Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
✽✽✽
✽✽✽
✽✽✽
✽✽✽
✽✽✽
✽✽✽
Resta um dia
Agora estou na cozinha de Helena, olhando mais para a minha xícara
de café e para o pão com manteiga do que para ela. É o quinto dia. E amanhã
eu vou embora. E o que vivemos vai acabar. Helena sabe que as coisas não
estão nem um pouco bem. Mesmo que tenhamos dormido e acordado
juntinhas e que isso seja tudo o que eu queria que acontecesse. Foi quando
olhei no meu celular que horas eram e, sem querer, vi a data de hoje, que me
dei conta de tudo.
— Você quer conversar? — ela me pergunta.
— Acho que erramos. Nós moramos muito longe uma da outra, eu
vou embora amanhã, nós somos amigas...
— Se esse é o seu medo, Camila, não vamos deixar de ser amigas —
ela responde. — Você tem que ir, e eu pensei nisso a semana inteira. E não
posso exigir nada de você. Mas nós duas juntas é uma coisa muito legal. Eu
nunca diria que foi um erro.
E só porque ela aperta a minha mão por cima da mesa, que eu me
permito ficar até ela estar pronta para o trabalho. Então, eu pego o caminho
para o meu congresso e passo o resto do dia assistido aos últimos debates e
apresentações chatos.
É claro que durante todo esse tempo eu só consigo pensar em Helena.
Em todo o tempo que nos conhecemos e quanto demorou para nos vermos
pela primeira vez. Em todos os filmes que indicamos uma para a outra, nas
postagens e fotos uma da outra que comentamos, nas conversas que tivemos
por todas as redes sociais. E de como tudo parecia tão certo durante os quatro
últimos dias.
No fim, acho que somente eu estou errada. Minha passagem está
marcada para às seis horas da tarde de amanhã. Mil quilômetros vão me
separar de Helena. A única coisa que parece errada aqui é que eu queira me
afastar dela nas últimas vinte e quatro horas que nos restam.
Então, eu pego meu celular e digito:
Qual filme você diria que duas pessoas apaixonadas uma pela outra
não podem deixar de ver juntas?
✽✽✽
Último dia
Às 17h45, o ônibus para na plataforma 25 da rodoviária e, no banco
de madeira que dividimos juntas, Helena aperta a minha mão. Chegou a hora
de nos despedirmos, mas de forma nenhuma é uma despedida triste.
Uma pequena fila de passageiros já começa a se formar diante da
porta do ônibus de viagem com dois pavimentos, e Helena segura a minha
mochila enquanto o assistente do motorista e um funcionário da rodoviária
pregam etiquetas de identificação na minha mala e a depositam no bagageiro.
Então, estou de frente para Helena de novo, com a minha identidade e
passagem na mão e o meu travesseiro debaixo do braço. A gente se abraça.
— Me avisa quando chegar! — ela pede.
— É claro que aviso! — eu respondo. — A gente vai conversar todos
os dias.
— Claro que vai! E enviar mensagens de áudio. E fazer
videochamadas.
— E enviar fotos uma para a outra — eu completo.
— E postar as fotos que tiramos juntas?
— Com emoji de arco-íris na legenda.
— Sabe, eu posso tirar férias em fevereiro — Helena conta. — Você
já conhece a minha cidade, mas eu não conheço a sua...
— Vou esperar ansiosa até lá!
— Já estou com saudades!
— Também estou. Eu te amo!
— Também te amo!
E, então, eu me lembro. Pego a minha mochila das mãos de Helena,
mas ao invés de colocá-la num dos ombros, desprego dela o botton que
Helena me deu de presente e o prendo na minha jaqueta. E porque vejo os
últimos passageiros entrando no ônibus, eu beijo Helena sem me preocupar
com o que qualquer pessoa no pátio de uma rodoviária poderia pensar. E vou
em direção ao ônibus, acenando para ela.
Quando o ônibus faz a curva para sair da plataforma de embarque, eu
a vejo pela janela, e ela une as duas mãos formando um coração. Mesmo que
eu vá embora, ainda vamos voltar a nos ver.
Agradecimentos
Se você leu essa história até aqui, já tenho muito pelo que agradecer.
Camila e Helena são duas personagens que apareceram na minha mente de
forma muito repentina; e, diferente de outras histórias que já escrevi, desde
que pensei nelas pela primeira vez, eu já sabia quem elas eram, como eram, o
que desejavam, o que as unia e como iriam se encontrar. Por isso, tenho
muito carinho por elas.
Agradeço a Nina Spim pela revisão, pela leitura sensível e pelos
comentários que me fizeram sorrir para a tela do computador. Agradeço
também a Alice Gonçalves, pela capa linda que torna essa história ainda mais
especial.
Agradeço, especialmente, a todas as pessoas que escrevem e
recomendam histórias com protagonismo LGBTQIA+. Por muito tempo,
lésbicas, gays, bissexuais, pessoas transgênero, queer, interssexuais e
assexuais, entre outras denominações, não estiveram presentes na literatura;
ou estiveram presentes apenas de forma estereotipada, como alívios cômicos
ou como figuras sem relevância. Mas a literatura, ao refletir sobre a vida,
deve considerar a diversidade. Por isso, agradeço a todas pessoas que criam e
recomendam histórias diversas. Graças a elas, eu pude passar a perceber o
mundo de outra forma.
Sobre a autora
Lethycia Dias nasceu em Brasília em 1997 e desde 2011 vive em Goiânia
– GO. É formada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade
Federal de Goiás (UFG) e é apaixonada por literatura. Escreve desde a
infância, mas só recentemente vem tentando profissionalizar a própria escrita.
Tem um poema publicado na antologia Asas, Eixos e Versos, uma crônica na
antologia Brasília é uma festa, um conto na edição 9 da Revista Avessa, e um
conto na coletânea Sereias: Encantos & Perigos, da Delirium Editora, além
de outros textos distribuídos entre suas contas no Wattpad e no Medium.
Mesmo que eu vá embora é sua primeira história publicada pelo Kindle
Direct Publishing (KDP). Além de livros, Lethycia ama gatos e ipês.
Onde me encontrar
Twitter | Instagram | Medium | Wattpad | Skoob
Playlist do conto
O conto tem uma playlist no Spotify com 30 músicas que Camila e
Helena ouviram pela caixa de som da lanchonete, ou que poderiam embalar
essa história de amor. Para encontrá-la, digite Mesmo que eu vá embora no
campo de pesquisa ou clique neste link. Confira abaixo as músicas: