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TURBINANDO

NOSSOS SELFS

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PAOLA MAZZILLI

TURBINANDO
NOSSOS SELFS
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE OS APLICATIVOS
DE AUTOAJUDA NO CENÁRIO BRASILEIRO

doutorado em psicologia clínica | Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Psicologia Clínica sob a orientação da
Professora Dra. Denise Sant’anna.

SÃO PAULO
2019

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BANCA EXAMINADORA

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Nunca se sabe qual é o defeito que
sustenta nosso edifício inteiro.
(LISPECTOR, 2002, p. 165)

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A Claudio Paci

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AGRADECIMENTOS

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Ao Programa de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica, por me
possibilitar o desafio de continuar estudante.
A Denise Sant’anna, pelas aulas verdadeiramente inspiradoras. Seu rigor
ético, sua sabedoria e sua modéstia fazem-me sentir privilegiada por ter sido
sua orientanda.
Aos professores Rogério da Costa e Tânia Hoff, pela valiosa contribuição
intelectual e pela parceria que extrapola o desenvolvimento desta tese.
A Ana Catarina Holtz, com quem sempre dividi os desafios e as conquistas
da vida acadêmica.
A Pedro Miotto Leles, pelo apoio incondicional, fazendo de meus projetos
também os seus.
A Barbara Mazzilli, por seu exemplo de obstinação e resiliência no enfrenta-
mento de desafios.
Finalmente, a Carlos Eduardo Nigro Mazzilli, por ser a base de meu edifício.
A você, meu amor e minha profunda gratidão.

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12 | RESUMO

Este trabalho dedica-se ao estudo dos aplicativos de autoajuda no cenário brasi-


leiro, no início do século XXI. Considerados importantes modeladores de condu-
ta, tais recursos tecnológicos representam um objeto de estudo privilegiado para
observarmos a emergência de uma cultura terapêutica pautada por valores como
a conectividade e o empoderamento pessoal. Com o intuito de entendermos
como esse tipo de tecnologia alavancou as práticas de autoaprimoramento em
torno da saúde e do bem-estar, desenvolvemos um comparativo entre a literatu-
ra clássica de autoajuda e os novos formatos do gênero, voltados para disposi-
tivos móveis. Do ponto de vista teórico, propomos uma pesquisa transdisciplinar,
passando por autores como Levy, Kellner, Lemos, Auntoun Costa, Rose, Binkley,
Sibilia, Sant’anna, Hoff, Rüdger, Freire Filho e Castellano. Já para a elaboração do
comparativo, tabulamos e analisamos todos os 6.370 livros de autoajuda catalo-
gados no site Amazon.com.br, assim como 1.018 aplicativos de autoajuda dispo-
níveis para download na Play Store brasileira. Cabe ressaltar que o número desses
apps vem crescendo exponencialmente nos últimos anos, movimentando um
mercado de milhões de dólares. Ao realizarmos esse mapeamento exaustivo,
observamos uma flagrante mudança de paradigma. Para além da apropriação
do repertório de aprendizados elaborados pelos livros de autoajuda, os aplicativos
mostram são recursos muito mais sofisticados no que se refere à questão da
administração pessoal, uma vez que permitem, a partir de sua interatividade, o
autodiagnóstico e o automonitoramento dos indivíduos. Estes últimos, todavia,
apesar de se sentirem mais amparados e autônomos, em decorrência do uso
desses apps, tornam-se ao mesmo tempo dependentes dessas tecnologias, as-
sumindo metas de desempenho que geram um passivo a ser resgatado. Assim,
a dinâmica de “processamento” realizada pelos apps de autoajuda os torna tec-
nologias de desenvolvimento pessoal mais complexas e imperscrutáveis.

PALAVRAS-CHAVE: SUBJETIVIDADE; CONECTIVIDADE; SELF-EMPREENDE-


DORISMO; CULTURA TERAPÊUTICA; AUTOAJUDA; APLICATIVOS DE AUTOA-
JUDA; REMENTE. 

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ABSTRACT | 13

This research aims at investigating the offer of self-help mobile applications in


the Brazilian scenario, in the beginning of the XXI century. Considered to be im-
portant behavioral shapers, such resources are a privileged study object to peer
the emergence of a therapeutic culture, marked by values like connectivity and
personal empowerment. Having in mind the understanding of how this techno-
logy has levered self-improvement practices in terms of health and well-being, we
propose a comparison between the self-help literature and the new formats of
this kind, directed to mobile devices. From the theoretical point of view, we pro-
pose a transdisciplinary study, including authors such as Levy, Kellner, Lemos,
Auntoun Costa, Rose, Binkley, Sibilia, Sant’anna, Hoff, Rüdger, Freire Filho e Cas-
tellano. To compile such a comparison, we tabulate and analyze all 6.370 self-help
books available at the Amazon.com.br site, as well as 1.018 self-help apps availa-
ble for download at the Brazilian Play Store. It is worth mentioning that the num-
ber of these apps is exponentially increasing in recent years, dealing with a seve-
ral-million-dollar market. By carrying out such an exhaustive mapping, we notice
a remarkable paradigm change. Beyond encompassing the learning repertoires
previously gathered in the self-help books, the applications are much more so-
phisticated resources in terms of personal management, since their interactivity
allows for the individuals’ auto-diagnosis and auto-monitoring. However, in spite
of feeling themselves more cared for and more autonomous, the applications’
users find themselves ever more dependent on these technologies, as for each
established goal there is a created passive to be paid. Hence, the “processing”
dynamics carried out by the self-help applications makes them personal-develo-
pment technologies that are much more complex and inscrutable.

KEYWORDS: SUBJECTIVITY; CONNECTIVITY; SELF-ENTREPRENEURSHIP;


THERAPEUTIC CULTURE; SELF-HELP; SELF-HELP APPS; REMENTE.

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14 | LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Os 10 livros de autoajuda mais vendidos na história. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
FIGURA 2 Nuvem de palavras: termos mais utilizados nos títulos de autoajuda. . . . 66
FIGURA 3 Nuvem de palavras: descrição dos livros catalogados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
FIGURA 4 Livros de autoajuda que abordam autoconfiança e autoestima. . . . . . . . . . 69
FIGURA 5 Livros de autoajuda que abordam a busca pela felicidade. . . . . . . . . . . . . . . . 71
FIGURA 6 Livros de autoajuda que abordam eficiência e a rapidez. . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
FIGURA 7 Livros de autoajuda no estilo “exercícios”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
FIGURA 8 Livros de autoajuda no estilo “manuais”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
FIGURA 9 Livros de autoajuda no estilo “leis” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
FIGURA 10 Livros de autoajuda que fazem “grandes revelações” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
FIGURA 11 Livros de autoajuda que abordam a administração pessoal. . . . . . . . . . . . . . 79
FIGURA 12 Livros de autoajuda que abordam liderança. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
FIGURA 13 Livros de autoajuda que abordam sucesso financeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
FIGURA 14 Livros de autoajuda que abordam a postura empreendedora . . . . . . . . . . . . 82
FIGURA 15 Livros de autoajuda que abordam a vida como um jogo . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
FIGURA 16 Livros de autoajuda que abordam a saúde plena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
FIGURA 17 Livros de autoajuda que abordam o poder cerebral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
FIGURA 18 Livros de autoajuda que fazem parte de coleções de terapia . . . . . . . . . . . . . 88
FIGURA 19 Livros de autoajuda que abordam transtornos e doenças. . . . . . . . . . . . . . . 89
FIGURA 20 Livros de autoajuda que abordam a questão da cura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
FIGURA 21 Edições da revista Saúde, da Editora Abril. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
FIGURA 22 Como tratar problemas de saúde e interpretar o resultado
de exames médicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
FIGURA 23 Perfil de Gabriela Pugliesi no Instagram. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
FIGURA 24 Dicas de sucesso de Gabriela Pugliesi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
FIGURA 25 Cenas do programa Bem-Estar, exibido pela TV Globo. . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
FIGURA 26 Dicas de uma psicóloga para fazer autoterapia no BuzzFeed. . . . . . . . . . . 109
FIGURA 27 Lista BuzzFeed orienta usuários a lidar com ataques de pânico. . . . . . . . . 110
FIGURA 28 Nuvem de palavras formada a partir do título dos apps
de desenvolvimento pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
FIGURA 29 Nuvem de palavras formada a partir da descrição dos
apps de desenvolvimento pessoal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
FIGURA 30 Cardápio de apps de desenvolvimento pessoal e autoajuda
disponíveis na Play Store. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
FIGURA 31 Apresentação do aplicativo Remente na Play Store. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
FIGURA 32 Avaliação de usuários do Remente na Play Store. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
FIGURA 33 Interface do aplicativo Remente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156

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FIGURA 34 Mandala Remente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 | 15
FIGURA 35 Avalie seu estado de espírito: selecionando um emoji. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
FIGURA 36 Avalie seu estado de espírito: escreva por que se sente assim. . . . . . . . . . . 161
FIGURA 37 Avalie seu estado de espírito: escolha alguns sentimentos. . . . . . . . . . . . . 162
FIGURA 38 Escolhendo um foco para trabalhar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
FIGURA 39 Metas Premium. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
FIGURA 40 Assinatura Premium . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
FIGURA 41 Descrição e planejamento das metas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
FIGURA 42 Cursos Remente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
FIGURA 43 Cursos Premium. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
FIGURA 44 Planejamento do dia com o Remente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
FIGURA 45 Controlando o desempenho e oferecendo feedback. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
FIGURA 46 O modelo de processamento Remente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174

LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Número de livros de autoajuda por faixa de preço em reais. . . . . . . . . . . . . . 61
GRÁFICO 2 Número de livros de autoajuda por número de páginas . . . . . . . . . . . . . . . . 62
GRÁFICO 3 Número de livros de autoajuda por ano de edição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
GRÁFICO 4 Número de livros de autoajuda por categoria temática. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
GRÁFICO 5 Google my symptoms. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
GRÁFICO 6 Número de downloads de aplicativos móveis da App Store
e da Google Play Store, em 2016 e 2017. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
GRÁFICO 7 Número de aplicativos de desenvolvimento pessoal com download
gratuito, download gratuito com serviços pagos e download pago . . . . . . 130
GRÁFICO 8 Faixas de preço dos produtos/serviços pagos dos apps
de desenvolvimento pessoal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
GRÁFICO 9 Número total de downloadse receita dos downloads pagos
em função de categoria nos apps de desenvolvimento pessoal. . . . . . . . . . 132

LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Quadro de análise da mecânica dos manuais de autoajuda. . . . . . . . . . . . . . 52
TABELA 2 Número de apps de desenvolvimento pessoal, por categoria,
na Play Store. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
TABELA 3 Lista de apps voltados à rotina de hidratação do corpo,
deslocamento e sono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
TABELA 4 Metas disponibilizadas pelo Remente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

1. A VIDA É UM INVESTIMENTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.1 A conduta do bom empreendedor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

1.1.1 Life Coach. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34


1.1.2 Sobre a Merecida Felicidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

1.2 Da minha saúde cuido eu. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39


1.2.1 Patologização e Aprimoramento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

1.3 Literatura clássica de autoajuda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

2. O BEABÁ DA SUPERAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

2.1 Mapeando a oferta de livros de autoajuda

no mercado brasileiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

2.1.1 Características Gerais da Oferta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59


2.2 Análise de capas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

2.2.1 Falando Sobre Autoestima, Felicidade e Desempenho . . . . . . . . . . . . . . . 67


2.2.2 Falando Sobre Exercícios, Manuais e Leis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

2.2.3 Falando Sobre Administradores, Empreendedores,

Líderes e Vencedores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
2.2.4 Falando Sobre Saúde, Poder Cerebral, Prevenção, Terapia e Cura. . . . . 82

3. HIPOCONDRÍACO NÃO, ANTENADO!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
3.1 Um breve panorama da autoajuda multiplataforma . . . . . . . . . 97

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3.2 Big data terapêutico: mapeando perfis

e analisando o bem-estar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

4. USUÁRIO SOB CONTROLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

4.1 Tecnologias móveis e o uso de apps. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123


4.2 Os aplicativos de desenvolvimento pessoal

e autoajuda no cenário brasileiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125


4.2.1 Análise dos Aplicativos de Desenvolvimento Pessoal. . . . . . . . . . . . . . . 126
4.2.2 Catálogo Ilustrativo de Aplicativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
4.3 O autoaprimoramento pela ótica das

tecnologias de self-quantificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

5. O APLICATIVO REMENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148


5.1 Como Eu Me Vejo?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
5.2 Como Eu Gostaria de Ser?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
5.3 Como Alcançar Meus Objetivos?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
5.4 Abrindo a Caixa Preta: o Processador Remente . . . . . . . . . . . . 171

CONSIDERAÇÕES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176


BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190

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INTRODUÇÃO

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N
os últimos anos, acompanhamos a consolidação de um mercado de
aplicativos (apps) voltados para o desenvolvimento pessoal e a autoa-
juda1. Apenas no primeiro trimestre de 2018, de acordo com o Sensor
Tower2, os dez maiores apps dessa categoria faturaram 42 milhões de dólares,
dos quais 15 milhões apenas nos Estados Unidos3. Além disso, alguns aplicati-
vos tornaram-se verdadeiros sucessos comerciais, como é o caso do Headspa-
ce4, que possui mais de 30 milhões de usuários e, em 2017, já era avaliado pela
Forbes em quase 1 bilhão de reais5.
Em geral, esses apps podem ser baixados gratuitamente em telefones celu-
lares, tablets e outros tipos de dispositivo móvel, tendo o usuário a opção de
aquisição de uma conta paga6. Os valores praticados, todavia, costumam ser
bastante acessíveis, variando de R$ 10,00 a R$ 15,00.
Apesar de muitas consultorias de pesquisa já se referirem a esses aplicativos
como um segmento de mercado, as maiores lojas de apps do mundo7 – App
Store, da Apple, e Play Store, do Google – não trabalham com as classificações
“desenvolvimento pessoal” e “autoajuda”. Essa característica dificulta o mapea-
mento e a análise dessa oferta, bem como uma estimativa precisa sobre sua
relevância econômica no cenário contemporâneo.

1 Em alguns casos, a expressão autocuidado (“self-care”) também é utilizada para se referir a esse segmento
do mercado.
2 PEREZ, S. Self-care apps are booming. Techcrunch.com, Apr. 2018. Disponível em: <https://techcrunch.
com/2018/04/02/self-care-apps-are-booming/>. Acesso em: 26 maio 2018.
3 Somando as receitas de iOS e Android.
4 Aplicativo de meditação. No capítulo 4 da tese, trataremos dessa subcategoria e de apps de desenvolvi-
mento pessoal.
5 CHAYKOWSKI, K. Meet headspace, the app that made meditation a $250 million business. Forbes, [s.l.], 8
jan. 2017. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/kathleenchaykowski/2017/01/08/meet-heads-
pace-the-app-that-made-meditation-a-250-million-business/>. Acesso em: 12 jan. 2019.
6 Via de regra, as contas pagas são associadas a funcionalidades extras do aplicativo, que para ser acessadas
exigem que o usuário arque com assinaturas mensais ou anuais.
7 RANGER, S. iOS versus Android. Apple app store versus Google Play: here comes the next battle in the app
wars. ZDNet, Jan. 2015. Disponível em: <https://www.zdnet.com/article/ios-versus-android-apple-app-s-
tore-versus-google-play-here-comes-the-next-battle-in-the-app-wars/>. Acesso em: 18 jan. 2019.

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22 | Em nossa pesquisa, buscamos investigar como esses aplicativos estariam
possibilitando a emergência de novas práticas de controle da saúde e do
bem-estar. Constatamos que a interação entre tais tecnologias e seus usuá-
rios trouxe à tona uma conduta de automonitoramento em relação ao próprio
corpo, que passou a ser traduzido e quantificado segundo políticas de metas
e otimização.
Ao analisarmos esses apps, verificamos algumas condutas que são incenti-
vadas por sua mecânica. Entre elas, a iniciativa e a autonomia dos indivíduos,
costumeiramente associadas a um perfil empreendedor que caracteriza (ou
supostamente deveria caracterizar) o comportamento de seus usuários.
Em nossa perspectiva, esse é um dos motivos pelos quais os aplicativos
em questão representam, de maneira tão fidedigna, as culturas empreende-
dora, terapêutica e midiática nas quais estamos inseridos na atualidade. Fa-
laremos sobre elas ao longo desta tese, buscando estabelecer os eixos a
partir dos quais o projeto de aprimoramento individual, via apps de autoaju-
da, vem sendo edificado. Por ora, cabe exemplificar algumas vertentes que
são comuns na oferta desses aplicativos.
Perda de peso, ganho de força muscular, alimentação saudável e melho-
ria da qualidade do sono são alguns dos temas que aparecem de forma
mais frequente nos títulos desses apps. No entanto, um leque bastante
amplo de assuntos vem sendo associado ao desenvolvimento pessoal, o
que inclusive gera dificuldade para que sejam definidos os critérios que
delimitam esse segmento.
Em alguns casos, aplicativos que ajudam os indivíduos a superar o término
de relacionamentos afetivos (Mends)8, rastreadores de humor baseados nos
ensinamentos da psicologia clínica (Moodnotes)9 e até serviços de textos mo-

8 “Este aplicativo oferece maneiras de ajudá-lo a superar seu rompimento [amoroso]. Os usuários passam por
uma média de cerca de seis sessões por dia”. Após o download gratuito, sua assinatura custa US$ 9,99 mensais
ou US$ 59,99 anuais. ALCÁNTARA, AM. With the rise of self-care apps, here’s how marketers can respectfully
join the space. Adweek, Feb. 26, 2018. Disponível em: <http://www.adweek.com/digital/with-the-rise-of-sel-
f-care-apps-heres-how-marketers-can-respectfully-join-the-space/>. Acesso em: 18 maio 2018.
9 “O aplicativo de saúde mental de controle de humor diário usa a terapia comportamental cognitiva para
ajudar os usuários a lidar com situações perturbadoras. O download custa US $ 3,99 (taxa única)”. Idem.

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tivacionais no formato de diário (Shine)10 são associados ao gênero “autoajuda”. | 23

Assim, vemos como pode ser vasta a oferta no campo do desenvolvimento


pessoal e da busca pelo bem-estar.
Em nossa pesquisa consideramos aplicativos de autoajuda todos aque-
les que se dedicam à administração e ao aprimoramento de seus usuários
mediante a potencialização de seus recursos e de suas capacidades indivi-
duais. Essa compreensão será ampliada ao longo deste trabalho, tomando
como base as discussões teóricas realizadas nos primeiros capítulos. Será
a partir dela que faremos um mapeamento e construiremos um retrato
empírico dessa oferta.
Ainda que não seja um aspecto determinante, a coleta de dados relacionados
à rotina dos usuários também aparece como traço desses aplicativos. Ela é
comum porque grande parte dos apps se propõe a documentar e mensurar a
evolução dos indivíduos frente a metas previamente estipuladas. Assim, para
além da idade e da localização geográfica, esses aplicativos reúnem uma série
de informações relacionadas à vida de seus usuários.
No caso dos apps voltados para a saúde, por exemplo, é de praxe o registro
do peso (diário), da dieta, do ciclo menstrual, dos problemas de saúde e dos
medicamentos utilizados pelos usuários. A quantidade de vezes ao dia em que
eles bebem água, vão ao banheiro ou praticam atividades físicas, além da “qua-
lidade do sono” e da “variação de humor”.
Todas essas informações são disponibilizadas e coletadas com o objetivo
de determinar perfis cada vez mais detalhados. Desse modo, junto com reco-
mendações e receituários para uma vida melhor, esses aplicativos também se
encarregam de mapear e avaliar a vida que, até então, vem sendo “vivida”.
Algo que interessa não apenas aos usuários, mas também ao mercado de
serviços e bens, para quem é particularmente interessante conhecer os há-
bitos e a rotina dos consumidores.
Paralelamente, outras informações também são capturadas pelos apps em
questão – como insatisfações presentes, metas e objetivos estipulados por seus

10 “O aplicativo ajuda a instalar hábitos positivos através de um texto diário com conteúdo inspirador e dicas
para lidar com a ansiedade ou aumentar a autoconfiança”. Após o download gratuito, a assinatura custa
US$ 7,99 mensais ou US$ 59,99 anuais. Ibidem.

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24 | usuários – e possivelmente comercializadas para terceiros. Desse modo, mais
que reunir uma infinidade de dados a respeito dos indivíduos, o que esses re-
cursos tecnológicos permitem é diagnosticar suas vulnerabilidades, uma vez
que são flagrados na sua busca por superação11.
Todos esses aspectos nos permitem considerar os aplicativos de autoajuda
importantes orquestradores da vida cotidiana em uma sociedade capitalista, que
já se encarregou de desdobrar e sofisticar a oferta da literatura clássica de autoaju-
da em outros formatos. De fato, os aplicativos de desenvolvimento pessoal avançam
ao disponibilizar recursos para que os próprios usuários possam controlar, men-
surar e avaliar sua “evolução” diante de objetivos previamente estipulados. Nesse
sentido, indagamos: quais seriam as consequências do uso dessas tecnologias que
dinamizam os ensinamentos de autoajuda, no campo da subjetividade?
Uma forma de investigarmos essa questão é atermo-nos à mecânica dos
aplicativos de autoajuda, como é o caso do Remente. Com uma interface didá-
tica e intuitiva, ele é ofertado como um recurso “holístico”, capaz de auxiliar
seus usuários a desenvolverem-se nos mais diversos aspectos da vida: profis-
sionalmente, afetivamente, fisicamente etc.
Esse app será analisado no último capítulo desta tese, assim que for apre-
sentado um panorama sobre algumas transformações ocorridas em torno do
gênero da autoajuda, do seu surgimento, no final do século XIX, até sua apro-
priação pelas tecnologias móveis e aplicativos de desenvolvimento pessoal.
É fundamental destacar que nosso intuito, ao realizarmos esse estudo de
caso, não era propor uma crítica localizada ao Remente. Até porque, diga-se de
passagem, nossa questão não era a efetividade de seus recursos, muito menos
o simples juízo de valor sobre a oferta dos apps de desenvolvimento pessoal. O
que queríamos era problematizar, a partir de um exemplo, como a responsabi-
lização dos indivíduos pelo seu estado de saúde, bem-estar e felicidade é um
aspecto característico das sociedades contemporâneas.
Essa questão evidentemente não se limita à esfera tecnológica. Assim, ao
realizarmos esta pesquisa, esperamos contribuir para a ampliação do debate

11 Partindo dessas considerações, entendemos por que esse tipo de aplicativo, do ponto de vista da “inteli-
gência de negócios”, pode se tornar um poderoso (e perigoso) instrumento de pesquisa, capaz de segmen-
tações psicográficas mais detalhadas para fins comerciais.

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acerca do desenvolvimento pessoal, que engloba uma série de fenômenos da | 25

atualidade – inclusive a própria discussão sobre o que seria estar doente ou


saudável em pleno século XXI, dada a lógica do melhoramento constante.
Do ponto de vista estrutural, este trabalho apresenta cinco capítulos: (1) A
vida como investimento; (2) O beabá da superação; (3) Hipocondríaco não,
antenado!; (4) Usuários sob controle; e (5) O aplicativo Remente.
No primeiro, falamos sobre a emergência de uma mentalidade empreendedo-
ra, a consolidação de uma cultura terapêutica e o surgimento da autoajuda. A
partir de uma pesquisa bibliográfica transdisciplinar que envolve diferentes áreas
do conhecimento, como psicologia, saúde, sociologia, filosofia, comunicação e
mercadologia, problematizamos a relação do sujeito contemporâneo com sua
saúde e seu bem-estar, tomando como eixo os estudos da subjetividade.
Já no segundo capítulo, aprofundamo-nos na discussão sobre a literatura de
autoajuda, investigando a oferta de livros no mercado brasileiro. Para tanto,
realizamos uma análise sequencial quantitativa-qualitativa (CRESWELL, 2007),
utilizando uma base de 6.370 títulos (total de obras do gênero disponíveis no
site Amazon.com). Na sequência, partindo de eixos temáticos, investigamos o
modo pelo qual os ideais de felicidade, realização pessoal, cura e sucesso, entre
outros, são articulados discursivamente na capa de alguns desses livros.
No terceiro, dedicamo-nos aos desdobramentos midiáticos da literatura de
autoajuda clássica. Com o intuito de ilustrar novos formatos de receituário para
a saúde e o bem-estar, apresentamos capas de revistas semanais, programas
de televisão, sites e redes sociais que abordam essa temática. Além disso, de-
batemos de que modo o formato literário da autoajuda mais interativa vem
possibilitando o sentimento de autonomia e empoderamento, além de contribuir
para a construção do que denominamos “big data terapêutico”.
No quarto capítulo, construímos um panorama dos aplicativos de desenvol-
vimento pessoal/autoajuda. Nos moldes do que fizemos no capítulo 2, realiza-
mos uma análise sequencial quantitativa-qualitativa (CRESWELL, 2007), a partir
de 1.018 apps disponibilizados pela Play Store brasileira12.

12 A coleta de dados mostrou-se mais simples nessa plataforma, uma vez que a App Store possui travas que
impedem a coleta sistemática de informações.

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26 | Finalmente, no capítulo cinco, realizamos um estudo de caso único (YIN,
2005) sobre o Remente, buscando compreender como ele incentiva seus usuá-
rios (e não apenas leitores) a adotar novas condutas em torno da administração
pessoal e do automonitoramento.
Acreditamos que, ao destrinchar a mecânica de funcionamento desse apli-
cativo, poderemos compreender algumas das principais diferenças entre a lite-
ratura de autoajuda clássica e o que denominamos, em nosso estudo, de “pro-
cessadores de autoajuda”.

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Cada um terá a vista
da montanha que subir.
FRASES DO BEM

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1
A VIDA É UM
INVESTIMENTO
SOBRE O TERRENO FÉRTIL DA AUTOAJUDA

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E
m todos os âmbitos da vida cotidiana parecemos convocados a adminis-
trar o tempo, os relacionamentos e as capacidades intelectivas (PRADO,
2013). Precisamos nos adaptar a novos cenários, desenvolver soluções
criativas para problemas inesperados, além de nos dedicarmos a projetos pes-
soais. Em síntese, precisamos desenvolver habilidades empreendedoras13.
De fato, ser empreendedor não é uma ação obrigatoriamente restrita “[...] à
concepção de um novo negócio ou a uma atividade econômica [...]”, mas, antes
de tudo, refere-se a uma conduta, a “[...] um conjunto de regras de comporta-
mento que serve de norteador aos indivíduos nos diversos campos de suas vi-
das” (CASAQUI, MATIJEWITSCH, FIGUEIREDO, 2018, p. 12).
Em princípio, todo e qualquer indivíduo estaria apto a exercer a sua vocação
empreendedora, independentemente de profissão, poder aquisitivo, idade ou
de qualquer outra variável. Acontece, porém, que para ser um bom empreende-
dor não basta apenas tentar empreender.

1.1 A CONDUTA DO BOM EMPREENDEDOR

O empreendedor exemplar é o indivíduo que não apenas encara a vida como


projeto, mas também possui as competências necessárias para atingir as metas
que se propôs a atingir. Tem autoestima, confia no seu potencial e, acima de
tudo, encara a própria conduta como fator determinante de sucesso. Conse-
quentemente, julga-se capaz de produzir “[...] uma variante superior de si mes-
mo, por meio de um processo de autotransformação” (CASAQUI, MATIJEWITSCH,
FIGUEIREDO, 2018, p. 14).
O sujeito que investe constantemente em si próprio e busca a maximização
de seus predicados é denominado por Rose (2011; 2013) de self-empreendedor.
Uma das principais características dessa figura é a crença na autonomia e no

13 Já no início dos anos 1970, Foucault (2008) tratava dessa questão abordando o homo economicus como o
“empresário de si mesmo”.

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34 | autocontrole. Suas ações são pautadas por uma espécie de ethos neoliberal,
segundo o qual é possível tornar-se tudo aquilo que se deseja ser.

Torne-se inteiro, torne-se o que você quiser, torne-se você mesmo: o indivíduo
deve tornar-se, por assim dizer, um empresário dele mesmo, procurando ma-
ximizar seus próprios poderes, sua própria felicidade, sua própria qualidade
de vida, embora aprimorando essa autonomia e, assim, instrumentalizando
suas escolhas autônomas a serviço do seu estilo de vida (ROSE, 2011, p. 220).

Se para o self-empreendedor o futuro é o resultado de escolhas autônomas e


a felicidade, consequência do bom investimento, podemos compreender porque
na cultura empreendedora a vida está condicionada pela lógica especulativa.
No campo da economia, o termo investir refere-se ao emprego de capital,
seja em projetos empresariais ou aplicações financeiras, visando à obtenção de
um resultado futuro que permita o incremento do patrimônio. Nessa perspec-
tiva, o verdadeiro investidor é aquele que enxerga a virtualidade de seus recursos.
Ou seja, o potencial que estes últimos possuem para se tornar ainda maiores.
Muitas terminologias com as quais lidamos diariamente remetem à lógica
do “bom investidor”. Ainda que passem despercebidas, é interessante notarmos
como não apenas já fazem parte do cotidiano do sujeito comum, como também
revelam uma nova racionalidade.
De acordo com Santos (2003), um traço importante dessa racionalidade é o
fato de o próprio sujeito encarar-se como objeto. E não um objeto qualquer, mas
um “objeto potencial”, sobre o qual deve-se investir no presente para agregar
valor no futuro. Evidentemente, a tentativa de antecipação à qual o autor se
refere dialoga diretamente com a lógica do mercado financeiro, na medida em
que privilegia a virtualidade e ocupa-se:

[...] de fazer o futuro chegar em condições que permitam a sua apropriação,


trata-se de um saque no futuro e do futuro, como bem mostram essas novas
operações com derivativos, produtos financeiros vendidos nos mercados
futuros por bancos, fundos e corretoras que especulam com moedas, bônus
e ações (SANTOS, 2003, p. 126).

