Você está na página 1de 57




  
  
 
      
             
          
                
      !  "#     # 
   $   $     %  ! &    
    '(     "     ! 
          )       
   !     " ! &!
         $  " $!  $
* $!  $  $!  $     !  $  # $!  $
  $

+*  ,  -   . %  ' /  # .  # '" 


0/ #+ *  1234+/5,  6  7 '
6  /# # 12385!     /# #
 1234.95!0:  +    
2    

      

  
 
    

        

;<='>?@'?'A=B<<'>

     

  

      



     

  

     



      

    




  

 
  
 


   
  
   
 
   
 



   
 


  
  
 
   
  

 


  
   


 
       
  
 

 
  
 

   

  

  
 
  
 
    

 


 
 
 


 

 !"#
$ 
 
 
%
 & '
(

)

 * (   
+ 
,-'
 (

&
& -,./0'




  




 1
 2 3& 4  $2 3+
 (
  1 5/,6 %
  &  '
 (

 )

 
* (   + 
 


&
& 5/,6
ϭ


Notas sobre a educação em tempos contemporâneos: ensaio sobre a nova ordem mundial

Cícero José Barbosa da Fonsêca

José Gilberto da Silva

Arapiraca, 2018
Ϯ


Há escolas que
são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que


os pássaros desaprendam a arte do vôo.
Pássaros engaiolados são pássaros sob
controle. Engaiolados, o seu dono pode
levá-los para onde quiser. Pássaros
engaiolados sempre têm um dono.
Deixaram de ser pássaros. Porque a
essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam


pássaros engaiolados. O que elas amam
são pássaros em vôo. Existem para dar
aos pássaros coragem para voar. Ensinar
o vôo, isso elas não podem fazer, porque
o vôo já nasce dentro dos pássaros. O
vôo não pode ser ensinado. Só pode ser
encorajado.

Rubem Alves
ϯ

SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................04

Formas Contemporáneas de Governo da Educação: tripla tirania do tempo e tripla


WLUDQLDGRHVSDoR«««««««««««««««««««««««««««««...«07
7ULSOD7LUDQLDGR7HPSRWHFQRORJLDFRQVXPRHLQIRUPDomR««««..«««..07
Tripla Tirania do Espaço: militarização, medicalização e judLFLDOL]DomR««..«16

A importância da formação de professores e do currículo como frentes educacionais


diante do contemporâneo..............................................................................................................25
ϰ

Introdução

Este trabalho nasce a partir das preocupações dos pesquisadores com a educação e com
a contemporaneidade. Teve como foco a compreensão da educação nos tempos atuais marcada
cada vez mais pelas condições contemporâneas as quais todos nós estamos imersos.
Um artigo que surgiu diante do questionamento profundamente atual acerca do fazer do
professor nos dias de hoje. Nasceu da possibilidade de compreendermos melhor o cenário em
que a educação contemporânea está inserida. Este trabalho Esta produção tem grande
importância enorme por colocar em diálogo a educação e a contemporaneidade, com o objetivo
de possibilitar reflexões úteis e necessárias para sobre a formação de professores, e dessa forma,
tendo como meta contribuir para a melhoria dos processos do ensino e da aprendizagem e,
conseqüentemente, para o desenvolvimento da educação no século XXI.
Dessa forma, este artigo assume um caráter reflexivo e formativo suscitando
reflexões sobre os dias de hoje, assim como e, porque não, também sobre práticas educativa,
instigando os professores a repensarem as vivências cotidianas na sala de aula.
A educação contemporânea, de acordo com Castro (2004), assumiu um novo sentido
nesse novo século, tendo em vista às mudanças da sociedade que implicam mudanças profundas
em níveis sociais e educacionais. O paradigma dominante que se caracteriza pela estabilidade
concede lugar ao paradigma emergente que se caracteriza pela tripla tirania da tecnologia, do
consumo e da informação, assim como, por estratégias de governo da vida, como a
criminalização, medicalização e judicialização (Fonsêca, 2017). Imersos neste mundo, os
educadores precisam repensar seus fazeres e práticas pedagógicas na perspectiva de atuar na
direção de uma educação transformadora que tenha como meta a justiça social. Importante
repensar e ressignificar as práticas pedagógicas, no coletivo, de modo que possamos promover
inovações curriculares, tendo em vista que estas consistam em mudanças.
A instituição educativa, de acordo com Silva (2017), não é apenas uma instituição que
reproduz relações sociais e valores dominantes, mas é também uma instituição de confronto, de
resistência e proposição de inovações.Fundamental problematizações que potencializem novos
diálogos entre os pares envolvidos no processo educativo. Emerge dessa realidade a necessidade
dos cursos de formação de professores que contribuam para o desenvolvimento da postura
crítica dos educadores, implicando cada vez mais em compreensão da realidade contemporânea
para transformá-la. A articulação entre a formação inicial e a formação continuada precisa ter no
seu cerne a formação de um professor crítico que contribua para a formação de cidadãos que
participem dos processos de mudança, em prol da construção de uma sociedade democrática,
em que haja valorização da diversidade, ética e tolerância, tão necessárias para a convivência
humana.
ϱ

Pensar um currículo inovador, dessa forma, requer, pois pensar a ressignificação de
práticas pedagógicas que fomentem a cooperação, o coletivo e a inclusão, no lugar da
competição, do individualismo e da exclusão, e desenvolvendo cada vez mais um compromisso
político, social e ético.
Pesquisas em nosso país tem cada vez mais demonstrado o quanto a formação
acadêmica oferecida pelas universidades parecem deixar a desejar em relaçao as expectativas
dos egressos que trabalham.
A evolução das sociedades nas últimas décadas, vem exigindo que o paradigma da
formação do/a professor/a para este século, seja sustentado por pressupostos teórico-práticos
bastante complexos e completos, de forma a dar uma resposta com qualidade às múltiplas e
crescentes demandas de educação.
Uma das preocupações dos últimos anos das políticas educativas, conforme Silva
(2017), foi definir o papel que desempenha a educação no actual contexto nacional e
internacional, preconizar os fins e objetivos principais e estabelecer os tipos de conhecimentos e
de habilidades necessários para enfrentar os problemas locais e globais. Na realidade, tem-se
procurado a promoção da educação integral do indivíduo na perspectiva de desenvolvimento
humano, num mundo em constantes mudanças, que cada vez mais vem contribuindo para a
produção de desigualdades sociais.
Neste contexto, o/a professor/a e a escola têm novas tarefas e é-lhes exigido uma grande
responsabilidade. O/A professor/a tem de possuir para além de conhecimentos técnicos e
científicos, competências inovadoras como o domínio de tecnologias, sem as quais não pode
competir no mundo atual. Segundo Antunes (2004) a formação aparece de novo como o
instrumento mais potente para democratizar o acesso das pessoas à cultura, à informação e ao
trabalho.
Importante, frente a este cenário, situar o currículo no contexto de um mundo
multicultural dominado pela lógica neoliberal. É ao neoliberalismo, em síntese, que se deve
associar tanto a intensificação das dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria da
população do globo terrestre como o desaparecimento progressivo de universos mais autônomos
de produção cultural. Segundo Bordieu (1998, apud Silva, 2017), a destruição das bases
econômicas e sociais das aquisições culturais da humanidade, que se verifica nas sociedades
neoliberais contemporâneas, tem, crescentemente, subordinado a esfera cultural aos interesses
comerciais, empresariais, burocráticos ou estatais dominantes, tornando-a cada vez mais
dependente desses mesmos interesses. Uma ordem social que se pauta pela busca do interesse
egoísta ou /e pela paixão individual pelo lucro.

Daí a importancia, de acordó com Silva (2017), de um professor que além de


desempenhar bem seu papel de intelectual, procure tanto também denunciar e desnaturalizar
ϲ

fatores opressivos e relações de poder assimétricos, assim como contribuir para o anúncio de
alternativas que caminhem na contra-mão de visões e interesses hegemônicos. Assim,
assumimos o postulado de que os professores são atores competentes e sujeitos ativos, devemos
asim admitir que a prática deles não é somente um lugar de aplicação de saberes provenientes da
teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos da mesma prática.
(Silva, 2000).
Esse movimento de transformação em torno do ser professor, do processo formativo
deste profissional é exatamente o que impulsiona a classe e a sociedade de um modo geral a
pensar sobre o que é mesmo esse processo que chamamos formação. Questionamentos cada vez
mais necessários e fundamentais, de acordo com Silva (2017). Mas, em que pesem as
preocupações em torno de se compreender melhor esse fenômeno chamado formação, não se
pode deixar de tensionar o papel das instituições socialmente responsáveis por essa formação
como é o caso da Universidade. Tem sido evidente, o fato de que as instituições responsáveis
pela formação do professor, seja a universidade ou a escola, não respondem de forma consoante
às urgências desses sujeitos no que se refere tanto ao processo formativo quanto às emergências
do fazer cotidiano docente.
A escola neste sentido, não é apenas local de transmissão de uma cultura incontestada,
unitária, mas terreno de luta, de encontro, de possibilidades. A escola é o lugar onde se ensina
não só FRQWH~GRV SURJUDPiWLFRV PDV VH HQVLQD D µSHQVDU FHUWR¶ D WROHUkQFLD R µSURIXQGR
UHVSHLWRSHOR RXWUR¶$IRUPDomR QmRSRGHVHU HQWHQGLGDFRPRDOJRDFDEDGR H GHVDQH[DGDGR
contexto em que ela ocorre. Se antigamente a formação era vista como uma atividade que estava
relacionada apenas com a aquisição de competências especificas direcionadas ao mundo do
trabalho, a formação hoje, é antes de tudo, um processo teórico-prático onde os aspectos
relevantes se interagem para formarem um todo em mutação com o meio ambiente.
Tendo como base estas reflexões procuraremos dialogar com algumas condições
contemporáneas promotoras de uma nova ordem mundial profundamente presentes nos días de
hoje, identificadas por Fonsêca (2017), que afetam de maneira veemente o processo educativo.
Desenvolveremos estas reflexões organizando-as em dois grandes tópicos: tripla tirania da
tecnologia, do consumo e da informação e as estratégias de governo da vida que são a
militarização, a medicalização e judicialização.
ϳ

Formas Contemporáneas de Governo da Educação: tripla tirania do tempo e tripla
tirania do espaço

1. Tripla tirania do Tempo: tecnologia, consumo e informação

Atualmente estamos imersos em uma dinâmica na qual o homem entende a


humanidade na razão direta de sua capacidade de dominar a natureza e outros homens.
Entendimento que afeta a educação e que pode ser compreendido como um processo de
tiranização do real pautado pela redução de todos os seres, à condição de objetos, cujo único
valor consiste no lucro que podem produzir ou na utilidade que podem ter. Um modo como se
deu, e vem se dando, promotor da planetarização do mundo contemporâneo, sob a égide do
capitalismo, que tem seu correlato na fragmentação que parece atravessar todos os níveis da
sociedade.

O que percebemos, hoje, conforme Fonsêca (2017), é uma globalização perversa


imposta a toda a humanidade, que invade todo o mundo. Diante desse fenômeno devemos
considerar, em primeiro lugar, a emergência de uma tripla tirania - da tecnologia, do consumo e
da informação - intimamente relacionadas, constituindo-se uma das principais características da
condição contemporânea que conspiram contra uma educação humana. Esta tríplice tirania
fornece as bases do sistema ideológico que legitima as ações características da nossa época e, ao
mesmo tempo, busca conformar, segundo um novo ethos, as relações sociais e inter-humanas,
transformando tudo e imprimindo um novo ritmo à sociedade e à educação.

Hoje, de acordo com Unger (2001), vivemos num mundo que é fruto amargo desta
dinâmica, cujo desdobramento realiza-se em múltiplos níveis em que os vínculos sociais são
rompidos e as relações humanas dissolvem-se. Em algum nível, quer queiramos ou não, cada
um de nós está sendo interpelado a viver agonias, rupturas e tensões oriundas de toda a parte.

A globalização produziu (e está produzindo) um sujeito sem precedentes. De acordo


com Lipovetsky (1983), a contemporaneidade tem gerado um intenso individualismo,
perpHWXDQGR XPD VRFLHGDGH µKLSHU¶ - hipertecnologia, hiperconsumo, hiperinformação-, uma
sociedade dos excessos, marcada pela exarcebação que coloca o homem em guerra contra o
devir (Rolnik, 1992).

O capitalismo avançado consome e desagrega tudo que encontra pela frente, numa
velocidade inédita e por que não assustadora, construindo um mundo nunca visto antes. A
lógica da corrida, que a partir do advento da tripla tirania e tendo a velocidade como valor
máximo, dificulta cada vez mais o contato humano.
ϴ

Interessante descrevermos algumas repercussões desta sociedade contemporânea que
vive sob o ataque cerrado destas experiências carregadas de tensão, caracterizando-se, cada vez
mais, pela incapacidade de apreender suficientemente e dominar soberanamente a variedade
dinâmica que a envolve e a enlaça.

A globalização, sob os auspícios da tecnologia, invade todo o mundo e a razão passa,


então, de sua função raciocinante a uma razão instrumental, assim denominada por Horkheimer
(apud Lorenzon, 2009), na qual a técnica assume um lugar que designa a forma primaz de
intervenção sobre o real, sobre o outro. Uma racionalidade deformada, limitada, que submete
tudo, conforme Enriquez (2006), com um estilo de ação perversa, rebaixando tudo ao nível de
objetos.

A racionalidade instrumental, característica primordial da dimensão tecnológica, tem


como objetivo utilizar o sujeito, que acredita ser em grande parte autônomo, para superexplorá-
lo e aliená-lo (Enriquez, 2006). Conforme, Weber (apud Maffesoli, 2003), essa racionalidade
como dimensão fundamental da existência é burocratizadora das relações; torna a vida
programada, limitada por um tempo e espaço homogeneizante, e se manifesta nos usos do
espaço, nos comportamentos e na sociabilidade, no individualismo e na recusa do outro.

Uma dimensão que surge na era contemporânea, remetendo a uma peculiaridade de


nosso tempo, cada vez mais desvinculado de suas raízes, é a necessidade de especialistas.
Dimensão própria das éticas da eficácia. Um tipo de ética, conforme Figueiredo (1995),
profundamente individualizante, profundamente distanciada da vida. Segundo ele, ao agir assim,
estamos instrumentalizando as relações humanas, concebendo-nos como instrumento e não mais
como posição e papel, nos sentindo, a partir daí, obrigados a orientar a conduta, as ações e as
relações pelo conhecimento científico e pela técnica. Acredito que esta seja uma das
características mais marcantes dos tempos atuais.

