape-
tema BCRA, mais antigo, obteve larga aceitação no ar supera largamente o número de espeleólogos
meio espeleológico internacional e é o mais utiliza- disponíveis para tanto. Algumas poucas grandes
do no Brasil. O método UIS, até então pouco difun- cavernas estão mapeadas em grau 5, sendo que,
dido, está sendo objeto de novas discussões e uma ao que nos consta, apenas duas grandes cavernas

60 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Tabela 1: graus BCRA de precisão para linha de trena

Grau 1. Esboço de baixa precisão, sem medições tomadas em campo


Grau 2. A ser usado, somente se necessário (ver nota 7), para descrever um esboço com precisão
intermediária entre os Graus 1 e 3.
Grau 3. Levantamento magnético de baixa precisão. Ângulos horizontal e vertical medidos com
precisão ± 2,5º e distâncias medidas com precisão ± 50 cm; erro de posição da base menor que 50
cm.
Grau 4. A ser usado, somente se necessário (ver nota 7), para descrever um levantamento que,
apesar de mais preciso que o Grau 3, não tenha alcançado os requisitos do Grau 5.
Grau 5. Levantamento magnético. Ângulos horizontal e vertical medidos com precisão ± 1º,
distâncias medidas com precisão de1 cm e erro de posição da base menor que 10 cm.
Grau 6. Levantamento magnético com precisão maior que a de Grau 5 (ver nota 5).
Grau X. Levantamento topográfico utilizando-se teodolito ou Estação Total ao invés de bússola
(ver notas 6 e 10).

Notas sobre a tabela 1:


1 A tabela acima é um sumário e deve ser utilizada apenas para facilitar a memorização; as deinições dos graus de topo-
graia mencionados acima devem ser usadas apenas em conjunto com estas notas.
2 Em todas as situações é necessário que se use o “espírito” destas deinições, sem que se as siga ao “pé-da letra”
3 Na obtenção do Grau 3 é necessário o uso do clinômetro.
4 Na obtenção do Grau 5 é essencial que os instrumentos estejam calibrados. Todas as medidas devem ser tomadas de
um ponto inserido em uma esfera com diâmetro de 10 cm e centrada na base topográica.
5 Uma topograia de Grau 6 exige que a bússola e o clinômetro sejam lidos no limite possível de sua precisão, ± 0,5º. Er-
ros de posição da base topográica devem ser menores que ±2,5 cm, o que torna necessário o uso de tripés ou outra
forma de se ixar o ponto, em todas as bases topográicas.
6 Uma topograia de Grau X deve incluir no desenho notas descritivas dos instrumentos e das técnicas utilizadas, além de
uma estimativa da provável precisão da topograia quando comparada com as topograias de Grau 3, 5 ou 6.
7 Os Graus 2 e 4 são usados somente quando, durante o processo da topograia, as condições geofísicas tenham preeju-
dicado a obtenção dos requisitos para o Grau superior mais próximo e a retopograia seja inviável.
8 Organizações espeleológicas estão autorizadas a reproduzir as Tabela 1 e 2 em suas publicações, não sendo necessária
permissão da BCRA para isso. Entretanto, as tabelas não podem ser reproduzidas sem estas notas.
9 O Grau X é apenas potencialmente mais preciso que o Grau 6. Não se deve esquecer que o teodolito/Estação Total é um
instrumento de precisão complexo, cujo manejo requer treinamento especíico e prática regular a im de que não se-
jam inferidos sérios erros durante a sua utilização.
10 Para obtenção do Grau 5, na plotagem do desenho, as coordenadas da topograia devem ser calculadas e não desenha-
das a mão com régua, escalímetro e transferidor.

Tabela 2. graus BCRA para registro de detalhes de conduto

CLASSE
A Detalhes das galerias baseados na memória.
B Detalhes das galerias estimados e anotados na caverna.
C Medidas de detalhe realizadas apenas nas bases topográficas.
D Medidas de detalhe realizadas nas bases topográficas e entre elas, de modo a
representar mudanças morfológicas na galeria.

Notas sobre a Tabela 2:


1 A precisão dos detalhes dos condutos deve ser similar à precisão da linha de trena.
2 Normalmente, apenas uma das seguintes combinações deve ser usada na graduação da topograia: 1A; 3B ou 3C; 5C ou
5D; 6D; XA, XB, XC ou XD.

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 61


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

brasileiras estão mapeadas a nível 6D: a Gruta do A nova nomenclatura padrão seria "UIS 4-2-BC",
Convento, em Campo Formoso (BA), e a Lapa Nova, o que signiica uma topograia de grau 4, detalhes
em Vazante (MG). do mapa 2, e qualiicações adicionais B e C.
Graduação de mapeamento da UIS (Versão em A graduação atual não é válida para topograia su-
português: Rubens Hardt) baquática, pois as técnicas, materiais e diiculdades po-
No XV Congresso Internacional de Espeleologia, dem variar bastante. Se uma indicação deve ser dada,
ocorrido em Kerrville (EUA) em 2009, o Grupo de deve-se colocar "Equivalente a graduação UIS 4-2-BC".
Trabalho "Topograia e Mapeamento", da comissão As faixas de graduação da UIS não devem ser
de informática da UIS, discutiu os sistemas de gra- especiicadas no mapa. Se o conduto principal da
duação de mapeamento britânico (BCRA) e austra- cavidade foi mapeado com o uso de teodolito, e as
liano (ASF), o uso destes, suas limitações e possíveis passagens laterais no grau 4, a graduação a ser indi-
melhorias para uso internacional pela UIS. A gran- cada, na maioria das vezes, é aquela que represen-
de maioria dos presentes concordou que o uso de ta a maioria das passagens. Na maioria das vezes,
um sistema de graduação no mapeamento espe- será a graduação menor. Se porções laterais insig-
leológico é necessário para informar ao usuário so- niicantes (jamais a única conexão de dois mapas
bre a acurácia esperada do mapa. de alta qualidade) da caverna foram mapeadas em
Após uma animada discussão, foi veriica- um grau inferior, a graduação maior pode ser usada.
do que o sistema de graduação padrão da ASF se Especialmente para grandes cavernas, deta-
aproxima muito das expectativas do grupo e que lhes referentes a como o mapa foi compilado de-
este poderia ser complementado para o uso pela vem constar na descrição escrita da cavidade. Lá,
UIS. As tabelas a seguir apresentam a graduação, a também, possíveis desvios da graduação geral po-
acurácia de detalhes, informações adicionais, e uma dem ser explicados. Técnicas para minimizar erros
explicação que auxilia o entendimento do signii- de fechamento de poligonais (loops), técnicas uti-
cado das tabelas. lizadas para medição e outros detalhes adicionais
podem ser adicionados na descrição escrita.
Graduação de topografias

Grau Descrição Precisão Acurácia


Distância Bússola Clino Esperada
-1 Nenhum mapa disponível - - - -
0 Não graduado - - - -
1 Esboço de memória, sem escala - - - -
Mapa compilado de anotações,
esboços e estimativas feitas na
2
caverna. Nenhum instrumento
utilizado. - - - -
Direções medidas com bússola,
distâncias medidas por corda
3
passos ou dimensões corporais.
Desníveis significativos estimados. 0,5 m 5o - 10%
Topografia com bússola e trena,
usando estações fixas escolhidas
4 deliberadamente. Desníveis
medidospor clinômetro ou pelos
componentes horizontal e vertical. 0.1 m 2° 2° 5%
Topografia feita com Bússola e
trena. Direções e inclinações por
5 instrumentos calibrados, distâncias
por trena de fibra ou metálica, ou
por taqueometria. 0.05 m 1° 1° 2%
Topografia ou triangulação usando
instrumentos calibrados, montados
6 em tripés, para direção e inclinação.
distância por trena calibrada,
taquiometria precisa ou DistoX. 0.02 cm 0.25° 0.25° 1%
Topografia feita com teodolito ou
X
meios comparáveis. variável variável

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Graduação dos detalhes do mapa Grau 3: Um clinômetro Silva ou comparável, meios


0 Não graduado relativamente simples sem leituras precisas quali-
icam para o grau 3. Mapeamento com medições
1 Esboço de memória. Sem escala, mas com in-
cabeça a cabeça dos topógrafos são qualiicadas
dicação aproximada das proporções.
como grau 3. Medidas com topoil qualiicam para
2 Detalhes de anotações, esboço e estimativa grau 3 ou 4.
de dimensões feitas na caverna Grau 4: Medidas com topoil podem qualiicar para
3 Detalhes de desenhos feitos na caverna. O de- o grau 4 se as visadas da topograia não forem muito
senho não tem de estar em escala, dimensões longas e cuidados forem tomados para ler correta-
das passagens pode ser estimada. Detalhes sig- mente os dados. Trenas a laser podem ser utilizadas
niicativos devem ser desenhados com acurá- para graus 4 e 5. Para se atingir o grau 4, estações
cia suiciente. ixas e re-encontráveis devem ser feitas. Não preci-
4 Detalhes dos desenhos feitos na caverna em sam ser necessariamente nas paredes; pontos feitos
escala, baseados nas medidas de detalhes sig- com aparelhos montados em tripés com uma dis-
niicativos com respeito aos pontos de topo- tância deinida acima do piso são também aceitas.
graia, normalmente no mínimo de grau 4. Grau 5: Distro X, DUSI ou instrumentos similares de-
Todos os detalhes de interesse espeleológico vidamente calibrados atingem o grau 5. Se a medida
devem ser mostrados com acurácia suiciente de distância for calibrada, o conjunto atinge grau 6.
de forma a não ser apreciado o erro em fun- Se não estiverem calibrados, devem ser graduados
ção da escala do mapa. Dimensões das pas- como grau1! Topoil utilizado para poços verticais
sagens medidas. podem atingir o grau 5. De forma a alcançar o grau
5, as coordenadas da topograia devem ser calcu-
Sulixos de qualiicação
ladas (coordenadas xyz, não podem ser coordena-
A Nada foi feito para obter uma segurança adi- das polares desenhadas com escala e transferidor).
cional de acurácia. Grau X: Os modelos de teodolito e outros equipa-
B Fechamento de poligonais (loops) ajustados. mentos similares podem variar, assim como as téc-
nicas de medição. No entanto, todas as topograias
C Topograia baseada em instrumentos e pes-
de grau X devem incluir, na descrição escrita da
soal checados e corrigidos os efeitos de pos-
caverna, a descrição das técnicas e instrumentos
síveis anomalias.
utilizados, bem como uma estimativa da provável
D Topograia veriicada e corrigida por meios
acurácia da topograia.
eletromagnéticos.
Detalhamento do mapa de grau 4. A principal
E Dados da topograia não foram transcritos diferença entre o grau 3 e o grau 4 é que, para se
manualmente, mas transferidos por meios obter o grau 4, o desenho deve ser feito em esca-
eletrônicos. la dentro da caverna, seja por cálculo/reportagem
F Entradas foram medidas precisamente. das distâncias no papel, ou por desenhos em saídas
de cumputadores de topograias prévias.
Notas adicionais
Suixo C: O suixo C designa bússola, clinômetro e
Grau 1: Apenas para propósitos de cadastro: Signii-
pessoal checado para evitar anomalias. Anomalias
ca que o mapa da caverna ainda não foi desenhado.
magnéticas nas bússolas, anomalias de inclinação
Grau 0: Apenas para propósito de cadastro. Se uma
no clinômetro e anomalias de visão entre pessoas
topograia não é graduada, a qualidade não pode
são relativamente comuns. Para se alcançar o grau
ser assegurada. Isto é frequentemente válido para
5, todos os instrumentos devem ter sido calibrados.
mapas históricos ou antigos.
Grau 5 e suixo C é, portanto, redundante.

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Suixo D: Usado para informar que posições chave topograia de cavernas: Survex, Compass, Smaps e
de passagens foram localizadas por rádio ou outros On Station, entre outros.
métodos de forma a deinir a posição absoluta da 1° passo - Transferência dos dados da planilha
topograia com respeito a superfície. de anotações
Suixo E: Designa dados transferidos eletronica- As distâncias, azimutes e inclinações de cada visa-
mente dos instrumentos (DistroX, etc.), eliminan- da são transcritos para uma “tabela” especíica (op-
do possíveis erros de transcrição. cionalmente pode-se inserir as medidas laterais de
Suixo F: Será usado tanto em mapas que repre- cada base). A maioria dos programas possui recur-
sentam cavernas diferentes (para indicar que as en- sos que facilitam esta inserção de dados, como a au-
tradas foram medidas precisamente) ou em mapas tonumeração da seqüência de bases e a adição de
de cavernas que contenham dados XYZ absolutos preixos ou suixos. Também é possível, neste mo-
de uma grade. Sem qualquer informação adicional mento, inserir dados relativos à declinação mag-
na parte escrita, é assumido que a técnica de me- nética, à equipe e às funções desempenhadas por
dição utilizada para localizar as entradas foram fei- cada membro dela.
tas no mínimo de acordo com a graduação que foi 2º passo – Tratamento dos dados
utilizada na caverna. Determinação da entrada da A principal vantagem desses programas é a possi-
caverna a partir de mapas qualiica para graus 1 a bilidade de visualizar, quantiicar, corrigir e distribuir
3 (para mapas de alta qualidade); topograia de su- os eventuais erros cometidos na topograia. Logica-
perfície para graus 3 a 6, e leituras de GPS de grau 3 mente isso só ocorre em locais onde tenham sido
a X, dependendo do instrumento e métodos utili- feitas poligonais fechadas, ou seja, onde a linha de
zados, disponibilidade de satélites, etc. De forma a trena tenha criado um segmento fechado. Nesta
alcançar o suixo F, a posição da entrada da caver- etapa deve ser feita uma avaliação geral dos levan-
na deve ser determinada por uma topograia de tamentos realizados no campo, analisando, princi-
superfície de, pelo menos, grau 4, ou por uma boa palmente, erros grosseiros que possam ter ocorrido
leitura de GPS, ou meios comparáveis. de forma pontual (como anotações erradas, visa-
das invertidas ou erros de leitura nos instrumentos).
3.2.4 Convenções cartográicas e a leitura
de mapas Para facilitar esta análise, podem-se fazer simula-
ções desconectando-se poligonais para veriicar a
2.4.1 Tratamento dos dados variação dos erros. Caso necessário, deve-se corri-
Após o levantamento de campo, os dados referen- gir em campo (refazer parte da topograia) os erros
tes às visadas são inseridos em softwares especí- mais grosseiros. A maioria dos programas permite
icos para levantamentos espeleológicos. Existem uma visualização tridimensional da linha de trena,
atualmente diversos softwares que podem ser uti- possibilitando a rotação deste gráico, além de re-
lizados. O objetivo desta fase é gerar um arquivo cursos adicionais como níveis em cores diferentes,
vetorial com a exata representação tridimensional numeração de bases e profundidades.
das visadas e bases da topograia, a chamada linha 3º passo – Exportação da linha de trena
de trena da caverna. Para tanto, esses programas Uma vez conferidos os dados e veriicados os erros
veriicam e distribuem os erros de fechamento de é hora de transformar a linha de trena em um ar-
poligonais gerando um gráico vetorial tridimen- quivo .dxf ou .plt que seja compatível com os pro-
sional com locação de cada base e visada, normal- gramas de desenho como o Micro Station, CAD ou
mente em formato .plt ou .dxf. Além disso, a análise Corel. Esta linha de trena será a base dos mapas em
destes dados permite veriicar se ocorreram erros planta, dos peris e dos cortes.
grosseiros e calcular o real grau atingido pela to-
pograia. Exemplos de programas especíicos para

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

3.2.4.2 O desenho inal interpretação do desenho. É recomendável tra-


Quando temos o arquivo com a chamada linha balhar com linhas mais grossas para o contorno e
de trena da caverna na verdade temos o “esque- usar linhas mais inas para formações e detalhes.
leto tridimensional” de um corpo. O desenho inal • Contornos de paredes – linhas mais grossas.
irá transformar esses dados com base nas informa-
• Feições importantes como entradas, rios e la-
ções contidas no croquis. Portanto, quanto melhor
gos – linhas médias.
e mais claro o croquis melhor será a deinição do
mapa da caverna. • Desníveis abruptos e suaves, tipos e formas
Existem diversos programas de desenho utili- de pisos (pequenos blocos, desmoronamen-
zados para inalizar as topograias. Daremos aqui as tos, áreas com sedimentos, capas estalagmí-
linhas gerais de trabalho em dois programas bas- ticas) – linhas inas.
tante utilizados atualmente para este im: o CAD • Espeleotemas e outros detalhes – linhas inas.
(Micro Station ou Autocad) e o Corel-Draw (ou Ado-
Além disso, existem várias representações padro-
be Illustrator). O primeiro grupo é formado por pro-
nizadas que devem ser adotadas na confecção de um
gramas mais especíicos para o desenho técnico
mapa, fazendo com que este se torne “compreensível”
e a cartograia. Recursos de medidas de distância,
pela comunidade espeleológica. Ao ver uma mapa ge-
área e dados georeferenciados estão disponíveis,
ográico, por exemplo, qualquer pessoa associa ime-
permitindo uma base cartográica mais precisa
diatamente um curso d’água com as linhas azuis; o
e compatível com outros programas. Em contra-
número nas curvas de nível com a altitude; e assim
partida, são softwares pouco “amigáveis”, e caros.
por diante. Nas cavernas acontece o mesmo. Alguns
O Corel-Draw é uma boa opção para quem valo-
elementos como espeleotemas, blocos e drenagens
riza os recursos artísticos e a facilidade de opera-
possuem representações padronizadas que simplii-
ção. Contudo, a facilidade de desenhar um mapa
cam e tornam o mapa mais compreensível.
diretamente no computador vai depender muito
Já houve muitas tentativas de criar critérios
do conhecimento que se tem sobre o programa.
uniicados para a simbologia espeleológica. Con-
A prática e as tentativas são a melhor forma de se
tudo, um consenso ainda não existe e cada dese-
aprender. Certamente cada mapa traz uma certa
nhista pode adotar os símbolos que achar mais
dose da individualidade do desenhista.
convenientes para o tipo de gruta a ser represen-
O CAD ou Corel servem para desenhar em
tada. É claro, deve-se ter o bom senso de não “in-
proporção real todas as informações contidas no
ventar” muitos padrões, o que tornaria o trabalho
croquis, as linhas de paredes, as entradas, os rios, la-
algo muito pessoal. A simbologia completa adota-
gos, pisos e espeleotemas, entre outras feições. Am-
da pela UIS (União Internacional de Espeleologia)
bos funcionam com base no conceito de camadas
pode ser consultada em:
(layers), sendo que cada camada pode ser associa-
www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
da a uma futura espessura de linha na impressão,
cave_symbol.php?languageSelection=portuguese
uma cor diferenciada ou alguma parte especiica
do mapa. Assim, os contornos das galerias, os de- 3.2.4.3 Finalizando o mapa: escala, legen-
da, notas, etc.
talhamentos e as legendas podem ser represen-
Os mapas topográicos devem conter sempre
tados em layers diferentes. Além disso, cada layer
a escala gráica e a indicação do norte (geográico
pode ser selecionado para visualização em tela (ou
ou magnético, com data), além das convenções uti-
não) e para ser impresso (ou não). Uma boa organi-
lizadas e uma legenda. A declinação magnética é o
zação em camadas é imprescindível para um bom
ângulo formado pelo NG e o NM, e seu valor é cor-
mapa, legível e útil.
reto (ou válido) no centro da folha. As informações
A espessura das linhas auxilia muito na

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mínimas que devem ser colocadas na legenda do • Data da topograia.


mapa espeleotopográico são: • Quadro de convenções ou indicação da sim-
• Nome da caverna. bologia utilizada no mapa.

• Município. Na legenda podem ainda ser acrescentadas infor-


• Sigla do estado. mações adicionais, como:

• Número do cadastro. • Área e volume da cavidade.

• Coordenadas - geográicas (latitude, longitu- • Local (fazenda, bairro ou distrito).


de, altitude) ou UTM (incluindo o DATUM). • Referência do mapa utilizado como referên-
• Grau de precisão topográica (UIS ou BCRA). cia para as coordenadas, indicando a escala e
o ano deste mapa.
• Extensão (desenvolvimento linear e/ou proje-
ção horizontal) indicando se foi usado o mé- • Equipe de topograia, com os nomes dos par-
todo da continuidade ou da descontinuidade ticipantes do levantamento e da confecção da
(explicado no capítulo seguinte). planta topográica.

• Desnível. • Equipamentos utilizados.


• Autores da topografia (equipe ou grupo
espeleológico).

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3.2.5 Medindo uma caverna – Espeleometria


Texto adaptado de AULER, A; RUBBIOLI, E. L. & BRANDI,
R. 2001 - As Grandes Cavernas do Brasil, 224 p.
Uma vez pronto o mapa da caverna, certamente
não é essencial, para a sua compreensão, proceder
à medição da mesma. No entanto, da mesma forma
que um escalador, ao chegar ao topo de uma mon-
tanha, possui o interesse natural em saber a altitu-
de alcançada, o espeleólogo em geral se interessa
em obter o tamanho da caverna ou a metragem
percorrida. Infelizmente nenhum outro aspecto da
espeleometria tem sido tratado com tanto deslei-
xo. Um sem-número de técnicas têm sido utilizadas
para se obter o tamanho inal da cavidade, algumas
pouco coniáveis do ponto de vista espeleométri-
co. O resultado inal desta “confusão” espeleomé-
trica é que a maior parte das cavernas não podem,
de uma forma correta, ser dimensionalmente com-
paradas entre si. A título de consolo, vale dizer que
não estamos sozinhos nesta indesejável situação,
pois o mesmo ocorre no mundo inteiro, tendo sido
ineicazes as tentativas de padronizar as técnicas de
medição de cavernas.
Inicialmente é necessário discorrer sobre dois
critérios espeleométricos importantes, ambos apro-
vados após exaustivas discussões junto à comunida-
de espeleológica brasileira, estando em consonância
com normas adotadas em outros países. O primei-
ro critério diz respeito ao ponto “0”, ou seja, o pon-
to a partir do qual uma caverna se inicia. Isto é
importante principalmente em relação a cavernas
verticais, pois alguns abismos possuem bordas de
diferentes alturas, e nem sempre o local onde se
amarra a corda (e se inicia a topograia) constitui o
local apropriado do ponto de vista espeleométri- abatimento do teto. Nas cavernas formadas pelo
co. No caso de abismos, o Ponto “0” é representa- Rio São Mateus, em São Domingos (GO), existe uma
do pelo plano horizontal que se insere totalmente dolina com cerca de 10 m de profundidade e 150
dentro da boca do mesmo. Em outras palavras, de- m de comprimento que obstrui o conduto do rio,
ve-se adotar sempre a borda mais baixa. O critério forçando os exploradores a percorrer este trecho
é aplicável também a grutas horizontais, utilizan- no exterior. Em outra situação distinta, na Gruta do
do-se neste caso um plano vertical. Janelão, em Januária/Itacarambi (MG), ocorrem al-
Dolinas e clarabóias são comuns no carste gumas dolinas (ou clarabóias) com cerca de 170 m
brasileiro, onde o grande volume das cavernas e de profundidade e algumas dezenas de metros
a pequena espessura do carbonato favorecem o de comprimento. A norma adotada diz que, caso

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a dolina seja mais profunda do que extensa (sem- de forma contrária estaríamos sistematicamente in-
pre considerando o maior comprimento), ela não cluindo larguras de condutos em todas as ramiica-
segmentará a cavidade em duas cavernas distintas. ções (que é o que dita o princípio da continuidade).
Ao contrário, caso possua o comprimento maior do Parece claro que o método da descontinuidade é
que a profundidade, causará a divisão da cavidade o mais correto do ponto de vista espeleométrico,
em duas grutas distintas. Assim sendo, a já citada muito embora seja trabalhoso, pois o componen-
dolina sobre o Rio São Mateus segmentou a caver- te “largura” deve ser medido e descontado em cada
na nas grutas São Mateus III e São Mateus-Imbira, interseção, motivo pelo qual muitos espeleólogos
ao passo que a Gruta do Janelão permanece como optam por fornecer o desenvolvimento total (ado-
uma cavidade única. tando a continuidade) através da simples soma das
visadas. A diferença entre desenvolvimentos me-
didos pelos princípios da descontinuidade e da
continuidade pode ser grande, principalmente em
cavernas com condutos amplos, onde o compo-
nente largura é maior, ou em cavernas com muitas
galerias laterais, que é o caso das várias cavernas
labirínticas brasileiras.
Parece consenso que a maneira mais correta
de comparar o tamanho de cavernas seja através
do volume total das galerias. Devido à quase total
ausência deste tipo de informação quanto às gru-

Outro importante critério espeleométrico me- tas brasileiras, é necessário que recorramos ao com-
rece detalhamento. Quando da topograia de ga- primento da caverna, dado pela soma das galerias, e
lerias que se ramiicam a partir de um conduto ao desnível. O cálculo do desnível é simples, sendo
principal, a distância obtida pela trena normalmen- fornecido pela diferença de nível entre o piso mais
te incluirá também um componente total ou par- alto da caverna e o piso mais baixo. Obedecendo-
cial da largura do conduto principal. Assim sendo, se aos critérios espeleométricos acima, este parâ-
caso consideremos a distância total (A-B), estare- metro não oferece problemas, sendo utilizado de
mos incluindo nesta também parte da largura do maneira uniforme pelos espeleólogos brasileiros.
conduto maior, pois a galeria lateral se inicia ape- O cálculo da extensão, comprimento, ou de-
nas no ponto C. O princípio da descontinuidade reza senvolvimento da caverna, por outro lado, tem
que esta distância (A-C) deve ser descontada, pois merecido abordagens diversas por parte de nossa

68 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

comunidade espeleológica. Utilizam-se, atualmen- Idealmente, o desenvolvimento linear deveria


te, duas formas para se obter o desenvolvimento ser obtido segundo o “eixo da galeria”.Este termo,
de uma caverna. A primeira delas é denominada um tanto quanto obscuro, sugere que, em caso
“projeção horizontal” e consiste em medir o com- de galerias inclinadas, a medição devesse ocor-
primento das galerias projetadas em um plano rer segundo a linha de maior declividade. No caso
horizontal. Os comprimentos são somados sobre de curvas acentuadas, por outro lado, as medidas
a planta da caverna com o auxílio de uma régua, deveriam ser tomadas aproximadamente nas por-
de um escalímetro ou de um curvímetro, ou então ções centrais das mesmas, de acordo com o raio
sobre a tela do computador com o auxílio de um de curvatura do conduto. É claro que a identiica-
programa apropriado. ção do “eixo da galeria” nem sempre é fácil, e por
Outro método bastante usado no Brasil consis- isto a grande maioria dos desenvolvimentos medi-
te em somar as distâncias conforme estas são me- dos no Brasil (e provavelmente no mundo) adotam
didas na caverna, ou seja, inclinadas de acordo com o conceito menos rigoroso do “caminhamento da
o peril dos condutos. O desenvolvimento extraído topograia”. Neste caso, basta obter o total medi-
segundo este método recebe o nome de “desen- do em trena, seja na própria caderneta de campo
volvimento linear”. Uma caverna que compreenda ou através de programas de computador. Fica evi-
um conduto vertical com, por exemplo, 10 m de dente que o desenvolvimento linear obtido desta
profundidade, o qual dê acesso a uma galeria per- forma pode seguir um trajeto muito descolado do
feitamente horizontal com 10 m de extensão teria, eixo da galeria, zigzagueando por entre blocos aba-
pelo método da projeção horizontal, apenas 10 m tidos, saltando de uma margem a outra de um rio
de desenvolvimento (pois os 10 m verticais seriam ou evitando trechos de teto mais baixo, seguindo
iguais a zero em planta). Pelo método do desenvol- a tendência natural de uma equipe de mapeamen-
vimento linear, esta mesma caverna teria o dobro to, que sempre procura os locais mais convenientes
da metragem, ou seja, 20 m. O desenvolvimento de para marcar as bases. Em alguns casos, portanto, o
uma caverna, quando medido pelo método do de- desenvolvimento linear resulta em valores muito
senvolvimento linear, será sempre superior ao va- superiores aos obtidos pelo método mais conser-
lor da sua projeção horizontal. No caso de cavernas vador da projeção horizontal. O desenvolvimento
verticalizadas, esta diferença pode ser signiicativa. linear, entretanto, relete o caminhamento real da

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 69


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

equipe quando do mapeamento, muito embora de feito de forma cuidadosa e com critérios bem
diferentes equipes muito provavelmente venham deinidos. A maior caverna do Rio Grande do Sul
a adotar caminhamentos diferentes. (Gruta do Salto Ventoso), por exemplo, possui so-
Infelizmente algumas medidas de desenvolvi- mente 250 metros de extensão. Se comparada com
mento linear reportadas na literatura espeleológica as grutas da Bahia, percebemos que este estado pos-
brasileira têm sido obtidas de forma pouco criterio- sui pelo menos 50 cavidades quatro vezes maiores
sa. Por vezes, medidas de irradiação ou de poligo- que isso, ou seja, com mais de 1 km de extensão.
nal fechada são incorporadas ao desenvolvimento Mas isso não signiica que a sua importância seja
inal da caverna. Esta forma, um tanto quanto “re- menor, principalmente se analisada sob a ótica re-
laxada” de se obter a extensão de uma cavidade gião. Ela é a maior cavidade de uma região cársti-
muito provavelmente ocorra em outras cavidades ca e a sua importância neste contexto é a mesma
brasileiras de menor porte, as quais seriam passíveis que a Toca da Boa Vista tem no estado da Bahia.
de detecção apenas se submetidas a rigorosas me- Ao analisarmos outras litologias as diferenças
dições através do método da projeção horizontal. são ainda mais acentuadas. A maior caverna em mi-
nério do ferro do Mundo não seria digna de desta-
3.2.6 As maiores cavernas e dimensões
notáveis que se comparada com a extensão das grutas de
O Brasil é um país rico em diversidade paisagísti- calcário de vários estados brasileiros. E o mesmo se
ca. Podemos encontrar cenários distintos como lo- aplica ao analisarmos os volumes, desnível e outros
restas, desertos, cadeias de montanhas e praias ao aspectos espeleométricos.
longo dos seus 8.514.876 km². E com as grutas não 3.3 Referências bibliograicas
poderia ser diferente. Praticamente todos os Esta-
AULER, A.; RUBBIOLI, E.; BRANDI, Roberto. As Gran-
dos brasileiros possuem cavernas e, quase todas as
des Cavernas do Brasil. Belo Horizonte: Grupo Bam-
litologias onde é possível se formar cavidades, en-
buí de Pesquisas Espeleológicas, 2001. 227p.
contram exemplos notáveis em nosso território. Só
para se ter uma idéia da importância do patrimô- BARROS, R.S.; CRUZ, C.B.M.; REIS, R.B.;COSTA JÚNIOR,
nio espeleológico do Brasil, uma das maiores gru- N.A. Avaliação do modelo digital de elevação do
tas do mundo (18º - Toca da Boa Vista) está situada SRTM na ortorretiicação de imagens Landsat 7
no sertão da Bahia. O maior desnível em caverna – Área de aplicação: Angra dos Reis – RJ. In: SIM-
de quartizito ica no Amazonas (Abismo Gui Col- PÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMO-
let) e a segunda mais extensa cavidade nesta litó- TO, XII., 2005, Florianópolis. Anais... São Paulo: INPE,
logia é a Gruta do Centenário, em Minas Gerais. P.3997-4004, 2005.
Além disso, também detemos o recorde mundial CECAV. Orientações básicas aos órgãos licencia-
para cavernas em canga além de várias cavidades dores de meio ambiente para a realização de es-
notáveis pela grandiosidade de suas galerias, be- tudos espeleológicos. Brasília: CECAV/ICMBio, 2009.
leza cênica ou importância cientíica. E se analisar- Disponível em:<http://www4.icmbio.gov.br/cecav/
mos as áreas com potencial para novas descobertas, index.php?id_menu=256>. Acesso em 29 jun. 2010.
percebemos que ainda há muito a ser revelado, COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS
principalmente quando falamos de litologias não - CPRM. Levantamento geológico da região de
carbonáticas como os quartzitos, arenitos, minério Sete Lagoas - Lagoa Santa - MG, escala 1:50.000.
de ferro e granito. Belo Horizonte: CPRM, . [Relatório interno/inédi-
Contudo as diferenças existentes entre as vá- to/Projeto Vida], 1992.
rias regiões do país indicam que os estudos com-
_________. Espeleologia: inventário de cavidades
parativos da morfologia das cavidades devem ser
naturais, região de Matozinhos - Mocambeiro. Belo

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Horizonte: CPRM, v.1 [Projeto Vida], 1995.


_________. Espeleologia: inventário de cavidades
naturais, região de Matozinhos - Mocambeiro. Belo
Horizonte: CPRM, v.2 [Projeto Vida, Inédito], 1995.
_________ Mapa geomorfológico da APA Carste
de Lagoa Santa – MG; organizado por Helio Anto-
nio de Sousa. - Belo Horizonte: IBAMA/CPRM, (Série
APA Carste de Lagoa Santa - MG), 1998g.
CVANCARA, A. M. A ield manual for the amateur
geologist: tools and activities for exploring our
planet. 2.ed.San Francisco: Jossey-bass, 1995. 335p.
PARMA, G. C. Processamento de imagem ASTER
para obtenção do MDE e da imagem ortorretiica-
da do Município de Palhoça, SC, Brasil. In: SIMPÓ-
SIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMOTO,
XIII., 2007, Florianópolis. Anais... São Paulo: INPE,
P.6019-6026, 2007.
RUBBIOLI, E.; MOURA, V. Mapeamento de Caver-
nas – Guia Prático. Belo Horizonte, Redespeleo Bra-
sil, 2005. 93p.
SANCHEZ, L. E. Avaliação de impacto ambiental:
conceitos e métodos. São Paulo, Oicina de Tex-
tos, 2006. 495p.

3.4 Agradecimentos
Luciana Alt – geoprocessamento e discussões
sobre metodologia utilizada em prospecções
espeleológicas.
Luís B. Piló, Thiago Lima e Roberto Casimiro – dis-
cussões sobre metodologia utilizada em prospec-
ções espeleológicas.

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 71


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Os números da espeleologia

Número de cavernas por estado (fonte: www.icmbio.gov.br/cecav)

REGIÃO ESTADO Nº CAV.


SUL Rio Grande do Sul 7
Santa Catarína 7
Paraná 266

SUDESTE São Paulo 441


Minas Gerais 2.284
Espirítio Santo 8
Rio de Janeiro 22

NORTE Amazonas 7
Pará 467
Rondônia 13
Roraima
Acre
Tocantins 547
Amapá

CENTRO-OESTE Mato Grosso do Sul 151


Mato Grosso 273
Goiás 689
Distrito Federal 48

NORDESTE Bahia 435


Sergipe 11
Alagoas
Paraíba 5
Pernambuco 2
Rio Grande do Norte 267
Maranhão 9
Ceará 43
Piauí 38
TOTAL 6.040

72 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Os números da espeleologia - continuação

Maiores cavernas do Brasil

Cavidade Município UF Proj. Horiz


1 Toca da Boa Vista Campo Formoso BA 106.500
2 Toca da Barriguda Campo Formoso BA 33.300
4 Lapa Doce II Iraquara BA 16.500
3 Gruta do Padre Santana/St. M. Vitória BA 16.400
5 Boqueirão Carinhanha BA 15.170
6 Lapa do Angêlica São Domingos GO 14.100
7 Gruna da Água Clara Carinhanha BA 13.880
8 Lapa do São Mateus III São Domingos GO 10.610
9 Lapa de São Vicente I São Domingos GO 10.130
10 Lapa Doce I Iraquara BA 10.000
11 Lapa Convento Campo Formoso BA 9.200
12 Gruta Olhos D`água Itacarambi MG 9.100
13 Lapa dos Peixes Carinhanha BA 8.800
14 Gruna do Enfurnado Coribe BA 8.400
15 Lapa do Bezerra São Domingos GO 8.250
16 Gruta da Torrinha Iraquara BA 8.210
17 Lapa Sem Fim Luislândia MG 7.800
18 Lapa da Terra Ronca II - Malhada São Domingos GO 7.500
19 Gruna da Tarimba Mambaí GO 7.305
20 Gruta da Bananeira Santana/St. M. Vitória BA 7.000
21 Lapa dos Brejões I Irece / M. Chapéu BA 6.410
22 Gruta da Tapagem Eldorado SP 6.237
23 Lapa do São Bernardo - Palmeiras São Domingos GO 5.610
24 Gruta das Areias de Cima Iporanga SP 5.565
25 Lapa do São Mateus II / Imbira São Domingos GO 5.300
26 Gruna das Três Cobras Ramalho BA 5.300
27 Buraco do Cão-Talhão Seabra BA 5.200
28 Caverna de Santana Iporanga SP 5.040
29 Gruta Areado Grande III Apiaí SP 5.000
30 Gruta Azul - Pratinha Iraquara BA 5.000

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Os números da espeleologia - continuação


Maiores cavernas do Mundo (fonte: www.caverbob.com)

Cavidade País Extensão


1 Mammoth Cave System U.S.A. 590.629
2 Jewel Cave U.S.A. 233.081
3 Optymistychna (Optimisticeskaja ) Ukraine 230.140
4 Wind Cave U.S.A. 214.429
5 Lechuguilla Cave U.S.A. 206.946
6 Hoelloch Switzerland 195.914
7 Fisher Ridge Cave System U.S.A. 181.663
8 Sistema Ox Bel Ha Mexico 180.038
9 Sistema Sac Actun (Nohoch Nah Chich) Mexico 175.721
10 The Clearwater System (Gua Air Jernih) Malaysia 175.664
11 Siebenhengste-hohgant Hoehlensystem Switzerland 156.000
12 Schoenbergsystem Austria 130.190
13 Ozernaja Ukraine 123.191
14 Bullita Cave System (Burke's Back Yard) Australia 120.400
15 Shuanghe Dongqun China 119.792
16 Sistema del Mortillano Spain 114.000
17 Systeme de Ojo Guarena Spain 110.000
18 Toca da Boa Vista Brasil 107.000
19 Reseau Felix Trombe / Henne-Morte France 105.767
20 Sistema del Gandara Spain 103.558
21 HirlatzHoehle Austria 97.280
22 Sistema Purificacion Mexico 93.755
23 Sistema del Alto Tejuelo Spain 92.883
24 Zolushka Moldova/Ukraine 90.200
25 Gouffre de la Pierre Saint Martin France / Spain 80.200
26 Easegill System United Kingdom 75.000
27 Friars Hole Cave System U.S.A. 73.288
28 Ogof Draenen United Kingdom 70.000
29 Barenschacht Switzerland 68.000
30 Reseau de l'Alpe France 67.272

74 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Os números da espeleologia - continuação


Dimensões notáveis

MAIORES SALÕES EM ÁREA (m2)


1 Salão do Coliseu Garganta do Bacuparí São Desidério (BA) 25.330
2 Salão do Canion Gruta dos Brejões I Irecê/M. do Chapéu (BA) 19.900
3 Salão da Clarabóia Gruta dos Brejões I Irecê/M. do Chapéu (BA) 19.700
4 Salão Caatinga Toca da Barriguda Campo Formoso (BA) 16.400
5 Salão dos Namorados Terra Ronca II/Malhada São Domingos (GO) 16.100
6 Salão Bitelo Toca da Barriguda Campo Formoso (BA) 16.000
B. do Inferno da Lagoa do
7 Salão Desidério Cemitério São Desidério (BA) 14.730
B. do Inferno da Lagoa do
8 Lago do Cruzeiro Cemitério São Desidério (BA) 12.860
9 Salão do Abatimento Gruta da Água Suja Iporanga (SP) 11.930
10 Salão Principal Gruta da Laje Branca Iporanga (SP) 11.860
11.300
(1)
11 Salão do Lago Poço Encantado Itaetê (BA)
(1). Medição referente ao
fundo do lago
Maior salão do mundo em área - Sarawak Chamber (Lubang Nasib Bagus, Malásia): 162.700 m2

MAIORES SALÕES EM VOLUME (m3)


1 Salão do Lago Poço Encantado Itaetê (BA) 320.000
2 Salão do Abatimento Gruta da Água Suja Iporanga (SP) 280.000
3 Salão Principal Gruta da Laje Branca Iporanga (SP) 170.000
Maior salão do mundo em volume - Sarawak Chamber (Lubang Nasib Bagus, Malásia): 12.000.000 m3

MAIORES LAGOS SUBTERRÂNEOS EM ÁREA (m2)


B. do Inferno da Lagoa do
1 Lago do Cruzeiro Cemitério São Desidério (BA) 12.860
2 Poço Encantado Poço Encantado Itaetê (BA) 3.670
Maior lago subterrâneo do mundo em área – Drachenhauchloch (Namíbia): 24.770 m2

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 75


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 2 – Simbologia de caverna da UIS: A lista deinitiva (1999)

Planta Perfil

Bases topográficas

Contorno da galeria

Passagem inferior

Continuação estreita

Continuação possível
?