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Se o self-empreendedor é aquele que constrói seu futuro, podemos dizer que | 35

é ele, também, o único responsável por seu fracasso pessoal14. Vemos, portan-
to, que na perspectiva de uma cultura empreendedora o compromisso de pro-
duzir a si próprio assume contornos de ordem moral: é responsabilidade e
dever individual administrar a própria vida.
No próximo capítulo nos aprofundamos nesse tema tratando especificamen-
te da questão da saúde e bem-estar a partir da perspectiva do bom empreende-
dor. Por ora, gostaríamos de destacar como esse discurso de responsabilização
dos sujeitos pelo seu próprio sucesso está em sintonia fina com as sociedades
capitalistas, organizadas pela lógica do consumo.
De acordo com Bauman (2008), esse tipo de sociedade encoraja uma estra-
tégia “existencial consumista”, na qual valores como a flexibilidade e competi-
tividade tornam-se absolutamente essenciais. Na visão do autor, é o fato de os
indivíduos encararem-se como mercadoria e especularem sobre o seu valor que
os torna membros efetivos dessa sociedade de consumidores, na qual:

[...] ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém
pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar
de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercado-
ria vendável (BAUMAN, 2008, p. 20).

De fato, na “[...] reinvenção contemporânea do capitalismo, a distância entre


produção e consumo desaparece: o próprio consumidor torna-se a matéria-pri-
ma e o produto de sua manipulação” (ROLNIK, 2001, p. 3). O desafio passa a ser,
então, transformar-se em uma oferta atraente.
Nesse contexto, a falta de habilidade para lançar-se em qualquer órbita de
mercado e ser desejável é vista como falha grave da administração pessoal.
Sinal de falta de vontade, determinação ou mesmo capacidade, já que “[...] fazer
de si mesmo uma ‘mercadoria vendável’ é um trabalho do tipo faça-você-mesmo
e um dever individual” (BAUMAN, 2008, p. 76).

14 Sobre essa questão, Ortega (2009) destaca que é comum os sujeitos sentirem-se culpados, e não apenas
responsáveis, por suas doenças e eventuais problemas de saúde.

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36 | Aqui, vemos novamente como é decisivo o self-empreendedorismo (ROSE,
2011): “fazer de si mesmo”, e não apenas tornar-se, é o desafio e a “tarefa a ser
cumprida”. Mas, o que ocorre quando o indivíduo dessa sociedade não conse-
gue fazer escolhas que possam alavancar seu valor de mercado? Resta, aparen-
temente, a alternativa de procurar o auxílio de especialistas.

1.1.1 Life Coach

Um dos principais traços da cultura empreendedora é a proliferação de ensinamen-


tos para o sucesso ofertados por especialistas de diferentes domínios, que passam
a ser tratados como experts. Bauman (1998) refere-se a esse fenômeno como uma
espécie de “surto de aconselhamento”, conduzido por peritos que oferecem orien-
tações de diferentes ordens – médica, nutricional, educacional, profissional, espiritual
–, incentivando uma obsessão por toda forma de controle do corpo e da mente15.
Esses especialistas são considerados capazes de proporcionar ensinamentos
que conduzam a uma vida melhor, mais saudável, equilibrada e prazerosa à
medida que se tornaram referência de bons investidores em alguma (ou todas)
esferas da vida (PRADO, 2012).
Esses casos exemplares funcionam como orquestradores de subjetividades
na cultura empreendedora (VANDER, 2016a; 2016b; 2017). Isso porque oferecem
parâmetros para que os indivíduos possam remodelar sua conduta.
De acordo com Casaqui (2017), a questão da inspiração também é funda-
mental nesse contexto. Graças a ela os indivíduos são levados a projetar de
forma entusiasmada e esperançosa seus objetivos pessoais, buscando correla-
ções entre suas histórias e as de self-empreendedores de sucesso.
Frequentemente, os gurus do empreendedorismo baseiam-se nos princípios
da psicologia positiva para inspirar seus interlocutores. A assertividade e a cren-
ça no poder de realização pessoal são, via de regra, fatores-chave de seus recei-
tuários para uma vida feliz.

15 Como veremos no terceiro capítulo desta tese, essa obsessão é ainda mais explícita nos manuais de conduta
que se proliferam em diferentes formatos midiáticos, tais como programas televisivos, revistas especializa-
das e tutoriais da internet.

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1.1.2 Sobre a Merecida Felicidade | 37

A psicologia positiva data do final do século XX, quando, na década de 90, Martin
Seligman e Mihaly Csikszentmihalyi propuseram-se a investigar as condições
que possibilitariam aos sujeitos ter sucesso e contornar adversidades. Partindo
do pressuposto de que era possível avaliar “[...] a felicidade objetiva e cientifica-
mente por meio de rigorosa pesquisa clínica” (BINKLEY, 2010, p. 85), os autores
pretendiam ensinar as “técnicas específicas” de autocontrole e autogoverno a
partir das quais o “otimismo circunstancial” e a “autoestima apreciativa” pode-
riam ser intencionalmente induzidas.
O que Seligman e Csikszentmihalyi defendiam era que todo e qualquer su-
jeito seria capaz de produzir o próprio estado de felicidade, desde que apren-
desse a “[...] dirigir conscientemente os pensamentos para temas felizes”
(BINKLEY, 2010 p. 87). Para tanto, destaca esse autor, não seria necessária gran-
de supervisão de especialistas, mas, sim, empenho individual para condicionar
o próprio corpo e a mente. Nas suas palavras,

[...] os psicólogos positivos propuseram uma visão do indivíduo cientificamen-


te fundamentada e basicamente otimista: o potencial para a felicidade é algo
que todos possuem, é uma coisa que pode ser objetivada, mapeada, manipu-
lada e medida (em grande parte através dos questionários de autorrelato), e
as pessoas podem aprender a fazer essa manipulação em seu próprio tempo,
com um mínimo de supervisão de especialistas (BINKLEY, 2010, p. 94).

Inspirados em um quadro teórico comportamental-behaviorista, Seligman e


Csikszentmihalyi acreditavam que não apenas era possível mensurar o potencial
para a felicidade, como acioná-lo a partir de alguns exercícios cotidianos. Entre
eles, evitar os padrões de pensamento negativo e modificar a rotina, com o
objetivo de evitar uma “espiral cíclica” de emoções e hábitos indesejados
(BINKLEY, 2010).
Como é presumível, dentro dessa perspectiva a negatividade é vista como
uma ameaça. Não sem motivo, um dos princípios do pensamento positivo é a
postura otimista – comportamento otimista.

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38 | De acordo com Ehrenreich (2013), há uma diferença entre esperança e oti-
mismo. A primeira “[...] é uma emoção. Um anseio cujo desfrute não está intei-
ramente sob nosso controle”. Já o segundo, “[...] é uma postura cognitiva, uma
expectativa consciente que, presumivelmente, qualquer pessoa pode desenvol-
ver com a prática”. (EHRENREICH, 2013, p. 13).
É nesse sentido que, para a psicologia positiva, há uma razão prática para
nos empenharmos nesse esforço: “[...] o pensamento positivo supostamente
não apenas nos faz sentir otimistas, mas realmente aumenta a probabilidade
de resultados felizes” (EHRENREICH, 2013, p. 13). De fato, desde a origem da
psicologia positiva, Seligman e Csikszentmihalyi defendiam a importância de
diários de gratidão para que também não se perdesse de vista a positividade e
a riqueza moral da vida (FREIRE FILHO, 2010).
Essa perspectiva teórica alcançou notoriedade no contexto norte-americano
com a publicação, em 2000, do livro Felicidade autêntica: usando a nova psicologia
positiva para a realização permanente, de Seligman. Foram instituídos, então, prê-
mios específicos para pesquisadores desse novo campo da psicologia positiva.
Na esfera do ensino, grandes universidades, como Harvard e Pennsylvania, pas-
saram a incorporar técnicas da psicologia positiva, desenvolvendo novas investi-
gações acadêmicas sobre a economia do comportamento.
Em parte, o interesse dessas instituições centrava-se no apelo desse discurso no
contexto empresarial. Fosse no ensino de modelos organizacionais ou nos progra-
mas de liderança e gestão de pessoas, os conhecimentos da psicologia positiva
pareciam garantir uma interessante aproximação com os estudos sobre o bem-estar,
a felicidade e a produtividade, a partir da perspectiva cientificista e pragmática.
Ao mesmo tempo que a psicologia positiva tornou-se alvo de investimentos
no campo acadêmico, seu discurso sobre a busca pela felicidade também se
proliferou no âmbito do senso comum, inclusive no âmbito do consumo.
Segundo Ehrenreich (2013, p. 16 e 17; grifos da autora), o capitalismo de
consumo depende

[...] da fome dos indivíduos por mais e do imperativo de crescimento das


empresas. A cultura do consumo encoraja os indivíduos a querer mais –
carros, casas maiores, televisões, celulares, eletrônicos de todo tipo –, e o

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pensamento positivo está ali, bem à mão, para lhes dizer que merecem mais | 39

e podem ter o que quiserem se realmente o desejarem e se estiverem dis-


postos a fazerem o esforço necessário para obtê-lo.

Desse modo, a autora defende que “[...] o pensamento positivo não é apenas
uma conveniência para o mundo empresarial, escusando seus excessos e mas-
carando seus absurdos [...]”, mas uma indústria em si mesma (EHRENREICH,
2013, p. 17). Isso é particularmente perceptível na esfera midiática e na atividade
publicitária, na qual, por toda parte, soluções para a conquista de uma vida boa
passaram a circular.
De acordo com Sant´Anna (2010), até 1920 as palavras felicidade e alegria
eram escassas na mídia impressa brasileira. Em anúncio de medicamentos,
“[...] os desenhos em preto e branco eram acompanhados por discursos dra-
máticos” (SANT’ANNA, 2010, p. 182), que faziam alusão à dor a partir de sem-
blantes transtornados e padecimentos insuportáveis no lugar de cenas de
alívio. Desse modo, avalia o autor, o discurso midiático dava ao sofrimento
uma significativa visibilidade.
A partir dos anos 1930, contudo, a menção à alegria começou a se tornar re-
corrente nas mais diferentes mensagens publicitárias. Como explica a autora,
estas passaram a prometer uma felicidade que não era fruto de imensos sacrifícios.
Convém lembrar que os primeiros antidepressivos foram descobertos entre
1957 e 1958, e parte do que era chamado de tristeza ou melancolia passou a ser
compreendida como depressão, sendo associada a tratamento médico
(SANT’ANNA, 2010, p. 192). Nesse cenário nasceu um oportuno casamento entre
as novas práticas de medicalização e o imperativo da felicidade16.
De acordo com Rolnik (1997), o processo de desnaturalização do sofrimento
permitiu o desenvolvimento de uma “toxicomania generalizada” englobando
várias classes de drogas. Entre elas, as fórmulas da psiquiatria biológica, nos
fazendo crer que todo tipo de insatisfação, dificuldade e turbulência não passa-
ria de uma “[...] disfunção hormonal ou neurológica” (ROLNIK, 1997, p. 2).

16 Evidentemente, não estamos colocando em questão os benefícios advindos da indústria farmacêutica,


mas apenas seu uso enquanto droga ou artifício que sustenta a ilusão de felicidade e bem-estar contínuos
e inabaláveis.

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40 | Nessa concepção, a relação entre medicamento e doença se assemelha, cada
vez mais, ao nexo entre uma mercadoria e seu mercado. Para vender seus pro-
dutos, a indústria de medicamentos precisa “[...] persuadir os indivíduos de que
eles podem estar doentes, precisa incitá-los a se conceberem e a serem conce-
bidos como frágeis, necessitando de ajuda” (VAZ, 2015, p. 57). Assim, postula o
autor, para cada nova substância fabricada haverá sempre o esforço de produzir
doentes que são, ao fim e ao cabo, consumidores potenciais de tal tecnologia.
Na lógica do capitalismo de superprodução (DELEUZE, 1990), os doentes
são constituídos como consumidores, “[...] usando medicamentos quando
não precisam” (VAZ, 2015, p. 58). Ou, mais precisamente, sem estarem adoen-
tados (caso sejam adotados os critérios de normalidade vigentes até meados
do século XX).
Paralelamente às drogas da psiquiatria e da indústria farmacêutica, vemos
também a oferta de “miraculosas vitaminas” que prometem “[...] uma saúde
ilimitada, vacinada contra o stress e a finitude” (ROLNIK, 1997, p. 2). Esse é o
caso das balas de colágeno, também conhecidas como “balas da beleza”, e das
cápsulas de Ginseng, que prometem diminuir o “[...] stress, cansaço físico e
mental, bradicardia, impotência sexual, depressão e arteriosclerose, além de
regular a pressão sanguínea”17.
Como observa Sant’Anna (2010, p. 191), essas pílulas, que são “[...] destina-
das não mais a curar doenças, e sim a majorar o bem-estar físico e psíquico
[...]”, contribuiriam para o embaralhamento da fronteira entre o bom e o ótimo.
Assim, apesar de parecerem inofensivas, elas também contribuiriam para um
sentimento de insuficiência dos indivíduos, levando-os a investir sempre mais
no cuidado com o corpo.
Cabe mencionarmos, por fim, a toxicomania generalizada que se estabeleceu
em torno das drogas oferecidas pela autoajuda e seus peritos da felicidade. Essa
categoria inclui a “[...] literatura esotérica, o boom evangélico e as terapias que
prometem eliminar o desassossego, entre as quais a Neurolinguística (...) [e a]
programação behaviorista de última geração” (ROLNIK, 1997, p. 3).

17 ZANIN, T. Para que serve o Ginseng. Tua Saúde, [s.d.]. Disponível em: <https://www.tuasaude.com/para-
que-serve-o-ginseng/>. Acesso em: 11 dez. 2018.

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No próximo tópico, vamos abordar a consolidação de uma cultura terapêu- | 41

tica, buscando compreender inclusive qual é a relação do indivíduo self-empreen-


dedor com o seu corpo e a sua saúde. Depois nos dedicaremos especificamen-
te ao estudo do gênero da autoajuda.

1.2 DA MINHA SAÚDE CUIDO EU

Um dos primeiros estudiosos a discutir o conceito de cultura terapêutica foi o


sociólogo norte-americano Philip Rieff, em 1966, quando publicou The triumph
of the therapeutic: uses of faith after Freud. Em sua análise, essa cultura teria
emergido no século XX, em torno dos conhecimentos do campo da psicologia18,
sendo caracterizada pela preocupação constante com a saúde e o bem-estar
emocional. Um de seus principais traços seria a generalização das práticas e
saberes terapêuticos por especialistas de diferentes domínios, que passaram a
ser tratados como gurus ou experts. A função desses agentes seria proporcionar
ensinamentos para uma vida melhor, mais saudável e equilibrada.
A satisfação pessoal também é uma meta a ser conquistada. Como destaca
Sant’Anna (2010, p. 191), nas últimas décadas a busca por sensações prazerosas

[...] tornou-se um investimento mundialmente sério, indo da medicina aos


livros de autoajuda, passando pelo esporte e pela alimentação. Não por
acaso, a partir da década de 1980, guias práticos sobre medicamentos des-
tinados a melhorar a ‘performance’ humana conheceram seus dias de glória.

Os meios de comunicação tiveram um papel importante na proliferação dos


discursos terapêuticos. Afinal, foram eles que deram visibilidade aos peritos da
felicidade (FREIRE FILHO, 2010a), popularizando o acesso a uma série de infor-
mações que, outrora, restringiam-se a consultórios, clínicas e vocabulário de

18 Rose (2008) sinaliza que o século XX foi o século da psicologia. De acordo com o autor, nesse período ela
consolidou-se como disciplina (com professores especializados, departamentos universitários, diplomas) e
profissão (com equipes profissionais, qualificações, empregos), além de ter inaugurado uma nova forma
dos indivíduos pensarem sobre si.

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42 | profissionais especializados (CASTELLANO, 2015a, 2015b; FREIRE FILHO, 2010a,
2010b; SIBILIA, 2002, 2004; VAZ, 2010, 2015, 2016 ).
No já mencionado “surto de aconselhamento” (BAUMAN, 1998), que incentiva a
obsessão do self-empreendedor pelo controle do corpo e da mente, também ocorre
um processo de relativização e democratização de saberes até então restritos ao
domínio dos profissionais de saúde, na medida em que uma série de informações
nem sempre tão acessíveis para o grande público é incorporada pelos meios de
comunicação19. Contudo, não podemos perder de vista alguns efeitos colaterais que
se apresentam nesse novo cenário. Ao simplificar quadros clínicos, patologias e
estados emocionais, a cultura midiática acaba por contribuir significativamente para
uma banalização das práticas terapêuticas e do próprio sofrimento20.
Em seu livro Therapy culture: cultivating vulnerability in an uncertain age,
Furedi (2004) discute essa questão sinalizando a utilização corrente de termi-
nologias e conceitos provenientes do universo terapêutico pelo senso comum.
Sobre essa constatação, Campanella e Castellano (2015, p. 173) explicam:

Expressões como estresse, ansiedade, vício, compulsão, trauma, síndrome,


autoestima e aconselhamento passam a fazer parte do imaginário compar-
tilhado e revelam não apenas uma mudança idiomática, mas o surgimento
de novas atitudes e expectativas culturais.

A simplificação desse vocabulário é fundamental para compreendermos o


aumento das práticas de autodiagnóstico na atualidade. É fato que à medida
que os sujeitos se sentem mais familiarizados com o discurso terapêutico tam-
bém se julgam mais capacitados para realizar a autoanálise e, por vezes, a
própria automedicação, como veremos no próximo capítulo.
Diante desse cenário, consideramos interessante problematizar o que vem
sendo associado à própria noção de doença, na atualidade.

19 Há de se reconhecer a ambiguidade da mídia nesse sentido que, ao mesmo tempo em que é regida por
objetivos comerciais, amplia o acesso a informações sobre a saúde, podendo trazer benefícios efetivos aos
espectadores (inclusive poder de contestação).
20 Sobre a questão da cultura da vítima e do sofrimento, ver Vaz (2010, 2016).

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1.2.1 Patologização e Aprimoramento | 43

Na perspectiva da biopolítica contemporânea diferenciar o que seria um “esta-


do de normalidade” do “estado de doença” tornou-se definitivamente uma ta-
refa complexa. Já não parecem tão claros os limites que costumavam distinguir
o corpo “saudável” do “não saudável” (SIBILIA, JORGE, 2016). Muito menos, a
diferença da “cura” para o “aprimoramento”.
É pertinente lembrarmos que no imaginário médico a ideia de doença é co-
mumente associada à imperfeição. Como sugere Hoff (2005, p. 6 e 7),

[...] o corpo doente carece de intervenção para voltar a ser saudável. Em


outros termos, para a medicina, o corpo é um “vir a ser”, ora porque precisa
debelar a doença, ora porque pode ser submetido à ciência. A superação
encontra-se tanto na perspectiva de cura quanto na de poder transformador
da ciência: a medicina científica tem o corpo como lugar de experimentação,
pronto para superar os limites impostos pela condição humana.

Assim, para além do diagnóstico de um corpo saudável ou doente, nossa


preocupação gravita em torno de tudo aquilo que ele poderia tornar-se. De
acordo com Sandel (2013), encontramo-nos hoje em uma zona cinzenta que se
localiza entre esses dois polos: o da saúde e o da doença. Mesmo quando nos
sentimos bem e não identificamos qualquer tipo de disfunção em nosso orga-
nismo, consideramos necessário agir para evitar adoecer. Realizar exames, tomar
complementos vitamínicos, exercitar o corpo, enfim, prepararmo-nos para o
momento em que alguma patologia possa se manifestar de forma mais nítida21.
Assim, convivemos com a doença mesmo quando nos julgamos saudáveis.
Ao tratar da questão do diagnóstico, Vaz (2015) destaca que antes do século
XX os indivíduos não costumavam procurar médicos ou ajuda especializada, a

21 Em seu livro, Bauman (2011, p. 93) cita uma análise desenvolvida na New York Review of Books, em
2009, quando: “Marcia Angell afirmou que, ‘nos últimos anos, as empresas farmacêuticas aperfeiçoaram
um novo e eficiente método de ampliar seus mercados. Em vez de promover medicamentos para tratar
doenças, começaram a promover doenças para seus medicamentos’. A nova estratégia ‘é convencer os
americanos de que só há dois tipos de pessoa: as que sofrem de condições clínicas e exigem tratamento
medicamentoso e aquelas que ainda não sabem disso’”.

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44 | menos que tivessem algum problema de saúde. Esta última, podia ser determi-
nada: era algo que o sujeito tinha ou não, tal como o sintoma de alguma doença.
Já no século XXI, parecemos convictos de que nunca “temos” saúde; na
melhor das hipóteses, “estamos” saudáveis. Conforme observam Araújo e
Cardoso (2007 apud MALINVERNI, 2016), tiveram papel decisivo na produção
desse sentido a concepção e a prática de comunicação em saúde, historica-
mente assentadas no chamado campanhismo, dominante em várias partes
do mundo a partir do final do século XIX, inclusive no Brasil. Resultante de
uma perfeita simbiose entre projetos governamentais autoritários de saúde e
de comunicação, esse modelo é caracteristicamente resistente às mudanças,
mesmo àquelas propostas pela inovadora Declaração de Alma-Ata22, de 1978,
a primeira a associar uma abordagem baseada no direito à saúde a uma es-
tratégia viável para a realização desse direito, deslocando o foco do tratamen-
to de doenças para a promoção da saúde (MALINVERNI, 2016).
No Brasil, desde os anos 1920, a atenção à saúde pública deslocou-se dos
fatores ambientais para os individuais, tendo no componente educativo a maior
relevância das ações comunicativas (ARAÚJO, CARDOSO, 2007 apud MALINVERNI,
2016). Dito de outro modo, as pessoas, individualmente, precisavam corrigir
hábitos tidos como nefastos à saúde, estabelecendo-se, desse modo, o binômio
educação-comunicação, esta pensada como propaganda. Esse modelo, postu-
lam as autoras, tinha por objetivo disseminar informações sobre as doenças e
os procedimentos de prevenção por meio de metodologias e serviços veiculados
pelos meios de comunicação, supondo uma intervenção direta sobre os costu-
mes e as práticas da população (apud MALINVERNI, 2016). Dominante por déca-
das, apresentou raras tentativas de abordagem humanista e política, tendo sido
iniciadas novas condutas no campo da comunicação e saúde apenas a partir da
década de 1990, já sob a égide do Sistema Único de Saúde (SUS)23.

22 Documento resultante da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, a declaração iden-
tificou cuidados primários de saúde como fundamentais para reduzir as desigualdades em relação à saúde
entre países e dentro deles e, por esse meio, atingir o objetivo ambicioso, mas não impossível, de “Saúde
para Todos” até 2000.
23 Segundo Araújo e Cardoso (2007 apud MALINVERNI, 2016), o marco desse processo é a criação, em 1920,
do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNPS), que incluiu a propaganda e a educação sanitária
como estratégias de controle de epidemias, sob influência dos avanços científicos da bacteriologia, da
parasitologia e da microbiologia.

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A isso soma-se a pressão das seguradoras que, nas últimas décadas, | 45

contribuíram decisivamente para a naturalização das práticas de consul-


ta anual.
Hoje, a obsessão por diagnósticos, assentada no desejo de verificação de
toda e qualquer propensão a problemas de saúde, acaba por sobrepor as ideias
de risco e doença (ACERO, 2011). Assim, indivíduos aparentemente saudáveis
passam a se considerar “assintomáticos” (ORTEGA, 2002; 2008), definindo-se
como “doentes em potencial” (SIBILIA, JORGE, 2016).
Esse estado “incubado” da doença pode ser pensado como uma virtualidade,
uma vez que ela se instaura no campo de possibilidades do corpo. Daí uma
série de estratégias de imunização (ESPOSITO, 2008). Aqui, é pertinente retomar-
mos o pensamento de Santos (2003) sobre a tentativa de antecipação do futu-
ro. Tal como abordamos no início do capítulo, quando falamos das subjetivida-
des empreendedoras, vemos na cultura terapêutica a mesma lógica
especulativa e a mesma preocupação com a autogestão.
Em vista dessas antecipações, os indivíduos são levados a assumir a respon-
sabilidade sobre o próprio corpo, monitorando-o em função de possíveis pro-
blemas de saúde. Estes últimos, quando ocorrem, são muitas vezes vistos como
resultado de uma gestão pessoal malsucedida, marcada pela falta de motivação,
de empenho ou até de “amor próprio”.
Um dos principais focos de investimento do self-empreendedor é, justa-
mente, a gestão de seu capital humano. Retomando a análise de Rose (2011,
p. 215; grifos do autor):

O self empreendedor [sic] fará da sua vida um empreendimento, procurando


maximizar seu próprio capital humano, projetando seu futuro e buscando
moldar-se a fim de se tornar aquilo que deseja ser. O self empreendedor é,
portanto, um ser tanto ativo quanto calculador, um self que calcula sobre si
próprio e que age sobre si mesmo a fim de se aprimorar.

A partir dessa consideração, pode-se notar como as atividades de autofabri-


cação e autoaperfeiçoamento no campo da saúde e do bem-estar provocam um
debate de ordem moral. Os indivíduos “[...] são instigados a sentirem-se res-

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46 | ponsáveis não só pelo que fazem, mas também pelo que acontece com eles”
(FREIRE FILHO, 2010b, p. 13).
Sob essa ótica, o corpo passa a ser percebido como um dos “recursos” de
que dispomos e do qual podemos “fazer uso”. Acontece, todavia, que ele não
é um recurso qualquer, mas a principal interface do sujeito com o mundo. Ou
seja, uma espécie de prova ambulante do sucesso ou desajuste, do valor ou da
“falha de caráter” (FREIRE FILHO, 2010a). Daí o compromisso com exames perió-
dicos, acompanhamento médico, dietas balanceadas e rotinas de exercícios,
cuja marca decisiva é a prática do autogoverno.
Para entendermos essa nova racionalidade que passou a dirigir-se à saúde
convém retomar algumas passagens clássicas dos estudos de biopolítica. Como
vimos na obra de Foucault (1979; 2008), o século XIX caracterizou-se pela atua-
ção do Estado como grande responsável pelo governo da população, sua con-
duta, seu espírito e, sobretudo, seu corpo. Nesse período, destacava-se o papel
de instituições normalizadoras, caso das escolas, penitenciárias e academias
militares24. O filósofo francês batizou de “disciplinas” os métodos que permitiam
a essas instituições sujeitar os indivíduos à relação docilidade-utilidade. Dito de
outro modo, torná-los tanto mais úteis, quanto obedientes. Tal processo é des-
crito em sua obra, quando analisa a maleabilidade do corpo em função de uma
espécie de ortopedia social (FOUCAULT, 2008).
Ainda que até hoje possamos verificar uma série de mecanismos típicos da ló-
gica do poder disciplinar, o fato é que também estamos diante de outras formas de
gestão da vida, mais próximas do que Foucault (1979) chamou de biopoder25, que
opera numa perspectiva de cálculo e administração de grandes populações e prevê
práticas de autogoverno. Muito mais flexível, pulverizado e flutuante, o biopoder
pode ser considerado extremamente eficaz (DELEUZE, 1992), na medida em que leva
os sujeitos a assumirem, e até reivindicarem, a responsabilidade pelo autocontrole.

24 Foucault ilustra a evolução do domínio corpóreo por meio dos exércitos. Enquanto até a metade do sécu-
lo XVIII havia um padrão físico e comportamental indispensável para ingressar na carreira militar, na sua
segunda metade o soldado tornou-se algo passível de ser “fabricado” por meio de um “[...] corpo que
se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam”.
(FOUCAULT, 2008, p. 117).
25 Cabe ressaltar que para Foucault (1979) o biopoder passou a existir concomitantemente ao poder discipli-
nar. Quando temos em mente as práticas de cuidado com a saúde na contemporaneidade, inclusive, vemos
que ambos se manifestam.

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Nesse sentido, aponta Pelbart (2009, p. 82), o poder “[...] não pode obter um | 47

domínio efetivo sobre a vida inteira da população a menos que se torne uma
função integrante e vital que cada indivíduo abraça e reativa por sua própria
conta e vontade”. Foucault (1985; 1988) denominou tais modos de avaliação e
atuação de tecnologias do self. Na dimensão da Ética26, elas permitiriam aos
indivíduos realizarem – pelos próprios meios ou com a ajuda de outros – ope-
rações em seus corpos e almas.
Partindo dessas reflexões é possível aproximar as práticas do biopoder da cul-
tura terapêutica. No biopoder a tentativa é nunca ficar doente. Nunca ser incapaz.
Seguindo essa trilha, é possível dizer que, diferentemente do que ocorria nas
sociedades disciplinares, o que vemos hoje é a tentativa de maximização do
capital-saúde. Partindo dessa constatação, Han (2014) afirma vivermos na era
do fitness e não da ortopedia. Esse modelo estaria calcado na suposição de que
podemos turbinar o nosso corpo e, sobretudo, produzir nossas emoções. De
acordo com o autor, foi depois dos anos 1980 que a ideia de “melhorismo”
estrou no domínio da psiquê. Tornou-se, a partir daí, quase uma obsessão a
melhoria da cabeça, da mente e das capacidades intelectivas, assim como antes
a preocupação era melhorar o estômago ou aparelho reprodutor.
Na análise de Han (2014), tal deslocamento nos permitiria vislumbrar uma
nova frente do biopoder, denominada psicopoder. Nela há uma demanda por
pesquisas e descobertas no campo da psicologia e da neurociência, uma vez
que o cérebro passa a ser visto como a reposta para todos os problemas que
afligem a vida do sujeito contemporâneo. A suposição é de que ao mapearmos,
destrincharmos e investigarmos o cérebro seríamos capazes de administrar
problemas como stress, depressão e ansiedade, além, é claro, de potencializar
capacidades de raciocínio e memória.
Ortega (2009) utiliza o conceito de neuroascese para se referir às estratégias
de potencialização e otimização do desempenho cerebral. De acordo com o
autor, a busca por melhoria é um imperativo nas sociedades contemporâneas,
visto que uma vasta oferta de técnicas para aumentar a performance do cére-

26 Essa dimensão refere-se ao ato de analisar, decifrar e agir sobre o próprio indivíduo, partindo do pressuposto
de que há algo correto, normal, desejado, assim como a oposição a tudo isso (MAZZILLI, OVANDO, 2016).

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48 | bro está disponível. Entre elas, ele destaca a autoajuda, assunto que trataremos
no próximo tópico deste trabalho.

