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V. S. Vilela
Copyright © 2022 V. S. Vilela
[2022]
Todos os direitos desta edição reservados à
V. S. Vilela
@autoravsvilela
Para todos os meus leitores que me acompanham e me apoiam desde 2016,
quando eu não imaginava que meu sonho de compartilhar meus textos e ser lida
poderia se tornar realidade.
Para todos aqueles que sempre acreditaram no meu trabalho e que, tanto quanto eu,
se apaixonaram por Liam e Eric.
Para o meu noivo, pois, sem a ajuda dele, essa publicação seria mais difícil de
acontecer.
Patolino
Eric
Eric
Liam
Mas o que aquilo significava? A minha irmã, por algum acaso, tinha
enlouquecido de vez? Ou tinha se drogado? Ou tinha participado de
algum ritual de magia que fizesse com que seu juízo fosse pelos
ares?
Eu realmente não podia acreditar no que meus ouvidos
estavam escutando.
— Sim, namorando — respondeu despretensiosamente,
como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo, e sorriu,
abraçando, mais uma vez, aquele desgraçado que seduziu minha
pobre irmã ingênua desde a infância.
Tudo bem, okay. Eu estava aumentando a história. Na
verdade, ele não tinha a seduzido, assim como ela não era ingênua.
O problema era que eu não suportava vê-los juntos, porque não
combinavam em nenhum aspecto e isso me dava nos nervos.
— Por acaso, você está drogada, Molly? — perguntei com o
cenho franzido, tentando entender aquela situação deplorável que
se formava diante dos meus olhos. Eu não podia permitir que aquele
mulherengo de uma figa a namorasse.
— Para de ser otário, Liam — Eric resmungou, oferecendo-
me um semblante de tédio que em nada ajudava a me acalmar.
Muito pelo contrário, apenas me fazia ficar ainda mais revoltado com
a ousadia daquele idiota que insistia em ser da família, como se já
não bastasse ser afilhado dos meus pais.
— Otário?! — Inevitavelmente, me exaltei. Eu não podia
aturar o jeitinho atrevido que ele tinha. Quem aquele perna de pau
pensava que era? Tudo bem que ele não era perna de pau coisa
alguma. Na verdade, Eric jogava bola bem demais, mas eu jamais
admitiria isso. — Você não é homem para a minha irmã!
— Chega, Liam! — A voz se Molly se sobrepôs à minha,
fazendo eu me calar, mas não fazendo a raiva desaparecer. Eu já
não aprovava que eles ficassem juntos desde sei lá quando, mas
um relacionamento sério era algo ainda mais inconcebível. Ela
precisava de alguém à altura.
— Você também não é homem para a minha irmã, seu
imbecil! — Eric revidou, fazendo-me lembrar de que eu também
ficava com sua irmã, mas sem compromisso algum. A diferença era
que Stefany sempre foi uma garota descolada e desinibida, que não
se prendia a relacionamentos, algo totalmente oposto à Molly.
— Você tá ferrado! — apontei meu dedo atrevido em sua
direção de maneira ameaçadora, praticamente em cima de seu
rosto, e me virei, caminhando à passos pesados rumo à porta de
casa e deixando para trás os dois pombinhos do inferno.
— Liam! — Ainda ouvi a voz de Molly chamando-me de um
modo aturdido, provavelmente com medo do que eu fosse fazer
diante do que havia acontecido, mas, dando de ombros para o seu
temor, apenas me aproximei da porta e entrei em casa.
Ao colocar meus pés na sala de estar, logo vi meus pais
sentados no sofá, assistindo a um filme, aparentemente estavam
calmos e tranquilos. Aquele era o momento perfeito para executar o
meu plano, ou seja, dedurar minha doce e linda irmã. Afinal, quem o
tal babaca pensava que era para namorá-la? Eu estava realmente
furioso.
— Papai. Mamãe — pronunciei-me sem cerimônia, pois tudo
o que eu mais queria era ver a cara eles que eles fariam ao saber
daquela quase tragédia que havia se abatido sobre nossa família. —
Os senhores já estão sabendo da novidade? — perguntei, com uma
pontinha de sarcasmo, ao cruzar os braços.
— Não, querido — mamãe ajeitou-se no sofá, erguendo o
rosto para mim, enquanto papai continuou vidrado no filme. — O
que houve? — franziu levemente o cenho, provavelmente achando
estranha a maneira como eu estava e demonstrando que sua
atenção era minha.
— A sua filhinha está namorando! — despejei as palavras
com toda a raiva estava sentindo. Na verdade, eu estava indignado,
porque era mais do que claro que aquele conquistador de meia
tigela não tinha o menor direito de namorar uma garota como ela.
— Namorando?! — Antes que mamãe pudesse falar qualquer
coisa, papai, que, há poucos segundos, estava quase que sem
piscar os olhos ao assistir ao filme, praticamente pulou do sofá e se
levantou com o semblante bastante surpreso. Isso estava tão
melhor do que eu havia imaginado, que até senti uma súbita
vontade de sorrir. Molly e Eric estavam ferrados.
— Namorando quem, querido? — mamãe, ainda com o
cenho franzido, perguntou. Ela não parecia tão preocupada quanto o
papai, mas também não demonstrava estar completamente à
vontade com aquela informação. A reação deles só me deixava
ainda mais feliz.
— Com o Pate... — Por pouco não falei o nome do apelido de
mau gosto pelo qual eu adorava o chamar. De súbito, lembrei-me
que minha mãe detestava quando eu falava aquilo, além de
defendê-lo e me passar sermão. Por isso, optei por me conter, já
que eu queria que todas as atenções estivessem voltadas para o
mais novo casal do momento. — Digo, o Eric.
— Ah sim — De imediato, como se tivesse ouvido algo
normal, natural e esperado, ou pior, como se nada tivesse
acontecido, papai deu de ombros e sentou-se novamente no sofá,
voltando sua atenção ao filme e pouco se importou com o que eu
havido falado.
O que estava acontecendo ali? Eles não falariam
absolutamente nada sobre aquele absurdo?
— Mas que notícia maravilhosa! — mamãe exclamou. Era
falou a pior resposta que poderia ter pronunciado. Minha felicidade,
por achar que finalmente os veria se ferrando, foi por água abaixo.
O sorriso que tentava aparecer em meu rosto, pelo gosto da
delação, logo se escondeu, dando lugar a ainda mais indignação.
— O que disse, mãe? — encarei-a com meu melhor
semblante confuso, fingindo, por um instante, que não tinha ouvido
o que havia dito. Eu não podia acreditar que eles gostaram de saber
que a filha “santinha” estava namorando, e mais: que não fariam
algo diante disso, se não apoiar. Só podia ser um pesadelo.
— Eu faço muito gosto desse namoro — papai pronunciou-se
com seu típico tom imponente e peito estufado. De fato, isso não
podia ser real. Eu estava em um pesadelo horrível e insano no qual
meus pais aprovavam o namoro da Molly com um mulherengo que
não a merecia.
— Ah, eu também, querido! — mamãe quase bateu
pequenas palmas de entusiasmo. — Eric é tão viril, sarado, atlético!
Um ótimo partido! — Oh não, eu não podia estar ouvindo isso ou ia
vomitar! Viril, sarado, atlético? Que Deus me arrebatasse era tudo o
que eu pedia!
— Claire, esses atributos não importam — papai resmungou
do sofá, sem tirar os olhos do filme. — O importante é que ele é
nosso afilhado, é de uma ótima família, é estudioso e tem um futuro
brilhante no futebol. Eric é um menino de ouro e é isso o que
importa.
Estudioso? Futuro brilhante no futebol? Menino ouro? Ah,
meu Deus, eles precisavam poupar os meus ouvidos, porque não
estava fácil escutar todos esses absurdos.
— Vocês só podem estar enlouquecendo — disse de maneira
incisiva, com os olhos quase saindo da caixa craniana. — O Eric vai
passar o maior chifre na Molly! Ele é o cara mais galinha do Colégio
Liverpool!
— Igual a você, não é, querido? — mamãe não perdeu tempo
em me alfinetar, o que era um absurdo, porque eu, definitivamente,
não era tão galinha quanto o Eric. Claro que não. Nunca. Okay, tudo
bem, só um pouco. Certo, um pouco demais. Muito, na verdade.
Muito mais que o Eric. Eu era canalha a níveis tão absurdos que
não chegava aos pés daquele loiro azedo.
— Mamãe! — falei em quase um tom de repreensão, porque,
mesmo sabendo que eu era um pilantra com as garotas, ouvir isso
dos meus pais sempre foi estranho. Além do mais, a culpa de ser
assim não era exclusivamente minha. Ora, todas elas abriam as
pernas para mim, então, como um bom moço que não era mal-
educado a ponto de negar presentes, estava dentro. Literalmente.
— Querido, sinceramente, eu não sei o motivo dessa rixa
com o Eric. — pronunciou-se novamente, levantando-se do sofá e
vindo em minha direção. — Ele é um menino tão bom! Vocês
cresceram juntos. Era para vocês serem amigos — Eu? Amigo do
Eric? Isso só poderia ser uma piada.
— Ele é capitão do time adversário — repliquei de imediato.
— O principal adversário do meu time. O principal adversário do
time do Colégio Regent. Inimigos de anos — referi-me aos dois
times serem inimigos de anos, mas, na verdade, isso também se
aplicava a mim e a ele.
— Isso não é motivo, Liam. — ouvi papai, que ainda estava
sentado no sofá. Ora essa, não era para ele estar prestando
atenção no filme? Na hora que era para ficar calado e assistir o que
estava passando na televisão, ele falava.
— É verdade — mamãe assentiu. — Não é porque você é
capitão do time de futebol do Colégio Regent e ele é capitão do time
de futebol do Colégio Liverpool que vocês devem ser
obrigatoriamente inimigos — Ah não, eu estava mesmo sozinho
naquela casa. Ninguém ficava do meu lado, nem concordava
comigo. — Aliás, vocês são assim desde criança, antes mesmo de
serem capitães de qualquer coisa.
— Não somos inimigos, mãe — retruquei a contragosto.
Primeiro, porque não consentia com aquele julgamento por não
sermos amigos. Segundo, porque eu sabia que não estava falando
a verdade, já que, no fundo, eu o considerava mesmo como um
inimigo. — Só não gosto dele — tentei amenizar a situação, mesmo
que de maneira falha.
— Eu sei que você sempre nega, meu filho — aproximou-se
ainda mais de mim. — Mas, eu tenho a impressão de que isso não é
verdade e, principalmente, de que vocês não são amigos por sua
causa. Acho que, pelo Eric, vocês seriam amigos.
Ah, claro, pelo Golden Boy nós seríamos amigos, afinal ele
era, ao pé da letra, um menino de ouro mesmo, não era? O fato era
que, mesmo negando, eu sabia que éramos inimigos, porque
amigos não conseguiríamos ser, por mais esforço que eu fizesse. E
eu odiava amizade forçada.
Não tinha como ser amigo de um cara como o Eric. Não dava
por mais que eu tentasse. Primeiro, se eu não tomasse cuidado e
não me apressasse, o cara “quebrava a minha firma” com todas as
garotas das festas, porque ficava com as mais gatas. Talvez o
namoro com minha irmã tivesse até um ponto positivo, se eu
pensasse que iriam sobrar mais meninas para mim.
Segundo, aquele demônio não pegava em um livro sequer,
mas tirava as melhores notas da turma, talvez do colégio. Não
estudávamos juntos na mesma escola, mas eu sabia disso porque,
simplesmente, todos sabiam disso. Enquanto isso, eu precisava
passar o dia inteiro com a bunda colada na cadeira, se quisesse
alguma nota decente.
Terceiro e mais importante, aquele capeta parecia ter prazer
em tirar todas as bolas do meu ataque, quando estava na zaga. Ele
me marcava em todos os jogos contra o meu time e eu odiava
aquilo, porque era o único jogador, dentre todos os outros dos times
dos campeonatos, que conseguia fazer isso. Eu precisava suar a
camisa para fazer um mísero gol nos jogos contra o time dele.
— Não dá, mãe — resmunguei. — Sem condições — E ali eu
estava falando sério mesmo, já que não tinha a menor chance,
possibilidade ou disposição para iniciar um bom e agradável
relacionamento com uma pessoa que tentava ser perfeitinha em
todos os aspectos da vida, assim como ele fazia. De toda forma, eu
sabia que, apesar de tudo, ele não era um completo menino de ouro
como todos falavam.
— Que besteira, filho — passou a mão em meu rosto. —
Agora que o Eric e Molly assumiram um namoro, você e Stefany, a
irmã do Eric, deveriam assumir também. Já pensou? — sorriu como
se estivesse sonhando acordada. — Não seria perfeito, querido? —
E finalizou em um tom mais alto, indicando que estava perguntando
ao meu pai.
— Eu concordo! — respondeu ainda do sofá e, sem ao
menos se dar ao trabalho de virar seu rosto para me olhar,
continuou. — Leve a garota para um jantar e a peça em namoro de
uma maneira decente. Está na hora de assumir um relacionamento
sério.
Ah não, eles falavam como se ela fizesse mesmo questão de
assumir um relacionamento assim. No entanto, ela não era o tipo de
garota como a Molly, por exemplo, que prezava por um namoro.
Stefany era livre, leve e solta. Loira de olhos castanhos, linda e
sensacional, mas, por mais que eu ficasse com ela em uma
frequência considerável, namorar não estava em meus planos, nem
nos dela.
— Vocês estão viajando — revirei os olhos, como um claro
gesto de que eu já estava entediado com aquele assunto. Contudo,
antes que eu pudesse mudar o foco da conversa, de súbito, a porta
da sala se abriu e Molly entrou.
Olhou de maneira um tanto quanto acanhada para todos,
parecendo estar apreensiva e provavelmente preocupada. Talvez
pensasse que eu tivesse a dedurado e que nossos que nossos pais
estivessem como uma fera. Mera inocência, tanto minha quanto
dela, por acharmos que eles iriam ficar chateados com isso. Até
parecia que não sabíamos que nossos pais eram loucos.
— Oi, mãe. Oi, pai — cumprimentou-os de maneira contida,
abaixando levemente o rosto e não apresentando sequer uma
mínima animação em sua fala. Nem ao menos olhou em meus
olhos, pois devia estar chateada o bastante pelo que eu havia feito
minutos atrás na entrada de casa.
— Querida! — mamãe apressou o passo em sua direção e,
com seu típico tom de voz afável, abraçou-a carinhosamente,
causando em Molly um semblante de quem não estava entendendo
absolutamente nada. — Seu irmão nos contou o que aconteceu.
Estamos tão felizes!
— É, filha, estamos felizes — papai também se pronunciou,
finalmente desviando sua atenção do filme e olhando para ela. —
Só tenha juízo, porque vocês ainda são muito jovens. Nada de
transar sem camisinha. Ainda não quero netos. — Ah não, eu não
podia ter ouvido isso! Eu não podia ao menos imaginar a minha irmã
fazendo esse tipo de coisa com aquele babaca.
Como um sinal de surpresa para com a situação, Molly,
pasma, abriu a boca e logo não conseguiu se conter ao soltar um
largo e imenso sorriso. Ela não acreditava no que estava
acontecendo, assim como eu também não. Era uma típica ceninha
de família feliz, que eu não podia aguentar, nem aturar. Tudo porque
Molly estava namorando um otário.
— Ai, vocês estão falando sério? — perguntou quase dando
pulinhos de felicidade. Molly, de fato, estava eufórica, afinal,
finalmente, tinha conseguido tudo o que queria: namorar o Eric e ter
o apoio dos pais. Mas, meu apoio com relação a isso, ela jamais
teria.
— Claro, querida! — mamãe respondeu, abraçando-a
novamente. E, não demorou muito até o papai, que estava tão
atento ao seu filme, se levantar do sofá para ir até onde estavam.
— Vocês são os melhores pais do mundo! — Não
conseguindo conter a felicidade, pulou em um entusiasmado
crescente e abraçou os dois.
Sério, eu não aguentava isso. Era algo que me dava nos
nervos. Será que eles não enxergavam a loucura que estavam
cometendo em permitir que a Molly namorasse o pilantra do Eric?
Em menos de um dia de relacionamento, ele, com certeza, iria traí-
la com a metade do Colégio Liverpool. Será que eu era o único a se
preocupar com minha irmã?
Antes que a ceninhas de família alegre e feliz me enojasse
ainda mais e eu corresse o risco de vomitar ali mesmo, subi as
escadas, deixando para trás aqueles que mais pareciam estar em
uma propaganda de margarina. Era melhor entrar em meu quarto
antes que eu perdesse ainda mais a paciência. E foi exatamente
isso que eu fiz, alcançando a minha porta e batendo-a sem dó, nem
piedade, para fechá-la.
Cansado por tudo o que havia acontecido, tirei meus coturnos
e minha jaqueta, peguei o celular e me deitei na cama. Aquele era
meu momento de finalmente relaxar e tentar imaginar uma vida na
Universidade, longe de todo mundo que me tirasse do sério,
especialmente daquele canalha que agora intitulava-se como
namorado da minha irmã. Uma verdadeira piada.
Eu tinha a certeza de que ele havia decidido namorá-la
somente para me infernizar, somente para ter o pretexto de ficar
ainda mais próximo à minha família, porque se tinha algo que ele
sabia fazer de melhor era me infernizar. E não, eu não me sentia o
centro do seu mundo, mas já estava acostumado o suficiente com
suas artimanhas, fosse nas festas com os amigos, fosse nas festas
em família ou fosse nos jogos.
Porém, eu precisava parar de pensar tanto nele, porque era
aquela história: quanto mais se pensa no demônio, mais corre o
risco dele atentar. Por isso, como forma de tentar me desvencilhar
de todas as perturbações que rondavam minha cabeça e de
esquecer as artimanhas que a vida fazia questão de jogar na minha
cara, abri o aplicativo de mensagens do celular e comecei a ler.
Jessica, Beatriz, Anna, Rachel e Stefany foram os cinco
primeiros nomes que logo apareceram. Logo abaixo vinha uma
mensagem do Robert, meu melhor amigo e goleiro do time, um dos
caras que mais mandava bem nos jogos. Contudo, optei por
responder primeiro a mensagem da Stefany, com muito mais gosto
do que eu comumente respondia. Afinal, diante daquela situação, eu
fazia ainda mais questão de manter nossos contatos.
“Ei, gatinho, amanhã vou ao seu colégio. A gente se vê por lá?
Quero um gol pra mim, tá? Um beijo!”
Ora, não era que em apenas uma mensagem eu já tinha uma
transa garantida para o dia seguinte? A vida, pelo menos uma vez,
dava uma dentro do gol, marcando ponto para o meu time. Assim,
respondi com todo carinho sua mensagem, dizendo que com
certeza poderíamos nos ver, tanto antes quanto depois do jogo.
Posteriormente, abri a mensagem do Robert e... Não, eu não podia
estar lendo aquilo.
“Ei, seu gay, o técnico passou os horários de amanhã. Ele quer
fazer um treino de manhã. Eu sei que é um vacilo fazer um treino
assim perto do jogo, mas ele falou que, como vamos jogar contra o
Colégio Liverpool, precisamos estar preparados para não fazer feio.
Adversário de anos, se liga? É o último amistoso antes do início do
campeonato.”
Droga, depois de tudo o que havia acontecido, minha cabeça
se desligou completamente o fato de que, no dia seguinte, eu iria
jogar contra o time daquele otário. Eu falei, não falei? Eu disse:
“quanto mais se pensa no demônio, mais corre o risco dele atentar”.
Simplesmente, não via a hora do ano acabar e eu poder ir para uma
Universidade. Infelizmente, parecia que o tempo se arrastava.
Homem que paga de machão, Eva e
Adão
Liam
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Liam
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Liam
— Ei, oi, alô! — Robert estalou os dedos frente aos meus olhos,
segurando-me pelos ombros, logo em seguida, e chacoalhando-me,
como se estivesse há muito tempo falando sem que eu lhe desse
atenção. — Vai ficar aí secando o Eric mesmo? — Não se conteve
em soltar uma pequena risadinha.
— Han? Oi? — pisquei os olhos repetidas vezes, franzindo o
cenho, como se estivesse acordando de um sonho. Robert estava
falando algo? Eu realmente não saberia responder a essa pergunta,
porque simplesmente passei os últimos dois minutos encarando o
Eric e a sua completa simpatia com todos os que lhe recepcionaram
no colégio.
— Vai ficar aí secando o Eric por mais quanto tempo? —
tornou a questionar, mas, dessa vez, com muito mais sarcasmo. Ele
só podia estar de brincadeira comigo, porque, quem ele pensava
que eu era para estar olhando assim outro homem? Eu não era gay,
apenas fiquei observando seu jeitinho insuportavelmente simpático.
— Tô secando ninguém — resmunguei com um semblante
fechado e de poucos amigos, dando as costas para ele e
começando a caminhar. Eu não era do que tipo que admitia míseras
e mínimas brincadeiras com minha orientação sexual,
especialmente quando a chacota envolvia o Eric.
— Ei, brother — senti seus passos rápidos vindo atrás de
mim, tentando me acompanhar. — Precisa ficar com raiva não, foi
só uma brincadeira — Só uma brincadeira? Talvez ele não soubesse
que brincadeiras tinham limites.
— Não tô com raiva — menti, engolindo o mal-estar que
aquela pequena insinuação me causou. Por mais que o Robert
fosse um desagradável em noventa por cento do tempo, ele era
meu amigo e eu não queria criar um clima ruim entre nós.
— Sei — replicou como se soubesse que eu estava omitindo
a verdade, no entanto logo mudou de assunto, provavelmente
percebendo que eu não queria continuar naquele. — Mas, e aí,
como tá essa força? — perguntou, tocando em meu ombro. — A
sobremesa foi boa?
— Meus pais estavam em casa — confessei com desgosto e
desânimo, porque preferia nem me lembrar do acontecido. Eu só
podia ser muito azarado ou algo parecido com isso, já que não tinha
a sorte nem para aproveitar alguns prazeres da vida.
Soltando uma pequena risada pelo nariz, Robert expressou
aquilo que eu já sabia.
— Nossa, irmão, que azar. — Sim, era muito azar mesmo.
Pelo menos isso não acontecia sempre, porque, caso contrário, eu
já teria procurado outro lugar para ficar com ela.
— Nem me fale — balancei a cabeça, tentando dissipar o
desapontamento por ter passado uma tarde inteira apenas
conversando. — Eu tô subindo pelas paredes aqui. — Por fim,
revelei o que, com certeza, já era de seu conhecimento.
— Stefany vem para o jogo? — perguntou, enquanto
dobrávamos pelo corredor principal, indo em direção ao vestiário,
para nos prepararmos para a partida de logo mais. O colégio já
estava abarrotado de alunos entusiasmado com o grande momento
que logo iria começar.
— Vem — Isso era uma das poucas felicidades para aquela
noite, já que, mesmo tendo passado a tarde inteira comigo, sua
companhia nunca era demais, principalmente se fosse levar em
consideração as raivas que eu ainda iria passar em poucos minutos
ao ter que dividir o campo com o tal idiota.
— A galera vai para um pub depois do jogo — contou algo
que eu tinha ouvido falar, já que notei uma movimentação dos caras
mais cedo, combinando de sair depois da partida. Além do mais,
isso era algo bem costumeiro. — Leva ela.
— Boa ideia — repliquei sem ao menos precisar pensar. —
Além de transar, eu tô precisando beber. — Stefany era uma ótima
companhia para bebida. Na verdade, ela era uma boa companhia
para tudo: conversar, transar, beber. Tudo.
Continuamos caminhando pelo corredor do colégio, seguindo
rumo ao vestiário, até que as primeiras pessoas começaram a surgir
para me cumprimentar. O que havia acontecido, afinal? Não iriam
continuar dando atenção ao menino de ouro? Todos eram uns
traidores.
— Ei, capitão, faz um gol pra mim... — Uma garota falou ao
passar por mim e, se eu não estivesse enganado, fazia parte do
mesmo grupinho daquelas que foram receber o Eric. Não me dei ao
trabalho nem de responder de volta.
— Grande jogo hoje, heim... — Dessa vez, foi um cara que
tocou em meu ombro, enquanto caminhava, e, se eu também não
estivesse enganado, fazia parte do mesmo grupo de garotos que
foram cumprimentar o Golden Boy. Eu tinha uma memória
fotográfica ótima e sabia que eram todos falsos.
— Liam... — Quando já estava quase me desiludindo com o
fato de que cruzaria com uma pessoa de bem por ali, uma voz
feminina falou atrás de mim. Uma voz conhecida e de alguém que
eu sabia que podia confiar. Então, virei-me e vi Stefany, a irmã do
traste.
— E aí, gatinha — Com ela, eu com certeza me dava ao
trabalho de ser atencioso. Bom, não era como se eu fizesse isso
com todo mundo, porque poucas pessoas na face da Terra recebiam
a minha atenção. E, não, eu não era convencido. Talvez só um
pouco.
— Vai para a concentração? — perguntou aproximando-se
ainda mais de mim e arrancando olhares curiosos de quem passava
por perto. Eu não sabia o porquê, mas parecia que a minha vida
particular e as pessoas com quem eu me envolvia eram alvos de
falatório e de intromissão. Ser popular tinha suas desvantagens.
— Vou passar no vestiário antes — respondi, erguendo uma
de minhas mãos ao seu cabelo para fazer um leve e gentil carinho.
— Preciso trocar de roupa e vestir o uniforme do time — Usar o
uniforme era uma das melhores partes em jogar futebol.
— Está sabendo do pub depois do jogo? — questionou
novamente, mesmo que eu tivesse a certeza de que ela já soubesse
que eu sabia sobre isso. Afinal, nada naquele colégio, muito menos
entre os companheiros de time, me passava em branco. Eu era os
olhos e os ouvidos dali.
— Robert acabou de me falar — disse como se eu não
tivesse visto e ouvido as movimentações de mais cedo sobre a
organização do tal passeio. — Ia te chamar. — Claro que ia. Quanto
mais tempo eu passasse perto de pessoas agradáveis, melhor.
