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Contra Capa
Ele tem uma missão quase impossível: fazer com que Annabel "Não
pense nem julgue. Apenas ouça".
Aba da Frente
Um
"Faça seu Ano Novo ser melhor ainda", ela disse, e eu respirei
fundoantecipadamente, a próxima frase foi dita, a última frase,
aquela que era verdade. "Está na hora de voltar para a escola".
A cena congelou, o logo da Kopf apareceu abaixo do meu rosto. Em
poucotempo, a imagem da tela mudaria para um comercial de waffle
ou previsão dotempo, um novo assunto a cada quinze segundos,
ininterruptamente, mas nãoesperei. Peguei o controle remoto,
desliguei minha imagem na TV e fui para a porta.
Tive três meses para me preparar para ver Sophie. Porém, na hora,
percebique ainda não estava pronta.
— Vadia.
O vidro que estava entre nós não abafou o som nem a reação das
pessoas quepassavam. Vi uma garota que foi da minha classe no
ano passado me olhar comódio, enquanto outra que eu não
conhecia estava morrendo de rir.
Senti meu rosto ficar vermelho, como acontecia toda vez que
alguémlevantava a voz para mim. Eu era muito sensível a tons de
voz, tanto que até aqueles
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— A Whitney pediu para eu te dizer que ela foi pra casa — disse
Clarke,assoando o nariz enquanto eu colocava a Coca-Cola com
todo o cuidado ao lado daminha cadeira. — Eu disse a ela que a
gente podia voltar a pé.
Clarke é minha melhor amiga desde que tínhamos seis anos. Havia
muitascrianças na vizinhança, mas por alguma razão a maioria
delas era adolescente, como asminhas irmãs, ou tinham menos de
quatro anos, resultado de um baby-boom de algunsanos antes.
Quando a família de Clarke se mudou de Washington, nossas mães
seconheceram em uma reunião da associação de moradores. Assim
que ficaramsabendo que nós éramos da mesma idade, elas nos
juntaram, e assim ficamos desdeentão.
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Aquilo com certeza era irritante. Vi Molly fuzilando a garota com uns
olharesde poucos amigos, até Kirsten tinha pedido a ela para se
afastar um pouco, porfavor, quando a menina tinha chegado muito
perto. Mas a garota parecia não seimportar. Ao contrário, se
esforçava mais, como se não importasse o que minha irmã e suas
amigas falassem desde que fosse com ela e ponto final.
Margie.
— Ah, é? — eu disse.
— Ela tem o cabelo preto, é um pouco mais alta que você. Talvez
você jáa tenha visto por aí.
— Não sei...
— Mudar para um lugar novo é difícil, você sabe. Talvez ela não
saiba comofazer amigos...
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— O que quer dizer que talvez você tenha que fazer um esforço
também —concluiu minha mãe.
— Ela tem doze anos — disse Kirsten, como fosse equivalente a ter
umadoença contagiosa ou algo assim.
mãe.
— Boa menina — disse ela. E eu esperava que tudo parasse por ali.
No entanto, na tarde seguinte, quando Clarke e eu chegamos à
piscina,Kirsten já estava lá, deitada com Molly de um lado e a garota
nova do outro. Eu tenteiignorar a situação enquanto nos
arrumávamos no nosso canto, mas de vez emquando dava uma
olhada para ver se Kirsten me observava. Logo depois, ela
levantou,me olhou e andou até a lanchonete. A garota nova foi atrás
imediatamente e eu sabia oque tinha que fazer.
Whitney, por outro lado, era de uma fúria silenciosa. Ela nunca dizia
queestava brava, mas dava para saber pela expressão do seu rosto,
do seu olharfulminante, além daqueles suspiros profundos, que
podiam ser tão agressivos quanto as palavras e que faziam
qualquer um preferir que ela falasse de uma vez.
"Por que vocês não conseguem ser gentis?", ela pedia. E minhas
irmãssomente reviravam os olhos, mas eu levei a sério a
mensagem: que ser gentil era oideal, a única atitude que fazia com
que as pessoas não falassem tão alto e nemfossem tão silenciosas
a ponto de assustarem as outras. Bastava ser bom e gentilpara não
precisar se preocupar com discussões. Mas ser gentil não é tão fácil
quantoparece, principalmente quando o resto do mundo pode ser
muito mau.
A garota não disse nada por um tempo que parecia não ter mais fim.
ViKirsten saindo do banheiro feminino e parar ao ver a gente
conversando.
idéia.
Acontece que tudo teria ficado por isso mesmo se eu fosse a única
pessoa ali.Eu teria dado meia-volta, morrendo de vergonha, e ido
encontrar a Clarke, ponto
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"Droga!", pensei.
só...
Eu sabia que qualquer coisa que tivesse a ver com aquela garota
não eraproblema meu. Afinal, ela tinha sido mal-educada comigo
duas vezes e, portanto,não merecia minha pena, nem minha ajuda.
Mas ao passarmos pela cadeira, Clarkeparou.
— É — eu disse. — Tá bom.
Ela olhou para a sacola, depois para mim com uma cara
desconfiada.
Dois
— Sophie!
Olhei pelo corredor até a escadaria principal e percebi que ela vinha
na minhadireção - vi o seu cabelo vermelho balançando na multidão.
Quando ela finalmenteapareceu, a meio metro de onde eu estava,
nossos olhares se encontraram por uminstante. Depois continuou
andando pelo corredor até onde Sophie esperava por ela.
Como Emily tinha sido minha melhor amiga, pensei que talvez,
apenastalvez, ela quisesse continuar nossa amizade. Mas, pelo
jeito, não. Elas já tinham traçado os limites — e eu tinha ficado de
fora.
Minha ligação com Sophie não ajudava, é claro. Ser amiga dela
tinha metransformado em cúmplice de todos os seus crimes sociais
— que eram muitos — ede tudo que ela tinha aprontado. Portanto, a
maioria dos alunos não estava exatamente
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borracha que o deixavam ainda mais alto e seus passos ainda mais
pesados. Seucabelo era escuro e curto, e nunca o vi sem seu iPod e
fones de ouvido, que ele usavadentro e fora da classe, com ou sem
aula. E embora eu soubesse que ele devia teramigos, nunca o vi
falar com ninguém.
Owen estava andando numa boa quando Ronnie gritou algo para
ele. Owennão respondeu e Ronnie pegou o carro e parou na frente
dele, bloqueando suapassagem. Eu estava longe, mas percebi que
era uma péssima idéia; Ronnie não erapequeno, mas ficava
minúsculo perto de Owen Armstrong, que era bem mais alto e com
as costas largas.
Mas parece que Ronnie ainda não tinha percebido. Ele disse algo
paraOwen, que apenas o olhou e desviou. Quando ele começou a
andar de novo, Ronniedeu um soco no queixo dele!
Eu não consegui parar de olhar para ele sentado lá, com a mão no
volante,esperando pelo carro à sua frente — uma station wagon de
onde uma garota tirava umvioloncelo ou algum outro instrumento
grande — para sair dali. Depois de um segundoele balançou a
cabeça, irritado.
todos.
Tentei parecer feliz, mas a verdade era que eu tinha esquecido com-
pletamente que, alguns dias antes, minha mãe havia dito que Lindy,
a minha agente,ia mandar minhas fotos para uma marca de biquínis
chamada Mooshka Surfwear,que estava contratando para um novo
anúncio. Posso dizer que meu trabalho comomodelo não era a
minha maior preocupação nos últimos tempos.
— Mas tem uma coisa — ela continuou. — Lindy disse que eles
querem teconhecer pessoalmente.
Era isso o que minha mãe fazia. Sempre tinha um "Que tal fazermos
oseguinte", que significava algum acordo proposto por ela, mesmo
não sendo nadadiferente da idéia inicial ao menos soava mais
agradável. Antes, recusar era a minha prerrogativa. Depois disso,
continuar recusando me faria parecer cabeça-dura.
— Às quatro.
Levava uns bons vinte minutos para chegar lá. Já seria muita sorte
não meatrasar, o que só aconteceria se eu pegasse muitos faróis
verdes.
Minha mãe nunca foi um pilar de força. Ela era uma mulher quieta,
de falamansa e com o rosto cheio de bondade — o tipo de pessoa
pela qual você procurariase estivesse em um lugar público e algo
muito ruim acontecesse, pois lhe dariaconforto instantâneo. Sempre
pensei que minha mãe nunca mudaria o seu jeito e foipor isso que a
mudança que ela sofreu nas semanas depois do funeral da minha
avóera tão estranha. Ela ficou... Mais calada. De repente seu rosto
ganhou um arassustado e cansado e era tão óbvio que até eu, aos
nove anos, percebi. Primeiro, meupai nos garantiu que isso fazia
parte do luto, que minha mãe estava cansada e queficaria bem.
Porém, ela começou a se levantar cada vez mais tarde e depois
haviadias em que ela nem saía da cama. Quando ela estava
acordada, eu às vezes ia paracozinha de manhã e a via sentada na
mesma cadeira, com uma xícara vazia na mão, olhando pela janela
Cada vez mais, nossas vidas passaram a ser guiadas pelo estado
em que minhamãe estava. Era o barômetro pelo qual medíamos
tudo. Em minha cabeça, a situaçãopodia ser percebida logo pela
manhã: quando eu via que ela tinha se levantado emum horário
razoável e preparava o café da manhã, estava tudo bem. Porém,
quandono lugar dela encontrava meu pai se esforçando para servir
cereal e fazer torradasou, ainda pior, quando nenhum deles estava
por ali, eu sabia que o dia não seria bom.Talvez fosse um sistema
rudimentar, mas funcionava, mais ou menos. Além disso, eunão
tinha mais nada em que me basear.
— Sua mãe não está se sentindo bem — era só o que meu pai dizia
quando
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— Grace — disse meu pai com uma voz preocupada. Kirsten voltou
a sentar-se, em silêncio. — Você não precisa fazer isso.
Essa era uma das razões por que eu ainda não tinha contado para a
minhamãe que não queria mais trabalhar como modelo. A verdade
era que, durante todo overão, eu me senti estranha e fiquei nervosa
nos testes de um jeito que nunca tinhame sentido antes. Eu não
gostava da idéia de ser examinada minuciosamente, de terque
andar na frente de estranhos que me observavam. Em junho, em
um teste paracomercial de biquíni, eu me esquivava toda vez que a
produtora tentava ajustar omeu biquíni e sentia um nó na garganta
mesmo quando pedia desculpas e dizia queestava bem.
Quase contei isso para a minha mãe várias vezes, mas sempre
aconteciaalguma coisa e eu acabava desistindo. Eu era a única filha
que continuavatrabalhando como modelo. Além disso, se já é difícil
tirar de uma pessoa algo que afaz feliz, tudo fica muito pior quando
se trata da sua única fonte de felicidade.
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Fiz que sim com a cabeça e logo mudei a direção do meu olhar para
umaminivan que passava e tinha um daqueles adesivos MEU
FILHO É NOTA 10 no vidrotraseiro.
— Mãe! — eu disse.
— Sim?
— Sem?
— De jeito nenhum.
Fiz que sim com a cabeça e me inclinei para lhe dar um beijo bem
pertinho dabochecha e sem manchá-la de batom.
— Certo.
Três
Kirsten a pagar o aluguel, ela não tinha muito motivo para reclamar.
(Mas reclamou, éclaro.) Além disso, de acordo com minha mãe, elas
estavam mais maduras agora e os conflitos antigos tinham ficado no
passado.
— Ah não, ela só esteve doente — minha mãe disse. Ela olhou para
Whitneyque, por sua vez, encarava Kirsten com muita raiva. — Não
é, querida?
disso.
Minha mãe arregalou os olhos e, mais uma vez, pensei nela entre
nós, tãopequena e frágil.
Agora.
— Eles têm que saber — ela disse. Porém, quando virei meu rosto
na suadireção, Kirsten olhava para frente e fiquei na dúvida se era
comigo mesmoque ela estava falando. — É a coisa certa a fazer. Eu
preciso fazer isso.
— Ela está doente, pai. Ela quase nunca come, e quando come, é
estranho.Não come nem meia maçã no café da manhã e só três
bolachas salgadas no almoço.E malha o tempo todo. A academia
que fica na esquina de casa é 24 horas, e, às vezes, eu me levanto
e ela não está em casa. Sei que ela está na academia.
— Talvez ela não esteja — disse meu pai.
— Sim.
