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SÉRGIO DE SOUZA
CASO DANIELA PEREZ
O CRIME DA NOVELA DAS OITO
SCRITTA EDITORIAL
CONTRACAPA
Um caso trágico, mas também inédito: a crônica policial, no mundo, não
registra outro igual. Trágico e inédito, mas também explosivo: mexe com
as pessoas comuns, aprofunda como nunca antes a discussão sobre o
papel da televisão, provoca reações no governo do Rio de Janeiro, no
Congresso e na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, leva a
imprensa a abrir um debate sobre a adoção da pena de morte,
envolvendo até o Ministério da Justiça e o presidente da República. Um
caso como esse merecia virar livro.
ORELHAS DO LIVRO
O autor
Sérgio de Souza, jornalista desde 1958, fundou e editou revistas e
tablóides como Realidade, O Bondinho, TênisEsporte, Globo Rural, Ex-,
Aqui São Paulo. Foi diretor de jornalismo das redes Tupi e Bandeirantes
de televisão e diretor do Fantástico, da Rede Globo, em São Paulo. Co-
autor do Guia de Cuba e do livro Samuel Wainer – Minha Razão de Viver,
hoje é sócio-diretor da Eco-Equipe de Comunicação, empresa de
prestação de serviços editoriais.
Reportagem e Pesquisa
Os trabalhos de campo para a feitura deste livro foram realizados pelos
jornalistas:
Marina Amaral e Roberto Benevides, de São Paulo; Cláudia Silva e
Alexandre Campbell Penna, do Rio de Janeiro; e Ricardo Campos, de Belo
Horizonte.
Participaram da coleta de informações também os jornalistas José Trajano
e Ricardo Vespucci, sócios-diretores da Eco-Equipe de Comunicação.
ISBN 85-85328-31-2
SÉRGIO DE SOUZA
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Scritta Editorial
UM
DOIS
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A rua Cândido Portinari faz uma espécie de U, com um canteiro no
meio, de mato ralo, uma área mais comprida do que larga, parte do
espaço onde brevemente começam a ser erguidos seis edifícios de
apartamentos. Hugo viu os dois carros do lado do canteiro e, com a
escuridão da noite sem luar, só conseguiu identificar a marca de um
deles, o Escort. Eram quase nove e meia.
Fiel à sua mania, seguiu caminho já decidido a voltar. Entrou na
casa da filha para deixar a mulher e os netos na hora em que a televisão
exibia os velozes créditos finais da novela das oito. Chamou o caseiro da
filha, Jamilton Ribeiro Lima, e foram ambos na Parati para a rua Cândido
Portinari. Hugo pediu ao caseiro que fosse guiando, para poder
concentrar-se melhor.
Os canos permaneciam no mesmo lugar; ele passou por trás dos
dois, voltados para a avenida das Américas, e anotou a placa do Santana.
Seguiu em frente, virou a esquina à esquerda, fez o retomo e veio de
frente para os dois carros. Nestes poucos segundos anotou a placa do
Escort e viu que agora o Santana tinha os faróis baixos acesos, a porta do
motorista aberta e um casal no banco da frente. O motor estava
desligado.
O principal, no entanto, ele já fizera, que era cumprir a sua mania.
As placas dos dois carros estavam anotadas. A do
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alcançado na outra semana. Então, por que o pequeno rebuliço, às três
horas da tarde, junto ao balcão em que a clientela, sempre
majoritariamente adolescente, faz o pedido e o pagamento dos lanches? A
causa era um jovem casal, ele de 23 anos, ela de 19, Guilherme de Pádua
Thomaz e Paula Nogueira de Almeida Thomaz, que acabava de entrar na
lanchonete. Ator da novela do horário mais nobre e caro da maior rede de
televisão da América Latina, a presença de Guilherme era um
acontecimento. Um contato pessoal com ele, que logo mais estaria
vivendo um papel no capitulo 128 da novela das oito, era um privilégio. E
tanto as mocinhas que estavam ali para comer um hambúrguer quanto as
que os serviam,
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O terceiro delegado auxiliar, Newton Moreira Lopes, 50 anos, o que
menos aparece, não se sabe se propositalmente, completa o quarteto
responsável por todos os atos que possam se desenrolar nos dois andares
deste prédio da rua Coronel Ivan Raposo, número 496, uma pequena
construção erguida há 22 anos especialmente para sediar a delegacia. A
fachada e o interior, surpreendentemente não são desagradáveis e
ásperos como costumam ser as delegacias de polícia das grandes cidades
brasileiras. E o próprio atendimento é habitualmente camarada,
descontraído, à moda carioca, muito diferente da paulista, por exemplo,
em que o clima é estudada-mente pesado, carrancudo, a postura das
pessoas intimidativa e até as instalações parecem intencionalmente
maltratadas de forma a inibir tanto delinqüentes quanto vítimas.
O andar térreo da 16ª tem logo à entrada a sala do delegado de
plantão, uma sala com janela, porta sempre aberta, a escrivaninha e um
cabideiro ostentando vários paletós e gravatas para eventuais
emergências que obriguem seu uso. Na frente da sala, um banco para se
sentar quem chega e do outro lado o balcão de atendimento, as mesas e
máquinas de escrever dos
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18:20, agressão com lesão corporal.
18:30, extorsão com ameaça de morte.
20:00, furto de auto.
21:00, agressão com lesão corporal.
23:00, furto de bolsa em supermercado.
23:5 0, furto de um CD, em interior de apartamento
O primeiro boletim do dia seguinte, 29 de dezembro, o número
4681, será o de uma ocorrência registrada à 0:50. "Homicídio em via
pública com arma branca". Na rua Cândido Portinari, s/nº.
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pescoço, Paula Nogueira de Almeida Thomaz, grávida de três meses, saía
com o marido Guilherme de Pádua Thomaz do ateliê do tatuador
profissional Hélio Tattoo, na avenida Nossa Senhora de Copacabana, 386,
sobreloja.
O casal terminara de se submeter a uma marcação indelével na pele
a que raríssimas pessoas se submetem nos ateliês de tatuagem do Brasil
ou de qualquer outro lugar no mundo.
A moça pediu que lhe fosse gravado na virilha esquerda o nome
"Guilherme", o mais próximo possível dos lábios vaginais e nas cores
azul, vermelho e amarelo. E ele o nome "Paula", ao longo da pele do
pênis, nas mesmas cores, cada letra com três linhas, cada linha uma cor.
Além dessas, mais dolorosas, cada um dos dois saía com outra
tatuagem, nos tornozelos. Com as figuras de quatro signos zodiacais
entrelaçados, Áries, Capricórnio, Escorpião e Câncer, circundando as
palavras "pai", "mãe", "bem". E as letras F e Z nas laterais. Aqui as cores
escolhidas foram azul, laranja e verde.
O trabalho, que começou dia 11 de dezembro, teve de ser
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meninas e dois meninos, que foram levados até ali por um motorista
particular, que fica aguardando-os no carro. A mais desembaraçada do
grupo pede a um vigilante do estúdio que interceda a seu favor: quer um
troféu de novela, uma foto dos atores junto com ela e o grupo. O homem
atende, transmitindo o pedido a Guilherme, que deixa Daniela ao telefone
e vem posar. Depois é a vez de Daniela, que termina o telefonema e
também vem posar, enquanto Guilherme aguarda, encostado a uma
árvore próxima. Nas fotos, ele aparece com as meninas e ela com os
meninos, ela de blusa preta, ele de camiseta vermelha.
Terminado o inocente ritual de adoração, os vigilantes pedem que o
grupo de adolescentes se retire. Eles vão ver mais uma pessoa saindo lá
dos estúdios, mas não chegam a confundir Gilmar Lima Marinho com
algum astro da novela das oito. O caboman Gilmar tem vinte e seis anos
e o apelido de "Baiano", nascido que é em Salvador, capital da Bahia. Um
dos últimos a deixar os estúdios, será a última pessoa da equipe a ver
Daniela viva. Ele caminha em direção ao seu Fiat, dentro do
estacionamento da Tycoon. São pouco mais de nove horas da noite,
quando neta Daniela em conversa com Guilherme depois de tirarem as
fotos com os adolescentes. A conversa dos dois dura alguns minutos,
enquanto ele, Gilmar, espera o motor do Fiat aquecer. Então Guilherme
entra no Santana e sai, Daniela sai pouco depois no Escort. A folha de
controle do esta-
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cionamento da Tycoon, que registra horário de chegada e saída de todos
os carros, diz que o Escort de Daniela entrou às 15:20 e saiu às 2 1:10. O
Santana, 16:59 a entrada e 19:35 a saída. A folha não registra a segunda
vinda de Guilherme.
O caboman notou mais uma coisa. No banco de trás do Santana
havia um pano envolvendo um volume mais ou menos do comprimento
do banco.
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mostrar que acima de tudo queria dançar, sem deixar de cumprir a
promessa que um dia fizera ao avô de entrar na Faculdade de Direito.
Entrou, aos dezoito anos, freqüentou um semestre e trancou a matrícula.
O Direito podia até ser bonito, mas a dança era muito mais.
Já na pré-adolescência, Daniela havia trocado o balé pela dança,
mudando para outra escola, onde passaria a ensaiar coreografias durante
horas. Quando, poucos anos depois, foi convidada a fazer parte da
companhia profissional de dança Vacilou, Dançou, formada pelos
melhores alunos da escola, viu abrir-se a carreira à sua frente. Mas no
caminho haveria as novelas de televisão, das quais talvez não pudesse
mesmo fugir já que sua mãe conseguiria ser incluída no seleto grupo de
autores da novela das oito e alimentava o desejo, aberto, de transformar
a filha em estrela do horário.