— Leu minha mente, então, porque eu vou — sorriu com
satisfação para mim, porque ela adorava esse tipo de coisa. Era
uma das garotas que eu mais gostava de sair e que era totalmente
livre para fazer isso. — Bom jogo, capitão. Vou para a arquibancada
— Por fim, beijou-me e se despediu, afastando-se dali.
Quando voltei a caminhar com Robert seguindo ao meu lado,
logo não perdeu tempo em puxar um assunto que meus ouvidos já
estavam cansados de escutar.
— Stefany é a típica mulher 3g. Gata, gostosa e gente boa.
Não sei por que não a namora.
E a resposta para isso era mais simples do que qualquer
outra.
— Não quero namorar — falei curto e seco uma das maiores
verdades da minha vida. Por mais legal que ela fosse, eu não queria
relacionamento sério com alguém e tinha a certeza de que ela
também não queria. Stefany sempre foi muito autossuficiente.
— A menina é o sonho de qualquer cara — balançou a
cabeça em negativo, como se estivesse recriminando a minha
decisão de não querer namorar. Isso era um verdadeiro absurdo,
porque ninguém deveria ser criticado por não querer assumir um
relacionamento com alguém. — Você só pode ser gay.
Definitivamente, Robert estava minando minha paciência que
já era curta. Ou as pessoas estavam com algum problema ou
tinham reservado aquele dia para me encher o saco, porque, mais
cedo, tinha sido a Stefany dizendo que eu era apaixonado pelo seu
irmão (sentia asco só de pensar nisso) e, agora, era o Robert me
acusando de ser gay.
— Eu não sou gay — suspirei, tentando reunir forças para
não responder de um modo totalmente mal-educado, o que, na
verdade, era o que eu mais queria. — Só não quero namorar. Só
não tenho vontade. Será que é difícil de entender?
— Com qualquer outra garota eu entenderia, mas com a
Stefany não. Com ela é difícil de entender, porque a garota é muito
perfeita — soltou uma pequena risadinha, mas não prosseguiu com
o falatório, fazendo me dar graças a Zeus por isso.
Apenas dei de ombros e continuei a caminhar, não
demorando muito até ao vestiário. Quando adentrei, logo dei de cara
com vinte e um jogadores, fora eu, se vestindo para o jogo, sendo
onze titulares e onze reservas. Como sempre, a algazarra estava
posta ali, pois nunca conseguiam ficar quietos quando se juntavam.
Fui até o meu armário e retirei o uniforme, bem como a
chuteira. Logo me despi dos coturnos, da calça jeans, da jaqueta e
da camiseta, ficando somente de cueca. Todos se trocavam e
tomavam banho na frente uns dos outros, isso era mais do que
normal e comum. No entanto, apesar de ser natural, os banhos
compartilhados, definitivamente, não eram um dos melhores
momentos para mim.
Como eu era os olhos e ouvidos daquele lugar, enquanto
estava me vestindo, não pude deixar de notar a conversa de alguns
caras próximos a mim.
— Tá sabendo que o time do Colégio Liverpool tá passando
por poucas e boas? — Um deles perguntou em tom sugestivo ao
outro.
— Tô sabendo não. — O outro respondeu, franzindo o cenho.
— O que tá pegando? — questionou enquanto colocava o meião e
calçava as chuteiras.
— Boatos sobre problemas financeiros — replicou. — Parece
que o colégio está com dificuldade de manter o time, por melhor que
seja.
Ah, então, o grande time do Colégio Liverpool estava
passando por problemas financeiros? Muito bom saber disso. Na
verdade, ótimo, porque o que eu mais queria era que o Eric e todo o
seu time se...
— Concentração agora! — A voz imponente do técnico
bradou pelo vestiário, interrompendo de imediato meus
pensamentos. Sempre que ele surgia, todos mudavam de postura
em um piscar de olhos, demonstrando respeito e, até mesmo, um
pouquinho de medo.
Assim, o time seguiu para a concentração, porque, quando o
Sr. Jones falava, a ordem tinha que ser que cumprida na mesma
hora, ainda mais se levássemos em consideração o fato de que ele
não era uma das pessoas mais simpáticas.
Durante a pequena reunião, ele relembrou tudo o que
havíamos combinado nos treinos: passes, táticas, jogadas
ensaiadas e...
— Cobertura! Essa é a palavra do jogo — disse. — Por favor,
eu digo e repito, não deixem o Eric fazer marcação no Liam o jogo
inteiro! Entendido?
— Entendido, Sr. Jones — Todos os jogadores responderam
em uníssono, afinal, ninguém era louco de não cumprir as
instruções e as orientações que ele passava. Era isso ou estaríamos
fora do time, dando adeus à possibilidade de ganhar uma bolsa da
universidade.
Eu sentia que realmente teria um batalhão em minha volta
naquele jogo, já que ninguém deixaria o tal idiota me marcar, assim
como aconteceu da última vez. Eu não podia negar que adorava
essa atenção que me davam, porque, enfim, eu era o artilheiro e
precisava de todos esses cuidados mesmo.
— Agora, formem uma fila atrás do Liam, para entrar em
campo — ordenou ao finalizar os procedimentos da concentração,
fazendo com que todos de súbito se posicionassem às minhas
costas. O capitão sempre conduzia o time durante a partida, era a
cabeça pensante ou, pelo menos, em teoria.
Desse modo, saímos da concentração em fila e nos
dispomos no corredor na mesma hora em que o adversário se
posicionou ao nosso lado, para entrarmos juntos. Eric, assim como
eu, também estava à frente de seu time, mas, enquanto os
jogadores dos dois lados se falavam e se cumprimentavam, nós não
demos uma palavra sequer. Afinal, eu não tinha nada para
conversar com esse completo imbecil.
A organização do jogo deu um sinal para que ambos os times
adentrassem em campo e assim o fizemos. Observei em volta e
pude notar que as arquibancadas estavam lotadas de alunos
eufóricos, carregando bandeiras e cartazes dos respectivos times.
Aqueles que estavam de vermelho eram os torcedores do meu time,
já os que estavam com a cor azul representavam o adversário. Uma
das vantagens de se estudar no Colégio Regent era o imenso
campo de futebol, praticamente do tamanho de um estádio de
verdade e isso era demais.
Os dois times se posicionaram lado a lado no campo,
aguardando o sorteio de qual time ficaria com a bola. Com um sinal
através do apito, o juiz gesticulou para que eu e Eric fôssemos em
sua direção, porque os capitães eram sempre responsáveis por
representar o time na hora do sorteio. Tão logo chegamos,
cumprimentamos o juiz e os árbitros, em sinal de respeito. No
entanto, a educação ia somente até aí.
— Boa noite — o juiz se pronunciou. — Podem se
cumprimentar.
Eric ainda ergueu uma das mãos em minha direção, mas eu
era muito orgulhoso e soberbo para retribuir, por isso, apenas olhei
e não o cumprimentei de volta. Nunca apertávamos as mãos antes
dos jogos, nem depois, nem em momento algum, por mais que os
juízes pedissem. Então, naquele dia não seria diferente e Eric
deveria saber disso.
— Ok — olhou para nós dois com um semblante que já
demonstrava saber que não daríamos as mãos e, então, prosseguiu
com o sorteio, fazendo com que eu desse graças a Zeus. Eu
considerava todos esses cumprimentos desnecessários e
descartáveis. — Cara ou coroa? — encarou-nos ao mesmo tempo.
— Você primeiro — Eric, com certo ar de superioridade
somado ao seu típico tom educado, disse. Esse jeitinho dele me
dava nos nervos, porque, primeiro, eu sabia que nas entrelinhas
estava me provocando, e, segundo, mesmo me provocando, ele
ainda fazia isso de um jeito educado.
— Claro. Eu primeiro — e, então, repliquei à altura, fazendo-o
revirar os olhos para mim. Eu não poderia perder a oportunidade de
retribuir a hostilidade, afinal, quando estávamos juntos e perto um
do outro era assim que funcionava. — Cara.
— Coroa — respondeu.
Jogando a moeda para cima e segurando-a em seu pulso, o
juiz demonstrou para nós, logo em seguida, que havia dado cara, ou
seja, era eu e meu time em primeiro, assim como devia ser sempre,
porque éramos os melhores. Modéstia não fazia parte do meu
vocabulário.
Entregou-me a bola, dando o aval para que eu fosse para o
centro do campo, e assim o fiz. Enquanto a arquibancada
continuava eufórica e entoava gritos de guerra, meu time se
posicionou do lado esquerdo, enquanto o time do Pateta ficou do
lado direito. E, então, com o apito, o juiz autorizou o jogo, fazendo-
me rolar a bola.
Cinco, dez, quinze minutos de jogo já haviam de passado,
mas foi tempo o suficiente para que meu time fizesse pressão e
para que as orientações do Sr. Jones, pelo menos por ora, fossem
seguidas, já que estavam me dando cobertura sempre que a bola
tocava em meu pé. Por conta disso, realizei várias finalizações em
direção ao gol e, mesmo que ainda sem marcar pontuação, já era
um bom começo.
Além das finalizações, a cobertura causou outros efeitos em
campo como, por exemplo, a hilária inquietação do Eric por querer
me marcar, mas não conseguir. Se eu estava gostando disso? Não.
Na verdade, eu estava adorando e rindo por dentro com o
desassossego dele. Como eu amava isso e meu time!
No entanto, o time do Colégio Liverpool atacou, fazendo com
que a maior parte dos jogadores ficasse do lado do meu time no
campo e com que Robert fosse mais rápido, chutando a bola para
mim, que estava mais afastado da área onde o ataque aconteceu.
Beleza! Aquela era minha hora de brilhar no jogo. Aproveitei que o
time estava todo recuado e contra-ataquei.
Recebi a bola que Robert chutou para mim, dominei-a e, em
questão de segundos, aproveitei a parte do campo livre para correr
em direção ao gol do adversário. Avancei o mais rápido que pude, já
notando os adversários se aproximando, assim como meus
companheiros também, e, então, quando estava chegando ao gol,
próximo da região da grande área, senti um carrinho nos meus pés,
fazendo a bola desviar para a lateral e me fazendo cair no chão.
E quem deu um carrinho na bola e, consequentemente, nos
meus pés? Sim, aquele demônio que o Eric era. Eu estava tão perto
de fazer um gol, mas, naquele instante, em menos de dois
segundos, estava caído no meio do campo, com uma tremenda dor
no tornozelo direito, resultado do seu infeliz bloqueio. Que dor
horrível estava sentindo e a raiva causada somente aumentava a
proporção do sentimento. Ele havia aproveitado a sobra da
cobertura para me marcar.
— Desculpa, cara... — ouvi a voz do infeliz, meio sem jeito,
aproximando de mim. — Não queria machucar teu tornozelo — Não
pude vê-lo, porque, de olhos fechados, tentava reprimir a dor. Eu
não precisava de desculpas, eu só precisava parar de sentir aquilo.
— Sai daqui, seu idiota — Mesmo com a dor, ainda consegui
falar e repreendê-lo para não chegar ainda mais perto de mim. Eu o
queria longe e o mais distante possível, pois não precisava de sua
voz irritantemente preocupada falando em meus ouvidos.
— Sério, cara, desculpa — tornou a falar, mesmo sabendo
que eu não o queria por perto. — Era pra ter pegado só na bola —
E, então, como se não bastasse toda a irritação sobre mim por
causa da situação, senti sua mão segurando meu braço e tentando
me ajudar a levantar.
Droga, será que ele não entendia que eu não queria a sua
ajuda? Aquilo já era demais para mim, por isso seu toque foi o
suficiente para que uma força descomunal viesse de minhas
entranhas e me fizesse levantar, mesmo ainda sentindo dor.
— Não preciso de ajuda, imbecil! — disparei, enquanto me
levantava e puxava, de supetão, meu braço de sua mão. Eu não
queria qualquer mínimo contato com ele, então, sentir suas mãos
em mim, me despertava o pior.
No entanto, como se não se importasse com o que eu havia
dito, segurou-me novamente, despertando-me ainda mais fúria.
— Eu já disse que não quero ajuda! — empurrei-o com as
duas mãos, pouco me importando com quão estúpido eu estava
sendo.
Desequilibrando-se um pouco, passou as mãos em seu rosto
no exato instante que em o apito do juiz soou, provavelmente
sinalizando para que parássemos com aquilo.
— Cara, desculpa — aproximou-se de novo. — Melhor
chamar a enfermeira para passar um spray no teu tornozelo.
Ah, então, o capeta estava querendo dar uma de anjo? Só
podia ser piada. E piada maior ainda era ele não se cansar de ser
impertinente e insistir em ficar próximo a mim. Eu, que já não
aguentava mais, exclamei:
— Sai de perto, infeliz!
E, então, dessa vez, após insultá-lo, Eric respirou fundo e
permitiu que seus olhos se transformassem em duas pedras de
gelo, totalmente diferente do olhar preocupado que me deu
segundos atrás.
— Se eu não sair de perto, você vai fazer o quê? — inclinou
de leve a cabeça para um lado. — Acertar o meu punho com seu
rosto? — e finalizou com sarcasmo.
Ah, ele, definitivamente, estava brincando com fogo! E o fogo
era eu.
— Quer saber o que eu vou fazer, idiota? — Com feições de
leão, agarrei sua camisa, com toda força, entre meus dedos,
fazendo com que ficássemos cara a cara.
— Quero — fechou o semblante, encarando-me com frieza e
seriedade.
E, então, nesse exato instante, o juiz e os árbitros chegaram,
assim como os jogadores também se aproximaram, para tentar
apaziguar a situação. O problema era que eu queria acabar com ele
e estava pouco me importando com as consequências que isso me
traria. Eu queria socar seu rosto. Eu queria colocá-lo em seu devido
lugar. Eu queria... Eu... Oh não, eu acabei me dando conta de que
nossos corpos estavam próximos demais, assim como nossos
rostos também.
Nossa, nós estávamos muito perto mesmo.
Talvez, eu nunca tivesse ficado tão bem dele quanto daquele
jeito. Apenas poucos milímetros nos separavam. Parecia até coisa
de gay: testa com testa, nariz com nariz, tão perto que eu achava
que, a qualquer momento, podia sentir sua respiração. E eu não
estava enganado, eu realmente senti sua respiração quente e
pesada em meu rosto. Isso me causou uma sensação estranha.
Algo que eu nunca havia sentido.
Meu Zeus.
O que era isso que eu estava acontecendo comigo? Algo
parecia fervilhar em minha virilha e eu não fazia ideia do que era.
Então, como se também estivesse sentindo o mesmo que eu, Eric
afastou seu rosto do meu, franzindo o cenho. Parecia tão assustado
e confuso quanto eu. Ele... Ele estava sentindo o mesmo que eu?
Deus, Buda, Poseidon, o que estava acontecendo com a gente?
Cara estranho
Eric
Eric
Eric
Eric
Liam
❖❖❖
Liam
❖❖❖
O ditado “nada é tão ruim que não possa piorar” fazia total e
completo sentido! Descobri da pior forma possível que, além de
tudo, o imbecil do Eric também estava matriculado em praticamente
todas as disciplinas que eu fazia. E como eu descobri? Depois da
reunião com o técnico, eu fui para a sala de aula de química, e
quem apareceu logo depois que eu entrei? Isso mesmo. O filho de
uma porca.
O professor pediu para que ele se apresentasse e foi aí que
ele contou a merda toda. Revelou em quais disciplinas estava
matriculado. Química, física, matemática e inglês. Praticamente as
mesmas que eu! Metade das aulas eu teria que dar de cara com ele,
porque eu estava matriculado em química, física, literatura inglesa e
história. Isso ia ser um saco!
Eu juro que até agora eu não sabia onde estava com a
cabeça quando me matriculei em química e física. Eu odiava exatas!
Eu não era de exatas, eu era humanas. Literatura inglesa e história,
tudo bem. Mas, química e física, não. Pelo menos eu fui inteligente
o bastante para não me matricular em matemática. Se estivesse
nessa disciplina, poderia realmente me considerar um completo
fodido.
Obviamente o alecrim dourado se matricularia em todas as
matérias possíveis de exatas. Desde criança ele sempre foi o
“menino prodígio” dos cálculos. Sempre tirou as melhores notas da
turma, do colégio, do diabo a quatro, e, para completar, nunca se
esforçou muito para isso. Era como se ele tivesse nascido sabendo
de tudo. As pessoas costumavam dizer que ele era bom em tudo o
que fazia.
Tinha como eu ter mais repulsa do Eric? Ah, tinha sim!
Especialmente nesse exato momento em que...
— Pessoal, um átomo, cujo número atômico é 18, está
classificado na tabela periódica como? — ouvi o professor
perguntar.
— Metal alcalino, professor — uma garota respondeu.
— Hum... Metal alcalino? — ele replicou. — Tem certeza?
— Professor... — o exibido do Eric levantou a mão. Quase
revirei os olhos. Quase. — Acredito que seja gás nobre. Se fizer a
distribuição eletrônica no Diagrama de Pauling, dá para ver que se
trata especificamente de gás argônio.
É o quê? Gás nobre? Diagrama de Pauling? Gás argônio?
Que porra era essa?
Eu odiava química!
— Muito bem! — o professor olhou para Eric com admiração.
— É exatamente isso!
Vi quando o idiota sorriu, parecendo satisfeito consigo
mesmo. Eu me perguntava como uma pessoa conseguia ser
popular, descolada e nerd ao mesmo tempo. Sinceramente, ele era
um caso que precisava ser estudado por cientistas!
Quer dizer, descolado e nerd ele até podia ser, mas popular
era algo que ele jamais seria naquele colégio. Jamais. Esse título
era apenas meu. Eric não iria tomá-lo de mim de jeito nenhum. Ele
podia ser popular no Colégio Liverpool, mas no Colégio Regent não.
Definitivamente não.
— Agora, última pergunta para fechar a aula de hoje sobre
tabela periódica! — ouvi o professor falar outra vez. — Na
classificação periódica, os elementos Cálcio, Bromo e Enxofre são
de quais famílias respectivamente?
Quando ele se calou, a sala inteira ficou em um súbito
silêncio. Pelo menos eu não sabia dessa porra. Então, ficaria
paradinho aqui na minha. Senti também que ninguém da turma
sabia, porque ninguém soltava nem um piu.
— Ninguém vai me responder? — tornou a perguntar.
— Professor... — Ah não... Essa voz irritante de novo! Dessa
vez, eu tive que revirar os olhos. Era impossível me segurar. — As
famílias respectivamente são metais alcalinoterrosos, halogênios e
calcogênios.
— Muito bem, Eric! — o professor sorriu. — É Eric, não é?
Acho que você vai acabar se tornando o monitor da disciplina! —
soltou uma pequena risadinha.
Ah, cara, que ânsia de vômito. O professor olhava para o Eric
com satisfação, as meninas olhavam para o Eric com interesse, a
sala inteira olhava para o Eric como se ele fosse um deus. Até um
dia atrás, eu era o alvo desses olhares!
Faça-me o favor, não é, destino?!
Vamos brincar com a minha cara, mas não vamos brincar
tanto assim!
— Pessoal, antes do sinal tocar, quero sortear as duplas para
o laboratório de química — o professor voltou a se pronunciar. —
Nós vamos começar as aulas práticas amanhã e vocês precisam ter
parceiros para fazer as atividades. Temos quarenta pessoas na
turma. Os vinte do lado direito vão retirar os papeizinhos dessa
caixa e vão falar em voz alta o nome do parceiro.
Eu estava do lado esquerdo da sala e esperava
ansiosamente para que nenhum fracassado tirasse o meu nome.
Queria fazer dupla com alguém que fosse nerd, porque eu não sabia
de merda alguma de química. Então, de burro já bastava eu.
O professor foi passando a caixa com os papeizinhos, e as
pessoas foram tirando e falando os nomes. Cerca de dez alunos já
tinham dito os nomes das suas duplas, mas o meu não saía. Umas
três garotas nerds já estavam com dupla, enquanto eu seguia
ficando para trás.
Droga! Eu ia me foder. Ia pegar algum fracassado, certeza.
Décima primeira pessoa, décima segunda, décima terceira...
Eric. Porra, era a vez dele. Eric era inteligente e, por mais que eu
não gostasse de admitir isso, ele não era nem um pouco
fracassado. Porém, Zeus, Buda e Poseidon que me livrassem de
fazer dupla com ele.
Preferia ficar com um zé mané do que com ele.
Vi o momento em que ele retirou o papel da caixa, desdobrou
e simplesmente... Travou. Sim, seu rosto ficou repentinamente
pálido. Isso não era um bom sinal. Não era mesmo. Piscou os olhos
algumas vezes e pareceu engolir a seco.
Eu nem sabia porque meu subconsciente tinha sinalizado
isso, mas, quando dei por mim, eu já estava fazendo uma prece
silenciosa: “espero que não seja eu, espero que não seja eu, espero
que não seja eu”.
— Então, Eric, quem é o seu parceiro ou parceira? — o
professor perguntou.
E minha prece silenciosa continuava...
Espero que não seja eu, espero que não seja eu, espero
que...
— Liam — ele respondeu.
Puta que... Meu irmão, Era muito azar para uma pessoa só! E
olha que eu sempre me considerei sortudo! Será que alguém tinha
feito mesmo uma macumba pra mim? De verdade, eu já estava
começando a considerar essa hipótese, porque, não, não podia ser.
Dentre vinte pessoas, vinte, o Pateta tirou logo o meu nome!
Certeza que tinham feito um bonequinho vodu meu e estavam
enfiando agulhas no meu rabo.
Mas, isso não ficaria assim.
Eu iria, agora mesmo, exigir trocar de dupla!
Apaga esse fogo!
Liam
...
...
❖❖❖
Eric
Detenção?
Eu nunca tinha ido para uma detenção em toda a minha vida.
— Mas, Sr. Dawson, foi só um acidente... — Liam, tentando
argumentar, praticamente suplicou.
Um acidente bem hilário, por sinal.
Só de pensar na cara de desespero do Liam já dava vontade
de rir.
— Um acidente que vai custar caro ao colégio, Liam — o
diretor replicou. — Pode ser que com essa décima detenção você
aprenda. Aliás, pelo mau comportamento e pelas notas baixas, você
sabe que está por um triz de perder a sua vaga no time do colégio,
não é?
Caramba, a situação dele estava tão crítica assim? Liam
podia ser um imbecil, mas eu não conseguia imaginar o time do
colégio sem ele. O cara simplesmente era a base de tudo, uma
referência para todo mundo.
Percebi quando ele baixou a cabeça e fechou o semblante.
— Eu vou procurar melhorar, Sr. Dawson — resmungou. —
Eu não vou sair do time — e finalizou com convicção.
— Ótimo — em um tom levemente desafiador, o diretor
respondeu. — Siga o exemplo do Eric. Seja como ele. Essa é a
primeira vez que ele se envolve em problemas acadêmicos, além de
sempre tirar notas excelentes. Talvez Eric tenha muito a lhe ensinar.
Ah não... Essa história de “seja como o Eric” de novo não!
Quem aguentava isso? Se eu mesmo, que era a pessoa elogiada,
não aguentava, eu ficava me perguntando como seria para o Liam,
que era a pessoa que sofria com as comparações extremas.
Uma merda, provavelmente.
Não entendia por que as pessoas ficavam insistindo em dizer
que ele deveria seguir o meu exemplo. Que porra de seguir o meu
exemplo... Eu só era eu e pronto. Todos agiam como se o que eu
fazia fosse algo extraordinário. Eu não via nada demais.
Apenas fazia coisas que tinha a ver comigo, coisas que eu
gostava.
Cada um deveria fazer o que quisesse e como quisesse. Eu
era eu. Liam era Liam. Apesar dele ser um otário, não tinha lógica
querer forçá-lo a mudar para ser “parecido comigo”. Se ele tivesse
que mudar, que fosse por si próprio e não para ser igual a outra
pessoa.
Virei meu rosto em sua direção, enquanto ele permanecia
calado diante das orientações do diretor. Notei, entretanto, seu
maxilar rígido e tensionado, como se estivesse se segurando para
não soltar os cachorros em cima do coroa. Eu sabia que ele não
gostava de ser comparado a mim. E com razão. Eu também não
gostava. Achava tudo isso muito sem sentido.
— Bom... — Sr. Dawson continuou a falar, quando percebeu
que Liam não iria abrir o bico diante de nenhuma de suas
recomendações para se tornar um Eric Segundo. — Podem ir para a
sala da detenção. Vocês devem estudar até o fim do turno da
manhã. Lá tem um funcionário para fiscalizá-los.
— Tudo bem, diretor — falei.
Por mais que eu nunca tivesse ido a uma detenção, eu não
iria criar caso por causa disso. Nós tínhamos errado mesmo e
precisávamos pagar por isso. Na verdade, o Liam tinha errado, eu
não havia dito que ele deveria misturar potássio com água, mas
também não ia ficar passando isso na sua cara. Nós já tínhamos
problemas demais. Preferi ficar calado.
Assim, Liam e eu nos levantamos e seguimos rumo àquela
sala. O moreno também permaneceu calado o tempo todo.
Confesso que, apesar dos pesares, eu ainda precisei controlar
minha vontade de rir algumas vezes. Afinal, a lembrança do
semblante desesperado do Liam era hilária. Nunca tinha o visto
assim, oras. Ele sempre estava com uma postura tão fodidamente
arrogante, que vê-lo daquele jeito foi bem engraçado.
Ao chegarmos à infame sala da detenção, logo notei que a
orientação do diretor sobre estudar até o fim do turno manhã estava
um pouco equivocada. Na verdade, muito equivocada, ela acontecia
somente na teoria. Havia em torno de uns onze alunos e todos
estavam fazendo qualquer porra, menos estudar. O fiscal também
não parecia muito preocupado com isso. Aparentemente, ele estava
mais empenhado em mexer no celular do que em fiscalizar os
alunos.
Liam, ainda calado e de semblante fechado, seguiu para o
final da sala e se sentou em uma das últimas carteiras, longe de
todo mundo. Eu me encaminhei para o sentido oposto e sentei na
outra ponta. Peguei meu material de estudo e comecei a folhear um
livro de física. Tentei estudar, mas a galera não colaborava. Todos,
eu disse todos, estavam conversando. E não era baixinho, era alto!
