Você está na página 1de 16

Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

https://doi.org/10.1590/1982-3703003232016

O Psicólogo e a Inclusão de Pessoas com Deficiência no Trabalho

Mário Lázaro Camargo Edward Goulart Júnior


Universidade Estadual Paulista Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, SP, Brasil. “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, SP, Brasil.
Lúcia Pereira Leite
Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, SP, Brasil.

Resumo: Mediante pesquisa bibliográfica realizada nas principais bases de dados disponíveis
atualmente, este ensaio discute a situação atual da inclusão de pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, destacando os obstáculos e desafios presentes na realidade brasileira.
Discute ainda a atuação do Psicólogo Organizacional e do Trabalho (POT) neste contexto,
postulando sobre a importância de seu comprometimento com as transformações necessárias,
tanto na sociedade quanto nas organizações de trabalho, para que tenhamos uma cultura
verdadeiramente inclusiva. Embora essa temática venha sendo amplamente discutida, o presente
estudo concluiu que ainda temos muito a avançar, considerando, sobretudo, as questões
culturais que, somadas ao despreparo das organizações e dos gestores organizacionais para
lidarem com os trabalhadores com deficiência, representam os maiores obstáculos à inclusão.
Embora devamos reconhecer que no Brasil houve avanços, em especial após a promulgação,
em 1991, da chamada Lei de Cotas, diversas pesquisas têm apontado para a dificuldade, por parte
das organizações, em cumpri-la. Entendemos que o POT deva ser um profissional preparado
técnica e eticamente para, juntamente com outros profissionais, promover ações na direção de
um processo efetivo de inclusão dessa população nos contextos de trabalho, favorecendo não
somente as pessoas envolvidas, como também, as próprias organizações.
Palavras-chave: Inclusão, Pessoas com Deficiência, Psicologia Organizacional e do Trabalho.

The Psychologist and the Inclusion of People with Disabilities at Work

Abstract: Through bibliographical research carried out in the major databases available today, this
paper discusses the current situation of inclusion of people with disabilities in the labor market,
highlighting present obstacles and challenges in the Brazilian reality. It also discusses the role
of the Work and Organizational Psychologists (WOP) in this context, suggesting the importance
of their commitment to the necessary changes, both in society and work organizations, so that
we have a truly inclusive culture. Although this theme has been widely discussed, the study
found that we still have long way to go, considering all the cultural issues that, added to the
unpreparedness of organizations and organizational managers to deal with employees with
disabilities, represent major obstacles to inclusion. While we must recognize that there has been
progress in Brazil, especially after the promulgation in 1991 of the so-called “Quota” Law, several
studies have pointed to the difficulty of organizations in fulfilling it. We understand that the WOP
should be a ethically and technically prepared professional for, along with other professionals,
promoting actions towards an effective process of inclusion of this population in the contexts of
work, not only favoring the people involved, but also the organizations.
Keywords: Inclusion, People with Disability, Work and Organizational Psychology.

Disponível em www.scielo.br/pcp
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

El Psicólogo y la Inclusión de las Personas con Discapacidad en el Trabajo

Resumen: Mediante investigación bibliográfica realizada en las principales bases de datos


disponibles hoy, este trabajo analiza la situación actual de la inclusión de personas con
discapacidad en el mercado laboral, poniendo de relieve los obstáculos y desafíos presentes en la
realidad brasileña. También se discute el papel del Psicólogo Organizacional y del Trabajo (POT)
en este contexto, resaltando la importancia de su compromiso con los cambios necesarios en
la sociedad y en las organizaciones para que tengamos una cultura verdaderamente incluyente.
Aunque este tema venga siendo ampliamente discutido, el estudio encontró que todavía nos
queda mucho camino por recorrer, considerando especialmente las cuestiones culturales que,
añadidas a la falta de preparación de las organizaciones y los gerentes de la organización para
hacer frente a los empleados con discapacidad, representan los principales obstáculos a la
inclusión. Si bien hay que reconocer que en Brasil se han registrado avances, especialmente
después de la promulgación en 1991 de la llamada Ley de Cuotas, varios estudios han señalado
la dificultad de las organizaciones en cumplirla. Entendemos que el POT debe ser un profesional
técnica y éticamente preparado, junto con otros profesionales, para promover acciones hacia
un proceso efectivo de inclusión de esta población en los contextos de trabajo, favoreciendo no
solo a las personas involucradas, sino también a las organizaciones.
Palabras clave: Inclusión, Personas con Discapacidad, Psicología Organizacional y del Trabajo.

Introdução grandes responsabilidades e de significativa relevância


O presente artigo resulta dos estudos, observa- no processo de transformação da, ainda vigente, cul-
ções e reflexões dos autores em relação ao contexto tura de exclusão de grupos minoritários, como no caso
aqui intitulado “inclusão de pessoas com deficiência aqui retratado, tanto no nível mais amplo – sociedade –
no trabalho”, em particular sobre como a atuação do quanto no nível das organizações de trabalho.
Psicólogo Organizacional e do Trabalho (POT) pode Para alcançar os objetivos propostos neste ensaio
teórico, os autores apoiaram-se nos resultados de uma
contribuir para que ocorram transformações qualita-
revisão da literatura nacional, realizada mediante
tivamente necessárias. Tais mudanças visam promo-
consulta às bases de dados: Index – Psi Periódicos
ver o desenvolvimento de uma cultura de inclusão na
(CFP); Lilacs (Bireme); Clase – Citas Latinoamericanas
sociedade e nas organizações, posto que as constata-
em Ciências Sociales y Humanidades; Latindex – Sis-
ções – como adiante apresentaremos – sinalizam para
tema Regional de Información en Línea para Revistas
um cenário de pouca e lenta evolução, ou seja, ainda
Científicas de América Latina, el Caribe, España y Por-
são muitas as pessoas com deficiência que, no Bra-
tugal; SciELO – Scientific Electronic Library Online;
sil, se encontram excluídas do mercado de trabalho,
Psicodoc – Base de Dados Bibliográfica de Psicologia;
assim como também de outras esferas sociais.
BVS-Psi Brasil, buscando estabelecer um diálogo com
Este artigo classifica-se como ensaio teórico, e por a comunidade científica que, nas últimas décadas,
meio dele objetiva-se apresentar a situação atual da tem igualmente se debruçado sobre essa temática.
temática “inclusão de pessoas com deficiência no tra- Este texto traz para o debate a reapresentação de
balho”, considerando os obstáculos vividos pela socie- uma pauta relevante para o desenvolvimento da Psico-
dade brasileira no enfrentamento dos desafios por se logia enquanto Ciência e Profissão no Brasil, indicando
ampliar as oportunidades de participação desse seg- a necessidade de uma reavaliação e, em alguns casos,
mento no mercado de trabalho, como também dis- talvez de uma reformulação, de diretrizes curriculares e
cutir sobre a atuação do POT nesta questão, ou seja, projetos pedagógicos de cursos de formação de psicó-
ao longo do texto defende-se a ideia de que este con- logos que, por ventura, ainda desconsideram a temática
texto representa um espaço importante para a atuação como digna de atenção e suficiente espaço, seja sob a
deste profissional, podendo ser ele um ator social com forma de disciplinas teóricas e estágios básicos ou pro-