Quando trancou a matrícula na faculdade, Daniela achou que para
fazer o que queria na vida tinha de ganhar seu próprio dinheiro. Estava
com dezoito anos e, embora pudesse conseguir tudo do avô, da mãe e do
pai, chegara a hora de voar sozinha. O primeiro trabalho remunerado foi
para uma revista feminina. A mãe era amiga da diretora da revista e
indicou Daniela como modelo fotográfico. Daniela posou para uma
matéria sobre ginástica, alongamento. Aprovou, o trabalho saiu publicado
e logo a revista a chamava para mais um, este sobre moda infanto-
juvenil. Foi publicado também.
Então vieram as novelas de televisão, no ano seguinte, 1989. E viria
também o casamento, do amor nascido durante as gravações da primeira
novela, com o próprio ator e dançarino que fazia par com ela no tango,
Raul Gazolla, quinze anos
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NOVE
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própria mãe de Daniela, que empenhou-se a fundo para chegar a um
dossiê completo sobre a vida do ator e da mulher, Paula, para servir à
acusação.
A vida profissional de Guilherme, antes do ponto mais ambicionado,
que foi chegar à novela das oito, começa num programa infantil na
televisão e teria ido até um espetáculo proibido para menores e de uma
ousadia própria dos tempos do liberalismo pleno, um espetáculo em que
um grupo de rapazes fisicamente privilegiados sobe ao palco com
máscaras, tanga e pulseiras imitando pele de leopardo e faz um strip-
tease da já ínfima vestimenta, para mostrar à platéia o pênis ereto. Ele
negou ter participado desse show, mas não pode esconder que participou
de um filme pornô alemão perto do qual a encenação dos leopardos é um
inocente espetáculo naturalista.
Entre o programa infantil e a novela das oito, Guilherme fez
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apartamento, em um ponto valorizado da cidade.
Não se pode dizer que seja artista quem desfila em passarela, mas
foi por aí que se iniciou a carreira de Guilherme, aos dezesseis anos, ao
ser convidado para trabalhar numa agência de modelos em Belo
Horizonte mesmo.
Até o dia em que ele deixou a cidade para ir buscar o estrelato no
Rio de Janeiro, com dezenove anos de idade, a polícia mineira não
registrava nos arquivos qualquer passagem de Guilherme de Pádua
Thomaz. A busca nos arquivos fora pedida pela polícia carioca pouco
depois do assassinato de Daniela Perez.
No Rio, sim, Guilherme figurava numa ocorrência policial. Nebulosa.
Ele e um amigo, também ator de novela, Maurício Ferrazza, teriam sido
vítimas de uma tentativa de seqüestro, ou de roubo de carro, e no
episódio, em que houve uma troca de tiros entre os supostos assaltantes
e a ronda policial que chegava ao Parque do Flamengo no momento,
Guilherme foi atingido no ombro por um disparo. Aconteceu na
madrugada do dia 30 de junho de 1991 e depois disso Guilherme só
entraria de novo numa delegacia de polícia em
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vizinho de parede, presente dos pais de Paula aos noivos.
É ali, no oitavo andar, que estão batendo à porta agora dois
policiais. Valdir de Oliveira Andrade e Nelson Peixoto dos Santos,
investigadores da 16ª DP, receberam ordem de procurar Paula, no dia
seguinte ao crime.
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antes de olhar o relógio recebe pelo telefone a informação que está
correndo as redações cariocas: "Uma mulher foi encontrada morta num
matagal na Barra da Tijuca". Jorge liga para o 18º Batalhão da Polícia
Militar, que cuida da segurança daquela área, e o policial de plantão, além
de confirmar a informação, pergunta se ele sabe o nome do marido da
atriz que faz o papel de Yasmin na novela das oito. Jorge não é um dos
cinqüenta e dois milhões de brasileiros que todas as noites, de segunda a
sábado, acompanham fielmente, muitos quase como partícipes, os lances
do dramalhão da novela das oito, e por isso consulta um colega. "Raul
Gazolla", é a resposta. Ao passar o nome para o policial, este lhe diz
então que acha que a moça foi encontrada morta, pois é muito parecida
com a da novela e os policiais encontraram uma nota fiscal com o nome
do ator.
A imprensa brasileira, o rádio e a televisão do dia seguinte em
diante iam investir pesado no caso. Outros muitos crimes
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é que iria promover a grande comoção nacional, como era de se esperar.
Os principais atores da novela das oito entrariam no cenário jornalístico
com toda a dramaticidade que o episódio encerrava e então a osmose
realidade-ficção deu-se por completo. O telejornal recordista de audiência
precede a novela das oito. Ela é posta no ar imediatamente após o
término do jornal, e os atores saíam de um para entrar na outra. O
assassino e a vítima continuaram aparecendo nas cenas já gravadas, na
própria noite da terça-feira, com todo o pais sabendo, por meio dos
noticiosos, que a moça estava morta e o rapaz preso, por tê-la
assassinado; eram namorados na novela. Ele apareceu ainda mais duas
noites, nos capítulos da quarta e da quinta-feira. Ela seria mantida
durante mais dezenove capítulos. Todas as cenas em que não
contracenava com ele foram aproveitadas. A autora da novela, mãe da
moça na vida real, prosseguiria escrevendo a novela. E o marido da atriz,
que tinha um papel importante em outra novela, voltou a gravar três dias
após a tragédia.
A mesma estação da novela das oito e do telejornal recordista de
audiência preparou uma reportagem especial sobre o caso, exibida na
semana seguinte, e que conseguiu audiência notável, maior que a do
jornal e a da novela. Começa com o apresentador na rua Cândido
Portinari, no ponto do terreno
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baldio onde foi encontrado o corpo de Daniela Perez. De dia. Mais adiante
aparecerá à noite, falando primeiro ao lado da arvorezinha solitária, no
mesmo ponto do terreno, dirigindo-se em seguida a um Santana
estacionado a poucos metros, para mostrar como Guilherme de Pádua
teria agido naquela noite de segunda-feira. Há um toque de dramaturgia
em todo o programa, que produziu uma cena para mostrar a sua versão
do momento e da autoria do crime, com duas figuras que representavam
Guilherme e Paula cravando, cada uma várias vezes, uma tesoura num
corpo caído. São ouvidas várias pessoas: o diretor-geral da Polícia Técnica
do Rio, sobre as dezesseis perfurações encontradas no corpo de Daniela;
o advogado aposentado Hugo, o que anotou as placas e declarou depois
ter reconhecido o rosto de Paula no local do crime; o marido e a mãe da
atriz, Raul Gazolla e Glória Perez; atores da novela das oito que
contracenavam com Daniela; são mostrados o início e a evolução das
carreiras de Daniela e de Guilherme, enfatizando os papéis de criminoso
que ele representou em teatro; a repercussão do caso no exterior; os
advogados de acusação e defesa; o pai da atriz e amigas dela; e cenas da
novela, inclusive aquela que deveria ser a última cena em que ela
apareceria, dia 19 de janeiro.
Mas, para alimentar o mistério sobre os motivos do crime, de tudo o
que foi mostrado salientava-se um depoimento, o da atriz Marilu Bueno.
Ela conta que brincavam muito ela e Daniela durante os trabalhos de
gravação, nos cenários que reproduziam o interior de uma casa de
subúrbio, e quando a jovem fez a última troca de roupa para as cenas
daquele dia, repetiu uma piada que costumava fazer a respeito da curta
bainha das saias que Daniela usava na novela. Daniela estava de preto.
"Está de luto? Mâmi vai subir sua bainha..." E Daniela disse uma frase
sintomática. "Eu sabia que você ia dizer isso; ah, só você pra me fazer rir
hoje."
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QUANDO RAUL GAZOLLA DEIXOU a casa de Glória Perez, um
apartamento no bairro do Jardim Botânico, dizendo que Daniela ligara às
nove e pouco mandando o recado de que não demoraria muito a ir para
casa e que ele agora estava achando que alguma coisa havia acontecido
com ela, a mãe de Daniela não disse nada mas também tinha certeza de
que algo acontecera.
Foi ao telefone e ligou para Fábio Sabag, um dos diretores da
novela das oito. Não estava em casa. Ligou então para o assistente de
direção Caco Coelho, que contou ter visto Daniela, Marilu Bueno e
Guilherme no estacionamento dos estúdios Tycoon ao final das gravações.
Na seqüência, ligou para Guilherme. "Caco disse que você estava no
estacionamento com Daniela..." Guilherme, que atendera ao telefone com
naturalidade, diz que talvez Daniela tenha ido fazer uma visita. "Ela falou
que ia fazer uma visita?" Ele responde que não, mas pode ser que tenha
ido. A resposta é esquisita, mais tarde pode até receber uma
interpretação, mas Glória a considera cretina naquela hora e faz uma
pergunta direta. "O que você viu?" Então Guilherme diz que deixara
Daniela junto com Marilu Bueno, tirando umas fotos com um grupo de
fãs.
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ex-advogado Hugo da Silveira, para apanhar o número da tal chapa,
estão chegando mais atores da novela das oito e os carros de
reportagem. Glória Perez chega também. A polícia não lembra de isolar o
lugar e se estabelece a confusão de microfones, flashes, perguntas e até
a briga de um ator de novela com um fotógrafo de jornal, em volta do
corpo da moça estendido no chão.