Dimensão presumida

Formação do teto

Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/

76 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 2 – Simbologia de caverna da UIS: A lista deinitiva (1999) - continuação

Planta Perfil

Linha de gotejamento - Perfil

Degraus 4

Abismo
P 19
_
P 19

Abismo aberto na superfície


P5
_
P5

Chaminé/Chaminé-Abismos +
+ C 15
+
_
C 15
_+

Curva de nível
Seta de gradiente 845 850
Seta de entrada

Linhas de gradiente
1851 m
Altitude em relação ao
nível do mar

Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 2 – Simbologia de caverna da UIS: A lista deinitiva (1999) - continuação

Planta Perfil

Diferença de Elevação
+-0 m +34 m
Fratura/Falha/Junta/Junta
estratificada/Fratura inclinada
-12 m

Lago/Curso d'água

Sifão

Cachoeira - Cascata

Nascente/Sumidouro

Infiltração

Scallops/Marmitas
Direção do Paleo-fluxo

Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/

78 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 2 – Simbologia de caverna da UIS: A lista deinitiva (1999) - continuação

Planta Perfil

Corrente de ar/Gelo 1998-05-17


Neve - Geada

1998-05-17

Estalagmite

Estalactite

Cortinas/Colunas

Helectites/Canudos
Cristais (Flores)

Travertino

Concreção/Escorrimento
Leite de lua

Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 2 – Simbologia de caverna da UIS: A lista deinitiva (1999) - continuação

Planta Perfil

Norte Geográfico e Cartesiano


Norte Magnético
N Nc N m 1989

Blocos/Entulho

Seixos

Sedimento Clástico:
Areia - Silte - Argila - Humus

Parede coberta de Argila

Guano

Acampamento

Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 2 – Simbologia de caverna da UIS: A lista deinitiva (1999) - continuação

Planta Perfil

Anastomose/Lapiás

Couve-flor/Disco

Ossos

Atividade Humana

Altura do salão/galeria
5

Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 3 – Mapas

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 3 – Mapas - continuação

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 3 – Mapas - continuação

84 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 3 – Mapas - continuação

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 85


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 3 – Mapas - continuação

86 3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 3 – Mapas - continuação

3 P R OS P E CÇ ÃO E S P E LE OLÓGICA, TOP OGR AFIA E E S P E LE OM E T R IA DE CAVE R N AS 87


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

4 BIOLOGIA SUBTERRÂNEA: No entanto, existem também feições construtivas,


CONCEITOS GERAIS E APLICAÇÃO como os chamados espeleotemas, que compreen-
NA INTERPRETAÇÃO E ANÁLISE DE
ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL
dem quaisquer depósitos químicos formados no
interior de cavernas. As formações exocársticas in-
RODRIGO LOPES FERREIRA cluem formas como poliés, dolinas, maciços, torres,
UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS
mogotes, lapiás e também formas luviocársticas,
tais como vales cegos, sumidouros, ressurgências,
4.1 Cavernas: gênese e relevos associados vales secos e cânions. Já o endocarste compreen-
As cavernas, ou cavidades naturais subterrâneas, de uma considerável quantidade e variedade de
podem ser compreendidas como componentes cavidades subterrâneas, que se desenvolvem as-
de um sistema geológico denominado carste. Este sociadas às rochas (Kohler, 2001). Além disso, como
sistema é caracterizado como um complexo dinâ- compartimento intermediário, encontra-se epicars-
mico em constante modiicação, principalmente te, que corresponde, em geral, a um extenso vo-
pela ação da água que atua na formação, na mol- lume subsupericial que consiste de uma zona de
dagem e na deposição de variadas feições. Tal rele- intercâmbio entre o solo úmido e a rocha. Esse am-
vo desenvolve-se, principalmente, em rochas mais biente pode apresentar um sistema heterogêneo
solúveis, como as de natureza carbonática (por de fendas nas quais é retida a água proveniente da
exemplo, calcário e dolomito). Entretanto, tal rele- chuva por tempos variáveis, formando-se, assim,
vo pode se desenvolver, mesmo em rochas menos um aqüífero suspenso (Camacho, 1992). Tal aqüífe-
solúveis, como quartzitos, granitos e basalto, den- ro alimenta o gotejamento do teto das cavernas e
tre outras (Palmer, 1991, Sanchez 1992; Gilbert et al., é responsável, em grande parte, pela formação de
1994; Gillieson, 1996; Kohler, 2001). espeleotemas e pela alimentação de muitos tribu-
O carste é, portanto, a unidade funcional de tários vadosos (Trajano & Bichuette, 2006).
um emaranhado de aqüíferos, em bacia de drena- Lapiás são caneluras que sulcam o plano da
gem, com entrada e saída de água luvial ou pluvial. rocha por meio de variados padrões, referindo-
A gênese e a evolução de uma paisagem cárstica se aos mais recentes processos de corrosão de
dependem do padrão estrutural, do grau de so- uma superfície cárstica. Poliés são caracterizados
lubilidade da rocha e da ação de luxos de água, como depressões fechadas formando uma gran-
associados às características ambientais que de- de planície de corrosão que pode alcançar cente-
terminam o funcionamento geológico e biológi- nas de quilômetros; apresentam um fundo plano
co de ambientes subterrâneos (Gilbert et al., 1994; atravessado por um luxo contínuo de água. Já as
Palmer, 1991, Sanchez, 1992). As feições cársticas dolinas são depressões menores, geralmente de
são todas as formas de relevos ativos elaborados, conigurações circulares ou elípticas. Quando há
sobretudo pelos processos de corrosão química e uma união entre duas ou mais dolinas, forma-se,
de abatimento (Kohler, 2001). Feições pseudocárs- então, uma uvala. Os maciços diferenciam-se por
ticas são aquelas em que o processo dominante serem grandes planaltos cársticos de centenas
não é a dissolução da rocha ou processos de aba- de quilômetros de extensão, com paredões re-
timentos, como cavernas de origem vulcânica, de cobertos por campos de lapiás, limitando, assim,
depressões fechadas de origem glacial ou de mo- as superfícies erosivas. Por im, os mogotes e tor-
vimentos tectônicos (Gillieson, 1996). res, assim como os maciços, são relevos positivos
A morfologia cárstica abrange feições de disso- que compreendem morros residuais ou testemu-
lução (destrutivas), compreendendo formas superi- nhos de algumas dezenas de metros de altitude
ciais (exocarste) e formas subterrâneas (endocarste). (Kohler, 2001).

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O luviocarste caracteriza-se por um curso de água Estima-se que o potencial espeleológico brasi-
com trechos em superfície e outros subterrâneos leiro possa superar mais de 100.000 cavernas (Auler,
que direcionam a funcionalidade do carste. A água 2001), contudo, cerca de 7.000 encontram-se cadas-
lui em um leito pelo vales cegos fechados, onde tradas (Auler, 2006). Minas Gerais abriga boa parte
uma zona de recarga desaparece, através de um da maior província espeleológica brasileira (Grupo
sumidouro, para tornar-se subterrânea, alorando Carbonático Bambuí), fazendo com que este seja
novamente em um ponto de descarga, por meio o estado que possui o maior número de cavernas.
de nascentes ou ressurgências (Auler et al., 2001; Grande parte delas localiza-se em áreas calcárias
Kohler, 2001; Camacho, 1992). que sofrem grande pressão por parte de empresas
Dentro do ambiente subterrâneo, o curso mineradoras em função da utilização do carbonato
d’água pode reaparecer, sendo assim denomina- de cálcio para a fabricação de cimento (Piló, 1999;
do surgência. O luviocarste aloja acima de seu ní- Ferreira, 2004; Machado & Ferreira, 2005). Além de
vel atual, feições fósseis, não funcionais, como vales cavernas calcárias, em Minas também é encon-
suspensos, cavernas e abrigos. Entre esses vazios trada formação de cavidades naturais em rochas,
endocársticos, as cavernas são os mais signiicati- como quartzito, minério de ferro, arenito, granito e
vos (Kohler, 2001). gnaisse, dentre outras, também ameaçadas, princi-
Geralmente, as cavernas iniciam sua formação palmente, por atividades de mineração e turismo.
na zona freática, área de iniltração vertical, onde a
4.2 O ambiente subterrâneo
água inunda totalmente as issuras da rocha, pro-
Os ambientes subterrâneos compreendem ex-
vocando a dissolução do perímetro dos condutos
tensas redes de espaços de diferentes dimensões
(zona de saturação). O rebaixamento natural do len-
e graus distintos de conectividade (Figura 4.1). As
çol freático permite a entrada de ar nesses espaços
cavernas (macrocavernas), nesta perspectiva, com-
subterrâneos, caracterizando o início de processos
preendem somente os espaços de maior volume
vadosos, que continuam atuando na solubiliza-
e dimensão, capazes de serem acessados pelo ho-
ção da rocha, entretanto, agora de forma direcio-
mem. No entanto, inúmeros organismos (espe-
nal (determinada pela convergência dos luxos de
cialmente invertebrados) são capazes de circular e
água subterrâneos). Cavernas vadosas podem ser
mesmo estabelecer populações viáveis em espa-
percorridas por rios, mas a água não ocupa todo
ços menores, como interstícios e fendas na rocha
o perímetro da galeria. Nestes casos, haverá ten-
ou em seu contato com o solo. Desta forma, exis-
dência de que o conduto seja escavado para bai-
te, desde a superfície até o interior de uma caver-
xo. Eventualmente, a caverna pode se tornar seca
na, uma sucessão de habitats subterrâneos que se
e se aproximar da superfície, sendo destruída pela
apresentam em diferentes conigurações.
erosão (Auler & Zogbi, 2005; Camacho, 1992).
O primeiro tipo de “compartimento” de habitat
As cavernas formadas na zona freática apre-
compõe os chamados espaços intersticiais do solo,
sentam morfologia labiríntica, de formação lenta
composto por pequenas issuras e rachaduras as-
e circulação irregular, enquanto as cavernas vado-
sociadas ao manto de intemperismo. Tal conjunto
sas apresentam luxo direcional de água a partir de
de habitats pode ser denominado compartimen-
canais de convergência, geralmente com condutos
to endógeno, sendo acessado principalmente por
únicos de morfologia meândria ou submeândrica.
organismos edafobiontes (que vivem no solo), que
Portanto, a morfologia dos condutos é controlada
podem tanto acessar estes habitats por meio de
por uma hierarquia de inluências, tais como loca-
suas minúsculas descontinuidades ou mesmo ati-
lização, extensão, grau de solubilidade da rocha,
vamente, por meio da escavação direta do solo (no
distância entre ponto de recarga e descarga, distri-
caso de organismos fossoriais). O solo profundo,
buição do luxo freático e vadoso e história morfo-
ao aproximar-se da rocha de embasamento, pode
dinâmica (Palmer, 1991; Guano Speleo, 2004).
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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Figura 4.1: “Compartimentos” de habitats desde o sistema epígeo até uma macro-caverna. Em vermelho, as categorias de mor-
fologia diferenciada mais frequentemente associada a cada compartimento e, em verde, as categorias ecológico-evolutivas de
organismos associadas às suas morfologias preferenciais (ou mais frequentemente encontradas).

mesclar-se a um conjunto de fendas de maior ca- às rochas encaixantes) mantêm-se encharcados ou


libre conformadas por descontinuidades na rocha bastante úmidos por todo o ano, possibilitando o
ou mesmo espaços existentes entre blocos de ro- estabelecimento de diferentes populações (princi-
cha oriundos da própria fragmentação da porção palmente de invertebrados). Tal conjunto de habi-
mais supericial da rocha. Tal região, onde existe este tats constitui o chamado epicarste. Alguns estudos
contato do solo com rochas fragmentadas, recebe realizados nos últimos anos têm revelado comu-
o nome de meio subterrâneo supericial (MSS), nidades ricas, muitas vezes formadas por popula-
que compõe uma variedade importante de habi- ções de espécies altamente especializadas a este
tats para inúmeras espécies. A rocha encaixante, por modo de vida. Finalmente, os grandes espaços sub-
sua vez, pode possuir espaços gerados por descon- terrâneos localizados sob esta região epicárstica,
tinuidades da própria rocha que foram sendo pro- compreendem as chamadas macro-cavernas, po-
gressivamente expandidos pela lenta ação da água dendo, este, ser considerado o habitat mais tipica-
solubilizando a rocha. Muitos destes espaços (em mente hipógeo.
geral de volumes reduzidos) são capazes de esto- Cada um destes compartimentos possui carac-
car a água das chuvas que lentamente vão se es- terísticas distintas, que, por sua vez, geram pressões
coando para porções mais profundas das rochas. seletivas diferenciadas que continuamente atuam
Muitas vezes, estes habitats (diretamente associados sobre as populações das espécies residentes. Desta

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forma, ao longo do tempo, a evolução vem produ- é chamada de hipogeomórica, sendo caracteri-
zindo morfologias que foram diferencialmente se- zada, além da tendência à redução da pigmenta-
lecionadas em cada um destes compartimentos de ção tegumentar e dos olhos, pelo alongamento de
habitats. A morfologia corpórea predominantemen- apêndices (locomotores e sensoriais) (iguras 4.2 e
te encontrada em espécies de superfície, denomi- 4.3). Tal alongamento, selecionado em “macro- es-
nada epigeomórica, compreende basicamente a paços” aparentemente está ligado à compensa-
elevada pigmentação tegumentar (primariamente ção sensorial destes organismos, tendo em vista
como forma de proteção contra a radiação solar, e a inexistência de luz nestes habitas e também a
secundariamente como estratégias de atração se- uma maior facilidade de deslocamento pelos subs-
xual, aposematismo, camulagem, dentre outras) e tratos das cavernas, muitas vezes encharcados. A
a manutenção de estruturas oculares bem desen- cada uma destas morfologias, associam-se diferen-
volvidas (já que a luz é uma importante pressão se- tes categorias de espécies que podem ser encon-
letiva presente). Nos compartimentos endógenos tradas em cavernas, como será discutido à frente.
e epicársticos, predomina uma morfologia deno- Finalmente, existem organismos que apresentam
minada endogeomórica, que se caracteriza pela morfologia ambimórica, isto é, com característi-
redução das estruturas oculares e da pigmentação cas “mescladas” de outras morfologias.
tegumentar (já que nestes compartimentos afóti- Os ambientes externos, ou sistemas epígeos,
cos, a pressão da luz deixa de atuar na “manutenção” são utilizados como base para a comparação das
destas características). Tais organismos, entretanto, condições ecológicas prevalentes nos ambientes
apresentam apêndices locomotores e sensoriais fre- subterrâneos, chamados de sistemas hipógeos.
quentemente não alongados, em função dos es- Dessa forma, o meio cavernícola é caracterizado,
paços de reduzido tamanho que coniguram estes principalmente, pela ausência permanente de luz,
habitats. Finalmente, a morfologia que frequente- fazendo com que muitas das características bió-
mente evolui em espaços subterrâneos de maior ticas e abióticas desses ambientes sejam inluen-
volume (macrocavernas – ou sistemas hipógeos) ciadas pela constância desta pressão ambiental.

Figura 4.2: O besouro cavernícola europeu Leptodirus hochenwartii exibindo morfologia tipicamente hipogeomórica. Notar a
ausência de olhos, a redução da pigmentação tegumentar a o alongamento de apêndices. Este foi o primeiro invertebrado tro-
glóbio descrito pela ciência.

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Figura 4.3: O peixe troglóbio Stygichthys typhlops, de Minas Gerais (região de Jaíba) exibindo morfologia tipicamente hipogeo-
mórica. Notar a ausência de olhos e a completa despigmentação tegumentar. Esta espécie compreende um dos peixes brasi-
leiros mais modiicados à vida subterrânea. Além disso, compreende uma espécie ameaçada. Foto: Rodrigo L. Ferreiraausência
de olhos, a redução da pigmentação tegumentar a o alongamento de apêndices. Este foi o primeiro invertebrado troglóbio
descrito pela ciência.

Geralmente, o ambiente físico subterrâneo varia são estáticas e podem sofrer alterações ao longo
menos que o ambiente epígeo circundante e os do tempo, dependendo de fatores como dimen-
parâmetros ambientais caracterizam-se por perma- são da caverna, localização, morfologia, e orienta-
necerem praticamente estáveis na maioria das ca- ção das entradas, dentre outros.
vernas (Poulson & White, 1969; Culver, 1982). Tradicionalmente, podem ser distintas três zo-
Em cavernas mais extensas, a temperatura é nas ambientais caracterizadas pelas diferenças entre
caracterizada por apresentar pouca oscilação nos luminosidade, temperatura e distribuição de orga-
locais mais distantes da entrada. Os valores de tem- nismos (Camacho, 1992). São elas:
peratura, geralmente, aproximam-se da média anual 1. zona de entrada: é aquela onde a luz inci-
do ambiente epígeo (Barr, 1967; Barr & Kuehne, 1971). de diretamente e tanto a temperatura quanto
Já em cavernas menores, as variações são mais evi- umidade relativa do ar acompanham as varia-
dentes, devido à maior inluencia do meio externo. ções externas. É a região mais inluenciada pelo
Além disso, o ambiente subterrâneo é caracteriza- meio epígeo;
do pela elevada umidade que, muitas vezes, tende
2. zona de penumbra: há incidência indireta
à saturação (Poulson & White, 1969; Howarth, 1983).
de luz e lutuações de temperatura menores
Dessa forma, o meio cavernícola pode ser caracte-
quando comparadas às da zona de entrada.
rizado como um ambiente de elevada estabilidade
Sua extensão pode variar de acordo com a
ambiental, devido à ausência permanente de luz, e
época do ano e a posição da entrada em rela-
temperatura e umidade constantes (Poulson & Whi-
ção ao sol;
te, 1969; Culver, 1982). Porém, tais condições não

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3. zona afótica: região onde há absoluta au- 4.2.1 A fauna cavernícola


sência de luz e habitual tendência à estabili- Múltiplos critérios têm sido utilizados para a clas-
dade ambiental. siicação dos organismos cavernícolas em função
As comunidades aquáticas que vivem em len- de suas características peculiares. Desde a primeira
çóis freáticos ou cursos d’água tendem a se distri- classiicação, atribuída a Dane Schïodte, em 1849,
buir por todo o volume da água, desde que existam inúmeras propostas e redeinições de termos foram
nutrientes (Ferreira & Martins, 2001). Segundo Tra- feitas na tentativa de enquadrar a fauna cavernícola
jano & Bichuette (2006), o ambiente aquático sub- em categorias corretas (Camacho, 1992). Uma das
terrâneo também pode ser diferenciado em três classiicações mais utilizadas é a do sistema Schin-
zonas ambientais: ner-Racovitza (modiicado em Holsinger & Culver,
1988), no qual as espécies cavernícolas podem ser
1. horizonte superior da zona freática, que
enquadradas em três grupos:
se conecta com a superfície por meio de issu-
ras inacessíveis pelas ressurgências, sumidou- 1. os troglóxenos são os regularmente encon-
ros, poços naturais ou cavernas; trados no ambiente subterrâneo, mas que, obri-
gatoriamente, devem sair das cavernas para
2. zona de oscilação sazonal do lençol freá-
completar seu ciclo de vida. Ocorrem, em ge-
tico, caracterizada por riachos que secam em
ral, nas porções mais próximas às entradas, mas
determinadas épocas do ano;
suas populações podem, eventualmente, tam-
3. riachos permanentes em condutos aber- bém ocorrer em porções mais interiores. Mui-
tos, não completamente preenchidos por tos desses organismos são responsáveis pela
água, como riachos no topo da zona freática importação de recursos alimentares provenien-
e tributários na zona vadosa, situados nos ní- tes do meio epígeo em cavernas, especialmen-
veis superiores da caverna e onde a circulação te nas que são permanentemente secas. Tais
da água ocorre por gravidade. espécies frequentemente possuem morfolo-
Como as zonas de entrada de cavernas são gia epigeomórica (Figura 4.4);
regiões onde as variações ambientais são forte- 2. os troglóilos são os organismos capazes
mente inluenciadas pelo ambiente externo, fato- de completar todo o seu ciclo de vida no meio
res como luminosidade, temperatura e umidade hipógeo e ou epígeo. No meio epígeo, tan-
também apresentam variações diárias e sazonais to os troglóxenos quanto os troglóilos, ge-
(Culver, 1982). Segundo Prous et al. (2004), regiões ralmente, ocorrem em ambientes úmidos e
próximas às entradas demonstram gradientes de sombreados. Certas espécies podem, ainda,
modiicações estruturais, biológicas e físicas, crian- ser troglóilas sob certas circunstâncias e tro-
do uma zona de transição entre os sistemas epí- glóxenas em outras (por exemplo, em caver-
geos e hipógeos. Dessa forma, a entrada de uma nas que apresentam baixa disponibilidade de
caverna pode ser considerada um ecótone. Essa alimento). Tais espécies podem exibir diferen-
região localiza-se em uma zona diferenciada pelo tes morfologias (Figura 4.5);
equilíbrio entre a disponibilidade de recursos (ca-
3. os troglóbios restringem-se ao ambiente ca-
racterística epígea) e pela estabilidade ambiental
vernícola e podem apresentar diversos tipos de
(característica hipógea). Tal fato indica que a zona
especializações morfológicas, isiológicas e no
de entrada pode funcionar como um iltro entre
comportamento que, provavelmente, evoluí-
dois ambientes adjacentes, permitindo que somen-
ram em resposta às pressões seletivas presentes
te organismos pré-adaptados possam atravessar e
em cavernas e ou à ausência de pressões sele-
colonizar as cavernas.
tivas típicas do meio epígeo. Freqüentemente,

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Figura 4.4: Algumas espécies troglóxenas encontradas no Brasil: A) Peropteryx macrotis (Embalonuridae), Domingos Martins, ES;
B) Chrotopterus auritus (Phyllostomidae), Pains, MG; C) Diphylla ecaudata (Phyllostomidae), Venda Nova do Imigrante, ES; D) Des-
modus rotundus (Phyllostomidae), Luminárias, MG; E) Goniosoma vatrax (Opiliones: Gonyleptidae), Nova Lima, MG; F) Gonioso-
ma sp. (Opiliones: Gonyleptidae), Vargem Alta, ES. Fotos: Rodrigo L. Ferreira

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Figura 4.5: Algumas espécies troglóilas encontradas no Brasil: A) Endecous sp. (Ensifera: Phalangopsidae), Cambuci, RJ; B) Zelurus
sp. (Heteroptera: Reduviidae), Santa Luzia, BA; C) Spelaeochernes sp. (Pseudoscorpiones: Chernetidae), Pau Brasil, BA; D) Carabi-
dae (Coleoptera), Afonso Cláudio, ES; E) Dolabellapsocidae (Psocoptera), Pains, MG; F) Tytius sp. (Scorpiones: Buthidae), Mosso-
ró, RN; G) Scutigeromorpha (Chilopoda), Pau Brasil, BA; H) Venezillo sp. (Isopoda: Armadillidae), Pau Brasil, BA; I) Gonyleptidae
(Opiliones), Pau Brasil, BA; J) Salticidae (Aranae), Arcos, MG; K) Heterophrynus longicornis (Amblypygi: Phrynidae), Palmas, TO; L)
Loxosceles sp. (Aranae: Sicariidae), Altinópolis, SP. Fotos: Rodrigo L. Ferreira

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Figura 4.6: Algumas espécies troglóbias encontradas no Brasil (exceto letra F): A) Eukoenenia maquinensis (Palpigradi), Cordisburgo, MG;
B) Neobisiidae (Pseudoscorpiones), Iuiú, BA (nova espécie); C) Coarazuphium cessaima (Coleoptera: Carabidae), Itaetê, BA; D) Iandumo-
ema uai (Opiliones: Gonyleptidae), Itacarambi, BA; E) Amphipoda, Felipe Guerra, RN (nova família); F) Troglocaris sp. (Decapoda), Plani-
na, Eslovênia; G) Styloniscidae (Isopoda), Iuiú, BA (nova espécie); H) Cirolanidae (Isopoda), Felipe Guerra, RN (novo gênero); I) Lygroma
sp. (Aranae: Prodidomidae), Nova Lima, MG (nova espécie); J) Lithoblatta camargoi (Blattodea), Iraquara, BA; K) Charinus sp. (Amblypy-
gi: Charinidae), Carinhanha, BA (nova espécie); L) Trachelipodidae (Isopoda), Santa Tereza, ES (novo gênero), M) Coletinia brasiliensis (Zy-
gentoma: Nicoletiidae), Campo Formoso, BA; N) Spelaeogammarus trajanoe (Amphipoda: Bogidiellidae), Várzea Alta, BA; O) Kinnaridae
(Homoptera), Felipe Guerra, RN (novo gênero). Fotos: Rodrigo L. Ferreira

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nesses organismos, observa-se uma tendência conhecer muito bem a fauna externa. Para as regi-
à redução das estruturas oculares, da pigmen- ões tropicais (em especial a região neotropical), a
tação e ao alongamento de apêndices, espe- mega-diversidade externa associada a um enorme
cialmente aqueles de função sensorial. Além grau de desconhecimento da fauna torna pratica-
destas características morfológicas, tais espé- mente impossível se determinar se uma espécie é o
cies também podem exibir especializações não troglóbia de acordo com sua distribuição. Des-
isiológicas, como a tendência à redução da ta forma, na tentativa de se aproximar de um diag-
taxa metabólica basal, dentre outras. Tais es- nóstico mais coniável a respeito do real “status” de
pécies frequentemente possuem morfologias uma determinada espécie, foi criado o termo tro-
variáveis, sendo que os chamados “troglóbios glomorismo. Tal termo refere-se a características
recentes” tendem a possuir morfologias endo- morfológicas utilizadas na determinação de espé-
geomóricas ou ambimóricas e os “troglóbios cies potencialmente troglóbias, já que resultam de
avançados”, morfologias hipogeomóricas (Fi- processos evolutivos ocorrentes após o isolamento
gura 4.6); de populações em cavernas.Tais características estão
A igura 4.7 ilustra as principais modiicações preferencialmente relacionadas à morfologia hipo-
encontradas e uma espécie troglóbia, (especialmen- geomórica, que tende a ser mais recorrente em ha-
te naquelas consideradas “troglóbios avançados”, bitats hipógeos de maior volume (macrocavernas).
nas quais se destacam morfologias tipicamente hi- Os troglomorismos, desta forma, são especíicos
pogeomóricas). A espécie da igura corresponde a a cada grupo, não representando sempre as mes-
um homóptero da família Cixiidae encontrado em mas características (como redução de olhos e pig-
uma caverna ferruginosa do quadrilátero ferrífero. mentos). Sendo assim, para certos grupos, ausência
Indivíduos troglóbios desta família são comumen- de olhos e de pigmentos podem ser consideradas
te encontrados em tubos de lava, principalmente troglomorismos, enquanto que para outros não.
nas ilhas Canárias e Hawaii. Como são itófagos, tais Para a maioria dos grupos, a redução da pig-
organismos associam-se a raízes que interceptam mentação melânica, das estruturas oculares e o
galerias de cavernas. Tais raízes são freqüentes nos alongamento de apêndices, podem ser conside-
tubos de lava devido à sua supericialidade, como radas características troglomóricas. Entretanto, as
ocorre com muitas cavernas ferruginosas. Em ou- características a serem utilizadas para estes diag-
tras cavernas situadas em litologias distintas, às nósticos diferem dependendo do táxon analisa-
vezes mais profundas, é mais rara a presença de do. Certos grupos, por exemplo, possuem espécies
raízes e conseqüentemente de cíxiidos, como na sempre despigmentadas e anoftálmicas, mesmo no
maioria das cavernas brasileiras. O único indivíduo ambiente epígeo (e.g. Palpigradi). Nestes casos, os
encontrado na caverna alimentava-se de raízes e troglomorismos são mais especíicos (como alon-
compreende um dos cíxiidos mais especializados gamento dos lagelômeros, aumento no número
à vida subterrânea. Tais modiicações morfológicas de órgãos laterais, dentre outros, para Palpigradi).
incluem a ausência de estruturas oculares, a total A ausência de olhos e de pigmentos, para este gru-
despigmentação do tegumento e a redução das po, não constituem troglomorismos. Desta forma,
asas (Figura 4.7). Cixiidos epígeos possuem olhos é necessário se conhecer a biologia de cada grupo
e asas bem desenvolvidas além de forte pigmen- no intuito de se diagnosticar efetivamente a exis-
tação (Figura 4.8). tência ou não destes caracteres.
O conceito de espécie troglóbia diz respeito Além disso, é sempre fundamental associar as
à sua restrição nos habitats subterrâneos. No en- características morfológicas encontradas em cada
tanto, para se saber precisamente se uma espécie espécie como ambiente externo à caverna à qual
é restrita aos ambientes hipógeos, é necessário se a referida espécie se associa. Em muitos casos, a

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Figura 4.7: Homóptero troglóbio da família Cixiidae. Ao centro, o aspecto geral do organismo (vista latero-ventral e vista latero-
dorsal); Acima, à esquerda, detalhe do ovopositor, o que indica que o indivíduo é uma fêmea adulta; Acima, à direita, detalhe
da região cefálica (vista dorsal), onde se percebe a anoftalmia; Abaixo, à esquerda, detalhe da região cefálica (vista látero ven-
tral), evidenciando a anoftalmia; Abaixo, à direita, detalhe das asas, mostrando marcante redução destas estruturas. Fotos: Ro-
drigo L. Ferreira

Figura 4.8: Homóptero da família Cixiidae (epigeomórico). A seta vermelha indica os olhos bem desenvolvidos e a seta verde
indica as asas também desenvolvidas e funcionais. Notar a forte pigmentação do organismo. Foto: Rodrigo L. Ferreira

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análise da morfologia, por si, pode não ser suicien- 2. os estigóilos em comparação com os an-
te para determinar se a espécie é (ou não) trogló- teriores apresentam uma maior ainidade ao
bia. Um exemplo: as traças pertencentes à família ambiente cavernícola, principalmente porque
Nicoletiidae são sempre brancas e anoftálmicas. Se exploram ativamente os recursos alimentares
estivermos coletando em uma caverna localizada e buscam proteção contra condições adversas
no sul de São Paulo, em meio à uma Mata Atlân- resultantes de fatores estocásticos externos;
tica bem preservada e encontrarmos uma popu- 3. os estigobiontes são especializados e res-
lação cavernícola de uma traça desta família, não tritos ao interior dos ambientes subterrâneos.
podemos excluir a possibilidade de que existam in- Têm distribuições amplas e suas especializa-
divíduos da mesma espécie fora da caverna, já que ções, provavelmente, evoluíram em resposta
na loresta, existem inúmeros habitats capazes de às pressões seletivas presentes em cavernas e
manter tais indivíduos (como o folhiço sombrea- ou à ausência de pressões seletivas típicas do
do e úmido da loresta, espaços sob troncos e ro- meio epígeo. Nesses organismos, as estruturas
chas, dentre outros). Por outro lado, se estivermos oculares e a pigmentação são reduzidas ou au-
coletando em uma caverna situada no interior da sentes e as estruturas sensoriais são mais de-
Paraíba, em meio à Caatinga, e encontrarmos uma senvolvidas do que em ains epígeos.
outra população de traças da mesma família, po-
É imprescindível que a inclusão de uma espécie
demos considerar que existem enormes possibi-
em quaisquer categorias necessite de uma avalia-
lidades de se tratar de uma espécie troglóbia, já
ção aprofundada da história natural do organismo
que as condições externas à caverna (de extrema
estudado. No entanto, a classiicação mais comple-
insolação, elevadas temperaturas, solo ressequido,
xa e a que mais sofreu modiicações é a que ten-
dentre outras) diicilmente permitiriam o estabe-
ta separar os animais que entram casualmente nas
lecimento de populações epígeas daquela espé-
cavernas dos que entram voluntariamente nesse
cie (de tegumento ino, frágil que permitiria uma
ambiente (comumente chamados de “verdadeiros
rápida perda de água, levando à morte do indiví-
cavernícolas”). Aqui, de forma a facilitar a compre-
duo por dessecação). Sendo assim, muitas vezes
ensão dos termos, foi acrescida uma categoria que,
nem mesmo um taxonomista especialista em de-
na maioria das vezes, é excluída dos estudos de fau-
terminado grupo é capaz de precisar se uma dada
na cavernícola: os organismos acidentais.
espécie é ou não troglóbia, sendo sempre neces-
As espécies “acidentais”, diferentemente dos tro-
sário contextualizar suas características morfológi-
glóxenos, compreendem indivíduos epígeos que
cas em relação aos ambientes externos às cavernas
penetram (acidentalmente ou não) no ambiente
às quais se associam.
cavernícola, mas não apresentam nenhuma pré-
Outra classiicação de fauna cavernícola, me-
adaptação que proporcione a sua sobrevivência
nos utilizada, agrupa os organismos aquáticos em
dentro das cavernas. Essas espécies, embora não
também três categorias baseadas no sistema Schin-
sejam “verdadeiros cavernícolas”, são importantes
ner-Racovitza (Gilbert et al., 1994):
em muitos sistemas hipógeos, principalmente na-
1. os estigóxenos são organismos aquáticos queles em que a entrada de alimento é restrita, já
cavernícolas que não têm ainidade alguma que as fezes e, principalmente, os cadáveres desses
ao ambiente subterrâneo, mas que ocorrem animais são importantes fontes de recursos alimen-
acidentalmente em sedimentos aluviais nas tares, tanto para as comunidades aquáticas quan-
cavernas. Estes inluenciam os processos de to para as terrestres.
aporte e consumo de matéria em águas sub- Da mesma maneira que foram propos-
terrâneas como presas e/ou predadores; tos sistemas de classiicação para os organismos

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subterrâneos, também se procurou enquadrar as em depósitos relativamente profundos de sedimen-


comunidades cavernícolas com base na área de tos (como os encontrados em margens de rios e
ocupação e na mobilidade das espécies que as com- lagos) podem abrigar uma rica fauna subterrânea
põem. Tal fato leva em consideração que a distri- (Trajano & Bichuette, 2006). Essas comunidades são
buição dos indivíduos no meio hipógeo pode ser condicionadas a inúmeros fatores, tais como tama-
inluenciada por numerosos fatores, nos quais a dis- nho dos grânulos no sedimento que inluenciam
ponibilidade de recursos alimentares é de funda- diretamente no volume dos espaços intersticiais e
mental importância (Ferreira & Martins, 1998). Além na velocidade do luxo da água. Nesses locais há
disso, muitos organismos colonizam cavernas via pouca ou nula incidência de luz, indicando que es-
entrada, de forma que a distância da entrada até o sas comunidades apresentam uma série de carac-
interior também pode ser um importante fator de terísticas típicas de ambientes com ausência de luz
inluência na distribuição de alguns grupos (Ferrei- (Camacho, 1992). Organismos intersticiais subter-
ra & Pompeu, 1997). râneos podem ser altamente especializados, habi-
Segundo os trabalhos de Ferreira & Martins tando sistemas nos quais existam ou não cavernas
(2001) e Prous et al. (2004), as comunidades terres- (Trajano & Bichuette, 2006).
tres também podem ser categorizadas de acordo Dessa forma, percebe-se que as comunidades
com a sua distribuição no ambiente cavernícola: cavernícolas são compostas por espécies com di-
1. comunidades para-epígeas: compostas ferentes histórias evolutivas neste ambiente. Tais
por espécies que vivem na zona de ecótone espécies podem possuir um amplo “leque” de in-
junto à entrada da caverna. É freqüente nes- terações (entre si e com o ambiente cavernícola)
sas comunidades a presença de organismos que possibilitam que estas comunidades se man-
“tipicamente” epígeos que, no entanto, habi- tenham no sistema cavernícola “indeinidamen-
tam o compartimento hipógeo da região do te”, desde que condições ambientais e processos,
ecótone; como importação de nutrientes, sejam mantidos.
Essas interações deinem assim o grau de estrutu-
2. comunidades recurso-espaço-dependen-
ração de uma comunidade cavernícola, sendo as
tes: apresentam espécies, em geral, reduzidas,
comunidades mais estruturadas, aquelas com inte-
que estabelecem suas populações de forma
rações bem estabelecidas entre espécies e destas
mais restrita ao espaço onde se encontra o
com o ambiente cavernícola. Dessa forma, o grau
recurso alimentar. Geralmente, incluem orga-
de estruturação de uma comunidade caverníco-
nismos de mobilidade limitada, incapazes de
la não depende somente do número de espécies
percorrer periodicamente grandes extensões
que a compõem, mas também da força das inte-
em busca de alimento;
rações entre organismos e ambiente, que podem
3. comunidades recurso-espaço-indepen- promover a coexistência, a longo prazo, de muitas
dentes: constituídas por espécies que são atra- espécies (Ferreira, 2004).
ídas por depósitos orgânicos, mas que não se
limitam à área onde o recuso ocorre. Estas co- 4.2.2 O aporte de alimento para o interior
das cavernas
munidades são constituídas, geralmente, por
A ausência permanente de luz solar exclui a possi-
organismos maiores (maioria dos invertebra-
bilidade da ocorrência de produtores fotossinteti-
dos cavernícolas), que são capazes de se deslo-
zantes em locais profundos do meio cavernícola.
car por grandes espaços em busca de recursos
Dessa forma, a base da produção primária em algu-
alimentares.
mas cavernas é realizada por meio de organismos
Além disso, no meio aquático, os ambientes in- quimioautotróicos, principalmente bactérias que
tersticiais formados por redes de espaços contínuos utilizam ferro ou enxofre (Sarbu et al., 1996; Culver,

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1982). Porém, a maior parte da produção nos ecos- margens, de acordo com sua estrutura e estado
sistemas cavernícolas é de origem secundária e o de conservação (Allan, 1995). Após cair nos rios, a
alimento aportado à caverna é de origem alócto- água transporta estes detritos em direção às ca-
ne. Esse fato faz com que a teia alimentar hipógea vernas. Tais detritos, geralmente compostos por
seja fundamentada em detritos, havendo o pre- troncos, galhos, folhas, bactérias e animais epíge-
domínio de organismos decompositores nos sis- os (zooplâncton e artrópodes aquáticos), acessam
temas hipógeos (Simon, 2000; Souza-Silva, 2003). este ambiente por meio de sumidouros. No meio
Fezes ou cadáveres de animais que transitam hipógeo, fragmentos vegetais são depositados ao
nas cavernas com certa regularidade ou dos que longo dos cursos d’água, constituindo depósitos de
entram ali casualmente, assim como a presença matéria orgânica (Barr, 1967; Simon, 2000; Ferreira
de raízes vegetais, podem ser também importan- & Horta, 2001). Estes depósitos são lentamente de-
tes fontes de recursos alimentares, tanto para as compostos por bactérias, fungos e demais inverte-
comunidades terrestres quanto para as aquáticas. brados detritívoros (Galas et al., 1996; Simon 2000).
O tipo e a qualidade de recurso e a forma de dis- O biorrevolvimento da superfície do sedimento
seminação no sistema são determinantes da com- e a fragmentação do detrito proveniente da vege-
posição e da abundância da fauna (Ferreira, 2004). tação ripária são exemplos de processos realiza-
Além disso, os recursos alimentares alóctones man- dos por organismos pertencentes às comunidades
têm populações de organismos de todos os níveis aquáticas, que resultam na liberação de nutrientes
tróicos presentes nas cavernas (Ferreira & Martins, na água (Cummins et al., 1989; Devái, 1990). Assim,
1999; Trajano, 2000). estas comunidades caracterizam-se como impor-
Assim, a matéria orgânica é importada para as tantes componentes do sedimento de rios e lagos,
cavidades por agentes biológicos ou por agentes sendo fundamentais para a dinâmica de nutrien-
físicos, de modo contínuo ou intermitente. O ali- tes, a transformação de matéria e o luxo de energia
mento também pode penetrar nas cavernas atra- (Callisto & Esteves, 1995). Tal fato pode ser aplicado
vés da água de percolação, das aberturas verticais tanto para as comunidades epígeas quanto para as
nos tetos e das paredes ou em “pulsos”, carreado hipógeas. Dessa forma, todos os processos ocorri-
por rios ou riachos (Gilbert et al. 1994). Essa movi- dos no meio externo inluenciam diretamente o
mentação de nutrientes e detritos do meio epígeo ecossistema subterrâneo.
para o meio hipógeo é freqüente; em alguns ca-
4.2.3 Dinâmica trófica em sistemas
sos, 100% da matéria orgânica é importada (Culver, subterrâneos
1982, Howarth 1983). As cavernas são comumente caracterizadas como
Nos riachos epígeos e subterrâneos, os recur- ambientes com elevada tendência ao oligotroismo,
sos orgânicos transportados são, usualmente, cate- já que, geralmente, as vias de importação de recur-
gorizados de acordo com o tamanho das partículas: sos alimentares não são eicientes o bastante para
matéria orgânica particulada grossa (coarse particu- o transporte de grandes quantidades de alimen-
late organic matter (CPOM)>1mm), ina (ine parti- to (Culver, 1982). Desse modo, a baixa quantidade
culate organic matter (FPOM), de 1mm até 5µm) e dos recursos importados às cavernas se torna um
dissolvida (dissolved organic matter (DOM)<5µm) fator limitante ao estabelecimento de numerosas
(Allan, 1995; Simon, 2000). espécies nos ecossistemas subterrâneos. Mesmo
No meio externo, esses detritos podem ser as espécies que conseguem ultrapassar as barrei-
usados como alimento por inúmeros invertebra- ras seletivas destes ambientes, tal como a ausên-
dos aquáticos (Minshall, 1967; Allan, 1995; Galas et cia permanente de luz, são impedidas de atingir
al., 1996). O aporte destes para rios e pequenos ria- grandes populações devido à relativa escassez de
chos é feito, principalmente, pela vegetação das recursos alimentares (Ferreira, 2004).

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Vários estudos em cavernas indicam a tendên- redução na taxa metabólica, condição bastante
cia de haver um menor número de espécies explo- recorrente em organismos troglóbios (Camacho,
rando os recursos alimentares, geralmente limitadas 1992; Sarbu, 1996).
a teias tróicas mais simpliicadas. Considera-se, en-
tão, que as comunidades de invertebrados caverní- Dessa forma, a produção primária que susten-
colas são menos complexas quando comparada às ta essa comunidade é realizada por meio da mi-
comunidades epígeas (Culver, 1982; Howarth, 1983; crobiota que cobre as superfícies da água e das
Jasinska et al., 1996; Trajano, 2000). rochas calcárias. Esse bioilme microbiano utiliza
Porém, estudos relacionados à caracterização o sulfeto de hidrogênio como doador de elétrons
dos processos biológicos de produção, transferên- no processo de quimiossíntese. O luxo de ener-
cia e processamentos de nutrientes em sistemas ca- gia é realizado por bactérias e fungos heterotrói-
vernícolas são pouco freqüentes. Esses estudos são cos que se alimentam das bactérias autotróicas ou
fundamentais para a compreensão da dinâmica tró- utilizam moléculas orgânicas excretadas por elas. A
ica desses ambientes que, por sua vez, determina partir daí, ricas populações de lagelados, nematói-
diretamente a estruturação das comunidades sub- des, oligoquetas, copépodos, anipodos, colêmbo-
terrâneas. As informações geradas por meio des- los, isópodes, aranhas e coleópteros, dentre outras,
ses estudos fornecem importantes subsídios para distribuem-se ao longo da cavidade, todas elas uti-
a conservação da fauna cavernícola. lizando-se, de forma indireta, do recurso primaria-
Apesar de a produção autóctone fotossinteti- mente produzido pelas bactérias. Desencadeia-se,
zante não ser um processo comum na maioria das dessa forma, uma teia alimentar atípica em am-
cavernas, a quimioautotroia pode ocorrer em mui- bientes cavernícolas, envolvendo consumidores,
tos dos ambientes subterrâneos. A caverna Movi- predadores e detritívoros, todos baseados em pro-
le Cave, situada na Romênia, destaca-se por ser o dutividade primária proveniente de quimiossínte-
único caso (comprovado até o momento) de uma se (Camacho, 1992; Sarbu et al., 1996). A produção
caverna em que a quimioautotroia é responsável primária totalmente baseada em organismos qui-
pela manutenção de toda a comunidade de in- mioautotróicos é, entretanto, rara e não pode ser
vertebrados presente. Várias investigações na su- caracterizada como modelo tróico geral para ca-
perfície da região onde está localizada a caverna vernas convencionais.
excluem a possibilidade de aporte de matéria or- Simon (2000) analisou a dinâmica da matéria
gânica de origem fotossintética por luxos d’água orgânica e a estrutura tróica em águas de ecossis-
epígeos. Mesmo sendo um ecossistema subterrâ- temas subterrâneos cársticos em Dorvan-Cleyzieu,
neo exclusivo que está inserido em uma paisagem França. O estudo demonstrou a inluência de pa-
com águas termominerais sulfurosas, também é drões temporais de luxos de inundação no apor-
descartada a probabilidade de iniltração de água te e na distribuição espacial da matéria orgânica e
por percolação através das issuras das rochas. Tal também na distribuição do bioilme em um aqüí-
fato demonstra que a caverna está isolada em um fero. As bactérias (heterotróicas) aparecem como
ambiente totalmente fechado (Camacho, 1992). importante fonte energética para os níveis tróicos
Ainda assim, Movile Cave é caracterizada por seguintes. Além disso, os fatores que regulam suas
suportar uma elevada densidade de espécies, tan- atividades controlam também a teia alimentar, de-
to aquáticas como terrestres e alta biomassa. Além terminando a disponibilidade de energia. A alter-
disso, a caverna apresenta grande quantidade de nância temporal de enchentes e seca no aqüífero
organismos troglóbios, indicando a longa história tem um importante papel na aeração do bioilme,
de isolamento destas espécies. Porém, essas espé- na renovação de carbono e de oxigênio e no supri-
cies se destacam pelo fato de não apresentarem mento de nutrientes para o meio hipógeo.