1.3 LITERATURA CLÁSSICA DE AUTOAJUDA

Ainda que pareça um fenômeno bastante recente, os ensinamentos da literatura


de autoajuda são muito anteriores à psicologia positiva, à cultura terapêutica. De
acordo com Castellano (2015b), ao buscarmos a gênese da autoajuda, deparamo-
-nos frequentemente com diferentes menções históricas. No entanto, há uma
espécie de consenso entre os pesquisadores de que o livro Self-help, de 1859, pode
ser considerado o fundador do gênero. Publicada pelo britânico Samuel Smiles,
a obra foi traduzida para mais de oito línguas, chegando a ser reimpresso 50 vezes
no século XIX. Na Inglaterra, onde ocorreu a primeira publicação, chegou a vender
cerca de 250 mil cópias, tornando-se, na mesma época, também um dos livros
mais vendidos nos Estados Unidos (RÜDIGER, 1995).
De maneira geral, Self-help apresenta um apanhado de ensinamentos sobre
caráter e desenvolvimento individual, resultado de palestras proferidas por Smi-
les a operários do Norte da Inglaterra. O objetivo da obra era incentivar a força
de vontade da classe operária que, na visão do autor, não poderia contar com o
Estado para progredir profissionalmente. Para tanto, Smiles defendia a vontade
e a determinação como fatores-chave para conquista do sucesso.
Ainda que centrado na importância de cada indivíduo assumir de forma
autônoma a responsabilidade pelo desenvolvimento de suas potencialidades, é
importante observar que predominava no texto um senso de coletividade e
colaboração mútua. Valorizava-se o trabalho, a pontualidade e o cumprimento
do dever individual como forma de progresso profissional e de se alcançar a
saúde e o bem-estar. Desse modo, o “homem de valor” não era o homem que
desejava, vencia ou acreditava, mas aquele que produzia, laborava e era “[...]
cuidadoso com os pequenos detalhes de seu ofício” (RÜDIGER, 1995, p. 49).
Uma premissa de Smiles era de que o aprendizado a partir da vivência, isto
é, da atividade prática e laboral, não deveria ser visto como inferior ao aprendi-
zado decorrente do exercício intelectual. Ainda que o autor valorizasse o estudo,

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é clara em sua obra a defesa do “saber fazer”, já que seria a partir da práxis – e | 49

não do conhecimento intelectualizado – que o indivíduo poderia provar seu


valor à sociedade.
Ainda hoje a literatura de autoajuda parece apostar nessa “capacidade de
ação”. Do mesmo modo, uma série de outros valores que aparecem em Self-help,
como a determinação, a vontade e a iniciativa, continua sendo mencionada. O
próprio livro, inclusive, permanece sendo comercializado.
É possível perceber, contudo, uma mudança significativa em torno do que
se considera, hoje, a grande pretensão desse gênero. Diferentemente do que
se observava na obra de Smiles, não mais o trabalho e a coletividade que
caracterizam a preocupação do sujeito contemporâneo. Por mais que a ativi-
dade profissional ainda apareça como um dos temas clássicos da literatura
de autoajuda, o fato é que hoje estamos diante de uma oferta muito mais
diversificada que abrange diferentes aspectos da experiência cotidiana. De
dietas a técnicas de educação dos filhos, de conselhos amorosos a exercícios
para combater a depressão, tudo parece digno de importância e, portanto,
também de um manual.
De acordo com Castellano (2015b, p. 170), na atualidade a autoajuda é um
gênero que

[...] comporta uma impressionante variedade de temas, que apresentam


como característica comum o objetivo de aconselhar/guiar o leitor em suas
práticas diárias e em suas relações consigo mesmo e com os outros. Isto
é, são livros que fornecem dicas, manuais, reflexões que pretendem auxiliar
os indivíduos a tomarem decisões e a pautarem seu comportamento, com
o propósito de garantir um aprimoramento emocional, profissional, espi-
ritual, intelectual, financeiro, normalmente a partir da opinião abalizada de
autoproclamados especialistas.

Tanto a cultura terapêutica como a psicologia positiva foram decisivas para


a consolidação dessa “nova versão” da autoajuda, já que trouxeram à tona a
preocupação constante com a saúde, o bem-estar e a felicidade, além de uma
espécie de culto às emoções e ao subjetivismo. De fato, uma das características

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50 | mais marcantes desse tipo de manual é a ênfase na realização pessoal de seus
usuários, que devem tomar-se como objeto da própria análise e intervenção.
Ainda que muitos dos ensinamentos da autoajuda digam respeito à busca
pelo contentamento, à capacidade de valorizar as próprias conquistas e à auto-
confiança, há de se reconhecer a ironia contida nessa convocação. Ora, se é
necessário buscar o contentamento é porque nos julgamos descontentes; se
devemos aprender a valorizar nossas próprias conquistas é porque até então
não as valorizávamos efetivamente; se precisamos ter mais autoconfiança é
porque não estamos seguros de nossas escolhas e habilidades.
Sem dúvida, a complexidade dessas questões é maior do que se pode prever
nesses receituários de superação. Independentemente da solução oferecida pela
literatura de autoajuda, todavia, vemos que todos os seus manuais partem de
um convite mais ou menos explícito para o autodiagnóstico. O argumento é
relativamente simples: poderíamos ser melhores e poderíamos ser mais felizes.
Há, portanto, algo errado em nós e precisamos descobrir o que é.
Inevitavelmente, ao mirar nos ideais de felicidade a autoajuda também con-
vida os sujeitos a pensar sobre suas insatisfações. Na medida em que basta
iniciativa e determinação para tornar-se mais magro, mais forte, mais atraente,
mais inteligente, mais extrovertido, mais assertivo, ou outro atributo, é de se
esperar que seus usuários nunca se considerem satisfeitos.
Assim, por mais que um dos princípios da autoajuda seja justamente evitar
pensamentos negativos por conta da “lógica da atração” – tal como se argu-
menta no best-seller O segredo, de Rhonda Byrne –, vemos que eles não só fazem
parte da intertextualidade de seu discurso como também são um dos seus
principais orquestradores.
Uma vez realizado o autodiagnóstico, aos usuários desses manuais cabe dispo-
sição para se submeterem aos seus ensinamentos. Essa motivação para “aprender”
é também outro aspecto fundamental da mecânica da autoajuda. Afinal, trata-se do
compromisso com o autodesenvolvimento. Daí pode-se inferir ser a “humildade”
diante desses receituários uma postura valorizada e estimulada.
No que tange à sua credibilidade, percebe-se que ela é construída a partir de um
discurso acessível e didático, mas ao mesmo tempo validado por algum especialis-
ta. Este pode ser um profissional da saúde, um líder espiritual, um intelectual, uma

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personalidade midiática ou mesmo o indivíduo comum que possua alguma história | 51

exemplar. Seja como for, o papel dessa figura é dar sustentação aos manuais de
autoajuda, a partir de uma espécie de saber legitimado, calcado no discurso perito.
Em paralelo a esse “endosso” às práticas de aconselhamento, é interessan-
te observarmos algumas outras estratégias discursivas que a autoajuda utiliza
na atualidade. Uma delas é a combinação de “[...] elementos racionalistas e
românticos” (FREIRE FILHO, 2010b, p. 3 e 4) para convencer seus usuários de que
não apenas é necessário crer nos ensinamentos desses manuais, como também
é possível comprovar a sua eficácia.
Outra estratégia discursiva recorrente é a apresentação dos resultados obti-
dos por outros indivíduos que colocaram em prática os ensinamentos desses
receituários de superação. Em geral, eles equivalem a provas documentais como
fotografias e resultados de exames médicos que evidenciam o sucesso obtido
dentro de um comparativo no estilo “antes e depois”27. Sobre essa questão do
gap temporal, devemos notar como a referência constante ao tempo futuro é
algo fundamental no discurso da autoajuda, já que ele representa o campo de
possibilidades e conquistas ainda não realizadas pelos indivíduos.
Desse modo, fica claro o investimento que esses manuais realizam no sen-
tido de motivarem seus usuários a não encarar seus projetos pessoais como
algo que depende da sorte ou da aleatoriedade, mas de empenho, determinação
e investimento. Com isso, vemos mais uma vez como a mentalidade self-em-
preendedora atravessa esses manuais, circunscrevendo a vida como um jogo
de competência ou habilidade (BERNSTEIN, 1997).
Finalmente, esse jogo de competência é o que faz com que a autoajuda seja
um exercício especulativo. Nele o sucesso depende do investidor e sua capaci-
dade de maximização de recursos pessoais.
À guisa de esquematização, organizamos um quadro referencial que sinteti-
za algumas das análises que fizemos sobre a mecânica dos manuais de autoa-
juda contemporâneos.

27 Cabe mencionar que o apelo midiático dessas contraposições é comumente explorado em reality shows
que abordam a busca pela aparência ideal a partir de dietas, intervenções estéticas e procedimentos cirúrgi-
cos. Como já sinalizamos anteriormente, essas produções também podem ser caracterizadas como manuais
de autoajuda.

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52 |
INSTRUMENTALIZAÇÃO DA FELICIDADE
A conquista da felicidade pode ser atingida
a partir do estabelecimento de metas

AUTODIAGNÓSTICO COMO CONDIÇÃO


DO AUTOAPRIMORAMENTO
Sem aceitar o “déficit inicial” não é possível um projeto de superação

DISPOSIÇÃO PARA A APRENDIZAGEM


Não existem limites quando temos humildade para aprender

SABER LEGITIMADO
Conhecimento científico, conhecimento
espiritual, conhecimento de vida…

COMBINAÇÃO DE ELEMENTOS RACIONAIS E EMOCIONAIS


É possível comprovar, mas também é necessário crer

ANTES E DEPOIS
Gap temporal

JOGO DE HABILIDADE E NÃO DE SORTE


A variável da equação é a competência do jogador

SUCESSO ESPECULATIVO
Sucesso é uma aposta no futuro

TABELA 1 – Quadro de análise da mecânica dos manuais de autoajuda. Elaborado pela autora.

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Utilizaremos esse quadro no final deste trabalho, quando faremos um com- | 53

parativo entre a autoajuda clássica, marcada pela oferta de livros, e o que de-
nominamos de autoajuda processada, caracterizada por aplicativos de desen-
volvimento pessoal.

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A melhor maneira de
prever o futuro é criá-lo.
FRASES DO BEM

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2
O BEABÁ DA
SUPERAÇÃO
SOBRE A LITERATURA CLÁSSICA DE AUTOAJUDA

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D
e acordo com levantamento realizado pela Nielsen – empresa global
especializada em pesquisa de mercado –, a autoajuda, também deno-
minada como “desenvolvimento pessoal”, foi um dos três gêneros li-
terários mais comercializados em 201728. Seu crescimento foi de 19,2%29, con-
quistando espaços de destaque nas livrarias, onde são apresentados best-sellers
e livros “campeões de vendas”.
Esse sucesso pode estar relacionado a uma série de variáveis. Primeiramen-
te, cabe destacar a heterogeneidade do público potencialmente interessado
nesse tipo de oferta. Um aspecto característico da autoajuda é o fato de lidar
com questões da vida cotidiana, sugerindo o poder de superação de todo e
qualquer indivíduo. Daí a possibilidade de projeção do consumidor, que passa
a se enxergar como protagonista nesses manuais.
Outro aspecto que pode estar relacionado ao crescimento dessa oferta é o
caráter democrático que a literatura de autoajuda assumiu na atual conjuntura.
Se, de um lado, ela desponta como um dos gêneros mais comercializados em
2017, é porque, de outro, seus produtos podem ser considerados relativamente
acessíveis. Os livros desse gênero não somente podem ser encontrados com
facilidade, como também são comercializados a preços bastante acessíveis,
principalmente se comparados a outros investimentos, como consultas com
psicólogos, médicos ou terapeutas.
Uma última variável que também deve ser levada em consideração para
explicar o crescimento da autoajuda no início do século XXI é a pertinência de
seus ensinamentos, que tanto refletem como refratam valores prezados em
nossa sociedade, como é o caso da busca pelo autoaprimoramento. Ao que
tudo indica, o discurso empregado por essa literatura tem particular sintonia

28 MURARO, C. Mercado de livros cresce 3% no faturamento em 2017 e registra primeira alta em quatro anos.
G1, [s.l.], 19 jan. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/mercado-de-livros-cresce-3-
no-faturamento-em-2017-e-registra-primeira-alta-em-quatro-anos.ghtml>. Acesso em: 11 maio 2018.
29 FACCHINI, T. Varejo de livros continua sua recuperação, aponta GfK. Plubishnews, [s.l.], 28 mar. 2018.
Disponível em: <http://www.publishnews.com.br/materias/2018/03/28/varejo-de-livros-continua-sua-
recuperacao-aponta-gfk>. Acesso em: 11 maio 2018.

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60 | com o momento histórico que estamos vivendo, dialogando com a mentali-
dade empreendedora e com o surto do aconselhamento, aspectos problema-
tizados no primeiro capítulo.

2.1 MAPEANDO A OFERTA DE LIVROS DE AUTOAJUDA


NO MERCADO BRASILEIRO

Com o propósito de compreendermos de maneira mais sistemática a oferta dos


livros (literatura “clássica”) de autoajuda na atualidade, realizamos entre os
meses de janeiro e março de 2017 um mapeamento desse gênero no mercado
editorial brasileiro. Para tanto, realizamos uma pesquisa documental que se
iniciou com o levantamento e a tabulação de todos os livros de autoajuda dis-
poníveis na plataforma da Amazon.com.br (ver Anexo 1).
O resultado final desse processo foi uma planilha com 6.370 livros (dispos-
tos em linhas) e as seguintes informações (dispostas em colunas):

• Título do livro
• Descrição do livro
• Disponibilidade para compra
• Preço
• Editora
• Número da edição
• Preço
• Avaliação dos usuários
• Comentários dos internautas sobre os livros
• ISBN
• Posição no ranking de livros mais vendidos no amazon.com
• Indicação de outro livro (por afinidade de tema)

Consideramos esse esforço investigativo necessário, já que não pretendíamos


nos aprofundar em uma obra específica da literatura de autoajuda, mas, sim,
visualizar de maneira geral como esse segmento do mercado está organizado.

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2.2.1 Características Gerais da Oferta | 61

Em nossa análise, vimos que dos 6.370 livros oferecidos pelo Amazon.com.br,
era possível adquirir apenas 3.713. Isso porque os demais estavam com o esto-
que esgotado.
Como é de praxe em sites de venda pela internet, nem sempre o preço dos pro-
dutos indisponíveis podia ser consultado. Por isso, nesse quesito específico, nosso
levantamento não pôde considerar a totalidade de livros catalogados pela plataforma.
O levantamento do preço dos 3.713 títulos disponíveis em estoque permitiu
apurar um valor médio de R$ 25,00 e máximo de R$ 188,19 por livro. Além dis-
so, estavam disponíveis no site 178 obras que custavam R$ 19,90, sendo este o
valor mais comumente encontrado (ver Gráfico 1).

900

800

700

600

500

400

300

200

100

0
0-5 5-10 10-15 15-20 20-25 25-30 30-35 35-40 40-45 45-50 50-60 60-70 70-200

GRÁFICO 1 – Número de livros de autoajuda por faixa de preço em reais30.

Em geral, vimos que os e-Books eram mais baratos, o que provavelmente está
relacionado ao fato do formato não envolver custo de impressão. Os 187 e-Books
localizados tinham preços de venda de até R$ 45,13, sendo R$ 15,36 o valor
médio e R$16,80 o mais comum, encontrado em 11 obras. Finalmente, também
constava no site um audiobook, mas ele não estava disponível para venda.

30 Elaborado pela autora.

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62 | Sobre o tamanho dos livros, observamos que dentre todos os catalogados
no site grande parte informava o número de páginas da publicação, que variavam
de 4 a 3.012, dependendo da obra. Aproximadamente dois terços dos títulos
possuíam entre 75 e 225 páginas e 82%, entre 50 e 275 páginas. O número mé-
dio de páginas por obra era de 181 (ver Gráfico 2).

800

700

600

500

400

300

200

100

0
25

00

12
-5

-7

12

15

17

20

22

25

27

30

32

35

37

40
0-

-1

30
25

50

0-

5-

0-

5-

0-

5-

0-

5-

0-

5-

0-

5-
75

0-
10

12

15

17

20

22

25

27

30

32

35

37

40

GRÁFICO 2 – Número de livros de autoajuda por número de páginas31.

Sobre o número de edições dos livros, foi possível verificar que de um total
de 3.461 que apresentavam esta informação32 87% estavam em primeira edição.
Assim, pudemos constatar que o mercado de autoajuda não apenas apresenta
bons resultados comerciais, como também está “aquecido”, já que tantos livros
novos estão sendo lançados (ver Gráfico 3).
Do acervo analisado, 5.947 títulos informavam sua data de edição. Destes,
29% tinham menos de 5 anos, outros 27% entre 5 e 10 anos, 24% entre 10 e 15
anos e 20% mais de 15 anos. Entre os livros mais antigos, mencionamos A di-
nâmica da evolução humana, escrito por Duane Elgin em 1905. Portanto, apesar
do verdadeiro boom da autoajuda, sublinhamos a existência de alguns “clássi-
cos” que permanecem sendo ofertados.

31 Elaborado pela autora.


32 Se assumirmos a hipótese de que todos os títulos que omitem essa informação o fazem por estar na primei-
ra edição, essa proporção se reduziria a 7%.

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3500 | 63

3000

2500

2000

1500

1000

500

0
0-1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-6 6-1000

GRÁFICO 3 – Número de livros de autoajuda por ano de edição33.

De acordo com o site Parade34, as dez obras de autoajuda mais bem-suce-


didas da história já venderam um total combinado acima de 260 milhões de
cópias (Figura 1).
Dois deles foram publicados com um ano de diferença: Como fazer amigos
& influenciar pessoas (Dale Carnegie), em 1936, e Quem pensa enriquece (Napoleon
Hill), em 1937, que venderam respectivamente 15 milhões e 80 milhões de exem-
plares. O segredo, de Rhonda Byrne, é o único título da lista escrito no século
XXI. Publicado em 2007, teve tiragem de 20 milhões de cópias, sendo o livro
mais vendido naquele ano. Ainda segundo o site, o “segredo” desse sucesso foi
a publicação da obra logo após a estreia de seu filme, em 2006.
Da lista dos dez mais vendidos, sete foram publicados nos 15 anos com-
preendidos entre 1984 e 1998, período que poderia ser classificado como a era
de ouro da autoajuda no mercado editorial, ao menos do ponto de vista autoral.
Em ordem de data de publicação, são eles: Você pode curar a sua vida, de Loui-
se L. Hay; Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes (Stephen R. Covey); Homens
são de Marte, mulheres são de Vênus (John Gray); Desperte seu gigante interior
(Tony Robbins); Histórias para aquecer o coração (Jack Canfield e outros); Não
faça tempestade em copo d’água (Richard Carlson); e Quem mexeu no meu
queijo? (Spencer Johnson). Sozinhos, venderam 150 milhões de exemplares.

33 Elaborado pela autora.


34 10 OF THE TOP-SELLING SELF-HELP BOOKS OF ALL TIME. Parade, April 21, 2017. Disponível em: <https://
parade.com/564215/beckyhughes/10-top-selling-self-help-books/>. Acesso em: 25 nov. 2018.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 63 24/01/19 13:09


64 |

FIGURA 1 – Os 10 livros de autoajuda mais vendidos na história.

Talvez o caso de maior sucesso editorial seja Histórias para aquecer o coração.
O livro, que sozinho vendeu apenas 11 milhões de cópias, deu origem a uma série
com aproximadamente 250 títulos, totalizando de mais de 500 milhões de exem-
plares vendidos, de acordo com a revista Forbes35. Curiosamente, ele não parece
ter tido o mesmo sucesso no Brasil. Apesar de contribuir com oito títulos para o

35 DENNING, S. How chicken soup for the soul dramatically expanded its brand. /forbes, April 28, 2011.
Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2011/04/28/how-chicken-soup-for-the-soul-
dramatically-expanded-its-brand/>. Acesso em: 1 dez. 2018.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 64 24/01/19 13:09


catálogo da Amazon, apenas quatro estavam disponíveis para compra, o mais | 65

bem posicionado apenas no 2.932º lugar no ranking dos mais vendidos do site.
Quanto à categorização, a Amazon classificou 453 deles como “Transforma-
ção pessoal”; 203 como “Motivacional”; 150 como “Autoestima”; 121 como “Es-
piritual”; 88 como “Felicidade”; e outros 75 como “Controle de stress”, “Criati-
vidade” e “Melhoria da memória” (ver Gráfico 4).

TRANSFORMAÇÃO PESSOAL

MOTIVACIONAL

AUTOESTIMA

ESPIRITUAL

FELICIDADE

CONTROLE DO STRESS

CRIATIVIDADE

MELHORIA DA MEMÓRIA

0 100 200 300 400 500

GRÁFICO 4 – Número de livros de autoajuda por categoria temática36.

Por mais que esse segmento apresente uma oferta bastante diversificada,
não podemos perder de vista quão alinhadas são essas obras em termos de
discurso, sempre pautados pela questão da autodireção, poder de realização
pessoal e formato de receituário.
Com o propósito de ilustrar os livros de autoajuda disponíveis no mercado
brasileiro, apresentaremos na sequência duas nuvens de palavras (ver Figuras
2 e 3), construídas, respectivamente, com os termos mais utilizados nos títulos
e nas descrições dos 6.370 livros catalogados nesta tese.
É possível notar que verbos como buscar, lidar, superar e amar parecem
caracterizar as ações sugeridas pelos manuais de autoajuda. Sob essa lógica,
ter uma postura enérgica e agir em prol dos objetivos pessoais passa a ser um
pré-requisito para a realização pessoal.

36 Elaborado pela autora.

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FIGURA 2 – Nuvem de palavras: termos mais utilizados nos títulos de autoajuda. Fonte: Elaborado pela autora.

66
|

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 66
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|
67

FIGURA 3 – Nuvem de palavras: descrição dos livros catalogados. Fonte: Elaborado pela autora.

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68 | Como todo receituário, as obras desse gênero ocupam-se de estipular me-
tas. Sobre a questão do sucesso, especificamente, Castellano (2015b, p. 170 e
171) afirma:

A maior parte dos livros de autoajuda consagrada à temática do sucesso


apela, no título, para o campo semântico ligado ao vencedor, e não à sua
antítese. Poucos livros sobre o sucesso trazem o fracasso no título, mesmo
que seja para se referir a ele como algo a ser evitado a todo custo.

Em chamadas convidativas como “Os segredos da mente milionária”37,


“Casamento blindado”, “Curando a si mesmo”, “Vida organizada. Como de-
finir prioridades e transformar seus sonhos em objetivos”, “Desperte seu gi-
gante interior” e “A grande arte de ser feliz”, as obras desse gênero ensinam
seus leitores a atingir bons resultados financeiros e proteger seus relaciona-
mentos, transformando expectativas em metas e em projetos de felicidade.
Esta última é trabalhada explícita ou implicitamente como sinônimo de suces-
so, mencionado, por sua vez, em 170 capas dos livros que estão disponíveis
no mercado brasileiro (ver Anexo 2).

2.2 ANÁLISE DE CAPAS

Agora que já temos um panorama para pensar a oferta de autoajuda no cenário


brasileiro, vamos analisar algumas capas de livros partindo de agrupamentos
temáticos. Por estarmos tratando de uma base de dados muito grande (mais
de 6.000 livros), essa seleção tem propósito ilustrativo.

37 O best-seller, publicado em 2005, aconselha que as pessoas negativas sejam eliminadas, incluindo, pre-
sumivelmente, aquelas com as quais você convive: “Identifique uma situação ou uma pessoa em sua vida
que o puxe para baixo. Distancie-se dessa situação ou associação. Se for a família, escolha estar perto dela
com menos frequência” (EHRENREICH, 2013, p. 67).

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2.2.1 Falando Sobre Autoestima, Felicidade e Desempenho | 69

A confiança no poder de realização pessoal é enfatizada na capa de muitas obras


do segmento (ver Figura 4). De certo modo, elas correspondem a uma espécie
de “beabá” da autoajuda, uma vez que apelam para um dos princípios mais
elementares do gênero: é preciso ter autoestima, acreditar em si e, sobretudo,
valorizar-se, já que sem amor próprio e alguma dose de positividade seria im-
possível perseguir qualquer objetivo.

FIGURA 4 – Livros de autoajuda que abordam autoconfiança e autoestima.

Esses títulos buscam combater a insegurança dos indivíduos exaltando a


autenticidade como uma das características essenciais do self-empreendedor
(ROSE,2011). A autoestima é uma questão-chave, nesse sentido; sem ela, seria
impossível ao indivíduo desenvolver-se em qualquer aspecto da vida.

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70 | Se acreditar nas próprias qualidades e investir na personalidade são valores
prezados na literatura de autoajuda, o mesmo se pode dizer em relação à busca
pela felicidade.
Como vimos no capítulo anterior, a cultura empreendedora nos encoraja a
pensar na felicidade como um estado emocional que pode ser produzido. Algo,
portanto, da ordem da competência e não da sorte ou do acaso (BERNSTEIN,
1997). Consequentemente, somos todos responsáveis pela nossa felicidade. Esta
é uma dívida que temos para conosco. Por isso mesmo, como explica Freire-Fi-
lho (2010a; 2010b), há um imperativo para sua consecução que pode ser cons-
tatado na grande variedade de capas dos livros de autoajuda comercializados
no mercado brasileiro (Figura 5).
Em nosso banco de dados, verificamos 378 títulos com as palavras “feliz”,
“felicidade”, “alegria” ou “alegre” no título.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 70 24/01/19 13:09


| 71

FIGURA 5 – Livros de autoajuda que abordam a busca pela felicidade.

Um dos elementos que aparece frequentemente estetizado nas capas é o


sorriso. Ele costuma apresentar-se na figura icônica da smiley face, quando não
está nas fotografias de pessoas de “carne e osso” flagradas em seus momentos
de contentamento, libertação e entrega à vida.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 71 24/01/19 13:09


72 | A convocação da felicidade, mesmo que não espontânea, é um apelo fre-
quentemente utilizado nos discursos de autoajuda de uma sociedade altamen-
te midiatizada e performática, na qual a prática pode ser resumida, no limite, a
“[...] sorria e seja agradável, vá com a maré – ou prepare-se para cair no ostra-
cismo” (EHRENREICH, 2013, p. 69).
Segundo a autora, hoje, “[...] o conselho de que devemos pelo menos fingir
uma disposição positiva” (EHRENREICH, 2013, p. 67) assumiu contornos ainda
mais implacáveis. Tal postura, todavia, não resulta de um mero otimismo con-
tagiante, mas de sua disseminação a partir de “[...] ideólogos, porta-vozes, pre-
gadores e vendedores – autores de livro de autoajuda, palestrantes motivacio-
nais, coachs e treinadores” (EHRENREICH, 2013, p. 60).
Outro aspecto que merece destaque nessas capas é o entendimento de que
a felicidade é um direito e, portanto, dela ninguém deveria abdicar. O título Onde
está minha felicidade? (Nei Naiff) é um exemplo de reivindicação que trata esse
estado de espírito como uma propriedade privada que teria sido subtraída do
leitor, a quem caberia encontrá-la e recuperá-la. Ao livro caberia, portanto, ofe-
recer o caminho para essa empreitada.
Na mesma linha, vemos também outros títulos, caso de O mapa da felicidade.
Escrita por Heloísa Capelas, a obra oferece ao leito respostas diretas. Por sua vez,
o livro Você melhor a cada dia, de Rebecca Swanner e outras, propõe uma síntese
dos elementos que caracterizariam o sucesso dentro do projeto contemporâneo
de felicidade, como explicitado em seu subtítulo, Pequenas atitudes diárias para
deixar você mais rico, feliz, magro, inteligente, jovem, sensual e relaxado a vida toda.
Paralelamente, outros títulos revelam a urgência da conquista da felicidade.
É o caso de Seja feliz hoje, de Helena Tannure, que convoca imperativamente o
leitor para a ação imediata. De fato, a eficiência e a rapidez para a solução de
problemas caracterizam o discurso da autoajuda (ver Figura 6).
As capas acima sugerem ser possível atingir conquistas de todas as ordens,
sem que seja necessário investimento de médio ou longo prazo. Em questão de
segundos, pode-se convencer alguém38. Em questão de minutos, pode-se conquis-

38 Interessante observar que o livro “Como convencer alguém em 90 segundos” não leva em conta o tempo
que seu leitor precisaria para devorar suas 312 páginas.

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| 73

FIGURA 6 – Livros de autoajuda que abordam eficiência e a rapidez.

tar a mulher dos sonhos39. Imagine-se, então, o que não seria possível conseguir
em algumas horas? Como já vimos, um dia (hoje!) seria suficiente para ser feliz.
Muitas obras valem-se desse discurso pragmático imediatista para conduzir
seus leitores, apresentando exercícios diários, além de manuais e “códigos de
leis”. Falaremos sobre eles na sequência.

2.2.2 Falando Sobre Exercícios, Manuais e Leis

Os livros de “exercícios” de autoajuda caracterizam-se pela tentativa de educar


seus leitores a partir de atividades dirigidas (ver Figura 7). Baseados em es-
tratégias behavioristas de condicionamento, programação neurolinguística e
técnicas da psicopedagogia, entre outras metodologias, percorrem diferentes
questões do cotidiano.

39 Na capa do livro “Como conquistar uma mulher em 15 minutos” o homem que consegue este feito é
ilustrado como alguém que contorna o labiríntico processo da conquista, evitando obstáculos e curvas
tortuosas. Tal estratégia, contudo, apela para uma compreensão superficial dos relacionamentos, uma vez
que o sucesso não está associado ao desbravamento dos percursos internos ao labirinto (e à complexidade
das relações afetivas), mas ao pragmatismo para driblá-lo.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 73 24/01/19 13:09


74 |

FIGURA 7 – Livros de autoajuda no estilo “exercícios”.