800
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

fissionalizantes, ou sob a forma de projetos de pesquisa que permeiam essa relação. De acordo com Assunção,
e/ou extensão universitária. Essa defesa permitirá o Aranha (2001), Carvalho-Freitas e Oliveira (2015),
desenvolvimento, nos futuros psicólogos, de uma sen- Correr (2010) e Rocha (2000), para se compreender o
sibilidade crítica e compromisso com o tema, desde seu modo como a sociedade concebe as PcD, é necessário
processo formativo até seu exercício profissional. revisitar a história e analisar as premissas culturais de
Os apontamentos a seguir apresentados sinali- épocas distintas, de forma que seja possível compre-
zam, nesse sentido, para a necessidade de um olhar ender as concepções relacionadas às diferenças huma-
cuidadoso para os processos formativos de profissio- nas, as quais repercutem até os dias atuais nos mode-
nais que atuam na área de Gestão de Pessoas (uma los de atendimentos institucionais dirigidos a elas e,
área que exige atuação multiprofissional: adminis- principalmente, no que diz respeito à manutenção
tradores de empresa, advogados, economistas, assis- dos, ainda fortemente presentes, preconceitos e mitos
tentes sociais, médicos do trabalho, engenheiros de relacionados à condição de “anormalidade” – modo
produção, pedagogos etc.) nas organizações de tra- como muitos se referem à constituição física, mental
balho – em que também se inclui o POT, posto que o ou psicológica das pessoas com deficiência.
despreparo destes profissionais pode se apresentar Sinteticamente, Amiralian (1986), Aranha (2001)
como um dos obstáculos à inclusão de pessoas com e Figueira (2015) apontam que, na Idade Antiga e Idade
deficiência no mercado de trabalho. Média, as pessoas consideradas defeituosas eram literal-
A estrutura deste ensaio é pautada no seguinte mente eliminadas, pois aos olhos da sociedade elas não
percurso textual: primeiramente um olhar para a defi- possuíam qualquer utilidade para o trabalho, e, portanto,
ciência e suas formas de tratamento ao longo da histó- não poderiam contribuir para o desenvolvimento das
ria, com a finalidade de justificar os motivos pelos quais comunidades. Com o advento do cristianismo, começa
esta parcela da população ainda é alvo de preconceitos a se disseminar a ideia de que a deficiência era um cas-
e de tratamentos discriminatórios na sociedade atual; tigo decorrente dos pecados cometidos por seus geni-
em seguida, um olhar para o cenário atual da ques- tores ou consequência de uma possessão demoníaca;
tão “inclusão da pessoa com deficiência no trabalho”, o que, segundo Amiralian (1986), Dota (2015) e Figueira
de forma a dar visibilidade à pertinência da discussão; (2015), caracterizou-se como uma explicação metafísica
na sequência, realiza-se uma apresentação das vigen- e religiosa do fenômeno da diferença humana.
tes legislações, em especial a Lei de Cotas, e suas impli- Segundo os mesmos autores, nos séculos XVI e
cações sobre o tema da inclusão de pessoas com defi- XVII, em virtude das várias mudanças ocorridas nas for-
ciência no mercado de trabalho brasileiro, objetivando mas de produção e organização do trabalho, também se
promover uma compreensão sobre as motivações que verificaram importantes transformações no modo como
as organizações passaram a ter quando buscam con- a sociedade se relacionava com as pessoas com defici-
tratar este público; encaminhando o texto para seu ência – aspectos esses que fundamentaram a segrega-
desfecho, segue-se uma explanação sobre o POT, sua ção das mesmas em instituições asilares, cujo objetivo
identidade e desafios frente ao tema, identificando o era tratá-las e educá-las, definindo-se, neste período da
nexo relacional entre seu status científico-profissional história, o chamado “Paradigma da Institucionalização”.
e a questão “inclusão da pessoa com deficiência no tra- Nessa perspectiva, as pessoas eram afastadas do conví-
balho”; e, por último, nossas considerações finais pro- vio comum e dificilmente retornavam aos seus lares de
positivas, em que apresentamos algumas reflexões sob origem. Nas palavras de Marques (1998, p. 112), este pro-
a forma de desafios lançados ao processo formativo e cesso “só fez fortalecer ainda mais o estigma da inferio-
de exercício da profissão do psicólogo junto às pessoas ridade” das pessoas com deficiência, que passaram a ser
com deficiência nas organizações de trabalho. vistas como condenadas ao isolamento dos asilos, das
clínicas, dos educandários, ou seja, fadadas a uma mar-
A pessoa com deficiência e o trabalho: ginalizada institucionalização.
considerações sobre o cenário brasileiro Posteriormente, surge o “Paradigma de Serviços”,
A forma com que a sociedade tem se relacionado que representou um avanço comparado ao primeiro,
com as pessoas com deficiência (PcD) vem sofrendo pois buscou proporcionar às pessoas com deficiên-
transformações ao longo da história, principalmente cia uma vida mais próxima da normalidade (Aranha,
no que se refere ao conjunto dos saberes e práticas 2001). No entanto, o principal objeto de intervenção

801
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

pró-mudança era o indivíduo deficiente, ou seja, na comunidade, porém, a fim de que o processo de
ele deveria se adaptar à sociedade, seus contextos e inclusão ocorra satisfatoriamente, é necessário que
regras, a partir da busca pela normalização, estando a sociedade se ajuste para acolher o deficiente, ofe-
ainda embutida aí a crença de que a diferença é, por recendo-lhe suportes suficientes (social, econômico,
si só, negativa. físico e instrumental) para o acesso e a convivência no
Contudo, ao se conceber uma sociedade aces- espaço comum. Nesse sentido a inclusão passa a ser
sível a todos, seria necessária a mudança no foco da entendida como um processo interativo, bidirecio-
atenção, pois, até então, a pessoas com deficiência nal, em que se realizam intervenções junto ao indiví-
é que deveriam ajustar-se ao meio para acessar os duo, a título de qualificá-lo, e junto ao contexto social
bens e serviços disponíveis em uma dada cultura. (e organizacional), para torná-lo acessível, e assim
No momento atual a relação da sociedade com as pes- melhor viabilizar a participação de todos.
soas com deficiência está pautada (ou deveria estar) Por inclusão social, devemos entender a possi-
nos princípios do “Paradigma de Suportes”, que bus- bilidade da pessoa com deficiência – aliás, de todo
cou reconhecer a diversidade como parte da natureza cidadão – vivenciar uma efetiva participação na vida
humana e em função disso cabe à sociedade garantir o social, econômica, cultural e política dos contex-
direito das pessoas com deficiência para que tenham tos micro, meso e macro de sua inserção, tendo res-
acesso a todos os recursos disponíveis por intermé- peitados os seus direitos, independentemente de
dio de ações que favorecessem a sua participação nas sua classe social, raça, religião, sexo etc. (Camargo,
mais variadas instâncias (trabalho, saúde, educação, 2014). Contudo, segundo Carvalho-Freitas, Marques e
lazer, entre outras) (OEA, 1999). Tal movimento torna Almeida (2009) e Tanaka e Manzini (2005), uma ques-
clara a responsabilidade do meio social na provisão de tão que tem incitado divergências é o processo de par-
suportes físicos, psicológicos, sociais e instrumentais ticipação dessas pessoas no mercado de trabalho. Tal
para garantir a participação de quaisquer indivíduos, fato começou a ser considerado dentro das organiza-
deficientes ou não, na vida comunitária. Nessa dire- ções, principalmente a partir da aprovação de ações
ção, tal paradigma concretiza a ideia de intervenções afirmativas do Estado, sob a forma de leis, que tentam
individuais, mas em igual medida também na socie- assegurar esse direito – como a Lei de Cotas, da qual
dade sustentado o movimento da inclusão social. trataremos mais adiante.
Numa alusão histórica, Rocha (2000) relata Ao se falar em inclusão social, especialmente na
que, do ponto de vista da moral moderna, é possí- participação das pessoas com deficiência nos âmbitos
vel observar avanços, ainda que graduais, na forma organizacionais de trabalho, se faz importante compre-
como a sociedade vem lidando com o fenômeno da ender que as relações de trabalho na atualidade sofrem
deficiência. É perceptível ao longo da história que o profundas modificações, tanto no que tange à chegada
modo como a sociedade interpreta a deficiência e se cada vez mais acentuada de novas tecnologias, como
relaciona com as pessoas sob esta condição, passou também na busca constante de novas formas de pro-
por diversas alterações até chegar ao formato atual. dução. Diferentes maneiras de organização do traba-
Entretanto, o tema da inclusão social é ainda recente, lho se apresentam, acentuando a interdependência no
carente de atenção e da efetivação das políticas públi- trabalho e a valorização do trabalho coletivo (Borges,
cas que orientam mudanças contextuais. Com isso, & Yamamoto, 2004; Camargo, 2014; Correr, 2010). Nesse
até o presente momento, a temática da inclusão contexto atual, as pessoas precisam se adaptar aos
social – tida como complexa e polêmica – tem sus- novos processos de trabalho que, segundo Del Prette
citado diversas discussões entre os profissionais que e Del Prette (2008) e Puente-Palacios e Albuquerque
atuam na área da saúde, da educação e do trabalho. (2014), mais do que nunca, remetem diretamente às
relações interpessoais, com maior valorização do tra-
A PcD e o trabalho: considerações balho em equipe, da criatividade, da intuição e da auto-
sobre o cenário brasileiro nomia nas tomadas de decisões.
O termo “inclusão social”, conforme descrito O mundo do trabalho, cada vez mais exigente e
por Omote (2008), não desconsidera a necessidade competitivo, passou a valorizar, além das competên-
de capacitação das pessoas com deficiência para o cias técnicas dos trabalhadores, também suas com-
convívio social e o desempenho de diferentes papéis petências humanas, sobretudo aquelas relacionadas

