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Notas sobre a educação em tempos contemporâneos: ensaio sobre a nova ordem mundial
Arapiraca, 2018
Ϯ
Há escolas que
são gaiolas e há escolas que são asas.
Rubem Alves
ϯ
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................................04
Este trabalho nasce a partir das preocupações dos pesquisadores com a educação e com
a contemporaneidade. Teve como foco a compreensão da educação nos tempos atuais marcada
cada vez mais pelas condições contemporâneas as quais todos nós estamos imersos.
Um artigo que surgiu diante do questionamento profundamente atual acerca do fazer do
professor nos dias de hoje. Nasceu da possibilidade de compreendermos melhor o cenário em
que a educação contemporânea está inserida. Este trabalho Esta produção tem grande
importância enorme por colocar em diálogo a educação e a contemporaneidade, com o objetivo
de possibilitar reflexões úteis e necessárias para sobre a formação de professores, e dessa forma,
tendo como meta contribuir para a melhoria dos processos do ensino e da aprendizagem e,
conseqüentemente, para o desenvolvimento da educação no século XXI.
Dessa forma, este artigo assume um caráter reflexivo e formativo suscitando
reflexões sobre os dias de hoje, assim como e, porque não, também sobre práticas educativa,
instigando os professores a repensarem as vivências cotidianas na sala de aula.
A educação contemporânea, de acordo com Castro (2004), assumiu um novo sentido
nesse novo século, tendo em vista às mudanças da sociedade que implicam mudanças profundas
em níveis sociais e educacionais. O paradigma dominante que se caracteriza pela estabilidade
concede lugar ao paradigma emergente que se caracteriza pela tripla tirania da tecnologia, do
consumo e da informação, assim como, por estratégias de governo da vida, como a
criminalização, medicalização e judicialização (Fonsêca, 2017). Imersos neste mundo, os
educadores precisam repensar seus fazeres e práticas pedagógicas na perspectiva de atuar na
direção de uma educação transformadora que tenha como meta a justiça social. Importante
repensar e ressignificar as práticas pedagógicas, no coletivo, de modo que possamos promover
inovações curriculares, tendo em vista que estas consistam em mudanças.
A instituição educativa, de acordo com Silva (2017), não é apenas uma instituição que
reproduz relações sociais e valores dominantes, mas é também uma instituição de confronto, de
resistência e proposição de inovações.Fundamental problematizações que potencializem novos
diálogos entre os pares envolvidos no processo educativo. Emerge dessa realidade a necessidade
dos cursos de formação de professores que contribuam para o desenvolvimento da postura
crítica dos educadores, implicando cada vez mais em compreensão da realidade contemporânea
para transformá-la. A articulação entre a formação inicial e a formação continuada precisa ter no
seu cerne a formação de um professor crítico que contribua para a formação de cidadãos que
participem dos processos de mudança, em prol da construção de uma sociedade democrática,
em que haja valorização da diversidade, ética e tolerância, tão necessárias para a convivência
humana.
ϱ
Pensar um currículo inovador, dessa forma, requer, pois pensar a ressignificação de
práticas pedagógicas que fomentem a cooperação, o coletivo e a inclusão, no lugar da
competição, do individualismo e da exclusão, e desenvolvendo cada vez mais um compromisso
político, social e ético.
Pesquisas em nosso país tem cada vez mais demonstrado o quanto a formação
acadêmica oferecida pelas universidades parecem deixar a desejar em relaçao as expectativas
dos egressos que trabalham.
A evolução das sociedades nas últimas décadas, vem exigindo que o paradigma da
formação do/a professor/a para este século, seja sustentado por pressupostos teórico-práticos
bastante complexos e completos, de forma a dar uma resposta com qualidade às múltiplas e
crescentes demandas de educação.
Uma das preocupações dos últimos anos das políticas educativas, conforme Silva
(2017), foi definir o papel que desempenha a educação no actual contexto nacional e
internacional, preconizar os fins e objetivos principais e estabelecer os tipos de conhecimentos e
de habilidades necessários para enfrentar os problemas locais e globais. Na realidade, tem-se
procurado a promoção da educação integral do indivíduo na perspectiva de desenvolvimento
humano, num mundo em constantes mudanças, que cada vez mais vem contribuindo para a
produção de desigualdades sociais.
Neste contexto, o/a professor/a e a escola têm novas tarefas e é-lhes exigido uma grande
responsabilidade. O/A professor/a tem de possuir para além de conhecimentos técnicos e
científicos, competências inovadoras como o domínio de tecnologias, sem as quais não pode
competir no mundo atual. Segundo Antunes (2004) a formação aparece de novo como o
instrumento mais potente para democratizar o acesso das pessoas à cultura, à informação e ao
trabalho.
Importante, frente a este cenário, situar o currículo no contexto de um mundo
multicultural dominado pela lógica neoliberal. É ao neoliberalismo, em síntese, que se deve
associar tanto a intensificação das dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria da
população do globo terrestre como o desaparecimento progressivo de universos mais autônomos
de produção cultural. Segundo Bordieu (1998, apud Silva, 2017), a destruição das bases
econômicas e sociais das aquisições culturais da humanidade, que se verifica nas sociedades
neoliberais contemporâneas, tem, crescentemente, subordinado a esfera cultural aos interesses
comerciais, empresariais, burocráticos ou estatais dominantes, tornando-a cada vez mais
dependente desses mesmos interesses. Uma ordem social que se pauta pela busca do interesse
egoísta ou /e pela paixão individual pelo lucro.
Hoje, de acordo com Unger (2001), vivemos num mundo que é fruto amargo desta
dinâmica, cujo desdobramento realiza-se em múltiplos níveis em que os vínculos sociais são
rompidos e as relações humanas dissolvem-se. Em algum nível, quer queiramos ou não, cada
um de nós está sendo interpelado a viver agonias, rupturas e tensões oriundas de toda a parte.
O capitalismo avançado consome e desagrega tudo que encontra pela frente, numa
velocidade inédita e por que não assustadora, construindo um mundo nunca visto antes. A
lógica da corrida, que a partir do advento da tripla tirania e tendo a velocidade como valor
máximo, dificulta cada vez mais o contato humano.
ϴ
Interessante descrevermos algumas repercussões desta sociedade contemporânea que
vive sob o ataque cerrado destas experiências carregadas de tensão, caracterizando-se, cada vez
mais, pela incapacidade de apreender suficientemente e dominar soberanamente a variedade
dinâmica que a envolve e a enlaça.