Glória Perez pede que cerrem as pálpebras da filha, que estão semi-
abertas, mas os policiais explicam que o corpo precisa passar por uma
perícia como está e já será embarcado no rabecão, que está acabando de
chegar. São duas e vinte da madrugada de terça-feira e todos seguem
para a 16ª DP. O corpo de Daniela será levado para o IML, Instituto
Médico Legal, para os obrigatórios laudos técnicos.
A delegacia vai sendo invadida pela imprensa e pelos atores.
Guilherme de Pádua chega com a mulher, Paula, diz ter sido avisado da
tragédia por alguém da novela e ambos apresentam condolências a Raul
Gazolla e a Glória Perez, que já se prepara para acompanhar o corpo da
filha ao IML.
Os policiais Cidade de Oliveira e Nélio Machado estão de volta da
Tycoon e encontram Serrano já na delegacia. Ele conta aos outros dois
que checara as três possibilidades das letras de identificação dadas pelo
advogado aposentado Hugo da Silveira, OM, UM ou LM, e que a Cepol,
Central de Polícia, informara que das três a única que pertencia a um
Santana era a LM,
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Copacabana. Quem mora ali pode dar dois endereços, pois há uma
segunda entrada, pela rua Júlio de Castilhos nº 8.
Serrano e Nélio conseguem chegar à garagem do edifício e a
primeira coisa que vêem é o Santana azul. Destacam um dos dois
homens que levaram para ficar na garagem, cuidando que Guilherme não
fuja no carro. O outro vai para a saída dos fundos do edifício. Nélio sobe
até o oitavo andar e fica na porta do apartamento 803, enquanto Serrano
ficará na portaria.
O porteiro do edifício não está entendendo muito bem o que ocorre
quando ao amanhecer, cinco e meia, recebe de Serrano o pedido de ligar,
pelo interfone, para o apartamento de Guilherme. O porteiro informa que
o interfone está com defeito. Então Serrano vai até o telefone público à
frente do edifício e faz a ligação. Ouvido colado à porta do apartamento
803, o investigador Nélio procura escutar o que acontece lá dentro.
O telefone toca.
Mais tarde Serrano relataria como foi o telefonema. "No terceiro
toque, atendeu uma voz feminina. Pedi para falar com o Guilherme,
dizendo que era o delegado Serrano, da 16ª. Guilherme veio ao telefone,
expliquei que estávamos chamando todos os colegas de Daniela para
depor. Ele perguntou a que horas teria de comparecer à delegacia. Eu
disse que o melhor era nos acompanhar naquele momento. Ele perguntou
se havia necessidade de toda essa pressa, que estava sem dormir porque
fora falar com Gazolla na delegacia e não pegara mais no sono. Insisti,
dizendo que todos os atores estavam indo depor, ele me pediu que
subisse para conversar."
Assim que Guilherme desligou o telefone, abriu a porta de entrada
do apartamento e deu de frente com o investigador Nélio Machado.
Empalideceu. "O senhor me assustou, pensei que vocês estivessem lá
embaixo."
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a coisa mais simples e linear de executar.
Na rede de televisão que conquistou o monopólio de audiência das
novelas, principalmente a das oito, o mecanismo tomou-se simples a
ponto de banalizar-se. E para os telespectadores tornou-se um hábito,
como o de ir à missa dominical antigamente.
A estação tem uma lista de autores, que mal passa de seis nomes,
para a novela das oito. São aqueles que ela classifica, à moda da
hierarquia militar, "com divisa" para assumir o horário.
Esse autor está no pico da pirâmide de um complexo profissional
chamado de "o núcleo das oito", que envolve de qui-
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nisso muito mais do que o salário da novela, bem baixo no caso deles,
menos de mil dólares por mês, em média.
Guilherme de Pádua estava no terceiro time. Na segunda-feira do
crime, aliás, chegava de manhã cedo ao Rio, vindo de São Paulo, onde
fizera duas apresentações em casas noturnas da periferia. Seu cachê ia
de 200 a 1.500 dólares, conforme o tempo que fosse obrigado a
permanecer no lugar que o contratava.
Até o dia da estréia, a novela já viveu um longo processo, que
começa na gravação de seis a dez capítulos experimentais, feita logo após
a exaustiva discussão sobre a escolha da história e do elenco. Esses
capítulos servem de "laboratório" e tudo pode ser mudado a partir de seu
estudo, até o ator principal. Menos a história. Esta não muda.
Feitas todas as mudanças e obtida a aprovação final, sempre do
vice-presidente da estação, começam as gravações definitivamente. Com
uma grande antecipação. Ao estrear, a novela já está com os trinta
primeiros capítulos prontos.
O autor tem de entregar dez capítulos por semana. Cada ca-
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Segurança do Estado, Joel Vieira. Sobem com Guilherme o delegado
Serrano e o investigador Nélio Machado.
O pai de Paula fica lá embaixo. São quase sete horas da manhã. A
primeira pergunta de Mauro Magalhães é a que horas Guilherme deixou a
Tycoon a noite passada.
Guilherme diz que saíra às nove horas. O delegado pergunta o que
ele foi fazer em seguida e Guilherme responde que fora apanhar a
mulher, Paula, no Barrashopping.
Estava começando um interrogatório policial com as características
a que estão todos acostumados. O delegado-titular e o subsecretário de
Segurança farão o papel de bonzinhos, e os outros dois policiais, de
maus.
Nélio Machado pergunta de sopetão por que Guilherme está com a
testa ferida e o ator responde que se machucou na obra do apartamento
que está sendo reformado, o apartamento vizinho ao dos sogros, para
onde vai se mudar com a um-
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inspetor Nélio fica ouvindo na extensão, fora da sala. Quem atende é
Paula, e Guilherme diz que os policiais estão indo lá apanhar "as roupas
que estão lavando". Paula responde que as roupas não estão sendo
lavadas e Guilherme, achando que apenas os presentes na sala estão
ouvindo, pede que ela as entregue "molhadas mesmo". Ela então diz que
porá as roupas na máquina de lavar e que a mãe vai mandar um
advogado para a delegacia.
O advogado Antonio Carlos Barandier é procurado pela mãe de
Paula, Maria Aparecida Nogueira de Almeida. Ela diz que o genro está na
delegacia desde cedo e que está preocupada, acha melhor um advogado
ir ver o que está acontecendo. Barandier se prontifica a ir logo em
seguida.
O pai de Guilherme, assim que é avisado, trata de fazer a mesma
coisa, ligando de Belo Horizonte para contratar outro advogado do Rio,
Luiz Guilherme Vieira.
O interrogatório continua na sala do delegado-titular. Aliás, após
quase três horas, já está chegando ao clímax, quando Mauro Magalhães
revela que o Santana de Guilherme havia sido visto ao lado do Escort de
Daniela no local do crime. Então Guilherme começa a ceder, confirmando
ter ido com ela até o lugar. Mas procura justificar, dizendo que ela queria
fumar
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maconha e pedira que fosse junto. E ele teria ido para não deixá-la
sozinha naquele lugar deserto, esperou enquanto ela fumava e quando
ela disse que ia para casa ele não a esperou sair com o carro por estar
preocupado com a mulher, que o aguardava no Barrashopping. Nélio, que
está de volta à sala, ensaia um ataque final. Diz que a história estava
estranha, cada vez era uma coisa diferente, que conversara com gente
que lhe contara haver um caso entre ele, Guilherme, e Daniela, e arrisca
outro dado falso que muitas vezes surte efeito: "A perícia encontrou suas
impressões digitais no corpo dela".
Guilherme vai cair na armadilha e ceder de vez. Pede ao delegado-
titular que convide os outros a sair, quer ficar a sós com ele. Depois de
ouvir Mauro Magalhães paternalmente dizer que não havia saída, que
todo o mundo sabia que ele era o culpado, Guilherme começa a chorar e
repete "Fui eu! "Fui eu! Fui eu, delegado, mas foi para proteger minha
mulher e a criança que ela esta esperando!"
E deu suas razões. Disse que Daniela o assediava e que diante de
sua inabalável resistência ela teria até ameaçado matar sua mulher Paula,
e mandaria que o corpo fosse esquartejado em seis pedaços a ser
enterrados em seis lugares diferentes para que a alma se perdesse...
Continuou falando sobre o assédio e as ameaças durante bom tempo; as
queixas domésticas que Daniela teria feito; o convite para irem ao local
onde acabaria acontecendo o crime; que ele a seguiu com seu carro e
chegando ao lugar ela desembarcou e veio para o carro dele e começou a
se insinuar com mais insistência; ele não aceitando, recebeu novas
ameaças, inclusive de tirá-lo da novela, com a influência que possuía; e
como ela chorasse muito, ele apanhou lenços de papel no porta-luvas,
onde ela teria visto uma tesoura, pegou-a e foi para cima dele. Aí houve
luta e daí a explicação para as marcas que tem na testa e nos braços;
estas seriam
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precisa como a atingiu, pois estava em transe, só conseguindo pensar na
mulher e no filho que ela estava esperando. E saiu dali transtornado e foi
buscar a mulher no Barrashopping, jogando antes a tesoura na praia e
antes ainda adulterou a placa do Santana, de LM para OM, com uma tira
de fita isolante que, assim como a tesoura, o sogro costumava levar no
carro.