802
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

às habilidades de interação. De acordo com Araújo e sada perspectiva assistencial (Camargo, 2014; Figueira,
Schmidt (2006) e Bernal (2010), a globalização impul- 2015). Os referidos autores argumentam que a baixa
siona a exigência cada vez maior por profissionais qualificação profissional é um dos principais pontos
mais capacitados, adaptáveis e ágeis, tanto no que se impeditivos para a contratação dessa parcela da popu-
refere à escolarização quanto à especialização profis- lação. Não obstante a este fato, constata-se também,
sional. Ainda segundo estes autores, um dos mais gra- segundo Carvalho-Freitas e Marques (2009), outro ele-
ves problemas que caracteriza o contexto de trabalho mento importante a ser considerado: o despreparo dos
na atualidade é o desemprego de uma grande parcela empregadores e de outros profissionais atuantes nas
da população que, consequentemente, acaba sendo organizações para receberem esse contingente popu-
excluída socialmente. Tal problemática decorre da lacional no ambiente de trabalho, em especial aqueles
enorme dificuldade dos países em desenvolvimento, relacionados à área de Gestão de Pessoas. Na mesma
dentre eles o Brasil, de tornar disponíveis para todos, perspectiva, entende-se que a cultura organizacional se
condições satisfatórias e equânimes de saúde, educa- configura como fator dificultador para a recepção nos
ção e assistência social. Essa dificuldade culmina com contextos de trabalho, uma vez as instâncias corporati-
a imposição de barreiras para que essas pessoas consi- vas coadunam com preceitos existentes na sociedade
gam ter acesso ao mercado de trabalho, promovendo em geral, em que a desinformação em relação às defi-
então a exclusão de segmentos populacionais diversos, ciências e preconceitos cristalizados ainda prevalecem.
em especial, das pessoas com deficiência. Entretanto, Em pesquisa que visou levantar dados em empre-
para Miranda (2006), o fato do indivíduo apresentar sas e instituições que atendem pessoas com deficiên-
qualquer espécie de dificuldade, seja ela intelectual, cia, Araújo e Schmidt (2006) relatam que ações têm
visual, auditiva ou de locomoção, não deveria se cons- sido colocadas em prática para promover a inclusão
tituir como um aspecto impeditivo para fazer parte do no mercado de trabalho e as eventuais dificuldades
processo produtivo, uma vez que deveriam ser garan- encontradas. Constataram que a falta de informação,
tidas a esse mesmo indivíduo condições para o desen- por parte das pessoas que atuam nas organizações,
volvimento do processo de cidadania. com relação às deficiências se constitui como um dos
Em consulta à literatura pertinente, constata-se aspectos que as fazem ressaltar apenas as dificuldades
que a elaboração de propostas voltadas a promover a apresentadas. No estudo, 20% das empresas investi-
participação desse segmento no mercado de trabalho gadas afirmaram contratar pessoas com deficiência
tem se constituído como uma prática dentro das orga- apenas para cumprirem a obrigatoriedade legal, sem
nizações a partir da vigência do Decreto nº 3.298/1999 de fato estarem comprometidas com o processo efe-
(BRASIL, 1999), que regulamenta a Lei nº 7.853, tivo de inclusão social; fato este corroborado nos estu-
de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política dos de Camargo (2014). Correr (2010), Hansel (2009),
Nacional para a Integração da Pessoa Deficiente e Vieira, Vieira e Francischetti (2015) e Violante e Leite
estabelece o compromisso do Estado com a formação (2011). Outra constatação importante diz respeito à
profissional da pessoa com deficiência, com sua qua- falta de escolarização e à baixa qualificação profissio-
lificação profissional e seu ingresso no mercado de nal que se constituem como grandes fatores impedi-
trabalho. Esse fato suscitou diversas reflexões e algu- tivos para a contratação deste público, uma vez que
mas pesquisas na área, a fim de constatar quais variá- a exigência educacional, para a maioria das empresas
veis tornam esse processo tão complicado e vagaroso participantes da pesquisa, era o ensino fundamental
para sua implantação. completo; estes achados apresentam-se igualmente
Bittencourt e Fonseca (2011), Dota (2015) e Tanaka nos trabalhos de Bittencourt e Fonseca (2011), Correr
e Manzini (2005), apontam que, no Brasil, a formação (2010), Dota (2015) e Nascimento e Miranda (2007).
profissional das pessoas com deficiência ainda é reali- Já a pesquisa realizada por Carvalho-Freitas
zada predominantemente por instituições de Educação (2009) buscou identificar a relação entre a concepção
Especial, as quais se utilizam de programas elaborados de deficiência, as práticas de adequação para a inser-
mais em função dos recursos materiais disponíveis (na ção da pessoa com deficiência nas empresas e as pes-
maioria das vezes parcos), em vez de demandas e exi- soas responsáveis por tal processo, e revelou que são
gências presentes atualmente nos contextos de traba- múltiplas as concepções de deficiência apresentadas
lho, além do que, algumas ainda atuam na já ultrapas- pelos indivíduos pesquisados. Outro ponto desta-

803
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

cado na pesquisa refere-se à priorização de modifica- Em termos nacionais, a legislação que busca garan-
ções nas condições físicas do ambiente de trabalho, tir o acesso das pessoas com deficiência ao mercado
em detrimento de ações de sensibilização e práticas de trabalho passou a vigorar há quase duas décadas,
de Gestão de Pessoas, que, de fato, promoveriam de com a aprovação de duas leis. A Lei n° 8.112 (BRASIL,
modo mais efetivo a participação plena destas no 1990), de 11 de dezembro de 1990, a qual dispõe sobre a
contexto organizacional de trabalho. reserva até 20% das vagas em concursos públicos para
Diante das considerações apresentadas, verifica-se pessoas que apresentam algum tipo de deficiência e
que são diversos os fatores que influenciam o modo a Lei n° 8.213 (BRASIL, 1991), de 24 de julho de 1991
como ocorre a inserção das pessoas com deficiência (conhecida como Lei de Cotas), que estabelece uma
no contexto de trabalho, indicando a necessidade de reserva de vagas nas empresas privadas com mais de
implantar ações que convirjam com a participação efe- 100 trabalhadores – variável entre 2% a 5% de acordo
tiva desse segmento populacional, o qual vem se reve- com número de trabalhadores da organização.
lando expressivo. De acordo com Censo Demográfico Na análise da legislação brasileira, constata-se
2010 – Resultados Gerais da Amostra – realizado pelo um investimento em ações que promovam a emprega-
Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE, 2010), bilidade das pessoas com deficiência, uma vez que os
o contingente de pessoas com alguma deficiência no documentos citados asseguram o seu acesso ao con-
Brasil era de 45,6 milhões, com comprometimento em texto laboral, nos âmbitos público e privado. A reserva
pelo menos uma das deficiências investigadas (visual, de vagas para esse segmento em ambos os setores tem
física, auditiva e intelectual), que em termos percentu- gerado amplas discussões, com argumentações tanto
ais representava 23,9% do total da população do país e favoráveis quanto desfavoráveis, o que evidencia a
desse montante 12,7 milhões de pessoas disseram ter complexidade do assunto. De um lado há a discussão
alguma deficiência severa. Na leitura deste documento demonstrando o quanto seria positivo proporcionar
observa-se que, mesmo com políticas funcionado o seu convívio em todas as esferas sociais para que o
como uma válvula impulsionadora para a abertura de preconceito sociocultural diminuísse, e de outro, há
vagas nas empresas, o número de pessoas com defici- o argumento de que as cotas seriam uma imposição
ência que ora está participando do mercado de trabalho legal, que traria ainda mais preconceito, principal-
ainda está muito aquém do planejado, pois ao se pensar mente no ambiente de trabalho, por se tratar de uma
em termos de empregabilidade tem-se que em relação medida privilegiável, garantindo assim uma parcela
ao total da população desocupada ou não economica- de vagas para o público mencionado (Correr, 2010;
mente ativa no país (75,6 milhões) as pessoas com defi- Vieira, Vieira, & Francischetti 2015).
ciência representam 31,3% dessa amostra. Por meio do Decreto nº 6.949 (BRASIL, 2009),
de 25 de agosto de 2009, o Brasil ratificou e promulgou
Ações afirmativas pró-inclusão: a a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pes-
Lei de Cotas inclui ou insere? soas com Deficiência, realizada em Nova Iorque em
Segundo a Declaração Universal dos Direitos do 2007. O texto traz uma mudança no conceito de defi-
Homem e do Cidadão, resultante da Assembleia Geral ciência, definição também adotada pelo Brasil em seu
das Nações Unidas de 1948, todo homem tem direito recente Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Bra-
ao trabalho, à livre escolha de emprego, às condições sileira de Inclusão – nº 13.146, de 6 de julho de 2015),
justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o dispondo, em seu artigo 2º, que pessoas com defici-
desemprego. Por seu turno, desde 1983, a Organiza- ência são aquelas que têm impedimentos de longo
ção Internacional do Trabalho (OIT) expressa uma prazo de natureza física, mental, intelectual ou sen-
preocupação em promover o acesso das pessoas com sorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
deficiência ao contexto de trabalho. Na Recomen- podem obstruir sua participação plena e efetiva na
dação n° 159/1983 dessa organização (OIT, 1983), sociedade em igualdade de condições com as demais
do qual o Brasil é signatário, há um item que declara pessoas (BRASIL, 2015). Tal definição é considerada
a necessidade de se eliminar toda e qualquer barreira um avanço, pois até recentemente órgãos governa-
ou obstáculo físico e de comunicação que possam vir mentais, como o Ministério do Trabalho e Emprego
a interferir no emprego, treinamento e circulação des- (BRASIL, 2007), focalizava essencialmente no indiví-
sas pessoas nos ambientes de trabalho. duo, conceituando a deficiência como uma limitação