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No mesmo estudo, Simon (2000) investigou No Brasil, o primeiro trabalho enfocando a


os processos de decomposição de folhas e de disponibilidade e o processamento de recursos
gravetos e o papel de várias fontes de matéria or- alimentares em um ambiente subterrâneo foi re-
gânica na dinâmica tróica no riacho que percor- alizado por Souza-Silva (2003). A dinâmica tróica
re a Organ Cave, EUA. A matéria orgânica grossa cavernícola foi avaliada nos meios aquáticos e ter-
(CPOM) se torna uma fonte alternativa de ener- restres da Lapa do Córrego dos Porcos, Damianó-
gia, além da dissolvida (DOM) em cavernas com polis, Goiás. Foram quantiicados a disponibilidade
grandes entradas. A caverna é eiciente em reter e o consumo de recursos alimentares e analisada a
CPOM e a perda de massa de folhas é mais rápi- estrutura da mesofauna, além da caracterização dos
da que a de gravetos, que representam, então, agentes e das vias de produção de matéria orgâni-
uma fonte mais estável de carbono. Assim, FPOM ca. No ambiente terrestre, a principal inluência na
e DOM tornam-se importantes fontes de alimen- composição, na distribuição e na abundância de in-
to em locais mais distantes dos pontos de entra- vertebrados é determinada pelo guano de morce-
da, onde o transporte de CPOM é pouco provável. gos. O produto secundário é um recurso alimentar
Conseqüentemente, a cadeia tróica cavernícola efêmero, dependente de uma constante produção
pode ser estruturada pela presença de raspado- para a manutenção das comunidades terrestres.
res de bioilme, coletores, fragmentadores e pre- No ambiente aquático da Lapa do Córrego dos
dadores (Simon, 2000). Porcos, veriicou-se que os detritos penetram em
Graening (2000) conduziu um estudo de di- maior quantidade na estação chuvosa do ano. En-
nâmica tróica em uma caverna de litologia calcá- tretanto, esse maior aporte é acompanhado tam-
ria denominada Springs Cave, EUA. Essa caverna bém por um processo de lixiviação mais intenso. Os
destaca-se por ter suas características prístinas al- luxos de inundação diicultam a retenção e o pro-
teradas pela poluição por nutrientes, metais pesa- cessamento de recursos alimentares no riacho. Por-
dos e coliformes. Mesmo assim, a quantiicação do tanto, os detritos vegetais acumulam do sedimento
aporte de energia no riacho subterrâneo caracte- e são colonizados pela fauna, principalmente nas
rizou-o como um sistema oligotróico, no qual a estações secas. Como fonte energética adicional,
matéria orgânica dissolvida (DOM) é fonte de re- a presença de raízes submersas proporciona uma
curso dominante. Acredita-se que a drástica redu- fonte diversa de recursos e micro-hábitats, suprin-
ção da população de morcegos ao longo dos anos do a depleção causada pela ação lixiviadora dos
tenha diminuído o aporte de guano, reduzindo a luxos de inundação (Souza-Silva, 2003).
sua contribuição potencial para a dinâmica trói- A partir das informações básicas a respeito
ca do ambiente. da dinâmica tróica cavernícola, o luxo energéti-
A retenção de nutrientes em Spirngs Cave é co desses ecossistemas pode ser generalizado em
baixa, indicando que muito da matéria orgânica determinadas estruturas e processos relativamen-
aportada à cavidade é exportada sem ser utiliza- te simples, principalmente quando comparados a
da. A densidade microbiana é signiicativamente sistemas epígeos (Figura 4.9).
mais alta durante luxos de inundação e seu cres-
4.3 Evolução em ambientes subterrâneos
cimento não é vinculado ao tipo de recurso, mas
Saber como certas características dos troglóbios
sim à quantidade que é importada para a caverna.
evoluíram torna o estudo da vida em cavernas mais
Além disso, a comunidade microbiana é limitada
interessante (Ferreira & Martins, 1999). Em geral, es-
à presença de recurso, indicando que a adição de
ses animais apresentam várias especializações rela-
nutrientes dentro do ecossistema cavernícola po-
cionadas ao ambiente cavernícola, resultantes de
deria provocar aumento na atividade microbiana
um processo biológico lento e contínuo conhecido
e de biomassa (Graening, 2000).

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Matéria orgânica lixiviada


LEGENDA

Sistema de Importação de matéria orgânica


decompositores Acumulação de matéria orgânica
Lixiviação de matéria orgânica
Matéria orgânica Matéria orgânica para detritívoros
acumulada Detritívoros para predadores
Organismos mortos
Predadores Predadores Sistema de decompositores
aquáticos terrestres
Produção (primária e secundária)

Consumidores primários
Predadores
Herbívoros DETRITÍVOROS Guanófagos
Matéria orgânica acumulada
Fitófagos Fungívoros
Matéria orgânica lixiviada
Caverna

Bactérias Fungos e
Raízes quimioautotróficas bactérias Guano

Produtividade primária Produtividade secundária


Matéria orgânica importada

Figura 4.9: Diagrama representando principais estruturas e processos tróicos em uma caverna (Ferreira, 2004).

como “evolução regressiva”. Esse processo, ainda passar das gerações, pois mutações casuais nesse
não totalmente esclarecido, é interpretado com sentido não afetariam a sobrevivência ou reprodu-
a ajuda de duas hipóteses hoje muito aceitas, por ção do indivíduo. Uma mutação que, por exemplo,
seu bom embasamento teórico e experimental: a reduzisse o tamanho do olho de um peixe seria
hipótese do acúmulo de mutações neutras e a da muito prejudicial se ele vivesse em um rio de su-
seleção por pleiotropia. perfície, mas neutra em uma caverna totalmente
Para descrever a primeira hipótese é fundamen- escura. Nesse ambiente, os olhos não têm função.
tal esclarecer antes o que signiica o termo “muta- O acúmulo de mutações neutras desenvolveria e
ção neutra”. Mutações são mudanças no código ixaria um determinado caráter regressivo, desde
genético de um indivíduo, que podem levar a va- que a população cavernícola continuasse isolada
riações de forma, metabolismo ou comportamen- de populações externas. A hipótese de acúmulo de
to transmissíveis a seus descendentes. As mutações mutações neutras, portanto, propõe que a regres-
são espontâneas ou induzidas (por radiações e por são de estruturas em muitos troglóbios pode ter
diversas substâncias químicas). Uma “mutação neu- ocorrido por causa da ausência de pressões sele-
tra” é aquela que não inluencia nenhum aspecto tivas (como a luz) que eliminariam indivíduos mu-
importante da sobrevivência e/ou da reprodução tantes no meio externo: nesse meio, um peixe com
de um organismo. A “neutralidade”, porém, depen- visão reduzida teria sua vida diicultada e, portan-
de do ambiente em que esse organismo vive. Essa to, menos chance de transmitir a mutação a seus
hipótese assume que a regressão de certas estru- descendentes.
turas, observada em alguns organismos que vivem A segunda hipótese baseia-se na pleiotropia,
em cavernas, é resultado do acúmulo de mutações fenômeno no qual um só gene determina a modi-
neutras (que aparecem casualmente em indivíduos icação de vários caracteres (no fenômeno oposto,
de uma população) durante várias gerações. Sem herança poligênica, um só caráter é determina-
função nesses ambientes, tais estruturas (olhos, por do por vários genes). Uma mutação em um gene
exemplo) seriam gradativamente reduzidas com o pleiotrópico pode aumentar ou diminuir todos os

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caracteres que ele determina ou aumentar um e de Minas Gerais, principalmente nos últimos anos,
reduzir os demais. A hipótese da seleção por pleio- têm sido descobertos numerosos organismos tro-
tropia propõe que mutações em um gene pleio- glóbios e troglomóricos (que já mostram caracte-
trópico afetariam de modo diferente os caracteres rísticas de troglóbios). Populações relativamente
determinados por esse gene, levando à seleção de densas de ácaros, colêmbolos e traças são encon-
um ou mais entre eles. Assim, em um peixe (hipo- tradas com certa freqüência nesses depósitos. Tais
tético) com um gene desse tipo, que condicionas- descobertas permitem questionar a hipótese de
se um caráter útil no ambiente cavernícola (como que a escassez de alimentos seria a principal de-
o sistema de linha lateral, que permite aos peixes terminante da evolução de características troglo-
detectar variações de temperatura ou pressão da móricas em organismos que vivem em cavernas,
água) e outro “dispensável” ali (como olhos), a sele- principalmente naqueles associados a depósitos de
ção poderia resultar no aperfeiçoamento de uma guano. A comparação da idade dos depósitos de
característica e redução da outra, por efeito pleio- guano com o tempo de desenvolvimento de um
trópico negativo. Assim, o aperfeiçoamento de um organismo troglóbio também ajuda esse questio-
caráter acarretaria a redução do outro associado, namento. Um exemplo está na toca da Boa Vista,
desde que isso não reduzisse as chances de sobre- caverna do norte da Bahia. Em muitas de suas gale-
vivência e reprodução. No peixe hipotético acima rias há registros de guano fóssil pulverizado, e nessa
(com o sistema de linha lateral e o desenvolvimento caverna existem populações numerosas (dezenas
dos olhos ligados ao mesmo gene), mutações que de indivíduos) de uma traça troglóbia, da ordem
tornassem mais eicaz o primeiro caráter seriam po- Zygentoma. Amostras desse guano foram datadas
sitivamente selecionadas, levando à redução dos pelo geólogo Augusto Auler em cerca de 16 mil
olhos, caso o efeito pleiotrópico nesse gene fosse anos. Tal prazo está incluído no tempo necessário
negativo. Como essa redução não afeta a vida do para a evolução de características troglomóricas
peixe na caverna, os olhos continuariam a ser atro- em espécies cavernícolas terrestres, estimado en-
iados, podendo até desaparecer, no decorrer de tre 10 mil e 100 mil anos por estudos empíricos. As
várias gerações. Ao contrário da hipótese de acú- traças, portanto, provavelmente desenvolveram es-
mulo de mutações neutras, a de pleiotropia está sas características em um ambiente com bastante
diretamente ligada à escassez alimentar, condição matéria orgânica, contrariando a idéia de que essa
comum em muitas cavernas. evolução estaria ligada à escassez de nutrientes. As
Entretanto, se essa escassez fosse a principal informações obtidas nestas pesquisas reforçam a
determinante do processo evolutivo em cavernas, hipótese neutralista de evolução regressiva, já que
os depósitos de guano não poderiam ser conside- a escassez ou não de alimento parece ter pouca in-
rados locais apropriados para a ocorrência da evo- luência no processo de evolução de organismos
lução regressiva. Em geral, tais depósitos oferecem associados ao guano.
recursos abundantes para as comunidades que vi-
4.4 Ecologia e conservação de cavernas
vem neles, e segundo alguns cientistas isso poderia
A fauna cavernícola brasileira começou a ser rela-
desacelerar esse tipo de evolução nos organismos.
tivamente bem estudada a partir da década de 80
Os troglóbios eventualmente encontrados em de-
(Dessen et al., 1980; Chaimowicz, 1984; Chaimowicz,
pósitos de guano, para esses cientistas, já estariam
1986; Godoy, 1986, Trajano & Moreira, 1991). Poucas
presentes nas cavernas (e já teriam evoluído até
cavernas, entretanto, foram estudadas intensiva-
essa condição), e se associaram ao guano apenas
mente, todas elas cavernas calcárias (Trajano, 1987;
depois de sua deposição pelas colônias de morce-
Ferreira & Pompeu, 1997; Bichuette & Santos, 1988;
gos. Em depósitos de guano de cavernas da Bahia e
Ferreira & Martins, 1998,1999).

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As cavernas são, até certo ponto, importantes Desta forma, qualquer evento que modiique a
para o equilíbrio de ecossistemas em suas áreas de situação presumivelmente “original” de uma caver-
ocorrência. As interferências sobre o meio físico de- na calcária (permanente escuridão e elevada estabi-
correntes de fenômenos naturais ou da ação antrópi- lidade ambiental), independentemente do tempo
ca reletem-se diretamente nas cavernas que existem desde sua ocorrência, pode resultar em impacto.
nas áreas sujeitas a estes impactos. A desestruturação Situações que modiiquem um sistema cavernícola
de sistemas cavernícolas causada por diferentes im- com velocidade relativamente alta podem causar
pactos pode, de médio a longo prazo, causar modi- distúrbios aos quais muitos organismos não conse-
icações no sistema externo, acentuando ainda mais guirão adaptar-se, resultando em extinção local de
o estado de desequilíbrio de um dado ecossistema. muitos taxa. Sendo assim, o tempo desde a ocor-
Como exemplo, pode-se citar enchentes (Lisowiski & rência de um impacto, mesmo sendo importante
Poulson, 1981; Lewis, 1982) ou mesmo a diminuição para a evolução de grupos ou sistemas biológicos
da água em drenagens hipógeas (Elliot, 1981) devido em cavernas, mostra-se, provavelmente, menos im-
a atividades antrópicas. Estes eventos podem mo- portante que a intensidade com a qual este even-
diicar intensamente o regime hídrico da porção à to tenha modiicado um dado sistema cavernícola.
jusante ou à montante da drenagem, causando di- Uma vez que a determinação do tempo transcor-
ferentes impactos sobre a fauna e lora aquática e às rido desde a modiicação de uma caverna por um
vezes até mesmo sobre comunidades ripárias. Ou- dado evento é praticamente inviável, o acompa-
tros exemplos podem ainda ser citados, como a re- nhamento de certas variáveis (ambientais, tróicas
moção de populações de morcegos frugívoros de e zoológicas) de uma caverna aliado à compara-
cavernas. Mesmo não existindo estudos detalhados ções entre estas mesmas variáveis, podem funcio-
a este respeito, parece bem real a possibilidade de nar como objetos para a determinação do grau
redução nas taxas de polinização e mesmo de dis- de conservação de um dado sistema, mesmo não
persão de sementes nos sistemas externos caso este sendo estas, as “ferramentas” mais adequadas para
evento venha a ocorrer, o que pode, a longo prazo, este tipo de estudo.
levar a eventuais “bottle necks” para muitas popula- A conservação de sistemas cavernícolas é, des-
ções de plantas que dependam destes polinizadores ta forma, fundamental tanto para a preservação das
(Myers, 1992). Estudos detalhados de sistemas caver- muitas relações ecológicas existentes apenas nes-
nícolas são, desta maneira, essenciais para uma ca- tes ambientes, quanto para a manutenção destes
racterização completa e coniável do ecossistema ecossistemas. Além disso, enquanto sistemas com-
no qual as cavernas se inserem. plexos (embora menos complexos que os ecos-
Impactos ambientais podem resultar de ativi- sistemas epígeos) as cavernas possuem grande
dades naturais ou antrópicas, que produzem alte- importância na medida que permitem a compre-
rações bruscas em partes ou no ambiente como ensão de muitas estruturas e processos ecológicos,
um todo. Cavernas calcárias, devido à sua gênese, podendo, assim, funcionar como excelentes locais
passaram, em sua evolução geológica, por momen- para a pesquisa ecológica.
tos de permanente escuridão e maior estabilida-
4.5.1 Diretrizes gerais para o inventário e
de ambiental que sistemas externos. Entretanto, a monitoramento da fauna em cavernas
situação ambiental de cada caverna depende do
tipo e do momento em que se encontra sua evolu- Diretrizes gerais para inventários de fauna
subterrânea
ção geológica, sendo que diferentes sistemas cer-
Segundo Ferreira (2004), para o levantamento de
tamente encontram-se em diferentes condições
dados e a avaliação ecológica de um sistema caver-
ambientais (inluenciadas claramente pelo regime
nícola deve-se avaliar sucintamente fatores como a
climático externo regional).

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composição, abundância, riqueza, diversidade (es- a diversidade e a distribuição de cada população,


trutura da comunidade), a variação espaço/tempo- no espaço e no tempo. Para tal, devem ser reali-
ral da fauna, o topoclima e a estrutura e dinâmica zadas em cada caverna no mínimo duas coletas
tróica do sistema. Somente depois destes passos distribuídas entre as estações de seca e chuva. Os
é que planos de monitoramentos podem ser cons- invertebrados presentes nas cavernas deverão ser
truídos e implantados. previamente identiicados visualmente no campo
Para avaliar a composição, estrutura e distri- e alguns de seus espécimes coletados como tes-
buição da fauna a amostragem deve consistir em temunhos. Os organismos observados (coletados
um inventário detalhado das comunidades pre- e não coletados) deverão ser plotados em croqui
sentes na caverna, observando-se o número de es- esquemático de cada caverna, segundo a meto-
pécies, o número de indivíduos em cada espécie, dologia proposta por Ferreira (2004) (Figura 4.10).

Figura 4.10: Croqui esquemático de uma caverna ilustrando o método de avaliação da composição, riqueza e abundância de
invertebrados. Cada número representa uma morfoespécie deinida no campo. A repetição do número representa a distribui-
ção e abundância dos indivíduos da morfoespécie (modiicado de Ferreira 2004).

108 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

As coletas deverão ser preferencialmente manuais locais preferenciais de acumulação e a fauna asso-
(com o auxílio de pinças, pincéis, sugadores e redes ciada aos diferentes recursos alimentares (guano,
entomológicas). O uso de armadilhas tipo “pitfall” raízes, folhas, troncos, carcaças, etc) devem ser des-
(armadilhas de queda, instaladas no piso das caver- tacados. Para tal, os recursos alimentares presentes
nas) é desaconselhado, pois este método, além de nas cavernas deverão ser identiicados visualmente
seletivo, adiciona poucas espécies quando realiza- plotados em croqui ou mapa e caracterizados de
do em conjunto com o método de coleta manu- acordo com o tipo (raízes, folhas, troncos, fezes, etc.)
al. Além disso, a coleta com pitfall sacriica muitos locais de acumulação (perto de entradas, condu-
indivíduos, podendo desestruturar populações de tos interiores, embaixo de clarabóias, paredes, piso,
detritívoros e por conseqüência seus predadores etc) e vias e modos de acesso a caverna (entradas
(Culver & Sket 2002, Ferreira 2004). Durante as co- horizontais, fraturas no teto, gotejamentos em es-
letas devem ser priorizados microhabitats como peleotemas, entradas verticais, rios, enxurradas, ani-
troncos, depósitos de guano, espaços sob pedras, mais, etc). Além disto, quando possível, devem ser
raízes e locais úmidos. As associações dos inver- caracterizados de acordo com a quantidade (raízes
tebrados com os recursos alimentares presentes dispersas ou concentradas em rizotemas, material
nas cavernas deverão ser registradas em caderno vegetal e guano disperso ou acumulado em depó-
de campo e fotografadas, quando possível. Em la- sitos, etc), e de acordo com a condição ou tempo
boratório todos os organismos coletados deverão de deposição (mineralizado, antigo, recente, seco,
ser devidamente acondicionados e identiicados umido, etc). No caso do guano, deve ser destaca-
de acordo com as referências de campo. A abun- da a dieta de origem do mesmo (frugivoro, insetí-
dância geral de cada espécie é conseguida através voro, hematófago, carnívoro, misto, etc). Se ocorrer
da recontagem dos indivíduos incluídos em cada elevada riqueza e abundância no recurso alimen-
croqui. Para um melhor reinamento na identiica- tar, amostras devem ser coletadas pra a triagem
ção dos invertebrados sugere-se o envio a especia- em laboratório com uso de lupa ou extratores (e.g.
listas. Os organismos devem ser identiicados até Berlese). Os depósitos de guano podem apresen-
menor nível taxonômico possível. tar composições variadas. O guano de morcegos
Medidas de temperatura e umidade (topocli- frugívoros forma depósitos repletos de sementes.
ma) devem ser registradas juntamente com a co- Aqueles depósitos de guano de morcegos de dieta
leta de invertebrados em intervalos regulares de insetívora são repletos de exoesqueletos. Aqueles
tempo e de espaço no interior da caverna. Para depósitos de guano de morcegos de dieta hema-
tal, a umidade relativa do ar, bem como a tempe- tófaga forma depósitos bem úmidos de consis-
ratura, devem ser preferencialmente monitorados tência pastosa e cor avermelhada escura quando
com freqüência, visando a caracterização adequa- recente, e pulvurulento e bem mais seco quando
da da atmosfera do sistema. Sugere-se que estas velho (mineralizado). Aqueles depósitos de guano
medidas sejam tomadas em pelo menos dez pon- de morcegos de dieta carnívora forma depósitos
tos eqüidistantes dentro de cada cavidade, a partir repletos pequenos pelets com pêlos e ossos. Os
da entrada até o inal da caverna, abrangendo-se regurgitos de coruja são recursos alimentares que
da forma mais completa possível as variações das também podem ocorrer geralmente próximos às
condições vigentes em cada sistema. entradas das cavernas. Estes regurgitos podem ter
Durante a caracterização tróica devem ser ava- a forma esférica, são maiores e também com pe-
liados no interior das cavernas os tipos, as quantida- los e ossos. As taxas de consumo (decomposição)
des, a qualidade, a distribuição e as vias de acesso dos recursos alimentares nas cavernas devem ser
dos recursos alimentares ao meio subterrâneo. Os avaliadas em projetos especíicos.

4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 109
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

4.6 Diretrizes gerais para o monitoramento apresentam freqüentemente características de es-


comunidades subterrâneas pécies refugiadas: raridade, endemismo, distribui-
Os monitoramentos têm como principal objetivo, o ção restrita, estratégia K etc. Todos estes critérios
uso de informações coletadas a partir de diferentes são indicadores de espécies vulneráveis que re-
grupos funcionais e/ou taxonômicos, em longo pra- querem proteção e integridade de habitat (Sharratt
zo, na elucidação da “saúde” e estabilidade de ecos- et al. 2000). Espécies raras são consideradas mais
sistemas, permitindo uma conservação efetiva e o vulneráveis à extinção do que espécies comuns,
uso sustentável dos recursos naturais (Lewinsohn principalmente pela sua alta susceptibilidade a mu-
et al. 2005). Neste sentido, os invertebrados cons- danças ambientais estocásticas. O termo raro tem
tituem excelentes ferramentas de monitoramento, vários signiicados na literatura como, por exemplo,
uma vez que apresentam respostas demográicas espécies de população reduzida ou que ocupam
e dispersivas mais rápidas do que organismos com habitats especíicos. Desta forma, quaisquer espé-
ciclos de vida mais longos. Eles também podem cies troglóbias são automaticamente colocadas no
ser amostrados em maior quantidade e em esca- status de ameaçadas, devido à distribuição restrita
las mais reinadas do que os organismos maiores. e elevado grau de endemismo. Sendo assim, quais-
Essas vantagens são contrabalançadas por diicul- quer cavidades que possuam espécies troglóbias
dades taxonômicas e pelo tempo necessário para enquadram-se em relevância alta ou máxima, de
processar grandes amostras (Lewinsohn et al. 2005). acordo com a legislação vigente.
Resultados efetivos de monitoramentos bios- Para o monitoramento das populações sugere o
peleológicos não são alcançados em poucos meses, uso de métodos de contagem direta dos indivíduos
de forma que o acompanhamento das comunida- no campo em intervalos regulares ou métodos de
des e/ou populações em longo prazo é de funda- marcação e recaptura (Fernandez 1995). A marcação
mental importância para o conhecimento da sua dos indivíduos deve ser realizada com tinta não tó-
dinâmica natural em relação às variações numéri- xica sem necessidade de individualização. Sugere-
cas temporais e espaciais. Tal acompanhamento se usar o método de Jolly que consiste em marcar
deve ser realizado até o momento em que se te- um número considerável de indivíduos da popula-
nham indicativos de bom conhecimento do siste- ção e soltá-los no mesmo local. Retorna-se ao cam-
ma biológico em questão (Ferreira 2004). Em geral, po após um período quando animais marcados e
tal tempo é provavelmente longo, mas variável, de não marcados já terão se misturado na população
caverna para caverna. e realiza novas coletas. Determina-se o número de
O método utilizado para o monitoramento animais marcados nesta coleta. A partir daí aplica-
das comunidades deve preferenciar avaliações re- se a seguinte fórmula: N= n1.n2/m2, onde N é o ta-
alizadas a intervalos regulares (mensalmente ou bi- manho da população, n1 é o número de indivíduos
mestralmente, por exemplo) através da contagem capturados e marcados na primeira coleta, n2 é o
direta e plotagem dos indivíduos e recursos ali- número total de indivíduos na segunda coleta e m2
mentares (deve se evitar coletas exaustivas da fau- o número de indivíduos marcados encontrados na
na durante os monitoramentos). Com relação aos segunda coleta (Fernandez 1995). E necessário, tan-
grupos de invertebrados utilizados nos monitora- to no monitoramento das populações quanto das
mentos sugerem-se o acompanhamento daqueles comunidades, a avaliação periódica das condições
mais conspícuos, vulneráveis e relativamente fáceis tróicas e topoclimáticas das cavernas.
de reconhecer e identiicar. Deste modo, sugere-se
uma atenção especial aos troglóbios, pelo fato de 4.7 Apresentação dos resultados
ocuparem um ambiente estável e apresentarem Sugere-se que para a apresentação dos dados le-
sensibilidade a bruscas variações. Estas populações vantados em inventários e monitoramentos sejam

110 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

construídas listas ou tabelas com a composição, ri- CALLISTO, M.; ESTEVES, F. A. Distribuição da
queza, abundância, diversidade e dominância nas comunidade de macroinvertebrados bentônicos
comunidades, além da descrição das características em um lago amazônico impactado por rejeito
físicas, tróicas e topoclimáticas especíicas de cada de bauxita, Lago Batata (Pará, Brasil). Oecologia
cavidade. Além disto, deve-se destacar a ocorrên- Brasiliensis. In: ESTEVES, F. A. (Ed.). Estrutura,
cia de interações observadas (agregações, preda- funcionamento e manejo de ecossistemas
ção, parasitismo e associações com os detritos) e brasileiros. Rio de Janeiro: Universidade Federal
das espécies com características troglomóricas, ra- do Rio de Janeiro. Instituto de Biologia. Programa
ras e registros novos para a ambiente de cavernas. de Pós-Graduação em Ecologia v. 1, p. 281-291 , 1995.
Sugere-se a comparação e contextualização da fau- CAMACHO, A. I. (Ed.). The natural history of
na das cavernas amostradas através da construção biospeleology. Madrid: SCIC, 1992. 680 p.
de gráicos, dendrogramas de similaridade e cur- (Monograias del Museo Nacional de Ciencias
vas do coletor para as cavernas amostradas. A com- Naturales).
paração e contextualização da fauna das cavernas
CULVER, D.C. Cave life evolution and ecology.
amostradas com dados de literatura também são
Cambridge/Massachussets/London: Harvard
de importância primordial. Fotos e mapas georre-
University, 1982. 189 p.
ferenciados ilustrativos também podem ser utiliza-
dos para uma melhor apresentação dos resultados. CUMMINS, K.W.; WILZBACH, M.A.; GATES, D.M.;
PERRY, J.B.; TALIAFERRO, W.B. Shredders and riparian
4.8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vegetation. Bioscience. Washington, v. 39, n. 1, p.
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4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 113
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista

ESPELEOLOGIA

As cavernas brasileiras,
bastante ameaçadas por
atividades humanas,
também têm sua
preservação dificultada
pela escassez de estudos
sobre esses ecossistemas.
Hoje, só estão protegidas
por lei aquelas em que
existem animais
Cave
em risco
‘troglóbios’, ou seja,
aqueles que passam toda
a vida nesses ambientes.
Mas é preciso mudar
esse critério, já que muitas
cavernas, mesmo sem
organismos desse tipo,
têm uma fauna variada
e complexa. As decisões
sobre a preservação
de cavernas devem
basear-se não só na
presença de troglóbios,
mas também em aspectos
ecológicos, como
a complexidade biológica
e as influências
dos ecossistemas externos
sobre a vida em
seu interior.

Rodrigo Lopes Ferreira e


Rogério Parentoni Martins
Laboratório de Ecologia
e Comportamento de Insetos,
Departamento de Biologia Geral,
Universidade Federal
de Minas Gerais

2200 •• CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE •• vvooll.. 2299 •• nnºº 11773


3

114 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

rnas
de ‘extinção’
As cavidades naturais subterrâneas         Figura 1.
 Pinturas rupestres
encontradas
        
em caverna
         do município
           de Carinhanha
   (BA)

FOTOS EZIO L. RUBBIOLI


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j u l h o d e 2 0 0 1 • CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE • 2 1

4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 115
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

FOTO ECIO L. RUBBIOLI


    Figura 2. Toca da Barriguda, caverna existente no
   município de Campo Formoso (BA)

FOTO RODRIGO L. FERREIRA

   ­ ‰


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      ‡
     ­ ­
Figura 3. Espeleotema sendo formado       ‡   
pelo gotejamento da água na lapa do      ‹      
Janelão, situada nos municípios de   
Januária e Itacarambi (MG)
 ‡
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FOTO RODRIGO L. FERREIRA

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 ­  
Figura 4. Entrada da gruta  ­ ‰
dos Brejões, no município  
de Ourolândia (BA) ­

2 2 • CIÊNCIA HOJE • vol. 29 • nº 17 3

116 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA
FOTO RODRIGO L. FERREIRA

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      
Figura 5. Pequeno grupo de morcegos,        
animais troglóxenos (que saem das cavernas Š 
para buscar alimento)
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 ”•–ˆ  
    

FOTO XAVIER PROUS

 
 

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  Figura 6. Aracnídeo do gênero Heterophrynus,
  um invertebrado troglófilo – que pode ou não
         sair das cavernas
  
FOTO EZIO L. RUBBIOLI

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         ‹
Š        Figura 7. Crustáceos isópodes
 ‡‹Š do gênero Thaylandoniscus, organismos troglóbios
  – que passam toda a vida dentro de cavernas

julho de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 23

4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 117
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

FOTO RODRIGO L. FERREIRA


A

Figura 8. Mineração de calcário (A) em Pains (MG),


mostrando o conduto da caverna parcialmente
destruído, e iluminação artificial (B)
na gruta Rei do Mato, em Sete Lagoas (MG)

Ameaça à vida nas cavernas


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24 • CIÊNCIA HOJE • vol. 29 • nº 17 3

118 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

        


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FOTOS RODRIGO L. FERREIRA


A

Figura 9. Campo de futebol


(A) no interior da gruta
Pontes do Sumidouro,
em Campo Formoso (BA),
e igreja (B) construída
em uma caverna,
em Bom Jesus da Lapa (BA)

Organismos cavernícolas no Brasil


B
 
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julho de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 25

4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 119
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

FOTO GEORGETE DUTRA



 
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A importância da preservação
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Figura 10. Bioespeleólogo coletando um invertebrado,  †ˆƒ„‰” Ž ‹
na gruta Alta Tensão, em São José da Lapa (MG)   ”‰       
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26 • CIÊNCIA HOJE • vol. 29 • nº 17 3

12 0 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

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Por que preservar a complexidade?        †   
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       A medida da complexidade
   ƒ O Índice de Complexidade Biológica em Cavernas (ICBC), descrito em trabalho
  ˆ    publicado no Brazilian Journal of Biology, permite comparar a riqueza (em espécies
  de invertebrados) de uma caverna com as abundâncias relativas das diferentes
‡‰  populações dessas espécies. Para obter o índice (em sua formulação mais simples),
  „ ƒ  determina-se o percentual, do total de espécies da caverna, incluído em cada
    categoria de tamanho populacional (populações pequenas, médias ou grandes). Em
  „ seguida, calcula-se a amplitude entre esses percentuais (a diferença simples do
ˆ  primeiro para o segundo e do segundo para o terceiro, sem sinal de positivo ou
  „‰ negativo), encontrando-se dois valores modulares de ‘distância numérica’. Obtém-
 se, então, a média desses valores (amplitude média entre os percentuais
Š  populacionais). Essa amplitude média é multiplicada por 100 e dividida pelo
  percentual máximo encontrado na caverna. O quadrado da riqueza (número de
  „ espécies) da caverna é dividido pelo número obtido no cálculo acima (chamado de
 ­   amplitude populacional relativa) para chegar ao ICBC. O uso da riqueza de espécies
      ao quadrado visou dar maior peso a essa variável, relevante para a complexidade em
   € qualquer sistema biológico. Está sendo trabalhada a inclusão de outras variáveis
‰  (distribuição dos indivíduos no interior da caverna, por exemplo), para tornar o
 índice mais detalhado e realista.
     

julho de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 27

4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 12 1
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Anexo 1 – Artigo de revista - continuação

ESPELEOLOGIA

     


Sugestões         
para leitura            
FERREIRA, R. L. e           
HORTA, L. C. S.   
‘Natural and
human impacts   †  
on invertebrate      ‡
communities in
O carste como unidade      
Brazilian caves’,
in Brazilian de conservação  ­ 
Journal of ˆ
Biology, v. 61(1),
p. 7, 2001.       ‰     
FERREIRA, R. L. e       
MARTINS, R. P.
‘Diversity and
    
distribution of     ƒ
spiders associated         „ Š   
with bat guano
piles in Morrinho         Š‹
cave (Bahia State,       ‹  
Brazil)’,
in Diversity and
      
Distributions,       
v. 4, p. 235, 1998.     ‡  
FERREIRA, R. L. e
MARTINS, R. P.        ƒ
‘Trophic structure  ­   €   „
and natural
history of        ƒŒŒ„
bat guano   € Ž     
invertebrate
       ‘ 
communities with
special reference   ‚   
to Brazilian caves”, €          
in Tropical
Zoology, v. 12(2),       € €   
p. 231, 1999. ƒ„      
     ‡   ƒ 
„ƒ
„ Š FOTO RODRIGO L. FERREIRA

   


 €   
Figura 11. Carste localizado no município ­’€
de Doresópolis (MG), onde existem   
algumas pequenas cavernas

2288 •• CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE •• vvooll.. 2299 •• nnºº 1177 33

12 2 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

5 ANÁLISE DE IMPACTOS AMBIENTAIS urbanas. E o pior é que, na grande parte das vezes,
EM TERRENOS CÁRSTICOS E CAVERNAS os danos são irreversíveis, pelo caráter não reno-
Cristiano Fernandes Ferreira vável das feições (das cavernas e seus espeleote-
mas), bem como de sua fauna tão especializada e
CECAV desenvolvida sob condições críticas, irreproduzíveis.
5.1 Introdução Na seqüência serão abordados os diversos ti-
Os ambientes cársticos são delicados por natureza pos de atividades humanas causadoras de impactos,
e denotam maior complexidade à gestão ambien- que serão relembrados e debatidos. Muitas ações
tal, na medida em que costumam esconder algu- ou atividades possuem especiicidades capazes de
mas das suas feições mais notáveis e importantes: causar danos das mais variadas formas às cavernas,
cavernas, redes subterrâneas de drenagem, vazios como a mineração, agropecuária, turismo, represa-
oclusos e inacessíveis nos maciços. mentos, obras lineares e de engenharia, urbaniza-
Não se analisa uma região com características ção (observe a igura 5.1, na qual está reproduzido
cársticas apenas levando-se em conta os aspectos o carste subjacente no sudeste da cidade de Min-
supericiais, que normalmente são considerados nesota-EUA, onde diversos tipos de ações poten-
nos estudos de impactos. O endocarste é deter- cialmente danosas estão representadas).
minado pelo exocarte, que por sua vez, determina Também serão tratadas algumas formas de
o endocarste, numa relação intrínseca e dinâmica. controle e minimização dos impactos gerados por
Apesar de não serem as únicas feições de des- tais atividades, promovida uma relexão sobre as
taque e de caráter inusitado, são certamente iguras análises de contexto de empreendimentos, a de-
centrais nas análises de tais ambientes, juntamente inição de áreas de inluência e o monitoramento
com outras importantes feições, como as surgên- necessário à aferição da eicácia das medidas de
cias e sumidouros, as dolinas, os paredões encas- controle de impactos nas cavernas.
telados, cheios de canyons e lapiás. 5.2 Impactos às cavernas e ambientes cárs-
Mesmo em regiões consideradas anteriormen- ticos por tipo de atividade
te como pseudocársticas, como as que ao contrá-
5.2.1 Mineração
rio das rochas carbonáticas são tomadas por rochas
As atividades minerárias são talvez as que mais cha-
ditas menos solúveis, como os minérios de ferro
mam a atenção quando o assunto é degradação
ou pacotes siliciclásticos, têm sido observados fe-
ambiental, especialmente relacionada às cavernas.
nômenos comuns e situações de semelhante fra-
A grande maioria das rochas carstiicáveis apresen-
gilidade àquelas observadas nos ditos terrenos
ta aplicações produtivas, algumas mais ou menos
cársticos autênticos.
valorizadas de acordo com uma série de fatores
Essas características de interrelação das feições
econômicos, tais como abundância ou escassez lo-
cársticas, supericiais e subterrâneas, concorrem
cal, demanda internacional, entre outros aspectos.
para uma maior suceptibilidade a impactos am-
As formações ferríferas, por exemplo, são alta-
bientais que, dependendo do tipo, podem afetar
mente demandadas pelo mercado internacional,
áreas bem mais distantes, como outras bacias hi-
e as cavernas que ocorrem nestes tipos de rocha
drográicas (adjacentes) e numa rapidez nem sem- estão em geral associadas justamente aos maio-
pre compatível com possíveis ações de controle. res teores de ferro.
Essas regiões possuem a capacidade de encobrir Por outro lado as rochas carbonáticas, como o
os impactos em locais não imaginados e de acu- calcário, dolomito e mármore têm inúmeras apli-
mulá-los de forma a induzir cenários trágicos re- cações (veja tabela 5.1) e são muito exploradas
pentinos, como no caso dos abatimentos em áreas para abastecer os mercados internos, geralmente

5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E N OS CÁR ST ICOS E CAVE R N AS 12 3


124

CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL


5
AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS

Figura 5.1: Representação do carste subjacente no sudeste da cidade de Minnesota-EUA, onde se observa diversos tipos de atividades antrópicas potencialmente causadoras de impactos ambien-
tais neste frágil tipo de terreno. Fonte: http://www.winona.edu/geology/WRB/WRB/Downloads/SEMN_Karst_Illustration/SEMN_karst_illustration.jpg (autor desconhecido).
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

associados à agricultura (corretivos), construção ci- Outro fator que em geral pode determinar o
vil (cimento, cal, ornamentação) ou demais ramos grau de impacto às cavernas no país é o tamanho
industriais (fundentes siderúrgicos, indústria quí- do empreendimento minerário.
mica, etc.). Porém, até mesmo cavernas em rochas Frequentemente regiões em que ocorrem pe-
siliciclásticas, como os quartzitos, têm sido alvo de quenos e grandes empreendimentos revelam que
impactos por atividades minerárias, geralmente re- aqueles de menor porte são os que mais provocam
lacionadas à construção civil, para ornamentação danos às cavernas, quando comparados a empre-
(Pedra São Tomé, p.ex.). sas melhor estruturadas (maiores) e, por isso, mais
São várias as formas e causas dos impactos a visadas pelos órgãos de proteção ambiental e pe-
cavernas em áreas de mineração. Langer (2001) dis- las comunidades.
cute diversos tipos de impactos potenciais, como Tal problema ocorre justamente pela falta
os causados pelas operações de engenharia na ex- de recursos para aplicar no planejamento, con-
tração e beneiciamento, que geram impactos em trole e monitoramento por parte de pequenos
cascata, relacionados à geomorfologia, poeira, ba- empreendedores.
rulho, fauna cavernícola, qualidade de água, e ao É muito comum em diversas regiões do Brasil a
aqüífero de modo geral. exploração artesanal de calcários, por exemplo. Uti-
Tais problemas variam também de acordo lizam-se de explosivos improvisados, marretas para
com o tipo de mineração e técnicas empregadas cominuição dos blocos entre outros instrumentos
(ou falta delas). rústicos. Em geral, tais atividades não são licencia-
As minas no Brasil são, em geral, a céu aberto, das pelos órgãos ambientais, ocorrendo clandes-
especialmente as que extraem minérios onde cos- tinamente por diversos micro-empreendedores, o
tumam ocorrer cavernas. Este tipo de mineração que leva a uma série de situações indesejáveis do
tende a causar mais problemas ao meio espeleoló- ponto de vista ambiental e social.
gico do que as minas subterrâneas, que diicilmen- Mesmo pequenos empreendimentos que fo-
te ocorrem em áreas cársticas ou são planejadas de ram licenciados pelos órgãos ambientais ainda po-
forma a causar conlitos. dem não conseguir implementar todas as medidas
Entretanto, é comum observar danos em ca- de controle consideradas e acabar afetando o pa-
vernas por conta de um tipo de mineração pouco trimônio espeleológico. Há que se ressaltar que
usual, a busca por salitre1 , ou até mesmo calcita existem, é claro, inúmeros empreendimentos de
em suas formas mais puras, atividade que levou pequeno e médio porte que conseguem realizar
muitas cavernas a impactos às vezes signiicativos suas atividades sem que incorram em qualquer tipo
em determinados trechos. Jennings (1985) alerta de problema às cavernas. Da mesma forma que,
para a extração de minerais e outros produtos viá- grandes empreendimentos podem causar danos
veis economicamente do interior de cavernas (tais ao patrimônio espeleológico.
como fertilizantes, pólvora e até afrodisíacos), por Portanto, deve-se considerar todo tipo de em-
exemplo. A Gruta da Pedra Santa em Cantagalo-RJ preendimento da mesma forma, com o mesmo rigor
foi bastante explorada por pessoas que acredita- das normas instituídas sem que se faça distinção.
vam no poder das suas calcitas (espeleotemas) em A presença de inúmeras frentes de lavra de pe-
combater a desnutrição infantil, mineral que era tri- queno porte, consideradas individualmente num
turado e misturado ao leite de crianças. processo de licenciamento, pode sim causar danos

1 Nitrato de potássio ou de sódio, podendo ocorrer nitratos de cálcio nas cavernas calcárias (nitrocalata Ca(NO3)). Produto deri-
vado das fezes de morcegos (guano) que vivem nas cavernas e cavidades cársticas. Originam as nitreiras e salitreiras. Foi ampla-
mente extraído na história para a fabricação de pólvora. Existem relatos desse tipo de extração nas grutas de Lagoa Santa-MG
e em cavernas dos Estados Unidos, por volta da guerra civil americana.