Desvinculado de suas raízes, e cada vez mais funcional, vendo-se apenas como
instrumento, caracterizado pela ocupação utilitária de si e do mundo, o sujeito contemporâneo
busca aplicar estratégias de normatização com vistas a evitar a diferença, a alteridade, o inter-
humano e, portanto, o conflito. No entanto, o conflito, a diferença, a alteridade é parte
inerradicável da vida conjunta dos seres humanos.
ϵ
Na busca inócua de anular a alteridade, o sujeito contemporâneo busca a padronização e
homogeneização dos comportamentos. Nesse sentido, torna-se ainda mais comum, o uso de
especialistas visando dirimir a insuportável diferença (Rosário, s.d.).
Nos dias de hoje, de acordo com Lazarrini & Viana (2010), vivemos uma educação que
se vê compelida por uma revolução calcada nos avanços científicos e tecnológicos, muitas vezes
em descompasso com a possibilidade de apreensão imediata do indivíduo; uma sociedade
competitiva que tem gerado o empobrecimento da experiência coletiva e valorizado os
interesses e as demandas íntimas, privadas, o bem estar pessoal em detrimento do bem estar
coletivo. Com isso, a solidariedade é interrompida ou dificultada, uma vez que as pessoas não se
reconhecem como tendo os mesmos interesses.
Vivemos uma era digital, extremamente técnológica, que impõe a técnica, geradora do
modo de ser funcional como um modo superior e mais verdadeiro. Uma era que exige que o
humano acompanhe o ritmo e a cadência da produção capitalista. Ambiente voraz onde o
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sujeito, assim como o trabalhador, ficam reduzidos à capacidade produtiva, ou seja, ao
funcional. No conjunto, conforme Gonçalves Filho (1998), o homem é incorporado como mais
um fator desse cálculo preciso da rentabilidade, seu corpo já não é um corpo próprio; é mais um
dos mecanismos desse ambiente voraz, lugar onde a tecnologia exige alimentação contínua de
suas peças. Reduzido ao modo de ser funcional, utilitário, a um contínuo processo de
racionalização instrumental, a uma constante alimentação de uma engrenagem maior, vive um
tempo extremamente aprisionador, conforme Bosi (2003), levando o sujeito a pensar que deve
estar à disposição desse sistema que nunca para.
O humano precede à técnica, do ponto vista existencial, mas parece que este
pensamento anda esquecido. O que temos percebido é justamente um excesso de tecnificação da
existência gerando profunda desumanização (Castro & Zanelli, 2010). No entanto, segundo
Santos; Tunes & Bartholo Júnior (2006), na contemporaneidade vivemos da absurda visão de
que os sistemas de produção e re-produção globais ao se utilizarem da terra como recurso, por
meio da técnica, e tendo como parâmetro a razão instrumental, pensam dela poder prescindir,
assim como das relações humanas. Nutre-se do fruto, nega-se a árvore; nutre-se do homem,
nega-se suas raízes, nega-se seu húmus, sua ligação terrena pela crença de que, com
instrumentalidade, pode-se fazer nascer uma nova árvore, um novo humano em solo postiço.
Artificialidade em cima de artificialidade, essa é a marca de um mundo mobilizado por relações
ultraindividualistas onde o sucesso, o bem estar individual e a competição acirrada imperam.
A impressão que temos é que a sociedade se transformou num vale-tudo, onde não se
tem mais certeza do que é bom ou mau, correto e incorreto. E, sobretudo, parece que os valores
que mais se impõem são os de caráter individualista, funcionalista e utilitário. A razão,
distanciada do mundo circundante, desimpregnada pelos sentidos comunitários, passa a ser
promotora da cultura do efêmero, da cultura da fragmentação e da cultura da desesperança.
Importante hoje é o luxo, o lucro, o egocentrismo e a onipotência.
Para este autor (2001), o consumo, na nossa sociedade, é uma tentativa de escapar da
agonia a que está submetido o homem contemporâneo, como uma forma de estar livre do medo
do erro, da negligência ou da incompetência. Enquanto certo desencanto, artificialidade e
esgotamento são consequências da dimensão tecnológica em nossa sociedade, no que se refere
ao consumo podemos dizer que o desamparo, segundo Fortes (2009), será uma dimensão
extremamente presente, elevado a dimensão traumática (Francisco, 2012). Pois, em um mundo
extremamente tecnificado, do ponto de vista existencial, gerador de profundo individualismo,
solidão, isolamento, distanciamento da outridade de si e do outro, tende a gerar profundo
desamparo. O indivíduo acaba não tendo onde se apoiar, não tendo em quem confiar. Percebe-
se, assim, que o mercado nutre-se da infelicidade que gera ± dos medos, das ansiedades, dos
sofrimentos de inadequação pesssoal, induzindo e liberando comportamentos consumidores.
Diante desse novo modo de vida contemporâneo, que afeta sobremaneira a educação,
faz-se necessário compreender o circuito consumista ao qual todos nós estamos submetidos,
quer queiramos ou não. A obsessão de comprar é certamente a expressão dos instintos
hedonistas, mas pode ser vista, por outro lado, como paliativo frente às inseguranças e
incertezas que inquietam o homem atual. A compulsão consumista, segundo Fortes (2009), não
é apenas o extravasamento da busca incessante de sensações prazerosas, mas constitui-se,
também, numa espécie de compensação diante do desamparo subjetivo contemporâneo. O
comprar compulsivo é considerado um ritual feito à luz do dia para exorcizar as horrendas
aparições das incertezas que assombram as noites (Bauman, 2001).
O caráter descartável das mercadorias cria ansiedade por uma próxima novidade, pelo
modelo mais novo, movimentando o ciclo de produção e geração de lucro do modelo
FDSLWDOLVWD 0RYLPHQWDomR HP SURO GH XP ~QLFR YDORU VHJXQGR (QULTXH] ³7XGR VH FRPSUD H
WXGR VH YHQGH´ FXMD WHQWDWLYD p HOLPLQDU DV GLIHUHQoDV YLD PDVVLILFDomR YLD
homogeneização das identidades (Rosário, s.d.).
A regra vigente na era do consumo é não sofrer, e a proposta que reina soberana é a de
ter felicidade como horizonte de todos os acontecimentos da vida. Hoje, aquele que não
consegue ser feliz é visto como uma pessoa fraca e mereFHGRUDGHFXOSD1RVQRVVRVGLDVµWRGD
WULVWH]D p YHUJRQKRVD LQMXVWLILFDGD H SDWyORJLFD¶ Felicidade caracterizada e exacerbada pela
imposição e busca constante e sem restrições de consumo.