O fiscal também não fazia porcaria alguma para evitar. Ele parecia
pior que os alunos.
Portanto, eu também não ia estudar merda alguma. Ninguém
estava estudando mesmo. Estavam conversando, jogando, fazendo
o escambau. Quer dizer... Nem todo mundo. Por incrível que isso
pudesse parecer, Liam estava quieto no fundo da sala. Sentado na
carteira e encostado na janela, ele olhava para fora. Parecia perdido
em meio aos pensamentos. Seu semblante também não era dos
melhores, e eu não precisei de muito tempo para perceber que ele
realmente não estava bem.
Será que eu deveria ir até a bonequinha e perguntar o que
estava acontecendo? Provavelmente, se eu chegasse lá, seria
enxotado para sair de perto. Como sempre. Mas, sei lá, eu não
estava fazendo nada mesmo e, se ele me expulsasse, não seria
uma novidade. Eu já estava acostumado com esse tipo de coisa.
Uma patada a mais ou menos do Liam, para o meu lado, já não
fazia tanta diferença.
Assim, levantei-me da carteira, e, caminhando pela sala, fui
me aproximando dele aos poucos. Eu ainda não sabia se ele já
estava notando a minha presença iminente, mas o fato era que ele
permanecia do mesmo jeito: sentado, calado, encostado na janela,
olhando para fora e com uma cara péssima.
— O que tá pegando? — puxei uma carteira para perto dele e
me sentei.
Automaticamente, como se eu tivesse alguma doença
contagiosa, Liam franziu o cenho, sem me olhar, e se afastou para
ainda mais perto da janela, ganhando alguma distância entre nós.
— Calma, cara, vou te morder não — dei uma risadinha e me
aproximei dele outra vez. Sim, eu era corajoso, porque mexer com
Liam era quase como manusear explosivos altamente perigosos. —
O que tá pegando?
— Não interessa — ainda sem me olhar, respondeu em um
resmungo.
Suspirei. Definitivamente, não era fácil ter qualquer diálogo
com ele.
— Qual é? — ri baixinho novamente. — Você tá parecendo
uma menininha triste.
No mesmo momento em que me calei, o moreno virou seu
rosto e me fuzilou com os olhos. Definitivamente, ele não gostou de
ser comparado com uma “menininha” e, Deus, como era engraçado
tirá-lo do sério! Bom, não que ele estivesse, de fato, parecendo uma
menininha, mas eu precisava chamar sua atenção de algum jeito, e
eu só conhecia essa forma.
— Sabia que se eu socar tua cara agora, eu não sairia no
prejuízo? — cerrando os dentes, ele replicou. Labaredas de fogos
saindo pelas suas orbes. — Já tô fodido mesmo na detenção — deu
de ombros. — Não faz diferença nenhuma pra mim.
— Calma, cara... — sorri e ergui as mãos, como se estivesse
rendido. — Eu vim em missão de paz. Prometo — cruzei os dedos,
enquanto ele ainda me analisava com repúdio.
Porém...
— Sai daqui — curto e grosso, Liam replicou e voltou a olhar
para a janela.
Okay. Ele não era fácil e eu precisava de muita paz de
espírito para conseguir lidar com esse mané. Muita mesmo. Sorte
dele que eu sempre fui uma pessoa muito paciente.
— Sério, irmão... Agora é sério — substituí rapidamente meu
semblante de brincadeira por um mais preocupado. — O que tá
pegando? Mesmo que nós não sejamos amigos, eu sei quando você
não tá bem. Precisa de alguma coisa? Alguma ajuda?
O moreno, por sua vez, passou as mãos pelo rosto,
empertigado, e as escorregou pelo cabelo. Droga, ele estava se
irritando. Mas, quando era que o Liam não estava irritado? Eu
realmente não conseguia me lembrar.
— Eu preciso que você saia daqui. Volte para o lugar onde
você estava — sério e nem um pouco simpático, ele respondeu sem
me olhar. — Cai fora.
Revirei os olhos. Eu tinha certeza que isso ia acontecer. Tão
previsível.
— Beleza. Eu só queria ajudar, mas já que você é imbecil
demais pra isso, tudo bem — resignado e sem dizer mais nada, me
levantei da carteira. No entanto, quando dei o primeiro passo, algo
me chamou atenção.
— Espera — Liam falou.
De automático, meu corpo retesou e eu parei exatamente
onde estava. Ouvir aquilo não parecia real. Nunca, em mil anos,
Liam me pedia para esperar ou ficar. Eu já estava até cogitando a
possibilidade de ter escutado errado.
— Oi? — virei-me para ele, confuso.
Um leve traço de rubor cruzou seu rosto. Ele ficou
envergonhado. E, olha, isso também foi surpreendente, porque Liam
jamais sentia vergonha de qualquer coisa. Sempre parecia tão auto
suficiente com tudo.
— É... Hum... Q-Quer dizer... — gaguejou, inquieto. — Sai
daqui.
O vinco que surgiu em minha testa foi ainda maior. Porra,
Liam era muito confuso e, às vezes, muito indeciso também. Odiava
ficar nesse “chove e não molha”.
— Você quer que eu saia ou que eu fique? — Meio
impaciente, perguntei.
O moreno, no entanto, se remexeu na cadeira e, um pouco
exasperado, esfregou as mãos no rosto. Foi aí que eu percebi que
ele estava travando alguma luta interna consigo mesmo, ou sei lá.
Isso era por minha causa? Estranho, muito estranho.
— Fica — resignado, depois de algum tempo, ele falou.
E isso foi ainda mais estranho. Digo, muito mais que
estranho: foi inesperado. Entretanto, por mais surpreso que eu
estivesse, tentei manter a naturalidade e me sentei ao seu lado
outra vez.
— Então, cara... — suspirei. — O que tá acontecendo? —
inclinando-me em sua direção, perguntei.
Liam, no entanto, com o cenho franzido, graças a nossa
repentina proximidade, se afastou um pouco.
— Não pense que vamos ficar amiguinhos por causa disso —
resmungou e ergueu uma das sobrancelhas, como se estivesse me
avisando indiretamente para baixar a bola. — Eu só... Eu só preciso
conversar.
Soltei uma risadinha leve pelo nariz. Liam não tinha jeito
mesmo. Sempre arredio.
— Beleza, cara — dei de ombro. — Relaxa e me fala porque
você tá assim.
O moreno soltou um breve suspiro e ficou em silêncio por
alguns instantes, como se estivesse buscando as palavras certas,
até que...
— Tô preocupado com esse último ano de colégio.
Ah, então, era isso?
— Irmão, essa preocupação é normal, todo mundo fica
assim. Eu fico assim. Mas no final sempre dá tudo certo — respondi.
— Harvard não vai me aceitar — tornou a falar, enquanto
passava as mãos nos rosto. Realmente parecia preocupado. — Não
sou tão bom quanto você. Não sou tão inteligente quanto você. Não
tiro notas boas como você. Não tenho um bom comportamento
escolar como você. Eu não vou conseguir mudar para me parecer
com você, como as pessoas querem. E você ainda tá no time, pra
completar. Os olheiros com certeza vão te querer. Eles não vão nem
reparar em mim. Eu não vou ganhar bolsa.
Droga. Talvez as comparações que as pessoas faziam entre
nós já estivessem contaminando bastante a mente do Liam. E isso
não era bom. Não era bom mesmo. Ele não deveria se rebaixar
tanto assim. Eu tinha certeza absoluta de que ele poderia ser tão
bom quanto qualquer pessoa.
— Liam, não queira se comparar a mim — complacente,
repliquei. — Já bastam as pessoas que fazem isso. Seja apenas
você. Você vai conseguir passar em uma universidade por si próprio
e não porque teve que mudar para se parecer comigo. Acredito no
seu potencial.
Tive um vislumbre de um pequeno sorriso seu no momento
em que falei “acredito do seu potencial”, mas ele logo o abafou e
voltou a fechar o semblante.
— Só que é isso o que todo mundo quer — resmungou. —
Todos querem que eu seja você. Isso é um saco.
Suspirei. Eu entendia o lado dele, porque eu também achava
um saco esses comentários.
— Você não precisa fazer o que todo mundo quer — falei. —
Foda-se todo mundo. Você tem que fazer o que achar que é melhor
pra si.
Foi aí que ele finalmente virou o rosto pra mim e me olhou
nos olhos. Parecia perdido, sem rumo. Eu só esperava que não
fosse em relação ao seu futuro ou ao que iria fazer da vida.
— E se eu não souber o que é melhor pra mim? —
questionou, confuso. — Eu não quero Harvard.
— Não? — de automático, respondi e franzi o cenho. Fui
pego de surpresa, já que eu tinha perdido as contas de quantas
vezes o Liam se gabava por falar que queria estudar em Harvard.
— Não — balançou a cabeça negativamente. — Eu quero
qualquer universidade que me aceite. Se alguma me aceitar, eu já
fico satisfeito, porque eu não sei se tenho capacidade de ser
aprovado nem na pior delas. Eu digo que quero Harvard só para
impressionar meus pais.
— Ah, Liam... — dei um breve suspiro, agora entendendo
realmente sua situação. — Você não tem que fazer nada para
impressionar os outros, nem tentar ser outra pessoa. Você só
precisa fazer o que te faz bem.
O moreno, no entanto, desviou novamente o olhar do meu,
mirando em algum ponto qualquer da sala. Distante, e eu diria que
triste também.
— Talvez eu nem mesmo consiga fazer o que me faz bem.
— Por que não? — confuso, perguntei.
— Porque eu já estou bastante fodido — respondeu mesmo
parecendo não querer admitir isso para mim. — Não sei se ainda dá
para recuperar o tempo perdido. O ano acaba daqui a pouco. Não
sei se vou conseguir recuperar minhas notas. Talvez nem a pior
universidade me aceite.
Ah meu Deus, o cara estava tão perdido em um mar de
pensamentos negativos, que, mesmo que nós nunca tivéssemos
construído uma amizade ou mesmo que ele sempre tivesse agido
comigo como um verdadeiro babaca, eu me senti sensibilizado pela
sua situação. Não, não era pena. Eu só estava com vontade de
fazer algo.
— Liam, cara, você quer ajuda? — soltei de repente, sem
nem medir minhas palavras. — Eu posso te ajudar.
Foi aí que, após eu me calar, de maneira também repentina,
eu também acabei me lembrando de um episódio, quando nós
tínhamos uns dez anos de idade. Fui passar o final de semana na
casa da tia Claire, para brincar com a Molly, e acordei ouvindo uma
confusão entre meus padrinhos e o Liam, por causa de um F que
ele tirou em matemática.
...
...
Liam
...
...
Desde então, eu não o vi mais. Há dois anos, eu não o via.
Paramos de nos falar, ele saiu do Colégio Regent e foi morar em
outra cidade da Inglaterra, por causa de uma proposta de emprego
do pai dele.
— Ei, Liam! Acorda! — senti William me chacoalhar,
enquanto ainda caminhávamos rumo ao campo de futebol, para o
treino.
— É só falar no Luke que o Liam já sonha acordado! — rindo,
Robert replicou com sarcasmo.
Balancei a cabeça em negativo.
— Nem brinca com isso, porra.
— Vocês nunca mais se falaram? — William perguntou.
— Claro que não — dei de ombros e olhei de relance para o
campo. — Não sou amigo de ga...
Interrompi a mim mesmo quando notei que Eric estava no
campo, brincando com a bola e se divertindo com alguns caras do
time. Fazia vários malabarismos com a bola, enquanto os outros o
acompanhavam. Estava tão... Leve... Descolado... Ele mandava
bem... Ele... Atra... Atraen...
— Liam... Você tá muito estranho hoje... Tá sonhando
acordado o tempo todo — de longe, ouvi a voz do William, como se
eu estivesse entrando mesmo em um sonho.
Eu sabia que meu amigo estava bem perto de mim. Porém,
eu estava... Abismado... Ou... Merda, como o Eric era bom com
essa bola! Eu também sabia fazer esses passes com a bola, mas o
Eric... O Eric parecia ter um dom... Ele parecia tão... Bonito.
— Liam! Acordo! Olha a bola! — de repente, ouvi o grito do
Robert.
Foi a dor que me trouxe de volta para a realidade.
Merda! Porra! A bola atingiu em cheio o meu saco!
— Cacete! — coloquei as mãos bem em cima dos meus
países baixos e pressionei, tentando amenizar o impacto. Porém,
era mais forte do que eu, caí no chão sem equilíbrio. — Que dor no
meu ovo!
Brincando com fogo
Liam
❖❖❖
O treino foi bem proveitoso, tirando o fato de que, algumas
vezes, tive que fazer dupla com o Eric, a pedidos do treinador.
Parecia que ele estava fazendo isso de propósito, porque nos viu se
pegar no campo. Se pegar no sentido de brigar. Não no sentido de...
Claro. Óbvio.
Eric agiu cordialmente, como sempre. Será que o cara não
cansava de ser certinho? Só existia um momento em que ele não
agia com tanta cordialidade assim, mais especificamente quando
resolvia tirar onda com a minha. Odiava isso. Ah! E quando ele
ficava com as meninas mais gatas das festas. Também odiava isso.
Era para eu pegá-las, não ele.
Em certos momentos do treino, alguns dos seus movimentos
parecia que até significavam uma espécie de pedido de desculpas
pelo que fez. Não sabia o porquê dele ser sempre preocupadinho
em pedir desculpas por tudo. Se fez, já estava feito. Não tinha que
ficar pedindo desculpas, não tinha como reverter a situação. Por
isso, eu dificilmente pedia desculpas por alguma coisa.
— Ok, pessoal! — Sr. Jones nos chamou, após uma hora e
meia de troca de passes, chutes e jogadas ensaiadas. — O tempo
do treino está esgotado. Podem ir tomar banho. Menos você, Liam.
Acabei de receber um comunicado do diretor. Ele quer falar com
você.
O Sr. Dawson queria falar comigo?
Meu Zeus do Céu.
Eu já podia esperar o pior. Certamente, ele tinha descoberto
algo sobre a minha briga com o Eric. Certamente.
— Tudo bem, Sr. Jones — resignado, respondi e segui em
direção à sala do diretor.
A secretária do Sr. Dawson, que já me conhecia muito bem,
devido às inúmeras vezes que tive que ir até aquela sala, permitiu
minha entrada de imediato. Em poucos minutos, eu já estava cara a
cara com o velho de cabeça branca, pela milésima vez no ano.
— Bom dia, Sr. Dawson.
— Bom dia, Liam. Por favor, sente-se — Apontou para uma
das cadeiras. — Eu te chamei para tratar de um assunto importante.
Inclusive, acho que você já sabe. Liam, ontem, antes de você ir para
a detenção, nós falamos sobre algo parecido com o que vou lhe
dizer agora. Nós, que trabalhamos na gestão do colégio, estamos
fazendo uma avaliação do desempenho dos alunos, inclusive o seu.
Como jogador, você é excelente. Um exímio atleta. Não poderia ser
diferente, já que é o capitão do time. No entanto, como estudante,
você está deixando muito a desejar, Liam. Somente esse ano, você
já foi para a detenção dez vezes. Mas, principalmente, suas notas
deixam a desejar. Você não está atingindo notas satisfatórias nas
disciplinas, e você sabe que as universidades avaliam tudo. Notas,
comportamentos, atividades extracurriculares.
Ah, Zeus, essa conversa de novo?
Que eu estava ferrado, isso eu já sabia. Não precisava o
diretor ficar refrescando sempre a minha memória.
— Eu estou tendo essa conversa com todos os concludentes
que estão com baixo desempenho, dando dicas, conselhos,
sugestões — continuou. — Então, o que eu sugiro a você, de
imediato, é que tenha aulas particulares. Aulas de reforço.
Aulas de reforço?
Por acaso, eu tinha voltado a ser uma criancinha de cinco
anos?
— Como assim, Sr. Dawson? — franzi o cenho.
— Aulas de reforço, Liam — repetiu. — É um método muito
eficiente para recuperar as notas. Inclusive, vou entrar em contato
com seus pais para falar sobre isso.
O quê?!
Ele ia envolver meus pais nisso?
— Não, Sr. Dawson... Co-Como assim? — continuei com a
testa enrugada, já me sentindo levemente nervoso com esses
planos absurdos do diretor. — Vai entrar em contato com meus pais
pra quê?
— Eles precisam ter conhecimento da sua situação, Liam.
Preciso conversar com eles sobre as aulas de reforço.
Como se meus pais não soubessem que têm um filho burro!
Pelo amor de todos os deuses existentes.
— Sr. Dawson — soltei uma pequena risadinha de nervoso.
— Olha, isso não é necessário. Pode deixar que eu mesmo falo com
eles.
Claro que meus pais sabiam que tinham um filho burro e
muito ferrado. Eles só não precisavam saber o quanto eu estava
ferrado. Isso tornaria minha vida um inferno maior ainda, e eu não
estava preparado para perder o pouco da paz que eu ainda tinha.
— Liam, esse é o meu trabalho — incisivo, replicou. — Além
do mais, você não é a pessoa mais indicada para eu confiar essa
tarefa — soltou uma pequena risadinha. — Mas, fique tranquilo. Isso
é para o seu bem. Pense que, se fizer tudo corretamente, logo
estará na universidade.
Porém, se ele contar tudo ao meus pais, meu caminho até a
universidade será muito mais doloroso do que já seria.
— Mas, Sr. Dawson — quase choraminguei como uma
criança, tentando convencê-lo a não seguir em frente com a ideia.
Ele, no entanto, me interrompeu.
— Liam, pode ir para o vestiário, tomar banho e assistir aula.
Isso era tudo o que eu tinha para conversar — com certa
austeridade, falou. Estava determinado a tirar totalmente a minha
paz de espírito.
— Sr. Dawson... — ainda tentei mais uma vez.
— Liam... — Praticamente me repreendeu apenas com o tom
de voz. Levantou-se e abriu a porta. — Nos falamos depois.
Me expulsou!
Merda. Ele realmente estava me expulsando daquela sala
sem me dar nem o direito de falar mais alguma coisa, para tentar
reverter a situação. Meus pais teriam a real consciência da minha
situação e eu já poderia me considerar muito mais ferrado. Dei um
suspiro de derrota e cruzei a porta.
— Boa aula, Liam — disse.
Boa? Que boa?
O que tinha de bom naquela porcaria?
— Valeu.
Caminhei em direção ao vestiário, ainda pensando no quanto
estava ferrado, e, quando cruzei a porta do local, vi Eric saindo.
Banhado, vestido e... Cheiroso.
Quer dizer...
Não, cheiroso não. Claro que não. Podre. Estava saindo
podre de lá.
Não me dei nem ao trabalho de olhar para sua cara. Entrei
logo no vestiário, como se ele e nada fossem a mesma coisa. Aliás,
era isso mesmo. Eric era insignificante para mim.
Logo percebi que a maioria dos caras ainda estava no banho,
ou melhor, enrolando para matar um pouco da aula. Constatei que
Eric tinha que ser certinho, até mesmo, na hora do banho. Com
certeza, ele tomou banho mais rápido que todo mundo só para sair
correndo para a aula. Pelo menos, não precisei dar de cara com ele
pelado, dentro do banho coletivo.
Seria a visão do inferno, certamente.
Talvez esse jeito certinho dele tivesse suas vantagens.
Tirei o uniforme do time e fui para debaixo do chuveiro. Após
alguns minutos limpando meu magnífico corpo, terminei o banho e
me vesti. Encarei-me no espelho. Barba feita, cabelo no estilo, até
que o corte próximo à sobrancelha não estava tão feio, e... Bom, eu
era lindo. Ficava impressionado comigo mesmo. Impressionado com
a minha capacidade de ter nascido só uma vez e, mesmo assim,
nascer tão bonito.
Pisquei para mim no espelho, peguei minha mochila e fui
para aula. Quando entrei na sala, o professor já tinha começado a
aula. Eric estava sentado em uma das primeiras carteiras do lado
direito, prestando tanta atenção, que quase nem piscava. Segui
para a outra ponta e me sentei do lado esquerdo da sala.
— Meus caros... — o professor se pronunciou. — Conforme
eu avisei no fim da aula passada, hoje teremos um teste surpresa,
valendo um ponto na prova. É um ponto que pode ajudar aqueles
que estão com notas baixas. Então, se esforcem!
Que droga!
Eu tinha me esquecido totalmente de que naquele dia
aconteceria esse bendito teste. Eu não tinha estudado porcaria
nenhuma e não sabia como iria conseguir responder às questões. A
física nunca quis fazer amizade comigo.
— Guardem todo o material — orientou. — Em cima das
carteiras devem estar apenas lápis, caneta e borracha.
Por Zeus, que uma luz divina caísse sobre a minha cabeça
na hora de responder!
Era tudo o que eu pedia.
Logo o professor começou a distribuir os testes. Não
demorou muito até chegar a minha vez. Respirei fundo, rezando
para todos os deuses, em menos de dois segundos, e comecei a ler
as questões. Pelo que vi, o teste era composto por apenas duas
questões. Duas horríveis questões.
A primeira questão. Quatro esferas condutoras iguais têm,
respectivamente, cargas elétricas Q/2, Q, 2Q e X (desconhecida).
Pondo-se todas em contato e depois separando-as, cada uma ficou
com uma carga elétrica igual a 7Q/8. Supondo que as esferas
tenham trocado cargas elétricas entre si, a carga elétrica de X, da
quarta esfera, é igual a quanto?
Apenas um pensamento habitou a minha cabeça: Eu não sei!
Estava ferrado! Completamente ferrado!
Poseidon, me dá uma mãozinha aqui!
Respirei fundo, tentando me concentrar. Em vez de ficar
nervoso, eu tinha que pensar que eu era maior do que essa prova.
Sim, eu era maior do que essa prova.
Com essa positividade, li a segunda questão. Um aluno tem
esferas idênticas, pequenas e condutoras (A, B, C e D), carregadas
com cargas respectivamente iguais a -2Q, 4Q, 3Q e 6Q. A esfera A
é colocada em contato com a esfera B e a seguir com as esferas C
e D. Ao final do processo, a esfera A estará carregada com carga
equivalente a quanto?
Não, não, não.
Toda a positividade foi por água abaixo em questão de
segundos. Eu queria me matar! Também não sabia essa! Droga! O
que eu ia fazer? Será que dava para colar? Ergui meu rosto e
percebi que o professor estava olhando diretamente para mim.
Porra. Eu já era conhecido por colar. Com certeza, ele estava de
olho por causa disso. Não tinha nem como dar, sequer, uma
olhadinha no celular.
Virei o rosto para o lado e vi alguns alunos perdidos, olhando
para o tempo, enquanto outros tentavam resolver. Logo mais à
frente, o Eric resolvia o teste de um jeito muito empenhado. Senti
inveja. Sim, eu senti, por mais que não quisesse admitir isso.
Será que dava pra fazer um transplante de cérebro?
A única coisa do Eric que eu queria era a inteligência.
Suspirei, resignado. Voltei a atenção para o meu teste,
rabisquei algumas coisas, mas nada decente saiu. Eu não
conseguia responder coisa alguma. Como se não bastasse o quanto
eu já estava ferrado nas notas e na vida, esse teste tinha chegado
para acabar com tudo de vez. Talvez eu não fosse ser ninguém
mesmo, assim como meu pai dizia quando eu era pequeno.
Ferrado
Liam
❖❖❖
...
...
Liam
❖❖❖
Liam
Assim que Eric calou a boca, notei que todos os caras do time
estavam olhando para nós. E como eu percebi isso? Ora como!
Com a estúpida risada que todos soltaram ao mesmo tempo, em
alto e bom som. Todas as gargalhadas me fizeram sair daquela
espécie de transe, que eu me encontrava há poucos segundos, e
encarar, com os olhos cheios de raiva, o imbecil do Eric. A
brincadeira que ele tinha feito era a prova cabal de que era um
grande imbecil.
Virei-me de lado rapidamente, para que, tanto Eric quanto os
caras, não pudessem ver meu pênis semi-endurecido. Aliás, que
raios tinha dado na porcaria desse pênis para querer ficar duro?
Logicamente, isso não tinha acontecido por causa do Eric. Claro que
não! Eu me recusava a acreditar que isso tinha acontecido porque
estava vendo o Eric nu, com sua barriga definida, seu corpo todo
molhado e... Quê? Definitivamente, eu precisava parar de pensar
nessas coisas.
Foco, Liam! Foco!
— Como assim “o que foi?”, seu imbecil? — cuspi todas as
palavras e franzi o cenho, me fazendo de desentendido. — Tá me
estranhando? — E, enfim, dei-lhe as costas, indo rapidamente em
direção aos armários do vestiário, que ficavam em um ambiente
separado dos chuveiros. Sumi da vista de todos.
Além da raiva que o Eric tinha me feito passar, por causa da
piadinha sem graça, eu ainda estava furioso porque não tinha
conseguido tomar banho. Pois é, nem a porcaria de um mísero
banho eu conseguia tomar em paz! Ia ter que ficar podre e todo
suado do treino, porque o meu querido pênis decidiu ficar duro na
hora mais inapropriada possível. Aliás, ele já podia voltar ao normal!
Meu pênis precisava ficar de castigo. Quer dizer... Existia
castigo maior do que ficar duro por ter visto o idiota do Eric sem
roupa? Não! Eu não podia pensar dessa forma! Eu não tinha ficado
duro porque vi o Eric sem roupa, e ponto final! Isso devia ter
acontecido por qualquer outro motivo, certamente.
Ah sim, claro! Fazia tempo que eu não transava. Era por isso.
Com certeza, era por isso.
Vesti de qualquer jeito as minhas roupas. Estava
completamente sem paciência de “me alisar muito”, como eu
sempre fazia quando me arrumava. Afinal, eu estava podre. Merda!
A vida só podia estar brincando com a minha cara. Ou o capeta
tinha realmente decidido acabar comigo. O universo conspirava
contra mim e aquele último ano do colegial estava um verdadeiro
saco.