804
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

física, mental, sensorial ou múltipla que incapacita ou ao campo laboral esteja assegurado, o caminho a
limita a pessoa que se encontra nessa condição para ser percorrido ainda é extenso, complexo e exige a
o exercício de atividades normais da vida. Em função compreensão de diversas variáveis que exercem
disso, o indivíduo apresenta dificuldades de se inse- influência nesse processo. Nesse sentido, podemos
rir nas mais variadas instâncias sociais, dentre elas as refletir sobre o fato de que, muito embora se busque,
organizações e instituições que se configurem como no Brasil, realizar a inclusão desse segmento no mer-
campos de atuação profissional. cado de trabalho, o que se tem ainda é um processo
Destarte, no Brasil, a preocupação em entender de inserção (Camargo, 2014), ou seja, um encami-
e reconhecer os direitos desse segmento, fixando nor- nhamento para que se promova a real participação
mas específicas é relativamente nova, ocorrendo prin- dessas pessoas nos contextos organizacionais. Isso
cipalmente após a promulgação da Constituição Fede- só parece ser possível de se experimentar em larga
ral de 1988. Não é de se estranhar, portanto, que as escala, quando as organizações de trabalho estive-
sociedades ainda atrelem às pessoas com deficiência rem aptas a promover, com base em seus processos
sentimentos de caridade e filantropia, não acreditando de mudança – sobretudo de cultura organizacional
nas suas possibilidades produtivas. Em complemen- – a permanência desses trabalhadores em seus pos-
taridade, Bahia (2006), Correr (2010), Figueira (2015) tos de trabalho, com reais possibilidades de partici-
e Toldrá, Marque e Brunello (2010) relatam que tanto pação, que garantam inclusive o desenvolvimento
a desinformação sobre as deficiências, como a inade- de carreiras e o assumir de postos de liderança e de
quação das condições arquitetônicas, de transporte gestão nas organizações (Camargo, 2014).
e de comunicação ainda persistem. Em detrimento Desconstruir a imagem do indivíduo deficiente
disso, pessoas capazes e produtivas acabam distantes como incapaz, improdutivo, lento, desprovido de
do convívio social e dos ambientes de trabalho. qualidades e oneroso, e criar o conceito de um indiví-
É possível verificar, então, que a discussão em duo capaz, produtivo, dotado de qualificação profis-
torno dessa temática tem ganhado destaque e reco- sional, é um trabalho árduo e lento, que deve ser com-
nhecimento e, nesse direcionamento, Assunção, preendido como um compromisso social de diversos
Carvalho-Freitas e Oliveira (2015), Miranda (2006) profissionais – incluindo-se aqui o POT – quando se
e Schmidt e Del-Masso (2014) consideram que a polí- pensa em promover condições mais igualitárias para
tica de cotas aprovada no Brasil se constituiu como o desenvolvimento humano e, consequentemente,
um grande avanço dentre as iniciativas nacionais, criar condições para que o contexto o aceite e o qua-
promovendo a empregabilidade das pessoas com lifique, favorecendo o estabelecimento de interações
deficiência. Entretanto, apesar da efetivação de polí- sociais entre pares não análogos, ou melhor, de pes-
ticas afirmativas, verifica-se que a inclusão desse soas com e sem deficiência.
público no mundo do trabalho ocorre a passos lentos,
evidenciado que é necessário adotar outras medidas Considerações sobre a identidade
para que as organizações sejam de fato inclusivas e o papel do POT diante do tema
(Correr, 2010; Vieira, Vieira, & Francischetti, 2015). “deficiência e trabalho”
Ainda assim, a pesquisa realizada por Araújo e As adequações necessárias a serem realizadas,
Schmidt (2006) aponta que grande parte das empre- visando promover de fato a participação de pessoas
sas participantes não consegue cumprir a Lei de com deficiência no mercado de trabalho e, portanto,
Cotas, apesar de revelarem que a contratação se dê nas organizações de trabalho, ainda são muitas e com-
prioritariamente em decorrência do atendimento ao plexas, o que sugere uma demanda maior de tempo
disposto na referida lei, mostrando-se como algo que para que ocorram em sua totalidade. Muitos aspectos
ainda necessite de grande reflexão e reorganização dos contextos de trabalho precisam ser adequados
das ações para seu estabelecimento. (clima organizacional, cultura organizacional, barrei-
Em uma análise geral, identifica-se que a Lei de ras arquitetônicas, instrumentais e comportamentais,
Cotas busca promover a participação das pessoas metodologias de gestão e avaliação do desempenho
com deficiência no mercado de trabalho. Seu texto, humano no trabalho, formas de se recrutar, selecionar,
contudo, deixa de descrever ações que viabilizem a treinar etc.), e a maioria das organizações vem encon-
sua permanência. Mesmo que seu direito de acesso trando diversas dificuldades ao iniciarem esse processo

805
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

(Camargo, 2014; Dota, 2015; Schimidt, & Del-Masso, mercado de trabalho, além de contribuir para
2014; Vieira, Vieira, & Francischetti, 2015). uma sociedade mais inclusiva, bem como sobre
Segundo Araújo e Schmidt (2006) e Dota (2015), as potencialidades das pessoas com deficiência,
as instituições especializadas no atendimento às PcD singulares a cada sujeito e que podem agregar
e as próprias empresas ainda encontram muitas difi- valores à instituição, pelo próprio convívio com a
culdades em estabelecer um diálogo produtivo que diversidade (p. 360).
realmente viabilize a inclusão de PcD no mercado
de trabalho. Por um lado, empresas apontam a baixa Mas, seria mesmo esse o papel do POT ou um de
escolaridade, a falta de qualificação e a pouca quanti- seus papéis? Tal responsabilidade pode mesmo ser
dade de pessoas disponíveis para a ocupação dos pos- entendida como pertinente ao escopo de suas atribui-
tos exigidos pela Lei de Cotas (Dota, 2015; Schimidt, ções, possuindo nexo relacional com sua identidade
& Del-Masso, 2014). Por outro, instituições voltadas científico-profissional? Senão vejamos.
para o atendimento das pessoas com deficiência Há um documento do Conselho Federal de Psi-
reclamam da falta de tolerância, solidariedade, paci- cologia (CFP), intitulado “Atribuições Profissionais
ência e preparo por parte dos profissionais atuantes do Psicólogo no Brasil” em que, sobre a atuação mais
nas organizações. generalista do psicólogo, se lê: “o Psicólogo, dentro de
A princípio, como mostrado em pesquisas (Bahia, suas especificidades profissionais, atua no âmbito da
2006; Carvalho-Freitas, 2007; 2009; Correr 2010; Dota educação, saúde, lazer, trabalho, segurança, justiça,
2015; Simas, Souto, & Carvalho-Freitas, 2014; Violante, comunidades e comunicação com o objetivo de pro-
& Leite, 2011), muitas empresas apenas passaram a mover, em seu trabalho, o respeito à dignidade e inte-
contratar pessoas com deficiência devido à legisla- gridade do ser humano” (CFP, 1992, p. 1, grifo nosso).
ção de cotas vigente, objetivando a evitação de multas Neste mesmo documento o CFP, define as atribuições
ou outras formas de punição, sem buscar, portanto, do POT ao longo de 20 pontos (que obviamente não
compreender as reais possibilidades, potencialidades poderemos aqui reproduzir integralmente) e de forma
e dificuldades apresentadas por esses sujeitos, e como preambular afirma que este profissional:
elas poderiam contribuir para o desenvolvimento de
seu empreendimento; o que tem, em síntese, culmi- atua individualmente ou em equipe multipro-
nado em práticas de inserção e não da sua real parti- fissional, onde quer que se deem as relações de
cipação, como afirma Camargo (2014). trabalho nas organizações sociais formais ou
Em particular, na pesquisa realizada com profis- informais, visando a aplicação do conhecimento
sionais de recursos humanos, Violante e Leite (2011) da Psicologia para a compreensão, intervenção
relatam que cabe ao psicólogo inserido nos contextos e desenvolvimento das relações e dos processos
organizacionais e de trabalho auxiliar na desconstru- intra e interpessoais, intra e intergrupais e suas
ção de uma imagem negativa comumente veiculada do articulações com as dimensões política, econô-
indivíduo deficiente. Contudo, os autores reconhecem mica, social e cultural (CFP, 1992, p. 3).
que esse é um processo custoso e lento, a ser empre-
endido “[...] como um compromisso social de diversas Gostaríamos de poder parar aqui e dizer que
áreas, quando se pensa em promover condições mais somente a interpretação crítica destes dois excertos
igualitárias para o desenvolvimento humano e conse- seria suficiente para afirmar que, estando um POT
quentemente criar condições para que o contexto o presente na organização de trabalho, passa a ser, por
qualifique” (p. 75); tal posição é corroborada por Vieira, óbvio, sua responsabilidade atuar em prol da inclusão
Vieira e Francischetti (2015) ao afirmarem: de pessoas com deficiência, com vistas a garantir con-
dições para a sua empregabilidade; não obstante ao
no contexto empresarial, o psicólogo pode fato de atuar, possivelmente, em equipe multiprofis-
atuar nos setores de recursos humanos, desde sional e de forma interdisciplinar. Mas é possível veri-
a sensibilização dos gerentes para a importân- ficar ainda, de forma complementar, e para enriquecer
cia da contratação de pessoas com deficiência, a aqui iniciada discussão, que, como representante de
que apresentem potencial para o compromisso uma especialidade da Psicologia – a Psicologia Organi-
social, o que reflete em uma imagem positiva no zacional e do Trabalho – cuja tarefa central ou missão