Nesta lógica, há uma redução da figura da alteridade, pois o outro ser humano pode
tornar-se objeto de consumo, servindo como mero instrumento de uso e só existindo enquanto
meio de alimentar momentaneamente o eu, e não como relação inter-humana. Há, assim, uma
relação predatória do outro e de si mesmo, uma deterioração das relações interpessoais.
Somos, hoje, consumidores por excelência, não só de produtos, relações, pessoas, como
de informações, sem capacidade de questionar o que ingerimos, adormecidos em uma
passividade aviltante. UPDHUDµIDVWIRRG¶QmRVyGHSURGXWRVGHLQIRUPDo}HVPDVGHVXMHLWRV
Um homem marcado pela má digestão, que degenera sua vitalidade, que como uma
espécie de rato corrói suas entranhas, e que quanto mais o corrói, mais o separa de si e dos
outros, convertendo-RQXPJUDQGHGHSyVLWRGHLPSUHVV}HVSVLFROyJLFDVµPDOGLJHULGDV¶
Tornando-VH GLVSpSWLFR R VXMHLWR QmR VH OLYUD GH QDGD QmR µGi FRQWD¶ GH QDGD 0DLV
literalmente ainda: não dando conta de nada, tal homem nunca fica pronto para o novo, para o
ϭϱ
presente, para as novas experiências. Torna-se refém de suas marcas; nele o passado não é
vivido de maneira plástica (Fonseca, 2000), por não conseguir digerir suas vivências. Um
homem que comumente abdica do sono ou tem dificuldade de dormir. A partir de Nietzsche,
percebemos que esse homem é um dispéptico, um doente do ressentimento, que muitas vezes
reage, ressente, por incapacidade de agir, de sentir, pois tem dificuldade de digerir. Segundo
Nietzsche: existe um grau de insônia, de ruminação, de sentido histórico, que prejudica o
vivente e por fim o destrói, seja um homem, um povo ou uma cultura (Nietzsche, 2003).
Segundo Birman (2003), uma época em que tudo remete ao excesso, encontrando-se,
subjacente às novas patologias, a retenção desse excesso no corpo quando não é escoado para a
ação. Sofrimento vivido no corpo, na ação e na intensidade do sentimento, marcado por uma
tonalidade traumática. Uma época cuja busca fundamental é pela eliminação das diferenças,
impossibilitando também as igualdades. O excesso é antes de tudo ausência da possibilidade de
senti ficar a vida. Com a dificuldade crescente dos indivíduos em regular essas intensidades e
absorver os excessos, o que temos é a emergência do trauma e da angústia como modos
cotidianos de impacto das experiências dos sujeitos. Como lembra Figueiredo (1995), o homem
contemporâneo é um homem traumatizado ± entendendo trauma como um excesso de
excitações as quais o indivíduo não consegue controlar. E imerso nesta lógica do excesso na
qual o modo de pensar o sofrimento é pautado pela ausência de sentido, instala-se a
medicalização excessiva como busca de alívio, que nunca se realiza, para suportar o profundo
desamparo.
ϭϲ
Uma condição em que a vida vem sendo negada, negada em sua efetuação de
movimentos, na construção de territórios de existência, na produção de modos de subjetivação e
de produção diferenciadora. E isto extrapola o campo de uma existência individual, pois este
atentado à vida, que atinge uma existência individual, diz respeito à vida da existência coletiva
e, mais amplamente, a existência do planeta.
Vivemos uma era mergulhada em dispositivos que visam organizar o mundo com o
propósito de controlar e homogeneizar (Castro, 2012), que almeja tudo funcionando em perfeita
harmonia, conduzindo à paz, à segurança e à tranquilidade. Ideias e conceitos que chegam a
educação, promotores de um tempo, de acordo Vilhena (2009), que enxerga o mundo como um
lugar inseguro, onde o outro, o diferente, sempre é visto com desconfiança e apreensão, tendo
como resultado a discriminação e a segregação social. Imersos em um movimento que
propende, cada vez mais, a encerrar a vida num gradeado sem cor, mas com a pretensão de
fazer durar e preservar.
Grau zero de tensão, esse é o objetivo que move o ambiente educacional governado por
estratégias de controle da vida. Busca-se um sentimento de consenso e cordialidade. Estratégias,
segundo Fonsêca (2017), que estão na ordem do dia em termos de preocupação em qualquer
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escola, em qualquer quadrante do mundo. Ideais de interiorização, cerceamento e privatização
da vida dirigem um mundo considerado suspeito.
Estratégias que avançam cada vez mais, principalmente nesta década, lançando
tentáculos e todo seu furor por todas as áreas da vida humana (Lima, 2014) e, por conseguinte,
alcançam as relações sociais segundo seu evangelho, ou seja, uma organização social produtora
de um modus vivendi para os seres humanos que os obriga a reduzir tudo a um denominador
comum, a um quantum abstrato e calculável, igualando assim o que era diferente, com
pretensões de silenciar o humano.
Uma era inclinada para a busca da sobrevivência (Lemos, 2014), marcada pela ausência
de decisões tomadas pelo uso da palavra e, por conseguinte, caracterizada pela redução de
nossa participação no mundo. Diante desse contexto, ocorre a redução do mundo, o que implica
ou permite abertura de um relevante espaço que passa a ser dominado pelos discursos militares,
médicos e/ou jurídicos.
Submersos que estamos em uma educação que ignora a diversidade, que ignora a
multiplicidade. Costurados que estamos sendo, conforme Vilhena, Rosa & Veras (2015), pela
mercantilização da educação que transforma as soluções em produtos, sejam militares, judiciais
ϭϴ
e/ou médicos e, desse modo, a educação tende a ficar seriamente debilitada, podendo gerar
segregação manicomial, perda dos direitos e da capacidade criativa. Processos que destroem a
confiança e as formas de solidariedade e sociabilidade tradicionais, reafirmando preconceitos e
contribuindo para a configuração de um panorama sócio espacial caracterizado por
racionalidades que governam as condutas e os modos de ser.
Práticas educativas que tem como meta a proliferação dos aparatos tecnológicos de
controle que visam configurar um ambiente educativo em que os ideais e os próprios termos
de segurança militar são transferidos de maneira sutil para o cotidiano escolar.