Levantei meus braços, para cheirar minhas axilas. Senti
vontade de vomitar. Inferno. Peguei um perfume qualquer que vi em
um dos armários e tomei praticamente um banho. Talvez isso
servisse de alguma coisa. Eu realmente esperava. Peguei minha
mochila e saí em um pulo do vestiário. Abri a porta e vi um mundo
de gente circulando pelos corredores do colégio. Estava no intervalo
entre as aulas.
Com o semblante bem sério e muito fechado, caminhei por
entre as pessoas pouco me importando com quem estava tocando
em meu ombro e me cumprimentando. Eu me sentia com tanta raiva
de tudo, que era como se eu não enxergasse um palmo à minha
frente. Só queria chegar o mais rápido possível à sala da minha
próxima aula, porque estava chateado, fedido e sem saco para
aproveitar o intervalo. Ao menos, a disciplina era literatura inglesa.
Então, eu não precisaria olhar para a cara do Eric, pela milésima
vez no dia, porque o “menino das exatas” não cursava esse tipo de
matéria.
Ainda imerso em pensamentos e praticamente sem olhar
para onde eu estava indo, de repente, esbarrei em algo enquanto
andava.
— Porra! — disparei, quando percebi que quase tinha caído
por cima de um garoto que estava agachado, amarrando os
cadarços do tênis. — Isso é lugar pra você amarrar essa droga de
tênis?! — Com ainda mais raiva do que já estava, questionei,
enquanto retomava meu equilíbrio.
Quem era o imbecil que tinha de amarrar os cadarços bem no
meio do corredor?
Lentamente, o garoto levantou seu rosto em minha direção.
Foi quando minhas perguntas se responderam automaticamente.
Claro, não podia ser outra pessoa a não ser o nerd gayzinho e
fracassado do colégio.
— De-Desculpa. — Ainda agachado, gaguejou, olhando
envergonhado para todos os lados, menos para mim. Era a primeira
que ouvia a voz daquela criatura.
— Desculpa?! — disparei outra vez, com os olhos bem
arregalados. Talvez ele estivesse testando minha paciência. Eu não
suportava ouvir a palavra “desculpa”, e, saindo da boca dele, se
tornava ainda mais intragável para mim. — Presta mais atenção nos
lugares onde você decide ficar! Ninguém é obrigado a esbarrar em
fracassado! — dei-lhe as costas ferozmente e voltei a caminhar
muito mais furioso que antes.
Dia de cão!
Enquanto fazia meu caminho até a sala, ou pelo menos
tentava fazer, porque, ultimamente, tinham muitos fracassados se
pondo como obstáculo no meu caminho, senti meu celular vibrar.
Era minha mãe. O dia só piorava.
Atendo ou não?
Por mais que eu não quisesse, era melhor atender. Senão,
ela iria pensar que morri, que tinha sido sequestrado ou mesmo
abduzido por extraterrestres, e ainda faria um verdadeiro escândalo
quando eu chegasse em casa.
— Oi, mãe — Com um leve tom de tédio, falei.
— Oi, querido. Tudo bem?
Não.
— Sim — menti.
— Estou lhe ligando para avisar que acabei de falar com a
Cynthia. Ela já pediu ao Eric para dar aulas particulares a vocês —
Sim, disso, eu, infelizmente, já sabia. Não podia conseguir esquecer
do imbecil me chamando de “querido aluno”. — As suas aulas
começam amanhã.
Quê?
Dessa parte eu não sabia!
— Amanhã?! — incrédulo, questionei uma nota acima.
— Sim, Liam, amanhã — comedida, replicou.
Já?!
Eu não podia acreditar que aquele pesadelo já estava tão
perto. Queria tanto que demorasse, tipo assim, uma eternidade até
chegar o bendito dia dessas aulas. Ou melhor, seria um verdadeiro
sonho se a minha mãe esquecesse esse completo absurdo e o dia
nunca chegasse.
— Mas... — quase choraminguei.
— Sem “mas”, Liam — ela, no entanto, me interrompeu. — Já
está decidido. Não vou mudar de ideia. É o melhor para você.
Melhor?!
Se isso era o melhor, eu não queria nem imaginar o pior.
— Mãe... — tentei ir por outro caminho. Talvez assim eu
pudesse prolongar por mais um tempinho essa tortura. — Não pode
começar, sei lá, na segunda? — sugeri, torcendo para que, pelo
menos isso, ela aceitasse.
— Não — mamãe respondeu sem precisar de meio segundo
para pensar. — Se eu deixar que comece na segunda, quando
chegar lá, você vai pedir para adiar para a próxima segunda. Eu já
te conheço, Liam. Te conheço há exatos 18 anos — Droga. O pior
que era verdade. — Agora preciso desligar. Telefonei somente para
avisar.
Saco.
Eu não tinha saída
— Ok, mãe — Mesmo querendo morrer, concordei.
— Até mais tarde, querido.
— Até.
Inferno de vida.
Eu não era dramático, era? Minha vida realmente tinha se
tornado uma verdadeira bagunça. E quem causou essa bagunça?
Ele mesmo. Eric Barriga de Tanquinho Hastings!
Ah meu Deus. Eu tinha falado isso em pensamento mesmo?
Droga.
Além de tudo, eu estava precisando de um bom tratamento
psicológico.
Guardei meu celular, tentando esquecer qualquer tipo de
pensamento confuso a respeito do Eric e, quando voltei a caminhar,
senti dois braços passarem pelo meu pescoço, um de cada lado.
— E aí, capitão! — eram Robert e William. — O que foi aquilo
no vestiário, heim? — rindo, Robert perguntou. William o
acompanhou nas risadas.
Apertei os olhos e respirei fundo, tentando me controlar. Eu
ainda ia matar alguém naquele dia. Certeza.
— O que teve no vestiário, idiota? — Totalmente sem
paciência, perguntei, enquanto tirava os braços dos dois do meu
pescoço com nenhuma delicadeza.
Obviamente, eu não ia admitir coisa alguma sobre o que tinha
acontecido no vestiário. Aliás, não tinha nada, mesmo, para eu
admitir. Foi apenas um acaso do destino o meu pênis ter ficado
semi-endurecido ali. Não tinha absolutamente nada a ver com o
Eric.
— Você olhando todo bobo e apaixonado para o Eric —
William respondeu no lugar de Robert e ambos riram novamente. —
Gostou de ver o cara pelado?
Só podia ser brincadeira.
— Vão se foder vocês dois! — disparei.
Eles não paravam de rir. Que merda.
— Vai dizer que você não gostou de ver o Eric pelado? —
Dessa vez, foi Robert que insinuou. Sua pergunta estava cheia de
sarcasmo, assim como seu grande sorriso estampado no rosto. — A
gente viu a cara que você fez.
— Não mente, irmão — William continuou aquela patifaria. —
Confessa logo. Você é gay, não é? — Gargalhando, ele perguntou.
— A gente sempre soube, irmão. A gente sempre soube —
balançou a cabeça, se divertindo.
Ah, eu não podia ficar nem mais um minuto ali, ouvindo essas
asneiras. Todo o meu sangue subiu para a cabeça de tanta raiva.
Robert e William eram os piores amigos do mundo. Quem tinha
amigos assim, não precisava de inimigos.
— Vai perturbar o capeta! — me exaltei e, com toda a ira que
eu estava sentindo, deixei-os sozinhos no meio do corredor.
Demônios!
Eu já estava incrivelmente estressado e irritado com todas as
milhares de coisas que tinham acontecido até então, e ainda tinha
que ficar aguentando piadinhas. Eu não merecia isso! Talvez Zeus
estivesse me fazendo pagar por todos os meus pecados.
Caminhei de qualquer jeito pelo colégio, em qualquer direção,
tomado pela fúria dos últimos acontecimentos. Sinceramente, nem
cabeça para assistir aula eu tinha mais. Só queria algo que me
fizesse esquecer de tudo. Alguma coisa que me deixasse tranquilo.
Foi então quando olhei em certa direção e avistei Stefany
sentada em um banco numa área mais reservada do pátio. Que
milagre era esse? Ela nunca ficava sozinha. Sempre estava rodeada
de amigas. Talvez fosse o destino querendo se desculpar e se
retratar comigo. Eu tinha que aproveitar. Afinal, não tinha pessoa no
mundo que me mantesse relaxado da forma como a Stefany fazia.
Segui em direção à loira e não deixei de notar que ela parecia
muito entretida, lendo algo em seu celular. Fiquei curioso. O que ela
estava fazendo, afinal?
— Stefany... — sentei ao seu lado.
— Liam! — Ergueu o rosto, olhando-me com atenção. —
Nossa, que cara é essa? O que aconteceu contigo?
Na verdade, era melhor ela ter perguntado o que não tinha
acontecido comigo, porque, sinceramente, foram tantas coisas que
eu ainda estava tentando processar tudo. E a minha cara, de fato,
não conseguia esconder isso. Porém, eu queria saber dela primeiro.
— Não antes de você — repliquei, levando minha mão em
direção ao seu celular. — O que você tá vendo aí? — questionei.
Stefany, no entanto, bloqueou a tela, para que eu não pudesse ler o
que tinha ali. Isso foi suficiente para que eu entendesse que ela
queria esconder algo. Porém, eu sempre fui muito curioso. — Vai,
deixa de besteira. Mostra logo.
Revirando os olhos para mim, se deu por derrotada.
— Que seja... — em tom fraco respondeu. — Eu tô lendo um
romance... Gay.
Oi?
— Romance gay? — franzi o cenho.
Stefany, por sua vez, revirou os olhos de novo.
— É, ora, uma história, um romance como qualquer outro.
Normal. Só que são dois homens os protagonistas. Nada demais.
Nenhuma situação de crise.
Eu não conseguia entender.
Como alguém lia esse tipo de coisa?
— Não, mas é que... Romance gay? — enruguei a testa outra
vez, com uma expressão de repulsa, porque era exatamente isso
que eu sentiria se lesse algo assim: repulsa. — Não podia ser outro
tipo de romance?
Ela suspirou, dando-me um belo olhar de tédio.
— Eu gosto de romance gay, tá? Algum problema? — deu de
ombros. — Quer ler um pouco? — ofereceu, erguendo o celular em
minha direção. — Tá numa parte bem interessante. Talvez você
goste — e um breve sorrisinho quis estampar seu rosto.
Quê? Ela estava ficando louca?
— Não! — balancei veemente a cabeça. — Claro que não!
Sai pra lá com esse celular — afastei-me um pouco. — Quero nem
chegar perto disso. Seria traumatizante, com certeza.
— Ah, entendi! — Stefany soltou uma pequena risadinha. —
Você não lê porque tem medo de gostar. Entendi.
Hãn?
— Claro que não, Stefany! De onde você tirou isso? Tá
ficando doida? — franzi o cenho. — Por exemplo, se uma pessoa
não lê fantasia, não é porque ela tem medo de gostar de fantasia,
mas, sim, porque ela simplesmente não gosta. Questão de
preferência. Além do mais, deve ser broxante ler sobre um cara
enfiando um negócio em um lugar que foi feito pra sair e não para
entrar.
Essa última parte foi o suficiente para que a loira arqueasse
as sobrancelhas e abrisse a boca, como se estivesse em choque.
— Ah, nossa, seu hipócrita! — replicou. — Você fala como se
nunca tivesse querido comer uma bunda. Sempre quis. Eu que só
dei o da frente. Seu hipócrita! — balançou a cabeça em pura
reprovação. — Além disso, não tem como você saber que é
realmente broxante se você nunca leu. Romances gays também não
têm só isso. Tem uma história, um enredo, conflitos como em
qualquer outra história. O que você tem é medo de gostar. Confessa
logo!
Ah não. Eu esperava um pouco de tranquilidade, mas Stefany
estava me tirando do sério.
— Não tô com medo de gostar, porra! — disparei
— Tá sim!
— Não tô!
— Tá!
— Não!
— Pois então lê um pouquinho e me prova.
Que saco! Stefany sabia que eu não gostava de perder em
nada. Irritado, puxei bruscamente o celular de suas mãos e mirei
meu olhar na tela. Com uma cara de poucos amigos, encarei as
letras do ebook. Se Stefany achava que algo sobre minha opinião
iria mudar, depois de ler isso, ela estava redondamente enganada.
— Gostei de ver! — Com entusiasmo, ela falou, dando uma
pequena risadinha. — Lê a partir daqui — apontou para
determinada parte do texto. — Era aí onde eu tinha parado.
Respirando fundo, para controlar a raiva, tentei começar a
leitura.
“Quando finalmente consegui erguer meu rosto, após alguns
instantes de fôlego totalmente perdido, tive a oportunidade de
apreciá-lo com seus revoltos cabelos negros e seus lábios ainda
entreabertos. Aqueles lábios... A minha eterna perdição. Eram
cheios e rosados em um perfeito desenho, macios e tenros em uma
completa tentação para mim.
Não pude conter o gemido quando sua boca envolveu meu
pênis outra vez. Ele sabia o que fazia. E fazia tão bem. Sugou tudo
o quanto podia, fazendo com que minhas veias saltassem em puro
tesão. Senti todo o meu corpo retesar, inclusive meu baixo ventre.
Eu não conseguiria aguentar por muito tempo.
Foi quando o fiz parar e o coloquei sobre a cama. Tirando
seus lábios do meu pênis, encaixei-me entre suas pernas e o
penetrei. Forte, rápido, com vontade. Muita vontade. Senti o gozo
tocar meu abdômen quando atingimos o auge juntos, naquela
primeira vez que eu queria ter o prazer de repetir milhares de outras
vezes.
Talvez não houvesse palavras para descrever a sensação de
estar entre suas pernas, com meu rosto recostado à curva do seu
pescoço, vendo seu peito subir e descer em uma respiração
pesada. A despeito de tudo e de suas inúmeras tatuagens sobre os
dois braços que, em uma tentativa frustrada, almejavam transpassar
uma imagem um tanto quanto rebelde, ele ainda era aquele garoto
encantador e tranquilo que eu tinha conhecido anos atrás.”
E, então, mesmo sem querer, a imagem completa da cena
surgiu, de repente, em cheio na minha mente. Parecia tão clara
quanto as palavras que eu tinha acabado de ler. Era como se eu
visualizasse tudo. Os dois transando. O garoto sugando o outro. A
penetração. O orgasmo. A respiração pesada. Sim, eu comecei a
notar minha própria respiração também pesada. Era como se eu
estivesse vendo tudo presencialmente.
Em resposta, meu pênis latejou.
Pisquei os olhos repetidas vezes, quando percebi que algo lá
embaixo estava querendo endurecer pela segunda vez no dia.
Fiquei em pânico. Definitivamente, eu só podia estar
enlouquecendo. Embora eu quisesse disfarçar o meu estado, talvez
a tentativa fosse frustrada, porque Stefany era muito perspicaz.
Nada passava despercebido aos seus olhos.
— Não quero mais ler. Já foi o suficiente — De supetão, lhe
devolvi o celular e me levantei do banco, torcendo para que ela não
se desse conta.
Isso foi o bastante para que eu ouvisse sua gargalhada.
— Você gostou! — continuou rindo. — Dá pra ver na sua cara
e na sua calça! Gay!
Quê?
Dava mesmo pra ver que tinha ficado um pouco excitado?!
Droga!
Rapidamente, virei-me de lado, tentando evitar que ela visse
mais alguma coisa suspeita na minha calça.
— Vai se foder, Stefany! Tá doida? — nervoso, repliquei,
embora também estivesse tentando disfarçar o nervosismo. — Vou
pra aula — e dei-lhe as costas, caminhando ligeiro em direção à
classe.
O universo estava mesmo querendo brincar com a minha
vida.
Que fase! Que dia de cão!
Os opostos de atraem
Liam
...
Aquele dia seria a primeira vez que o Eric iria dormir na
minha casa. Como se não bastasse passar o dia todo brincando
com a Molly, ele ainda ia dormir também. O pior: eu tinha certeza de
que aquela seria a primeira de muitas outras vezes. Se tornaria
frequente, infelizmente.
Para completar, mamãe teve a brilhante ideia de colocá-lo
para dormir no meu quarto. Isso era absurdo. Nem privacidade eu
tinha. Inclusive, eu nunca tinha deixado Eric entrar ali e, logo no
primeiro dia em que ele ia dormir na minha casa, eu teria que dividir
meu quarto com ele. Mamãe tinha, até mesmo, colocado uma cama
ao lado da minha.
Saco.
De repente, ouvi batidas na porta. Devia ser o Pateta,
infelizmente. Quando abri, dei de cara com ele, justamente Eric,
usando uma mochila maior que si próprio. Mesmo a contragosto,
abri caminho para ele passar. Afinal, se eu desobedecesse a
mamãe, meu couro ia esquentar.
— Sua cama é aquela do lado direito — sem vontade,
apontei.
Antes de se deitar, no entanto, Eric parou no meio quarto e
olhou em volta, abismado. Eu diria que, até mesmo, maravilhado.
Suas orbes brilhavam e sua boca estava levemente entreaberta. Era
como se ele tivesse descoberto um parque de diversões.
— Liam... Seu quarto é tão legal... — Ainda sem tirar os olhos
das minhas coisas, ele falou. Eric nem piscava. — Você tem tantos
carrinhos... Todos são lindos — e, sorrindo, se aproximou da minha
estante de brinquedos.
Epa! Ele não podia tocar em nada dali!
— É, eu sei que é tudo incrível — convencido, repliquei e
rapidamente fechei a porta, caminhando, logo depois, até ele, e
impedindo que ele pusesse suas mãos sobre qualquer coisa. —
Mas não toque em nada — continuei. — Em nenhum brinquedo. Em
nenhum carrinho. Não pode.
Seu sorriso, entretanto, desapareceu tão rápido quanto eu
me apressei para salvar meus pertences.
— Por quê? — apertou os olhos com tristeza. Era tão
aparente. — A gente podia brincar um pouquinho antes de dormir...
Seria tão legal... — suspirou. — Vamos brincar um pouquinho de
carrinho? Eu trouxe uns pra...
O quê? Quem ele pensava que eu era? Eu não precisava de
mais um amigo para brincar. Já tinha amigos o bastante. Além do
mais, se eu quisesse ser amigo de mais alguém, Eric seria a última
pessoa que eu escolheria.
— Não, Eric — o interrompi antes que ele conseguisse
terminar a frase. — Eu não quero brincar com você. Vou dormir.
Pode ir pra sua cama também.
Seu olhar se tornou ainda mais triste.
— Mas... — Ainda tentou falar mais alguma coisa.
— Não quero brincar — eu, no entanto, o interrompi. Além de
não querer brincar, não estava a fim de prolongar aquela conversa
por mais tempo. O melhor que podíamos fazer era dormir.
Eric, por sua vez, triste, baixou a cabeça e seguiu até sua
cama. Notei-o trocando de roupa e vestindo um pijama, enquanto eu
também ia para minha cama.
— Boa noite, Liam — cabisbaixo, falou.
Pouco me importando com ele, apenas respondi:
— Apaga a luz.
— Mas é você quem está em pé, Liam — replicou.
— Não estou mais — e, em um pulo, deitei em minha cama,
cobrindo-me com o edredom. Virei-me e dormi.
...
Liam
❖❖❖
❖❖❖
Liam
❖❖❖
Liam
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❖❖❖
❖❖❖
❖❖❖
— Mas que merda, Robert! — gritei, enquanto ele me
arrastava pelas ruas de Oxford. — Como é que você me tira a força
de dentro da porra do meu próprio quarto? Eu já tinha te dito que eu
não estava com vontade de ir!
— Você não seria o único cara do time a ficar no hotel, Liam!
Logo o capitão, dormindo feito uma mocinha, enquanto os outros
curtem no pub? Claro que não! — respondeu, enquanto ainda me
puxava pelo braço no meio da rua.
Não demorou meia hora, depois que chegamos ao hotel, para
baterem na porta do meu quarto e me arrastarem para a porcaria do
pub. Fizeram um plano, tudo comando pelo demônio do Eric, para
que, assim que tivessem a certeza de que técnico tinha dormido,
pudessem sair para o pub.
Eu não sabia ao certo como fizeram isso, porque eu não tinha
participado da elaboração desse plano maléfico. Talvez tivessem
deixado alguém vigiando o andar em que o técnico estava. Era um
plano bem a minha cara, confesso. Mas, dessa vez, não tinha dedo
meu ali.
O fato era que eu já estava me preparando para dormir,
quando me arrastaram porta afora e me tiraram a possibilidade de
ficar em paz. Então, naquele exato momento, ali na rua, Robert me
segurava pelo braço, como se eu fosse uma criança, para que eu
continuasse caminhando rumo ao pub e não tentasse correr de volta
ao hotel.
Nós estávamos indo um pouco atrás, enquanto os outros iam
mais na frente, como o William e o imbecil do Eric.
— Tá bom, velho! Tá bom! — com impaciência, falei. —
Agora solta me solta, porque eu não sou uma criança!
— Se eu soltar, você vai fugir — ponderou.
— Não vou, porra! — e puxei meu braço com toda a força,
fazendo com ele me soltasse de uma vez por todas. Finalmente, eu
estava livre para caminhar sozinho. — Tá vendo? Nem fugi, imbecil.
— Bom garoto! — dando uma pequena risadinha, respondeu.
Continuamos caminhando e, em poucos minutos, chegamos
ao infeliz pub. O time em peso estava lá. Era um local amplo e
climatizado. Tinha um balcão de bebidas, música boa, pista de
dança e mulheres bonitas.
— Lugar legalzinho, né? — sorrindo, Robert falou, enquanto
olhava em volta.
Tinha mulheres bonitas, então...
— É, parece interessante — respondi.
— Já imaginou você perdendo isso? — deu uma risadinha. —
Vamos pegar bebida?
Não que eu quisesse, de fato, estar ali, mas, já que estava...
— Na hora.
❖❖❖
Eric
...
...
❖❖❖
Eric
❖❖❖
Depois do ocorrido no refeitório do hotel, a volta para Londres
foi tranquila, até porque não tinha como ser diferente com cem por
cento do time de ressaca. Todos voltaram calados ou dormindo.
Liam, para variar, não olhou na minha cara. Mas, bom, eu não
estava esperando um “obrigado por livrar minha pele”, nem um “eu
sei que te beijei ontem”. Então, me sentia relativamente tranquilo,
apesar da detenção e do banco reserva.
Ao chegarmos em Londres, o ônibus foi direto para o colégio.
De lá, cada um seguiu seu caminho. Minha mãe já me aguardava na
entrada do Regent, com um sorriso imenso, como se eu tivesse
passado um ano fora. Lógico que eu tive que inventar uma desculpa
sobre os machucados no rosto, mas, ainda bem, ela acabou
acreditando.
— Não era para o George ter vindo me buscar? — perguntei
enquanto minha mãe dirigia de volta para casa. Eu tinha ouvido ele
comentar, mesmo que de longe, algo assim, pouco antes de eu
viajar.
— Seu pai teve que viajar a trabalho — mamãe deu ênfase
na palavra, como se indiretamente me advertisse a chamá-lo assim.
Ela não gostava que eu o chamasse pelo nome, principalmente na
frente de outras pessoas. — Mas acredito que ele volta amanhã —
concluiu.
“Para variar" meu pai estava viajando a trabalho. Era sempre
assim. Eu quase não via em casa. Geralmente, quando ele estava
em Londres, saía muito cedo de casa para a empresa, assim como
voltava muito tarde, quando eu já estava dormindo. Além disso, nos
fins de semana em que ele não trabalhava na construtora, sempre
fazia viagens de negócio. Ou seja, nós nos víamos muito pouco, e,
quando nos víamos, os encontros não eram, digamos, tão
amigáveis quanto deveriam ser.
— Entendi, Dona Cynthia — Dessa vez, falei o “Dona
Cynthia” por pura brincadeira mesmo, só para ver sua reação e rir.
Ela odiava isso. Mas, eu sempre a chamava de “mãe” normalmente.
Nossa relação era muito tranquila e saudável.
— Dona Cynthia, né? — cerrou os olhos em minha direção,
dando-me um puxão de orelha.
— Ei, mãe! — soltei uma risada, afastando-me, no banco de
passageiro ao lado do banco do motorista. — Isso doeu! — e
esfreguei minha orelha, tentando conter a sensação.
— É para doer mesmo! — ela também riu.
— Sabe que foi uma brincadeira, né? — sorri.
— É claro que eu sei, meu anjo. Você me ama? — e
perguntou algo que já era sua marca registrada. Ela sempre me
fazia perguntas desse tipo, para ouvir, satisfeita, que eu a amava.
— É lógico, Dona Cynthia! — abracei-a e a enchi de beijos
quando estacionamos.
Bom, eu não costumava chamar minha mãe de “Dona
Cynthia”. Nossa relação sempre foi muito boa para esse tipo de
coisa. Além do mais, eu gostava realmente de chamá-la pelo nome
que lhe era devido, “mãe”. A situação com meu pai, entretanto, era
diferente. Eu adquiri o hábito de chamá-lo somente de “George”
porque ele estava mais para um provável sócio do que para um pai
mesmo.
...
...
Eric
❖❖❖
— Bom dia, bom dia, bom dia! — acordei com a voz agitada
da minha irmã. Ela estava pulando em cima de mim. Em geral, era
desse jeito como ela falava todas as manhãs. — Que saudade! — e
me abraçou forte, deitando-se na cama comigo, mesmo que eu
ainda estivesse tentando me orientar após uma longa noite de sono.
Eu tinha chegado tão tarde, no dia anterior, que Stefany já
estava dormindo.
— Nossa... — bocejei coçando os olhos. — Você e sua mania
de me acordar desse jeito — resmunguei, sonolento. No fundo, eu
não achava ruim, até gostava. Era só charme meu para irritá-la um
pouquinho.
— Também te amo, irmãozinho — em tom de brincadeira, ela
respondeu e me abraçou, carinhosa. — Sabia que eu senti sua falta,
mesmo tendo sido só um final de semana? Viu como eu sou fofa?
— É, eu sei... Sou tão legal que as pessoas facilmente
sentem falta de mim — brinquei de leve, quando já me sentia mais
acordado. — E eu também amo você, engraçadinha — abracei-a de
volta e beijei seu rosto.
— Como foi o final de semana? — ela perguntou.
Uma merda?