O rádio do táxi que o advogado Barandier tomou para ir à 16ª DP
está falando do caso Daniela Perez, como praticamente todos os rádios de
todos os táxis, e então ele ouve que Guilherme acabara de confessar o
crime. No inevitável raciocínio de defensor de réus, ele pensa: "Puxa, por
que não esperou ao menos o advogado chegar?".
Quando Barandier vai chegando à sala do delegado-titular,
Guilherme está acabando de repetir a mesma história que repetiria dali
em diante. Que nunca havia dado um único beijo em Daniela a não ser na
novela e que, como prova de fidelidade à mulher, tinha até mandado
tatuar o nome "Paula" no pênis, que podia mostrar ali agora para o
delegado. Mauro Magalhães diz que não precisa mostrar e nessa hora
entra Barandier. São onze e meia da terça-feira.
Chega também o outro advogado, Luiz Guilherme Vieira, que fora
chamado pelo pai de Guilherme.
Os dois advogados conversam com o ator, informando-o ao final
que a confissão tem de ser formal e que não precisa falar nada se não
quiser. Mas Guilherme quer. Antes, telefona para Paula dizendo que havia
confessado, que os policiais iriam de novo lá para apanhar mais coisas e
que ela não falasse nada.
Em seguida, ao meio-dia, faz a confissão formal, assistida pe-
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audiência da quarta rede de televisão do mundo, e a autora da novela é a
mãe da atriz. Tão
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forte a carga, que no exterior o caso vai receber destaque até no New
York Times e na NBC, uma das três grandes redes de TV americanas.
As cenas do velório pela manhã e do enterro à tarde, no cemitério
São João Batista, vão se assemelhar às de um espetáculo. Com centenas
de figurantes, principalmente femininas, procurando se aproximar dos
mitos de novela. Os cálculos dos jornais variaram entre 1,5 e 5 mil
pessoas. Não importa a diferença enorme de cálculo, qualquer número
que tenha sido elas vão deixar um pequeno rastro de destruição no
cemitério. O caixão desce à cova coberto com a bandeira de uma escola
de samba em que Daniela iria desfilar no carnaval de 1993.
Nos dias seguintes a comoção vai crescer, acirrada pela enorme
cobertura da televisão, jornais e rádio e pelas inúmeras interrogações
colocadas pela própria imprensa, em razão dos muitos pontos obscuros
que cercam não só o motivo que teria levado o assassino a tamanha
violência, mas também o desaparecimento da arma do crime (faca,
punhal, adaga, tesoura?), o desaparecimento da bolsa que a atriz levava
consigo e que conteria seis mi] dólares, o lençol e o travesseiro com os
quais o casal foi visto saindo de casa no dia do crime, a falsificação da
placa e a lavagem do Santana azul. E, acima de todos os pontos
obscuros, a possível participação da mulher do ator, Paula de Almeida
Thomaz.
Outros ingredientes seriam adicionados ao prato, como a suposição
levantada pelo advogado contratado pela mãe da atriz para auxiliar a
promotoria, Arthur Lavigne, sogro do compositor e cantor Caetano
Veloso. Lavigne diz acreditar que Daniela tenha sido sacrificada num ritual
de magia negra.
As hipóteses vão se avolumar.
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DEZOITO
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de PAULA franqueou a entrada do declarante na referida residência,
esclarecendo o declarante que fora atendido pelas pessoas acima citadas
e em seguida é que apareceu a genitora de PAULA, para quem o
declarante explicou a razão de sua estada naquele local, ou seja, que
recebera determinação da autoridade que a este preside para que fosse
ao local conversar com PAULA a respeito dos fatos ocorridos e saber dela
da possibilidade de localização da tesoura usada no crime, momento em
que foi interpelado pelo homem que se disse PASTOR, com as seguintes
características físicas: trata-se de UM HOMEM DE COR ESCURA,
ESTATURA BAIXA, DE COMPLEIÇÃO FORTE, APARENTANDO CERCA DE 35
A 40 ANOS DE IDADE E DE ASPECTO NORDESTINO, CABELOS
CARAPINHADOS, dizendo ser Pastor da Igreja Mística e falou que não
poderia acordar PAULA, tendo em vista que ele havia feito ela DORMIR,
através de rezas; que ainda conversando com o Pastor, este relatou que
no entender dele, o casamento do casal, PAULA e GUILHERME, não
duraria seis meses, tendo em vista que o local era um centro de espíritos
maus, havendo inclusive no quarto dele, GUILHERME, uma imagem de
UM PRETO VELHO que ele Pastor repudiava, pois se tratava de COISAS
DO DEMÔNIO; que o declarante insistiu para que acordasse PAULA,
momento em que a genitora ia acordar PAULA, e foi impedida, melhor
dizendo, foi desaconselhada pelo PASTOR, porque ele a teria feito
adormecer e se deveria aguardar mais algum tempo para que ela
acordasse por si só; que no entanto, tendo em vista a movimentação na
casa naquele momento, PAULA acordou, segundo sua genitora, sendo que
perguntou ao declarante e ao detetive Nelson se eles queriam ingressar
no quarto de PAULA para conver-
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25
contato para que aqui retornassem a fim de prestar as declarações
necessárias concernentes aos fatos. E mais nada. Nada mais havendo,
mandou a autoridade encerrar o presente, que lido e achado conforme,
assina com o declarante. Eu (uma rubrica), escrivão, o datilografei."
gado Newton Moreira Lopes por estar "tendo desmaios", como ele próprio
afirmou em seu Termo de Declarações do dia 29.
No dia 3 de janeiro a suspeita se agrava. Hugo da Silveira, a
testemunha-chave, que voltara no próprio dia 29 para Porto Seguro, diz
por telefone a um jornal carioca, de sua pousada, que a figura feminina
que vira junto com o motorista do Santana na noite do crime devia ser
Paula. Chegara a essa conclusão logo que viu na imprensa pela primeira
vez a foto da mulher de Guilherme.
No dia 6, ele é chamado à 16ª DP para fazer o seu Termo de
Declarações, em que repete o que falara à polícia no dia 29, só que com
mais detalhes, como a descrição da mulher que teria visto no Santana,
"de rosto redondo, branco, e cabelos escuros parecendo ondulados na
parte de cima e lhe parecendo jovem". E podia afirmar não ser Daniela
Perez, pelas muitas imagens que viu da atriz nos dias seguintes.
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DEZENOVE
26
haviam tratado de pedir sua soltura, levando à juíza Márcia Alvarenga
uma petição alegando que a prisão de Guilherme, apesar da confissão
formal, fora indevidamente caracterizada como prisão em flagrante pois,
dizia a petição, não se enquadrava em nenhum dos quatro itens do
Código Penal que caracterizam o flagrante. Isto é, quando o criminoso é
apanhado praticando o crime; quando o criminoso é apanhado acabando
de praticar o crime; quando o criminoso é encontrado logo depois com a
arma do crime; ou quando o criminoso é perseguido imediatamente após
o crime, por qualquer pessoa e de maneira ininterrupta.
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27
Depois de toda a expectativa da manhã, Guilherme se apresenta à
tarde, no Rio de Janeiro, no Tribunal de Alçada Criminal. De calção,
branco como a camiseta, chinelos e óculos escuros. Eram três e meia da
tarde. Quinze minutos depois, Mauro Magalhães é informado de que pode
interromper as buscas, o criminoso será levado de volta à 16ª DP. O
delegado-titular desliga o telefone, chama Cidade de Oliveira e ambos vão
dar entrevistas à platéia cativa de jornalistas. O resultado é que em
minutos o Rio inteiro fica sabendo que Guilherme está indo para lá. Um
carro da 16ª, levando os dois delegados triunfantes, vai até o centro da
cidade buscar Guilherme no Tribunal de Alçada.
Juntou gente na porta da 16ª e quando os delegados chegam de
volta, com Guilherme, são cercados pelos artistas que faziam
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VINTE
28
Magalhães pede à 14ª DP que ponha dois guardas da Polícia Militar
vigiando o quarto de Paula e um policial civil vigiando a recepção do
pequeno hospital. Os três chegam à Clínica São Marcelo às nove horas.
São recebidos pelo pai de Paula. Ele pede que esperem o advogado da
filha, Carlos Eduardo Machado. O advogado vem com um atestado do
obstetra Fernando Pedrosa dizendo que Paula só teria condições de falar
após receber alta. O delegado e seus dois acompanhantes vão embora.
Ficamos policiais da 14ª encarregados de vigiar Paula. É noite de
réveillon, e na praia de Copacabana repete-se o encantador espetáculo de
fogos de artifício que virou tradição na última meia-noite do ano.
No dia seguinte, 1º de janeiro, todos já sabem que Paula está na
clínica. Um grupo de pessoas, mulheres na maioria, vai para a porta
gritar: "Assassina! Assassina!" e os telefones da clínica não param mais
de tocar, com insultos e ameaças anônimas.
Os pacientes reclamam, os funcionários e médicos sentem medo, e
Paula recebe alta no fim da tarde. Mas os advogados e a polícia acham
mais aconselhável retirá-la de madrugada, para evitar problemas. As
3:10 do dia 2, ela sai num carro de polícia que a levará para a 7ª DP, em
Santa Teresa. A saída da clínica não foi o tumulto que teria sido de dia,
mas também não deixou de ser um espetáculo, principalmente de luzes,
com o estouro ininterrupto de flashes enquanto Paula, o pai e os policiais
caminhavam da porta da clínica até a porta do carro de policia.