5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E N OS CÁR ST ICOS E CAVE R N AS 12 5


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

UTILIDADES DO CALCÁRIO E CAL


1- Na agricultura para fertilizantes do solo, em fertilizantes, torta para gado, farinha para aves.
Também em inseticidas e herbicidas.
2- Com soda, areia, etc., para fabricar vidros.
3- Pulverização de minas de carvão para evitar o espalhamento de chamas resultante
de explosões localizadas.
4- Como carga para asfalto, borracha e pastas para limpeza.
5- Como escorificante e purificante de ferro e aço e outros metais.
6- Com argila, areia, etc., para fabricação do cimento.
7- Para fabricação de barrilha (Na2CO3) e soda cáustica (NaOH).
8- Como agregado para concreto, pavimento e lastro de ferrovias.
9- Com soda, fluorita etc., para a fabricação de aço e outros metais.
10- Na refinação do açúcar.
11- Na agricultura para fertilizante do solo.
12- Na purificação de gases.
13- Na desidratação de gases, óleos, solvente, etc.
14- Com coque em fornalhas de arco voltáico para produzir carbureto de cálcio.
15- Estabilização de solo em construções e estradas.
16- Com cloro produz pó alvejante seco (cloreto de cal).
17- Na agricultura e horticultura para fertilização de solo e pesticidas.
18- Para fazer hidróxido de cálcio medicinal.
19- Como carga de borracha e outros materiais.
20- Para fabricação de graxas e para absorver dióxido de carbono.
21- Para fabricação de tijolos, blocos leves, argamassas, estuque e caiação.
22- Com óxido de etileno como intermediário para fabricação de plásticos, agentes ativos de
superfície e detergentes.
23- Para tratar minérios e preparar sais não-ferrosos.
24- Com sulfato de alumínio para produzir Branco Satin – um revestimento brilhante
para papel.
25- Com cloro para produzir solução alvejante para algodão e fabricação de papel.
26- Para tratar e purificar esgotos e efluentes.
27- Com dióxido de carbono para produzir carbonato de cálcio precipitado para
pastas de dente, cosméticos, etc.
28- Com caulim, etc., na fabricação de cerâmicas.
29- Para tratamento e purificação da água.
30- Para tratamento de peles e couro.
31- Para purificar constituintes para tintas, vernizes e pigmentos.
32- Na recuperação de gases de coque para produção de amônia.
33- Para extração de magnésia da água do mar.
34- Com óleos e gorduras para fazer velas e graxas.
35- Para fins medicinais, por exemplo penicilina, aspirina, etc.
36- Na fabricação e purificação de substâncias corantes.
37- Para produção de gomas e gelatinas a partir de couros e ossos.
38- Para purificação de óleos e petróleos.
39- Para purificação de sal comum.
40- Em resinas, plásticos e borrachas.
41- Em compostos orgânicos e inorgânicos e solventes.
42- Para tratar produtos da destilação da madeira.
43- Para estiramento de arames.
44- Para purificação de açúcares e xaropes.
Tabela 5.1: Sumário dos vários usos das rochas carbonáticas e cal. Fonte: THE OPEN UNIVERSITY (1995), pag. 61.

12 6 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

irreparáveis ao patrimônio espeleológico e ao am-


biente cárstico, especialmente se os órgãos am-
bientais utilizarem-se de pesos e medidas distintas,
em função, por exemplo, das condições econômi-
cas de cada empreendedor. Recomenda-se nestes
casos a análise conjunta, num processo de gestão
ambiental integrado e não apenas de cada empre-
endimento individualmente.
A associação entre empreendedores também
é uma ação a ser incentivada nestes casos, a im
de solucionar impasses inanceiros para a realiza- Figura 5.2: Frente de lavra em Colombo-PR, onde se percebe
ção de estudos e adoção das medidas que se ize- na seta o que restou da Gruta Cinco Níveis.
rem necessárias.
Independentemente do tamanho do empre-
endimento minerário ou do seu tipo, os principais
impactos aos ambientes cársticos e cavernas são
muito parecidos. O mais incisivo deles é, sem dú-
vida, a supressão parcial ou mesmo total da caver-
na. Tal medida ocorre normalmente em virtude do
planejamento de lavra não considerar a localização
das cavidades.
Atualmente, a legislação permite tais inter-
venções, desde que atendidos uma série de crité-
Figura 5.3: Frente de lavra em Pains-MG, onde se observa a
rios estabelecidos. abertura de uma caverna oclusa no maciço.
Tem sido bastante comum a supressão de ca-
vernas com o objetivo simples de se eliminar en-
traves burocráticos nos processos de licenciamento
ambiental, fato que deve ser de grande preocupa-
ção dos órgãos ambientais responsáveis.
Também pode ocorrer este tipo de impacto
em empreendimentos já licenciados, que durante a
fase de operação acabam por suprimir total ou par-
cialmente cavernas oclusas no maciço, não identi-
icadas durante os estudos ambientais (igura 5.2 e
5.3). Nestes casos é recomendada uma reavaliação
da licença, considerando possíveis implicações am- Figuras 5.4 e 5.5: Na esquerda caverna encontrada numa área
de lavra em Goiás. Na direita, o mesmo local, 3 meses depois.
bientais resultantes da supressão de tais cavernas. As setas mostram a antiga caverna soterrada.
Outro impacto similar à supressão e bem co-
cavernas presentes no interior de dolinas sejam
mum é o soterramento ou entulhamento de ca-
soterradas por rejeitos ou estéril indevidamente
vernas, especialmente de suas entradas.
ali colocado, ensejando com isso não apenas im-
Ocorrem situações de cavernas na base dos
pactos diretos pela supressão da caverna como
maciços serem soterradas com o avanço da lavra
também impactos indiretos relacionados à recar-
a partir do topo, o que pode levar até a sua supres-
ga dos aqüíferos.
são total (igura 5.4 e 5.5). Também é recorrente que

5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E N OS CÁR ST ICOS E CAVE R N AS 12 7


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Há que se considerar a importância de se


preservar ao máximo as dolinas nestes tipos de
empreendimentos. Assim como a ocorrência de
problemas erosivos em ambientes de mineração
especialmente desencadeados por estéreis ou re-
jeitos. Portanto, é essencial um projeto de controle
dos sedimentos, através de leiras, tanques de de-
cantação, entre outras medidas usuais para se evi-
tar o assoreamento de cursos de água e cavernas.
A Gruta de Bacaetava, no Paraná é um exemplo
claro deste tipo de impacto, tendo recebido sedi-
mentos das áreas a montante através do Rio Baca-
etava que atravessa diversas minerações antes de
Figura 5.7: Rio Bacaetava, no Paraná, onde as setas mostram tre-
entrar nesta cavidade (igura 5.6). Na região, além chos da Gruta Escura destruídos e a redeinição do leito do rio.

muito altas geram fortes abalos pela própria queda


da grande massa de rocha retirada. Além de con-
tra indicado pelos aspectos ambientais, tal prática
pode ser extremamente perigosa, causando ultra-
lançamento de partículas em um raio bem maior,
por exemplo.
O uso simultâneo de quantidades exageradas
de explosivos nos diversos furos (sem retardos, por
exemplo) também é outro fator causador de aba-
los, uma vez que a energia liberada não pode ser
absorvida a contento pelo pacote rochoso. Tais
Figura 5.6: Sumidouro do Rio Bacaetava na Gruta de Bacae-
tava-PR. Notar ao fundo blocos detonados em mineração e problemas se devem muitas vezes pela realização
barras de cascalho no leito do rio, resultado da não conten- de planos de lavra inadequados, que desconside-
ção de sedimentos a montante. rem os riscos e até mesmo a geração de prejuízos
inanceiros ao próprio empreendedor, como o des-
da detonação de parte da Gruta de Bacaetava, hou-
perdício de explosivos ou a necessidade de deto-
ve também uma incisiva alteração da drenagem
nações secundárias.
natural do Rio Bacaetava, que causou também a
Deve-se atentar também para danos desta na-
destruição de mais de 160 metros da Gruta Escura,
tureza gerados pelo trânsito de máquinas pesadas
localizada a montante (igura 5.7) e atualmente com
em locais próximos ou sobre às cavernas, especial-
apenas 90 metros de extensão e diversos impactos.
mente nas vias de acesso às minas.
Outros danos a cavernas bem comuns nestes
Em geral, observa-se nas cavernas a ocorrên-
tipos de empreendimentos são as rachaduras, des-
cia de rachaduras, desplacamentos, abatimentos
placamentos de camadas da rocha e até mesmo
e quebra de espeleotemas, na maioria das vezes
abatimentos de galerias. Também se observam que-
ocasionadas por fatores naturais, próprios da evo-
bras de espeleotemas, originados geralmente pe-
lução da cavidade. Portanto, nem sempre é fácil di-
los mesmos processos, ou seja, vibrações. Tais abalos
ferenciar o que é natural do que foi induzido pela
ocorrem em geral pela realização de detonações
atividade antrópica.
nas proximidades das cavernas ou pela utilização
Mas, quando o impacto é incisivo, os sinais são
de técnicas inadequadas de desmonte. Bancadas
lagrantes, geralmente com um acúmulo exagerado

12 8 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

de blocos, rachaduras, espeleotemas com indícios e a adoção de distâncias de segurança tendem a


de fraturamentos recentes, como por exemplo, a reduzir os efeitos destes ruídos.
rocha sã, sem marcas de dissolução ou inunda- Grande parte dos problemas citados concorre
ções, comuns nas paredes das cavernas (iguras para alterações, às vezes importantes, na dinâmica
5.8, 5.9, 5.10). hídrica do carste. Por conta do assoreamento cau-
sado por minerações em condutos subterrâneos,
pode ocorrer o alagamento de porções a montan-
te ou, por vezes, a seca de trechos a jusante ante-
riormente alagados.
Em casos extremos, há a possibilidade inclusi-
ve de desestruturação de galerias por estes moti-
vos, com o abatimento de espaços anteriormente
alagados. Ocorreram também casos de minerações
que aparentemente causaram a redução de lagos
internos em cavernas, como na Gruta Tamboril em
Unaí-MG. No caso da já citada região de Bacaetava-
PR, mais de 160 metros de um rio subterrâneo foi
Figura 5.8 e 5.9: Na esquerda, caverna em frente de lavra ao destruído e recanalizado em uma mineração. Em
norte do Distrito Federal, em Goiás. Na direita, caverna em
muitas minerações, ainda, há o rebaixamento do
minério de ferro próxima à frente de lavra na região de Cara-
jás-PA. Em ambas, notar a diferença de cor entre a rocha sã e aqüífero, ou seja, o aprofundamento da mineração
as rachaduras nas paredes da caverna. a porções inferiores ao nível do lençol, causando
com isso a inundação das minas e a necessidade
de bombeamento de água para a jusante destes
locais. Medida que gera bastante impacto, já que
pode secar feições próximas, sejam cavernas ou la-
goas cársticas.
Muitas vezes as minerações se aproveitam de
maciços alorantes que também funcionam como
áreas de recarga, com inúmeros lapiás, corredores
de diáclases e dolinas. Tais medidas além de poder
expor condutos ativos, resultam em menor cap-
tação de água pelo ambiente subterrâneo, o que
pode levar a déicits hídricos em cavernas a jusante.
Figura 5.10: Caverna em minério de ferro na região de Cara-
jás-PA, nas proximidades de uma frente de lavra paralisada. É comum também problemas de poluição de
Notar a sucessão de blocos abatidos do teto, e diferenças de águas em mineradoras, geralmente associados à
cor entre a rocha sã e as paredes da caverna. disposição inadequada de óleos e graxas das má-
Ainda relacionado ao problema anterior, ocor- quinas utilizadas. Como em tais ambientes é intrín-
rem também impactos ambientais a cavernas por seca a relação entre a superfície e o subterrâneo,
conta da poluição sonora e sobrepressão acústica frequentemente tais óleos ou graxas alcançam sis-
resultantes da operação de máquinas e detonações. temas ativos de cavernas.
Tais problemas causam impactos principalmente
5.2.2 Agropecuária
à fauna cavernícola, sendo de difícil mensuração,
As atividades agropecuárias são as que causam
mas nem sempre de difícil controle. A manuten-
a maioria dos impactos nas cavernas brasileiras,
ção de áreas vegetadas no entorno das cavernas

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

justamente pela característica ocupação e altera-


ção de extensas áreas, inclusive cársticas. São raros
os casos de impactos extremos como a supressão,
mas o grau de interferência pode ser desde baixo a
alto, e em algumas regiões é onipresente. Em muitos
casos os impactos são indiretos, causado por pro-
blemas gerados a muitos quilômetros de distância.
É preciso lembrar que com a chegada da agricul-
tura moderna nos anos de 1970, ampliou-se bastante
a ocupação das áreas centrais do Brasil, especial-
mente nos cerrados e coincidentemente nas regi-
Figura 5.11: Planície luvial encaixada entre muralhas cársticas na
ões cársticas. Mas de forma indireta, também houve região de São Desidério-BA. A seta indica a localização de uma
um aumento importante da demanda por insumos caverna na base do paredão, junto a plantações de subsistência.

agrícolas, tanto defensivos potencialmente poluido- pode induzir atitudes de vandalismo, pela facilida-
res, como de correção de solo. Este último, gerando de de acesso criada.
um aumento crescente da produção de calcários ou Outra repercussão indireta da supressão ve-
dolomitos moídos, representando uma forte pressão getal é a diminuição de áreas de alimentação de
sobre regiões espeleológicas através da mineração. morcegos, sabidamente importantes para a manu-
Portanto, além dos impactos diretos da agricultu- tenção do equilíbrio ecológico em cavernas.
ra, que veremos agora, existem muitos outros inse- Com a retirada da vegetação, a terra precisa ser
ridos nesta cadeia produtiva que podem, inclusive, preparada para a agricultura. Com isso, potenciais
apresentar resultados mais drásticos. impactos podem ocorrer no epicarste e, consequen-
O primeiro impacto que mais se destaca em temente, resultar em danos à fauna subterrânea e
função das atividades agropecuárias é sem dúvida também a processos naturais de desenvolvimen-
a supressão vegetal. Além da perda por si só das to da caverna. Essa ação leva a um outro problema
matas nativas, de importância ecossistêmica, há sério advindo da agropecuária, que é a questão da
uma relação direta de impactos ao meio cavernícola. erosão, uma vez que os solos geralmente se encon-
Como já visto, o meio subterrâneo é totalmen- tram mais expostos, mesmo com culturas já insta-
te dependente do meio supericial, não apenas ladas (igura 5.12).
como fonte de recursos orgânicos, como tam-
bém em função da água, dos sedimentos que es-
tão sempre reconstruindo o ambiente cavernícola,
da manutenção do equilíbrio climático ou atmos-
férico, entre outros.
A retirada da vegetação no entorno e sobre a
caverna é, portanto, um impacto bastante acentu-
ado, porque tende a repercutir negativamente nos
diversos fatores citados, diminuindo a quantidade
e qualidade dos insumos orgânicos, intensiicando
o aporte de sedimentos terrígenos em detrimen-
to dos químicos, e expondo especialmente as en- Figura 5.12: A seta mostra uma pequena dolina na região de
Lagoa da Prata-MG, no fundo da qual se acessa uma caverna
tradas das cavernas a condições mais severas do em pelitos, a Toca do Lobo. Notar que todo o entorno foi alte-
ponto de vista climático (igura 5.11). Há com isso, rado para implantação de pastagens, o que provocou proces-
sos erosivos pronunciados, responsáveis pelo assoreamento
inclusive, uma exposição visual das entradas, que da dolina e parte da caverna.

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Cavernas assoreadas, cujas áreas de entorno produção de forma muito impressionante. Uma
foram tomadas por atividades agropecuárias, são delas é altamente nociva aos ambientes naturais,
bastante comuns e tal ocorrência pode levar a di- incluindo-se as cavernas, trata-se dos agroquími-
versos impactos secundários, tais como o soterra- cos, especialmente os defensivos, que podem ser
mento de substratos faunísticos, o entupimento bastante agressivos a ambientes sensíveis como as
de condutos com conseqüente alagamento ou cavernas. Tais defensivos são aspergidos em gran-
secagem de galerias e, em alguns casos, a caverna des áreas e, via de regra, são lixiviados pelas chu-
pode ser completamente obstruída, o que repre- vas e atingem as cavernas, seja pela condução dos
senta praticamente uma supressão. cursos de água ou pela iniltração. Já os fertilizan-
As alterações citadas levam também a mu- tes tendem a uma eutroização das águas, o que
danças na dinâmica hídrica de diversas formas. A também pode representar danos importantes, so-
primeira delas refere-se à qualidade das águas cárs- bretudo às comunidades cavernícolas dependen-
ticas. A retirada da vegetação nativa diiculta a in- tes de uma boa qualidade de água. Situação que
iltração e altera a composição da água. Pode não pode ocorrer junto às pastagens, currais ou demais
haver mais interação da água de iniltração com criações (pocilgas, granjas, matadouros, etc.), caso
os substrados húmicos e raízes que normalmen- não haja algum tipo de prevenção.
te lhe conferem maior competência dissolutiva. Em regiões essencialmente agrícolas é comum
A interrupção do gotejamento e desenvolvimen- observar cavernas sendo utilizadas como bota-fora
to de espeleotemas também pode ser resultante ou depósitos de vasilhames de agroquímicos car-
do desmatamento e entupimento de canalículos. caças ou até mesmo como curral, aí dependendo
Com a menor iniltração e também com o das condições topográicas da caverna, por vezes
maior assoreamento dos cursos de água subterrâ- sombreadas e mais aprazíveis ao gado. Em uma
neos, pode ocorrer uma tendência ao escoamento pequena caverna na região agrícola de Pains-MG
preferencialmente supericial, em detrimento do já observou-se centenas de vasilhames vazios de agro-
estabelecido escoamento subterrâneo. químicos despejados no seu interior, onde há um
Como já comentado, áreas anteriormente ala- sumidouro eventual que drena as águas de chuva.
gadas podem secar pela interrupção de condutos, Há que se lembrar também das agroindús-
assim como trechos a montante, inclusive superi- trias, que em geral causam danos por contami-
ciais, podem sofrer alagamento. nação das águas, com o lançamento de eluentes
Há também os impactos referentes à capta- não tratados nas drenagens e outras feições cárs-
ção excessiva de água para irrigação, especialmen- ticas. Citando o caso de agroindústrias, Gillieson
te em regiões cársticas, onde todo o sistema luvial (1996) relata que foram jogadas mais de 5.000
está capturado no subterrâneo. carcaças de ovelhas na entrada de uma caverna
Em algumas regiões, as entradas das cavernas no sul da Austrália (Earls Cave). Também no Ha-
funcionam como cacimbas de água, onde muitas ve- wai (Kaua’i Island), matadouros direcionavam seus
zes são instaladas bombas motorizadas que adicio- eluentes para cavernas, impactando diretamen-
nam novos impactos (poluição do ar, barulho, etc.). te a fauna cavernícola.
Em outras, onde a produção é ainda mais mecaniza-
5.2.3 Turismo
da, há a utilização de pivôs centrais, que demandam
O turismo surge como uma alternativa considerada
grandes quantidades de águas subterrâneas, poden-
potencialmente sustentável e altamente rentável.
do levar ao rebaixamento do aqüífero e até mesmo
Ao menos essa é a concepção usual, principalmente
o colapso de estruturas cársticas (dolinas, cavernas).
se confrontada com outros ramos produtivos mais
Como já falado no início, a agricultura moder-
dependentes dos recursos naturais.
na se valeu de diversos artifícios para aumentar a

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Porém, nem sempre se observa sustentabilida-


de ambiental ou mesmo inanceira neste tipo de
empreendimento, especialmente promovido em
cavernas, onde a atividade deve ser melhor pla-
nejada, considerando os fatores de sensibilidade
e diiculdades inerentes ao ambiente escuro e ca-
ótico das cavernas.
Devido a uma série de fatores – dentre os quais
se destacam as crises econômicas, a falta de em-
pregos, e a demanda cada vez maior por novos
atrativos, especialmente vinculados à aventura ou
contemplação da natureza, associados a uma fal- Figura 5.13: Pesadas estruturas de caminhamento na Caverna
ta de regulação rígida nesta área – nas últimas dé- do Diabo, em Eldorado-SP. Notar ao fundo diversos pontos
de iluminação artiicial (lâmpadas incandescentes de gran-
cadas ocorreu no Brasil uma maior visitação das de potência).
cavernas, o que resultou na alteração drástica em
lado, têm-se a vantagem de representar uma op-
dezenas, talvez centenas destas feições. Muitas con-
ção fácil à grande maioria da população. Além de
sideradas patrimônio natural de grande relevância,
valer como um chamariz, evitando muitas vezes a
justamente por suas características monumentais
abertura de outras cavernas para atividades de vi-
ou fantásticas, detentoras de grandes salões, pór-
sitação não planejada.
ticos, rios, cachoeiras, espeleotemas frágeis e de
Outras modalidades bastante similares, entre
extrema beleza.
si, são as atividades de exploração, de pesquisa, e
As atividades de visitação, em suas diver-
aventura, esta última considerada um ramo essen-
sas formas, constituem importante ferramenta
cialmente turístico.
de educação e, de sensibilização mas, em mui-
As atividades de exploração, em geral, são con-
tos casos, se transformou em meio de destrui-
duzidas por pessoas e grupos previamente prepara-
ção. Muitas cavernas foram descaracterizadas
dos, coordenados e cujo objetivo se concentra em
através desta prática.
encontrar novas cavernas ou novas galerias, onde
Vale lembrar que, as cavernas são recursos
já estejam realizando o trabalho de mapeamento.
naturais não renováveis, elas se formaram com
Elas também ocasionam impactos, especialmen-
o passar de muito tempo, de muita água. Por-
te porque as cavernas novas precisam ser ampla-
tanto, apesar de benéfica em muitos casos, a
mente exploradas em busca de galerias ou outras
atividade de espeleoturismo deve ser bem pen-
características de importância. Com isso, ocorre o
sada a fim de resultar em ganhos na conserva-
pisoteio de formações delicadas, a desobstrução
ção destes ambientes, em conhecimento acerca
de restrições ao avanço da expedição, tais como
do seu funcionamento e não apenas em recre-
de espeleotemas, paredes ou sifões, além de ou-
ação descompromissada.
tros impactos menos pronunciados. Entretanto, al-
Pode-se dividir a atividade de visitação a ca-
guns danos são inevitáveis e na, maioria das vezes,
vernas em muitas modalidades. A mais notória, a
pensados de forma a serem minimizados.
de massa, ocorre naquelas cavernas já estrutura-
Há que se lembrar que a melhor forma de pro-
das para o turismo (total ou parcialmente), muitas
teger é conhecer. O que leva também ao outro tipo
vezes com a adoção de sistemas de iluminação
de atividade de visitação anteriormente citada, a vi-
artiicial, passarelas, entre outras infra estruturas
sitação de caráter cientíico, cujos danos, em geral,
e que recebem uma quantidade anual de visitan-
são pouco signiicativos. Especialmente se conside-
tes bastante elevada (igura 5.13).
rado o resultado em informações úteis, advindas de
Em geral, a visitação em massa resulta em mui-
coletas e análise da fauna cavernícola, sedimentos
tos danos, especialmente se as atividades não fo-
e espeleotemas, que na maior parte das vezes não
ram bem planejadas antes da abertura. Por outro

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representam danos ecológicos ou estéticos signi-


icativos. Em alguns casos também são realizados
testes em pesquisas aplicadas ao manejo de ca-
vernas ou regiões cársticas, igualmente pouco sig-
niicativas, no que tange os impactos produzidos.
Por outro lado, as atividades de aventura, po-
dem ser bastante arriscadas, tanto para as cavernas,
como para os próprios praticantes. Algumas ca-
vernas são propícias a estas atividades, com a pre-
sença de lances verticais que exigem a adoção de
técnicas especíicas ou com a ausência de estrutu-
ras ou formas de vida sensíveis. Quando realizadas Figura 5.14: Parede pichada na entrada da Gruta de Uba-
com responsabilidade, em geral, não há danos às jara-CE. Nesta foto observam-se pichações antigas, ante-
riores à criação do Parque, inclusive com caráter histórico
cavidades. Porém, quando operadas de forma abu- (República, 1890).
siva ou excessiva, podem resultar em danos simi-
última está localizada às margens de uma rodovia
lares às cavernas utilizadas para turismo de massa.
movimentada e seu pórtico de entrada é chama-
É comum observar ancoragens mal ixadas ou
tivo, pelo tamanho, talvez por isso tendo sido tão
exageradas, quebra de espeleotemas, vestígios de
depredada.
acampamento em zonas pouco propícias, até mes-
Por im, há ainda as formas de turismo reli-
mo com a utilização de fogueiras no interior das
gioso, que podem ser permanentes, temporárias
cavidades, algo extremamente contra-indicado.
As atividades de aventura podem envolver e ocasionais. As primeiras são representadas pelos
riscos, especialmente nos lances verticais mais ex- santuários ou templos estabelecidos nas cavernas,
tensos ou nas cavernas alagadas, onde se pratica que pouco mantém suas características originais, a
o mergulho em caverna, técnica avançada de mer- exemplo da Gruta de Bom Jesus da Lapa e da Gru-
gulho que exige muito treinamento, prática e con- ta da Mangabeira, ambas no interior da Bahia (i-
centração. De toda forma, há de se ter atenção para gura 5.15). Estas se equivalem às grutas turísticas de
se evitar acidentes que inclusive podem ser fatais, massa, pelo grau de intervenções e quantidade de
a exemplo da queda na Caverna Água Suja-SP, do visitantes anuais.
afogamento na Casa de Pedra-SP, do mergulho fa-
tal no Buraco dos Impossíveis-BA ou na Lagoa Mis-
teriosa-MS, entre outros. O mergulho em cavernas,
porém, tem sido muito utilizado como ferramenta
de exploração e conhecimento, com o mapeamen-
to e a coleta de materiais importantes à ciência.
Uma variação bastante danosa de visitação
a cavernas é aquela praticada geralmente de for-
ma eventual, não sistemática, sem controle e que
resulta em vandalismo. Geralmente manifesta-se
através das pichações, quebra de espeleotemas e
demais formações, roubo de fósseis, ataque à fau-
na, lixo e, até mesmo, a queima de fogos de artifí- Figura 5.15: Igreja na Gruta de Bom Jesus da Lapa-BA. No-
tar que diversas modiicações foram realizadas, inclusive
cio em seu interior (igura 5.14). com a colocação de um piso cerâmico, alargamento de ga-
Algumas cavernas brasileiras foram totalmente lerias, entre outros.
descaracterizadas por esta ação, como por exemplo, Já as cavernas com turismo religioso tempo-
a Gruta do Catingueiro em Lagoa da Prata-MG, ou rário, são aquelas nas quais em datas religiosas são
a Gruta da Faustina, em Pedro Leopoldo-MG. Esta

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realizadas cerimônias, possuindo não mais que pe- No Brasil existem diversas cavernas que são ilu-
quenos altares. Entretanto, costumam receber uma minadas por sistemas artiiciais, como por exem-
quantidade impressionante de pessoas em um cur- plo, a Caverna do Diabo em Eldorado-SP, Gruta da
to período de tempo. São inúmeros os exemplos, Lapinha-MG, Gruta de Ubajara-CE, Gruta de Botu-
como a Lapa Velha e Nova de Vazante-MG, Gruta verá-SC, Gruta de São Miguel-MS, Gruta da Manga-
da Paixão na região da Chapada Diamantina-BA, ou beira-BA, entre outras.
mesmo a Gruta de Ubajara-CE, que antes de inte- A Caverna do Diabo chegou a possuir um siste-
grar o parque nacional homônimo recebia até ce- ma de iluminação com lâmpadas de vapor metálico
rimônias de casamento. com mais de 1000 watts cada luminária, dispostas
O uso religioso ocasional agrega inúmeros ti- em todo o seu trecho turístico. Em 2006, já com lâm-
pos de manifestação religiosa em cavernas no país, padas um pouco menos potentes, a gruta possuía
não necessariamente na mesma cavidade e geral- 257 lâmpadas das mais variadas potências, o que
mente relacionado à rituais afro-brasileiros. Em ge- totalizava na caverna cerca de 60 mil watts, algo su-
ral, este tipo de uso não causa maiores impactos. iciente para iluminar as casas de um pequeno vila-
Sobre as alterações provocadas pelas ati- rejo com 200 moradias, aproximadamente.
vidades turísticas em cavernas, existem diver- Atualmente têm sido propostos novos sistemas
sos estudos que apontam diferentes tipos de de iluminação que consumam bem menos ener-
impactos. Um dos mais estudados é relativo às gia, baseados em tecnologias novas como o LED
alterações microclimáticas, que consideram pa- (Light Emission Diode), que além de não produzirem
râmetros tais como temperatura, umidade relati- quantidades signiicativas de calor, são econômi-
va e gás carbônico (GILLIESON, D., 1996; MANGIN, cas, muito mais duráveis e não raras vezes ilumi-
A., et. al., 1999; POLIDO-BOSCH et.al.,1997; entre nam mais. Outros projetos têm proposto sistemas
outros). Tais levantamentos procuram estabele- de iluminação mais branda e direcionada apenas
cer relações positivas entre a atividade turística, a determinadas formações e valendo-se de lanter-
geralmente de massa, e a variação destes parâ- nas de cabeça individuais para cada visitante. Com
metros citados, supostamente induzidos pela isso, diminuem-se as intervenções e poluição térmi-
intensa visitação. ca, além de proporcionar uma experiência turística
Em grande parte das vezes, sobretudo em ca- realista, incluindo-se ingredientes como a surpre-
vernas cujas trocas energéticas são baixas com o sa, mistério, o caráter exploratório, entre outros ele-
exterior (poucas entradas, sem luxos de ar ou água mentos mais autênticos do ambiente cavernícola.
pronunciados, etc.), são observadas variações sig- Outro impacto comum a cavernas turísticas é a
niicativas nos parâmetros estudados. São espe- compactação do pavimento e demais modiicações
cialmente comuns tais variações quando a caverna estruturais para facilitar ou adequar o ambiente ao
possui sistemas artiiciais de iluminação, geralmen- propósito (iguras 5.13 e 5.16). Tais medidas podem
te elétrica incandescente, mas também pode ocor- provocar a perda de habitat a determinadas espé-
rer pela simples transpiração humana ou sistemas cies cavernícolas que se desenvolvem nos substratos.
pessoais de iluminação (carbureteiras). Nestes ca- Também podem ocorrer problemas quanto
sos é comum o aumento de temperatura e a re- ao escoamento eventual de água, causando ero-
dução da umidade, parâmetros que podem variar são ou o acúmulo de lama nas trilhas. Em mui-
de forma importante e com isso ensejar uma sé- tos casos, espeleotemas delicados e importantes
rie de impactos à fauna e também aos espeleo- são soterrados, pisoteados e completamente
temas, que dependem do ambiente cavernícola descaracterizados.
equilibrado para se manterem ou desenvolverem Em alguns casos, os empreendedores abrem
normalmente. valas nas trilhas, trincheiras em trechos de teto

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representar danos consideráveis. Existem muitos


exemplos, como as represas formadas Rio da Tapa-
gem, dentro da Caverna do Diabo-SP ou o enchi-
mento de água nos travertinos secos da Gruta de
Maquiné em Cordisburgo-MG (igura 5.17). Tais in-
tervenções, consideradas drásticas, se deram para
formar espelhos d’água de forma a reletir o teto
das cavernas. Entretanto, vários distúrbios podem
advir desta prática, desde alterações no sistema hí-
drico, na composição faunística, como também na
estabilidade micro-climática.
Figura 5.16: Pavimento compactado em parte da trilha na
Caverna do Diabo, em Edorado-SP. Observa-se que os es-
peleotemas também foram afetados.
baixo, de forma a propiciar a passagem de pesso-
as sem que seja necessário se curvarem.
Na Chapada Diamantina, a singular Gruta da
Torrinha possui diversos trechos com essas trilhas/
trincheiras, o que sugere uma quantidade enorme
de material retirado e transportado para outros lu-
gares. Em outras cavernas são retirados blocos e até
mesmo espeleotemas para a passagem das trilhas
ou escadas, muitas vezes envolvendo pesadas obras
de alvenaria cuja construção certamente causou Figura 5.17: Barragem construída na Caverna do Diabo em
transtornos ao ambiente. Eldorado-SP. A seta indica o barramento, que é sucedido de
outro logo a jusante.
Para se evitar obras ou danos desnecessários
é recomendável o estudo e planejamento adequa- Visitação de massa em cavernas pode levar a
do destes ambientes (Plano de Manejo Espeleoló- um acúmulo indesejável de diversos materiais, prin-
gico). Indica-se a adoção de estruturas mais leves cipalmente lixo, ou até mesmo substâncias inusita-
e apropriadas, de baixo impacto, em alguns casos das. Jablonsky (1990, 1992) citado por Gillieson (1996)
suspensas do pavimento ou de formações frágeis coloca que muitas cavernas turísticas apresentam
e que oferecem muito mais segurança ao turista. uma camada de poeira recobrindo espeleotemas,
Diversos materiais têm sido testados no senti- cuja composição remete ao algodão presente nas
do de se portarem inertes ao ambiente, tais como vestes, células mortas da pele, esporos de fungos,
madeira plástica ou ligas metálicas inoxidáveis. A insetos e poeiras inorgânicas, tudo trazido pelos vi-
grande diiculdade reside no caráter inóspito e rús- sitantes. Consta que foram retirados manualmente
tico destes ambientes, que leva a uma deterioração mais de 50 quilos desta poeira, referentes a 5 anos
rápida dos materiais. Mas a tendência é a adoção de de visitação na Caverna Carlsbad, no Novo Méxi-
interferências mínimas, quando necessárias, com co. Certamente que tal insumo artiicial pode levar
estruturas mais leves, inertes, de fácil manutenção a uma alteração no equilíbrio ecológico de tais ca-
ou substituição completa. vernas, ou no desenvolvimento de espeleotemas.
Ainda com relação a estruturas construídas Outras formas de lixo, mais comuns, tais como
ou adaptadas em cavernas para o uso turístico de embalagens, copos ou garrafas descartáveis e até
massa, há também aquelas com propósitos pura- mesmo material fotográico (ilmes, lashes, máqui-
mente estéticos, de caráter duvidoso, que podem nas) são encontrados em cavernas turísticas, mas

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quando inorgânicos e pouco abundantes ofere-


cem unicamente impactos visuais.
Já os restos de comida são bastante prejudi-
ciais ao equilíbrio ecológico. Na Gruta dos Ecos-GO,
por exemplo, à beira do lago subterrâneo onde cos-
tumeiramente os grupos descansam, encontrou-
se uma aglomeração anormal de aranhas marrom
(Loxosceles sp.) sobre os restos de alimentos, pro-
vavelmente utilizando-os de forma oportunista
ou aproveitando-se do atrativo exercido para ou-
tros seres pertencentes à sua dieta preferencial.
Figuras 5.18 e 5.19: Na foto da esquerda observa-se o cres-
De qualquer forma, esta aglomeração representa- cimento de samambaias na Caverna do Diabo, próximo a
va um risco aos visitantes, uma vez que se trata de uma luminária. Na foto da direita tem-se um dos trechos tu-
rísticos da Caverna de Santana, em Iporanga-SP. Este trecho,
uma aranha venenosa. num dos níveis mais elevados e secos da caverna, mostra
Recomenda-se sempre que os grupos não lan- o acúmulo exagerado de fuligem emitida pelas carburetei-
ras que foram utilizadas por décadas como meio de ilumi-
chem nas cavernas, e se o izerem, procurem locais nação desta importante caverna.
mais adequados, como as entradas e tenham todo
em seu interior, ou proximidades, geralmente por
o cuidado de levarem todo o lixo.
conta de grandes travessias. É comum nestes casos
Outras formas de poluição advinda do espele-
encontrar dejetos humanos, o que além de causar
oturismo é a questão do alarido (poluição sonora)
muitos incômodos, também representa um aporte
que pode causar estresse na fauna, especialmente
espúrio de nutriente e uma fonte de contaminação.
em colônias estabelecidas de morcegos.
A Gruta da Mangabeira em Ituaçu-BA, no per-
Também há a poluição luminosa, dos siste-
curso turístico encontrado após o santuário religio-
mas elétricos implantados, antes visto como um
so, observou-se problemas sérios deste tipo, além
problema pelos distúrbios microclimáticos, mas
do acúmulo exagerado de lixo. Trata-se de um dos
que também pode causar o crescimento de orga-
maiores percursos turísticos de massa do Brasil,
nismos cloroilados exóticos ao ambiente original-
com cerca de 3 mil metros de extensão, geralmen-
mente afótico, tais como samambaias (igura 5.18),
te percorridos por grandes grupos (até 60 pessoas
algas e musgo. Este crescimento causa alterações
com apenas um guia), sem que existam neste per-
nas cores dos espeleotemas e demais formações
curso, banheiros instalados. Tal ação pode ser en-
(geralmente verde e preto).
carada como uma forma adicional de vandalismo.
A utilização de sistemas pessoais de iluminação
Tais ações muitas vezes levam aos proprietá-
baseados no acetileno (carbureteiras) também pode
rios dos empreendimentos ou das terras onde se
causar problemas sérios, através da fuligem que ge-
encontram cavernas procuradas turisticamente a
ram, do calor e também dos subprodutos (borra).
adotarem portões como forma de controle.
A Caverna de Santana no Parque Estadual Turís-
Porém, até mesmo os portões podem signii-
tico do Alto Ribeira-SP apresenta, em grande parte
car conlito com a fauna cavernícola e nem sempre
do circuito turístico, essas fuligens negras deposi-
são eicazes, sobretudo se existem outras entradas
tadas sobre formações anteriormente brancas, fru-
ou o pórtico é muito grande.
to de mais de 50 anos de utilização turística deste
sistema (igura 5.19). 5.2.4 Represamentos
Em algumas cavernas, com pouco ou nenhum Os represamentos, especialmente a formação de
controle do acesso turístico ocorrem também situ- grandes lagos em geral com o propósito de geração
ações bastante indesejáveis, como acampamento de energia elétrica, são potencialmente danosos aos

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ambientes cavernícolas, sobretudo quando ocorrem que não se destrua isicamente as estruturas rocho-
em áreas cársticas bem desenvolvidas e complexas. sas, a caverna é literalmente afogada, sem qualquer
Com o crescimento do país e a demanda cres- possibilidade de manutenção dos processos natu-
cente por energia, as regiões cársticas têm sido alvo rais relativos à fauna cavernícola ou suas formações
cada vez mais constante de projetos hidrelétricos. físicas, como os sedimentos (iguras 5.21).
Muitos lagos foram formados sem qualquer
preocupação relativa ao patrimônio espeleológi-
co. Vale lembrar que, em muitos casos, não ape-
nas o patrimônio espeleológico foi perdido, como
também arqueológico, paleontológico e faunísti-
co associados aos ambientes de caverna. De acor-
do com a base de dados do CECAV, a hidrelétrica
de Serra da Mesa no Rio Tocantins-GO alagou com-
pletamente 39 cavernas, podendo ter afetado mais
75 outras presentes nas suas proximidades (igura
5.20 na página seguinte)2 .
Além disso, a construção de barragens em re- Figura 5.21: Na seta observa-se uma pequena caverna em ro-
giões cársticas frequentemente se torna uma tarefa chas areníticas, na margem do Rio Xingu, Altamira-PA. Com
a construção da hidroelétrica de Belo Monte, esta caverna
árdua e incerta, uma vez que a maior parte da dre-
será totalmente alagada.
nagem está capturada no subterrâneo, onde nem
sempre é possível determinar as rotas de luxo ou Nos casos de alagamento parcial, geralmente
a presença de grandes vazios (veja exemplo das ro- em cavernas pouco relacionadas ao sistema atual
tas de fugas na igura 5.23, mais adiante). de drenagem (cavernas fósseis ou senis), o impac-
São comuns na literatura internacional re- to pode ser igualmente danoso, especialmente à
latos sobre as diiculdades ou técnicas avançadas fauna cavernícola, que tem um dos principais lo-
de como se conter a água em regiões tão cheias de cais de sua manutenção afetados, o substrato (pa-
fugas, de “buracos” (no sentido literal), ou de reper- vimento). Nestes casos, são inúmeros os outros
cussões inesperadas do represamento, tal como o danos colaterais, como mudanças microclimáti-
alagamento de regiões bem distantes da área pro- cas, especialmente o aumento exagerado da umi-
jetada (ver por exemplo BONACCI, 1987, que cita ca- dade, estagnação ou aumento dos processos de
sos especíicos do carste iugoslavo). sedimentação, introdução de espécies exóticas, en-
Em relação ao ambiente cavernícola, os im- tre outros. Em alguns casos o alagamento parcial
pactos causados por represamentos não são muito pode ser tão danoso como um alagamento total.
diversos, mas em geral bastante drásticos. O mais Outro impacto advindo da inundação de gran-
notório é a própria supressão completa pelo ala- des áreas refere-se à mudança na dinâmica hídrica
gamento, especialmente daquelas cavernas asso- do carste, o qual pode agregar inúmeras cavernas
ciadas ao sistema luvial principal, que será alvo do em sistemas subterrâneos. Barramentos tendem a
barramento. Estas cavernas podem icar bem abai- reduzir e equilibrar o luxo de água a jusante, o que
xo da cota de alagamento, com isso não restando pode induzir até impactos positivos em alguns sen-
qualquer conduto ou ligação com o futuro meio tidos, mas signiicam mudanças repentinas nos pro-
supericial. Nestes casos o impacto é total, mesmo cessos de formação e desenvolvimento de cavernas

2 Os dados utilizados nesta análise foram coletados por grupos de espeleologia, entre outros, durante anos, e algumas coorde-
nadas podem não ter sido tomadas com aparelhos tão precisos como os GSPs atuais. Entretanto, são bastante válidas, sobretu-
do porque não houve continuidade das prospecções espeleológicas que exaurisse a possibilidade de outras cavernas na área
afetada, o que leva a crer que a perda do patrimônio espeleológico foi bem maior.

