Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E LICENCIAMENTO AMBIENTAL
IZABELLA TEIXEIRA
Ministra de Estado de Meio Ambiente
SÔNIA RIGUEIRA
Presidente do Instituto Terra Brasilis
Sônia Rigueira
Presidente do Instituto Terra Brasilis
SUMÁRIO
1 Introdução à Espeleologia 7
2 Geoespeleologia 25
4 Biologia Subterrânea 89
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 7
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
foi deinida como unidade espeleológica. (sucos, ranhuras e canais de dissolução na ro-
As cavernas tendem a ocorrer, principalmen- cha) e sumidouros (onde a drenagem superfi-
te, nos denominados terrenos cársticos, ou seja, cial adentra para o meio subterrâneo através de
áreas onde a litologia predominante compreen- condutos). Por último, predomina uma drena-
de rochas solúveis. Mas em outras áreas, que não gem subterrânea, efetuada através de um siste-
as cársticas, também podem ocorrer cavernas. A ma de condutos ou fendas alargadas na rocha,
palavra karst, que foi aportuguesada para cars- ou seja, através de galerias subterrâneas, que
te, é a forma germânica da palavra servo-croata não são visíveis na superfície.
kras, cujo signiicado original é terreno rochoso, O sistema cárstico compreende, em linhas
desnudo, característica de uma região situada no gerais, o ambiente externo, denominado por al-
nordeste da Itália e no noroeste da Eslovênia. Tal guns como exocarste (ou simplesmente carste
região é considerada entre os especialistas como supericial), marcado por formas supericiais ge-
o carste clássico, já que foi ali a primeira vez que radas primordialmente pelo ataque químico de
esse tipo de relevo foi descrito e estudado, a par- águas meteóricas, e o domínio subterrâneo (endo-
tir da segunda metade do século 19. carste ou carste subterrâneo), representado por
Quando se fala em paisagem cárstica, al- cavidades subterrâneas, geradas pela dissolução
gumas características são determinantes. Esse por águas subterrâneas de origem diversa. Um ter-
tipo de paisagem peculiar está associado a ro- ceiro domínio, o epicarste, pode também ser re-
chas carbonáticas (particularmente calcários e conhecido, dizendo respeito à zona logo abaixo
dolomitos), podendo se referir também a pai- da superfície, englobando o contato entre o solo,
sagens similares em outras rochas solúveis. O quando existente, e a rocha calcária.
processo principal de formação desse relevo é Alguns autores têm usado o termo pseudocarste
a dissolução da rocha através do tempo geoló- para se referir as paisagens que apresentam feições
gico. Essa característica é bem típica do carste, semelhantes às cársticas, tais como cavernas, dolinas
pois a grande maioria das paisagens é modela- e escarpas rochosas. No entanto, essas feições não são
da principalmente por processos erosivos. Tam- formadas sobre típicas rochas solúveis como em um
bém apresenta um conjunto de formas típicas, verdadeiro carste. Por exemplo, as depressões do tipo
tais como dolinas (depressões fechadas), va- doliniformes e cavernas da Serra dos Carajás, no sudes-
les cegos, paredões, abrigos rochosos, lapiás te do Pará, desenvolvidas em rochas ferríferas (minério
Figura 1.1: Peril esquemático do sistema cárstico, compreendendo o carste supericial, o epicarste e o carste subterrâneo (cavernas).
de ferro e canga), foram denominadas de pseudocárs- canga são extremamente favoráveis à formação
ticas por Maurity & Kotschoubey (1995). de cavernas, adicionou mais um componente ao
Atualmente existe uma tendência para incluir mosaico espeleológico brasileiro. Ocorrem tam-
as rochas silicatadas, particularmente os quartzi- bém, embora em menor escala, cavernas em gra-
tos e arenitos, no grupo das rochas carstiicáveis. nito, gnaisse, rochas metamóricas variadas como
Essa propensão deriva de demonstrações de que micaxistos e ilitos, além de coberturas de solos.
a dissolução da sílica, anteriormente considerada Até o momento, cerca de 10.000 cavernas en-
de baixa solubilidade, tem tido um papel impor- contram-se registradas nos cadastros espeleológi-
tante na confecção de morfologias supericiais e cos existentes no país. Esses cadastros abrangem
subterrâneas tipicamente cársticas. Bons exemplos principalmente informações coletadas por grupos
da ação efetiva desses processos podem ser obser- amadores de espeleologia. No entanto, muitas ca-
vados na região quartzítica do Roraima venezue- vernas identiicadas ainda não foram incluídas nos
lano e na região do Parque Estadual do Ibitipoca, cadastros espeleológicos, seja porque o trabalho
em Minas Gerais. foi realizado no âmbito proissional, encontrando-
Salienta-se que uma indeinição ainda existen- se arquivado nas próprias empresas executoras ou
te dentro dessa discussão é saber quais os critérios nos órgãos ambientais, seja simplesmente porque
que qualiicam uma paisagem como sendo cárs- não houve interesse em se efetuar o cadastramen-
tica. Para alguns autores, é necessário que o trans- to no caso de grupos ou indivíduos amadores. Des-
porte de massa em solução seja mais importante ta forma, o número total de cavernas identiicadas
que o transporte de massa por outros processos. até o momento no Brasil deve ser superior ao refe-
No entanto, tais mecanismos, no contexto da di- rido número, com um incremento provavelmente
nâmica da paisagem, são marcados por desconti- da ordem de algumas centenas de novas caver-
nuidades, geralmente de difícil mensuração. Por nas por ano.
exemplo, ainda sabemos pouco sobre os proces- A Tabela 1.1 apresenta, de forma preliminar,
sos de dissolução na geração de cavernas nas for- baseado no conhecimento atual e na experiência
mações ferríferas de Minas Gerais e do Pará. pessoal dos autores, o número de cavernas identi-
icadas até o momento em cada litologia e o pro-
1.3 Potencialidades das cavernas no Brasil vável potencial espeleológico (grutas existentes,
Cerca de 90% das cavernas reconhecidas em todo porém ainda não identiicadas). Essa tabela deve
o mundo desenvolvem-se em rochas carbonáti- ser considerada apenas como um referencial, uma
cas. No Brasil, no entanto, devido a fatores ainda ordem de grandeza de valores a servirem de pa-
pouco conhecidos, mas seguramente envolven- râmetro para a construção de um modelo de po-
do variáveis geomorfológicas e climáticas, areni- tencial espeleológico para nosso país.
tos e quartzitos são também muito susceptíveis
A Tabela abaixo torna evidente o enorme po-
a formação de cavernas. Mais recentemente, a
tencial espeleológico de nosso país. O alto percen-
constatação de que áreas de minério de ferro e
tual de cavernas reconhecidas em minério de ferro
Tabela 1.1 Estimativa (ordem de grandeza) do potencial espeleológico brasileiro em
relação a cavernas conhecidas e litologia.
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 9
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
e canga deve-se aos intensivos esforços de prospec- A Figura 1.2 apresenta as principais áreas car-
ção realizados nessas áreas durante os Estudos de bonáticas do Brasil (em preto) e também as prin-
Impacto Ambiental, visando a instalação de empre- cipais áreas quartzíticas que apresentam cavernas
endimentos minerários. As minas de minério de ferro, (em laranja). Também representadas estão áreas
nesse momento, estão em plena expansão, tendo em carbonáticas de pequena extensão (triângulos) e
vista que o mercado asiático está muito aquecido.. áreas em outras litologias (principalmente arenitos)
Figura 1.2. Mapa mostrando as principais litologias que apresentam cavernas. Rochas carbonáticas estão representadas em
negro. Rochas quartzíticas estão representadas em laranja. Áreas carbonáticas de pequena extensão estão representadas por
triângulos. Outras litologias que apresentam cavernas estão representadas por quadrados. Áreas de minério de ferro que apre-
sentam cavernas estão representadas por estrelas vermelhas.
exploração de cavernas, como Itália e França, com por rios caudalosos, e a região de Mambaí, também
áreas equivalentes ao estado de Minas Gerais, cer- com um grande número de cavidades importantes.
ca de 40 mil cavernas são conhecidas. A ausência No estado da Bahia destaca-se a Serra do Ramalho
de pesquisa, pequeno número de espeleólogos, di- e seus arredores, com várias cavernas importantes,
iculdades de acesso, dentre outros motivos, justi- entre elas a Gruta do Padre, com 16,3 km de exten-
icam o reduzido conhecimento que ainda temos são, a terceira maior caverna do país, e a região de
do potencial espeleológico brasileiro. São Desidério, comportando algumas das caver-
nas com maior espaço interno do país.
1.4 Principais áreas contendo cavernas no Os calcários e dolomitos do Grupo Una ocor-
Brasil rem a partir da região central da Bahia, estendendo-
A maior ocorrência de rochas favoráveis à formação se até o norte do estado. Duas áreas concentram as
de cavernas no Brasil é representada pelos calcários principais cavernas de interesse: a região da Chapa-
e dolomitos do Grupo Bambuí, que se desenvol- da Diamantina, com várias cavernas de grande ex-
vem desde o sul de Minas Gerais até o centro-oes- tensão e beleza, como a Lapa Doce, e a região de
te da Bahia, passando também pelo leste de Goiás. Campo Formoso, que abriga as duas maiores ca-
Inserida nos calcários Bambuí encontra-se, entre vernas do país, a Toca da Boa Vista (Figura 1.5) e a
outras, a região de Lagoa Santa, berço da espele- Toca da Barriguda (Figura 1.6), respectivamente com
ologia brasileira, com mais de 700 grutas registra- 108 km e 30 km de extensão. Muito próximo destas
das (Figura 1.3); a região de Arcos e Pains, também duas cavernas existem aloramentos do calcário Ca-
com centenas de cavernas conhecidas, e a região atinga, que apresentam algumas cavernas impor-
do vale do Rio Peruaçu, com a magníica Gruta do tantes, entre as quais a ampla Gruta do Convento.
Janelão (Figura 1.4) e vários sítios arqueológicos.
Figura 1.5 Grande salão na Toca da Boa Vista (Foto Ezio Rubbioli).
Figura 1.3 Maciço calcário onde se localiza a Lapa do Sumi-
douro, na região cárstica de Lagoa Santa (Foto Ataliba Coelho)
Figura 1.4 Gruta do Janelão, no Parque Nacional do Peruaçu. No sul do Estado de São Paulo e no Paraná alo-
ram os calcários e dolomitos do Grupo Açungui. É
No estado de Goiás destaca-se a região de São uma região de grande beleza, que contém mais de
Domingos, com várias enormes cavernas percorridas 300 cavernas. No lado paulista, a maior concentração
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 11
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
As regiões do Parque Estadual de Ibitipoca, de na sua maioria, pequenas, com média em torno
Carrancas e de Luminárias, no sul de Minas Gerais, dos 25 m de extensão. No entanto, já foram regis-
também apresentam um rico acervo de cavernas tradas cavernas em minério de ferro com mais de
quartzíticas. Outra área de importante concentra- 300 m, além de importantes volumes subterrâneos,
ção de cavernas deste tipo é a região da Chapada tanto em Carajás como no Quadrilátero Ferrífero.
Diamantina, na Bahia. Várias regiões, principalmen- No Brasil ainda ocorrem cavernas em granito,
te no nordeste e no sudeste, apresentam cavernas gnaisse e bauxita, entre outras. São em geral ca-
quartzíticas de importância. No estado do Amazo- vernas de pequeno porte. Uma exceção é a Gru-
nas, a pouco conhecida Serra do Araçá, contém a ta dos Ecos em Cocalzinho, Goiás, inserida em sua
mais profunda caverna quartzítica do Brasil e do maior parte em micaxistos, e que possui 1.600 m
mundo, o Abismo Guy Collet, com 670 m de des- de extensão.
nível. Cavernas areníticas são bastante freqüentes
1.5 A importância das cavernas e do carste
em todo o território nacional. Existem importantes
Com a revelação das cavernas brasileiras pelos via-
concentrações na Chapada dos Guimarães (MT), em
jantes, a partir do século 19, é possível chegar à clara
São Paulo, no Paraná e no interior do Piauí, além de
compreensão de que muitas delas contém registros
muitas cavernas de grande porte dispersas em vá-
cheios de signiicado, além de abrirem vários cami-
rias regiões da Amazônia.
nhos para uma melhor compreensão do passado. Ou
Ocorre ainda um grande número de cavernas
seja, essas cavernas são merecedoras de conservação.
em rochas como minério de ferro e canga, nas re-
Desde o trabalho pioneiro do naturalista di-
giões ao sul de Belo Horizonte (Quadrilátero Ferrí-
namarquês Peter Wilhelm Lund (Figura 1.11), na
fero) e na Serra dos Carajás, no Pará. São cavernas,
primeira metade do século 19, as cavernas têm for-
necido importantes registros fossilíferos, os quais
têm formado a base das pesquisas sobre a pale-
ontologia de vertebrados do Pleistoceno brasilei-
ro. Esses documentos paleobiológicos revelam-se
fundamentais para o conhecimento taxonômico,
Figura 1.10 Cavernas em minério de ferro e canga no Quadri- Figura 1.11 naturalista dinamarquês Peter Lund, considerado
látero Ferrífero.. o “pai da paleontologia brasileira”; .
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 13
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 15
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
1.7 Principais impactos potenciais ao cars- áreas de lavra. Em muitos casos atinge-se uma si-
te e às cavernas tuação em que perdas – para um dos lados – tor-
As paisagens cársticas e as cavernas constituem nam-se inevitáveis. É importante salientar que a
um domínio frágil e peculiar. Pequenas alterações interação entre as cavernas e a mineração é uma
ambientais podem representar ameaças sérias à via de mão dupla em que impactos atingem am-
integridade do meio subterrâneo. Em nosso país, bos os atores envolvidos. As atividades minerárias
impactos ambientais em cavernas têm ocorrido poderão ser fortemente afetadas pela presença de
desde os primórdios da colonização portuguesa, cavernas. A conservação de cavernas poderá ser
principalmente devido à extração mais intensa de afetada pela atividade mineraria.
salitre no interior de grutas da Bahia e de Minas Ge- A degradação total ou parcial da caverna tam-
rais para a produção de pólvora no século19, e uti- bém representa um cenário possível, principalmen-
lização religiosa de cavernas a partir do século 17. te quando da implementação de grandes obras de
Impactos ambientais em cavernas podem ser engenharia (barragens, aeroportos etc.)(Tabela 1.2).
de variadas magnitudes e conseqüências, abran- A utilização da própria caverna poderá trazer im-
gendo desde a destruição (supressão) total da ca- pactos adversos, como no caso de turismo de mas-
verna até impactos localizados de baixa magnitude. sa e uso religioso.
Sem dúvida, o conlito mais direto provém da O desmatamento apresenta-se como um dos
atividade minerária no contexto da qual a caverna,
principais impactos indiretos da atividade humana
inserida no bem mineral a ser extraído, coloca-se
sobre as cavernas. O desmate em domínios cársticos
como um empecilho à instalação ou expansão de
Tabela 1.2 Principais impactos potenciais no carste e nas cavernas.
Atividades Impactos potenciais
Mineração Degradação visual; interferências nas rotas de
drenagem subterrânea; poluição de aqüíferos;
vibrações nas cavernas decorrentes das detonações
para desmontes; sobrepressão acústica;
supressão total ou parcial de cavernas.
Reservatórios e barragens Aumentos dos processos de abatimento; fugas d’água;
alagamento total ou parcial de cavernas; alteração no
uso do solo no entorno.
Urbanização/Industrialização/ Poluição e superexplotação de aqüíferos; abatimentos
Grandes obras de engenharia induzidos; erosão superficial e assoreamento de
cavernas; chuva ácida; poluição atmosférica;
inundações. Sobrepressão acústica e alteração do
sistema de drenagem (terraplenagem).
Adaptação para o turismo em Obras de engenharia no interior da caverna; destruição
massa/uso religioso intensivo de espeleotemas; pichações; liquefação e compactação
do piso das cavernas; alteração do biótopo cavernícola;
geração de lixo; poluição de corpos hídricos.
Desmatamento/Agropastoris Fragmentação de habitats, perda de espécies vegetais e
animais; erosão e assoreamento de corpos hídricos;
alteração do biótopo cavernícola. Contaminação de
aqüíferos por pesticidas e fertilizantes; superexplotação
dos aqüíferos.
Visitação Pisoteamento, quebra de espeleotemas, pichações,
poluição da caverna.
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 17
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
tem sido ocasionado por duas atividades principais: de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental nos
agropastoril (expansão) e extrativismo para obten- casos de empreendimento potencialmente lesivos
ção de insumos lorestais, principalmente lenha e ao Patrimônio Espeleológico Nacional”.
derivados. Diante desse quadro, várias regiões con- A partir da promulgação da Constituição Fe-
tendo cavernas vêm sofrendo signiicativas alte- deral de 1988, as cavernas do país ganharam um
rações em decorrência dos desmatamentos, tais status importante. Em seu artigo 20, a Constitui-
como fragmentação de habitats e perda de espé- ção deiniu as cavernas brasileiras como “bens da
cies vegetais e animais. A falta de proteção vege- união”. Ou seja, as cavernas passaram a integrar o
tal acelera os processos erosivos e o esgotamento domínio patrimonial da União, pois apresentavam
dos solos, como também o assoreamento de sis- interesse para a administração e para a comunida-
temas hidrológicos. de administrada.
A urbanização e criação de zonas industriais Após a promulgação da Constituição Federal,
também podem ocasionar vários tipos de proble- o IBAMA, através da Portaria Nº 887, de 15/06/90,
mas e impactos nos ambientes cársticos e nas ca- estabeleceu as principais normas para a gestão
vernas: inundações, poluição de corpos hídricos, das cavernas brasileiras. Nessa Portaria mereceu
abatimentos induzidos, alteração nos sistemas hí- destaque o Art. 3º, que limitou o uso das cavida-
dricos supericiais e subterrâneos, poluição atmos- des naturais subterrâneas apenas a estudos de or-
férica e chuva ácida. dem técnico-cientíica, bem como atividades de
Em muitas dessas situações, quando de estu- cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, re-
dos de viabilidade do empreendimento, torna-se creativo e educativo.
necessário proceder a uma avaliação da relevân- Logo em seguida, o Decreto Federal Nº 99.556,
cia da caverna. Essa avaliação pode vir a ser crucial publicado em 01/10/90, reairma o estabelecido na
tanto para o destino inal da caverna quanto para Portaria 887 e, pela primeira vez, enfoca objetiva-
o futuro do empreendimento. Obras que neces- mente a proteção e o manejo das cavernas. Inicial-
sariamente venham a trazer impactos de grande mente é importante destacar o art. 1º: “as cavidades
magnitude ao acervo espeleológico podem vir a naturais subterrâneas existentes no território na-
ser alteradas ou mesmo inviabilizadas. A análise de cional constituem patrimônio cultural brasileiro,
relevância está, pois, intimamente relacionada ao e, como tal, serão preservadas e conservadas de
tipo e intensidade do impacto ambiental. modo a permitir estudos e pesquisas de ordem
técnico-cientíica, bem como atividades de cunho
1.8 Legislação afeta ao tema
espeleológico, técnico-cultural, turístico, recreati-
A primeira manifestação legal sobre o interesse do
vo e educativo.”
poder público na proteção e conservação de caver-
No entanto, na deinição de patrimônio es-
nas se deu através da Resolução CONAMA Nº 009,
peleológico exposto no referido Decreto, não há
de 24/01/86. Essa resolução visou a criação de uma
menção de valor ou relevância de atributos para
Comissão Especial para tratar de assuntos relativos
a formação do conceito de patrimônio. Conside-
à preservação do Patrimônio Espeleológico. Com os
rando a necessidade de se aprimorar e atualizar o
subsídios recebidos de instituições integrantes da
Programa Nacional de Proteção ao Patrimônio Es-
referida Comissão foi editada, em seguida, a Reso-
peleológico, aprovado pela Comissão Especial, foi
lução CONAMA Nº 005, de 06/08/87, que resolveu
editada a Resolução CONAMA Nº 347, de 10/09/2004.
criar o “Programa Nacional de Proteção ao Patrimô-
Essa Resolução trouxe pela primeira vez o con-
nio Espeleológico”. Nessa resolução, mereceu desta-
ceito de cavidade natural subterrânea relevante,
que o item 3º, que determina que “seja incluída na
que até então não tinha sido considerada na le-
Resolução/CONAMA/Nº 001/86, a obrigatoriedade
gislação anteriormente estabelecida. Segundo o
inciso II, do art. 2º, são relevantes as cavidades na- resoluções CONAMA, a Portaria 887 do IBAMA e o
turais subterrâneas que apresentem signiicativos Decreto 99.556. Trata-se do momento inicial, com
atributos ecológicos, ambientais, cênicos, cientíi- peril altamente conservador e restritivo quanto
cos, culturais ou socioeconômicos, no contexto lo- ao uso das cavernas brasileiras, que foram consi-
cal ou regional. deradas, de forma indiscriminada, patrimônio es-
O mais lógico seria a necessidade de preser- peleológico brasileiro. Não há dúvida que, para um
vação e proteção das cavernas consideradas rele- primeiro momento, esse conjunto jurídico trouxe
vantes, isto é, aquelas que possam vir a integrar o um ganho expressivo no sentido de valorização das
patrimônio espeleológico brasileiro. cavernas brasileiras, já que muitas cavernas foram
Em 07 de novembro de 2008 foi publicado preservadas individualmente ou através de conjun-
o Decreto Federal Nº 6.640, que alterou signiica- tos, diante da criação de unidades de conservação.
tivamente o status jurídico referente a proteção O segundo momento é composto pela Re-
das cavernas brasileiras. Esse decreto prevê a clas- solução CONAMA Nº 347, que juntamente com o
siicação das cavernas segundo quatro graus de Projeto de Lei Nº 2832/2003 e o último parecer da
relevância: máximo, alto, médio e baixo. A deter- Advocacia Geral da União, formam um conjunto de
minação das cavernas de relevância máxima, que documentos de conteúdo transicional, entre uma
não poderão sofrer impactos ambientais, foi reali- fase de legislação muito restritiva, para uma fase
zada através de parâmetros deinidos pelo referi- mais lexível quanto ao uso das cavernas brasileiras.
do decreto. Os demais graus de relevância foram O terceiro momento é composto pelo Decre-
detalhados na Instrução Normativa N. 2 do Minis- to Nº 6.640 e a Instrução Normativa Nº 2, do MMA,
tério do Meio Ambiente – MMA, que seria publi- que através do estabelecimento de um método cri-
cada no dia 20 de agosto de 2009. terioso de análise de relevância das cavernas bra-
Já as cavernas classiicadas como de relevância sileiras, busca identiicar aquelas merecedoras de
alta, média e baixa poderão ser objeto de impactos conservação e que formarão o Patrimônio Espele-
irreversíveis, através do processo de licenciamento ológico Brasileiro.
ambiental. Impactos irreversíveis em cavidades de
1.9 As etapas dos estudos espeleológicos
relevância alta, no entanto, deverão ser compensa- no processo de licenciamento ambiental
dos pelo empreendedor através da preservação de (EIA/RIMA)
duas cavernas com o mesmo grau de relevância, de De acordo com o artigo 3° do Decreto N° 99.556, de
mesma litologia e com atributos similares à que so- 1° de outubro de 1990, que dispõe sobre a proteção
freu o impacto, que serão consideradas cavidades das cavidades naturais subterrâneas existentes no
testemunho, ou seja, de preservação permanente. território nacional: “É obrigatória a elaboração de es-
As cavernas de relevância média que sofrerem tudo de impacto ambiental para as ações ou os em-
impactos irreversíveis, por sua vez, merecerão por preendimentos de qualquer natureza, ativos ou não,
parte do empreendedor ações que contribuam temporários ou permanentes, previstos em áreas de
para a conservação e o uso adequado do patrimô- ocorrência de cavidades naturais subterrâneas ou de
nio espeleológico brasileiro. Essas ações serão dei- potencial espeleológico, os quais, de modo direto ou
nidas pelo órgão ambiental competente. Impactos indireto, possam ser lesivos a essas cavidades, icando
irreversíveis em cavernas classiicadas como de re- sua realização, instalação e funcionamento condicio-
levância baixa não merecerão ações de compen- nados à aprovação, pelo órgão ambiental compe-
sação pelo empreendedor. tente, do respectivo relatório de impacto ambiental”
Através do exposto, é possível identiicar três Já a Resolução CONAMA Nº 347, de 10 de se-
momentos na legislação sobre cavernas no Bra- tembro de 2004, que dispõe sobre a proteção do
sil. O primeiro está representado pelas primeiras patrimônio espeleológico, prevê em seu artigo 4°
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 19
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
• Descrição do sistema tróico da caverna, in- • Avaliação dos impactos, medidas mitigadoras,
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 21
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
● Salvamento espeleológico;
● Detalhamento de medidas
compensatórias.
10. Referências
1 IN T R ODU Ç ÃO À E S P E LE OLOGIA 23
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
2 GEOESPELEOLOGIA
Instituto do Carste
2 GE OE S P E LE OLOGIA 25
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
26 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Cavernas endógenas, por outro lado, são for- geralmente associada à ocorrência de rochas
madas primordialmente por agentes atuantes no solúveis, que pode congregar diversas formas
interior da rocha. Um exemplo seriam as cavernas de relevo cárstico e pseudocárstico tais como
tectônicas, representadas por fraturas ou falhas dolinas, lapiás e cavernas, delimitada por um
abertas pela movimentação natural das camadas conjunto de fatores ambientais especíicos
rochosas. Outro tipo seriam as cavernas cársticas, para sua formação.
formadas pela ação química da água ácida em ro- A deinição apresentada pelo Decreto Fede-
chas solúveis. A maioria esmagadora das cavernas ral é de difícil aplicação. No enfoque local, no caso
existentes no planeta é deste segundo tipo. Tra- de estarmos lidando com cavernas secas e isola-
taremos principalmente das cavernas em rochas das na paisagem (como o caso de muitas caver-
carbonáticas, que perfazem a maior parte das ca- nas em tálus ou em minério de ferro) a área a ser
vernas conhecidas. Cavidades em outros tipos de considerada seria a própria caverna e seu entorno
rocha, como rochas siliciclásticas (arenitos, quart- imediato. Em muitas regiões teríamos dezenas ou
zitos, conglomerados), e em minério de ferro serão centenas de zonas de enfoque local.
também abordadas. Também a deinição de enfoque regional é
2.2 Unidade Geomorfológica e Unidade pouco coerente, por ser por demais ampla. Alguns
Espeleológica grupos ou formações geológicas (como o grupo
Os conceitos de “Unidade Geomorfológica” e “Uni- Bambuí ou a Formação Sete Lagoas nele inserida)
dade Espeleológica” aplicados a espeleologia foram se estendem por milhares de quilômetros, fazen-
introduzidos a partir da publicação do Decreto Fe- do com que o enfoque regional seja exagerada-
deral 6640 em ins de 2008. Estes termos, segun- mente grande.
do a Instrução Normativa No 2, dizem respeito Já as deinições da Instrução Normativa são
respectivamente ao enfoque local e enfoque re- mais coerentes, propiciando a deinição de áreas
gional. Segundo o Decreto 6640 estes termos são de enfoque local e regional “administráveis” do pon-
deinidos como: to de vista ambiental. O enfoque regional (Unidade
• Enfoque Local – Unidade Espacial que englo- Espeleológica) guarda relação com o conceito de
ba a cavidade e sua área de inluência. Províncias e Distritos Espeleológicos originalmente
deinidos por Karmann e Sánchez (1980), embora
• Enfoque Regional – Unidade espacial que en-
exija um detalhamento melhor. A deinição des-
globa no mínimo um grupo ou formação ge-
tes parâmetros deverá ser efetuada dentro de ba-
ológica e suas relações com o ambiente no
ses cientíicas, levando em consideração aspectos
qual se insere.
espeleológicos e isiográicos em geral.
Já a Instrução Normativa fornece uma deini-
ção muito distinta: 2.3 Espeleogênese em cavernas em rochas
carbonáticas
• Enfoque Local (Unidade Geomorfológica) – Rochas carbonáticas (calcários, dolomitos, már-
Unidade geomorfológica que apresente con- mores em vários níveis de pureza) possuem a pro-
tinuidade espacial, podendo abranger feições priedade de serem solúveis ao ataque de águas
como serras, morrotes ou sistema cárstico, o ácidas. Estas rochas irão concentrar a maior par-
que for mais restritivo em termos de área, des- te das cavernas existentes no planeta. O dolomito
de que contemplada a área de inluência da e o mármore são menos solúveis que os calcários.
cavidade. Isto não impede, no entanto, que longas e amplas
• Enfoque Regional (Unidade Espeleológi- cavernas se formem nestas rochas. A maior caver-
ca) – Área com homogeneidade isiográica, na brasileira, a Toca da Boa Vista, com mais de 100
2 GE OE S P E LE OLOGIA 27
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
28 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 2.9 Toca da Boa Vista, Campo Formoso, BA, uma caverna reticulada/ramiforme.
2 GE OE S P E LE OLOGIA 29
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
30 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
2 GE OE S P E LE OLOGIA 31
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
32 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 2.14 Ao inal da evolução de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e erosão supericial.
2 GE OE S P E LE OLOGIA 33
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Espeleogênese em cavernas não carbonáticas ferro alterado de alta porosidade que chega a atin-
Dentre as rochas não carbonáticas onde ocorrem gir 50% do volume da rocha. Em regiões de miné-
processos de dissolução e conseqüente geração de rio de ferro silicoso, a dissolução da sílica também
um número expressivo de cavernas cita-se o ges- exerce um papel importante.
so, o sal, o gelo, o quartzito, o arenito e o minério Uma vez que o enriquecimento supergêni-
de ferro. Cavernas em gesso, sal e gelo ainda não co consiste na retirada de matéria do protominé-
foram descritas no Brasil, ao passo que cavidades rio (lixiviação), além do aumento residual do teor
nas demais litologias mencionadas são bastante em ferro, o processo promove também um signi-
freqüentes, inserindo-se os exemplos brasileiros icativo aumento da porosidade e permeabilida-
entre os mais representativos do mundo. Iremos de do corpo mineral. Ribeiro (2003), trabalhando
enfatizar, pois, cavernas em arenito/quartzito e em no Quadrilátero Ferrífero, demonstrou que pode
minério de ferro. haver uma redução de até 40% do volume da ro-
Quartzitos e arenitos são rochas assemelha- cha, resultando em minério friável com alta poro-
das, compostas principalmente por sílica, sendo sidade. A remoção de sílica e/ou dolomito resulta
que os quartzitos são basicamente arenitos que em uma concentração e conseqüente geração de
sofreram metamorismo, ou seja, foram sujeitos à zonas com minérios de ferro de alto teor (proces-
alta temperatura e pressão. Os processos espeleo- so supergênico).
genéticos que atuam em arenitos e quartzitos são A morfologia espongiforme e o fato de que a
similares. A sílica e o quartzo são muito pouco so- entrada é muitas vezes dimensionalmente incom-
lúveis, mas sob climas quentes podem sofrer lenta patível com os condutos interiores leva a supor
dissolução. Esta dissolução inicial irá permitir que que algumas das cavernas tivessem, originalmen-
a água comece a circular em canalículos (protoca- te, evoluído no interior do maciço, sem uma saída
vernas) removendo os grãos de quartzo e alargan- para o exterior (caverna oclusa). Da mesma forma,
do por ação mecânica o conduto. Estes processos galerias maiores conectadas por condutos meno-
ocorrerão preferencialmente nos planos de descon- res podem ter evoluído independentemente e pos-
tinuidade da rocha. Em quartzitos e arenitos, a dis- teriormente terem se conectado.
solução cumprirá um papel inicial importante, mas Autores como McFarlane & Twidale (1987) acre-
quantitativamente menor quando comparado com ditam que a dissolução dos óxidos de ferro, e não
a evolução por erosão, que será responsável pelo somente de sílica e dolomita, são essenciais na
efetivo alargamento dos condutos. Portanto, uma carstiicação em minério de ferro. A criação do que
primeira fase dissolutiva leva à remoção do cimen- McFarlane & Twidale (1987) chamaram de “zonas pá-
to silicoso que une os grãos de quartzo, ou mesmo lidas” no saprólito dependeria da lixiviação de fer-
à dissolução das bordas dos cristais de quartzo, fa- ro. Devido ao caráter pouco solúvel de óxidos de
zendo com que os mesmos iquem soltos. A ação ferro, estes autores evocam a atuação de agentes
erosiva da água pode, então, facilmente remover microbiológicos, já que existem microorganismos
estes grãos, criando as cavernas. capazes de remover Fe através de complexação e
Em minério de ferro pouco se sabe sobre a gê- formação de quelatos que possuam ainidade com
nese das cavernas. Simmons (1963), trabalhando em o ferro. Ainda não há dados para quantiicar a per-
áreas com presença de minério de ferro dolomítico da de volume da rocha via dissolução do ferro. Ex-
no Quadrilátero Ferrífero, foi pioneiro em atribuir a pressivos espeleotemas (pingentes) formados por
gênese de cavernas em minério de ferro e canga oxi-hidróxidos de ferro demonstram a solubilida-
a processos de dissolução. Segundo ele, a dissolu- de do ferro.
ção do dolomito, mas também de quartzo e hema- Na Serra dos Carajás duas fases espeleogenéti-
tita, leva à formação de uma zona de minério de cas foram propostas por Pinheiro & Maurity (1988).