Um cotidiano abalizado por essa produção intensa de fala sobre o crime, sobre o perigo
no mundo, assim como sobre o perigo que o mundo é, passa a ser o contexto corriqueiro das
escolas contemporâneas. Como consequência, há uma colonização do nosso imaginário, assim
como empobrecimento das experiências corporais, submetendo-nos a inexorabilidade do
fechamento, do distanciamento daquele que não mais reconheço como meu semelhante.
Lógica que leva ao esvaziamento do mundo, de seu sentido tradicional de lugar que
possibilita as relações sociais, retirando e negando o acontecer do imprevisto, da improvisação,
do espontâneo, da convivência, dos encontros, dos conflitos. Racionalidade que deprecia o
mundo, obstruindo a oportunidade de lugares marcados pela voz, pela negociação, que
proporciona uma posição no mundo como possibilidade de fazer os afetos circularem (Fonsêca,
2017).
ϭϵ
Um medo estimulado excessivamente pela abordagem sensacionalista e policialesca dos
grandes centros de comunicação (Bittencourt, 2014), perspectiva que influencia decisivamente a
vida diária, os padrões de circulação. Esse medo passa a ser visto e vivido como um dos
principais organizadores das sociedades atuais, assim como, das escolas, contribuindo para a
deterioração das relações de sociabilidade e de confiança, ampliando ainda mais a segregação e
o medo.
Diante do medo e da crescente criminalização da vida nos dias de hoje (Lima, 2014),
toda uma tecnologia da arquitetura escolar com objetivo de produzir uma apartação social, ao
mesmo tempo que também se torna expressão de uma mixofobia (medo de misturar-se), ou
seja, uma negação da heterogeneidade e da diversidade que sempre caracterizavam a cidade
desde os gregos.
A paranoia da segurança traz ainda outra consequência, que é a busca incessante por
controle e a crença de que seremos capazes de tudo controlar e nos defendermos desta situação
± mesmo que o preço a pagar seja o isolamento total. Estas parecem ser a proposta, de acordo
com Arantes (2015), do urbanismo contemporâneo.
Abrimos mão da vida, acreditando que o outro roubou de nós. É provável que em um
curto espaço de tempo tenhamos uma geração que não mais saberá transitar pelo mundo. E mais
além, achará isto natural (Vilhena, Rosa, Veras, 2015). Provável que as pessoas desaprendam a
arte de negociar significados, esqueçam ou negligenciam o aprendizado das capacidades
necessárias ao conviver com a diferença.
Nós nada somos ou valemos se não contarmos com o olhar alheio acolhedor, se não
formos vistos, se o olhar do outro não nos recolher e salvar da invisibilidade que nos anula e
que, portanto, é sinônimo de solidão e incomunicabilidade, falta de sentido e valor. Quando esse
laço é rompido, ou não pode ser construído, rapidamente aparecem situações onde a relação
passa a ser orientada pelo domínio da força e, frequentemente, pela demonização do outro, o
Ϯϭ
que consolida o afastamento, a separação e simboliza a dessocialização pela rejeição e pela
recusa da convivência.
Medicalização da educação
Medicalização é uma prática que reforça que o problema está no sujeito em si, isolando-
o, desconsiderando questões políticas, sociais e culturais que permeiam a vida. Prática que
conduz, se espalha e funciona como uma maquinaria social que se caracteriza por não estar
situada em um lugar específico; longe disso, dissemina-se por toda a estrutura social (Vilhena,
Rosa & Veras, 2015). Processo intensificado na atualidade, segundo Lemos (2014), tornando
um dispositivo que em tudo intervém e começa a não mais ter fronteiras.
Progressivamente e de maneira cada vez mais intensa, medicamentos são usados para
propósitos que excedem a função precípua para a qual, em tese, foram descobertos e criados,
isto é, aliviar sintomas e curar doenças (Christofari; Freitas & Baptista, 2015). A Indústria
farmacêutica vem ocultando, sistematicamente, os profundos efeitos colaterais dos princípios
ativos destinados a tratá-los!
Crianças que em uma dada época eram tidas como levadas, introvertidas, agitadas,
teimosas, indisciplinadas, agora são diagnosticadas com os mais diversos transtornos, déficits,
desvios. O problema é individualizado negando suas relações. Classificações humanas que
geram efeitos nos sujeitos: cada classificação, cada diagnóstico, cada tipificação implica uma
mudança no modo como agimos, como expressamos nossas emoções e sentimentos, enfim, no
modo de nos construirmos como sujeitos.
Um tempo vivido como entrássemos numa maquinaria de poder que nos esquadrinha,
nos desarticula e nos recompõe (Christofari; Freitas & Baptista, 2015). Olhares, gestos,
intensidades, palavras, estilos de vida tornam-se elementos importantes para o processo de
patologização. Com isso ganham a força os especialismos e os enquadrinhamentos, como
intervenções que invadem o cotidiano, produzindo paralisias e tutela de seus profissionais,
reduzindo as intervenções ao âmbito da ciência, impregnadas pela razão instrumental.
Ϯϯ
Ainda que a patologização e a psiquiatrização não sejam fenômenos recentes, estamos
criticando aqui a intensa medicalização dos processos da vida que se efetua atualmente.
Situação profundamente devastadora em qualquer faixa etária, mas particularmente na infância.
Diante disso, cada vez fica mais claro que nossa sociedade parece ter definido um modo
privilegiado de sofrer, um modo medicalizado de administrar os fracassos, os sofrimentos e as
angústias.
Judicialização da educação
Situações de conflito acontecem durante toda a vida em sociedade. Nos dias de hoje,
segundo Lemos (2015), parece que não mais sabemos lidar com as tensões naturais da vida, e
diante disso não sabemos resolver os conflitos de forma colaborativa. Situações em que a vida
está sendo decidida sem que haja um prévio debate sobre o mundo, caracterizado por inflação
Ϯϰ
dos discursos jurídicos profundamente reveladores da insuficiência do debate entre os homens.
Desse modo, o poder judiciário, ao ser provocado a apreciar os inúmeros conflitos humanos,
dificilmente leva em conta a possibilidade de pensá-los coletivamente (Lemos, Galindo &
Costa, 2014).
Com este olhar individualizante e punitivo, temos gerido vidas, produzindo leis e
demandando medidas tutelares que contemplem os mínimos aspectos do viver. Judicialização,
conforme Lemos (2015), como política da vida, estratégia de controle que se intensifica na
atualidade e que provoca novas formas de assujeitamento. Hodiernamente tendem a ser
judicializadas todas as relações inter-humanas.