Mais coisas foram ditas, é claro, mas não consegui ouvir. E uma
horadepois, quando me chamaram para jantar, o que quer que
tenha acontecido já tinhaterminado e estávamos de volta à boa e
velha configuração da família Greene,fingindo estar tudo bem. E eu
tinha certeza de que assim parecia — ao menos paraquem olhava
de fora.
Foi meu pai quem projetou nossa casa, que, na época, era a mais
moderna davizinhança. Todos a chamavam de "A Casa de Vidro",
apesar de ela não serrealmente toda feita de vidro, apenas a sua
frente. Do lado de fora, dava para vertodo o térreo: a sala de estar,
dividida por uma lareira de pedra enorme, além dacozinha e da
piscina que ficava atrás, no quintal. Também era possível ver
asescadas e parte do segundo andar: o corredor do meu quarto e
do quarto da Whitney,
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— Eu tentei contar para vocês — era tudo o que ela dizia. Pude
ouvir asua voz de onde eu estava. — Eu tentei.
contado porque não queria deixar minha mãe preocupada, pois não
era nada demais.Mesmo.
Whitney disse que não, não era necessário, pois elas viriam para
casa em duassemanas para o Natal e era disso que ela estava
precisando: uma pausa para dormirmelhor. E ela ficaria bem
novamente.
Antes de desligar, meu pai pediu para falar com Kirsten novamente.
Mesmo assim, minha mãe não viajou para lá. Esse foi o maior erro
de todos eaté hoje é a única coisa que não consigo entender. Por
algum motivo, ela acreditou naWhitney. E foi um erro.
Minha mãe não se deu conta de nada disso, ou pelo menos não se
ma-nifestou. Ao contrário, quando me afastei de Whitney, ela deu
um passo à frente,
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Minha mãe olhou para meu pai que, por sua vez, continuava muito
sérioobservando Whitney.
Mas Whitney não comeu naquela noite, pois dormiu até o outro dia e
não semanifestou em nenhuma das vezes que minha mãe subiu
com uma bandeja, nem namanhã seguinte: ela disse ter se
levantado bem cedinho e já ter tomado café da manhãquando meu
pai, o madrugador da casa, desceu para fazer café. Na hora do
almoço,ela dormiu novamente. E, finalmente, no jantar, minha mãe
a fez sentar-se à mesaconosco.
Whitney estava sentada ao meu lado e, logo que meu pai começou
a nosservir o jantar, cortando o rosbife e colocando as fatias nos
pratos, eu fiqueitotalmente atenta ao fato de Whitney não conseguir
ficar parada, se contorcendo todanervosa, puxando o punho da
manga do seu moletom largo. Elacruzou e descruzou as pernas,
depois tomou um gole de água e puxou amanga do moletom de
novo. Eu podia sentir o estresse que emanava dela,era perceptível.
E quando meu pai colocou na frente dela um prato cheio decarne,
batatas, ervilhas e um bom pedaço do famoso pão de alho da minha
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— Não — disse minha mãe — isso é por sua causa, querida. Você
precisa ficar
bem.
Peguei algo para beliscar e fui para a sala de TV, onde assisti à
reprise de um reality show sobre transformações e um noticiário
local. Quando finalmente subi denovo, era aquela hora da noite
quando através do vidro se pode ver a lua brilhando eiluminando
tudo. Ver tanta luz dentro de casa era algo que sempre me
pareceuestranho e, ao passar pela claridade, cobri os olhos.
vapor.
Whitney estava no chão, aos meus pés. Foi no ombro dela que a
porta bateuquando tentei abri-la pela primeira vez. Ela estava
deitada com os joelhos próximosao peito e envolta em uma toalha,
sua bochecha contra o piso. Como eu haviasuspeitado, o chuveiro
estava no máximo e uma poça de água já estava se formando,pois
a quantidade de água era grande demais para escoar pelo ralo.
Você está...
Ela era puro osso. Foi a primeira coisa que pensei. Ossos e
calombos, cadanozinho da sua coluna vertebral era protuberante e
visível. Os ossos do quadrilsaltados, seus joelhos magros e pálidos.
Era impossível que ela conseguisse ser tãomagra e ainda estar viva,
e mais impossível ainda que ela tenha conseguido esconderisso. E
quando ela se mexeu novamente, eu vi a única coisa que me
lembraria parasempre: suas duas escápulas pontudas e saltadas
iguais às asas dos filhotes depassarinhos mortos, sem pele e
recém-nascidos que encontrei uma vez no nossoquintal.
— Mãe — eu disse.
— Grace — disse meu pai, que estava parado entre o seu escritório
e ocorredor. — Querida. Está tudo bem.
Depois, meu pai acalmou minha mãe e lhe disse para subir, tomar
um banhoe tentar descansar. Ele, então, desceu novamente e se
sentou na minha frente.
— Sua irmã está muito doente - ele disse. — Ela emagreceu demais
e pareceque não come normalmente há meses. Seu organismo
apagou ontem à noite.
Fiz que sim com a cabeça. Era claro que meu pai não estava a fim
de discutiro impacto emocional do que tinha acontecido. Ele me
informou dos fatos, doprognóstico, e era isso o máximo que eu
conseguiria dele.
— O quê?
Nem quando ela ligava, nem quando veio passar uns fins de
semana em casadurante a primavera. No começo, Kirsten ficou
magoada, depois com raiva e, maistarde, passou a revidar com seu
próprio silêncio. O resto de nós ficava no meio,preenchendo os
silêncios desagradáveis com assuntos que nunca davam certo.
Desdeentão, meus pais passaram a viajar várias vezes para visitá-la
e ela, por sua vez, fezquestão de não voltar para casa.
Quatro
— Vadia.
Eu não tinha uma história com Owen. Com Sophie e Clarke era
diferente.Havia um padrão nisso, alguma conexão, mesmo que eu
não quisesse enxergá-la.Não parecia justo nem correto, mas eu
sempre imaginava que talvez não estivessenessa situação por
acaso e que ela talvez fosse exatamente o que eu merecia.
Mas Clarke não era assim e eu sabia disso. Ela se dava bem com
seus pais.Porém, Sophie não dava sossego. Se ela não implicava
com o fato de Clarke não semaquiar, o problema eram suas roupas,
seus espirros constantes ou o fato de ela terque voltar para casa
uma hora mais cedo do que nós duas — o que queria dizer
quequalquer coisa que a gente fizesse juntas tinha que durar menos
para garantir que elachegasse em casa no horário certo.
depois.
Sophie sorriu.
— Eu? — perguntei.
— Cerveja? — perguntei.
— Nossa, fique calma — ela disse, rindo. — Você não tem que
beber senão quiser.
Apenas olhei para ela, sabendo que deveria dizer a mesma coisa,
mas, poralgum motivo, as palavras não saíram. Provavelmente
porque eu só conseguiapensar que Chris Pennington, o garoto para
quem olhei muitas tardes na piscina,tinha perguntado sobre mim.
vamente.
até a parte de trás da piscina, de como foi beijá-lo, dos seus lábios
quentes contra osmeus e as minhas costas pressionadas contra a
parede gelada Ou de ouvir de longe arisada de Sophie, sua voz
vinda de algum lugar onde ela estava com o melhor amigodele, um
cara chamado Bill, que se mudou da cidade quando o verão acabou.
Todasessas coisas ficaram registradas, mas há uma imagem, um
momento que é maisimportante do que todos os outros. Aconteceu
mais tarde, quando olhei para a cercada piscina e vi alguém parado
do outro lado da rua, sob a luz de um poste. Umagarota pequena de
cabelos negros, usando shorts e sem maquiagem, que ouvia as
vozes, mas não podia nos ver.
— Clãããrke!
Sua voz saiu tão parecida com a da Clarke, entupida e fanhosa, que
tomei umsusto. Senti um golpe no peito quando todos começaram a
rir e olhei para Clarkenovamente, sabendo que ela ouvia tudo. Ela
ainda estava lá, do outro lado da rua sob aluz, mas eu sabia que
não se aproximaria, e que eu tinha que levantar e ir até ela.
Então, eu fiquei onde estava e Clarke voltou para casa. Mais tarde,
quandofui para a casa dela, as luzes estavam apagadas e a porta,
trancada. Mesmo assim, bati.Porém, diferentemente daquela vez
em que fomos à casa da Sophie, a porta não seabriu. Clarke me
deixou esperando, assim como eu fiz com ela, e acabei indo
paraminha casa.
Eu sabia que ela estava com muita raiva de mim, mas imaginei que
tudo ficariabem. Foi apenas uma noite — eu errei; ela ia me
desculpar. Porém, no dia seguinte,quando fui falar com Clarke na
piscina, ela nem me olhou e ignorou os vários "ois" quefalei, virando
as costas toda vez que me sentava na cadeira ao seu lado.
Mas era óbvio que não estava nada bem, pois ela não olhava para
mim e seurosto continuava de perfil. Ela estava com tanta raiva e eu
me senti tão impotente quenão agüentei mais ficar lá. Então, me
levantei e fui embora.
— E daí? — disse Sophie quando fui até a casa dela contar o que
tinhaacontecido. — Por que você se importa que ela esteja com
raiva?
" Sou eu", ela começou, "só estou ligando para dar um oi, ver como
estão ascoisas. Neste exato momento, estou indo para a aula; o dia
está lindo aqui... Não seise contei a vocês, mas me matriculei em
uma aula de comunicação este semestre,muito bem recomendada
por uma amiga, e estou adorando. Ela tem uma
abordagempsicológica e estou aprendendo muito... E o professor
assistente que cuida dosseminários é simplesmente brilhante. Quer
dizer, muitas vezes nas aulas eu me pegopensando em outras
coisas, mesmo quando a matéria me interessa, mas o Brian, eleé
simplesmente incrível. Sério. Eu até estou pensando em seguir a
área dacomunicação, pois estou aproveitando muito as aulas... Mas
também tem a minha aulade cinema, que também me interessa
muito, então, eu realmente não sei. De qualquerforma, estou quase
na sala de aula, espero que todos estejam bem. Saudades.
Amovocês. Tchau!"
A foto fora tirada três anos antes, durante uma de nossas viagens
de família àpraia; o fotógrafo era um amigo de um amigo do meu
pai. Na época, pareceu espontâneo,pois ele sugeriu de forma casual
que tirássemos a foto. Mas, na verdade, meu paitinha tudo
planejado havia semanas para dá-la de presente de Natal à minha
mãe.Ainda lembro que seguimos o fotógrafo, um homem alto e
magro cujo nome esqueci,pela areia, até chegarmos ao quebra-mar.
Kirsten foi a primeira e estendeu a mão paraajudar minha mãe,
seguida por Whitney e eu. Era difícil andar pelas pedras e eu
melembro de Kirsten guiar minha mãe pelas bordas cheias de
pedras até chegarmos a um local plano, onde posamos.
— Ah, bom. Tenho certeza de que vão ligar — disse. Ela andou em
direção àpia, abriu a torneira e passou sabonete líquido nas mãos,
olhando paraa piscina através da janela. Essa luz de final de tarde a
fazia parecer cansada — além disso, quarta-feira era um dia
cansativo para ela.
***
— Sua irmã vai te levar para a escola hoje — disse minha mãe. —
Edepois ela vai ficar com o seu carro para fazer umas compras, ir ao
cinemae depois te pega à tarde. Tudo bem?
— Claro — eu disse.
Minha mãe sorriu, depois olhou para minha irmã, para mim e para
minha irmãde novo.
— Eu dirijo.
Whitney também não falou. Pude perceber que ela não dirigia havia
algumtempo. Ela estava sendo muito cuidadosa, freando antes do
necessário ao se aproximardos semáforos, deixando outros carros
passarem. Quando estávamos paradas em umsinal vermelho, olhei
para o outro lado e vi dois executivos em uma SUV olhando paraela.
Os dois usavam terno — um tinha cerca de vinte anos e o outro, a
idade do meupai — e instantaneamente fiquei na defensiva,
querendo protegê-la, mesmo sabendoque ela teria odiado isso se
soubesse. No entanto, percebi logo depois que eles nãoestavam
olhando por causa da sua magreza, mas porque Whitney chamava
atenção.Eu havia me esquecido que minha irmã já tinha sido a
garota mais bonita que vi navida. O mundo, ou pelo menos uma
parte dele, ainda parecia vê-la da mesma forma.
— Certo — respondi.
Ela deu a seta, olhando para ver se vinha algum carro. Eu fechei a
porta e elasaiu dirigindo.
— Ei! — ele disse. Eu estava agora tão perto do carro que podia
sentir o ar-condicionado soprando para fora da janela aberta.