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VINTE E UM
29
Mauá e condenada a vinte e um anos de prisão, foi quem impediu que o
tapa da outra presa se transformasse numa surra. Outra protetora a se
manifestar logo nos primeiros momentos é Viviane, condenada a cinco
anos por tráfico de drogas. E duas outras se mostrariam solidárias nos
dias seguintes. Ana Cecília, condenada a três anos também por tráfico de
drogas, e Suely Gonçalves Bezerra, a personagem principal da cadeia.
Advogada, Suely é conhecida por ter defendido na Justiça grandes
bandidos que pertenceriam a uma temida organização criminosa, o
Comando Vermelho, chamado assim mesmo pela imprensa, como se o
Rio estivesse vivendo um período de guerra ou de guerrilha urbana. Mas,
principalmente, Suely é acusada de quatro homicídios. Ela tem direito a
cela especial, por possuir curso superior, e como ela há duas outras
mulheres em cela especial. Uma jornalista, presa por tráfico de drogas, e
uma psicóloga, por estelionato.
Quando Paula chegou, a carceragem da Polinter contava trinta
presas nas três celas. A 1 está com as três presas especiais; na 2 estão
catorze mulheres; e Paula reparte a 3 com mais doze, uma vai dormir no
chão. Os diálogos do dia-a-dia são de pesados a escabrosos. Os temas,
invariavelmente, são assassinatos, prisões, espancamentos, tráfico de
drogas.
As presas também têm novelas para ver. Paula não quer ver
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novelas nem noticiários e não lê jornais, mas não pode deixar de escutar.
No dia 19 de janeiro, dia do último capitulo com participação de Daniela
Perez, Paula ficou de costas para o aparelho de televisão, mas ouviu tudo.
E se continuasse presa na Polinter, ficaria sabendo que esse não tinha
sido o último capítulo com Daniela, que apareceria em dois outros antes
do capítulo final da trama, marcado para ir ao ar dia 5 de março com
mais uma aparição de Daniela, conforme acordo de todos os responsáveis
pela novela das oito.
Desde o começo as presas fizeram pressão para ela falar, mas Paula
sempre fugiu do assunto, repetindo que não havia participado do
assassinato de Daniela. A hipótese sobre um pacto envolvendo magia
negra também interessou profundamente as mulheres, e ela negava a
devoção à estatueta de Preto Velho que tinha em casa, no quarto de
casal, e que na verdade eram duas, um preto e uma preta, espécie de
anjos protetores. (As imagens apareceram espatifadas no dia seguinte ao
do crime e com isso mais uma interrogação ficaria bailando na mente dos
partidários da hipótese de um pacto místico. Mais ainda na daqueles que
leram, no meio de uma entrevista dada por Guilherme poucos dias antes
do crime, um estranho trecho: "Tenho um templo dentro de casa e um
guia, Francisco, senhor muito velho, muito vivido, que me ensina, que
fala coisas para mim. Mora aqui no Rio, perto. Vou lá com Paula. Tenho
coisas escritas por ele que são maravilhosas. É o meu grande amigo".)
Mas Paula dizia-se católica e para provar participava das orações que
duas vezes por dia são feitas na cadeia. Incoerentemente, porém, ouvia
no rádio os programas da Igreja Universal do Reino de Deus,
patrocinados por um homem que se autodenomina "bispo" e enfrenta
vários processos criminais — principalmente por exploração da fé
popular—, Edir Macedo, que conseguiu ser proprietário de uma estação de
televisão em São Paulo. É sua a TV Record.
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30
fora de hora e outras regalias. Agora, com o plantão permanente da
imprensa do lado de fora, nos pontos mais estratégicos, tentando colher
uma foto ou uma entrevista eventual, porque é proibida a entrada, as
regalias ficavam automaticamente prejudicadas. Até que no dia 7 de
janeiro um grupo de presas aparece com uma máquina fotográfica no
pátio da cadeia, na hora de tomar sol. A alguns jornalistas que estão
"acampados" num ponto externo que dá vistas para um pedaço do pátio,
o grupo de presas se oferece para tirar fotos de Paula, ao preço de dois
mil dólares.
O episódio vai parar nos ouvidos do diretor da Polinter, Heraldo
Gomes, que escala um policial graduado para fazer uma vistoria nas
celas. E encontrada uma máquina fotográfica entre as coisas da presa
Suely Bezerra. O caso provoca a destituição do chefe da carceragem,
Sérgio Soares, e uma crise nervosa em Suely Bezerra, que precisa ser
levada a um hospital.
A troca de chefes não agrada às prisioneiras, que além de tudo vão
ver reduzido o número de visitantes e o tempo da visita semanal a que
estavam habituadas. O contra-ataque veio em seguida. Dois dias depois
um jornal carioca publica duas fotos de Paula dentro de sua cela. A
investigação não precisa ser profunda. Perguntada, Paula diz que foram
as carcereiras Adriana e Rita. A façanha, embora tenha rendido
quinhentos dólares pagos pelo jornal, custou à dupla uma suspensão por
quinze dias e transferência para outra carceragem, possivelmente menos
pacata. E menos liberal. As presas, principalmente, não querem nem
pensar numa transferência, menos ainda para o único presídio feminino
do Rio, o Talavera Bruce, em Bangu, que consideram um castigo em
dobro. Aqui em Niterói, entre
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VINTE E DOIS
31
estupro e até morte. Por isso Guilherme voltou para a ante-sala da
carceragem, que com seus vinte e oito metros quadrados tem o apelido
de "Maracanã". Para tomar banho ou ir ao banheiro, tinha de passar pelos
presos, por isso era sempre acompanhado pelo carcereiro.
Nesse primeiro dia, vomitou duas vezes e não quis comer nada
além da laranja que completava a refeição. A comida vem numa
embalagem de alumínio, fornecida por uma empresa especializada, e
certos carcereiros estranham que os presos tenham de comer com a mão.
No terceiro dia Guilherme resolveu comer. Arroz, feijão, carne-de-
sol e batata. Começaram a chegar cartas e livros, que não
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lia. Ficava deitado num papelão sobre o chão cimentado da cela e olhava
as páginas de uma Bíblia, não se sabe por quem levada a todas as prisões
de todos os lugares. Paula também já estava com a dela na cadeia de
Niterói. As cartas de fãs que Guilherme não lia, mas os delegados sim,
chegaram a quase duzentas nesses primeiros dias, a maioria dizendo
acreditar em sua inocência e culpando Paula. Os estudiosos dizem ser
comum essa manifestação, que chamam de mitomania e sempre ocorrem
em casos parecidos. No de Guilherme chegou a lembrar filme de cinema.
Seu advogado, Antonio Carlos Barandier, recebeu o telefonema de uma
mulher que se ofereceu a confessar o assassinato de Daniela e ir para a
cadeia no lugar do ator.
Na primeira semana, além dos advogados, Guilherme recebeu
visitas do pai e da mãe, que vieram de Belo Horizonte, e de uma irmã. E
do oitavo dia em diante já conversava e jogava baralho com os presos,
através das grades.
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VINTE E TRÊS
32
para vê-los bem de perto, como acontece nos shows de rock.
O amontoado de fãs à frente do altar impedia o. padre de ter uma
visão da igreja. Ele celebrou uma missa de vinte e oito minutos e, quando
proferiu o derradeiro "amém", a pequena multidão fez um sinal da cruz
rápido e foi para cima dos artistas, agora querendo não só ver bem de
perto, mas se possível tocá-los. Eles correram e conseguiram alcançar a
sacristia, onde ficaram a salvo mas tiveram de aguardar mais de quarenta
minutos para sair.
Antes, durante e no final da missa, a outra pequena multidão que
não conseguiu entrar gritava na rua, em tom de comício: "Justiça!
Justiça!". A certa altura gritaram "cadeira elétrica!". Era efeito já da
discussão que se tentou estabelecer sobre a pena de morte, a partir do
caso Daniela Perez e de outro, ainda mais doloroso, se é que se pode
comparar dor, de uma menina de cinco anos, em Minas Gerais.
Seqüestrada, a menina foi morta por asfixia, com um travesseiro
apertado contra o rosto. Os assassinos disseram que ela chorava muito. E
que depois queimaram o corpo.
O jornal O Globo, do Rio, fez então um editorial, propondo a pena
de morte, que não existe na legislação brasileira, justificando com esse
caso e com o de Daniela Perez. A proposta chegou a ser comentada pelo
Ministro da Justiça e pelo novo Presidente da República, que acabava de
substituir o Presidente afastado; todos os meios de comunicação se
manifestaram; a revista semanal ilustrada mais importante chegou a
encartar numa de suas edições uma cédula em que o leitor votaria pela
pena ou não, mas nenhum tema conseguia desviar a atenção do
assassinato de Daniela Perez.
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VINTE E QUATRO
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encontradas no casaco podiam ter sido feitas pela mesma arma do crime,
o que provaria que Guilherme fora atacado por Daniela antes de tê-la
matado. Com isso, poderia alegar "violenta emoção", o que tornaria o
crime "homicídio simples", com pena de seis a vinte anos, e não
"qualificado", proposto na denúncia e cuja pena é de doze a trinta anos.