Demanda-se que a justiça legisle sobre todos os aspectos do existir (Lemos, Galindo &
Costa, 2014). Lógica punitiva que esquadrinha a vida no banco dos réus. Práticas de controle,
encarceramento e punição, fazendo de cada um de nos aceite esta condição, ora de juiz ora de
acusador, algoz e vitima (Oliveira & Brito, 2013). Lógica que recai sobre o aluno que introjeta
a punição como algo indispensável à vida, como ato necessário para o bem comum e para o bem
de cada um.
Com base em uma lógica dicotômica que separa o bem do mal, o agressor da vítima, o
cidadão do criminoso, reforça a segregação social e a culpabilização do sujeito. Nesse processo,
de acordo com Oliveira & Brito (2013), tudo deve ser controlado, recompensado ou punido,
passando pelo judiciário e pelo rol de especialistas que estão lá como solucionadores de
conflito, confiando na garantia dos saberes fornecidos por estes especialistas do viver.
Assim, a vida é decidida em um tribunal (Lemos, 2015), onde na maior parte das vezes
não se procura conhecer a historia da vida do sujeito. E assim, práticas jurídicas propendem a
definir tipos de subjetividades e a perpassar as formas de relação na sociedade contemporânea.
Desde os primórdios dos anos 80 que começou a despontar dentro e fora dos sistemas
educativos, grande interesse e preocupação pela qualidade da formação dos/as professores/as,
sendo consenso que, não podemos falar de renovação, de inovação ou de mudanças na educação
sem se pensar na formação do/a professor/a.
Assim, para responder às demandas sociais, o/a professor/a deve ser requalificado como
profissional e como protagonista, o que significa, superar o papel do/a professor/a que apenas
WUDQVPLWH SDVVLYDPHQWH D PDWpULD H TXH p ³R GRQR GR VDEHU´ WUDnsformando-o/a num/a
orientador/a do/a aluno/a para ajudá- lo/a a chegar ao conhecimento, associando, criticando e
desenvolvendo suas próprias habilidades.
A evolução das sociedades nas últimas décadas, vem exigindo que o paradigma da
formação do/a professor/a para este novo milênio, seja sustentado por pressupostos teórico-
práticos bastante complexos e completos, de forma a dar uma resposta com qualidade às
múltiplas e crescentes demandas de educação, decorrente de todo este contexto, ou seja, da
necessidade contemporânea de um professor professor/a reflexivo/a, do/a crítico/a, do/a
criativo/a, do/a intelectual, do/a investigador/a, do/a inovador/a.
Uma das preocupações dos últimos anos das políticas educativas, foi definir o papel que
desempenha a educação no atual contexto nacional e internacional, preconizar os fins e
objetivos principais e estabelecer os tipos de conhecimentos e de habilidades necessários para
enfrentar os problemas locais e globais. Na realidade, tem-se procurado a promoção da
educação integral do indivíduo na perspectiva de desenvolvimento humano, num mundo em
Ϯϲ
constantes mudanças, que cada vez mais vem contribuindo para a produção de desigualdades
sociais.
E no que se refere currículo? Segundo Silva (2000), qualquer texto sobre currículo, que
VH SUH]H LQLFLD FRP XPD ERD GLVFXVVmR VREUH R TXH p DILQDO µFXUUtFXOR¶ &RQVLGHUD-se
importante introduzir esta discussão, para delimitar (ou ampliar?) o campo de análise e para
deixar claro que tomo o conceiWRGHFXUUtFXORSDUDDOpPGDVµJUDGHV¶HSRUWDQWRSDUDDOpPGD
seleção e organização do conhecimento na escola. A discussão da qualidade da educação no
contexto atual, considerando principalmente os pilares da Política Educacional em marcha,
quais sejam, a descentralização financeira, avaliação e a Reforma Curricular, viD 3&1¶V WHP
dado a questão do currículo uma relevância maior nos discursos educacionais.
Por outro lado, a teorização crítica no Brasil acerca do currículo, conforme análise de
Silva (2017), tem alcançado uma amplitude que, em que segundo o mesmo autor, vai da restrita
visão de currículo como lista de disciplinas e conteúdos, passa-se a uma visão de currículo que
abrange praticamente todo e qualquer fenômeno educacional. Ou seja, o currículo torna-se tudo
ou quase tudo.
Silva (2000) também nos alerta para o fato de que o que o currículo é, depende,
precisamente, da forma como é definido pelos diferentes autores e teorias, ou seja, uma
definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo, mas, o que determinada teoria
pensa que o currículo é. O que o autor destaca é que, o que é mais importante não é tanto o
conceito que se toma para se definir o que é o currículo, mas as questões que se busca
responder. Conforme analisa o autor, a questão central de qualquer teoria do currículo é: o que
ensinar? Esta pergunta não envolve apenas a seleção e organização de conteúdo, mas,
fundamentalmente, o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade.
Questão necessária num tempo marcado pela tripla tirania da tecnologia, do consumo e da
Ϯϳ
informação, assim como, pela estratégias de governo da vida, como a criminalização,
medicalização e judicialização da vida.
Tendo em conta estas questões, Silva (2000) sugere o currículo, atualmente é marcado
pelo deslocamento da ênfase dos conceitos simplesmente pedagógicos de ensino e
aprendizagem, avaliação, planejamento, eficiência, objetivos, para os conceitos de ideologia
cultura e poder, classe social, relações sociais de produção, currículo oculto, resistência,
emancipação, nos permitindo ver a educação sob uma nova perspectiva levando em conta a
vida contemporânea.
Neste aspecto, consideremos de grande importância a teoria de Paulo Freire que como
³FLGDGmR GR PXQGR´DFDERX semeando suas ideias pelo mundo, falando sobre a relação entre
educação, política, imperialismo e libertação. Considerado como o filósofo inaugural da
pedagogia crítica, Freire conseguiu proceder a uma reorientação global da pedagogia,
direcionando-a no sentido de uma política radical de luta histórica, perspectiva que desenvolveu
como projeto de vida. $TXLOR TXH KRMH p GHQRPLQDGR µSROtWLFD GH OLEHUWDomR¶ WHP YLWDO
significação para ativistas da educação no mundo todo, e para o que Paulo Freire contribuiu de
modo pioneiro e fundamental.