34 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Durante a primeira fase, inteiramente na zona freá- processos de abatimento de blocos, é responsável
tica, ocorre a formação de complexos alumino-fer- pela maior parte da morfologia atualmente obser-
rosos e argilo minerais instáveis de Fe, Al e Si que vada nas cavernas de minério de ferro estudadas.
preenchem os vazios da canga e da Formação Fer- Evolução ascendente de galerias, devido à abati-
rífera Bandada, mas também ocorrem em níveis in- mentos, é também freqüente em algumas grutas.
feriores a esta. A remoção deste material residual
Gênese única ou rara
instável leva à formação de cavidades irregulares
O conceito de raridade depende, claro, do que se
que podem ser observadas nas paredes e cavidades
considera comum. Para ser utilizado de forma co-
das cavernas (Pinheiro & Maurity, 1988). A segun-
erente é necessário haver uma amostragem signi-
da etapa, ainda na zona freática, envolve proces-
icativa do atributo em questão. Por exemplo, se
sos erosivos (piping) que basicamente expandem
conhecemos apenas poucas cavernas em determi-
as cavidades geradas na primeira etapa, levando
nada região e somente uma delas apresenta gênese
então à formação de galerias e salões. Estes pro-
ligada a fatores hipogênicos, ela poderia ser consi-
cessos erosivos serão intensiicados quando a ca-
derada como rara. Mas isto pode ser um mero arti-
verna passar a ser exposta à atuação de processos
fício de uma amostra reduzida. Com estudos mais
vadosos, propiciando também a atuação de pro-
aprofundados, pode-se comprovar que a hipoge-
cessos de abatimento (Pinheiro & Maurity, 1988).
nia é freqüente naquela área e, com isto, sua gê-
Piló & Auler (2005), em revisão sobre o tema,
nese perderia a “raridade”.
adotam muitas das idéias discutidas anteriormen-
Como regra geral, cavernas geradas por pro-
te, admitindo a existência de duas etapas distintas,
cessos hipogênicos tendem a ser mais raras do
a primeira delas com predominância de processos
que cavernas epigênicas. Outro tipo bastante raro
dissolutivos (químicos) e a segunda sob a ação de
de gênese de cavernas é quando há contribuição,
processos erosivos (físicos). A primeira etapa, endó-
na escavação de algumas galerias, de animais da
gena, envolve reações químicas no interior da mas-
megafauna, como tatus gigantes. Poucas cavernas
sa rochosa na zona freática, gerando zonas de alta
apresentam este tipo de gênese. Cavernas geradas
porosidade. Posteriormente o material friável resul-
por processos hidrotermais também são pouco co-
tante será lixiviado para o exterior através de pro-
muns. Cavernas em que há contribuição signiicati-
cessos similares ao piping descrito para cavidades
va de corrosão por águas de condensação também
em rochas siliciclásticas. Esta segunda etapa, inicia-
devem ser consideradas como raras.
da na zona freática, pode ter continuidade na zona
Cavernas em rochas pouco propícias ao ca-
vadosa, quando os processos de piping podem vir
vernamento, como granitos, gnaisses, siltitos, so-
a ser favorecidos.
los, etc, são normalmente feições menos comuns,
Bordas de topo de serras, áreas onde haja que-
podendo ser raras dependendo das circunstâncias.
bra de relevo, ou encostas íngremes, são locais em
que o gradiente hidráulico do lençol freático será Morfologia única e estrutras
mais pronunciado, resultando em uma maior velo- espeleogenéticas
cidade da água subterrânea e concomitante maior De modo a se auferir se determinada morfologia é
capacidade erosiva da mesma. única deve-se fazer uma comparação com a mor-
Iniciada a etapa erosiva das cavidades e sendo fologia das cavernas conhecidas, tanto no enfoque
estabelecida uma saída para o exterior, os processos local quanto regional. Para tal comparação é ne-
físicos serão incrementados. Material de granulo- cessária observação do mapa da caverna, buscan-
metria ina será aportado para o interior das caver- do-se determinar o seu padrão planimétrico em
nas, principalmente via canalículos, de onde será relação aos padrões morfológicos conhecidos (den-
evacuado para o exterior. Esta fase erosiva, aliada a drítico, ramiforme, espongiforme, anastomosado e
2 GE OE S P E LE OLOGIA 35
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
reticulado). Caso determinada morfologia seja muito aspectos biológicos, não será tratada neste módulo.
pouco freqüente poderá ser considerada como rara. Os sedimentos clásticos compreendem des-
A morfologia pode também referir-se às micro- de material com tamanho de blocos até minúscu-
formas (espeleogens), como cúpulas, scallops, etc. los grãos de areia. A maior parte provem de fora
A legislação refere-se a estas microformas como “es- da caverna (sedimentos alóctones), embora algu-
truturas espeleogenéticas”. A descrição geológica mas rochas como calcários impuros, quartzitos ou
das cavernas deverá conter registro da ocorrência, arenitos, forneçam sedimentos provindos do inte-
dimensão e demais características dos espeleogens. rior da própria caverna (sedimentos autóctones).
Uma análise comparativa com as demais cavernas A composição da sedimentação alóctone de-
no enfoque regional e local poderá deinir se de- pende da área fonte. No caso de depósitos aluviais
terminada morfologia é ou não única. (trazidos por rios) pode representar material oriun-
Os padrões do tipo ramiforme e espongiforme do de áreas distantes, inseridas na bacia de capta-
tendem a ser quantitativamente mais raros, embo- ção da drenagem. Este material tenderá a possuir
ra diicilmente sejam únicos. Espeleogens tendem graus variados de arredondamento, fruto do trans-
a ser comuns em cavernas carbonáticas, mas raros porte desde a área fonte. Por vezes é possível dis-
ou inexistentes em grutas em rochas siliciclásticas tinguir gradações na granulometria, importantes
ou em minério de ferro. para se determinar o ambiente deposicional. Por
exemplo, sedimentos de granulação muito ina,
Estruturas geológicas de interesse cientíico
como argila, normalmente indicam sedimentação
Compreendem feições geológicas como conta-
em situações de água estagnada ou de luxo muito
tos entre litologias diferentes, estruturas na rocha
lento. Já sedimentos de granulometria mais gros-
como dobramentos, falhas, feições deposicionais,
seira, como seixos ou calhaus, necessitam de con-
etc. As cavernas, por propiciarem uma visão inter-
siderável caudal e normalmente são oriundos de
na do aloramento rochoso, apresentam o poten-
luxo com maior velocidade.
cial para esclarecer questões fundamentais relativas
Entre os sedimentos autóctones, blocos caídos
à história geológica de determinada área, princi-
do teto perfazem a maior parte da sedimentação.
palmente se houver ausência de aloramentos na
Os abatimentos são processos naturais, inerentes
superfície. Um relatório geoespeleológico bem es-
ao ciclo evolutivo das cavernas. Lembrando que
truturado conterá descrição destas feições, permi-
o vazio representado pela caverna suporta milha-
tindo uma análise comparativa em relação a outras
res de toneladas de rocha acima; há uma conside-
cavernas em escala regional e local.
rável tensão no maciço rochoso. Os abatimentos
representam alívios de tensão, a partir dos quais
2.4 Sedimentação em cavernas
a caverna busca atingir uma forma mais estável
2.4.1 Sedimentação clástica que melhor se ajuste ao jogo de tensões. Os aba-
A maior parte das grutas apresenta algum tipo de timentos ocorrem de forma espaçada no tempo,
sedimentação. Em geral são argilas ou areias trazi- não constituindo um perigo que deva preocupar
das por rios ou enxurradas a cobrir o piso da ca- os espeleólogos. Blocos podem ser de vários ta-
verna ou material desprendido do teto e paredes. manhos, desde blocos com mais de 50 m de altu-
Os sedimentos de origem não química podem ser ra, como na Gruta dos Brejões (BA) até diminutas
classiicados em dois grandes grupos, ou seja, aque- lascas. Outra forma de sedimentação autóctone
les originários a partir de rochas (sedimentos clás- compreende material insolúvel (impurezas) comu-
ticos) ou aqueles derivados de material orgânico. mente encontradas em meio à rocha matriz, como
Sedimentação orgânica, por guardar relação com bolsões de argila ou zonas arenosas.
36 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
2 GE OE S P E LE OLOGIA 37
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Figura 2.14. Ao inal da evolução de uma caverna ela tende a se tornar seca devido ao soerguimento e erosão supericial.
38 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Além do valor estético, os espeleotemas po- longo dos milênios, os rios subterrâneos e enxur-
dem ser utilizados para alguns trabalhos cientíicos radas foram carregando ossos de animais para o
de importância. É possível obter a idade precisa de interior das cavernas. Na caverna, a salvo das chu-
espeleotemas de calcita e aragonita através do mé- vas, do vento, do sol e da ação de outros animais,
todo que mede o decaimento radioativo do urânio os ossos foram preservados através de processos
para o tório. Estes estudos fornecem importantes de fossilização que inclui, entre outros, o recobri-
informações sobre a idade das cavernas e da pai- mento por espeleotemas, ou a substituição do ma-
sagem ao redor. As estalagmites, em particular, terial do osso por substâncias minerais. Mas nem
podem representar importantes arquivos paleo- sempre é necessário haver transporte por rios. Al-
ambientais, fornecendo informações importantes guns animais entravam nas cavernas por vontade
sobre as mudanças climáticas que ocorreram na própria, talvez em busca de água. Lá morriam e só
região da caverna no passado. viriam a ser localizados por espeleólogos após vá-
rios milênios.
2.5 Paleontologia
Muito do que se conhece sobre a paleonto-
As cavernas têm, há longos tempos, se destacado
logia de mamíferos do período Pleistoceno (o pe-
como excelentes locais para a existência e preser-
ríodo geológico que vai de cerca de 1,6 milhão de
vação de material arqueológico e paleontológico.
anos até 10 mil anos atrás) provém de estudos em
O homem primitivo utilizava as cavernas como abri-
cavernas. Ainda há muito a descobrir. No entanto,
go, morada, ou mesmo como local para rituais. Ao
é importante que, antes de remover um osso de
contrário da cultura Maia, o homem primitivo bra-
uma caverna, seja efetuado um estudo dos proces-
sileiro em geral não adentrava as cavernas, per-
sos que trouxeram o osso até aquele local, marcan-
manecendo na zona de entrada. Alguns dos mais
do-o precisamente no mapa da caverna. Apenas
importantes sítios arqueológicos do Brasil estão
depois destes estudos deve haver a remoção do
associados a cavernas. Basta lembrar as cavernas e
osso para o laboratório.
abrigos do Parque Nacional da Serra da Capivara
A fauna extinta encontrada em depósitos de
no Piauí, do vale do Peruaçu e da região de Lagoa
cavernas é variada, abrangendo muitas espécies
Santa, em Minas Gerais. Pinturas rupestres e impor-
de grande porte. Entre estas podemos mencionar
tantes vestígios de ocupação, como material lítico
o mastodonte (tipo de elefante de grande porte),
(instrumentos de pedra), cerâmico (como potes),
preguiça-gigante, macacos e tatus gigantes entre
restos alimentares e inclusive ossadas humanas e
muitos outros. O homem conviveu com alguns
de animais são comumente encontrados.
destes animais durante um período relativamente
Acredita-se que a ocupação humana no Brasil
curto. Por volta de 10 mil anos iniciou-se a extin-
ocorreu há cerca de 12 mil anos atrás, embora exis-
ção desta fauna tão particular, conhecida principal-
tam locais que apresentem evidências ainda mais
mente através de estudos em cavernas.
antigas. O homem primitivo, no entanto, continuou
a utilizar as cavernas até a chegada dos primeiros 2.6 Recursos hídricos
colonizadores europeus. Algumas cavernas apre- A água é um importante recurso no carste. Em
sentam vestígios mais recentes, estudados pela ar- regiões áridas ou semi-áridas, como no nordes-
queologia histórica, como ocupação e desenhos te brasileiro, as cavernas, na ausência de poços ou
feitos por escravos, tropeiros, entre outros. Ou seja, cisternas, representam o único local onde se pode
cavernas podem apresentar relevância histórica. acessar água (Figura 2.16). Conforme já menciona-
Muitas cavernas brasileiras são, também, riquís- do, a paisagem cárstica caracteriza-se por luxo de
simas em material fóssil pertencente à fauna já ex- água subterrâneo, com reduzida expressão luvial
tinta. Esta é a área de estudo da paleontologia. Ao em superfície.
2 GE OE S P E LE OLOGIA 39
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Q = R2γiA/3μ onde:
Q – vazão
Q = A(8Rgi/f )½ onde:
K – condutividade hidráulica
A – área de luxo
g – aceleração da gravidade
i – gradiente hidráulico
f – fator de fricção
40 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
devido a zonas impermeáveis). Neste caso, o luxo Da mesma forma, um aumento repentino do gra-
se dará em regime aberto, com uma zona aerada diente hidráulico pode causar a transição entre
em sua porção superior, obedecendo a equações um regime de luxo laminar para turbulento, alter-
como a lei de Manning: nando o comportamento de luxo. Estas conside-
rações preliminares servem para ilustrar a incrível
2/3 1/2
V = (1,49 R i )/n onde: complexidade que pode advir do luxo em aqüífe-
ros cársticos, justiicando a individualização da hi-
V – velocidade da água drogeologia cárstica como uma disciplina “a parte”,
n – coeiciente de “roughness” não sujeita às leis normalmente aplicadas à hidro-
geologia em meios porosos, ou em meios fratura-
Assim sendo, a tripla porosidade típica de regi- dos não solúveis. As principais zonas hidrológicas
ões cársticas carbonáticas engloba modos de luxo estão ilustradas na Figura 2.17.
descritos por distintas leis da hidráulica, de modo Em regiões de arenitos ou quartzito predomi-
que se torna bastante difícil qualquer caracteriza- na a porosidade de matriz, devido ao tipo de ro-
ção de um aqüífero cárstico. Muito embora a ma- cha constituir-se predominantemente por grãos de
triz rochosa seja responsável pela maior parte do quartzo. Já em minério de ferro predomina o lu-
volume de espaços vazios (mais de 90%), a maior xo em fraturas, devido à baixa porosidade primá-
parte do volume de água (mais de 90%) escoará ria deste tipo de rocha.
através de condutos. A importância de cada um
Epicarste
destes distintos tipos de porosidade será variável
Durante períodos chuvosos, com o aumento da re-
dependendo do aqüífero. É também possível que
carga no aqüífero cárstico, ocorre um efeito de re-
condutos na zona freática passem a ser localizados
tenção temporária das águas que percolam pelo
na zona vadosa (ou vice-versa) devido ao rebaixa-
solo em direção ao rocha carbonática. Elas são re-
mento induzido (ou natural) do aqüífero. Deste
tardadas pela capacidade pontual de absorção dos
modo a dinâmica hidráulica neste conduto se alte-
calcários. Fica então formado um “lençol freático”
rará signiicativamente dependendo da época do
suspenso na zona de contato entre o carbonato
ano e das condições de recarga ou bombeamento.
Figura 2.17. Zonas hidrológicas no carste: 1 - zona supericial e epicárstica, onde a água escoa supericialmente ou percola pelo
solo, alterita ou issuras alargadas no calcário; 2 - zona vadosa, onde a água circula livremente pelos condutos, sob a ação da
gravidade; 3 - zona de oscilação do nível freático, onde os condutos apresentam-se alternadamente seco e inundado; 4 - zona
freática, onde os condutos estão totalmente ocupados por água.
2 GE OE S P E LE OLOGIA 41
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
42 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
2 GE OE S P E LE OLOGIA 43
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
corpos hídricos possuem caráter sazonal, ocorren- LOWE, D.J. The origin of limestone caverns:
do apenas durante a estação chuvosa. A percola- An inception horizon hypothesis. PhD thesis,
ção de águas na caverna, responsável pela geração Manchester Metropolitan University, 1992.
de muitos espeleotemas, também varia bastante McFARLANE, M.J.; TWIDALE, C.R. Karstic features
de acordo com as chuvas. A presença de conden- associated with tropical weathering proiles.
sação e principalmente, a inluência dos fatores hi- Zeitschrift fur Geomorphologie Suppl. Bd. 64: 73-
drológicos na gênese da caverna, espeleotemas e 95, 1987.
espeleogens devem ser descritas em pormenor.
PINHEIRO, R.V.L.; MAURITY, C.W. As cavernas em
j) A análise inal de relevância contemplou rochas intempéricas da Serra dos Carajás (PA)
todos os itens exigidos pela legislação? – Brasil. Anais 1. Congresso de Espeleologia da
A análise de relevância consiste em sintetizar todos América Latina e do Caribe, p. 179-186, 1988.
os aspectos mencionados anteriormente e aplicá-
PALMER, A.N. Origin and morphology of limestone
los à legislação vigente, buscando deinir a impor-
caves. Geological Society of America Bulletin 103:
tância da caverna em relação ao enfoque local e
1-21, 1991.
regional. É importante que seja elaborada uma sín-
tese descritiva sobre cada caverna. Essencial é um Pasini, G. Nota preliminare sul ruolo speleogenetico
banco de dados atualizado contendo as cavernas dell’erosione “antigravitativa”. Le Grotte d’Italia 4
em escala local e regional a serem consideradas (1): 75-88, 1967.
como amostra comparativa. Durante a análise de PILÓ, L.B.; AULER, A.S. Cavernas em minério de ferro
relevância recomenda-se que sejam construídas ta- e canga de Capão Xavier, Quadrilátero Ferrífero,
belas de modo a facilitar o entendimento do ana- MG. O Carste 17: 92-105, 2005.
lista que, nem sempre, conhece todas as cavernas RENAULT, P. Contribution a l’etude des actions
mencionadas. Os dados coletados em campo tam- mécaniques et sédimentologiques dans la
bém devem ser apresentados, permitindo checa- spéleogenèse. Annales de Spéléologie 23 : 529-
gem e perenização das informações. 596, 1968.
2.8 Referências bibliográicas RIBEIRO, D.T. Enriquecimento supergênico de
AULER, A.S. Lakes as a speleogenetic agent in the Formações Ferríferas Bandadas: Estruturas
karst of Lagoa Santa, Brazil. Cave and Karst Science de colapso e desordem. Tese de doutorado,
21: 105-110, 1995. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003.
AULER, A.S.; Smart, P.L. The inluence of bedrock- WORTHINGTON, S.R.H. Karst hydrogeology of the
derived acidity in the development of surface and Canadian Rocky Mountains. PhD thesis, McMaster
underground karst: evidence from the Precambrian University, 1991.
carbonates of semi-arid northeastern Brazil. Earth WORTHINGTON, S.R.H.; Ford, D.C. High sulfate
Surface Processes and Landforms 28: 157-168, 2003. concentration in limestone springs: An important
FORD, D.C.; EWERS, R.O. The development of cave factor in conduit initiation? Environmental Geology
systems in the dimensions of length and depth. 25: 9-15, 1995.
Canadian Journal of Earth Sciences 15: 1783-1798, 1978.
KARMANN, I; SÁNCHEZ, L.E. Distribuição das rochas
carbonáticas e províncias espeleológicas do Brasil.
EspeleoTema 13: 105-167, 1980.
44 2 GE OE S P E LE OLOGIA
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
são encontradas, localizadas geograicamente, ca- Uma boa prospecção não pode ser feita nem so-
dastradas e caracterizadas. O sucesso desta etapa mente em escritório, através de pesquisas bibliográ-
exploratória, que consome muitos recursos inan- icas e técnicas remotas, nem somente em campo,
ceiros e tempo das equipes de trabalho, depende com o caminhamento pelas áreas alvo, mas deve
de um planejamento estratégico adequado, de combinar as duas formas de trabalho. A seguir são
uma execução objetiva e metódica. descritas, de forma sucinta e didática, as etapas
Dentro das décadas de atuação dos grupos metodológicas básicas que devem compor, ideal-
de espeleologia brasileiros a prospecção sempre mente, um trabalho de prospecção espeleológica.
foi parte das expedições, revelando grandes des- Esta sequência metodológica pode variar em cada
cobertas. Mas a rotina dos licenciamentos ambien- trabalho, de acordo com os objetivos, informações
tais criou uma demanda mais exigente. Para estes disponíveis, limitações e outros fatores..
trabalhos é necessária uma prospecção mais pla- Levantamento de informações existentes
nejada, profunda e adaptada às exigências da ava- No início de um trabalho de prospecção é funda-
liação ambiental. mental saber o que já foi levantado na área de es-
3.1.2 A importância do trabalho de prospec- tudo. Esta etapa envolve uma pesquisa em fontes
ção espeleológica diversas, que guardam informações sobre o conjun-
Dentro de um processo de licenciamento ambiental to espeleológico já reconhecido na área em questão.
a prospecção assume um papel pioneiro e decisivo. As informações de interesse podem estar contidas
Uma boa prospecção possibilita o desenvolvimento em livros, artigos cientíicos em periódicos especia-
de todas as etapas subseqüentes envolvidas neste lizados, estudos técnicos e ambientais anteriores,
tipo de trabalho, permitindo um correto planeja- mapas topográicos, mapas temáticos, em cadas-
mento, por exemplo, das etapas subsequentes de tros espeleológicos e outras fontes. Informações im-
topograia, estudos de bioespeleologia, geoespele- portantes sobre a ocorrência de cavernas podem
ologia e outros. Em relação ao planejamento e ava- ainda ser veiculadas em informações orais, por pes-
liação de empreendimentos com impactos sobre o soas que moram ou trabalham na área em questão.
conjunto espeleológico de uma área a prospecção Atualmente os cadastros espeleológicos são
pode, no decorrer dos seus trabalhos, determinar instrumentos indispensáveis para a pesquisa es-
ajustes no plano diretor destes empreendimentos. peleológica e registro das ocorrências. Estas bases
de dados são dinâmicas, o que signiica que uma diversas escalas e resoluções, como um podero-
prospecção deve considerar as ocorrências espe- so e deinitivo instrumento para os trabalhos de
leológicas registradas na área e, após a conclusão prospecção. Rapidamente estas imagens toma-
do trabalho, alimentar os bancos de dados com ram papel central dentro dos trabalhos, mas seu
as novas ocorrências identiicadas. No Brasil ainda uso não exclui, por exemplo, um mapa topográ-
existem muitos dados imprecisos e conlitantes em ico ou um mapa geológico como outro impor-
todos os cadastros, mas a realização contínua de tante instrumento de reconhecimento do terreno
novos estudos espeleológicos é um dos principais e do potencial espeleológico de uma área. É im-
instrumentos para a consolidação e revisão destes portante que todo o conjunto de bases cartográ-
bancos de dados. Os cadastros hoje em funciona- icas tenha escala compatível com a proporção
mento no Brasil são: do empreendimento, permitindo a visualização
• Base de dados do CECAV, disponível em http:// adequada do seu plano diretor e das suas áreas
www4.icmbio.gov.br/cecav de inluência.
A igura 3.1 mostra a comparação entre um
• CNC – Cadastro Nacional de Cavernas, da SBE
mapa topográico e uma imagem de satélite, de
– Sociedade Brasileira de Espeleologia, disponí-
uma mesma área. O mapa topográico representa
vel para acesso de associados em http://www.
de forma eiciente o relevo e feições geomorfoló-
sbe.com.br/cnc
gicas típicas como as dolinas, já a imagem de saté-
• CODEX – Cadastro Nacional de Cavernas, da lite representa melhor as diferenças de vegetação,
Redespeleo Brasil, disponível em http://www. ediicações e estradas. Metodologicamente o ide-
redespeleo.org/ al é combinar todos os recursos disponíveis para a
O levantamento da documentação cartográ- visualização do terreno.
ica disponível normalmente envolve pesquisa Atualmente podem ser gerados mapas topo-
1
em cartas topográicas, mapas geológicos, ma- gráicos, mapas hipsométricos e modelos digitais
pas geomorfológicos, mapas pedológicos, fotos de elevação (MDE) em escalas adequadas a partir
aéreas, ortofotos e imagens de satélite. Estes ins- de imagens, por exemplo, da SRTM (Shuttle Radar
trumentos são de grande importância tanto para Topographic Mission) e do Aster (Advanced Spa-
a situação espacial das áreas de inluência direta ceborne Thermal Emission and Relection Radio-
do empreendimento em questão, ou seja, a Área meter) (Parma, 2007; Cruz et al., 2005). Estas novas
Diretamente Afetada (ADA) e a Área de Inluên- ferramentas auxiliam a visualização do relevo e de-
cia Direta (AID), quanto para o reconhecimento vem ser utilizadas em conjunto com as imagens de
de feições geomorfológicas, geológicas e pedo- satélite, tanto para o planejamento, quanto para a
lógicas com potencial para ocorrência de caver- execução dos trabalhos de prospecção.
nas. Principalmente as imagens, como as fotos
Avaliação de potencial espeleológico
aéreas, ortofotos e imagens de satélite são de
A partir da pesquisa de informações existentes so-
grande utilidade para a diferenciação de classes
bre o conjunto espeleológico de uma área a equipe
de vegetação, áreas urbanizadas, áreas de culti-
de trabalho tem em mãos as informações básicas
vo, de solo exposto, hidrograia e outros aspec-
para avaliar o seu potencial espeleológico. Para esta
tos. Recentemente este conjunto de referência
avaliação o ideal é elaborar uma análise combinan-
cartográica incluiu as imagens de satélite, com
do as seguintes informações:
1 Os mapas topográicos trazem informações sobre o relevo, principalmente através da representação das curvas de nível, já os
mapas hipsométricos trazem uma classiicação com base nas faixas de altimetria numa determinada área.
Figura 3.1: Comparação entre mapa topográico sombreado, à esquerda (Cvancara, 1995) e imagem de satélite, à direita (Google
Earth™, acesso em 28-06-2010). As imagens abrangem a mesma área a sul do Mamoth Cave National Park, Kentucky – USA.
Figura 3.2: Imagem de satélite mostrando uma área ictícia de estudo, localizada ao sul da Lagoa do Sumidouro, parcialmen-
te incluída no Parque Estadual do Sumidouro, municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo - MG. São mostrados os períme-
tros da ADA e AID de um empreendimento, também ictício, de extração de calcário.
Figura 3.3: Porção do mapa geomorfológico, correspondendo da área ictícia de estudo (CPRM, 1998), notar que neste mapa
é mais fácil a identiicação das formas do relevo e feições com potencial de ocorrência de cavernas, como paredões e dolinas.
Figura 3.4: Porção do mapa geológico, correspondente à área ictícia de estudo (CPRM, 1992), em toda a área de inluência
do empreendimento ictício o mapa indica presença de calcários do Grupo Bambuí.
Figura 3.5: Imagem de satélite da área ictícia de estudo, com as cavidades registradas no três cadastros disponíveis (CANIE,
CNC e CODEX).
Figura 3.6: Esquema de gradação entre as áreas de inluência de um empreendimento em relação à densidade da malha de
prospecção e percentual amostral dentro do conjunto espeleológico da área de estudo.
espeleológica determine estes valores, justiican- com o mapa de potencial espeleológico, indicando
do através da exposição dos critérios adotados para quais quadrantes são prioritários para o caminha-
esta determinação. mento. Na igura 3.7 foi simulada a gradação entre
A igura 3.7 ilustra, na área ictícia de estudo, as os quadrantes das malhas de prospecção. Os qua-
demarcações da ADA e AID com as respectivas ma- drantes em vermelho representam áreas com alto
lhas de prospecção. Neste exemplo didático foi ado- potencial para ocorrências espeleológicas, em la-
tada uma malha de prospecção com quadrantes de ranja, estão simulados os quadrantes com poten-
50x50 metros para a ADA, e de 150x150 metros para cial intermediário e em amarelo as áreas com baixo
a AID. Na estratégia de prospecção exempliicada potencial espeleológico. Um procedimento meto-
as malhas de prospecção devem ser sobrepostas dológico semelhante foi utilizado em CPRM (1995).
Figura 3.7: Imagem de satélite da área de estudo ictícia com as malhas de prospecção exempliicadas na ADA e AID, as co-
res indicam a gradação de potencial espeleológico.
Figura 3.8: Imagem de satélite da área ictícia de estudo com as malhas de prospecção exempliicadas na ADA e AID, as co-
res indicam a gradação de potencial espeleológico. Nesta igura foi marcado, em verde, um caminhamento exempliicado,
mais denso na ADA e menos denso na AID.
• classiicação da caverna quanto aos aspectos pode ser elaborado um conjunto de mapas temá-
hidrológicos e morfológicos; ticos, de acordo com os objetivos de representa-
• registro fotográico. ção dos resultados.
Os cuidados com esta etapa são justiicáveis,
Tratamento, interpretação e apresentação pois a partir do relatório a prospecção espeleoló-
dos resultados gica vai ser avaliada. Estes resultados serão a base
Após a conclusão da etapa de campo da prospec- de todos os estudos subsequentes, que irão com-
ção os dados obtidos devem ser tratados e interpre- por o diagnóstico ambiental. Com este resultado
tados, visando a apresentação lógica dos resultados podem ser planejados e realizados os estudos de
e conclusões da prospecção espeleológica, em for- geoespeleologia, bioespeleologia, arqueologia,
ma de relatório. Nesta etapa, além do uso da infor- paleontologia e outros. Também para a avaliação
mação textual, tabelas explicativas, documentação do plano diretor do empreendimento e suas im-
fotográica e diagramas, é importante utilizar uma plicações ambientais a prospecção espeleológica
base de representação cartográica adequada. A constitui a base.
escala desta representação cartográica deve ser
compatível com a área de estudo, em áreas muito Como avaliar uma prospecção espeleológica?
extensas pode ser gerado um mapa geral de articu- A forma mais racional e adequada para avaliação de
lação e mapas secundários, em escala maior. Nor- uma prospecção espeleológica não é simplesmen-
malmente utiliza-se como base uma imagem de te a análise dos resultados inais, ou seja, a análise
satélite, onde é representada a contextualização do das ichas de cadastro, do mapa de caminhamento
empreendimento, o caminhamento e as cavidades e das ocorrências espeleológicas identiicadas. Para
identiicadas. Para a representação dos resultados atingir uma avaliação adequada destes trabalhos o
ponto central a ser analisado deve ser a metodologia
O frio, o cansaço e a fome fazem parte do cotidia- itas de material sintético, escritas com canetas de
no de uma exploração. Com isso, o sistema de to- retro-projetor, que possuem tinta resistente à água,
pograia, o equipamento e até mesmo o nível de as quais podem ser ixadas com o auxílio de peque-
detalhamento devem ser adequados a todas estas nos blocos. Depois de terminado o mapa as itas
diiculdades. Isto é importante inclusive para a se- duram ainda um bom tempo e podem ser reco-
gurança da equipe. lhidas. Assim, elimina-se o impacto que seria pro-
duzido por outras formas de marcação de bases.
3.2.2 Métodos de levantamentos topográi-
cos em caverna Visada: é o segmento de reta que une duas bases.
Não seria exagero airmar que a espeleotopogra- Normalmente uma visada é deinida pelas medi-
ia encontra adeptos em todas as regiões do mun- das de distância, em metros, de azimute e de incli-
do onde se exploram cavernas, sendo a principal nação, em graus.
ferramenta para se documentar uma cavidade e Linha de trena: é a seqüência das visadas que li-
essencial para qualquer tipo de pesquisa. Embora gam as diversas bases de uma topograia. Funcio-
a variedade morfológica do mundo subterrâneo, na como o esqueleto da topograia.
aliada a fatores externos (disponibilidade de tem- Azimute: é o ângulo, projetado no plano horizon-
po, recursos humanos e objetivos diversos), tenha tal, da visada em relação ao norte magnético. O ins-
levado à criação de metodologias diferentes até trumento utilizado para se efetuarem estas leituras
mesmo dentro de um mesmo país, a essência do é a bússola e os seus valores podem ser estabele-
mapeamento espeleológico permanece inalterada. cidos em graus (0 a 359º) ou grados (0 a 399). As
Em linhas gerais, os levantamentos consistem em es- que utilizam graus correspondem à imensa maio-
tabelecer uma série de pontos dentro da caverna, in- ria dos equipamentos disponíveis. Uma leitura de
terligados de forma que seja possível saber a posição 0° indica que a orientação da visada corresponde
relativa de cada um em relação a um referencial pré- à do norte magnético.
determinado (uma entrada, por exemplo) e em rela- Inclinação: é o ângulo, projetado no plano vertical,
ção aos limites da cavidade (paredes, piso e teto). Estes da visada em relação a um plano horizontal. Seus
pontos são o que chamamos de bases topográicas. valores são medidos em graus por um instrumento
Mas antes de entrarmos na parte prática da topo- chamado clinômetro, e podem variar entre –90º a
graia, algumas deinições devem ser consolidadas: + 90º, sendo que a leitura 0° signiica que a visada
Bases ou estações: são os pontos que escolhemos é horizontal. Os valores positivos indicam visadas
como referência para os levantamentos topográi- em aclive e os negativos, em declive. No clinômetro
cos. Eles podem ser ixos, estando situados em ele- geralmente existem duas escalas, uma em graus e
mentos da própria caverna, como paredes, teto e a outra em percentuais, que correspondem à tan-
espeleotemas, ou serem “lutuantes”, ou seja, não gente do ângulo.É muito importante assegurar que
estando marcados isicamente em nenhuma fei- o instrumentista observe sempre a escala em graus.
ção do espaço interno da caverna. É importante 3.2.2.1 Instrumentos
sempre avaliar o impacto que a marcação de ba- Cartas topográicas, imagens de satélite e ortofo-
ses ixas, que não deixa de ser um tipo de depre- tocartas: São recursos importantes na exploração e
dação, irá causar sobre as cavernas. É comum ver estudo detalhado de áreas com potencial espele-
belos conjuntos de espeleotemas com marcas de ológico, possibilitando identiicação geográica da
fuligem ou números de bases escritos à tinta. O uso gruta. Podemos dividir as bases cartográicas em
de tintas, fuligem e incisões sempre causa impac- dois grandes grupos: as imagens e as representa-
tos. Por outro lado, um pedaço de papel ou ita de ções gráicas. O primeiro grupo consiste basicamen-
algodão é facilmente deslocado e apodrece rapi- te em imagens de satélite e fotos aéreas que são
damente. Consideramos a melhor opção o uso de
nada mais que vistas espaciais da superfície terres- geográico, que recebe informações de satélites e
tre e que, no caso de fotograias aéreas, apresentam calcula posições sobre a superfície terrestre. Com
a vantagem uma visão tridimensional da superfí- ele é possível ixar geograicamente, por exemplo,
cie – estereoscopia. As fotos aéreas são caras, nor- a entrada de uma gruta através das coordenadas.
malmente apresentam escalas muito ampliadas e Atualmente, além da localização das cavernas, o
defasadas no tempo. O seu uso requer o apoio de GPS vem sendo utilizado para realizar o mapea-
um mapa geográico, uma vez que não são geore- mento das trilhas de acesso às regiões, a diferentes
ferenciadas (não possuem a malha de coordenadas) entradas de cavernas, clarabóias etc, aumentando
e nem possuem uma escala precisa. Já as imagens ainda mais o potencial de exploração das regiões
de satélite encontram-se em plena evolução, sen- cársticas. Antes de usar o GPS certiique-se de que
do cada vez mais precisas e acessíveis. Para se ter o instrumento esteja conigurado corretamente.
idéia, o custo do km2 de uma imagem de acervo Bússola: Fornece o azimute. Na realidade existem
do satélite Quick Bird, com 60cm de resolução es- dois tipos básicos de bússolas: o primeiro grupo é
pacial (atinge uma escala visual até 1:1000) se inicia formado por instrumentos dotados de uma agulha
em US$16,50. As técnicas de processamento digital magnetizada que gira sobre um eixo, indicando o
de imagens de satélites também podem ser úteis ângulo em relação ao norte em uma escala ixa ao
para a prospecção de cavernas, permitindo a lo- corpo do aparelho (limbo). O segundo grupo, lar-
calização de dolinas e a identiicação de litologias gamente utilizado nas cavernas, são as bússolas de
propícias à formação de cavernas. limbo móvel, ou seja, a escala (que possui a forma
A carta topográica é uma representação grá- de um disco) gira sobre o eixo e indica o azimute
ica da morfologia externa - baseada na interpre- através de um visor ixo. Os modelos mais comuns
tação de fotos aéreas - contendo curvas de nível, são das marcas Suunto, Sisteco e Silva, e consistem
hidrograia, estradas, etc. Contudo, boa parte do em uma caixa de alumínio (ou plástico) envolven-
território nacional não possui mapas em escalas do um recipiente plástico onde o disco imantado
compatíveis com as necessidades espeleológicas, gira livremente. Este “recipiente” é totalmente her-
que deveriam ser de no mínimo 1:50.000. mético e cheio de um líquido viscoso que impõe
A ortofotocarta, ou simplesmente ortofoto, é movimentos mais lentos do disco (ao contrario
um tipo de imagem aérea que fornece uma pro- das bússolas “secas” – exemplo: Brunton - onde a
jeção em escala precisa, eliminado distorções que agulha oscila livremente e demora a se estabilizar).
aparecem nas fotos aéreas. Estas podem conter cur- Como as bússolas sofrem interferência dos
vas de nível, indicação das coordenadas e limite de
municípios. São particularmente úteis na exploração
e na prospecção espeleológica, uma vez que per-
mitem a identiicação das feições cársticas (como
as fotos e imagens de satélite) em uma escala bas-
tante detalhada (1:10.000). Contudo, a sua cobertu-
ra se restringe a poucas áreas do Brasil (igura 4.2).