Figueiredo (1995), refere que este tipo de ética da eficácia, marca da


contemporaneidade, vem designar uma ética da adaptação, uma ética funcional profundamente
desvinculada, distanciada da natureza e da comunidade humana. E nesse sentido, a partir desse
viés, somos transfigurados pela sensação de inderterminação atual.

Desvinculado de suas raízes, e cada vez mais funcional, vendo-se apenas como
instrumento, caracterizado pela ocupação utilitária de si e do mundo, o sujeito contemporâneo
busca aplicar estratégias de normatização com vistas a evitar a diferença, a alteridade, o inter-
humano e, portanto, o conflito. No entanto, o conflito, a diferença, a alteridade é parte
inerradicável da vida conjunta dos seres humanos.
ϵ

Na busca inócua de anular a alteridade, o sujeito contemporâneo busca a padronização e
homogeneização dos comportamentos. Nesse sentido, torna-se ainda mais comum, o uso de
especialistas visando dirimir a insuportável diferença (Rosário, s.d.).

O sujeito reconhecido por si mesmo, imerso num profundo individualismo, ou como


QRV GL] /LSRYHVW\   QXP µKLSHULQGLYLGXDOLVPR¶ H µKLSHUHVSHFLDOLVPR¶ WHP LPSHGLGD VXD
possibilidade de tornar-se pessoa, de ser, de estabelecer vínculos ± o que exige tempo e lugar
para acontecer. Um ser humano não se constitui, por exemplo, com mães virtuais, com técnicas,
com instrumentalizações. Nos constituimos, necessitamos para nos constituir, da presença
humana.

O que é possível desse modo de ser instrumental, oriundo da razão tecnológica, é o


pragmatismo, o funcionalismo. Um modo de ser e agir marcado pelo planejamento e cálculo,
que tem como meta a busca desenfreada de pseudovalores de produtividade e eficácia. Nesse
campo, marcado pelo repetitivo, conforme Unger (2001), não há lugar para a criação, para o
inter-humano, abrindo espaço para um posicionamento que, num primeiro olhar, nos mostra
como de menor compromisso frente à vida: surge um sujeito mais indiferente em matéria de
afetos, um sujeito visto como máquina, avaliado e estimado pelo sistema a partir do seu
funcionamento.

Nos dias de hoje, de acordo com Lazarrini & Viana (2010), vivemos uma educação que
se vê compelida por uma revolução calcada nos avanços científicos e tecnológicos, muitas vezes
em descompasso com a possibilidade de apreensão imediata do indivíduo; uma sociedade
competitiva que tem gerado o empobrecimento da experiência coletiva e valorizado os
interesses e as demandas íntimas, privadas, o bem estar pessoal em detrimento do bem estar
coletivo. Com isso, a solidariedade é interrompida ou dificultada, uma vez que as pessoas não se
reconhecem como tendo os mesmos interesses.

De acordo com Enriquez (2006), na contemporaneidade, a razão instrumental considera


cada um apenas um objeto, que visa um mundo totalmente administrado, um mundo totalmente
nomeado, empenhado no controle, na certeza, na perfeição e na segurança. Razão funcional que
atravessa de ponta a ponta a vida cotidiana, gerando um cotidiano cada dia mais normatizado,
regrado, submetido ao vento e à tempestade arrebatadora da técnica. Uma época cuja marca
registrada é a revolução tecno-eletrônica, que vem alterando, conforme Gonçalves Filho (1998),
sensivelmente o modo de produção do conhecimento e das relações humanas.

Vivemos uma era digital, extremamente técnológica, que impõe a técnica, geradora do
modo de ser funcional como um modo superior e mais verdadeiro. Uma era que exige que o
humano acompanhe o ritmo e a cadência da produção capitalista. Ambiente voraz onde o
ϭϬ

sujeito, assim como o trabalhador, ficam reduzidos à capacidade produtiva, ou seja, ao
funcional. No conjunto, conforme Gonçalves Filho (1998), o homem é incorporado como mais
um fator desse cálculo preciso da rentabilidade, seu corpo já não é um corpo próprio; é mais um
dos mecanismos desse ambiente voraz, lugar onde a tecnologia exige alimentação contínua de
suas peças. Reduzido ao modo de ser funcional, utilitário, a um contínuo processo de
racionalização instrumental, a uma constante alimentação de uma engrenagem maior, vive um
tempo extremamente aprisionador, conforme Bosi (2003), levando o sujeito a pensar que deve
estar à disposição desse sistema que nunca para.

Exige-se uma adaptação, uma transformação do humano, ser indefinido e inacabado, em


máquina. Cada vez mais orientado pelo pragmatismo utilitarista técnico-científico, queimado
por este sistema, fica exausto, desanimado e esvaziado de sentido.

A adaptação às maquinas e linhas de produção impede o viver criativo. Um estado de


submissão à realidade, de rotinização da vida cotidiana, um funcionamento simplesmente
adaptado às suas exigências, onde o que conta é a necessidade de alimentar corporalmente o
fluxo ininterrupto de funcionamento do sistema.

O humano precede à técnica, do ponto vista existencial, mas parece que este
pensamento anda esquecido. O que temos percebido é justamente um excesso de tecnificação da
existência gerando profunda desumanização (Castro & Zanelli, 2010). No entanto, segundo
Santos; Tunes & Bartholo Júnior (2006), na contemporaneidade vivemos da absurda visão de
que os sistemas de produção e re-produção globais ao se utilizarem da terra como recurso, por
meio da técnica, e tendo como parâmetro a razão instrumental, pensam dela poder prescindir,
assim como das relações humanas. Nutre-se do fruto, nega-se a árvore; nutre-se do homem,
nega-se suas raízes, nega-se seu húmus, sua ligação terrena pela crença de que, com
instrumentalidade, pode-se fazer nascer uma nova árvore, um novo humano em solo postiço.
Artificialidade em cima de artificialidade, essa é a marca de um mundo mobilizado por relações
ultraindividualistas onde o sucesso, o bem estar individual e a competição acirrada imperam.

A impressão que temos é que a sociedade se transformou num vale-tudo, onde não se
tem mais certeza do que é bom ou mau, correto e incorreto. E, sobretudo, parece que os valores
que mais se impõem são os de caráter individualista, funcionalista e utilitário. A razão,
distanciada do mundo circundante, desimpregnada pelos sentidos comunitários, passa a ser
promotora da cultura do efêmero, da cultura da fragmentação e da cultura da desesperança.
Importante hoje é o luxo, o lucro, o egocentrismo e a onipotência.

Uma das marcas do processo de globalização, além da tecnologia, é o consumo.


%DXPDQ   HP µ9LGD SDUD R &RQVXPR¶ HOHJH R FRQVXPR FRPR IRFR SUHIHUHQFLDO H
ϭϭ

desenvolve sua análise apresentando o que considera ser uma das principais consequências da
condição contemporânea: a progressiva e constante transformação das pessoas em mercadorias.
Uma sociedade de consumo na qual seus membros são moldados, sem opção de escolha, ao
dever de desempenhar o papel de consumidores. Para tal os indivíduos precisam estar sempre
alertas e expostos em um mundo onde tudo e todos podem ser comprados.

Para este autor (2001), o consumo, na nossa sociedade, é uma tentativa de escapar da
agonia a que está submetido o homem contemporâneo, como uma forma de estar livre do medo
do erro, da negligência ou da incompetência. Enquanto certo desencanto, artificialidade e
esgotamento são consequências da dimensão tecnológica em nossa sociedade, no que se refere
ao consumo podemos dizer que o desamparo, segundo Fortes (2009), será uma dimensão
extremamente presente, elevado a dimensão traumática (Francisco, 2012). Pois, em um mundo
extremamente tecnificado, do ponto de vista existencial, gerador de profundo individualismo,
solidão, isolamento, distanciamento da outridade de si e do outro, tende a gerar profundo
desamparo. O indivíduo acaba não tendo onde se apoiar, não tendo em quem confiar. Percebe-
se, assim, que o mercado nutre-se da infelicidade que gera ± dos medos, das ansiedades, dos
sofrimentos de inadequação pesssoal, induzindo e liberando comportamentos consumidores.

6HUQDVRFLHGDGHGHFRQVXPRpWHU6HJXQGR%DXPDQ  RµWHU¶VXEOLPDDPDUFD


da condição do sujeito contemporâneo, cada vez mais submisso à servidão consumista, cuja
lógica é a da substituição dos desejos, valores e crenças da tradição em prol do consumo
desenfreado de bens. Consumismo considerado como o novo ethos cultural. Consumismo como
um novo modelo de socialização, como possibilidade de qualidade de vida (Fortes, 2009).

Diante desse novo modo de vida contemporâneo, que afeta sobremaneira a educação,
faz-se necessário compreender o circuito consumista ao qual todos nós estamos submetidos,
quer queiramos ou não. A obsessão de comprar é certamente a expressão dos instintos
hedonistas, mas pode ser vista, por outro lado, como paliativo frente às inseguranças e
incertezas que inquietam o homem atual. A compulsão consumista, segundo Fortes (2009), não
é apenas o extravasamento da busca incessante de sensações prazerosas, mas constitui-se,
também, numa espécie de compensação diante do desamparo subjetivo contemporâneo. O
comprar compulsivo é considerado um ritual feito à luz do dia para exorcizar as horrendas
aparições das incertezas que assombram as noites (Bauman, 2001).

Na sociedade do consumo, o consumidor é reduzido a um objeto de consumo através de


uma estratégia de pseudo-singularidade (Bauman, 2008). O que lhe resta é portar uma
identidade transitória construída com boas doses de identidade prét-à-porter (Rolnik, 1997).
Trata-se de uma droga disponível aos montes no mercado do consumo, sob todas as formas e
para todos os gostos: são as miragens de personagens globalizados, vencedores e invencíveis,
ϭϮ

envoltos por uma aura de incansável glamour; personagens que parecem pairar acima das
turbulências do vivo e da finitude de qualquer uma de suas figuras. É nesse contexto de
fragilidade, conforme Fortes (2009), que vive o homem de nossos dias.

O caráter descartável das mercadorias cria ansiedade por uma próxima novidade, pelo
modelo mais novo, movimentando o ciclo de produção e geração de lucro do modelo
FDSLWDOLVWD 0RYLPHQWDomR HP SURO GH XP ~QLFR YDORU VHJXQGR (QULTXH] ³7XGR VH FRPSUD H
WXGR VH YHQGH´   FXMD WHQWDWLYD p HOLPLQDU DV GLIHUHQoDV YLD PDVVLILFDomR YLD
homogeneização das identidades (Rosário, s.d.).

A regra vigente na era do consumo é não sofrer, e a proposta que reina soberana é a de
ter felicidade como horizonte de todos os acontecimentos da vida. Hoje, aquele que não
consegue ser feliz é visto como uma pessoa fraca e mereFHGRUDGHFXOSD1RVQRVVRVGLDVµWRGD
WULVWH]D p YHUJRQKRVD LQMXVWLILFDGD H SDWyORJLFD¶ Felicidade caracterizada e exacerbada pela
imposição e busca constante e sem restrições de consumo.

Nesta lógica, há uma redução da figura da alteridade, pois o outro ser humano pode
tornar-se objeto de consumo, servindo como mero instrumento de uso e só existindo enquanto
meio de alimentar momentaneamente o eu, e não como relação inter-humana. Há, assim, uma
relação predatória do outro e de si mesmo, uma deterioração das relações interpessoais.

Numa sociedade marcada pela hipertecnologia e pelo hiperconsumo exige-se um sujeito


que tenha atenção vigilante, que esteja profundamente inserido neste movimento incessante de
exigências e mudanças. Segundo Figueiredo (1995), cada um de nós se converte no edificador
de sua própria morada, já parcialmente feita sob medida para cada um.

A globalização, segundo Bauman (2001), tem configurado também uma sociedade da


informação, que tem como parâmetros tanto a tecnologia como o consumo. A globalização tem
na circulação da informação umas de suas principais características, onde as pessoas estão
adquirindo, porém não estão digerindo, pois não conseguem assimilar. A globalização rouba o
tempo e o espaço proprício para a elaboração (Francisco, 2012).

No centro do redemoinho de informações e diante da miríade de informações


despejadas sobre nós, a cada segundo, ficamos avassalados por elas, perplexos, passivos,
paralisados, distantes. Estamos na era da informação excessiva, tendo como parâmetros a
tecnologia digital e o consumo descartável.

O excesso de informação e estimulação desestabiliza o sujeito, pondo à prova sua


capacidade de metabolizar e atribuir sentido à experiência. Interessante pensarmos acerca deste
sujeito enquanto um dispéptico existencial (Nietzsche, 2009), termo utilizado para referir
ϭϯ

situações onde não lhe é dado o tempo e espaço próprio da digestão das situações, tornando um
ser ressentido, fragilizado, resultando numa experiência de intensa incerteza e imprevisibilidade,
tantas vezes associada a situações de fracasso e frustração, ao mesmo tempo em que é
confrontado com exigência do rendimento e do sucesso do mundo globalizado.

Somos, hoje, consumidores por excelência, não só de produtos, relações, pessoas, como
de informações, sem capacidade de questionar o que ingerimos, adormecidos em uma
passividade aviltante. UPDHUDµIDVWIRRG¶QmRVyGHSURGXWRVGHLQIRUPDo}HVPDVGHVXMHLWRV

Um momento cultural marcado pela superficialização da cultura, que ignora o raciocínio


porque aspira não sofrer, que encurta a linguagem para não ter o trabalho de interpretar. Uma
época em que há o bombardeio da informação como um dos esteios centrais da sociedade
contemporânea.

Segundo Bondía (2002), ao se referir à era da informação, a imensa quantidade de


coisas que circula hoje é pior que a falta de informação e este excesso paralisa o sujeito
impossibilitando o acontecer humano; nosso tempo está organizado para que nada nos aconteça.
Um mundo pobre de experiências é o que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas
coisas, mas a experiência humana é cada vez mais rara.

Em primeiro lugar pelo excesso de informação.