5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E N OS CÁR ST ICOS E CAVE R N AS 13 7


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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL


5
AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS

Figura 5.20: Lago da Hidrelétrica de Serra da Mesa-GO e localização das cavernas (triângulo preto). São
39 cavernas localizadas no interior do lago, feições descobertas antes da formação da barragem.
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

freáticas, podendo afetar áreas bem mais extensas uma diminuição de recursos orgânicos na caver-
que as previstas. na em função da redução das colônias de morce-
Como é sabido, o sistema cárstico é interliga- gos, que perdem importantes fontes de alimento
do, tanto através de condutos subterrâneos, quan- (supressão das matas).
to ao meio supericial. Portanto, a redução da vazão Por im, há que se atentar para os impactos cau-
pode gerar uma série de distúrbios como, por exem- sados na própria instalação dos empreendimentos
plo, a transformação de antigas ressurgências em hidrelétricos, ou qualquer formação de barragens.
sumidouros. Pode signiicar o secamento de lago- Por vezes são bastante incisivas as alterações, com
as cársticas ou de lagos subterrâneos antigamente a detonação de aloramentos, terraplenagem, reti-
regidos pelo nível natural do aqüífero ou até mes- rada de terra ou outros materiais de áreas próximas.
mo a ocorrência de abatimentos de cavernas an- Enim, uma gama de alterações próprias de
teriormente inundadas. grandes obras de engenharia que podem afetar o
A mudança do nível de base local a montan- ambiente cavernícola, em áreas adjacentes, de for-
te também pode afetar cavernas em seus proces- ma bastante incisiva. Podem ocorrer nestes casos
sos de desenvolvimento, especialmente relativos problemas relacionados à vibração (detonações e
à erosão. A pressão exercida pela altura da lâmina trânsito de máquinas) como abatimentos, racha-
d’água ou variações do nível do reservatório po- duras, quebras de espeleotemas, entre outros, e
dem implicar em abatimentos de cavernas sub- também problemas erosivos, como assoreamen-
mersas ou em suas adjacências (MARINOS et. al., to causados pela grande remobilização de solos.
1997; PILÓ, 1999)
5.2.5 Obras lineares e outras obras de
No interior da área represada, como já dito, po- engenharia
dem ocorrer fugas de água, por vezes generaliza- Outro tipo de obra que pode gerar conlitos com a
das, inclusive pondo em risco o empreendimento. preservação espeleológica está relacionada à cons-
Em alguns casos, a formação de novas galerias ou trução de estradas, ferrovias, linhas de transmissão,
a desobstrução de condutos previamente preen- gasodutos e oleodutos.
chidos por sedimentos pode ocorrer em virtude da Assim como as hidrelétricas, tais empreendi-
pressão da lâmina d’água resultando em ressurgên- mentos tendem cada vez mais a ocorrer em áreas
cias inesperadas em locais distantes, (FORD, D.C. & cársticas ou detentoras de cavernas, podendo re-
WILLIAMS, 1989). Em outros, micros condutos espa- presentar problemas ambientais de diversos tipos.
lhados por toda a área funcionam como ladrões, o Além do crescimento do país é preciso lembrar
que gera um problema bastante complexo em vir- que as regiões espeleológicas ocorrem em vários
tude da diiculdade de se localizá-los, pois, muitas tipos de rocha, disseminadas por áreas extensas,
vezes tais sumidouros estão escondidos sob o solo. que podem ser cortadas por tais empreendimen-
Em geral os empreendimentos se valem de tos, visto que têm a capacidade de atravessar mui-
mantas impermeáveis, geralmente argilosas, para tos quilômetros de terra.
recobrir locais potencialmente mais susceptíveis Obras lineares podem ocasionar a supressão
a tais processos. Porém, a obstrução de condu- de cavernas, especialmente se não forem realiza-
tos que levavam águas de chuvas, por exemplo, dos estudos e levantamentos espeleológicos nas
a cavernas a jusante do barramento, pode afetar áreas afetadas. Muitas vezes, pelo tamanho do em-
em diversos aspectos tais cavernas, diminuindo a preendimento, não há uma prospecção espeleoló-
umidade, aporte de sedimentos ou recursos orgâ- gica satisfatória em toda a extensão da obra, o que
nicos, entre outros. Além disso, de forma indireta, pode levar à destruição de cavernas ou trechos,
com a instalação de grandes lagos em áreas ante- por conta das intervenções mais drásticas, como
riormente vegetadas, há a possibilidade de ocorrer

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

detonações (vibrações e sobrepressão acústica) e & BECK, 2005).


terraplenagem (soteramento). Em geral, também Com a retirada da vegetação e modiicação
é retirada a vegetação, não apenas no local, mas na morfologia das áreas em obra, por exemplo,
também em suas margens, o que varia de acordo a formação de aterros podem ocorrer problemas
com o tipo de empreendimento (rodovia, estrada na dinâmica hídrica. Dentre eles, aqueles ligados
simples, oleoduto, etc.). a entupimentos e conseqüentes alagamentos ou
Como já mencionado, os impactos ao meio secamentos, alteração de cursos de água natu-
cavernícola decorrentes da supressão vegetal em rais ou destruição de áreas de recarga. Também
sua área de entorno podem ser bastante danosos, ocorrem problemas de erosão e especialmente o
especialmente à questão da iniltração de água, assoreamento. É comum também a formação de
aporte de recursos orgânicos, estabilidade micro- enxurradas e luxos concentrados, por conta da
climática e formação dos depósitos sedimentares. impermeabilização das áreas e escoamento ina-
Em muitos casos tais empreendimentos se dequado. Especialmente nos casos de asfaltamen-
estabelecem justamente acima de cavernas. Um to, cujas águas mal dissipadas e direcionadas para
caso muito emblemático é a BR-122 no trecho en- áreas de cavernas podem induzir impactos como
tre a BR-242 e a cidade de Iraquara-BA na Chapada a remoção de sedimentos e outras alterações na
Diamantina. Tal rodovia, já instalada e com previsão morfologia interna das cavernas.
de reforma, corre pouco acima da Gruta da Fuma- Com a operação dos empreendimentos, como
ça, Sistema Lapa Doce (uma das maiores cavernas as rodovias, ferrovias e até mesmo com os dutos,
do Brasil) e da Lapa da Torrinha, todas de grande podem ocorrer acidentes bastante perigosos aos
importância espeleológica (igura 5.22). Em casos ambientes cársticos, sobretudo em função da sua
como esses os riscos de danos às formações, tan- natureza mais sensível e de rápida disseminação
to na construção, como na operação da estrada é de poluentes.
eminente. É comum ocorrerem derramamentos de po-
luentes, combustíveis e demais materiais tóxicos
no leito de tais infra-estruturas. No caso das estra-
das, os motores dos próprios veículos produzem
tais resíduos, especialmente graxas e óleos. Em se
atingindo sistemas cársticos, a dimensão dos aci-
dentes pode se ampliar e se acelerar de forma a
não ser possível uma contenção.
Vale lembrar que no carste não existe um solo
iltrante que minimize os danos por poluentes, con-
forme ressalta Kholer (2001). Desta forma, além de
Figura 5.22: Esta foto mostra a proximidade entre a entrada representar um risco ao ecossistema cavernícola,
da Gruta da Fumaça (seta), em Iraquara-BA e a BR-122 (es-
peleólogos). A estrada foi construída sobre trechos signii- também pode contaminar o aquífero cárstico, fre-
cativos da caverna. quentemente utilizado para abastecimento público
Tais obras podem causar também os danos por e outros ins. Cavernas muito próximas às estradas
vibrações, como os desplacamentos, rachaduras, sofrem também com a poluição sonora, além de
entre outros. Existem vários relatos na literatura so- mais expostas ao ataque de vândalos
bre este aspecto, com a inserção de obras lineares
5.2.6 Urbanização
em áreas pouco estudadas que abrigam vazios in-
As intervenções em áreas urbanas ou adjacentes
ternos que se colapsam representando inclusive
visando à instalação de estruturas ou mesmo a
danos à própria infra estrutura (WHITE, 1988; ZHOU

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

abertura de novos loteamentos são, em geral, ati- uma vez que loculam todo sedimento argiloso em
vidades potencialmente lesivas aos ambientes cárs- suspensão (CASTRO & KOHLER, 1996), dando a fal-
ticos, especialmente as cavernas. sa impressão de pureza ou potabilidade.
No país e no mundo diversas cidades situam- Um fator adicional de contaminação em mui-
se em regiões cársticas, muitas delas de grande ta- tas áreas urbanas é a disposição irregular do lixo em
manho. No caso do Brasil, cita-se parte da Região bota-foras, lixões improvisados entre outros, tam-
Metropolitana de Curitiba e Belo Horizonte, além bém usual no interior das próprias cavernas ou do-
de diversas cidades de médio porte como Sete La- linas (igura 5.24).
goas-MG, entre outras. Além da contaminação das águas, ocorre tam-
Para se ter idéia, cerca de 25% das águas
para abastecimento público no mundo são cap-
tadas de aqüíferos cársticos (GILLIESON, 1996). E a
cada dia aumenta a pressão sobre tais áreas em vir-
tude do crescimento exagerado e não planejado
das cidades.
As operações de loteamento frequentemente
causam diversos distúrbios pelos aterros, operação
de máquinas, desmatamentos, erosão, entre outras
ações, como já discutido. Pode ocorrer o soterra-
mento de estruturas cársticas importantes, intrin-
secamente ligadas às cavernas, como sumidouros, Figura 5.24: Bota fora em caverna na região da APA Morro
da Pedreira-MG.
dolinas e até surgências. Tais impactos ocorrem tam-
bém pela instalação de outros empreendimentos, bém um problema bastante sério que pode reper-
não apenas loteamentos, mas também indústrias. cutir em tragédias, que é a captação descontrolada
É comum ocorrer a contaminação de águas e excessiva de águas do aqüífero cárstico. Além de
cársticas por eluentes domésticos ou industriais resultar em uma série de problemas como o seca-
nestas áreas (ver KRYZA & STAŚKO, 2000). Em al- mento de lagoas cársticas ou lagos internos, pode
guns casos, ocorre o lançamento de eluentes di- também facilitar o abatimento de áreas totalmen-
retamente nos solos ou sumidouros, que acabam te alagadas, anteriormente sustentadas pela pre-
funcionando como verdadeiros esgotos, alterando sença de água (TEIXEIRA, et. al., 2000; PILÓ, 1999;
radicalmente as condições ecológicas destas ca- NAKAZAWA, et. al. 1995).
vernas e tendendo à destruição da fauna autenti- Casos como este já ocorreram em grandes cen-
camente cavernícola. tros urbanos, como Sete Lagoas-MG, Rio Branco do
Como os rios em regiões cársticas são em ge- Sul-PR e Cajamar-SP, onde casas e ruas foram engo-
ral subterrâneos, não se vê o tamanho do problema lidas por crateras. Problemas referentes ao aqüífe-
causado pelas emissões, e nem há grande preocu- ro cárstico em regiões urbanas não cessam por aí.
pação em solucioná-los. É comum a captação de Também ocorre a impermeabilização de exten-
águas contaminadas para abastecimento, pois a sas áreas, inclusive de recarga, que podem induzir
comunicação dos aqüíferos é altamente facilitada ora o secamento de cavernas, ora a inundação de
pela presença da rede interligada de condutos (i- trechos a montante.
gura 5.23). Além disso, devido à alta quantidade de Outra forma de poluição é a sonora, especial-
cálcio e magnésio dissolvido e a conseqüente alca- mente quando as cavernas se localizam muito próxi-
linidade que isto implica (pH>7), as águas cársticas mas às cidades ou indústrias. Devido à proximidade
freqüentemente apresentam-se azuis e cristalinas, com centros urbanos, problemas com vandalismo

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também são freqüentes. Em alguns casos as caver- de construção ou até mesmo garagem (Gruta da Ga-
nas são utilizadas como moradias improvisadas, ou ragem em Pains-MG) ou campo de futebol (Gruta
como depósitos de tralhas diversas como materiais Pontes do Sumidouro, Campo Formoso-BA).

Figura 5.23: Representação de uma área cárstica que mostra a intercomunicação dos condutos, do aqüífero cárstico e os
problemas de qualidade de águas quando não se tem cuidados na emissão e tratamento dos eluentes domésticos, ou ur-
banos. Do alto, à esquerda, no sentido horário tem-se: dolina utilizada com depósito de lixo; fuga de água; sumidouro de
fossa; dolina preenchida; poço; aqüífero contaminado por sumidouro de fossa; direção da ressurgência; nível do aqüífero;
dolomito. Autor: Marck Raithel. Fonte: retirado da internet (http://www.courier-journal.com/blogs/bruggers/uploaded_ima-
ges/KarstDiagram-70pct-730206.jpg).

5.3 Medidas de controle e minimização de do tipo de atividade e da demanda de recursos natu-


impactos. rais, medidas mais complexas se fazem necessárias.
Toda atividade potencialmente lesiva ao meio Outro fator complicador é a sucessão de em-
ambiente deve ser acompanhada de medidas de preendimentos de mesmo tipo de demanda por
controle ou mitigação prévia de impactos, especial- recursos em uma área comum, sem que sejam anali-
mente em ambientes cársticos que, como já obser- sados em conjunto nos processos de licenciamento
vado, possui especiicidades que o tornam muito ambiental. Pois, um empreendimento analisado em
mais susceptível, principalmente quando se trata separado pode ser potencialmente pouco danoso,
do manejo de suas águas. por isso receber licenças mais permissivas. Mas ao
Na maioria dos casos, medidas usuais de con- se observar o conjunto dos empreendimentos de
trole, já aplicadas em regiões não cársticas, são mesmo tipo na região, veriica-se a potencialidade
bastante efetivas. As boas práticas adotadas em mi- e ocorrência de danos mais signiicativos.
nerações, agropecuária, entre outros, costumam ser Um exemplo típico é a questão da captação de
simples e de baixo custo. Entretanto, dependendo águas subterrâneas. Numa região como Pains-MG,

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por exemplo, diversas atividades ocorrem de forma dolinas, sumidouros, rios e mesmo campos de la-
adjacente, como a mineração, produção de cal e piás, ou outras áreas de recargas. No mesmo senti-
cimento, agricultura, abastecimento público, entre do, os tanques de sedimentação são úteis para se
outros.Todas demandantes de água, ou causadoras evitar o assoreamento dos cursos de água superi-
de impactos ao aqüífero (rebaixamento de lençol, ciais ou subterrâneos. As técnicas são as mais usu-
entupimento de áreas de recarga, etc.). Ao mesmo ais, não sendo nenhum mistério sua aplicação nos
tempo, nem todas as atividades realizam um traba- empreendimentos ou sua solicitação pelos órgãos
lho de monitoramento ou estudos hidrogeológicos licenciadores. A única diferença é a observância de
prévios que considerem as características estrutu- feições cársticas que, em determinados casos, eram
rais do aqüífero (fraturamento, compartimentação, encarados até mesmo como bota fora.
formação potencial de cones de rebaixamento, Outra forma de se conter partículas e espe-
etc.), mesmo porque, são estudos caros e comple- cialmente a poluição sonora é a adoção de bar-
xos, mas determinantes em muitos casos. Nestas reiras verdes, preferencialmente nativas, junto às
situações é clara a necessidade de controle estatal, áreas afetadas ou de produção. Além disso, a ma-
através de processos de outorga e gestão que con- nutenção das matas sobre as cavernas e suas áreas
siderem seriamente a questão do aqüífero subter- de entorno não apenas é uma medida que mini-
râneo e não apenas os cursos de água supericiais. miza efeitos danosos provocados pelas atividades
Outra medida de controle, geralmente aplica- humanas como propicia a continuidade dos pro-
da à mineração, mas também a outras atividades cessos naturais de desenvolvimento da caverna.
que causam abalos e vibrações, é a realização de Na agricultura, além destas práticas serem de-
estudos e testes com sismógrafos. Estes estudos sejáveis, mesmo porque podem favorecer na qua-
são fundamentais para a deinição de áreas de in- lidade e quantidade de água disponível, deve-se
luência de empreendimentos, não apenas relacio- também incentivar a adoção de práticas orgânicas
nados à proteção de cavernas. (agricultura sustentável) de controle de pragas ou
No Brasil não há parâmetros deinidos de vibra- fertilização, com o objetivo de se evitar os diversos
ção ou sobrepressão acústica especíicos para ca- danos, inclusive contaminação dos recursos hídricos.
vernas, mesmo porque, tais formações podem ser A redeinição de projetos é uma necessida-
muito diferentes, em função do tamanho, tipo de de em muitos casos, especialmente quando se tra-
rocha, formações internas, entre outros. Em geral, ta de cavernas de grande relevância. Mas, mesmo
utiliza-se como uma das referências os índices pro- em casos onde uma série de cavernas de menor
postos pela ABNT para avaliação dos efeitos provo- relevância se concentram, é possível se reduzir os
cados pelo uso de explosivos nas minerações em efeitos lesivos com ações como: mudanças de pit
áreas urbanas (ABNT, NBR 9653 de 2005). Com isso, de lavra, traçado de rodovia, ou até mesmo redu-
pode-se deinir, juntamente com outros fatores es- ção da cota de alagamento de uma hidrelétrica, por
pecíicos do quadro natural, um raio máximo de ex- poucos metros que seja. A redeinição dos proje-
pansão das áreas de lavra sobre as áreas de caverna. tos deve ser baseada numa boa prospecção espe-
Em geral recomenda-se a adoção de raios mais leológica, ainda na fase de licenciamento prévio e
conservadores, a terem a eicácia aferida por me- devem se considerar as vantagens ambientais e di-
didas de monitoramento. iculdades de compensação, especialmente dentro
Nas minerações e em outras atividades, tais da área dos próprios empreendimentos.
como construção de estradas, terraplenagens e É comum, especialmente em minerações, a não
até mesmo áreas agrícolas, é bastante recomendá- deinição de pit inais de lavra e com isso o avanço
vel a adoção de leiras de contenção para se evi- da atividade sobre áreas anteriormente considera-
tar o assoreamento sobre feições delicadas, como das de proteção, sobretudo quando na época dos

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estudos para licenciamento ambiental não ocorreu geologia, topograia, hidrograia, vegetação, entre
uma discussão adequada entre a área de produção outros. Neste sentido, uma boa prospecção espe-
e de conservação ambiental, tanto nas empresas leológica, além de um levantamento detalhado de
como nos órgãos de autorização e licenciamento. todas as demais feições cársticas como dolinas, su-
Quanto às atividades espeleo turísticas, há inú- midouros, áreas de recarga, surgências, entre ou-
meras recomendações para se diminuir os efeitos tros, é fundamental.
negativos aos ambientes cavernícolas. Uma das mais Todos estes elementos, aliado às demais in-
evidentes é a utilização de sistemas pessoais de ilu- formações relacionadas ao uso e ocupação da
minação, preferencialmente de pouca emissão de área (estradas e vias de acesso, por exemplo) de-
calor, como as lanternas elétricas, que atualmen- vem ser resumidas em um bom e claro mapa de
te se tornaram muito mais eicientes e econômi- contexto. Tais mapas devem ser apresentados em
cas (super LED’s, por exemplo). escalas compatíveis com a abrangência do empre-
Em cavernas com apelo turístico mais pronun- endimento, de forma a ser possível a visualização
ciado é essencial a elaboração de técnicas de ma- das feições cársticas (inclusive o mapa das caver-
nejo, com o controle do número de pessoas por nas projetadas em superfície) e sua relação com as
grupo, em geral reduzido, sobretudo quando só um intervenções projetadas.
guia é disponibilizado. Também há a necessidade Todas as intervenções, é claro, são apresenta-
de elaboração do zoneamento, que considere as das, incluindo-se as medidas de controle. Com isso,
maiores fragilidades da caverna e as preserve, bem devem ser possíveis análises relativas a aspectos
como a adoção de estruturas mínimas e leves de como: direção das águas pluviais sobre as plantas
caminhamento, ambos primordiais. do projeto e possíveis carreamentos de sedimen-
Em muitos casos, é indicada a procura por al- tos a feições de absorção do endocarste (sumidou-
ternativas turísticas que aliviem a pressão sobre a ros, dolinas); relação entre cota da lâmina d’água
caverna em destaque, especialmente naquelas de de inundação e localização das cavernas e demais
grande demanda. As alternativas podem ser trilhas feições; distância das frentes de lavra com relação
interpretativas, cachoeiras, ou mesmo centros re- às cavernas e raios de segurança em relação à vi-
ceptivos (museu, palestras, etc.). Vale ressaltar que bração; contenção de sedimento das praças de la-
os danos já instalados nas cavernas, como picha- vra em relação às áreas de mata com presença de
ções, ou determinadas intervenções, como infra-es- cavernas importantes; direção preferencial de lu-
truturas de alvenaria, em geral representam danos xos, inclusive atmosféricos; possíveis problemas ge-
irreversíveis, dado que a retirada ou limpeza pode oténcnicos quando as obras forem realizadas sobre
ser tão ou mais danosa ou ambiente, além de mui- lineamentos estruturais ou possíveis rotas subter-
to onerosa.. râneas de escoamento; a discussão de uma possí-
vel área de inluência das cavidades; entre outros.
5.4 Análises de contexto de empreendimen-
tos e área de inluência Questões básicas de um bom mapeamento
As análises de contexto dos empreendimentos são frequentemente são esquecidas em mapas deste
instrumentos dos mais importantes no licencia- tipo, como a escala, o norte geográico, a legenda, e
mento ambiental, para se vislumbrar o potencial até mesmo as coordenadas geográicas dadas pela
de impacto da atividade sobre o patrimônio es- malha, o que tornaria o trabalho um simples croqui.
peleológico. Necessita antes de tudo de um bom A área de inluência das cavernas pode ou não
diagnóstico, em que os elementos do quadro na- estar representada nestes mapas, uma vez que nem
tural estejam bem caracterizados e seja possível sempre se chega a tal área sem uma boa discussão
analisá-los de forma integrada, especialmente a prévia, inclusive com os licenciadores.
A área de influência de caverna está

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determinada na legislação, especialmente a Reso- a cavidade. Ou seja, tudo varia conforme o tipo de
lução CONAMA nº 347/04, incluindo-se um raio pre- empreendimento ou atividade e as características
ventivo de proteção, estabelecido aleatoriamente físicas do terreno e da caverna.
para qualquer caverna em 250 metros, a partir do A determinação de tal área de proteção geral-
contorno em projeção convexa supericial. Entre- mente se dá confrontando os dados relacionados
tanto, é comum a leitura enviesada de tal artigo na aos aspectos naturais e antrópicos. Dentre os na-
legislação, considerando-se esta área como ixa e turais destacam-se: drenagem cárstica (supericial
inal, ou seja, não haveria necessidade de se mudá- ou subterrânea) e a formação de sistemas espele-
la. O que se observa é que a determinados empre- ológicos, a questão da vegetação e sua maior ou
endimentos os 250 metros não causam prejuízos menor interrelação com o ambiente cavernícola, a
econômicos e prontamente são adotados como coniguração geoestrutural dos maciços e a maior
medidas inais. Em outros, ica inviável a realização ou menor capacidade de dissipar pressões, as áreas
do projeto, geralmente em minerações. de vida de animais importadores de material orgâ-
O que a regra estabelece, antes da projeção nico, como os morcegos, a posição topográica das
pura e simples dos 250 metros, é a realização de es- cavernas frente ao empreendimento, entre outros.
tudos para a constituição inal da área de inluên- Enquanto, dentre os aspectos antrópicos: as cotas
cia. Tais estudos são os mesmos (ou deveriam ser) de alagamento, cones de rebaixamento hidráulico,
que levam à caracterização do patrimônio espele- propagação de vibração de partículas (tremores),
ológico ou até o estabelecimento de graus distin- disponiblização de sedimentos e eluentes, níveis
tos de relevância. de ruído, entre outros.
Neste sentido, há que se considerarem dois fa- Deve-se ter em mente que uma vez deinida
tores, o primeiro relativo às características físicas a área de inluência, esta não necessariamente ica
de cada caverna ou região cárstica e o segundo estanque, imutável. Qualquer alteração nos proje-
relativo ao tipo de empreendimento, e o poten- tos originais do empreendimento pode resultar em
cial de interferências no patrimônio espeleológico. mudanças desta área.
Não é possível o estabelecimento de um raio Também é muito importante o monitoramen-
de proteção absoluta, da caverna frente a qualquer to dos parâmetros pós operação, com o objetivo de
tipo de impacto. Dependendo do tipo de empre- se aferir a efetividade das áreas propostas.
endimento, haverá um tipo de impacto, as áreas de Portanto, antes de se proceder a marcação das
inluência deverão variar conforme tais realidades. áreas de inluência deve-se realizar uma ampla dis-
Ocorre por exemplo, a localização de cavernas em cussão, entre as áreas responsáveis pela elaboração
áreas circunvizinhas a empreendimentos distintos dos estudos espeleológicos, áreas de produção ou
mais igualmente lesivos, de forma potencial, ao am- de engenharia e os setores responsáveis pelas análi-
biente cavernícola. Supondo que as cavernas não ses para licenciamento. Com isso evitam-se transtor-
possuam formações frágeis, uma mineração pode nos futuros, gastos adicionais e danos irreversíveis.
até adotar um raio de 50 metros de distância de
5.5 Monitoramento
suas lavras em relação às cavernas, sem que haja
Existem várias formas de monitoramento ambien-
impactos. Veja que tal medida hipotética é bastan-
tal, entretanto, as especíicas ao meio espeleoló-
te inferior aos 250 metros sugeridos nas regras, mas
gico, ou que possam também mostrar respostas
ela deverá ser baseada nos estudos especiicamen-
em virtude de determinadas pressões são poucas
te realizados frente a cada situação.
e muitas vezes complexas.
Uma lavoura a montante da caverna pode
Em empreendimentos que potencialmente
afetá-la mesmo a mais de um quilômetro de dis-
afetam os recursos hídricos, no quesito qualidade
tância, sobretudo se um curso de água atravessar

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de águas, são indicados os testes físico-quimicos ocorreram casos em que o empreendedor realizou
e biológicos em seus diversos parâmetros (acidez, detonações em áreas diferentes daquelas progra-
DBO, turbidez, condutividade elétrica, etc.). São madas para os próximos anos, bem mais distantes
aplicados geralmente nos casos relacionados a im- da caverna testada, e ainda com apenas um sen-
pactos de mineração, agropecuária e urbanização. sor na entrada da gruta.
Nas cavernas que possuem recursos hídri- Uma forma indireta de se aferir danos por con-
cos, em geral coleta-se a água em diversos pontos, ta das detonações é a observação de espeleotemas
especialmente nas entradas (sumidouros), saídas frágeis, propícios à quebra. Também são observa-
(ressurgências) e no interior. Também são coleta- dos os deslocamentos de massa, como quedas de
das as águas nas áreas fontes, como por exemplo, blocos, escorregamentos, ocorrência de rachaduras
a partir dos tanques de contenção de sedimentos. novas, entre outros fatores. Nestes casos deve ser
O controle do volume de água também é feita uma caracterização criteriosa antes da insta-
algo interessante, sobretudo onde há interferências lação do projeto ou atividade, sob o risco de haver
em rios subterrâneos ou em aqüíferos que aloram confusão com os processos naturais antecessores.
em cavernas, sob a forma de lagos. Uma forma importante de monitoramento da
Em alguns casos é indicada a elaboração qualidade ambiental nas cavernas é o acompanha-
de modelos hidrogeológicos mais complexos para mento da vegetação do entorno e sobre as mesmas.
o carste, ainda na fase de licenciamento, como me- Trata-se de uma forma indireta de monitoramento,
dida de controle e adaptação do empreendimento. mas extremamente importante, visto que a relação
Através destes dados é possível também realizar o é intrínseca entre conservação das matas circun-
monitoramento e aferir se o modelo persiste inal- dantes e qualidade ambiental cavernícola.
terado após a implantação do projeto. O desmatamento ou corte seletivo devem ser
Quanto aos danos estruturais, normalmente contidos. Dependendo das intervenções do proje-
relacionados às detonações em minerações, re- to pode haver perdas de diversos tipos, tanto rela-
comenda-se um monitoramento periódico, com cionadas à biodiversidade como efeito de borda.
o im de se aferir possíveis danos não existentes Também neste sentido deve ser feito um trabalho
antes do empreendimento ou do estabelecimen- de monitoramento da fauna cavernícola, princi-
to de níveis perigosos de vibrações, por exemplo. palmente dos morcegos, que podem ser ótimos
No caso das vibrações, pode-se utilizar dos sis- bio indicadores.
mógrafos, devidamente posicionados de modo a Quando se trata de cavernas turísticas, mui-
não ocorrerem erros na medição ou dados não tas são as formas de monitoramento, geralmente
comparáveis com os obtidos em fases anteriores. envolvendo visitas periódicas. Nestes casos obser-
A instalação de sensores em sedimentos ou blo- va-se o desenvolvimento de organismos cloroila-
cos pendidos pode signiicar absorção adicional dos (musgo, samambaias, etc.) que indicariam um
das vibrações. A mesma coisa acontece se os sen- acionamento excessivo do sistema de iluminação.
sores são instalados cada vez em lugares diferen- Também pode-se notar ações adicionais de vanda-
tes, pontos da caverna muito mais distantes das lismo, processos erosivos junto às trilhas ou qual-
áreas de lavra, e assim por diante. quer distúrbio não notado anteriormente, também
Deve-se ter o cuidado de se instalar os senso- em relação à fauna cavernícola.
res em diversos pontos, de forma a cobrir razoavel- A realização de medições microclimáticas é
mente os principais ambientes da cavidade, sempre também indicada para aferir se os parâmetros se
suportados diretamente sobre a rocha. Tais eventos mantêm em níveis correlatos aos anteriores ou acei-
devem ser acompanhados preferencialmente pe- táveis. Dependendo da intensidade do uso turístico
los funcionários responsáveis pelo licenciamento. Já (cavernas de turismo de massa) e da importância

146 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

da caverna é recomendado até a instalação per- KOHLER, H. C. Geomorfologia Cárstica. In: GUERRA,
manente de termo higrômetros com data loggers A. J. T. & CUNHA, S. B. (orgs.). Geomorfologia: uma
para acompanhamento constante das variações atualização de bases e conceitos. 4ª ed. Rio de
de temperatura e umidade. Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. cap. 7, p. 309-334.
Uma forma muito importante de monitora- KRYZA, J. & STASKO, S. Groundwater low rate and
mento da conservação espeleológica é através de contaminant migration in issure-karstic aquifer
sistemas de informação, como o que se propõe o of Opole Triassic system southwest Poland.
Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas, Environmental Geology, 39 (3-4), January, 2000.
CANIÊ. Nele estarão registradas todas as cavernas
LANGER, W. H. Potential environmental impacts
conhecidas, incluindo-se as passíveis de impactos
of quarrying stone in karst – a literature review.
negativos irreversíveis, as de relevância máxima
USGS, open-ile report OF-01-0484. 2001. http://
ou consideradas testemunhos, ou seja, não passí-
geology.cr.usgs.gov/pub/ofrs/OFR-01-0484/
veis de impactos.
As diversas informações reunidas num cadas- MANGIN, A. (et. al.) Painted caves conservation:
tro como este podem gerar uma série de análises a stability problem in a natural system (the
importantes, por exemplo, relativas ao nível de example of the prehistoric cave of a Gargas,
conservação efetiva de determinadas regiões, ou French Pyrenees). C. R. Acad. Sci. Paris, Sciences de
o menor conhecimento espeleológico de outras. la terre et des planètes: Earth & Planetary Sciences,
Podem ser úteis na deinição de áreas para preser- 1999. 328, 295-301.
vação direcionadas aos ambientes cársticos e es- MARINOS, P. G. (et. al.) Development of sinkholes
peleológicos. E podem induzir ações de governo during reservoir construction. Engineering
no sentido de se disciplinar o acesso ao patrimô- Geology and the Environment: Balkema, Rotterdam,
nio espeleológico, inclusive através de zoneamen- 1997. 2769-2776.
tos de regiões cársticas, principalmente em regiões NAKAZAWA, V. A., PRANDINI, F. L., DINIZ, N. C.
de muita pressão e demanda. Subsidências e colapsos de solo em áreas urbanas.
5.6 Referências In: Curso de Geologia aplicada ao meio ambiente.
São Paulo: ABGE, 1995. pag. 101-133.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS.
NBR 9653: Guia para avaliação dos efeitos PILÓ, L. B. Ambientes cársticos de Minas Gerais:
provocados pelo uso de explosivos nas minerações valor, fragilidades e impactos ambientais decorrentes
em áreas urbanas: procedimento. Rio de Janeiro, da atividade humana. O Carste, Belo Horizonte ,vol.
09/2005. 11, nº 3, pag. 50-58 julho de 1999.

BONACCI, O. Karst hydrology, with special reference POLIDO-BOSCH, A. (et. al.). Human impact in a
to the Dinaric karst. (Springer series in physical tourist karstic cave (Aracena, Spain). Environmental
environment). Spring-Verlag Berlin Heidelberg, 1987. Geology, nº 31, june, 1997. pag. 142-149.

CASTRO, J. M. C. & KOHLER, H. C. Geomorfologia RESOLUÇÃO CONAMA Nº. 347, de 10 de Setembro


Cárstica. In: CUNHA, S. B. & GUERRA, A. J. T (org..). de 2004, dispõe sobre a proteção do patrimônio
Geomorfologia: exercícios, técnicas e aplicações. espeleológico.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. cap. 7, p. 239-249. TEIXEIRA, W. (et. al.). Decifrando a Terra. São Paulo:
FORD, D.C. & WILLIAMS, P.W. Karst geomorphology Oicina de Textos, 2000. pag. 129-138.
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JENNINGS, J. N. Karst Geomorfology. New York: materiais de construção e outras matérias brutas.
Blackwell, 1985. pag.135-176. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995. Bloco 2.

5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E N OS CÁR ST ICOS E CAVE R N AS 147


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

WHITE, W.B. Geomorphology and hidrology of


karst terrains. New York: Oxford Univ. Press, 1988.
ZHOU, W. & BECK, B. F. Roadway construction in
karst areas: management of stormwater runof
and sinkhole risk assessment. Environ Geol (2005)
47: 1138–1149

148 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

6 ATIVIDADE DE CAMPO

Jocy Brandão Cruz,


Cristiano Ferreira,
José Carlos Ribeiro Reino e
Rita de Cássia Surrage de Medeiros

Equipe do CECAV

Figura 6.1: Gruta da Lapinha – Foto: Chico Fotógrafo – Acervo Prefeitura Municipal de Lagoa Santa

6 AT IVIDADE DE CAM P O 149


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

6.1 Parque Estadual do Rola Moça


Visitação a Gruta do Rola Moça (RM 03) e a Caverna RM 33 para observar as principais feições e fenômenos
do ambiente cársticos ferroso, além de consolidar os temas apresentados e discutidos em sala de aula.

Caverna Rola Moça Caverna RM 33

15 0 6 AT IVIDADE DE CAM P O
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

6.2 Parque Estadual do Sumidouro


Visitação as cavernas da Lapinha, da Macumba e Túneis para observar as principais feições e fenômenos do
ambiente cársticos carbonático, além de consolidar os temas apresentados e discutidos em sala de aula.

Figura 6.2: Gruta da Lapinha - Foto: Jocy Cruz Figura 6.3: Gruta dos Túneis - Foto: Jocy Cruz

6 AT IVIDADE DE CAM P O 15 1
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

Figura 6.4: Gruta da Macumba - Foto: Jocy Cruz Figura 6.5: Gruta dos Túneis - Foto: Jocy Cruz

Figura 6.6: Caverna RM33 - Foto: Jocy Cruz Figura 6.7: Caverna RM33 - Foto: Jocy Cruz

Figura 6.8: Gruta Rola Moça - Foto: Jocy Cruz Figura 6.9: Gruta Rola Moça - Foto: Jocy Cruz

15 2 6 AT IVIDADE DE CAM P O
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

7 HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO LEGAL Ricardo Krone fez o primeiro levantamento siste-


mático de cavernas, relacionando 41 cavidades no
Rita de Cássia Surrage de Medeiros
Vale do Rio Ribeira, região hoje que corresponde ao
Ana Lúcia Galvão
Parque Estadual Alto Ribeira/SP (Lino, 2001).
Equipe CECAV No século passado, mais especiicamente na
década de 30,a espeleologia no país começou a se
7.1 Histórico da evolução da legislação afe- organizar. Em 1937 foi criado o primeiro grupo de
ta ao Patrimônio Espeleológico
espeleologia (Sociedade Excursionista Espeleoló-
A história do uso das cavernas pelo ser humano ao
gica – SEE) formado por estudantes da Escola de
longo de sua escala evolutiva nos revela a impor-
Minas em Ouro Preto e que em 1960 lançou a pri-
tância que o conhecimento atual das mesmas re-
meira revista espeleológica do Brasil, a “Espeleolo-
presenta para a humanidade. Segundo Braidwood
gia” (Auler & Zogbi, 2005).
(1975), muitos achados que contam a trajetória hu-
Podemos destacar nomes de importância fun-
mana se deram em cavernas. A relação existente
damental na construção da espeleologia brasilei-
entre o homem e as cavernas remonta à pré-his-
ra. Dentre eles, Michel Le Bret, Pierre Martin e Guy
tória sendo evidenciada por inúmeras descobertas
Collet que nas décadas de 1960 e 1970, explora-
arqueológicas. Dentre outros usos, nossos ante-
ram cavernas do Vale do Ribeira e Iguape, estado
passados as utilizavam para cerimoniais de sepul-
de São Paulo. Seus esforços impulsionaram a reali-
tamento e rituais de cunho espiritual e religioso e
zação do primeiro Congresso Brasileiro de Espele-
suas manifestações estão grafadas em paredes e
ologia, ocorrido em 1964, no pórtico da gruta Casa
tetos como pinturas, picoteamento e fuligem ou
de Pedra/SP e a fundação da Sociedade Brasileira
vestígios encontrados no solo (CPRM/IBAMA, 1998).
de Espeleologia (SBE) em 1967. A partir daí, surgi-
Porém, a importância das cavidades naturais sub-
ram outros grupos de espeleologia distribuídos en-
terrâneas não se resume a seu valor histórico, cul-
tre diferentes estados brasileiros.
tural ou cênico, suas interações com os recursos
Com o envolvimento cada vez maior das uni-
hídricos, a manutenção de organismos vivos, sua
versidades e de empresas de consultoria ambiental,
interação com a estabilidade estrutural de forma-
a espeleologia passou de uma atividade amadora
ções e elementos geológicos além do potencial de
ao proissionalismo. O desenvolvimento de disserta-
uso também são aspectos a serem considerados.
ções de mestrado e teses de doutorado, confecções
7.1.1 Surgimento da espeleologia no Brasil de artigos , livros de enfoque técnico-cientíico e
Os primeiros relatos sobre cavernas no Brasil re- a promoção de conferências temáticas resultaram
montam ao ano de 1717 quando Francisco de Men- em ações e atividades responsáveis pela consolida-
donça Mar informou ao rei de Portugal que morava ção da espeleologia no Brasil como ciência (Auler
há vinte e seis anos numa caverna, hoje conhecida & Zogbi, 2005), embora, até hoje, esta classiicação
como Bom Jesus da Lapa (Auler, 2004). No entanto, não seja legalmente reconhecida. Segundo Cruz
foram as primeiras expedições cientíicas na região (2008), ao tempo em que crescia o conhecimen-
de Lagoa Santa/MG que realmente sedimentaram to do Patrimônio Espeleológico brasileiro, crescia
a espeleologia no Brasil. Isso ocorreu quando, entre também a atividade econômica e a conseqüente
os anos de 1835 e 1844, Peter Wilhelm Lund, reali- pressão sobre os recursos naturais. Dessa forma,
zou pesquisas ligadas à paleontologia e descobriu tornou-se imprescindível a necessidade de criar-
o Homem de Lagoa Santa, representante da raça se um aparato legal robusto que garantisse a pro-
que habitou as cavernas de Minas Gerais há mi- teção desse patrimônio.
lhares de anos. Apenas no inal do século XIX que

7 H IS TÓR ICO E CON T E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL 15 3


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

7.1.2 Histórico da Legislação Patrimônio Espeleológico brasileiro, ocasionado


As primeiras formulações legislativas disciplinado- pelo avanço das áreas urbanas, geração de de-
ras do meio ambiente no Brasil são oriundas da le- mandas no setor de construção civil (minerado-
gislação portuguesa, que vigorou até o advento ras) e expansão da fronteira agrícola culminaram
do Código Civil em 1916, quando aparecem as pri- num quadro de descaracterização não só do cars-
meiras preocupações legais com o meio ambien- te como da região de entorno de cavernas (Marra,
te. Com a realização da Conferência de Estocolmo 2001) e até mesmo, a supressão completa de mui-
de 1972 e a conseqüente onda conscientizadora tas delas. De acordo com Lino (2001), dentre as
que passou a vigorar entre os países desenvolvi- atividades lesivas ao Patrimônio Espeleológico, a
dos, a legislação brasileira sobre o tema ambiental mineração conigura-se como a de maior impacto.
tornou-se mais consistente, ampla e voltada para No país inteiro encontramos atividades de mi-
a conservação. neração, principalmente em calcário, que se de-
A crescente pressão sobre as cavernas brasilei- param com cavernas em meio a sua área de lavra.
ras proporcionou o despertar de uma preocupação Várias empresas já estavam instaladas e operando
em ordenar seu uso. Isto se reletiu no amadureci- no território brasileiro antes mesmo da assinatura
mento da legislação que evoluiu pretensamente no do Decreto 99.556/90 (BRASIL, 1990). Desta forma,
sentido de resguardar o patrimônio espeleológico sustentam que já detinham o direito de lavra em
brasileiro. É notório que o arcabouço jurídico brasi- áreas com cavernas e que esse direito teria sido
leiro relacionado às cavidades naturais subterrâneas comprometido pelo Decreto, que proibiu a des-
apresenta ainda muitas incongruências e contradi- truição de cavernas, impossibilitando a mineração
ções. No entanto, mesmo apresentando problemas, em áreas com potencial espeleológico.
é evidente a necessidade de salvaguardar este im- Originalmente, o Dec. 99.556/90 (Art.2) conti-
portante ecossistema. nha um texto bastante claro e simples ao estabele-
Segundo Keila M. R. Fonseca (2005), conforme cer que todas as cavernas brasileiras deveriam ser
consta na Constituição Federal (CF) de 1988 (BRA- preservadas e ter a integridade de seus ecossiste-
SIL, 1988), todas as cavidades naturais subterrâne- mas garantida – independentemente de suas loca-
as são bens da União (Art. 20, inciso X), portanto, lizações, morfologias e/ou atributos. Desta forma,
de uso comum do povo. Tais bens podem ser ca- várias empresas de mineração que se instalaram
racterizados como locais abertos à utilização públi- após sua edição, por ocasião do licenciamento am-
ca, a comunidade ou ao uso coletivo. No entender biental se viram obrigadas a parar suas atividades
da autora, caso a caverna possua sítios arqueológi- por estarem em áreas de ocorrência de cavernas.
cos e/ou paleontológicos em seus limites, por pre- A Resolução do Conselho Nacional do Meio
ceito constitucional do art. 216, V, ela faz parte do Ambiente (CONAMA) nº 347 (BRASIL, CONAMA,
Patrimônio Cultural Brasileiro, devendo receber pro- 2004) de 10 de setembro de 2004 trouxe ao deba-
teção especíica. te um novo tema ao estabelecer, em seu Inciso II,
O Patrimônio Espeleológico brasileiro é com- Art. 2º, o conceito de “cavidade natural subterrâ-
posto, na sua maioria, por cavernas de calcário. Con- nea relevante, para ins de anuência pelo IBAMA
tudo, também existem cavernas em outros tipos de no processo de licenciamento”. Onde se enqua-
litologia, tais como arenito, micaxisto, granito e fer- drava neste contexto “aquela que apresente atri-
ro. Sabemos que no Brasil, o conlito existente nas butos ecológicos, ambientais, cênicos, cientíicos,
atividades minerárias em região de ocorrências de culturais ou sócio-econômicos no contexto local
cavernas é delicado e complexo, pois envolve o di- ou regional em razão, entre outras, das seguintes
lema “Preservação Ambiental x Desenvolvimento características:
Socioeconômico”. a) dimensão, morfologia ou valores paisagísticos;
Ao longo dos anos, a crescente perda do
b) peculiaridades geológicas, geomorfológicas