Como complemento dos levantamentos es-
peleológicos, devem ser utilizados ainda os ma-
pas geológicos, que permitem identiicar as áreas
com litologias e feições especíicas. campos magnéticos, todo instrumen¬tista deve
Receptor GPS (Global Positioning System): Cada veriicar se alguma parte do seu equipamento cau-
vez mais utilizado para navegação, é um aparelho sa desvios no aparelho. Pilhas e partes metálicas
ligado a um sistema mundial de posicionamento ou até mesmo rochas que contenham hematita
costumam causar erros signiicati¬vos nas leituras. o padrão da maior parte dos levantamentos reali-
Normalmente as bússolas utilizadas em caver- zados nos últimos. Contudo, devem ser tomados
nas possuem graduações de 0,5 graus e muitas de- cuidados adicionais na sua utilização, uma vez que
las marcam valores diretos e invertidos (ou seja, a os erros de leitura são difíceis de ser percebidos em
visada defasada de 180º). Este recurso é particular- campo. É também fundamental que o instrumen-
mente útil no caso de leituras invertidas, em que to utilizado possua uma mira a laser que identii-
o instrumentista troca de posição com o ponta de que o local exato onde está sendo feito a leitura.
trena (os motivos que justiicam esta inversão de Caderno de croquis e planilha de anotação: É
posições serão tratados mais adiante). Também de- onde, a lápis, é feito o croquis e são anotados os da-
ve-se atentar para que a bússola seja calibrada para dos da topograia. Em algumas situações são utili-
o Brasil (zona 3 - Southern Equatorial Zone). Todas zadas cadernos à prova d’água, feitos de poliéster.
estas marcas de bússolas citadas são de fabricação Dependendo da metodologia adotada e da dispo-
européia, e somente sob encomenda conseguimos nibilidade da equipe, o croquis e a anotação po-
instrumentos calibrados. dem ser desempenhados por pessoas diferentes.
Clinômetro: Fornece a inclinação, em graus posi- Neste caso a planilha de anotações deve ser forma-
tivos ou negativos. Os fabricantes, detalhes cons- tada anteriormente, inserindo campos para as me-
trutivos, cuidados e utilização são similares aos das didas a serem efetuadas. Já o caderno de croquis
bússolas. A diferença principal é que este instrumen- deve possuir folhas lisas ou quadriculadas (que fa-
to deve ser lido na posição vertical; além disso, não cilitam o desenho, como veremos mais adiante).
sofre interfe¬rên¬¬cia dos campos mag¬n鬬ticos.
3.2.2.2 A equipe
Nor¬mal¬mente apre¬senta duas escalas: em graus
Como veremos mais adiante, a qualidade do mapa
(de +90º a –90º) e percen¬tual (+150% a –150%).
topográico de uma caverna depende da conjun-
Os valores utiliza¬dos na topo¬graia sempre são
ção de vários aspectos, que vão desde a escolha
em graus.
do equipamento e da metodologia utilizada até o
Trena: Com ela se determina a distância, em me¬tros
tipo da caverna. Contudo, cabe à equipe a respon-
sabilidade principal pelo resultado inal. O entrosa-
mento, a habilidade e a experiência de cada um,
particularmente, e da equipe como um todo, são
fatores decisivos. Até mesmo funções que, teorica-
mente, exigem um conhecimento menor (como a
de anotador, por exemplo) quando não desempe-
nhadas de forma criteriosa podem comprometer
todo um mapeamento.
Normalmente uma equipe de topograia é for-
mada por 3 a 5 espe¬leólogos, que desempenham
e centímetros, de cada visada. Normal¬men¬te são
funções pré-estabelecidas.
utilizadas trenas de poliéster, reforçadas com ibra
Croquista: A principal responsabilidade do croquis-
de vidro, com comprimentos variando de 20 a 50
ta é a coordenação geral dos trabalhos. Normal-
metros, do tipo que icam alojadas em um rolo de
mente é o mais experiente da equipe, deinindo o
plástico ou as trenas a laser. Atualmente os instru-
caminho a ser percorrido, orientando o posiciona-
mentos de medição através de taqueometria (co-
mento das bases, deinindo o ritmo da topograia
nhecidos como trenas a laser) tornaram-se bastante
e procurando manter o entrosamento da equipe.
acessíveis em termos de preço e resistentes às con-
Elabora o esboço da caverna, representado suas
dições severas de umidade e impacto tornando-se
feições principais através de plantas, cortes e per- topográicas – ou simplesmente bases) unidos por
is, além de todos os detalhes que irão compor o meio de vetores (chamados de visadas e determi-
mapa inal, tais como espeleotemas, drenagens, nados através da leitura da distância, do azimute e
posição das bases topográicas, etc. da inclinação) que irão percorrer todas as galerias
Instrumentista: Responsável pela leitura da bússola da caverna. A partir desses pontos são feitas medi-
e do clinômetro (azimute e inclinação, respectiva- das de largura e altura, além de anotados todos os
mente). Esta tarefa exige concentração e atenção, detalhes básicos (com o auxílio do croquis) para a
uma vez que inluencia diretamente a precisão confecção de um mapa. Os instrumentos e as fun-
dos levantamentos. É recomendável que as leitu- ções de uma equipe não sofrem grandes variações,
ras sejam feitas pelo menos duas vezes antes de se e a maior parte dos espeleólogos adota uma me-
anunciar o valor deinitivo (em caso de discrepân- todologia muito parecida.
cia, deve-se repetir o processo quantas vezes forem Método das Bases Flutuantes
necessárias). Pessoas com problemas de visão ou Embora a metodologia da topograia seja bem sim-
mesmo as que usam óculos podem encontrar di- ples, alguns procedimentos podem ser adotados
iculdade na leitura dos instrumentos. a im de garantir uma maior precisão, maior eici-
Ponta de trena: Apesar de ser uma função que exi- ência ou mesmo para cumprir algum objetivo es-
ge menos experiência do que as demais, um bom pecíico. Dentre todas as possíveis inovações, o
ponta de trena, que esteja ciente de suas responsa- posicionamento das bases talvez seja o item que
bilidades e que aplique com atenção a metodologia permite a maior variedade de opções. Para um le-
correta, tornará mais fácil o trabalho de todos, agili- vantamento expedito, sem muito rigor e compro-
zando sensivelmente o andamento da topograia. misso com futuras continuações, pode-se adotar
Esta função consiste em marcar e medir a distância o método das bases lutuantes. Neste caso a posi-
entre as bases. O ponta de trena deve ter sempre ção de uma base ica “solta” no espaço, sendo algo
em mente, na hora de escolher o local para uma próxima dos olhos do instrumentista. A leitura é
base, o conforto e a facilidade na leitura dos ins- feita diretamente na direção do capacete do pon-
trumentos e o caminhamento da topograia, tendo ta de trena buscando manter a mesma altura em
em mente o local escolhido para a base seguinte. relação ao piso para evitar possíveis desvios na in-
Anotador: Responsável pela anotação dos dados clinação. A seqüência dos trabalhos é feita com o
de cada visada além das “características” da base, deslocamento do instrumentista para a posição do
que são as medidas de distância entre a base e ponta de trena, que avança, por sua vez, na dire-
o teto/piso da galeria (alturas) e as paredes (late- ção da continuação da galeria. Como é muito di-
rais). À medida que as informações são repassadas, fícil respeitar perfeitamente a posição da base ao
o anotador deve repeti-las em voz alta para que e longo das visadas, os erros acabam sendo maiores.
equipe tenha ciência de que os valores foram es- O Método das Bases Flutuantes foi largamente
cutados e anotados corretamente. Erros nas anota- utilizado em importantes cavernas de Goiás e de
ções são muito comuns e, muitas vezes, são difíceis São Paulo na década de 70 e no início dos anos 80.
de serem corrigidos, comprometendo a coniabi- Caso os levantamentos tenham a pretensão
lidade do mapa. de chegar a níveis mais coniáveis com relação à
precisão, a primeira coisa que se deve procurar é
3.2.2.3 Dentro da caverna - metodologias,
suas vantagens e desvantagens garantir o posicionamento preciso das bases. Para
Como já foi dito anteriormente, a espeleotopo- tanto, existem diversos métodos e, com certeza, é
graia consiste basicamente na determinação de difícil deinir o mais correto, uma vez que a qua-
uma seqüência de pontos (chamados de bases lidade dos levantamentos vai depender de uma
conjunção de fatores que vão desde a qualidade
dos equipamentos utilizados até a experiência e Uma saliência na parede, um bloco ou até mes-
a capacidade da equipe. Contudo, vamos citar as mo um espeleotema podem servir de amarração,
alternativas mais comuns, buscando sempre elu- garantindo uma posição coniável e permanente.
cidar as possíveis vantagens e restrições de cada Uma vez deinido o ponto, este é marcado e iden-
metodologia. tiicado, permitindo a sua utilização em vários mo-
mentos da topograia. As distâncias entre a base
e as paredes, o piso e o teto são medidas, permi-
tindo a localização espacial da base em relação à
galeria. Este método exige a utilização de bússo-
las de leitura direta (tipo Suunto ou Silva), uma vez
que o instrumento deve ser lido o mais próximo
da base. As vantagens deste sistema são a rapidez
e a sua praticidade, uma vez que pode ser utiliza-
do em qualquer tipo de caverna (com a exceção
de condutos submersos). Em contrapartida, o ins-
trumentista pode ter que se sujeitar a posições, às
vezes, não muito confortáveis para a leitura dos
instrumentos, o que a torna bastante suscetível a
erros. Além disso, existe um desgaste físico maior,
dependendo do tipo de cavidade (muitas vezes as
leituras são feitas com o instrumentista deitado e
se contorcendo para chegar próximo à base mar-
cada). Quando o instrumentista está habituado a
esse sistema, acaba adotando “artifícios” para facilitar
as leituras, sem o comprometimento da precisão.
desconfortáveis e difíceis, o que prejudica a quali- Este método exige mais prática e atenção do ins-
dade geral da topograia. trumentista, que deve, ao mesmo tempo, observar
Método das Bases Flutuantes medidas com Prumo o posicionamento do prumo e o local da visada.
A utilização do prumo é um sistema fácil e enge- Método do Tripé
nhoso de se criar uma base ixa sem depender da Outro artifício para melhorar a precisão da topogra-
existência de elementos naturais da caverna. Nes- ia é a utilização do tripé como suporte dos instru-
ta abordagem é utilizado um par de ios de prumo mentos (bússola e clinômetro). Apesar de pouco
com marcações ou nós pré-determinados pelo ins- difundido, este método já foi utilizado em impor-
trumentista conforme posições confortáveis para tantes cavidades brasileiras, produzindo mapas
a sua leitura (em pé, sentado, deitado). O prumo é muito precisos e detalhados.
utilizado em conjunto pelo instrumentista e pelo A leitura é feita a partir de um ponto escolhi-
ponta de trena - cada qual com um prumo com mar- do para a montagem do tripé. O instrumentista di-
cações idênticas. Na hora de serem feitas as leituras, reciona a visada para uma base posicionada perto
os prumos são posicionados na mesma graduação do chão e indicada por um ponto luminoso (com
(altura do piso) e a leitura dos instrumentos é feita um LED, vela ou algo similar). Este procedimento
na sua extremidade superior, enquanto este está exige que a base do tripé esteja nivelada para que
posicionado exatamente em cima da base, que é a bússola possa girar livremente. Assim como nas
marcada e identiicada com ita no chão. Com isso “bases ixas” a distância de cada base (a base onde
temos a garantia de que as bases estão posiciona- está o instrumentista e a base do ponta de trena)
das a uma mesma distância do piso, além da co- até o piso é diferente e cada uma deve ser medi-
locação de um ponto ixo no chão da caverna. No da, pois será necessária para o cálculo da inclinação
caso de uma nova visada utilizar a mesma base, o da galeria. A primeira corresponde à altura do tri-
prumo é novamente posicionado, não sendo ne- pé, enquanto a outra pode ser considerada como
cessário adotar a mesma altura da visada anterior zero, pois ica a poucos centímetros do piso da ca-
(pode-se adotar uma altura mais adequada ao novo verna. O andamento da topograia é feito deslo-
trecho a ser topografado). É recomendável tam- cando-se o tripé para a base seguinte, onde, com
bém que sejam criadas bases ixas nas paredes ou o auxílio de um prumo, ica garantida a posição
em outro local mais protegido da caverna, princi- dos instrumentos exatamente em cima do ponto
palmente nas bifurcações e nos condutos laterais, marcado no piso.
uma vez que as marcações no piso estão muito sus- O método do tripé não é recomendável em ca-
ceptíveis a deslocamentos acidentais. vernas alagadas, em abismos ou em trechos com
Este método mostra-se bastante preciso e ei- teto muito baixo. Também exige uma série de cui-
ciente, contudo encontra algumas limitações que dados adicionais, o que e torna a topograia mais
dependem das características da gruta. Locais com lenta e minuciosa. Além do mais, poucas bússolas
água (principalmente em trechos fundos ou com podem ser acopladas a um tripé (o modelo mais
correnteza) ou abismos comprometem a aplicabili- usado nestes casos é a Brunton). Sua utilização é
dade do sistema. Nestes casos o método das bases recomendada somente em casos onde a precisão
ixas pode ser utilizado em conjunto com o prumo. seja fundamental.
Outro fator a ser considerado é que, embora o con-
Observação sobre a tabela:
ceito do prumo crie condições para uma topograia
A precisão de uma topograia depende dos equi-
mais precisa, o andamento da equipe torna-se um
pamentos adotados. Contudo, a forma como es-
pouco mais lento, já que o prumo deve ser posicio-
tes são utilizados (ou seja, a metodologia) pode
nado exatamente em cima da base e o instrumen-
interferir nos possíveis erros cometidos. Com isso,
to, exatamente em cima do prumo, a cada visada.
os mapeamentos que utilizam os mesmos equipa- reformulação completa objetivando uma adequa-
mentos podem ser mais ou menos susceptíveis a ção às novas tecnologias e métodos topográicos.
erros, dependendo de como os instrumentos são Provavelmente, em um futuro próximo, a classii-
empregados. cação da UIS será o novo padrão mundial para de-
inição da precisão espeleotopográica.
3.2.3 Graus de precisão Segundo o método BCRA podem ser distin-
A determinação da precisão do levantamento to- tos sete graus de precisão para a linha central da
pográico é importante, pois torna possível que se topograia e quatro classes de precisão para o de-
determine a idedignidade do mapa em relação à talhamento das galerias.
cavidade trabalhada, estabelecendo parâmetros No Brasil, a maioria esmagadora dos levanta-
para comparar a precisão e o detalhamento de um mentos situa-se entre os graus 2 e 4, e raramente
mapa espeleológico. Existem dois sistemas de classi- atingem a classe D, com relação aos detalhes das
icação, o da British Cave Research Asssociation (BCRA) galerias. Isto é normal e aceitável, principalmente
e o da Union Internationale de Spéléologie (UIS). O sis- em um país onde o número de cavernas a mape-
tema BCRA, mais antigo, obteve larga aceitação no ar supera largamente o número de espeleólogos
meio espeleológico internacional e é o mais utiliza- disponíveis para tanto. Algumas poucas grandes
do no Brasil. O método UIS, até então pouco difun- cavernas estão mapeadas em grau 5, sendo que,
dido, está sendo objeto de novas discussões e uma ao que nos consta, apenas duas grandes cavernas
CLASSE
A Detalhes das galerias baseados na memória.
B Detalhes das galerias estimados e anotados na caverna.
C Medidas de detalhe realizadas apenas nas bases topográficas.
D Medidas de detalhe realizadas nas bases topográficas e entre elas, de modo a
representar mudanças morfológicas na galeria.
brasileiras estão mapeadas a nível 6D: a Gruta do A nova nomenclatura padrão seria "UIS 4-2-BC",
Convento, em Campo Formoso (BA), e a Lapa Nova, o que signiica uma topograia de grau 4, detalhes
em Vazante (MG). do mapa 2, e qualiicações adicionais B e C.
Graduação de mapeamento da UIS (Versão em A graduação atual não é válida para topograia su-
português: Rubens Hardt) baquática, pois as técnicas, materiais e diiculdades po-
No XV Congresso Internacional de Espeleologia, dem variar bastante. Se uma indicação deve ser dada,
ocorrido em Kerrville (EUA) em 2009, o Grupo de deve-se colocar "Equivalente a graduação UIS 4-2-BC".
Trabalho "Topograia e Mapeamento", da comissão As faixas de graduação da UIS não devem ser
de informática da UIS, discutiu os sistemas de gra- especiicadas no mapa. Se o conduto principal da
duação de mapeamento britânico (BCRA) e austra- cavidade foi mapeado com o uso de teodolito, e as
liano (ASF), o uso destes, suas limitações e possíveis passagens laterais no grau 4, a graduação a ser indi-
melhorias para uso internacional pela UIS. A gran- cada, na maioria das vezes, é aquela que represen-
de maioria dos presentes concordou que o uso de ta a maioria das passagens. Na maioria das vezes,
um sistema de graduação no mapeamento espe- será a graduação menor. Se porções laterais insig-
leológico é necessário para informar ao usuário so- niicantes (jamais a única conexão de dois mapas
bre a acurácia esperada do mapa. de alta qualidade) da caverna foram mapeadas em
Após uma animada discussão, foi veriica- um grau inferior, a graduação maior pode ser usada.
do que o sistema de graduação padrão da ASF se Especialmente para grandes cavernas, deta-
aproxima muito das expectativas do grupo e que lhes referentes a como o mapa foi compilado de-
este poderia ser complementado para o uso pela vem constar na descrição escrita da cavidade. Lá,
UIS. As tabelas a seguir apresentam a graduação, a também, possíveis desvios da graduação geral po-
acurácia de detalhes, informações adicionais, e uma dem ser explicados. Técnicas para minimizar erros
explicação que auxilia o entendimento do signii- de fechamento de poligonais (loops), técnicas uti-
cado das tabelas. lizadas para medição e outros detalhes adicionais
podem ser adicionados na descrição escrita.
Graduação de topografias
Suixo D: Usado para informar que posições chave topograia de cavernas: Survex, Compass, Smaps e
de passagens foram localizadas por rádio ou outros On Station, entre outros.
métodos de forma a deinir a posição absoluta da 1° passo - Transferência dos dados da planilha
topograia com respeito a superfície. de anotações
Suixo E: Designa dados transferidos eletronica- As distâncias, azimutes e inclinações de cada visa-
mente dos instrumentos (DistroX, etc.), eliminan- da são transcritos para uma “tabela” especíica (op-
do possíveis erros de transcrição. cionalmente pode-se inserir as medidas laterais de
Suixo F: Será usado tanto em mapas que repre- cada base). A maioria dos programas possui recur-
sentam cavernas diferentes (para indicar que as en- sos que facilitam esta inserção de dados, como a au-
tradas foram medidas precisamente) ou em mapas tonumeração da seqüência de bases e a adição de
de cavernas que contenham dados XYZ absolutos preixos ou suixos. Também é possível, neste mo-
de uma grade. Sem qualquer informação adicional mento, inserir dados relativos à declinação mag-
na parte escrita, é assumido que a técnica de me- nética, à equipe e às funções desempenhadas por
dição utilizada para localizar as entradas foram fei- cada membro dela.
tas no mínimo de acordo com a graduação que foi 2º passo – Tratamento dos dados
utilizada na caverna. Determinação da entrada da A principal vantagem desses programas é a possi-
caverna a partir de mapas qualiica para graus 1 a bilidade de visualizar, quantiicar, corrigir e distribuir
3 (para mapas de alta qualidade); topograia de su- os eventuais erros cometidos na topograia. Logica-
perfície para graus 3 a 6, e leituras de GPS de grau 3 mente isso só ocorre em locais onde tenham sido
a X, dependendo do instrumento e métodos utili- feitas poligonais fechadas, ou seja, onde a linha de
zados, disponibilidade de satélites, etc. De forma a trena tenha criado um segmento fechado. Nesta
alcançar o suixo F, a posição da entrada da caver- etapa deve ser feita uma avaliação geral dos levan-
na deve ser determinada por uma topograia de tamentos realizados no campo, analisando, princi-
superfície de, pelo menos, grau 4, ou por uma boa palmente, erros grosseiros que possam ter ocorrido
leitura de GPS, ou meios comparáveis. de forma pontual (como anotações erradas, visa-
das invertidas ou erros de leitura nos instrumentos).
3.2.4 Convenções cartográicas e a leitura
de mapas Para facilitar esta análise, podem-se fazer simula-
ções desconectando-se poligonais para veriicar a
2.4.1 Tratamento dos dados variação dos erros. Caso necessário, deve-se corri-
Após o levantamento de campo, os dados referen- gir em campo (refazer parte da topograia) os erros
tes às visadas são inseridos em softwares especí- mais grosseiros. A maioria dos programas permite
icos para levantamentos espeleológicos. Existem uma visualização tridimensional da linha de trena,
atualmente diversos softwares que podem ser uti- possibilitando a rotação deste gráico, além de re-
lizados. O objetivo desta fase é gerar um arquivo cursos adicionais como níveis em cores diferentes,
vetorial com a exata representação tridimensional numeração de bases e profundidades.
das visadas e bases da topograia, a chamada linha 3º passo – Exportação da linha de trena
de trena da caverna. Para tanto, esses programas Uma vez conferidos os dados e veriicados os erros
veriicam e distribuem os erros de fechamento de é hora de transformar a linha de trena em um ar-
poligonais gerando um gráico vetorial tridimen- quivo .dxf ou .plt que seja compatível com os pro-
sional com locação de cada base e visada, normal- gramas de desenho como o Micro Station, CAD ou
mente em formato .plt ou .dxf. Além disso, a análise Corel. Esta linha de trena será a base dos mapas em
destes dados permite veriicar se ocorreram erros planta, dos peris e dos cortes.
grosseiros e calcular o real grau atingido pela to-
pograia. Exemplos de programas especíicos para
a dolina seja mais profunda do que extensa (sem- de forma contrária estaríamos sistematicamente in-
pre considerando o maior comprimento), ela não cluindo larguras de condutos em todas as ramiica-
segmentará a cavidade em duas cavernas distintas. ções (que é o que dita o princípio da continuidade).
Ao contrário, caso possua o comprimento maior do Parece claro que o método da descontinuidade é
que a profundidade, causará a divisão da cavidade o mais correto do ponto de vista espeleométrico,
em duas grutas distintas. Assim sendo, a já citada muito embora seja trabalhoso, pois o componen-
dolina sobre o Rio São Mateus segmentou a caver- te “largura” deve ser medido e descontado em cada
na nas grutas São Mateus III e São Mateus-Imbira, interseção, motivo pelo qual muitos espeleólogos
ao passo que a Gruta do Janelão permanece como optam por fornecer o desenvolvimento total (ado-
uma cavidade única. tando a continuidade) através da simples soma das
visadas. A diferença entre desenvolvimentos me-
didos pelos princípios da descontinuidade e da
continuidade pode ser grande, principalmente em
cavernas com condutos amplos, onde o compo-
nente largura é maior, ou em cavernas com muitas
galerias laterais, que é o caso das várias cavernas
labirínticas brasileiras.
Parece consenso que a maneira mais correta
de comparar o tamanho de cavernas seja através
do volume total das galerias. Devido à quase total
ausência deste tipo de informação quanto às gru-
Outro importante critério espeleométrico me- tas brasileiras, é necessário que recorramos ao com-
rece detalhamento. Quando da topograia de ga- primento da caverna, dado pela soma das galerias, e
lerias que se ramiicam a partir de um conduto ao desnível. O cálculo do desnível é simples, sendo
principal, a distância obtida pela trena normalmen- fornecido pela diferença de nível entre o piso mais
te incluirá também um componente total ou par- alto da caverna e o piso mais baixo. Obedecendo-
cial da largura do conduto principal. Assim sendo, se aos critérios espeleométricos acima, este parâ-
caso consideremos a distância total (A-B), estare- metro não oferece problemas, sendo utilizado de
mos incluindo nesta também parte da largura do maneira uniforme pelos espeleólogos brasileiros.
conduto maior, pois a galeria lateral se inicia ape- O cálculo da extensão, comprimento, ou de-
nas no ponto C. O princípio da descontinuidade reza senvolvimento da caverna, por outro lado, tem
que esta distância (A-C) deve ser descontada, pois merecido abordagens diversas por parte de nossa
equipe quando do mapeamento, muito embora de feito de forma cuidadosa e com critérios bem
diferentes equipes muito provavelmente venham deinidos. A maior caverna do Rio Grande do Sul
a adotar caminhamentos diferentes. (Gruta do Salto Ventoso), por exemplo, possui so-
Infelizmente algumas medidas de desenvolvi- mente 250 metros de extensão. Se comparada com
mento linear reportadas na literatura espeleológica as grutas da Bahia, percebemos que este estado pos-
brasileira têm sido obtidas de forma pouco criterio- sui pelo menos 50 cavidades quatro vezes maiores
sa. Por vezes, medidas de irradiação ou de poligo- que isso, ou seja, com mais de 1 km de extensão.
nal fechada são incorporadas ao desenvolvimento Mas isso não signiica que a sua importância seja
inal da caverna. Esta forma, um tanto quanto “re- menor, principalmente se analisada sob a ótica re-
laxada” de se obter a extensão de uma cavidade gião. Ela é a maior cavidade de uma região cársti-
muito provavelmente ocorra em outras cavidades ca e a sua importância neste contexto é a mesma
brasileiras de menor porte, as quais seriam passíveis que a Toca da Boa Vista tem no estado da Bahia.
de detecção apenas se submetidas a rigorosas me- Ao analisarmos outras litologias as diferenças
dições através do método da projeção horizontal. são ainda mais acentuadas. A maior caverna em mi-
nério do ferro do Mundo não seria digna de desta-
3.2.6 As maiores cavernas e dimensões
notáveis que se comparada com a extensão das grutas de
O Brasil é um país rico em diversidade paisagísti- calcário de vários estados brasileiros. E o mesmo se
ca. Podemos encontrar cenários distintos como lo- aplica ao analisarmos os volumes, desnível e outros
restas, desertos, cadeias de montanhas e praias ao aspectos espeleométricos.
longo dos seus 8.514.876 km². E com as grutas não 3.3 Referências bibliograicas
poderia ser diferente. Praticamente todos os Esta-
AULER, A.; RUBBIOLI, E.; BRANDI, Roberto. As Gran-
dos brasileiros possuem cavernas e, quase todas as
des Cavernas do Brasil. Belo Horizonte: Grupo Bam-
litologias onde é possível se formar cavidades, en-
buí de Pesquisas Espeleológicas, 2001. 227p.
contram exemplos notáveis em nosso território. Só
para se ter uma idéia da importância do patrimô- BARROS, R.S.; CRUZ, C.B.M.; REIS, R.B.;COSTA JÚNIOR,
nio espeleológico do Brasil, uma das maiores gru- N.A. Avaliação do modelo digital de elevação do
tas do mundo (18º - Toca da Boa Vista) está situada SRTM na ortorretiicação de imagens Landsat 7
no sertão da Bahia. O maior desnível em caverna – Área de aplicação: Angra dos Reis – RJ. In: SIM-
de quartizito ica no Amazonas (Abismo Gui Col- PÓSIO BRASILEIRO DE SENSORIAMENTO REMO-
let) e a segunda mais extensa cavidade nesta litó- TO, XII., 2005, Florianópolis. Anais... São Paulo: INPE,
logia é a Gruta do Centenário, em Minas Gerais. P.3997-4004, 2005.
Além disso, também detemos o recorde mundial CECAV. Orientações básicas aos órgãos licencia-
para cavernas em canga além de várias cavidades dores de meio ambiente para a realização de es-
notáveis pela grandiosidade de suas galerias, be- tudos espeleológicos. Brasília: CECAV/ICMBio, 2009.
leza cênica ou importância cientíica. E se analisar- Disponível em:<http://www4.icmbio.gov.br/cecav/
mos as áreas com potencial para novas descobertas, index.php?id_menu=256>. Acesso em 29 jun. 2010.
percebemos que ainda há muito a ser revelado, COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS
principalmente quando falamos de litologias não - CPRM. Levantamento geológico da região de
carbonáticas como os quartzitos, arenitos, minério Sete Lagoas - Lagoa Santa - MG, escala 1:50.000.
de ferro e granito. Belo Horizonte: CPRM, . [Relatório interno/inédi-
Contudo as diferenças existentes entre as vá- to/Projeto Vida], 1992.
rias regiões do país indicam que os estudos com-
_________. Espeleologia: inventário de cavidades
parativos da morfologia das cavidades devem ser
naturais, região de Matozinhos - Mocambeiro. Belo
3.4 Agradecimentos
Luciana Alt – geoprocessamento e discussões
sobre metodologia utilizada em prospecções
espeleológicas.
Luís B. Piló, Thiago Lima e Roberto Casimiro – dis-
cussões sobre metodologia utilizada em prospec-
ções espeleológicas.
NORTE Amazonas 7
Pará 467
Rondônia 13
Roraima
Acre
Tocantins 547
Amapá
Planta Perfil
Bases topográficas
Contorno da galeria
Passagem inferior
Continuação estreita
Continuação possível
?
Dimensão presumida
Formação do teto
Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
Planta Perfil
Degraus 4
Abismo
P 19
_
P 19
Chaminé/Chaminé-Abismos +
+ C 15
+
_
C 15
_+
Curva de nível
Seta de gradiente 845 850
Seta de entrada
Linhas de gradiente
1851 m
Altitude em relação ao
nível do mar
Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
Planta Perfil
Diferença de Elevação
+-0 m +34 m
Fratura/Falha/Junta/Junta
estratificada/Fratura inclinada
-12 m
Lago/Curso d'água
Sifão
Cachoeira - Cascata
Nascente/Sumidouro
Infiltração
Scallops/Marmitas
Direção do Paleo-fluxo
Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
Planta Perfil
1998-05-17
Estalagmite
Estalactite
Cortinas/Colunas
Helectites/Canudos
Cristais (Flores)
Travertino
Concreção/Escorrimento
Leite de lua
Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
Planta Perfil
Blocos/Entulho
Seixos
Sedimento Clástico:
Areia - Silte - Argila - Humus
Guano
Acampamento
Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
Planta Perfil
Anastomose/Lapiás
Couve-flor/Disco
Ossos
Atividade Humana
Altura do salão/galeria
5
Http://www.carto.net/neumann/caving/cave-symbols/
Anexo 3 – Mapas
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 89
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
O luviocarste caracteriza-se por um curso de água Estima-se que o potencial espeleológico brasi-
com trechos em superfície e outros subterrâneos leiro possa superar mais de 100.000 cavernas (Auler,
que direcionam a funcionalidade do carste. A água 2001), contudo, cerca de 7.000 encontram-se cadas-
lui em um leito pelo vales cegos fechados, onde tradas (Auler, 2006). Minas Gerais abriga boa parte
uma zona de recarga desaparece, através de um da maior província espeleológica brasileira (Grupo
sumidouro, para tornar-se subterrânea, alorando Carbonático Bambuí), fazendo com que este seja
novamente em um ponto de descarga, por meio o estado que possui o maior número de cavernas.
de nascentes ou ressurgências (Auler et al., 2001; Grande parte delas localiza-se em áreas calcárias
Kohler, 2001; Camacho, 1992). que sofrem grande pressão por parte de empresas
Dentro do ambiente subterrâneo, o curso mineradoras em função da utilização do carbonato
d’água pode reaparecer, sendo assim denomina- de cálcio para a fabricação de cimento (Piló, 1999;
do surgência. O luviocarste aloja acima de seu ní- Ferreira, 2004; Machado & Ferreira, 2005). Além de
vel atual, feições fósseis, não funcionais, como vales cavernas calcárias, em Minas também é encon-
suspensos, cavernas e abrigos. Entre esses vazios trada formação de cavidades naturais em rochas,
endocársticos, as cavernas são os mais signiicati- como quartzito, minério de ferro, arenito, granito e
vos (Kohler, 2001). gnaisse, dentre outras, também ameaçadas, princi-
Geralmente, as cavernas iniciam sua formação palmente, por atividades de mineração e turismo.
na zona freática, área de iniltração vertical, onde a
4.2 O ambiente subterrâneo
água inunda totalmente as issuras da rocha, pro-
Os ambientes subterrâneos compreendem ex-
vocando a dissolução do perímetro dos condutos
tensas redes de espaços de diferentes dimensões
(zona de saturação). O rebaixamento natural do len-
e graus distintos de conectividade (Figura 4.1). As
çol freático permite a entrada de ar nesses espaços
cavernas (macrocavernas), nesta perspectiva, com-
subterrâneos, caracterizando o início de processos
preendem somente os espaços de maior volume
vadosos, que continuam atuando na solubiliza-
e dimensão, capazes de serem acessados pelo ho-
ção da rocha, entretanto, agora de forma direcio-
mem. No entanto, inúmeros organismos (espe-
nal (determinada pela convergência dos luxos de
cialmente invertebrados) são capazes de circular e
água subterrâneos). Cavernas vadosas podem ser
mesmo estabelecer populações viáveis em espa-
percorridas por rios, mas a água não ocupa todo
ços menores, como interstícios e fendas na rocha
o perímetro da galeria. Nestes casos, haverá ten-
ou em seu contato com o solo. Desta forma, exis-
dência de que o conduto seja escavado para bai-
te, desde a superfície até o interior de uma caver-
xo. Eventualmente, a caverna pode se tornar seca
na, uma sucessão de habitats subterrâneos que se
e se aproximar da superfície, sendo destruída pela
apresentam em diferentes conigurações.
erosão (Auler & Zogbi, 2005; Camacho, 1992).