A informação não é experiência. E mais, a
informação não deixa lugar para a experiência,
ela é quase o contrário da experiência, quase
uma antiexperiência. Por isso, a ênfase
contemporânea na informação, em estar
informados, e toda a retórica destinada a
constituir-nos como sujeitos informantes e
informados; a informação não faz outra coisa
que cancelar nossas possibilidades de
experiência. O sujeito da informação sabe
muitas coisas, passa seu tempo buscando
informação, o que mais o preocupa é não ter
informação; cada vez sabe mais, cada vez está
melhor informado, porém, com essa obsessão
pela informação e pelo saber (mas saber não no
VHQWLGRGHµVDEHGRULD¶PDVQRVHQWLGRGHµHVWDU
LQIRUPDGR¶  R TXH FRQVHJXH p que nada lhe
aconteça (Bondía, 2002: 18-19).
ϭϰ

Esse sujeito da era da informação vive em permanente e acelerada busca de informação,
de formação, de constante atualização, de reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo
como valor ou como mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo, que tem sempre de
aproveitar o tempo, que não pode protelar qualquer coisa, tem que dar conta de tudo, que tem
que seguir o passo veloz do que se passa, que não pode ficar para trás; por isso mesmo, por essa
obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo.

A velocidade com a qual são transmitidas informações ao redor do planeta, hoje,


produz uma sensação de perda das noções de tempo e espaço. A notícia viaja num tempo
infinitesimal, espalhando-se por todo o espaço geográfico da terra, negando ao homem a
possibilidade de pensar sobre ela, digeri-la com cuidado.

Fonsêca (2017), sublinha a paridade entre informação, tecnologia e consumo.


Dimensões que acontecem em meio a uma velocidade inédita, onde estamos submetidos ao
controle contínuo e à comunicação instantânea. Apontando para o forte poder de
homogeneização, a informação está atrelada à razão instrumental, sendo atravessada pelo
sentido de utilidade, de descartabilidade e de substituição. Uma dimensão importante no que se
refere a informação é seu caráter de acabamento, enquanto a abertura está associada à
experiência, à narrativa, à digestão. A informação nos chega acabada, prét-à-porter, pronta para
usar, pronta para ser engolida. A informação quer ser sempre nova para valer alguma coisa,
enquanto a experiência/narrativa tem seu valor no acontecimento, na relação, no encontro, no
enraizamento do humano.

Os sintomas mais nítidos do homem dos tempos atuais se manifestam na sua


incapacidade de desligar-se dos contratempos cotidianos. Diante disso, o indivíduo não
consegue processar de maneira conveniente o que lhe chega, desenvolvendo um processo
similar ao que ocorre numa má digestão orgânica. E por não conseguir digerir psiquicamente
uma situação, tenderá a ruminar morbidamente, hipertrofiado que se encontra em termos de
dimensões utilitárias, consumistas e de informações. Segundo Fonsêca (2013), a partir de
Nietzsche (2012), a dispepsia decorreria, sobretudo, da incapacidade do indivídXR HP µVDEHU
desligar-VH¶RXVHMDVDEHUDVVLPLODUDVLPSUHVV}HVGRVHYHQWRVGHVHQYROYHQGRLQWHQVRVDIHWRV
mórbidos e degenerativos que o torturam cruelmente.

Um homem marcado pela má digestão, que degenera sua vitalidade, que como uma
espécie de rato corrói suas entranhas, e que quanto mais o corrói, mais o separa de si e dos
outros, convertendo-RQXPJUDQGHGHSyVLWRGHLPSUHVV}HVSVLFROyJLFDVµPDOGLJHULGDV¶

Tornando-VH GLVSpSWLFR R VXMHLWR QmR VH OLYUD GH QDGD QmR µGi FRQWD¶ GH QDGD 0DLV
literalmente ainda: não dando conta de nada, tal homem nunca fica pronto para o novo, para o
ϭϱ

presente, para as novas experiências. Torna-se refém de suas marcas; nele o passado não é
vivido de maneira plástica (Fonseca, 2000), por não conseguir digerir suas vivências. Um
homem que comumente abdica do sono ou tem dificuldade de dormir. A partir de Nietzsche,
percebemos que esse homem é um dispéptico, um doente do ressentimento, que muitas vezes
reage, ressente, por incapacidade de agir, de sentir, pois tem dificuldade de digerir. Segundo
Nietzsche: existe um grau de insônia, de ruminação, de sentido histórico, que prejudica o
vivente e por fim o destrói, seja um homem, um povo ou uma cultura (Nietzsche, 2003).

Um mundo que coage, disciplina e moraliza a vida, tende a fomentar o crescimento do


desprezo, da generalização, da desconsideração de si e do outro, do desrespeito, da recusa da
alteridade constituinte do ser humano (Enriquez, 2006). Mais do que nunca, vivemos, hoje, um
estado de violência, de profunda depredação do outro. Uma ética da violência que caracteriza o
mal-estar na atualidade deve ser entendida no campo da anulação da alteridade do outro e de sua
utilização como objeto de predação.

Uma sociedade que celebra as aparências, com bovina resignação, onde o


acontecimento é esquecido, banido da cena por outros mais espetaculares, condenando a pessoa
à solidão e destruição de si mesma. Não tendo envolvimento pleno com os outros, dependendo
de infusões contínuas de admiração e aprovação para estimularem um sentido incerto de
automerecimento. A regra vigente é não sofrer e a proposta que reina nesta sociedade
perfomática, narcísica é a espetacularização do sofrimento e a promoção do desamparo
(Lazarrini & Viana, 2010). Não oferecendo ao sujeito formas eficazes de contornar essa
condição, cria-se um ambiente propício ao surgimento e aumento de patologias, como por
exemplo, depressões, toxicomanias, compulsões.

Segundo Birman (2003), uma época em que tudo remete ao excesso, encontrando-se,
subjacente às novas patologias, a retenção desse excesso no corpo quando não é escoado para a
ação. Sofrimento vivido no corpo, na ação e na intensidade do sentimento, marcado por uma
tonalidade traumática. Uma época cuja busca fundamental é pela eliminação das diferenças,
impossibilitando também as igualdades. O excesso é antes de tudo ausência da possibilidade de
senti ficar a vida. Com a dificuldade crescente dos indivíduos em regular essas intensidades e
absorver os excessos, o que temos é a emergência do trauma e da angústia como modos
cotidianos de impacto das experiências dos sujeitos. Como lembra Figueiredo (1995), o homem
contemporâneo é um homem traumatizado ± entendendo trauma como um excesso de
excitações as quais o indivíduo não consegue controlar. E imerso nesta lógica do excesso na
qual o modo de pensar o sofrimento é pautado pela ausência de sentido, instala-se a
medicalização excessiva como busca de alívio, que nunca se realiza, para suportar o profundo
desamparo.
ϭϲ

Uma condição em que a vida vem sendo negada, negada em sua efetuação de
movimentos, na construção de territórios de existência, na produção de modos de subjetivação e
de produção diferenciadora. E isto extrapola o campo de uma existência individual, pois este
atentado à vida, que atinge uma existência individual, diz respeito à vida da existência coletiva
e, mais amplamente, a existência do planeta.

E diante desse tempo vivido de maneira crescentemente traumática, em que somos


marcados atitudes altamente dissociadas da alteridades, promotores no campo educacional de
uma educação cada vez mais dissociada da diversidade, vemos arrefecer nessa década, três
estratégias já presentes no século XX, mas que surgem no cenário atual com muita força, que
chamamos de estratégias de governo da vida, profudamente presentes também no ambiente e
mentalidade educacional contemporâneo, como possibilidade de fazer frente a este tempo
contemporâneo, assim como fortalecer a nova ordem mundial.

2. Tripla Tirania do Espaço: militarização, medicalização e judicialização

Vivemos uma era mergulhada em dispositivos que visam organizar o mundo com o
propósito de controlar e homogeneizar (Castro, 2012), que almeja tudo funcionando em perfeita
harmonia, conduzindo à paz, à segurança e à tranquilidade. Ideias e conceitos que chegam a
educação, promotores de um tempo, de acordo Vilhena (2009), que enxerga o mundo como um
lugar inseguro, onde o outro, o diferente, sempre é visto com desconfiança e apreensão, tendo
como resultado a discriminação e a segregação social. Imersos em um movimento que
propende, cada vez mais, a encerrar a vida num gradeado sem cor, mas com a pretensão de
fazer durar e preservar.

Condições contemporâneas que demandam administrar a vida, não suprimi-la, mas


administrá-la em termos regulatórios por meio de práticas de governo da vida, sob uma lógica
binária. Ações que chegam com toda força no meio educacional nesta década (Fonsêca, 2017),
baseadas numa racionalidade instrumental, num modo prático, que desembocam num profundo
movimento de higienização da cidade, da população, e consequentemente, da educação e dos
alunos. Condições de emergência do discurso medicalizante, judicializante e militarizante da
educação.

Grau zero de tensão, esse é o objetivo que move o ambiente educacional governado por
estratégias de controle da vida. Busca-se um sentimento de consenso e cordialidade. Estratégias,
segundo Fonsêca (2017), que estão na ordem do dia em termos de preocupação em qualquer
ϭϳ

escola, em qualquer quadrante do mundo. Ideais de interiorização, cerceamento e privatização
da vida dirigem um mundo considerado suspeito.

Estratégias que retiram da vida o sentido da experimentação e da criação coletiva.


Retiram do ato de viver a possibilidade da afirmação de modos singulares de existir. Entendem
a vida como um fardo. Desumanizam, silenciam e retiram sua dignidade. Condições que geram
diminuição da autonomia, do espaço de ação, levando a todos nós recear profundamente ser
aspirado pelo mundo. Uma vida em que tudo que parece fazer sentido é vivido como invasivo e
angustiante.

Estratégias que avançam cada vez mais, principalmente nesta década, lançando
tentáculos e todo seu furor por todas as áreas da vida humana (Lima, 2014) e, por conseguinte,
alcançam as relações sociais segundo seu evangelho, ou seja, uma organização social produtora
de um modus vivendi para os seres humanos que os obriga a reduzir tudo a um denominador
comum, a um quantum abstrato e calculável, igualando assim o que era diferente, com
pretensões de silenciar o humano.

Como estratégia de vida, evita-se os riscos, investindo-se em modos de subjetivação


para eliminar as angústias (Vilhena, Rosa & Veras, 2015). O homem age cada vez mais
orientado por tecnologias de poder que interferem no modo de viver; ao mesmo tempo em que
deixa morrer outras maneiras de existir fabricando corpos úteis, dóceis e produtivos (Toassa,
2012). Estratégias que incidem sobre a educação contemporânea.

Hodiernamente, vivemos hoje imersos em tecnologias, consumos e informações que


proporcionam um funcionamento eficiente e ágil, além de intensificar o processo de valorização
dos especialismos, gerando práticas de tutela e desqualificação da diversidade educacional. Essa
exigência de homogeneidade, intensifica estratégias que afetam a criatividade, a inteligência
coletiva, o engajamento e a responsabilidade frente à condição humana, gerando
aprisionamentos mediante a utilização de ferramentas que efetuam a normalização do que é
vivido como diferença.

Uma era inclinada para a busca da sobrevivência (Lemos, 2014), marcada pela ausência
de decisões tomadas pelo uso da palavra e, por conseguinte, caracterizada pela redução de
nossa participação no mundo. Diante desse contexto, ocorre a redução do mundo, o que implica
ou permite abertura de um relevante espaço que passa a ser dominado pelos discursos militares,
médicos e/ou jurídicos.

Submersos que estamos em uma educação que ignora a diversidade, que ignora a
multiplicidade. Costurados que estamos sendo, conforme Vilhena, Rosa & Veras (2015), pela
mercantilização da educação que transforma as soluções em produtos, sejam militares, judiciais
ϭϴ

e/ou médicos e, desse modo, a educação tende a ficar seriamente debilitada, podendo gerar
segregação manicomial, perda dos direitos e da capacidade criativa. Processos que destroem a
confiança e as formas de solidariedade e sociabilidade tradicionais, reafirmando preconceitos e
contribuindo para a configuração de um panorama sócio espacial caracterizado por
racionalidades que governam as condutas e os modos de ser.

Militarização ou criminalização da educação

Militarização ou criminalização da educação dá vazão à racionalidade de guerra contra


os inimigos que podem estar em qualquer lugar (Lima, 2014), e nesse caso, especificamente no
ambiente educacional. Militarização, de acordo com Bittencourt (2014), como combate sem
trégua em relação ao outro, tendo como base uma lógica individualizante, de controle e de
criminalização da diferença. Produções discursivas e práticas que incidem sobre temáticas
existenciais, com a legitimação e o peso de seu status da ciência especialista na matéria humana.

Práticas educativas que tem como meta a proliferação dos aparatos tecnológicos de
controle que visam configurar um ambiente educativo em que os ideais e os próprios termos
de segurança militar são transferidos de maneira sutil para o cotidiano escolar.

Os espaços passam a ser vigiados e controlados (Bittencourt, 2014). A vida


crescentemente passa a ser marcada pelo medo do outro, do diferente, do estranho, produzindo
uma escola que aceita os discursos de criminalização da vida como parte de seu cotidiano.

Um cotidiano abalizado por essa produção intensa de fala sobre o crime, sobre o perigo
no mundo, assim como sobre o perigo que o mundo é, passa a ser o contexto corriqueiro das
escolas contemporâneas. Como consequência, há uma colonização do nosso imaginário, assim
como empobrecimento das experiências corporais, submetendo-nos a inexorabilidade do
fechamento, do distanciamento daquele que não mais reconheço como meu semelhante.

Lógica que leva ao esvaziamento do mundo, de seu sentido tradicional de lugar que
possibilita as relações sociais, retirando e negando o acontecer do imprevisto, da improvisação,
do espontâneo, da convivência, dos encontros, dos conflitos. Racionalidade que deprecia o
mundo, obstruindo a oportunidade de lugares marcados pela voz, pela negociação, que
proporciona uma posição no mundo como possibilidade de fazer os afetos circularem (Fonsêca,
2017).
ϭϵ

Um medo estimulado excessivamente pela abordagem sensacionalista e policialesca dos
grandes centros de comunicação (Bittencourt, 2014), perspectiva que influencia decisivamente a
vida diária, os padrões de circulação. Esse medo passa a ser visto e vivido como um dos
principais organizadores das sociedades atuais, assim como, das escolas, contribuindo para a
deterioração das relações de sociabilidade e de confiança, ampliando ainda mais a segregação e
o medo.

Fator gerador de um aumento do efetivo policial e de segurança privada, potencializador


de construções de arquiteturas que visam à expulsão dos indesejáveis, como por exemplo:
muros, correntes, lanças em portões e muretas, concretos ásperos em baixo de pontes e viadutos.
Os avanços das tecnologias de informática, de telecomunicações, via satélite ou a cabo e da
microeletrônica, aliados ao medo generalizado, tem favorecido ainda mais o isolamento.