— Não te vejo mais nas festas — ele disse. — Você ainda está
saindo?Naquele momento, bateu uma brisa que fez minhas
anotações flutuarem, fazendo um som igual ao do bater de asas. Eu
segurei os papéis com mais força.
Era Sophie. Ela estava logo atrás de mim. Eu parei de andar, mas a
bilecontinuava subindo. Depois de tantas vezes a ouvindo emitir
apenas uma palavra,ouvir essas quatro era demais para mim. E ela
não parou.
ônibus.
— Sophie... — eu disse.
Abri caminho entre as pessoas que estavam perto de mim com uma
mão naboca. Eu ouvia as pessoas falando e rindo, enquanto a
multidão se desfazia pouco apouco, até que finalmente cheguei ao
outro lado. O prédio principal estava bem naminha frente e em volta
dele tinha uma fileira de arbustos altos. Eu corri naqueladireção e
senti as folhas me pinicando enquanto passava entre eles. Não
consegui irmuito longe, e fiquei torcendo para que ninguém me visse
enquanto eu me inclinavapara a frente, com uma mão apertando o
estômago, para vomitar na grama, tossindo ecuspindo, aquele
barulho nos meus ouvidos.
Cinco
— Você acha?
— Mas foi bom você não ter feito isso. Não teria valido a pena.
— Alô?
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— Oi, querida! — A voz dela era tão alta no telefone que imaginei
que talvezOwen pudesse ouvi-la. Então, apertei o celular contra a
minha orelha. — Como foi seudia?
— Ah, tudo bem! Eu saio para te pegar já! — ela disse. — Chego
em quinzeminutos.
Logo após desligar, fiquei parada com o telefone na mão. Mais uma
vez, tudogirava em torno da Whitney. Para ela, isso pode ter sido
apenas um dia, mas para mim,foi um dia horrível. E, agora, eu tinha
que voltar para casa a pé.
— Espera. Ele está meio zoado. — E fez um gesto para eu lhe dar a
fivela.Então ele passou o cinto em mim (percebi que suas mãos
estavam a umadistância decente da minha barriga), depois levantou
a fivela e fechou ocinto. Em seguida, tirou do porta-treco da porta do
motorista um pequenomartelo:
Porém, o que mais vi foi CDs, muitos CDs. Não apenas os que ele
tinhatirado do banco da frente e jogado atrás para eu me sentar,
mas pilhas e pilhas deoutros, alguns comprados em lojas e outros
claramente gravados em casa, amontoadosem uma bagunça no
banco e no chão do carro. Olhei novamente para o painel à
rainhafrente. Apesar de o carro ser antigo, o som parecia
praticamente novo, sem falar deavançado, pois tinha várias luzes
piscando.
Ele me olhou.
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— Ah, não?
Ele balançou negativamente cabeça.
— Eu entendi — respondi.
— Minha irmã.
— Ai, meu Deus! — ela estava quase sem fôlego e ouvi sua voz
abafadapela janela entre nós. — É você!
Abri a minha boca para dizer algo, mas, antes disso, ela
desapareceu dajanela. Um segundo depois, a porta traseira se abriu
e ela entrou.
— Owen, ai, meu Deus — ela disse com sua voz ainda animada e a
todoo volume. — Você não me disse que era amigo da Annabel
Greene!
— Oi — eu disse.
— Mallory.
— Owen!
fundo.
Depois de uma curta pausa, Mallory fez as duas coisas que ele
disse, e com omaior barulho. Quando olhei para trás de novo, ela
estava sentada, com cara debrava, braços cruzados, mas se
animou rapidinho quando percebeu que olhei para ela.
— Da o quê?
Ela se inclinou para frente, passando de leve os dedos no cardigã
amareloque eu tinha colocado de manhã.
A mão dela foi parar no meu colarinho, que ela puxou um pouco
para ver aetiqueta,
Owen olhou para ela pelo retrovisor. Ele, então, deu um suspiro alto.
— ReR?
Owen estava olhando para ela pelo retrovisor com uma expressão
séria.
— Mas Owen...
— R e R — ela falou.
— O quê?
— Isso não é música! São grilos e gente gritando. Para mim — ela
disse —
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— "Vamos lá, cante mais alto, cante bem alto, o Sol no espaço
queimapor nós, então me beije agora, que eu me desfaço em...
pirâmide"!
— E daí?
— E daí — ele disse — ela é mais famosa pela barriga do que pela
música.
— Você não convive com ela. Nem tem que ouvir a música que ela
ouve.
86
dela.
Apenas olhei para ele. Ficou claro que eu tinha julgado mal
OwenArmstrong. Não estava muito segura de quem eu imaginava
que ele fosse, mas comcerteza não era aquela pessoa sentada ao
meu lado.
— Então, onde você mora? — ele me perguntou, mudando de faixa
ao nosaproximarmos do semáforo.
pode...
— Volto já.
— Ok.
Quando ele entrou, comecei a ver alguns dos nomes escritos à mão
nascaixinhas de CD e eu não conhecia nenhum deles: THE
HANDYWACKS (varia-das), JEREMIAH REEVES (ANTIGAS) E
TRUTH SQUAD (OPUS). De repente,ouvi uma buzina, me virei e vi
um Honda Civic parando na vaga ao lado. Isso nãoseria nada
demais se o motorista não estivesse usando um capacete vermelho
ebrilhante.
— O quê?
— O capacete? — eu perguntei.
— Não. Na Fountain.
— Ah — eu disse. — Tá.
Até parece, pensei. Falou. Então, pelo visto eu não era a única que
tinhaouvido boatos. Isso me parecia justo. Aqui estava eu, cheia de
suposições sobre Owenbaseadas em coisas que falavam dele, mas
não me tinha ocorrido que havia históriassobre mim por aí também.
Pelo menos uma.
— Sério?
— É.
— Você não é?
— Acredite. É verdade.
— Duvido — retruquei.
Eu percebi que estava quase rindo, e isso era tão estranho que virei
o rostoquando nos aproximamos de outro semáforo. Havia um carro
parado na rua dafrente, virado na nossa direção. Um segundo
depois, percebi que era o meu.
— A de vidro — respondi.
Seis
Assim que nós três entramos naquela festa, percebi que as pessoas
olhavampara Emily. Ela era uma garota bonita, mas o fato de estar
com a gente —especialmente com Sophie, que era conhecida tanto
em nossa escola quanto naPerkins Day — era algo que a fazia ser
notada. Nós não estávamos nem na metade docaminho para pegar
bebida quando Greg Nichols, um garoto insuportável doprimeiro
ano, foi correndo falar com a gente.
trás para olhar para ela, Emily me olhou com os olhos arregalados.
— Ai, meu Deus— ela disse. — Ele é uma graça!
— Não — Sophie disse a ela. — Ele não é. E ele só veio falar com
vocêporque já deu em cima de todo mundo aqui.
Emily desanimou.
— Ah — ela disse.
E provavelmente deveria ser verdade. Mas isso não era motivo para
ela terfalado daquele jeito. Porém, aquilo era a cara da Sophie. Ela
acreditava que cada umtinha o seu lugar e o dever dela era garantir
que cada um soubesse o seu. Ela fez issocom Clarke. Ela fez isso
comigo. E, agora, era a vez de Emily. Mas, dessa vez, em vezde
ficar apenas observando, como eu tinha feito em todos os outros
anos, senti quedeveria fazer alguma coisa; afinal de contas, eu é
que tinha convidado Emily.
Quando peguei a minha bebida e fui procurar por Sophie, ela tinha
desa-parecido. "Então ela está brava", pensei. "Isso não é nenhuma
novidade, eu dou umjeito nisso em um segundo." Mas então Greg
Nichols reapareceu, e eu não queriadeixar Emily sozinha com ele.
Levou uns vinte minutos até conseguirmos nos livrardo cara. Então,
deixei Emily conversando com umas garotas que ela conhecia
e,finalmente, fui procurar Sophie. Eu a encontrei sentada na
varanda da casa, fumandosozinha.
— Porque não. — Ela olhou para mim. — O quê? Não temos que
ficargrudadas o tempo todo, sabe. Você não tem que fazer tudo o
que eu faço.
— Eu sei — respondi.
— Engraçadinha.
Olhei para o meu relógio e vi que Emily tinha que voltar logo para
casa.Então, fui procurá-la pela festa, até que a vi conversando com
uma garota quetambém trabalhava como modelo. Fiquei um tempo
conversando com elas eesperando Sophie se acalmar. Quando
chegou a hora de ir embora, imaginei que o mau humor dela tivesse
passado.
Porém, quando fui procurá-la, vi que Sophie tinha sumido mais uma
vez. Elanão estava lá fora e nem na cozinha. Até que, finalmente,
olhei para o final de umcorredor e a vi abrindo uma porta. Ela me
viu, me deu as costas e entrou. Eu respirei fundo e fui falar com ela.
Bati na porta duas vezes.
porta.
Parei e não disse mais nada. Fiquei lá, com a porta semi aberta,
olhando paraSophie, que estava espremida entre a parede e um
garoto. Uma das mãos dele estavadebaixo da blusa dela e a outra,
na sua coxa. Não dava para ver o rosto do garoto,pois ele estava
beijando o pescoço de Sophie. Quando tentei sair sem ser notada,
elese virou e olhou para mim. Era Will Cash.
Naquela noite, tentei ligar para ela várias vezes, mas Sophie não
atendeu. Nodia seguinte, por volta do meio-dia, quando ela
finalmente me ligou, nem tocou no nomeda Emily, e nem falou do
que tinha acontecido entre nós. Ela só queria falar do Will Cash.
— Bendo?
Ela suspirou, jogando o cabelo para trás.
—Eles vão pra lá às dez horas — ela falou, virando outra página. —
Vocêpoder ir junto, se quiser.
Ela não me olhou ao dizer isso e sua voz não tinha entonação
nenhuma.
Mas, para mim, era difícil enxergar essas qualidades no Will. Por
mais queSophie afirmasse que Will era doce, engraçado, gostoso e
inteligente (além demilhões de outros elogios), nenhuma dessas
coisas me vinha à mente quando meencontrava com ele frente a
frente. Will era mesmo bem bonito e extremamentepopular. Mas
também era estranho, não era uma pessoa agradável. Ao contrário,
seucomportamento era distante e intimidador, e toda vez que me
encontrava na situaçãode ter de conversar com ele — no carro,
quando Sophie saía para pagar a gasolinaou em festas, quando
estávamos os dois procurando por ela — eu ficava tensa,
poispercebia claramente que ele ficava me olhando ou que fazia
questão de deixarlongos silêncios.
alguém, Annabel.
— Will poderia ficar com qualquer garota que quisesse — ela disse,
freando umpouco ao nos aproximarmos de outro bloco de casas à
esquerda. — Mas ele meescolheu. Ele está comigo. E vou ficar
possessa se deixar alguma piranha decidir quevai mudar isso.
***
— Oi, Annabel.
Aquele fotógrafo eu ainda não conhecia e ele não disse "oi" quando
parei nafrente dele. Estava ocupado demais mexendo na câmera
enquanto o produtor puxava
107
Naquela noite, depois que minha mãe foi dormir e Whitney estava
trancadaem seu quarto, desci as escadas para tomar um copo de
água. Ele estava sentado nasala de estar assistindo televisão com
os pés no pufe. Quando acendi a luz, ele sevirou.
algo.
Geralmente, esse alguém era eu. Como minha mãe dormia cedo,
Whitney ficavaentediada e Kirsten sempre falava demais durante
qualquer programa, meu pai e euéramos parceiros em frente à TV à
noite, os dois sentados vendo a história sedesenrolar diante de
nossos olhos. Ele agia com interesse mesmo quando se tratavade
um programa que eu sabia que ele já tinha visto, balançando a
cabeça e dizendo"Humm" e "É mesmo?", como se o narrador
pudesse ouvi-lo e precisasse de sua interação para continuar.
Sete
— Sim.
— Ouvi sim.
— E...?
mente.
— Desde quando?
— É um marcador de posição. Algo que você usa quando não quer
dizeroutra coisa. — Ele se inclinou para mais perto de mim. — Olha,
se você estápreocupada com os meus sentimentos, não fique. Você
pode dizer o que quiser. Eunão vou ficar ofendido.
— Já falei. Gostei.
— Eu... — comecei e depois parei. Talvez fosse o fato de ele ser tão
diretocomigo. Ou minha repentina consciência de como raramente
eu era sincera. Dequalquer maneira, eu falei. — Eu... Eu não gostei
— disse.