— Ah, foi legal... — tentei responder com o máximo de
naturalidade possível. Obviamente, eu não ia lhe contar os detalhes
mais sórdidos, como a briga nos fundos do pub, entre Liam e eu, e o
nosso beijo.
— Sério? — me encarando com o cenho franzido e confuso,
Stefany questionou. — Ontem o Liam me ligou e não foi isso o que
ele disse...
Ah, meu Deus, Liam tinha ligado para a Stefany? Merda. Eu
esperava que ele não tivesse dado com a língua nos dentes, porque
eu ainda não estava preparado para admitir a todos que um cara
tinha me beijado.
— Foi? — tentei um tom casual, como se eu estivesse
ligeiramente desinteressado no assunto. No entanto, por dentro, eu
já estava gritando. — E o que ele falou?
— Bom... Ele me disse que vocês brigaram, para variar... —
soltou uma pequena risadinha. — Disse também que foram
escondidos a um pub e que, por isso, você tá suspenso do time
titular por um jogo e que você vai para a detenção hoje. Um fim de
semana e tanto! — brincou.
E bote “fim de semana e tanto” nisso!
Por dentro, eu suspirei de alívio. Aparentemente, ele só tinha
contado sobre a nossa briga e a minha suspensão. Com isso, eu
conseguiria lidar facilmente. Era o tipo de assunto que poderia
conversar, mesmo que não fosse tão bom.
— E ele só disse isso? — tentando comprovar que meus
pensamentos estavam certos, me utilizei novamente do meu tom
ligeiramente desinteressado, e questionei novamente. Eu precisava
saber.
— Foi... Por quê? Teve mais alguma coisa? — enrugou a
testa levemente. — Eu, particularmente, estou adorando ver esse
teu lado badboy mais aflorado. Inclusive, relaxa... Eu não vou contar
para a mamãe. Sabe que eu sempre encoberto as tuas coisas, né?
— riu um pouquinho.
Ufa, então ele não tinha mesmo entrado em muitos detalhes.
— Não. Foi só isso. Nossas grandes emoções foram a briga
e a minha suspensa. — dei um sorriso fingido, mas bastante
convincente. — E muito obrigado por não me dedurar para a nossa
mãe. Você sabe como ela é. Faria uma tempestade em copo d’água
por algo tão insignificativo — Essa parte era verdade. — E, ah, você
sabe que eu nunca fui perfeito — brinquei.
— Sei sim — ela riu. — Você não é perfeito, mas é discreto.
Então, nunca descobrem as coisas que você faz, ou, pelo menos,
quase nunca.
É isso aí. Stefany era uma das poucas pessoas que me
tratavam como um ser humano normal e com defeitos. Eu,
sinceramente, gostava disso.
— Exatamente, é por isso e por muitas outras coisas que eu
amo você — sorri. — Agora tá na hora de levantar e ir para o
colégio, porque eu tenho uma detenção para enfrentar durante todo
o turno da manhã — levantando da cama, revirei os olhos.
— Você sobrevive — brincando, ela riu.
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Eric
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Eric
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Eric
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Depois da conversa com o George, me arrumei rápido e,
praticamente sem mastigar, engoli o café da manhã. Quanto mais
ligeiro eu resolvesse isso que ele tinha pedido, ou melhor, exigido,
mais rápido eu sairia daquela construtora, que eu, particularmente,
odiava. Logo eu estaria a caminho do colégio.
Pensando nisso, naquele dia seria a primeira aula no
laboratório de química, depois que Liam e eu o incendiamos. Meu
Deus, apesar da situação, aquele dia tinha sido muito engraçado! O
desespero dele foi hilário. Talvez eu fosse para o inferno por rir da
situação, mas eu não consegui me conter.
Todavia, pensar em voltar ao laboratório me fazia pensar que
eu também voltaria a ser a dupla do Liam. Tanta coisa tinha
acontecido desde a última aula em que fomos parceiros no
laboratório de química. Liam... Por que ele não saía da minha
cabeça? Era tudo tão mais fácil quando eu só pensava em... Mulher.
Era tudo tão mais fácil quando eu não broxava! Inferno.
Era melhor eu tentar parar de pensar em tudo isso, pelo
menos por ora. Afinal, eu estava chegando na maldita empresa, e,
se o Jimmy notasse que eu estava estranho, ele com certeza me
perguntaria o que estava acontecendo e eu me sentiria tentado a
falar, porque ele era como um tio para mim. Eu o conhecia desde
criança e, especialmente a partir dos meus onze anos, nós
convivemos muito por causa dos ensinamentos que ele me
repassou. Jimmy se tornou alguém especial e de confiança para
mim.
Estacionei meu carro na garagem privativa da construtora,
desci e caminhei em direção à entrada do prédio. Cumprimentei os
funcionários, assim como eles também me desejaram “bom dia”.
Uma parte considerável deles eu conhecia desde criança. Apesar de
não gostar da empresa, eu gostava das pessoas que trabalhavam
lá. Todos sempre foram muito gentis, embora tivessem um patrão pé
no saco, vulgo meu pai.
Entrei no elevador e, em poucos instantes, cheguei ao último
andar do prédio. As salas desse piso pertenciam somente ao
dono/presidente da construtora, que era o meu pai, e ao vice-
presidente, o Jimmy. Sim, ele tinha começado como assistente do
meu pai e agora era vice-presidente da empresa. Durante todos os
últimos anos, ele foi subindo de cargo.
O estranho era que o Jimmy era um dos poucos funcionários
com quem meu pai construiu uma amizade. Por conta disso, depois
de alguns anos, ele se tornou o vice-presidente da empresa e o
braço direito do meu pai. De toda forma, eu considerei as suas
promoções como merecidas. Jimmy sempre suou a camisa por
aquela construtora.
Assim, caminhei até a sala do Jimmy, abri a porta e...
— Alex? — surpreso, sorri para o filho do Jimmy. — Que
legal te ver por aqui, cara! — aproximei-me dele, para cumprimentá-
lo. — Você está trabalhando aqui agora?
— E aí, Eric! — ele correspondeu. — Meu pai tinha mesmo
acabado de me avisar que você iria aparecer por aqui — sorriu. —
Na verdade, eu sou estagiário daqui agora, cara.
Se as pessoas me consideravam um “garoto prodígio”, eu
não sabia o que elas deveriam pensar a respeito do Alex, porque ele
era somente um pouquinho mais velho que eu e já estava na
faculdade. O cara era um verdadeiro talento.
No momento em que quis respondê-lo, para continuar a
conversa, no entanto, ouvi meu celular tocar. Com o dedo indicador,
pedi um segundinho de licença a ele, para que eu pudesse atender.
Quando olhei para a tela, visualizei o nome “Molly”. Nossa, o que
será que ela queria? Depois de tudo o que tinha acontecido eu não
sabia o que esperar.
— O-Oi, princesa! — tentando ser o mais natural e simpático
possível, atendi o celular. Nossos problemas precisavam acabar, de
uma vez por todas.
— Oi... Você... Você vem para o colégio hoje? — perguntou.
Notei que ela estava meio encabulada. — Estou precisando
conversar contigo.
Conversar? Meu Deus, conversar sobre o que? Será que ela
tinha descoberto alguma coisa? Será que ela sabia sobre sábado?
— Eu... — soltei um breve suspiro. Estava louco de
curiosidade e queria conversar já, mas não podia. — Eu vou chegar
um pouco atrasado, porque tive que dar uma passada na
construtora do meu pai, mas eu vou sim.
— Tudo bem... Então, te vejo mais tarde — e desligou.
Tirei o celular do ouvido e, meio reflexivo sobre a situação da
minha vida, encarei-o por alguns instantes. Quando fui guardá-lo no
bolso, entretanto, ouvi o Alex falar algo que chamou me atenção.
— Soube que você está namorando... Namorando a Molly.
— É... — erguendo o olhar para ele e tentando sorrir, porque
por dentro eu estava preocupado com aquela intimação do
“precisamos conversar”, respondi. — Nós estamos namorando há
um tempo.
— Com todo o respeito, mas você tem muita sorte por
namorá-la — Alex soltou uma pequena risadinha. — Molly sempre
foi uma menina doce, centrada, quieta. Eu espero que esteja
cuidando bem dela — sorrindo, concluiu.
Doce, centrada, quieta... Ele sempre enalteceu a Molly, desde
que éramos mais novos, e eu nunca consegui sentir ciúmes disso,
assim como também nunca consegui entender porque Molly nunca
quis dar uma chance a ele. Alex foi um dos meninos que cresceram
com a Molly, o Liam, a Stefany e eu.
...
...
❖❖❖
Eric
❖❖❖
❖❖❖
Logo depois da nossa conversa, Molly e eu fomos para a sua
casa. Afinal, eu precisava dar aquela bendita aula. O problema era
que, a cada passo, meu coração acelerava mais. A cada passo,
meu cérebro me lembrava de que eu teria que passar uma hora e
meia com o Liam, no quarto dele. A cada passo, minha mente me
lembrava de que eu gostei do seu beijo, que quis beijá-lo de novo e
que eu tinha uma namorada. A soma de tudo isso me deixava
incrivelmente confuso.
Para a surpresa de Molly, tia Claire, sua mãe, estava em casa
quando nós chegamos. Aparentemente, ela devia estar no trabalho,
mas, como no dia seguinte seria o aniversário do meu pai, a minha
mãe pediu sua ajuda em alguns detalhes restantes. Para completar,
mamãe chegaria ali dentro de poucos minutos. Ou seja, além de eu
ter que dividir o mesmo espaço que o Liam, durante a próxima hora,
Molly, tia Claire e minha mãe também estariam juntas lá. Isso era
perfeito, para não dizer o contrário.
Depois que entramos e cumprimentamos a tia Claire, ela já
foi logo me passando sua intimação:
— Querido, o Liam já está no quarto dele. Se você quiser
subir, já pode começar a aula.
Ah, Deus. A hora tinha chegado e eu não podia fugir. Tentei
respirar fundo. Vamos lá, Eric, não pode ser tão difícil passar uma
hora e meia perto do Liam, quando você sabe que é necessário
manter distância. Que pesadelo!
— Tudo bem, tia — respondi e virei para a Molly, me
despedindo dela e lhe dando um beijo no rosto. — Vou lá, princesa.
Comecei a subir as escadas, me perguntando uma única
coisa: onde, diabos, eu estava com a minha cabeça, quando
concordei com a proposta de dar aulas para o Liam? Tudo bem que,
na época, eu nem sonhava que tudo o que aconteceu pudesse, de
fato, acontecer. Porém, agora eu estava em um beco sem saída e
devia seguir em frente com as aulas.
Eu precisava pensar positivo, ou aquilo não funcionaria. Eu
precisava tentar mentalizar que seria uma aula como qualquer outra.
Sim, eu repeti isso mil vezes na minha cabeça, enquanto percorria o
caminho. Sempre fui acostumado a ensinar os meus amigos. Além
do mais, eu já tinha dado a primeira aula a Liam. Ele estava
estranho no dia, mas nós não nos matamos, nem nos beijamos.
Amém. Então, a tendência era que aquela segunda aula seguisse o
mesmo ritmo.
Quando, enfim, cheguei à porta de seu quarto e vi que estava
fechada, ainda dei um breve suspiro, tentando manter a
tranquilidade e a naturalidade, e bati duas vezes, para chamá-lo.
Liam apareceu, alguns instantes depois. Seu rosto estava
impassível, enquanto sua boca não me deu uma única palavra. Ele
apenas, aparentemente a contragosto, abriu caminho para que eu
entrasse.
Ainda em silêncio, fechou a porta e seguiu em direção à sua
escrivaninha, sentando-se em uma das duas cadeiras disponíveis.
Eu, no entanto, permaneci em pé e parado. Nunca sabia como agir
dentro do quarto do Liam. Ele sempre foi muito possessivo com
todos os seus pertences.
— Vai ficar em pé aí, que nem um lesado? — Essas foram as
novas primeiras palavras amigáveis que Liam me deu.
— Fiquei com medo de dar um passo e acabar estragando o
piso de ouro do quarto da bonequinha — repliquei com o máximo de
ironia que eu conseguia. O moreno, por sua vez, cerrou os olhos
para mim, mas nada respondeu, enquanto eu seguia em direção à
cadeira vazia ao seu lado. — A gente estudou física na primeira
aula. Hoje pode ser química. O que acha? — perguntei ao me
sentar.
— Tanto faz... — dando de ombros, como se estivesse pouco
se importando, respondeu. — Só começa isso logo — e passou as
mãos no rosto, meio impaciente.
Com isso, dez, vinte, trinta e quarenta minutos se passaram.
O estranho era que Liam, milagrosamente, estava muito atento a
mim naquele dia. Eu realmente não sabia o que estava
acontecendo, mas, se comparado à aula anterior, ele estava ainda
mais diferente. Ainda me observava com seu típico olhar de
desprezo? Sim. Mas, no fundo, eu notava algo diferente. Ele estava
bastante concentrado em mim. Uma atenção que eu nunca tive por
parte dele. Liam, nem mesmo, tinha aberto a boca para me insultar
com qualquer coisa, pelo menos até o momento.
Prova disso era que não tínhamos nos matado até então, e já
estávamos a quase uma hora ali. Liam parecia realmente com
vontade de aprender, enquanto eu me esforçava ao máximo para
não me perder nas explicações, porque, mesmo que estivesse
falando sobre tabela periódica e reações químicas, meu olhar e
meus pensamentos sempre se voltavam, de uma maneira ou outra,
para o momento do nosso beijo, a sua boca, os seus olhos, o seu
rosto. Caramba, eu estava parecendo uma mulherzinha.
Enquanto isso, eu também pensava no fato de que a minha
namorada estava em alguma parte daquela casa, ao mesmo tempo
em que eu, assustadora e estranhamente, tinha curiosidade de
sentir, outra vez, o beijo de um cara que, por sinal, era o irmão dela.
Droga! Será que tinha como eu ser mais canalha? Eu já estava
ficando com vergonha de mim mesmo. No fim das contas, Liam
talvez tivesse alguma razão quando dizia que eu não era homem
para a Molly. Agora eu entendia o porquê. De fato, ela não merecia
que seu namorado ficasse pensando em seu próprio irmão.
Se o Liam, pelo menos, colaborasse e parasse de me olhar
tão atentamente assim, talvez as coisas pudessem se tornar um
pouco menos difíceis para o meu lado. Aliás, se ele não tivesse me
beijado, nada disso estaria acontecendo comigo. Inclusive, será que
aquele imbecil lembrava do que tinha feito? Será que eu tinha sido
mesmo trouxa por não ter aceito beber a Vodca até entrar em coma
alcoólico, que nem ele, e esquecer toda aquela merda? Essas
dúvidas passaram a semana inteira me corroendo.
Mas, enfim, era melhor que tentasse me desligar de tudo
isso. Eu era hetero e tinha uma namorada. Portanto, era ilógico ficar
pensando e confabulando coisas assim a respeito de um cara.
Concentração na aula, Eric, concentração! Afinal, quanto mais
rápido eu conseguisse explicar o conteúdo para ele, mais rápido eu
me livraria daquela aula e iria embora para casa. Pelo menos, a
hora já estava bem avançada e aquilo estava chegando ao fim.
Faltava apenas eu falar um pouco sobre substâncias químicas
alucinógenas.
— Cara, a aula tá acabando. Só falta falar um pouco sobre as
substâncias químicas alucinógenas. Lembra que no final da aula o
professor pediu pra gente pesquisar um pouco sobre isso? —
questionei. — Provavelmente, ele vai passar alguma atividade a
respeito, ou então vai cair uma questão desse assunto na próxima
prova.
— Lembro — respondeu curto e grosso, como sempre.
— Eu peguei um livro na biblioteca... — abri a mochila e o
retirei, colocando-o em cima da escrivaninha. — Pra gente dar uma
olhada nas substâncias. Você quer... — fiz um sinal com a cabeça,
para que ele afastasse a cadeira um pouco mais para perto de mim
e nós pudéssemos dividir o livro. Liam, no entanto, não se moveu
um centímetro. Ok, eu deveria ter esperado por isso. Assim, eu
mesmo arrastei a cadeira para perto dele, mas fiz isso de uma
maneira tão desajeitada que nossas pernas acabaram encostando
uma na outra. Notei Liam trepidar um pouco ao sentir. Se remexeu
um pouco na cadeira, mas não tirou a perna dali. — É... — abri o
livro, deixando-o no meio de nós dois, dando um breve suspiro, e,
por mais que o meu lado racional dissesse para desencostar a
perna, eu também não conseguia movimentá-la nem um centímetro
dali.
— Vai logo — Liam resmungou.
— Ok... — respondi, mas... Nossas pernas continuavam
unidas. Isso era real? — Bom... — pigarreei a garganta, tentando
retomar a compostura, e comecei a ler. — Existem duas substâncias
químicas alucinógenas muito conhecidas, o LSD e o Ecstasy. A
substância... — parei de falar ao sentir o Liam mexer a perna e,
consequentemente, roçar a minha. Isso foi sem querer? Engoli a
seco e tentei voltar a leitura. — A substância química do LSD é
chamada de dietilamida do ácido lisérgico. Alguns efeitos da
substância são alucinações visuais, sensação artificial de euforia,
redução da percepção... — senti novamente o Liam mexer sua
perna e roçar a minha. Merda... Ele estava fazendo isso de
propósito? Eu me recusava a acreditar. Não era possível que ele
estivesse fazendo isso de propósito. Ou será que... Será que
estava? Será que era proposital? Instantaneamente, minha memória
me trouxe lembranças de sábado. O beijo. Ah, meu Deus, eu sentia,
no fundo, que tinha gostado. Mas, eu não podia gostar! Eu não
podia ser gay! — Fora o LSD, o Ecstasy também... — tentei voltar a
falar, mas sua perna me tirou novamente a atenção. Deus, me
ajude, eu não posso cair em tentação. Era a prece silenciosa que eu
fazia. Por outro lado, eu não conseguia me conter. A minha
curiosidade e a minha vontade de saber se era proposital ou não
falavam mais alto.
Não aguentei. Eu precisava de uma prova. Mexi minha perna
de leve, roçando a dele, da mesma forma como fez comigo. Liam,
entretanto, baixou o olhar, mirando exatamente em sua perna e,
logo depois, ergueu, aos poucos, seu rosto impassível, encarando-
me de canto de olho. O que estava acontecendo, meu Deus? Seu
olhar me dizia tanto e, ao mesmo tempo, nada. Há poucos instantes
nós estudávamos e, de repente, agora, o clima do quarto tinha
mudado completamente.
Deus, as imagens de sábado continuavam atormentando a
minha mente. E o seu olhar, aquele que ele estava me dando nesse
exato momento, apenas fazia com que eu me perguntasse, ainda
mais, se ele lembrava do que tinha feito ou não. Eu tinha certeza
absoluta de que não deveria tocar nesse assunto com ele, mas a
curiosidade estava me matando, desde domingo. Talvez, se eu
perguntasse nas entrelinhas, não ficaria muito explícito o fato de eu
estar louco para saber a resposta.
— Liam... — tentei falar com naturalidade, assim como
também tentei esconder a ansiedade. — Além do LSD e do Ecstasy,
outra substância química que causa alguns efeitos colaterais para o
cérebro é o etanol, também chamado de álcool etílico, que é o
principal agente das bebidas alcoólicas. O álcool ingerido em
grandes quantidades pode causar a perda total ou parcial de
informações do cérebro. Em outras palavras, pode ocasionar
esquecimento... Isso é bastante comum... Conheço alguns casos...
— Ah, Deus, é agora. — Isso já aconteceu contigo? — soltei a
pergunta no ar, ao mesmo tempo em que sentia vontade de sair
correndo para bem longe dali.
Liam, por sua vez, ergueu uma das sobrancelhas para mim.
Por Deus, o que isso significava?
— Essa pergunta, por acaso, é de algum exercício do livro?
— notei um pequeno, quase imperceptível sarcasmo em seu tom de
voz.
Não, seu filho da mãe, claro que não é. Só me responda,
antes que eu fique louco!
— Eu só achei que, por ser um tremendo beberrão de Vodca,
você já tivesse passado por situações como essa que eu acabei de
falar — tentei retribuir o sarcasmo, mesmo que, por dentro, eu
estivesse nervoso.
Dessa vez, Liam ergueu as duas sobrancelhas para mim,
como se eu tivesse dito uma grande calúnia sobre ele.
— Qual é, imbecil? Olha quem fala! Você é o maior bebedor
de Uísque que eu já conheci! — disparou. — Aqui é tipo o sujo
falando do mal lavado.
Quê? Era eu quem estava sendo caluniado! Quer dizer, um
pouco caluniado. Tá, tudo bem, nem tanto. Ok! Eu não estava sendo
caluniado. O idiota tinha falado uma verdade. Eu podia até ser um
beberrão de Uísque, mas, pelo menos, eu nunca esquecia do que
fazia.
— E sábado, heim?! — ergui as duas sobrancelhas para ele,
como uma afronta, aproveitando o espaço para entrar no assunto
que eu queria. — Quem foi que voltou quase em coma alcoólico
para o quarto? Não fui eu!
— Cala a boca, imbecil! — Liam disparou.
— Quem foi que se embriagou de Vodca no pub, vomitou e
desmaiou? — continuei, tentando refrescar sua memória e pouco
me importando com o fato dele ter dito para eu parar. — Também
não fui eu. Então, acho que já temos o vencedor do título de
beberrão do ano!
Liam, por sua vez, se inquietou na cadeira e passou as mãos
no rosto, em pura exasperação. Ele estava ficando vermelho,
bastante vermelho. Isso era raiva do que eu estava falando? Franzi
o cenho, porque, apesar de tudo, eu estava falando a verdade e...
De repente, minha mente se iluminou. Eu me dei conta de que ele
não tinha me desmentido, nem mandado eu me calar. Então, isso
significava que ele se lembrava? Ele se lembrava do que tinha
acontecido? Ele se lembrava do... Beijo?
— Acho melhor a gente voltar pra química — ele resmungou,
com o semblante ainda mais fechado. — Se você não ficar na tua...
— disse em tom ameaçador.
— Vai fazer o quê? — As palavras saíram de repente da
minha boca.
— Não me provoca, imbecil... — olhou-me com muita
seriedade.
— Me diz o que você vai fazer — retribuí o mesmo olhar
sério. — Você vai... — Meu Deus, segura essa minha boca! — Vai...
— Eu não posso falar. Não posso! — Você vai fazer o mesmo que
fez comigo no sábado, depois que a gente brigou no pub? — e eu
não aguentei. Droga. As palavras simplesmente saíram.
Após isso, notei-o instantaneamente travar, como se tivesse
sentido um baque ou algo do tipo. Caramba, ele se lembrava! Ele se
lembrava sim! Pelo estado em que ele ficou, depois de eu tocar
claramente no assunto, não era possível que ele não lembrasse.
Entretanto, como se estivesse tentando disfarçar, ou mesmo mudar
o foco daquele diálogo, virou o rosto para frente, arrastando o livro
para si e começando a folheá-lo.
— Bora voltar pra química — Com seu típico semblante
fechado, ele falou. Eu sabia que ele tinha ficado seriamente
abalado. Era perceptível, por mais que ele tentasse disfarçar.
Eu sabia que era um grande erro continuar nisso e tentar ir
em frente no tal assunto. Eu também sabia que era um enorme erro
querer saber se ele lembrava ou não do que fez, assim como
também não era nem um pouco certo querer sentir seu beijo
novamente. Mas...
— Você não respondeu a minha pergunta — insisti.
Liam, irritado, passou a mão na nuca e continuou a folhear o
livro aleatoriamente.
— Eu não sei do que você tá falando, imbecil — resmungou
sem me encarar. Liam parecia evitar meus olhos deliberadamente.
O único lugar para onde ele mirava era o livro. — Anda. Vamos
continuar. Eu quero aprender química.
Ele se lembrava, eu sabia que ele se lembrava. Eu só
precisava ouvir isso de sua boca.
— Liam... — soltei um breve suspiro. — Você se lembra do
que aconteceu fora do pub, depois que nós brigamos e fomos
expulsos, não lembra? — Devido a tamanha adrenalina que eu
estava sentindo, as palavras saíram de repente da minha boca de
novo. Eu nem sabia como estava conseguindo falar tudo isso.
Talvez a vontade de ouvir a resposta verdadeira fosse maior que o
receio.
Essa pergunta foi o suficiente para que Liam desviasse o
olhar do livro para mim. Me assustei ao vê-lo como estava agora.
Deus... Os olhos do Liam estavam... Poucas vezes na vida eu tinha
o visto com um olhar tão frágil e vulnerável como esse que estava
em seu rosto. Aparentemente, além de tudo, ele também estava
marejado. Deus, ele lembrava.
— Para com isso, idiota — resmungou e levantou-se da
cadeira.
Acompanhei-o com o olhar e o vi caminhar em direção à
varanda do seu quarto. Pronto, agora era certeza que ele se
lembrava. Se Liam não lembrasse, ele não estaria literalmente
fugindo da situação. E, apesar de ainda ter consciência de que era
um erro seguir em frente com isso, eu continuei, porque precisava ir
até o fim e não aguentava mais ficar calado, assim como fiquei
desde o último domingo. Assim, também me levantei da cadeira e o
segui rumo à varanda.
— Liam...
— Sai daqui. Vai embora. A aula acabou. Não quero mais —
disse olhando para o horizonte à sua frente, na varanda.
— Liam... — me aproximei dele devagar. — Eu tô
enlouquecendo desde o dia em que você me beijou — confessei e...
Deus, as palavras pareciam que tinham vida própria, porque elas
simplesmente saltaram da minha boca. Eu mal podia acreditar que
tinha falado isso.
O moreno, por sua vez, instantaneamente, virou-se para mim.
Seus olhos arregalados, sua pele em puro estado de alerta. O
sangue do rosto parecia ter sido completamente drenado, porque,
em menos de meio segundo, ele ficou pálido.
— O quê?! — disparou. — Enlouquecendo?! Deve estar
mesmo, porque eu não sei de nada sobre o que você falou! Sai
daqui! Sai do meu quarto agora! — exclamou. Sua respiração
totalmente descompassada.
Apesar de ser um grande erro, eu ia até o fim. Ele tinha que
confessar. Essa negação só me instigava, ainda mais, a seguir em
frente. Eu precisava ouvir de sua boca toda a verdade. Liam não me
faria enlouquecer e não ficaria impune.
— Sabe sim, Liam. — Repliquei, determinado. — Eu não vou
sair daqui até que você me diga, com todas as letras, que você se
lembra.
O moreno ficou ainda mais louco.
— Seu imbecil, eu já disse que não sei de nada! — Disparou
mais uma vez. — Eu não sei! Sai daqui! Cai fora agora! Para de ser
maluco e de querer deixar os outros loucos também. Eu não quero
mais olhar pra sua cara.
Estava mais do que claro, para mim, que Liam sabia, que
Liam lembrava. Uma pessoa que não soubesse que eu estava
falando, não reagiria dessa forma, não ficaria com os nervos à flor
da pele. Ele só estava agindo assim, porque eu estava o
confrontando a dizer, ou melhor, admitir algo que não queria falar
nunca. Eu, no entanto, já estava prestes a explodir de tanta negação
e fingimento. Eu precisava de uma resposta verbalizada, de uma
vez por todas. Então, fiz algo, praticamente fora de mim e do meu
estado de lucidez. Algo que jamais poderia me imaginar fazendo.
— Seu imbecil, vai dizer que você não se lembra disso?! —
de supetão, aproximei-me dele o suficiente, segurei-o pela nuca e o
beijei. Deus, eu realmente estava fazendo isso? Que merda.
Em menos de dois segundos, Liam me empurrou contra a
parede mais próxima da varanda, fazendo com que eu batesse as
minhas costas.
— Tá ficando doido, idiota?! — Liam parecia que ia me
engolir com os olhos.
Caramba... Em poucos instantes, minha consciência bateu.
Que besteira monstruosa foi essa que eu fiz? Eu estava ficando
doido mesmo! Não deveria ter feito isso! Meu Deus, e agora? A
minha namorada devia estar no andar debaixo, enquanto eu tinha
acabado de beijar o seu irmão! Jesus. Eu deveria ter enterrado essa
história!
— Desculpa... — falei em um quase sussurro e baixei o rosto,
sem conseguir encará-lo, experimentando um misto de confusão
comigo mesmo e choque. O sentimento de culpa agora estava me
matando. — Desculpa... — sussurrei outra vez. — Eu... Eu só
queria... — e subitamente parei de falar, porque as palavras me
faltavam. Eu não sabia o que dizer, o que pensar ou como agir.
— Merda! Porra! — ouvi Liam com suas maledicências.
Levantei meu rosto devagar e me deparei com o moreno
caminhando de um lado para o outro da varanda, inquieto. —
Merda! Cacete! — e continuou praguejando aos quatro ventos, até
que, de repente... Deus, o que ele estava fazendo?!
Liam se aproximou rapidamente de mim, com os olhos cheios
em um misto de ira e determinação, e, simplesmente, me beijou.
Deus, ele me beijou? Isso estava mesmo acontecendo?
Respondendo às minhas perguntas internas e silenciosas, bem
como provando que tudo aquilo era real, me encostou ainda mais
contra a parede e me envolveu pela cintura com seus braços.
Senti sua boca puxar meu lábio inferior, em um claro sinal de
que ele queria aprofundar o beijo. Eu sabia disso, porque eu
também queria. Deus, eu também queria, e isso era tão errado, mas
eu só conseguia ter forças para continuar, e não para parar. Eu só
queria sentir mais. Segurei um lado do seu rosto com uma das
mãos, enquanto a outra foi na direção do seu pescoço, levando-o
para mais perto de mim, se é que isso era possível.
Ao contrário do nosso primeiro e último beijo, dessa vez eu,
finalmente, abri caminho e... Oh, merda. Senti sua língua na minha,
em um beijo que, nem de longe, era calmo. Na verdade, era como
se estivéssemos há uns dez anos sem beijar alguém, tamanha a
voracidade do ato. Difícil admitir isso, mas era o beijo mais gostoso
que já senti na vida. Liam moveu as mãos pela minha cintura, de
maneira que, aos poucos, comecei a senti-las passando por debaixo
da barra da minha camisa.
Em menos de meio segundo, essas mesmas mãos já
percorriam meu abdômen, ao passo que minha pele,
inevitavelmente, se arrepiava, e meu membro, entre as minhas
pernas, começava a dar sinal de vida. Era como se eu estivesse
vivendo o sonho, ou o sonho de um sonho. Muito bom para ser
verdade, até que, de repente, Liam parou o beijo. Ah não, filho da
mãe, continua. Sua testa encostou na minha, enquanto seus olhos
permaneciam fechados. Deu um breve suspiro e...
— Seu idiota... Eu lembro e... Merda... Eu me lembro de cada
detalhe daquela noite.
Ah meu Deus. Isso era assustador de verdade, mas essas
palavras só me fizeram ter ainda mais vontade de beijá-lo outra vez.
Eu já sentia que ele lembrava e, agora que eu tinha certeza, eu só
queria... Eu só queria beijar e beijar e beijar, por mais errado que
fosse.
Segurei seu rosto com as duas mãos, fechei os olhos e
comecei a fazer carinho na ponta do seu nariz com a ponta do meu.
Céus, isso era tão gay, mas era tão bom. Aos poucos, fui trocando
as nossas posições, de maneira que, dessa vez, era ele quem
estava com as costas na parede.
— O que você tá fazendo, idiota? — Liam sussurrou.
Eu realmente não sabia como estava me deixando levar pelo
momento, nem como Liam tinha me beijado, e, muito menos, como
eu estava permitindo que tudo isso acontecesse, mas... Devagar,
aproximei meus lábios dos seus, até ambos se tocarem. Dessa vez,
eu queria sentir sua boca de maneira lenta. Eu queria conhecê-la e
saber o que mais de bom ela tinha, além dos lábios extremamente
macios e da língua execravelmente gostosa.
Beijei-o, então, lentamente. Diferente do beijo de poucos
minutos atrás, esse estava bem devagar. Estávamos nos beijando
como dois adolescentes que descobriram o beijo pela primeira vez.
Era como se fosse uma mistura entre a ânsia de beijar e o medo de
não dar certo. Mesmo lento, continuava uma delícia.
Eu tinha noção do quanto isso era errado por vários motivos.
Mas, sentir seus lábios me fez esquecer que eu era hetero, que
tinha uma namorada e que ela era irmã dele. Me fez esquecer de
tudo, de quem eu era, do que eu planejava ser. Eu só conseguia
pensar em algo nesse exato momento: Liam. Ele tomou minha
mente por completo e fez morada lá. Tentando aproveitar ainda
mais, aos poucos desci minhas mãos pelo seu pescoço, seus
braços, até que...
— Liam? Querido? — ouvi a voz da tia Claire, seguida de
batidas na porta.
Instantaneamente, abri os olhos e parei o beijo. Liam fez o
mesmo. Um choque de realidade nos abateu. Ferrou! Era a tia
Claire, a mãe dele! Para completar, ouvi a porta do quarto sendo
aberta. Droga. Isso não podia estar acontecendo. Logo agora!
— Desencosta, lesado! — entredentes, Liam gritou em um
sussurro, me empurrando para longe dele.
Rapidamente, tentei me recompor e fingir uma cara de que
nada estava acontecendo. Respirei fundo e segui em direção à
porta de acesso, que ficava entre a varanda e o quarto. Liam estava
um pouco mais atrás. Quando passei o primeiro pé para dentro do
quarto, logo vi que a tia Claire não estava sozinha.
— Mãe? — falei.
Bem que a tia Claire tinha avisado que ela apareceria mesmo
ali. Ela disse assim que chegamos do colégio. Mas, depois do que
aconteceu, minutos atrás, minha memória parecia ter sofrido algum
tipo de trava ou falha.
— O que vocês estavam fazendo na varanda? — ela
perguntou.
— Acabamos de estudar, tia — Liam logo respondeu, sem
abrir espaço para que eu falasse nada. — A gente estava só
descansando um pouco.
Acabamos?
— Descansando? — surpresa e sorrindo, tia Claire
perguntou. — Ah, meu meninos estão começando a se dar bem!
Você está vendo, Cynthia? — virou-se para a mamãe e continuou.
— Estão até descansando juntos após os estudos.
É, tia, nós estávamos nos dando bem até demais.
— Eu sabia que essas aulas fariam bem aos dois! Não
somente nas notas, mas também na relação de vocês — mamãe
replicou, sorrindo satisfeita. Tanto ela, quanto a tia Claire, sempre
torceram para que eu e o Liam nos tornássemos amigos. O
problema era que essa amizade forçada nunca fez bem para nós. —
Eu e a Claire até decidimos subir para ver se vocês não estavam se
matando... — soltou uma pequena risadinha. — Mas vejo que estão
entrando no caminho certo da boa convivência.
Se matando não, nós estávamos nos beijando mesmo.
Caramba, a gente estava se beijando! Isso era surreal! Ainda
inacreditável.
— Agora que vocês já terminaram de estudar, que tal um
lanchinho? — entusiasmada, tia Claire sugeriu. — Vou pedir para a
Carmem preparar.
No entanto...
— Não, mãe — Liam instantaneamente se pronunciou. — O
Eric me falou que tem muito o que fazer em casa.
Oi? Falei? Mas, eu não tinha falado nada. Nós, nem mesmo,
tínhamos terminado o que estava programado para os estudos
daquele dia. Entretanto, isso só me dava uma certeza: Liam estava
claramente me dizendo para ir embora. E, se ele não me queria ali,
não era ali que eu iria ficar.
— É, tia Claire, eu tenho algumas coisas para fazer em casa
— menti. Apesar de tudo, talvez o mais correto mesmo fosse eu ir
para casa. Muitas coisas já tinham acontecido entre Liam e eu
naquele quarto. Muitas informações para digerir.
— Ah, querido, fique para o lanche... — tia Claire ainda
tentou insistir. — A Molly vai adorar!
Molly... Estremeci apenas com a menção de seu nome. Eu
era muito canalha mesmo e tinha plena consciência disso, mas
também sentia e sabia que a vontade de beijar Liam era mais forte
que eu. Tudo dentro de mim se transformava em um misto de
sentimentos e sensações. Uma verdadeira luta interna entre a razão
e a emoção, o certo e o errado, a culpa e o prazer. No fim das
contas, o remorso crescia dentro de mim, porque Molly, antes de
tudo, era minha amiga. Talvez, de fato, fosse melhor eu ir para casa,
antes que eu fizesse mais besteiras.
— Eu agradeço o convite, tia Claire, é muita gentileza da sua
parte, mas eu preciso mesmo ir para casa — falei. — Vai comigo,
mãe?
— Querido, eu ainda vou ficar mais um tempinho aqui. Pode
ir na minha frente, nos encontramos em casa.
— Tudo bem — respondi, seguindo em direção à
escrivaninha. Recolhi todo o meu material, guardei dentro da
mochila e coloquei-a sobre os meus ombros. A hora de fazer a coisa
certa, ir para casa, tinha chegado. — Bom, vou lá — olhei para
todos, menos para ele. Tia Claire e mamãe logo se prontificaram a
me acompanhar até a porta. — Até mais, Liam — foi tudo o que
consegui fazer, sem ao menos encará-lo.
Liam não me respondeu. Apenas dei as costas e caminhei
em direção às escadas. Mamãe e titia conversavam, entusiasmadas
atrás de mim, sobre um assunto que eu não conseguia prestar
atenção. Minha mente estava em alguém que eu havia deixado lá
em cima e, principalmente, no que eu e esse alguém fizemos.
Quando cheguei ao andar inferior da casa, vi a última pessoa
com quem queria dar de cara depois de tudo o que tinha acontecido
há poucos minutos: Molly. Ela estava próxima à porta de saída,
como se estivesse adivinhando que eu sairia de lá naquele
momento.
— Você já vai? — se aproximou, franzindo o cenho. — A aula
acabou?
— Acabou sim — tentei responder com naturalidade, fingindo
que nada aconteceu.
— Então, fica mais um pouco... — com jeitinho, ela pediu.
Soltei um breve suspiro, também tentando sorrir, para que ela
não desconfiasse de alguma coisa e não me fizesse perguntas. No
entanto, estava difícil fingir qualquer coisa naquele instante. Eu
devia ir logo para casa, antes que tudo se tornasse ainda mais
explícito.
— Princesa, eu adoraria ficar — menti. — Mas, preciso ir
para casa. Eu tenho que viajar no final de semana e preciso ajeitar
algumas coisas. Você sabe como é né? — busquei pela primeira
desculpa que minha mente conseguiu sinalizar.
— Ah, entendo. Tudo bem — deu-me um pequeno sorriso. —
Nos vemos amanhã, então.
— Isso, nos vemos amanhã — esforçando-me para sorrir,
virei-me em direção à porta, para, enfim, ir embora. Já estava mais
do que na hora.
Porém...
— Não está esquecendo-se de nada? — tocou no meu braço,
quando eu já estava quase cruzando a porta.
Sim, claro, o beijo. Eu estava tentando fugir disso, porque
ainda sentia o gosto do beijo do Liam na minha boca, e isso era um
terrível desrespeito com a Molly. Mas, como ela tinha pedido, eu não
poderia fazer outra coisa, a não ser beijá-la. Assim, esforçando-me
para lhe dar, pelo menos, um selinho, me despedi dela, da tia Claire
e da minha mãe. Saí porta afora e caminhei pelo jardim, seguindo
em direção ao meu carro.
Deus, o que foi tudo aquilo? Liam e eu nos beijamos mesmo?
Ele tinha aceitado o meu beijo? Eu aceitei o seu beijo? Onde foram
parar os dois caras que, desde criança, brigavam? Isso tudo era
muito surreal. Ninguém bebeu. Nós estávamos sóbrios e
conscientes do que estava acontecendo. Saí daquela casa com
meus pensamentos girando em minha cabeça.
A cena da varanda nunca mais sairia da minha memória.
Merda. A cena ficaria se repetindo umas vinte mil vezes na minha
mente. O beijo. As mãos dele passando por debaixo da minha
blusa. A varanda do quarto. E, pensando nela, um impulso repentino
me fez virar no meio do jardim e olhar em direção a ela.
Uma surpresa. Uma grande surpresa. Liam estava encostado
na sacada da varanda, olhando-me, como se estivesse esperando
eu passar por ali. Era isso mesmo? Ele estava esperando para me
ver? Seu olhar continuava a me dizer tanto e, ao mesmo tempo,
nada. Observamo-nos por alguns instantes. Senti meu coração
acelerar.
O que ele queria? Só me olhar?
Liam estava sério, eu não vi um traço de sorriso em seu
rosto, mas, de repente, notei quando ele me deu um breve aceno
com a cabeça, como se estivesse se despedindo. Lançou-me um
último olhar e entrou em seu quarto, deixando-me perdido no meio
do jardim. Liam, definitivamente, me deixaria louco. Ele estava me
fazendo perder a cabeça.
A receita perfeita para um Eric louco
Eric
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Eric
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Eric
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...
...
Eric
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— Bom dia, querido! — mamãe me cumprimentou assim que
sentei à mesa do café da manhã.
Bom? O que tinha de bom na porcaria de um dia em que
seus amigos decidiram te ignorar e que você teria que aguentar a
presença do Eric no colégio? Eu realmente não via nada de bom.
Em silêncio, sentei-me para fazer a refeição e comecei a me servir.
Mamãe estava tomando seu café, papai lia entretido um jornal e
minha irmã escutava música em seus fones.
— As vendas da empresa estão indo bem esse mês — papai
comentou com mamãe, enquanto tomava um gole de café, após
fechar o jornal. — Acredito que poderemos comprar mais um carro.
Aquela BMW conversível lançada há pouco tempo.
— Notícia boa, querido — sorrindo, mamãe respondeu. —
Então, acho que vou dar uma passadinha na Gucci e na Louis
Vuitton — e soltou uma piscadela astuta para o papai. Meus pais e
seus hábitos consumistas. Eu não podia reclamar, porque eu era tão
consumista quanto eles.
— Me chama quando for, mãe — Molly se pronunciou.
— Sendo assim, acho que posso trocar minha Lamborghini
por uma mais nova, não é? — sugeri, já imaginando que isso era
completamente possível, diante das nossas condições financeiras.
Nós já tínhamos uma boa vida normalmente, mas, com as vendas
aumentando, nosso padrão melhoraria ainda mais.
Papai, no entanto, tomou mais um gole do café e me olhou
de maneira incisiva.
— Como estão seus estudos? — questionou.
Quando seu dia estiver uma merda, não se preocupe. Ele
pode piorar.
— Bem — respondi tão somente. Eu não tinha como avaliar,
por enquanto, já que não tive novas provas, depois que comecei a
estudar com o imbecil do Eric. Então, eu ainda não conseguia saber
se as aulas particulares estavam servindo para alguma coisa. Para
beijar, no entanto, estavam servindo que era uma beleza. Merda.
— Não foi isso que suas últimas notas disseram — replicou.
— Querido, Liam está tendo aulas particulares com o Eric
agora — mamãe interviu na situação, embora eu não soubesse se
esse era o melhor comentário a ser feito. — Acredito que essas
aulas vão trazer bons resultados.
— Não tive provas depois que comecei a ter aulas com
aquele imbe... Digo, com o Eric. Então não consigo avaliar os
resultados, por enquanto — Assim que me calei, notei Molly me dar
um olhar raivoso pelo quase saiu da minha boca. Qual é? Eric era
um imbecil mesmo. Tudo bem que explicava bem a matéria,
ensinava bem, beijava bem, mas não deixava de ser uma porcaria.
— Eric é um bom menino — Após comer um pedaço do bolo,
papai continuou, enquanto ainda mastigava. — Talvez essas aulas
tragam bons resultados mesmo. De toda forma, quero ver suas
próximas notas. Ok?
Que saco, por que eu era o único daquela casa a ser cobrado
dessa maneira? Nunca vi meus pais cobrando a Molly assim por
nada! E olha que ela nem era uma aluna exemplo. Isso era muito
injusto comigo.
— Tá — resmunguei.
— Por que está me respondendo assim? — Sua voz se
tornou ainda mais séria. — Eu sou seu pai. Quero ser respeitado.
Então, me responda direito, como tal.
Ah, me poupe!
— Eu respondo assim, porque eu sou o único cobrado aqui!
— falhando miseravelmente na tentativa de controlar minha raiva,
falei. — A Molly está bem aqui e ninguém pergunta a ela nem se foi
às aulas da semana passada. A Molly não é uma aluna tão
exemplar assim! Cobrem dela também, porque eu estou cansado!
— Cala a boca, seu idiota! — ela disparou. — Eu tiro notas
boas, diferente de você!
— Se acalmem, crianças... Se acalmem — Com tom de
advertência, mamãe se pronunciou, tentando apaziguar a situação.
— Briga nunca levou ninguém a lugar algum.
— Liam, quem está no último ano escolar é você, não a
Molly. E, mesmo se fosse ela, tenho certeza de que teria um
desempenho melhor que o seu — papai falou, pouco se importando
em colocar mais lenha na fogueira. — Não era você que queria ir
para Harvard?
Na verdade, eu queria ir para qualquer universidade que me
aceitasse. Só falei de Harvard para impressionar, mas já me
arrependia disso, porque não aguentava mais toda essa cobrança.
— É — respondi tão somente.
— Com suas notas e sua inteligência, você não passa nem
na calçada de Harvard — Sério que eu estava ouvindo isso mesmo?
Então, quer dizer que eu não podia desrespeitá-lo, mas ele podia
fazer isso comigo? — Se você finalmente decidir ser como o Eric,
quem sabe consiga, porque o Eric é inteligente, esforçado, dedi...
Que droga, eu não queria mais saber absolutamente nada
sobre o Eric, porque já ouvia isso desde criança!
Levantei-me rapidamente da cadeira e peguei minha mochila.
— Não sou obrigado a ouvir isso — interrompendo-o, saí
porta afora da sala de refeições.
— Querido, você está esquecendo sua irmã! — Ainda ouvi
minha mãe falar.
❖❖❖
Saí de casa tão rápido que nem dei carona para a minha
irmã. Não sabia se meus pais tinham a levado, mas eu não estava
me importando com isso. A minha cabeça só conseguia pensar nos
meus próprios problemas. Como se não bastasse a pressão que eu
fazia sobre mim mesmo, ainda tinha que aguentar a pressão do meu
pai! Eu só esperava que dessem boas notícias sobre o jogo, para
que algo de bom pudesse acontecer naquele inferno de dia.
Estacionei o carro no colégio e caminhei em direção à
entrada principal. Onde estavam as pessoas que sempre me
cumprimentavam? Ninguém tinha falado comigo ainda. Porém, eu
não me daria ao trabalho de cumprimentar alguém. Poucas pessoas
tinham essa sorte comigo. Adentrei no corredor e...
— Bom dia, capitão — Com um sorriso que não chegava aos
seus olhos, uma garota falou.
— Capitão — um cara, em seguida, me cumprimentou
apenas com um breve acenar de cabeça. Seu semblante estava
meio sério.
Agora sim eu estava reconhecendo o meu colégio: as
pessoas estavam me cumprimentando como sempre faziam. A
única coisa que eu não entendia era esse clima estranho rolando no
ar.
— Oi, capitão — Mais uma garota e mais um garoto falaram
comigo. Porém, o tom de voz deles demonstrava certo
desapontamento.
Me inquietei. Que merda estava acontecendo ali? Onde
estavam meus amigos? Cadê as pessoas do time? Será que
alguém poderia me dar alguma explicação?
Caminhei até o pátio, procurando por Robert e William, e
observei de maneira geral o local. Não demorou muito até meu olhar
mirar na direção em que estavam. Conversavam em uma parte mais
reservada do pátio. Seus semblantes estavam sérios, assim como
os das outras pessoas do colégio. Isso só me deixava preocupado e
curioso.
Alguma coisa tinha acontecido!
Só um detalhe: eu odiava ser o último a saber!
Caminhei rapidamente até eles e não me demorei em
perguntar:
— Que merda aconteceu?
Ambos se assustaram um pouco com a minha chegada
repentina, ou, então, porque estavam realmente escondendo algo,
ou pelos dois motivos.
— Oi... Liam... — Robert tentou sorrir.
— Estou esperando uma resposta decente — olhei
seriamente para os dois, impaciente. — Aliás, eu estou esperando
por essa resposta o final de semana inteiro, mas parece que todos
estão me evitando. Digam logo.
— Liam... — William começou. — O técnico quer fazer uma
reunião antes da aula começar. Vamos?
Definitivamente, minha paciência tinha ido para o espaço!
— Que saco! — exclamei. — Por que vocês não falam logo?
— Reunião, Liam. Reunião — Robert disse tão somente e
puxou em direção à sala da concentração.
❖❖❖
Eric
❖❖❖
Confiar no que minha tia me disse? Ok, ela era mais velha e
mais experiente que eu, mas será mesmo que eu podia nutrir
alguma esperança? Eu havia ligado naquela manhã, porque já não
aguentava guardar, só para mim, tudo aquilo que estava
acontecendo. Então, aproveitando que ela já sabia mesmo sobre o
principal, resolvi desabafar sobre o resto.
Parecia que, quanto mais eu queria me entender com o Liam,
mais as coisas aconteciam para que a gente se afastasse ainda
mais um do outro. Como se não bastasse o que aconteceu em seu
quarto, o técnico ainda inventou toda aquela situação para eu ser o
capitão temporário do time. Eu precisava consertar essa bagunça.
Ainda bem que eu já estava chegando ao colégio e que, em
poucos minutos, eu teria treino. Seria um momento muito apropriado
para conversar com o técnico. Se o Liam não podia ser capitão por
enquanto, que fosse o Robert, o William, o Adam, ou qualquer outra
pessoa, menos eu. Eu estava farto de problemas com o Liam.
Caminhei pelos corredores do colégio, indo em direção ao
vestiário para trocar de roupa e treinar. Acenei para as pessoas,
falei com elas, mas notei que alguns comportamentos estranhos
estavam começando a surgir, como me chamarem por um nome
que eu não gostaria e queria distância.
— Bom dia, capitão... — sorrindo de maneira um tanto
provocativa, uma garota falou ao passar por mim.
As pessoas já sabiam que eu era “capitão”?
— Então, você é o novo capitão do colégio? —
entusiasmado, um cara cruzou meu caminho e também falou ao
tocar em meu ombro.
Aparentemente, as notícias por ali corriam rápido. Eu não o
respondi, apenas dei-lhe um breve sorriso amarelo e continuei
caminhando. Isso era tão desconfortável, porque eu não era, de
fato, um capitão. No Colégio Liverpool, sim, eu era. Mas ali não, e
eu precisava consertar isso já. Preferia nem imaginar como Liam
ficaria se soubesse que as pessoas estavam me cumprimentando
dessa maneira.
— Ele está uma fera! — Como se estivesse lendo meus
pensamentos, repentinamente, Molly surgiu, rindo um pouquinho ao
me contar isso. — Mas, isso é até bom, sabe? Bom para ele deixar
de ser tão mimado — e riu mais um pouquinho.
— Ah, oi, prin... — Como de costume, eu quase a chamei de
princesa, mas logo minha mente me trouxe uma lembrança:
terminar o namoro, mesmo que aos poucos. — Oi, Molly —
rapidamente, refiz a palavra. — Nossa, ele deve estar me odiando
mais ainda... — automaticamente, as palavras saíram da minha
boca em tom de preocupação e tristeza.
Por que eu não podia gostar da Molly? Por que eu tinha que
gostar do seu irmão? Por que eu a pedi em namoro? Eu pensava
que gostava dela. Ledo engano. Eu gostava mesmo era do idiota do
seu irmão.
— E desde quando você se preocupa com o ódio que meu
irmão sente por você? — sorrindo relaxada, ela ergueu uma das
sobrancelhas para mim.
Desde o momento em que eu admiti para mim mesmo que
gosto daquele infeliz.
— Desde... Desde... — tentei encontrar as palavras certas,
para não contar tudo de uma vez, mas dar-lhe, pelo menos, alguma
pequena pista. — Ah, sei lá — balancei a cabeça, meio confuso. —
Só seria bom se ele me odiasse menos.