Uma coisa ninguém lembrou de discutir. Guilherme estava de camiseta
vermelha na foto tirada pelos adolescentes na noite do crime; e a
camiseta apreendida em sua casa depois, e que foi incluída na lista das
roupas para perícia, era azul. Foram feitos também exames para saber se
Guilherme tomara drogas e se Daniela tomara bebida alcoólica, ambos
com resultado negativo. Só a arma do crime não foi encontrada, mas o
exame no Santana mostrou que ela estava sob o tapete de borracha do
chão do passageiro da frente. Havia sangue sob o tapete, mas como
alguém jogou água, anulou a possibilidade de exame pericial.
O primeiro depoimento, ainda na madrugada do crime, foi o mais
importante de todos, o do advogado Hugo da Silveira, que levou a polícia
a prender o criminoso em poucas horas e em outras tantas conseguir sua
confissão.
Tudo estaria resolvido de forma simples, do ponto de vista frio dos
documentos policiais, mas dois depoimentos no dia 4 de janeiro
acrescentariam informações que iam trazer para o centro da cena a
mulher do ator, Paula. O depoimento do caboman que viu o lençol branco
no Santana, na saída da Tycoon na noite do dia 28, e o depoimento do
garagista do edifício onde morava o casal, Cesarino Manuel do
Nascimento.
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34
legado estiver investigando o crime. Pode durar no máximo dez dias. No
décimo dia, se não for decretada a prisão preventiva, o suspeito deve ser
solto. E a prisão preventiva só pode ser aplicada em determinados casos:
quando há possibilidade de fuga; quando há grande comoção social e a
sociedade exige uma "satisfação"; e quando o suspeito corre perigo de
vida.
Em relação a Paula, a prisão preventiva cabia nos três itens, e ela
fica na cadeia da Polinter.
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VINTE E CINCO
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parênteses, "homicídio". É menos minucioso que o dos corpos das
pessoas. Começa com um histórico, dizendo que às 2:15 de 29 de
dezembro de 1992 a 16ª DP solicitou o exame no local do homicídio, "a
equipe pericial foi designada" e lá compareceu. Então passa a descrever
os detalhes do local; do corpo; da posição em que foi encontrado; como
estava vestido, inclusive as marcas comerciais e desenhos
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sangue, e "que pode ser utilizada na prática de crime com instrumento
pérfuro-cortante"; aos fragmentos das imagens de Preto Velho, dando
para identificar apenas duas mãos esquerdas segurando um cachimbo; e
aos dois grampos de cabelo encontrados no Santana, mais um
pedregulho, que não revelaram nada. O que era revelador para os que
defendiam a tese de crime premeditado eram as placas do Santana
adulteradas.
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VINTE E SEIS
do; mas o tumulto foi garantido por fotógrafos, câmeras e repórteres que
se trombavam, uma múltipla colisão de corpos e máquinas cujo resultado
foram várias escoriações, leves, um par de óculos quebrado e um vestido
rasgado.
Guilherme chegou às cinco para as sete e Paula quatro minutos
depois. Ambos algemados. Ele num furgão de janelas gradeadas, ela no
banco de trás de um Opala, com um policial sentado de cada lado.
Sempre protegidos, atravessaram a barreira jornalística e entraram no
Fórum, o Palácio da Justiça.
A sala do 2º Tribunal do Júri também lembrava um cenário de
cinema. Os figurantes lotavam a platéia, sessenta e dois privilegiados que
conseguiram o disputado convite entre quinhentos candidatos, numa
seleção feita pelo próprio juiz e por promotores e advogados do caso.
Entrada livre, só para juIzes e desembargadores. E para os trinta e cinco
jornalistas credenciados.
A Justiça do Rio permite a presença dos meios de comunicação na
sala do Júri e a TV gravou cada cena importante do esperado
interrogatório, desde a entrada de uma das duas personagens principais,
Guilherme, que é desalgemado por um policial diante de todos antes de
ocupar a mesinha de frente para o juiz, sentado no centro de uma
imponente mesa, com a cadeira de espaldar mais alto, um grande
crucifixo na parede às suas costas, à direita os três promotores e o
advogado que os auxilia na acusação, afastado um pouco, e ~ esquerda o
escrivão e auxiliares. Ainda à esquerda do juiz, mais à frente, sentados,
os dois policiais que guardam Guilherme. E logo atrás, o defensor de
37
Guilherme e os dois advogados de Paula. Em frente à mesa do juiz, do
outro lado da sala, a platéia, fechando o quadrilátero em torno do réu. A
segunda personagem principal, Paula, aguarda numa das outras
dependências do Palácio. O juiz quer ouvir os dois separadamente.
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VINTE E SETE
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apresentar ao juiz a "defesa prévia"; no caso do defen-
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sor público, o prazo é dobrado, seis dias, porque normalmente ele tem
muito trabalho e poucos recursos para realizá-lo. Na defesa prévia, os
advogados juntam também a lista de testemunhas, oito para cada réu.
Vem em seguida a audiência das testemunhas de acusação e depois a das
testemunhas de defesa. Tudo isso feito, o juiz vai escolher entre quatro
opções. Pode desclassificar a acusação, isto é, passá-la para outro artigo
do Código Penal, que não exija o júri e que será julgada por outro juiz.
Pode absolver, por absoluta falta de provas, quando é obrigado a recorrer
da própria sentença, de forma a que não exerça um poder que seria
absoluto. Pode impronunciar, que significa estarem faltando provas no
processo, que é trancado até o surgimento de uma nova prova. E pode
pronunciar, como neste caso, que é mandar o réu ou réus a júri.
É depois da pronúncia que a defesa pode recorrer a uma série de
ferramentas legais para prolongar a data do julgamento, uma artimanha
que lhe interessa nos casos de muita repercussão, para evitar a pressão
da opinião pública sobre a decisão dos jurados e o veredicto do juiz.
Finalmente, vem o julgamento. O juiz marca a data e, terminadas
acusação e defesa, sete jurados vão responder a uma série de quesitos
sobre a autoria do crime e as atenuantes e os agravantes invocados por
acusação e defesa, decidindo se o réu, ou réus, são culpados ou
inocentes. E o juiz determina a pena.
Cabem depois recursos a tribunais superiores, mas é esse o
itinerário normal de um processo de homicídio, do boletim de ocorrência
ao julgamento. No caso Daniela Perez, um itinerário que a cada avanço,
parada obrigatória ou acidente de percurso, é acompanhado com uma
atenção que nenhum outro caso policial despertou até hoje.
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VINTE E OITO
quem nada na minha boca. Minha esposa Paula não tem nada a ver com
isso. Nem ao menos estava no local."
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O juiz pergunta se não gostaria mesmo de responder a mais
algumas questões e ele responde com outro texto, também curto e em
meio a choros. "Excelência, gostaria de dizer apenas que a criança que
está dentro de minha esposa ninguém pode acusar, nem vai. Gostaria de
pedir a Vossa Excelência um ato de humanidade para que essa criança
inocente possa ser desenvolvida no período de gestação com os devidos
cuidados." Chora novamente, o juiz pergunta se quer se retirar, ele diz
"Se Vossa Excelência assim o desejar", o juiz pergunta se ele "vai ou não"
e ele diz "sim, com todo o respeito". Os policiais voltam a colocar as
algemas em seus punhos e o levam embora. Sua aparição durou vinte e
três minutos.
Paula é trazida em seguida, sem algemas. São nove e meia da
manhã e o seu interrogatório vai até as onze e meia, terá duas horas de
duração. O cenário não muda, apenas os dois policiais que guardavam
Guilherme são substituídos por duas policiais que guardam Paula.
Ela está com a aparência serena, diferente da que mostrara até
pouco tempo atrás, quando desembarcava do carro de policia na porta do
Fórum e parecia não ter controle sobre o choro. Vai responder com
clareza e firmeza a todas as perguntas do juiz, menos a que se refere às
tatuagens, que diz tratar-se de assunto íntimo do casal.
O dado crucial do inquérito, ao lado do testemunho de Hugo da
Silveira de que a teria visto na rua Cândido Portinari na noite de 28 de
dezembro, são as afirmações categóricas dos quatro policiais da 16ª DP,
que deram depoimento dizendo que ela lhes contara estar presente na
hora em que Daniela foi assassinada. Os termos de declaração são todos
do dia 29, a terça-feira em que dois deles foram buscá-la em casa e lá a
ouvi-
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ram, e outros dois que a ouviram próximo da delegacia. Mais tarde uns
seriam menos enfáticos do que outros quanto a terem ouvido uma
"confissão" detalhada, mas no ponto vital foram unânimes. Ela dissera ter
estado na cena do crime.
Diante do juiz e da pergunta, Paula desmente todos os pontos. Sua
versão é de que acordou com os dois policiais querendo conversar com
ela a sós no quarto, mas a mãe ficou. Disseram-lhe então que Guilherme
confessara e pediram que fosse com eles à delegacia para ajudar o
marido. Perguntaram se ela sabia alguma coisa e ela disse que não.
Foram para a delegacia junto com ela, a mãe e uma vizinha amiga, Maria
Rita de Meio Braga. Os policiais ligaram a sirene do carro e andaram em
contramão, subiram em calçada e frearam bruscamente. Ela começou a
passar mal e a ficar tonta. Chegaram a um pátio aberto e mandaram que
ela sentasse numa cadeira. Ficou nervosa e vomitou. Um policial sentou
ao seu lado e falou que Guilherme tinha dito que ela estava junto na hora
do crime e que poderia ajudá-lo se falasse. Ela negou e passou mal de
novo. Aí a botaram em outro carro e disseram que iam levá-la para a
delegacia da Gávea. A mãe pediu a presença do advogado de Guilherme e
eles disseram que ela, Paula, não poderia falar com o advogado antes de
depor. Então a levaram de volta à 16ª. Diz que foi uma covardia o que
fizeram com ela e que em nenhum momento confessou nada.