O primeiro tipo de “compartimento” de habitat
As cavernas formadas na zona freática apre-
compõe os chamados espaços intersticiais do solo,
sentam morfologia labiríntica, de formação lenta
composto por pequenas issuras e rachaduras as-
e circulação irregular, enquanto as cavernas vado-
sociadas ao manto de intemperismo. Tal conjunto
sas apresentam luxo direcional de água a partir de
de habitats pode ser denominado compartimen-
canais de convergência, geralmente com condutos
to endógeno, sendo acessado principalmente por
únicos de morfologia meândria ou submeândrica.
organismos edafobiontes (que vivem no solo), que
Portanto, a morfologia dos condutos é controlada
podem tanto acessar estes habitats por meio de
por uma hierarquia de inluências, tais como loca-
suas minúsculas descontinuidades ou mesmo ati-
lização, extensão, grau de solubilidade da rocha,
vamente, por meio da escavação direta do solo (no
distância entre ponto de recarga e descarga, distri-
caso de organismos fossoriais). O solo profundo,
buição do luxo freático e vadoso e história morfo-
ao aproximar-se da rocha de embasamento, pode
dinâmica (Palmer, 1991; Guano Speleo, 2004).
90 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 4.1: “Compartimentos” de habitats desde o sistema epígeo até uma macro-caverna. Em vermelho, as categorias de mor-
fologia diferenciada mais frequentemente associada a cada compartimento e, em verde, as categorias ecológico-evolutivas de
organismos associadas às suas morfologias preferenciais (ou mais frequentemente encontradas).
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 91
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
forma, ao longo do tempo, a evolução vem produ- é chamada de hipogeomórica, sendo caracteri-
zindo morfologias que foram diferencialmente se- zada, além da tendência à redução da pigmenta-
lecionadas em cada um destes compartimentos de ção tegumentar e dos olhos, pelo alongamento de
habitats. A morfologia corpórea predominantemen- apêndices (locomotores e sensoriais) (iguras 4.2 e
te encontrada em espécies de superfície, denomi- 4.3). Tal alongamento, selecionado em “macro- es-
nada epigeomórica, compreende basicamente a paços” aparentemente está ligado à compensa-
elevada pigmentação tegumentar (primariamente ção sensorial destes organismos, tendo em vista
como forma de proteção contra a radiação solar, e a inexistência de luz nestes habitas e também a
secundariamente como estratégias de atração se- uma maior facilidade de deslocamento pelos subs-
xual, aposematismo, camulagem, dentre outras) e tratos das cavernas, muitas vezes encharcados. A
a manutenção de estruturas oculares bem desen- cada uma destas morfologias, associam-se diferen-
volvidas (já que a luz é uma importante pressão se- tes categorias de espécies que podem ser encon-
letiva presente). Nos compartimentos endógenos tradas em cavernas, como será discutido à frente.
e epicársticos, predomina uma morfologia deno- Finalmente, existem organismos que apresentam
minada endogeomórica, que se caracteriza pela morfologia ambimórica, isto é, com característi-
redução das estruturas oculares e da pigmentação cas “mescladas” de outras morfologias.
tegumentar (já que nestes compartimentos afóti- Os ambientes externos, ou sistemas epígeos,
cos, a pressão da luz deixa de atuar na “manutenção” são utilizados como base para a comparação das
destas características). Tais organismos, entretanto, condições ecológicas prevalentes nos ambientes
apresentam apêndices locomotores e sensoriais fre- subterrâneos, chamados de sistemas hipógeos.
quentemente não alongados, em função dos es- Dessa forma, o meio cavernícola é caracterizado,
paços de reduzido tamanho que coniguram estes principalmente, pela ausência permanente de luz,
habitats. Finalmente, a morfologia que frequente- fazendo com que muitas das características bió-
mente evolui em espaços subterrâneos de maior ticas e abióticas desses ambientes sejam inluen-
volume (macrocavernas – ou sistemas hipógeos) ciadas pela constância desta pressão ambiental.
Figura 4.2: O besouro cavernícola europeu Leptodirus hochenwartii exibindo morfologia tipicamente hipogeomórica. Notar a
ausência de olhos, a redução da pigmentação tegumentar a o alongamento de apêndices. Este foi o primeiro invertebrado tro-
glóbio descrito pela ciência.
92 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 4.3: O peixe troglóbio Stygichthys typhlops, de Minas Gerais (região de Jaíba) exibindo morfologia tipicamente hipogeo-
mórica. Notar a ausência de olhos e a completa despigmentação tegumentar. Esta espécie compreende um dos peixes brasi-
leiros mais modiicados à vida subterrânea. Além disso, compreende uma espécie ameaçada. Foto: Rodrigo L. Ferreiraausência
de olhos, a redução da pigmentação tegumentar a o alongamento de apêndices. Este foi o primeiro invertebrado troglóbio
descrito pela ciência.
Geralmente, o ambiente físico subterrâneo varia são estáticas e podem sofrer alterações ao longo
menos que o ambiente epígeo circundante e os do tempo, dependendo de fatores como dimen-
parâmetros ambientais caracterizam-se por perma- são da caverna, localização, morfologia, e orienta-
necerem praticamente estáveis na maioria das ca- ção das entradas, dentre outros.
vernas (Poulson & White, 1969; Culver, 1982). Tradicionalmente, podem ser distintas três zo-
Em cavernas mais extensas, a temperatura é nas ambientais caracterizadas pelas diferenças entre
caracterizada por apresentar pouca oscilação nos luminosidade, temperatura e distribuição de orga-
locais mais distantes da entrada. Os valores de tem- nismos (Camacho, 1992). São elas:
peratura, geralmente, aproximam-se da média anual 1. zona de entrada: é aquela onde a luz inci-
do ambiente epígeo (Barr, 1967; Barr & Kuehne, 1971). de diretamente e tanto a temperatura quanto
Já em cavernas menores, as variações são mais evi- umidade relativa do ar acompanham as varia-
dentes, devido à maior inluencia do meio externo. ções externas. É a região mais inluenciada pelo
Além disso, o ambiente subterrâneo é caracteriza- meio epígeo;
do pela elevada umidade que, muitas vezes, tende
2. zona de penumbra: há incidência indireta
à saturação (Poulson & White, 1969; Howarth, 1983).
de luz e lutuações de temperatura menores
Dessa forma, o meio cavernícola pode ser caracte-
quando comparadas às da zona de entrada.
rizado como um ambiente de elevada estabilidade
Sua extensão pode variar de acordo com a
ambiental, devido à ausência permanente de luz, e
época do ano e a posição da entrada em rela-
temperatura e umidade constantes (Poulson & Whi-
ção ao sol;
te, 1969; Culver, 1982). Porém, tais condições não
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 93
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
94 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 4.4: Algumas espécies troglóxenas encontradas no Brasil: A) Peropteryx macrotis (Embalonuridae), Domingos Martins, ES;
B) Chrotopterus auritus (Phyllostomidae), Pains, MG; C) Diphylla ecaudata (Phyllostomidae), Venda Nova do Imigrante, ES; D) Des-
modus rotundus (Phyllostomidae), Luminárias, MG; E) Goniosoma vatrax (Opiliones: Gonyleptidae), Nova Lima, MG; F) Gonioso-
ma sp. (Opiliones: Gonyleptidae), Vargem Alta, ES. Fotos: Rodrigo L. Ferreira
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 95
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Figura 4.5: Algumas espécies troglóilas encontradas no Brasil: A) Endecous sp. (Ensifera: Phalangopsidae), Cambuci, RJ; B) Zelurus
sp. (Heteroptera: Reduviidae), Santa Luzia, BA; C) Spelaeochernes sp. (Pseudoscorpiones: Chernetidae), Pau Brasil, BA; D) Carabi-
dae (Coleoptera), Afonso Cláudio, ES; E) Dolabellapsocidae (Psocoptera), Pains, MG; F) Tytius sp. (Scorpiones: Buthidae), Mosso-
ró, RN; G) Scutigeromorpha (Chilopoda), Pau Brasil, BA; H) Venezillo sp. (Isopoda: Armadillidae), Pau Brasil, BA; I) Gonyleptidae
(Opiliones), Pau Brasil, BA; J) Salticidae (Aranae), Arcos, MG; K) Heterophrynus longicornis (Amblypygi: Phrynidae), Palmas, TO; L)
Loxosceles sp. (Aranae: Sicariidae), Altinópolis, SP. Fotos: Rodrigo L. Ferreira
96 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 4.6: Algumas espécies troglóbias encontradas no Brasil (exceto letra F): A) Eukoenenia maquinensis (Palpigradi), Cordisburgo, MG;
B) Neobisiidae (Pseudoscorpiones), Iuiú, BA (nova espécie); C) Coarazuphium cessaima (Coleoptera: Carabidae), Itaetê, BA; D) Iandumo-
ema uai (Opiliones: Gonyleptidae), Itacarambi, BA; E) Amphipoda, Felipe Guerra, RN (nova família); F) Troglocaris sp. (Decapoda), Plani-
na, Eslovênia; G) Styloniscidae (Isopoda), Iuiú, BA (nova espécie); H) Cirolanidae (Isopoda), Felipe Guerra, RN (novo gênero); I) Lygroma
sp. (Aranae: Prodidomidae), Nova Lima, MG (nova espécie); J) Lithoblatta camargoi (Blattodea), Iraquara, BA; K) Charinus sp. (Amblypy-
gi: Charinidae), Carinhanha, BA (nova espécie); L) Trachelipodidae (Isopoda), Santa Tereza, ES (novo gênero), M) Coletinia brasiliensis (Zy-
gentoma: Nicoletiidae), Campo Formoso, BA; N) Spelaeogammarus trajanoe (Amphipoda: Bogidiellidae), Várzea Alta, BA; O) Kinnaridae
(Homoptera), Felipe Guerra, RN (novo gênero). Fotos: Rodrigo L. Ferreira
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 97
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
nesses organismos, observa-se uma tendência conhecer muito bem a fauna externa. Para as regi-
à redução das estruturas oculares, da pigmen- ões tropicais (em especial a região neotropical), a
tação e ao alongamento de apêndices, espe- mega-diversidade externa associada a um enorme
cialmente aqueles de função sensorial. Além grau de desconhecimento da fauna torna pratica-
destas características morfológicas, tais espé- mente impossível se determinar se uma espécie é o
cies também podem exibir especializações não troglóbia de acordo com sua distribuição. Des-
isiológicas, como a tendência à redução da ta forma, na tentativa de se aproximar de um diag-
taxa metabólica basal, dentre outras. Tais es- nóstico mais coniável a respeito do real “status” de
pécies frequentemente possuem morfologias uma determinada espécie, foi criado o termo tro-
variáveis, sendo que os chamados “troglóbios glomorismo. Tal termo refere-se a características
recentes” tendem a possuir morfologias endo- morfológicas utilizadas na determinação de espé-
geomóricas ou ambimóricas e os “troglóbios cies potencialmente troglóbias, já que resultam de
avançados”, morfologias hipogeomóricas (Fi- processos evolutivos ocorrentes após o isolamento
gura 4.6); de populações em cavernas.Tais características estão
A igura 4.7 ilustra as principais modiicações preferencialmente relacionadas à morfologia hipo-
encontradas e uma espécie troglóbia, (especialmen- geomórica, que tende a ser mais recorrente em ha-
te naquelas consideradas “troglóbios avançados”, bitats hipógeos de maior volume (macrocavernas).
nas quais se destacam morfologias tipicamente hi- Os troglomorismos, desta forma, são especíicos
pogeomóricas). A espécie da igura corresponde a a cada grupo, não representando sempre as mes-
um homóptero da família Cixiidae encontrado em mas características (como redução de olhos e pig-
uma caverna ferruginosa do quadrilátero ferrífero. mentos). Sendo assim, para certos grupos, ausência
Indivíduos troglóbios desta família são comumen- de olhos e de pigmentos podem ser consideradas
te encontrados em tubos de lava, principalmente troglomorismos, enquanto que para outros não.
nas ilhas Canárias e Hawaii. Como são itófagos, tais Para a maioria dos grupos, a redução da pig-
organismos associam-se a raízes que interceptam mentação melânica, das estruturas oculares e o
galerias de cavernas. Tais raízes são freqüentes nos alongamento de apêndices, podem ser conside-
tubos de lava devido à sua supericialidade, como radas características troglomóricas. Entretanto, as
ocorre com muitas cavernas ferruginosas. Em ou- características a serem utilizadas para estes diag-
tras cavernas situadas em litologias distintas, às nósticos diferem dependendo do táxon analisa-
vezes mais profundas, é mais rara a presença de do. Certos grupos, por exemplo, possuem espécies
raízes e conseqüentemente de cíxiidos, como na sempre despigmentadas e anoftálmicas, mesmo no
maioria das cavernas brasileiras. O único indivíduo ambiente epígeo (e.g. Palpigradi). Nestes casos, os
encontrado na caverna alimentava-se de raízes e troglomorismos são mais especíicos (como alon-
compreende um dos cíxiidos mais especializados gamento dos lagelômeros, aumento no número
à vida subterrânea. Tais modiicações morfológicas de órgãos laterais, dentre outros, para Palpigradi).
incluem a ausência de estruturas oculares, a total A ausência de olhos e de pigmentos, para este gru-
despigmentação do tegumento e a redução das po, não constituem troglomorismos. Desta forma,
asas (Figura 4.7). Cixiidos epígeos possuem olhos é necessário se conhecer a biologia de cada grupo
e asas bem desenvolvidas além de forte pigmen- no intuito de se diagnosticar efetivamente a exis-
tação (Figura 4.8). tência ou não destes caracteres.
O conceito de espécie troglóbia diz respeito Além disso, é sempre fundamental associar as
à sua restrição nos habitats subterrâneos. No en- características morfológicas encontradas em cada
tanto, para se saber precisamente se uma espécie espécie como ambiente externo à caverna à qual
é restrita aos ambientes hipógeos, é necessário se a referida espécie se associa. Em muitos casos, a
98 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 4.7: Homóptero troglóbio da família Cixiidae. Ao centro, o aspecto geral do organismo (vista latero-ventral e vista latero-
dorsal); Acima, à esquerda, detalhe do ovopositor, o que indica que o indivíduo é uma fêmea adulta; Acima, à direita, detalhe
da região cefálica (vista dorsal), onde se percebe a anoftalmia; Abaixo, à esquerda, detalhe da região cefálica (vista látero ven-
tral), evidenciando a anoftalmia; Abaixo, à direita, detalhe das asas, mostrando marcante redução destas estruturas. Fotos: Ro-
drigo L. Ferreira
Figura 4.8: Homóptero da família Cixiidae (epigeomórico). A seta vermelha indica os olhos bem desenvolvidos e a seta verde
indica as asas também desenvolvidas e funcionais. Notar a forte pigmentação do organismo. Foto: Rodrigo L. Ferreira
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 99
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
análise da morfologia, por si, pode não ser suicien- 2. os estigóilos em comparação com os an-
te para determinar se a espécie é (ou não) trogló- teriores apresentam uma maior ainidade ao
bia. Um exemplo: as traças pertencentes à família ambiente cavernícola, principalmente porque
Nicoletiidae são sempre brancas e anoftálmicas. Se exploram ativamente os recursos alimentares
estivermos coletando em uma caverna localizada e buscam proteção contra condições adversas
no sul de São Paulo, em meio à uma Mata Atlân- resultantes de fatores estocásticos externos;
tica bem preservada e encontrarmos uma popu- 3. os estigobiontes são especializados e res-
lação cavernícola de uma traça desta família, não tritos ao interior dos ambientes subterrâneos.
podemos excluir a possibilidade de que existam in- Têm distribuições amplas e suas especializa-
divíduos da mesma espécie fora da caverna, já que ções, provavelmente, evoluíram em resposta
na loresta, existem inúmeros habitats capazes de às pressões seletivas presentes em cavernas e
manter tais indivíduos (como o folhiço sombrea- ou à ausência de pressões seletivas típicas do
do e úmido da loresta, espaços sob troncos e ro- meio epígeo. Nesses organismos, as estruturas
chas, dentre outros). Por outro lado, se estivermos oculares e a pigmentação são reduzidas ou au-
coletando em uma caverna situada no interior da sentes e as estruturas sensoriais são mais de-
Paraíba, em meio à Caatinga, e encontrarmos uma senvolvidas do que em ains epígeos.
outra população de traças da mesma família, po-
É imprescindível que a inclusão de uma espécie
demos considerar que existem enormes possibi-
em quaisquer categorias necessite de uma avalia-
lidades de se tratar de uma espécie troglóbia, já
ção aprofundada da história natural do organismo
que as condições externas à caverna (de extrema
estudado. No entanto, a classiicação mais comple-
insolação, elevadas temperaturas, solo ressequido,
xa e a que mais sofreu modiicações é a que ten-
dentre outras) diicilmente permitiriam o estabe-
ta separar os animais que entram casualmente nas
lecimento de populações epígeas daquela espé-
cavernas dos que entram voluntariamente nesse
cie (de tegumento ino, frágil que permitiria uma
ambiente (comumente chamados de “verdadeiros
rápida perda de água, levando à morte do indiví-
cavernícolas”). Aqui, de forma a facilitar a compre-
duo por dessecação). Sendo assim, muitas vezes
ensão dos termos, foi acrescida uma categoria que,
nem mesmo um taxonomista especialista em de-
na maioria das vezes, é excluída dos estudos de fau-
terminado grupo é capaz de precisar se uma dada
na cavernícola: os organismos acidentais.
espécie é ou não troglóbia, sendo sempre neces-
As espécies “acidentais”, diferentemente dos tro-
sário contextualizar suas características morfológi-
glóxenos, compreendem indivíduos epígeos que
cas em relação aos ambientes externos às cavernas
penetram (acidentalmente ou não) no ambiente
às quais se associam.
cavernícola, mas não apresentam nenhuma pré-
Outra classiicação de fauna cavernícola, me-
adaptação que proporcione a sua sobrevivência
nos utilizada, agrupa os organismos aquáticos em
dentro das cavernas. Essas espécies, embora não
também três categorias baseadas no sistema Schin-
sejam “verdadeiros cavernícolas”, são importantes
ner-Racovitza (Gilbert et al., 1994):
em muitos sistemas hipógeos, principalmente na-
1. os estigóxenos são organismos aquáticos queles em que a entrada de alimento é restrita, já
cavernícolas que não têm ainidade alguma que as fezes e, principalmente, os cadáveres desses
ao ambiente subterrâneo, mas que ocorrem animais são importantes fontes de recursos alimen-
acidentalmente em sedimentos aluviais nas tares, tanto para as comunidades aquáticas quan-
cavernas. Estes inluenciam os processos de to para as terrestres.
aporte e consumo de matéria em águas sub- Da mesma maneira que foram propos-
terrâneas como presas e/ou predadores; tos sistemas de classiicação para os organismos
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 101
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
1982). Porém, a maior parte da produção nos ecos- margens, de acordo com sua estrutura e estado
sistemas cavernícolas é de origem secundária e o de conservação (Allan, 1995). Após cair nos rios, a
alimento aportado à caverna é de origem alócto- água transporta estes detritos em direção às ca-
ne. Esse fato faz com que a teia alimentar hipógea vernas. Tais detritos, geralmente compostos por
seja fundamentada em detritos, havendo o pre- troncos, galhos, folhas, bactérias e animais epíge-
domínio de organismos decompositores nos sis- os (zooplâncton e artrópodes aquáticos), acessam
temas hipógeos (Simon, 2000; Souza-Silva, 2003). este ambiente por meio de sumidouros. No meio
Fezes ou cadáveres de animais que transitam hipógeo, fragmentos vegetais são depositados ao
nas cavernas com certa regularidade ou dos que longo dos cursos d’água, constituindo depósitos de
entram ali casualmente, assim como a presença matéria orgânica (Barr, 1967; Simon, 2000; Ferreira
de raízes vegetais, podem ser também importan- & Horta, 2001). Estes depósitos são lentamente de-
tes fontes de recursos alimentares, tanto para as compostos por bactérias, fungos e demais inverte-
comunidades terrestres quanto para as aquáticas. brados detritívoros (Galas et al., 1996; Simon 2000).
O tipo e a qualidade de recurso e a forma de dis- O biorrevolvimento da superfície do sedimento
seminação no sistema são determinantes da com- e a fragmentação do detrito proveniente da vege-
posição e da abundância da fauna (Ferreira, 2004). tação ripária são exemplos de processos realiza-
Além disso, os recursos alimentares alóctones man- dos por organismos pertencentes às comunidades
têm populações de organismos de todos os níveis aquáticas, que resultam na liberação de nutrientes
tróicos presentes nas cavernas (Ferreira & Martins, na água (Cummins et al., 1989; Devái, 1990). Assim,
1999; Trajano, 2000). estas comunidades caracterizam-se como impor-
Assim, a matéria orgânica é importada para as tantes componentes do sedimento de rios e lagos,
cavidades por agentes biológicos ou por agentes sendo fundamentais para a dinâmica de nutrien-
físicos, de modo contínuo ou intermitente. O ali- tes, a transformação de matéria e o luxo de energia
mento também pode penetrar nas cavernas atra- (Callisto & Esteves, 1995). Tal fato pode ser aplicado
vés da água de percolação, das aberturas verticais tanto para as comunidades epígeas quanto para as
nos tetos e das paredes ou em “pulsos”, carreado hipógeas. Dessa forma, todos os processos ocorri-
por rios ou riachos (Gilbert et al. 1994). Essa movi- dos no meio externo inluenciam diretamente o
mentação de nutrientes e detritos do meio epígeo ecossistema subterrâneo.
para o meio hipógeo é freqüente; em alguns ca-
4.2.3 Dinâmica trófica em sistemas
sos, 100% da matéria orgânica é importada (Culver, subterrâneos
1982, Howarth 1983). As cavernas são comumente caracterizadas como
Nos riachos epígeos e subterrâneos, os recur- ambientes com elevada tendência ao oligotroismo,
sos orgânicos transportados são, usualmente, cate- já que, geralmente, as vias de importação de recur-
gorizados de acordo com o tamanho das partículas: sos alimentares não são eicientes o bastante para
matéria orgânica particulada grossa (coarse particu- o transporte de grandes quantidades de alimen-
late organic matter (CPOM)>1mm), ina (ine parti- to (Culver, 1982). Desse modo, a baixa quantidade
culate organic matter (FPOM), de 1mm até 5µm) e dos recursos importados às cavernas se torna um
dissolvida (dissolved organic matter (DOM)<5µm) fator limitante ao estabelecimento de numerosas
(Allan, 1995; Simon, 2000). espécies nos ecossistemas subterrâneos. Mesmo
No meio externo, esses detritos podem ser as espécies que conseguem ultrapassar as barrei-
usados como alimento por inúmeros invertebra- ras seletivas destes ambientes, tal como a ausên-
dos aquáticos (Minshall, 1967; Allan, 1995; Galas et cia permanente de luz, são impedidas de atingir
al., 1996). O aporte destes para rios e pequenos ria- grandes populações devido à relativa escassez de
chos é feito, principalmente, pela vegetação das recursos alimentares (Ferreira, 2004).
Vários estudos em cavernas indicam a tendên- redução na taxa metabólica, condição bastante
cia de haver um menor número de espécies explo- recorrente em organismos troglóbios (Camacho,
rando os recursos alimentares, geralmente limitadas 1992; Sarbu, 1996).
a teias tróicas mais simpliicadas. Considera-se, en-
tão, que as comunidades de invertebrados caverní- Dessa forma, a produção primária que susten-
colas são menos complexas quando comparada às ta essa comunidade é realizada por meio da mi-
comunidades epígeas (Culver, 1982; Howarth, 1983; crobiota que cobre as superfícies da água e das
Jasinska et al., 1996; Trajano, 2000). rochas calcárias. Esse bioilme microbiano utiliza
Porém, estudos relacionados à caracterização o sulfeto de hidrogênio como doador de elétrons
dos processos biológicos de produção, transferên- no processo de quimiossíntese. O luxo de ener-
cia e processamentos de nutrientes em sistemas ca- gia é realizado por bactérias e fungos heterotrói-
vernícolas são pouco freqüentes. Esses estudos são cos que se alimentam das bactérias autotróicas ou
fundamentais para a compreensão da dinâmica tró- utilizam moléculas orgânicas excretadas por elas. A
ica desses ambientes que, por sua vez, determina partir daí, ricas populações de lagelados, nematói-
diretamente a estruturação das comunidades sub- des, oligoquetas, copépodos, anipodos, colêmbo-
terrâneas. As informações geradas por meio des- los, isópodes, aranhas e coleópteros, dentre outras,
ses estudos fornecem importantes subsídios para distribuem-se ao longo da cavidade, todas elas uti-
a conservação da fauna cavernícola. lizando-se, de forma indireta, do recurso primaria-
Apesar de a produção autóctone fotossinteti- mente produzido pelas bactérias. Desencadeia-se,
zante não ser um processo comum na maioria das dessa forma, uma teia alimentar atípica em am-
cavernas, a quimioautotroia pode ocorrer em mui- bientes cavernícolas, envolvendo consumidores,
tos dos ambientes subterrâneos. A caverna Movi- predadores e detritívoros, todos baseados em pro-
le Cave, situada na Romênia, destaca-se por ser o dutividade primária proveniente de quimiossínte-
único caso (comprovado até o momento) de uma se (Camacho, 1992; Sarbu et al., 1996). A produção
caverna em que a quimioautotroia é responsável primária totalmente baseada em organismos qui-
pela manutenção de toda a comunidade de in- mioautotróicos é, entretanto, rara e não pode ser
vertebrados presente. Várias investigações na su- caracterizada como modelo tróico geral para ca-
perfície da região onde está localizada a caverna vernas convencionais.
excluem a possibilidade de aporte de matéria or- Simon (2000) analisou a dinâmica da matéria
gânica de origem fotossintética por luxos d’água orgânica e a estrutura tróica em águas de ecossis-
epígeos. Mesmo sendo um ecossistema subterrâ- temas subterrâneos cársticos em Dorvan-Cleyzieu,
neo exclusivo que está inserido em uma paisagem França. O estudo demonstrou a inluência de pa-
com águas termominerais sulfurosas, também é drões temporais de luxos de inundação no apor-
descartada a probabilidade de iniltração de água te e na distribuição espacial da matéria orgânica e
por percolação através das issuras das rochas. Tal também na distribuição do bioilme em um aqüí-
fato demonstra que a caverna está isolada em um fero. As bactérias (heterotróicas) aparecem como
ambiente totalmente fechado (Camacho, 1992). importante fonte energética para os níveis tróicos
Ainda assim, Movile Cave é caracterizada por seguintes. Além disso, os fatores que regulam suas
suportar uma elevada densidade de espécies, tan- atividades controlam também a teia alimentar, de-
to aquáticas como terrestres e alta biomassa. Além terminando a disponibilidade de energia. A alter-
disso, a caverna apresenta grande quantidade de nância temporal de enchentes e seca no aqüífero
organismos troglóbios, indicando a longa história tem um importante papel na aeração do bioilme,
de isolamento destas espécies. Porém, essas espé- na renovação de carbono e de oxigênio e no supri-
cies se destacam pelo fato de não apresentarem mento de nutrientes para o meio hipógeo.
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 103
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Consumidores primários
Predadores
Herbívoros DETRITÍVOROS Guanófagos
Matéria orgânica acumulada
Fitófagos Fungívoros
Matéria orgânica lixiviada
Caverna
Bactérias Fungos e
Raízes quimioautotróficas bactérias Guano
Figura 4.9: Diagrama representando principais estruturas e processos tróicos em uma caverna (Ferreira, 2004).
como “evolução regressiva”. Esse processo, ainda passar das gerações, pois mutações casuais nesse
não totalmente esclarecido, é interpretado com sentido não afetariam a sobrevivência ou reprodu-
a ajuda de duas hipóteses hoje muito aceitas, por ção do indivíduo. Uma mutação que, por exemplo,
seu bom embasamento teórico e experimental: a reduzisse o tamanho do olho de um peixe seria
hipótese do acúmulo de mutações neutras e a da muito prejudicial se ele vivesse em um rio de su-
seleção por pleiotropia. perfície, mas neutra em uma caverna totalmente
Para descrever a primeira hipótese é fundamen- escura. Nesse ambiente, os olhos não têm função.
tal esclarecer antes o que signiica o termo “muta- O acúmulo de mutações neutras desenvolveria e
ção neutra”. Mutações são mudanças no código ixaria um determinado caráter regressivo, desde
genético de um indivíduo, que podem levar a va- que a população cavernícola continuasse isolada
riações de forma, metabolismo ou comportamen- de populações externas. A hipótese de acúmulo de
to transmissíveis a seus descendentes. As mutações mutações neutras, portanto, propõe que a regres-
são espontâneas ou induzidas (por radiações e por são de estruturas em muitos troglóbios pode ter
diversas substâncias químicas). Uma “mutação neu- ocorrido por causa da ausência de pressões sele-
tra” é aquela que não inluencia nenhum aspecto tivas (como a luz) que eliminariam indivíduos mu-
importante da sobrevivência e/ou da reprodução tantes no meio externo: nesse meio, um peixe com
de um organismo. A “neutralidade”, porém, depen- visão reduzida teria sua vida diicultada e, portan-
de do ambiente em que esse organismo vive. Essa to, menos chance de transmitir a mutação a seus
hipótese assume que a regressão de certas estru- descendentes.
turas, observada em alguns organismos que vivem A segunda hipótese baseia-se na pleiotropia,
em cavernas, é resultado do acúmulo de mutações fenômeno no qual um só gene determina a modi-
neutras (que aparecem casualmente em indivíduos icação de vários caracteres (no fenômeno oposto,
de uma população) durante várias gerações. Sem herança poligênica, um só caráter é determina-
função nesses ambientes, tais estruturas (olhos, por do por vários genes). Uma mutação em um gene
exemplo) seriam gradativamente reduzidas com o pleiotrópico pode aumentar ou diminuir todos os
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 105
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
caracteres que ele determina ou aumentar um e de Minas Gerais, principalmente nos últimos anos,
reduzir os demais. A hipótese da seleção por pleio- têm sido descobertos numerosos organismos tro-
tropia propõe que mutações em um gene pleio- glóbios e troglomóricos (que já mostram caracte-
trópico afetariam de modo diferente os caracteres rísticas de troglóbios). Populações relativamente
determinados por esse gene, levando à seleção de densas de ácaros, colêmbolos e traças são encon-
um ou mais entre eles. Assim, em um peixe (hipo- tradas com certa freqüência nesses depósitos. Tais
tético) com um gene desse tipo, que condicionas- descobertas permitem questionar a hipótese de
se um caráter útil no ambiente cavernícola (como que a escassez de alimentos seria a principal de-
o sistema de linha lateral, que permite aos peixes terminante da evolução de características troglo-
detectar variações de temperatura ou pressão da móricas em organismos que vivem em cavernas,
água) e outro “dispensável” ali (como olhos), a sele- principalmente naqueles associados a depósitos de
ção poderia resultar no aperfeiçoamento de uma guano. A comparação da idade dos depósitos de
característica e redução da outra, por efeito pleio- guano com o tempo de desenvolvimento de um
trópico negativo. Assim, o aperfeiçoamento de um organismo troglóbio também ajuda esse questio-
caráter acarretaria a redução do outro associado, namento. Um exemplo está na toca da Boa Vista,
desde que isso não reduzisse as chances de sobre- caverna do norte da Bahia. Em muitas de suas gale-
vivência e reprodução. No peixe hipotético acima rias há registros de guano fóssil pulverizado, e nessa
(com o sistema de linha lateral e o desenvolvimento caverna existem populações numerosas (dezenas
dos olhos ligados ao mesmo gene), mutações que de indivíduos) de uma traça troglóbia, da ordem
tornassem mais eicaz o primeiro caráter seriam po- Zygentoma. Amostras desse guano foram datadas
sitivamente selecionadas, levando à redução dos pelo geólogo Augusto Auler em cerca de 16 mil
olhos, caso o efeito pleiotrópico nesse gene fosse anos. Tal prazo está incluído no tempo necessário
negativo. Como essa redução não afeta a vida do para a evolução de características troglomóricas
peixe na caverna, os olhos continuariam a ser atro- em espécies cavernícolas terrestres, estimado en-
iados, podendo até desaparecer, no decorrer de tre 10 mil e 100 mil anos por estudos empíricos. As
várias gerações. Ao contrário da hipótese de acú- traças, portanto, provavelmente desenvolveram es-
mulo de mutações neutras, a de pleiotropia está sas características em um ambiente com bastante
diretamente ligada à escassez alimentar, condição matéria orgânica, contrariando a idéia de que essa
comum em muitas cavernas. evolução estaria ligada à escassez de nutrientes. As
Entretanto, se essa escassez fosse a principal informações obtidas nestas pesquisas reforçam a
determinante do processo evolutivo em cavernas, hipótese neutralista de evolução regressiva, já que
os depósitos de guano não poderiam ser conside- a escassez ou não de alimento parece ter pouca in-
rados locais apropriados para a ocorrência da evo- luência no processo de evolução de organismos
lução regressiva. Em geral, tais depósitos oferecem associados ao guano.
recursos abundantes para as comunidades que vi-
4.4 Ecologia e conservação de cavernas
vem neles, e segundo alguns cientistas isso poderia
A fauna cavernícola brasileira começou a ser rela-
desacelerar esse tipo de evolução nos organismos.
tivamente bem estudada a partir da década de 80
Os troglóbios eventualmente encontrados em de-
(Dessen et al., 1980; Chaimowicz, 1984; Chaimowicz,
pósitos de guano, para esses cientistas, já estariam
1986; Godoy, 1986, Trajano & Moreira, 1991). Poucas
presentes nas cavernas (e já teriam evoluído até
cavernas, entretanto, foram estudadas intensiva-
essa condição), e se associaram ao guano apenas
mente, todas elas cavernas calcárias (Trajano, 1987;
depois de sua deposição pelas colônias de morce-
Ferreira & Pompeu, 1997; Bichuette & Santos, 1988;
gos. Em depósitos de guano de cavernas da Bahia e
Ferreira & Martins, 1998,1999).