O currículo sempre foi alvo de atenção dos que buscavam entender e organizar o
processo educativo escolar. Entretanto, somente ao fim do século XIX e no início deste do
século XX, nos Estados Unidos, um significativo número de educadores começaram a tratar de
problemas e questões curriculares.
(QWUHWDQWR ³DV H[SHULrQFLDV GRV DOXQRV VHXV FRQKHFLPHQWRV SUiWLFRV VXD LQVHUomR
cultural, são aspectos fundamentais a serem considerados peODV SUiWLFDV SHGDJyJLFDV´ 6RX]D,
2012, p. 57).
Torna-se importante também investir na formação dos professores. De acordo com Silva
(2000), a formação, a cultura geral do professor, a interação que nele se estabeleça entre o
conhecimento de conteúdos e a diferenciação de aspectos relativos à sua estrutura com outros
conhecimentos e valorizações pedagógicas serão as responsáveis pelo papel real de mediação
que o professor tem no currículo. Através da formação contínua de professores é possível
problematizar não apenas o currículo, os materiais disponíveis, mas a própria prática docente.
O aluno aprende a partir do que é significativo e contextualizado com sua realidade. Por
sua vez, a prática pedagógica disciplinar, muitas vezes, acaba por segmentar o pensamento e a
construção de conhecimento dos educandos. Muitas escolas concebem a educação por meio de
disciplinas e propõe um trabalho isolado para que o aluno aprenda conhecimentos parcelados, o
que se deve em grande parte à própria formação do professor, enraizada em modelos
tradicionais de ensino.
O currículo é visto, desta forma, de acordo com Silva (2017), como território em que
ocorrem disputas culturais, em que se travam lutas entre diferentes significados do indivíduo, do
mundo e da sociedade, no processo de formação de identidades. Essa constatação levanta,
inevitavelmente, algumas questões. Que identidades os atuais currículos estão ajudando a
produzir? Que identidades deveriam produzir? Identidades em sintonia com padrões dominantes
ou identidades plurais? Identidades comprometidas com o arranjo social existente ou
identidades questionadoras e críticas? No caso particular da formação de professores cabe
indagar: que professores estão sendo formados, por meio dos currículos atuais, tanto na
formação inicial como na formação continuada? Que professores deveriam ser formados?
Professores sintonizados com os padrões dominantes ou professores abertos tanto à pluralidade
cultural da sociedade mais ampla como à pluralidade de identidades presente no contexto
específico em que se desenvolve a prática pedagógica? Professores comprometidos com o
arranjo social existente ou professores questionadores e críticos? Professores que aceitam o
neoliberalismo como a única saída ou que se dispõem tanto a criticá-lo como a oferecer
alternativas a ele? Professores capazes de uma ação pedagógica multiculturalmente orientada?
Na década de oitenta, Giroux (1988, apud Ramalho; Nunez: Gauthier, 2004) sustentava
que o professor precisava atuar como intelectual transformador, fundamentando suas atividades
em um discurso moral e ético pautado na preocupação com o sofrimento e a luta dos oprimidos.
Essa visão de intelectual aponta para um profissional capaz de articular e desenvolver
possibilidades emancipatórias em espaços mais específicos. O autor acrescenta que esse
profissional: (a) procura explicitar os fundamentos de uma pedagogia crítica, explicitando sua
relevância para os estudantes e para os demais membros da sociedade; (b) esforça-se por tornar
o pedagógico mais político e o político mais pedagógico; (c) busca unir a linguagem da crítica à
linguagem da possibilidade; e (d) concebe as salas de aula como espaços nos quais podem ser
projetadas as condições necessárias ao desenvolvimento de novas formas culturais, novas
práticas sociais, novos modos de comunicação e situaçõesmateriais mais satisfatórios. Novas
influências - do pensamento contemporâneo e dos estudos culturais - levaram Giroux (1988,
apud Ramalho; Nunez; Gauthier, 2004) a reelaborar sua concepção do professor como
intelectual, optando por substituir, nos anos noventa, o termo transformador. O autor questiona a
visão de intelectual como um indivíduo iluminado, capaz de conscientizar as massas e de
definir, a priori, os rumos do processo de mudança. Propõe o intelectual público, voltado para
ϯϮ
ampliar os espaços públicos em que discussões e decisões possam ocorrer, assim como para
combinar concepção e implementação, pensamento e prática, com o projeto coletivo de uma
cultura pautada por liberação e por justiça. Na visão de intelectual público associam-se, ao
caráter político da prática docente, bastante acentuado na figura do intelectual transformador, a
preocupação com o caráter discursivo dessa prática, a valorização da esfera cultural e a crença
na importância do debate público.
Destaca-se o foco contemporâneo, entendido como uma prática que contribui para
construir a realidade à qual se refere. Segundo Giroux (1988, apud Ramalho; Nunez; Gauthier,
2004), o professor precisa examinar a relação entre conhecimento, aprendizagem e poder,
entendendo-a como parte de um discurso político a ser reconstruído e colocado a serviço da
liberdade humana. Precisa levar o aluno a compreender como conhecimento e poder se
associam na leitura e na elaboração de textos, o que significa tanto analisar como as relações de
poder se manifestam nos textos como comprometer-se com a luta concreta por condições mais
dignas e justas de vida. Como intelectual público, o professor deve reconhecer o caráter parcial
dos discursos, questionar as especificidades dos pontos de vista, afrontar os critérios de uma
verdade supostamente universal, abrindo-se, ao mesmo tempo, ao diálogo, a um projeto mais
amplo de construção da solidariedade e de uma sociedade democrática. Daí a importância de
uma linguagem da imaginação, de uma linguagem de possibilidades não realizadas. Apoiamo-
nos em Silva (2000) para destacar outro ponto que nos parece central hoje na visão do professor
como intelectual.