Frequentemente vemos nessa categoria capas infantilizadas com imagens


que remetem ao universo escolar. Entre elas, destacamos o Caderno de exercícios
para viver a sua raiva de forma positiva e o Caderno de exercícios para viver livre
e parar de se culpar, ambos de Yves­‑Alexandre Thalmann, que mais parecem
cartilhas de ensinamentos afetivos.
Ainda nessa linha de “paradidáticos”, algumas obras remetem, ingênua ou
oportunamente, a princípios construtivistas da educação. O próprio título Apren-
dendo a(+) aprender, de Barbara Oakley, soa como um bordão que potencializa
o aprendizado ao máximo expoente.
Paralelamente aos livros no formato de exercícios, verificamos em nossa
análise 68 obras que mencionam a palavra “manual” na capa. Eles possuem
temáticas variadas: manual da noiva, da gestante, do pai, do homem infiel e do
bebê, entre muitos outros (Figura 8).

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| 75

FIGURA 8 – Livros de autoajuda no estilo “manuais”.

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76 | Os títulos no estilo “manual” são voltados a indivíduos que querem ser
guiados. E, nesse sentido, até esperam um texto em “bullet points”, cuja lingua-
gem é mais objetiva e pragmática. Casamento, gravidez, criação e educação dos
filhos, divórcio são alguns dos assuntos tratados por essas obras.
Nessa categoria, um livro que chama particularmente a atenção é Manual
do proprietário, de Edmond Saab. Como é possível depreender desde o título,
os leitores são levados a encarar a si próprios como máquina, utensílio ou
equipamento, que precisa ser conhecido antes de utilizado. O mais irônico,
contudo, é que não apenas os indivíduos são instrumentalizados, como tam-
bém dependem de terceiros para que sua mecânica de funcionamento possa
ser decifrada. Assim, tais manuais assumem o desconhecimento de seus lei-
tores, que ao aderirem à essa ideia, igualmente, assumem a falta de conheci-
mento sobre si mesmos.
As “instruções de uso” fornecidas por esses manuais são, via de regra, bas-
tante generalistas e apostam em soluções universais. Desse modo, bastaria
apenas saber ligar, operar e desligar os indivíduos.
À guisa de exemplo, podemos citar alguns livros que se valem dessa lógica,
casos de Homem: manual de instruções, de Claudia Ponte, e Manual de instruções
da (sua) mulher, de Alexandre Callitto. Trazendo imagens icónicas, ambos partem
de uma descrição plana do como seriam (e funcionariam) homens e mulheres,
propondo uma leitura comportamental no mínimo estereotipada. No caso do
segundo título, é curioso notar que a palavra “sua”, inserida com outra tipologia
na capa, tentar criar uma associação direta com a “mulher específica de cada
um dos leitores”. Tal individualização, no entanto, não passa de recurso visual
e discursivo primário.
Podemos, ainda, citar Bebê – Manual do proprietário, de Louis Borgenicht e
Joe Borgenicht, voltado principalmente a pais de primeira viagem, para os quais
o filho é uma máquina complexa a ser decifrada. Aqui, temos um exemplo claro
de que não basta investir na autoconfiança dos leitores. São necessárias instru-
ções específicas, um kit de primeiros socorros para remediar a falta de repertó-
rio ou a experiência prévia do leitor.
Assim como ocorre no caso dos manuais, a palavra “lei” também é recor-
rente nos livros de autoajuda, aparecendo nesta pesquisa em 47 capas.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 76 24/01/19 13:09


A observação da Figura 9 indica que, aparentemente, há leis de todos os | 77

tipos: espirituais, do amor, da liderança e do trabalho em equipe, entre tantas


outras. Existe até a lei “da invencibilidade”, escrita por Ryuho Okawa, autor de
15 livros que incluem ainda as leis do “futuro”, da “eternidade”, da “felicidade”
e da “salvação”.

FIGURA 9 – Livros de autoajuda no estilo “leis”.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 77 24/01/19 13:09


78 | Tendo a conotação de algo que não pode ser contrariado, as leis são apre-
sentadas como diretrizes a serem seguidas rigorosamente, de forma obstinada.
De fato, o termo lei sugere uma “imposição” mais forte do que simples reco-
mendações de manuais, já que não seriam matéria a ser discutida, mas sim-
plesmente obedecida.
Alguns livros são ainda mais enfáticos, nesse sentido, quando em seus títulos
falam de leis “irrefutáveis” ou “incontestáveis”. O autor John C. Maxwell é dos
que recorre a esse expediente em As 21 irrefutáveis leis da liderança e As 17 incon-
testáveis leis do trabalho em equipe. Vale lembrar que ele figura hoje como um dos
principais autores do gênero, com 26 livros presentes em nosso levantamento.
Em outra vertente, alguns títulos autoajuda propõem-se a fazer grandes re-
velações (ver Figura 10). Mais do que exercícios, manuais ou leis, eles apelam
para a questão do segredo privilegiado e, portanto, sugerem soluções menos
óbvias para sucesso.

FIGURA 10 – Livros de autoajuda que fazem “grandes revelações”.

Seus ensinamentos são tratados como preciosidades que ainda estão por
ser descobertas. Esse é o caso, por exemplo, do livro Sistema havaiano secreto
para prosperidade, saúde, paz e mais ainda, de Joe Vitale, que sugere, inclusive
pela distância em relação à ilha, oportunidade única para o leitor tomar contato
com poderes desconhecidos.
Em outra direção, Top secret pretende revelar a praxis de uma das polícias
federais mais conhecidas no mundo: o FBI40. Escrita por Jack Schafer, PhD e

40 Sigla de Federal Bureau of Investigation, polícia de atuação federal dos Estados Unidos.

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ex-agente do FBI (ambas as informações em destaque na capa), a obra sugere | 79

o acesso a técnicas sigilosas, até então restritas a autoridades investigativas de


envergadura internacional.

2.2.3 Falando Sobre Administradores,


Empreendedores, Líderes e Vencedores

Tratando especificamente das capas que fazem referência à lógica de mercado


e pensamento econômico, muitos livros falam expressamente sobre a impor-
tância de administrar o tempo, o amor, a felicidade (Figura 11).

FIGURA 11 – Livros de autoajuda que abordam a administração pessoal.

É curioso que algumas das obras dessa categoria valem-se de listas extensas
para orientação. É o caso de 1000 dicas para administrar melhor a vida, de Jamie
Novak, em que a ênfase está no apelo à completitude. Ou seja, à grande quan-
tidade de ensinamentos que o livro pode prover.
Nessa categoria, o tempo é comumente tratado como recurso financeiro.
Seja o tempo para o descanso, lazer ou trabalho, há sempre uma preocupação
em termos de produtividade e performance que se aplicaria a qualquer situação.
Analisando as capas que mencionam a questão da liderança, destacam-se
novamente alguns valores típicos da cultura empreendedora (ver Figura 12).
Para todos os efeitos, o líder é aquele que está à frente. Destaca-se, pela sua
inciativa, conhecimento e capacidade de realização. Inspira.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 79 24/01/19 13:09


80 |

FIGURA 12 – Livros de autoajuda que abordam liderança.

Esses livros partem do pressuposto de que qualquer um pode ser líder (a


começar pelo caso exemplar de Jesus). Implica dizer que, teoricamente, todos
seriam vocacionados a ser referência em alguma coisa. Contudo, seria necessá-
rio descobrir e exercitar essa vocação.
No caso de alguns livros, vemos ela é exaltada de maneira ainda mais enfá-
tica, como na obra de John C. Maxwell, Você nasceu para liderar. O mais curioso
de afirmações como essa, porém, é que se dirigem indiscriminadamente a qual-
quer leitor. Se todo mundo nasceu para liderar, todavia, restaria questionarmos:
quem seria liderado?
Para além da liderança, muitos livros de autoajuda associam o sucesso ao
poder econômico (Figura 13). Nessas obras, o enriquecimento é valorizado des-
construindo a premissa de que “dinheiro não traz felicidade”, enfatizada em
outras categorias da autoajuda.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 80 24/01/19 13:09


| 81

FIGURA 13 – Livros de autoajuda que abordam sucesso financeiro.

A obra Os segredos dos homens mais ricos do mundo, por exemplo, se propõe
a tornar o impossível possível. Para tanto, seu autor, Steven K. Scott, retoma a
questão do segredo, mas agora aplicada ao universo do sucesso financeiro. Ser
rico é, nesses casos, uma meta a ser atingida. Ou melhor, ser milionário, bilio-
nário. Afinal, por que pensar pequeno, se podemos ser ambiciosos?

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 81 24/01/19 13:09


82 | Como discutimos no primeiro capítulo desta tese, todos os livros de autoa-
juda incentivam a mentalidade empreendedora. Algumas delas, contudo, trazem
esse apelo no próprio título, como é o caso de Olhar empreendedor (Marcos
Fábio), Empreendedoras de alta performance (coordenado pelas executivas Tat-
yane Luncah, Andréia Roma e Vanessa Cotosck) e Como o rock pode ajudar você
a empreender (Daniel Fernandes e Marco Bezzi) (ver Figura 14).

FIGURA 14 – Livros de autoajuda que abordam a postura empreendedora.

Remetendo à inspiração, à performance, esses títulos sugerem outro olhar


para a vida, que deveria ser explorada em todo o seu potencial. A partir de de-
poimentos, dicas de empreendedores de sucesso e histórias de vidas inspira-
doras, costumam destacar a conquista da autonomia aliada à coragem e aber-
tura para “o novo”.
Seguindo com o panorama de capas de livros de autoajuda, a alusão à ideia
de jogo também é bastante comum. Com tabuleiros, cartas e itens esportivos,

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diversas obras apresentam as “regras de ouro” para o leitor se tornar um | 83

vencedor (Figura 15).

FIGURA 15 – Livros de autoajuda que abordam a vida como um jogo.

Como exposto no primeiro capítulo deste trabalho, a classificação dos indiví-


duos como vencedores e perdedores é típica das sociedades capitalistas contem-

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84 | porâneas (CASTELLANO, 2015b). Por isso mesmo, muitos títulos de autoajuda de-
dicam-se a explicar quais jogadas assegurariam a participação no grupo vitorioso.
Alguns deles se autodenominam “bíblias”, nesse sentido, e valem-se de fór-
mulas de sucesso consagradas. De jogadores de futebol a personalidades his-
tóricas, como Napoleão, resgatam ensinamentos que, independentemente de
contexto, se aplicariam a todas as circunstâncias e tempos.
Um aspecto que chama atenção em outras obras que tratam do “jogo da
vida” é o fato de que sempre é possível a vitória, mesmo quando tudo parece
conspirar contra ela. Livros como a Grande virada (David C. Korten) e A arte de
virar o jogo no segundo tempo da vida (Bob Buford), entre outros, sugerem ain-
da haver tempo para mudanças, que é normal ocorrerem adversidades durante
a partida e que nunca se deve “entregar os pontos”.
Enfim, vemos que, independentemente do argumento utilizado, todos os
títulos que fazem parte dessa categoria oferecem uma visão simplificada da vida,
destituindo-a de sua imprevisibilidade ao transformá-la em um “jogo de com-
petência” (BERNSTEIN, 1997) e nada mais.

2.2.4 Falando Sobre Saúde, Poder Cerebral,


Prevenção, Terapia e Cura

Vamos nos ater, agora, à categoria de capas que falam sobre saúde. Como po-
demos observar, são muitas as obras que abordam esse tema. No total, verifi-
camos 683 livros que mencionam, entre outros assuntos, doenças e tratamentos,
aprimoramento das capacidades mentais e a busca pela boa forma.
Muitos desses livros revelam a busca por um estado de bem-estar pleno.
Desde o título, sugerem o investimento na saúde como a possibilidade de cor-
po atingir todo o seu potencial – Guia da saúde integral (Flavio Vervloet), Toda
saúde do mundo (Pierre Pallardy) e Saúde perfeita (Martin Claret) (ver Figura 16).
Em sintonia a essas obras que incentivam a busca pela saúde total, “100%”,
vemos também a ênfase sobre a mente como a grande responsável pelo equi-
líbrio e pelo bem-estar. De acordo com nosso levantamento, 225 títulos fazem
menção à mente, ao cérebro ou à neurociência.

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| 85

FIGURA 16 – Livros de autoajuda que abordam a saúde plena.

O cérebro merece destaque nessa relação. Ele é apresentado como uma


espécie de “central de controle do corpo” (FERRAZ, 2008), capaz de garantir
a saúde e aprimoramento das aptidões individuais. Nessa perspectiva, di-
versos livros exemplificam de maneira fidedigna o sujeito cerebral (FERRAZ,
2008): Supercérebro: como expandir o poder de transformação da sua mente
(Deepak Chopra e Rudolph E. Tanzi), Mude seu cérebro, mude o seu corpo:
use o cérebro para conseguir o corpo que sempre sonhou (Daniel G. Amen) e
Mentes brilhantes: como desenvolver todo o potencial do seu cérebro (Alberto
Dell’Isola) (Figura 17).
O propósito da literatura de “autoajuda cerebral” é, como Ortega (2009)
sugere, revelar o funcionamento do cérebro, além de exercitar a boa forma cog-
nitiva. Títulos como Deixe o seu cérebro em forma (Corinne L. Gediman e Francis
M. Crinella) e Academia da mente (Mind Gym) são bastante ilustrativos nesse
sentido, retomando a perspectiva de suporte “paradidático”.

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86 |

FIGURA 17 – Livros de autoajuda que abordam o poder cerebral.

É fundamental sublinharmos que, dentro desse programa de fitness cerebral,


a mente humana torna-se um recurso a ser explorado e não necessariamente uma
fonte de problemas, cuja complexidade mereceria outro tratamento ou terapia.
Seguindo com nossa análise vemos que, na esfera da saúde, 73 obras de
autoajuda contêm em seus títulos a palavra “terapia”.

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Quase via de regra, seguem uma estrutura discursiva de tipologia “terapia + | 87

de + substantivo” (ver lista abaixo).

• A Terapia da Amizade • Terapia do Alto-astral


• A Terapia do Abraço • Terapia do Amor Não
• A Terapia do Abraço 2 Renuncie a Si Mesmo
• A Terapia do Amor • Terapia do Amor.
• A Terapia do Beijo Avalanches do Despertar
• A Terapia do Chocolate • Terapia do Aniversário –
• A Terapia do Chocolate II Coleção Terapia
• A Terapia do Riso • Terapia do Casamento
• A Terapia dos Ursos • Terapia do Corpo
• Terapia da Aceitação • Terapia do Envelhecer
• Terapia da Adolescência com Sabedoria
• Terapia da Auto-estima • Terapia do Natal
• Terapia da Família • Terapia do Perdão
• Terapia da Gratidão • Terapia Feita sob Medida
• Terapia da Gravidez • Terapia para a Resolução
• Terapia da Jardinagem de Conflitos
• Terapia da Música • Terapia para Depressão
• Terapia da Preocupação e Prevenção de Drogas
• Terapia da Simplicidade • Terapia para Lidar
• Terapia da Solidão com Pessoas Difíceis
• Terapia da Vida • Terapia para um Coração
• Terapia de Cada Dia Angustiado
• Terapia de Vidas Passadas • Terapia para Vivência do
• Terapia Cognitivo­ Luto no Tempo de Natal
‑comportamental para • Terapia pela Oração –
Leigos Volume 1

Como é possível verificar, as terapias propostas pela autoajuda são bastante di-
versificadas. Tratam desde perdão, resolução de conflitos, coração angustiado, soli-
dão, luto em ocasiões natalinas, depressão e prevenção de drogas até vidas passadas.

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88 | Apesar da amplitude de oferta, é comum que algumas obras façam parte de
coleções, como podemos na Figura 18.

FIGURA 18 – Livros de autoajuda que fazem parte de coleções de terapia.

As coleções no estilo “terapia” sugerem o acompanhamento dos indivíduos,


para quem a leitura de autoajuda deveria ser uma atividade contínua. Como em
muitos tratamentos, a proposta desses livros seria desenvolver o autoconheci-
mento e refletir sobre uma variedade de assuntos cotidianos, avançando de obra
em obra, como no desenrolar da prática “psicoterapêutica”.
Diversas obras de autoajuda, como já assinalado no capítulo anterior, tra-
zem como tema central a doença e a importância de evitá-la, diagnosticá-la
ou administrá-la, propondo programas revolucionários de combate a ela. En-
tre os problemas tratados, vemos Alzheimer, câncer, depressão, ansiedade e
stress (ver Figura 19).

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| 89

FIGURA 19 – Livros de autoajuda que abordam transtornos e doenças.

Como já poderíamos prever, a busca pela cura é também um assunto recor-


rente nessa literatura. Em nossa base, verificamos que 102 livros fazem referên-
cia ao termo (ou variações dele) em seus títulos. Eles enfatizam o quão decisivo
seria o poder e a vontade individual para superar doenças e estados de efeme-
ridade (Figura 20).
O livro Cure-se, você é seu próprio remédio”, escrito por Lauro Trevisan, autor
brasileiro com mais publicações do gênero, traz uma síntese perfeita do poder
individual sobre o corpo.
Se você é seu próprio remédio, só você é capaz de se curar. Ou seja, está
em você não só o problema, mas também sua solução. Desse modo, vemos
como o pensamento autodirigido, proposto pela autoajuda, tende a eman-
cipar os indivíduos, exaltando sua responsabilidade e autonomia sobre a
própria terapia.

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90 |

FIGURA 20 – Livros de autoajuda que abordam a questão da cura.

Na medida em que somos, todos, nosso melhor remédio, é certo que


deveríamos comemorar. Celebrar a cura, da qual desfrutamos e pela qual
somos responsáveis, como cabe ao self-empreendedor (ROSE, 2011). Um títu-
lo que ilustra essa categoria é Sorria, você está sendo curado (Marcelo Pinto).
É curioso observarmos que essas obras apostam na atitude positiva como
forma de “espantar” a doença. Nesse sentido, são a antípoda da “lei da atra-
ção”, já abordada anteriormente.
Finalmente, convém retomarmos o início da tese, quando refletimos sobre a
cultura empreendedora e terapêutica. Como vimos, foi sob esse novo estatuto
da saúde e do corpo que muitos indivíduos passaram a se considerar doentes
“em potencial” (SIBILIA, JORGE, 2016). Tal perspectiva é ilustrada de maneira fide-
digna no livro Doenças que você tem e não sabe, de Nicolas Schor, que reforça a
autovigilância e o comportamento hipocondríaco, tão característico da “toxico-
mania generalizada” (ROLNIK, 1997) com a qual lidamos na contemporaneidade.

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Se sempre estamos doentes, mesmo quando não sabemos, paralelamente | 91

também existem indivíduos que fogem à regra. Grandes exceções que se encon-
tram na direção contrária e nunca apresentam problemas de saúde. Têm o
corpo e mente imunes, como sugere o livro de Gene Stone, Segredo das pessoas
que nunca ficam doentes. Esses indivíduos que “nunca” adoeceram representam
casos exemplares. Afinal, conseguiram a proeza de não apenas estar saudáveis,
mas de ser saudáveis. Sempre. Algo que seria cada vez mais improvável na ló-
gica do aprimoramento constante.
Ao longo deste capítulo, buscamos compreender de maneira sistematizada
como está organizada a oferta de livros de autoajuda no cenário brasileiro. A
partir de uma cartografia que envolveu a tabulação de milhares de obras, vimos
alguns eixos temáticos e exemplificamos como a cultura empreendedora e te-
rapêutica estão muito bem representadas nesta literatura.
A seguir, veremos como essa bibliografia vem se expandindo em um cenário
midiático que envolve grande acesso à informação, interatividade e conquista
de autonomia. Nossa suposição é que a literatura clássica de autoajuda repre-
senta apenas a base estrutural de uma edificação mais robusta em torno do
desenvolvimento pessoal.

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Independentemente do que
estiver sentindo, levante-se,
vista-se e saia para brilhar.
PAULO COELHO / FRASES DO BEM

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3
HIPOCONDRÍACO
NÃO, ANTENADO!
SOBRE OS RECEITUÁRIOS
MIDIÁTICOS DE AUTOAJUDA

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A
partir da segunda metade do século XX, paralelamente ao crescimento
da oferta editorial, é possível observar uma diversificação do gênero da
autoajuda em diferentes formatos. Essa transformação deveu-se, em
parte, à consolidação dos meios de comunicação de massa (como o rádio, a
televisão e mais tarde a internet) que permitiram a emergência da mídia41, tal
como conhecemos hoje.
De acordo com Kellner (2001) a mídia exerce na atualidade uma grande in-
fluência na maneira como vivemos, a ponto de podermos pensá-la como um dos
principais baricentros da experiência subjetiva contemporânea. Nesse sentido, o
autor argumenta que, independentemente de nossa familiaridade com determi-
nados conteúdos, como revistas impressas, programas televisivos, sites e redes
sociais digitais, estamos imersos em uma espécie de caldo cultural midiático.
De fato, a cultura veiculada pela mídia e consumida (direta ou indiretamen-
te) por todos, avalia, transformou-se em uma “[...] força dominante de sociali-
zação” (KELLNER, 2001, p. 27). Ou seja, um importante referencial, a partir do
qual aprendemos e negociamos valores, gostos e pensamentos, produzindo
novos modelos de identificação.
Os manuais de autoajuda que circulam em diferentes formatos midiáticos são
um ótimo exemplo desse papel modelador da mídia, inclusive no âmbito do
bem-estar. Basta observarmos como os diagnósticos de doenças e patologias
cresceram por conta do acesso à informação, uma vez que os indivíduos passaram
a buscar na internet parâmetros e respostas para dúvidas relacionadas à saúde.
Para além dos critérios de autoavaliação, todavia, a mídia também se encar-
rega de disponibilizar receituários para o cuidado com o corpo. Essa dupla
função da mídia (oferecer condições para o diagnóstico e tratamento ou preven-
ção) é o que a torna, por excelência, uma “instância consultiva”. Ou, mais ainda,
uma espécie de oráculo do bem-estar.

41 No século XXI, o termo mídia refere-se a um “conglomerado comunicacional” que não apenas reúne diferentes
meios de comunicação, formatos, linguagens e conteúdos, mas também os mantêm conectados. Nesse sentido,
é ela muito mais abstrata e menos fragmentada do que os meios de comunicação de massa do século passado.

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98 | De acordo com Jenkins (2008), um dos aspectos que faz com que a mídia
tenha grande importância como formadora de identidades, no cenário contem-
porâneo, é o fato de seus conteúdos estarem simultaneamente presentes em
várias plataformas. Em outros termos, serem ubíquos42.
No caso do gênero da autoajuda, vemos que os manuais que passam a se
movimentar dentro do circuito midiático acabam por se tornar quase onipre-
sentes, uma vez que ganham relevância em diversos contextos43. A consequên-
cia, então, é uma sinergia desse discurso que, a partir de diferentes meios e
linguagens, convoca os consumidores.
Buscar informações relevantes é um dos desafios que surgem nesse contex-
to. Consequentemente, uma série de recursos disponibilizados pelas próprias
plataformas midiáticas vem-se dispondo, oportunamente, a facilitar esse pro-
cesso de curadoria. Os sites de busca merecem destaque, nesse quesito. Como
balcões de informação para todo e qualquer tipo de pergunta, funcionam como
verdadeiros portais para a dimensão da web, atuando simultaneamente como
gatekeepers44 e “curadores de informação” (SAAD e BERTOCCHI, 2012b).
Além disso, vemos hoje diversos conteúdos midiáticos sendo oferecidos sob
demanda, como ocorre no Netflix45, por exemplo. De acordo com Tyron (2013),
as transformações advindas dessas plataformas são tão significativas para a

42 Isso acontece de maneira frequente no contexto do entretenimento. Na indústria cinematográfica, por


exemplo, filmes que são exibidos no cinema são rapidamente deslocados para a internet, televisão – ou
mesmo livro, excepcional caso de O segredo, por exemplo. O caminho inverso também é comum. Noticiá-
rios, novelas e outras produções que se originam na televisão também acabam por ser reendereçadas ao
território da web. Por isso mesmo, grande parte do conteúdo de entretenimento atual já é desenvolvido em
sintonia com esse modelo de atravessamento. Como vimos, tipo de orquestração que só é possível porque
na atualidade se consolidou uma ideia menos fragmentada da mídia e de suas linguagens (KELLNER, 2001).
43 As web-celebridades, por exemplo, fazem uso dessa lógica de atravessamento. Obtendo sucesso inicial-
mente no Youtube, Instagram ou outras plataformas digitais de compartilhamento de conteúdo, muitas
delas desdobraram suas publicações para livros impressos. Cabe notar que na Bienal do Livro de 2016,
realizada na cidade de São Paulo, a maior parte dos livros vendidos dizia respeito a essas figuras.
44 Teoria do campo da comunicação, surgida na década de 1950, nos Estados Unidos, num contexto de
hegemonia das organizações jornalísticas na produção das informações públicas, postula que a notícia é
produzida a partir de um processo de escolhas, no qual o fluxo informativo passa por diversos “gates” (por-
tões) desde o acontecimento até a sua publicação. Haveria, portanto, uma intencionalidade no jornalismo
que torna o processo arbitrário e subjetivo. Sob o cenário das novas mídias, esse poder das organizações de
comunicação, sobretudo as jornalísticas, foi reduzido.
45 Provedora global de filmes e séries de televisão via streaming, atualmente com mais de 100 milhões de
assinantes ao redor do mundo.

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experiência contemporânea que já é possível pensarmos em uma cultura on | 99

demand, que caracterizaria a nova “era” de consumo de entretenimento, mar-


cada pela autonomia46.
No próximo tópico, vamos nos aprofundar nestas questões a partir de algu-
mas ilustrações de receituários para o bem-estar físico e mental que vêm se
multiplicando em revistas semanais, programas televisivos, sites e redes sociais.

3.1 UM BREVE PANORAMA DA


AUTOAJUDA MULTIPLATAFORMA

Comecemos pelas capas da revista Saúde, da Editora Abril, e seu acervo de


ensinamentos a respeito do corpo. Entre 2017 e 2018, vemos manchetes como
“Dieta para tireoide”, “Vitória contra o câncer”, “Diabetes muito além do açúcar”
e “Dor. Alívio sem remédio” (ver Figura 21).
Como é possível observar, a revista dedica-se a apresentar situações que dizem
respeito ao cotidiano dos sujeitos. Depreende-se daí que o propósito da publica-
ção é conscientizar seus leitores sobre a importância do bem-estar físico e mental.
Ainda que algumas edições tratem de doenças aparentemente mais complexas,
como é o caso do câncer, fica evidente que o seu intuito principal é propor mu-
danças de atitudes dos indivíduos a partir de “receitas” para se “viver melhor”.
O discurso da revista Saúde parece incentivar os indivíduos a familiariza-
rem-se com o próprio corpo e com as eventuais disfunções que ele possa
apresentar. Há também uma clara tentativa de “empoderamento” do leitor,
quando matérias afirmam que a solução para alguns problemas depende da
iniciativa de cada um – “Pressão alta: o controle em suas mãos” – ou que é
hora de se chegar a um veredicto sobre questões aparentemente controversas
– “A verdade sobre o jejum”.

46 Sempre vale lembrar as transformações advindas da “liberação do polo emissor” (LEMOS, 2007, p. 125),
no contexto digital, sem a qual jamais teria sido possível a interatividade e participação do receptor diante
das mensagens midiáticas.

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100 |

FIGURA 21 – Edições da revista Saúde, da Editora Abril47.

Com um apelo relativamente parecido, o site WikiHow – comunidade licen-


ciada pelo Creative Commons, lançada em 2005 – oferece um repositório de
guias no estilo how-to (“como fazer”) com orientações sobre bem-estar e saúde
que podem ser consultadas e aplicadas por “todo e qualquer indivíduo”. Entre
elas, “como tratar uma costela fraturada”, “como afinar o sangue naturalmente”
ou mesmo “como ler um exame de ressonância magnética” (ver Figura 22).

47 COMO LER RESULTADOS DE EXAME DE SANGUE. WikiHow – Como fazer de tudo, [s.d.]. Disponível em:
<https://pt.wikihow.com/Ler-Resultados-de-Exame-de-Sangue>. Acesso em: 28 abr. 2018.

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| 101

FIGURA 22 – Como tratar problemas de saúde e interpretar o resultado de exames médicos48.

É interessante notar como esses manuais digitais possuem estética e lingua-


gem infantilizadas, assemelhando-se a uma cartilha de cuidados. De forma simples
e “descomplicada”, privilegiam a fácil compreensão por parte de seus leitores, que
se caracterizam por leigos e não, efetivamente, profissionais da saúde.

48 As edições podem ser consultadas, por ano, em: <https://saude.abril.com.br/edicoes/>. Acesso em: 28
abr. 2018.

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102 | Esse mesmo discurso, acessível e despretensioso, também se tornou recor-
rente no perfil de influenciadores digitais. Como o nome sugere, são pessoas ou
personagens extremamente populares que têm um público massivo, e frequente-
mente cativo, nas redes sociais. Com o tempo, esses influenciadores não apenas
se tornaram uma referência para o grande público, como se transformaram em
formadores de opinião. Assim, essas figuras são típicas de uma cultura midiática
(KELLNER, 2001) em que os indivíduos ganham notoriedade devido a suas mani-
festações nas mídias, tornando-se árbitros de gosto e comportamento.
Em geral, o conteúdo produzido pelos influenciadores diz respeito ao seu
estilo de vida, costumeiramente narrado em diferentes redes sociais, como You-
tube, Instagram, Snapchat, Twitter, Facebook e Tumblr. Alguns deles especiali-
zaram-se em relatar, por exemplo, seu dia a dia de treinos na academia, suas
dietas miraculosas e seu estilo de vida saudável.
Um dos casos de maior sucesso desse tipo de influenciador é o de Gabriela
Pugliesi. Considerada uma referência na categoria boa forma, alçada à condição
de “musa fitness”, ela representa hoje uma das figuras mais influentes no país
na esfera das redes digitais: seu perfil, em abril de 2018, possuía 11.501 de pu-
blicações e 3,8 milhões de seguidores (ver Figura 23).

FIGURA 23 – Perfil de Gabriela Pugliesi no Instagram49.

Pugliesi ficou famosa compartilhando sua rotina dietas e exercícios físicos


em busca da boa forma em plataformas como o Instagram, onde a influencia-

49 Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BiE-JMYhzNc/?hl=pt-br&taken-by=gabrielapugliesi>.


Acesso em: 28 abril 2018.