Durante o interrogatório Paula entrou em contradição em relação ao
que Guilherme dissera durante a confissão na 16ª DP. Aqui, diante do
juiz, ela desmente que soubesse do assédio de Daniela a seu marido e lá,
para o delegado, Guilherme afirmara que não só contara a Paula, mas
também à mãe dela, em casa, que era perseguido pela atriz.
A platéia na sala do 2º Tribunal do Júri ouvira atenta todas as
respostas de Paula ao juiz.
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VINTE E NOVE
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uma faca e não uma tesoura.
Paula esteve presente durante todos os depoimentos, feitos ao juiz
Gilmar Augusto Teixeira, de novo na sala do Tribunal do Júri. Ela
permaneceu impassível durante as mais de
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O CRIME COMENTADO
MARCELO LEITE
Yasmin (Folha de S. Paulo, 31/12/92)
Diz que "é difícil decidir o que vem a ser mais revoltante, se o
assassinato covarde da atriz ou a apropriação folhetinesca do caso policial
pela mídia, em particular pela própria TV". Reconhece que se trata de
matéria de "óbvia relevância jornalística" e afirma que vivemos num
mundo que revela "crescente incapacidade para o recato, o luto, o
decoro".
42
continuada, em face de outro crime: a absurda fragilidade das defesas da
sociedade contra a ação dos criminosos entre nós".
EDITORIAL
Ilusão e realidade (O Estado de S. Paulo, 6/1/93)
"A banalização do artificial ambiente carioca erigido como padrão —
este é o mal que a televisão faz à sociedade brasileira. Glorificou-se,
durante muito tempo, o mal, a delinqüência, a trampolinagem a pretexto
de denunciar as mazelas políticas e sociais deste país. Não se faz mais do
que admitir como rotina normal a existência e a convivência com tais
desvios."
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MARCELO COELHO
Caso Daniela leva ficção ao mundo real (Folha de S. Paulo, 8/1/9 3)
Comenta a forma como os noticiários da Globo exploram o crime e
afirma: "(...) a Rede Globo se torna uma entidade ainda mais
fantasmagórica e maligna. Pois 'fatura', como se diz, com o episódio. (...)
É claro que os índices de audiência da novela e os do Jornal Nacional
crescem, pois o interesse do público é naturalmente maior. Mas sempre
fica a imagem de uma empresa, de uma máquina de lucros, de uma
instituição de poder que é capaz de absorver tudo, de transformar
tragédias reais em boas notícias para o seu departamento de
contabilidade".
ARMINDO BLANCO
Guilherme de Pádua é um ator (O Dia, 8/1/93)
Critica aqueles que, como Walter Clark, ex-diretor da Rede Globo,
investem contra Guilherme de Pádua taxando-o de "despreparado que
subiu na vida através da sua atividade sexual", ou "garoto de michê". Diz
que não está comprovado que Guilherme chegou a se prostituir e que,
embora Alexandre Frota e Maurício Mattar, também atores da Globo,
tenham trabalhado ao lado de Guilherme na peça Blue Jeans, de temática
homossexual, não tiveram a vida particular confundida com a de seus
personagens, como acontece com o acusado da morte de Daniela Perez.
EDITORIAL
Limites da dor (Jornal do Brasil, 8/1/9 3)
Aponta o contraste entre a intensa movimentação dos policiais
encarregados do caso diante das câmeras de TV e os fracos resultados
das investigações. Afirma que a policia brasileira só sabe extrair
confissões, mas carece de técnica investigativa. Acusa a televisão de
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43
de espetáculos (a TV) do que seus donos e beneficiários gostariam que
revelasse. Apesar da exibição inesperada de suas entranhas, a poderosa
rede que manipula as emoções de uma grande massa de espectadores viu
no crime que envolveu atores seus uma oportunidade de aumentar seu
índice de audiência e de transformar uma soap opera sem sal numa
novela de sucesso (...) passando a idéia de grande consternação com o
drama que a atingiu". O artigo diz também que o conteúdo das
telenovelas contém "os esporos da violência, da esperteza desonesta, do
desrespeito pelo outro".
RACHEL DE QUEIROZ
As causas e os frutos da violência (O Estado de S. Paulo, 10/1/93)
"Apesar da sua onipresença, a TV, boa ou má, não gera monstros e
santos, belas e feras (...) Mas, exibindo-os, ela os exorciza (...) Assim,
não vamos iniciar uma caça às bruxas, afiar os dentes da censura, porque
um rapaz doente assassinou uma rapariga linda (...) Castiguemos os
culpados, choremos os mortos inocentes, mas nada de pregar um
recomeço de repressão, essa sim, uma outra forma de violência, e das
mais abomináveis."
WALTER CENEVIVA
Morte da atriz põe Estado em débito com o povo (Folha de S. Paulo,
10/1/93)
Diz que, enquanto o clamor popular exige uma justiça do tipo
"errou, pagou", o devido processo legal tem de ser obrigatoriamente
moroso, para dar todas as chances de defesa ao acusado. Em
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relação à morte de Daniela Perez, "os fatos se passarão na polícia e em
juízo durante meses, talvez anos. A demora é um mal, mas não pode
servir como desculpa para o sacrifício do direito de defesa, a condenação
do inocente ou a punição mais grave que a merecida na forma da lei".
Para que o sistema judicial pudesse acelerar a prestação da justiça, seria
necessário, antes de tudo, remover preconceitos e barreiras que desviam
o foco das discussões jurídicas, como, por exemplo, o sexo dos envolvidos
(a mulher sempre acaba difamada) e a situação econômica (rico não vai
para a cadeia). Enquanto isso, o Estado, permanece em dívida com a
sociedade, em termos de prestação de justiça, devendo procurar suprir
suas deficiências pela atuação, com igual qualidade, nos dois pólos: o da
assistência e o da punição.
SÉRGIO AUGUSTO
Sede de sangue (Folha de S. Paulo, 10/1/93)
Ao comentar a exploração pela Rede Globo do caso Daniela Perez,
diz que o Jornal Nacional "anda obsceno na sua desesperada busca por
notícias de grande impacto popular. O tempo que nele se gasta com
crimes, assaltos, seqüestros e outros atos de violência atingiu níveis
insuportáveis nas últimas semanas. Reflexo da brutal realidade que nos
cerca? Isto é o que os seus editores alegam. A opção do Jornal Nacional
pela sordidez humana tem mais a ver com a guerra de audiência do que
com a guerra por todos nós vivida cotidianamente. Só mesmo uma
perversa vontade de alimentar a morbidez popular pode explicar a sede
de sangue do telejornalismo global".
LEONEL BRIZOLA
O ovo da serpente (Jornal do Brasil, 10/1/93)
Registra duas manifestações contra o "papel corrosivo que o
monopólio da Rede Globo está desempenhando em nosso país": a pri-
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JOSIAS DE SOUZA
Realidade fictícia (Folha de S. Paulo, 11/1/93)
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Comenta a brutal "irrealidade" dos assassinatos da menina Miriam
Brandão, em Minas Gerais, e o de Daniela Perez, no Rio, para explicar a
tendência do cidadão comum a apegar-se à lei de talião e,
inconscientemente, a desejar a adoção da pena de morte. Contrário à
pena capital, usa vários argumentos para repudiá-la mas também
ressalta: "É inconcebível que autor de crime hediondo possa sofrer
condenação máxima de 30 anos de cadeia. É inaceitável que, com bom
comportamento, possa voltar às ruas após seis anos de castigo. São
detalhes que fazem da realidade brasileira uma ficção ainda mais
detestável".
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EDITORIAL
Tragédia amplificada (Folha de S. Paulo, 11/1/93)
Assinala "a sobrecarga de emoção" que o caso recebeu, "para
prejuízo do andamento de uma investigação policial já suficientemente
conturbada pela circunstância de envolver celebridades" e adverte que,
"do frio ponto de vista criminal, se trata de um delito a mais entre os
inúmeros e selvagens que se cometem cotidianamente neste
convulsionado país". Afirma que atores e atrizes, "compreensivelmente
transtornados", revezam-se no vídeo para oferecer ao público, ainda que
involuntariamente, "a imagem oposta da objetividade e do equilíbrio sem
os quais, por mais justas que sejam as intenções, dificilmente se faz
justiça". E que o processo deverá seguir, sem pressa, todos os passos
determinados na lei, para que não haja "afronta à idéia de Direito".
DANUZA LEÃO
Reflexões sobre uma tragédia (Contigo!, 12/1/93)
"Outra coisa que me tem chamado a atenção é a defesa da honra
de Daniela Perez. A impressão que se tem é que por ter sido pura,
honesta e vivendo um casamento feliz (e mais por isso do que por
qualquer outra razão), Daniela não poderia ter sido assassinada. (...) E se
não fosse? Um homem teria o direito de matar Madonna, por exemplo,
por ela ter feito vídeos eróticos e o livro que fez? Quer dizer que se
alguém matar uma mulher "impura" o crime estará justificado e o
assassino, automaticamente absolvido?"
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telenovelas oferecem à população empobrecida, como modelo e ideal, as
aventuras de uma burguesia em decomposição, mas de algum modo
atraente. Acuso, enfim, a televisão brasileira de instigar a violência. (...)