— E por quê seria bom? — Dessa vez, o sorriso relaxado deu
lugar a um semblante meio confuso como o meu. Seu cenho já
estava um pouco franzido.
Ah, droga. Algo me dizia que aquela ideia de prepará-la aos
poucos não daria certo, porque eu não conseguiria aguentar por
muito tempo sem contar tudo de uma vez. Era um inferno. Eu já
estava a ponto de confessar, a qualquer momento.
— Porque eu... Eu... — Meu Deus, será que esse era o
momento de falar? Eu não sabia. A única coisa que eu sabia era
que eu estava a ponto de confessar. Tudo aquilo guardado,
borbulhava na minha garganta. Droga, eu não conseguiria colocar
em prática os conselhos das minhas tias? — Eu... Gos...
— Capitão! — Adam apareceu de supetão, passando, de um
jeito bem relaxado, um dos braços pelos meus ombros e me
interrompendo de falar. Fui pego de surpresa, como se eu voltasse
para a realidade em um nanossegundo. — Desculpe atrapalhar os
pombinhos, mas o técnico está chamando para o treino.
— Ah, tu-tudo bem... — Ainda me sentindo meio absorto por
ter sido retirado bruscamente daqueles pensamentos, respondi e
olhei para a Molly. Talvez não fosse o momento certo ainda. —
Depois nos falamos. Preciso ir para o treino — e dei um passo para
caminhar em direção ao vestiário, mas...
— Espera — Molly segurou uma das minhas mãos. Droga,
ela iria me fazer alguma pergunta sobre o que eu quase falei ou iria
pedir um beijo de despedida? O que seria pior? — Por que a gente
não assiste um filme? — perguntou, sorrindo.
Quê?
— Filme? — enruguei a testa.
— Sim... — entusiasmada, continuou. — Já está com um
tempo que não fazemos um programinha desses. Pode ser na
minha casa ou na sua.
Eu não sabia se isso era uma boa ideia.
— Molly, depois a gente fala sobre isso, tá? — e soltei minha
mão da sua.
— Tudo bem — Ainda a ouvi falar quando já tinha me virado
para ir embora e caminhava junto com Adam. — Eu amo você!
Ah, Céus, ela disse isso mesmo? Estava ficando cada vez
mais difícil! Virei meu rosto somente o suficiente para lhe dar um
pequeno sorriso e continuei meu percurso, me sentindo o pior cara
da face da Terra.
❖❖❖
Liam
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❖❖❖
❖❖❖
Eric
❖❖❖
❖❖❖
❖❖❖
— Eu odiei aquele filme, sério! — Moly confessou, após se
sentar em um dos bancos do pátio. Ela estava se referindo ao filme
que assistimos no dia anterior. A aula acabou e eu fui me encontrar
com ela antes de viajar, para me despedir. Inclusive, de onde
estávamos, eu já conseguia ver os dois ônibus que levariam o time.
— Ah, qual é, Molly? Nem é tão ruim assim — Embora eu
estivesse me esforçando para ser simpático e conversar
normalmente, era quase impossível disfarçar o meu desânimo. Eu
ainda estava chateado pelo que tinha acontecido na manhã daquele
dia, em minha casa. Além disso, também não era animador ter que
fingir um relacionamento com a Molly. Não estava mais aguentando
isso.
— Nossa, que falta de energia... — com certo desgosto, ela
respondeu. — Aquele filme é ruim sim. Nem todos os casais
terminam juntos. Tem gente que termina sozinha. Tem traição.
Enfim... Só o que não é legal.
“Nem todos os casais terminam juntos. Tem gente que
termina sozinha. Tem traição”. Traição. Droga. Assim ficava cada
vez mais difícil terminar esse namoro. Eu não tinha escolhido “Ele
não está tão a fim de você” por acaso, para assistirmos. Eu queria
adentrar aos poucos, como minhas tias me aconselharam, no
assunto do fim daquele relacionamento.
— Se lembra do que aquela personagem, a Gigi, falou no
final? — questionei. — Talvez o final feliz seja só seguir em frente.
Molly, no entanto, torceu o nariz ao ouvir isso.
— Credo, Eric. Eu acho que você tá passando o seu
desânimo pra mim. Nossa, que comentário mais sem graça —
replicou, enquanto franzia o cenho e balançava a cabeça.
— Ora, acontece... — falei. — Se lembra daquele
personagem, o Ben? Ele era casado com a Janine, mas se
apaixonou pela Anna. Não acha que ele fez certo em seguir o
coração? Teria sido pior se ele tivesse continuado com a Janine,
mesmo gostando da Anna. Não acha?
— Não... — balançou a cabeça e, de um jeito bem manhoso,
me abraçou, ficando com o rosto bem próximo ao meu. Céus. — Eu
acho que essa conversa tá muito chata. Você vai viajar daqui a
pouco e não fez carinho em mim nenhuma vez... Me beija... — falou
no ouvido, cheia de dengo.
Ah não, cara. Droga. Eu tentava entrar, de todas as formas,
aos poucos, no assunto do término; tentava incutir, devagar, essa
ideia em sua cabeça; tentava seguir os conselhos das minhas tias;
mas, parecia que não dava. Parecia que, quanto mais eu tentava ir
aos poucos, mais a Molly não colaborava.
— Me beija, vai... — ela continuou me pedindo com jeitinho.
— Faz tempo que você só me dá selinho. Onde foi parar meu
namorado?
Meu Deus do Céu. Eu não aguentava mais. Chega!! Não
aguentava mais ter que ir aos poucos. Não aguentava mais fingir um
relacionamento. Eu tinha chegado ao meu limite. Desculpa, tia Sam.
Desculpa, tia Lexie. Mas, eu ia ter que falar de uma vez pra Molly
que queria terminar. Não queria continuar a enganando.
Ela ia me matar? Eu não sabia. Ela nunca mais olharia na
minha cara? Também não sabia. Eu só precisava, de uma vez por
todas, acabar com isso.
— Molly... — suspirei. Seu rosto ainda estava bem próximo
ao meu. — Preciso te falar algo.
— Falar o quê? — perguntou e aproximou ainda mais seus
lábios do meus.
Meu Deus do Céu.
— Molly... Eu... Eu quero... — parei por alguns instantes,
tentando organizar os pensamentos, fechei os olhos e... — Quero...
— Com licença — ouvi uma voz masculina falar ao nosso
lado. Droga. Quem tinha aparecido para atrapalhar?
Virei o rosto e... Era o Sr. Davis, o auxiliar do técnico.
— Pois não, Davis — falei.
— Desculpe atrapalhar o casal, mas o ônibus vai partir dentro
de dois minutos. Só falta você, Eric.
Merda. Droga.
— Tudo bem — repliquei, tentando disfarçar o meu
desapontamento.
Levantei-me do banco e segurei minha mala com uma das
mãos.
— Nos falamos quando eu voltar, Molly.
— O que você tinha pra me dizer? — curiosa, questionou.
Algo muito importante e que provavelmente vai fazer com que
você me mate.
— Nos falamos depois — repeti.
— T-Tá bom... — gaguejou, um pouco insegura, por não
entender do que se tratava. — Boa viagem... — e se levantou para
me dar um beijo.
— Obrigado — dei-lhe um pequeno sorriso e comecei a
caminhar, antes que ela pudesse concluir o que estava planejando.
Sentia um apeto no peito por fazer isso com ela. Eu precisava, já,
por fim nesse relacionamento. Nunca imaginei que eu pudesse ser
tão cafajeste desse jeito. O fato era que eu estava tentando, mas
parecia que o universo conspirava contra. Droga.
Caminhei, acompanhando o Sr. Davis até um dos ônibus. Em
um deles, o time seria transportado. No outro menor, era a
organização. Aproximei-me o bastante até ver todo o time. Estavam
quietos. A típica animação de viajar para um jogo parecia não
existir. Compreensível. A maioria estava no pub, na noite anterior.
Ou seja, eles estavam de ressaca.
Não demorou muito até o olhar do Liam cair sobre mim. Por
que diabos ele estava me olhando tanto? Foi assim na sala de aula,
estava sendo assim agora. Não era ele que me queria longe? Como
quem não se importava, desviei meu olhar dele e entrei no ônibus.
Caminhei até as últimas poltronas e me sentei na que ficava
próxima ao banheiro.
Definitivamente, não era o melhor lugar. Inclusive, me eu me
lembrava da viagem em que Liam me fez sentar, de propósito,
nessa mesma poltrona. Ocorre que, naquele dia, minha cabeça
estava cheia. Então, quanto mais distante eu ficasse dos meus
colegas, menos oportunidade eu teria de destratá-los. Não queria
que meus problemas atingissem os outros.
Tirei meu celular do bolso e procurei pelos fones de ouvido na
mala. Me acomodei na poltrona e comecei a procurar por alguma
música. Dentro de segundos, vi de relance alguém sentando ao meu
lado. Virei meu rosto para ver quem era e... Uma surpresa. Uma
grande surpresa.
Que diabos Liam estava fazendo aqui? Ele estava ficando
louco? Nunca tinha visto pessoa mais bipolar e estranha na face da
terra!
Ele e sua cara de ressaca tiraram um lado do meu fone de
ouvido e...
— Por que me deixou sozinho no pub ontem? — Seu tom de
voz era audível o suficiente para que somente eu ouvisse a
conversa.
Quê? Eu, definitivamente, não entendia a cabeça dele
— Eu não tinha a obrigação de ficar com você — respondi.
— Mas você sempre fica — replicou de automático.
Liam estava muito mal acostumado.
— Não quando você me pede pra ficar longe. Não quando
você dá uma de doido — falei.
— Eu não dei uma de doido, imbecil — revirou os olhos
arroxeados. — Tenho certeza que te vi ficando com um cara.
Liam era absolutamente louco!
— Você estava drogado! — gritei em um sussurro.
— Eu não estava drogado! — também gritou em um
sussurro, mas logo parou e... — Talvez só um pouco... Porra, eu vi.
Caramba! Ele não ia parar?
Aliás, essa conversa estava se alongando mais do que
deveria.
— Eu não estava com ninguém — sussurrei e o encarei com
seriedade. — E mesmo que eu estivesse isso não é da sua conta —
levantei-me da poltrona e peguei minha mala.
— Vai continuar fugindo? — perguntou.
— Não vou suporta passar a viagem inteira do seu lado —
menti. Era claro que eu suportaria. — Além do mais, só estou
fazendo o que você me disse. Só estou ficando longe de você.
Liam até tentou disfarçar, mas ficou boquiaberto com as
minhas respostas. Eu conseguia notar o choque em seu rosto. Dei-
lhe as costas e caminhei até outra poltrona que estava vazia.
Última chance
Liam
...
...
...
...
❖❖❖
❖❖❖
Eric
❖❖❖
Mesmo a contragosto, me arrumei e fui para a empresa.
Estacionei o carro e logo entrei no grande edifício da Construtora
Hastings. Não demorou muito para que os funcionários me
recebessem e me dessem “bom dia”. O bom dia para o filho do
dono. A maioria de lá me via como “filho do dono e futuro dono”,
alguns até tinham vergonha e receio de falar comigo. No entanto,
sempre procurei tratar todos bem e de igual pra igual. Nunca me
gabei por ser o “herdeiro”. Afinal, quem se gabaria por ser filho do
George? Me poupe.
Entrei no elevador e apertei no botão do último andar, local
onde ficavam somente as salas do George e do tio Jimmy. As portas
estavam quase se fechando, quando...
— Espera! — ouvi uma voz masculina e passos que
indicavam que a pessoa estava correndo. — Segura o elevador, por
favor!
Coloquei minhas mãos nas portas, impedindo-as que se
fechassem. Logo a pessoa apareceu.
— Eric! — Alex sorriu para mim.
— Alex! — sorri de volta. — Que coincidência!
— Não é? Uma baita coincidência — me cumprimentou com
um aperto de mãos. — Como estão as coisas? Você está bem?
Não. Mas, isso era uma pergunta praxe. Não iria sair falando
sobre minha vida e a grande bosta em que ela se encontrava.
— Tá tudo bem sim, e com você?
— Tudo bastante corrido — soltou uma pequena risada.
— Ah, imagino... — sorri. — Estagiar na “grande Construtora
Hastings” deve ser bastante puxado mesmo.
— Ô se é! Todo dia tem um problema diferente pra resolver.
Mas, eu gosto daqui, sabe? Trabalho com meu pai e acho isso muito
bom.
Felizmente, algumas pessoas gostavam de trabalhar com o
pai. Definitivamente, não era o meu caso.
— Fico muito feliz por ti, cara — sorri. — E por falar no seu
pai, como ele está? Tio Jimmy está firme e forte?
— Ah, ele está bem sim. Daquele mesmo jeito. Sempre ativo,
nunca para.
Todavia, no mesmo instante em que ele se calou e o elevador
abriu no último andar, senti meu celular vibrar.
— Sim... — dei uma pequena risada e saí do elevador. — Tio
Jimmy sempre muito ativo. Se não se importa, vou só atender... Um
segundo.
Tirei o celular do bolso e olhei o visor. Era a Molly. Céus.
Desde que cheguei de viagem, ainda não tinha a encontrado,
apenas liguei para avisá-la que já estava em Londres. E eu não a
encontrei não porque não quis, mas porque sabia que, quando a
visse, eu iria, definitivamente, dar um basta em tudo. Portanto, eu
ainda estava criando coragem e pensando em como dizer. Se eu
não terminasse esse namoro, eu ficaria louco.
— Alô? — atendi um pouco desanimado.
— Amor? — ela respondeu.
“Amor”.
Esse tipo de tratamento acabava comigo. Eu era mesmo um
cafajeste!
— O-Oi, Molly.
— Estou sentindo sua falta aqui no colégio. Você não vem
hoje, gatinho?
Ah, meu Deus. Eu adorava a Molly como amiga, mas essa
situação toda estava me sufocando.
— Molly, eu precisei vim à construtora. Não vou poder ir hoje
ao colégio.
— Ah, amor... Não acredito que vou passar mais um dia sem
te ver... — falou com a voz mais manhosa do mundo. — Desde o dia
em que você viajou, eu não te vejo... Estou com saudade.
Saudade? Céus. Me ajuda, meu Pai.
— Pois é... — Isso foi tudo o que consegui dizer. — Eu... Eu...
— Não podia dizer que também estava com saudade, porque a
minha cota de mentiras já tinha extrapolado. — Eu preciso desligar.
— Posso passar na sua casa mais tarde? — perguntou.
Eu não sabia se era uma boa ideia, assim como também não
sabia se conseguiria me segurar. Por outro lado, talvez até fosse
bom que não me segurasse. Só pedia aos Céus que eu criasse
forças para fazer o que deveria ter feito há muito tempo!
— Claro... — respondi com o mesmo desânimo. — Pode.
— Então, até mais tarde! Beijão! — com entusiasmo,
desligou.
Liberei um breve suspiro, como quem, discretamente, queria
recuperar o fôlego, e guardei o celular no bolso. Levantei meu rosto
em direção ao Alex e lhe dei um sorriso um tanto quanto amarelo,
tentando disfarçar o que eu estava sentindo e esconder o que eu
estava passando.
— Onde paramos? — perguntei.
Alex analisou meu semblante, como se estivesse tentando
discretamente me desvendar.
— Tá... Tá tudo bem... — parecia meio incerto, meio receoso.
— Tá tudo bem entre você e a Molly?
Cristo. Ele percebeu o clima da conversa. Eu precisava
disfarçar.
— Sim — rapidamente, repliquei. — Está tudo bem.
— Ah... — abriu um pequeno sorriso. — Que bom. Você tem
muita sorte, Eric. Molly é uma menina muito boa.
Caramba. Era melhor cortar logo esse assunto, antes que eu
me sentisse ainda mais cafajeste por fazer tudo o que fiz, mesmo
que tudo aquilo não tivesse sido premeditado, nem intencional,
muito menos proposital.
— Sim. Obrigado. Podemos ir à sala do tio Jimmy? — tentei
mudar o foco da conversa. — Meu pai não me falou, mas com
certeza eu vim para ajudá-lo a conferir alguns projetos.
— Claro. Vamos.
Caminhamos alguns poucos metros até chegarmos à sala do
tio Jimmy. A porta, no entanto, estava entreaberta e não havia
nenhum sinal de que tinha alguém lá dentro. Silêncio. Ao que tudo
indicava, nem o tio Jimmy, nem o George estavam ali.
Empurro levemente a porta e... O que... O que era aquilo?
Rapidamente, franzi o cenho. George estava com a mão no rosto do
Jimmy. Se fossem outras pessoas, eu poderia jurar que um estava
fazendo carinho no outro. Ligeiro, ambos se afastaram.
— Pa... Pai... — Pela voz do Alex, ele tinha achado tão
estranho quanto eu.
— Querido! Eric! — Jimmy sorriu, afastando-se do George e
aproximando-se de nós. — Que... Que surpresa agradável vê-los
aqui!
— Desculpe, Jimmy... — George se pronuncia. — Esqueci de
te avisar que Eric viria hoje.
— Ah sim... — ele me deu um pequeno sorriso. — Eu deveria
imaginar... Sempre que estamos abarrotados de trabalho, seu pai dá
um jeito de te perturbar para vim aqui, não é, Eric? — em tom de
brincadeira, soltou uma pequena risada amigável.
Ainda bem que ele sabia.
— Não somente perturbar, como também obrigar —
resmunguei, demonstrando toda a minha má vontade em estar ali.
Automaticamente, George me deu um olhar de repreensão.
— Vou deixá-los a sós para trabalhar. — disse, enquanto
caminhava em direção à porta. — Eric, faça o trabalho direito — e,
simplesmente, nos deu às costas.
Claro. Ele não poderia sair sem dar uma ordem antes.
❖❖❖
Liam
A noite já havia caído e eu, sem muito que fazer, estava na sala de
casa, assistindo seriado. Meus pais estavam trabalhando e eu
estava sozinho. Deveria estar estudando? Deveria. Mas, nem tudo o
que a gente deve fazer, a gente faz, não é mesmo? Preferia ficar
assistindo Game of Thrones a estudar sobre reações químicas.
Alguns minutos se passaram até que, de repente, a porta de
casa se abriu de uma vez, dando-me um susto. Molly passou por
mim, como um raio, chorando e subindo as escadas rapidamente.
Mas que diabos aconteceu?
Eu nunca fui muito próximo a minha irmã. Para ser sincero,
às vezes parecia que só éramos irmãos porque tínhamos saído da
barriga da mesma mulher. Mas, por mais distante que nós
fôssemos, não era nada normal vê-la chorando assim. Melhor saber
o que estava acontecendo.
Levantei-me do sofá e segui em direção às escadas. Subi os
degraus e logo estava no andar superior. Não demorei muito até
chegar ao quarto dela. Porta fechada. Tentei abri-la, mas... Estava
trancada. Que porra era essa? O que tinha dado na Molly?
— Molly? — chamei-a e dei três batidinhas.
Esperei alguns segundos. Sem resposta.
— Molly? — tentei mais uma vez. — Tá tudo bem?
— Sai daqui! Me deixa em paz! Inferno! — gritou de dentro do
quarto.
Quê? Eu não estava entendendo nada. Por mais que Molly e
eu não tivéssemos o melhor dos laços de irmandade, ela nunca me
tratou de maneira tão grosseira assim. E, até onde eu me lembrava,
não fiz nada para deixá-la com tanta raiva dessa maneira.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Vai embora! Agora! — gritou novamente.
Que saco! A garota não queria falar!
— Vou ficar te adulando não — adverti. — Se quiser
conversar, estou lá embaixo.
Dei meia volta e comecei a caminhar pelo corredor. De
repente, quando estava prestes a dar o primeiro passo para descer
as escadas, ouvi o som da porta do quarto da Molly destrancando.
Ah, então a mimadinha decidiu dar as caras?
Virei-me com o intuito de voltar para o quarto dela, mas, no
mesmo instante, Molly foi com tudo em minha direção. Seu rosto
estava inchado de tanto chorar. Seus olhos vermelhos e raivosos. O
que estava acontecendo? Ela quer...
— Seu idiota! — e ergueu a mão em direção ao meu rosto.
— Caralho, Molly! — segurei seu pulso, impedindo-a de me
dar o tapa. — Que porra tá acontecendo?!
— Ah, você não sabe o que tá acontecendo? — questionou
com ironia. Lágrimas não paravam de escorrer dos seus olhos.
Não faço a menor ideia, ô minha filha!
— Adoraria saber — repliquei curto e grosso.
— Você não se lembra do que fez nas últimas semanas? —
questionou com ironia novamente.
Aonde ela queria chegar?
— Do que você está falando, Molly? — perguntei, começando
a sentir uma apreensão inexplicável.
— Talvez eu esteja falando do fato de que você ESTAVA
FICANDO COM O MEU NAMORADO! — gritou, mas logo sua voz
foi abafada por um grande soluço de choro.
Puta merda! Instantaneamente, senti o sangue do meu rosto
se esvair, o chão sob meus pés se abrir e todo meu juízo sumir. Eu
não podia acreditar que ela tinha descoberto! Não! Isso só podia ser
um pesadelo!
— Não sei do que você tá falando — nervoso, respondi
rapidamente.
Molly, por sua vez, passou as mãos no rosto e limpou suas
próprias lágrimas com toda a força.
— Sabe sim! — disparou. Seus olhos continuavam raivosos,
eles estavam a ponto de sair da caixa craniana. — É claro que você
sabe! Imbecil!
Santa Vodca do Céu! Como ela soube disso? A pocaria do
Eric falou?
— Molly, o que quer que tenham dito, o que quer você tenha
ouvido, é mentira! É tudo mentira! — tentei contornar a situação,
mesmo sabendo que eu estava a ponto de perder a única grama de
controle que me restava.
— Mentira?! — gritou novamente. — Então, por que você
ficou tão pálido assim? Por que está nervoso? Por que está suando
frio? Por quê?! É claro que é verdade!
— Molly... — tentei encontrar alguma desculpa, algo que
consertasse essa merda toda, mas...
— Cala a boca! — me interrompeu. — O Eric terminou
comigo por sua culpa! Como você teve coragem de fazer isso
comigo, Liam? Eu sou sua irmã!
Quê?! Terminaram? Eles terminaram mesmo?
Agora tudo fazia sentido. Eric, provavelmente, contou tudo.
Automaticamente, senti um misto de emoções. Uma estranha
felicidade me tomou por saber que eles terminaram, ao mesmo
tempo em que um ódio me consumiu por saber que aquele filho da
mãe deu com a língua nos dentes.
— Terminaram mesmo? — perguntei, pasmo.
A morena bufou.
— Terminamos! Isso era tudo o que você queria, não é?!
Toda aquela história de “o Eric não é homem pra você” — com
desdém, tentou imitar meu tom de voz. — Era porque você queria
ficar com ele, né? Fala! Confessa logo!
Puta merda! Que inferno!
— Molly, eu não... — tentei argumentar, mas...
— Que ódio de você! — ela me interrompeu.
Sua interrupção só fez com que mais e mais palavras de
repúdio fossem despejadas. Ela estava com extrema raiva,
enquanto minha cabeça girava depois de tantas informações. Eles
terminaram. O filho da mãe deu com a língua nos dentes. E se ela
contasse para todo mundo? Estou feliz, porém com raiva. Que saco!
Que confusão na minha cabeça!
Molly, em meio a tantas palavras de ódio e repulsa, de
repente, começou a parar de falar. Sua respiração parecia estar
falhando, assim como o seu cenho estava franzido. Um semblante
estranho estampou seu rosto. Ela... Ela estava... Ela estava
passando mal? Em um piscar de olhos, a morena correu em direção
ao seu quarto.
Meu Zeus, o que estava acontecendo agora?!
— Molly! — gritei e corri atrás dela.
Entrei rapidamente em seu quarto e logo vi a luz do banheiro
acesa.
— Molly, o que... — Ainda quis perguntar o que estava
acontecendo, mas logo a resposta surgiu frente aos meus olhos.
Encontrei minha irmã vomitando na pia do banheiro. Cacete!
Tiro seus cabelos da frente do rosto, mas Molly me empurra.
— Sai daqui! — exclamou, enquanto limpava a boca. — Sai
da minha frente! Não te quero aqui! — e me empurrou.
No entanto, assim que me empurrou, ela se desequilibrou.
Rapidamente, se encostou à parede do banheiro.
— Tontura... — sussurrou.
Puta merda! Ela estava passando mal mesmo!
— Molly... E-Eu vou trazer água... — tentei segurá-la pelo
braço, para ajudá-la a sentar, mas...
— Sai daqui! — me empurrou novamente, mesmo com
dificuldade. — Eu me viro sozinha! Sai do meu quarto! Sai da minha
frente!
Apesar da falta de força, a morena ainda conseguiu me
colocar para fora do quarto. Com uma batida estrondosa, fechou a
porta bem na minha cara.
Cacete...
Encostei-me à parede do corredor e apoiei as mãos no
joelho. Respirei fundo, tentando recuperar as forças, tentando
organizar as ideias. Molly não ia querer conversar comigo. Mesmo
que eu ficasse ali o tempo que fosse, ela não ia querer conversar.
Mas, existia uma pessoa com a obrigação de falar comigo: Eric.
Precisava ir tirar satisfação, naquele mesmo instante, com aquele
filho da mãe!
Quem ele pensava que era pra abrir a boca daquela
maneira?!
❖❖❖
...
...
— Naquela época, eu ainda não sabia o que era
preconceito... — sussurrei mais para mim do que para Stefany.
— E deveria ter ficado sem saber pelo resto da vida... — ela
replicou. — Mas... Agora lembrou que sempre gostou do Eric?
Mesmo que numa situação nada legal e nada agradável.
Não, Zeus. Eu me recusava a acreditar que, desde a infância,
eu gostava daquele desgraçado!
— Eu era uma criança, Stefany. Eu não sabia de nada da
vida.
Ela suspirou.
— Ok, se você diz... Mas, o fato é que hoje você é
praticamente um adulto. Tem dezoito anos. Sabe do que gosta.