806
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

pode ser sintetizada em “[...] explorar, analisar e com- a serem realizadas e levando em consideração todos
preender como interagem as múltiplas dimensões que os trabalhadores; planejar e executar ações educativas
caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das orga- e de sensibilização, sobretudo com profissionais que
nizações [...]” com a “[...] finalidade de construir estra- atuam como gestores e/ou responsáveis por setores ou
tégias e procedimentos que possam promover, preser- pela organização; elaborar estratégias de diagnósticos
var e restabelecer a qualidade de vida e o bem-estar das contínuos referentes à relação entre essas pessoas e
pessoas” (Zanelli, & Bastos, 2004, p. 490), o POT não as atividades profissionais, visando identificar e atuar
pode se furtar à inerente obrigação de ser o agente de sobre dificuldades e necessidades de aprimoramentos;
planejamento e execução das ações que, nos contextos atuar como mediador entre os trabalhadores para o
de sua atuação, implicariam na promoção da inclusão convívio com as diferenças, lembrando que todos têm
das pessoas com deficiência. Isso posto, para além da direito a participar do mundo do trabalho; entre outras
obrigatoriedade da ação afirmativa – Lei de Cotas, este ações. É igualmente interessante que esse profissional
profissional deve reconhecer a importância do traba- busque instrumentos que possibilitem o acompanha-
lho para a vida e desenvolvimento de qualquer pessoa, mento e avaliação crítica e contínua das intervenções
além de contribuir para o desenvolvimento social, polí- colocadas em prática para que, dessa forma, melho-
tico e econômico da sociedade. rias possam ser constantemente alcançadas em bene-
Suas ações devem auxiliar nos processos de ela- fício de todos os trabalhadores, independentemente
boração de intervenções, sobretudo diagnósticas e de terem ou não alguma deficiência.
educativas, que viabilizem o acesso e a permanência Sabe-se que tais medidas são complexas e exi-
das pessoas com deficiência nos contextos laborais. gem esforços para sua efetivação, sobretudo, conside-
Dessa maneira, a atuação do POT deve coadunar rando-se a relação atual do capital com o trabalho, em
com a eliminação das barreiras na esfera organiza- que o objetivo maior é a produção com baixo custo e
cional, promovendo ações de acessibilidade nos seus a busca quase insana pela produtividade desejada e
mais diferentes âmbitos: comunicacional (meios e vantagens econômicas.
formas diferenciadas de comunicação entre as pes- A título de exemplo no que se refere ao processo
soas), metodológico (métodos e/ou estratégias dife- de sensibilização dos gestores e demais trabalhado-
rentes que visem a apropriação de conhecimentos), res, é oportuno que tal ação ocorra antes do ingresso
instrumental (oferta de equipamentos, instrumentos, da pessoa com deficiência, uma vez que se caracteriza
ferramentas, utensílios em atendimento a condições como uma oportunidade de aquisição de novos conhe-
diversas), programática (promulgação e efetivação de cimentos com relação aos conceitos, aos aspectos
políticas públicas, legislações, normas que orientem e legais, sociais e individuais, se configurando como um
garantam a participação de todos nas diversas instân- espaço de discussão crítica sobre a temática no desve-
cias) e atitudinal (supressão de preconceitos, estereó- lamento de preconceitos infundados. Tal medida favo-
tipos, estigmas e discriminações nos comportamen- rece a conscientização do coletivo organizacional sobre
tos da sociedade para pessoas que têm deficiência), as potencialidades, competências e habilidades da pes-
definidas por Sassaki (2009). Em especial, o POT, pela soa com deficiência, incidindo no fato de que auxilia
sua formação, deve sensibilizar e capacitar o público os demais trabalhadores a não enfatizar os prejuízos
interno das organizações de trabalho (trabalhadores decorrentes das limitações do indivíduo deficiente, mas
de um modo geral, gestores, terceiros etc.) no trato sim em promover ajustes que possam minimizá-los.
profissional com essas pessoas, desvelando pecu- Ações dessa natureza mostram-se necessárias,
liaridades e mitos sobre determinadas deficiências. pois o modo como os empregadores irão interpretar a
As práticas iniciais também pressupõe: a análise das deficiência determinará o foco da sua atenção em rela-
atividades a serem desempenhas pelas pessoas com ção às tarefas de trabalho que vão ser direcionadas a
deficiência, considerando as condições de acessibili- esses sujeitos. Contudo, ainda se observam descréditos
dade postas; a função/cargo a ser ocupado; análise das em relação a real capacidade desse segmento para o
especificidades da condição laboral a ser ofertada em trabalho e, em consequência, as funções que as pessoas
detrimento dos prejuízos impostos pela deficiência; com deficiência têm ocupado são aquelas de natureza
capacitação profissional; elaborar a reestruturação e mais simples, muitas vezes sem grande contato com
enriquecimento de cargos considerando as atividades público e que exigem pouca qualificação profissional.