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dora disponibiliza fotos diariamente. Seu sucesso acarretou uma série de con- | 103

tratos publicitários, além de livros e publicações em revistas semanais. Nelas,


costumam ser publicadas “dicas” da influenciadora que podem ser consumidas
no formato de receituário (Figura 24).

FIGURA 24 – Dicas de sucesso de Gabriela Pugliesi50.

Como podemos observar, ao mesmo tempo em que Pugliesi aparece como um


modelo de sucesso, a ponto de se tornar quase um “selo de qualidade” de dietas
e exercícios físicos, há um apelo para sua imagem de “pessoa comum”. De modo

50 Disponível em: <https://www.instagram.com/p/BiE-JMYhzNc/?hl=pt-br&taken-by=gabrielapugliesi>.


Acesso em: 28 abril 2018.

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104 | aparentemente singelo – falando sobre lista de compras para o supermercado e a
dificuldade de manter a dieta –, a matéria sugere ser a influenciadora uma pessoa
como outra qualquer, com quem todos poderiam se identificar. Até porque, diga-se
de passagem, não foi sempre que Pugliesi foi considerada uma “musa fitness”.
Essa, inclusive, é uma passagem bem trabalhada na construção de sua grife.
Seu relato de superação é um importante recurso discursivo (“antes e depois”)
para sensibilizar o público e engajá-lo no modo de vida da influenciadora.
Distanciemo-nos, agora, do exemplo de Pugliesi, que se caracteriza pelo
saber legitimado pela prática. Passemos a considerar casos em que as figuras
do médico, do nutricionista, do psicólogo ou do terapeuta também são cap-
turadas pela mídia.
A participação dessas figuras em matérias de jornal e revista, programas
de rádio e televisão costuma ser utilizada para assegurar legitimidade à men-
sagem veiculada. No entanto, por mais que os conhecimentos desses espe-
cialistas sejam valorizados, assim como sua formação, titulação e anos de
experiência profissional, o objetivo dessas intervenções é validar os ensina-
mentos transmitidos aos espectadores para que eles próprios tenham condi-
ções de administrar o seu bem-estar.
Nesse contexto, é frequente que as pessoas associadas ao “saber competen-
te” assumam o papel de celebridades midiáticas. Tal deslocamento é bastante
evidente, inclusive, quando observamos a desenvoltura desses profissionais
diante de câmeras televisivas. Eles não apenas dividem o palco com apresenta-
dores de programas matinais como também recebem, no ar, mensagens de
fã-clubes e são requisitados para campanhas publicitárias.
O programa matinal Bem-Estar, exibido pela Rede Globo e reprisado pelos
canais fechados GloboNews e Viva, é um excelente exemplo de como esse en-
dosso de especialistas ocorre. Na sequência, selecionamos alguns frames de
dois dias em que tratou da questão da proteção solar e hipertensão, respectiva-
mente (ver Figura 25).
É possível observar, nessas cenas, que novamente prevalece uma preocupação
com o didatismo. Os recursos utilizados pela produção para traduzir a linguagem
médica são uma marca tão característica que, por vezes, falar sobre o “bem-estar”
parece não apenas necessário como também uma tarefa “divertida”.

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| 105

FIGURA 25 – Cenas do programa Bem-Estar, exibido pela TV Globo51.

De forma representativa, como no caso da panela de pressão, ou lúdica, como


no da caixinha de surpresa, o que vemos nessas imagens é uma adaptação do
discurso sobre a saúde também para o universo do entretenimento. As doenças
e os cuidados com o corpo precisam ser tangibilizados e ter “apelo visual”.
Tudo indica que esse formato tem sido bem-sucedido, uma vez que Bem-es-
tar está no ar nas manhãs globais desde 2011, e sua plataforma digital possuía,

51 Programas disponíveis em: <https://www.youtube.com/channel/UCyR4dkya5rC7ZVJFNBrOMrg>. Aces-


so em: 28 abr. 2018.

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106 | em março de 2017, 12,3 milhões de páginas visualizadas por mês (ver Anexo 3).
A relevância dessa produção, contudo, não se limita ao seu alcance de público.
Para além do número de televisores sintonizados no programa, há de se reco-
nhecer o grande potencial de identificação que ele promove. Está aí, na perspec-
tiva de Rolnik (2002), o que deveria ser realmente problematizado.
Como sugere a autora, o grande perigo desses conteúdos é o fato de apre-
sentarem um “modo de ser” exemplar ao espectador (seja ele relacionado à
saúde ou a qualquer outro aspecto da vida). Desse modo, a audiência torna-se
apenas a faceta mais visível, e até ingênua, de uma “máquina capitalística” cujo
interesse é colocar à venda um determinado estilo de vida. Nas palavras de
Rolnik (2002, p. 4):

Bem mais importante do que isso é que o alto índice de atenção e, portanto,
de potencial de identificação que um índice de audiência implica, alimenta
o funcionamento dessa máquina infernal de captura e sobrecodificação da
subjetividade que se tornou uma das principais engrenagens, senão a prin-
cipal, do capitalismo contemporâneo.

Sob essa perspectiva é possível vislumbrar, por trás dessas produções mi-
diáticas, a existência de uma mentalidade econômica, não apenas porque ocor-
re uma convocação das subjetividades empreendedoras, mas também porque
se torna possível rentabilizar o próprio interesse e a própria preocupação com
a saúde. Daí o entusiasmo de tantos anunciantes em relação a programas como
Bem-Estar ou pelas publicações pagas (posts publicitários) de Gabriela Pugliesi.
Um dos aspectos que merece destaque nessas revistas, programas e canais
de influenciadores especializados em saúde é a questão do autodiagnóstico.
Como discutimos no capítulo anterior, tal prática vem se tornando recorrente
devido à diversidade de informações disponibilizadas pelas plataformas mi-
diáticas. Basta ao indivíduo acessar fóruns de discussão online, redes sociais,
vídeos no Youtube ou plataformas de entretenimento como o BuzzFeed para
verificar a abundância de testes que prometem avaliar a personalidade, a pro-
pensão para doenças ou sintomas para os quais seria necessário algum tipo
de intervenção ou tratamento.

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A título de exemplo, indicamos abaixo títulos de testes disponibilizados pelo | 107

BuzzFeed que se relacionam à questão da personalidade, inteligência e saúde:

• Que hobby você deveria fazer • Este teste do ponto vermelho vai
de acordo com o seu nível de determinar se você fica nervoso
estresse? com facilidade
• Este teste com imagens vai revelar • Você só vai acertar este teste
o seu medo mais profundo de cores se estiver enxergando
• Faça este teste sobre coisas muito bem MESMO
estressantes e revelaremos seu • Quem encontrar todos os
ponto mais forte 15 países neste teste é mais
• Só quem tem uma memória inteligente que 95% das pessoas
EXCELENTE vai conseguir acertar
10 respostas neste teste

Como vemos, todos eles parecem oferecer respostas objetivas diante de


questões que até então o usuário do site poderia julgar complexas. Esses testes
nos convidam a questionar nossa atitude perante a vida, nossa identidade, nos-
sos estados emocionais e, ainda que indiretamente, nosso sentimento de reali-
zação. Afinal, por mais que digam respeito a assuntos aparentemente específi-
cos, está nesse esforço contínuo e diversificado a busca pelo autoconheci-
mento e autoaprimoramento do self-empreendedor.
Devemos sublinhar que o BuzzFeed não disponibiliza apenas testes psico-
lógicos ou relacionados à questão da saúde. Uma das características da plata-
forma é oferecer uma enorme diversidade de autoavaliações que variam de
“Você consegue identificar o boy-lixo52?”, “Você tem encosto?”, “Quão adulto
é você?” a “Você daria conta de namorar um homem hétero?”53. Se, de um
lado, a oferta de testes de todo tipo faz com que estes assumam uma conota-
ção de quiz de entretenimento e, por isso, pareçam mais inofensivos, há de se

52 Expressão utilizada pelos jovens para se referir a um “namorado ruim”.


53 Todos os testes mencionados constavam na página inicial de testes do site do BuzzFeed quando a pesquisa
foi realizada. Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/br/quizzes?utm_term=.hkQ8NYLl5q#.dlEO
Xn8yB7>. Acesso em: 1 maio 2015.

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108 | considerar, de outro, seu potencial de perigo. Mais uma vez, como em outros
casos de que já tratamos, é justamente o fato de eles parecerem despretensio-
sos que os torna tão convidativos.
Além dos testes, plataformas como o BuzzFeed também oferecem para seus
usuários listas no estilo “to do”. Muitas delas tratam da questão da saúde e do
bem-estar e sugerem alguns conselhos terapêuticos. Na postagem abaixo, por
exemplo, são apresentadas “5 dicas de uma psicóloga para fazer terapia em si
mesma” (Figura 26).
É interessante notar o apelo visual desse receituário. Para cada uma das
“dicas” apresentadas há uma imagem correspondente, cujo apelo gráfico torna
a leitura mais fluída e leve. Na plataforma WikiHow vimos uma estratégia dis-
cursiva relativamente análoga, o que nos permite indagar se esse recurso ima-
gético não seria um artifício comum no discurso desses manuais compactos.
De fato, mesmo os livros de autoajuda em formato de bolso, ou seja, compactos,
utilizam comumente imagens ou pequenos ícones.
Tratando-se da internet, a referência imagética parece ainda mais comum,
tanto é que mesmo em manuais um pouco mais extensos é possível verificar a
preocupação de se evitar um texto corrido. Imaginamos que essa preocupação
exista no contexto digital, visto que uma das características de seus usuários é
o consumo simultâneo de muitas plataformas. Tal perfil indica que há uma
grande possibilidade de dispersão do leitor54. Assim, torna-se uma questão
estratégica para essas plataformas uma abordagem mais sintética, sedutora e
interativa com seus usuários.
No caso de listas mais extensas, vemos como é importante a produção e
valorização de cada uma das “dicas”, que precisam se tornar quase um post
independente. Esse é o caso do receituário abaixo: “27 dicas realmente úteis
para lidar com os ataques de pânico” (ver Figura 27).

54 Essa dispersão está relacionada à abundância de oferta, além do hábito de consumir textos mais curtos
devido à rapidez de compartilhamento e troca de mensagens, tal como a própria limitação de número de
caracteres para a realização de uma postagem (como ocorre no Twitter).

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| 109

FIGURA 26 – Dicas de uma psicóloga para fazer autoterapia no BuzzFeed55.

55 THOMPSON, J. 5 dicas de uma psicóloga para fazer terapia em si mesmo. BuzzFeed, [s.l.], 11 dez. 2015.
Disponível em: <https://www.buzzfeed.com/jbthomp10/5-dicas-de-uma-psicologa-para-fazer-terapia-
em-si-2113l>. Acesso em: 11 maio 2018.

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110 |

FIGURA 27 – Lista BuzzFeed orienta usuários a lidar com ataques de pânico56.

Nessa lista fica evidente o dinamismo ao qual nos referimos. Primeiramente,


temos um apelo visual diferenciado para cada uma das “dicas”. Além disso, é

56 BORGES, A. 27 dicas realmente úteis para lidar com ataques de pânico. BuzzFeed, 29 nov. 2017. Disponível
em: <https://www.buzzfeed.com/annaborges/dicas-para-lidar-com-ataques-de-panico>. Acesso em: 10
maio 2018.

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possível notar como elas operam individualmente de maneira diferenciada. Al- | 111

gumas trazem frases motivacionais e palavras que convocam para ação; outras
apresentam listas de músicas que podem ser escutadas pelo usuário durante a
crise57. Desse modo, cada pessoa pode consumir as “dicas” com as quais mais
se identificar, navegando livremente por esses manuais.
Muitas vezes tais dicas são sugeridas pelos próprios usuários da plataforma.
É o caso da lista em questão. Com o apelo de conteúdo produzido de forma
colaborativa, esse receituário é, na realidade, um compilado de diferentes su-
gestões de pessoas comuns que já passaram por um ataque de pânico e pos-
suem um saber legitimado pela experiência.
Consequentemente, ao mesmo tempo em que esses manuais são instru-
mentos impessoais para a administração de si, também apelam para um sen-
timento de empatia. Afinal, as “dicas” não apenas são oferecidas de forma
gratuita, como resultam da preocupação mútua entre indivíduos que enfrentam
os mesmos problemas.
É curioso notar que, por mais que esses testes e listas sejam apresentados em
um âmbito midiático, há uma suposição de privacidade nesse tipo de oferta de
conteúdo. No fim das contas, os indivíduos podem realizar os testes ou acatar as
dicas apresentadas pelo BuzzFeed de forma autônoma, sem nenhum tipo de
supervisão ou interferência direta de especialistas. Nesse sentido, cabe ao usuário
realizar o próprio diagnóstico e tratamento com a ajuda da plataforma.
Trata-se, portanto, de outra forma de interlocução, diferente daquela prati-
cada com a intermediação de um familiar, amigo, médico, analista ou terapeu-
ta. Em princípio, pode-se investigar desvios, patologias ou qualquer insatisfação
sem qualquer julgamento de terceiros. Além disso, as repostas fornecidas,
assim como o diagnóstico apresentado ao final do processo, permaneceriam
restritas ao respondente.
Como vamos discutir no próximo tópico, muitas das informações inseridas
nas páginas digitais não se restringem aos interesses dos seus usuários, uma

57 Em um contexto de convergência midiática, é possível atravessar diversas plataformas em busca de infor-


mações relacionadas. Como vimos no primeiro capítulo, isso não significa apenas novas possibilidades do
ponto de vista da produção de conteúdos e circuitos de entretenimento, como também uma nova maneira
de pensar as próprias relações de consumo (JENKINS, 2008).

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112 | vez que são mapeadas e rastreadas, fornecendo inputs para a própria plataforma
em que foram disponibilizadas ou para eventuais parceiros. Para que possamos
entender esse mecanismo de monetização dos dados, vamos primeiramente
investigar como a internet possibilitou a emergência de uma oferta de conteúdo
sob medida, capaz de traçar perfis mais detalhados de usuários.

3.2 BIG DATA TERAPÊUTICO: MAPEANDO


PERFIS E ANALISANDO O BEM-ESTAR

Uma questão que vem sendo bastante discutida na esfera das novas plataformas
comunicativas é a oferta de conteúdos customizados por algoritmos. Em uma
época em que a quantidade de informações produzidas pela humanidade cres-
ce exponencialmente, as pessoas têm à sua disposição uma quantidade de
conteúdo muito maior do que conseguem processar.
Nesse contexto, as empresas se destacam não pela quantidade de informações
que conseguem produzir, mas por sua capacidade de prever o que o usuário quer,
e, assim, entregar um conteúdo de relevância. Daí a importância do “big data”, que
se relaciona não somente à quantidade de dados, mas também às técnicas analíti-
cas que permitem selecionar, filtrar e depurar seu conteúdo a partir de algoritmos.
Na linguagem de computação o algoritmo corresponde a um procedimento
criado para realizar uma tarefa específica58 . Nos meios digitais, o grau de cor-
respondência entre os usuários e tudo aquilo que lhes é direcionado depende
da sofisticação de protocolos algorítmicos, além da disponibilidade dos sujeitos
para fornecerem suas informações.

No cenário da comunicação digital, a rigor, o algoritmo trabalha com a mis-


são de expurgar informações indesejáveis, oferecendo apenas o que o usuá-
rio julgaria eventualmente o mais relevante para si, conforme um modelo de
negócio definido ou de acesso às informações também previamente deter-
minado pelo proprietário do algoritmo (SAAD, BERTOCCHI, 2012a, p. 7).

58 Esse conceito é retirado de Skiena (2008, p. 3): “An algorithm is a procedure to accomplish a specific task”.

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Em parte, o sucesso do próprio BuzzFeed pode ser creditado a tais algoritmos. | 113

Trata-se do primeiro portal cuja edição não é feita apenas por seres humanos,
mas também por algoritmos que selecionam aqueles artigos de maior sucesso59.
Não surpreendentemente, alguns manuais de autoajuda que mencionamos an-
teriormente apareciam em destaque no site.
O uso de algoritmos possibilitou a entrega de conteúdos personalizados
a partir do mapeamento detalhado do perfil de seus usuários. De acordo com
Costa (2004, p. 165), essa não é uma prática nova, visto que a montagem de
perfis data dos anos 1990, quando muitos sites começaram a utilizá-los para
uma série de operações, como “[...] oferta de produtos, de notícias, de pro-
gramação nos veículos de mídia, endereçamento de perguntas, encontro de
parceiros etc.”.
Já na virada do milênio o desenvolvimento da tecnologia permitiu, segundo
o autor, mapear os perfis de usuários da internet de forma dinâmica, acompa-
nhando suas atividades e, consequentemente, aprendendo sobre seus hábitos.
Esse recurso viabilizou a identificação de padrões capazes de auxiliar o próprio
sistema na sua relação com os usuários. Além disso, acentua Costa (2004),
permitiu a antecipação da oferta de produtos e serviços.
A mecânica utilizada em plataformas como Youtube é um exemplo de como
esse mapeamento ocorre. Em função dos vídeos assistidos pelos usuários (quan-
do logados), ocorre uma espécie de “tradução” e “formatação” de suas escolhas
em determinados perfis. Como resultado, a própria plataforma sugere novos
conteúdos em sua página inicial, pressupondo uma correlação de interesse.
Essa oferta segue o princípio do “selecionado especialmente para você” e vem
se tornando comum no e-commerce.
Algumas dessas manobras mercadológicas podem ser observadas quando,
em sites de compras, chamadas como “Se você gostou desse produto, é porque
também vai gostar deste” são apresentadas aos usuários, inaugurando um ciclo
interminável de indicações.

59 FROMMER, D. Here’s how BuzzFeed works. Business Insider, [s.l.], 11 jun. 2010. Disponível em: <https://
www.businessinsider.com/heres-how-buzzfeed-works-2010-6>. Acesso em: 8 jan. 2019.

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114 | Uma das empresas mais conhecidas que utiliza essa estratégia é justamen-
te o Amazon.com60. Por isso, quando realizamos o levantamento dos livros de
autoajuda, no capítulo anterior, verificamos que ao selecionar uma obra uma
série de outros livros com temáticas similares era sugerida pelo site.
Esse tipo de direcionamento faz parte de uma estratégica que incentiva o
usuário a consumir novos produtos, oferecendo “mais do que procuravam”. No
caso da nossa pesquisa, vimos que ao buscar livros que tratam da questão da
ansiedade, por exemplo, também éramos incentivados a adquirir outras obras
sobre o mesmo assunto ou temas correlatos, como dificuldade de concentração
nos estudos, stress e depressão61.
Essa mecânica não se limita ao site Amazon.com. O direcionamento de
conteúdos em função de perfis é comum em diversas páginas da internet e
mesmo fora dela. No campo da mercadologia, por exemplo, é praxe sua utiliza-
ção para otimizar forças de vendas. Com as tecnologias de rastreamento dispo-
níveis no ambiente digital, todavia, esses perfis tornaram-se mais espessos, já
que são coletadas informações muito variadas a respeito dos indivíduos, inclu-
sive sobre sua saúde.
Nos últimos anos, um número cada vez maior de pessoas vem buscando na
web suporte para melhorar a “qualidade de vida” e lidar com doenças. Isso
ocorre em diferentes contextos geográficos. No Reino Unido, por exemplo, o
“Relatório de Saúde Digital”62 apontou que, em 2015, 21,8% das pessoas opta-
vam por realizar o autodiagnóstico a partir de mecanismos de busca online63.

60 A respeito do Amazon.com, Costa (2004, p. 165) afirma: “[...] todos aqueles que já o consultaram à procu-
ra de um título, tiveram a oportunidade de receber como sugestão do site uma lista de quatro a seis outros
títulos que também interessaram a outras pessoas que compraram o livro ou produto em questão. Essa lista
é produzida a partir do rastreamento feito por um agente inteligente que constrói um perfil dinâmico da
pessoa, tendo como referência o que ela adquire através do site (como livros, CDs, vídeos, brinquedos etc.).
Dessa forma, é possível apresentar uma lista de sugestões ao usuário com base naquilo que outras pessoas
de perfil semelhante ao dele compraram. Trata-se da construção de padrões de interesse, a partir dos quais
indivíduos que compartilham os mesmos gostos funcionam como um padrão para indicações interessantes
que podem ser cruzadas dentro de um mesmo grupo”.
61 Temas correlatos de acordo com o próprio site Amazon.com.
62 O relatório baseou-se em 61 milhões de buscas realizadas no Google, além de uma pesquisa envolvendo
1.013 adultos.
63 KIRK, A. One in four self-diagnose on the internet instead of visiting the doctor. The Telegraph, [s.l.], 24
jul. 2015. Disponível em: <https://www.telegraph.co.uk/news/health/news/11760658/One-in-four-self-
diagnose-on-the-internet-instead-of-visiting-the-doctor.html>. Acesso em: 20 maio 2018.

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Além disso, esse levantamento verificou que, em média, era mais provável que | 115

os indivíduos recorressem ao Google (ver Gráfico 5), especificamente, antes de con-


sultarem familiares, amigos ou mesmo um profissional médico ou farmacêutico64.

ASK A RELATIVE WHAT THEY THINK

ASK A FRIEND WHAT THEY THINK

DO NOTHING

ASK MY MUM /DAD /SIBLING WHAT THEY THINK

VISIT A PHARMACY FOR ADVICE

BOOK A DOCTOR'S APPOINTMENT

ASK MY PARTNER WHAT THEY THINK

GOOGLE MY SYMPTOMS

0 1 2 3 4 5 6 7

GRÁFICO 5 – Google my symptoms65.

Dos entrevistados, 11% relacionaram essa prática à dificuldade de marcar


uma consulta com médico, enquanto outros 10,8% consideraram o Google
uma melhor opção, dada a falta de disponibilidade e rapidez do “General
Practitioner” (clínico geral)66.
No Brasil, ao menos em 2017, os números são ainda mais representativos.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Ciência Tecnologia e Qualidade (ICTQ)
revelou que 72% da população têm o hábito de tomar remédios por conta pró-
pria e 40% realizam o autodiagnostico utilizando a internet (ver Anexo 4)67.

64 KIRK, A. One in four self-diagnose on the internet instead of visiting the doctor. The Telegraph, [s.l.], 24
jul. 2015. Disponível em: <https://www.telegraph.co.uk/news/health/news/11760658/One-in-four-self-
diagnose-on-the-internet-instead-of-visiting-the-doctor.html>. Acesso em: 20 maio 2018.
65 Idem.

66 Ibidem.

67 ESTADÃO Conteúdo. 70% dos brasileiros se automedicam e 40% fazem autodiagnóstico. UOL, 1 ago.
2016. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2016/08/01/7-em-cada
-10-se-automedicam-no-pais.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 20 maio 2018.

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116 | De acordo com o levantamento, “evitar ir ao pronto-socorro por considerá-lo
um ambiente lotado” e “não achar a opinião do médico importante para sinto-
mas de saúde” estão entre as principais justificativas apresentadas pelos brasi-
leiros para a automedicação. Esta última, por sua vez, apresenta riscos aos in-
divíduos, acarretando frequentemente uma piora do quadro clínico.
Para Alexandra Raffaini, médica especialista do Instituto do Câncer do Esta-
do de São Paulo (Icesp), “[...] o maior risco da automedicação é adiar o diagnós-
tico de determinadas doenças [...]”, já que os indivíduos podem “[...] tomar um
remédio que não contribui para a melhora da saúde e perder a oportunidade de
ter um diagnóstico com maior chance de controle e de cura”68. Assim, se de um
lado o acesso a informações até então restritas ao universo da medicina poderia
ser entendido como uma reivindicação de autonomia sobre o próprio corpo, de
outro existem perigos inerentes a esse cenário de “empoderamento terapêutico”.
Para além dos riscos à própria saúde, outro aspecto que se tornou preocu-
pante diz respeito ao sigilo e à privacidade (ANTOUN, 2016). Ainda que nesse
modelo de “consulta” prevaleça a sensação de anonimato (como no caso do
BuzzFeed), o fato é que todos os dados pessoais são recolhidos e possibilitam
a vigilância de milhares de “perfis-pacientes”.
Segundo Katz (2012)69, o resultado dessas operações de rastreamento e
oferta de conteúdos dirigidos resultaria na construção de um sujeito “indexa-
do”. Seria ele:

[...] o novo habitante de um mundo atravessado pelas tecnologias do conta-


to e da mobilidade, um sujeito que não tem qualquer possibilidade de con-
trole sobre as informações que envia para quem deseja. Essas informações
são usadas por quem e com propósitos que ele desconhece. Ele é perma-
nentemente rastreável, permanentemente público, sem direito à privacidade.

68 ESTADÃO Conteúdo. 70% dos brasileiros se automedicam e 40% fazem autodiagnóstico. UOL, 1 ago.
2016. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2016/08/01/7-em-cada
-10-se-automedicam-no-pais.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 20 maio 2018.
69 KATZ, H. A(s) dança(s) do(s) sujeito(s) indexado(s). Issuu.com, 8 jul. 2013. Nota 1, p. 3. Disponível em:
<https://issuu.com/donaorpheline/docs/chamando_ela_por_helena_katz_4368a52330a595>. Acesso
em: 18 dez. 2017.

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O rastro deixado pelos indivíduos no espaço informacional não é passível de | 117

vigilância apenas pelo Estado, empresas ou organizações, mas também pelos


indivíduos comuns. Daí resulta uma espécie de “tracking generalizado”, no qual
todos podem seguir os passos de todos e a tentativa de controle se torna multi-
lateral: “As empresas controlam seus clientes; as ONGs controlam as empresas e
os governos; os governos controlam os cidadãos; e os cidadãos controlam a si
mesmos, já que precisam estar atentos ao que fazem” (COSTA, 2004, p. 164).
Na perspectiva de Costa (2004, p. 164), a maneira como as informações passa-
ram a ser estruturas, em rede e reproduzidas em diversos pontos, acabou gerando

[...] uma nova forma de vigilância, que se preocupa em saber de que modo
essas informações estão sendo acessadas pelos indivíduos. Parece que o mais
importante agora é a vigilância sobre a dinâmica da comunicação não apenas
entre as pessoas, mas sobretudo entre estas e as empresas, os serviços on-line,
o sistema financeiro, enfim, todo o campo possível de circulação de mensa-
gens. O que parece interessar, acima de tudo, é como cada um se movimenta
no espaço informacional. Isso parece dizer tanto ou mais sobre as pessoas do
que seus movimentos físicos ou o conteúdo de suas mensagens.

Do ponto de vista dos estudos de biopolítica, essa vigilância generalizada


relaciona-se a uma série de mudanças que ocorreram a partir do século XVIII
e se estenderam até a Segunda Grande Guerra (1939-1945), e caracterizaram
a passagem de uma sociedade disciplinar para uma sociedade do controle
(DELEUZE, 1992).
Apesar de estar se transformando em lugar comum dizer que empresas e
grandes corporações buscam informações e rastros pessoais no contexto do
ciberespaço, essa prática vem gerando cada vez mais polêmica e desconfiança
por parte dos usuários. Mesmo assim, muitos deles toleram a vigilância ubíqua
ao aceitar políticas de rastreamento.
Possivelmente, um dos motivos desse “acordo” é a dificuldade para lidar com
a enorme quantidade de informações que passaram a circular nos espaços digitais.
De fato, o big data, assim como o rastreamento e monitoramento das informações
advindas da utilização de celulares, smartphones, computadores, notebooks e

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 117 24/01/19 13:09


118 | tablets tornaram gigantesco o universo dos algoritmos e dados (ANTOUN, 2016).
Como resultado, os usuários passaram a ter cada vez mais dificuldade para loca-
lizar, priorizar e organizar os conteúdos pelos quais se interessam.
É compreensível, portanto, que o direcionamento automático dos conteúdos
tidos como “mais relevantes” pareça bem-vindo, inclusive no âmbito da saúde,
em que os usuários esperam diagnósticos direcionados a seus perfis. E então
duas questões fundamentais se impõem: como esses indivíduos, transformados
em pacientes informatizados, vão mudando sua conduta em relação ao próprio
corpo, na busca pela saúde e bem-estar? O que é feito desses prontuários digi-
tais que passaram a compor a massa de informações capturadas pelo big data?
Ao longo deste capítulo, indagamos como as novas plataformas comunica-
tivas possibilitaram a emergência de outros formatos de consumo dos ensina-
mentos da autoajuda, agora também vinculados a protocolos algorítmicos e
recursos para a administração da saúde e do bem-estar. No próximo, vamos
avançar nessa discussão analisando como as técnicas de rastreamento de dados
e automonitoramento produzem uma nova subjetividade a ser explorada pelos
aplicativos de autoajuda. A nosso ver, eles não apenas fazem parte de contexto
de conectividade que descrevemos, como já representam uma complexificação
das tecnologias de desenvolvimento pessoal.

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Pra todo game-over
existe um play again.
FRASES DO BEM

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4
USUÁRIO
SOB CONTROLE
SOBRE OS APLICATIVOS DE AUTOAJUDA

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N
este capítulo, vamos abordar a importância que os aplicativos (apps)
de autoajuda – ou, como são comumente chamados, aplicativos de
desenvolvimento pessoal – assumiram no início do século XXI.
Para tanto, iniciaremos a nossa análise com uma rápida contextualização das
tecnologias móveis, seguida de um panorama da oferta desse tipo de aplicativo
no cenário brasileiro.