Uma era produtora de sociedades definidas por um ethos de oposição à escola,


encerradas em uma lógica que pretende a eliminação do diferente. Sociedades do consenso,
caracterizadas pela homogeneização das sensibilidades. Espaços cada vez mais pacificados
como parte de nossos corpos, além de acentuada valorização do privado e, por consequência, da
reflexão introspectiva, da vida intimista.

Diante do medo e da crescente criminalização da vida nos dias de hoje (Lima, 2014),
toda uma tecnologia da arquitetura escolar com objetivo de produzir uma apartação social, ao
mesmo tempo que também se torna expressão de uma mixofobia (medo de misturar-se), ou
seja, uma negação da heterogeneidade e da diversidade que sempre caracterizavam a cidade
desde os gregos.

Perspectiva profundamente presente atualmente,nos dias de hojeabalizada por barreiras


físicas e simbólicas de apartação em relação ao entorno. Uma arquitetura da segurança voltada
para o interior, para longe das ruas, zoneada para eliminar o contato e, por consequência,
negando os espaços de interação. Contam com isso, com cercaduras, as mais altas possíveis e,
por vezes, até mesmo climatização, evitando lembrança ou sinal do mundo. Espaços públicos
abandonados em detrimentos a locais privados que prometem uma vida perfeita, marcada pelo
distanciamento daquele que não mais reconheço como meu semelhante.

A paranoia da segurança traz ainda outra consequência, que é a busca incessante por
controle e a crença de que seremos capazes de tudo controlar e nos defendermos desta situação
± mesmo que o preço a pagar seja o isolamento total. Estas parecem ser a proposta, de acordo
com Arantes (2015), do urbanismo contemporâneo.

Uma escola policiada, vigiada, controlada, progressivamente marcada pela pacificação,


pela desinfecção dos conflitos, pela quebra dos vínculos e pelo sentimento de não fazer parte do
ϮϬ

mundo. E diante dessa drástica mudança de compreensão do mundo, natural acontecer
mudanças de hábitos, de lazer, de consumo, confinando-nos, cada vez mais em condomínios, à
superexposição à televisão, ao celular, ao computador, à internet.A vida nos é negada e os
modos de viver tendem a conviver progressivamente com mais medo e discursos de guerra.

As escolas, assim como, as moradias demandam tantos quesitos de proteção que


perdem suas características sociais e urbanas. A imagem se aproxima de espaços de
confinamento e reclusão. A vida, de acordo com Arantes (2015), propende a ser cada vez mais
gerada por detrás do mundo, que se torna um entulho, sem qualquer importância. Com
interferência direta na paisagem urbana, esta é a estética que compõe um cenário de reclusão e
individualidade. O sujeito se recolhe em seu habitat, ou em seus espaços, fica preso dentro de
sua casa, assim como da escola, elimina a coletividade de sua vida.

Abrimos mão da vida, acreditando que o outro roubou de nós. É provável que em um
curto espaço de tempo tenhamos uma geração que não mais saberá transitar pelo mundo. E mais
além, achará isto natural (Vilhena, Rosa, Veras, 2015). Provável que as pessoas desaprendam a
arte de negociar significados, esqueçam ou negligenciam o aprendizado das capacidades
necessárias ao conviver com a diferença.

O que observamos é que o lugar para os afetos, as amizades, o respeito mútuo, a


confiança, vão ficando cada vez mais restritos: a circulação entre os espaços cada vez mais
circunscrita e as trocas entre os pares cada vez mais inexistentes. É sempre bom lembrar, as
implicações que o lugar que construímos e vivemos representam na construção de nossas
subjetividades, em nossa sociabilidade e na forma como nos relacionamos, amamos,
trabalhamos...

Assim, o sujeito não é perpassado por valores como solidariedade e fraternidade. E


esvaziado desses valores que circulam no espaço social, sequer existe enquanto registro
alteritário. Quando assim vivemos, anulamos o sujeito e só vemos o reflexo de nossa
intolerância. O estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a
classificação que lhe impomos. É importante constatar que é a generosidade do olhar do outro
que nos devolve nossa própria imagem ungida de valor, envolvida pela aura da significação
humana.

Nós nada somos ou valemos se não contarmos com o olhar alheio acolhedor, se não
formos vistos, se o olhar do outro não nos recolher e salvar da invisibilidade que nos anula e
que, portanto, é sinônimo de solidão e incomunicabilidade, falta de sentido e valor. Quando esse
laço é rompido, ou não pode ser construído, rapidamente aparecem situações onde a relação
passa a ser orientada pelo domínio da força e, frequentemente, pela demonização do outro, o
Ϯϭ

que consolida o afastamento, a separação e simboliza a dessocialização pela rejeição e pela
recusa da convivência.

Medicalização da educação

Medicalização é um dispositivo que transforma a vida em questões a serem tratadas ou


medicalizadas, ambicionando de maneira veemente, de acordo com Christofari; Freitas &
Baptista (2015), um modo de olhar para o outro como se ele fosse uma simples somatória de
características biológicas e comportamentais, ambas tomadas como ponto de partida para a
definição da presença de possíveis patologias..

Na medida em que a racionalidade médica, sobretudo o discurso médico-clínico se faz


presente em todos os campos da vida e se expande pelas diferentes áreas do saber social, esse
modo de subjetivação, nos convoca a problematizar a classificação da diversidade humana
como desvio, distúrbio e patologia.

Com a expectativa de normatizar, legislar e vigiar a vida, da mesma maneira que a


militarização, programam-se estratégias fortemente amparadas em discursos cientificistas,
insuflando dispositivos de controle da existência (Toassa, 2012). A regulamentação da vida,
dessa forma, tende a conceber a diversidade humana por uma lente individualista, atribuindo aos
alunos uma série de rótulos e classificações, os inserindo em uma rede de explicações e
causalidades, objetivando criar lugares para cada um de nós ocupar.

Medicalização é uma prática que reforça que o problema está no sujeito em si, isolando-
o, desconsiderando questões políticas, sociais e culturais que permeiam a vida. Prática que
conduz, se espalha e funciona como uma maquinaria social que se caracteriza por não estar
situada em um lugar específico; longe disso, dissemina-se por toda a estrutura social (Vilhena,
Rosa & Veras, 2015). Processo intensificado na atualidade, segundo Lemos (2014), tornando
um dispositivo que em tudo intervém e começa a não mais ter fronteiras.

Importante entendermos que o ato de medicar é apenas um dos tentáculos da


medicalização (Christofari; Freitas & Baptista, 2015), talvez o mais visível, ou mesmo, o mais
possível de contabilizar. Medicalização deve ser compreendida como uma rede de saberes que
se espraia por diversos campos, como por exemplo, psiquiatria, psicologia, enfermagem,
educação, entre outros, produzindo um solo fértil para a irrupção do processo de
funcionalização dos modos de ser e viver. Campos os mais variados que propendem a se
ϮϮ

restringirem a tornar um problema que não é médico e dar-lhe uma roupagem pragmática,
transformando-o em um problema biológico centrado no individuo.

E os números são pródigos quanto ao aumento de adoecimentos que necessitam de


medicação. Cada vez mais assistimos a um processo amplo de medicalização para tratar,
minimizar (conflito), aniquilar sentimentos e ações que fazem parte da vida: tristeza, euforia,
preguiça, baixa autoestima, desânimo, falta de criatividade, agitação, entre outros.

Racionalidade que se alastra crescentemente nos dias de hoje influenciando


excessivamente todas as relações sociais. Perspectiva baseada em processos de estabelecimento
de normas, prescrição e proscrição da existência, os quais, na verdade, produzem alunos
dependentes de saberes produzidos, de saberes ditos científicos, vividos como verdades. A
medicalização funciona como um rastro de pólvora que se infiltra e se expande rapidamente de
forma quase incontrolável em todas as esferas da vida humana.

Progressivamente e de maneira cada vez mais intensa, medicamentos são usados para
propósitos que excedem a função precípua para a qual, em tese, foram descobertos e criados,
isto é, aliviar sintomas e curar doenças (Christofari; Freitas & Baptista, 2015). A Indústria
farmacêutica vem ocultando, sistematicamente, os profundos efeitos colaterais dos princípios
ativos destinados a tratá-los!

A medicalização, de acordo com Lemos (2015), como estratégia de governo da vida,


toma para si a tarefa de conduzir a humanidade a um estado hígido e civilizado. E da maneira
como vem ocorrendo nos fenômenos humanos, não tem limite, ponto de partida ou de chegada.
Busca-se o silenciamento da vida, a não experiência, a não convivência, tendo como meta
patologizar os conflitos, os modos de expressão da vida.

Crianças que em uma dada época eram tidas como levadas, introvertidas, agitadas,
teimosas, indisciplinadas, agora são diagnosticadas com os mais diversos transtornos, déficits,
desvios. O problema é individualizado negando suas relações. Classificações humanas que
geram efeitos nos sujeitos: cada classificação, cada diagnóstico, cada tipificação implica uma
mudança no modo como agimos, como expressamos nossas emoções e sentimentos, enfim, no
modo de nos construirmos como sujeitos.

Um tempo vivido como entrássemos numa maquinaria de poder que nos esquadrinha,
nos desarticula e nos recompõe (Christofari; Freitas & Baptista, 2015). Olhares, gestos,
intensidades, palavras, estilos de vida tornam-se elementos importantes para o processo de
patologização. Com isso ganham a força os especialismos e os enquadrinhamentos, como
intervenções que invadem o cotidiano, produzindo paralisias e tutela de seus profissionais,
reduzindo as intervenções ao âmbito da ciência, impregnadas pela razão instrumental.
Ϯϯ

Ainda que a patologização e a psiquiatrização não sejam fenômenos recentes, estamos
criticando aqui a intensa medicalização dos processos da vida que se efetua atualmente.
Situação profundamente devastadora em qualquer faixa etária, mas particularmente na infância.
Diante disso, cada vez fica mais claro que nossa sociedade parece ter definido um modo
privilegiado de sofrer, um modo medicalizado de administrar os fracassos, os sofrimentos e as
angústias.

Judicialização da educação

Por judicialização deve-se entender o fenômeno do intenso acesso ao poder judiciário na


atualidade. Segundo Lemos, Galindo & Costa (2014), compreende um movimento de regulação
normativa e legal do viver, do qual os sujeitos se apropriam para a resolução dos conflitos.

A judicialização tem favorecido o declínio de estratégias e formas de resolução dos


conflitos cotidianos fora do âmbito jurídico e legal, como por exemplo, o diálogo. Práticas que
acontecem nos diversos contextos sociais, que contribuem para alimentar a racionalidade que
considera o poder judiciário a instância, por excelência, onde as dificuldades e os conflitos
devem ser resolvidos. Concorda-se, por conseguinte, com Lemos, Galindo & Costa (2014),
quando explicam que a judicialização apresenta, ao menos, dois movimentos: de um lado a
ampliação do acesso ao sistema judiciário e, por outro, a desvalorização de outras formas de
resolução de conflitos.

Nos processos de judicialização das relações sociais, entendida como a crescente


invasão do direito na organização da vida escolar (Fonsêca, 2017), evidenciam-se o caráter
contraditório do Poder Judiciário, entendido como uma via de garantia de direitos e, também,
uma via de controle social dos sujeitos no âmbito da sociedade contemporânea.

Judicialização como produção de subjetividades aprisionadas, moralizantes, que vigiam


e julgam a si mesmas e as demais (Vilhena, Rosa & Veras, 2015), fortalecendo as práticas que
homogeneízam e delimitam os modos existenciais, profundamente interligados e marcados pela
ciência, seus discursos e práticas, que bem podem ser traduzidos por meio da naturalização da
existência reduzida ao nível individual.

Situações de conflito acontecem durante toda a vida em sociedade. Nos dias de hoje,
segundo Lemos (2015), parece que não mais sabemos lidar com as tensões naturais da vida, e
diante disso não sabemos resolver os conflitos de forma colaborativa. Situações em que a vida
está sendo decidida sem que haja um prévio debate sobre o mundo, caracterizado por inflação
Ϯϰ

dos discursos jurídicos profundamente reveladores da insuficiência do debate entre os homens.
Desse modo, o poder judiciário, ao ser provocado a apreciar os inúmeros conflitos humanos,
dificilmente leva em conta a possibilidade de pensá-los coletivamente (Lemos, Galindo &
Costa, 2014).

Com este olhar individualizante e punitivo, temos gerido vidas, produzindo leis e
demandando medidas tutelares que contemplem os mínimos aspectos do viver. Judicialização,
conforme Lemos (2015), como política da vida, estratégia de controle que se intensifica na
atualidade e que provoca novas formas de assujeitamento. Hodiernamente tendem a ser
judicializadas todas as relações inter-humanas.

Demanda-se que a justiça legisle sobre todos os aspectos do existir (Lemos, Galindo &
Costa, 2014). Lógica punitiva que esquadrinha a vida no banco dos réus. Práticas de controle,
encarceramento e punição, fazendo de cada um de nos aceite esta condição, ora de juiz ora de
acusador, algoz e vitima (Oliveira & Brito, 2013). Lógica que recai sobre o aluno que introjeta
a punição como algo indispensável à vida, como ato necessário para o bem comum e para o bem
de cada um.

Com base em uma lógica dicotômica que separa o bem do mal, o agressor da vítima, o
cidadão do criminoso, reforça a segregação social e a culpabilização do sujeito. Nesse processo,
de acordo com Oliveira & Brito (2013), tudo deve ser controlado, recompensado ou punido,
passando pelo judiciário e pelo rol de especialistas que estão lá como solucionadores de
conflito, confiando na garantia dos saberes fornecidos por estes especialistas do viver.

Assim, a vida é decidida em um tribunal (Lemos, 2015), onde na maior parte das vezes
não se procura conhecer a historia da vida do sujeito. E assim, práticas jurídicas propendem a
definir tipos de subjetividades e a perpassar as formas de relação na sociedade contemporânea.

Ocorre que ao nos acostumarmos com julgamentos e sentenças, podemos segundo


Vilhena, Rosa & Veras (2015), perder a capacidade de nos espantar e de lidar com o que
encontramos de maravilhoso e assustador, pois vamos cansando da vida. Importante que a
educação esteja em permanente reflexão como forma de fomentar a construção de práticas
inovadoras, que rompam com os aprisionamentos produzidos pelos processos de criminalização,
medicalização e judicialização. Fundamental uma educação que inaugure constantemente
desvios a serviço da valorização da vida. Fundamental que questionamentos como estes façam
parte do processo formativo do professor, que discussões como estas transpassem pela
organização curricular, como forma de lidamos de forma construtiva com estas condições
contemporânea.
Ϯϱ

A importância da formação de professores e do currículo como frentes
educacionais diante do contemporâneo

Desde os primórdios dos anos 80 que começou a despontar dentro e fora dos sistemas
educativos, grande interesse e preocupação pela qualidade da formação dos/as professores/as,
sendo consenso que, não podemos falar de renovação, de inovação ou de mudanças na educação
sem se pensar na formação do/a professor/a.