As cavernas são, até certo ponto, importantes Desta forma, qualquer evento que modiique a
para o equilíbrio de ecossistemas em suas áreas de situação presumivelmente “original” de uma caver-
ocorrência. As interferências sobre o meio físico de- na calcária (permanente escuridão e elevada estabi-
correntes de fenômenos naturais ou da ação antrópi- lidade ambiental), independentemente do tempo
ca reletem-se diretamente nas cavernas que existem desde sua ocorrência, pode resultar em impacto.
nas áreas sujeitas a estes impactos. A desestruturação Situações que modiiquem um sistema cavernícola
de sistemas cavernícolas causada por diferentes im- com velocidade relativamente alta podem causar
pactos pode, de médio a longo prazo, causar modi- distúrbios aos quais muitos organismos não conse-
icações no sistema externo, acentuando ainda mais guirão adaptar-se, resultando em extinção local de
o estado de desequilíbrio de um dado ecossistema. muitos taxa. Sendo assim, o tempo desde a ocor-
Como exemplo, pode-se citar enchentes (Lisowiski & rência de um impacto, mesmo sendo importante
Poulson, 1981; Lewis, 1982) ou mesmo a diminuição para a evolução de grupos ou sistemas biológicos
da água em drenagens hipógeas (Elliot, 1981) devido em cavernas, mostra-se, provavelmente, menos im-
a atividades antrópicas. Estes eventos podem mo- portante que a intensidade com a qual este even-
diicar intensamente o regime hídrico da porção à to tenha modiicado um dado sistema cavernícola.
jusante ou à montante da drenagem, causando di- Uma vez que a determinação do tempo transcor-
ferentes impactos sobre a fauna e lora aquática e às rido desde a modiicação de uma caverna por um
vezes até mesmo sobre comunidades ripárias. Ou- dado evento é praticamente inviável, o acompa-
tros exemplos podem ainda ser citados, como a re- nhamento de certas variáveis (ambientais, tróicas
moção de populações de morcegos frugívoros de e zoológicas) de uma caverna aliado à compara-
cavernas. Mesmo não existindo estudos detalhados ções entre estas mesmas variáveis, podem funcio-
a este respeito, parece bem real a possibilidade de nar como objetos para a determinação do grau
redução nas taxas de polinização e mesmo de dis- de conservação de um dado sistema, mesmo não
persão de sementes nos sistemas externos caso este sendo estas, as “ferramentas” mais adequadas para
evento venha a ocorrer, o que pode, a longo prazo, este tipo de estudo.
levar a eventuais “bottle necks” para muitas popula- A conservação de sistemas cavernícolas é, des-
ções de plantas que dependam destes polinizadores ta forma, fundamental tanto para a preservação das
(Myers, 1992). Estudos detalhados de sistemas caver- muitas relações ecológicas existentes apenas nes-
nícolas são, desta maneira, essenciais para uma ca- tes ambientes, quanto para a manutenção destes
racterização completa e coniável do ecossistema ecossistemas. Além disso, enquanto sistemas com-
no qual as cavernas se inserem. plexos (embora menos complexos que os ecos-
Impactos ambientais podem resultar de ativi- sistemas epígeos) as cavernas possuem grande
dades naturais ou antrópicas, que produzem alte- importância na medida que permitem a compre-
rações bruscas em partes ou no ambiente como ensão de muitas estruturas e processos ecológicos,
um todo. Cavernas calcárias, devido à sua gênese, podendo, assim, funcionar como excelentes locais
passaram, em sua evolução geológica, por momen- para a pesquisa ecológica.
tos de permanente escuridão e maior estabilida-
4.5.1 Diretrizes gerais para o inventário e
de ambiental que sistemas externos. Entretanto, a monitoramento da fauna em cavernas
situação ambiental de cada caverna depende do
tipo e do momento em que se encontra sua evolu- Diretrizes gerais para inventários de fauna
subterrânea
ção geológica, sendo que diferentes sistemas cer-
Segundo Ferreira (2004), para o levantamento de
tamente encontram-se em diferentes condições
dados e a avaliação ecológica de um sistema caver-
ambientais (inluenciadas claramente pelo regime
nícola deve-se avaliar sucintamente fatores como a
climático externo regional).
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 107
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Figura 4.10: Croqui esquemático de uma caverna ilustrando o método de avaliação da composição, riqueza e abundância de
invertebrados. Cada número representa uma morfoespécie deinida no campo. A repetição do número representa a distribui-
ção e abundância dos indivíduos da morfoespécie (modiicado de Ferreira 2004).
As coletas deverão ser preferencialmente manuais locais preferenciais de acumulação e a fauna asso-
(com o auxílio de pinças, pincéis, sugadores e redes ciada aos diferentes recursos alimentares (guano,
entomológicas). O uso de armadilhas tipo “pitfall” raízes, folhas, troncos, carcaças, etc) devem ser des-
(armadilhas de queda, instaladas no piso das caver- tacados. Para tal, os recursos alimentares presentes
nas) é desaconselhado, pois este método, além de nas cavernas deverão ser identiicados visualmente
seletivo, adiciona poucas espécies quando realiza- plotados em croqui ou mapa e caracterizados de
do em conjunto com o método de coleta manu- acordo com o tipo (raízes, folhas, troncos, fezes, etc.)
al. Além disso, a coleta com pitfall sacriica muitos locais de acumulação (perto de entradas, condu-
indivíduos, podendo desestruturar populações de tos interiores, embaixo de clarabóias, paredes, piso,
detritívoros e por conseqüência seus predadores etc) e vias e modos de acesso a caverna (entradas
(Culver & Sket 2002, Ferreira 2004). Durante as co- horizontais, fraturas no teto, gotejamentos em es-
letas devem ser priorizados microhabitats como peleotemas, entradas verticais, rios, enxurradas, ani-
troncos, depósitos de guano, espaços sob pedras, mais, etc). Além disto, quando possível, devem ser
raízes e locais úmidos. As associações dos inver- caracterizados de acordo com a quantidade (raízes
tebrados com os recursos alimentares presentes dispersas ou concentradas em rizotemas, material
nas cavernas deverão ser registradas em caderno vegetal e guano disperso ou acumulado em depó-
de campo e fotografadas, quando possível. Em la- sitos, etc), e de acordo com a condição ou tempo
boratório todos os organismos coletados deverão de deposição (mineralizado, antigo, recente, seco,
ser devidamente acondicionados e identiicados umido, etc). No caso do guano, deve ser destaca-
de acordo com as referências de campo. A abun- da a dieta de origem do mesmo (frugivoro, insetí-
dância geral de cada espécie é conseguida através voro, hematófago, carnívoro, misto, etc). Se ocorrer
da recontagem dos indivíduos incluídos em cada elevada riqueza e abundância no recurso alimen-
croqui. Para um melhor reinamento na identiica- tar, amostras devem ser coletadas pra a triagem
ção dos invertebrados sugere-se o envio a especia- em laboratório com uso de lupa ou extratores (e.g.
listas. Os organismos devem ser identiicados até Berlese). Os depósitos de guano podem apresen-
menor nível taxonômico possível. tar composições variadas. O guano de morcegos
Medidas de temperatura e umidade (topocli- frugívoros forma depósitos repletos de sementes.
ma) devem ser registradas juntamente com a co- Aqueles depósitos de guano de morcegos de dieta
leta de invertebrados em intervalos regulares de insetívora são repletos de exoesqueletos. Aqueles
tempo e de espaço no interior da caverna. Para depósitos de guano de morcegos de dieta hema-
tal, a umidade relativa do ar, bem como a tempe- tófaga forma depósitos bem úmidos de consis-
ratura, devem ser preferencialmente monitorados tência pastosa e cor avermelhada escura quando
com freqüência, visando a caracterização adequa- recente, e pulvurulento e bem mais seco quando
da da atmosfera do sistema. Sugere-se que estas velho (mineralizado). Aqueles depósitos de guano
medidas sejam tomadas em pelo menos dez pon- de morcegos de dieta carnívora forma depósitos
tos eqüidistantes dentro de cada cavidade, a partir repletos pequenos pelets com pêlos e ossos. Os
da entrada até o inal da caverna, abrangendo-se regurgitos de coruja são recursos alimentares que
da forma mais completa possível as variações das também podem ocorrer geralmente próximos às
condições vigentes em cada sistema. entradas das cavernas. Estes regurgitos podem ter
Durante a caracterização tróica devem ser ava- a forma esférica, são maiores e também com pe-
liados no interior das cavernas os tipos, as quantida- los e ossos. As taxas de consumo (decomposição)
des, a qualidade, a distribuição e as vias de acesso dos recursos alimentares nas cavernas devem ser
dos recursos alimentares ao meio subterrâneo. Os avaliadas em projetos especíicos.
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 109
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
construídas listas ou tabelas com a composição, ri- CALLISTO, M.; ESTEVES, F. A. Distribuição da
queza, abundância, diversidade e dominância nas comunidade de macroinvertebrados bentônicos
comunidades, além da descrição das características em um lago amazônico impactado por rejeito
físicas, tróicas e topoclimáticas especíicas de cada de bauxita, Lago Batata (Pará, Brasil). Oecologia
cavidade. Além disto, deve-se destacar a ocorrên- Brasiliensis. In: ESTEVES, F. A. (Ed.). Estrutura,
cia de interações observadas (agregações, preda- funcionamento e manejo de ecossistemas
ção, parasitismo e associações com os detritos) e brasileiros. Rio de Janeiro: Universidade Federal
das espécies com características troglomóricas, ra- do Rio de Janeiro. Instituto de Biologia. Programa
ras e registros novos para a ambiente de cavernas. de Pós-Graduação em Ecologia v. 1, p. 281-291 , 1995.
Sugere-se a comparação e contextualização da fau- CAMACHO, A. I. (Ed.). The natural history of
na das cavernas amostradas através da construção biospeleology. Madrid: SCIC, 1992. 680 p.
de gráicos, dendrogramas de similaridade e cur- (Monograias del Museo Nacional de Ciencias
vas do coletor para as cavernas amostradas. A com- Naturales).
paração e contextualização da fauna das cavernas
CULVER, D.C. Cave life evolution and ecology.
amostradas com dados de literatura também são
Cambridge/Massachussets/London: Harvard
de importância primordial. Fotos e mapas georre-
University, 1982. 189 p.
ferenciados ilustrativos também podem ser utiliza-
dos para uma melhor apresentação dos resultados. CUMMINS, K.W.; WILZBACH, M.A.; GATES, D.M.;
PERRY, J.B.; TALIAFERRO, W.B. Shredders and riparian
4.8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vegetation. Bioscience. Washington, v. 39, n. 1, p.
ALLAN, J. D. Stream ecology: structure and function 24-30, 1989.
of running waters. Michigan: Kluwer Academic, DEVÁI, G. Ecological background and importance
1995. 388 p. of the change of chironomid fauna in shallow
AULER, A. Relevância de cavidades naturais Lake Balaton. Hidrobiologia, v. 1991, p.189-198, 1990.
subterrâneas - contextualização, impactos FERREIRA, R. L. A medida da complexidade
ambientais e aspectos jurídicos. In: BRASIL. ecológica e suas aplicações na conservação e
Ministério das Minas e Energia. Programa manejo de ecossistemas subterrâneos, 2004. 158
das Nações Unidas para o Desenvolvimento. p. Tese (Doutorado em Ecologia. Conservação e
Projeto BRA/01/039. Brasília, 2006. 166p. (Apoio à Manejo da Vida Silvestre) - Universidade Federal
Reestruturação do Setor Energético. Relatório N° 1). de Minas Gerais, Belo Horizonte.
AULER, A. E.; RUBBIOLI, E.; BRANDI, R. As grandes FERREIRA, R. L.; HORTA, L. C. S. Natural and Human
cavernas do Brasil. Belo Horizonte: Grupo Bambuí Impacts on Invertebrate communities in Brazilian
de Pesquisas Espeleológicas, 2001. 228 p. Caves. Brazilian Journal of Biology, São Carlos, v. 61,
AULER, A.; ZOGBI, L. Espeleologia: noções básicas. n. 1, p. 7-17, 2001.
São Paulo: Redespeleo Brasil, 2005. 104 p. FERREIRA, R. L.; MARTINS, R. P. Diversity and
BARR, T. C. Observations on the ecology of caves. distribution of spiders associated with bat guano
American Naturalist, Chicago, n. 992, v.101, p. 474- piles in Morrinho cave (Bahia State, Brazil). Diversity
489, 1967. and Distributions, Oxford, v. 4, p. 235-241, 1998.
BARR, T.C.; KUENHE, R. A. Ecological studies in the FERREIRA, R. L.; MARTINS, R. P. Trophic structure
mammoth Cave ecosystems of Kentucky. II. The and natural history of bat guano invertebrate
Ecosystem. Annales de Speleologie, Paris, v. 26. p. communities with special reference to brazilian
47-96, 1971. caves. Tropical Zoology, v. 12, n. 2, p.231-259, 1999.
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 111
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 113
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
ESPELEOLOGIA
As cavernas brasileiras,
bastante ameaçadas por
atividades humanas,
também têm sua
preservação dificultada
pela escassez de estudos
sobre esses ecossistemas.
Hoje, só estão protegidas
por lei aquelas em que
existem animais
Cave
em risco
‘troglóbios’, ou seja,
aqueles que passam toda
a vida nesses ambientes.
Mas é preciso mudar
esse critério, já que muitas
cavernas, mesmo sem
organismos desse tipo,
têm uma fauna variada
e complexa. As decisões
sobre a preservação
de cavernas devem
basear-se não só na
presença de troglóbios,
mas também em aspectos
ecológicos, como
a complexidade biológica
e as influências
dos ecossistemas externos
sobre a vida em
seu interior.
ESPELEOLOGIA
rnas
de ‘extinção’
As cavidades naturais subterrâneas Figura 1.
Pinturas rupestres
encontradas
em caverna
do município
de Carinhanha
(BA)
j u l h o d e 2 0 0 1 • CCIIÊÊNNCCIIAA HHOOJJEE • 2 1
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 115
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
ESPELEOLOGIA
ESPELEOLOGIA
FOTO RODRIGO L. FERREIRA
Figura 5. Pequeno grupo de morcegos,
animais troglóxenos (que saem das cavernas
para buscar alimento)
FOTO XAVIER PROUS
Figura 6. Aracnídeo do gênero Heterophrynus,
um invertebrado troglófilo – que pode ou não
sair das cavernas
FOTO EZIO L. RUBBIOLI
Figura 7. Crustáceos isópodes
do gênero Thaylandoniscus, organismos troglóbios
– que passam toda a vida dentro de cavernas
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 117
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
ESPELEOLOGIA
ESPELEOLOGIA
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 119
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
ESPELEOLOGIA
A importância da preservação
Figura 10. Bioespeleólogo coletando um invertebrado,
na gruta Alta Tensão, em São José da Lapa (MG)
¢
£¤
¥ ¥
£ ¡
¦ ¢
§
¤
¡ ¡
¤
¡¤
¤
12 0 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
ESPELEOLOGIA
4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂN E A 12 1
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
ESPELEOLOGIA
12 2 4 B IOLOGIA S U BT E R R ÂNE A
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
5 ANÁLISE DE IMPACTOS AMBIENTAIS urbanas. E o pior é que, na grande parte das vezes,
EM TERRENOS CÁRSTICOS E CAVERNAS os danos são irreversíveis, pelo caráter não reno-
Cristiano Fernandes Ferreira vável das feições (das cavernas e seus espeleote-
mas), bem como de sua fauna tão especializada e
CECAV desenvolvida sob condições críticas, irreproduzíveis.
5.1 Introdução Na seqüência serão abordados os diversos ti-
Os ambientes cársticos são delicados por natureza pos de atividades humanas causadoras de impactos,
e denotam maior complexidade à gestão ambien- que serão relembrados e debatidos. Muitas ações
tal, na medida em que costumam esconder algu- ou atividades possuem especiicidades capazes de
mas das suas feições mais notáveis e importantes: causar danos das mais variadas formas às cavernas,
cavernas, redes subterrâneas de drenagem, vazios como a mineração, agropecuária, turismo, represa-
oclusos e inacessíveis nos maciços. mentos, obras lineares e de engenharia, urbaniza-
Não se analisa uma região com características ção (observe a igura 5.1, na qual está reproduzido
cársticas apenas levando-se em conta os aspectos o carste subjacente no sudeste da cidade de Min-
supericiais, que normalmente são considerados nesota-EUA, onde diversos tipos de ações poten-
nos estudos de impactos. O endocarste é deter- cialmente danosas estão representadas).
minado pelo exocarte, que por sua vez, determina Também serão tratadas algumas formas de
o endocarste, numa relação intrínseca e dinâmica. controle e minimização dos impactos gerados por
Apesar de não serem as únicas feições de des- tais atividades, promovida uma relexão sobre as
taque e de caráter inusitado, são certamente iguras análises de contexto de empreendimentos, a de-
centrais nas análises de tais ambientes, juntamente inição de áreas de inluência e o monitoramento
com outras importantes feições, como as surgên- necessário à aferição da eicácia das medidas de
cias e sumidouros, as dolinas, os paredões encas- controle de impactos nas cavernas.
telados, cheios de canyons e lapiás. 5.2 Impactos às cavernas e ambientes cárs-
Mesmo em regiões consideradas anteriormen- ticos por tipo de atividade
te como pseudocársticas, como as que ao contrá-
5.2.1 Mineração
rio das rochas carbonáticas são tomadas por rochas
As atividades minerárias são talvez as que mais cha-
ditas menos solúveis, como os minérios de ferro
mam a atenção quando o assunto é degradação
ou pacotes siliciclásticos, têm sido observados fe-
ambiental, especialmente relacionada às cavernas.
nômenos comuns e situações de semelhante fra-
A grande maioria das rochas carstiicáveis apresen-
gilidade àquelas observadas nos ditos terrenos
ta aplicações produtivas, algumas mais ou menos
cársticos autênticos.
valorizadas de acordo com uma série de fatores
Essas características de interrelação das feições
econômicos, tais como abundância ou escassez lo-
cársticas, supericiais e subterrâneas, concorrem
cal, demanda internacional, entre outros aspectos.
para uma maior suceptibilidade a impactos am-
As formações ferríferas, por exemplo, são alta-
bientais que, dependendo do tipo, podem afetar
mente demandadas pelo mercado internacional,
áreas bem mais distantes, como outras bacias hi-
e as cavernas que ocorrem nestes tipos de rocha
drográicas (adjacentes) e numa rapidez nem sem- estão em geral associadas justamente aos maio-
pre compatível com possíveis ações de controle. res teores de ferro.
Essas regiões possuem a capacidade de encobrir Por outro lado as rochas carbonáticas, como o
os impactos em locais não imaginados e de acu- calcário, dolomito e mármore têm inúmeras apli-
mulá-los de forma a induzir cenários trágicos re- cações (veja tabela 5.1) e são muito exploradas
pentinos, como no caso dos abatimentos em áreas para abastecer os mercados internos, geralmente
Figura 5.1: Representação do carste subjacente no sudeste da cidade de Minnesota-EUA, onde se observa diversos tipos de atividades antrópicas potencialmente causadoras de impactos ambien-
tais neste frágil tipo de terreno. Fonte: http://www.winona.edu/geology/WRB/WRB/Downloads/SEMN_Karst_Illustration/SEMN_karst_illustration.jpg (autor desconhecido).
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
associados à agricultura (corretivos), construção ci- Outro fator que em geral pode determinar o
vil (cimento, cal, ornamentação) ou demais ramos grau de impacto às cavernas no país é o tamanho
industriais (fundentes siderúrgicos, indústria quí- do empreendimento minerário.
mica, etc.). Porém, até mesmo cavernas em rochas Frequentemente regiões em que ocorrem pe-
siliciclásticas, como os quartzitos, têm sido alvo de quenos e grandes empreendimentos revelam que
impactos por atividades minerárias, geralmente re- aqueles de menor porte são os que mais provocam
lacionadas à construção civil, para ornamentação danos às cavernas, quando comparados a empre-
(Pedra São Tomé, p.ex.). sas melhor estruturadas (maiores) e, por isso, mais
São várias as formas e causas dos impactos a visadas pelos órgãos de proteção ambiental e pe-
cavernas em áreas de mineração. Langer (2001) dis- las comunidades.
cute diversos tipos de impactos potenciais, como Tal problema ocorre justamente pela falta
os causados pelas operações de engenharia na ex- de recursos para aplicar no planejamento, con-
tração e beneiciamento, que geram impactos em trole e monitoramento por parte de pequenos
cascata, relacionados à geomorfologia, poeira, ba- empreendedores.
rulho, fauna cavernícola, qualidade de água, e ao É muito comum em diversas regiões do Brasil a
aqüífero de modo geral. exploração artesanal de calcários, por exemplo. Uti-
Tais problemas variam também de acordo lizam-se de explosivos improvisados, marretas para
com o tipo de mineração e técnicas empregadas cominuição dos blocos entre outros instrumentos
(ou falta delas). rústicos. Em geral, tais atividades não são licencia-
As minas no Brasil são, em geral, a céu aberto, das pelos órgãos ambientais, ocorrendo clandes-
especialmente as que extraem minérios onde cos- tinamente por diversos micro-empreendedores, o
tumam ocorrer cavernas. Este tipo de mineração que leva a uma série de situações indesejáveis do
tende a causar mais problemas ao meio espeleoló- ponto de vista ambiental e social.
gico do que as minas subterrâneas, que diicilmen- Mesmo pequenos empreendimentos que fo-
te ocorrem em áreas cársticas ou são planejadas de ram licenciados pelos órgãos ambientais ainda po-
forma a causar conlitos. dem não conseguir implementar todas as medidas
Entretanto, é comum observar danos em ca- de controle consideradas e acabar afetando o pa-
vernas por conta de um tipo de mineração pouco trimônio espeleológico. Há que se ressaltar que
usual, a busca por salitre1 , ou até mesmo calcita existem, é claro, inúmeros empreendimentos de
em suas formas mais puras, atividade que levou pequeno e médio porte que conseguem realizar
muitas cavernas a impactos às vezes signiicativos suas atividades sem que incorram em qualquer tipo
em determinados trechos. Jennings (1985) alerta de problema às cavernas. Da mesma forma que,
para a extração de minerais e outros produtos viá- grandes empreendimentos podem causar danos
veis economicamente do interior de cavernas (tais ao patrimônio espeleológico.
como fertilizantes, pólvora e até afrodisíacos), por Portanto, deve-se considerar todo tipo de em-
exemplo. A Gruta da Pedra Santa em Cantagalo-RJ preendimento da mesma forma, com o mesmo rigor
foi bastante explorada por pessoas que acredita- das normas instituídas sem que se faça distinção.
vam no poder das suas calcitas (espeleotemas) em A presença de inúmeras frentes de lavra de pe-
combater a desnutrição infantil, mineral que era tri- queno porte, consideradas individualmente num
turado e misturado ao leite de crianças. processo de licenciamento, pode sim causar danos
1 Nitrato de potássio ou de sódio, podendo ocorrer nitratos de cálcio nas cavernas calcárias (nitrocalata Ca(NO3)). Produto deri-
vado das fezes de morcegos (guano) que vivem nas cavernas e cavidades cársticas. Originam as nitreiras e salitreiras. Foi ampla-
mente extraído na história para a fabricação de pólvora. Existem relatos desse tipo de extração nas grutas de Lagoa Santa-MG
e em cavernas dos Estados Unidos, por volta da guerra civil americana.
agrícolas, tanto defensivos potencialmente poluido- pode induzir atitudes de vandalismo, pela facilida-
res, como de correção de solo. Este último, gerando de de acesso criada.
um aumento crescente da produção de calcários ou Outra repercussão indireta da supressão ve-
dolomitos moídos, representando uma forte pressão getal é a diminuição de áreas de alimentação de
sobre regiões espeleológicas através da mineração. morcegos, sabidamente importantes para a manu-
Portanto, além dos impactos diretos da agricultu- tenção do equilíbrio ecológico em cavernas.
ra, que veremos agora, existem muitos outros inse- Com a retirada da vegetação, a terra precisa ser
ridos nesta cadeia produtiva que podem, inclusive, preparada para a agricultura. Com isso, potenciais
apresentar resultados mais drásticos. impactos podem ocorrer no epicarste e, consequen-
O primeiro impacto que mais se destaca em temente, resultar em danos à fauna subterrânea e
função das atividades agropecuárias é sem dúvida também a processos naturais de desenvolvimen-
a supressão vegetal. Além da perda por si só das to da caverna. Essa ação leva a um outro problema
matas nativas, de importância ecossistêmica, há sério advindo da agropecuária, que é a questão da
uma relação direta de impactos ao meio cavernícola. erosão, uma vez que os solos geralmente se encon-
Como já visto, o meio subterrâneo é totalmen- tram mais expostos, mesmo com culturas já insta-
te dependente do meio supericial, não apenas ladas (igura 5.12).
como fonte de recursos orgânicos, como tam-
bém em função da água, dos sedimentos que es-
tão sempre reconstruindo o ambiente cavernícola,
da manutenção do equilíbrio climático ou atmos-
férico, entre outros.
A retirada da vegetação no entorno e sobre a
caverna é, portanto, um impacto bastante acentu-
ado, porque tende a repercutir negativamente nos
diversos fatores citados, diminuindo a quantidade
e qualidade dos insumos orgânicos, intensiicando
o aporte de sedimentos terrígenos em detrimen-
to dos químicos, e expondo especialmente as en- Figura 5.12: A seta mostra uma pequena dolina na região de
Lagoa da Prata-MG, no fundo da qual se acessa uma caverna
tradas das cavernas a condições mais severas do em pelitos, a Toca do Lobo. Notar que todo o entorno foi alte-
ponto de vista climático (igura 5.11). Há com isso, rado para implantação de pastagens, o que provocou proces-
sos erosivos pronunciados, responsáveis pelo assoreamento
inclusive, uma exposição visual das entradas, que da dolina e parte da caverna.
130 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Cavernas assoreadas, cujas áreas de entorno produção de forma muito impressionante. Uma
foram tomadas por atividades agropecuárias, são delas é altamente nociva aos ambientes naturais,
bastante comuns e tal ocorrência pode levar a di- incluindo-se as cavernas, trata-se dos agroquími-
versos impactos secundários, tais como o soterra- cos, especialmente os defensivos, que podem ser
mento de substratos faunísticos, o entupimento bastante agressivos a ambientes sensíveis como as
de condutos com conseqüente alagamento ou cavernas. Tais defensivos são aspergidos em gran-
secagem de galerias e, em alguns casos, a caverna des áreas e, via de regra, são lixiviados pelas chu-
pode ser completamente obstruída, o que repre- vas e atingem as cavernas, seja pela condução dos
senta praticamente uma supressão. cursos de água ou pela iniltração. Já os fertilizan-
As alterações citadas levam também a mu- tes tendem a uma eutroização das águas, o que
danças na dinâmica hídrica de diversas formas. A também pode representar danos importantes, so-
primeira delas refere-se à qualidade das águas cárs- bretudo às comunidades cavernícolas dependen-
ticas. A retirada da vegetação nativa diiculta a in- tes de uma boa qualidade de água. Situação que
iltração e altera a composição da água. Pode não pode ocorrer junto às pastagens, currais ou demais
haver mais interação da água de iniltração com criações (pocilgas, granjas, matadouros, etc.), caso
os substrados húmicos e raízes que normalmen- não haja algum tipo de prevenção.
te lhe conferem maior competência dissolutiva. Em regiões essencialmente agrícolas é comum
A interrupção do gotejamento e desenvolvimen- observar cavernas sendo utilizadas como bota-fora
to de espeleotemas também pode ser resultante ou depósitos de vasilhames de agroquímicos car-
do desmatamento e entupimento de canalículos. caças ou até mesmo como curral, aí dependendo
Com a menor iniltração e também com o das condições topográicas da caverna, por vezes
maior assoreamento dos cursos de água subterrâ- sombreadas e mais aprazíveis ao gado. Em uma
neos, pode ocorrer uma tendência ao escoamento pequena caverna na região agrícola de Pains-MG
preferencialmente supericial, em detrimento do já observou-se centenas de vasilhames vazios de agro-
estabelecido escoamento subterrâneo. químicos despejados no seu interior, onde há um
Como já comentado, áreas anteriormente ala- sumidouro eventual que drena as águas de chuva.
gadas podem secar pela interrupção de condutos, Há que se lembrar também das agroindús-
assim como trechos a montante, inclusive superi- trias, que em geral causam danos por contami-
ciais, podem sofrer alagamento. nação das águas, com o lançamento de eluentes
Há também os impactos referentes à capta- não tratados nas drenagens e outras feições cárs-
ção excessiva de água para irrigação, especialmen- ticas. Citando o caso de agroindústrias, Gillieson
te em regiões cársticas, onde todo o sistema luvial (1996) relata que foram jogadas mais de 5.000
está capturado no subterrâneo. carcaças de ovelhas na entrada de uma caverna
Em algumas regiões, as entradas das cavernas no sul da Austrália (Earls Cave). Também no Ha-
funcionam como cacimbas de água, onde muitas ve- wai (Kaua’i Island), matadouros direcionavam seus
zes são instaladas bombas motorizadas que adicio- eluentes para cavernas, impactando diretamen-
nam novos impactos (poluição do ar, barulho, etc.). te a fauna cavernícola.
Em outras, onde a produção é ainda mais mecaniza-
5.2.3 Turismo
da, há a utilização de pivôs centrais, que demandam
O turismo surge como uma alternativa considerada
grandes quantidades de águas subterrâneas, poden-
potencialmente sustentável e altamente rentável.
do levar ao rebaixamento do aqüífero e até mesmo
Ao menos essa é a concepção usual, principalmente
o colapso de estruturas cársticas (dolinas, cavernas).
se confrontada com outros ramos produtivos mais
Como já falado no início, a agricultura moder-
dependentes dos recursos naturais.
na se valeu de diversos artifícios para aumentar a
132 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
realizadas cerimônias, possuindo não mais que pe- No Brasil existem diversas cavernas que são ilu-
quenos altares. Entretanto, costumam receber uma minadas por sistemas artiiciais, como por exem-
quantidade impressionante de pessoas em um cur- plo, a Caverna do Diabo em Eldorado-SP, Gruta da
to período de tempo. São inúmeros os exemplos, Lapinha-MG, Gruta de Ubajara-CE, Gruta de Botu-
como a Lapa Velha e Nova de Vazante-MG, Gruta verá-SC, Gruta de São Miguel-MS, Gruta da Manga-
da Paixão na região da Chapada Diamantina-BA, ou beira-BA, entre outras.
mesmo a Gruta de Ubajara-CE, que antes de inte- A Caverna do Diabo chegou a possuir um siste-
grar o parque nacional homônimo recebia até ce- ma de iluminação com lâmpadas de vapor metálico
rimônias de casamento. com mais de 1000 watts cada luminária, dispostas
O uso religioso ocasional agrega inúmeros ti- em todo o seu trecho turístico. Em 2006, já com lâm-
pos de manifestação religiosa em cavernas no país, padas um pouco menos potentes, a gruta possuía
não necessariamente na mesma cavidade e geral- 257 lâmpadas das mais variadas potências, o que
mente relacionado à rituais afro-brasileiros. Em ge- totalizava na caverna cerca de 60 mil watts, algo su-
ral, este tipo de uso não causa maiores impactos. iciente para iluminar as casas de um pequeno vila-
Sobre as alterações provocadas pelas ati- rejo com 200 moradias, aproximadamente.
vidades turísticas em cavernas, existem diver- Atualmente têm sido propostos novos sistemas
sos estudos que apontam diferentes tipos de de iluminação que consumam bem menos ener-
impactos. Um dos mais estudados é relativo às gia, baseados em tecnologias novas como o LED
alterações microclimáticas, que consideram pa- (Light Emission Diode), que além de não produzirem
râmetros tais como temperatura, umidade relati- quantidades signiicativas de calor, são econômi-
va e gás carbônico (GILLIESON, D., 1996; MANGIN, cas, muito mais duráveis e não raras vezes ilumi-
A., et. al., 1999; POLIDO-BOSCH et.al.,1997; entre nam mais. Outros projetos têm proposto sistemas
outros). Tais levantamentos procuram estabele- de iluminação mais branda e direcionada apenas
cer relações positivas entre a atividade turística, a determinadas formações e valendo-se de lanter-
geralmente de massa, e a variação destes parâ- nas de cabeça individuais para cada visitante. Com
metros citados, supostamente induzidos pela isso, diminuem-se as intervenções e poluição térmi-
intensa visitação. ca, além de proporcionar uma experiência turística
Em grande parte das vezes, sobretudo em ca- realista, incluindo-se ingredientes como a surpre-
vernas cujas trocas energéticas são baixas com o sa, mistério, o caráter exploratório, entre outros ele-
exterior (poucas entradas, sem luxos de ar ou água mentos mais autênticos do ambiente cavernícola.
pronunciados, etc.), são observadas variações sig- Outro impacto comum a cavernas turísticas é a
niicativas nos parâmetros estudados. São espe- compactação do pavimento e demais modiicações
cialmente comuns tais variações quando a caverna estruturais para facilitar ou adequar o ambiente ao
possui sistemas artiiciais de iluminação, geralmen- propósito (iguras 5.13 e 5.16). Tais medidas podem
te elétrica incandescente, mas também pode ocor- provocar a perda de habitat a determinadas espé-
rer pela simples transpiração humana ou sistemas cies cavernícolas que se desenvolvem nos substratos.
pessoais de iluminação (carbureteiras). Nestes ca- Também podem ocorrer problemas quanto
sos é comum o aumento de temperatura e a re- ao escoamento eventual de água, causando ero-
dução da umidade, parâmetros que podem variar são ou o acúmulo de lama nas trilhas. Em mui-
de forma importante e com isso ensejar uma sé- tos casos, espeleotemas delicados e importantes
rie de impactos à fauna e também aos espeleo- são soterrados, pisoteados e completamente
temas, que dependem do ambiente cavernícola descaracterizados.
equilibrado para se manterem ou desenvolverem Em alguns casos, os empreendedores abrem
normalmente. valas nas trilhas, trincheiras em trechos de teto
134 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
136 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
ambientes cavernícolas, sobretudo quando ocorrem que não se destrua isicamente as estruturas rocho-
em áreas cársticas bem desenvolvidas e complexas. sas, a caverna é literalmente afogada, sem qualquer
Com o crescimento do país e a demanda cres- possibilidade de manutenção dos processos natu-
cente por energia, as regiões cársticas têm sido alvo rais relativos à fauna cavernícola ou suas formações
cada vez mais constante de projetos hidrelétricos. físicas, como os sedimentos (iguras 5.21).
Muitos lagos foram formados sem qualquer
preocupação relativa ao patrimônio espeleológi-
co. Vale lembrar que, em muitos casos, não ape-
nas o patrimônio espeleológico foi perdido, como
também arqueológico, paleontológico e faunísti-
co associados aos ambientes de caverna. De acor-
do com a base de dados do CECAV, a hidrelétrica
de Serra da Mesa no Rio Tocantins-GO alagou com-
pletamente 39 cavernas, podendo ter afetado mais
75 outras presentes nas suas proximidades (igura
5.20 na página seguinte)2 .