4.1 TECNOLOGIAS MÓVEIS E O USO DE APPS

Entendemos por tecnologias móveis aquelas que permitem o uso simultâneo à


movimentação de seu usuário70. O telefone celular é o exemplo por excelência
desse tipo de tecnologia, uma vez que a partir dele é possível acessar as redes
sociais, postar fotografias, consultar e-mails, navegar em sites, fazer telefonemas
e receber mensagens sem permanecer em um mesmo lugar.
Um aspecto interessante dessa tecnologia é que ela não apenas possibilita
o acesso constante à internet, tornando a rede quase onipresente no cotidiano
das pessoas, mas também permite uma sobreposição ainda maior entre o ter-
ritório físico e o do ciberespaço (LEVY, 1996, 1999; LEMOS, 2005, 2007). Talvez
por isso, mesmo para o senso comum, pareça cada vez mais estranha a ideia
de “estar desconectado”. Ainda que a rede nem sempre esteja disponível, já
consideramos o acesso à internet um status default.
Essa mobilidade acentua a sensação de que estamos imersos em um bios
midiático (SODRÉ, 2002), no qual os atravessamentos da mídia e das tecnologias
ocorrem a todo instante e em todas as direções. É nesse cenário de uso inten-
sivo dos dispositivos móveis que uma série de aplicativos (pagos e gratuitos)

70 Um conjunto de dispositivos e recursos, como as redes wireless, o Bluetooth, os tablets e os no-


tebooks compõe o roll de tecnologias móveis que transformam a nossa noção de territorialidade e
conectividade.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 125 24/01/19 13:10


126 | passou a ser ofertada. Em março de 2018, a loja virtual71 Google Play Store
possuía 3,8 milhões de apps e a Apple App Store, 2 milhões72.
É por meio das tecnologias móveis, especialmente da telefonia celular, que
os aplicativos se tornaram parte de nosso cotidiano. De fato, existem apps que
auxiliam as mais diferentes atividades: compartilhar conteúdos, entreter, medi-
tar e exercitar-se, entre outras. Não é sem motivos, portanto, que um tempo
cada vez maior é dedicado à sua utilização.
De acordo com uma pesquisa realizada pela agência norte-americana Nielsen,
em 2017, os usuários de smartphones passaram “[...] mais de 40 horas por mês
utilizando seus aplicativos favoritos, exceto os aplicativos de jogo”. Já no levan-
tamento realizado pela Sensor Tower, o consumo de apps da categoria “não
jogos” cresceu 14% entre 2016 e 201773. Em termos de número de downloads,
isso representou um aumento de 11,9 bilhões para 13,5 bilhões, considerando
as duas plataformas mencionadas anteriormente (Gráfico 6).

15B

+14%

10B
+5%

5B

+19% APP STORE


GOOGLE PLAY

0
1Q16 1Q17

GRÁFICO 6 – Número de downloads de aplicativos móveis


da App Store e da Google Play Store, em 2016 e 201774.

71 Comercializam, entre outros itens, aplicativos, jogos, filmes, músicas, programas de TV, livros e revistas.
72 NUMBER OF APPS AVAILABLE IN LEADING APP STORES AS OF 3RD QUARTER 2018. The Statistics Portal,
[s.l.] [s.d.]. Disponível em: <https://www.statista.com/statistics/276623/number-of-apps-available-in-leading-
app-stores/>. Acesso em: 20 maio 2018.
73 10 APLICATIVOS MAIS BAIXADOS NO MUNDO. Forbes, [s.l.], 17 jun. 2017. Disponível em: <http://
forbes.uol.com.br/fotos/2016/06/10-aplicativos-mais-baixados-no-mundo/>. Acesso em: 5 mar. 2018.
74 APLICATIVOS MAIS BAIXADOS EM 2018. Web Informado, [s.l.], 29 ago. 2018. Disponível em:<http://
webinformado.com.br/aplicativos-mais-baixados/>.Acesso em: 5 mar. 2018.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 126 24/01/19 13:10


Muitos desses aplicativos dependem das informações postadas por seus | 127

usuários para poder operar. Isso ocorre principalmente quando seu funciona-
mento depende de um banco de dados produzido de maneira “colaborativa”.
Nesse caso, retroalimentado por todas as pessoas que dele usufruem.
Existem aplicativos para propósitos variados: deslocamento público, relacio-
namentos, dietas, entretenimento e desenvolvimento pessoal, também denomi-
nados de apps de autoajuda. Estes últimos interessam especificamente a esta tese.

4.2 OS APLICATIVOS DE DESENVOLVIMENTO


PESSOAL E AUTOAJUDA NO CENÁRIO BRASILEIRO

Como já sinalizamos no início deste trabalho, não há hoje na Play Store brasi-
leira uma categoria de aplicativos denominada “desenvolvimento pessoal”. Além
disso, também não parece existir um consenso em torno do que, efetivamente,
poderia ser enquadrado dessa maneira.
Partindo de nossas análises, entendemos que os apps que poderiam, ao
menos dentro de uma visão stricto sensu, integrar essa categoria são aqueles
voltados para o desenvolvimento de seus usuários mediante a potencialização
de seus recursos e de suas capacidades individuais. O princípio desses aplica-
tivos é fornecer uma instrumentalização de caráter tecnológico para um proje-
to de superação individual, reafirmando o discurso de autonomia, positividade
e self-empreendedorismo.
Evidentemente, só poderíamos adotar todos esses aspectos como critérios
para uma categorização se pudéssemos realizar o download de cada um dos
apps disponibilizados pela Play Store e verificar suas funcionalidades. Ocorre,
todavia, que no início de nosso levantamento deparamo-nos com 44.256 apli-
cativos na loja da Google. Ou seja, um volume de dados inviável para verificação
caso a caso, tornando necessária uma outra estratégia de coleta.
Assim, optamos por fazer uma seleção baseada no título e na descrição dos
apps, uma vez que muitos deles se autodenominam como de “desenvolvimen-
to pessoal”. Tal critério permitiu-nos reduzir a base de dados original para 1.272
aplicativos, que foram analisados um a um. Essa última verificação foi realizada

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 127 24/01/19 13:10


128 | com o propósito de extrair apps que, porventura, fizessem referência ao tema,
ainda que não correspondessem estritamente à categoria, tal como a definimos.
Feita essa seleção, chegamos a um total de 1.018 aplicativos, que foram
devidamente tabulados e analisados em uma pesquisa sequencial quantitativa-
-qualitativa (CRESWELL, 2007).
Ao adotarmos esse olhar mais abrangente, acabamos por agrupar apps com
diferentes níveis de sofisticação e complexidade, inclusive do ponto de vista
tecnológico. Contudo, acreditamos que esse recorte foi importante, pois nos
permitiu detectar imediatamente algumas das principais preocupações cotidia-
nas dos indivíduos, como o cuidado com hábitos saudáveis, estética da boa
forma, qualidade do sono e nível de stress.
No Anexo 5 apresentamos a metodologia detalhada de coleta dessas infor-
mações, assim como a planilha com todos os dados obtidos acerca dos apli-
cativos de desenvolvimento pessoal. Entre as informações tabuladas constam
as categorias atribuídas originalmente a esses apps pela Play Store (Health &
Fitness, Finance etc.), além de seus títulos, suas descrições, seus preços (quan-
do aplicável), seu número de downloads, sua classificação etária e a avaliação
de usuários.
Todo esse esforço empírico iniciou-se no mês de novembro de 2018 e foi fi-
nalizado em janeiro de 2019. Desse modo, as informações que apresentaremos
na sequência correspondem a um retrato desse período. Cabe destacar que al-
guns dados, como é o caso do número de downloads, são cumulativos. Ou seja,
refletem um histórico anterior à nossa tabulação, que também foi flagrado.
Assim como no caso da base de dados que montamos para observar os livros
de autoajuda (apresentada no segundo capítulo), entendemos que tal sistema-
tização foi importante, na medida em que nos permitiu traduzir de maneira
tangível os contornos e o alcance de nosso objeto de estudo.

4.2.1 Análise dos Aplicativos de Desenvolvimento Pessoal

Os apps de desenvolvimento pessoal que consideramos em nossa análise


distribuem-se nas seguintes categorias da Play Store: “Health & Fitness”, “Me-

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 128 24/01/19 13:10


dical”, “Education”, “Lifestyle”, “Parenting”, “Finance”, “Books & Reference”, | 129

“Food & Drink” e “Beauty”.


Quando voltamos o olhar para essa classificação, percebemos que a ênfase
na questão da saúde é bastante explícita. Tal qual estipulado pela Play Store, dos
1.018 aplicativos selecionados, 679, ou 66,7% do total, são categorizados como
“Health & Fitness” (Tabela 2).

CATEGORIAS NÚMERO DE APPS

Books & Reference 5 0,5%

Finance 7 0,7%

Beauty 37 3,6%

Food & Drink 47 4,6%

Parenting 50 4,9%

Medical 54 5,3%

Lifestyle 55 5,4%

Education 84 8,3%

Health & Fitness 679 66,7%

TOTAL 1018 100%

TABELA 2 – Número de apps de desenvolvimento pessoal, por categoria, na Play Store9.

Categorias como Lifestyle, Medical, Parenting e Food & Drink, por sua vez,
também tratam de assuntos conectados à saúde, como veremos ao longo des-
te capítulo. Tal representatividade temática já era esperada, dado o cenário te-
rapêutico discutido no início deste trabalho, quando sinalizamos a preocupação
em torno do corpo e do bem-estar como uma das obsessões contemporâneas.
Do ponto de vista econômico, constatamos que grande parte desses aplicativos
pode ser baixada gratuitamente. Eventuais cobranças são associadas à assinatura
dos usuários ou a produtos que podem ser adquiridos depois da instalação.

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130 | 143 143

438

437

875

PAGO GRATUITO PAGO GRATUITO COM COMPRAS GRATUITO

GRÁFICO 7 – Número de aplicativos de desenvolvimento pessoal com download

gratuito, download gratuito com serviços pagos e download pago75.

Da mesma forma que na literatura de autoajuda clássica, consideramos


que a oferta dos aplicativos de desenvolvimento pessoal é atraente para o
consumidor, uma vez que os valores cobrados são bastante acessíveis, se
comparados àqueles praticados em terapias particulares, consultas médi-
cas, acompanhamento nutricional e de personal trainers76.
É interessante destacar que, dos 875 itens gratuitos, 437 ofereciam pro-
dutos pagos no app, o que evidencia uma estratégia comercial de fideliza-
ção. Primeiramente, eles oferecem uma espécie de “degustação” aos seus
usuários para, depois, convidá-los a adquirir outros produtos e serviços
disponibilizados pelos aplicativos.
Em função do baixo investimento financeiro, é possível supor que mui-
tos usuários façam downloads de aplicativos considerando a possibilidade
de logo em seguida descartá-los, caso não atendam às suas expectativas.
Assim, é de se esperar que seja elevada a quantidade de apps de desenvol-
vimento pessoal baixados diariamente77.

75 Elaborado pela autora a partir dos dados obtidos no processo de tabulação.


76 Como veremos no estudo de caso do app Remente, algumas vezes esse valor pode ser consideravelmente
elevado, aproximando-se de mil reais. Essa, contudo, não é a regra.
77 Não temos como indicar o número de downloads de app de desenvolvimento pessoal, especificamente, uma
vez que eles não correspondem a uma categoria estipulada pela Play Store, como mencionado anteriormente.

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40
| 131

35

30

25

20

15

10

0
R$ 1 a 4 R$ 4 a 7 R$ 7 a 10 R$ 10 a 15 R$ 15 a 20 R$ 20 a 30 R$ 30 a 79

GRÁFICO 8 – Faixas de preço dos produtos/serviços pagos dos apps de desenvolvimento pessoal78.

Se observarmos o número total de downloads dos 1.018 aplicativos


listados durante nossa coleta, é fácil perceber seu alcance: foram mais
de 3,7 bilhões de instalações79, com uma média de 3,7 milhões por app
no mundo. Desse modo, é evidente que eles representam uma promis-
sora oportunidade de negócios. Em relação aos apps diretamente ligados
à saúde e à boa forma física, o potencial comercial é ainda mais expres-
sivo. Eles são responsáveis por quase 3 bilhões de downloads, ficando
com 78% da receita.
No caso dos aplicativos pagos, podemos calcular a receita gerada com os
downloads. Apesar da popularidade consideravelmente inferior à dos gratuitos
(totalizando pouco menos de 40 mil downloads por app, em média), eles tota-
lizaram 58 milhões de reais em receitas somente com o preço inicial.
Ressaltamos que é impossível aferir, de nossa base de dados, a receita
obtida com a venda de serviços dentro dos próprios aplicativos, uma vez
que essas informações não são públicas. Essas receitas podem ser relacio-
nadas a funcionalidades adicionais, como consultas específicas com pro-
fissionais ou até pagamento de mensalidades, como já referido anterior-

78 Op. cit. nota 7.


79 Os downloads são aproximados, pois o Google Play não informa números exatos, mas intervalos de números

de downloads (por exemplo, entre mil e 5 mil, entre 5 mil e 10 mil, entre 10 mil e 50 mil, sucessivamente).
Usamos, para tal, os valores médios das faixas. Nos exemplos citados, 3 mil, 7,5 mil e 30 mil, respectivamente.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 131 24/01/19 13:10


132 | mente. Embora os serviços ofertados frequentemente sejam de baixo
custo, podem chegar a valores bem mais elevados, de até 1,5 mil reais80.

R$0 R$12 milhões R$25 milhões R$37 milhões R$50 milhões

BEAUTY

FOOD & DRINK

BOOKS & REFERENCE

FINANCE

PARENTING

LIFESTYLE

EDUCATION

MEDICAL

HEALTH & FITNESS

0 1 bilhão 2 bilhões 3 bilhões 4 bilhões

DOWNLOADS RECEITA DE DOWNLOADS

GRÁFICO 9 – Número total de downloadse receita dos downloads pagos

em função de categoria nos apps de desenvolvimento pessoal81.

4.2.2 Catálogo Ilustrativo de Aplicativos

Neste tópico ilustraremos o discurso utilizado para a apresentação dos aplica-


tivos de desenvolvimento pessoal, construindo um catálogo de apps que exem-
plificará alguns dos principais eixos temáticos dessa oferta. Utilizaremos mais
uma vez o recurso da nuvem de palavras para apresentar os termos mais inci-
dentes, tanto nos títulos quanto nas descrições dos aplicativos selecionados.
Como vemos, termos que se referem à atividade física, como “weight”, “fat”,
“calorie”, “fit”, “muscle” e “workout”, são recorrentes. Ao que tudo indica, a
perda de peso, o combate a calorias, a conquista de músculos e a disposição

80 É o caso do aplicativo Remente, que oferece produtos/serviços adicionais no valor de 930 reais. Esse app
foi escolhido para a realização do estudo de caso, que será apresentado no próximo capítulo da tese.
81 Elaborado pela autora do trabalho a partir dos dados obtidos no processo de tabulação.

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para trabalhar o corpo em busca da saúde e estética ideais são os principais | 133

assuntos que caracterizam a oferta de aplicativos de desenvolvimento pessoal.


A postura enérgica é uma das marcas desses consumidores, que, alinhados
aos princípios de autonomia, à crença no poder de realização individual e à
busca pela maximização de suas potencialidades, enxergam nesses apps a pos-
sibilidade de um upgrade.
Algumas palavras que remetem à mecânica desses aplicativos também po-
dem ser observadas na nuvem, como “exercise”, “level” e “goal”. Todas elas
evidenciam a convocação do espírito empreendedor, cujo sucesso está direta-
mente relacionado ao cumprimento de metas e à conquista de novos patamares
de desafios. Estes últimos, por sua vez, ainda que não apareçam em destaque
na nuvem, constam em diversos títulos de apps.
Como destacamos no início da tese, um dos aspectos que caracterizam o
discurso da autoajuda é sua associação ao jogo de competência (BERNSTEIN, 1997).
Por isso mesmo, é de se esperar que muitos aplicativos apelem para mecânicas
de jogos, assim como ocorre em alguns livros analisados no capítulo 2. Acontece,
todavia, que no caso desses apps é possível um aprendizado (palavra que também
está em evidência na nuvem: “learn”) muito mais dinâmico e lúdico.
Notamos na figura acima, ainda, palavras como “support” e “help”. Como é
de se esperar, esses aplicativos consideram-se torcedores, patrocinadores ou,
mais precisamente, verdadeiros treinadores a serviço de seus usuários. A pala-
vra coach (e sua tradução para o português) é, inclusive, mencionada em 98
apps de nossa listagem.
Finalmente, ressaltamos o termo “track”, que traz à tona a importância do
registro no âmbito dessas tecnologias, bem como o cenário de monitoramento
e controle das informações. Nesse caso, porém, supomos que a possibilidade
de armazenar dados é apresentada como um diferencial de aplicativos que
poderiam assessorar melhor seus usuários, à medida que passam a conhecer
seus hábitos, seu comportamento e sua condição física. Trataremos dessa ques-
tão mais detalhadamente no decorrer deste tópico.
Na sequência, destacamos uma seleção de aplicativos que revelam o inte-
resse dos usuários em torno desses assuntos.

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FIGURA 28 – Nuvem de palavras formada a partir do título dos apps de desenvolvimento pessoal. Elaborado pela autora a partir dos dados obtidos no processo de tabulação.

134
|

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24/01/19 13:10
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|
135

FIGURA 29 – Nuvem de palavras formada a partir da descrição dos apps de desenvolvimento pessoal. Elaborado pela autora a partir dos dados obtidos no processo de tabulação.

24/01/19 13:10
EMAGRECIMENTO E DIETA

136 |

BOA FORMA E FITNESS

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MENTE, MEDITAÇÃO, RELAXAMENTO E CONTROLE DE ANSIEDADE

| 137

PROGRAMAÇÃO MENTAL, APRIMORAMENTO COGNITIVO

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FIGURA 30 – Cardápio de apps de desenvolvimento pessoal e autoajuda disponíveis na Play Store. Elaborado pela autora a partir das informações coletadas no processo de tabulação.

138
|

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MOTIVAÇÃO, DIÁRIO DE HUMOR E ROTINA

FERTILIDADE, GESTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO INFANTIL

24/01/19 13:10
A busca pela silhueta perfeita é um tema bastante explorado nos aplicativos | 139

de desenvolvimento pessoal. A partir de dietas e exercícios miraculosos, a


meta é “emagrecer”, “afinar” ou, no limite, “secar” o corpo, expurgando toda
a gordura tóxica que, aparentemente, não lhe pertence. Esse projeto de desin-
toxicação promete ser rápido, e não apenas eficaz. Utilizando esses apps,
bastariam algumas semanas ou dias para perder peso, o que garantiria uma
rápida resposta para usuários que demandam, com urgência, auxílio para al-
cançar seus objetivos. 
O mesmo desempenho (rapidez e eficácia) também é prometido pelos apli-
cativos focados especificamente em fitness. Nesse caso, todavia, o curto inter-
valo de tempo é combinado com desafios que são lançados aos usuários, por
sua vez, instigados à superação física como se a partir de seu engajamento re-
velassem disposição, coragem e merecimento.  Assim sendo, o sucesso é as-
sociado à competitividade dos indivíduos, que não apenas devem praticar exer-
cícios para ser vitoriosos, mas, sobretudo, buscar a superação do próprio corpo
dentro de parâmetros “desafiadores” de performance. Provocar os próprios brios
e surpreender aqueles que pertencem a seu círculo de relacionamento.  
Os usuários que se identificam (ou gostariam de se identificar) com o “es-
tilo de vida high stakes” (TRENTO, HOLTZ, 2017) são o foco desses apps. Além da
busca pelo desempenho, muitos dos aplicativos fitness apelam para a autono-
mia e a simplicidade da atividade física. Alguns deles são bastante enfáticos ao
sinalizar, já no título, que seus exercícios podem ser praticados em casa. Ou
seja, não necessitam de grandes recursos, a não ser, evidentemente, a obsti-
nação de seus usuários. Afinal, a falta de tempo e de dinheiro para associar-se
a uma academia ou contratar um personal trainer não mais poderia ser uma
desculpa para deixar de “malhar”.  
Finalmente, ainda sobre esse tema, vemos muitos apps dirigidos ao con-
dicionamento de alguma parte específica do corpo, como pernas e glúteos.
Neles, o que ocorre é a tentativa de oferecer aos usuários soluções específicas
e customizadas.  
O cérebro pode ser considerado um capítulo à parte, nesse quesito. Mais
que uma “fração” do corpo, ele é considerado pelos aplicativos de desenvolvi-
mento pessoal, via de regra, o grande “centro de operações”.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 139 24/01/19 13:10


140 | O seu objetivo é maximizar as capacidades cognitivas dos usuários. Desen-
volver atenção e memória. Aperfeiçoar as habilidades de comunicação, além
de aumentar produtividade e, consequentemente, autoconfiança. A partir de
estímulos (sonoros e visuais), exercícios, atividades e jogos, os apps em ques-
tão apelam para o argumento de que o investimento mais importante que um
indivíduo pode fazer é no cérebro, já que é ele o grande responsável pela or-
questração do corpo humano (ORTEGA, 2008a; 2008b). É notório o sucesso de
muitos desses aplicativos. Elevate: brain training, por exemplo, já foi baixado
por mais de 15 milhões de usuários.
Em nossa análise, constatamos alguns desdobramentos dentro desse tema,
como é o caso do combate a comportamentos indesejados ou vícios. Parar de
fumar e de beber são algumas das questões trabalhadas dentro desta abordagem
do “treino cerebral”.
Ainda na linha de expansão das capacidades cognitivas, há uma série de apps
que se dedicam ao aprendizado de conteúdos específicos, principalmente de
outros idiomas, a partir da neurolinguística e da programação cerebral.
Paralelamente, muitos outros aplicativos ocupam-se do bem-estar mental,
propondo medidas para o relaxamento e o controle de stress e ansiedade. É
nesse contexto que verificamos uma ampla oferta de aplicativos de yoga e me-
ditação, inclusive o best-seller Headspace. Com uma verdadeira legião de usuá-
rios (mais de 30 milhões82), ele desponta hoje como um dos apps de maior
sucesso no campo do desenvolvimento pessoal, tendo sido avaliado em quase
1 bilhão de reais pela Forbes, em 201783.
É curioso notar que, apesar das tecnologias móveis e seus recursos fazerem
parte de um projeto de hiperconectividade, tais aplicativos comumente são
apresentados ao mercado consumidor como uma solução para desligar-se da
celeridade. Buscar a paz e o equilíbrio emocional. Descansar a mente.
Seja como for, tudo é mercado. Até porque não é tão grande a diferença
entre um app que busca acelerar ou amortecer o ritmo da vida. Por mais que

82 Informação disponível na página inicial do aplicativo: <https://www.headspace.com/>. Acesso em: 8 jan. 2019.
83 CHAYKOWSKI, K. Meet Headspace, the app that made meditation a $250 million business. Forbes, [s.l.], 8
jan. 2017. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/kathleenchaykowski/2017/01/08/meet-heads-
pace-the-app-that-made-meditation-a-250-million-business/>.Acesso em: 12 jan. 2019.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 140 24/01/19 13:10


um seja o contraponto do outro, ambos partem da mesma lógica: a mente não | 141

pode estar desgovernada.


Além de dietas, atividades físicas, relaxamento, descanso e meditação, o
direcionamento do pensamento para ideias positivas também é algo valorizado
pelos aplicativos de desenvolvimento pessoal. Visando a trabalhar a motivação
dos indivíduos, muitos deles oferecem especificamente frases diárias que podem
ser compartilhadas, tais como: “Metas são como flechas. Quanto mais alto você
mira, mais longe você alcança”84.
Temos, ainda, os aplicativos no formato de diário. Em geral, eles funcionam
como agendas dinâmicas e inteligentes que não apenas registram dia e horário
de atividades cotidianas, como também frases de gratidão, estado de humor e
nível de ansiedade dos indivíduos. Rotina de exercícios físicos, número de pas-
sos dados ao longo do dia, “qualidade” do sono e da alimentação. A hora certa
para tomar determinados medicamentos e até lembretes para beber água.
Como podemos ver na relação da Tabela 3, não são poucos os apps que se
enquadram nessa categoria. Apenas considerando a rotina de hidratação, des-
locamento e descanso do corpo, localizamos 42 deles ao longo do processo
de tabulação.
Esses aplicativos mostram como a tecnologia passou a interferir em nossa
dinâmica fisiológica, lembrando ao corpo que ele tem, ou ao menos deveria ter,
sede. Sinalizando que está na hora de ficar em pé, caminhar, movimentar as
articulações. Que deve descansar. Afinal, um corpo superestimulado talvez não
saiba julgar se precisa de algumas horas de sono.
Do ponto de vista pragmático, todos esses recursos tornaram-se importantes
instrumentos para viabilizar a vida cotidiana, principalmente nos grandes centros
urbanos, onde a dificuldade de locomoção, administração do tempo, cobranças
por alto rendimento, demanda do mercado de trabalho e obsessão por saúde e
bem-estar são características intrínsecas. Ou seja, são atraentes os benefícios
desses apps para o gerenciamento da rotina, sem os quais os indivíduos também
ficariam angustiados.

84 O app Frases de Motivação traz milhares de frases. Informação obtida em: <https://play.google.com/sto-
re/apps/details?id=elementare.frasesmotivacao&hl=pt_BR>. Acesso em: 10 jan. 2019.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 141 24/01/19 13:10


142 | BEBER ÁGUA ANDAR DORMIR
Aqualert Premium: Water Pedometer – Step Counter
Sleep Cure: Treat Insomnia
Tracker Intake & Reminder Free & Calorie Burner
Aqualert: Water Intake Tracker Baby Sleep: Calm Relax
Pedometer – Step Counter
& Reminder Google Fit Sounds FREE
Drink Water Aquarium – Water
Pedometer – Step Tracker Pro Baby Sleep PRO
Tracker & Reminder
Pedometer Pacer – Step
Drink Water Reminder Baby Sleep Sounds Free
Counter & Calorie Counter
Pedometer, Step Counter &
Drink Water Reminder Baby sound for sleeping
Weight Loss Tracker App
Drink Water Reminder – Water
Step Counter – Fun Walking Brain Audio: Sleep Relax Focus
Diet Tracker & Alarm
Hydro Coach – Water Drink Step Tracker – Pedometer,
Sleep Genius
Reminder & Water Tracker Daily Walking Tracker
Hydro Coach PRO – Drink Step Tracker – Pedometer, Sleep Orbit: Relaxing 3D
water Daily Walking Tracker Sounds, White Noise & Fan
Walking for Weight Loss &
My Water Balance Sleep Sounds
Pedometer – Step Counter
Reminder to drink water Walking Tracker – Free Step Sleep Sounds – Relaxing,
on time Counter & Pedometer Sleep Music
Sleep Sounds Free - Relax
Water Drink Manager
Music, White Noise

Water Drink Reminder Sleepo: Relaxing sounds, Sleep

Water Drink Reminder SleepTown

Water Drink Reminder – Hydro+

Water Drink Reminder and


Alarm

Water Drink Reminder Pro

Water Reminder – Drink Water

Water Time Reminder – Drink


Water Tracker Free

Water Time Drink reminder


app, water diet tracker

TABELA 3 – Lista de apps voltados à rotina de hidratação do corpo, deslocamento e sono85.

85 Elaborado pela autora do trabalho a partir das informações coletadas no processo de tabulação.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 142 24/01/19 13:10


Dando sequência ao nosso panorama, vemos que, para além dos lem- | 143

bretes e diários de rotina, outros temas ligados à administração da vitalida-


de também são alvo de interesse do mercado de aplicativos na atualidade,
como a própria questão da reprodução. Para o relógio biológico, agora temos
até alarme.
Da mesma forma que ocorre na literatura clássica de autoajuda, a questão
da maternidade e paternidade aparece como tema de destaque. O cálculo das
semanas de gestação e do dia previsto para o nascimento do bebê, os ensi-
namentos dirigidos a cada etapa da gravidez, assim como os exercícios volta-
dos ao trabalho de parto fazem parte do repertório trabalhado por uma série
de apps desse segmento.
Para as mulheres que pretendem ter filhos, mas ainda não os têm, existem
ainda muitos outros aplicativos cujo propósito é aumentar significativamente
as chances de uma gravidez. Em alguns casos, parece até impossível não alcan-
çar esse objetivo, já que são tantos os recursos, “dicas”, contas ou até simpatias
que podem ser realizados (caso de 100 formas de engravidar).
Não podemos perder de vista que muitos desses apps relacionados à fertili-
dade e à gestação também buscam se aproximar de um acompanhamento
médico, na medida em que incentivam o autodiagnóstico constante. Paralela-
mente, eles também apresentam uma ficha de registros diários (isso já no caso
da gravidez), mais detalhada do que muitos prontuários médicos.
Vale ressaltar, ainda, o sentimento de amparo que eles proporcionam,
visto que, principalmente no caso dos pais de “primeira viagem”, tornam-se
poderosos manuais consultivos/interativos. Afinal, oferecem diretrizes so-
bre o que fazer, potencialmente ajudando seus usuários a administrar sua
ansiedade. É claro, todavia, que sua utilização também pode produzir o
efeito contrário.
Todo esse suporte acaba por garantir não apenas o monitoramento constan-
te dos indivíduos e de sua competência reprodutiva, mas também do próprio
bebê, que passa a ter sua vida registrada desde a concepção. Assim sendo,
chega a ser impressionante como, antes mesmo de nascer, ele já entrou no

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 143 24/01/19 13:10


144 | radar tecnológico e tornou-se parte da massa de dados, apesar de sequer ter
um nome registrado e, muito menos, um documento de identificação86.

4.3 O AUTOAPRIMORAMENTO PELA ÓTICA DAS


TECNOLOGIAS DE SELF -QUANTIFICAÇÃO

Esse rápido panorama sobre aplicativos de desenvolvimento pessoal permitiu-


-nos refletir sobre uma série de aspectos que caracterizam o atual cenário em-
preendedor-midiático-terapêutico.
Constatamos que uma das marcas decisivas de boa parte desses aplicativos
é a busca pelo autoaprimoramento a partir de tecnologias de self-quantificação
(HILLE, 2016). Elas codificam, mensuram e controlam as características vitais.
Como explicam Trento e Holtz (2017, p. 4):

[...] O termo self-quantificado pode ser utilizado para denominar e catego-


rizar toda uma série de dispositivos discursivos e materiais que se referem
a um ideal de aumentar a produtividade, principalmente através de enun-
ciados como “turbinar a mente” ou “lubrificar a máquina dos joelhos e
pernas”, utilizando suplementos medicinais, implantes subcutâneos,
técnicas para minimizar o tempo necessário para dormir, e maximizando
a disponibilidade de tempo que pode ser revertido em um bom rendimen-
to no trabalho.

Como vimos, muitos dos apps de desenvolvimento pessoal operam a partir


de informações inseridas pelos próprios usuários ou coletadas de forma auto-
matizada. Em alguns casos, é comum também a integração dos aplicativos com
tecnologias “vestíveis” (wearable technologies), que permitem, a partir de aces-
sórios e sensores, a obtenção de dados sobre os indivíduos.