— Eu sabia! Sabe, para alguém que mente muito, você não é muito
boa
nisso.
111
— E qual é o problema?
meio...
— Toda?
112
— Sim.
mim.
— Sim.
— Claro. Quero dizer, teria sido legal se você tivesse gostado. Mas
amaioria das pessoas não gosta, então não me surpreende.
— O quê?
— Ei, e a música sobre o mar? — ele perguntou. Eu olhei para ele.
— Oshomens cantando sobre navegar a céu aberto. O que você
achou dessa?
Owen, por sua vez, não tinha percebido isso, pois colocou o iPod no
chão epassou a mão no cabelo.
Eu balancei a cabeça.
Annabel,
— Más notícias?
frente.
— O quê?
Pronto. Falei para Owen Armstrong, justo para ele, algo que antes
só tinhaadmitido para mim mesma. Esse foi um passo tão grande
para mim que euprovavelmente poderia ter parado de falar. Mas,
por algum motivo, continuei.
— É.
— E não é?
Ele não disse nada. Eu sabia que ele estava esperando mais
detalhes.
— Você dormiu?
116
É claro que ele perguntaria isso sem rodeios. Mas, mesmo assim,
senti quefiquei vermelha.
— Praticar?
— Então, tá. — Ele veio para perto de mim. — Então, vamos dizer
que euseja a sua mãe.
— O quê? — eu disse.
— Eu sou a sua mãe — ele repetiu. — Agora me diga que você não
quermais trabalhar como modelo.
117
mãe.
— Eu só... É estranho.
Uma semana antes, eu nem sabia qual era cor dos olhos dele.
Agora, éramosuma família, pelo menos temporariamente. Eu
respirei fundo.
— O quê?
— Sim?
— Por quê?
— Olha — ele disse. — Eu vou só dizer uma coisa: não pode ser
bom,sabe? Guardar algo assim dentro de si. Andando por aí todos
os dias com tanta coisaque você quer dizer e sem fazer isso. É algo
que pode deixar alguém louco. Certo?
119
Eu sábia que ele estava falando sobre meu trabalho como modelo.
Mas, aoouvir isso, pensei em outra coisa, a coisa que nunca
conseguiria admitir, o maiorsegredo de todos. Aquele que eu nunca
poderia contar, porque se apenas umapontinha fosse revelada, eu
nunca poderia esconder novamente.
em que fiquei com medo do conflito, com medo de ser sincera, com
medo até de falar.Eu perdi uma amiga naquele dia. A melhor amiga
que já tive.
Era tarde demais para tentar mudar o que tinha acontecido entre
Clarke emim, mas ainda havia tempo para mudar outra coisa.
Talvez a mim mesma. Então, fuiprocurar Owen.
Em uma escola que tem mais de dois mil alunos, era fácil se perder
e perderoutra pessoa, mas Owen realmente se destacava na
multidão. Então, quando nãoconsegui encontrá-lo e nem a sua Land
Cruiser, achei que o tinha perdido deverdade. Porém, quando entrei
no carro e saí pela rodovia principal, eu o vi. Eleestava a pé,
andando na calçada com a mochila nas costas e fone de ouvido.
fale.
Oito
A primeira coisa que Owen fez ao entrar no meu carro foi bater a
cabeça no teto, que era muito baixo — algo de que eu não tinha me
dado conta até aquelemomento.
— Isso é alto?
Nós ficamos calados por alguns minutos. Eu sabia que era hora de
dizer o queestava se passando na minha cabeça e me explicar. Eu
respirei fundo, me preparando.
— O quê?
— É.
— Ah. — Ele olhou a lista de músicas. — Mas ela tem bom gosto.
Quero dizer,tem Led Zeppelin aqui, mas pelo menos não é
"Stairway to Heaven". Na verdade —ele disse, parecendo estar
impressionado — "Thank you" é a minha música preferidado Led
Zeppelin.
— Sério?
— O que aconteceu?
— O quê?
— Não?
Eu não sabia ao certo por que tive vontade de falar sobre esse
assunto denovo. Talvez para me explicar. Para ele ou para mim
mesma.
— É — ele disse. — Mas você tem que colocar as coisas para fora.
Casocontrário, a coisa vai aumentando e uma hora você explode.
— Bem — ele disse —, talvez você não fosse tão próxima quanto
pensava.
sorri.
— Classudo, hein? — ele falou. E fez uma careta. — Isso foi antes
daprisão. Eu era um pouco...
— Bravo?
— Pode-se dizer que sim. Este aqui ele fez quando eu terminei o
curso deGerenciamento de Raiva. — Ele tirou o anel do dedo do
meio e o colocou na minhafrente. Com a mesma fonte, mesmo
tamanho, estava escrito OU NÃO.
127
Eu ri.
— Annabel!
Eu olhei para a direita — era a Mallory. Não sei quando, mas ela
apareceuna janela do Owen, onde agora acenava com um sorriso
largo. — Oi!
— Oi — respondi.
Ela fez sinal para Owen abaixar o vidro da janela, o que ele fez, mas
bemdevagar e claramente a contragosto. Assim que a janela abriu,
ela colocou a cabeçapara dentro.
— Entrar? — perguntei.
— Em casa. Você vai jantar com a gente? Ah, você tem muito que
ficar parao jantar.
gritar.
— Você poderia ver meu quarto — ela disse com os olhos animados
earregalados. — E o meu closet, eu poderia mostrar...
para trás para eu poder vê-la: uma camiseta branca e lisa, uma
jaqueta curta, calçajeans com a barra virada, e botas brilhantes com
solado grosso. Depois de dar umaviradinha, ela colocou novamente
a cabeça na janela. — É inspirada na NichollsLake; ela é minha
cantora favorita no momento, sabe? Ela é punk.
— Claro — respondi.
— Tchau, Annabel.
— Tchau.
— Não. Isso sou eu irritado. Não sei o que acontece com ela. Irmãs
parecemter o dom de irritar até você ficar maluco.
Owen falou:
— O quê?
— Eu disse?
— Legal — ele riu, virando a cabeça para olhar pela janela. Vi seu
perfil muitorapidamente e lembrei-me de todos aqueles dias que
passei observando-o a distância.
130
Nove
— Como o quê?
— Ser sincero.
— Muito barulhenta.
sobra?
133
— O carrilhão?
— Não era o tempo todo assim. Mas com certeza havia surtos dos
doislados. Honestamente, o silêncio era pior.
— Exatamente.
coisas.
— Música eletrônica.
135
— O que mais?
— Por favor! Você está realmente dizendo que a única coisa que te
incomoda são suas irmãs e um gênero musical? Fala sério. Você
não é humana, por acaso?
— Não?
Minha primeira reação seria duvidar disso, mas agora não mais:
Owen erasempre assim, sincero. Faça uma pergunta, você terá a
resposta. Eu o testei por umtempo, pedindo a opinião dele em vários
assuntos, como as minhas roupas ("não é otom que fica melhor em
você", ele me falou sobre uma blusa nova cor de pêssego),sua
primeira impressão sobre mim ("perfeita demais e completamente
inatingível), eo estado de sua vida amorosa ("atualmente
inexistente").
perguntei um dia, logo depois de ele ter me dito, que apesar de ter
gostado do meunovo corte de cabelo, ele o preferia mais comprido.
— De jeito nenhum?
contar.
— Owen — eu disse.
— Você vai odiar todas elas — ele admitiu. — Ou não. Talvez seja
aresposta para todas as questões da sua vida. É justamente essa a
beleza do negócio.
138
Sabe?
— E depois o quê?
irmos.
Fiz sinal positivo com a cabeça, enquanto meu pai se dirigia à porta.
— E agora — disse minha mãe —, o que você fez com as minhas
chaves?
— Você não precisa das suas chaves — meu pai disse a ela. — Sou
eu quemvai dirigir.
— Nesse caso você pode usar a minha — ele lhe disse, mas ela o
ignorou ecomeçou a tirar coisas da bolsa, colocando a carteira, um
pacote de lenços
139
Quando meu pai propôs a viagem pela primeira vez, disse que seria
comouma "fuga" para uma das suas cidades favoritas. Enquanto ele
estivesse emreuniões, ela poderia fazer compras e passear, e à
noite eles jantariam nos melhoresrestaurantes e passariam algum
tempo juntos, só os dois. Para mim parecia umaidéia ótima, mas
minha mãe hesitou, pois não tinha certeza se queria deixar a mim
eWhitney sozinhas. Especialmente porque o humor de Whitney
estava pior do quenunca desde que ela tinha começado uma nova
terapia em grupo uma semana antes,contra a sua vontade e
conduzida por, segundo ela própria, uma "louca".
— Fazer fogo?
— Janet disse que tinha algo a ver com ser auto-suficiente. Ela
tambémdisse que Moira Bell era louca.
— Isso realmente parece ser bem diferente — disse minha mãe. Ela
pareciapreocupada, como se estivesse imaginando Whitney
colocando fogo na casa.
— Pelo menos tente — meu pai lhe disse. — Depois você decide.
para dentro dela. — É melhor irmos antes que outra coisa suma.
Por sorte, eu tinha outras coisas para fazer além de ser ignorada
pela minhairmã. Na verdade, somente uma coisa.
— Annabel!
Reef?
— De modelos?
142
— Mãe! Não acredito que você está falando sobre menstruação com
aAnnabel Greene!
— Fiz o quê?
Eu parei de andar.
— Ervas?
— Tentei, mas ela não se importa. Ela não se importa com nada a
não sergarantir que você se sinta uma imbecil. — Ela colocou terra
no último vaso, elebalançou, mas não chegou a tombar. — "Você
pode cultivá-los dentro de casa — eladisse em um tom ironicamente
animado — é só achar uma janela onde bata sol".Falou, então. Vou
matar essas coisas em poucos dias. E mesmo se eu não matar,
oque diabos eu vou fazer com um monte de ervas?
146
Senti meu rosto ficar vermelho. Mais uma vez, eu consegui dizer
algo errado,mesmo quando pensei em não dizer absolutamente
nada. Ainda bem que o telefone decasa começou a tocar e fui
atendê-lo, feliz por ter um motivo para sair dali.
— Alô? — ela disse, falando alto como sempre. — Alguém aí? Sou
eu,atendam se... Meu, cadê todo mundo? E eu tinha boas notícias
pra dar...
Eu atendi.
— Sei — respondi.
— Em que sentido?
— O meu curta?
— É.
— Sério? — falei.
— Eu adoraria — respondi.
— Bem — ela disse. — Taí uma coisa que não vai dar em nada.
149
Dez
Até aquela tarde, minha mãe já tinha deixado duas mensagens: uma
nos informando que eles tinham chegado ao hotel, e a outra
lembrando onde ela tinhadeixado dinheiro para a pizza, um jeito sutil
de garantir que nós (Whitney, sendomais específica) jantássemos.
"Mensagem recebida", pensei enquanto ia para acozinha. O dinheiro
estava no balcão com uma lista de vários lugares queentregavam.
Minha mãe estava sempre muito bem preparada.
Depois de pedir a pizza, fui para o meu quarto escutar os CDs que o
Owentinha me dado, começando com um chamado CANÇÕES DE
PROTESTO ( ACÚSTICO EWORLD). Eu ouvi três faixas sobre
sindicato, capotei e só acordei quando ouvi acampainha.
—... Não muito das músicas novas, mas dos primeiros álbuns — ela
estavadizendo. — Eu tenho alguns importados que comprei de um
amigo, são ótimos.
— Ela odeia?
— E isso é bom?
— Não — ele disse. Eu olhei para ele. Atrás de mim, ouvi Whitney
ligar atelevisão. — Bem, nem sempre. Nesse caso, eu estava com
meu fone de ouvido e elame perguntou o que eu estava escutando.
— Não? — falei.
— Tchau, Owen.
— Você tá brincando?
— Talvez. Mas você vai ter que ouvir o programa para saber.
— Não é?
— Não.
— O que aconteceu?
— Ah — ela disse.
ontem.
— Engraçadinha.
— Fique repetindo isso para você mesmo. Ele bufou alto e eu pude
ouvir osom no alto-falante.
bacon?
— A fim do quê?
— Café da manhã.
— Ah é? — perguntei.
Eu olhei para Owen, que estava mudando de marcha com uma mão
eajustando o som com a outra.
— Rolly está apaixonado por uma garota que deu um soco no rosto
dele.
— Onde?