Contudo, a questão da formação de professores/as, de accordo com Silva (2017) tem,


frequentemente, sido percebida como a preparação do profissional para exercer a sua profissão
em resposta às demandas sociais

Assim, para responder às demandas sociais, o/a professor/a deve ser requalificado como
profissional e como protagonista, o que significa, superar o papel do/a professor/a que apenas
WUDQVPLWH SDVVLYDPHQWH D PDWpULD H TXH p ³R GRQR GR VDEHU´ WUDnsformando-o/a num/a
orientador/a do/a aluno/a para ajudá- lo/a a chegar ao conhecimento, associando, criticando e
desenvolvendo suas próprias habilidades.

Independentemente do modelo de formação de professor/a, este está diretamente


relacionado com os marcos sócio históricos da sociedade em que ela acontece, e a sua
concepção inculcada de marcos teóricos e de pressupostos de uma determinada época.

Freitas(2000) citando Flores defende ainda que, a formação de professores depende de


uma determinada concepção de currículo de ensino e de escola, mas também da forma como se
entende a sua formação num dado momento.

A evolução das sociedades nas últimas décadas, vem exigindo que o paradigma da
formação do/a professor/a para este novo milênio, seja sustentado por pressupostos teórico-
práticos bastante complexos e completos, de forma a dar uma resposta com qualidade às
múltiplas e crescentes demandas de educação, decorrente de todo este contexto, ou seja, da
necessidade contemporânea de um professor professor/a reflexivo/a, do/a crítico/a, do/a
criativo/a, do/a intelectual, do/a investigador/a, do/a inovador/a.

Uma das preocupações dos últimos anos das políticas educativas, foi definir o papel que
desempenha a educação no atual contexto nacional e internacional, preconizar os fins e
objetivos principais e estabelecer os tipos de conhecimentos e de habilidades necessários para
enfrentar os problemas locais e globais. Na realidade, tem-se procurado a promoção da
educação integral do indivíduo na perspectiva de desenvolvimento humano, num mundo em
Ϯϲ

constantes mudanças, que cada vez mais vem contribuindo para a produção de desigualdades
sociais.

Contudo, a problemática da formação do/a professor/a requer em primeiro lugar, refletir


sobre o conhecimento das competências profissionais que lhe são exigidas e que são necessárias
para o desenvolvimento do seu trabalho, e por outro lado, requer o conhecimento profissional
necessário para desempenhar com qualidade a atividade docente.

E no que se refere currículo? Segundo Silva (2000), qualquer texto sobre currículo, que
VH SUH]H LQLFLD FRP XPD ERD GLVFXVVmR VREUH R TXH p DILQDO µFXUUtFXOR¶ &RQVLGHUD-se
importante introduzir esta discussão, para delimitar (ou ampliar?) o campo de análise e para
deixar claro que tomo o conceiWRGHFXUUtFXORSDUDDOpPGDVµJUDGHV¶HSRUWDQWRSDUDDOpPGD
seleção e organização do conhecimento na escola. A discussão da qualidade da educação no
contexto atual, considerando principalmente os pilares da Política Educacional em marcha,
quais sejam, a descentralização financeira, avaliação e a Reforma Curricular, viD 3&1¶V WHP
dado a questão do currículo uma relevância maior nos discursos educacionais.

Por outro lado, a teorização crítica no Brasil acerca do currículo, conforme análise de
Silva (2017), tem alcançado uma amplitude que, em que segundo o mesmo autor, vai da restrita
visão de currículo como lista de disciplinas e conteúdos, passa-se a uma visão de currículo que
abrange praticamente todo e qualquer fenômeno educacional. Ou seja, o currículo torna-se tudo
ou quase tudo.

A discussão do conceito de currículo torna-se, portanto importante, pois indica sob de


que ponto de vista se está falando, o que se está priorizando. O trabalho de Silva (2000),
apresenta uma discussão importante do conceito de currículo, mostrando, através da história do
currículo, como este se constitui como um artefato, uma invenção social e histórica, sendo que a
sua definição envolve prioridades sócio-políticas, constituindo-se como um processo social de
preferências e privilégios.

Silva (2000) também nos alerta para o fato de que o que o currículo é, depende,
precisamente, da forma como é definido pelos diferentes autores e teorias, ou seja, uma
definição não nos revela o que é, essencialmente, o currículo, mas, o que determinada teoria
pensa que o currículo é. O que o autor destaca é que, o que é mais importante não é tanto o
conceito que se toma para se definir o que é o currículo, mas as questões que se busca
responder. Conforme analisa o autor, a questão central de qualquer teoria do currículo é: o que
ensinar? Esta pergunta não envolve apenas a seleção e organização de conteúdo, mas,
fundamentalmente, o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade.
Questão necessária num tempo marcado pela tripla tirania da tecnologia, do consumo e da
Ϯϳ

informação, assim como, pela estratégias de governo da vida, como a criminalização,
medicalização e judicialização da vida.

Tendo em conta estas questões, Silva (2000) sugere o currículo, atualmente é marcado
pelo deslocamento da ênfase dos conceitos simplesmente pedagógicos de ensino e
aprendizagem, avaliação, planejamento, eficiência, objetivos, para os conceitos de ideologia
cultura e poder, classe social, relações sociais de produção, currículo oculto, resistência,
emancipação, nos permitindo ver a educação sob uma nova perspectiva levando em conta a
vida contemporânea.

Conceitos como identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso,


saber/poder, representação, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo, caracterizam o
pensamento contemporâneo em educação e currículo (Silva, 2017).

Neste aspecto, consideremos de grande importância a teoria de Paulo Freire que como
³FLGDGmR GR PXQGR´DFDERX semeando suas ideias pelo mundo, falando sobre a relação entre
educação, política, imperialismo e libertação. Considerado como o filósofo inaugural da
pedagogia crítica, Freire conseguiu proceder a uma reorientação global da pedagogia,
direcionando-a no sentido de uma política radical de luta histórica, perspectiva que desenvolveu
como projeto de vida. $TXLOR TXH KRMH p GHQRPLQDGR µSROtWLFD GH OLEHUWDomR¶ WHP YLWDO
significação para ativistas da educação no mundo todo, e para o que Paulo Freire contribuiu de
modo pioneiro e fundamental.

O trabalho de Freire continua a ser assumido principalmente por grupos marginais de


educadores, que trabalham fora da corrente educacional dominante. Silva (2017) entende que
3DXOR )UHLUH VXD YLGD H REUD R FRORFDP FRPR ³FLGDGmR GR PXQGR´ SUHRFXSDGR FRP um
projeto humano de libertação. É neste sentido que problematizo as contribuições de Freire para
uma teoria do currículo. Este movimento não se constituiu em um bloco único, mas é a partir
dele que se vai caracterizar a matriz curricular conhecida como Nova Sociologia da Educação,
constituindo-se na primeira corrente sociológica voltada para o estudo do currículo.

O currículo sempre foi alvo de atenção dos que buscavam entender e organizar o
processo educativo escolar. Entretanto, somente ao fim do século XIX e no início deste do
século XX, nos Estados Unidos, um significativo número de educadores começaram a tratar de
problemas e questões curriculares.

A palavra currículo vem da palavra latina curriculus, Scurrere, correr, e refere-se a


curso (ou carro de corrida), o que leva etimologicamente a uma definição de currículo como um
curso a ser seguido, ou mais especificamente, apresentado. Souza (2012) afirma que o currículo
Ϯϴ

nunca é um conjunto neutro de conhecimentos, ele é parte de uma tradição seletiva, resultado da
seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo.

Conforme Souza (2012) tradicionalmente, duas grandes tendências marcaram os estudos


e as práticas curriculares. De um lado as propostas que vê em o currículo como conjunto de
conteúdos e, de outro, os que defendem a ideia de que o currículo é constituído por um conjunto
de experiências vivenciadas na escola ou sob supervisão da mesma. Entretanto, estas
orientações, em decorrência de novos estudos no campo educacional, vão sendo ressignificadas
ao longo do século passado e deste século.

De acordo com Schon (2000), a preocupação com o desenvolvimento curricular surge


junto a fragmentação do conhecimento, que ocorre com a introdução de novas disciplinas
escolares, que ocorreu a três séculos atrás.

Torna-se necessário que pensemos sobre como o currículo está privilegiando


determinados saberes em detrimento de outros, e ao menos tenhamos consciência de que o
currículo não é neutro, ele é parte do sistema cultural no quaO IRL ³IDEULFDGR´ ( TXH QRV
perguntemos: porque determinados conteúdos devem ser trabalhados em sala de aula e não
outros? Será que este currículo está ensinando para a vida? E para que vida? Essas são perguntas
relativamente simples, que sinalizam para o aprofundamento das questões trazidas aqui.

O currículo é um elo entre a declaração de princípios gerais e sua tradução operacional,


entre a teoria educacional e a prática pedagógica, entre planejamento e a ação, entre o que é
prescrito e o que realmente se sucede nas salas de aula, levando sempre em conta a vida
contemporânea (Silva, 2017).

O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do


conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite
visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais
particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal ± ele tem uma história,
vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.

(QWUHWDQWR ³DV H[SHULrQFLDV GRV DOXQRV VHXV FRQKHFLPHQWRV SUiWLFRV VXD LQVHUomR
cultural, são aspectos fundamentais a serem considerados peODV SUiWLFDV SHGDJyJLFDV´ 6RX]D,
2012, p. 57).

Pensar em um currículo linear, baseado na ideia de um percurso gradual de


aprendizagem seria até certo ponto possível, se tivéssemos a possibilidade de nos alienar no
próprio mundo em que vivemos, e se todos nós fossemos iguais na forma de pensar, apreender e
Ϯϵ

receber informações do mundo que nos cerca. Entretanto, como cada indivíduo tem uma
maneira particular de assimilar os conhecimentos com os quais entra em contato, um currículo
linear é simplesmente uma forma de massificar a educação, até mesmo porque, quem pode
afirmar que os conteúdos eleitos e a ordem em que foram dispostos são a melhor? Como
assinala Ramalho; Nunez; Gauthier, (2004), o currículo é a forma de ter acesso ao
conhecimento, não podendo esgotar seu significado em algo estático.

Conforme Silva (2000), o professorado atual é fruto de modelos de socialização


profissional que lhes exigiam unicamente prestar atenção à formulação de objetivos e
metodologias, sem considerar objeto de sua incumbência a seleção explícita dos conteúdos
culturais. Isso contribuiu para deixar nas mãos de outras pessoas os conteúdos integrantes do
currículo, gerando sua coisificação. Muitas vezes os conteúdos parecem ser contemplados pelos
alunos como fórmulas vazias, sem a compreensão de seu sentido. Criou-se também a tradição de
se considerar o que está apresentado no livro didático como única forma possível de ensinar,
consequentemente os professores tem dificuldade de pensar em conteúdos diferentes dos
tradicionais.

Torna-se importante também investir na formação dos professores. De acordo com Silva
(2000), a formação, a cultura geral do professor, a interação que nele se estabeleça entre o
conhecimento de conteúdos e a diferenciação de aspectos relativos à sua estrutura com outros
conhecimentos e valorizações pedagógicas serão as responsáveis pelo papel real de mediação
que o professor tem no currículo. Através da formação contínua de professores é possível
problematizar não apenas o currículo, os materiais disponíveis, mas a própria prática docente.

O aluno aprende a partir do que é significativo e contextualizado com sua realidade. Por
sua vez, a prática pedagógica disciplinar, muitas vezes, acaba por segmentar o pensamento e a
construção de conhecimento dos educandos. Muitas escolas concebem a educação por meio de
disciplinas e propõe um trabalho isolado para que o aluno aprenda conhecimentos parcelados, o
que se deve em grande parte à própria formação do professor, enraizada em modelos
tradicionais de ensino.

Importante situar o currículo no contexto de um mundo multicultural dominado pela


lógica neoliberal. Discutir em que medida os atuais currículos dos cursos de formação de
professores estão formando profissionais capazes de atuar como intelectuais questionadores do
existente, multiculturalmente orientados e preocupados em pesquisar e aprimorar suas próprias
práticas. Revê, então, a concepção do professor como intelectual transformador e como
profissional reflexivo, defendendo que na formação docente se levem em consideração as
diferentes dimensões da prática pedagógica
ϯϬ

Partimos do pressuposto de que as reflexões sobre currículo devem incluir,
necessariamente, reflexões sobre o professorado, sobre sua prática e sobre o tempo em que
vivemos. Se a concepção de currículo corresponde às experiências pedagógicas em que
docentes e estudantes constroem e reconstroem conhecimentos, se cabe aos docentes
participação ativa no processo de planejar e desenvolver tais experiências, não ocorre
desenvolvimento curricular se não ocorrer simultaneamente o desenvolvimento do professor e,
com ele, o aperfeiçoamento das práticas escolares (Nóvoa, 1992). Logo, não se pode pensar
currículo sem se pensar o professor e a sua formação. Trata-se hoje de pensar o currículo e de
pensar o professor em tempo de hegemonia do neoliberalismo.

É ao neoliberalismo, em síntese, que se deve associar tanto a intensificação das


dificuldades econômicas enfrentadas pela maioria da população do globo terrestre como o
desaparecimento progressivo de universos mais autônomos de produção cultural. Segundo
Bourdie (1998, apud Souza, 2012), a destruição das bases econômicas e sociais das aquisições
culturais da humanidade, que se verifica nas sociedades neoliberais contemporâneas, tem
crescentemente, subordinado a esfera cultural aos interesses comerciais, empresariais,
burocráticos ou estatais dominantes, tornando-a cada vez mais dependente desses mesmos
interesses. Difícil de ser questionado, o neoliberalismo se apresenta, arrogantemente, como
descrição científica do mundo real, como teoria pura, como corpo de doutrina coerente e
consistente, como a única saída, como a única solução técnica possível. Transforma-se, de fato,
no senso comum de uma época. Nesse sombrio contexto, Bourdieu (1998, apud Souza, 2012)
propõe a reconquista da democracia e insiste em que se preserve a esperança, a seu ver possível
pela ação de indivíduos e grupos que ainda insistem em construir uma ordem social que não se
paute pela busca do interesse egoísta ou pela paixão individual pelo lucro.