15 4 7 H IS TÓR ICO E CONT E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

ou mineralógicas; pelo Dec. 99.556/90 (Art. 3º), regulamentado pela


c) vestígios arqueológicos ou paleontológicos; Port. IBAMA/887/90 (Art. 4º). Sendo que a licença
ambiental para esses casos, só pode ser emitida
d) recursos hídricos signiicativos;
ou renovada mediante a garantia de que a integri-
e) ecossistemas frágeis; espécies endêmicas, ra- dade física das cavernas afetadas e a manutenção
ras ou ameaçadas de extinção; de seus respectivos equilíbrios ecológicos sejam
f) diversidade biológica; ou asseguradas.
g) relevância histórico-cultural ou socioeconô- No entanto, mesmo diante de estudos sui-
mica na região.” cientes e adequados o IBAMA não poderia anuir
as licenças ambientais de empreendimentos que
Essa Resolução trouxe alguns avanços como
envolvessem a supressão de cavernas, pois a legis-
o incentivo ao conhecimento e a regulamentação
lação especíica sobre o Patrimônio Espeleológico
do uso do Patrimônio Espeleológico. No entanto,
brasileiro não permitia esta ação.
não resolveu o problema das atividades de mine-
Nesse contexto, a exigência de EIA/RIMA para
ração relacionadas às cavernas, pois o Decreto nº
atender ao licenciamento de atividades minerá-
99.556 não fazia menção à relevância desse patrimô-
rias em áreas de cavernas não resolvia a situação,
nio ou à seus atributos, o que não permitiu a apli-
apenas a postergava. Pois, mesmo com estudos
cação integral da Resolução CONAMA nº347/004.
informando que determinada caverna não era re-
Em virtude da impossibilidade jurídica de apli-
levante, sua supressão não era legalmente aceita,
cação integral, a principal intenção da Resolução
assim como a promoção de qualquer forma de im-
não foi atendida, além do texto ser considerado
pacto em sua área de inluência.
confuso, pois não estabelece qual o tratamento dis-
O licenciamento ambiental de hidrelétricas e
pensado às cavernas pouco relevantes, que não pre-
da atividade minerária no Brasil, em especial de
cisariam da anuência do IBAMA, e nem mesmo se
calcário e ferro (litologias altamente propícias à for-
as cavernas relevantes teriam uma abordagem es-
mação de cavernas), com necessidade de supres-
pecial quando do licenciamento da atividade lesiva.
são, caminhava para uma situação extremamente
Em consonância com o Decreto nº 99.556 ori-
delicada. A legislação, por si só, não foi suiciente
ginal, a Resolução nº 347/2004 também deine as
para garantir a proteção do Patrimônio Espeleoló-
competências para licenciamento de atividades po-
gico. Vários alagamentos e supressões de cavernas
tencialmente poluidoras ou degradadoras do Patri-
foram realizados por empreendimentos a revelia da
mônio Espeleológico, ao estabelecer, em seu Art.
legislação ambiental.
4º: “A localização, construção, instalação, ampliação,
Esta situação realça o conlito de interesses exis-
modiicação e operação de empreendimentos e ati-
tente entre a preservação de um ambiente frágil,
vidades, considerados efetiva ou potencialmente
importante e pouco estudado como o cavernícola,
poluidores ou degradadores do patrimônio espe-
e a necessidade nacional de um desenvolvimento
leológico ou de sua área de inluência dependerão
econômico e o atendimento de demandas consi-
de prévio licenciamento pelo órgão ambiental com-
deradas sociais.
petente, nos termos da legislação vigente.”
Um modo de se resolver esta situação seria ade-
Desde 1990, é público que existe a obrigato-
quar a legislação especíica de cavernas à realidade
riedade de licenciamento ambiental, com elabora-
econômica, condicionando os empreendimen-
ção de EIA/RIMA (Estudos de Impacto Ambiental/
tos, efetiva ou potencialmente lesivos às cavernas,
Relatório de Impacto Ambiental), para efetivação
ao licenciamento regularmente praticado no país,
de atividades e empreendimentos potencialmen-
sob rigor técnico-cientíico, mas com possibilida-
te lesivos às cavernas brasileiras, conforme exigido
des de mitigação de danos ou compensação para

7 H IS TÓR ICO E CON T E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL 15 5


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

aqueles não mitigáveis. Em novembro de 2008 foi e conservação do patrimônio.


publicado o Decreto nº 6.640 dando nova redação A vasta extensão do território contribui para
aos arts. 1o, 2o, 3o, 4o e 5o e acrescentando os arts. um quadro de diiculdades no que concerne à pro-
5-A e 5-B ao Decreto no 99.556, de 1o de outubro teção do patrimônio espeleológico nacional. Visan-
de 1990, buscando conciliar os interesses entre as do melhorar este quadro, o Governo Brasileiro, por
questões ambientais e econômicas. Maiores deta- meio do IBAMA, criou o CECAV - Centro Nacional
lhes sobre este Decreto, suas implicações, avanços de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (IBAMA,
e retrocessos que representa, serão discutidos no 1997), que desde sua criação participa ativamente
item 8 Legislação Ambiental Aplicada. na elaboração de normas e regulação de uso, além
A legislação ambiental de proteção às caver- de atuar de maneira indireta na deinição de políti-
nas brasileiras é bastante ampla e encontra-se re- cas públicas voltadas à proteção aos sistemas cárs-
lacionada na Tabela 7.1 (Anexo I). ticos brasileiros.
Em tramitação no Congresso Nacional, exis- Como órgão regulador, tem mostrado o quão
tem dois Projetos de Lei, o nº 5071/1990, apresen- difícil é o conhecimento e a conseqüente prote-
tado pelo ex-Deputado Fábio Feldman, que em ção deste vasto patrimônio. Apesar dos limitados
consonância com o Decreto nº 99.556/90, prevê recursos inanceiros e humanos, alguns passos fo-
punição para o uso parcial ou total de cavidades ram dados na criação de condições de uso atual,
naturais subterrâneas, com pena de detenção de conservação, risco e perspectivas para as cavernas
6 meses a 3 anos. E o n° 2.832/2003, elaborado pelo e seus ambientes.
ex-Deputado Hamilton Casara, que, objetivando As estratégias utilizadas na proteção dizem res-
igualmente regular a proteção do patrimônio es- peito, ainda, a coibir desmatamentos não licencia-
peleológico brasileiro, prevê a análise da relevân- dos em áreas de inluência de cavernas, impedir que
cia de alguns atributos relacionados às cavernas e eluentes sanitários sejam carreados ou percolados
seus componentes, portanto, incluindo uma visão diante de usos incompatíveis, monitorar frentes de
mais atualizada da questão espeleológica no Brasil. lavras em áreas de ocorrência de cavernas, inibir as-
soreamentos provenientes de rejeitos (depósito de
7.2 Histórico das ações do Governo Fede-
ral na gestão do Patrimônio Espeleológico estéril minerário), iscalizar a intervenção turística
brasileiro e o papel atual do CECAV com a em cavernas e controlar e orientar empreendedo-
criação do Instituto Chico Mendes de Con- res para deinição de linhas de manejo espeleoló-
servação da Biodiversidade (ICMBio)
gico. Tal conduta cabe não só ao Governo Federal,
7.2.1 Histórico das ações do Governo Fede- mas também aos estados e municípios.
ral na gestão do Patrimônio Espeleológico Com a criação de Unidades de Conservação
brasileiro (Federais, Estaduais e Municipais) que incluem cavi-
As leis, resoluções, portarias e decretos, relaciona- dades naturais subterrâneas em seus limites, foi cria-
dos no item anterior, pertencem ao arcabouço do mais um mecanismo de proteção para garantir
jurídico criado visando à proteção e conservação um tratamento diferenciado a cavernas, conferin-
do Patrimônio Espeleológico brasileiro. Essa am- do-lhes um maior status na conservação e manejo.
pla legislação foi fruto de discussões iniciadas na Como exemplo, no âmbito federal, podemos citar
década de 1980 e representam ações concretas a criação de unidades de conservação com obje-
do Governo Federal para gestão deste patrimô- tivo focado no patrimônio espeleológico, como o
nio. Vale salientar que as discussões sempre en- Parque Nacional Cavernas de Peruaçu/MG que é
volveram um embate entre o setor econômico, possuidor de cavidades e sítios arqueológicos de
interessado em utilizar os recursos naturais e o considerável valor. Como iniciativa municipal e esta-
setor ambiental, preocupado com a preservação dual citam-se, respectivamente, a criação do Parque

15 6 7 H IS TÓR ICO E CONT E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Municipal Lagoa Azul localizado em Bonito/MS e o nova formatação, sendo que os mesmos estão di-
Parque Estadual Cavernas de Botuverá/SC. vididos em dois grandes grupos – Centros com ex-
Iniciativas pontuais também têm contribuí- pertise técnico-cientíica em grupos taxonômicos
do para a proteção do patrimônio espeleológico. e Centros com expertise técnico-cientíica em bio-
Exemplo disto é o estudo conjunto entre o Servi- mas, ecossistemas ou manejo sustentado dos recur-
ço Geológico do Brasil (CPRM) e IBAMA realizado sos naturais, dentre os quais se encontra o CECAV,
na Área de Proteção Ambiental (APA) Carste Lagoa hoje denominado Centro Nacional de Pesquisa e
Santa/MG, cujo principal objetivo foi o zoneamento Conservação de Cavernas. Diante das atuais com-
espeleológico da área pertencente a APA. A partir petências delegadas aos Centros de Pesquisa, al-
deste trabalho (CPRM/IBAMA, 1998) foi possível es- gumas atribuições anteriormente desenvolvidas no
tabelecer diretrizes concretas para a proteção dos âmbito do IBAMA não foram recepcionadas pela
ambientes cársticos da APA. Ainda neste trabalho referida Portaria, principalmente àquelas relacio-
houve menção a palavra “relevância”, ou seja, em nadas ao licenciamento ambiental.
1998, ano em que foi elaborado, podemos detectar A Portaria estabeleceu o CECAV como um cen-
já uma tendência em separar sítios espeleológicos tro de pesquisa, tornando-se dessa forma uma uni-
de diferentes graus de importância. A deinição da dade descentralizada do Instituto ao qual compete
relevância das cavidades foi baseada em parâme- produzir, por meio da pesquisa cientíica, do orde-
tros ixos, aplicados através de valoração numérica. namento e da análise técnica de dados, o conhe-
Outro trabalho que merece destaque entre cimento necessário à conservação do Patrimônio
as ações do Governo Federal é o Relatório do Mi- Espeleológico e da biodiversidade a ele associada.
nistério de Minas e Energia (MME), “Relevância de Além dessas atribuições, outra inalidade é a exe-
Cavidades Naturais Subterrâneas – Contextualiza- cução de ações de manejo para a conservação e
ção, impactos ambientais e aspectos jurídicos” de uso dos recursos naturais nas unidades de conser-
autoria do consultor Augusto Auler (2006) onde o vação federais de uso sustentável. Os centros po-
mesmo estabelece ampla discussão sobre o tema, derão dispor de Bases Avançadas para sua atuação,
realizando um histórico da evolução da legislação, que contarão necessariamente com patrimônio,
uma abordagem sobre os impactos da atividade quadro de servidores do Instituto e responsáveis
minerária sobre o patrimônio espeleológico e ela- devidamente designados. Bases Avançadas são
bora um apanhado de propostas existentes sobre unidades físicas do Instituto Chico Mendes, man-
as metodologias de classiicação dos graus de re- tidas com estrutura própria ou formalmente cedi-
levância de cavernas. da, localizada em sítio estratégico para execução de
ações de pesquisa e conservação afetas aos CPCs.
7.2.2 Papel atual do CECAV com a criação
do Instituto Chico Mendes de Conservação Por meio da Portaria Ministerial Nº 358, de 30
da Biodiversidade de setembro 2009 (MMA, 2009), instituiu-se o Pro-
Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conser- grama Nacional de Conservação do Patrimônio Es-
vação da Biodiversidade (Lei nº. 11.516 de 28/08/2007) peleológico e foram estabelecidas diretrizes para
(BRASIL, 2007a) e a deinição de suas inalidades e melhor execução das políticas públicas ambientais
ações (Decreto nº. 6.100 de 26/04/2007) (BRASIL através do estabelecimento de critérios e normas
2007b), alguns Centros Especializados do IBAMA que permitam a utilização sustentável das cavida-
foram incorporados à estrutura organizacional do des, por meio do manejo espeleológico, gerencia-
Instituto Chico Mendes, conforme Portaria nº 78, mento e o monitoramento de outras atividades.
de 03/09/2009 (INSTITUTO CHICO MENDES, 2009), O programa tem por objetivo desenvolver uma
que cria os Centros Nacionais de Pesquisa e Conser- estratégia nacional de conservação e uso susten-
vação (CPC). Essa Portaria atribui aos Centros uma tável das cavernas brasileiras, por meio de ações,

7 H IS TÓR ICO E CON T E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL 15 7


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

como a criação de 30 unidades de conservação fe- áreas de inluência (Art. 2º) e para áreas de ocor-
derais, a realização de um Inventário Anual do Pa- rências de cavernas ou áreas de potencial espele-
trimônio Espeleológico Nacional, a elaboração de ológico (Art. 3º). Entretanto, em 07 de novembro
Planos de Ação para o Patrimônio Espeleológico, de 2008 foi editado o Decreto nº 6.640 que alte-
o diagnóstico das unidades espeleológicas do Bra- rou de maneira signiicativa o quadro de proteção
sil, além do lançamento da Revista Brasileira de Es- do Patrimônio Espeleológico brasileiro, reduzindo
peleologia, entre outras. drasticamente o status protecionista já existente.
A evolução das políticas públicas, aliada a legis- Os autores destacam os seguintes pontos polêmi-
lação em vigor, através de novas estratégias e ins- cos que o Decreto nº 6.640/08 apresenta, e que o
trumentos de gestão tem representado um avanço distinguem da situação anterior:
signiicativo no ordenamento do uso e estabeleci- a) Desobriga a elaboração de EIA-RIMA, vinculan-
mento de prioridades no que tange ao diagnósti- do apenas os empreendimentos e atividades
co do Patrimônio Espeleológico nacional. potencialmente poluidores e degradadores
7.3 Contextualização do Decreto nº 6640 e do Patrimônio Espeleológico ao licenciamen-
suas implicações na conservação do Pa- to ambiental (Art. 5º, a);
trimônio Espeleológico: as principais di-
ferenças em relação à legislação anterior, b) As cavernas de alta, média e baixa relevância
anuência nos processos de licenciamento poderão ser objetos de impactos negativos
(Resolução CONAMA nº 347/2004) e a com- irreversíveis, sendo que as cavernas conside-
pensação ambiental. radas de “baixa relevância” poderão ser des-
7.3.1 Contextualização do Decreto nº 6640 e truídas sem qualquer tipo de compensação
suas implicações na conservação do Patri- patrimonial ou mesmo ambiental (art. 4º, § 5);
mônio Espeleológico: as principais diferen-
ças com relação à legislação anterior c) Conirma a posição do CECAV de que todas as
Uma das características marcantes do Decreto nº cavernas são relevantes.
99.556, em sua versão original, era o seu caráter es- A respeito do item b, vale frisar que segundo o
tritamente conservacionista, quando em seu artigo § 4, Art. 5º-A, mediante impactos negativos irrever-
1º deinia que “As cavidades naturais subterrâneas síveis em cavidade natural subterrânea, o empre-
existentes no território nacional brasileiro consti- endimento deverá ser submetido à legislação que
tuem Patrimônio Cultural brasileiro, e, como tal, se- regulamenta a Compensação Ambiental, contido
rão preservadas e conservadas de modo a permitir no Art. 36 da Lei Nº 9.985 de 18 Julho de 2000 que
estudos e pesquisas de ordem técnico-cientíica, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conser-
bem como atividades de cunho espeleológico, ét- vação, regulamentado pelo Decreto nº 4.340, de 22
nico-cultural, turístico, recreativo e educativo”. Se- de agosto 2002 e alterado pelos Decreto nº5.566 de
gundo a bacharel em direito Keila Maria Resende 26/10/05 e Decreto nº 6.848 de 14/05/10 (mais deta-
(Resende, 2005) havia uma incongruência legal en- lhes a respeito no item: Compensação Ambiental).
tre o Art. 1º do Decreto e o Art. 216 da Constituição Em janeiro de 2009, foi ajuizada no Supre-
Federal que trata do Patrimônio Cultural brasileiro, mo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de In-
mas não inclui as cavidades naturais subterrâneas. constitucionalidade (ADI 4218) contra o Decreto nº
Portanto, o Decreto estaria contrariando a Consti- 6.640/2008. A ação foi proposta pelo procurador-
tuição Federal. geral da República, Antonio Fernando Souza, que
Segundo Marchesan et al o Decreto nº acolheu representação da Associação do Ministé-
99.556/90 propôs um regime jurídico próprio para rio Público do Meio Ambiente (Abrampa), encami-
a proteção das cavidades naturais subterrâneas exis- nhada pela Sociedade Brasileira de Espeleologia
tentes no território nacional (Art. 1º), para as suas (SBE). Segundo Fernando Souza, os critérios de

15 8 7 H IS TÓR ICO E CONT E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

utilização de cavernas somente podem ser ixados do grau de relevância de cavidades naturais sub-
por lei, e não por meio de um decreto, conforme terrâneas.” Além desta oicina, foram realizadas sete
o parágrafo 3º do inciso III da CF. Outro dispositi- entrevistas direcionadas para o levantamento de in-
vo constitucional violado seria o inciso IV do arti- formações e detalhamento das propostas. O CECAV
go 84, que veda a edição autônoma de decretos. realizou ainda quatro reuniões temáticas (aspectos
O decreto contestado alterou a redação dos arti- bióticos, abióticos, jurídicos e sócio-econômicos)
gos do Decreto 99.556/1990 e modiicou disposi- com especialistas para resolução de dúvidas e con-
tivos que determinavam a edição de lei especíica solidação inal do documento. Após este processo
para regulamentar a exploração de cavernas. Fer- de construção conjunta, ocorreu em 17 de março
nando Souza reitera que as novas regras subver- de 2009 uma reunião inal com a apresentação e
tem o modelo constitucional e alteram o regime avaliação da proposta metodológica. O resultado
jurídico de preservação das cavernas. Ele pede que deste trabalho foi então apresentado ao MMA, al-
sejam cassados os artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 5º-A e seus terado e convertido na Instrução Normativa nº 2,
parágrafos (do decreto de 1990), na nova redação de 21 de agosto de 2009, contendo as seguintes
dada pelo Decreto 6.640/2008 (site STF). Até o pre- características:
sente momento, a ADI 4218 ainda não foi julgada . Propõe um método de classificação não
pelo STF não existindo, portanto, previsão para o matemático;
desenlace da situação.
. Deine claramente todos os termos técnicos
Independente da movimentação de sustação
utilizados (anexo I e II da IN nº 02);
do Decreto nº 6.640/08, o CECAV foi incumbido de
. Deine o enfoque local e regional;
coordenar a elaboração de uma metodologia con-
forme dita o Art. 5º: “A metodologia para a classii- . Prevê um período de dois anos para aplicação
cação do grau de relevância das cavidades naturais e revisão do ato normativo;
subterrâneas, considerando o disposto no art. 2º, . Exige um estudo aprofundado da caverna por
será estabelecida em ato normativo do Ministro de
equipe multidisciplinar;
Estado do Meio Ambiente, ouvidos o Instituto Chi-
. Reforça a exigência no Decreto de que as ca-
co Mendes, o Instituto Brasileiro do Meio Ambien-
vidades testemunhos devem possuir atribu-
te e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e
tos similares àquelas suprimidas e devem ser
demais setores governamentais afetos ao tema, no
mantidas em caráter permanente, intactas e
prazo de sessenta dias, contados da data de publi-
protegidas;
cação deste Decreto.”
Para execução de tal tarefa, foram convidados . Cria um comitê consultivo que será coordenado
cinqüenta e dois proissionais e pesquisadores per- pelo Instituto Chico Mendes para ins de acom-
tencentes a quinze instituições, entre elas Ministé- panhamento e avaliação do ato normativo.
rio do Meio Ambiente (MMA), Ministério das Minas
e Energia (MME), Departamento Nacional de Pro- 7.3.2. Anuência nos processos
dução Mineral (DNPM), Serviço Geológico do Brasil de Licenciamento
(CPRM), Instituto do Patrimônio Histórico Nacional É de suma importância esclarecer o papel e as
(IPHAN), Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), atribuições dos órgãos ambientais competentes
Instituto Carste, Fundação Nacional do Índio (FU- (OEMAs e IBAMA) que realizam o licenciamento
NAI), Universidades, entre outras. Nos dias 26 e 27 ambiental de empreendimentos e atividades con-
de janeiro de 2009, foi realizada uma oicina técni- sideradas lesivas às cavidades naturais subterrâne-
co-participativa quando estes proissionais reuni- as, bem como de sua área de inluência.
ram-se em Brasília para iniciarem uma discussão a A Resolução CONAMA nº 347/2004 estabelece
respeito do tema “metodologia para classiicação no art. 4º que a localização, construção, instalação,

7 H IS TÓR ICO E CON T E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL 159


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

ampliação, modiicação e operação de empreen- CONAMA nº 347/2004). Não obstante, de acordo


dimentos e atividades, considerados efetiva ou com o Decreto nº 6.640/2008, que altera o Decre-
potencialmente poluidores ou degradadores do Pa- to nº 99.556/90, também compete ao órgão am-
trimônio Espeleológico ou de sua área de inluência biental responsável pelo licenciamento ambiental
dependerão de prévio licenciamento pelo órgão classiicar o grau de relevância da cavidade natu-
ambiental competente, nos termos da legislação ral subterrânea, observando os critérios estabele-
vigente. Estabelece ainda que as autorizações ou cidos pelo Ministério do Meio Ambiente através
licenças ambientais, na hipótese de cavidade na- da IN nº 02/2009.
tural subterrânea relevante ou de sua área de in- Por meio do Parecer nº 116/2010/PFE-ICMBIO/
luência, na forma do art. 2º inciso II, dependerão GAB, de 16 de março de 2010, a Procuradoria Fede-
no processo de licenciamento, de anuência prévia ral Especializada junto ao Instituto Chico Mendes,
do IBAMA (art. 4º, § 1º). ao revisitar a questão sobre a competência do Ins-
Considerando as competências e atribuições tituto para conceder ou não a anuência nos pro-
do ICMBIO, principalmente as ações evidenciadas cessos de licenciamento mencionados no art. 4º,
para os Centros de Pesquisas na Portaria nº 078 e § 1º, da Resolução CONAMA n.º 347/2004 analisa a
buscando compreender o papel do CECAV nos pro- questão de forma diferente da posição anterior e
cessos de licenciamento ambiental citados na Re- aprofunda a análise acerca das inalidades institu-
solução nº 347/2004, foram solicitadas orientações cionais do Instituto Chico Mendes, conforme sua
à Procuradoria Federal Especializada junto ao Insti- lei de criação. Dentre os itens do Art. 1º do Decre-
tuto Chico Mendes sobre a deinição do ente res- to nº 11.516/2007, o único que não se refere a ações
ponsável para conferir a referida anuência. em Unidades de Conservação é o item III que traz
Por meio do Parecer nº 0224/2009/2009 – AGU/ o seguinte texto: “fomentar e executar programas
PGF/PFE–SEDE/PFE/COEP a Procuradora Federal de pesquisa, preservação e conservação da biodi-
Alice Serpa Braga entende que se deve proceder versidade e de educação ambiental”. E o referido
à adequação da leitura do art. 4º, § 1º da Resolu- Procurador salienta que “Nesse sentido, a atribui-
ção CONAMA nº 347/2004, que não foi revogado, ção legal do Instituto Chico Mendes para fomen-
para, ante a alteração da Lei nº 11.516/2007, ler-se tar e executar referidos programas nunca poderá
Instituto Chico Mendes onde está escrito IBAMA e, representar atividades de licenciamento ambien-
portanto, cabe ao Instituto Chico Mendes conce- tal, controle da qualidade ambiental, autorização
der ou não a anuência nos processos de licencia- de uso dos recursos naturais e iscalização, moni-
mento mencionados pelo dispositivo. toramento e controle ambiental fora das unidades
De acordo com o Despacho nº 169/2009/PFE/ de conservação, sob pena de adentrar as raias da
ICMBio/GAB, de 09/07/2009, a Procuradoria Fede- competência do IBAMA e negar vigência a Lei nº
ral Especializada esclarece que, com base no art. 5º 7.735/1989 (Lei de Criação do IBAMA). Dessa forma,
da Resolução CONAMA nº 347/2004, compete ao conclui que não compete ao Instituto Chico Men-
órgão licenciador analisar os estudos necessários des a concessão da anuência prevista na Resolução
ao processo de licenciamento, inclusive os espele- CONAMA n.º 347/2004, posicionamento acatado
ológicos, e submeter o resultado da análise (p.ex. pela Presidência do Instituto, em 22 de março de
o parecer técnico) ao Instituto Chico Mendes para 2010. Contudo, o Artigo 8° da Resolução CONAMA
ins de anuência, ou seja, para a aprovação ou não n° 428, de 17 de dezembro de 2010, revoga o inciso
da conclusão à qual chegou o órgão licenciador. II, do art. 2º e o §1º do art. 4º da Resolução Cona-
Tal entendimento ressalta as regras estabelecidas ma nº 347/2004, excluindo do ordenamento jurídi-
na legislação brasileira que versa sobre o Patrimô- co a deinição de cavidade natural relevante para
nio Espeleológico nacional, visto que compete ao ins de anuência do IBAMA e a própria anuência.
órgão licenciador analisar e avaliar os impactos de A respeito do licenciamento de empreendi-
atividades e/ou empreendimentos em licencia- mentos turísticos envolvendo cavernas, o Pare-
mento ambiental de sua competência (Resolução cer nº 185/2009/PFE-ICMBIO/GAB segue a mesma

160 7 H IS TÓR ICO E CONT E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

linha do Parecer nº 116/2010, fazendo alusão ao Art. das rotas armazenadas em GPS;
6º da Resolução CONAMA nº 347/2004, esclarece ii. Caso ocorram cavidades nessas áreas, identi-
que pertence à seara de competência administra- icar suas características básicas, descrevendo:
tiva do IBAMA a aprovação do Plano de Manejo
• Coordenadas geográicas das cavidades exis-
em referência.
tentes obtidas com equipamento de GPS, em
Algumas situações merecem algumas
coordenadas geográicas, graus decimais, da-
considerações:
tum WGS 84 e a partir da captura de sinais
a. Documentos de solicitação de assentimen- advindos de um mínimo de 4 unidades bem
to para a realização de pesquisa mineral: distribuídas na constelação dos satélites, no
A pesquisa mineral compreende um conjun- ponto onde localizam-se as bases topográi-
to de atividades que, dependendo de suas cas “zero” referentes ás entradas da cavidade.
características, são consideradas efetiva ou po- • Denominação local;
tencialmente poluidoras ou degradadoras de
• Município, nome da fazenda ou da região em
cavidades naturais subterrâneas. São exemplos
que se insere;
a realização de sondagens, escavações (trin-
cheiras) e beneiciamentos que envolvam o • Dados de identiicação do proprietário da
uso de quantidades signiicativas da substân- área onde a caverna está inserida;
cia mineral pesquisada (rocha onde porventu- • Altitude;
ra ocorrem cavidades naturais subterrâneas). • Topograia básica da cavidade;
Ainda assim, nos casos em que tais solicita-
• Projeção horizontal da caverna, em super-
ções não estejam autuadas em processos de
fície, acrescida de um entorno de duzentos
licenciamento ambiental, a legislação supra-
e cinqüenta metros, em forma de poligonal
citada obriga ao licenciamento não apenas
convexa;
os empreendimentos, mas também as ativi-
dades potencialmente poluidoras ou degra- • Descrição das entradas e formas de acessos;
dadoras de cavidades naturais subterrâneas. • Registro fotográico.
Portanto, os documentos de solicitação de-
iii. Como produto desse levantamento, apre-
vem ser encaminhados pelo empreendedor
sentar Mapa de Situação do empreendimento,
ao órgão ambiental competente pelo licen-
em escala de detalhe, que permita a visualiza-
ciamento (OEMA, IBAMA) para adequação, ou
ção das seguintes informações:
seja, para que se proceda a análise e a avalia-
ção do grau dos impactos ao Patrimônio Es- • Topograia detalhada da área do empreendi-
peleológico afetado, com base no art. 5º da mento com indicação das curvas de nível;
Resolução CONAMA nº 347/2004. Neste caso, • Caminhamentos percorridos;
orienta-se que: • Feições geológicas e geomorfológicas (cárs-
i. Seja realizada prospecção exocárstica em ticas e/ou pseudo-cársticas) como dolinas, su-
toda a extensão da área afetada pelo empre- midouros, ressurgências;
endimento, para avaliar a ocorrência ou não • Vias de acesso e os corpos d’água.
de cavidades. Os caminhamentos realizados
b. Elaboração de Termo de Referência para le-
para a prospecção devem contemplar todas
vantamentos do Patrimônio Espeleológico:
as feições geomorfológicas típicas associadas
às cavernas (geomorfologia cárstica), além de Diante dos objetivos institucionais definidos na
serem registrados e comprovados por meio Portaria nº , não compete ao CECAV elaborar

7 H IS TÓR ICO E CON T E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL 161


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termos de referência a serem seguidos pelos ór- etapas envolvidas neste tipo de licenciamento am-
gãos de meio ambiente responsáveis pelo pro- biental, o Anexo II apresenta as principais atribui-
cesso de licenciamento ambiental. Não obstante, ções dos órgãos de licenciamento e do Instituto
o CECAV disponibiliza em sua página eletrônica Chico Mendes no processo e no anexo III é apre-
Orientações Básicas a Realização de Estudos sentada uma proposta de luxograma envolvendo
Espeleológicos e Orientações Básicas para a os procedimentos discutidos.
Elaboração de Plano de Manejo Espeleológi-
7.3.3 Compensação Ambiental referente ao
co ,as quais podem ser utilizadas por qualquer Patrimônio Ambiental
instituição na confecção de termo de referência A Compensação Ambiental é um mecanismo inan-
para estudos ambientais de empreendimentos ceiro de compensação pelos efeitos de impactos
licenciados pela mesma. não mitigáveis ocorridos quando da implantação
c. Necessidade de apresentar Levantamento de empreendimentos, e identiicados no proces-
do Patrimônio Espeleológico da área afetada so de licenciamento ambiental.
pela implantação de linhas de transmissão, No caso do Decreto Nº 6.640, de 7 de Novem-
empreendimentos hidrelétricos, mineração, bro de 2008, as cavidades naturais subterrâneas
rodovias, entre outros: classiicadas com grau de relevância alto, médio
ou baixo poderão ser objeto de impactos negati-
As cavidades constantes na base de dados do
vos irreversíveis, mediante licenciamento ambiental.
CECAV representam apenas uma pequena por-
No Artigo 4º do referido Decreto foram es-
ção de todo o universo de cavernas existentes
tabelecidas as possíveis formas de compensação
no território brasileiro que até o momento fo-
ambiental para empreendimento que ocasione im-
ram prospectadas por pessoas físicas, grupos
pacto negativo irreversível:
de espeleologia ou instituições, cujos dados
foram publicados em diversos meios de divul- 1. Para cada cavidade natural subterrânea com
gação e, depois, sistematizados, georreferen- grau de relevância alto:
ciados e analisados por este Centro. Portanto, • O empreendedor deverá adotar medidas e
orientamos que seja realizada prospecção exo- ações para assegurar a preservação, em cará-
cárstica em toda a extensão da área afetada ter permanente, de DUAS CAVIDADES naturais
pelo empreendimento para avaliar a ocorrên- subterrâneas, com o mesmo grau de relevância,
cia ou não de cavidades. Os caminhamentos de mesma litologia e com atributos similares
realizados para a prospecção devem contem- à que sofreu o impacto, que serão considera-
plar todas as feições geomorfológicas típicas das CAVIDADES TESTEMUNHO (Parágrafo 1º).
associadas às cavernas (geomorfologia cársti- • A preservação dessas cavidades deverá, sem-
ca), além de serem registrados e comprovados pre que possível, ser efetivada em área contí-
por meio das rotas armazenadas em GPS. Po- nua e no mesmo grupo geológico da cavidade
rém, compete ao órgão ambiental responsá- que sofreu o impacto (Parágrafo 2º).
vel pelo licenciamento (OEMA, IBAMA) analisar
• Não havendo, na área do empreendimento,
e avaliar os estudos espeleológicos no âmbi-
outras cavidades representativas que possam
to do licenciamento, inclusive o grau dos im-
ser preservadas sob a forma de cavidades tes-
pactos ao Patrimônio Espeleológico afetado,
temunho, o Instituto Chico Mendes poderá de-
com base no art. 5º da Resolução CONAMA nº
inir, de comum acordo com o empreendedor,
347/2004, e, portanto, considerar a prospecção
outras formas de compensação (Parágrafo 3º).
exocárstica realizada satisfatória ou não.
Obs.: As cavidades testemunhos são de rele-
Visando contribuir para o entendimento das
vância máxima, o que as tornam preservadas

162 7 H IS TÓR ICO E CONT E X T UALIZAÇ ÃO LE GAL


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

deinitivamente (em caráter permanente). IBAMA. CECAV. Legislação espeleológica. Disponí-


2. Para cada cavidade natural subterrânea com vel em: <http://www.ibama.gov.br/cecav/index.
grau de relevância médio: php?id_menu=159>.

• O empreendedor deverá adotar medidas e BRASIL. Decreto Lei nº. 99.556, de 01 de outubro de
inanciar ações, nos termos deinidos pelo ór- 1990. Dispõe sobre a proteção das cavidades natu-
gão ambiental competente, que contribuam rais subterrâneas existentes no território nacional, e
para a conservação e o uso adequado do Patri- dá outras providências. In: INSTITUTO BRASILEIRO
mônio Espeleológico brasileiro, especialmente DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS
das cavidades naturais subterrâneas com grau RENOVÁVEIS (IBAMA). Centro Nacional de Estudo,
de relevância máximo e alto (Parágrafo 4º). Proteção e Manejo de Cavernas (CECAV). Legislação
espeleológica. Disponível em: <http://www.ibama.
3. Para cada cavidade natural subterrânea com
gov.br/cecav /index.php?id_menu=159>
grau de relevância baixo:
BRASIL. Lei nº 11.516 de 28 de agosto de 2007. Dis-
• O empreendedor não estará obrigado a ado-
põe sobre a criação do Instituto Chico Mendes de
tar medidas e ações para assegurar a preserva-
Conservação da Biodiversidade. In: http://www.pla-
ção de outras cavidades naturais subterrâneas
nalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2007/ Lei/L11516.
(Parágrafo 5º).
htm.
Neste caso, vale salientar que o empreende-
BRASIL. Decreto nº. 6.100 de 26 de abril de 2007.
dor terá de seguir a legislação que regulamen-
Aprova a estrutura regimental e o Quadro Demons-
ta a Compensação Ambiental, contido no Art. 36
trativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gra-
da Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000 que insti-
tiicadas do Instituto Chico Mendes de Conservação
tui o Sistema Nacional de Unidades de Conser-
da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, e dá
vação, regulamentado pelo Decreto nº 4.340, de
outras providências. In: http://www.planalto.gov.
22 de agosto 2002 e alterado pelos Decretos nº
br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6100.htm
5.566 de 26/10/05 e Decreto nº 6.848 de 14/05/10.
CPRM/IBAMA. Patrimônio Espeleológico, Históri-
7.4 Referências Bibliográicas co e Cultural, APA Carste de Lagoa Santa, Volume
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AULER, Augusto. Histórico da espeleologia brasi-
te/Zoneamento%20Ambiental%20Apa%20Cars-
leira: o Brasil colonial e a época dos naturalistas.
te%20Lagoa%20Santa.pdf
Belo Horizonte: Grupo Bambuí, 2004. Disponível
em: <http://www.redespeleo.org.br> CRUZ, Jocy Brandão. Levantamento Espeleológi-
co: prospecção, identiicação e caracterização de
AULER, Augusto; ZOGBI, Leda. Espeleologia: no-
cavidades naturais subterrâneas no lajedo do Ara-
ções básicas. Redespeleo Brasil, São Paulo. 2005.
puá, Felipe Guerra/RN, tendo como suporte as ge-
BRAIDWOOD, R. J. Homens pré-históricos. Editora
otecnologias. 122 f. Monograia (Bacharelado em
Universidade de Brasília. Brasília. 1975.
Geograia) – Departamento de Geograia, Univer-
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FONSECA, Keila Maria Resende. Cavidades Natu-
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rais Subterrâneas: Patrimônio Cultural Brasileiro.
BRASIL. CONAMA. Resolução CONAMA. nº. Informativo SBE, 2005, p. 24-27.
347, de 10 de setembro de 2004. Dispõe so-
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA
bre a proteção do Patrimônio Espeleológico. In:
BIODIVERSIDADE. Portaria nº 78 de 03 de setembro

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de 2009. Criar os Centros Nacionais de Pesquisa e


Conservação. In: http://www.icmbio.gov.br/cecav/
index.php?id_menu=159
ICMBio: http://www.icmbio.gov.br/cpb/index.
php?id_menu=24&id_arq=124
LINO, C.F.. Cavernas. O fascinante Brasil subterrâ-
neo. Ed. Gaya. São Paulo. 2001.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira; RODRIGUES, José
Eduardo Ramos; MIRANDA, Marcos Paulo de Sou-
za; CUREAU, Sandra; SOUZA, Zani Cajueiro Tobias
de Souza, Inconstitucionalidades do Decreto nº
6640/2008 que dispõe sobre o Patrimônio Espe-
leológico brasileiro, texto não publicado.
MARRA, Ricardo José Calembo. Cavernas: Patrimô-
nio Espeleológico Nacional. Edições IBAMA. Brasí-
lia. 2001.
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Portaria n0 358
de 30 de setembro de 2009. In: Cria o Plano Nacio-
nal de Conservação do Patrimônio Espeleológi-
co Brasileiro. In: http://www.icmbio.gov.br/cecav/
index.php?id_menu=159
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Instrução Nor-
mativa n0 02 de 20 de agosto de 2009. Institui a
metodologia de classiicação do grau de relevân-
cia de cavidades naturais subterrâneas. In: http://
www.icmbio.gov.br/cecav/index.php?id_menu=159
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL STF:http://www.stf.
jus.br/portal/cms/verNoticia Detalhe.asp?
Foram consultados documentos diversos do arqui-
vo interno do CECAV tais como memorandos, ofí-
cios, pareceres e notas técnicas para a elaboração
do presente texto.

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Tabela 7.1: Legislação brasileira sobre cavernas

Ano Legislação Tema/ Objetivo principal

1961 Lei nº 3.924 Dispõe sobre os Monumentos Arqueológicos e Pré-


Históricos.
1986 Resolução CONAMA nº 009 Cria Comissão Especial para assuntos relativos à
preservação do Patrimônio Espeleológico Nacional (PEN).
1987 Resolução CONAMA nº 005 Preservação do Patrimônio Espeleológico Nacional.

1988 Constituição Federal, Art. 20, Cavernas são Bens da União.


Inciso X
1990 Portaria IBAMA nº 887 Promoção de diagnóstico da situação do PEN, a
constituição de um Sistema Nacional de Informações
Espeleológicas, a limitação do uso das cavernas e a
obrigatoriedade de EIA para atividades potencialmente
lesivas as cavernas.
1990 Decreto Federal nº 99.556 Compete ao IBAMA preservar, conservar, fiscalizar e
controlar o uso do PEN brasileiro, bem como fomentar
levantamentos, estudos e pesquisas. Reafirma
obrigatoriedade do e dá garantias de conservação da
caverna e de sua área de influência.
1990 Portaria Ibama nº 887 Dispõe sobre o uso das Cavidades Subterrâneas, entre
outros.
1997 Resolução CONAMA nº 237 Regula o licenciamento ambiental.

1997 Portaria IBAMA 057 Criação do CECAV – Centro de Estudo, Conservação e


Manejo de Cavernas.
2001 Portaria nº 014 Interdita o uso turístico na Gruta de Ecos/Goiás

2001 Portaria nº 015 Disciplina o acesso e uso de cavernas turísticas na


Chapada Diamantina/BA.
2004 Resolução CONAMA nº Dispõe sobre a proteção do patrimônio espeleológico.
347/04
2006 Instrução Normativa nº 100 Regulamenta o mergulho em cavernas.

2008 Decreto Federal nº 6640 Dá nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º e acrescenta os
arts. 5-A e 5-B ao Decreto no 99.556, de 1º de outubro de
1990, que dispõe sobre a proteção das cavidades naturais
subterrâneas existentes no território nacional.
2009 Portaria MMA nº 358 Institui o Programa Nacional de Conservação do
Patrimônio Espeleológico.
2009 Instrução Normativa/MMA Regulamenta a classificação do grau de relevância das
n°02 cavidades naturais subterrâneas.

2009 Portaria do Instituto Chico Cria o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de


Mendes, nº 078 Cavernas – Cecav, desta vez com nova denominação e no
âmbito do Instituto Chico Mendes.

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ANEXO II

PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES DOS ÓRGÃOS AMBIENTAIS EM LICENCIAMENTOS


ENVOLVENDO CAVIDADES NATURAIS SUBTERRÂNEAS

1. Solicitar ao responsável pelo empreendimento ou atividade em processo de


licenciamento ambiental a elaboração, as suas expensas, dos estudos necessários
para a avaliação dos impactos ao patrimônio espeleológico afetado e para a
classificação do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas na área de
influência do empreendimento, de acordo com a metodologia estabelecida na
Instrução Normativa nº 2, de 20 de agosto de 2009. Para o levantamento
espeleológico da área de influência do empreendimento, o CECAV disponibiliza
em página eletrônica as Orientações Básicas a Realização de Estudos
Espeleológicos 1. Para os estudos, poderão ser utilizados dados e informações já
apresentadas em outros estudos ambientais no âmbito do licenciamento do
respectivo empreendimento ou atividade, desde que estes possibilitem definir o
grau de relevância das cavidades em estudo, conforme a Instrução Normativa nº 2
e a avaliação dos responsáveis técnicos dos estudos ambientais.
2. Solicitar esclarecimentos e complementações em decorrência da análise dos
documentos, projetos e estudos apresentados, quando couber.
3. Analisar e avaliar o grau dos impactos ao patrimônio espeleológico afetado, com
base no art. 5º da Resolução CONAMA nº 347/2004.
4. Analisar e classificar o grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas
porventura existentes na área do empreendimento e potencialmente afetadas
pelo mesmo, de acordo com a metodologia estabelecida na Instrução Normativa
ÓRGÃOS nº 2, de 20 de agosto de 2009, e prevista no Decreto nº 99.556, de 1º de outubro
LICENCIADORES de 1990, alterado pelo Decreto nº 6.640 de 7 de novembro de 2008.
(OEMAs, IBAMA) 5. Realizar audiência pública de acordo com a legislação, quando couber;

6. Definir, no caso de empreendimento que ocasione impacto negativo irreversível


em cavidade natural subterrânea com grau de relevância médio, medidas e ações,
a serem adotadas e financiadas pelo empreendedor, que contribuam para a
conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro,
especialmente das cavidades naturais subterrâneas com grau de relevância
máximo e alto.
7. Definir, no caso de empreendimento que ocasione impacto negativo irreversível
em cavidade natural subterrânea com grau de relevância baixo, a compensação
ambiental de que trata o art. 36 da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, deverá ser
prioritariamente destinada à criação e implementação de unidade de conservação
em área de interesse espeleológico, sempre que possível na região do
empreendimento.
8. Emitir parecer técnico conclusivo e, quando couber, parecer jurídico, com a
avaliação dos impactos ao patrimônio espeleológico afetado, a classificação do
grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas e as formas de
compensação, com base na análise dos estudos apresentados e observando os
critérios estabelecidos no art. 5º da Resolução CONAMA nº 347/2004, e na
Instrução Normativa MMA nº 2/2009.
9. Deferimento ou não das autorizações ou licenças ambientais requeridas.