Quem matou, há dias, uma jovem atriz? Seria ingenuidade não indicar e
não mandar para o banco dos réus uma co-autora do assassinato: a TV
brasileira. A novela das 8. E — sinto ter que dizê-lo — a própria novela De
Corpo e Alma".
EDITORIAL
Sangue e lágrimas (Jornal do Brasil, 13/1/93)
"O caso Daniela Perez ensejou finalmente à televisão oportunidade
de refletir sobre si mesma, nesta época tumultuada de decadência de
valores. (...) A televisão, que, num primeiro momento, deveria refletir a
realidade brasileira, precária e violenta sob todos os aspectos, banalizou a
violência no momento em que perdeu o senso crítico e se rendeu aos
apelos de baixo nível. (...) Cada povo tem a televisão que merece —
dizem. Não é verdade. O Brasil terá,
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AUGUSTO MARZAGÃO
Que Deus nos acuda de corpo e alma (Folha de S. Paulo, 14/1/93)
"Desde delegados, a policiais, promotores, advogados, amigos e
companheiros de trabalho da morta e de seu matador, até os mais
proximamente situados em relação ao caso, poucos ou quase nenhum
deles se livrou da sedução das luzes da telinha. A comoção que o fato
deflagrou levou a um paroxismo de reações as mais imprevistas, tendo o
veículo televisão como o grande aumentador e difusor desse descontrole
(...)"
JOSÉ NÊUMANNE
Lama e sangue (Jornal da Tarde, 14/1/93)
Entrando na discussão sobre a adoção da pena de morte no Brasil, o
autor diz que "quem acompanhou o desempenho da polícia fluminense no
episódio Daniela Perez tem motivos de sobra para se preocupar com a
freqüência eventual de erros judiciários com réus sentenciados à morte".
Relembra a "facilidade" com que o delegado Mauro Magalhães aceitou a
"estapafúrdia" versão de que Guilherme matara Daniela porque ela "o
assediava"; o ridículo fato de a polícia periciar o local do encontro do
corpo uma semana depois do crime e de o lugar ter sido vasculhado por
repórteres e fás em romaria; e outras trapalhadas e deficiências na
investigação policial. Entre suas conclusões, o autor afirma: "Na verdade,
é mais fácil debater a pena de morte do que equipar a polícia e cobrar
dela eficiência".
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LUÍZ CAVERSAN
Morte sem pena (Folha de S. Paulo, 14/1/93)
Diz que "num período de 17 meses, encerrado em dezembro
passado, aproximadamente mil mulheres foram assassinadas por motivos
supostamente passionais. Ou seja, o caso Daniela Perez se repetiu mil
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vezes, sem que houvesse o estardalhaço compreensível no caso da
estrelinha da novela das 20 h. A maioria dos assassinatos nem sequer foi
noticiada e eles só podem ser referidos aqui porque constam de relatórios
da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal que investiga a
violência contra as mulheres". Esses números, segundo o autor, mostram
que "não existe hoje uma 'onda de violência' a ser contida por uma
penalidade intimidadora" — como querem os defensores da pena.de
morte — mas sim que "a violência sempre existiu e sempre esteve aí para
os que quisessem vê-la".
JORGE LOBO
O direito da vítima (O Globo, 15/1/93)
Analisa as disposições da Constituição brasileira que tratam dos
direitos e garantias fundamentais do cidadão e constata:
"Dos 77 incisos dedicados aos 'direitos fundamentais', 30 tratam
dos direitos e garantias da pessoa suspeita ou acusada da prática de
ilícito penal, com especial ênfase para 'a plenitude da defesa' (...)".
Afirma que os meios legais de que dispõem os defensores do suspeito ou
acusado favorecem a chicana, que perpetua os processos sem trazer luz
alguma para a elucidação dos casos. E reclama, citando o jurista Vicente
Azevedo: "Para o delinqüente, todas as atenções, todos os cuidados... E
as vítimas, o que se faz em prol das vitimas?"
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JOSÉ SARNEY
Ciúme: a inveja do amor (O Globo, 17/1/93)
Diz que o caso Daniela Perez aguça a imaginação do ficcionista
"porque dá margem a especulações até onde esse Guilherme matou
Daniela, ou o personagem Yasmin". Continua: "Guilherme pode imitar
Rira e até vivê-lo na realidade. Ele não podia matar a namorada na
novela, porque era novela, mas matou-a, sem ser namorada, na
crueldade da vida real". E conclui: "Esse Guilherme pensou que matava
Yasmin e matou Daniela; e Paula (...), possuída dos infernos do ódio e do
ciúme, que é a inveja do outro amor, pensava que estava matando
Daniela e matou Yasmin".
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personagens e situações, o noticiário surrupia da novela a embalagem",
diz a autora.
LUCIANO TRIGO
Collor, Yasmin e Bira (O Globo, 17/1/93)
Constata que a derrocada e a cassação política do ex-presidente
Fernando Collor perdeu de longe, em termos de repercussão, para o
assassinato de Daniela Perez. Percebe a distância entre o Brasil oficial (do
presidente, dos três poderes, das empresas legalmente constituídas) e o
Brasil alternativo (da economia informal, da sonegação fiscal, da
abstenção eleitoral). Collor pertence ao Brasil oficial, que é uma entidade
abstrata para o brasileiro comum. Daniela pertence ao Brasil real, que
fala de perto ao cidadão.
MARCOS SÁCORREA
Programa de auditório (Veja, 20/1/93)
"Como um relógio parado, que fica certo duas vezes por dia, o
governador Leonel Brizola nunca esteve tão perto quanto esta semana de
ver materializada sua profecia de estimação: o Brasil, nas malhas da Rede
Globo, virando uma grande telenovela. No ar, estava a pena de morte.
Estrelando, nada menos do que o presidente Itamar Franco. E, no
controle do script, aquele que, segundo Brizola, é o dono da opinião
pública no país, o empresário Roberto Marinho. Tudo por causa de um
editorial publicado em O Globo, propondo que a sociedade contrate um
carrasco para defendê-la de crimes pavorosos. O jornal citava, apenas, o
caso de Minam Brandão, a menina de 5 anos queimada pelo
seqüestrador, e o 'olhar ausente e gelado' que seu assassino, William
Gontijo Ferrei-
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AGUINALDO SILVA
Criminosos sem perdão (Jornal do Brasil, 24/1/93)
Diz que, no caso Daniela Perez, as cartas "vêm sendo
embaralhadas" desde o início e cada vez mais — "e não mais pela polícia
ou pelos advogados de defesa, mas, sim, pelos amigos e colegas da
atriz", que na tentativa de ajudar, "com seus depoimentos, entrevistas e
declarações, acabam armando uma verdadeira babel em torno do
criminoso, o que só vai ajudar aos seus defensores". E termina:
"Assassinato é assassinato. Um crime para o qual não pode haver
atenuante nem perdão. Se todo mundo se concentrar apenas nisso, talvez
se chegue ao que todos desejam para os criminosos: o pior castigo".
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ARTUR XEXÉO
Cara-pintada vendendo tempero de cozinha? (Jornal do Brasil, 24/1/93)
É um artigo dividido em partes. Ao se referir ao caso Daniela Perez,
o autor pergunta: "Será que continuar trabalhando em Corpo e Alma é
tão constrangedor para os artistas da Globo quanto é para os
espectadores continuar assistindo à novela?". Afirma que tirar de De
Corpo e Alma do ar acarretaria problemas extras: "Além de contratos de
merchandising, a novela está sendo exibida, simultaneamente, em
Portugal. A decisão de tirá-la do ar envolveria mais gente". A alternativa
seria abreviá-la: "Ô, Globo, não dá pra acabar logo com essa novela,
não?"
ARNALDO JABOR
Crimes reais não cabem no horário nobre (Folha de S. Paulo, 26/1/93)
"A Globo criou o brazilian way of living, com seu brilho barato e
consumista. Criou esta 'vida nacional' com duas margens: a dos pobres
que sofrem no Globo Repórter e a dos limpos que têm encontros
amorosos nas novelas. Acontece que um lado contamina o outro" e é
quando "o criminoso limpo nos põe em contato com o outro lado do
sanduíche da morte. (...) Guilherme expõe nossa doença. Daí o horror
que o criminoso limpo provoca nos colegas-atores. Tirou deles a proteção
de habitarem a ficção. Guilherme traiu a confiança da Globo. Por uma
falha do Departamento Pessoal, invadiu com seu passado 'sujo' o elenco
dos 'limpos'. Mais que criminoso, foi um impostor. (...) Guilherme e Paula
demonstram que a morte não é apenas uma endemia rural dos
miseráveis. A morte está até mesmo debaixo do padrão Globo de
qualidade, como um escorpião que tem de morrer para ninguém ver.
Tudo vai bem na Globo, tudo sempre foi bem na Globo. Na pior ditadura,
a Globo ia bem; na pior recessão, a Globo vai bem. É nosso olimpo.
Quando a realidade invade a ficção, é necessário extirpa-la. A Globo é
nossa reserva ecológica de felicidade."
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CAPA
Joca Pereira
Este livro foi composto, paginado e fotolitado pela Divisão de Produção da
Scritta Oficina Editorial Ltda, nas fontes Stone Serif e Stone Sans. Os
filmes da primeira edição foram entregues a Companhia Lythographica
Ypiranga, às oito horas do dia dezoito de fevereiro de 1993, para uma
tiragem de trinta e cinco mil exemplares.
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