— ... Eles tinham que entrar na competição. Então agora, todo dia é
o Dia doBacon Duplo. — Ele se dirigiu à entrada, abriu a porta para
mim. — Maravilhoso, nãoé?
Eu concordei e entrei. A primeira coisa que notei era que o cheiro
estava aindamais forte, se é que isso era possível. A segunda era
que o salão, pequeno e cheio demesas, estava congelando.
— Imagino — falei.
— Foi por isso que — disse Owen — eu disse: se ele pegasse o
suéter efalasse com ela, eu pagaria o café da manhã para sempre.
E se ele não fizesse isso,ele tinha que pagar a conta.
— Então, você já ouviu algum dos CDs que eu gravei pra você?
— E?
sério.
A primeira coisa que me veio à mente foi uma pergunta: Você está
mechamando para sair? A segunda, que veio logo em seguida, foi
que, se eu realmentelhe perguntasse isso, ele iria responder a
verdade e eu não tinha certeza se era issoque eu queria. Se ele
dissesse que sim, seria... O quê?
idiota.
— Comigo, claro.
— Ah.
Rolly.
165
— A banda é de...
— Ok.
— Sim.
— Legal.
— Você me disse que ela estava doente. O que ela tem? Se não se
importar em responder, claro.
— Ah.
— Isso deve ter sido difícil — ele disse ao mesmo tempo que ela se
virou ecomeçou a andar em direção à mesa de jantar. — Ver sua
irmã passar por tudo aquilo.
"Eles nunca sabem", pensei, mas não disse isso. Eu não podia dizer
isso.
— Eu não sei — disse. — Acho que você teria que perguntar para
eles.Uma SUV enorme passou voando por nós naquele momento,
espalhando um monte defolhas que estavam amontoadas na
calçada. Enquanto elas flutuavam na frente dopára-brisa, eu olhei
novamente para minha casa e vi Whitney subindo as escadas
comuma garrafa de água na mão. Dessa vez, ela olhou para o lado
de fora. Ao nos ver,subiu um pouco mais devagar até o topo.
— Annabel?
— Oi — respondi.
168
Como eu nunca tinha visto Owen sem o iPod, imaginei que ele logo
sentiriaa sua falta. Então, quando o telefone tocou naquela tarde,
atendi esperando ouvir asua voz, já desesperado por estar sem
música. Mas não era Owen e sim, a minhamãe.
— Annabel! Oi!
Na verdade, essa era a terceira vez que ela ligava em trinta e seis
horas. Mas eu fingi não ter percebido.
— Bem.
— Ela saiu?
— Sim?
— Alô?... Oi... Sim, estou aqui... Estou bem... Está tudo bem. Você
nãoprecisa ficar ligando, sabe?
Eu tirei meu dedo do botão. "Devem ser aqueles CDs que ele
gravou paramim", pensei. Mesmo assim, hesitei assim como tinha
feito anteriormente no carrodele, querendo saber, mas ao mesmo
tampo não querendo. Mas dessa vez, eu cedi.
eu...
— Ok.
Por um minuto, ela não disse nada e eu fiquei pensando que talvez
a tivesseofendido. Mas, aí, sem se virar, ela disse:
Eu não entendi direito se era por causa do elogio que fiz à comida,
ou àsalada, ou apenas por ficar por ali. E também não me
importava. Fiquei contente em ouvir aquilo, seja lá por qual motivo.
Onze
— É a Annabel!
Verdade seja dita, tudo aquilo era muito forte, mesmo antes de ela
me puxarpara a frente, apontando para um rosto em especial. Só
depois de chegar bem pertopercebi que era eu.
Fiz que sim com a cabeça e logo ela estava me puxando um pouco
para adireita, apontando novamente. Enquanto isso, as outras
garotas tinham se espalhado:as ruivas pularam em cima da cama
onde ficaram folheando uma pilha de revistas,enquanto a loira e a
garota de cabelos escuros disputavam para sentar na cadeira que
ficava de frente para a penteadeira.
— Mas esta aqui — ela disse — é minha favorita. É por isso que ela
está aolado da minha cama.
Eu me abaixei para ver mais de perto. Era uma colagem de fotos
docomercial de volta às aulas da Kopf: eu de uniforme de líder de
torcida, sentada nobanco com as garotas atrás de mim, sentada em
uma carteira, nos braços de umgaroto bonito de smoking.
— A história — eu disse.
— Ah — eu disse. — Pois é.
Eu olhei para ela novamente. Seu rosto estava bem próximo das
fotos e elacontinuava olhando para elas.
— A garota que tem tudo — eu disse, me lembrando das palavras
do diretor.
— Exatamente.
Eu queria dizer para ela naquele exato momento que isso não era
verdade.Que eu estava longe de ser a garota que tem tudo. Que
nem era mais aquela garotanas fotos, se é que algum dia eu fui. A
vida de ninguém é daquele jeito, feita apenasde momentos
gloriosos, principalmente a minha. Uma seqüência de fotos da
minhavolta às aulas seria algo completamente diferente: a linda
boca de Sophie emitindo umpalavrão, Will Cash sorrindo para mim,
eu sozinha atrás do prédio vomitando nagrama. Essa era a verdade
sobre a minha volta à escola. E a história da minha vida.Ouvi
passos pesados no corredor e depois um suspiro alto.
179
—... Tenho a noite toda — ele terminou. — Ei. O que você está
fazendo
aqui?
— Oi, Owen — ela disse ao passar por ele com a cauda do seu
vestido searrastando no carpete.
— Olá, Elinor - ele disse. Ao ouvir seu nome, seu rosto ficou
vermelho e ela seapressou até a porta e pelo corredor, onde foi
recebida com risadinhas das amigas.
— Isso. É perigoso pensar assim, porque as coisas não são tão bem
definidas— ele disse. — A não ser, pelo visto, que você tenha treze
anos.
falta.
— De nada.
De repente, ouvimos muito barulho vindo do andar de baixo e
parecia quealguém estava gritando de alegria ou choramingando.
— Não, quero dizer, você não parece ser você, sei lá, — Ele ficou
emsilêncio e se aproximou mais ainda. — É. Quero dizer, se parece
com você, mas não éa mesma pessoa de jeito nenhum.
— Tudo bem!
— Você acha que eu ia te dizer que você era mais bonita na foto?
— Diferente de diferente.
Queria pedir para ele explicar um pouco mais, para me dizer como
ele me viaexatamente. Mas, então, percebi que talvez ele tivesse
acabado de fazer isso. Eu jásabia que ele me via como uma pessoa
sincera, honesta, direta e até engraçada —coisas que nunca pensei
que eu fosse. Alguém que sabia o que mais eu poderia ser,que tipo
de potencial existia entre aquela garota da foto e a que ele via
agora. Muitaspossibilidades.
vez?
— Ângela, a sua vez vai chegar — disse Mallory, que agora usava a
partede cima de um biquíni dourado, um sarongue e um boá sobre
os ombros. — Mas o Trabalho e Classe é muito importante. Alguém
tem que fazer.
trocar.
sujo.
— Ah, é?
— É?
porta.
Com meu coração batendo forte, eu olhei para Ângela, que nos
observava comuma expressão séria.
— Você está bem? — perguntei. Ele fez sinal positivo com a cabeça
eeu estiquei o braço, tocando na sua têmpora, e mantive meus
dedos lá umpouco, sentindo sua pele quente, macia, antes de tirar
minha mão.
— Tá legal — eu disse.
— Sério?
— Então, ela deve ter ficado muito animada de você estar lá — ela
disse. —Uma modelo de verdade, ao vivo e em cores.
sido menor.
Doze
— Então, você tem ir para a Kopf hoje para provar roupas e amanhã
para oensaio — ela avisou enquanto eu beliscava meu café da
manhã antes de ir para aescola. — E o ensaio final é na sexta-feira.
Você está marcada para fazer o cabelona quinta-feira e as unhas no
sábado de manhã, bem cedo.Tudo bem?
Oi, Annabel, aqui está. Diga depois o que achou. Com amor, K.
— Claro.
— Que é...?
— Eu sei o que ele significa para mim. Para você, será diferente.
Olha, filmeé uma coisa pessoal. Não há mensagem certa ou errada.
Depende de como você o vê.
verde.
— Ah — eu disse. — Certo.
196
— Estou tão feliz por você ter gostado do filme. E teve uma reação
tão forte!— Ela riu. — Agora eu só preciso que todas as pessoas
que vejam o filme sábado sesintam do mesmo jeito, e tudo vai dar
certo.
Fui ignorada por tanto tempo que ainda hesitava antes de me dirigir
aWhitney. Porém, dessa vez, foi ela quem veio falar comigo.
— O quê?
— Entra.
— O que é isso?
Ele disse mais alguma coisa, que foi abafada por uma repentina
explosão detambores. Observei seus lábios se moverem até
conseguir novamente escutar o queele dizia.
— Que foi?
— Qual lava-rápido?
— O quê?
— Qual é a estação mágica para os ouvidos depois da qual todo o
valormusical é determinado?
— Owen.
agora.
— Não sou muito do tipo que gosta de limpar o carro apenas pelo
lado defora, por razões estéticas — ele disse. — Além disso, acho
que tem um buraco noteto do carro.
Fiz sinal para ele seguir em frente e foi o que ele fez, passando pela
pequenalombada até a linha amarela, já apagada pelo tempo, onde
se lia PARE AQUI . Depois,ele desligou o motor.
— Reclinar.
Virei minha cabeça para olhar para Owen. Ele estava deitado
olhandofixamente as escovas, que ficavam maiores, e os círculos de
espuma se formando nopára-brisa. Ouvindo. Fechei os olhos para
fazer a mesma coisa. Mas tudo o que eusentia era que toda a minha
vida tinha mudado — novamente — nessas poucassemanas desde
que tinha conhecido Owen, e, não pela primeira vez, tive vontade
delhe dizer isso, de encontrar as palavras certas e organizá-las,
sabendo que essa seria amelhor chance que elas teriam de soar
perfeitamente.
Sério.
— É — concordei. — É sim.
Fiquei de olho nele até que caísse no meu ombro, ao mesmo tempo
em que,atrás de nós, uma buzina soou.
— Tudo é?
— Tem certeza?
— Bem — ela começou —, pelo que ouvi dizer, foi um drama total.
Louiseme contou que na metade da festa...
— Ela ficou com Mil Cash noite passada — ela falou em voz baixa,
mas nãotão baixa assim. — No carro dele. E Sophie pegou os dois.
sério?
Marnie olhou para Emily, que agora estava de costas para nós
enquanto suamãe conversava com a Sra. McMurty.
Não, pensei, não pode. Lembrei dos últimos meses, do meu verão
recluso, dasolitária volta às aulas, daquele dia horrível no pátio
quando empurrei Sophie.Talvez eu não pudesse ter mudado nada
disso. Porém, tarde demais, me dei conta deque talvez eu pudesse
ter mudado algo. Ou alguma coisa.
208
Treze
— Sophie!
— Vem por aqui — disse para Emily, pegando uma das cervejas
que estavana mão dela enquanto eu passava no meio do
amontoado de gente, em direção aosofá.
foi?
— Nada — ela respondeu, com uma voz amuada. Ela fez sinal com
a cabeça apontando para a cerveja. — É para mim?
— Talvez — eu disse. Ela fez uma careta para mim, eu lhe dei a
cerveja edepois me sentei enquanto ela dava um gole. Seu batom
ficou marcado na borda dagarrafa.
— Está horrível aqui — ela anunciou, e dessa vez tive outra idéia
em vezde discordar.
— Sophie.
coisa?
214
Sophie.
— Ei — ele disse. Dois caras passaram por ele indo para a direção
oposta. Umdeles ergueu a mão, bagunçou o cabelo dele e Will fez
uma careta. — O que você estáfazendo?
Eu não sabia por que estava falando isso para ele, assim como não
fazia amenor idéia do que fazer perto de Will Cash. Algo nele me
perturbava tanto ao pontode não me sentir à vontade, e eu tentava,
por alguma razão, compensar sendo abertademais.
— Sério — ele falou, sem mudar o tom de voz. Senti meurosto ficar
vermelho mais uma vez.
— Vem.
Parei e dei alguns passos para trás até uma porta aberta pela qual
tínhamos
217
— Está vendo? — disse Nick. — Eu disse pra você que tinha visto
aAnnabel.
— Sei, sei — ele disse. — Você diz isso e depois ganha de mim em
dezsegundos.