807
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

Isso ocorre, em grande parte, em função do foco do térios mais adequados para a contratação e requisitos
empregador dirigir-se para os prejuízos/dificulda- necessários para o exercício das funções e a adoção
des visíveis. Nessa direção, lhes são ofertadas funções de programas de contratação, definindo atribuições e
supostamente compatíveis com a deficiência apresen- treinando ao profissional para que ele seja produtivo.
tada. Esse raciocínio é corroborado por Correr (2010) Também algumas oficinas e cursos de capacitação,
e Omote (1996) quando afirmam que a sociedade, existentes nos centros de reabilitação profissional,
ao conceber as dificuldades desse segmento como têm como objetivo a simulação do ambiente real de
advindas de suas limitações orgânicas, adota medi- trabalho, proporcionando condições para aquisição
das para inseri-las no mercado de trabalho baseadas de conhecimentos e desenvolvimento de comporta-
na natureza da deficiência e não nas potencialidades mentos que irão favorecer o ingresso no mercado de
presentes ou passíveis de serem desenvolvidas, favo- trabalho. Além disso, segundo Dota (2015), a própria
recendo com que a culpa de qualquer insucesso que organização pode oferecer a capacitação por intermé-
possa vir a ocorrer com essa população no ambiente dio de convênios com programas dessa natureza dis-
de trabalho acabe sempre recaindo sobre o indivíduo, poníveis e/ou assessorias ou mesmo programar pro-
e não nas condições que foram disponibilizadas a ele. jetos de treinamento da pessoa com deficiência para
O trabalho então se torna alienado e desmoti- exercício da função dentro da própria organização.
vador, a partir do momento em que não permite ao Dota (2015), Schmidt e Del-Masso (2014) e Tanaka
homem se ver como força produtiva importante para e Manzini (2005), e ainda apresentaram em seus estu-
as relações do trabalho, podendo acarretar em insatis- dos o papel importante das instituições especiais den-
fação e baixo comprometimento profissional. tro desse processo, tendo em vista que muitas delas
A relevância do papel do POT nas organizações, mantêm setores que se propõem a qualificar esses
com a função de orientar o coletivo organizacional, sujeitos para encaminhá-las ao mercado de trabalho.
é validada a partir de estudos sobre Gestão de Pes- Para isso, há que se pensar que elas precisariam man-
soas e comportamento organizacional que indicam ter contato permanente com as organizações, conhe-
principalmente três dificuldades para inserir e gerir cer quais são suas reais necessidades e, então, oferecer
o trabalho dessas pessoas, quais sejam: as formas cursos de qualificação compatíveis com as necessi-
como os gestores veem a deficiência, a adequação dades do mercado de trabalho sem, contudo, retirar
das condições e práticas de trabalho por parte das a responsabilidade das organizações nesse processo.
organizações e a necessidade de avaliar a satisfação Sendo assim, canais abertos entre as organizações e
das pessoas com deficiência inseridas no mercado com essas instituições que trabalham preparando-as
(Assunção, Carvalho-Freitas, & Oliveira, 2015; Carva- para o mercado de trabalho, configura-se como uma
lho-Freitas, Marques, & Almeida, 2009; Vieira, Vieira, intervenção importante e necessária que poderia ser
& Francischetti, 2015;). coordenada pelo POT.
Tais aspectos podem ser desmembrados, gerando Cabe ainda ao POT se atentar aos fatores externos
diversos outros pontos de dificuldade, como a adequa- da vida cotidiana das pessoas com deficiência, uma
ção das formas de trabalho, que inclui desde práticas vez que influenciam sobremaneira sua participação
da função em si até adequações nas práticas relacio- no mercado de trabalho, quais sejam: transporte não
nadas à Gestão de Pessoas, como por exemplo, estra- adaptado; falta de oportunidades de aperfeiçoamento
tégias adequadas de recrutamento e seleção, progra- educacional e/ou profissional; pouca oferta de ser-
mas de gestão e avaliação de desempenho, programas viços especializados de educação e saúde, além de
de treinamento, desenvolvimento e educação para o barreiras sociais causadas pelo desconhecimento das
trabalho (TD&E), ações contínuas de levantamento deficiências e doenças por parte da população em
de demandas e necessidades, favorecimento de espa- geral, o que gera mitos, preconceitos e rejeição.
ços de discussão e diálogo franco com a participação No âmbito da equipe multiprofissional responsável
de pessoas com e sem deficiência, entre outros. pelas políticas e práticas de Gestão de Pessoas nas orga-
Com relação a essa questão, segundo o Instituto nizações de trabalho, o POT tem (ou deveria ter) papel
Ethos (2009), existem alternativas que podem auxiliar de destaque, posto que – como veremos a seguir – essa
na implantação de medidas inclusivas, como a iden- equipe nem sempre está preparada para atender e acom-
tificação das funções ocupacionais existentes, dos cri- panhar as demandas atuais do mundo do trabalho, limi-

808
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

tando-se, em muitos casos, a ações meramente adminis- Considerações finais


trativas, trabalhistas e legalistas (Camargo, 2014). Ao longo deste ensaio, dissertamos sobre a pes-
A título de exemplificação tem-se o estudo de soa com deficiência e suas formas de tratamento na
Violante e Leite (2011), que realizaram uma pesquisa história, com a finalidade de justificar os motivos
com trabalhadores do setor de recursos humanos de pelos quais esta parcela da população ainda tem sido
empresas de médio e grande porte de um município do alvo de preconceitos e de tratamentos discriminató-
oeste paulista, com a finalidade de examinar a empre- rios na sociedade. Além disso, apresentamos pano-
gabilidade das pessoas com deficiência, e constataram, ramicamente o cenário atual da inclusão da pessoa
no relato dos entrevistados, considerações interessantes: com deficiência no trabalho, em especial, destacando
a) apesar da tentativa dos entrevistados de contextuali- as mudanças ocorridas no Brasil após a promulgação
zarem a deficiência enquanto visível em determinados da Lei de Cotas, 1991, com o objetivo de demonstrar
ambientes de trabalho, na execução de determinadas as motivações que as organizações passaram a ter
atividades, ainda a concebem como limitada, incapaz quando buscam contratar este público. Em seguida,
de realizar determinadas atividades; b) o foco da defici- abordamos aspectos da identidade do psicólogo, em
ência ainda recai sobre o sujeito que a apresenta, pouco especial do POT, e aspectos relativos a seu processo
se atentando para adequações do espaço, no sentido formativo e de exercício profissional, de forma que,
de minimizar as limitações decorrentes da deficiên- assim, se presentificasse no texto as condições e for-
cia; c) percebem ser necessário atenção diferenciada, mas de atuação deste profissional frente ao tema
porém, os discursos denotam que os investimentos “inclusão da pessoa com deficiência no trabalho”.
deveriam ser de ordem pessoal e não no contexto, refor- Neste momento, e encaminhando nosso ensaio
çando ainda que o sujeito é diferente e em função disso para o final, apresentamos nossas considerações pro-
necessita se adaptar; d) concebem o ambiente labo- positivas, contendo algumas reflexões sob a forma de
ral com uma possível dificuldade para a inserção das desafios lançados ao processo formativo e de exercício
PcD. Em estudo que objetivou avaliar os efeitos de uma da profissão do psicólogo junto às pessoas com defi-
intervenção que visou a reflexão crítica sobre a temática ciência nas organizações de trabalho, posto que con-
inclusão da pessoa com deficiência no universo do tra- sideramos ser, seu ainda tímido envolvimento com a
balho, realizado com funcionários e gestores de uma ins- temática, um dos obstáculos presentes no contexto.
tituição de ensino superior por Vilela e Leite (2017), foi As pesquisas acessadas por meio da revisão de
possível identificar, pela aplicação do Inventário de Con- literatura que fundamentou nossas reflexões, evi-
cepções sobre Deficiência (Carvalho-Freitas, 2007), que denciam o fato de que as pessoas com deficiência se
os participantes, após terem frequentado o curso, mani- deparam com inúmeras barreiras nos contextos de
festaram concepções mais favoráveis à participação da trabalho, pois ainda se faz presente na cultura brasi-
pessoa com deficiência no trabalho. Isso vem reforçar leira, com reflexos nas culturas organizacionais, uma
que o profissional da área de Psicologia pode, em muito, série de preconceitos que, somados ao despreparo
atuar como facilitador para que a pessoa com deficiên- das organizações e de seus gestores, acentuam as difi-
cia possa participar no universo do trabalho, uma vez culdades de permanência no trabalho.
que é habilitado para atuar com grupos interventivos e Como a ação afirmativa do Estado – Lei de Cotas –
preparado para discutir assuntos e situações passíveis de não garante a permanência das pessoas com deficiên-
preconceitos e de atitudes discriminatórias dirigidas a cia nos contextos de trabalho, somente sua contratação,
grupos desfavorecidos e excluídos socialmente de forma as organizações precisam se adaptar para mantê-las e
crítica e fundamentada. Nessa direção, destaca-se a atu- este tem sido um ponto frágil na relação, sinalizando
ação da Universidade, que assume importante papel na para a complexidade do contexto, assim constituído
disseminação das produções acadêmicas, alavancando até o momento: as organizações de trabalho con-
o conhecimento científico e disponibilizando-o para o tratam pessoas com deficiência para atender as exi-
favorecimento de práticas sociais mais assertivas, como gências da legislação e evitar as ações punitivas dela
no caso do trato à pessoa com deficiência e temas corre- decorrentes, mas não necessariamente compreen-
lacionados, enquanto um espaço formador de conheci- deram ou implementaram programas de integração
mentos específicos e opinião crítica (Camargo, Goulart social dessa população em suas estruturas, permi-
Junior, Cardoso, & Feijó, 2015). tindo ainda, ou não enfrentando eficazmente, a exis-