Nossa opção aqui é admitir a importância e a necessária articulação dos diferentes


elementos enfatizados em cada uma das concepções apresentadas e, ao mesmo tempo,
considerar o conhecimento como a matéria prima do currículo, entendendo então currículo
como o faz Silva (2000), como o conjunto de experiências de conhecimento que a escola
oferece aos estudantes. Tanto os planos como os encontros efetivos que reúnem professores e
alunos gravitam em torno do conhecimento. É fundamentalmente pelo conhecimento que se
procura atingir as metas definidas para um curso, para uma escola ou para um sistema
educacional. A centralidade do conhecimento nas questões e decisões curriculares é plenamente
reconhecida pelos autores da teoria curricular crítica, que vêm se empenhando, desde a década
de setenta, em compreender as relações entre conhecimento escolar e poder. Apoiando-se
principalmente no neo-marxismo de Gramsci e nos pensadores da Escola de Frankfurt, são
numerosos os estudos que, focalizando o currículo oficial, o currículo oculto e o currículo em
ϯϭ

ação, bem como os recursos empregados e as relações sociais estabelecidas na prática
curricular, procuram entender como o conhecimento escolar tem contribuído para preservar
relações de poder que oprimem determinados grupos e indivíduos e garantem os privilégios de
outros.

O currículo é visto, desta forma, de acordo com Silva (2017), como território em que
ocorrem disputas culturais, em que se travam lutas entre diferentes significados do indivíduo, do
mundo e da sociedade, no processo de formação de identidades. Essa constatação levanta,
inevitavelmente, algumas questões. Que identidades os atuais currículos estão ajudando a
produzir? Que identidades deveriam produzir? Identidades em sintonia com padrões dominantes
ou identidades plurais? Identidades comprometidas com o arranjo social existente ou
identidades questionadoras e críticas? No caso particular da formação de professores cabe
indagar: que professores estão sendo formados, por meio dos currículos atuais, tanto na
formação inicial como na formação continuada? Que professores deveriam ser formados?
Professores sintonizados com os padrões dominantes ou professores abertos tanto à pluralidade
cultural da sociedade mais ampla como à pluralidade de identidades presente no contexto
específico em que se desenvolve a prática pedagógica? Professores comprometidos com o
arranjo social existente ou professores questionadores e críticos? Professores que aceitam o
neoliberalismo como a única saída ou que se dispõem tanto a criticá-lo como a oferecer
alternativas a ele? Professores capazes de uma ação pedagógica multiculturalmente orientada?

Na década de oitenta, Giroux (1988, apud Ramalho; Nunez: Gauthier, 2004) sustentava
que o professor precisava atuar como intelectual transformador, fundamentando suas atividades
em um discurso moral e ético pautado na preocupação com o sofrimento e a luta dos oprimidos.
Essa visão de intelectual aponta para um profissional capaz de articular e desenvolver
possibilidades emancipatórias em espaços mais específicos. O autor acrescenta que esse
profissional: (a) procura explicitar os fundamentos de uma pedagogia crítica, explicitando sua
relevância para os estudantes e para os demais membros da sociedade; (b) esforça-se por tornar
o pedagógico mais político e o político mais pedagógico; (c) busca unir a linguagem da crítica à
linguagem da possibilidade; e (d) concebe as salas de aula como espaços nos quais podem ser
projetadas as condições necessárias ao desenvolvimento de novas formas culturais, novas
práticas sociais, novos modos de comunicação e situaçõesmateriais mais satisfatórios. Novas
influências - do pensamento contemporâneo e dos estudos culturais - levaram Giroux (1988,
apud Ramalho; Nunez; Gauthier, 2004) a reelaborar sua concepção do professor como
intelectual, optando por substituir, nos anos noventa, o termo transformador. O autor questiona a
visão de intelectual como um indivíduo iluminado, capaz de conscientizar as massas e de
definir, a priori, os rumos do processo de mudança. Propõe o intelectual público, voltado para
ϯϮ

ampliar os espaços públicos em que discussões e decisões possam ocorrer, assim como para
combinar concepção e implementação, pensamento e prática, com o projeto coletivo de uma
cultura pautada por liberação e por justiça. Na visão de intelectual público associam-se, ao
caráter político da prática docente, bastante acentuado na figura do intelectual transformador, a
preocupação com o caráter discursivo dessa prática, a valorização da esfera cultural e a crença
na importância do debate público.

Destaca-se o foco contemporâneo, entendido como uma prática que contribui para
construir a realidade à qual se refere. Segundo Giroux (1988, apud Ramalho; Nunez; Gauthier,
2004), o professor precisa examinar a relação entre conhecimento, aprendizagem e poder,
entendendo-a como parte de um discurso político a ser reconstruído e colocado a serviço da
liberdade humana. Precisa levar o aluno a compreender como conhecimento e poder se
associam na leitura e na elaboração de textos, o que significa tanto analisar como as relações de
poder se manifestam nos textos como comprometer-se com a luta concreta por condições mais
dignas e justas de vida. Como intelectual público, o professor deve reconhecer o caráter parcial
dos discursos, questionar as especificidades dos pontos de vista, afrontar os critérios de uma
verdade supostamente universal, abrindo-se, ao mesmo tempo, ao diálogo, a um projeto mais
amplo de construção da solidariedade e de uma sociedade democrática. Daí a importância de
uma linguagem da imaginação, de uma linguagem de possibilidades não realizadas. Apoiamo-
nos em Silva (2000) para destacar outro ponto que nos parece central hoje na visão do professor
como intelectual.

Em outras palavras, propõe que o intelectual envide esforços no sentido de tornar


evidente que muito do que é visto como natural, assim o é por atender à manutenção de
SULYLOpJLRVHLQWHUHVVHVGHGHWHUPLQDGRVJUXSRV$³GHVQDWXUDOL]DomR´GHDVSHFWRVTXHFRVWXPDP
oprimir indivíduos e grupos constitui, por conseguinte, forma pela qual o intelectual expressa
seu compromisso político. Com Silva (2000), enxergamos o intelectual como um sujeito com
um papel específico na sociedade, que não se restringe à competente atuação em uma dada
categoria profissional. O intelectual é um indivíduo dotado da faculdade de representar,
encarnar e articular uma mensagem, uma visão, uma atitude, filosofia ou opinião para e a favor
de um público (Silva, 2000). O intelectual é um indivíduo cujo maior objetivo é fazer progredir
a liberdade e o conhecimento. Para cumpri-lo, acrescento, o intelectual não pode abdicar de sua
autonomia, de sua integridade, de sua ética, de sua crítica. Não pode aceitar que as coisas
continuem a ser inexoravelmente como são, não pode deixar-se cooptar e terminar referendando
discursos autoritários que discriminam, que desprezam as necessidades humanas, que
desvalorizam o social e o cultural.
ϯϯ

É indispensável, argumenta, uma crítica cultural que denuncie estratégias elitistas e
neopopulistas que inviabilizam o projeto de construção de uma sociedade mais solidária e
democrática. Daí a importância de um professor que, bem desempenhando seu papel de
intelectual, procure tanto denunciar e desnaturalizar fatores opressivos e relações de poder
assimétricas, como contribuir para o anúncio de alternativas que caminhem na contramão de
visões e interesses hegemônicos. Ponto de vista similar é encontrado em considerações de Shon
(2000), referentes à educação. Segundo ele, o panorama educacional contemporâneo inclui
macro e microproblemas que, embora entrelaçados, precisam ser distinguidos. O primeiro
refere-se à diferença, aos problemas das minorias, claramente identificáveis nas escolas e salas
de aula. O segundo é o problema da crítica, que se manifesta como um problema de diálogo, de
interpretação e de uma práxis relativamente autônoma de intelectuais e profissionais, inclusive
professores e alunos. O autor coloca-se, então, a favor de se promover a tensão entre poder e
liberdade, entre a celebração da diversidade específica e a atuação política em prol de mudanças
mais amplas nas organizações sociais e na ideologia. Ou seja, além de micropolíticas situadas,
locais, vê como indispensáveis estratégias políticas abrangentes. Nesse sentido, o pensamento
crítico, se não representa uma solução para os macroproblemas a serem enfrentados, pode
iluminar relações e pontos antes não percebidos e sugerir caminhos antes não vislumbrados. No
mesmo estudo a que já nos referimos (Souza, 2012), argumentamos ser indispensável
acrescentar ao caráter político presente na visão de Giroux (1988, apud Ramalho; Nunez;
Gauthier, 2004) o caráter acadêmico, expresso no compromisso com a busca da verdade, com a
investigação e com o estudo, que precisa caracterizar a prática docente. Desta forma,
consideramos tanto a prática profissional como o preparo do professorado precisam combinar
dimensões de ordem política, cultural e acadêmica.

Essa perspectiva instiga o professor a assumir-se como intelectual, de modo a


evidenciar: o compromisso com lutas particulares, no contexto em que atua, e, ao mesmo
tempo, com a construção de uma sociedade menos opressiva; o permanente propósito de
mostrar, por meio da crítica cultural, que as coisas não são inevitáveis; a preocupação em fazer
avançar o conhecimento e a liberdade; bem como o empenho em auto aperfeiçoar-se e
aperfeiçoar sua prática

Com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determinando um prazo para que todos os
professores tivessem nível superior, surgiram XPDJDPDGH³SDFRWHVGHIRUPDomRGRFHQWH´TXH
³YHQGLDP H YHQGHP´ FXUVRV PDV GHYH-se questionar a qualidade desta e de toda a formação
docente. Atualmente, há um boom de cursos de pedagogias virtuais com aula uma vez por
semana. Se eu não tiver uma boa formação, como vou formar bem meu aluno? (Souza, 2012)
ϯϰ

A temática Formação de Professores vem ocupando um espaço cada vez maior no
campo educacional, tanto por parte dos governantes como pela mídia e pelos estudiosos que
vêm se debruçando sobre esta questão. As mudanças ocorridas no cenário internacional, a partir
do final dos anos de 1980, repercutiram no campo educacional e, mais especificamente, na
produção sobre a formação de professores. A educação e as ciências Sociais defrontaram-se, na
YLUDGD GD GpFDGD GH  SDUD D GH  FRP D GHQRPLQDGD ³FULVH GH SDUDGLJPDV´ 1HVVH
contexto, os pensamentos educacionais brasileiros, bem como os estudos sobre formação do
professor, voltaram-se crescentemente para a compreensão dos aspectos micro sociais,
destacando e focalizando, sob novos prismas, o papel do agente como sujeito.

Pode-se notar, nos últimos anos, de acordo com Silva (2017), principalmente nesta
última década, que o número de livros e pesquisas, assim como os artigos e jornais, têm se
ocupado bastante com esta questão. Privilegia-se hoje, a formação do professor- pesquisador, ou
seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo, aquele que reflete sobre
sua ação, aliando-a à atividade de pesquisa. Entenda-se pesquisa esse contato permanente entre
prática, cotidiano e teoria.

1HVVHFRQWH[WRIDODUVREUHDIRUPDomRGRHGXFDGRULPSOLFDSHQVDUTXH³Qmo há ensino
de qualidade nem reforma educativa, nem renovação pedagógica, sem uma adequada formação
GH SURIHVVRUHV´ Nóvoa, 1992). Nesse cenário, privilegia-se, hoje, a formação do professor
pesquisador, ou seja, ressalta-se a importância da formação do profissional reflexivo, aquele que
reflete sobre sua ação, aliando-DjDWLYLGDGHGHSHVTXLVD7DOYH]VHMDUHOHYDQWHGHVWDFDUTXH³D
reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo
carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interesses
sociDLVHFHQiULRVSROtWLFRV´ 6RX]D, 2012).

Nesta perspectiva, argumentamos que dois dos princípios apontados por Silva (2000)
são fundamentais para a formação de um professor pesquisador: 1) a necessidade de ligar o
processo de formação de professores com o desenvolvimento organizacional da escola, para que
os problemas e as referências do meio sejam o contexto de aprendizagens dos professores em
formação, visando à construção de alternativas educativas, assim como à possibilidade de
transformação da escola; b) relevância da integração teoria-prática na formação de professores.
Desta forma, acreditamos que, tanto o conhecimento tácito (conhecimento da prática), quanto o
conhecimento teórico, integram-se num currículo voltado para a ação, para o contexto de
atuação e para o contemporâneo. Esta compreensão evidencia a prática (o campo de atuação)
como o núcleo do currículo e da ação pedagógica. Assim, a prática constitui-se como fonte de
saberes, na medida em que analisa e reflete na e sobre a própria ação.
ϯϱ

A partir disso, é relevante destacarmos o pensamento de Freire (1996) em torno da
formação do professor-SHVTXLVDGRUDRDILUPDUTXH³QmRKiHQVLQRVHPSHVTXLVDHSHVTXLVDVHP
HQVLQR´No nosso entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma
forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente
a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente, o
professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (Freire, 1996).

É relevante considerar que a transformação da prática pedagógica dos professores


formadores aconteça numa perspectiva crítica e reflexiva, pautada em uma investigação
metodicamente sistematizada, com base em pesquisas. Para isso, os cursos de formação inicial
precisam considerar a possibilidade de oferecer, em sua prática pedagógica, situações que
provoquem reflexões sobre suas próprias ações, suscitando, também, a reflexão por parte dos
professores em formação sobre a prática escolar.

Assim, se assumirmos o postulado de que os professores são atores competentes,


sujeitos ativos, deveremos admitir que a prática deles não é somente um lugar de aplicação de
saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos
oriundos da mesma prática. Essa perspectiva equivale a fazer do professor - tal qual ao professor
universitário ou o pesquisador da educação - um sujeito do conhecimento, um ator que
desenvolve sempre teorias, conhecimentos e saberes de sua própria ação (SILVA, 2000).

A formação precisa ser entendida como um processo contínuo de desenvolvimento


profissional, como um processo permanentemente atento ao cotidiano. Dessa forma, salienta-se
a importância da qualidade da formação dos futuros profissionais envolvidos com a educação,
para que lhes sejam proporcionadas novas reflexões sobre a sua ação. Ao confrontar suas ações
cotidianas com as produções teóricas, o professor precisa rever suas práticas e as teorias que as
informam, pesquisando a prática e produzindo novos conhecimentos para transformá-la e
aprimorá-la. Ao refletir, ele passa a pensar sobre a situação passada, estabelecendo relações com
situações futuras de ensino que virá a propor e organizar. Esse processo de reflexão crítica, feito
individualmente ou em grupo, pode tornar conscientes os modelos teóricos e epistemológicos
que se evidenciam na sua atuação profissional.