Com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determinando um prazo para que todos os
professores tivessem nível superior, surgiram XPDJDPDGH³SDFRWHVGHIRUPDomRGRFHQWH´TXH
³YHQGLDP H YHQGHP´ FXUVRV PDV GHYH-se questionar a qualidade desta e de toda a formação
docente. Atualmente, há um boom de cursos de pedagogias virtuais com aula uma vez por
semana. Se eu não tiver uma boa formação, como vou formar bem meu aluno? (Souza, 2012)
ϯϰ
A temática Formação de Professores vem ocupando um espaço cada vez maior no
campo educacional, tanto por parte dos governantes como pela mídia e pelos estudiosos que
vêm se debruçando sobre esta questão. As mudanças ocorridas no cenário internacional, a partir
do final dos anos de 1980, repercutiram no campo educacional e, mais especificamente, na
produção sobre a formação de professores. A educação e as ciências Sociais defrontaram-se, na
YLUDGD GD GpFDGD GH SDUD D GH FRP D GHQRPLQDGD ³FULVH GH SDUDGLJPDV´ 1HVVH
contexto, os pensamentos educacionais brasileiros, bem como os estudos sobre formação do
professor, voltaram-se crescentemente para a compreensão dos aspectos micro sociais,
destacando e focalizando, sob novos prismas, o papel do agente como sujeito.
Pode-se notar, nos últimos anos, de acordo com Silva (2017), principalmente nesta
última década, que o número de livros e pesquisas, assim como os artigos e jornais, têm se
ocupado bastante com esta questão. Privilegia-se hoje, a formação do professor- pesquisador, ou
seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo, aquele que reflete sobre
sua ação, aliando-a à atividade de pesquisa. Entenda-se pesquisa esse contato permanente entre
prática, cotidiano e teoria.
1HVVHFRQWH[WRIDODUVREUHDIRUPDomRGRHGXFDGRULPSOLFDSHQVDUTXH³Qmo há ensino
de qualidade nem reforma educativa, nem renovação pedagógica, sem uma adequada formação
GH SURIHVVRUHV´ Nóvoa, 1992). Nesse cenário, privilegia-se, hoje, a formação do professor
pesquisador, ou seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo, aquele que
reflete sobre sua ação, aliando-DjDWLYLGDGHGHSHVTXLVD7DOYH]VHMDUHOHYDQWHGHVWDFDUTXH³D
reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo
carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses
sociDLVHFHQiULRVSROtWLFRV´6RX]D, 2012).
Nesta perspectiva, argumentamos que dois dos princípios apontados por Silva (2000)
são fundamentais para a formação de um professor pesquisador: 1) a necessidade de ligar o
processo de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da escola, para que
os problemas e as referências do meio sejam o contexto de aprendizagens dos professores em
formação, visando à construção de alternativas educativas, assim como à possibilidade de
transformação da escola; b) relevância da integração teoria-prática na formação de professores.
Desta forma, acreditamos que, tanto o conhecimento tácito (conhecimento da prática), quanto o
conhecimento teórico, integram-se num currículo voltado para a ação, para o contexto de
atuação e para o contemporâneo. Esta compreensão evidencia a prática (o campo de atuação)
como o núcleo do currículo e da ação pedagógica. Assim, a prática constitui-se como fonte de
saberes, na medida em que analisa e reflete na e sobre a própria ação.
ϯϱ
A partir disso, é relevante destacarmos o pensamento de Freire (1996) em torno da
formação do professor-SHVTXLVDGRUDRDILUPDUTXH³QmRKiHQVLQRVHPSHVTXLVDHSHVTXLVDVHP
HQVLQR´No nosso entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma
forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente
a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o
professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (Freire, 1996).
1DYLVmRGH6RX]DS³Qão falamos sobre a nossa própria prática, mas sobre a
SUiWLFDGHRXWURVTXHQmRSRGHPIDODUTXHQmRWrPGHID]HUGLVFXUVRV´(VVDYLVmRUHSUHVHQWD
ainda, uma realidade que queremos superar, pois o professor é sujeito de sua própria
ação/prática, porém não é ele o emissor de suas construções. Por isso, entendemos que o
currículo de formação inicial pode se constituir como uma possibilidade, por excelência, que
contribui para que os professores formadores e em formação possam ampliar suas consciências
em relação às práticas educativas e pedagógicas. Assim, poderão expressar o que desejam e o
que querem praticar, de modo que possam se perceber e perceber o que falta ou o que é preciso
fazer para que aquilo que desejam como prática possa ser realizado. Ainda nessa direção,
SHUFHEHPRVTXH³>@DSUiWLFD pedagógica é uma práxis, não uma técnica. E investigar sobre a
prática não é o mesmo que ensinDUWpFQLFDVSHGDJyJLFDV´6RX]D, 2012, p. 82). Sendo assim, ao
propor, como formação, que o professor em formação faça a leitura e a compreensão das
práticas pedagógicas, buscamos romper com a mera transmissão/repasse de técnicas
pedagógicas, o que não é a prática, como salienta o autor. A prática é ação, a qual dispõe de um
conjunto de técnicas e recursos que possibilitam seu desenvolvimento no processo de ensino e
de aprendizagem e que se constitui na e pela intenção.
Face aos estudos, é possível dizer que não cabe mais pensar em formação fora do sujeito
que se forma, do contexto escolar e do mundo contemporâneo em que atuam cotidianamente
visto que esses professores são também construtores de atos de currículo e por isso mesmo,
autores dessa formação.
Até bem pouco tempo falar sobre formação de professores era algo que não despertava
muito interesse entre os estudiosos do campo da educação uma vez que as preocupações até a
década de 80 centravam-se mais nas questões de ensino e de aprendizagem face às discussões
em torno da função reprodutivista da escola.
Como destaca Ramalho; Nunez; Gauthier (2004) o educador deve ser o principal agente
de sua formação. Isto significa que a formação deve ser antes de tudo auto formação. Para
Souza (2012) a formação é uma experiência do sujeito, a qual deve ser compreendida ao longo
da vida posto que ela se dê no processo mesmo de existência do sujeito e nas interrelações.
Pensamento semelhante apresenta Schon (2000) ao dizer que a formação [...] é sempre um
aprendizado que acontece a partir da perspectiva do sujeito, como resposta à necessidade de
ampliar o seu conhecimento, o seu saber, a sua sabedoria.
Em face disso, a formação que ocorre no cenário educacional também passa a ser
conduzida como um processo externo determinado, usando uma expressão de Nóvoa (1992).
Ainda pensamos a formação, segundo Silva (2017), como algo fora de nós, externo, como
SURSULHGDGH LQVWLWXFLRQDO LVWR p ³>@ DOJXpP p VHPSUH IRUPDGR D SDUWLU GD SHUVSHFWLYD GR
RXWUR´ 5amalho; Nunez; Gauthier, 2012, s/p). E é, muitas vezes, sob essa perspectiva de
prescrição, que o currículo de formação de professores é, não apenas pensado, mas vivido. O
que se observa é que os projetos curriculares são pensados de modo a determinar, explícita ou
implicitamente, como deve ser esta formação, quem deve se responsabilizar por ela, o que deve
conter e que sujeito formar a partir daí.