218
Ela também tinha entrado no "modo flerte" com Michael, que parecia
mais doque feliz em retribuir, e Nick acabou sobrando para mim. Ele
sentara-se perto de mim em uma poltrona próxima, e anunciou que
tinha algo a dizer.
— Você entende?
— Sim, completamente.
Ele ainda afagava a minha mão, mas acho que nem estava se
dando conta
219
disso.
— Eu também — falei.
— Água — eu disse.
aqui.
220
— Annabel.
— Nick? — chamei.
Não era o Nick. Essa voz era mais grave e não estava mole, cada
sílaba eraemitida perfeitamente. Assim que me dei conta disso,
fiquei apavorada, minha mãosegurava com mais força a garrafa de
água. A tampa da garrafa se abriu e senti a águagelada molhar a
minha blusa e minha pele.
— Não — eu falei.
221
Ela me viu antes. Depois virou o rosto e olhou para Will Cash, que
estavasentado na cama atrás de mim.
Agora.
— Eu não sei.
— O quê? — perguntei.
— Você é uma puta — ela estava falando mais alto agora, sua voz
ainda eratrêmula, mas estava ganhando força. — Eu não acredito
que você fez isso.
a ela.
— Eu sei o que vi! — ela gritou. Emily, atrás dela, deu um passo
para trás.Sophie apontou o dedo para mim. — Você sempre quis ter
o que eu tenho!—ela disse.— Você sempre teve inveja de mim!
Eu me senti recuar. Sua voz era tão alta que meus ossos pareciam
cha-coalhar. Eu estava tão confusa e com medo, e mesmo depois
de tudo isso eu nãotinha chorado — como eu não chorei? — agora
eu sentia um nó subindo pelagarganta.
Sophie entrou no quarto, dando dois passos largos até ficar bem na
minhafrente, e o quarto pareceu ficar muito pequeno: Will, Emily,
todos desapareceram daminha visão periférica, até eu só ver seus
olhos estreitos, seus dedos tremendo detanta raiva e fúria.
— Você já era — ela disse. Sua voz era trêmula. — Acabou pra
você.
No caminho para casa, a única coisa que não fiz foi me olhar. Em
nenhum dosretrovisores. Em cada farol vermelho, toda vez que
diminuía a marcha, eu escolhiaum ponto fixo à frente — o pára-
choque do carro da frente, algum prédio, até asfaixas amarelas na
rua — para ficar olhando. Eu não queria me ver assim.
dormir.
— Boa noite.
No dia seguinte, tentei ligar para Sophie, mas ela não me atendia.
Eu sabiaque devia ir à casa dela e me explicar pessoalmente, mas,
cada vez que pensava nisso,eu me lembrava daquela mão na minha
boca e do barulho que meu pé fez ao baterna porta, e eu
simplesmente não consegui ir até lá. Na verdade, toda vez que
melembrava do que tinha acontecido, meu estômago revirava e eu
sentia a bile subindopela minha garganta. Como se alguma parte de
mim tentasse empurrar aquilo paracima e para fora, limpando
completamente o meu corpo de um jeito que eu nãoconseguiria
fazer sozinha.
A outra opção também não era boa, é claro. Eu já tinha sido taxada
devagabunda e vai saber o quanto essa história já tinha sido
espalhada desde então. Maso que realmente aconteceu foi pior do
que qualquer coisa que Sophie pudesseinventar e contar para as
pessoas.
Mas eu sabia, lá no fundo, que não tinha feito nada de errado. Que
não tinhasido minha culpa e que, em um mundo perfeito, eu poderia
contar às pessoas o quetinha acontecido e não sentir vergonha.
Porém, na vida real, isso era mais difícil. Euestava acostumada a ter
pessoas me olhando —fazia parte de mim, de quem eu soudesde
que me entendo por gente. Mas assim que as pessoas ficassem
sabendo do quetinha acontecido, eu estava certa de que seria vista
de um jeito diferente. Que, a cadaolhar, as pessoas não veriam mais
Annabel, mas o que tinha acontecido comigo, algotão brutal,
vergonhoso e particular, virado do avesso e, de repente, observado.
Eu nãoseria a garota que tem tudo, mas a garota que foi atacada,
tão desamparada. Acheimais seguro guardar aquilo dentro de mim,
onde a única pessoa que podia julgar eraeu.
— Então, vai lá falar com ela. Eu pego isso — ela disse, tirando a
lista daminha mão. — Encontre-me ali na frente, ok? — E ela saiu
de perto, levantando asua cesta na altura do braço e nos deixando a
sós.
— Oi — eu disse.
— Não fale comigo — ela disse. A voz dela era tão alta, muito mais
alta quea minha. — Eu não tenho nada para dizer a você.
— Sophie — eu disse, quase sussurrando. — Não foi o que você
pensa.
Eu olhei para ela, confusa. Então me lembrei: foi isso que eu tinha
dito aWill quando estávamos debaixo da escada naquela noite. O
motivo de ter ditoaquilo eu ainda não sei. É claro que ele diria isso a
ela e usaria essa confissão idiotacontra mim. Podia até imaginar
como ele inverteu a situação, eu lhe fazendoconfidências e depois
indo atrás dele no andar de cima. "Eu não sei", Will disse
228
Na cabeça dela era simples. Eu sabia que isso não era verdade,
mas senti umaponta de dúvida e medo quando as peças se
juntaram, e contra mim. Meu maiormedo tinha virado verdade. O
que eu ia fazer se tivesse contado, ou contasse, eninguém
acreditasse em mim? Ou pior, colocassem a culpa em mim?
Esta foi a primeira mentira que contei para a minha mãe sobre
Sophie e,certamente, não foi a última. Naquela época eu ainda
achava que tudo o que sentia porcausa daquela noite — a vergonha
e o medo — iria passar com o tempo e sarar,como um único golpe
que resulta em uma cicatriz quase imperceptível. Mas isso
nãoaconteceu. Ao contrário, as coisas das quais eu me lembrava,
os pequenos detalhes,pareciam ficar mais fortes, ao ponto de eu
conseguir sentir o peso deles no meu peito.Mas nada ficou mais
marcado em minha memória do que a lembrança de entrar naquele
229
Catorze
Assim que me viu, minha mãe veio me dar um abraço, e senti suas
mãosmacias nas minhas costas.
— Ah, querida, tenho certeza de que ela gostaria de vir, mas acho
que aindaé difícil para ela... Ela quis ficar em casa. Mas nós
adoramos. De verdade.
— Obrigada — eu disse.
— Certo — eu respondi.
A partir de agora.
— Então — eu disse, enquanto Owen voltava a olhar o palco —, o
que eu
perdi?
Eu não queria mentir para ele. Mas, ao mesmo tempo, sabia que
não podiacontar o que tinha acontecido de verdade — não ali, não
aquela noite. Talvez nunca.
233
— Isso é bom, não é? — ele disse, e uma garota alta usando uma
blusaenfeitada com pedras passou por nós derrubando um pouco
da bebida.
Eu sorri.
— Com certeza.
— Você acha?
— Ele foi pegar uma bebida faz uma meia hora — Owen explicou
para mim.— Quero dizer, você sabe que tem muita gente, mas isso
é demais. E cadê a minhaágua?
234
— O quê?
— Não. Só um momento.
— É.
— Por que você não vai lá e se oferece para pegar uma água pra
ela? — sugeriu Owen. — Você pode pegar uma pra mim também.
— Onde?
bem?
— Hum... É.
— Reynolds — eu disse.
— Eu?
— Você a conhece.
Clarke.
— Essa garota — ele disse todo sério, a palma da sua mão estava
quente — émeu destino.
— Por favor, Annabel — ele disse. Ele colocou a outra mão sobre a
minha emeus dedos ficaram todos cobertos. — Por favor, só me
apresenta pra ela. É só o que eu peço. Uma tentativa. Uma chance.
Por favor.
Eu sabia que deveria lhe contar a verdadeira razão pela qual ele
não iria quererque eu fosse o cupido dele, ou que eu fizesse parte
de qualquer coisa que acontecesse,ou não, entre ele e Clarke. Não
apenas porque ele merecia saber disso, mas tambémporque até o
momento eu vinha falando a verdade para Owen — e tudo
relacionado aOwen — e não contar isso significaria que, pela
segunda vez naquela noite, eu nãoestava sendo a garota sincera
que ele pensava que eu era. Se é que alguma vez eufui.
— Vou ficar no bar — ele disse — e esperar você falar com ela.
Depois, vouaparecer de repente e você apresenta a gente. Beleza?
— Oi — eu disse.
— Olá.
Alguém que estava na mesa disse algo para a loira e ela virou para
o outrolado, nos deixando a sós. Clarke continuava me olhando com
uma expressão séria,Eu me lembrei de nós na piscina, muitos anos
atrás, uma fileira de cartas abertasentre seu polegar e o indicador.
é que...
— O quê?
Era Rolly. Quando eu me virei, ele estava parado com uma cara de
"nossa, quesurpresa", como se fôssemos amigos de longa data e
não nos víssemos havia séculos.Ao mesmo tempo, senti sua mão
úmida no meu ombro.
— Oi! — ele respondeu, não muito melhor que eu. — Eu estou indo
ao barpegar umas águas. Quer vir?
pensei.
— Oi.
241
Ted suspirou.
— Sério?
Owen me olhou.
Os dois me olharam.
Ted nos levou até uma porta ao lado do bar, e depois o seguimos
por umcorredor tão escuro que eu nem conseguia ver os banheiros
quando passamos poreles. Quando ele abriu uma porta que tinha
um sinal onde estava escrito RESERVADO , uma luz brilhante
surgiu de repente e me fez ficar piscando.
Lá dentro, a primeira coisa que vi foi um cara de cabelo preto e de
quatro nochão, procurando algo debaixo de um sofá. Quando nos
viu, ele se levantou e abriuum sorriso largo.
— Não.
O outro cara que estava na mesa riu, descartando uma carta, e Ted
o fuziloucom os olhos, e depois se deitou no sofá, colocando seus
pés em cima de uma mesaà frente.
— Spinnerbait? — eu disse.
— Isso não quer dizer que alguma delas saiba tocar — falou Ted.
até ele.
— Dá para mim.
— Deixa eu tentar.
Ele entregou a ela o celular. Então, sob os olhares de todos nós, ela
estudouo aparelho por um segundo, colocou a bateria e a empurrou
para baixo. Houve umclique e depois ouvimos uma musiquinha
quando o telefone ligou. Ela o devolveupara ele e voltou ao sofá.
— Então por que ela está com você? — gritou o ruivo sentado à
mesa.
— Beleza.
Fiz que sim com a cabeça e coloquei uma mecha de cabelo para
trás daorelha. Quando virei o rosto na direção de Owen, vi que ele
me observava.
Ele sorria ao dizer isso e eu tentei sorrir para ele também. Mas bem
lá nofundo, de repente, comecei a sentir o peso das minhas tantas
mentiras e omissões.
— Eu sei. Já volto.
Então, comecei a andar antes que ele pudesse dizer qualquer outra
coisa.Principalmente porque não suportaria ter que mentir de novo.
Mas também foi porcausa daquele gosto amargo subindo até a
minha boca. Eu tinha que sair de lá.
Quinze
Porém, no final das contas, discutir ou não sobre aquela noite não
dependia sóde mim. No dia seguinte, de volta à escola, Owen tomou
a decisão por nós.
250
Como eu esperava, ele não disse nem oi. Nenhum silêncio profundo
para eupreencher. Apenas a única frase que ficou na cabeça dele
por... hum... trinta e seishoras mais ou menos. E o pior, ele me
olhava com tanta atenção — e raiva — que sóconsegui olhar para
ele rapidamente, durante cerca de um segundo. Seus lábiosestavam
sérios, seu rosto, vermelho, sua presença inquieta preenchendo o
pequenoespaço ao nosso redor.
esperando. É claro que sim. E é claro que ele me diria isso porque,
diferentemente demim, Owen não guardava segredos. Com ele,
tudo era um livro aberto.
— Desculpe — eu disse de novo, mas até para mim aquilo soou tão
ruim efraco, sem significado. — Eu só... Muita coisa tinha
acontecido.
— Como o quê?
Eu balancei a cabeça. Era isso que eu não podia fazer: ficar contra
a parede enão ter saída a não ser contar a verdade.
— Eu só não entendo — ele disse. — Quero dizer, tem que ter uma
razão, evocê simplesmente não quer contar. E isso não... — ele
parou, balançando a cabeça.— Isso não parece você.
— O quê?