86 Vale destacar que, depois de nascerem, esses bebês também serão abastecidos com uma série de apli-
cativos voltados para o desenvolvimento infantil. Destacamos alguns apps que cumprem esse propósito:
Babies & Kids – Educational Games, Motivator of Good Behavior, Smart Baby: Baby Activities &Fun for
Tiny Hands e Kids Fitness – Yoga.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 144 24/01/19 13:10


De acordo com Mastrocolla (2018), existem na atualidade diverdos pro- | 145

dutos da categoria wearable, cujas funcionalidades estão voltadas para a


realização de atividades físicas e cuidados com a saúde. A título de exemplo,
ele cita:

[...] um relógio que avisa quando o corpo está no limite da exaustão e precisa
repor líquidos, um colete que analisa o sono e informa maneiras de dormir
com mais qualidade ou uma pulseira que metrifica o desempenho em práticas
esportivas e envia sugestões de calçados para uma melhor performance
(MASTROCOLA, 2018, p. 242).

Tais aparelhos são capazes de monitorar funções corporais dos indivíduos,


transformando a atividade física em informações digitais. Uma das consequên-
cias dessas práticas, segundo esse autor, é a obsessão pela “dataficação” do
corpo e a quantificação do self.
O controle da vida cotidiana dos e pelos usuários é a questão que mais nos
interessa nos aplicativos de desenvolvimento pessoal. Afinal, uma das principais
diferenças entre a literatura clássica de autoajuda e esse novo modelo de recei-
tuário, mais dinâmico e interativo, é justamente a possibilidade de expandir a
memória sobre os cuidados de si.
De acordo com Trento e Holtz (2017, p. 5), ocorre na atualidade uma

[...] proliferação cada vez maior de gadgets, ou dispositivos de controle que podem
monitorar e quantificar signos corporais, de temperatura, frequência de batimen-
to cardíaco, quantidade de gordura corporal, verificação da coloração da íris, me-
didor de passos e de calorias gastas acoplados em pulseiras ou smartphones etc.

Nesse contexto, “[...] os indivíduos têm a sensação de que todos os seus


atos podem ser registrados, tornando-se vigias de si mesmos na busca do
corpo perfeito e saudável: a perfeita máquina produtiva para o capitalismo
tardio” (TRENTO, HOLTZ, 2017, p. 6). Por isso mesmo esses apps mostram-se
tão ilustrativos do espírito neoliberal que emergiu nas sociedades de consu-
mo contemporâneas.

Paola_T2 - Miolo_A4.indb 145 24/01/19 13:10


146 | Em nossa perspectiva, essas tecnologias são o reflexo dos novos desafios
colocados ao self-empreendedor do século XXI, para quem não basta o investi-
mento constante na saúde e no bem-estar, mas também são necessários ins-
trumentos de autorregulamentação baseados na conectividade.
Como adverte Hille (2016), entretanto, esse cenário não envolve apenas o
autocontrole, mas também o controle cibernético, viabilizado por uma série de
dispositivos, coleta de dados contínua e loops de feedback. Para a autora, tal
associação traz consequências muito expressivas no campo da biopolítica, uma
vez que transforma o modo como os indivíduos passam a administrar sua vida
e, sobretudo, a maneira como entendem a si próprios.
No próximo capítulo, apresentaremos um estudo de caso do aplicativo Re-
mente, tomado como modelo para aprofundarmos nosso estudo sobre os apps
de desenvolvimento pessoal/autoajuda. Vamos investigar sua mecânica de fun-
cionamento, à vista dos conceitos e problematizações que abordamos até aqui.

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Paola_T2 - Miolo_A4.indb 147 24/01/19 13:10
Toda mente é um
cofre. Não existem
mentes impenetráveis,
apenas chaves erradas.
AUGUSTO CURY / FRASES DO BEM

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O APLICATIVO
REMENTE
SOBRE O PROCESSAMENTO DA AUTOAJUDA

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D
e maneira sintética, o aplicativo Remente consiste em um gerenciador
de tarefas diárias baseado em metas de desenvolvimento pessoal que
podem ser de curto, médio ou longo prazo. Essas metas são previa-
mente delimitadas e envolvem a expectativa de aprimoramento em diversos
aspectos da vida, como saúde, sociabilidade e afetividade.87
Como veremos ao longo deste capítulo, essa abrangência no âmbito do
desenvolvimento pessoal é um diferencial do Remente. Isso porque ele pode
despertar o interesse de um público bastante variado, oferecendo uma “asses-
soria” para questões que fazem parte do dia a dia do sujeito comum.
Em seu anúncio na Play Store, o Remente é apresentado aos consumidores
como um sistema de ferramentas de desenvolvimento pessoal que permite aos
seus usuários “[...] viver uma vida mais saudável e rica com maior autoestima,
mais autovalor e menos tensão e ansiedade”.
Para tanto, o app, lançado em 2012, propõe-se a auxiliar os indivíduos na
delimitação de “objetivos factíveis”, a partir dos quais é traçado um planejamen-
to das ações cotidianas. Além disso, o aplicativo também se apresenta como
uma “[...] revista de humor [...]” capaz de explicar “[...] o que afeta o seu humor
e porque você se sente mal” (ver Figura 31).
É interessante observar que muitas palavras que remetem à figura do self-em-
preendedor são empregadas no discurso institucional do app. Foco e produtivi-
dade, por exemplo, são elencados como aspectos a ser trabalhados pelo aplicati-
vo, atrelados a tarefas e exercícios para o bem-estar mental e o crescimento pessoal.
A frase “Perfeito para uma resolução de ano novo!”, por sua vez, revela um
forte apelo motivacional. Tal como ocorre na virada do ano, quando, ao menos
do ponto de vista de calendário, ocorre o encerramento de uma etapa da vida,
transição e recomeço, o Remente atribui a si esse poder de transformação e
oportunidade para construir uma nova história.

87 As citações das aberturas foram retiradas do site Frasesdobem.com.br, no qual estão disponíveis mais de
180 frases motivacionais, nas categorias gentileza, companheirismo e de ano novo. In: <https://www.
frasesdobem.com.br/>. Acesso em: 17 jan. 2019.

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154 | Se tomarmos como ponto de partida o nome do app, ao menos na língua
portuguesa, vemos que a ideia de recomeço e renovação está associada à “re-
programação da mente”, tomada como a solução para equacionar todo e qual-
quer problema existencial (ORTEGA, 2009).
No que tange à avaliação do aplicativo pelos usuários, vemos uma resposta
bastante satisfatória do ponto de vista comercial. Com uma avaliação de 4,4 pontos
na Play Store, o aplicativo hoje tem quase 1 milhão de downloads e uma série de
depoimentos de usuários que atestam a efetividade de seus serviços, na Figura 32.

FIGURA 31 – Apresentação do aplicativo Remente na Play Store.

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| 155

FIGURA 32 – Avaliação de usuários do Remente na Play Store.

Alison, autora do primeiro depoimento apresentado na página oficial do Re-


mente, apresenta uma forte recomendação ao uso do aplicativo, que, segundo
ela, pode ser empregado por qualquer um, além de ser “[...] ainda mais útil do que
livros, cursos e aconselhamento sobre autodesenvolvimento”. Jessica, por sua
vez, autora do segundo depoimento em destaque, considera o app um importan-
te apoio em seu processo de recuperação de uma licença médica, exaltando a
importância de uma vida mais equilibrada. Sua situação particular, contudo, não
a impede de corroborar o argumento de Alison de que o aplicativo é indicado para
todo e qualquer sujeito. Afinal, julga que o Remente “[...] é para qualquer um que
queira uma vida mais equilibrada, conquistar autocontrole e sentir mais alegria”.
Como de praxe, depoimentos como esses são explorados na divulgação
dos apps, funcionando como uma ferramenta de publicidade “espontânea”.
A princípio, esses testemunhos de uso são escritos por usuários reais, que
não têm interesses comerciais sobre os aplicativos, mas apenas desejam com-
partilhar sua experiência e contribuir com outros usuários em uma espécie de
rede colaborativa.
No início deste trabalho, abordamos essas dinâmicas que caracterizam o
território do ciberespaço na atualidade, inclusive destacando a importância des-
se tipo de endosso no contexto de mercado. De fato, não há nada mais legítimo,
inquestionável ou inspirador que o depoimento de superação de indivíduos que
venceram as adversidades. Assim, como questioná-los? Como discordar da sa-
tisfação de sua gratidão e de seu sucesso?
Em um mundo conectado, não basta conhecer a opinião dos usuários
sobre determinados produtos ou serviços. É necessário que haja uma rela-

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156 | ção de confiança baseada no próprio saber compartilhado e competente
dos consumidores.
A priori, o uso do Remente é gratuito e liberado para o público em geral. De-
pendendo dos recursos e das informações que o usuário deseja consumir no app,
existem, todavia, custos que podem variar de R$ 8,49 a R$ 929,99. Ou seja, há,
sem dúvida, diversas oportunidades econômicas a serem exploradas pelo aplica-
tivo em futuras transações financeiras. Isso tudo sem contar a comercialização
dos dados dos usuários, prevista em seus “termos de uso”.
Uma vez instalado o aplicativo, é necessário que os usuários do Remente
abram uma conta, que pode estar associada ao Google ou mesmo ao Facebook.
Para tanto, são apresentadas duas páginas inicias nas quais é possível realizar
o cadastro, acompanhadas de uma chamada de boas-vindas, que sugere aos
usuários o início de uma “jornada” para o autodesenvolvimento (ver Figura 33).

FIGURA 33 – Interface do aplicativo Remente.

Já de início, vemos um layout lúdico, cujos elementos gráficos icônicos re-


metem inclusive ao universo infantil. Com discurso fortemente pedagógico, o
aplicativo apresenta os primeiros passos para sua utilização.
Na ilustração, uma balança equilibra um cérebro, um coração, uma bola, um
livro e um diamante. Abaixo, no texto do anúncio, é explicado ao usuário como
ele deve proceder para começar o planejamento de uma vida melhor. O primei-

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ro passo é fazer uma autoavaliação, capaz de indicar “onde estamos” e “aonde | 157

gostaríamos de chegar”, já que somente assim seria possível determinar o me-


lhor caminho a percorrer.
Tomando como base esse princípio norteador de toda a literatura de autoa-
juda, resolvemos adotar os seguintes tópicos para apresentar a mecânica do
app Remente: “como eu me vejo”, “como eu gostaria de ser” e “como posso
alcançar meus objetivos”.

5.1 COMO EU ME VEJO?

Iniciado o aplicativo, o usuário deve preencher uma série de gráficos no forma-


to de mandala, indicando como ele avalia sua vida em oito aspectos:

FAMÍLIA SAÚDE FINANÇAS

AMIGOS MANDALA CARREIRA

DESENVOLVIMENTO
AMOR DIVERSÃO
PESSOAL

A avaliação de cada um dos eixos é feita a partir de uma escala definida


por emojis88, o que sugere uma tentativa de simplificação do processo de
mensuração. À medida que os indivíduos fazem a avaliação de cada um
dos eixos indicados, um gráfico em formato de mandala vai sendo preen-
chido (ver Figura 34).
Como podemos notar na sequência de imagens acima, a avaliação de cada
um dos eixos, assim como sua visualização integrada, permite uma espécie de
compreensão “360 graus” da vida do usuário.

88 Os emojis foram criados nos anos 90 pela NTT DoCoMo, empresa de telefonia japonesa. Eles são formados
por desenhos próprios que frequentemente expressam emoções. Disponível em: <https://www.tecmundo.
com.br/web/86866-voce-sabe-diferenca-entre-emoticons-emojis.htm>. Acesso em: 24 maio de 2018.

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FIGURA 34 – Mandala Remente. Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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160 | Essa mandala é dinâmica. Por isso, à medida que os indivíduos fazem uso do
aplicativo, ela vai sendo modificada. O desempenho nesses diversos aspectos da
vida pode, portanto, “melhorar ou piorar”. Assim, vemos que cada um dos eixos
funciona como uma variável do modelo representado graficamente pela mandala.
Um aspecto interessante desse modelo de visualização é que ele sinaliza
uma “zona de desenvolvimento potencial” dos indivíduos. Todos os eixos que
ainda não foram completamente preenchidos tornam-se lacunas a ser explora-
das ou oportunidades a ser desfrutadas. Assim, vemos que os “espaços vazios”
deixados pela mandala acabam sendo interpretados como fases incompletas de
um projeto de vida bem-sucedido.
Do ponto de vista de uma convocação biopolítica (PRADO, 2013), é fundamental
observar quão eficiente é esse efeito gráfico, que incentiva os sujeitos a vislumbrarem
seu potencial de realização. Dito de outro modo, engaja-os na mentalidade investi-
dora. Além disso, esse efeito gráfico implica uma busca generalizada pela perfor-
mance, que eventualmente se transforma, ela própria, no objetivo a ser percorrido.
Ao colocar em relação (lado a lado) cada um dos eixos que caracterizariam o suces-
so na vida do usuário, o aplicativo acaba sugerindo constante equiparação e crença
de que também é uma meta por si conquistar uma avaliação generalizada alta.
A busca pelo sucesso em sua maior medida e a constante atualização dos
objetivos pessoais são as marcas do que Trento e Holtz (2017 p. 14) definiram
como “empreendedor high stakes”, aquele que

[...] vê soluções para os problemas e precisa ter um propósito de vida, uma


missão. Assim como uma empresa tem missão, visão e valores, o empreen-
dedor precisa se comportar tal qual uma grande empresa, seu propósito deve
corresponder aos seus principais valores, e, em um mundo conectado por
meio das tecnologias, não há tempo a perder e nem desculpa para não se
engajar. As missões, entretanto, não podem ser para a vida toda.

Assim, o empreendedor high stakes está sempre em movimento, revelando


sua vocação competitiva. Para além de destacar-se dos demais, sua premissa é
superar o próprio desempenho. Estar acima da “própria média”. Ser vitorioso
ao competir consigo mesmo.

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Passando às etapas seguintes no uso do app, vemos que, depois que o | 161

usuário cria sua mandala, uma avaliação de estado emocional deve ser preen-
chida. Para tanto, o Remente apresenta três campos interativos.
O primeiro deles é denominado “rate your mood” e consiste, basicamente, na
escolha de um dos emojis dispostos em uma escala de 1 a 5, que vai de uma carinha
triste e abatida a uma carinha alegre e sorridente, respectivamente (ver Figura 35).

FIGURA 35 – Avalie seu estado de

espírito: selecionando um emoji89.

FIGURA 36 – Avalie seu estado de espírito:

escreva por que se sente assim 90.

O segundo campo chama-se “notes” e apresenta um espaço de digitação


para que o usuário escreva e se expresse livremente sobre seu estado emocio-
nal (ver Figura 36).
Já o terceiro campo é caracterizado por uma lista de vários sentimentos,
agrupados como “positivos” ou “negativos” (ver Figura 37).
A categoria dos sentimentos positivos inclui uma série de adjetivos, tais
como motivado, engajado, confiante e otimista. Palavras de ordem, como
vimos, do felizardo empreendedor de si mesmo (FREIRE FILHO, 2010b).

89 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.
90 Idem.

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162 |

FIGURA 37 – Avalie seu estado de espírito: escolha alguns sentimentos91.

É de se esperar que esses sentimentos positivos não apareçam com gran-


de ênfase na primeira avaliação realizada pelos usuários do aplicativo, uma
vez que o próprio uso desse recurso tecnológico supõe a necessidade de
ajuda para a realização de um planejamento diário atrelado às insatisfações
dos indivíduos. Desse modo, estar desde o início engajado, confiante, otimis-
ta, assim como satisfeito e orgulhoso, seguro e inspirado, parece algo impro-
vável e até contraditório.
Por esse motivo, supomos que haja uma expectativa inicial de que muitos
dos sentimentos escolhidos pelos usuários para caracterizar seu estado emo-
cional sejam negativos. Nesse roll são incluídos adjetivos como: depressivo,
estressado, preocupado, frustrado, ansioso, bravo, triste, desapontado, culpado
e infeliz. Evidentemente, todas essas emoções são indesejadas e estão associa-
das à perda de potência e poder de ação sobre a vida. Contudo, são igualmente
sentimentos comuns, que fazem parte do cotidiano de todo e qualquer sujeito.

91 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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Quando discutimos a questão da cultura terapêutica nesta tese, refletimos | 163

sobre a preocupante proliferação de discursos psicologizantes na atualidade,


em que diferentes estados emocionais são tratados como sintomas de proble-
mas de saúde. Vimos também que uma das características desse fenômeno é
a crença de que toda e qualquer instabilidade que atrapalhe nosso bem-estar
deve ser combatida. Remediada.
De maneira elementar, “amigável” e até infantilizada, é essa a lógica que o
aplicativo Remente endossa quando sugere a identificação de sentimentos ne-
gativos em uma tabela, que mais parece um painel de alfabetização emocional.
Assim que o indivíduo termina de preencher essas páginas iniciais do apli-
cativo, realizando uma autoavaliação a partir de sua mandala e do mapeamen-
to de seu estado emocional, uma nova fase diagnóstica se inicia. Mas, agora,
ela consiste em perguntas relacionadas a metas.

5.2 COMO EU GOSTARIA DE SER?

A primeira informação que o usuário precisa fornecer para que possa desenhar
metas de vida no Remente é em qual dos eixos (os mesmos utilizados para o
preenchimento da mandala) ele acredita ser necessário aprimorar-se.
Nas palavras do aplicativo, é preciso “escolher um foco” de ação. Isso porque,
sabendo das intenções do usuário, é possível ajudá-lo “[...] oferecendo ferramen-
tas relevantes e conhecimento”92 (ver Figura 38).
Apesar de mencionar a importância do foco, é curioso notar que o próprio
app incentiva o usuário a questionar como está seu desempenho em todos os
eixos apresentados. Assim, mais que parte de uma metodologia, o “foco” é
apenas um entre os jargões que compõem o vocabulário do desenvolvimento
pessoal, enfatizados sempre que possível.

92 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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164 |

FIGURA 38 – Escolhendo um foco para trabalhar93.

93 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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Uma vez selecionado o(s) eixo(s) de vida que se pretende desenvolver, é | 165

possível estabelecer a primeira meta. Para tanto, o aplicativo oferece um


cardápio adaptado de opções. Ele é montado a partir dos inputs oferecidos
pelo usuário (a autoavaliação previamente realizada) e seu cruzamento com
uma base de dados. Por esse motivo, nem sempre o mesmo portfólio de
metas é visualizado.94
É interessante notar que, nessa etapa do processo, o aplicativo frisa: “Está
na hora de criar o seu futuro!”95, explicando ser uma boa estratégia começar por
uma meta menor para viabilizar “uma primeira vitória”.
Como vemos, predomina um tom imperativo no título de grande parte das
metas. Quase via de regra, palavras como “mostre”, “conquiste”, “faça” e “pla-
neje” são utilizadas para convocar o poder de ação imediata do usuário. O fato
de essas metas estarem acessíveis a um clique do mouse, por sua vez, só au-
menta o sentimento de empoderamento dos indivíduos que tão bem caracteri-
za as culturas midiática, empreendedora e terapêutica do século XXI.
Por considerarmos esse cardápio um tópico de grande importância em
nossa pesquisa, consideramos relevante montar uma tabela com todas as
metas disponibilizadas pelo Remente. Desse modo, foi possível verificar alguns
padrões interessantes relacionados às metas disponibilizadas pelo aplicativo
(ver quadro a seguir).

94 Vale destacar que há sempre um espaço em branco para que os usuários possam escrever uma meta total-
mente personalizada.
95 Nota 18, op. cit.

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166 | 5 mornings for success at work Discover your home town

Apply for 3 jobs in 1 week Become more present

Become a networking ninja Learn something new every day

Make it with a mentor Do more good and feel better

A morning routine for your career 10.000 steps a day

Reach the next step in your career Eat healthier

The billionaire's book suggestions Eat less sugar

7 days of stressing less Learn mindful eating

Love-bomb my family Morning habits for your health

Connect with the near & dear Start running

Reduce my debt Five weeks of love

Save money for a trip Get my partner to listen to me

Save money monthly Give some space

Start saving in 3 days Keep the love alive

Be on time Plan time for each other

Be someone to count on Show my partner appreciation

Become close friends Single? Find love online

Find friends at work Chance my life in 3 days

Hang out more with a close friend Create balance in life

Make other enjoy my company Get more productive in 6 days

Step out of your comfort zone Understand my mood & feel better

Strengthen your social skills 7 days Increase work productivity in 5 days

Maximise my mornings Keep a journal for 7 days

Read a book in 7 days Learn to love yourself in 3 days

TABELA 4 – Metas disponibilizadas pelo Remente96.

96 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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Como vemos, muitas delas fazem referência a alguma unidade de tempo, | 167

como dias, semanas, meses ou anos. Das 49 metas que o app disponibilizou
ao usuário criado para a realização deste estudo de caso, 38 faziam algum tipo
de menção a tais métricas. Analisando aquelas que visam a resultados de curto
prazo, é irônico observar como algumas vezes são grandes suas pretensões.
À guisa de exemplo, podemos destacar algumas particularmente ambicio-
sas, tal como “Mudar a sua vida em 3 dias”. Sem dúvida, metas como essa
evidenciam quão urgente é a transformação pessoal. E, mais, que não há
tempo a perder. Daí podemos deduzir a aflição e a ansiedade dos indivíduos
que acabam por selecioná-la.
Além das metas gratuitas disponibilizadas aos usuários, o Remente também
apresenta em seu catálogo algumas pagas, ou “premium”, como o próprio
aplicativo denomina (ver Figura 39).

FIGURA 39 – Metas Premium97.

Para acessá-las é necessário adquirir um plano no aplicativo, que pode ser


mensal, anual ou infinito (como o próprio app denomina). O plano mensal
custa R$ 12,00, o anual R$ 5,00 e o infinito, R$ 930,00 (ver Figura 40).

97 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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168 |

FIGURA 40 – Assinatura Premium98.

Como vemos, há um direcionamento do Remente para que os indivíduos


optem pelo plano anual. Ele não apenas é mais barato que o mensal como
também oferece uma relação custo-benefício melhor que a do infinito, já que
seu usuário precisaria viver 186 anos para alcançar o valor de R$ 930,00.
Nossa hipótese é que o app quer evitar uma assinatura de curto prazo, uma
vez que ela não oferece tempo suficiente para a fidelização do consumidor. O
mesmo vale para a de longo prazo, já que ela, provavelmente, só consta como
opção porque valoriza o plano mensal, que passa a ser percebido como “um
bom negócio” em comparação ao valor elevado de quase mil reais.

5.3 COMO ALCANÇAR MEUS OBJETIVOS?

Depois que o usuário seleciona sua(s) meta(s), é possível iniciar o uso contínuo
do aplicativo. Cada uma delas possui uma ficha de planejamento de ações, que
envolve, via de regra, uma indicação de quando a meta será iniciada e quanto tem-

98 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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po durará. Essa informação aparece no topo da página, seguida de um breve texto | 169

explicativo que destaca sua importância. Por último, são apresentadas em bullet
points tarefas que devem ser realizadas para cumprir as metas (ver Figura 41).

FIGURA 41 – Descrição e planejamento das metas99.

Para iniciar uma meta, o usuário deve clicar no botão accept goal. Na lógica
de gameficação, essa ação corresponde a iniciar uma partida. Começar o jogo.
Se aceitar a meta é também aceitar um desafio (accept of chalenge), cumpri-la
é superar uma das fases do jogo e evoluir para outro nível de dificuldade.

99 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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170 | De acordo com Whitson (2014), dominar o self a partir do rastreamento de
dados gameficados é um método eficiente de governança, na medida em que
permite atrelar o engajamento dos usuários ao seu monitoramento. Tal eficiência,
no caso dos aplicativos de desenvolvimento pessoal, é tão essencial para o “bom
funcionamento” da própria mecânica da autoajuda (jogo especulativo) quanto
para seu sucesso comercial. Afinal, é o tempo de interação com os usuários que
define a janela de oportunidades para a exposição de ofertas e serviços pagos do
app. Além disso, não percamos de vista, quanto mais tempo o usuário permane-
ce conectado e disposto a fornecer seus dados pessoais, maior a quantidade de
informações que também poderão ser exploradas pelo mercado.
Como é possível perceber na Figura 41, cada uma das metas estipuladas
pelo Remente vem acompanhada de uma série de tarefas que devem ser cum-
pridas. Entre elas, escrever em um diário, brincar com os filhos e fazer uma
hora de exercício físico.

FIGURA 42 – Cursos Remente100.

100 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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Algumas das tarefas propostas pelo aplicativo são cursos disponibilizados | 171

em uma espécie de biblioteca virtual. Em geral, fica a critério do usuário escolher


aquele que deseja fazer. No entanto, o app faz um direcionamento para deter-
minadas categorias temáticas. Entre elas, “Dormir melhor”, “Diminuir o stress”,
“Lidar com as emoções” e “Negócios/liderança” (ver Figura 42).
Além dos cursos gratuitos, que podem ser acessados por qualquer usuá-
rio, o aplicativo também divulga cursos “premium” (ver Figura 43). Eles
podem ser realizados apenas pelos indivíduos que adquiriram o serviço de
assinatura. Vale notar que, de acordo com o app, “premium users” alcançam
suas metas com maior facilidade, já que podem acessar mais de 80 cursos
e 150 exercícios.

FIGURA 43 – Cursos Premium101.

101 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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172 | Para facilitar a realização das tarefas estipuladas, o aplicativo propõe a seus
usuários que façam um planejamento diário (ver Figura 44). Nele são contem-
plados: tarefa, horários de dormir e acordar, além de lembretes para tomar água
e se alimentar.

FIGURA 44 – Planejamento

do dia com o Remente102.

Outro aspecto característico no uso do app é a coleta de feedback dos usuá-


rios. Avisados de seus compromissos, de suas metas e tarefas, eles devem in-
formar constantemente seu progresso. Paralelamente, a cada dia é realizada
uma nova autoavaliação sobre seu estado de espírito (ver Figura 45).

102 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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| 173

FIGURA 45 – Controlando o desempenho e oferecendo feedback103.

Tais informações vão gerando um histórico no aplicativo que permite mapear


uma evolução de percurso. Esta, por sua vez, fica evidenciada pela mandala,
atualizada em função da interação com os usuários.

5.4 ABRINDO A CAIXA PRETA: O PROCESSADOR REMENTE

Agora que dissecamos os componentes do aplicativo e realizamos análises em


torno da cultura empreendedora, terapêutica e midiática, propomos um mode-
lo gráfico para representar sua mecânica de funcionamento (ver Figura 46). Esse
modelo nos proporcionará a oportunidade de flagrar como é a operação biopo-
lítica desse aplicativo, entendido para todos os efeitos como uma “máquina de
desenvolvimento pessoal”.

103 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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174 |

(INPUT 2)

COMO VOCÊ
GOSTARIA DE SER?
MODELO CARDÁPIO DE
METAS / TAREFAS
(MÁQUINA DIGESTORA)
COMO VOCÊ SE VÊ?

(INPUT 1) (OUTPUT)

BASE DE DADOS

FIGURA 46 – O modelo de processamento Remente104.

Esse modelo solicita que os usuários entrem com valores iniciais para cada
uma das variáveis – no caso, sua autoavaliação (“como sou?”) e suas expecta-
tivas de aprimoramento (“como gostaria de ser?”). Quando isso é realizado, o
Remente faz um cruzamento das informações inseridas com sua base de dados
e identifica uma lista de metas compatíveis com os usuários, que será devolvida
no formato de um cardápio.
Uma vez selecionadas as metas desejadas (e seus respectivos programas de
tarefas), o modelo é retroalimentado pelo acompanhamento da atividade, sen-
do o usuário constantemente convidado a registrar sua rotina de uso do aplica-
tivo. O propósito desses registros é oferecer um feedback tanto para os usuários
quanto para o próprio sistema.
A representação gráfica do app revela seu modelo bem engendrado de pro-
cessamento da autoajuda, característico de uma nova fase tecnológica.
De fato, o aplicativo diferencia-se fortemente da literatura clássica do gênero
quando extrapola o caráter informativo dos receituários e propõe uma interati-
vidade monitorada e contínua dos usuários, à semelhança de uma terapia. Ocor-

104 Informações coletadas pela autora a partir da interação com o Remente em seu dispositivo móvel.

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re, no entanto, que nesse caso a terapia se desenrola sem a figura do terapeuta, | 175

substituído por uma tecnologia que reflete e refrata o próprio usuário.


Nessa ótica, a tecnologia desloca o terapeuta e transforma-se no agente de
referência, preenchendo esse espaço com outro tipo especialidade: programa-
ção, curadoria de informação e mineração de dados. Uma diferença importan-
te entre a mediação realizada pela tecnologia desses aplicativos e aquela reali-
zada pelo terapeuta é que, no primeiro caso, a natureza da relação estabelecida
é parcialmente maquínica. A devolutiva apresentada aos indivíduos será o re-
sultado de um processo iterativo (com retroalimentação) cujo principal traço
é a racionalidade produtivista.
Algo que nos chamou atenção no uso do Remente é que seus usuários são
incentivados a sempre adotar novas metas, já que, dentro da mecânica de pro-
cessamento, há sempre uma reinicialização do modelo. Em certa medida, é isso
que faz do app uma “droga” de uso contínuo.
No processo iterativo e de uso contínuo, a digestão dos dados dos usuários
acaba permitindo o aperfeiçoamento das tecnologias de processamento. Por
consequência, é de se esperar que elas consigam exercer sobre seus usuários
um poder de dominação cada vez maior.
Finalmente, parece-nos pertinente destacar aquele que consideramos um
dos grandes achados de nossa pesquisa: o fato de aplicativos como o Remente
proporcionarem a seus usuários um sentimento contraditório de autonomia e
dependência. É isso que os torna “reféns emancipados”.
A partir de sua iteratividade customizada e bem calculada, o app promove
uma experiência em que os usuários se julgam amparados, como se desfrutas-
sem de companhia, cuidado e zelo. Contudo, trata-se apenas de uma simulação.
O que resta do Remente quando o desnudamos de sua interface amigável é uma
“caixa preta” na qual o indivíduo encontra-se isolado e solitário, com suas fra-
gilidades e expectativas, ouvindo seu próprio eco.