10. No caso de empreendimento que ocasione impacto negativo irreversível em cavidade


natural subterrânea com grau de relevância alto, e não havendo, na área do
INSTITUTO CHICO empreendimento, outras cavidades representativas que possam ser preservadas sob a
MENDES forma de cavidades testemunho, o Instituto Chico Mendes poderá definir, de comum
acordo com o empreendedor, outras formas de compensação.

1
Orientações que estabelecem diretrizes básicas para a realização do levantamento espeleológico da área de influência de
empreendimentos potencialmente lesivos ao Patrimônio Espeleológico, levando-se em consideração o princípio da precaução
(http://www.icmbio.gov.br/cecav em Termo de Referência).

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ANEXO III

Abertura de processo de licenciamento


ambiental no órgão ambiental
competente (IBAMA, OEMA ou OMMA).

Órgão ambiental competente solicita ao interessado


(empreendedor):
• Estudos espeleológicos;
• Estudos para definição do grau de relevância das
cavidades naturais subterrâneas.

Elaboração de estudos a Repasse ao CANIE das


expensas do empreendedor. informações espeleológicas

Órgão ambiental competente:


• Analisa o grau de impacto ao
patrimônio espeleológico;
• Classifica o grau de relevância da
cavidade natural subterrânea,
observando os critérios
estabelecidos na IN 02/09.

Estudo INSATISFATÓRIO.
Órgão ambiental
competente solicita
Complementações complementações
consideradas Havendo impactos negativos
SATISFATÓRIAS pelo irreversíveis em cavidade natural
órgão ambiental subterrânea.
competente.
Estudo SATISFATÓRIO.
Órgão ambiental
competente emite
PARECER
Dec. 99.556/90 Art. 4° § 1° Dec. 99.556/90 Art. 4° § 3°
Grau de relevância alto: Não havendo, na área do
Adotar medidas e ações para empreendimento, outras
assegurar a preservação, em cavidades representativas
caráter permanente, de duas que possam ser preservadas
cavidades; sob a forma de cavidades
testemunho, o ICMBIO
Dec. 99.556/90 Art. 4° § 4° poderá definir, de comum
LICENÇA ou Grau de relevância médio: acordo com o empreen-
AUTORIZAÇÃO Adotar medidas e financiar
ações que contribuam para a
dedor, outras formas de
compensação.
conservação e o uso adequado
do patrimônio espeleológico.

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8 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL APLICADA Considerando que as cavidades naturais sub-


terrâneas compõem o Patrimônio Espeleológico
RESOLUÇÃO Nº 347, DE 10 DE SETEMBRO
Nacional;
DE 2004 – COMENTADA
Considerando que o princípio da precaução
Cristiano Fernandes Ferreira
aplica-se a proteção do patrimônio espeleológico;
Jocy Brandão Cruz
Considerando a necessidade de se instituir
Jose Carlos Ribeiro Reino procedimentos de monitoramento e controle am-
biental, visando a evitar e minimizar a degradação
Equipe CECAV e a destruição de cavidades naturais subterrâneas
Dispõe sobre a proteção do patrimônio espeleológico e outros ecossistemas a elas associados, resolve:

O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CO- Art. 1o Instituir o Cadastro Nacional de Informações
NAMA, no uso das competências previstas na Lei nº Espeleológicas-CANIE, e estabelecer, para ins de
6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo proteção ambiental das cavidades naturais subter-
Decreto nº 99.274, de 6 de julho de 1990, e tendo râneas, os procedimentos de uso e exploração do
em disposto em seu Regimento Interno, aprovado patrimônio espeleológico nacional.
pela Portaria nº 499, de 18 de dezembro de 2002, e Comentário: Instrumento de gestão ambiental
Considerando a necessidade de aprimorar e do patrimônio espeleológico a ser incorporado
atualizar o Programa Nacional de Proteção ao Pa- ao sistema de licenciamento ambiental. Por meio
trimônio Espeleológico, aprovado pela Comissão dele o Cecav atuará no monitoramento e aper-
Especial instituída pela Resolução CONAMA nº 9, feiçoamento dos instrumentos relacionados ao
de 24 de janeiro de 1986, e de disciplinar o uso des- controle e uso das cavidades naturais subterrâ-
se patrimônio; neas (I.N. MMA 2/2009, Art. 22).
Considerando a necessidade de licenciamen-
Art. 2o Para efeito desta Resolução icam estabele-
to ambiental das atividades que afetem ou possam
cidas as seguintes deinições:
afetar o patrimônio espeleológico ou a sua área de
inluência, nos termos da Resolução CONAMA nº I cavidade natural subterrânea é todo e qual-
237, de 19 de dezembro de 1997 e, quando couber, quer espaço subterrâneo penetrável pelo ser
a Resolução nº 001, de 1986; humano, com ou sem abertura identiicada,
Considerando a necessidade de se incorpo- popularmente conhecido como caverna, gru-
rar ao sistema de licenciamento ambiental os ins- ta, lapa, toca, abismo, furna e buraco, incluindo
trumentos de gestão ambiental do patrimônio seu ambiente, seu conteúdo mineral e hídri-
espeleológico, visando o uso sustentável e a me- co, as comunidades bióticas ali encontradas e
lhoria contínua da qualidade de vida das popula- o corpo rochoso onde as mesmas se inserem,
ções residentes no entorno de cavidades naturais desde que a sua formação tenha sido por pro-
subterrâneas; cessos naturais, independentemente de suas
Considerando que as cavidades naturais sub- dimensões ou do tipo de rocha encaixante.
terrâneas existentes no território nacional consti- II cavidade natural subterrânea relevante para
tuem bens da União de que trata o art. 20, inciso ins de anuência pelo Instituto Brasileiro do
X, da Constituição Federal, impondo-se a necessi- Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Reno-
dade de sua preservação e conservação de modo váveis-IBAMA no processo de licenciamento -
a possibilitar estudos, pesquisas e atividades de or- aquela que apresente signiicativos atributos
dem técnico-cientiica, étnica, cultural, espeleoló- ecológicos, ambientais, cênicos, cientíicos,
gica, turístico, recreativo e educativo;

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culturais ou socioeconômicos, no contexto lo- físicas necessárias à gestão da cavidade natu-


cal ou regional em razão, entre outras, das se- ral subterrânea; e
guintes características: VI zoneamento espeleológico: deinição de se-
tores ou zonas em uma cavidade natural sub-
Comentário: : Inciso revogado pela Resolução
terrânea, com objetivos de manejo e normas
CONAMA Nº 428, de 17 de dezembro de 2010 (Art.
especíicos, com o propósito de proporcionar
8º).
os meios e as condições para que todos os ob-
a) dimensão, morfologia ou valores paisagísticos; jetivos do manejo sejam atingidos.
b) peculiaridades geológicas, geomorfológicas
Art. 3o O Cadastro Nacional de Informações Espe-
ou mineralógicas;
leológicas CANIE, parte integrante do Sistema Na-
c) vestígios arqueológicos ou paleontológicos; cional de Informação do Meio Ambiente - SINIMA,
d) recursos hídricos signiicativos; será constituído por informações correlatas ao pa-
trimônio espeleológico nacional.
e) ecossistemas frágeis; espécies endêmicas, ra-
ras ou ameaçadas de extinção; § 1o Caberá ao IBAMA, realizar a gestão do CANIE,
f) diversidade biológica; ou criando os meios necessários para sua execução.

g) relevância histórico-cultural ou socioeconô- Comentário: Alterado pela I.N. MMA no 2, de 20


mica na região. de agosto de 2009, a qual estabelece em seu Art.
20 que cabe ao Instituto Chico Mendes instituir o
III patrimônio espeleológico: o conjunto de ele- Cadastro Nacional de Informações Espeleológi-
mentos bióticos e abióticos, socioeconômicos cas - CANIE, parte integrante do Sistema Nacio-
e históricos-culturais, subterrâneos ou super- nal de Informação do Meio Ambiente- SINIMA.
iciais, representados pelas cavidades naturais Caberá ao Instituto Chico Mendes realizar a ges-
subterrâneas ou a estas associadas; tão do CANIE, criando os meios necessários para
sua execução (§ 1º).
Comentário: O Patrimônio Espeleológico brasi-
leiro não se limita às cavernas e demais feições § 2o O órgão ambiental competente estabelecerá,
físicas associadas. A biologia subterrânea, os as- mediante instrumentos legais de cooperação junto
pectos sociais, econômicos, históricos e culturais a entidades governamentais e não-governamen-
também associados devem ser levados em con- tais, a alimentação do CANIE por informações es-
ta para sua deinição. peleológicas disponíveis no país.

IV área de inluência sobre o patrimônio espele- Comentário: No caso, o Instituto Chico Mendes
ológico: área que compreende os elementos é o órgão competente (I.N MMA n.o 2, de 20 de
bióticos e abióticos, supericiais e subterrâne- agosto de 2009, Art. 20, § 2 º).
os, necessários à manutenção do equilíbrio § 3o Os órgãos ambientais competentes deverão re-
ecológico e da integridade física do ambien- passar ao CANIE as informações espeleológicas in-
te cavernícola; seridas nos processos de licenciamento ambiental.
V plano de manejo espeleológico: documento
Comentário: I.N n.o 2, de 20 de agosto de 2009,
técnico mediante o qual, com fundamento
Art. 20, § 3 º.
nos objetivos gerais da área, se estabelece o
seu zoneamento e as normas que devem pre- § 4o O empreendedor que vier a requerer licen-
sidir o uso da área e o manejo dos recursos na- ciamento ambiental deverá realizar o cadastra-
turais, inclusive a implantação das estruturas mento prévio no CANIE dos dados do patrimônio

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espeleológico mencionados no processo de licen- relevante para ins de anuência dessa Instituição
ciamento independentemente do cadastro ou re- (art. 2º, inciso II).
gistro existentes em outros órgãos.
§ 2o A área de inluência sobre o patrimônio es-
Comentário: I.N n.º 2, de 20 de agosto de 2009, peleológico será deinida pelo órgão ambiental
Art. 20, § 4 º. competente que poderá, para tanto, exigir estu-
dos especíicos, às expensas do empreendedor.
§ 5o Caberá ao IBAMA no prazo de até cento e oi-
tenta dias, ouvindo os diversos setores que com- Comentário: A deinição da área de inluência é
põe o CONAMA, instituir o CANIE. de suma importância para a adequada avalia-
ção do grau de impacto de empreendimentos/
Comentário: O Instituto Chico Mendes, no pra-
atividades sobre o Patrimônio Espeleológico. O
zo de 90 dias, deverá instituir o Cadastro Nacio-
órgão ambiental competente deinirá a área, a
nal de Informações Espeleológicas - CANIE (I.N
partir de estudos especíicos, com os elementos
MMA n.o 2, de 20 de agosto de 2009, Caput Art. 20).
bióticos e abióticos necessários à manutenção
Art. 4o A localização, construção, instalação, amplia- do equilíbrio ecológico e da integridade física do
ção, modiicação e operação de empreendimentos ambiente cavernícola.
e atividades, considerados efetiva ou potencial-
§ 3o Até que se efetive o previsto no parágrafo an-
mente poluidores ou degradadores do patrimônio
terior, a área de inluência das cavidades naturais
espeleológico ou de sua área de inluência depen-
subterrâneas será a projeção horizontal da caverna
derão de prévio licenciamento pelo órgão ambien-
acrescida de um entorno de duzentos e cinqüenta
tal competente, nos termos da legislação vigente.
metros, em forma de poligonal convexa.
Comentário: O licenciamento deve considerar
Comentário: Esta deinição é de caráter provisó-
como parâmetro de análise o patrimônio espe-
rio, não eximindo a obrigatoriedade de deinir a
leológico e sua área de inluência (Art.2º, III, IV),
área de inluência com base em estudos especí-
não restringindo a análise e avaliação técnica
icos. O entorno previsto no §3º poderá, a partir
exclusivamente à cavidade natural subterrânea.
dos resultados dos estudos, aumentar ou dimi-
§ 1o As autorizações ou licenças ambientais, na hi- nuir a área de inluência da cavidade.
pótese de cavidade natural subterrânea relevante
§ 4o A pesquisa mineral com guia de utilização em
ou de sua área de inluência, na forma do art. 2º in-
área de inluência sobre o patrimônio espeleológi-
ciso II, dependerão, no processo de licenciamento,
co deverá se submeter ao licenciamento ambiental.
de anuência prévia do IBAMA, que deverá se mani-
festar no prazo máximo de noventa dias, sem pre- Comentário: A pesquisa mineral compreende
juízo de outras manifestações exigíveis. um conjunto de atividades que, dependendo de
suas características, são consideradas efetiva ou
Comentário: Parágrafo revogado pela Resolu-
potencialmente poluidoras ou degradadoras de
ção CONAMA Nº 428, de 17 de dezembro de 2010
cavidades naturais subterrâneas. São exemplos
(Art.8º). Portanto, ica excluída do ordenamento
a realização de sondagens, escavações (trinchei-
jurídico a regra que condicionava à prévia anuên-
ras) e beneiciamentos que envolvam o uso de
cia do IBAMA as autorizações ou licenças ambien-
quantidades signiicativas da substância mineral
tais referentes a empreendimentos e atividades
pesquisada (rocha onde porventura ocorrem ca-
situados em regiões de ocorrência de cavernas,
vidades naturais subterrâneas). Ainda assim, nos
deixando também de vigorar, por conseqüên-
casos em que tais solicitações não estejam autu-
cia, a deinição de cavidade natural subterrânea
adas em processos de licenciamento ambiental,

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a legislação supracitada obriga ao licenciamen- Procuradoria Federal Especializada junto ao Ins-


to não apenas os empreendimentos, mas tam- tituto Chico Mendes esclarece que pertence à se-
bém as atividades potencialmente poluidoras ara de competência administrativa do IBAMA a
ou degradadoras de cavidades naturais subter- aprovação do Plano de Manejo em referência.
râneas. Portanto, a pesquisa mineral, mesmo
§ 1o O IBAMA disponibilizará termo de referência
sem guia de utilização, merece análise e avalia-
para elaboração do Plano de Manejo Espeleológi-
ção do grau de impacto ao patrimônio espeleo-
co de que trata este artigo, consideradas as diferen-
lógico afetado, com base no art. 5º da Resolução
tes categorias de uso do patrimônio espeleológico
CONAMA nº 347/2004.
ou de cavidades naturais subterrâneas.
Art. 5o Na análise do grau de impacto, o órgão li-
Comentário: o Cecav disponibiliza Orientações
cenciador considerará, entre outros aspectos, a in-
Básicas para a Elaboração de Plano de Manejo
tensidade, a temporalidade, a reversibilidade e a
Espeleológico visando contribuir com os órgãos
sinergia dos referidos impactos.
licenciadores na elaboração de termos de refe-
Parágrafo único. Na avaliação dos impactos ao pa- rência sob sua competência.
trimônio espeleológico afetado, o órgão licenciador
§ 2o No caso das cavidades localizadas em proprie-
deverá considerar, entre outros aspectos:
dades privadas o uso das mesmas dependerá de
I suas dimensões, morfologia e valores
plano de manejo espeleológico submetido à apro-
paisagísticos;
vação do IBAMA.
II suas peculiaridades geológicas, geomorfoló-
Art. 7o As atividades de pesquisa técnico-cientíi-
gicas e mineralógicas;
ca em cavidades naturais subterrâneas que impli-
III a ocorrência de vestígios arqueológicos e quem em coleta ou captura de material biológico
paleontológicos; ou mineral, ou ainda de potencial interferência no
Comentário: Eventualmente esses atributos se- patrimônio espeleológico, dependerão de prévia
rão avaliados por outros entes públicos (IPHAN, autorização do IBAMA, ou de órgão do SISNAMA
DNPM, p.ex.). devidamente conveniado.
Comentário: As atividades de pesquisa técni-
IV recursos hídricos;
co-cientíica mencionadas dependem de auto-
V ecossistemas frágeis ou espécies endêmicas,
rização do Instituto Chico Mendes, por meio do
raras ou ameaçadas de extinção;
SISBIO (I.N. IBAMA nº 154/2007). – www.ibama.
VI a diversidade biológica; e gov.br/sisbio.
VII sua relevância histórico-cultural ou sócio-eco-
Por meio do Sistema de Autorização e Informa-
nômica na região.
ção em Biodiversidade (Sisbio) pesquisadores po-
Art. 6o Os empreendimentos ou atividades turísti- derão solicitar, via Internet, autorizações para as
cos, religiosos ou culturais que utilizem o ambiente seguintes atividades com inalidade cientíica ou
constituído pelo patrimônio espeleológico deverão didática (no âmbito do ensino superior):
respeitar o Plano de Manejo Espeleológico, elabo-
• Coleta e transporte de material biológico;
rado pelo órgão gestor ou o proprietário da terra
onde se encontra a caverna, aprovado pelo IBAMA. • Captura ou marcação de animais silvestres in
Comentário: Por meio do Parecer nº 185/2009/ situ;
PFE-ICMBIO/GAB, de 09 de setembro de 2009, a

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• Manutenção temporária de espécimes de fau- Comentário: O Decreto n º 6.640/ 2008 deso-


na silvestre em cativeiro para experimentação briga a elaboração de EIA-RIMA ao alterar a re-
cientíica; dação original do Art.3º, vinculando apenas os
empreendimentos e atividades potencialmente
• Realização de pesquisa em unidade de conser-
poluidores e degradadores do Patrimônio Espe-
vação federal ou em cavernas.
leológico ao licenciamento ambiental (Art. 5º, a).
Coletas ou capturas associadas ao processo de Entretanto, no § 4º de seu Art. 5º-A, estabelece que
licenciamento ambiental (estudos ambientais, havendo impactos negativos irreversíveis em ca-
p.ex.) não são contempladas pelo SISBIO e, nes- vidades naturais subterrâneas pelo empreendi-
se caso, dependem da autorização do órgão am- mento, a compensação ambiental de que trata
biental competente. o art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000,
deverá ser prioritariamente destinada à criação e
§ 1o Quando o requerente for estrangeiro, o projeto implementação de unidade de conservação em
de pesquisa deverá atender as exigências previstas área de interesse espeleológico, sempre que pos-
na legislação em vigor, devendo o requerimento sível na região do empreendimento.
ser decidido em noventa dias, contados a partir
da data em que o órgão certiique o encerramen- § 1o O apoio a que se refere o caput desse artigo
to da instrução. poderá nos termos do at. 33, do Decreto no 4.340,
de 22 de agosto de 2002, constituir-se em estudos
§ 2o Para obtenção da autorização da pesquisa, o
e pesquisas desenvolvidas, preferencialmente na
requerente deverá apresentar a documentação exi-
região do empreendimento, que permitam identi-
gida pelo IBAMA.
icar áreas para a implantação de unidades de con-
Comentário: veriicar regras do SISBIO. servação de interesse espeleológico.

§ 3o O requerente deverá assinar termo, em que se § 2o O apoio que trata o caput desse artigo se apli-
comprometa a fornecer ao IBAMA os relatórios de ca às hipóteses do art. 36, da Lei nº 9.985, de 18 de
sua pesquisa, que serão encaminhados ao CANIE. julho de 2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, inci-
sos I, II, III e VII da Constituição Federal, que institui o
Comentário: veriicar regras do SISBIO.
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
§ 4o A subdelegação, substituição ou repasse da Natureza e dá outras providências, e demais atos
responsabilidade da execução do projeto aprova- legais em vigência.
do, dependerá de prévia anuência do IBAMA. Art. 9o Sem prejuízo da imediata aplicação desta
Comentário: veriicar regras do SISBIO. Resolução, o Ministério do Meio Ambiente, cons-
tituirá Grupo de Trabalho Interministerial, que terá
Art. 8o Nos casos de licenciamento ambiental de cento e oitenta dias para subsidiar o Programa Na-
empreendimentos e atividades considerados efe- cional de Proteção ao Patrimônio Espeleológico e
tiva ou potencialmente causadores de signiicativa elaborar critérios complementares para caracteri-
alteração e degradação do patrimônio espeleológi- zação da relevância de que trata o art. 2º inciso II, a
co, para os quais se exija Estudo Prévio de Impacto serem submetidos ao Conselho Nacional do Meio
Ambiental-EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiente-CONAMA.
Ambiental ao Meio Ambiente-RIMA, o empreen-
Comentário: A Portaria MMA n º 358, de 30 de
dedor é obrigado a apoiar a implantação e a ma-
setembro de 2009, institui o Programa Nacio-
nutenção de unidade de conservação, de acordo
nal de Conservação do Patrimônio Espeleológi-
com o previsto no art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de
co. O detalhamento dos critérios de relevância
julho de 2000.

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 17 3


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

foi estabelecido por meio do Decreto n º 6.640/ das cavidades naturais subterrâneas existentes no
2008 e da Instrução Normativa MMA n º 02/2009. território nacional.

Art. 10o O órgão ambiental competente, ao indefe- O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribui-
rir o pedido de licença ou autorização, ou ainda sua ção que lhe confere o art. 84, inciso IV, e tendo em
renovação comunicará, em até trinta dias, a contar vista o disposto nos arts. 20, inciso X, e 216, inciso
de sua decisão, ao empreendedor e aos órgãos re- V, da Constituição, e na Lei nº 6.938, de 31 de agos-
guladores da atividade em questão, bem como ao to de 1981,
Ministério Público, para as medidas cabíveis. DECRETA:
Art. 11o O órgão ambiental competente fará articu- Art. 1º Os arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto nº 99.556,
lação junto aos órgãos competentes do patrimônio de 1o de outubro de 1990, passam a vigorar com a
histórico-cultural e mineral para, através de termo seguinte redação:
de cooperação, proteger os patrimônios espeleo-
“Art. 1º As cavidades naturais subterrâneas exis-
lógico, arqueológico e paleontológico e alimentar
tentes no território nacional deverão ser protegi-
o banco de dados do CANIE.
das, de modo a permitir estudos e pesquisas de
Art. 12o Na ocorrência de sítios arqueológicos e pa- ordem técnico-cientíica, bem como atividades de
leontológicos junto à cavidade natural subterrânea, cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, re-
o órgão ambiental licenciador comunicará aos ór- creativo e educativo.
gãos competentes responsáveis pela gestão e pro-
Parágrafo único. Entende-se por cavidade natural
teção destes componentes.
subterrânea todo e qualquer espaço subterrâneo
Art 13o Os empreendimentos ou atividades já ins- acessível pelo ser humano, com ou sem abertura
talados ou iniciados terão o prazo de sessenta dias identiicada, popularmente conhecido como ca-
para requerer sua regularização, nos termos des- verna, gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco,
ta Resolução. incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hí-
Art. 14o Esta Resolução entra em vigor na data de drico, a fauna e a lora ali encontrados e o corpo
sua publicação. rochoso onde os mesmos se inserem, desde que
tenham sido formados por processos naturais, in-
Art. 15o Fica revogada a Resolução CONAMA nº 5,
dependentemente de suas dimensões ou tipo de
de 6 de agosto de 1987.
rocha encaixante." (NR)
MARINA SILVA
Comentário: O conceito continua essencial-
Presidente do Conselho
mente o mesmo do Decreto nº 99.556/90, cuja
mudança perceptível é a substituição do termo
DECRETO Nº 6.640, DE 7 DE NOVEMBRO DE “homem” por “ser humano”. Os principais aspec-
2008 – COMENTADO tos de importância desta conceituação são: as ca-
vernas podem ter ou não aberturas identiicadas,
Cristiano Fernandes Ferreira
ou seja, podem estar oclusas no maciço e virem
Jocy Brandão Cruz
a ser descobertas por processos naturais ou an-
Jose Carlos Ribeiro Reino
trópicos, por exemplo, mineração; não importa
o termo utilizado, inclusive nomes diferentes da-
Equipe CECAV
queles descritos no parágrafo único (fenda, gruna,
Dá nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º e acres- etc.), mas caracterizada a cavidade natural sub-
centa os arts. 5-A e 5-B ao Decreto nº 99.556, de 1º terrânea, esta será regida pelas regras deste De-
de outubro de 1990, que dispõe sobre a proteção creto; não importa o tamanho, será considerada

174 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

cavidade natural subterrânea até mesmo um es- com calcário, arenito com arenito, etc.).
paço subterrâneo de pequena dimensão, desde
§ 2º Para efeito deste Decreto, entende-se por en-
que possibilite a entrada do ser humano; é pos-
foque local a unidade espacial que engloba a ca-
sível a ocorrência de cavernas em vários tipos
vidade e sua área de inluência e, por enfoque
de rocha, mesmo pouco solúveis, como as gra-
regional, a unidade espacial que engloba no míni-
níticas, p.ex.
mo um grupo ou formação geológica e suas rela-
“Art. 2º A cavidade natural subterrânea será classi- ções com o ambiente no qual se insere.
icada de acordo com seu grau de relevância em Comentário: A abordagem dessas relações con-
máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela fere à análise um caráter subjetivo e por vezes
análise de atributos ecológicos, biológicos, geoló- peculiar, já que características especíicas dos
gicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, his- atributos, decorrentes de processos naturais im-
tórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob postos ao grupo ou à formação geológica, apre-
enfoque regional e local. sentam respostas (relações) também especíicas.
Comentário: A classiicação deve seguir a me- Por isso, buscou-se aprimorar a deinição de en-
todologia deinida na IN MMA nº 02/2009. Entre- foque regional por meio da Instrução Normati-
tanto, seja no Decreto, quanto na IN, a presença va MMA nº 02/2009 (Art. 14, §1º), a qual também
de qualquer atributo listado como de máxima reina a deinição de enfoque local.
relevância será conclusiva para a classiicação
A área de inluência das cavidades naturais sub-
(classiicação direta). Ressalta-se que a classii-
terrâneas será a projeção horizontal da caverna
cação depende da análise de todos os atributos
acrescida de um entorno de duzentos e cinqüen-
listados, bem como sob os dois enfoques, local e
ta metros, em forma de poligonal convexa (Reso-
regional, isto é, mesmo que a análise identiique
lução Conama nº 347/2004, Art.4º, § 3º). Porém,
um atributo que classiique a cavidade em de-
para que seja aplicado o disposto neste Decreto,
terminado grau de relevância, deverão ser ana-
ou seja, a avaliação de atributos sob o enfoque
lisados os demais atributos relacionados àquele
local é necessário que a área de inluência seja
grau e grau superior, alguns inclusive para o caso
deinida por estudos especíicos. Os estudos po-
de sua ausência. Mesmo para o caso de grau de
derão identiicar, inclusive, área de inluência di-
relevância máximo é necessária a análise de to-
ferente daquela pré-estabelecida na Resolução
dos os atributos previstos no § 4º deste artigo,
em referência.
visto que tais cavidades não podem ser objeto
de impactos negativos irreversíveis e, portanto, § 3º Os atributos das cavidades naturais subter-
fundamental conhecer os atributos descritos no râneas listados no caput serão classiicados, em
caput para efeito de eventual avaliação de im- termos de sua importância, em acentuados, signi-
pacto de empreendimentos/atividades próximas. icativos ou baixos.
O Decreto não estabelece cavidade natural sub- § 4º Entende-se por cavidade natural subterrânea
terrânea sem relevância, ou seja, toda cavidade com grau de relevância máximo aquela que pos-
passa a ter relevância . sui pelo menos um dos atributos listados abaixo:
§ 1º A análise dos atributos geológicos, para a de- I gênese única ou rara;
terminação do grau de relevância, deverá ser rea- II morfologia única;
lizada comparando cavidades da mesma litologia.
III dimensões notáveis em extensão, área ou
Comentário: A base de comparação é a litologia, fator volume;
determinante para a aplicação das normas (calcário
IV espeleotemas únicos;

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 17 5


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

V isolamento geográico; do ato normativo de que trata o art. 5º:


VI abrigo essencial para a preservação de popu- I acentuada sob enfoque local e regional; ou
lações geneticamente viáveis de espécies ani- II acentuada sob enfoque local e signiicativa
mais em risco de extinção, constantes de listas sob enfoque regional.
oiciais;
§ 7º Entende-se por cavidade natural subterrânea
VII hábitat essencial para preservação de popu-
com grau de relevância médio aquela cuja impor-
lações geneticamente viáveis de espécies de
tância de seus atributos seja considerada, nos ter-
troglóbios endêmicos ou relíctos;
mos do ato normativo de que trata o art. 5º:
VIII hábitat de troglóbio raro;
I acentuada sob enfoque local e baixa sob en-
IX interações ecológicas únicas;
foque regional; ou
X cavidade testemunho; ou
II signiicativa sob enfoque local e regional.
XI destacada relevância histórico-cultural ou
religiosa. § 8º Entende-se por cavidade natural subterrânea
com grau de relevância baixo aquela cuja impor-
Comentário: Independente dos enfoques ana- tância de seus atributos seja considerada, nos ter-
lisados ou a relação de atributos, a presença de mos do ato normativo de que trata o art. 5º:
qualquer um desses atributos deine a relevân-
I signiicativa sob enfoque local e baixa sob en-
cia da cavidade em grau máximo, exceto o iso-
foque regional; ou
lamento geográico.
II baixa sob enfoque local e regional.
§ 5º Para efeitos do § 4º, o atributo a que se refere
Comentário: O Decreto exige a metodologia
seu inciso V só será considerado no caso de cavi-
(IN) para esclarecer quais os atributos correspon-
dades com grau de relevância alto e médio.
dentes a cada nível de importância, sob os enfo-
Comentário: O isolamento geográico só se apli- ques local e regional. O nível de importância dos
ca aos casos em que a caverna for considerada aspectos/parâmetros, quanto ao enfoque local
de relevância alta ou média. Independente do en- e regional, não foi totalmente contemplado no
foque analisado ou a relação de atributos, a pre- Decreto em relação à classe de relevância, con-
sença de qualquer um desses atributos deine a forme tabela a seguir:
relevância da cavidade em grau máximo, à ex-
ceção do isolamento geográico, que requer es- Aspectos ou Enfoque Enfoque Classe de
parâmetros local regional relevância
tudos para veriicar sua relevância em grau alto
Nível de Signiicativa Acentuada ?
ou médio. Nos casos de cavernas nunca estuda- importância
das, que não indiquem a priori atributos de re- Baixa Acentuada ?
levância máxima, tais aspectos podem vir a ser Baixa Signiicativa ?
identiicados ainda assim a posteriori, com a rea-
lização dos estudos pelo empreendedor. Portan- § 9º Diante de fatos novos, comprovados por estu-
to, é recomendado que o isolamento geográico dos técnico-cientíicos, o Instituto Chico Mendes
seja um atributo de análise preliminar para a clas- de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chi-
siicação de relevância de cavidades. co Mendes poderá rever a classiicação do grau de
relevância de cavidade natural subterrânea, tanto
§ 6º Entende-se por cavidade natural subterrânea para nível superior quanto inferior." (NR)
com grau de relevância alto aquela cuja importân-
cia de seus atributos seja considerada, nos termos

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Comentário: Não há uma deinição precisa so- ”Art. 4º A cavidade natural subterrânea classiicada
bre quais seriam tais “fatos novos”, entretanto, com grau de relevância alto, médio ou baixo po-
visto que têm de ser comprovados por estudos derá ser objeto de impactos negativos irreversíveis,
técnico-cientíicos, entende-se que deve haver mediante licenciamento ambiental.
certa formalidade para a apresentação dos fa-
§ 1º No caso de empreendimento que ocasione
tos (p.ex. denúncia, novos estudos, manifesta-
impacto negativo irreversível em cavidade natu-
ções em audiências públicas), bem como o rigor
ral subterrânea com grau de relevância alto, o em-
de uma análise técnica-cientíica. A alteração do
preendedor deverá adotar, como condição para o
nível mencionada no parágrafo deve ser encara-
licenciamento ambiental, medidas e ações para as-
da com seriedade, visto que pode acarretar tanto
segurar a preservação, em caráter permanente, de
na supressão de determinada cavidade, quanto
duas cavidades naturais subterrâneas, com o mes-
na inviabilidade de empreendimentos e ativida-
mo grau de relevância, de mesma litologia e com
des em licenciamento.
atributos similares à que sofreu o impacto, que se-
”Art. 3º A cavidade natural subterrânea com grau rão consideradas cavidades testemunho.
de relevância máximo e sua área de inluência não Comentário: Ponto sensível! Assegurar a preser-
podem ser objeto de impactos negativos irrever- vação das cavernas é condição para o licencia-
síveis, sendo que sua utilização deve fazer-se so- mento, porém, não há deinição no Decreto ou
mente dentro de condições que assegurem sua na I.N. da(s) forma(s) de preservação em caráter
integridade física e a manutenção do seu equilí- permanente. O Cecav remeteu questionamen-
brio ecológico." (NR) to à Procuradoria Federal Especializada junto
Comentário: Exemplos da utilização menciona- ao Instituto Chico Mendes solicitando esclareci-
da são os empreendimentos turísticos em caver- mentos a esta regra.
nas com o devido plano de manejo espeleológico
Existem sugestões: aquisição de terras, que conte-
aprovado, conforme previsto na Resolução Co-
nham as cavernas a serem preservadas (resultan-
nama nº 347/04.
tes da compensação citada no §1º), localizadas
Aos empreendimentos turísticos que porventura em unidades de conservação com pendência
prevejam impactos negativos irreversíveis na ca- de regularização fundiária para a sua doação
vidade a ser utilizada deverá ser aplicada a regra ao órgão ambiental competente (federal, esta-
estabelecida no Art. 5º-A, ou seja, o licenciamen- dual ou municipal), visando contribuir com a
to pelo órgão ambiental competente e a classii- regularização da UC e a proteção do patrimô-
cação do grau de relevância da cavidade natural nio espeleológico brasileiro, em comum acordo
subterrânea, observando os critérios estabeleci- com o empreendedor e o Instituto Chico Men-
dos pelo Ministério do Meio Ambiente. Caso a ca- des (Art. 4º, §3º).
vidade seja classiicada com grau de relevância
Outro aspecto importante é a similaridade de
máximo, se aplica o previsto no Art. 3º, caben-
atributos entre as cavernas impactadas e as pre-
do ao empreendedor, portanto, apresentar al-
servadas em compensação. Ressalta-se que as
ternativas que excluam os impactos negativos
cavernas preservadas passam ao grau de má-
irreversíveis a cavidade, caso contrário, o empre-
xima relevância por serem deinidas como cavi-
endimento deve ter o pedido de licenciamento
dades testemunho.
indeferido. No caso de cavernas com grau de re-
levância alto, médio ou baixo, se aplicam as re- § 2º A preservação das cavidades naturais sub-
gras previstas no Art. 4º. terrâneas, de que trata o § 1º, deverá, sempre que

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 17 7


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

possível, ser efetivada em área contínua e no mesmo Comentário: Competência do órgão responsá-
grupo geológico da cavidade que sofreu o impacto. vel pelo licenciamento ou daquele competente
para deinir compensações no âmbito do licencia-
§ 3º Não havendo, na área do empreendimento,
mento ambiental do empreendimento/ atividade.
outras cavidades representativas que possam ser
preservadas sob a forma de cavidades testemu- As medidas e ações mencionadas fazem par-
nho, o Instituto Chico Mendes poderá deinir, de te do conjunto de informações que deverão ser
comum acordo com o empreendedor, outras for- disponibilizadas para compor a base de dados
mas de compensação. do Cecav (Canie).
Comentário: Ponto sensível! Apesar de o Decre-
§ 5º No caso de empreendimento que ocasione
to mencionar a área do empreendimento como
impacto negativo irreversível em cavidade natural
unidade espacial para a compensação, é impor-
subterrânea com grau de relevância baixo, o em-
tante ressaltar que os estudos para a avaliação
preendedor não estará obrigado a adotar medidas
do grau de relevância podem extrapolar tais li-
e ações para assegurar a preservação de outras ca-
mites, principalmente para a avaliação de atri-
vidades naturais subterrâneas.“ (NR)
butos sob o enfoque regional.
Comentário: O disposto no parágrafo não exclui
O termo “outras formas de compensação” é en- outras formas de compensação ambiental, con-
tendido pelo Instituto Chico Mendes/Cecav como forme art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
uma alternativa para a compensação em área De acordo com o Art 5-A, § 4º: Em havendo impac-
diferente a área do empreendimento (UC p.ex.), tos negativos irreversíveis em cavidades naturais
e não como uma situação que exclua a preser- subterrâneas pelo empreendimento, a compen-
vação de outras cavidades de alta relevância. sação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº
9.985, de 18 de julho de 2000, deverá ser priorita-
Cabe ressaltar que o parágrafo é explícito em rela-
riamente destinada à criação e implementação
ção à atribuição do Instituto Chico Mendes para
de unidade de conservação em área de interes-
deinir, em comum acordo com o empreendedor,
se espeleológico, sempre que possível na região
tal compensação. Em outros parágrafos que tra-
do empreendimento. Portanto, não há impacto
tam de atribuições sob a competência de outros
negativo irreversível em cavidade natural sub-
entes, a norma utiliza o termo “órgão ambiental
terrânea sem a devida compensação ambien-
competente”. Por tanto, os casos previstos no § 3º
tal (ver § 4º, Art. 5º-A).
do Art.4º deverão ser oicialmente comunicados
ao Instituto Chico Mendes, o qual deverá avaliar ”Art. 5º A metodologia para a classiicação do grau
as propostas voltadas exclusivamente para a pro- de relevância das cavidades naturais subterrâneas,
teção do patrimônio espeleológico considerando o disposto no art. 2o, será estabele-
cida em ato normativo do Ministro de Estado do
§ 4º No caso de empreendimento que ocasione
Meio Ambiente, ouvidos o Instituto Chico Mendes,
impacto negativo irreversível em cavidade natu-
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-
ral subterrânea com grau de relevância médio, o
cursos Naturais Renováveis - IBAMA e demais se-
empreendedor deverá adotar medidas e inanciar
tores governamentais afetos ao tema, no prazo de
ações, nos termos deinidos pelo órgão ambiental
sessenta dias, contados da data de publicação des-
competente, que contribuam para a conservação e
te Decreto." (NR)
o uso adequado do patrimônio espeleológico bra-
sileiro, especialmente das cavidades naturais sub- Comentário: I.N. MMA nº 2 de 2009.
terrâneas com grau de relevância máximo e alto.
Art. 2º Fica acrescido os arts. 5-A e 5-B ao Decreto

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

nº 99.556, de 1990, com a seguinte redação: em cavidades naturais subterrâneas pelo empre-
endimento, a compensação ambiental de que tra-
“Art. 5º-A A localização, construção, instalação,
ta o art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000,
ampliação, modiicação e operação de empre-
deverá ser prioritariamente destinada à criação e
endimentos e atividades, considerados efetiva ou
implementação de unidade de conservação em
potencialmente poluidores ou degradadores de ca-
área de interesse espeleológico, sempre que pos-
vidades naturais subterrâneas, bem como de sua
sível na região do empreendimento." (NR)
área de inluência, dependerão de prévio licencia-
mento pelo órgão ambiental competente. Comentário: Não há impacto negativo irreversí-
vel em cavidade natural subterrânea sem a devi-
Comentário: Considera uma variedade de em-
da compensação ambiental. O parágrafo dirime
preendimentos além da mineração, p.ex. hidre-
eventual incerteza quanto à obrigatoriedade de
létricas, agricultura, assentamentos, rodovias,
efetuar compensação ambiental em casos de
turismo, além de atividades, inclusive a pesquisa
impactos em cavidade natural subterrânea com
mineral, as quais, dependendo de suas caracte-
grau de relevância baixo (art. 4 º, § 5º). De outra
rísticas, são efetiva ou potencialmente poluido-
forma cavidades de relevância baixa não teriam
res ou degradadores.
qualquer tipo de compensação.
§ 1º O órgão ambiental competente, no âmbito
”Art. 5º-B Cabe à União, por intermédio do IBAMA e
do processo de licenciamento ambiental, deverá
do Instituto Chico Mendes, aos Estados, ao Distrito
classiicar o grau de relevância da cavidade natu-
Federal e aos Municípios, no exercício da compe-
ral subterrânea, observando os critérios estabele-
tência comum a que se refere o art. 23 da Consti-
cidos pelo Ministério do Meio Ambiente.
tuição, preservar, conservar, iscalizar e controlar o
Comentário: É competência do órgão ambiental uso do patrimônio espeleológico brasileiro, bem
responsável pelo licenciamento de tais empreen- como fomentar levantamentos, estudos e pesqui-
dimentos e atividades. A classiicação decorre da sas que possibilitem ampliar o conhecimento so-
análise dos estudos apresentados pelo empreen- bre as cavidades naturais subterrâneas existentes
dedor, os quais devem ser elaborados conforme a no território nacional.
metodologia estabelecida na IN MMA nº 2/2009.
Comentário: Entretanto, ao Instituto Chico Men-
§ 2º Os estudos para deinição do grau de relevân- des não compete o licenciamento ambiental
cia das cavidades naturais subterrâneas impacta- dos empreendimentos e atividades especiica-
das deverão ocorrer a expensas do responsável dos neste Decreto.
pelo empreendimento ou atividade.
Quanto à iscalização, o Instituto Chico Mendes
§ 3º Os empreendimentos ou atividades já instala- tem a competência para iscalizar apenas as ca-
dos ou iniciados terão prazo de noventa dias, após vidades localizadas em unidade de conservação
a publicação do ato normativo de que trata o art. federal, seu entorno e área de amortecimento.
5º, para protocolar junto ao órgão ambiental com-
petente solicitação de adequação aos termos des- Parágrafo único. Os órgãos ambientais podem efe-
te Decreto. tivar, na forma da lei, acordos, convênios, ajustes e
contratos com entidades públicas ou privadas, na-
Comentário: a IN MMA nº 2/2009 foi publicada
cionais, internacionais ou estrangeiras, para auxiliá-
em 20 de agosto de 2009, logo, o prazo de 90 dias
los nas ações de preservação e conservação, bem
expirou em 19 de novembro de 2009.
como de fomento aos levantamentos, estudos e
§ 4º Em havendo impactos negativos irreversíveis pesquisas que possibilitem ampliar o conhecimento

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 17 9


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

sobre as cavidades naturais subterrâneas existen- II morfologia única;


tes no território nacional." (NR) III dimensões notáveis em extensão, área ou
Comentário: Grupos de espeleologia, universi- volume;
dades, instituições privadas, organizações não- IV espeleotemas únicos;
governamentais, pesquisadores, etc.
V isolamento geográico;
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua VI abrigo essencial para a preservação de popu-
publicação. lações geneticamente viáveis de espécies ani-
Brasília, 7 de novembro de 2008; mais em risco de extinção, constantes de listas
187º da Independência e 120º da República. oiciais;
VII habitat essencial para preservação de popu-
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
lações geneticamente viáveis de espécies de
Carlos Minc troglóbios endêmicos ou relíctos;
VIII habitat de troglóbio raro;
INSTRUÇÃO NORMATIVA No- 2, DE 20 DE IX interações ecológicas únicas;
AGOSTO DE 2009 - COMENTADA
X cavidade testemunho; ou
Cristiano Fernandes Ferreira XI destacada relevância histórico-cultural ou
Jocy Brandão Cruz religiosa.
Jose Carlos Ribeiro Reino
Parágrafo único. Para efeitos desse artigo, o atri-
Equipe CECAV buto a que se refere seu inciso V só será conside-
O MINISTRO DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, no rado no caso de cavidades com grau de relevância
uso de suas atribuições, e tendo em vista o dispos- alto e médio.
to no art. 5°do Decreto no 99.556, de 1° de outubro Art. 4° Entende-se por cavidade natural subterrâ-
de 1990, resolve: nea com grau de relevância alto aquela cuja impor-
Art. 1° O grau de relevância das cavidades naturais tância de seus atributos seja considerada:
subterrâneas será classiicado de acordo com a me- I acentuada sob enfoque local e regional; ou
todologia estabelecida nesta Instrução Normativa.
II acentuada sob enfoque local e signiicativa
Art. 2° A cavidade natural subterrânea será classi- sob enfoque regional.
icada de acordo com seu grau de relevância em
Art. 5° Entende-se por cavidade natural subterrânea
máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela
com grau de relevância médio aquela cuja impor-
análise dos atributos e variáveis listados no Anexo
tância de seus atributos seja considerada:
I, avaliados sob enfoque local e regional.
I acentuada sob enfoque local e baixa sob en-
Comentário: A classiicação não prevê cavida-
foque regional; ou
des irrelevantes ou sem relevância, portanto, toda
cavidade natural subterrânea tem relevância. II signiicativa sob enfoque local e regional.