Embora, nossa compreensão sobre currículo remeta para além deste ideário da
prescrição, a realidade tem mostrado que essa tem sido a lógica ainda operante nos cenários
ϯϵ
ditos formativos. Face ao exposto, urge se pensar a formação sob uma outra perspectiva. É
preciso conclamar os professores, formados ou em formação, a assumirem uma postura de
formando-aprendiz, (e aqui também nos incluimos), isto é, daquele que se percebe em
constante processo de inacabamento, de necessária busca pelo conhecimento e de possibilidades
de aprendizagem em tudo e em todos.
A formação, nesse sentido, ocorreria a partir de diálogos dos sujeitos com os tantos
sujeitos que atravessam a sua vida. Nessa direção, seria possível falar não apenas de formação,
mas de auto formação (construção de si), também de heteroformação (construção de si a partir
da interrelação com o outro que também se forma) e de eco formação, como construção de si a
partir das vivências no contexto sócio- cultural e profissional (Josso, 2009).
Assim, entendo que a perspectiva de formação não cabe, pois, a ideia de prescritividade
o que nos conduz a afirmar que não há resposta para a provocação inicialmente posta sob a
forma da pergunta: Que currículo para a formação de professores? A concepção que
defendemos aqui é a de que o currículo é construção, movimento, e dessa forma,
profundamente atento a tempo contemporâneo. Embora não possamos negar o lugar e o papel
dos currículos nos processos de formação como artefatos de concepções e atualizações dessa
formação e seus interesses sócio educacionais, temos o dever de alertar sobre as porosidades
desse dispositivo.
E por mais que se intencione ou controle esta formação a partir de um currículo, este
jamais detém a complexidade, o movimento, as possibilidades que se instituem ou são
instituídas pelos sujeitos na sua implicação com o processo formativo. São, pois os atos de
currículo, isto é, as ações socioeducacionais de formadores e formandos que, eminentemente,
alteram a ordem dos currículos, apesar das pré-configurações. Por meio dos atos de currículo, o
professor pode autorizar-se a pensar e agir de modo diferente ao que está posto pelo currículo,
os alunos podem colocar-se como sujeitos na formação, a produzir sentidos próprios e
apropriados conforme seus interesses, necessidades e perspectivas de formação nem sempre
contemplados nos documentos e práticas oficiais.
Para além de como essa formação é concebida, de qual é o papel do currículo e dos atos
de currículo nessa composição, é importante ainda pensar sobre como esse processo que
denominamos formação tem se dado ao longo do exercício da profissão docente.
Vale ressaltar que se tratava de uma visão equivocada, mas que a dinâmica do tempo
instituía esta forma de compreender o mundo, a sociedade e atividades como educação, trabalho
e a própria formação humana. Assim, no campo da formação, e mais detidamente, da formação
de professores, vigorava o então denominado paradigma da racionalidade técnica, em que se
encarregava de colocar o professor na condição de espectador de si mesmo e de sua prática
pedagógica, delegando aos chamados especialistas a organização do trabalho pedagógico. Com
isso, os professores, passaram a agir em sala de aula apenas como executores. Formava-se o
professor técnico, pois o objetivo era instrumentalizar o profissional para aplicar os
conhecimentos técnico-científicos e pedagógicos adquiridos ao longo da formação inicial
recebida. Esse é um modelo de formação que segundo Josso (2009) tem início no final do
século XIX e vai até meados do século XX. Porém, é possível dizer que, hoje, em muitos
cenários de formação, essa ainda é a tônica.
Além disso, a função ou funções até então atribuídas à escola, o lugar que ocupava a
educação no conjunto dos bens socioculturais e das novas exigências em termos de formação
humana nesse novo século, fizeram com que a sociedade começasse a repensar as políticas,
práticas educacionais e a formação dos profissionais da educação, dentre elas, o professor que
por uma razão ou outra sempre se constituiu na pedra de toque das reformas no campo
educacional. Contudo, como enfatiza Nóvoa (1992), [...] não basta mudar o profissional, é
preciso mudar também os contextos em que ele intervém e os professores precisam se assumir
como produtores de sua profissão. Isto significa mudar os processos de formação dos
professores, as práticas de sala de aula e as organizações escolares.
Nesse viés, o currículo também passaria a ser ponto de pauta dessas reflexões e, por
extensão, o conhecimento, as concepções filosóficas e político-pedagógicas que balizam a
formação desses sujeitos, assim como a qualidade do trabalho pedagógico resultante da atuação
desses profissionais. Trazemos aqui inquietações que nos afligem.
Contudo, o docente, digo nós professores, precisamos nos apropriar da formação que
temos desenvolvido, como temos desenvolvido e por que. Necessitamos, pois aprender a usar
política, epistemológica e formativamente esse conhecimento de si e sobre si mesmo, sobre o
ser professor, o que fazemos, como fazemos, para que e para quem fazemos, em prol de nossa
própria formação, do aprimoramento de nossas práticas, consequentemente, da educação de um
modo geral e de um projeto de sociedade que se coadune com o que pensamos e defendemos em
termos de formação humana. Devemos, pois, como diz o poeta Almir Sater em sua belíssima
canção, seguir em frente, porque cada um de nós compõe sua própria história e carrega o dom
de ser capaz e ser feliz naquilo que faz. Ser professor! Não importa se na condição de formador
ou formando.
A escola neste sentido, não é apenas local de transmissão de uma cultura incontestada,
unitária, mas terreno de luta, de encontro, de possibilidades. Como indicam o pensamento de
Freire, a escola é o lugar onde se ensina não só conteúdos programáticos, mas se ensina a
µSHQVDU FHUWR¶ D WROHUkQFLD R µSURIXQGR UHVSHLWR SHOR RXWUR¶ 1HVWH VHQWLGR R pensamento de
Paulo Freire continua a representar uma alternativa teoricamente renovada e politicamente
viável, onde a formação não pode ser entendida como algo acabado e desanexada do contexto
em que ela ocorre. Se antigamente a formação era vista como uma atividade que estava
relacionada apenas com a aquisição de competências especificas direcionadas ao mundo do
trabalho, a formação hoje, é antes de tudo, um processo teórico-prático onde os aspectos
relevantes se interagem para formarem um todo em mutação com o mundo contemporâneo.
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