1HVWDSHUVSHFWLYD6LOYD S H[SOLFDTXH³>@DV transformações das práticas


docentes só se efetivam na medida que o professor amplia sua consciência sobre a própria
SUiWLFD´ &XUVRV HP TXH RV SURIHVVRUHV HP IRUPDomR DVVXPHP SDSpLV GH PHURV RXYLQWHV QmR
possibilitam a ampliação dessa consciência. Ampliar a consciência em relação às práticas
implica refletir e analisar os procedimentos/movimentos que dão vida e a sustentam. Em síntese,
implica investigá-la para transformá-la. Uma das possibilidades a se considerar no currículo de
ϯϲ

formação inicial de professores, de modo a suscitar essa ampliação da consciência, é a de dar
voz ao professor em formação. Dessa maneira, poderá manifestar suas inquietações, investigá-
las, sendo, assim, um articulador das suas reflexões e ações.

1DYLVmRGH6RX]D S ³Qão falamos sobre a nossa própria prática, mas sobre a
SUiWLFDGHRXWURVTXHQmRSRGHPIDODUTXHQmRWrPGHID]HUGLVFXUVRV´(VVDYLVmRUHSUHVHQWD
ainda, uma realidade que queremos superar, pois o professor é sujeito de sua própria
ação/prática, porém não é ele o emissor de suas construções. Por isso, entendemos que o
currículo de formação inicial pode se constituir como uma possibilidade, por excelência, que
contribui para que os professores formadores e em formação possam ampliar suas consciências
em relação às práticas educativas e pedagógicas. Assim, poderão expressar o que desejam e o
que querem praticar, de modo que possam se perceber e perceber o que falta ou o que é preciso
fazer para que aquilo que desejam como prática possa ser realizado. Ainda nessa direção,
SHUFHEHPRVTXH³>@DSUiWLFD pedagógica é uma práxis, não uma técnica. E investigar sobre a
prática não é o mesmo que ensinDUWpFQLFDVSHGDJyJLFDV´ 6RX]D, 2012, p. 82). Sendo assim, ao
propor, como formação, que o professor em formação faça a leitura e a compreensão das
práticas pedagógicas, buscamos romper com a mera transmissão/repasse de técnicas
pedagógicas, o que não é a prática, como salienta o autor. A prática é ação, a qual dispõe de um
conjunto de técnicas e recursos que possibilitam seu desenvolvimento no processo de ensino e
de aprendizagem e que se constitui na e pela intenção.

Se desejamos ter, no mercado de trabalho, professores críticos, reflexivos e


SHVTXLVDGRUHVSUHFLVDPRVJDUDQWLUTXHHVWD³VHPHQWH´VHMDSODQWDGDGXUDQWH a formação inicial,
pois este é um momento de formação de identidade docente, por meio do qual o futuro professor
WHP FRPR ³PRGHOR´ RV VHXV SUySULRV IRUPDGRUHV GHIURQWDPR-nos, portanto, com um grande
problema, que se refere à maneira como tais questões são trabalhadas durante a formação inicial
dos professores, pois, segundo pesquisas realizadas por Antunes (2004), a qual objetivou
conhecer a prática de pesquisa dos professores da educação básica, foi possível perceber, por
meio dos sujeitos entrevistados, que o caminho mais adequado à formação para a pesquisa é
destinado aos cursos de mestrado e de doutorado. Neste contexto, o que se percebe é que a
formação inicial parece estar deixando a desejar no que corresponde à pesquisa, pois o que tem
sido evidenciado é que os egressos do curso chegam ao seu final colocando em dúvida até
mesmo o próprio conceito de pesquisa. Isto nos remete às palavras de Souza (2012), quando
afirma que: [...] a pesquisa educacional não entra ou pouco entra na sala de aula, pois os
professores, na verdade, estão se formando mais com os outros professores dentro das escolas
do que nas aulas da universidade ou dos institutos de formação. Os professores costumam dizer
que a pesquisa não serve para eles e pensam, muitas vezes, que tudo isso é complicado, chato e,
ϯϳ

muitas vezes, mentira- é o que eles dizem (Souza, 2012). Nesta perspectiva, considera-se que os
cursos de formação inicial de professores tenham como premissa o caráter investigativo para a
formação inicial deste professor, para que ele desenvolva habilidades e atitudes de um
pesquisador, uma vez que a formação de um pesquisador se dá ao longo da vida, é um processo
contínuo. Cabe à formação inicial instigar neste professor em formação o desejo e o gosto pela
atividade da pesquisa: A pesquisa é, [...], uma atividade que visa à produção de conhecimentos,
possibilitando inúmeras aprendizagens: aprende-se a ordenar as próprias ideias, a olhar e pensar
a realidade cientificamente, a buscar e utilizar para os próprios objetivos de investigação a
informação teórica e factual disponível (Ramalho; Nunez; Gauthier, 2004, p.11).

Acreditamos que é a pesquisa que detecta necessidades, tendências e melhorias, sendo


também responsável por encontrar e apontar as soluções para os problemas identificados na
ação pedagógica do cotidiano escolar. Não dá para conceber uma Educação séria, de qualidade,
sem falar em pesquisa. Esta é, sim, uma atividade primordialmente necessária à Educação. Em
síntese, argumentamos em favor de uma formação inicial que oriente e ensine aos seus
profissionais em formação que a prática necessita ser constantemente investigada, avaliada,
refletida. Deste modo, poderemos levantar indicadores que nos possibilitem auto regulação das
nossas próprias ações educativas, visando a sua permanente qualificação.

Face aos estudos, é possível dizer que não cabe mais pensar em formação fora do sujeito
que se forma, do contexto escolar e do mundo contemporâneo em que atuam cotidianamente
visto que esses professores são também construtores de atos de currículo e por isso mesmo,
autores dessa formação.

Até bem pouco tempo falar sobre formação de professores era algo que não despertava
muito interesse entre os estudiosos do campo da educação uma vez que as preocupações até a
década de 80 centravam-se mais nas questões de ensino e de aprendizagem face às discussões
em torno da função reprodutivista da escola.

A formação de professores em exercício sequer fazia parte dos debates entre os


educadores e, pior ainda, do discurso oficial dos gestores educacionais e representantes
públicos. Esse cenário vem se modificando, paulatinamente, a partir da LDB 9394/96, das
Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica, das Reformas
Curriculares dos Cursos de Licenciatura, da expansão da educação em campos não formais, das
mudanças sociais, político-econômicas, educacionais e, sobretudo, no âmbito da produção do
conhecimento que impõe novos paradigmas, novas formas de pensar e agir do homem na sua
relação consigo mesmo, com outros homens e com o mundo.
ϯϴ

Mas, afinal o que é formação? Formar é... Preparar um currículo com os melhores
conteúdos, disciplinas e professores e repassar aqueles que desejam formar-se? Formar é...
Conduzir um coletivo de sujeitos num processo de aquisição de saberes, competências e atitudes
eleitas como formativas? Formar é... Ser formado ou formar-se? Ou melhor, é formar-se na
relação com o processo e com os sujeitos que o constituem? O que é mesmo formação? E,
tratando-se de professores, como esta formação tem sido concebida?

Bem, o que se discute e defende em termos de formação hoje, é que, os professores,


devem ser formados de tal modo que sejam capazes de deixar o histórico papel de coadjuvantes
da própria formação e assumam o papel de protagonistas desse processo seja lá em que espaço
essa formação ocorra: Universidade, escola, programas de formação continuada, ou outros.

Como destaca Ramalho; Nunez; Gauthier (2004) o educador deve ser o principal agente
de sua formação. Isto significa que a formação deve ser antes de tudo auto formação. Para
Souza (2012) a formação é uma experiência do sujeito, a qual deve ser compreendida ao longo
da vida posto que ela se dê no processo mesmo de existência do sujeito e nas interrelações.
Pensamento semelhante apresenta Schon (2000) ao dizer que a formação [...] é sempre um
aprendizado que acontece a partir da perspectiva do sujeito, como resposta à necessidade de
ampliar o seu conhecimento, o seu saber, a sua sabedoria.

Aqui entendo a formação como processo pautado por relações de natureza


epistemológica (do sujeito que se forma com o conhecimento), políticas (as
finalidades/propósitos da formação), sociais (o ser que se forma na relação com outros seres e o
contexto histórico-social em que se dá essa formação e no qual ele convive cotidianamente),
geográficas (em que espaço/ambiente essa formação se processa) e históricas (em que tempo ±
crono/vivido - essa formação ocorre).

Em face disso, a formação que ocorre no cenário educacional também passa a ser
conduzida como um processo externo determinado, usando uma expressão de Nóvoa (1992).
Ainda pensamos a formação, segundo Silva (2017), como algo fora de nós, externo, como
SURSULHGDGH LQVWLWXFLRQDO LVWR p ³>@ DOJXpP p VHPSUH IRUPDGR D SDUWLU GD SHUVSHFWLYD GR
RXWUR´ 5amalho; Nunez; Gauthier, 2012, s/p). E é, muitas vezes, sob essa perspectiva de
prescrição, que o currículo de formação de professores é, não apenas pensado, mas vivido. O
que se observa é que os projetos curriculares são pensados de modo a determinar, explícita ou
implicitamente, como deve ser esta formação, quem deve se responsabilizar por ela, o que deve
conter e que sujeito formar a partir daí.

Embora, nossa compreensão sobre currículo remeta para além deste ideário da
prescrição, a realidade tem mostrado que essa tem sido a lógica ainda operante nos cenários
ϯϵ

ditos formativos. Face ao exposto, urge se pensar a formação sob uma outra perspectiva. É
preciso conclamar os professores, formados ou em formação, a assumirem uma postura de
formando-aprendiz, (e aqui também nos incluimos), isto é, daquele que se percebe em
constante processo de inacabamento, de necessária busca pelo conhecimento e de possibilidades
de aprendizagem em tudo e em todos.

A formação, nesse sentido, ocorreria a partir de diálogos dos sujeitos com os tantos
sujeitos que atravessam a sua vida. Nessa direção, seria possível falar não apenas de formação,
mas de auto formação (construção de si), também de heteroformação (construção de si a partir
da interrelação com o outro que também se forma) e de eco formação, como construção de si a
partir das vivências no contexto sócio- cultural e profissional (Josso, 2009).

Assim, entendo que a perspectiva de formação não cabe, pois, a ideia de prescritividade
o que nos conduz a afirmar que não há resposta para a provocação inicialmente posta sob a
forma da pergunta: Que currículo para a formação de professores? A concepção que
defendemos aqui é a de que o currículo é construção, movimento, e dessa forma,
profundamente atento a tempo contemporâneo. Embora não possamos negar o lugar e o papel
dos currículos nos processos de formação como artefatos de concepções e atualizações dessa
formação e seus interesses sócio educacionais, temos o dever de alertar sobre as porosidades
desse dispositivo.

E por mais que se intencione ou controle esta formação a partir de um currículo, este
jamais detém a complexidade, o movimento, as possibilidades que se instituem ou são
instituídas pelos sujeitos na sua implicação com o processo formativo. São, pois os atos de
currículo, isto é, as ações socioeducacionais de formadores e formandos que, eminentemente,
alteram a ordem dos currículos, apesar das pré-configurações. Por meio dos atos de currículo, o
professor pode autorizar-se a pensar e agir de modo diferente ao que está posto pelo currículo,
os alunos podem colocar-se como sujeitos na formação, a produzir sentidos próprios e
apropriados conforme seus interesses, necessidades e perspectivas de formação nem sempre
contemplados nos documentos e práticas oficiais.

Para além de como essa formação é concebida, de qual é o papel do currículo e dos atos
de currículo nessa composição, é importante ainda pensar sobre como esse processo que
denominamos formação tem se dado ao longo do exercício da profissão docente.

É sabido que a formação de professores hoje, se constitui em palavra de ordem e uma


necessidade construída e internalizada por boa parcela dos profissionais da docência porque se
vive outros tempos, outros paradigmas, outros momentos históricos, sociais, político-
ϰϬ

educacionais. E são visíveis as novas exigências acerca da profissão e do trabalho, novas
relações sociais, novas representações de gênero, classe, etnia e categorias sociais.

Em tempos modernos, tempos em que se vivenciava certa estabilidade, algumas


³FHUWH]DV´ R LPSHUDWLYR GD WpFQLFD RV GLWDPHV GD YLGD SHOD FLrQFLD R SULPDGR GD UD]mR GRV
valores, do respeito, do zelo às tradições, da supremacia da objetividade e a negação do
subjetivo como constituinte do sujeito, admitia-se a ideia e tinha-se de fato a falsa sensação de
que ao receber um diploma, ou seja, ao se graduar o sujeito estava pronto para exercer a
profissão escolhida e seguir realizando as atividades concernentes a esta sem maiores
investimentos na qualificação profissional posto que o próprio diploma atendia aos níveis de
exigências a esse respeito.

Vale ressaltar que se tratava de uma visão equivocada, mas que a dinâmica do tempo
instituía esta forma de compreender o mundo, a sociedade e atividades como educação, trabalho
e a própria formação humana. Assim, no campo da formação, e mais detidamente, da formação
de professores, vigorava o então denominado paradigma da racionalidade técnica, em que se
encarregava de colocar o professor na condição de espectador de si mesmo e de sua prática
pedagógica, delegando aos chamados especialistas a organização do trabalho pedagógico. Com
isso, os professores, passaram a agir em sala de aula apenas como executores. Formava-se o
professor técnico, pois o objetivo era instrumentalizar o profissional para aplicar os
conhecimentos técnico-científicos e pedagógicos adquiridos ao longo da formação inicial
recebida. Esse é um modelo de formação que segundo Josso (2009) tem início no final do
século XIX e vai até meados do século XX. Porém, é possível dizer que, hoje, em muitos
cenários de formação, essa ainda é a tônica.

Apesar de todas as preocupações oficiais com a questão da formação de professores,


deixando-se à parte os interesses político-econômicos que, subjazem as políticas públicas para
esta formação, das diretrizes acerca da formação de professores, das modificações curriculares
já realizadas em muitos cursos, ainda prevalecem modelos e práticas de formação docente
pautados nesse paradigma.

Com as novas configurações históricas, sociais, econômicas e, consequentemente, no


mundo das profissões; a mudança de foco do emprego para a empregabilidade, o conceito de
trabalho, a ampliação dos setores de serviços, os altos índices de desemprego que vem
conduzindo os cidadãos/ãs diplomados a flexibilizarem a formação, a versatilizarem a própria
profissão e sua forma de atuação no mercado, o avanço das chamadas tecnologias da
comunicação e informação, a robótica, enfim, os fenômenos da globalização, a perda de
fronteiras, o campo da formação profissional foi diretamente afetado e pressionado a se
ϰϭ

reformular, a se ajustar às novas demandas. Nesse sentido, a profissão de professor sofre
também as consequências destas mudanças, ainda mais pelo fato da educação emergir do campo
social e a este retornar.