Além disso, a construção de barragens em re- Figura 5.21: Na seta observa-se uma pequena caverna em ro-
giões cársticas frequentemente se torna uma tarefa chas areníticas, na margem do Rio Xingu, Altamira-PA. Com
a construção da hidroelétrica de Belo Monte, esta caverna
árdua e incerta, uma vez que a maior parte da dre-
será totalmente alagada.
nagem está capturada no subterrâneo, onde nem
sempre é possível determinar as rotas de luxo ou Nos casos de alagamento parcial, geralmente
a presença de grandes vazios (veja exemplo das ro- em cavernas pouco relacionadas ao sistema atual
tas de fugas na igura 5.23, mais adiante). de drenagem (cavernas fósseis ou senis), o impac-
São comuns na literatura internacional re- to pode ser igualmente danoso, especialmente à
latos sobre as diiculdades ou técnicas avançadas fauna cavernícola, que tem um dos principais lo-
de como se conter a água em regiões tão cheias de cais de sua manutenção afetados, o substrato (pa-
fugas, de “buracos” (no sentido literal), ou de reper- vimento). Nestes casos, são inúmeros os outros
cussões inesperadas do represamento, tal como o danos colaterais, como mudanças microclimáti-
alagamento de regiões bem distantes da área pro- cas, especialmente o aumento exagerado da umi-
jetada (ver por exemplo BONACCI, 1987, que cita ca- dade, estagnação ou aumento dos processos de
sos especíicos do carste iugoslavo). sedimentação, introdução de espécies exóticas, en-
Em relação ao ambiente cavernícola, os im- tre outros. Em alguns casos o alagamento parcial
pactos causados por represamentos não são muito pode ser tão danoso como um alagamento total.
diversos, mas em geral bastante drásticos. O mais Outro impacto advindo da inundação de gran-
notório é a própria supressão completa pelo ala- des áreas refere-se à mudança na dinâmica hídrica
gamento, especialmente daquelas cavernas asso- do carste, o qual pode agregar inúmeras cavernas
ciadas ao sistema luvial principal, que será alvo do em sistemas subterrâneos. Barramentos tendem a
barramento. Estas cavernas podem icar bem abai- reduzir e equilibrar o luxo de água a jusante, o que
xo da cota de alagamento, com isso não restando pode induzir até impactos positivos em alguns sen-
qualquer conduto ou ligação com o futuro meio tidos, mas signiicam mudanças repentinas nos pro-
supericial. Nestes casos o impacto é total, mesmo cessos de formação e desenvolvimento de cavernas
2 Os dados utilizados nesta análise foram coletados por grupos de espeleologia, entre outros, durante anos, e algumas coorde-
nadas podem não ter sido tomadas com aparelhos tão precisos como os GSPs atuais. Entretanto, são bastante válidas, sobretu-
do porque não houve continuidade das prospecções espeleológicas que exaurisse a possibilidade de outras cavernas na área
afetada, o que leva a crer que a perda do patrimônio espeleológico foi bem maior.
Figura 5.20: Lago da Hidrelétrica de Serra da Mesa-GO e localização das cavernas (triângulo preto). São
39 cavernas localizadas no interior do lago, feições descobertas antes da formação da barragem.
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
freáticas, podendo afetar áreas bem mais extensas uma diminuição de recursos orgânicos na caver-
que as previstas. na em função da redução das colônias de morce-
Como é sabido, o sistema cárstico é interliga- gos, que perdem importantes fontes de alimento
do, tanto através de condutos subterrâneos, quan- (supressão das matas).
to ao meio supericial. Portanto, a redução da vazão Por im, há que se atentar para os impactos cau-
pode gerar uma série de distúrbios como, por exem- sados na própria instalação dos empreendimentos
plo, a transformação de antigas ressurgências em hidrelétricos, ou qualquer formação de barragens.
sumidouros. Pode signiicar o secamento de lago- Por vezes são bastante incisivas as alterações, com
as cársticas ou de lagos subterrâneos antigamente a detonação de aloramentos, terraplenagem, reti-
regidos pelo nível natural do aqüífero ou até mes- rada de terra ou outros materiais de áreas próximas.
mo a ocorrência de abatimentos de cavernas an- Enim, uma gama de alterações próprias de
teriormente inundadas. grandes obras de engenharia que podem afetar o
A mudança do nível de base local a montan- ambiente cavernícola, em áreas adjacentes, de for-
te também pode afetar cavernas em seus proces- ma bastante incisiva. Podem ocorrer nestes casos
sos de desenvolvimento, especialmente relativos problemas relacionados à vibração (detonações e
à erosão. A pressão exercida pela altura da lâmina trânsito de máquinas) como abatimentos, racha-
d’água ou variações do nível do reservatório po- duras, quebras de espeleotemas, entre outros, e
dem implicar em abatimentos de cavernas sub- também problemas erosivos, como assoreamen-
mersas ou em suas adjacências (MARINOS et. al., to causados pela grande remobilização de solos.
1997; PILÓ, 1999)
5.2.5 Obras lineares e outras obras de
No interior da área represada, como já dito, po- engenharia
dem ocorrer fugas de água, por vezes generaliza- Outro tipo de obra que pode gerar conlitos com a
das, inclusive pondo em risco o empreendimento. preservação espeleológica está relacionada à cons-
Em alguns casos, a formação de novas galerias ou trução de estradas, ferrovias, linhas de transmissão,
a desobstrução de condutos previamente preen- gasodutos e oleodutos.
chidos por sedimentos pode ocorrer em virtude da Assim como as hidrelétricas, tais empreendi-
pressão da lâmina d’água resultando em ressurgên- mentos tendem cada vez mais a ocorrer em áreas
cias inesperadas em locais distantes, (FORD, D.C. & cársticas ou detentoras de cavernas, podendo re-
WILLIAMS, 1989). Em outros, micros condutos espa- presentar problemas ambientais de diversos tipos.
lhados por toda a área funcionam como ladrões, o Além do crescimento do país é preciso lembrar
que gera um problema bastante complexo em vir- que as regiões espeleológicas ocorrem em vários
tude da diiculdade de se localizá-los, pois, muitas tipos de rocha, disseminadas por áreas extensas,
vezes tais sumidouros estão escondidos sob o solo. que podem ser cortadas por tais empreendimen-
Em geral os empreendimentos se valem de tos, visto que têm a capacidade de atravessar mui-
mantas impermeáveis, geralmente argilosas, para tos quilômetros de terra.
recobrir locais potencialmente mais susceptíveis Obras lineares podem ocasionar a supressão
a tais processos. Porém, a obstrução de condu- de cavernas, especialmente se não forem realiza-
tos que levavam águas de chuvas, por exemplo, dos estudos e levantamentos espeleológicos nas
a cavernas a jusante do barramento, pode afetar áreas afetadas. Muitas vezes, pelo tamanho do em-
em diversos aspectos tais cavernas, diminuindo a preendimento, não há uma prospecção espeleoló-
umidade, aporte de sedimentos ou recursos orgâ- gica satisfatória em toda a extensão da obra, o que
nicos, entre outros. Além disso, de forma indireta, pode levar à destruição de cavernas ou trechos,
com a instalação de grandes lagos em áreas ante- por conta das intervenções mais drásticas, como
riormente vegetadas, há a possibilidade de ocorrer
140 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
abertura de novos loteamentos são, em geral, ati- uma vez que loculam todo sedimento argiloso em
vidades potencialmente lesivas aos ambientes cárs- suspensão (CASTRO & KOHLER, 1996), dando a fal-
ticos, especialmente as cavernas. sa impressão de pureza ou potabilidade.
No país e no mundo diversas cidades situam- Um fator adicional de contaminação em mui-
se em regiões cársticas, muitas delas de grande ta- tas áreas urbanas é a disposição irregular do lixo em
manho. No caso do Brasil, cita-se parte da Região bota-foras, lixões improvisados entre outros, tam-
Metropolitana de Curitiba e Belo Horizonte, além bém usual no interior das próprias cavernas ou do-
de diversas cidades de médio porte como Sete La- linas (igura 5.24).
goas-MG, entre outras. Além da contaminação das águas, ocorre tam-
Para se ter idéia, cerca de 25% das águas
para abastecimento público no mundo são cap-
tadas de aqüíferos cársticos (GILLIESON, 1996). E a
cada dia aumenta a pressão sobre tais áreas em vir-
tude do crescimento exagerado e não planejado
das cidades.
As operações de loteamento frequentemente
causam diversos distúrbios pelos aterros, operação
de máquinas, desmatamentos, erosão, entre outras
ações, como já discutido. Pode ocorrer o soterra-
mento de estruturas cársticas importantes, intrin-
secamente ligadas às cavernas, como sumidouros, Figura 5.24: Bota fora em caverna na região da APA Morro
da Pedreira-MG.
dolinas e até surgências. Tais impactos ocorrem tam-
bém pela instalação de outros empreendimentos, bém um problema bastante sério que pode reper-
não apenas loteamentos, mas também indústrias. cutir em tragédias, que é a captação descontrolada
É comum ocorrer a contaminação de águas e excessiva de águas do aqüífero cárstico. Além de
cársticas por eluentes domésticos ou industriais resultar em uma série de problemas como o seca-
nestas áreas (ver KRYZA & STAŚKO, 2000). Em al- mento de lagoas cársticas ou lagos internos, pode
guns casos, ocorre o lançamento de eluentes di- também facilitar o abatimento de áreas totalmen-
retamente nos solos ou sumidouros, que acabam te alagadas, anteriormente sustentadas pela pre-
funcionando como verdadeiros esgotos, alterando sença de água (TEIXEIRA, et. al., 2000; PILÓ, 1999;
radicalmente as condições ecológicas destas ca- NAKAZAWA, et. al. 1995).
vernas e tendendo à destruição da fauna autenti- Casos como este já ocorreram em grandes cen-
camente cavernícola. tros urbanos, como Sete Lagoas-MG, Rio Branco do
Como os rios em regiões cársticas são em ge- Sul-PR e Cajamar-SP, onde casas e ruas foram engo-
ral subterrâneos, não se vê o tamanho do problema lidas por crateras. Problemas referentes ao aqüífe-
causado pelas emissões, e nem há grande preocu- ro cárstico em regiões urbanas não cessam por aí.
pação em solucioná-los. É comum a captação de Também ocorre a impermeabilização de exten-
águas contaminadas para abastecimento, pois a sas áreas, inclusive de recarga, que podem induzir
comunicação dos aqüíferos é altamente facilitada ora o secamento de cavernas, ora a inundação de
pela presença da rede interligada de condutos (i- trechos a montante.
gura 5.23). Além disso, devido à alta quantidade de Outra forma de poluição é a sonora, especial-
cálcio e magnésio dissolvido e a conseqüente alca- mente quando as cavernas se localizam muito próxi-
linidade que isto implica (pH>7), as águas cársticas mas às cidades ou indústrias. Devido à proximidade
freqüentemente apresentam-se azuis e cristalinas, com centros urbanos, problemas com vandalismo
também são freqüentes. Em alguns casos as caver- de construção ou até mesmo garagem (Gruta da Ga-
nas são utilizadas como moradias improvisadas, ou ragem em Pains-MG) ou campo de futebol (Gruta
como depósitos de tralhas diversas como materiais Pontes do Sumidouro, Campo Formoso-BA).
Figura 5.23: Representação de uma área cárstica que mostra a intercomunicação dos condutos, do aqüífero cárstico e os
problemas de qualidade de águas quando não se tem cuidados na emissão e tratamento dos eluentes domésticos, ou ur-
banos. Do alto, à esquerda, no sentido horário tem-se: dolina utilizada com depósito de lixo; fuga de água; sumidouro de
fossa; dolina preenchida; poço; aqüífero contaminado por sumidouro de fossa; direção da ressurgência; nível do aqüífero;
dolomito. Autor: Marck Raithel. Fonte: retirado da internet (http://www.courier-journal.com/blogs/bruggers/uploaded_ima-
ges/KarstDiagram-70pct-730206.jpg).
142 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
por exemplo, diversas atividades ocorrem de forma dolinas, sumidouros, rios e mesmo campos de la-
adjacente, como a mineração, produção de cal e piás, ou outras áreas de recargas. No mesmo senti-
cimento, agricultura, abastecimento público, entre do, os tanques de sedimentação são úteis para se
outros.Todas demandantes de água, ou causadoras evitar o assoreamento dos cursos de água superi-
de impactos ao aqüífero (rebaixamento de lençol, ciais ou subterrâneos. As técnicas são as mais usu-
entupimento de áreas de recarga, etc.). Ao mesmo ais, não sendo nenhum mistério sua aplicação nos
tempo, nem todas as atividades realizam um traba- empreendimentos ou sua solicitação pelos órgãos
lho de monitoramento ou estudos hidrogeológicos licenciadores. A única diferença é a observância de
prévios que considerem as características estrutu- feições cársticas que, em determinados casos, eram
rais do aqüífero (fraturamento, compartimentação, encarados até mesmo como bota fora.
formação potencial de cones de rebaixamento, Outra forma de se conter partículas e espe-
etc.), mesmo porque, são estudos caros e comple- cialmente a poluição sonora é a adoção de bar-
xos, mas determinantes em muitos casos. Nestas reiras verdes, preferencialmente nativas, junto às
situações é clara a necessidade de controle estatal, áreas afetadas ou de produção. Além disso, a ma-
através de processos de outorga e gestão que con- nutenção das matas sobre as cavernas e suas áreas
siderem seriamente a questão do aqüífero subter- de entorno não apenas é uma medida que mini-
râneo e não apenas os cursos de água supericiais. miza efeitos danosos provocados pelas atividades
Outra medida de controle, geralmente aplica- humanas como propicia a continuidade dos pro-
da à mineração, mas também a outras atividades cessos naturais de desenvolvimento da caverna.
que causam abalos e vibrações, é a realização de Na agricultura, além destas práticas serem de-
estudos e testes com sismógrafos. Estes estudos sejáveis, mesmo porque podem favorecer na qua-
são fundamentais para a deinição de áreas de in- lidade e quantidade de água disponível, deve-se
luência de empreendimentos, não apenas relacio- também incentivar a adoção de práticas orgânicas
nados à proteção de cavernas. (agricultura sustentável) de controle de pragas ou
No Brasil não há parâmetros deinidos de vibra- fertilização, com o objetivo de se evitar os diversos
ção ou sobrepressão acústica especíicos para ca- danos, inclusive contaminação dos recursos hídricos.
vernas, mesmo porque, tais formações podem ser A redeinição de projetos é uma necessida-
muito diferentes, em função do tamanho, tipo de de em muitos casos, especialmente quando se tra-
rocha, formações internas, entre outros. Em geral, ta de cavernas de grande relevância. Mas, mesmo
utiliza-se como uma das referências os índices pro- em casos onde uma série de cavernas de menor
postos pela ABNT para avaliação dos efeitos provo- relevância se concentram, é possível se reduzir os
cados pelo uso de explosivos nas minerações em efeitos lesivos com ações como: mudanças de pit
áreas urbanas (ABNT, NBR 9653 de 2005). Com isso, de lavra, traçado de rodovia, ou até mesmo redu-
pode-se deinir, juntamente com outros fatores es- ção da cota de alagamento de uma hidrelétrica, por
pecíicos do quadro natural, um raio máximo de ex- poucos metros que seja. A redeinição dos proje-
pansão das áreas de lavra sobre as áreas de caverna. tos deve ser baseada numa boa prospecção espe-
Em geral recomenda-se a adoção de raios mais leológica, ainda na fase de licenciamento prévio e
conservadores, a terem a eicácia aferida por me- devem se considerar as vantagens ambientais e di-
didas de monitoramento. iculdades de compensação, especialmente dentro
Nas minerações e em outras atividades, tais da área dos próprios empreendimentos.
como construção de estradas, terraplenagens e É comum, especialmente em minerações, a não
até mesmo áreas agrícolas, é bastante recomendá- deinição de pit inais de lavra e com isso o avanço
vel a adoção de leiras de contenção para se evi- da atividade sobre áreas anteriormente considera-
tar o assoreamento sobre feições delicadas, como das de proteção, sobretudo quando na época dos
estudos para licenciamento ambiental não ocorreu geologia, topograia, hidrograia, vegetação, entre
uma discussão adequada entre a área de produção outros. Neste sentido, uma boa prospecção espe-
e de conservação ambiental, tanto nas empresas leológica, além de um levantamento detalhado de
como nos órgãos de autorização e licenciamento. todas as demais feições cársticas como dolinas, su-
Quanto às atividades espeleo turísticas, há inú- midouros, áreas de recarga, surgências, entre ou-
meras recomendações para se diminuir os efeitos tros, é fundamental.
negativos aos ambientes cavernícolas. Uma das mais Todos estes elementos, aliado às demais in-
evidentes é a utilização de sistemas pessoais de ilu- formações relacionadas ao uso e ocupação da
minação, preferencialmente de pouca emissão de área (estradas e vias de acesso, por exemplo) de-
calor, como as lanternas elétricas, que atualmen- vem ser resumidas em um bom e claro mapa de
te se tornaram muito mais eicientes e econômi- contexto. Tais mapas devem ser apresentados em
cas (super LED’s, por exemplo). escalas compatíveis com a abrangência do empre-
Em cavernas com apelo turístico mais pronun- endimento, de forma a ser possível a visualização
ciado é essencial a elaboração de técnicas de ma- das feições cársticas (inclusive o mapa das caver-
nejo, com o controle do número de pessoas por nas projetadas em superfície) e sua relação com as
grupo, em geral reduzido, sobretudo quando só um intervenções projetadas.
guia é disponibilizado. Também há a necessidade Todas as intervenções, é claro, são apresenta-
de elaboração do zoneamento, que considere as das, incluindo-se as medidas de controle. Com isso,
maiores fragilidades da caverna e as preserve, bem devem ser possíveis análises relativas a aspectos
como a adoção de estruturas mínimas e leves de como: direção das águas pluviais sobre as plantas
caminhamento, ambos primordiais. do projeto e possíveis carreamentos de sedimen-
Em muitos casos, é indicada a procura por al- tos a feições de absorção do endocarste (sumidou-
ternativas turísticas que aliviem a pressão sobre a ros, dolinas); relação entre cota da lâmina d’água
caverna em destaque, especialmente naquelas de de inundação e localização das cavernas e demais
grande demanda. As alternativas podem ser trilhas feições; distância das frentes de lavra com relação
interpretativas, cachoeiras, ou mesmo centros re- às cavernas e raios de segurança em relação à vi-
ceptivos (museu, palestras, etc.). Vale ressaltar que bração; contenção de sedimento das praças de la-
os danos já instalados nas cavernas, como picha- vra em relação às áreas de mata com presença de
ções, ou determinadas intervenções, como infra-es- cavernas importantes; direção preferencial de lu-
truturas de alvenaria, em geral representam danos xos, inclusive atmosféricos; possíveis problemas ge-
irreversíveis, dado que a retirada ou limpeza pode oténcnicos quando as obras forem realizadas sobre
ser tão ou mais danosa ou ambiente, além de mui- lineamentos estruturais ou possíveis rotas subter-
to onerosa.. râneas de escoamento; a discussão de uma possí-
vel área de inluência das cavidades; entre outros.
5.4 Análises de contexto de empreendimen-
tos e área de inluência Questões básicas de um bom mapeamento
As análises de contexto dos empreendimentos são frequentemente são esquecidas em mapas deste
instrumentos dos mais importantes no licencia- tipo, como a escala, o norte geográico, a legenda, e
mento ambiental, para se vislumbrar o potencial até mesmo as coordenadas geográicas dadas pela
de impacto da atividade sobre o patrimônio es- malha, o que tornaria o trabalho um simples croqui.
peleológico. Necessita antes de tudo de um bom A área de inluência das cavernas pode ou não
diagnóstico, em que os elementos do quadro na- estar representada nestes mapas, uma vez que nem
tural estejam bem caracterizados e seja possível sempre se chega a tal área sem uma boa discussão
analisá-los de forma integrada, especialmente a prévia, inclusive com os licenciadores.
A área de influência de caverna está
144 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
determinada na legislação, especialmente a Reso- a cavidade. Ou seja, tudo varia conforme o tipo de
lução CONAMA nº 347/04, incluindo-se um raio pre- empreendimento ou atividade e as características
ventivo de proteção, estabelecido aleatoriamente físicas do terreno e da caverna.
para qualquer caverna em 250 metros, a partir do A determinação de tal área de proteção geral-
contorno em projeção convexa supericial. Entre- mente se dá confrontando os dados relacionados
tanto, é comum a leitura enviesada de tal artigo na aos aspectos naturais e antrópicos. Dentre os na-
legislação, considerando-se esta área como ixa e turais destacam-se: drenagem cárstica (supericial
inal, ou seja, não haveria necessidade de se mudá- ou subterrânea) e a formação de sistemas espele-
la. O que se observa é que a determinados empre- ológicos, a questão da vegetação e sua maior ou
endimentos os 250 metros não causam prejuízos menor interrelação com o ambiente cavernícola, a
econômicos e prontamente são adotados como coniguração geoestrutural dos maciços e a maior
medidas inais. Em outros, ica inviável a realização ou menor capacidade de dissipar pressões, as áreas
do projeto, geralmente em minerações. de vida de animais importadores de material orgâ-
O que a regra estabelece, antes da projeção nico, como os morcegos, a posição topográica das
pura e simples dos 250 metros, é a realização de es- cavernas frente ao empreendimento, entre outros.
tudos para a constituição inal da área de inluên- Enquanto, dentre os aspectos antrópicos: as cotas
cia. Tais estudos são os mesmos (ou deveriam ser) de alagamento, cones de rebaixamento hidráulico,
que levam à caracterização do patrimônio espele- propagação de vibração de partículas (tremores),
ológico ou até o estabelecimento de graus distin- disponiblização de sedimentos e eluentes, níveis
tos de relevância. de ruído, entre outros.
Neste sentido, há que se considerarem dois fa- Deve-se ter em mente que uma vez deinida
tores, o primeiro relativo às características físicas a área de inluência, esta não necessariamente ica
de cada caverna ou região cárstica e o segundo estanque, imutável. Qualquer alteração nos proje-
relativo ao tipo de empreendimento, e o poten- tos originais do empreendimento pode resultar em
cial de interferências no patrimônio espeleológico. mudanças desta área.
Não é possível o estabelecimento de um raio Também é muito importante o monitoramen-
de proteção absoluta, da caverna frente a qualquer to dos parâmetros pós operação, com o objetivo de
tipo de impacto. Dependendo do tipo de empre- se aferir a efetividade das áreas propostas.
endimento, haverá um tipo de impacto, as áreas de Portanto, antes de se proceder a marcação das
inluência deverão variar conforme tais realidades. áreas de inluência deve-se realizar uma ampla dis-
Ocorre por exemplo, a localização de cavernas em cussão, entre as áreas responsáveis pela elaboração
áreas circunvizinhas a empreendimentos distintos dos estudos espeleológicos, áreas de produção ou
mais igualmente lesivos, de forma potencial, ao am- de engenharia e os setores responsáveis pelas análi-
biente cavernícola. Supondo que as cavernas não ses para licenciamento. Com isso evitam-se transtor-
possuam formações frágeis, uma mineração pode nos futuros, gastos adicionais e danos irreversíveis.
até adotar um raio de 50 metros de distância de
5.5 Monitoramento
suas lavras em relação às cavernas, sem que haja
Existem várias formas de monitoramento ambien-
impactos. Veja que tal medida hipotética é bastan-
tal, entretanto, as especíicas ao meio espeleoló-
te inferior aos 250 metros sugeridos nas regras, mas
gico, ou que possam também mostrar respostas
ela deverá ser baseada nos estudos especiicamen-
em virtude de determinadas pressões são poucas
te realizados frente a cada situação.
e muitas vezes complexas.
Uma lavoura a montante da caverna pode
Em empreendimentos que potencialmente
afetá-la mesmo a mais de um quilômetro de dis-
afetam os recursos hídricos, no quesito qualidade
tância, sobretudo se um curso de água atravessar
de águas, são indicados os testes físico-quimicos ocorreram casos em que o empreendedor realizou
e biológicos em seus diversos parâmetros (acidez, detonações em áreas diferentes daquelas progra-
DBO, turbidez, condutividade elétrica, etc.). São madas para os próximos anos, bem mais distantes
aplicados geralmente nos casos relacionados a im- da caverna testada, e ainda com apenas um sen-
pactos de mineração, agropecuária e urbanização. sor na entrada da gruta.
Nas cavernas que possuem recursos hídri- Uma forma indireta de se aferir danos por con-
cos, em geral coleta-se a água em diversos pontos, ta das detonações é a observação de espeleotemas
especialmente nas entradas (sumidouros), saídas frágeis, propícios à quebra. Também são observa-
(ressurgências) e no interior. Também são coleta- dos os deslocamentos de massa, como quedas de
das as águas nas áreas fontes, como por exemplo, blocos, escorregamentos, ocorrência de rachaduras
a partir dos tanques de contenção de sedimentos. novas, entre outros fatores. Nestes casos deve ser
O controle do volume de água também é feita uma caracterização criteriosa antes da insta-
algo interessante, sobretudo onde há interferências lação do projeto ou atividade, sob o risco de haver
em rios subterrâneos ou em aqüíferos que aloram confusão com os processos naturais antecessores.
em cavernas, sob a forma de lagos. Uma forma importante de monitoramento da
Em alguns casos é indicada a elaboração qualidade ambiental nas cavernas é o acompanha-
de modelos hidrogeológicos mais complexos para mento da vegetação do entorno e sobre as mesmas.
o carste, ainda na fase de licenciamento, como me- Trata-se de uma forma indireta de monitoramento,
dida de controle e adaptação do empreendimento. mas extremamente importante, visto que a relação
Através destes dados é possível também realizar o é intrínseca entre conservação das matas circun-
monitoramento e aferir se o modelo persiste inal- dantes e qualidade ambiental cavernícola.
terado após a implantação do projeto. O desmatamento ou corte seletivo devem ser
Quanto aos danos estruturais, normalmente contidos. Dependendo das intervenções do proje-
relacionados às detonações em minerações, re- to pode haver perdas de diversos tipos, tanto rela-
comenda-se um monitoramento periódico, com cionadas à biodiversidade como efeito de borda.
o im de se aferir possíveis danos não existentes Também neste sentido deve ser feito um trabalho
antes do empreendimento ou do estabelecimen- de monitoramento da fauna cavernícola, princi-
to de níveis perigosos de vibrações, por exemplo. palmente dos morcegos, que podem ser ótimos
No caso das vibrações, pode-se utilizar dos sis- bio indicadores.
mógrafos, devidamente posicionados de modo a Quando se trata de cavernas turísticas, mui-
não ocorrerem erros na medição ou dados não tas são as formas de monitoramento, geralmente
comparáveis com os obtidos em fases anteriores. envolvendo visitas periódicas. Nestes casos obser-
A instalação de sensores em sedimentos ou blo- va-se o desenvolvimento de organismos cloroila-
cos pendidos pode signiicar absorção adicional dos (musgo, samambaias, etc.) que indicariam um
das vibrações. A mesma coisa acontece se os sen- acionamento excessivo do sistema de iluminação.
sores são instalados cada vez em lugares diferen- Também pode-se notar ações adicionais de vanda-
tes, pontos da caverna muito mais distantes das lismo, processos erosivos junto às trilhas ou qual-
áreas de lavra, e assim por diante. quer distúrbio não notado anteriormente, também
Deve-se ter o cuidado de se instalar os senso- em relação à fauna cavernícola.
res em diversos pontos, de forma a cobrir razoavel- A realização de medições microclimáticas é
mente os principais ambientes da cavidade, sempre também indicada para aferir se os parâmetros se
suportados diretamente sobre a rocha. Tais eventos mantêm em níveis correlatos aos anteriores ou acei-
devem ser acompanhados preferencialmente pe- táveis. Dependendo da intensidade do uso turístico
los funcionários responsáveis pelo licenciamento. Já (cavernas de turismo de massa) e da importância
146 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
da caverna é recomendado até a instalação per- KOHLER, H. C. Geomorfologia Cárstica. In: GUERRA,
manente de termo higrômetros com data loggers A. J. T. & CUNHA, S. B. (orgs.). Geomorfologia: uma
para acompanhamento constante das variações atualização de bases e conceitos. 4ª ed. Rio de
de temperatura e umidade. Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. cap. 7, p. 309-334.
Uma forma muito importante de monitora- KRYZA, J. & STASKO, S. Groundwater low rate and
mento da conservação espeleológica é através de contaminant migration in issure-karstic aquifer
sistemas de informação, como o que se propõe o of Opole Triassic system southwest Poland.
Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas, Environmental Geology, 39 (3-4), January, 2000.
CANIÊ. Nele estarão registradas todas as cavernas
LANGER, W. H. Potential environmental impacts
conhecidas, incluindo-se as passíveis de impactos
of quarrying stone in karst – a literature review.
negativos irreversíveis, as de relevância máxima
USGS, open-ile report OF-01-0484. 2001. http://
ou consideradas testemunhos, ou seja, não passí-
geology.cr.usgs.gov/pub/ofrs/OFR-01-0484/
veis de impactos.
As diversas informações reunidas num cadas- MANGIN, A. (et. al.) Painted caves conservation:
tro como este podem gerar uma série de análises a stability problem in a natural system (the
importantes, por exemplo, relativas ao nível de example of the prehistoric cave of a Gargas,
conservação efetiva de determinadas regiões, ou French Pyrenees). C. R. Acad. Sci. Paris, Sciences de
o menor conhecimento espeleológico de outras. la terre et des planètes: Earth & Planetary Sciences,
Podem ser úteis na deinição de áreas para preser- 1999. 328, 295-301.
vação direcionadas aos ambientes cársticos e es- MARINOS, P. G. (et. al.) Development of sinkholes
peleológicos. E podem induzir ações de governo during reservoir construction. Engineering
no sentido de se disciplinar o acesso ao patrimô- Geology and the Environment: Balkema, Rotterdam,
nio espeleológico, inclusive através de zoneamen- 1997. 2769-2776.
tos de regiões cársticas, principalmente em regiões NAKAZAWA, V. A., PRANDINI, F. L., DINIZ, N. C.
de muita pressão e demanda. Subsidências e colapsos de solo em áreas urbanas.
5.6 Referências In: Curso de Geologia aplicada ao meio ambiente.
São Paulo: ABGE, 1995. pag. 101-133.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS.
NBR 9653: Guia para avaliação dos efeitos PILÓ, L. B. Ambientes cársticos de Minas Gerais:
provocados pelo uso de explosivos nas minerações valor, fragilidades e impactos ambientais decorrentes
em áreas urbanas: procedimento. Rio de Janeiro, da atividade humana. O Carste, Belo Horizonte ,vol.
09/2005. 11, nº 3, pag. 50-58 julho de 1999.
BONACCI, O. Karst hydrology, with special reference POLIDO-BOSCH, A. (et. al.). Human impact in a
to the Dinaric karst. (Springer series in physical tourist karstic cave (Aracena, Spain). Environmental
environment). Spring-Verlag Berlin Heidelberg, 1987. Geology, nº 31, june, 1997. pag. 142-149.
148 5 AN ÁLIS E DE IM PAC TOS AM B IE N TAIS E M T E R R E NOS CÁR ST ICOS E CAVE R NAS
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
6 ATIVIDADE DE CAMPO
Equipe do CECAV
Figura 6.1: Gruta da Lapinha – Foto: Chico Fotógrafo – Acervo Prefeitura Municipal de Lagoa Santa
15 0 6 AT IVIDADE DE CAM P O
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Figura 6.2: Gruta da Lapinha - Foto: Jocy Cruz Figura 6.3: Gruta dos Túneis - Foto: Jocy Cruz
6 AT IVIDADE DE CAM P O 15 1
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE N CIAM E N TO AM B IE N TAL
Figura 6.4: Gruta da Macumba - Foto: Jocy Cruz Figura 6.5: Gruta dos Túneis - Foto: Jocy Cruz
Figura 6.6: Caverna RM33 - Foto: Jocy Cruz Figura 6.7: Caverna RM33 - Foto: Jocy Cruz
Figura 6.8: Gruta Rola Moça - Foto: Jocy Cruz Figura 6.9: Gruta Rola Moça - Foto: Jocy Cruz
15 2 6 AT IVIDADE DE CAM P O
CU R S O DE E S P E LE OLOGIA E LICE NCIAM E NTO AM B IE N TAL
Municipal Lagoa Azul localizado em Bonito/MS e o nova formatação, sendo que os mesmos estão di-
Parque Estadual Cavernas de Botuverá/SC. vididos em dois grandes grupos – Centros com ex-
Iniciativas pontuais também têm contribuí- pertise técnico-cientíica em grupos taxonômicos
do para a proteção do patrimônio espeleológico. e Centros com expertise técnico-cientíica em bio-
Exemplo disto é o estudo conjunto entre o Servi- mas, ecossistemas ou manejo sustentado dos recur-
ço Geológico do Brasil (CPRM) e IBAMA realizado sos naturais, dentre os quais se encontra o CECAV,
na Área de Proteção Ambiental (APA) Carste Lagoa hoje denominado Centro Nacional de Pesquisa e
Santa/MG, cujo principal objetivo foi o zoneamento Conservação de Cavernas. Diante das atuais com-
espeleológico da área pertencente a APA. A partir petências delegadas aos Centros de Pesquisa, al-
deste trabalho (CPRM/IBAMA, 1998) foi possível es- gumas atribuições anteriormente desenvolvidas no
tabelecer diretrizes concretas para a proteção dos âmbito do IBAMA não foram recepcionadas pela
ambientes cársticos da APA. Ainda neste trabalho referida Portaria, principalmente àquelas relacio-
houve menção a palavra “relevância”, ou seja, em nadas ao licenciamento ambiental.
1998, ano em que foi elaborado, podemos detectar A Portaria estabeleceu o CECAV como um cen-
já uma tendência em separar sítios espeleológicos tro de pesquisa, tornando-se dessa forma uma uni-
de diferentes graus de importância. A deinição da dade descentralizada do Instituto ao qual compete
relevância das cavidades foi baseada em parâme- produzir, por meio da pesquisa cientíica, do orde-
tros ixos, aplicados através de valoração numérica. namento e da análise técnica de dados, o conhe-
Outro trabalho que merece destaque entre cimento necessário à conservação do Patrimônio
as ações do Governo Federal é o Relatório do Mi- Espeleológico e da biodiversidade a ele associada.
nistério de Minas e Energia (MME), “Relevância de Além dessas atribuições, outra inalidade é a exe-
Cavidades Naturais Subterrâneas – Contextualiza- cução de ações de manejo para a conservação e
ção, impactos ambientais e aspectos jurídicos” de uso dos recursos naturais nas unidades de conser-
autoria do consultor Augusto Auler (2006) onde o vação federais de uso sustentável. Os centros po-
mesmo estabelece ampla discussão sobre o tema, derão dispor de Bases Avançadas para sua atuação,
realizando um histórico da evolução da legislação, que contarão necessariamente com patrimônio,
uma abordagem sobre os impactos da atividade quadro de servidores do Instituto e responsáveis
minerária sobre o patrimônio espeleológico e ela- devidamente designados. Bases Avançadas são
bora um apanhado de propostas existentes sobre unidades físicas do Instituto Chico Mendes, man-
as metodologias de classiicação dos graus de re- tidas com estrutura própria ou formalmente cedi-
levância de cavernas. da, localizada em sítio estratégico para execução de
ações de pesquisa e conservação afetas aos CPCs.