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CONSIDERAÇÕES
FINAIS

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A
o longo desta tese, investigamos de que modo a consolidação de uma
mentalidade empreendedora passou a qualificar a busca pela saúde
e pelo bem-estar no início do século XXI. Partindo de uma discussão
mais ampla sobre a cultura terapêutica e o fenômeno da autoajuda, buscamos
compreender como os aplicativos de desenvolvimento pessoal transforma-
ram-se em um novo campo a ser explorado.
Para tanto, optamos por realizar um levantamento de dados empíricos, ma-
peando e analisando a oferta de livros de autoajuda e aplicativos de desenvol-
vimento pessoal no cenário brasileiro (respectivamente, 6.370 livros e 1.018
apps). Eis alguns de nossos achados.
Diferentemente do que ocorria na literatura “clássica” do gênero, vimos que
os aplicativos costumam ser bastante interativos, permitindo o registro e o
controle dos avanços de seus usuários. Tal característica nos levou a considerá-
-los tecnologias de automonitoramento, com foco no desenvolvimento pessoal,
e não apenas receituários de conduta.
A realização do estudo de caso do app Remente, por sua vez, permitiu-nos
compreender de maneira mais apurada a dinâmica dessas tecnologias, na me-
dida em que exemplificou sua mecânica: fase de autodiagnóstico, escolha e
atualização de metas, realização de tarefas e feedbacks diários.
Pelas lentes do aplicativo, vimos como na era da conectividade a mente é
colocada em posição de destaque. Algo que pode ser programado pelo “ho-
mem superexcitado” (VIRILIO, 1996), em vista de seu projeto de melhoramen-
to pessoal constante.
Com o propósito de apresentar alguns contrapontos que estabelecemos en-
tre a literatura clássica e os apps do gênero, no estilo Remente, elaboramos um
quadro comparativo. Tomamos como referência os eixos destacados no primei-
ro capítulo, quando apresentamos aquilo que entendemos como uma síntese
da estrutura discursiva da autoajuda.

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178 | AUTOAJUDA CLÁSSICA APPS DE AUTOAJUDA
PRODUÇÃO EDITORIAL PROCESSADORES DE
SELF-IMPROVEMENT

INSTRUMENTALIZAÇÃO As metas para a felicidade As metas para a felicidade


DA FELICIDADE são estáticas e traçadas são dinâmicas e adaptadas, uma
previamente, já que não vez que são oferecidos novos
se realizam novos inputs inputs a partir da posição/
evolução dos usuários
AUTODIAGNÓSTICO O mercado da autoajuda O autodiagnóstico é
COMO CONDIÇÃO DO clássica não tem acesso construído a partir da utilização
AUTOAPRIMORAMENTO a autodiagnóstico que é da tecnologia e torna-se parte
realizado pelos leitores do “bigdata terapêutico”
DISPOSIÇÃO PARA A Os leitores são Os usuários devem aprender
APRENDIZAGEM direcionados para um continuamente com o aplicativo
aprendizado pontual (retroalimentação), enquanto o
aplicativo aprende com os seus
usuários (inclusive a ensiná-los)
SABER LEGITIMA Quem detém o saber Saber difuso e maquínico,
legitimado é o autor mediado por tecnologias e
especialistas de sistemas de
informação que se valem
da autoajuda clássica como
base de dados
COMBINAÇÃO DE O apelo racional e A constante interação faz com
ELEMENTOS RACIONAIS emocional estabelece-se que os usuários se sintam
E EMOCIONAIS na estrutura discursiva amparados emocionalmente, ao
utilizada, alternando mesmo tempo que racionaliza
histórias de vida, seu desempenho (a partir de
depoimentos e registros números e gráficos de evolução)

ANTES E DEPOIS A prova de superação A prova “viva” de superação


está no livro e não é o próprio usuário, na
no leitor medida em que é possível o
acompanhamento dinâmico
de sua evolução
JOGO DE HABILIDADE Os livros apresentam Os recursos de interatividade
E NÃO DE SORTE as regras do jogo de permitem ao usuário “jogar
competência, e a leitura o jogo” de competência,
é apenas a preparação desempenhando tanto o papel
para a partida de jogador como o de desafiante
SUCESSO ESPECULATIVO O sucesso é uma ideia O sucesso é personalizado e
genérica; o leitor não tangibilizado pela evolução das
consegue acompanhar a métricas definidas pelo aplicativo
evolução da sua conquista

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Como vimos, na literatura clássica de autoajuda as metas para a vida feliz e | 179

bem-sucedida não são traçadas pelos leitores, dado que elas foram previamen-
te estipuladas pelos autores dos livros. Já nos aplicativos como o Remente,
essas metas são elencadas pelos usuários de maneira personalizada, sendo
constantemente atualizadas.
No que tange à questão do autodiagnóstico, o mercado editorial pode até
identificar o interesse dos consumidores por determinados temas (em função
dos livros adquiridos), mas não tem acesso à avaliação que seus leitores realizam
sobre si próprios. Dito de outro modo, não é possível saber, ao certo, quais são
seus problemas, suas vulnerabilidades e suas expectativas. O diagnóstico é
realizado de maneira silenciosa e deixa poucos rastros, ao menos se comparados
com aqueles deixados nos apps de autoajuda.
Além disso, vale notar que, no caso da autoajuda clássica, o autodiagnóstico é
incentivado enquanto prática, mas não é condição necessária de acesso aos manuais.
Já no caso de tecnologias como a do Remente, só é possível a utilização efetiva de
seus recursos após o usuário compartilhar com o sistema sua autoavaliação.
Já no que se refere à questão do aprendizado, é curioso observar o que ocor-
re no caso dos aplicativos. Diferentemente da literatura clássica, que se ocupa
apenas de transmitir ensinamentos a seus leitores, o que essa tecnologia faz é
também aprender com seus usuários. Partindo da coleta de dados, os apps
podem aprimorar-se enquanto modelo. Ou seja, aprender mais sobre os indiví-
duos e desenvolver novas técnicas para, assim, ensiná-los. Cabe lembrar ainda
que, nos aplicativos, o usuário é convocado para o aprendizado contínuo, já que
há sempre o incentivo à atualização de metas.
Do ponto de vista do saber legitimado, enquanto na literatura clássica é o
autor (que pode ser um líder espiritual, profissional da saúde ou ícone do fute-
bol, por exemplo) quem detém o conhecimento que se busca transmitir ao leitor,
o que vemos nos apps é algo muito diferente. O guru torna-se a própria tecno-
logia e o seu saber, maquínico.
Como vimos no capítulo anterior, esses aplicativos funcionam como uma
“máquina digestiva” que faz a curadoria do saber legitimado. Assim, mais que
assumir o “lugar” de especialista, a máquina administra, seleciona e aprimora
os ensinamentos que apenas os peritos podiam outrora transmitir.

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180 | Finalmente, não podemos esquecer que a literatura de autoajuda clássica
passa a ser parte da base de dados desses apps. Fica claro, portanto, a diferen-
ça da complexidade entre esses dois tipos de recurso.
Sobre a questão da superação, vemos que os aplicativos engajam seus usuários
de maneira muito mais eficiente. Entre outras razões, acreditamos que isso ocor-
re porque eles produzem outra relação de temporalidade. Se nos livros de autoa-
juda a prova da transformação pessoal está no texto (na forma de relatos, casos
exemplares etc.), nos apps ela se cristaliza na experiência e no histórico dos usuá-
rios, à medida que estes constroem narrativas de vitória (ou fracasso). Não se
trata, portanto, de qualquer “antes e depois”, mas do “antes e depois” de um
indivíduo específico, que vive a superação e não apenas ouve falar sobre ela.
Nos aplicativos de autoajuda, observamos um forte apelo racional em torno
da superação. Isso ocorre porque o desempenho dos usuários é sempre men-
surado e transformado em números, tabelas e comparações.
Ao mesmo tempo, notamos também a tentativa de vinculação a partir de
elementos emocionais. Como discutimos no capítulo 5, aplicativos como o
Remente enviam, cotidianamente, mensagens como: “Bom dia!”, “Como foi
a caminhada?”, “Como você está se sentindo?”, “Que tal ir ao cinema?”, “Não
se esqueça de se pesar” e “Dica de alimentação saudável”, entre tantas outras.
Desse modo, os indivíduos sentem-se lembrados, acompanhados e, acima
de tudo, assistidos.
Já no caso da literatura de autoajuda clássica, os apelos emocional e racional
aparecem articulados ao texto. Mas o fato de os livros não produzirem provas
documentais sobre a superação dos leitores faz com que, possivelmente, pre-
domine o aspecto emocional.
Se retomarmos a discussão do primeiro capítulo em que a autoajuda é as-
sociada a um “jogo de competência”, vemos que é significativa a diferença entre
os livros e os aplicativos estudados. Enquanto os primeiros ocupam-se de en-
sinar as regras do jogo aos indivíduos, os últimos convocam-nos para a partida.
Sua mecânica gameficada faz com que os usuários possam efetivamente “jogar
o jogo”. E, mais, tornarem-se simultaneamente seus próprios desafiantes.
Finalmente, no âmbito da busca pelo sucesso, constatamos que na literatu-
ra clássica ela se restringe a um ideal genérico, para o qual o leitor dirige-se, mas

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sem uma localização exata de sua posição. Nos aplicativos, por sua vez, o su- | 181

cesso personalizado está tangibilizado por métricas que controlam (e atualizam)


a evolução do usuário. Recordemo-nos da zona de desenvolvimento potencial
apresentada pelas mandalas do Remente.
Todos esses contrapontos nos levaram a pensar os aplicativos de autoajuda
como máquinas processadoras. Apresentamos uma síntese desse modelo no
último capítulo, quando nos questionamos sobre alguns paradoxos na utilização
do Remente. Primeiro, o da afirmação da liberdade e do poder individual, que
ocorre simultaneamente ao monitoramento ubíquo e ininterrupto promovido
pelo app. Em segundo lugar, o da supervalorização da autossuficiência, em
contraposição ao medo do desamparo.
Independentemente de o indivíduo descobrir que está só, o que fica claro é
que não interessa a essas máquinas processadoras desmanchar tal suposição.
Ao contrário, sua programação visa a manter os indivíduos o mais cativos e
confiantes possível.
Finalmente, cabe pontuar que o mesmo entusiasmo que os indivíduos dedicam
a seus projetos pessoais e à utilização desses manuais dinâmicos de autoajuda
também pode ser (e certamente será) empregado para encontrar novos aplicativos.
Mais eficientes, interativos e alinhados com suas expectativas de aprimoramento.
Essa possibilidade, de algum modo, é o avesso dos apps como o Remente.
Do mesmo modo que orientam seus usuários a empreender continuamente,
também os estão educando a permanecer sempre insatisfeitos. Seja com os
resultados que alcançam, seja com os próprios recursos de que dispõem para
edificar seus projetos pessoais.
É fundamental destacar que o uso rotineiro desses aplicativos (aliado a per-
fis cada vez mais detalhados), ao mesmo tempo que tende a fidelizar seus
usuários, ironicamente resulta no próprio desgaste da relação. Afinal, como já
abordamos, essas tecnologias produzem memória. E, com isso, não permitem
aos seus usuários o esquecimento.
Desse modo, torna-se também um imperativo a troca constante de aplicati-
vos. Em alguns momentos é preciso “apagar” ou ao menos “zerar” o histórico.
Reinicializar a operação, para driblar o follow-up obrigatório que gera stress,
cansaço e até frustrações (em suma, negatividade). Isso sem falar na dívida que

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182 | o usuário necessariamente contrai quando estipula sua primeira meta. O app
gera um passivo. Diante da pergunta “como você gostaria de ser?”, fica implí-
cito o tamanho de seu débito.
No caso dos indivíduos “assintomáticos”, essa situação é ainda mais pre-
visível. Doentes em potencial são ótimos candidatos a se tornar usuários e
devedores. E devedores, por sua vez, podem adoecer, quando são estrangulados
por suas dívidas.
Seja como for, cabe sublinhar que, quando os usuários reiniciam o sistema,
mudam de aplicativo ou mesmo deixam de utilizá-lo, seu perfil não será efeti-
vamente apagado. Talvez não esteja mais em seu campo visual, mas certamen-
te já foi incorporado, digerido e, sobretudo, absorvido pelo mercado.
Ao longo da tese, procuramos demonstrar que esse “tipo” humano que
está sendo “criado” nas sociedades capitalistas do século XXI e capturado
pelos processadores de autoajuda tem, necessariamente, seus pontos frágeis
e seus limites. Um deles é a exaustão de uma vida baseada na constante e
exigente autoavaliação. Outro, a solidão que isso representa, na medida em
que a vida dos indivíduos é resumida a uma relação de cuidado de si para
consigo, em um espelho, ou tela, interiorizado. Portanto, não percamos de
vista: as mesmas tecnologias que prometem nos fortalecer podem nos des-
conectar e nos levar ao esgotamento.

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MASTROCOLA, Vicente Martin; CASTRO, Gilesa G. S. Comunicação e consumo nas wearable technologies.
Revista GEMInIS, São Carlos (SP), v. 6, n. 2, p. 130-147, 2015.

MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Editora Cultrix, 1974.

______. A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Cultrix, 1967.

ROLNIK, Suely. Despachos no museu: sabe-se lá o que vai acontecer. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.
15, n. 3, p. 3-9, 2001.

ROSE, Nikolas. Governamentalidade, “sociedade liberal avançada” e saúde: diálogos com Nikolas Rose (Entre-
vista concedida a Sérgio Rezende Carvalho – Parte 1). Interface – comunicação, saúde, educação, Botuca-
tu (SP), 2015, v. 19, n. 54, 2015.

SANT’ANNA, Denise B. As infinitas descobertas do corpo. Cadernos Pagu, Campinas (SP), n. 14, p. 235-249, 2015.

______. Corpos de passagem: ensaios sobre subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

SANTOS, Laymert Garcia. Consumindo o futuro. Folha de S.Paulo, São Paulo, 27 fev. 2000. Disponível em:<h-
ttps://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2702200002.htm>. Acesso em: 8 mar. 2018.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez editora, 2017.

SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

VAZ, Paulo; PORTUGAL, Daniel. A nova “boa-nova”: marketing de medicamentos e jornalismo científico nas pá-
ginas da revista brasileira Veja. In: CMC – Comunicação, mídia e consumo, São Paulo, Ano 9, v. 9, n. 26, 2012.

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ANEXOS

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ANEXO 1 – Tabulação: livros de autoajuda | 191

disponíveis no site da Amazon brasileira.

O banco de dados dos livros de autoajuda disponíveis na loja online da Ama-


zon Brasil foi obtido pela técnica de web scraping. Essa técnica consiste em
automatizar o processo de busca e extração de dados utilizando um programa
(geralmente conhecido como bot ou web crawler) para ler informações forma-
tadas para usuários comuns e disponíveis na internet. Do ponto de vista do
servidor, as solicitações realizadas pelo programa são interações legítimas de
usuários reais, e não uma atividade em lote realizada por um robô.  
A função do web crawler é visitar as páginas web disponíveis publicamente
no domínio selecionado (no caso, o Amazon.com.br), passando-se por um
usuário convencional. O programa solicita o conteúdo armazenado pelo servidor
e recebe a resposta no formato HTML (HiperText Markup Language – Linguagem
de Marcação do Hipertexto), a codificação padrão para páginas da internet. Nas
aplicações utilizadas por usuários comuns, os web browsers, o código HTML
é renderizado para uma apresentação gráfica. Nela, os elementos textuais e vi-
suais são dispostos de acordo com as instruções existentes no documento
HTML original. O web crawler trabalha com os dados estruturados sem conver-
tê-los para sua representação gráfica, explorando a estrutura do documento
HTML para extrair as informações de interesse. 
Uma vez que os dados desejados estejam separados e organizados, o web cra-
wler armazena as informações obtidas em um arquivo local persistente (no
caso deste trabalho, um documento compatível com o formato de planilhas do
Microsoft Excel). 
Para a obtenção dos dados disponíveis no website da Amazon o web cra-
wler foi implementado na linguagem Python 3, utilizando as bibliotecas re-
quests, para as atividades de requisição e obtenção dos dados do servidor, e
BeautifulSoup4, para exploração, navegação e extração dos dados na estrutura
do documento HTML.
O programa foi construído para visitar cada uma das 400 páginas da cate-
goria “Autoajuda”, bem como a descrição dos 16 livros apresentados por página
e extrair os campos de título, autor, data de publicação, editora, preço, descrição,

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192 | ranking, avaliação e comentários, além dos livros frequentemente adquiridos
em conjunto com a obra avaliada. O web crawler também extraiu as capas dos
livros, quando disponíveis. O resultado foi armazenado em uma planilha de
6.400 entradas. A tarefa foi executada no dia 18 de março de 2017, em 2 horas
e 38 minutos, com uma média de 1.34 segundos por livro visitado. 

Link para acessar a tabela


https://onedrive.live.com/?authkey=%21ANxZmOdgKyoN_no&id=CF5B6
09B3F94E665%2117395&cid=CF5B609B3F94E665

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ANEXO 2 – Títulos de livros que mencionam a palavra “sucesso”. | 193

Como Alcançar o Sucesso  Tempo e Sucesso. O Tempo Pode Ser Seu Aliado 
O Ciclo do Sucesso  O Amanhã Começa Hoje. Sugestões Para Uma
O Sucesso em Suas Mãos!  Vida de Sucesso 

O Sonho do Empreendedor. Sucesso e Felicidade  Falando em Público com Sucesso 

O Sucesso Está Dentro de Você. Liberte-o  Segredos de Salomão: Sabedoria & Sucesso 

Uma História De Sucessos  Positivamente: Lições Sobre Felicidade, Paz,

10 Atitudes De Uma Mulher De Sucesso  Sucesso, Amor E Prosperidade 

Tenha Sucesso Sendo Você Mesmo  As 234 Citações Espirituais Da Elite Dos


Poderosos: Verdades Secretas E Inspiradoras
Sucesso. Viva O Extraordinário 
Sobre a Vida, Abundancia E Sucesso 
Sete Leis Espirituais do Sucesso 
Dom Sucesso Digital: Esse E O Cara 
O Guia do Sucesso e da Felicidade 
O Sucesso de Um Mestre Shaolin 
O Código Secreto do Sucesso 
A Espiritualidade do Sucesso 
Visualização. Atinja O Sucesso Com
Decida-se Pelo Sucesso 
Os Olhos Da Mente 
Como Conquistar Tudo o que Você Quer na Vida e
Sucesso sem Stress 
Alcançar o Sucesso 
As Sete Leis Espirituais Do Sucesso 
O Otimismo Atrai o Sucesso 
Em Sintonia com o Sucesso. A Busca Pela
Sucesso sem Esforço 
Excelência É o Caminho que Leva Qualquer
Indivíduo ao Alcance do Sucesso  Relações Produtivas, Carreiras de Sucesso 

Metodologia para o sucesso  Sun Tzu Para o Sucesso 

Preceitos que Levam ao Sucesso  O Paradoxo do Sucesso 

O Espirito De Sucesso  Verdadeiro Sucesso 

Sucesso Inteligente. Aprenda A Evoluir  Faça da Crise o Seu Sucesso 

Sucesso Inteligente. Desperte A Sua Sabedoria  Exploda A Crise. Faça Sucesso 

Sucesso Inteligente. Descubra O Seu Potencial  Sucesso nos Exames. Como Se Preparar e
Enfrentá-Los com Confiança 
A Pirâmide do Sucesso do Treinador Wooden.
Construindo Uma Vida Melhor  O Poder do Foco. Uma Anatomia do Sucesso 

PNL - Programação Neurolinguistica - A Nova O Livro Do Sucesso 

Tecnologia Do Sucesso  Os Sete Segredos Do Sucesso 

Pense Sucesso, Seja Sucesso  10 chocolates para o sucesso: Estratégias para

Degraus De Poder Para O Sucesso  criar, motivar e recompensar equipes 

A Fácil Arte Do Sucesso 054 O Segredo Do Sucesso 

O Manuscrito Original. As 16 Leis Originais do Criando Seu Futuro Com Sucesso 

Triunfo e do Sucesso de Napoleon Hill  Os Segredos do Sucesso 

Além do Sucesso. Redefinindo O Significado A Estratégia Mona Lisa - Poder, Sucesso E


de Prosperidade  Juventude 

Etiqueta Essencial. As Regras Não Escritas Do Sucesso Pessoal o Segredo dos Vencedores 


Bom Comportamento Para O Profissional De Porque Algumas Pessoas Fazem Sucesso
Sucesso  E Outras Não 

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194 | Só Tem Sucesso Quem Quer 
Sucesso Na Vida - Quando E Hora De Agir E
Suba A Escada. 7 Passos Para Alcançar O
Verdadeiro Sucesso 
Mudar?  Mulheres Poderosas. Um Guia de Uma Vida de
O Sucesso É Ser Feliz  Sucesso Para Todas as Mulheres 
Mulheres de Sucesso Querem Poder Amar  A Resposta Do Sucesso Está Em Suas Mãos 
Sucesso Em Poucas Palavras - Experiências E A Fórmula Secreta do Sucesso Comprovada 
Pensamentos De Quem Venceu  O Segredo da Mulher de Sucesso 
O sucesso passo a passo  Eneagrama. Um Caminho Para O Seu Sucesso
Os Princípios Do Sucesso  Individual E Profissional 
Motorista E O Milionário. Uma História Sobre As A Forca Do Pensamento Positivo. Sucesso E
Escolhas Que Nos Levam Ao Sucesso Ou Ao Prosperidade - Volume 1 
Fracasso  Inove, Vença E Faca Sucesso. Mantendo-Se No
Os 100 Segredos Das Pessoas De Sucesso  Topo 
A Estrada Para o Sucesso  Sucesso Agora 
Vencer É Ser Feliz. A Estrada do Sucesso e da O Poder Do Sucesso 
Felicidade  Essência Do Sucesso 
Sucesso nos Concursos de A a Z  Poder Do Sucesso 
Aprendendo a Aprender. Como Ter Sucesso em Sucesso! Eu Vou Chegar Lá 
Matemática, Ciências e Qualquer Outra Atalhos Para O Sucesso. Com Ética E Respeito 
Matéria  Dando A Volta Por Cima. A Arte De Transformar
O Segredo do Sucesso  Fracasso Em Sucesso 
73+1 Perguntas Sobre Liderança, Gestão, A Jornada Do Sucesso 
Marketing, Vendas, Motivação e Sucesso  Consultoria. Histórias de Sucesso 
Disciplina. A Trilha do Sucesso  Sucessos E Fracasso. A Triste História De
Coaching de Alto Impacto. Xeque-Mate. O Sucesso Um Ex-Executivo 
Está Mais Próximo do que Você Imagina  Guia Para O Sucesso Diário 
Seja Um Otimista Crônico Você Também! O Seu A Física do Sucesso 
Sucesso Em Prol Da Ecologia Humana 
Um Quê Especial. 9 Segredos Dos Ricos E
A Ciência Do Sucesso. Descubra O Segredo Para  Famosos Para Você Alcançar O Sucesso 
Orientação Vocacional & Coaching de Aumente o Poder do Seu Subconsciente Para
Carreira. Dicas e Estratégias Para Construção Trazer Riqueza e Sucesso - Volume 1 
de Uma Carreira de Sucesso 
Os 10 Segredos Para O Sucesso E A Paz Interior 
Coaching para Liderança. A Filosofia do Sucesso
50 Tons de Sucesso. Unipro. Conselhos para uma
Pessoal e Profissional 
vida próspera 
Motivação. A Chave Para o Sucesso Pessoal
100 Pensamentos. Motivação, Liderança e Sucesso
e Profissional 
- Volume 2 
Liberte Seu Poder. Inspirações Para Você Alcançar
Revolução Das
o Sucesso e a Felicidade 
Mudanças. Dinâmica Consciencial Do Sucesso 
Belas Parábolas Sobre Sucesso 
Seu Guia Para Tratamento Diário. Sucesso 
Sucesso Não Ocorre Por Acaso, O 
Agradeça e Enriqueça. Valorize Relacionamentos,
Salmos Do Sucesso Na Vida  Potencialize Seu Sucesso 
Sucesso ao Alcance do Corretor de Seguros  O Vendedor Espetacular. Uma Viagem Rumo Ao
Sucesso 

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Desenvolva Sua Inteligência Emocional E Tenha
Sucesso Na Vida 
O Poder da Atenção. As 7 Melhores Estratégias
Para Atrair o Público e Garantir o Sucesso de
| 195

Vença A Timidez Com Sucesso!  Suas Ideias e Produtos 


Criando Sucesso e Dinheiro  O Que A Universidade Não Ensina E O Mercado
As 5 Leis Para o Líder de Sucesso  De Trabalho Exige - Volume 1. Coleção Sua
Carreira, Seu Sucesso 
Como Organizar Um Evento de Sucesso 
Sucesso e Mandioca 
A Magia do Sucesso 
Liderar com o Coração. As Palavras-Chave Para o
A Arte Do Sucesso. 380 Pensamentos Para Inspirar
Sucesso de Um dos Maiores Treinadores de
E Motivar 
Basquete do Mundo 
Como Escrever Melhor - Série Sucesso Profissional 
As Leis Universais Do Sucesso 
Como Desenvolver a Auto-Estima. Um Guia Para o
A Busca. Alcance Sucesso Profissional
Sucesso 
Transformando Sua Vida Pessoal 
Caminhos Do Sucesso. A Conspiração Holistica E
3 Escolhas Para o Sucesso 
Transpessoal Do Terceiro Milênio 
Casamento. da Sobrevivência ao Sucesso 
Sucesso de A a Z. Vocabulário dos Vencedores 
Os 4 Segredos do Sucesso 
A Universidade do Sucesso 
O Introvertido de Sucesso 
A Mágica Do Sucesso 
Filhos. Da Sobrevivência ao Sucesso 
O Maior Sucesso do Mundo 
50 Tons Para o Sucesso. Conselhos Para Uma Vida
O Método Silva de Controle Mental Para Alcançar
Prospera 
O Sucesso Nos Esportes 
Duras Crises, Grandes Sonhos. Seu Sucesso
A Arte De Viver E Ter Sucesso 
Depende de Como Enfrenta os Desafios 
Nascido Para O Sucesso 
Muito Além de Sucesso e Significado 
Chaves Para O Sucesso 
50 Grandes Mestres Do Sucesso 
O Guia Oficial Para O Sucesso 
O Sucesso Pertence A Você 
Sucesso. A Maior Missão 
O Segredo do Sucesso 
Como Fazer Do Sucesso Um Habito 
Para Um Homem de Sucesso 
A Chave Para Se Tornar Um Medico De Sucessos 
O Mapa do Seu Sucesso. Você Pode Chegar Lá 
Se O Sucesso É Um Jogo, Estas São As Regras 
Os 4 Segredos do Sucesso 
Como Obter o que Você Quer e Apreciar o que
Os 4 Segredos do Sucesso 
Tem. Um Guia Prático e Espiritual para o
Sucesso Pessoal  Liderando Para o Sucesso 

Ciência Do Sucesso, A - Aprenda A Criar O mapa do sucesso: Como atingir seus alvos
Prosperidade Harmônica Em Toda  e alcançar seus sonhos 

Acredite Em Você E Va Em Frente - O Segredo Do O Sucesso Está Em Você 


Sucesso De Uma Mente Mi  Além Do Topo. O Sucesso E Sua Felicidade 
Pais Inteligentes Formam Sucessores, não Não Tem Limites 
Herdeiros  As 10 Regras de Ouro do Sucesso Pessoal 
Ser Você- A Arte De Conquistar Sucesso E
Felicidade Sendo Você Mesmo

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196 | ANEXO 3 – Audiência do site do Bem Estar em março de 2017.

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ANEXO 4 – Pesquisa ICTQ sobre automedicalização. | 197

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198 | ANEXO 5 – Tabulação: aplicativos de autoajuda
disponíveis na Play Store brasileira.

O banco de dados dos aplicativos disponíveis na loja da Play Store brasileira foi


obtido pela técnica de web scraping. Ela consiste em automatizar o processo de
busca e extração de dados utilizando um programa (geralmente conhecido
como bot ou web crawler) para ler informações formatadas para usuários comuns
e disponíveis na internet. Do ponto de vista do servidor, as solicitações realiza-
das pelo programa são interações legítimas de usuários reais, e não uma ativi-
dade em lote realizada por um robô.  
A função do web crawler é visitar as páginas web disponíveis publicamente
no domínio selecionado (no caso, o Play.google.com/store), passando-se por
um usuário convencional. O programa solicita o conteúdo armazenado pelo
servidor e recebe a resposta no formato HTML (HiperText Markup Language –
Linguagem de Marcação do Hipertexto), a codificação padrão para páginas da
internet. Nas aplicações utilizadas por usuários comuns, os web browsers, o
código HTML é renderizado para uma apresentação gráfica. Nela, os elementos
textuais e visuais dispostos de acordo com as instruções existentes no docu-
mento HTML original. O web crawler trabalha com os dados estruturados sem
convertê-los para sua representação gráfica, explorando a estrutura do docu-
mento HTML para extrair as informações de interesse. 
Uma vez que os dados desejados estejam separados e organiza-
dos, o web crawler armazena as informações obtidas em um arquivo local
persistente (no caso deste trabalho, um documento compatível com o formato
de planilhas do Microsoft Excel). 
Para a obtenção dos dados disponíveis no website da Play Store, o web cra-
wler foi implementado na linguagem Python 3, utilizando as bibliotecas re-
quests, para as atividades de requisição e obtenção dos dados do servidor, e
BeautifulSoup4, para exploração, navegação e extração dos dados na estrutura
do documento HTML. O programa foi construído para visitar todas as páginas
da loja e extrair os campos de título, descrição, número de downloads, fornece-
dor, preço, oferta de produtos/serviços pagos, ranking, avaliação e comentá-
rio. O web crawler também extraiu a logomarca dos aplicativos, quando dispo-

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níveis. O resultado foi armazenado em uma planilha de 44.256 entradas. A | 199

tarefa foi executada no dia 12 de janeiro de 2019.

Link para acessar a tabela:


https://1drv.ms/f/s!AmXmlD-bYFvPgYdz3FmY52ArKg3-eg

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