Além disso, a função ou funções até então atribuídas à escola, o lugar que ocupava a
educação no conjunto dos bens socioculturais e das novas exigências em termos de formação
humana nesse novo século, fizeram com que a sociedade começasse a repensar as políticas,
práticas educacionais e a formação dos profissionais da educação, dentre elas, o professor que
por uma razão ou outra sempre se constituiu na pedra de toque das reformas no campo
educacional. Contudo, como enfatiza Nóvoa (1992), [...] não basta mudar o profissional, é
preciso mudar também os contextos em que ele intervém e os professores precisam se assumir
como produtores de sua profissão. Isto significa mudar os processos de formação dos
professores, as práticas de sala de aula e as organizações escolares.

Começa-se assim uma avalanche de políticas e programas voltados para a formação do


professor, seja daquele que nunca esteve em uma sala de aula, seja daquele que já possui
experiência na docência, mas lhe falta a legitimação do saber fazer cotidiano através da
graduação em um curso de licenciatura que é, exatamente, a situação dos professores em efetivo
exercício do magistério.

Destaco como já frisei anteriormente, que a preocupação oficial com a formação do


professor é recente, dos anos 80-90 para cá, surgindo, muito mais no intuito de avaliar e regular
esta formação para atender às exigências de fomento, do que com o cuidado permanente com a
formação profissional e, consequentemente, com a qualidade da educação. Esse pensar se
coaduna com a afirmação de Josso (2009), quando diz que a tutela das políticas de formação
ainda está sob o jugo do Estado e não dos cenários de formação e seus projetos científico-
curriculares o que é um contrassenso diante do que se pesquisa, debate e defende-se, em termos
de projetos de formação.

Nesse viés, o currículo também passaria a ser ponto de pauta dessas reflexões e, por
extensão, o conhecimento, as concepções filosóficas e político-pedagógicas que balizam a
formação desses sujeitos, assim como a qualidade do trabalho pedagógico resultante da atuação
desses profissionais. Trazemos aqui inquietações que nos afligem.

Pensamos que é necessário refletir essas questões, necessitamos acompanhar, de


forma crítica, as reformas educacionais num tempo marcado pelo excesso de tecnologia, de
consumo e de informação, e nessas mudanças seus profissionais têm um papel fundamental a
cumprir. Assim, justificam- se as preocupações com a formação de docentes para as novas
tarefas e problemas característicos da educação para o século XXI. Em que pese, todavia, a
ϰϮ

importância da formação universitária do professor é preciso desconstruir a ideia de que essa
formação se dá apenas nesse espaço. Este pode ser o primeiro, no caso daqueles professores que
tiveram a possibilidade de escolher primeiro a graduação que iriam fazer tornando-se docentes,
como pode ser o último, que é a situação dos professores que já se encontram em efetivo
exercício do magistério há cinco, dez, vinte anos e vão buscar uma formação contínua através
da entrada na Universidade, via Programas específicos de formação, ou estar no meio do
caminho, como sãos os raros casos em que o profissional atua em outra área e se descobre com
aptidões, interesse e desejo de qualificar-se para exercer esta segunda profissão.

Contudo, o docente, digo nós professores, precisamos nos apropriar da formação que
temos desenvolvido, como temos desenvolvido e por que. Necessitamos, pois aprender a usar
política, epistemológica e formativamente esse conhecimento de si e sobre si mesmo, sobre o
ser professor, o que fazemos, como fazemos, para que e para quem fazemos, em prol de nossa
própria formação, do aprimoramento de nossas práticas, consequentemente, da educação de um
modo geral e de um projeto de sociedade que se coadune com o que pensamos e defendemos em
termos de formação humana. Devemos, pois, como diz o poeta Almir Sater em sua belíssima
canção, seguir em frente, porque cada um de nós compõe sua própria história e carrega o dom
de ser capaz e ser feliz naquilo que faz. Ser professor! Não importa se na condição de formador
ou formando.

A escola neste sentido, não é apenas local de transmissão de uma cultura incontestada,
unitária, mas terreno de luta, de encontro, de possibilidades. Como indicam o pensamento de
Freire, a escola é o lugar onde se ensina não só conteúdos programáticos, mas se ensina a
µSHQVDU FHUWR¶ D WROHUkQFLD R µSURIXQGR UHVSHLWR SHOR RXWUR¶ 1HVWH VHQWLGR R pensamento de
Paulo Freire continua a representar uma alternativa teoricamente renovada e politicamente
viável, onde a formação não pode ser entendida como algo acabado e desanexada do contexto
em que ela ocorre. Se antigamente a formação era vista como uma atividade que estava
relacionada apenas com a aquisição de competências especificas direcionadas ao mundo do
trabalho, a formação hoje, é antes de tudo, um processo teórico-prático onde os aspectos
relevantes se interagem para formarem um todo em mutação com o mundo contemporâneo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Antunes, C. (2004). Educação Infantil: Prioridade Imprescindível. Petrópolis ± RJ: Vozes.

Arantes, R. (2015). A cidade do medo: segregação, violência e sociabilidade urbana em


salvador. Cadernos do CEAS, n. 235, p. 45-73.

Bauman, Z. (1999). Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.


ϰϯ

Bauman, Z. (2008). Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar.

Birman. J. (2003). Dor e sofrimento num mundo sem mediação. Estados gerais da psicanálise:
II Encontro Mundial, Rio de Janeiro, pp. 1-7.

Bittencourt, R. (2014). A intensidade da cidade e sua violação pela privatização empresarial da


administração pública associada ao militarismo policial. Revista Espaço Acadêmico, ano XIII,
n. 155, pp. 14-27.

Bondía, J. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de


Educação, n. 19, jan./abr., pp. 20-28.

Carvalho, L. (2008). A condição humana em tempo de globalização: a busca do sentido de vida.


Revista Visões, v. 1, n. 4, jan./jun., pp. 1-15.

Castro, A. (2004). O professor e o mundo contemporâneo. Jornal - O Diário Barretos, opinião


aberta, 08 julho.

Castro, E. (2012). O governo da vida. Ecopolítica, n. 03, pp. 69-98.

Christofari, A. ; Freitas, C. & Baptista, C. (2015). Medicalização dos modos de ser e aprender.
Educação e realidade, v. 40, n. 04, pp. 1079-1102.

Enriquez, E. (2006). O homem do século XXI: Sujeito autônomo ou indivíduo descartável. ERA
± eletrônica, v. 5, art. 10, jan./jun.

Ferraz, S. ; Jorge, I. & Gonçalves, C. (2009). Arquitetura da violência: medo, proteção e


isolamento. XIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional ± ANPUR.

Figueiredo, L. (1995). Foucault e Heidegger: a ética e as formas históricas do habitar (e do não


habitar). Tempo Social: revista de sociologia da USP, n. 07, n. 01-02, pp. 136-149.

Figueiredo, L. (2011). Cuidado e saúde: uma visão integrada. Alter ± Revista de Estudos
Psicanalíticos, v. 29, n. 2, pp. 11-29

Fonseca, A. (2000). O criar e a plasticidade do passado. Maceio: Laboratório Experimental de


Psicologia Fenomenológica Existencial.

Fonsêca, C. (2013). Luís da Silva: notas sobre a dispepsia existencial no livro Angústia de
Graciliano Ramos. Psicologia & Saberes, v. 02, n. 02.

Fonsêca, C. (2017). Clínica como Comunidade de Destino numa perspectiva ética, estética e
política. Recife: UNICAP.

Fortes, I. (2009). A psicanálise face ao hedonismo contemporâneo. Revista mal-estar e


subjetividade, v. 9, n. 4, dez. pp. 1-9

Francisco, A. (2012). Psicologia clínica: práticas em construção e desafios para a formação.


Curitiba: Editora CRV.
ϰϰ

Freire, J. (2003). A psicologia a serviço do outro: ética e cidadania na prática psicológica.
Psicologia: ciência e profissão, v. 23, n. 04, pp. 12-15.

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996;

Freire, V. (2012). Consumo e desejos consumistas. Disponível em:


http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0299.pdf.

Garcia, C. & Coutinho, L. (2004). Os novos rumos do individualismo e o desamparo do sujeito


contemporâneo. Psyquê, v. 8, n. 13, jun./jun., pp. 125-140.

Gonçalves Filho, J. (1998). Humilhação social ± um problema político em psicologia. Revista


Psicologia USP, São Paulo, v. 9, n. 2.

Heckert, A. & Rocha, M. (2012). A maquinaria escolar e os processos de regulamentação da


vida. Psicologia & Sociedade, n. 24, pp. 85-93.

Henz, A. (2009). Formação como deformação: esgotamento entre Nietzsche e Deleuze. Revista
Mal Estar e Subjetividade, v. 09, n. 01, pp. 135-159.

Josso, M. (2009). O caminhar para si: uma perspectiva de formação de adultos e de professores.
Entrevistador: Margaréte May Berkenbrock-Rosito. Revista @mbienteeducação, São Paulo, v.
2, n. 2, agosto/dezembro, pp. 136-139.

Lasch, C. (1986). O mínimo eu: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo:
Brasiliense.

Lazzarini, E. & Viana, T. (2010). Ressonâncias do narcisismo na clínica psicanalítica


contemporânea. Análise psicológica, v. 28, n. 2, pp. 269-280.

Lemos, F. (2014). A medicalização da educação e da resistência no presente: disciplina,


biopolítica e segurança. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
Educacional, v. 18, n. 03, pp. 485-492.

Lemos, F. (2015). Judicialização da saúde: anotações a partir de Michel Foucault. In: Psicologia
Social e os atuais desafios ético-políticos no Brasil, ABRAPSO, pp. 75- 89.

Lemos, F. (2015). A Cultura como Dispositivo de Governo da População pela UNICEF e


UNESCO: apontamentos genealógicos. Psicologia Política, v. 10, n. 20, pp. 245-257.

Lemos, F.; Bicalho, P.; Alvarez, M.; & Brício, V. (2015). Governamentalidades neoliberais e
dispositivos de segurança. Psicologia & Sociedade, v. 27, n. 02, pp. 332-340.

Lemos, F.; Galindo, D. & Costa, J. (2014). Contribuições de Michel Foucault para analisar
documentos e arquivos na judicialização/jurisdicionalização. Psicologia em Estudo, v. 19, n. 3,
p. 427-436.

Libâneo, J. (1990). Didática. São Paulo: Cortez, 1990. (Coleção Magistério 2º grau série
formação de professores).
ϰϱ

Lima, C. (2014). A cidade insurgente: estratégias dos coletivos urbanos e vida pública.
Arquitetura revista, v. 10, n. 01, p. 31-36.

Lipovetsky, G. (1983). A indiferença pura. In: Lipovetsky, G. A era do vazio: ensaio sobre o
LQGLYLGXDOLVPRFRQWHPSRUkQHR/LVERD5HOyJLR'¶$JXDSS-46

Lorenzon, A. (2009). A pessoa humana, o enraizamento e o desenraizamento: a fome e a


questão ecológica no pensamento de Simone Weil. Persona: Revista Iberoamericana de
Personalismo Comunitário, ano. 4, n. 12, pp. 58-64

Maffesoli, M.(1998). O tempo das Tribos. Rio de Janeiro: Forense universitária.

Marafon, G. (2013). Vida em judicialização: efeito bullying como analisador. Rio de Janeiro:
UFF.

Nietzsche, F. (2003). Segunda consideração intempestiva : da utilidade e desvantagem da


história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará.

Nietzsche, F. (2009). Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia da Letras.

Nóvoa, A. (1992). Os professores e sua formação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.

Oliveira, C. & Brito. L. (2013). Judicialização da vida na contemporaneidade. Psicologia:


ciência e profissão, v. 33, n. spe., pp. 78-89.

Ramalho, B. ; Nunez, I. ; Gauthier, C. (2004). Formar o Professor, profissionalizar o ensino:


perspectivas e desafios. Porto Alegre: Sulina.

Rolnik, S. (1995). O mal-estar na diferença. Anuário Brasileiro de Psicanálise, n. 3: 97-103.


Relume-Dumará, Rio de Janeiro, pp. 97-103

Rolnik, S.(1997). Toxicômanos de identidade. Subjetividade em tempo de globalização. in


Cultura e subjetividade. Saberes Nômades, org. Daniel Lins. Papirus, Campinas 1997; pp.1924.

Rolnik, S. (1999). Novas Figuras do Caos: mutações da subjetividade contemporânea. In:


Santaella, L.; Vieira, J. (Org.). Caos e Ordem na Filosofia e nas Ciências. São Paulo: Face e
Fapesp, pp. 206-221.

Rosário, A. (s.d.). Sofrimento psíquico na atualidade: algumas considerações sobre o


fenômeno TDA/H e o modo de subjetivação contemporâneo, pp. 1-8

Santos, S.; Tunes, G. & Bartholo Jr. (2006). Natureza, enraizamento e desenvolvimento situado:
por um mundo com terra. III Encontro da ANPPAS, Brasília, maio, pp. 1-10.

Shon, D (1992). Formar professores reflexivos. In. Novoa, A. Os professores e sua formação.
Lisboa: Institutuo de Inovação Educacional, pp. 77-92;

Silva, T. (2000). Teorias do currículo: uma introdução crítica. Porto: Porto Editora.

Silva, J. (2017). Contribuição do perfil de egresso de professores da formação docente inicial e


em serviço na sua prática pedagógica em duas escolas da Rede Municipal de Ensino do
Município de Taquarana, Alagoas, Brasil./José Gilberto da Silva ± Assunção, Paraguai:
Universidade Americana.
ϰϲ

Toassa, G. (2012). Sociedade tarja preta: uma crítica à medicalização de crianças e
adolescentes. Fractal : Revista de Psicologia, v. 24, n. 02, pp. 429-433.

Toned, (s.d.). Ética e Capitalismo.


http://www.ivotonet.xpg.com.br/arquivos/ETICA_E_CAPITALISMO.pdf

Unger, N. (2001). A desertificação do homem contemporâneo. Linhas críticas, v. 7, n. 13,


jul/dez, pp. 175-182.

Unger, N. (2009). A morte da bailarina. Horizonte, v. 07, n. 15, p. 157-166.

Vilhena, J.; Rosa, C. & Veras, L. (2015). Infância e sofrimento psíquico: medicalização,
mercantilização e judicialização. Estilos clínicos, v. 20, n. 02, pp. 226-245.

Você também pode gostar