7.2.2 Papel atual do CECAV com a criação
do Instituto Chico Mendes de Conservação Por meio da Portaria Ministerial Nº 358, de 30
da Biodiversidade de setembro 2009 (MMA, 2009), instituiu-se o Pro-
Com a criação do Instituto Chico Mendes de Conser- grama Nacional de Conservação do Patrimônio Es-
vação da Biodiversidade (Lei nº. 11.516 de 28/08/2007) peleológico e foram estabelecidas diretrizes para
(BRASIL, 2007a) e a deinição de suas inalidades e melhor execução das políticas públicas ambientais
ações (Decreto nº. 6.100 de 26/04/2007) (BRASIL através do estabelecimento de critérios e normas
2007b), alguns Centros Especializados do IBAMA que permitam a utilização sustentável das cavida-
foram incorporados à estrutura organizacional do des, por meio do manejo espeleológico, gerencia-
Instituto Chico Mendes, conforme Portaria nº 78, mento e o monitoramento de outras atividades.
de 03/09/2009 (INSTITUTO CHICO MENDES, 2009), O programa tem por objetivo desenvolver uma
que cria os Centros Nacionais de Pesquisa e Conser- estratégia nacional de conservação e uso susten-
vação (CPC). Essa Portaria atribui aos Centros uma tável das cavernas brasileiras, por meio de ações,
como a criação de 30 unidades de conservação fe- áreas de inluência (Art. 2º) e para áreas de ocor-
derais, a realização de um Inventário Anual do Pa- rências de cavernas ou áreas de potencial espele-
trimônio Espeleológico Nacional, a elaboração de ológico (Art. 3º). Entretanto, em 07 de novembro
Planos de Ação para o Patrimônio Espeleológico, de 2008 foi editado o Decreto nº 6.640 que alte-
o diagnóstico das unidades espeleológicas do Bra- rou de maneira signiicativa o quadro de proteção
sil, além do lançamento da Revista Brasileira de Es- do Patrimônio Espeleológico brasileiro, reduzindo
peleologia, entre outras. drasticamente o status protecionista já existente.
A evolução das políticas públicas, aliada a legis- Os autores destacam os seguintes pontos polêmi-
lação em vigor, através de novas estratégias e ins- cos que o Decreto nº 6.640/08 apresenta, e que o
trumentos de gestão tem representado um avanço distinguem da situação anterior:
signiicativo no ordenamento do uso e estabeleci- a) Desobriga a elaboração de EIA-RIMA, vinculan-
mento de prioridades no que tange ao diagnósti- do apenas os empreendimentos e atividades
co do Patrimônio Espeleológico nacional. potencialmente poluidores e degradadores
7.3 Contextualização do Decreto nº 6640 e do Patrimônio Espeleológico ao licenciamen-
suas implicações na conservação do Pa- to ambiental (Art. 5º, a);
trimônio Espeleológico: as principais di-
ferenças em relação à legislação anterior, b) As cavernas de alta, média e baixa relevância
anuência nos processos de licenciamento poderão ser objetos de impactos negativos
(Resolução CONAMA nº 347/2004) e a com- irreversíveis, sendo que as cavernas conside-
pensação ambiental. radas de “baixa relevância” poderão ser des-
7.3.1 Contextualização do Decreto nº 6640 e truídas sem qualquer tipo de compensação
suas implicações na conservação do Patri- patrimonial ou mesmo ambiental (art. 4º, § 5);
mônio Espeleológico: as principais diferen-
ças com relação à legislação anterior c) Conirma a posição do CECAV de que todas as
Uma das características marcantes do Decreto nº cavernas são relevantes.
99.556, em sua versão original, era o seu caráter es- A respeito do item b, vale frisar que segundo o
tritamente conservacionista, quando em seu artigo § 4, Art. 5º-A, mediante impactos negativos irrever-
1º deinia que “As cavidades naturais subterrâneas síveis em cavidade natural subterrânea, o empre-
existentes no território nacional brasileiro consti- endimento deverá ser submetido à legislação que
tuem Patrimônio Cultural brasileiro, e, como tal, se- regulamenta a Compensação Ambiental, contido
rão preservadas e conservadas de modo a permitir no Art. 36 da Lei Nº 9.985 de 18 Julho de 2000 que
estudos e pesquisas de ordem técnico-cientíica, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conser-
bem como atividades de cunho espeleológico, ét- vação, regulamentado pelo Decreto nº 4.340, de 22
nico-cultural, turístico, recreativo e educativo”. Se- de agosto 2002 e alterado pelos Decreto nº5.566 de
gundo a bacharel em direito Keila Maria Resende 26/10/05 e Decreto nº 6.848 de 14/05/10 (mais deta-
(Resende, 2005) havia uma incongruência legal en- lhes a respeito no item: Compensação Ambiental).
tre o Art. 1º do Decreto e o Art. 216 da Constituição Em janeiro de 2009, foi ajuizada no Supre-
Federal que trata do Patrimônio Cultural brasileiro, mo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de In-
mas não inclui as cavidades naturais subterrâneas. constitucionalidade (ADI 4218) contra o Decreto nº
Portanto, o Decreto estaria contrariando a Consti- 6.640/2008. A ação foi proposta pelo procurador-
tuição Federal. geral da República, Antonio Fernando Souza, que
Segundo Marchesan et al o Decreto nº acolheu representação da Associação do Ministé-
99.556/90 propôs um regime jurídico próprio para rio Público do Meio Ambiente (Abrampa), encami-
a proteção das cavidades naturais subterrâneas exis- nhada pela Sociedade Brasileira de Espeleologia
tentes no território nacional (Art. 1º), para as suas (SBE). Segundo Fernando Souza, os critérios de
utilização de cavernas somente podem ser ixados do grau de relevância de cavidades naturais sub-
por lei, e não por meio de um decreto, conforme terrâneas.” Além desta oicina, foram realizadas sete
o parágrafo 3º do inciso III da CF. Outro dispositi- entrevistas direcionadas para o levantamento de in-
vo constitucional violado seria o inciso IV do arti- formações e detalhamento das propostas. O CECAV
go 84, que veda a edição autônoma de decretos. realizou ainda quatro reuniões temáticas (aspectos
O decreto contestado alterou a redação dos arti- bióticos, abióticos, jurídicos e sócio-econômicos)
gos do Decreto 99.556/1990 e modiicou disposi- com especialistas para resolução de dúvidas e con-
tivos que determinavam a edição de lei especíica solidação inal do documento. Após este processo
para regulamentar a exploração de cavernas. Fer- de construção conjunta, ocorreu em 17 de março
nando Souza reitera que as novas regras subver- de 2009 uma reunião inal com a apresentação e
tem o modelo constitucional e alteram o regime avaliação da proposta metodológica. O resultado
jurídico de preservação das cavernas. Ele pede que deste trabalho foi então apresentado ao MMA, al-
sejam cassados os artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 5º-A e seus terado e convertido na Instrução Normativa nº 2,
parágrafos (do decreto de 1990), na nova redação de 21 de agosto de 2009, contendo as seguintes
dada pelo Decreto 6.640/2008 (site STF). Até o pre- características:
sente momento, a ADI 4218 ainda não foi julgada . Propõe um método de classificação não
pelo STF não existindo, portanto, previsão para o matemático;
desenlace da situação.
. Deine claramente todos os termos técnicos
Independente da movimentação de sustação
utilizados (anexo I e II da IN nº 02);
do Decreto nº 6.640/08, o CECAV foi incumbido de
. Deine o enfoque local e regional;
coordenar a elaboração de uma metodologia con-
forme dita o Art. 5º: “A metodologia para a classii- . Prevê um período de dois anos para aplicação
cação do grau de relevância das cavidades naturais e revisão do ato normativo;
subterrâneas, considerando o disposto no art. 2º, . Exige um estudo aprofundado da caverna por
será estabelecida em ato normativo do Ministro de
equipe multidisciplinar;
Estado do Meio Ambiente, ouvidos o Instituto Chi-
. Reforça a exigência no Decreto de que as ca-
co Mendes, o Instituto Brasileiro do Meio Ambien-
vidades testemunhos devem possuir atribu-
te e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e
tos similares àquelas suprimidas e devem ser
demais setores governamentais afetos ao tema, no
mantidas em caráter permanente, intactas e
prazo de sessenta dias, contados da data de publi-
protegidas;
cação deste Decreto.”
Para execução de tal tarefa, foram convidados . Cria um comitê consultivo que será coordenado
cinqüenta e dois proissionais e pesquisadores per- pelo Instituto Chico Mendes para ins de acom-
tencentes a quinze instituições, entre elas Ministé- panhamento e avaliação do ato normativo.
rio do Meio Ambiente (MMA), Ministério das Minas
e Energia (MME), Departamento Nacional de Pro- 7.3.2. Anuência nos processos
dução Mineral (DNPM), Serviço Geológico do Brasil de Licenciamento
(CPRM), Instituto do Patrimônio Histórico Nacional É de suma importância esclarecer o papel e as
(IPHAN), Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), atribuições dos órgãos ambientais competentes
Instituto Carste, Fundação Nacional do Índio (FU- (OEMAs e IBAMA) que realizam o licenciamento
NAI), Universidades, entre outras. Nos dias 26 e 27 ambiental de empreendimentos e atividades con-
de janeiro de 2009, foi realizada uma oicina técni- sideradas lesivas às cavidades naturais subterrâne-
co-participativa quando estes proissionais reuni- as, bem como de sua área de inluência.
ram-se em Brasília para iniciarem uma discussão a A Resolução CONAMA nº 347/2004 estabelece
respeito do tema “metodologia para classiicação no art. 4º que a localização, construção, instalação,
linha do Parecer nº 116/2010, fazendo alusão ao Art. das rotas armazenadas em GPS;
6º da Resolução CONAMA nº 347/2004, esclarece ii. Caso ocorram cavidades nessas áreas, identi-
que pertence à seara de competência administra- icar suas características básicas, descrevendo:
tiva do IBAMA a aprovação do Plano de Manejo
• Coordenadas geográicas das cavidades exis-
em referência.
tentes obtidas com equipamento de GPS, em
Algumas situações merecem algumas
coordenadas geográicas, graus decimais, da-
considerações:
tum WGS 84 e a partir da captura de sinais
a. Documentos de solicitação de assentimen- advindos de um mínimo de 4 unidades bem
to para a realização de pesquisa mineral: distribuídas na constelação dos satélites, no
A pesquisa mineral compreende um conjun- ponto onde localizam-se as bases topográi-
to de atividades que, dependendo de suas cas “zero” referentes ás entradas da cavidade.
características, são consideradas efetiva ou po- • Denominação local;
tencialmente poluidoras ou degradadoras de
• Município, nome da fazenda ou da região em
cavidades naturais subterrâneas. São exemplos
que se insere;
a realização de sondagens, escavações (trin-
cheiras) e beneiciamentos que envolvam o • Dados de identiicação do proprietário da
uso de quantidades signiicativas da substân- área onde a caverna está inserida;
cia mineral pesquisada (rocha onde porventu- • Altitude;
ra ocorrem cavidades naturais subterrâneas). • Topograia básica da cavidade;
Ainda assim, nos casos em que tais solicita-
• Projeção horizontal da caverna, em super-
ções não estejam autuadas em processos de
fície, acrescida de um entorno de duzentos
licenciamento ambiental, a legislação supra-
e cinqüenta metros, em forma de poligonal
citada obriga ao licenciamento não apenas
convexa;
os empreendimentos, mas também as ativi-
dades potencialmente poluidoras ou degra- • Descrição das entradas e formas de acessos;
dadoras de cavidades naturais subterrâneas. • Registro fotográico.
Portanto, os documentos de solicitação de-
iii. Como produto desse levantamento, apre-
vem ser encaminhados pelo empreendedor
sentar Mapa de Situação do empreendimento,
ao órgão ambiental competente pelo licen-
em escala de detalhe, que permita a visualiza-
ciamento (OEMA, IBAMA) para adequação, ou
ção das seguintes informações:
seja, para que se proceda a análise e a avalia-
ção do grau dos impactos ao Patrimônio Es- • Topograia detalhada da área do empreendi-
peleológico afetado, com base no art. 5º da mento com indicação das curvas de nível;
Resolução CONAMA nº 347/2004. Neste caso, • Caminhamentos percorridos;
orienta-se que: • Feições geológicas e geomorfológicas (cárs-
i. Seja realizada prospecção exocárstica em ticas e/ou pseudo-cársticas) como dolinas, su-
toda a extensão da área afetada pelo empre- midouros, ressurgências;
endimento, para avaliar a ocorrência ou não • Vias de acesso e os corpos d’água.
de cavidades. Os caminhamentos realizados
b. Elaboração de Termo de Referência para le-
para a prospecção devem contemplar todas
vantamentos do Patrimônio Espeleológico:
as feições geomorfológicas típicas associadas
às cavernas (geomorfologia cárstica), além de Diante dos objetivos institucionais definidos na
serem registrados e comprovados por meio Portaria nº , não compete ao CECAV elaborar
termos de referência a serem seguidos pelos ór- etapas envolvidas neste tipo de licenciamento am-
gãos de meio ambiente responsáveis pelo pro- biental, o Anexo II apresenta as principais atribui-
cesso de licenciamento ambiental. Não obstante, ções dos órgãos de licenciamento e do Instituto
o CECAV disponibiliza em sua página eletrônica Chico Mendes no processo e no anexo III é apre-
Orientações Básicas a Realização de Estudos sentada uma proposta de luxograma envolvendo
Espeleológicos e Orientações Básicas para a os procedimentos discutidos.
Elaboração de Plano de Manejo Espeleológi-
7.3.3 Compensação Ambiental referente ao
co ,as quais podem ser utilizadas por qualquer Patrimônio Ambiental
instituição na confecção de termo de referência A Compensação Ambiental é um mecanismo inan-
para estudos ambientais de empreendimentos ceiro de compensação pelos efeitos de impactos
licenciados pela mesma. não mitigáveis ocorridos quando da implantação
c. Necessidade de apresentar Levantamento de empreendimentos, e identiicados no proces-
do Patrimônio Espeleológico da área afetada so de licenciamento ambiental.
pela implantação de linhas de transmissão, No caso do Decreto Nº 6.640, de 7 de Novem-
empreendimentos hidrelétricos, mineração, bro de 2008, as cavidades naturais subterrâneas
rodovias, entre outros: classiicadas com grau de relevância alto, médio
ou baixo poderão ser objeto de impactos negati-
As cavidades constantes na base de dados do
vos irreversíveis, mediante licenciamento ambiental.
CECAV representam apenas uma pequena por-
No Artigo 4º do referido Decreto foram es-
ção de todo o universo de cavernas existentes
tabelecidas as possíveis formas de compensação
no território brasileiro que até o momento fo-
ambiental para empreendimento que ocasione im-
ram prospectadas por pessoas físicas, grupos
pacto negativo irreversível:
de espeleologia ou instituições, cujos dados
foram publicados em diversos meios de divul- 1. Para cada cavidade natural subterrânea com
gação e, depois, sistematizados, georreferen- grau de relevância alto:
ciados e analisados por este Centro. Portanto, • O empreendedor deverá adotar medidas e
orientamos que seja realizada prospecção exo- ações para assegurar a preservação, em cará-
cárstica em toda a extensão da área afetada ter permanente, de DUAS CAVIDADES naturais
pelo empreendimento para avaliar a ocorrên- subterrâneas, com o mesmo grau de relevância,
cia ou não de cavidades. Os caminhamentos de mesma litologia e com atributos similares
realizados para a prospecção devem contem- à que sofreu o impacto, que serão considera-
plar todas as feições geomorfológicas típicas das CAVIDADES TESTEMUNHO (Parágrafo 1º).
associadas às cavernas (geomorfologia cársti- • A preservação dessas cavidades deverá, sem-
ca), além de serem registrados e comprovados pre que possível, ser efetivada em área contí-
por meio das rotas armazenadas em GPS. Po- nua e no mesmo grupo geológico da cavidade
rém, compete ao órgão ambiental responsá- que sofreu o impacto (Parágrafo 2º).
vel pelo licenciamento (OEMA, IBAMA) analisar
• Não havendo, na área do empreendimento,
e avaliar os estudos espeleológicos no âmbi-
outras cavidades representativas que possam
to do licenciamento, inclusive o grau dos im-
ser preservadas sob a forma de cavidades tes-
pactos ao Patrimônio Espeleológico afetado,
temunho, o Instituto Chico Mendes poderá de-
com base no art. 5º da Resolução CONAMA nº
inir, de comum acordo com o empreendedor,
347/2004, e, portanto, considerar a prospecção
outras formas de compensação (Parágrafo 3º).
exocárstica realizada satisfatória ou não.
Obs.: As cavidades testemunhos são de rele-
Visando contribuir para o entendimento das
vância máxima, o que as tornam preservadas
• O empreendedor deverá adotar medidas e BRASIL. Decreto Lei nº. 99.556, de 01 de outubro de
inanciar ações, nos termos deinidos pelo ór- 1990. Dispõe sobre a proteção das cavidades natu-
gão ambiental competente, que contribuam rais subterrâneas existentes no território nacional, e
para a conservação e o uso adequado do Patri- dá outras providências. In: INSTITUTO BRASILEIRO
mônio Espeleológico brasileiro, especialmente DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS
das cavidades naturais subterrâneas com grau RENOVÁVEIS (IBAMA). Centro Nacional de Estudo,
de relevância máximo e alto (Parágrafo 4º). Proteção e Manejo de Cavernas (CECAV). Legislação
espeleológica. Disponível em: <http://www.ibama.
3. Para cada cavidade natural subterrânea com
gov.br/cecav /index.php?id_menu=159>
grau de relevância baixo:
BRASIL. Lei nº 11.516 de 28 de agosto de 2007. Dis-
• O empreendedor não estará obrigado a ado-
põe sobre a criação do Instituto Chico Mendes de
tar medidas e ações para assegurar a preserva-
Conservação da Biodiversidade. In: http://www.pla-
ção de outras cavidades naturais subterrâneas
nalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2007/ Lei/L11516.
(Parágrafo 5º).
htm.
Neste caso, vale salientar que o empreende-
BRASIL. Decreto nº. 6.100 de 26 de abril de 2007.
dor terá de seguir a legislação que regulamen-
Aprova a estrutura regimental e o Quadro Demons-
ta a Compensação Ambiental, contido no Art. 36
trativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gra-
da Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000 que insti-
tiicadas do Instituto Chico Mendes de Conservação
tui o Sistema Nacional de Unidades de Conser-
da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, e dá
vação, regulamentado pelo Decreto nº 4.340, de
outras providências. In: http://www.planalto.gov.
22 de agosto 2002 e alterado pelos Decretos nº
br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6100.htm
5.566 de 26/10/05 e Decreto nº 6.848 de 14/05/10.
CPRM/IBAMA. Patrimônio Espeleológico, Históri-
7.4 Referências Bibliográicas co e Cultural, APA Carste de Lagoa Santa, Volume
III, 1998. http://www.cprm.gov.br/gestao/apacars-
AULER, Augusto. Histórico da espeleologia brasi-
te/Zoneamento%20Ambiental%20Apa%20Cars-
leira: o Brasil colonial e a época dos naturalistas.
te%20Lagoa%20Santa.pdf
Belo Horizonte: Grupo Bambuí, 2004. Disponível
em: <http://www.redespeleo.org.br> CRUZ, Jocy Brandão. Levantamento Espeleológi-
co: prospecção, identiicação e caracterização de
AULER, Augusto; ZOGBI, Leda. Espeleologia: no-
cavidades naturais subterrâneas no lajedo do Ara-
ções básicas. Redespeleo Brasil, São Paulo. 2005.
puá, Felipe Guerra/RN, tendo como suporte as ge-
BRAIDWOOD, R. J. Homens pré-históricos. Editora
otecnologias. 122 f. Monograia (Bacharelado em
Universidade de Brasília. Brasília. 1975.
Geograia) – Departamento de Geograia, Univer-
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Re- sidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.
pública Federativa do Brasil. Brasília: Senado Fe-
FONSECA, Keila Maria Resende. Cavidades Natu-
deral, 1988.
rais Subterrâneas: Patrimônio Cultural Brasileiro.
BRASIL. CONAMA. Resolução CONAMA. nº. Informativo SBE, 2005, p. 24-27.
347, de 10 de setembro de 2004. Dispõe so-
INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA
bre a proteção do Patrimônio Espeleológico. In:
BIODIVERSIDADE. Portaria nº 78 de 03 de setembro
2008 Decreto Federal nº 6640 Dá nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º e acrescenta os
arts. 5-A e 5-B ao Decreto no 99.556, de 1º de outubro de
1990, que dispõe sobre a proteção das cavidades naturais
subterrâneas existentes no território nacional.
2009 Portaria MMA nº 358 Institui o Programa Nacional de Conservação do
Patrimônio Espeleológico.
2009 Instrução Normativa/MMA Regulamenta a classificação do grau de relevância das
n°02 cavidades naturais subterrâneas.
ANEXO II
1
Orientações que estabelecem diretrizes básicas para a realização do levantamento espeleológico da área de influência de
empreendimentos potencialmente lesivos ao Patrimônio Espeleológico, levando-se em consideração o princípio da precaução
(http://www.icmbio.gov.br/cecav em Termo de Referência).
ANEXO III
Estudo INSATISFATÓRIO.
Órgão ambiental
competente solicita
Complementações complementações
consideradas Havendo impactos negativos
SATISFATÓRIAS pelo irreversíveis em cavidade natural
órgão ambiental subterrânea.
competente.
Estudo SATISFATÓRIO.
Órgão ambiental
competente emite
PARECER
Dec. 99.556/90 Art. 4° § 1° Dec. 99.556/90 Art. 4° § 3°
Grau de relevância alto: Não havendo, na área do
Adotar medidas e ações para empreendimento, outras
assegurar a preservação, em cavidades representativas
caráter permanente, de duas que possam ser preservadas
cavidades; sob a forma de cavidades
testemunho, o ICMBIO
Dec. 99.556/90 Art. 4° § 4° poderá definir, de comum
LICENÇA ou Grau de relevância médio: acordo com o empreen-
AUTORIZAÇÃO Adotar medidas e financiar
ações que contribuam para a
dedor, outras formas de
compensação.
conservação e o uso adequado
do patrimônio espeleológico.
O CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CO- Art. 1o Instituir o Cadastro Nacional de Informações
NAMA, no uso das competências previstas na Lei nº Espeleológicas-CANIE, e estabelecer, para ins de
6.938, de 31 de agosto de 1981, regulamentada pelo proteção ambiental das cavidades naturais subter-
Decreto nº 99.274, de 6 de julho de 1990, e tendo râneas, os procedimentos de uso e exploração do
em disposto em seu Regimento Interno, aprovado patrimônio espeleológico nacional.
pela Portaria nº 499, de 18 de dezembro de 2002, e Comentário: Instrumento de gestão ambiental
Considerando a necessidade de aprimorar e do patrimônio espeleológico a ser incorporado
atualizar o Programa Nacional de Proteção ao Pa- ao sistema de licenciamento ambiental. Por meio
trimônio Espeleológico, aprovado pela Comissão dele o Cecav atuará no monitoramento e aper-
Especial instituída pela Resolução CONAMA nº 9, feiçoamento dos instrumentos relacionados ao
de 24 de janeiro de 1986, e de disciplinar o uso des- controle e uso das cavidades naturais subterrâ-
se patrimônio; neas (I.N. MMA 2/2009, Art. 22).
Considerando a necessidade de licenciamen-
Art. 2o Para efeito desta Resolução icam estabele-
to ambiental das atividades que afetem ou possam
cidas as seguintes deinições:
afetar o patrimônio espeleológico ou a sua área de
inluência, nos termos da Resolução CONAMA nº I cavidade natural subterrânea é todo e qual-
237, de 19 de dezembro de 1997 e, quando couber, quer espaço subterrâneo penetrável pelo ser
a Resolução nº 001, de 1986; humano, com ou sem abertura identiicada,
Considerando a necessidade de se incorpo- popularmente conhecido como caverna, gru-
rar ao sistema de licenciamento ambiental os ins- ta, lapa, toca, abismo, furna e buraco, incluindo
trumentos de gestão ambiental do patrimônio seu ambiente, seu conteúdo mineral e hídri-
espeleológico, visando o uso sustentável e a me- co, as comunidades bióticas ali encontradas e
lhoria contínua da qualidade de vida das popula- o corpo rochoso onde as mesmas se inserem,
ções residentes no entorno de cavidades naturais desde que a sua formação tenha sido por pro-
subterrâneas; cessos naturais, independentemente de suas
Considerando que as cavidades naturais sub- dimensões ou do tipo de rocha encaixante.
terrâneas existentes no território nacional consti- II cavidade natural subterrânea relevante para
tuem bens da União de que trata o art. 20, inciso ins de anuência pelo Instituto Brasileiro do
X, da Constituição Federal, impondo-se a necessi- Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Reno-
dade de sua preservação e conservação de modo váveis-IBAMA no processo de licenciamento -
a possibilitar estudos, pesquisas e atividades de or- aquela que apresente signiicativos atributos
dem técnico-cientiica, étnica, cultural, espeleoló- ecológicos, ambientais, cênicos, cientíicos,
gica, turístico, recreativo e educativo;
IV área de inluência sobre o patrimônio espele- Comentário: No caso, o Instituto Chico Mendes
ológico: área que compreende os elementos é o órgão competente (I.N MMA n.o 2, de 20 de
bióticos e abióticos, supericiais e subterrâne- agosto de 2009, Art. 20, § 2 º).
os, necessários à manutenção do equilíbrio § 3o Os órgãos ambientais competentes deverão re-
ecológico e da integridade física do ambien- passar ao CANIE as informações espeleológicas in-
te cavernícola; seridas nos processos de licenciamento ambiental.
V plano de manejo espeleológico: documento
Comentário: I.N n.o 2, de 20 de agosto de 2009,
técnico mediante o qual, com fundamento
Art. 20, § 3 º.
nos objetivos gerais da área, se estabelece o
seu zoneamento e as normas que devem pre- § 4o O empreendedor que vier a requerer licen-
sidir o uso da área e o manejo dos recursos na- ciamento ambiental deverá realizar o cadastra-
turais, inclusive a implantação das estruturas mento prévio no CANIE dos dados do patrimônio
espeleológico mencionados no processo de licen- relevante para ins de anuência dessa Instituição
ciamento independentemente do cadastro ou re- (art. 2º, inciso II).
gistro existentes em outros órgãos.
§ 2o A área de inluência sobre o patrimônio es-
Comentário: I.N n.º 2, de 20 de agosto de 2009, peleológico será deinida pelo órgão ambiental
Art. 20, § 4 º. competente que poderá, para tanto, exigir estu-
dos especíicos, às expensas do empreendedor.
§ 5o Caberá ao IBAMA no prazo de até cento e oi-
tenta dias, ouvindo os diversos setores que com- Comentário: A deinição da área de inluência é
põe o CONAMA, instituir o CANIE. de suma importância para a adequada avalia-
ção do grau de impacto de empreendimentos/
Comentário: O Instituto Chico Mendes, no pra-
atividades sobre o Patrimônio Espeleológico. O
zo de 90 dias, deverá instituir o Cadastro Nacio-
órgão ambiental competente deinirá a área, a
nal de Informações Espeleológicas - CANIE (I.N
partir de estudos especíicos, com os elementos
MMA n.o 2, de 20 de agosto de 2009, Caput Art. 20).
bióticos e abióticos necessários à manutenção
Art. 4o A localização, construção, instalação, amplia- do equilíbrio ecológico e da integridade física do
ção, modiicação e operação de empreendimentos ambiente cavernícola.
e atividades, considerados efetiva ou potencial-
§ 3o Até que se efetive o previsto no parágrafo an-
mente poluidores ou degradadores do patrimônio
terior, a área de inluência das cavidades naturais
espeleológico ou de sua área de inluência depen-
subterrâneas será a projeção horizontal da caverna
derão de prévio licenciamento pelo órgão ambien-
acrescida de um entorno de duzentos e cinqüenta
tal competente, nos termos da legislação vigente.
metros, em forma de poligonal convexa.
Comentário: O licenciamento deve considerar
Comentário: Esta deinição é de caráter provisó-
como parâmetro de análise o patrimônio espe-
rio, não eximindo a obrigatoriedade de deinir a
leológico e sua área de inluência (Art.2º, III, IV),
área de inluência com base em estudos especí-
não restringindo a análise e avaliação técnica
icos. O entorno previsto no §3º poderá, a partir
exclusivamente à cavidade natural subterrânea.
dos resultados dos estudos, aumentar ou dimi-
§ 1o As autorizações ou licenças ambientais, na hi- nuir a área de inluência da cavidade.
pótese de cavidade natural subterrânea relevante
§ 4o A pesquisa mineral com guia de utilização em
ou de sua área de inluência, na forma do art. 2º in-
área de inluência sobre o patrimônio espeleológi-
ciso II, dependerão, no processo de licenciamento,
co deverá se submeter ao licenciamento ambiental.
de anuência prévia do IBAMA, que deverá se mani-
festar no prazo máximo de noventa dias, sem pre- Comentário: A pesquisa mineral compreende
juízo de outras manifestações exigíveis. um conjunto de atividades que, dependendo de
suas características, são consideradas efetiva ou
Comentário: Parágrafo revogado pela Resolu-
potencialmente poluidoras ou degradadoras de
ção CONAMA Nº 428, de 17 de dezembro de 2010
cavidades naturais subterrâneas. São exemplos
(Art.8º). Portanto, ica excluída do ordenamento
a realização de sondagens, escavações (trinchei-
jurídico a regra que condicionava à prévia anuên-
ras) e beneiciamentos que envolvam o uso de
cia do IBAMA as autorizações ou licenças ambien-
quantidades signiicativas da substância mineral
tais referentes a empreendimentos e atividades
pesquisada (rocha onde porventura ocorrem ca-
situados em regiões de ocorrência de cavernas,
vidades naturais subterrâneas). Ainda assim, nos
deixando também de vigorar, por conseqüên-
casos em que tais solicitações não estejam autu-
cia, a deinição de cavidade natural subterrânea
adas em processos de licenciamento ambiental,
§ 3o O requerente deverá assinar termo, em que se § 2o O apoio que trata o caput desse artigo se apli-
comprometa a fornecer ao IBAMA os relatórios de ca às hipóteses do art. 36, da Lei nº 9.985, de 18 de
sua pesquisa, que serão encaminhados ao CANIE. julho de 2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, inci-
sos I, II, III e VII da Constituição Federal, que institui o
Comentário: veriicar regras do SISBIO.
Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
§ 4o A subdelegação, substituição ou repasse da Natureza e dá outras providências, e demais atos
responsabilidade da execução do projeto aprova- legais em vigência.
do, dependerá de prévia anuência do IBAMA. Art. 9o Sem prejuízo da imediata aplicação desta
Comentário: veriicar regras do SISBIO. Resolução, o Ministério do Meio Ambiente, cons-
tituirá Grupo de Trabalho Interministerial, que terá
Art. 8o Nos casos de licenciamento ambiental de cento e oitenta dias para subsidiar o Programa Na-
empreendimentos e atividades considerados efe- cional de Proteção ao Patrimônio Espeleológico e
tiva ou potencialmente causadores de signiicativa elaborar critérios complementares para caracteri-
alteração e degradação do patrimônio espeleológi- zação da relevância de que trata o art. 2º inciso II, a
co, para os quais se exija Estudo Prévio de Impacto serem submetidos ao Conselho Nacional do Meio
Ambiental-EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiente-CONAMA.
Ambiental ao Meio Ambiente-RIMA, o empreen-
Comentário: A Portaria MMA n º 358, de 30 de
dedor é obrigado a apoiar a implantação e a ma-
setembro de 2009, institui o Programa Nacio-
nutenção de unidade de conservação, de acordo
nal de Conservação do Patrimônio Espeleológi-
com o previsto no art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de
co. O detalhamento dos critérios de relevância
julho de 2000.
foi estabelecido por meio do Decreto n º 6.640/ das cavidades naturais subterrâneas existentes no
2008 e da Instrução Normativa MMA n º 02/2009. território nacional.