809
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

tência de barreiras arquitetônicas e atitudinais que Contudo, para que a inclusão não se restrinja
dificultam a inclusão, ou seja, como refletido neste à oportunidade de acesso, ou seja, para que não se
ensaio, vivemos ainda um momento em que se tem resuma à simples inserção, são necessárias mudan-
praticado a “inserção” e não a “inclusão” das pessoas ças estruturais nas relações de trabalho, sem as quais
com deficiência no mercado de trabalho brasileiro. a aplicabilidade das medidas previstas teria apenas
O despreparo das organizações, e de seus res- efeito paliativo. Ressalta-se aqui a necessidade cada
pectivos gestores, para o efetivo enfrentamento dos vez maior do desenvolvimento de pesquisas voltadas
processos demandados para a realização, de fato, da à compreensão e análise da nova realidade profissio-
inclusão de pessoas com deficiência no trabalho, aqui nal no interior das organizações de trabalho, tanto na
apontado, pode ser minimizado pela atuação do POT avaliação e questionamento das práticas existentes
neste contexto. quanto para aventar e inventar novas possibilidades.
As possibilidades de atuação do POT para a pro- Para tanto, algumas práticas em Psicologia Orga-
moção da inclusão das pessoas com deficiência são nizacional e do Trabalho e Gestão de Pessoas são pos-
inúmeras, incluindo desde intervenções com o cole- síveis, por exemplo, ao realizar a análise dos cargos e
tivo organizacional, ações diretas com os que atuam funções da organização, adequar as atividades e os
no ambiente de trabalho, ações externas junto a outras cargos às mais diversas pessoas que podem ocupá-los;
instituições formadoras, e com a comunidade em geral, adequar o processo de recrutamento e seleção, para
desde que seu exercício profissional se volte para desen- possibilitar a participação de todos que se interessa-
volver pessoas com vistas a favorecer seu pleno exercício rem; e, principalmente, trabalhar a sensibilização e
da cidadania. Assim, para a ampla e adequada atuação conscientização do coletivo organizacional no aco-
dos psicólogos nesses contextos, faz-se necessário que lhimento de qualquer trabalhador, incluindo aquele
haja também uma formação teórica, científica e ética que apresenta diferenças físicas, sensoriais e/ou com-
sólidas por parte dos mesmos, participando e fomen- portamentais. Recentemente, o CFP, por meio de Ofí-
tando ativamente o debate de ideias, favorecendo res- cio Circular nº 0047-13/RT-CFP, de 19 de fevereiro de
postas de segmentos variados que promovam a inclu- 2013, endereçado a todos os coordenadores de cursos
são social de demandas populacionais marginalizadas. de Psicologia em nível de graduação e pós-gradua-
Neste sentido, é preciso destacar a existência da Porta- ção, emitiu a Nota Técnica “Construção, adaptação
ria nº 1.793, de 28 de dezembro de 1994 (BRASIL, 1994), e validação de instrumentos para pessoas com defi-
do Ministério da Educação e do Desporto, que dispõe ciência”, com o objetivo de orientar os profissionais
sobre a necessidade de complementar os currículos de de Psicologia que realizam avaliação psicológica para
formação de docentes e outros profissionais que intera- esse público, sobretudo no que se refere à utilização
gem com pessoas com deficiência. de testes psicológicos (CFP, 2013). O documento visa
Sabe-se das dificuldades e limitações que o psi- orientar a construção, adaptação e validação de ins-
cólogo terá para atuar na direção anteriormente des- trumentos para pessoas com deficiência.
crita, sobretudo porque, na maioria das organizações Sabe-se, entretanto, que cada organização tem
de trabalho na atualidade, os valores econômicos se suas particularidades e sua identidade própria e, sendo
sobrepõem aos valores humanos. No entanto, o POT, assim, há que se tentar várias estratégias que favo-
mediante ações estratégicas e juntamente com uma reçam a participação da pessoa com deficiência no
equipe multidisciplinar, pode propor intervenções contexto organizacional. Sugere-se que o POT, a partir
que venham ao encontro do atendimento dos interes- de uma sólida formação, possa fazer uma leitura ade-
ses, tanto das organizações, como dos trabalhadores, quada do contexto organizacional em que está inse-
nas quais ambos possam sair favorecidos. rido, identificando aspectos fundamentais, sobretudo
Nesse sentido, entende-se que a Lei de Cotas, da cultura organizacional predominante, que influen-
atrelada a outras recomendações normativas, se con- ciam na forma como as pessoas se comportam dentro
figura ainda como necessária para o desenvolvimento dos contextos de trabalho. Dessa maneira, sua atuação
inicial de práticas inclusivas, pois promove a garantia deve partir de um diagnóstico amplo e crítico, capaz de
da oportunidade de indivíduos, considerados incapa- identificar quais as melhores estratégias para se iniciar
zes e por longos anos segregados do convívio comum, ou consolidar as ações a serem implantadas nos seus
se inserirem no mercado de trabalho. postos de trabalho e na organização como um todo.

810
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

Referindo-se à formação dos psicólogos, ela pre- participação da sociedade como um todo, pois é nela
cisa garantir que esses profissionais desenvolvam o que as mudanças são realmente efetivadas e o POT
domínio dos conhecimentos psicológicos necessários muito tem a contribuir.
para o seu trabalho, sempre pautado no compromisso Estamos, ainda, engatinhando quando se trata de
técnico, científico e ético. Faz-se importante também ações e políticas de inclusão que garantam a partici-
que esses profissionais desenvolvam competências pação das pessoas com deficiência no mundo do tra-
que favoreçam um desempenho profissional de quali- balho e, principalmente, na identificação de práticas
dade, sempre em direção ao bem-estar, saúde e quali- de Gestão de Pessoas que venham favorecer esse pro-
dade de vida das pessoas com as quais interagem pro- cesso, e sendo assim, esse texto encontra-se distante
fissionalmente e, nesse contexto, práticas que visem a de esgotar o assunto. Entretanto, entende-se que ele
participação de pessoas com deficiência no trabalho possa trazer contribuições na direção de fomentar
precisam ganhar destaque na atualidade. a reflexão dos profissionais da Psicologia, em espe-
Pelo acima exposto, depreende-se que a concre- cial da Psicologia Organizacional e do Trabalho, e de
tização de políticas públicas na área da inclusão das outros que atuam com Gestão de Pessoas, para que o
pessoas com deficiência é tarefa árdua que envolve a universo das organizações seja de fato inclusivo.

Referências

Amiralian, M. L. T. M. (1986). Psicologia do excepcional (Coleção Temas Básicos de Psicologia, v. 8). São Paulo, SP: EPU.
Aranha, M. S. F. (2001). Paradigma da relação da sociedade com as PcD. Revista do Ministério Público do Trabalho,
11(21), 160-173. Recuperado de http://www.adiron.com.br/arquivos/paradigmas.pdf
Araújo, J. P., & Schmidt, A. (2006). A inclusão de pessoas com necessidades especiais no trabalho: a visão de empre-
sas e de instituições educacionais especiais na cidade de Curitiba. Revista Brasileira de Educação Especial,
12(2), 241-254. https://doi.org/10.1590/S1413-65382006000200007
Assunção, R. V., Carvalho-Freitas, M. N., & Oliveira, M. S. (2015). Satisfação no trabalho e oportunidades de
desenvolvimento da carreira entre profissionais com deficiência. Revista Psicologia Organizações e Trabalho,
15(4), 340-351. https://doi.org/10.17652/rpot/2015.4.556
Bahia, M. S. (2006). Responsabilidade social e diversidade nas organizações: contratando pessoas com deficiência.
Rio de Janeiro, RJ: Qualitymark.
Bernal, A. O. (2010). Psicologia do trabalho: como enfrentar o assédio psicológico e o estresse no trabalho. Porto Alegre,
RS: Artmed.
Bittencourt, Z. Z. L. C., & Fonseca, A. M. R. (2011). Percepções de pessoas com baixa visão sobre seu retorno ao mer-
cado de trabalho. Paidéia (Ribeirão Preto), 21(49), 187-195.https://doi.org/10.1590/S0103-863X2011000200006
Borges, L. O., & Yamamoto, O. H. (2004). O mundo do trabalho. In J. C. Zanelli, J. C. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos
(Orgs.). Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 24-62). Porto Alegre, RS: Artmed.
Brasil. (1999, 21 dez.). Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 7.853 de 24 de outubro
de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as
normas de proteção e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasil. (2009, 26 ago.). Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de
2007. Diário Oficial da União.
Brasil. (1990, 19 abr.). Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores
Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União.
Brasil. (1991, 25 jul.). Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência
Social e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasil. (2015, 7 jul.). Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Defici-
ência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União.