Art. 3° Entende-se por cavidade natural subterrânea Art. 6° Entende-se por cavidade natural subterrâ-
com grau de relevância máximo aquela que pos- nea com grau de relevância baixo aquela cuja im-
sui pelo menos um dos atributos listados abaixo: portância de seus atributos seja considerada:

I gênese única ou rara; I signiicativa sob enfoque local e baixa sob en-
foque regional; ou

180 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

II baixa sob enfoque local e regional. espeleogenéticas raras;


XVI Lago ou drenagem subterrânea perene com
Art. 7° Para efeito de classiicação do grau de re-
inluência acentuada sobre os atributos da ca-
levância de uma cavidade serão considerados de
vidade que tenham as conigurações relacio-
importância acentuada, sob enfoque local e regio-
nadas nos incisos deste artigo;
nal, os atributos com pelo menos uma das seguin-
tes conigurações: Comentário: Exceção ao comentário do Caput.
Comentário: Ocorrendo ao menos uma das con- Este inciso somente será considerado se houver
igurações listadas, a caverna será considerada outro atributo da lista na mesma caverna, ou
de acentuada importância local e regional, ou seja, sua aplicação depende de outro atributo
seja, de alta relevância. para classiicar a caverna como de alta relevância.

I Localidade tipo; XVII Diversidade da sedimentação química com


muitos tipos de espeleotemas e processos de
II Presença de populações estabelecidas de es-
deposição;
pécies com função ecológica importante;
XVIII Coniguração notável dos espeleotemas;
III Presença de táxons novos;
XIX Alta inluência da cavidade sobre o sistema
IV Alta riqueza de espécies;
cárstico;
V Alta abundância relativa de espécies;
XX Presença de inter-relação da cavidade com al-
VI Presença de composição singular da fauna;
guma de relevância máxima;
VII Presença de troglóbios que não sejam consi-
derados raros, endêmicos ou relictos; Comentário: Implica na obrigatoriedade de ava-
liar e deinir a área de inluência das cavidades
VIII Presença de espécies troglomóricas;
de relevância máxima.
IX Presença de trogloxeno obrigatório;
Os estudos espeleológicos devem avaliar a so-
X Presença de população excepcional em
breposição de áreas de inluências das cavidades
tamanho;
existentes na área do empreendimento/ativida-
XI Presença de espécie rara; de. Mesmo que uma cavidade de grau de relevân-
XII Alta projeção horizontal da cavidade em re- cia máximo, e sua respectiva área de inluência,
lação às demais cavidades que se distribuem não estejam localizadas na área diretamente
na mesma unidade espeleológica, conforme afetada (ADA) pelo empreendimento/atividade,
deinido no § 3o do art. 14, desta Instrução a sobreposição parcial da área de inluência de
Normativa; outra cavidade de alto, médio ou baixo grau de
XIII Alta área da projeção horizontal da cavidade relevância àquela (AI de CNS de grau máximo)
em relação às demais cavidades que se dis- deverá ser avaliada considerando os efetivos ou
tribuem na mesma unidade espeleológica, potenciais impactos que, porventura incidentes
conforme deinido no § 3 o do art. 14, desta sobre parte de outras áreas de inluência, pos-
Instrução Normativa; sam interferir nos elementos bióticos e abióticos
da área de inluência de cavidade de máxima re-
XIV Alto volume da cavidade em relação às demais
levância, caracterizando a inter-relação mencio-
cavidades que se distribuem na mesma uni-
nada no inciso.
dade espeleológica, conforme deinido no §
3 o do art. 14, desta Instrução Normativa; XXI Reconhecimento nacional ou mundial do va-
XV Presença significativa de estruturas lor estético/cênico da cavidade;

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

XXII Visitação pública sistemática na cavidade, com XI Visitação pública sistemática na cavidade, com
abrangência regional ou nacional. abrangência local;
XII Presença de água de percolação ou condensa-
Comentário: Em caso de CNS considerada de
ção com inluência acentuada sobre os atribu-
alta relevância por este fator, deve-se considerar
tos da cavidade que tenham as conigurações
que as outras duas cavidades a serem deinidas
relacionadas nos incisos deste artigo;
como compensação também deverão ser turís-
ticas. Para tanto, devem ser elaborados os Pla- Comentário: Exceção ao comentário do Caput.
nos de Manejo Espeleológicos das outras duas Este inciso somente será considerado se houver
cavernas com esse potencial. (Artigo 6º, Resolu- outro atributo da lista na mesma caverna, ou
ção CONAMA nº 347/2004). seja, sua aplicação depende de outro atributo
para classiicar a caverna como, no mínimo, de
Parágrafo único. Para efeitos de classiicação, tam-
média relevância.
bém serão considerados como de importância
acentuada sob o enfoque regional os atributos com XIII Lago ou drenagem subterrânea intermitente
as conigurações listadas nos incisos desse artigo. com inluência acentuada sobre os atributos
da cavidade que tenham as conigurações re-
Art. 8° Para efeito de classiicação do grau de rele-
lacionadas nos incisos deste artigo.
vância de uma cavidade serão considerados de im-
portância acentuada sob enfoque local, os atributos Comentário: Exceção ao comentário do Caput.
com pelo menos uma das seguintes conigurações: Este inciso somente será considerado se houver
Comentário: Havendo a ocorrência de pelo outro atributo da lista na mesma caverna, ou
menos uma das conigurações listadas, a ca- seja, sua aplicação depende de outro atributo
verna será considerada de acentuada impor- para classiicar a caverna como, no mínimo, de
tância local, ou seja, no mínimo como de médio média relevância.
grau de relevância, considerando-se os artigos
Art. 9° Para efeito de classiicação do grau de re-
4º e 5º desta.
levância de uma cavidade serão considerados de
I População residente de quirópteros; importância signiicativa sob enfoque local e regio-
nal, os atributos com pelo menos uma das seguin-
II Constatação de uso da cavidade por aves sil-
tes conigurações:
vestres como local de nidiicação;
III Alta diversidade de substratos orgânicos; Comentário: Ocorrendo ao menos uma das con-
igurações listadas, a caverna será considerada
IV Média riqueza de espécies;
de signiicativa importância local e regional, ou
V Média abundância relativa de espécies; seja, de média relevância, considerando-se o ar-
VI Constatação de uso da cavidade por espécies tigo 5º desta IN.
migratórias;
I Presença de singularidade dos elementos fau-
VII Presença de singularidade dos elementos fau- nísticos sob enfoque regional;
nísticos da cavidade sob enfoque local;
II Média projeção horizontal da cavidade em re-
VIII Presença de estrutura geológica de interesse lação às demais cavidades que se distribuem
cientíico; na mesma unidade espeleológica, conforme
IX Presença de registros paleontológicos; deinido no § 3o do art. 14, desta Instrução
X Reconhecimento local do valor estético/cêni- Normativa;
co da cavidade; III Média área da projeção horizontal da cavidade

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

em relação às demais cavidades que se dis- com pelo menos uma das seguintes conigurações:
tribuem na mesma unidade espeleológica,
Comentário: Havendo a ocorrência de pelo
conforme deinido no § 3o do art. 14, desta
menos uma das configurações listadas, a ca-
Instrução Normativa
verna será considerada de significativa im-
IV Alto desnível da cavidade em relação às de- portância local. Entretanto, essa ocorrência
mais cavidades que se distribuem na mesma isolada não define a relevância da cavida-
unidade espeleológica, conforme deinido no de, sendo necessário definir a sua importân-
§ 3o do art. 14, desta Instrução Normativa; cia regional.
V Médio volume da cavidade em relação às de-
I Baixa diversidade de substratos orgânicos;
mais cavidades que se distribuem na mesma
II Baixa riqueza de espécies;
unidade espeleológica, conforme deinido no
§ 3o do art. 14, desta Instrução Normativa; III Baixa abundância relativa de espécies;

VI Presença de estruturas espeleogenéticas raras; IV Presença de singularidade dos elementos fau-


nísticos sob enfoque local;
VII Lago ou drenagem subterrânea intermitente
com inluência signiicativa sobre os atributos V Média projeção horizontal da cavidade em re-
da cavidade que tenham as conigurações re- lação às demais cavidades que se distribuem
lacionadas nos incisos deste artigo; na mesma unidade geomorfológica, confor-
me deinido no § 1o do art. 14, desta Instrução
Comentário: Exceção ao comentário do Ca- Normativa;
put. Este inciso somente será considerado se
VI Média área da projeção horizontal da ca-
houver outro atributo da lista na mesma ca-
vidade em relação às demais cavida-
verna, ou seja, sua aplicação depende de ou-
des que se distribuem na mesma unidade
tro atributo para classiicar a caverna como de
geomorfológica,conforme deinido no § 1o
média relevância.
do art. 14, desta Instrução Normativa;
VIII Diversidade da sedimentação química com VII Alto desnível da cavidade em relação às de-
muitos tipos de espeleotemas ou processos mais cavidades que se distribuem na mesma
de deposição; unidade geomorfológica, conforme deinido
IX Sedimentação clástica ou química com valor no § 1o do art. 14, desta Instrução Normativa;;
cientíico; VIII Médio volume da cavidade em relação às de-
X Reconhecimento regional do valor estético/ mais cavidades que se distribuem na mesma
cênico da cavidade; unidade geomorfológica, conforme deinido
XI Uso constante, periódico ou sistemático para no § 1o do art. 14, desta Instrução Normativa;
ins educacionais, recreativos ou esportivos. IX Poucos tipos de espeleotemas e processos de
deposição em termos de diversidade de sedi-
Parágrafo único. Para efeitos de classiicação, tam-
mentação química;
bém serão considerados como de importância sig-
X Uso esporádico ou casual para ins educacio-
niicativa, sob o enfoque regional, os atributos com
nais, recreativos ou esportivos;
as conigurações listadas nos incisos desse artigo.
XI Visitação pública esporádica ou casual na
Art. 10° Para efeito de classiicação do grau de rele-
cavidade;;
vância de uma cavidade serão considerados de im-
portância signiicativa sob enfoque local, os atributos XII Presença de água de percolação ou

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

condensação com inluência sobre os atribu- naturais subterrâneas.


tos da cavidade que tenham as conigurações
Comentário: O artigo trata da escala de análise,
relacionadas nos incisos deste artigo; e
calcada em dois planos, local e regional. Os estu-
XIII Lago ou drenagem subterrânea intermitente dos espeleológicos para ins de anuência devem
com inluência sobre os atributos da cavida- trazer uma discussão bem detalhada acerca do
de que tenham as conigurações relacionadas tema, pois em cada local haverá uma situação
nos incisos deste artigo. distinta para a deinição das escalas, haja vista
a complexidade ambiental envolvida. O licen-
Art. 11° Quando a coniguração de atributos sob
ciador deve insistir numa metodologia bem de-
enfoque local não for considerada de importância
talhada de deinição dessas escalas.
acentuada ou signiicativa, será, por exclusão, con-
siderada de importância baixa. As unidades de análise estabelecidas na IN não se
Art. 12° Quando a coniguração de atributos sob limitam às unidades espaciais de análise relacio-
enfoque regional não for considerada de impor- nadas às áreas de inluência do empreendimen-
tância acentuada ou signiicativa, será, por exclu- to/atividade, ou seja, área de inluência indireta
são, considerada de importância baixa. (AII), direta (AID) e diretamente afetada (ADA).
As unidades local e regional serão estabelecidas
Art. 13° Os estudos para deinição do grau de rele-
por alguns critérios diferentes daqueles deinido-
vância das cavidades naturais subterrâneas deverão
res das áreas de inluência de empreendimentos/
ser iniciados com a análise das conigurações de atri-
atividades
butos sob enfoque regional, seguindo a chave de
classiicação do Anexo III desta Instrução Normativa. O Programa Nacional de Conservação do Patri-
mônio Espeleológico tem dentre seus objetivos a
Parágrafo único. Para os casos de relações de im-
deinição das unidades espeleológicas brasileiras,
portância de atributos não previstas nos §§ 6º, 7º e
a im de se estabelecer áreas uniformes de análi-
8o do art. 2o do Decreto no 99.556, de 1990, a im-
se e evitar a sobreposição de unidades diferentes
portância dos atributos sob enfoque local assumirá
que poderia, por exemplo, favorecer tratamen-
a mesma importância identiicada para os atribu-
tos estatísticos inadequados, favoráveis a deter-
tos sob enfoque regional.
minados empreendimentos e inclusive danosos
Comentário: Por exemplo, caso a caverna apre- ao patrimônio espeleológico.
sente um atributo de signiicativa importância
regional, mas localmente seja de baixa impor- Portanto, é de suma importância o repasse ao
tância, assim mesmo será considerada de signi- Cecav das informações relacionadas à deini-
icativa importância local, pois a escala regional ção das unidades (locais e regionais) apresenta-
predomina sobre a local quando superior. Neste das nos estudos espeleológicos e aprovados pelo
exemplo, a caverna de baixa relevância local as- órgão ambiental licenciador, no âmbito dos pro-
sume ao inal média relevância, devido à classi- cessos de licenciamento ambiental.
icação regional.
§ 1° As análises referentes ao enfoque local são de-
Art. 14° Os estudos espeleológicos a serem reali- limitadas pela unidade geomorfológica que apre-
zados para ins de classiicação de cavidades sub- sente continuidade espacial, podendo abranger
terrâneas devem apresentar informações, sob os feições como serras, morrotes ou sistema cárstico,
enfoques local e regional, que possibilitem a clas- o que for mais restritivo em termos de área, desde
siicação em graus de relevância das cavidades que contemplada a área de inluência da cavidade.

184 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

§ 2° As análises referentes ao enfoque regional são Comentário: Todos os incisos devem ser demons-
delimitadas pela unidade espeleológica. trados nos estudos de aplicação da metodologia.
As consultas relatadas podem ser demonstradas
§ 3° Entende-se por unidade espeleológica a área
através de atas ou outros documentos.
com homogeneidade isiográica, geralmente as-
sociada à ocorrência de rochas solúveis, que pode Parágrafo único Os proissionais responsáveis pela
congregar diversas formas do relevo cárstico e pseu- realização dos estudos espeleológicos devem estar
docárstico tais como dolinas, sumidouros, ressur- inscritos no Cadastro Técnico Federal.
gências, vale cegos, lapiás e cavernas, delimitada
Art. 16° A aprovação dos estudos espeleológicos
por um conjunto de fatores ambientais especíicos
para ins de classiicação do grau de relevância de
para a sua formação.
cavidades naturais subterrâneas está condicionada
Comentário: Os efeitos de diversos fatores am- à apresentação de informações suicientes à com-
bientais (clima, vegetação, hidrologia, estru- preensão do ecossistema cavernícola.
turais, etc.) ao longo do tempo evidenciam a
§ 1° Os estudos biológicos devem levar em consi-
diferenciação de compartimentos em um mes-
deração também o sistema subterrâneo, do qual a
mo grupo ou formação geológica, demons-
cavidade natural subterrânea faz parte.
trando a importância de caracterizar áreas
com características homogêneas, porém di- Comentário: Sistema Subterrâneo - conjunto de
ferenciadas em relação às demais porventu- espaços interconectados da subsuperfície, de ta-
ra existentes no grupo ou formação geológica manhos variáveis (desde issuras diminutas até
e assim adequar as análises espeleológicas às grandes galerias e salões), formando grandes
especificidades das áreas estudadas.. redes de espaços heterogêneos, que podem ser
preenchidos por água ou ar (Anexo II). Cavernas
§ 4° Os estudos espeleológicos poderão utilizar
funcionam como “janelas”.
métodos analíticos e descritivos para a avaliação e
a integração de dados e informações. § 2° Os levantamentos biológicos devem atender
o mínimo de um ciclo anual com, pelo menos,
Art. 15° Os estudos espeleológicos devem ser re-
duas amostragens por ano, sendo uma na estação
alizados por equipes interdisciplinares contendo,
chuvosa e outra na estação seca, visando minima-
pelo menos:
mente revelar aspectos decorrentes da sazonali-
I Levantamento bibliográico e cartográico;
dade climática.
II Coleta e análise de dados de campo
Comentário: Na maioria das regiões brasileiras
multitemporais;
é possível a realização das coletas em seis me-
Comentário: Dados multitemporais: vide art. ses. Por meio de um adequado planejamento
16º, parágrafos 2º e 3º desta IN das coletas, em menos de um ano é possível ob-
ter resultados para os estudos bioespeleológicos.
III Análise de laboratório; Entretanto, tal celeridade pode também não re-
IV Processamento e integração de dados e infor- letir a realidade bioespeleológica das cavernas,
mações; e que podem ter ciclos diferentes dos anuais. Res-
V Consulta a especialistas, comunidades locais, salta-se que este período de tempo é menor que
comunidade espeleológica e instituições de o mínimo necessário para se observar as varia-
ensino e pesquisa. ções sazonais, bem como padrões rítmicos esta-
tisticamente signiicantes.

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 185


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

§ 3° Em regiões que não apresentem estações seca do referido instituto no âmbito dos processos de
e chuvosa bem deinidas, as amostragens deverão licenciamento ambiental.
ser realizadas em duas estações com característi-
Art. 18° Constatada a presença de agentes pato-
cas climáticas distintas.
gênicos e vetores de doença nas cavidades estu-
§ 4° Fica dispensada a obrigatoriedade de répli- dadas, o fato deverá ser informado às autoridades
ca nas amostragens biológicas em cavidade natu- de saúde pública.
ral subterrânea na qual seja identiicado atributo
Comentário: As principais ocorrências são: his-
que a classiique com grau de relevância máximo.
toplasmose (fezes de morcegos), leishmaniose
§ 5° As variáveis dos atributos "Riqueza de espé- (mosquito palha), etc. São necessários cuidados
cies" e "Abundância relativa de espécies" deverão especiais para vistorias.
ser deinidas comparando-se com outras cavida-
des da mesma litologia sob enfoque local. Art. 19° Qualquer impacto negativo irreversível de-
verá ser precedido de registro e armazenamento
§ 6° Não havendo base de comparação sob enfo-
cartográico e fotográico, bem como de inventá-
que local quanto às variáveis dos atributos "Rique-
rio e coleta de espeleotemas e elementos geoló-
za de espécies" e "Abundância relativa de espécies",
gicos e biológicos representativos do ecossistema
mediante justiicativa técnico-cientíica, esta com-
cavernícola, compreendendo o resgate, transpor-
paração poderá ser feita sob enfoque regional.
te adequado e a destinação a coleções cientíicas
§ 7° A identiicação dos organismos deve ser re- institucionais.
alizada até o nível de espécie, sendo facultada,
Comentário: Atribuição do responsável pelo
mediante justiicativa técnico-cientíica, a identi-
empreendimento/atividade. As informações re-
icação até categorias taxonômicas hierarquica-
lacionadas às medidas exigidas no artigo serão
mente superiores.
inseridas no CANIE.
§ 8° Nos casos em que não for identiicada a es-
pécie, os atributos "Riqueza de espécies" e "Abun- A respeito de autorizações para “coleta para ela-
dância relativa de espécies" deverão ser analisados boração de EIA-RIMA” compete ao próprio órgão
considerando o número de morfo-espécies. licenciador dar a autorização, sem a necessida-
de de análise e manifestação do Cecav. Caso seja
§ 9° Os procedimentos de levantamento faunísti-
de interesse do órgão licenciador, o Cecav poderá
co devem seguir métodos consagrados ou de ei-
fornecer orientações a respeito dos métodos de
cácia comprovada cientiicamente.
coletas mais adequados/utilizados para o am-
Art. 17° O atributo referente à destacada relevân- biente cavernícola.
cia histórico-cultural ou religiosa de uma cavidade,
previsto no inciso XI do § 4º do art. 2o do Decreto Sugere-se que em caso de “coletas para salvamen-
no 99.556, de 1990, será objeto de avaliação pelo to e transporte”, a autorização conste na própria
órgão competente. licença ambiental deferida ao empreendimento

Comentário: Considerando que o Decreto Parágrafo único. São vedados impactos negativos
6.640/08 estabelece o atributo “relevância histó- irreversíveis em cavidades que apresentem ocor-
rico-cultural ou religiosa de uma cavidade”, e que rência de táxons novos até que seja realizada a sua
durante reunião com representantes do IPHAN foi descrição cientíica formal.
argumentado que a análise e deinição de tal atri- Art. 20° O Instituto Chico Mendes de Conservação
buto competem àquele Instituto, resta estabelecer da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, no pra-
os procedimentos para se obter a manifestação zo de 90 dias, deverá instituir o Cadastro Nacional

186 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

de Informações Espeleológicas-CANIE, parte inte- testemunho deinidas em procedimento de licen-


grante do Sistema Nacional de Informação do Meio ciamento ambiental, será condicionante para o li-
Ambiente- SINIMA, que será constituído por infor- cenciamento de empreendimentos que causem
mações correlatas ao Patrimônio Espeleológico Na- impactos a outra cavidade de alta relevância.
cional, de acordo com a Política de Informação do
§ 1° As cavidades testemunhos preservadas deve-
Ministério do Meio Ambiente constante da Porta-
rão apresentar conigurações similares de atributos
ria no 160, de 2009.
que determinaram a classiicação de alta relevân-
§ 1° Caberá ao Instituto Chico Mendes realizar a ges- cia para a cavidade alvo de impactos irreversíveis.
tão do CANIE, criando os meios necessários para
§ 2° As cavidades testemunho deinidas no proces-
sua execução.
so de licenciamento têm grau de relevância máxi-
§ 2° O órgão gestor do CANIE poderá credenciar, mo, icando vedado o licenciamento de atividades
mediante os instrumentos legais de cooperação que lhes causem impactos irreversíveis.
técnica, a alimentação das informações espeleo-
Art. 22° O Instituto Chico Mendes, por meio da
lógicas disponíveis no país por outras entidades.
atuação do CECAV, Centro Especializado voltado à
§ 3° Os órgãos ambientais licenciadores deverão pesquisa e conservação de cavernas, atuará no mo-
repassar ao CANIE as informações espeleológicas nitoramento e aperfeiçoamento dos instrumentos
inseridas nos processos de licenciamento ambien- relacionados ao controle e uso das cavidades na-
tal, inclusive a classiicação do grau de relevância. turais subterrâneas.
Comentário: Enquanto não for implantado o Comentário: A atuação do Cecav se dará na es-
CANIE, os órgãos estaduais de meio ambiente fera do monitoramento e do aperfeiçoamento de
precisam solicitar ao empreendedor cópia digital instrumentos, portanto, sem o objetivo de inter-
adicional dos estudos espeleológicos para envio ferir diretamente no licenciamento ou na iscali-
ao Cecav. Porém, não exime os órgãos ambien- zação ambiental.
tais de alimentarem o CANIE com as informações
§ 1° O CECAV deverá, sempre que entender neces-
espeleológicas quando este estiver implantado.
sário, solicitar ao órgão licenciador informações
§ 4° O empreendedor que vier a requerer licencia- acerca dos estudos espeleológicos considerados
mento ambiental deverá realizar seu cadastramento para efeito da classiicação do grau de relevância
prévio no CANIE informando os dados do patrimô- de cavidade natural subterrânea, na forma do § 5o
nio espeleológico mencionados no processo de li- do art. 2o da Lei no 10.650, de 16 de abril de 2003.
cenciamento, independentemente do cadastro ou
§ 2° O CECAV contará, quando necessário, com su-
registro existentes em outros órgãos.
porte técnico/cientíico de especialistas, entidades
Comentário: Quando da sua implementação, e instituições direta ou indiretamente afetas à espe-
os empreendedores deverão atender o dispos- leologia para ins de construção e aprimoramento
to no parágrafo. de instrumentos que contribuam para a avaliação,
classiicação e reclassiicação do grau de relevância
§ 5° Os dados e informações gerados a partir dos
das cavidades naturais subterrâneas.
estudos espeleológicos, bem como os métodos
analíticos e descritivos utilizados para sua avalia- § 3° O Instituto Chico Mendes, através do CECAV,
ção e integração, deverão ser inseridos no CANIE coordenará um comitê técnico consultivo, para
pelo responsável pela sua realização. ins de acompanhamento e avaliação da aplica-
ção deste ato normativo nos processos de licen-
Art. 21° A preservação de 2 (duas) cavidades
ciamento ambiental, com a inalidade de propor

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

ao Ministério do Meio Ambiente o aprimoramen- Art. 23° Esta Instrução Normativa deverá ser revis-
to das regras técnicas previstas, sempre que en- ta em um prazo máximo de dois anos contados
tender necessário da data de publicação desta Instrução Normativa.
Comentário: O comitê prevê a participação de re- Art. 24° Ficam aprovados os Anexos I, II e III como
presentantes dos órgãos de meio ambiente licen- parte integrante desta Instrução Normativa.
ciadores de empreendimentos e atividades que
Art. 25° Esta Instrução Normativa entra em vigor
envolvem o uso de cavidades. O cumprimento das
na data de sua publicação.
regras estabelecidas nesta IN visa, portanto, re-
sultados além dos licenciamentos em referência, CARLOS MINC
já que por meio do tratamento das informações
oriundas de estudos espeleológicos, e das respec-
tivas análises dos órgãos licenciadores poderão
ser aperfeiçoadas as regras então estabelecidas,
bem como o aprimoramento dos instrumentos
relacionados ao controle e uso das cavidades na-
turais subterrâneas.

§ 4° A criação e composição do referido comitê


serão deinidas em ato normativo do Presidente
do Instituto Chico Mendes, no prazo de sessenta
dias, contados da data de publicação desta Instru-
ção Normativa.
Comentário: Por meio da Portaria nº 636, de 22
de Dezembro de 2010, o Presidente do Instituto
Chico Mendes cria o Comitê Técnico Consultivo,
sendo designados para a sua composição inicial
representantes do:

a) Licenciamento do ICMBio;

b) Licenciamento do IBAMA;

c) Sociedade Brasileira e Espeleologia - SBE;

d) Redespeleo;

e) Associação Brasileira de Entidades Estaduais


de Meio Ambiente;

f ) Instituto Brasileiro de Mineração - IBRAM;

g) Sociedade Brasileira para o Progresso da Ci-


ência - SBPC;

h) Centro Nacional de Pesquisa e Conservação


de Cavernas - Cecav

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

ANEXO I

TABELA I - Atributos e respectivos conceitos a serem considerados para im de classiica-


ção do grau de relevância máximo das cavidades naturais subterrâneas.
Atributo considerado para
classificação de grau de Conceito Variável
relevância máximo
Gênese única ou rara Cavidade que, no universo de seu entorno (escala local Presença
ou regional) e litologia apresente algum diferencial, com
Ausência
relação ao seu processo de formação e dinâmica
evolutiva.
Morfologia única Cavidade que, no universo de seu entorno (escala local Presença
ou regional) e sua litologia apresente algum diferencial
em relação à forma, organização espacial das galerias Ausência
e/ou feições morfológicas internas (espeleogens),
considerando o todo ou parte da cavidade.
Dimensões notáveis em Cavidade que apresente em sua totalidade ou em parte Presença
extensão, área e/ou volume dela, grande extensão (horizontal ou vertical), área ou
Ausência
volume relativo ao enfoque local ou regional.
Espeleotemas únicos Cavidade que apresente espeleotemas, individualmente Presença
ou em conjunto, pouco comuns ou excepcionais, em
tamanho, mineralogia, tipologia, beleza ou profusão, Ausência
especialmente se considerados frente à litologia
dominante da cavidade ou sob os enfoques territoriais
considerados (local ou regional).
Isolamento geográfico Cavidade inserida em ambiente onde não se tem registro Presença
de outras ocorrências ou remanescente de áreas
degradadas, sob enfoque regional. Ausência
Abrigo essencial para a Cavidade que compreenda um abrigo, ou parte Presença
preservação de populações importante do habitat de espécies constantes de lista
geneticamente viáveis de oficial, nacional ou do estado de localização da cavidade, Ausência
espécies animais em risco de de espécies ameaçadas de extinção.
extinção, constantes de listas
oficiais.
Habitat para a preservação de Presença de espécie troglóbia com distribuição Presença
populações geneticamente geográfica restrita (troglóbio endêmico). Presença de
viáveis de espécies de espécie troglóbia sem registro de parentes epígeos
Ausência
troglóbios endêmicos ou próximos (relicto filogenético), ou ainda, cujos parentes
relictos. epígeos mais próximos se encontram em uma região
geográfica distinta (relicto geográfico).
Habitat de troglóbio raro Presença de espécie troglóbia que apresente número Presença
reduzido de indivíduos, ou de distribuição geográfica Ausência
restrita.
Interações ecológicas únicas Ocorrência de interações ecológicas duradouras raras ou Presença
incomuns, incluindo interações tróficas, considerando-se
Ausência
o contexto ecológicoevolutivo.
Cavidade testemunho Cavidade testemunho de processos ambientais ou Presença
paleoambientais expressivos ou cavidade com grau de
Ausência
relevância alto apontada como salvo conduto para
liberação de impactos a outra cavidade.
Destacada relevância Cavidades que apresentam testemunho de interesse Presença
histórico- cultural religiosa arqueológico da cultura paleoameríndia do Brasil, tais
como: inscrições rupestres, poços sepulcrais, jazigos,
aterrados, estearias, locais de pouso prolongado, indícios Ausência
de presença humana através de cultos e quaisquer outras
não especificadas aqui, mas de significado idêntico a
juízo da autoridade competente.

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CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

TABELA II - Atributos e respectivos conceitos a serem considerados para im de classiicação


do grau de relevância das cavidades naturais subterrâneas entre: alto, médio e baixo.

Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
Localidade tipo Caverna. citada como local geográfico de onde Presença
foram coletados os exemplares tipo utilizados na Ausência
descrição de determinada espécie ou táxon
superior.
Espécies com função Presença de populações estabelecidas de espécies Presença
ecológica importante com função ecológica importante (polinizadores, Ausência
dispersores de sementes e morcegos insetívoros)
que possuam relação significativa com a cavidade.
População residente de Conjunto de indivíduos pertencentes a mesma Presença
quirópteros espécie , cuja presença contínua na cavidade seja Ausência
observada por um período mínimo de um mês,
caracterizando a inter-relação com o ecossistema
cavernícola para a sua sobrevivência.
Local de nidificação de Utilização da cavidade por aves silvestres como Constatação de uso
aves silvestres local de nidificação.
Uso não constatado
Diversidade de Substratos potenciais ao estabelecimento de Alta
substratos orgânicos fauna cavernícola, incluindo os ambientes
aquático e terrestre (avaliação qualitativa dos Baixa
substratos). Devem ser considerados 7 tipos
diferentes de substrato:
-Guano (morcegos, aves, insetos)
-Material vegetal
-Detritos
-Raízes
-Carcaças
-Fezes de vertebrados não voadores
-Bolotas de regurgitação.
Táxons novos Ocorrência de animais pertencentes a táxons Presença
ainda não descritos formalmente. Ausência
Riqueza de espécies Estimativa do número de espécies presentes na Alta
caverna. Média
Baixa
Abundância relativa de Estimativa da quantidade de indivíduos de cada Alta (30% ou mais das
espécies espécie, considerando vertebrados e os espécies apresentam
invertebrados cujos adultos possuam tamanho abundância alta)
corporal igual ou superior a 1 cm. Média (de 10% a 20% das
espécies apresentam
abundância alta)
Baixa (menos de 10% das
espécies apresentam
abundância alta)
Composição singular da Ocorrência de populações estabelecidas de Presença
fauna espécies de grupos pouco comuns ao ambiente
Ausência
cavernícola.
Troglóbios Animais de ocorrência restrita ao ambiente Presença de espécies não
subterrâneo. consideradas raras,
endêmicas ou relictas

19 0 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

TABELA II - continuação

Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
Ausência
Espécies troglomórficas Ocorrência de animais cujas características Presença
morfológicas revelem especialização decorrente Ausência
do isolamento no ambiente subterrâneo.
Trogloxeno obrigatório Trogloxeno que precisa necessariamente utilizar a Presença
cavidade para completar seu ciclo de vida. Ausência

População excepcional Conjunto de indivíduos da mesma espécie com Presença


em tamanho número excepcionalmente grande de indivíduos. Ausência
Espécies migratórias Utilização da cavidade por espécies migratórias. Constatação de uso
Uso não constatado
Singularidade dos Especificidade ou endemismo dos elementos Presença
elementos faunísticos bióticos identificados na cavidade, se comparados
da cavidade sob àqueles também encontrados no enfoque local.
Ausência
enfoque local

Singularidade dos Especificidade apresentada pelos elementos Presença


elementos faunísticos bióticos identificados na cavidade, se comparadas
da cavidade sob aquelas também encontradas nas cavidades na Ausência
enfoque regional mesma unidade espeleológica.
Espécie rara Ocorrência de organismos representantes de Presença
espécies cavernícolas não-troglóbias com Ausência
distribuição geográfica restrita e pouco
abundante.
Projeção horizontal Soma da projeção horizontal dos eixos de Alta (> μ + ơ)
desenvolvimento da cavidade e classificação do Média
resultado em relação à média (μ) [considerando o [intervalo entre (μ - ơ) e
desvio padrão (σ) do conjunto de dados] (μ + ơ )]
observada nas cavidades que se distribuem na Baixa (<μ – ơ )
mesma unidade espeleológica.
Desnível Diferença entre a cota do piso mais alta e a mais Alto ( > μ)
baixa da cavidade comparada com a média dos
desníveis das cavidades que se distribuem na Baixo ( ≤ μ)
mesma unidade espeleológica.
Área da projeção Comparação, em superfície, da área calculada da Alta (> μ + σ)
horizontal da caverna cavidade em relação às áreas calculadas ou Média
estimadas de outras cavidades [considerando a [intervalo entre ( μ - σ) e (
média (μ) e o desvio padrão (σ) do conjunto de μ + σ)]
dados] que se distribuem na mesma unidade Baixa (< μ − σ)
espeleológica.
Volume Comparação do volume da cavidade sob análise Alto (> μ + σ)
em relação aos volumes calculados ou estimados Médio
de outras cavidades [considerando a média (μ) e o [intervalo entre (μ - σ) e
desvio padrão (σ) do conjunto de dados] que se (μ + σ)]
distribuem na mesma unidade espeleológica. Baixo (< μ − σ)
Estruturas Estruturas na rocha herdadas do processo de Presença significativa de
espelogenéticas formação da cavidade (ex. scallops, bell holes, estruturas
marmitas, meandros de teto, anastomoses espeleogenéticas raras

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 19 1


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

TABELA II - continuação

Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
pendentes, meios tubos, box work e Presença de estruturas
assemelhados), padrões morfológicos ou seções espeleogenéticas raras
geométricas, sob enfoque regional.
Estruturas
espeleogenéticas sem
destaque ou ausentes
Estruturas geológicas Estrutura na rocha matriz de importância científica Presença
de interesse científico (ex. contatos, tectonismo, mineralogia).
Ausência
Água de percolação ou Infiltração de água através de poros, diáclases, Presença significativa
condensação falhas, ou umidade existente na atmosfera da Não significativa ou
caverna sob a forma condensada e sua influência ausente
sobre o sistema hídrico e biótico.
Lago ou drenagem Corpo ou curso d'água, perene ou intermitente, Perene
subterrânea presente na cavidade. Sua relação (influência e/ou Intermitente e
contribuição) com a dinâmica hídrica e biológica, significativa para o
local e regional. sistema hidrológico ou
biológico
Intermitente e
significativa para a
cavidade
Não significativo ou
ausente
Diversidade da Complexidade da deposição secundária de Muitos tipos de
sedimentação química minerais presentes em solução em relação aos espeleotemas e
tipos de espeleotemas (diversidade genética, processos de deposição
morfológica e mineral) e processos (água Muitos tipos de
estagnada, circulante ou de exsudação, etc.). espeleotemas ou
processos de deposição
Poucos tipos e processos
Ausência de tipos e
processos
Configuração dos Aspecto, maturidade ou abundância dos Notável
espeleotemas depósitos minerais secundários.
Pouco significativo
Sedimentação clástica Interesse/importância científica ou didática Presença com valor
ou química (biológica, climática, paleoclimática, científico
antropológica, paleontologia) da deposição de
fragmentos desagregados de rochas, solos e Presença sem valor
outros acúmulos sedimentares, inclusive científico ou ausência
orgânicos, de tamanhos diversos, associada à
dinâmica hidrológica, morfológica, ou da
deposição secundária de minerais presentes em
solução.
Registros Fósseis de animais e vegetais (restos, vestígios). Presença
paleontológicos
Ausência
Influência sobre o Influência da cavidade sobre as demais estruturas Alta
sistema cárstico e funções do sistema cárstico, inclusive sua Baixa
importância para a manutenção da estabilidade
estrutural do sistema (ex.: subsidências).

19 2 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

TABELA II - continuação

Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
Inter-relação da Sobreposição de áreas de influência. Presença
cavidade com alguma
Ausência
de relevância máxima
Reconhecimento do Reconhecimento do valor paisagístico atribuído à Nacional/Mundial
Valor estético/cênico cavidade (paisagem subterrânea ou superficial). Regional
Local
Sem reconhecimento
Uso educacional, Ocorrência de visitação por grupo de usuários Constante, periódico ou
recreativo ou esportivo com interesse específico à investigação ou sistemático
exploração espeleológica, recreação ou esporte. Esporádico, casual
Sem utilização
Visitação Pública Visitação de interesse difuso. Com Plano de Manejo
(aprovado ou em
elaboração)
Periódica ou sistemática
Esporádico ou casual
Sem utilização

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 19 3


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL

ANEXO II

Glossário

Área de Inluência da Caverna: área que compre-


ende os elementos bióticos e abióticos, superi-
ciais e subterrâneos, necessários à manutenção do
equilíbrio ecológico e da integridade física do am-
biente cavernícola.
Patrimônio Espeleológico: conjunto de elementos
bióticos e abióticos, sócio-econômicos e histórico-
culturais, subterrâneos ou supericiais, represen-
tado pelas cavidades naturais subterrâneas ou a
estas associadas.
Sistema cárstico: conjunto de elementos interde-
pendentes, relacionados à ação da água e seu poder
corrosivo junto a rochas solúveis, que dão origem
a sistemas de drenagem complexos, englobando
sistemas de cavernas e demais feições supericiais
destes ambientes, como as dolinas, sumidouros, va-
les secos, maciços lapiasados e outras áreas de re-
carga. Incluem-se neste conceito todas as formas
geradas pela associação de águas corrosivas e ro-
chas solúveis que resultam na paisagem cárstica. É
constituído por suas diversas zonas: exocarste, epi-
carste e endocarste.
Sistema Subterrâneo: conjunto de espaços inter-
conectados da subsuperfície, de tamanhos variáveis
(desde issuras diminutas até grandes galerias e sa-
lões), formando grandes redes de espaços hetero-
gêneos, que podem ser preenchidos por água ou ar.

194 8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE NTAL AP LICADA


CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL

Anexo III:

Chave de classiicação do grau de relevância de cavidades naturais subterrâneas

Importância ENFOQUE Importância ALTA


Acentuada LOCAL Acentuada RELEVÂNCIA

Importância ALTA
Acentuada RELEVÂNCIA
ENFOQUE Importância ENFOQUE
REGIONAL Significativa LOCAL
Importância MÉDIA
Significativa RELEVÂNCIA

Importância MÉDIA
Acentuada RELEVÂNCIA

Importância ENFOQUE Importância BAIXA


Baixa LOCAL Significativa RELEVÂNCIA

Importância BAIXA
Baixa RELEVÂNCIA

8 LE GIS LAÇ ÃO AM B IE N TAL AP LICADA 19 5


CURSO DE ESPELEOLOGIA E LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Contatos dos Instrutores

Nome Instituição E-mail Telefone


Augusto Sarreilo Auler Instituto do Carste aauler@gmail.com (31) 9314 1570
Cristiano Fernandes CECAV/ICMBIO cristiano.ferreira@icmbio.gov.br (61) 3316 1580
Ferreira
Ézio Luiz Rubbioli Grupo Bambui de eziorubbioli@gmail.com (31) 9313 5356
Pesquisas Espeleológicas
Jocy Brandão Cruz CECAV/ICMBIO jocy.cruz@icmbio.gov.br (61) 3316 1572
Jose Carlos Ribeiro CECAV/ICMBIO jose.reino@icmbio.gov.br (61) 3316 1575
Reino
Luis Beethoven Piló Instituto do Carste lbpilo@gmail.com (31) 9769 8657
Rodrigo Lopes Laboratório de drops@ ula.br (31) 9111 8690
Ecologia Subterrânea
/ Departamento de
Biologia / UFLA
Vítor Marcos Aguiar Grupo Bambui de vmamoura@gmail.com (31) 9206 8325
de Moura Pesquisas Espeleológicas
/ Instituto do Carste

projeto gráico e composição


ADÆQUATIO ESTÚDIO DE CRIAÇÃO

impressão e encadernação
COPIADORA COPIAR

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