Art. 10o O órgão ambiental competente, ao indefe- O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribui-
rir o pedido de licença ou autorização, ou ainda sua ção que lhe confere o art. 84, inciso IV, e tendo em
renovação comunicará, em até trinta dias, a contar vista o disposto nos arts. 20, inciso X, e 216, inciso
de sua decisão, ao empreendedor e aos órgãos re- V, da Constituição, e na Lei nº 6.938, de 31 de agos-
guladores da atividade em questão, bem como ao to de 1981,
Ministério Público, para as medidas cabíveis. DECRETA:
Art. 11o O órgão ambiental competente fará articu- Art. 1º Os arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do Decreto nº 99.556,
lação junto aos órgãos competentes do patrimônio de 1o de outubro de 1990, passam a vigorar com a
histórico-cultural e mineral para, através de termo seguinte redação:
de cooperação, proteger os patrimônios espeleo-
“Art. 1º As cavidades naturais subterrâneas exis-
lógico, arqueológico e paleontológico e alimentar
tentes no território nacional deverão ser protegi-
o banco de dados do CANIE.
das, de modo a permitir estudos e pesquisas de
Art. 12o Na ocorrência de sítios arqueológicos e pa- ordem técnico-cientíica, bem como atividades de
leontológicos junto à cavidade natural subterrânea, cunho espeleológico, étnico-cultural, turístico, re-
o órgão ambiental licenciador comunicará aos ór- creativo e educativo.
gãos competentes responsáveis pela gestão e pro-
Parágrafo único. Entende-se por cavidade natural
teção destes componentes.
subterrânea todo e qualquer espaço subterrâneo
Art 13o Os empreendimentos ou atividades já ins- acessível pelo ser humano, com ou sem abertura
talados ou iniciados terão o prazo de sessenta dias identiicada, popularmente conhecido como ca-
para requerer sua regularização, nos termos des- verna, gruta, lapa, toca, abismo, furna ou buraco,
ta Resolução. incluindo seu ambiente, conteúdo mineral e hí-
Art. 14o Esta Resolução entra em vigor na data de drico, a fauna e a lora ali encontrados e o corpo
sua publicação. rochoso onde os mesmos se inserem, desde que
tenham sido formados por processos naturais, in-
Art. 15o Fica revogada a Resolução CONAMA nº 5,
dependentemente de suas dimensões ou tipo de
de 6 de agosto de 1987.
rocha encaixante." (NR)
MARINA SILVA
Comentário: O conceito continua essencial-
Presidente do Conselho
mente o mesmo do Decreto nº 99.556/90, cuja
mudança perceptível é a substituição do termo
DECRETO Nº 6.640, DE 7 DE NOVEMBRO DE “homem” por “ser humano”. Os principais aspec-
2008 – COMENTADO tos de importância desta conceituação são: as ca-
vernas podem ter ou não aberturas identiicadas,
Cristiano Fernandes Ferreira
ou seja, podem estar oclusas no maciço e virem
Jocy Brandão Cruz
a ser descobertas por processos naturais ou an-
Jose Carlos Ribeiro Reino
trópicos, por exemplo, mineração; não importa
o termo utilizado, inclusive nomes diferentes da-
Equipe CECAV
queles descritos no parágrafo único (fenda, gruna,
Dá nova redação aos arts. 1º, 2º, 3º, 4º e 5º e acres- etc.), mas caracterizada a cavidade natural sub-
centa os arts. 5-A e 5-B ao Decreto nº 99.556, de 1º terrânea, esta será regida pelas regras deste De-
de outubro de 1990, que dispõe sobre a proteção creto; não importa o tamanho, será considerada
cavidade natural subterrânea até mesmo um es- com calcário, arenito com arenito, etc.).
paço subterrâneo de pequena dimensão, desde
§ 2º Para efeito deste Decreto, entende-se por en-
que possibilite a entrada do ser humano; é pos-
foque local a unidade espacial que engloba a ca-
sível a ocorrência de cavernas em vários tipos
vidade e sua área de inluência e, por enfoque
de rocha, mesmo pouco solúveis, como as gra-
regional, a unidade espacial que engloba no míni-
níticas, p.ex.
mo um grupo ou formação geológica e suas rela-
“Art. 2º A cavidade natural subterrânea será classi- ções com o ambiente no qual se insere.
icada de acordo com seu grau de relevância em Comentário: A abordagem dessas relações con-
máximo, alto, médio ou baixo, determinado pela fere à análise um caráter subjetivo e por vezes
análise de atributos ecológicos, biológicos, geoló- peculiar, já que características especíicas dos
gicos, hidrológicos, paleontológicos, cênicos, his- atributos, decorrentes de processos naturais im-
tórico-culturais e socioeconômicos, avaliados sob postos ao grupo ou à formação geológica, apre-
enfoque regional e local. sentam respostas (relações) também especíicas.
Comentário: A classiicação deve seguir a me- Por isso, buscou-se aprimorar a deinição de en-
todologia deinida na IN MMA nº 02/2009. Entre- foque regional por meio da Instrução Normati-
tanto, seja no Decreto, quanto na IN, a presença va MMA nº 02/2009 (Art. 14, §1º), a qual também
de qualquer atributo listado como de máxima reina a deinição de enfoque local.
relevância será conclusiva para a classiicação
A área de inluência das cavidades naturais sub-
(classiicação direta). Ressalta-se que a classii-
terrâneas será a projeção horizontal da caverna
cação depende da análise de todos os atributos
acrescida de um entorno de duzentos e cinqüen-
listados, bem como sob os dois enfoques, local e
ta metros, em forma de poligonal convexa (Reso-
regional, isto é, mesmo que a análise identiique
lução Conama nº 347/2004, Art.4º, § 3º). Porém,
um atributo que classiique a cavidade em de-
para que seja aplicado o disposto neste Decreto,
terminado grau de relevância, deverão ser ana-
ou seja, a avaliação de atributos sob o enfoque
lisados os demais atributos relacionados àquele
local é necessário que a área de inluência seja
grau e grau superior, alguns inclusive para o caso
deinida por estudos especíicos. Os estudos po-
de sua ausência. Mesmo para o caso de grau de
derão identiicar, inclusive, área de inluência di-
relevância máximo é necessária a análise de to-
ferente daquela pré-estabelecida na Resolução
dos os atributos previstos no § 4º deste artigo,
em referência.
visto que tais cavidades não podem ser objeto
de impactos negativos irreversíveis e, portanto, § 3º Os atributos das cavidades naturais subter-
fundamental conhecer os atributos descritos no râneas listados no caput serão classiicados, em
caput para efeito de eventual avaliação de im- termos de sua importância, em acentuados, signi-
pacto de empreendimentos/atividades próximas. icativos ou baixos.
O Decreto não estabelece cavidade natural sub- § 4º Entende-se por cavidade natural subterrânea
terrânea sem relevância, ou seja, toda cavidade com grau de relevância máximo aquela que pos-
passa a ter relevância . sui pelo menos um dos atributos listados abaixo:
§ 1º A análise dos atributos geológicos, para a de- I gênese única ou rara;
terminação do grau de relevância, deverá ser rea- II morfologia única;
lizada comparando cavidades da mesma litologia.
III dimensões notáveis em extensão, área ou
Comentário: A base de comparação é a litologia, fator volume;
determinante para a aplicação das normas (calcário
IV espeleotemas únicos;
Comentário: Não há uma deinição precisa so- ”Art. 4º A cavidade natural subterrânea classiicada
bre quais seriam tais “fatos novos”, entretanto, com grau de relevância alto, médio ou baixo po-
visto que têm de ser comprovados por estudos derá ser objeto de impactos negativos irreversíveis,
técnico-cientíicos, entende-se que deve haver mediante licenciamento ambiental.
certa formalidade para a apresentação dos fa-
§ 1º No caso de empreendimento que ocasione
tos (p.ex. denúncia, novos estudos, manifesta-
impacto negativo irreversível em cavidade natu-
ções em audiências públicas), bem como o rigor
ral subterrânea com grau de relevância alto, o em-
de uma análise técnica-cientíica. A alteração do
preendedor deverá adotar, como condição para o
nível mencionada no parágrafo deve ser encara-
licenciamento ambiental, medidas e ações para as-
da com seriedade, visto que pode acarretar tanto
segurar a preservação, em caráter permanente, de
na supressão de determinada cavidade, quanto
duas cavidades naturais subterrâneas, com o mes-
na inviabilidade de empreendimentos e ativida-
mo grau de relevância, de mesma litologia e com
des em licenciamento.
atributos similares à que sofreu o impacto, que se-
”Art. 3º A cavidade natural subterrânea com grau rão consideradas cavidades testemunho.
de relevância máximo e sua área de inluência não Comentário: Ponto sensível! Assegurar a preser-
podem ser objeto de impactos negativos irrever- vação das cavernas é condição para o licencia-
síveis, sendo que sua utilização deve fazer-se so- mento, porém, não há deinição no Decreto ou
mente dentro de condições que assegurem sua na I.N. da(s) forma(s) de preservação em caráter
integridade física e a manutenção do seu equilí- permanente. O Cecav remeteu questionamen-
brio ecológico." (NR) to à Procuradoria Federal Especializada junto
Comentário: Exemplos da utilização menciona- ao Instituto Chico Mendes solicitando esclareci-
da são os empreendimentos turísticos em caver- mentos a esta regra.
nas com o devido plano de manejo espeleológico
Existem sugestões: aquisição de terras, que conte-
aprovado, conforme previsto na Resolução Co-
nham as cavernas a serem preservadas (resultan-
nama nº 347/04.
tes da compensação citada no §1º), localizadas
Aos empreendimentos turísticos que porventura em unidades de conservação com pendência
prevejam impactos negativos irreversíveis na ca- de regularização fundiária para a sua doação
vidade a ser utilizada deverá ser aplicada a regra ao órgão ambiental competente (federal, esta-
estabelecida no Art. 5º-A, ou seja, o licenciamen- dual ou municipal), visando contribuir com a
to pelo órgão ambiental competente e a classii- regularização da UC e a proteção do patrimô-
cação do grau de relevância da cavidade natural nio espeleológico brasileiro, em comum acordo
subterrânea, observando os critérios estabeleci- com o empreendedor e o Instituto Chico Men-
dos pelo Ministério do Meio Ambiente. Caso a ca- des (Art. 4º, §3º).
vidade seja classiicada com grau de relevância
Outro aspecto importante é a similaridade de
máximo, se aplica o previsto no Art. 3º, caben-
atributos entre as cavernas impactadas e as pre-
do ao empreendedor, portanto, apresentar al-
servadas em compensação. Ressalta-se que as
ternativas que excluam os impactos negativos
cavernas preservadas passam ao grau de má-
irreversíveis a cavidade, caso contrário, o empre-
xima relevância por serem deinidas como cavi-
endimento deve ter o pedido de licenciamento
dades testemunho.
indeferido. No caso de cavernas com grau de re-
levância alto, médio ou baixo, se aplicam as re- § 2º A preservação das cavidades naturais sub-
gras previstas no Art. 4º. terrâneas, de que trata o § 1º, deverá, sempre que
possível, ser efetivada em área contínua e no mesmo Comentário: Competência do órgão responsá-
grupo geológico da cavidade que sofreu o impacto. vel pelo licenciamento ou daquele competente
para deinir compensações no âmbito do licencia-
§ 3º Não havendo, na área do empreendimento,
mento ambiental do empreendimento/ atividade.
outras cavidades representativas que possam ser
preservadas sob a forma de cavidades testemu- As medidas e ações mencionadas fazem par-
nho, o Instituto Chico Mendes poderá deinir, de te do conjunto de informações que deverão ser
comum acordo com o empreendedor, outras for- disponibilizadas para compor a base de dados
mas de compensação. do Cecav (Canie).
Comentário: Ponto sensível! Apesar de o Decre-
§ 5º No caso de empreendimento que ocasione
to mencionar a área do empreendimento como
impacto negativo irreversível em cavidade natural
unidade espacial para a compensação, é impor-
subterrânea com grau de relevância baixo, o em-
tante ressaltar que os estudos para a avaliação
preendedor não estará obrigado a adotar medidas
do grau de relevância podem extrapolar tais li-
e ações para assegurar a preservação de outras ca-
mites, principalmente para a avaliação de atri-
vidades naturais subterrâneas.“ (NR)
butos sob o enfoque regional.
Comentário: O disposto no parágrafo não exclui
O termo “outras formas de compensação” é en- outras formas de compensação ambiental, con-
tendido pelo Instituto Chico Mendes/Cecav como forme art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
uma alternativa para a compensação em área De acordo com o Art 5-A, § 4º: Em havendo impac-
diferente a área do empreendimento (UC p.ex.), tos negativos irreversíveis em cavidades naturais
e não como uma situação que exclua a preser- subterrâneas pelo empreendimento, a compen-
vação de outras cavidades de alta relevância. sação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº
9.985, de 18 de julho de 2000, deverá ser priorita-
Cabe ressaltar que o parágrafo é explícito em rela-
riamente destinada à criação e implementação
ção à atribuição do Instituto Chico Mendes para
de unidade de conservação em área de interes-
deinir, em comum acordo com o empreendedor,
se espeleológico, sempre que possível na região
tal compensação. Em outros parágrafos que tra-
do empreendimento. Portanto, não há impacto
tam de atribuições sob a competência de outros
negativo irreversível em cavidade natural sub-
entes, a norma utiliza o termo “órgão ambiental
terrânea sem a devida compensação ambien-
competente”. Por tanto, os casos previstos no § 3º
tal (ver § 4º, Art. 5º-A).
do Art.4º deverão ser oicialmente comunicados
ao Instituto Chico Mendes, o qual deverá avaliar ”Art. 5º A metodologia para a classiicação do grau
as propostas voltadas exclusivamente para a pro- de relevância das cavidades naturais subterrâneas,
teção do patrimônio espeleológico considerando o disposto no art. 2o, será estabele-
cida em ato normativo do Ministro de Estado do
§ 4º No caso de empreendimento que ocasione
Meio Ambiente, ouvidos o Instituto Chico Mendes,
impacto negativo irreversível em cavidade natu-
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-
ral subterrânea com grau de relevância médio, o
cursos Naturais Renováveis - IBAMA e demais se-
empreendedor deverá adotar medidas e inanciar
tores governamentais afetos ao tema, no prazo de
ações, nos termos deinidos pelo órgão ambiental
sessenta dias, contados da data de publicação des-
competente, que contribuam para a conservação e
te Decreto." (NR)
o uso adequado do patrimônio espeleológico bra-
sileiro, especialmente das cavidades naturais sub- Comentário: I.N. MMA nº 2 de 2009.
terrâneas com grau de relevância máximo e alto.
Art. 2º Fica acrescido os arts. 5-A e 5-B ao Decreto
nº 99.556, de 1990, com a seguinte redação: em cavidades naturais subterrâneas pelo empre-
endimento, a compensação ambiental de que tra-
“Art. 5º-A A localização, construção, instalação,
ta o art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000,
ampliação, modiicação e operação de empre-
deverá ser prioritariamente destinada à criação e
endimentos e atividades, considerados efetiva ou
implementação de unidade de conservação em
potencialmente poluidores ou degradadores de ca-
área de interesse espeleológico, sempre que pos-
vidades naturais subterrâneas, bem como de sua
sível na região do empreendimento." (NR)
área de inluência, dependerão de prévio licencia-
mento pelo órgão ambiental competente. Comentário: Não há impacto negativo irreversí-
vel em cavidade natural subterrânea sem a devi-
Comentário: Considera uma variedade de em-
da compensação ambiental. O parágrafo dirime
preendimentos além da mineração, p.ex. hidre-
eventual incerteza quanto à obrigatoriedade de
létricas, agricultura, assentamentos, rodovias,
efetuar compensação ambiental em casos de
turismo, além de atividades, inclusive a pesquisa
impactos em cavidade natural subterrânea com
mineral, as quais, dependendo de suas caracte-
grau de relevância baixo (art. 4 º, § 5º). De outra
rísticas, são efetiva ou potencialmente poluido-
forma cavidades de relevância baixa não teriam
res ou degradadores.
qualquer tipo de compensação.
§ 1º O órgão ambiental competente, no âmbito
”Art. 5º-B Cabe à União, por intermédio do IBAMA e
do processo de licenciamento ambiental, deverá
do Instituto Chico Mendes, aos Estados, ao Distrito
classiicar o grau de relevância da cavidade natu-
Federal e aos Municípios, no exercício da compe-
ral subterrânea, observando os critérios estabele-
tência comum a que se refere o art. 23 da Consti-
cidos pelo Ministério do Meio Ambiente.
tuição, preservar, conservar, iscalizar e controlar o
Comentário: É competência do órgão ambiental uso do patrimônio espeleológico brasileiro, bem
responsável pelo licenciamento de tais empreen- como fomentar levantamentos, estudos e pesqui-
dimentos e atividades. A classiicação decorre da sas que possibilitem ampliar o conhecimento so-
análise dos estudos apresentados pelo empreen- bre as cavidades naturais subterrâneas existentes
dedor, os quais devem ser elaborados conforme a no território nacional.
metodologia estabelecida na IN MMA nº 2/2009.
Comentário: Entretanto, ao Instituto Chico Men-
§ 2º Os estudos para deinição do grau de relevân- des não compete o licenciamento ambiental
cia das cavidades naturais subterrâneas impacta- dos empreendimentos e atividades especiica-
das deverão ocorrer a expensas do responsável dos neste Decreto.
pelo empreendimento ou atividade.
Quanto à iscalização, o Instituto Chico Mendes
§ 3º Os empreendimentos ou atividades já instala- tem a competência para iscalizar apenas as ca-
dos ou iniciados terão prazo de noventa dias, após vidades localizadas em unidade de conservação
a publicação do ato normativo de que trata o art. federal, seu entorno e área de amortecimento.
5º, para protocolar junto ao órgão ambiental com-
petente solicitação de adequação aos termos des- Parágrafo único. Os órgãos ambientais podem efe-
te Decreto. tivar, na forma da lei, acordos, convênios, ajustes e
contratos com entidades públicas ou privadas, na-
Comentário: a IN MMA nº 2/2009 foi publicada
cionais, internacionais ou estrangeiras, para auxiliá-
em 20 de agosto de 2009, logo, o prazo de 90 dias
los nas ações de preservação e conservação, bem
expirou em 19 de novembro de 2009.
como de fomento aos levantamentos, estudos e
§ 4º Em havendo impactos negativos irreversíveis pesquisas que possibilitem ampliar o conhecimento
Art. 3° Entende-se por cavidade natural subterrânea Art. 6° Entende-se por cavidade natural subterrâ-
com grau de relevância máximo aquela que pos- nea com grau de relevância baixo aquela cuja im-
sui pelo menos um dos atributos listados abaixo: portância de seus atributos seja considerada:
I gênese única ou rara; I signiicativa sob enfoque local e baixa sob en-
foque regional; ou
XXII Visitação pública sistemática na cavidade, com XI Visitação pública sistemática na cavidade, com
abrangência regional ou nacional. abrangência local;
XII Presença de água de percolação ou condensa-
Comentário: Em caso de CNS considerada de
ção com inluência acentuada sobre os atribu-
alta relevância por este fator, deve-se considerar
tos da cavidade que tenham as conigurações
que as outras duas cavidades a serem deinidas
relacionadas nos incisos deste artigo;
como compensação também deverão ser turís-
ticas. Para tanto, devem ser elaborados os Pla- Comentário: Exceção ao comentário do Caput.
nos de Manejo Espeleológicos das outras duas Este inciso somente será considerado se houver
cavernas com esse potencial. (Artigo 6º, Resolu- outro atributo da lista na mesma caverna, ou
ção CONAMA nº 347/2004). seja, sua aplicação depende de outro atributo
para classiicar a caverna como, no mínimo, de
Parágrafo único. Para efeitos de classiicação, tam-
média relevância.
bém serão considerados como de importância
acentuada sob o enfoque regional os atributos com XIII Lago ou drenagem subterrânea intermitente
as conigurações listadas nos incisos desse artigo. com inluência acentuada sobre os atributos
da cavidade que tenham as conigurações re-
Art. 8° Para efeito de classiicação do grau de rele-
lacionadas nos incisos deste artigo.
vância de uma cavidade serão considerados de im-
portância acentuada sob enfoque local, os atributos Comentário: Exceção ao comentário do Caput.
com pelo menos uma das seguintes conigurações: Este inciso somente será considerado se houver
Comentário: Havendo a ocorrência de pelo outro atributo da lista na mesma caverna, ou
menos uma das conigurações listadas, a ca- seja, sua aplicação depende de outro atributo
verna será considerada de acentuada impor- para classiicar a caverna como, no mínimo, de
tância local, ou seja, no mínimo como de médio média relevância.
grau de relevância, considerando-se os artigos
Art. 9° Para efeito de classiicação do grau de re-
4º e 5º desta.
levância de uma cavidade serão considerados de
I População residente de quirópteros; importância signiicativa sob enfoque local e regio-
nal, os atributos com pelo menos uma das seguin-
II Constatação de uso da cavidade por aves sil-
tes conigurações:
vestres como local de nidiicação;
III Alta diversidade de substratos orgânicos; Comentário: Ocorrendo ao menos uma das con-
igurações listadas, a caverna será considerada
IV Média riqueza de espécies;
de signiicativa importância local e regional, ou
V Média abundância relativa de espécies; seja, de média relevância, considerando-se o ar-
VI Constatação de uso da cavidade por espécies tigo 5º desta IN.
migratórias;
I Presença de singularidade dos elementos fau-
VII Presença de singularidade dos elementos fau- nísticos sob enfoque regional;
nísticos da cavidade sob enfoque local;
II Média projeção horizontal da cavidade em re-
VIII Presença de estrutura geológica de interesse lação às demais cavidades que se distribuem
cientíico; na mesma unidade espeleológica, conforme
IX Presença de registros paleontológicos; deinido no § 3o do art. 14, desta Instrução
X Reconhecimento local do valor estético/cêni- Normativa;
co da cavidade; III Média área da projeção horizontal da cavidade
em relação às demais cavidades que se dis- com pelo menos uma das seguintes conigurações:
tribuem na mesma unidade espeleológica,
Comentário: Havendo a ocorrência de pelo
conforme deinido no § 3o do art. 14, desta
menos uma das configurações listadas, a ca-
Instrução Normativa
verna será considerada de significativa im-
IV Alto desnível da cavidade em relação às de- portância local. Entretanto, essa ocorrência
mais cavidades que se distribuem na mesma isolada não define a relevância da cavida-
unidade espeleológica, conforme deinido no de, sendo necessário definir a sua importân-
§ 3o do art. 14, desta Instrução Normativa; cia regional.
V Médio volume da cavidade em relação às de-
I Baixa diversidade de substratos orgânicos;
mais cavidades que se distribuem na mesma
II Baixa riqueza de espécies;
unidade espeleológica, conforme deinido no
§ 3o do art. 14, desta Instrução Normativa; III Baixa abundância relativa de espécies;
§ 2° As análises referentes ao enfoque regional são Comentário: Todos os incisos devem ser demons-
delimitadas pela unidade espeleológica. trados nos estudos de aplicação da metodologia.
As consultas relatadas podem ser demonstradas
§ 3° Entende-se por unidade espeleológica a área
através de atas ou outros documentos.
com homogeneidade isiográica, geralmente as-
sociada à ocorrência de rochas solúveis, que pode Parágrafo único Os proissionais responsáveis pela
congregar diversas formas do relevo cárstico e pseu- realização dos estudos espeleológicos devem estar
docárstico tais como dolinas, sumidouros, ressur- inscritos no Cadastro Técnico Federal.
gências, vale cegos, lapiás e cavernas, delimitada
Art. 16° A aprovação dos estudos espeleológicos
por um conjunto de fatores ambientais especíicos
para ins de classiicação do grau de relevância de
para a sua formação.
cavidades naturais subterrâneas está condicionada
Comentário: Os efeitos de diversos fatores am- à apresentação de informações suicientes à com-
bientais (clima, vegetação, hidrologia, estru- preensão do ecossistema cavernícola.
turais, etc.) ao longo do tempo evidenciam a
§ 1° Os estudos biológicos devem levar em consi-
diferenciação de compartimentos em um mes-
deração também o sistema subterrâneo, do qual a
mo grupo ou formação geológica, demons-
cavidade natural subterrânea faz parte.
trando a importância de caracterizar áreas
com características homogêneas, porém di- Comentário: Sistema Subterrâneo - conjunto de
ferenciadas em relação às demais porventu- espaços interconectados da subsuperfície, de ta-
ra existentes no grupo ou formação geológica manhos variáveis (desde issuras diminutas até
e assim adequar as análises espeleológicas às grandes galerias e salões), formando grandes
especificidades das áreas estudadas.. redes de espaços heterogêneos, que podem ser
preenchidos por água ou ar (Anexo II). Cavernas
§ 4° Os estudos espeleológicos poderão utilizar
funcionam como “janelas”.
métodos analíticos e descritivos para a avaliação e
a integração de dados e informações. § 2° Os levantamentos biológicos devem atender
o mínimo de um ciclo anual com, pelo menos,
Art. 15° Os estudos espeleológicos devem ser re-
duas amostragens por ano, sendo uma na estação
alizados por equipes interdisciplinares contendo,
chuvosa e outra na estação seca, visando minima-
pelo menos:
mente revelar aspectos decorrentes da sazonali-
I Levantamento bibliográico e cartográico;
dade climática.
II Coleta e análise de dados de campo
Comentário: Na maioria das regiões brasileiras
multitemporais;
é possível a realização das coletas em seis me-
Comentário: Dados multitemporais: vide art. ses. Por meio de um adequado planejamento
16º, parágrafos 2º e 3º desta IN das coletas, em menos de um ano é possível ob-
ter resultados para os estudos bioespeleológicos.
III Análise de laboratório; Entretanto, tal celeridade pode também não re-
IV Processamento e integração de dados e infor- letir a realidade bioespeleológica das cavernas,
mações; e que podem ter ciclos diferentes dos anuais. Res-
V Consulta a especialistas, comunidades locais, salta-se que este período de tempo é menor que
comunidade espeleológica e instituições de o mínimo necessário para se observar as varia-
ensino e pesquisa. ções sazonais, bem como padrões rítmicos esta-
tisticamente signiicantes.
§ 3° Em regiões que não apresentem estações seca do referido instituto no âmbito dos processos de
e chuvosa bem deinidas, as amostragens deverão licenciamento ambiental.
ser realizadas em duas estações com característi-
Art. 18° Constatada a presença de agentes pato-
cas climáticas distintas.
gênicos e vetores de doença nas cavidades estu-
§ 4° Fica dispensada a obrigatoriedade de répli- dadas, o fato deverá ser informado às autoridades
ca nas amostragens biológicas em cavidade natu- de saúde pública.
ral subterrânea na qual seja identiicado atributo
Comentário: As principais ocorrências são: his-
que a classiique com grau de relevância máximo.
toplasmose (fezes de morcegos), leishmaniose
§ 5° As variáveis dos atributos "Riqueza de espé- (mosquito palha), etc. São necessários cuidados
cies" e "Abundância relativa de espécies" deverão especiais para vistorias.
ser deinidas comparando-se com outras cavida-
des da mesma litologia sob enfoque local. Art. 19° Qualquer impacto negativo irreversível de-
verá ser precedido de registro e armazenamento
§ 6° Não havendo base de comparação sob enfo-
cartográico e fotográico, bem como de inventá-
que local quanto às variáveis dos atributos "Rique-
rio e coleta de espeleotemas e elementos geoló-
za de espécies" e "Abundância relativa de espécies",
gicos e biológicos representativos do ecossistema
mediante justiicativa técnico-cientíica, esta com-
cavernícola, compreendendo o resgate, transpor-
paração poderá ser feita sob enfoque regional.
te adequado e a destinação a coleções cientíicas
§ 7° A identiicação dos organismos deve ser re- institucionais.
alizada até o nível de espécie, sendo facultada,
Comentário: Atribuição do responsável pelo
mediante justiicativa técnico-cientíica, a identi-
empreendimento/atividade. As informações re-
icação até categorias taxonômicas hierarquica-
lacionadas às medidas exigidas no artigo serão
mente superiores.
inseridas no CANIE.
§ 8° Nos casos em que não for identiicada a es-
pécie, os atributos "Riqueza de espécies" e "Abun- A respeito de autorizações para “coleta para ela-
dância relativa de espécies" deverão ser analisados boração de EIA-RIMA” compete ao próprio órgão
considerando o número de morfo-espécies. licenciador dar a autorização, sem a necessida-
de de análise e manifestação do Cecav. Caso seja
§ 9° Os procedimentos de levantamento faunísti-
de interesse do órgão licenciador, o Cecav poderá
co devem seguir métodos consagrados ou de ei-
fornecer orientações a respeito dos métodos de
cácia comprovada cientiicamente.
coletas mais adequados/utilizados para o am-
Art. 17° O atributo referente à destacada relevân- biente cavernícola.
cia histórico-cultural ou religiosa de uma cavidade,
previsto no inciso XI do § 4º do art. 2o do Decreto Sugere-se que em caso de “coletas para salvamen-
no 99.556, de 1990, será objeto de avaliação pelo to e transporte”, a autorização conste na própria
órgão competente. licença ambiental deferida ao empreendimento
Comentário: Considerando que o Decreto Parágrafo único. São vedados impactos negativos
6.640/08 estabelece o atributo “relevância histó- irreversíveis em cavidades que apresentem ocor-
rico-cultural ou religiosa de uma cavidade”, e que rência de táxons novos até que seja realizada a sua
durante reunião com representantes do IPHAN foi descrição cientíica formal.
argumentado que a análise e deinição de tal atri- Art. 20° O Instituto Chico Mendes de Conservação
buto competem àquele Instituto, resta estabelecer da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, no pra-
os procedimentos para se obter a manifestação zo de 90 dias, deverá instituir o Cadastro Nacional
ao Ministério do Meio Ambiente o aprimoramen- Art. 23° Esta Instrução Normativa deverá ser revis-
to das regras técnicas previstas, sempre que en- ta em um prazo máximo de dois anos contados
tender necessário da data de publicação desta Instrução Normativa.
Comentário: O comitê prevê a participação de re- Art. 24° Ficam aprovados os Anexos I, II e III como
presentantes dos órgãos de meio ambiente licen- parte integrante desta Instrução Normativa.
ciadores de empreendimentos e atividades que
Art. 25° Esta Instrução Normativa entra em vigor
envolvem o uso de cavidades. O cumprimento das
na data de sua publicação.
regras estabelecidas nesta IN visa, portanto, re-
sultados além dos licenciamentos em referência, CARLOS MINC
já que por meio do tratamento das informações
oriundas de estudos espeleológicos, e das respec-
tivas análises dos órgãos licenciadores poderão
ser aperfeiçoadas as regras então estabelecidas,
bem como o aprimoramento dos instrumentos
relacionados ao controle e uso das cavidades na-
turais subterrâneas.
a) Licenciamento do ICMBio;
b) Licenciamento do IBAMA;
d) Redespeleo;
ANEXO I
Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
Localidade tipo Caverna. citada como local geográfico de onde Presença
foram coletados os exemplares tipo utilizados na Ausência
descrição de determinada espécie ou táxon
superior.
Espécies com função Presença de populações estabelecidas de espécies Presença
ecológica importante com função ecológica importante (polinizadores, Ausência
dispersores de sementes e morcegos insetívoros)
que possuam relação significativa com a cavidade.
População residente de Conjunto de indivíduos pertencentes a mesma Presença
quirópteros espécie , cuja presença contínua na cavidade seja Ausência
observada por um período mínimo de um mês,
caracterizando a inter-relação com o ecossistema
cavernícola para a sua sobrevivência.
Local de nidificação de Utilização da cavidade por aves silvestres como Constatação de uso
aves silvestres local de nidificação.
Uso não constatado
Diversidade de Substratos potenciais ao estabelecimento de Alta
substratos orgânicos fauna cavernícola, incluindo os ambientes
aquático e terrestre (avaliação qualitativa dos Baixa
substratos). Devem ser considerados 7 tipos
diferentes de substrato:
-Guano (morcegos, aves, insetos)
-Material vegetal
-Detritos
-Raízes
-Carcaças
-Fezes de vertebrados não voadores
-Bolotas de regurgitação.
Táxons novos Ocorrência de animais pertencentes a táxons Presença
ainda não descritos formalmente. Ausência
Riqueza de espécies Estimativa do número de espécies presentes na Alta
caverna. Média
Baixa
Abundância relativa de Estimativa da quantidade de indivíduos de cada Alta (30% ou mais das
espécies espécie, considerando vertebrados e os espécies apresentam
invertebrados cujos adultos possuam tamanho abundância alta)
corporal igual ou superior a 1 cm. Média (de 10% a 20% das
espécies apresentam
abundância alta)
Baixa (menos de 10% das
espécies apresentam
abundância alta)
Composição singular da Ocorrência de populações estabelecidas de Presença
fauna espécies de grupos pouco comuns ao ambiente
Ausência
cavernícola.
Troglóbios Animais de ocorrência restrita ao ambiente Presença de espécies não
subterrâneo. consideradas raras,
endêmicas ou relictas
TABELA II - continuação
Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
Ausência
Espécies troglomórficas Ocorrência de animais cujas características Presença
morfológicas revelem especialização decorrente Ausência
do isolamento no ambiente subterrâneo.
Trogloxeno obrigatório Trogloxeno que precisa necessariamente utilizar a Presença
cavidade para completar seu ciclo de vida. Ausência
TABELA II - continuação
Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
pendentes, meios tubos, box work e Presença de estruturas
assemelhados), padrões morfológicos ou seções espeleogenéticas raras
geométricas, sob enfoque regional.
Estruturas
espeleogenéticas sem
destaque ou ausentes
Estruturas geológicas Estrutura na rocha matriz de importância científica Presença
de interesse científico (ex. contatos, tectonismo, mineralogia).
Ausência
Água de percolação ou Infiltração de água através de poros, diáclases, Presença significativa
condensação falhas, ou umidade existente na atmosfera da Não significativa ou
caverna sob a forma condensada e sua influência ausente
sobre o sistema hídrico e biótico.
Lago ou drenagem Corpo ou curso d'água, perene ou intermitente, Perene
subterrânea presente na cavidade. Sua relação (influência e/ou Intermitente e
contribuição) com a dinâmica hídrica e biológica, significativa para o
local e regional. sistema hidrológico ou
biológico
Intermitente e
significativa para a
cavidade
Não significativo ou
ausente
Diversidade da Complexidade da deposição secundária de Muitos tipos de
sedimentação química minerais presentes em solução em relação aos espeleotemas e
tipos de espeleotemas (diversidade genética, processos de deposição
morfológica e mineral) e processos (água Muitos tipos de
estagnada, circulante ou de exsudação, etc.). espeleotemas ou
processos de deposição
Poucos tipos e processos
Ausência de tipos e
processos
Configuração dos Aspecto, maturidade ou abundância dos Notável
espeleotemas depósitos minerais secundários.
Pouco significativo
Sedimentação clástica Interesse/importância científica ou didática Presença com valor
ou química (biológica, climática, paleoclimática, científico
antropológica, paleontologia) da deposição de
fragmentos desagregados de rochas, solos e Presença sem valor
outros acúmulos sedimentares, inclusive científico ou ausência
orgânicos, de tamanhos diversos, associada à
dinâmica hidrológica, morfológica, ou da
deposição secundária de minerais presentes em
solução.
Registros Fósseis de animais e vegetais (restos, vestígios). Presença
paleontológicos
Ausência
Influência sobre o Influência da cavidade sobre as demais estruturas Alta
sistema cárstico e funções do sistema cárstico, inclusive sua Baixa
importância para a manutenção da estabilidade
estrutural do sistema (ex.: subsidências).
TABELA II - continuação
Atributo considerado
para classificação do
Conceito Variável
grau de relevância das
cavidades
Inter-relação da Sobreposição de áreas de influência. Presença
cavidade com alguma
Ausência
de relevância máxima
Reconhecimento do Reconhecimento do valor paisagístico atribuído à Nacional/Mundial
Valor estético/cênico cavidade (paisagem subterrânea ou superficial). Regional
Local
Sem reconhecimento
Uso educacional, Ocorrência de visitação por grupo de usuários Constante, periódico ou
recreativo ou esportivo com interesse específico à investigação ou sistemático
exploração espeleológica, recreação ou esporte. Esporádico, casual
Sem utilização
Visitação Pública Visitação de interesse difuso. Com Plano de Manejo
(aprovado ou em
elaboração)
Periódica ou sistemática
Esporádico ou casual
Sem utilização
ANEXO II
Glossário
Anexo III:
Importância ALTA
Acentuada RELEVÂNCIA
ENFOQUE Importância ENFOQUE
REGIONAL Significativa LOCAL
Importância MÉDIA
Significativa RELEVÂNCIA
Importância MÉDIA
Acentuada RELEVÂNCIA
Importância BAIXA
Baixa RELEVÂNCIA
impressão e encadernação
COPIADORA COPIAR