811
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

Brasil. (2007). Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão das PcD no mercado de trabalho (2a ed.). Brasília, DF:
o autor. Recuperado de http://www.acessibilidade.org.br/cartilha_trabalho.pdf
Brasil. (1994, 28 dez.). Portaria nº 1.793, de 28 de dezembro de 1994. Dispõe sobre a necessidade de complementar
os currículos de formação de docentes e outros profissionais que interagem com portadores de necessidades
especiais e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Camargo, M. L. (2014). O papel da psicologia organizacional e do trabalho no enfrentamento dos desafios à inclu-
são de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Mimesis – Ciências Humanas, 35(2), 201-222. Recupe-
rado de http://www.usc.br/biblioteca/mimesis/mimesis_v35_n2_2014_art_03.pdf
Camargo, M. L., Goulart Júnior, E., Cardoso, H. F., & Feijó, M. R. (2015). Projeto de extensão “Pessoas com Deficiência
e Mercado de Trabalho - desafios à inclusão”: desvelando distâncias entre os discursos e as práticas. Revista Raízes
e Rumos, 3(1), 79-92. Recuperado de http://www.seer.unirio.br/index.php/raizeserumos/article/view/5109/4605
Carvalho-Freitas, M. N. (2007). A inserção de PcD em empresas brasileiras – um estudo sobre as relações entre con-
cepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho (Tese de doutorado). Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Carvalho-Freitas, M. N. (2009). Inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência: um estudo de caso.
Revista de Administração Contemporânea, 13(spe), 121-138. https://doi.org/10.1590/S1415-65552009000500009
Carvalho-Freitas,M.N.,&Marques,A.L.(2009).Pessoascomdeficiênciaetrabalho:percepçãodegerentesepós-graduandos
em Administração. Psicologia: Ciência e Profissão, 29(2), 244-257. https://doi.org/10.1590/S1414-98932009000200004
Carvalho-Freitas, M. N., Marques, A. L., & Almeida, L. A. D. (2009). Pessoas com Deficiência: comprometimento
organizacional, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. Gerais: Revista Interinstitucional de Psi-
cologia, 2(2), 92-105. Recuperado de http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/incluir/artigo_6.pdf
Conselho Federal de Psicologia – CFP. (1992). Atribuições profissionais do Psicólogo no Brasil: contribuição do Con-
selho Federal de Psicologia ao Ministério do Trabalho para integrar o catálogo brasileiro de ocupações. Brasília, DF:
o autor. Recuperado de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/atr_prof_psicologo.pdf
Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2013). Nota técnica: Construção, adaptação e validação de instrumentos para
PcD. Brasília, DF: o autor. Recuperado de http://site.cfp.org.br/documentos/nota-tecnica-construcao-adapta-
cao-e-validacao-de-instrumentos-para-pessoas-com-deficiencia/
Correr, R. (2010). Representações compartilhadas sobre emprego e deficiência. Curitiba, PR: CRV.
Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2008). Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo
(7a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.
Dota, F. P. (2015). Inclusão da pessoa com deficiência intelectual no mercado de trabalho: avaliação de um programa
de capacitação profissional (Dissertação de mestrado). Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, SP.
Figueira, E. (2015). Psicologia e inclusão: atuações psicológicas em pessoas com deficiência. Rio de Janeiro, RJ: Wak.
Hansel, T. D. (2009). A empregabilidade de pessoas com deficiências: possibilidades e limitações (Monografia de Con-
clusão de Curso). Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Cuiabá, MT.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. (2010). Censo 2010. Recuperado de http://censo2010.ibge.gov.br/.
Instituto Ethos (2009). Manual de incorporação dos critérios essenciais de responsabilidade social empresarial. São
Paulo, SP: o autor.
Marques, C. A. (1998). Implicações políticas da institucionalização da deficiência. Educação & Sociedade, 19(62),
105-122. https://doi.org/10.1590/S0101-73301998000100006
Miranda, T. G. (2006). Trabalho e deficiência: velhos desafios novos caminhos. In E. J. Manzini (Org.), Inclusão e
acessibilidade (pp. 159-170). Marília: ABPEE.
Nascimento, E. S., & Miranda, T. G. (2007). O trabalho e a profissionalização das pessoas com deficiência. Revista
Faced, 12, 169-184. Recuperado de http://www.portalseer.ufba.br/index.php/entreideias/article/view/2761/1949
Organização dos Estados Americanos – OEA. (1999). Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Con-
venção Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência. Recuperado de http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf

812
Camargo, M. L.; Goulart Júnior, E.; Leite, L. P. (2017). Psicologia, Deficiência e Inclusão no Trabalho.

Organização Internacional do Trabalho – OIT. (1983). C159 - Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Defi-
cientes. Recuperado ede http://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_236165/lang--pt/index.htm
Omote, S. (1996). Deficiência e não-deficiência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de Educação Espe-
cial, 2(1), 65-73. Recuperado de http://www.abpee.net/homepageabpee04_06/artigos_em_pdf/revista2nume-
ro1pdf/r2_art06.pdf
Omote, S. (2008). Inclusão escolar: as contribuições da educação especial. São Paulo, SP: Cultura Acadêmica.
Puente-Palacios, K., & Albuquerque, F. J. B. (2014). Grupos e equipes de trabalho nas organizações. In J. C. Zanelli,
J. C. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (2a ed., pp. 385-412).
Porto Alegre, RS: Artmed.
Rocha, M. S. (2000). O processo de inclusão na percepção do docente do ensino regular e especial (Monografia de
conclusão de curso). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR.
Sassaki, R. K. (2009). Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação
(Reação), 12, 10-16. Recuperado de http://www.apabb.org.br/admin/files/Artigos/Inclusao%20-%20Acessibili-
dade%20no%20lazer,%20trabalho%20e%20educacao.pdf
Schmidt, M. L. G., & Del-Masso, M. C. S. (Orgs.). (2014). Readaptação profissional: da teoria à prática. São Paulo, SP:
Cultura Acadêmica.
Simas, A. L. B., Souto, J. F., & Carvalho-Freitas, M. N. (2014). Inclusão de pessoas com deficiência no trabalho:
percepção dos universitários. Psicologia: Teoria e Prática, 16(3) 30-42. Recuperado de http://www.redalyc.org/
articulo.oa?id=193833500003
Tanaka, E. D. O., & Manzini, E. J. (2005). O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiên-
cia? Revista Brasileira de Educação Especial, 11(2), 273-294. https://doi.org/10.1590/S1413-65382005000200008
Toldrá, R. C., Marque, C. B., & Brunello, M. I. B. (2010). Desafios para a inclusão no mercado de trabalho de pes-
soas com deficiência intelectual: experiências em construção. Revista de Terapia Ocupacional, 21(2), 158-165.
https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v21i2p158-165
Vieira, C. M., Vieira, P. M., & Francischetti, I. (2015). Profissionalização de pessoas com deficiência: refle-
xões e possíveis contribuições da psicologia. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, 15(4), 352-361.
https://doi.org/10.17652/rpot/2015.4.612
Vilela, L. O., & Leite, L. P. (2017). Effects of an intervention on the participation of people with disability in the
workplace. Estudos de Psicologia (Campinas), 34(1), 185-195. https://doi.org/10.1590/1982-02752017000100018
Violante, R., & Leite, L. P. (2011). A empregabilidade das pessoas com deficiência: uma análise da inclusão social
no mercado de trabalho do município de Bauru, SP. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 14(1), 73-91.
https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v14i1p73-91
Zanelli, J. C., & Bastos, L. O. (2004). Inserção profissional do Psicólogo em organizações e no trabalho. In J. C.
Zanelli, J. C. Borges-Andrade, & A. V. B. Bastos (Orgs.), Psicologia, organizações e trabalho no Brasil (pp. 466-491).
Porto Alegre, RS: Artmed.

Mário Lázaro Camargo


Doutor, Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, campus de Bauru.
E-mail: mario.camargo@fc.unesp.br

Edward Goulart Júnior


Doutor, Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, campus de
Bauru. E-mail: edward@fc.unesp.br

Lúcia Pereira Leite


Doutora, Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, campus de
Bauru. E-mail: lucialeite@fc.unesp.br

813
Psicologia: Ciência e Profissão Jul/Set. 2017 v. 37 n°3, 799-814.

Endereço para envio de correspondência:


Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências, Departamento de Psicologia.
Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Bairro Vargem Limpa, CEP: 17033-360 – Bauru–SP

Recebido 24/08/2016
Reformulação 03/04/2017
Aprovado 26/06/2017

Received 08/24/2016
Reformulated 04/03/2017
Approved 06/26/2017

Recebido 24/08/2016
Reformulado 03/04/2017
Aceptado 26/06/2017

Como citar: Camargo, M. L., Goulart Júnior, E., & Leite, L. P. (2017). O Psicólogo e a inclusão de pessoas com deficiência
no trabalho. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 799-814. https://doi.org/10.1590/1982-3703003232016

How to cite: Camargo, M. L., Goulart Júnior, E., & Leite, L. P. (2017). The Psychologist and the inclusion of people with
disabilities at work. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 799-814. https://doi.org/10.1590/1982-3703003232016

Cómo citar: Camargo, M. L., Goulart Júnior, E., & Leite, L. P. (2017). El Psicólogo y la inclusión
de las personas con discapacidad en el trabajo. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(3), 799-814.
https://doi.org/10.1590/1982-3703003232016

814

Você também pode gostar