— Isso se parece comigo — eu disse. Minha voz era tão baixa que
eu malpodia me ouvir. — Isso é tipicamente meu.
Tentei dizer isso a ele naquele primeiro dia. Eu disse que nem
sempre falavaa verdade, que eu não sabia lidar bem com conflitos,
que raiva me dava medo e queestava acostumada às pessoas
simplesmente desaparecerem quando estavam comraiva. Nosso
erro foi ambos acreditarmos que eu fosse capaz de mudar. Que eu
tinha mudado. Mas no final das contas, essa era a maior mentira de
todas.
Vendo Owen sentado lá, com uma mão na porta, eu sabia que ele
estavaesperando que eu fosse a garota corajosa que ele pensava e
contasse a ele. Eleesperou mais tempo que imaginei, até que abriu
a porta e saiu.
— Ah, fala sério — a outra garota falava alto e a voz era mais nasal.
— Elepoderia sair com a garota que quisesse. Então, por que ele
faria uma coisa dessas?
— Não. Eu acho que ela não veio hoje — disse a outra garota. —
Quemerda. Você viria?
Essa descoberta foi tão impactante que fiquei lá, sentada, com as
mãos nascoxas e atordoada. Will tinha sido preso. As pessoas
estavam sabendo disso. Desdesábado à noite, eu deduzi que Emily,
assim como eu, tivesse ficado em silêncio, commedo, e guardado
para si a história e a deixado lá. Mas não foi isso que ela fez.
— Bem, não — Jessica disse. — Mas isso quer dizer que poderia
ser... Um
padrão.
Ela não ficou no pátio para deixar claro que não tinha ficado abatida
peloque aconteceu. Nem confrontou Emily na frente das pessoas,
como fez comigo. Naverdade, a primeira vez que a vi, ela estava só,
andando no corredor e falando aocelular. No almoço, quando olhei
pela janela da biblioteca, ela não estava sentadano seu banco —
que estava cheio de garotas mais novas que eu nem conhecia
—,mas na calçada próxima ao retorno, esperando uma carona. Já
Emily estava sentadaem uma mesa de piquenique, tomando água e
comendo batatinhas, cercada depessoas.
Então, Sophie estava só. Eu estava só. E Owen estava só, pelo
menos foi o quededuzi. Às vezes, antes ou depois da escola, eu o
olhava de relance. Ele sempre sedestacando no meio de todos ao
andar no pátio ou entrar em algum prédio. Às vezes,ao vê-lo, tudo o
que eu queria era contar tudo a ele. Essa vontade me vinha como
umaonda, repentina e inesperada. Mas, no momento seguinte, eu já
dizia a mim mesmaque agora ele provavelmente nem queria saber
de nada. Ao vê-lo atravessando opátio sem nenhuma expressão no
rosto, usando fones de ouvido, era como se eleretrocedesse e
voltasse a ser para mim a pessoa que era antes de tudo isso.
Apenasum mistério, um garoto que eu não conhecia, apenas mais
um rosto na multidão. Sea escola me estressava, em casa não era
diferente. Mas apenas eu me sentia assim,pois tudo estava ótimo
para todos os outros membros da minha família. Minha mãe,ao meu
lado, estava nesse exato momento empurrando o carrinho de
compras pelosetor de frutas do supermercado, toda feliz que a
família estaria finalmente reunidade novo depois de Kirsten ter
falado em vir no feriado de Ação de Graças e, maistarde, ter
resolvido ficar em Nova York para trabalhar algumas horas extras
eestudar. Porém, ela mencionou ter passado o jantar de Ação de
Graças com Brian, oprofessor assistente, mas não deu maiores
detalhes, o que não era muito o "estiloKirsten de ser". Agora ela
finalmente viria nos visitar no Natal, e minha mãe estavamuito
empolgada.
— É uma receita que Moira passou pra ela — ela disse. — Não é
ótimo?E era. Deixando meus problemas de lado, tenho que admitir
que fiqueiimpressionada com a recente melhora da Whitney. Há um
ano tudo aquilo começoue agora, por mais que ela ainda não
estivesse curada, as mudanças eram evidentes e muito boas.
— Foi?
— É mesmo? — perguntei.
— Sim, claro — ela suspirou novamente, um suspiro feliz. — Fico
im-pressionada com o tanto que aprendi este semestre. Quero dizer,
entre o trabalhocomo diretora de cinema e a aula de Brian, eu estou
aprendendo muito sobre overdadeiro significado da comunicação.
Realmente abriu meus olhos.
— O quê? — eu perguntei.
— Disse a Lindy que ligaria para ela assim que contasse a você —
ela falouandando em direção à cozinha e pegando o telefone.
Enquanto discava, elaacrescentou: — Pelo que Lindy disse, o
anúncio foi muito bem aceito entre as garotase foi disso que o
pessoal da Kopf realmente gostou. Você é um modelo, um
exemplo,Annabel! Isso não é incrível?
Sophie não estava indo tão bem. Das vezes que a vi, ela estava
sozinha e agorasaía da escola no horário de almoço todos os dias
em um carro preto que parava parapegá-la. Não era Will, e eu me
perguntava se eles ainda estariam juntos, mas, já quenão ouvi dizer
o contrário, imaginei que ainda estivessem.
Dezesseis
— Ah — ela disse. Sua voz era baixa, mas audível. — Você está aí.
Emily começou a vir em minha direção e eu, sem nem me dar conta,
meinclinei para trás e bati na mesa seguinte. Ela parou de braços
cruzados.
— Olha — ela disse. — Eu sei que as coisas ficaram estranhas
entre nós nesseano. Mas eu... Eu preciso falar com você.
Ela estava tão perto de mim que eu sentia o cheiro do seu perfume,
umamistura de floral e frutas.
Eu ainda não tinha dito nenhuma palavra Não consegui dizer nada.
Só fiquei lá, imóvel, vendo-a colocar a mão no bolso da calça e tirar
um cartãozinho branco.
— Esse é o nome da mulher que está cuidando do meu caso — ela
disse,estendendo o cartão para mim. Como eu não o peguei
imediatamente, ela colocou ocartão em cima da mesa, do lado do
meu cotovelo e com a frente para cima. O nomeestava em fonte
preta e tinha um logotipo no canto superior esquerdo. —
Ojulgamento começa na segunda-feira, mas eles ainda querem falar
com algumaspessoas. Você poderia apenas ligar para ela
encontrar... O que você quiser. Ela é muito bacana.
A única coisa que eu mais temia, a razão pela qual não fui sincera
com Owensobre o que realmente estava acontecendo naquela noite
no Bendo, ela fez parecer tãofácil. Se não consegui contar para ele,
a única pessoa que eu realmente achava queagüentaria, como
conseguiria me abrir com uma estranha? De jeito nenhum, nem
seeu quisesse. E eu não queria.
***
Ao terminar tarde o meu teste, fui para meu armário e depois para
obanheiro, onde só tinha uma menina se olhando no espelho,
passando delineadorazul. Logo depois que entrei na cabine, eu a
ouvi indo embora. Porém, ao sair, vi Clarke Reynolds, de calça
jeans e uma camiseta do TRUTH SQUAD , encostada na pia.
— Oi — ela disse.
Minha primeira reação foi olhar atrás de mim, o que era maluquice,
além deburrice, pois dava para ver pelo espelho que não havia mais
ninguém lá.
— Oi — respondi.
Dei um passo para o lado e abri a torneira da pia seguinte. Senti que
ela meolhava lavar as mãos e apertei o recipiente de sabonete
líquido, vazio como sempre.
— Então — ela falou, e eu, mais uma vez, notei que sua voz não
estava maisfanhosa. — Tá tudo bem?
Desliguei a torneira.
— O quê?
— O Owen? — perguntei.
— É.
— Ah, não — ela respondeu, fazendo que não com a cabeça. — Ele
só co-mentou comigo algumas vezes, então eu também fiquei me
perguntando e... Depois
265
Sophie.
— É, mas...
Ela suspirou.
— Ele não falou muita coisa — ela contou. — Só que vocês eram
amigos e,então, alguma coisa aconteceu e agora não são mais.
Desculpe contar, mas isso mepareceu, sei lá, um pouco familiar,
entende?
Fiquei parada, sem saber o que responder. Então me dei conta que,
nasúltimas semanas, além de sentir falta do Owen, eu também tinha
saudades de umaparte de mim que conseguia ser sincera com ele.
Talvez eu não pudesse fazer isso
267
ali. Mas eu não precisava mentir. Então, fui para aquela posição em
que sempre mecolocava: para o meio.
— Obrigada — eu disse.
Ao nos afastarmos uma da outra, eu sabia que provavelmente não
ligaria paraela. Mesmo assim, abri minha mochila e coloquei o papel
juntamente ao cartão queEmily me deu. Mesmo que nunca os
usasse, era bom saber que estavam lá.
bem.
— Não sei dizer muito bem o que é... — disse minha mãe, com o
arpensativo. — Mas eu acho...
Kirsten suspirou.
— Vou levar suas malas lá pra cima — meu pai disse a Kirsten, que
concordou acenando com a cabeça
saber.
— Conta sim — meu pai disse a ela. Ele deveria estar ajudando,
mas até agorasó tinha levado o lixo para fora e demorado muito
para trocar o saco plástico. —Pedir comida por telefone é a minha
receita favorita.
Minha mãe fez uma careta para ele quando Whitney, que tinha
desaparecidologo após o jantar, reapareceu usando sua jaqueta e
com suas chaves na mão.
272
— Então, você está pronta? — uma garota chamada Jane, que era
alta emuito magra, de suéter vermelho e com um maço de cigarros
no bolso da frente,perguntou para Whitney depois de escolhermos
nossos cafés e sermos apresentadas. — E o mais importante, você
está nervosa?
Moira.
— Ah, você não viu nada — ela falou. — Você devia ter vindo aqui
nasemana passada. Ele recitou um de dez minutos sobre castração.
— Vou ler um texto curto — ela disse, a voz baixa demais. Ela
seaproximou do microfone. — Um texto curto — ela repetiu — sobre
as minhas irmãs.
quieta.
— Eu sou a irmã do meio — ela disse. — Aquela que fica entre duas
outras.Não a mais velha, nem a mais nova, não a mais atrevida, não
a mais gentil. Eu sou otom de cinza, o copo meio cheio ou meio
vazio, dependendo do seu ponto de vista.Na minha vida, fiz poucas
coisas primeiro, ou melhor, do que aquela que meprecedeu ou
quem veio depois de mim. Porém, de todas nós, eu fui a única que
se quebrou.
— Durante anos, ao olhar para aquela foto, a única coisa que eu via
era omeu braço quebrado. Só recentemente é que comecei a me
dar conta de outrascoisas. Por exemplo, que as minhas duas irmãs
estão sorrindo e inclinadas na minhadireção, enquanto eu estou,
como sempre, entre elas.
— Essa não foi a última vez que tentei fugir das minhas irmãs. Nem
a últimavez que preferi ficar sozinha. Eu ainda sou a irmã do meio.
Mas agora vejo isso de umjeito diferente. Tem que haver um meio.
Sem ele, nada é realmente completo.Porque não é apenas o espaço
que há entre, mas é também o que une as coisas.Obrigada.
Dezessete
Meu pai estava sério, estudando a tela; minha mãe, ao lado dele,
com as mãos nocolo. Whitney, do outro lado, tinha encolhido a
perna junto ao peito, e eu olhava oreflexo da luz piscando no rosto
dela com o passar do filme.
Whitney não disse nada, seus olhos estavam fixos na tela que
mostrava, delonge, a garota menor fora da bicicleta e a roda
girando. E depois, começaram asimagens assustadoras da
vizinhança: o cachorro bravo, o homem pegando o jornal.Quando o
filme terminou com a última tomada de cor verde, todos ficamos
quietospor um tempo.
— Quem diria que você tem um olho tão bom — meu pai disse,
esticando obraço para apertar a sua perna. — Toda aquela televisão
a que você assistiu não foià toa.
Kirsten sorriu para ele, mas sua atenção estava de verdade voltada
paraWhitney, que ainda não tinha dito nada.
vocês!
perguntou.
Assim que me viu passar pela sala de estar, ele diminuiu o volume
datelevisão.
JUST LISTEN .
Apenas
Talvez fosse para ser uma piada. Ou algo profundo. Mas ao ficar
deitada,parecia que o silêncio preenchia os meus ouvidos. Só que
era ensurdecedor.
Dezoito
E era por isso que eu estava agora no meu carro, saindo do meu
bairro, indoem direção à WRUS. Eram 8h02 quando entrei no
estacionamento. O Receitas eErvas, programa que entrava no ar
logo após o dele, estava começando. Estacioneientre o carro de
Rolly e o de Owen. Peguei o CD no banco do passageiro e entrei.
— Oi — eu disse.
Olhei para ele, levantando a minha mão para dar um oi. Ele acenou
de volta,e Clarke também. Ele estava se inclinando ao microfone
para me dizer algo quandoolhou para Owen — que o fuzilava com
os olhos — e lentamente recuou, nãodizendo mais nada. Pude ouvir
um clique e o microfone estava novamentedesligado.
— Sério?
— Assim como você estava lidando com o fato de eu não ter dito
nada? Vocêficou furioso comigo.
— Eu teria superado.
Quando ele falou isso, senti uma coisa no estômago. Não era
aquele enjôo aoqual eu estava acostumada. Era mais parecido com
uma efervescência leve.
— Se for algo tão sério que valha a pena tudo isso — ele disse,
fazendo sinalcom as mãos para incluir o estúdio, a estática e nós no
meio de tudo aquilo —, todaessa merda e mal-estar que tem
acontecido desde então é também grande demais para guardar
dentro de você. Você sabe disso.
— Sim, eu me arrependo.
— E não me diga que isso é fácil para mim, porque não é. Esses
dois últimosmeses têm sido uma bosta por não saber o que se
passa com você. O que é, Annabel?O que é tão ruim que você não
pode nem me contar?
Com muita raiva. Raiva dele por ter me atacado. Raiva de mim por
terdemorado tanto para lutar. De cada chance que não aproveitei.
Durante todos essesmeses, eu vinha tendo essa mesma reação,
mas culpei meus nervos, ou medo. E nãoera.
acontece com esse CD? Onde está a música? Por que não dá pra
ouvir nada?
— O quê? — eu disse.
Ou não.
Shhh, Annabel, eu ouvi a voz dizendo, mas dessa vez ela me soou
diferente.Conhecida. Sou só eu.
— Quase — respondi.
— Sinto muito, Annabel. Sinto muito que isso tenha acontecido com
você.
Talvez fosse isso que eu quisesse ouvir esse tempo todo. Não um
pedido dedesculpas — e certamente não de Owen —, mas um
reconhecimento. Porém o quemais importou foi que eu passei por
tudo novamente — começo, meio e fim. Masisso, é claro, não queria
dizer que tudo tinha terminado.
— Ela agüenta.
Foi a foto que ele tirou de mim naquela noite da sessão de fotos da
Mallory.Eu estava parada perto da porta do lavabo, sem
maquiagem, com meu rosto relaxado,o brilho amarelo da luz atrás
de mim. Veja, ele disse na ocasião, é assim que você é, e, ao olhar
para ele, vi que era finalmente uma prova de que eu não era a
garota naparede de Mallory ou do comercial da Kopf, nem daquela
festa em uma noite de maio.Que algo em mim tinha mudado
naquele outono, por causa de Owen, mesmo que eu sóconseguisse
perceber agora.
— Mas? — perguntei.
ela.
— Que bom — ele disse quando contei a ele o que tinha feito. Sua
voz eraamável, satisfeita, e eu apertei o telefone contra a minha
orelha para que ela enchessemeus ouvidos. — Você fez a coisa
certa.
— Se? — eu disse.
Quando essa foto foi tirada, nós estávamos todas juntas em volta de
minhamãe, protegendo-a. Mas isso foi apenas um dia, uma foto.
Desde então, essa
293
Hesitei por um momento, mas então olhei para Whitney. Ela estava
meolhando, sua expressão era séria, e eu me lembrei daquela noite
um ano atrás,quando abri a porta e apertei o interruptor, expondo-a
à luz. O que aconteceu comela me deixou com muito medo, mas ela
sobreviveu. Então, fixei meus olhos nelaao andar e sentar-me no
sofá.
Minha mãe sorriu para mim novamente e senti uma onda de tristeza
e medome atingir, pois eu sabia o que estava para fazer. "Você está
quase pronta?", ela meperguntou mais cedo e, naquele momento,
eu não estava. Talvez nunca estivesse.Mas agora não tinha mais
jeito. Então, ao me preparar para contar mais uma vez aminha
história, fiz o que Owen fez por mim tantas vezes: estendi a mão
para minha mãe e minha família. E, dessa vez, eu os trouxe comigo.
294
Dezenove
Contar para a minha família foi mais difícil do que contar para Owen.
Mas euconsegui. Mesmo nos momentos mais difíceis, mesmo
quando ouvi minha mãerecuperar o fôlego, quando vi meu pai
estreitando os olhos e senti Kirsten tremendoao meu lado, eu
continuei. E quando senti que estava hesitando de verdade, olhei
paraWhitney, que em nenhum momento recuou. Ela era a mais forte
de todos nós e eumantive meus olhos nela até o final.
Minha mãe foi quem mais me surpreendeu. Ela não teve um ataque
nervoso,nem se desesperou, embora eu soubesse que ouvir o que
tinha acontecido comigo nãotenha sido fácil para ela. Em vez disso,
enquanto Kirsten chorava e Whitney ajudavameu pai a achar o
cartão da Andréa Thomlinson no meu quarto para que ele
pudesseligar para saber mais detalhes, minha mãe ficou sentada ao
meu lado com os braçosem volta de mim, afagando a minha
cabeça.
Então me dei conta que em minha vida toda tinha visto meus pais
de uma sómaneira, como se fosse a única que eles pudessem ser.
Um fraco, um forte. Ummedroso. O outro corajoso. Mas eu
começava a entender que não existia essa coisade absolutos, nem
na vida, nem nas pessoas. Assim como Owen disse, era dia a
dia,talvez momento a momento. Só o que você podia fazer era
aguentar o máximo de
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O terno chique que ele usava não foi a primeira coisa que percebi.
Nem onovo corte de cabelo, curto e arrumado, cuja provável
intenção era de fazê-loparecer mais novo e inocente. A expressão
— olhos estreitos e lábios contraídos —também não combinavam.
Na verdade, a única coisa que eu via era o círculo roxoem volta do
olho e a vermelhidão da bochecha logo abaixo. Alguém tinha
tentadodisfarçar com maquiagem, mas ainda estava lá. Claro como
o dia.
— Sim.
Depois de ficar em silêncio por tanto tempo, senti que tinha falado
muito nasúltimas vinte e quatro horas. Mas, com sorte, essa seria a
última vez por um tempo.Talvez por isso não tenha sido tão difícil
respirar fundo e começar.
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ali.
***
bolso.
— Oi.
— Olha — ele começou. — Eu sei que você deve estar bem brava
comigo.
— Uma coisa?
— Sim.
Novamente, ele recuou. Ele estava muito mal por causa daquilo.
Depois deestar do outro lado da verdade por tanto tempo, percebi
que estava gostando de fazer as perguntas.
— Sim.
— Por quê?
— Owen — eu disse.
— Eu sei.
— Foi só um soco — ele resmungou, acrescentando rapidamente
—, o quenão quer dizer que tudo bem. E eu tive muita sorte de o
segurança ter nos separadoe nos mandado embora de lá sem
chamar a polícia. Se ele tivesse... — ele ficouquieto. — É que foi
muita burrice.
— O quê?
Não havia uma resposta curta para isso, assim como para muitas
outrascoisas, era uma longa história. Mas o que realmente torna
qualquer históriaverdadeira é saber que alguém irá ouvi-la. E
entendê-la.
Vinte
Coloquei meus fones de ouvido, depois olhei para Rolly. Quando ele
me deuum sinal de "ok", me inclinei na direção do microfone.
— Você está indo muito bem — Rolly elogiou. — E eu não sei por
que vocêfica tão nervosa. Você não está andando de biquíni na
frente das pessoas. — Clarkese virou para ele, com um olhar de
reprovação. — O que foi? É verdade!
de rádio era uma boa punição por ele ter batido em Will Cash. Mas
quando Owenme convenceu que Rolly (e Clarke) estaria lá para me
ajudar com as coisas técnicase garantir que eu cumprisse a hora
toda semana, aceitei tentar pelo menos uma vez.Isso tinha sido
quatro semanas e agora, por mais que eu continuasse nervosa,
estavame divertindo. Tanto que Rolly já estava no meu pé tentando
me convencer a fazero curso preparatório da rádio comunitária e
tentar conseguir um horário para mim,mas eu ainda não estava
pronta para isso. Mas nunca diga nunca.
Rolly bateu no vidro que ficava entre nós e fez sinal para eu
preparar apróxima música. Era um single da Jenny Reef,
especialmente para Mallory —minha primeira fã de verdade —, que
toda semana colocava o rádio-relógio paratocar e ligava para fazer
um pedido. Deixei a música no ponto, esperei a música doThe Clash
se aproximar do fim antes de apertar o botão para deixar as
batidasdançantes rolarem (uma passagem que eu sabia que irritaria
Owen, que por muitasrazões insistia em ouvir a transmissão do
programa sozinho em seu carro). Depoisque a música começou,
mudei de posição na cadeira, olhando para a fileira de fotospróxima
ao meu painel. Logo que comecei, fiquei tão nervosa que imaginei
queseria uma boa idéia ter o máximo de inspiração possível. Então,
trouxe a foto daMallory com o boá de penas ao redor do rosto para
me lembrar que pelo menos umapessoa estava ouvindo. A foto que
Owen tirou de mim para eu me lembrar que nãotinha problema se
ela fosse a única. E mais uma.
— Dois minutos para a próxima pausa — disse Rolly, e fiz que sim
com acabeça, colocando os fones de ouvido de volta. Quando ele
afastou sua cabeça domicrofone, Clarke esticou o braço e arrepiou
o seu cabelo. Ele lhe deu um sorriso efez uma careta quando ela
voltou para as palavras cruzadas do jornal de domingo,que fazia
questão de tentar completar até o final do programa. Clarke
eracompetitiva, mesmo consigo mesma. Essa era uma das muitas
coisas sobre ela queeu tinha esquecido, mas que agora me voltava
à memória — como ela sempregostava de cantar junto com o rádio,
se recusava assistir a filmes de terror econseguia me fazer rir
descontroladamente com as coisas mais bobas —
conformeretomávamos nossa amizade, pouco a pouco. Não era a
mesma coisa de antes, masnenhuma de nós queria isso. Nós
estávamos felizes por estarmos andando juntas. O resto era um dia
de cada vez.
Essa era a forma como eu estava lidando com tudo e com todos ulti-
mamente, aceitando as coisas boas e más quando apareciam,
sabendo que ambaspassariam com o tempo. Minhas irmãs estavam
se falando e também brigando devez em quando. Kirsten estava
fazendo sua segunda aula de direção e trabalhandoem um novo
filme que era sobre, por mais estranho que seja, o trabalho de
modelo,que ela prometia que iria virar nosso mundo de cabeça para
baixo (seja lá o que issoquisesse dizer). Em janeiro, Whitney se
matriculou na universidade da cidade, onde,juntamente com
algumas exigências, ela estava assistindo a uma aula de registro
dememória e outra de ficção. Na primavera, com a aprovação da
sua terapeuta, ela iria semudar para o próprio apartamento, um local
onde ela fez questão que fosse muitoiluminado por causa das
plantas. Enquanto isso, as ervas ainda estavam na janela,onde,
sempre que podia, eu parava para passar a mão nas folhas,
deixando um bomaroma no ar.
Mesmo assim, eu sabia que seria difícil para ela ver o comercial da
Kopf, quecomeçaria a passar em algumas semanas. Pelo que fiquei
sabendo, eles mantiveram amesma idéia daquele que fiz, focando
na Garota Ideal, dos esportes ao baile deformatura. Ele
provavelmente teria me incomodado pelos mesmos motivos do
outro senão fosse pela garota que escolheram para me substituir:
Emily. Afinal de contas, sealguém pudesse ser um exemplo para
todas, só poderia ser ela.
Ou não.
Ao pensar isso, olhei para meu polegar, tirando o anel de prata para
ler essasmesmas palavras. O anel era muito grande para os meus
dedos, então tive quepassar um durex para que se ajustasse
melhor, mas estava perfeito enquanto euainda pensava em algo
para colocar no anel que Rolly prometeu me dar. Até lá,Owen disse
que eu poderia ficar com o dele apenas para me lembrar que é
semprebom saber quais são as opções que temos.
— Owen.
— Owen.
— O quê?
— Shhh.
Fim..
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Aba de Trás