Sabe de quem gosta. Sabe do que quer. E eu sei que você gosta e
quer o Eric.
— Stefany... — respirei fundo, tentando argumentar, mas...
— Liam! Para de negar o óbvio! Você deu um beijo nele
primeiro! Você estava desejando ele e ainda deseja! Para de negar
o óbvio!
Ah, meu Deus! Não!
— Eu não quero ser gay, Stefany! — disparei.
A loira, automaticamente, revirou os olhos para mim.
— Tudo isso são rótulo, Liam. Rótulos. Você não precisa se
rotular. Só segue o seu coração.
— Ste... — senti o nó na minha garganta se formando outra
vez. — Eu não quero isso pra minha vida...
— Ah, é? — ergueu as duas sobrancelhas e cruzou os
braços. — Então, o que você quer pra sua vida? Quer passar a vida
inteira se martirizando por não ficar com o cara que gosta ou quer
ligar o “foda-se” e ser feliz?
As suas palavras eram duras e cortavam por dentro, mas, no
fundo, bem no fundo, eu sabia que ela estava certa. Que droga de
vida.
— Ste... — Meus olhos começaram a lacrimejar novamente.
— Liam... Me escuta, presta atenção em mim... — segurou
minhas mãos e me encarou de maneira incisiva. — Esquece teu
preconceito por, pelo menos, dois segundos e me fala a verdade. Eu
quero a verdade. O que você sente pelo Eric?
— Ódio — respondi no automático.
— Liam... — Stefany usou um tom de repreensão. Ela sabia
que isso não era verdade.
Droga. Respirei fundo e... Chega! Foda-se! Eu não aguentava
mais isso. Estava na cara que eu gostava de um homem. Estava na
cara que eu era gay mesmo.
— Que saco, Stefany! — Um novo soluço de choro escapou
da minha garganta. Foi impossível segurar. — Eu não só gosto dele!
— As lágrimas escorriam. — Eu sou absurdamente louco por aquele
desgraçado! Tudo o que eu quero é ficar com ele e dizer pra ele
parar de me ignorar e de ser frio comigo! Eu o quero, Stefany... —
As lágrimas continuavam descendo.
Imediatamente, Stefany me abraçou.
— Ah, Liam... — Mesmo não a vendo, eu sabia que ela
estava sorrindo. — Isso era tudo o que eu queria ouvir... Fico tão
feliz por você finalmente admitir!
Aos poucos, Ste foi me soltando do abraço e enxugando as
minhas lágrimas.
— Para de chorar... — pediu. — Quero te ver sorrindo.
— Meio difícil... — resmunguei.
— Você já sabe o que tem que fazer, né? — perguntou.
— Ignorar toda essa boiolagem e seguir em frente — falei,
mesmo sabendo que não era essa resposta correta.
Ela, automaticamente, balançou um não com a cabeça.
Tá. Ok. Vamos, Liam. Dê a resposta correta agora.
— Ir atrás dele.
Com um largo e entusiasmado sorriso, a loira acenou um sim.
Me ensina
Eric
Liam
❖❖❖
❖❖❖
Eric
❖❖❖
❖❖❖
❖❖❖
❖❖❖
Eric
Ah, meu Deus do céu! A Molly tinha que aparecer logo agora?
Liam estava na minha casa, com a calça jeans toda
desabotoada. E eu estava bem ali, na porta, com o meu pênis
completamente duro. Se ela tivesse demorado mais cinco minutos,
eu poderia estar com o pênis duro em outro local. Droga.
— Quem é? — Liam perguntou um pouco aflito. — São seus
pais?
Merda. Eu não sabia o que era pior: meus pais ou a Molly.
— É-É... — gaguejei, porque tinha certeza que ele ia
enlouquecer quando soubesse que era a sua irmã. — Hum... —
olhei para baixo. Notei meu pênis já semiduro. Volta logo ao normal,
porra!
— Fala logo! — impaciente, gritou em um sussurro.
Que bosta de situação! A gente estava tão... Tão... Perto de...
Ah, que bosta!
— A Molly... — com receio, respondi.
— A Molly?! — automaticamente, arregalou os olhos. —
Caralho!
No mesmo instante, a campainha tocou novamente. Droga. A
Molly devia estar muito apressada, porque já tinha tocado umas
vinte vezes aquela campainha! Rapidamente, corri de volta para o
tapete e comecei a recolher todas as cervejas e as pipocas. Liam
também me ajudou a recolher tudo, ao mesmo tempo em ajeitava
sua roupa e abotoa sua calça.
— Leva pra cozinha, Liam, por favor — pedi de maneira
apressada, enquanto o entregava a última latinha de cerveja a ele.
— Fica lá. Não sai de lá.
— Eu vou embora — replicou. — Vou sair daqui.
O quê? Eu não queria que ele fosse embora.
— Não. Fica — de maneira incisiva, quase supliquei. — Vou
falar rápido com a Molly. E ela não vai nem saber que você está
aqui.
A campainha, então, tocou mais uma vez. Cacete! Não sabe
esperar?!
— Eu vou embora, imbecil! — gritou em sussurro. — Vou sair
pela porta dos fundos. Não quero que ela saiba que eu estou aqui.
Revirei os olhos, suspirando em exasperação, e comecei a
caminhar de costas, em direção à porta, mas sem tirar os olhos
dele.
— Vai pra cozinha... — apontei. — Mas não sai de lá!
O moreno balançou a cabeça com tanta raiva quanto eu e
seguiu em direção à cozinha.
Quando o vi desaparecer da sala, virei-me de frente para a
porta e suspirei, tentando me recompor. Os últimos minutos foram
intensos. Primeiro, todas as sensações que tive com Liam naquele
tapete bem ali. Depois, o susto por ver a Molly aparecer.
Ok, pensamento positivo, Eric. O quê de ruim poderia
acontecer?
A pior parte de tudo já tinha acontecido. Eu já tinha
confessado a ela que gostava do Liam. Sem dúvidas, esse foi o
momento mais delicado. Nada pior poderia acontecer. A menos que
ela chegasse ali com uma arma, querendo me assassinar.
Suspirei mais uma vez e girei a maçaneta. Finalmente, abri a
porta. Molly, que estava com o rosto abaixado, o levantou para me
encarar. Olhar sério e penetrante. Nunca a vi tão séria. Nem mesmo
no dia em que confessei tudo.
Cristo, o que ela queria?
Segundos de silêncio se passaram entre nós até que, em um
piscar de olhos, Molly me empurrou levemente, liberando
passagem, e entrou em minha casa, sem ao menos abrir a boca.
— Onde está o Liam? — perguntou, enquanto olhava de lado
para o outro. Seu tom de voz era firme, mas ameno. — Eu sei que
ele está aqui.
Ah meu Deus. Ela sabia?
— Do que está falando? — disse, fazendo-me de
desentendido.
— Eu sei que o Liam está aqui — Seu tom de voz não se
alterava. Nunca a vi agindo de maneira tão decidida.
Puta merda.
— Molly... — fiz menção de fechar a porta de casa, para
continuar a conversa sem que os vizinhos ouvissem uma possível
discussão. No entanto, senti uma mão segurar a passagem. Virei
meu rosto e vi Stefany entrando. — Stefany? — O questionamento
automaticamente saiu da minha boca.
Ela não ia passar o dia no colégio?
— Oi, Eric — respondeu com um sorriso que não chegava
aos seus olhos.
O que aconteceu? Porque Stefany estava tão séria quanto a
Molly?
— Preciso de alguma bebida, Ste — Molly disse, enquanto se
aproximava da minha irmã. — Se o Liam estava aqui com o Eric,
com certeza tinha bebida. Porque, seja qual for o lugar, se Eric e
Liam estão, esse lugar tem bebida.
Ste? Bebida? Desde quando Molly chamava a Stefany de
Ste? Desde quando a Molly bebia? Isso estava muito estranho!
— Liam não estava aqui, nem temos bebida — menti, ainda
me sentindo confuso por tudo o que estava presenciando.
Molly revirou os olhos para mim.
— Qual é, Eric? Para de mentir. Eu vi vocês dois entrando
aqui.
Engoli a seco. Ela viu? Como assim ela viu? Eu não podia
acreditar nisso. Nós tínhamos sido tão discretos!
— Deve ter bebida na geladeira, Molly — Stefany respondeu.
— Pode pegar.
Quê? Geladeira? A geladeira ficava na cozinha, Liam estava
na cozinha e Molly começou a caminhar em direção a ela. Cacete.
— Es-Espera, Molly — me apressando para alcança-la, a
impedi de seguir em frente. — Não tem bebida na geladeira. Sério
— segurei-a pelo braço. — Aliás, você nem bebe.
A morena me encarou, analisando meu rosto, e...
— Sempre fomos amigos... — falou baixinho, mais para si
mesma do que para mim. — Só que você conhece muito pouco de
mim.
Inevitavelmente, arqueei um pouco as sobrancelhas. O que
ela quis dizer com isso? Porque a Molly estava tão diferente? Essa
não era a Molly que eu conhecia. Onde estava a Molly com que eu
convivi desde criança?
Abalado pelo que ela disse, soltei seu braço, liberando-a para
fazer o que bem entendesse. Molly, então, virou-se na direção da
cozinha. No entanto, antes de dar o primeiro passo, Liam apareceu.
Caralho. Agora ferrou de vez.
A morena parou no meio do caminho, observando-o de cima
abaixo, como se acabasse de comprovar algo que tinha certeza. E,
então, continuou seu percurso até a cozinha.
— Sabia que você estava aqui — ouvi-a falar, quando passou
por Liam.
Encarei Stefany, ainda mais confuso com tudo, mas seu
semblante estava impassível. Onde estava a Stefany que eu
conhecia? Onde estava a minha irmã? Por que estava agindo de
maneira tão estranha quanto a Molly?
E pensando nela, em menos de um minuto, a morena voltou
com uma latinha de cerveja na mão. Onde estava a antiga Molly e o
que fizeram com ela?
— O que está fazendo? — receoso, perguntei.
— Algo que eu deveria ter feito há muito tempo — replicou e
destacou o lacre da lata de cerveja. — Não sei outra maneira de
falar isso, se não for da maneira mais direta — e simplesmente virou
na boca todo o conteúdo de uma só vez. — Eric... — disse, após
terminar de beber. — Eu... — se aproximou cautelosamente. — Eu...
Eu estava te traindo.
Automaticamente, senti o chão sumir sob os meus pés. O
mundo girou em questão de segundos, na minha frente. Era como
se nada mais fizesse sentido e tudo o que eu tinha vivido, até ali,
fosse uma mentira. Inevitavelmente, arregalei os olhos com a
surpresa. Encarei Liam e o notei tão assustado quanto eu.
Me traindo? Sério? A Molly estava me traindo? Ela fez todo
aquele escândalo e estava me traindo? Ela aparentava ser toda
apaixonada e estava me traindo? Eu pensei que estivesse
enganando-a ao ficar com o Liam e namora-la ao mesmo tempo,
mas, na verdade, eu também estava sendo enganado?
Mas... Espera... Eu nunca desconfiei dela. Ela nunca me deu
motivos para desconfiança. Sempre foi certa demais e recatada
demais. Na verdade, sempre a achei apaixonada até demais. Ela
tinha sido mais discreta que Liam e eu... Quem era o cara?
— Com ela — completou a frase e virou seu rosto em direção
à Stefany.
No mesmo instante, ouvi Liam se engasgar com a própria
saliva.
Calma.
Eu ouvi direito?
A Molly estava me traindo com a Stefany?!
Inevitavelmente, prendi a respiração com o susto e me sentei
na poltrona mais próxima. Levei as mãos ao rosto, tentando
organizar as ideias. Olhei para a Stefany, buscando uma explicação
plausível para isso tudo. Ela me deu apenas um sorriso sem graça.
Sorriso típico de criança que fez travessura e os pais acabaram
descobrindo.
De repente, a lembrança da conversa, que tivemos no quarto
ontem, surgiu em minha mente. Eu disse que ela merecia um cara
bem legal. Stefany disse que talvez não. Eu perguntei se seria uma
garota, então. E, ela respondeu que talvez sim. Logo percebi que
minha irmã também curtia meninas. Foi surpreendente para mim.
Mas, saber que Molly era a menina, deixava tudo mais
surpreendente ainda!
— Ma-mas... — tentei pronunciar alguma palavra que fizesse
sentido.
— Eu sei. É estranho — Molly me interrompeu e sentou-se na
poltrona ao meu lado. Liam e Stefany permaneceram em pé.
— E como ela acha estranho... — Stefany resmungou. —
Sabe a sua versão feminina, Liam? — perguntou. — É a Molly. E eu,
boba, aguento isso. Uma versão feminina trouxa do Eric — revirou
os olhos.
Liam franziu o cenho, mas logo soltou um pequeno sorriso e
balançou a cabeça, como se não estivesse acreditando naquilo que
via e ouvi. De fato, era inacreditável mesmo. Isso só podia ser
pegadinha. Onde estavam as câmeras? Não podia ser verdade. Era
brincadeira.
— Mas... Molly... — perdido e confuso, encarei-a. — Como
assim? Você fez o maior escândalo quando soube que eu estava
ficando com o Liam. Você aparentava gostar bastante de mim.
Você... — baixei meu tom de voz. — Sempre quis transar comigo...
Mesmo quando eu não queria.
— Eu sei... — falou com um tom de voz triste, um pouco
envergonhada. — Desculpa. Eu não me aceitava, assim como ainda
estou lutando para me aceitar.
— Só muita paciência com ela... — Stefany resmungou.
— Por isso que eu tentei, de todas as formas, continuar
contigo — a morena explicou. — Eu não queria terminar o namoro e
me entregar ao fato de estar gostando de uma garota. Eu sempre
gostei de caras e me vi gostando de uma menina. Isso foi difícil pra
mim. Assustador. Pensei que, se eu continuasse contigo, essa ideia
toda de gostar dela fosse passar.
— É um Liam de saia — minha irmã disse ironicamente.
— Cala a boca, Stefany — Molly resmungou e revirou os
olhos.
— Foi mal, princesinha — Stefany soltou uma pequena
risada.
Meu Deus. Parecia até que eu estava vendo Liam e eu em
formato de mulher.
— Vocês nunca foram muito próximas... — argumentei.
— Talvez tenha sido por isso que começamos a nos gostar —
a morena replicou.
— Molly... — Liam finalmente abriu a boca para falar algo e
se aproximou. — Não dá pra acreditar nisso. Você quis me dar um
tapa! Você passou mal de tanta raiva! Você ficou jogando indireta
pra mim na frente dos nossos pais!
Ela, então, baixou a cabeça, envergonhada mais uma vez.
— Hipocrisia minha — respondeu. — Me senti traída. Mas, na
verdade, foi como a história do sujo falando do mal lavado, porque
eu estava traindo também. Prova disso é que não contei pra
ninguém, quando Eric me falou tudo. Eu não tinha respaldo pra
espalhar sobre algo que eu estava e estou passando também.
Minha consciência pesou ao ponto de eu passar mal. Você viu.
Que loucura.
— Porque não me contou nada, Stefany? — questionei.
— Molly me mataria se eu contasse alguma coisa para você
ou para o Liam — se justificou. — Na verdade, Molly me mataria se
falasse sobre isso para qualquer pessoa. Inclusive, ainda estou
surpresa por ela ter decidido vim aqui.
— É... Se eu não viesse aqui e contasse tudo, eu ficaria louca
— ela confessou. — Me desculpem pelo que fiz — olhou para Liam
e eu, ainda com o semblante encabulado.
Cristo. Era muita informação para um momento só. Nunca,
em toda minha vida, imaginei que isso pudesse acontecer. Eu com
Liam. Molly com Stefany. Eu não estava com raiva. Só estava
surpreso. Aliás, eu também devia também desculpas. Todos nós
erramos em um ou outro aspecto.
— Tudo bem... — repliquei. — Eu também devo desculpas.
Deveria ter terminado logo o namoro.
— Tudo bem... — resignada, a morena falou. — Eu também
deveria ter terminado.
— Eric... Liam... — ouvi Stefany nos chamar. — Caso
estejam achando que eu ajudei vocês só pra poder ficar com a
Molly, sim, isso é verdade. — disse com seriedade, mas logo soltou
uma pequena risada. Engraçadinha. — Eu estou brincando. Ajudei
porque sei que vocês se gostam pra caralho, assim como eu sou
doida por ela.
— Para de ser melosa... — Molly resmungou.
— Tudo bem, Liam. — Stefany ironicamente a chamou, rindo.
— Então... — o moreno se aproximou, ainda com o
semblante confuso. — Caramba... A gente trocou?
A loira riu novamente e se aproximou dele, abraçando-o pela
cintura.
— Não, bonitão — ela respondeu. — Na verdade, nós
passamos a vida inteira trocados. Agora que destrocamos. Agora
que estamos com as pessoas certas.
Qual era a probabilidade disso acontecer na vida das
pessoas? Cômico, mas, ao mesmo tempo, muito bom.
Aparentemente, nós tínhamos mesmo encontrado nossos pares
certos agora.
— Verdade — repliquei, me levantando da poltrona. — Acho
que agora está certo.
— Que galera melosa... — Molly disse em tom de brincadeira
e levantou-se da poltrona também.
— Também acho — Liam concordou.
Virei-me para Molly, sorrindo com o cenho franzido.
— Desde quando você deixou de romântica? — questionei
em tom de brincadeira. — Quando estava comigo não era assim.
— Desde quando começou a ficar comigo — minha irmã
replicou com um fingido tom de tristeza.
— Boba... — a outra sorriu, dando uma leve tapinha no
ombro dela.
Stefany riu
— Acho que agora podemos fazer uns programinhas de
casais juntos — disse com o mesmo tom de brincadeira. — Cinema,
parque, esse tipo de coisa — sorri.
— Menos, Eric, menos — Liam se pronunciou.
— Ah, qual é? — Stefany riu. — Todo mundo achando que
são dois casais héteros, quando na verdade... Seria muito
engraçado!
Daí em diante, continuamos conversando e rindo das ironias
da vida. As cervejas que eu e Liam usaríamos, foram divididas entre
nós quatro. As pipocas também. Acabamos assistindo Deadpool e
Batman vs Superman. Depois, as meninas ainda escolheram uma
comédia romântica.
Quem diria que no fim das contas não daria Molly e eu, e
Liam e Stefany, mas, sim, Liam e eu, e Molly e Stefany?
“Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas
pelo coração?”
Podemos conversar?
Liam
Liam
❖❖❖
Entrei no laboratório de química, após o quase ataque
terrorista da Stefany, e logo dei de cara com Eric já sentado na
nossa bancada do laboratório de química. Lindo. Filho da mãe
bonito. Ódio disso. Eric estava sorrindo de leve para pra mim.
Sorriso bonito pra cacete.
Para de ser assim, idiota, só me faz perder a cabeça ainda
mais.
Aproximei-me dele, notando que o professor ainda não tinha
chegado. A cada passo que eu dava, Eric se ajeitava no seu banco.
Sentei ao seu lado. Calado estava, calado permaneci. No entanto, o
loiro quebrou o silêncio da maneira mais inoportuna possível.
— Bom dia, amor — notei o sarcasmo escorrendo pela
palavra “amor”.
Inevitavelmente, revirei os olhos.
— Primeiro, cuidado com o que fala. As pessoas podem
ouvir. Segundo, vai se foder.
Eric deu um breve suspiro e logo sorriu.
— Como sempre, um doce de pessoa — Mais sarcasmos
saindo de sua boca. — Meu coração até acelera com essas
demonstrações de afeto e carinho.
Por que esse demônio sempre foi tão irônico?
Virei totalmente meu rosto em direção a ele e encarei-o com
os olhos levemente cerrados.
— Sabe o que você poderia fazer com esse sarcasmo? Enfiá-
lo no rabo — sorri ironicamente.
O loiro ergueu uma das sobrancelhas para mim, como se
estivesse me desafiando.
— E sabe o que poderia fazer com você? — aproximou-se
ainda mais e sussurrou. — Enfiar outra coisa no seu rabo.
Puta que... Engoli a seco. O que ele quis dizer com isso?
Ele estava brincando. Ele só podia estar brincando. Eu não
daria ouvidos a essa coisa sem cabimento. Rapidamente, virei-me
de frente para a bancada e comecei a tirar meus livros da mochila.
— Como foi na sua casa ontem, depois que eu e a Molly
fomos embora? — tentei mudar de assunto.
— Tranquilo — respondeu. — Stefany e eu conversamos
antes de dormir. Mas foi uma conversa normal, como a gente
sempre teve.
Claro. Eric e Stefany sempre tiveram uma ótima relação de
irmãos. Mais um pontinho positivo na vida do Golden Boy.
— Maneiro — repliquei.
— E na sua casa, como foi? Molly falou mais alguma coisa?
— perguntou.
Inevitavelmente, um sorriso escapou da minha boca. Pensar
que eu estava começando a me dar bem com a minha irmã era
indescritível de tão bom.
— Sim... A gente tá começando a se entender como irmãos,
sabe?
— Ah, meu Deus! — alegre, exclamou. — Você tá sorrindo!
Notei-o se aproximar para tocar meu rosto. Rapidamente, me
afastei.
— Não faz essas coisas, lesado! — gritei em um sussurro. —
Aqui não!
— Lá na sua casa, então? — sorriu.
Mas era muito folgado mesmo!
— Também não — fiz uma cara de tédio para ele.
— Qual é? Hoje é dia de estudar para as seleções das
universidades!
— A gente não estuda juntos para as seleções — revirei os
olhos. — A gente só estuda química e física.
— Mas a gente pode começar a estudar. O que acha? —
sugeriu. — Os processos seletivos estão perto de começar.
Ah que saco! Nem me fale nisso! Se eu pudesse pular essa
parte da minha vida, seria uma maravilha, porque só existia uma
coisa pior que o Eric: a seleção para as universidades.
— Não quero estudar — revirei os olhos novamente.
O loiro suspirou e me deu um olhar nada satisfeito, como se
não tivesse gostado de saber que eu não queria estudar.
— Quais universidades você escolheu? — perguntou.
— UCLA, Harvard e Oxford. — Respondo.
No mesmo instante, ele sorriu.
— Oxford? — perguntou.
— Sim.
— Oxford é minha principal escolha! Quero estudar lá! —
disse com entusiasmo. — Já venho me preparando para a seleção.
Posso te dar umas dicas. Podemos estudar juntos para Oxford.
Não. Estudos e eu eram duas coisas que definitivamente
nunca combinaram.
— Já disse que não quero estudar — resmunguei.
— E porque não? — cruzou os braços.
Simples.
— Porque tenho preguiça — respondi curto e grosso.
— Quê? — franziu o cenho. Seu semblante em puro estado
de indignação. — Que história é essa de preguiça? Agora é que a
gente vai estudar mesmo! — disse com determinação. — Depois
que sairmos do colégio, vamos pra sua casa.
Droga, que garoto pra encher o saco!
— Não vou estudar hoje e ponto final.
— Ah, vai sim!
— Não vou!
— Vai!
— Bom dia, turma! — A voz do professor ecoou pelo
laboratório de química, interrompendo minha típica briguinha com o
Eric. — Vamos fazer silêncio para eu começar a aula?
O loiro e eu nos entreolhamos de maneira ríspida, mas
acabamos por nos calar. Extremamente normal essa troca de
olhares entre nós. Eu já era acostumado com isso e ele também.
Nunca concordamos com nada mesmo.
Instantaneamente, todos da sala ouviram um barulho na
porta, como se alguém tivesse acabado de tropeçar. Em menos de
um segundo, Noah entrou, completamente desajeitado, segurando
uma pilha de livros.
Ah, claro. Só podia ser esse fracassado. Ele era tão
desajeitado que seus óculos estavam completamente tortos no rosto
e os livros que carregava estavam todos amarrotados devido ao
tropeço. Alguém precisava urgentemente lhe dar umas boas dicas
de como ser descolado.
Como se não bastasse, o fracassado, por fim, se sentou em
uma bancada em frente a que eu e o Eric estávamos, e deixou
alguns livros caírem no chão. Que desgraçado desastrado. Noah se
abaixou para pegar os livros e mais dois caíram. Sério, eu me
recusava a ver isso.
— Está tudo bem, Noah? — o professor perguntou.
— Si-Sim... — gaguejou, enquanto terminava de recolher os
livros. — Tu-Tudo.
Envergonhado, desastrado, desajeitado, inseguro. Porra,
quantos “bons” adjetivos esse garoto tinha?
— Ótimo — o professor respondeu. — Espero que agora
possamos começar a aula. Bom, eu trouxe os testes de vocês
corrigidos. E não, as notas não foram boas.
Que merda. Instantaneamente, senti meu corpo gelar. A
minha maior certeza era de que meu teste estava entre as notas
baixas. Droga. Pior que o Eric era minha dupla. Ou seja, ele se
ferrou junto comigo.
Ninguém mandou esse imbecil me deixar fazer o teste
praticamente sozinho!
— Mas, vou entregá-los somente no final da aula — o
professor concluiu.
O quê?! Eu ia passar a aula inteira esperando por essa nota?
Mas que droga! Eu que já não me concentrava facilmente nas aulas,
agora ficaria ainda mais desconcentrado esperando por essa nota!
— Relaxa... — ouvi Eric falar.
Provavelmente, ele tinha notado meu nervosismo e
ansiedade.
— Não tem como relaxar — repliquei.
— Só relaxa — disse e passou a mão na minha coxa, por
debaixo da mesa, fazendo carinho.
Que filho da mãe do toque bom. Suspirei.
— Tira a mão — falei, mesmo querendo que ele continuasse
com a mão lá. — Alguém pode ver.
Apesar de ter olhado diretamente para o loiro, notei-o fazer
uma cara de poucos amigos. No entanto, findou por tirar sua mão de
lá. Eu não sabia por que ele agia assim. O Golden Boy sempre fez
tudo por debaixo dos panos, sempre foi discreto. Por isso, poucas
pessoas sabiam que ele não era tão certinho quanto parecia.
Mas, agora que estava comigo, queria sair por aí fazendo
tudo de maneira explícita. Coisa mais sem cabimento! No momento
em que ele precisava fazer as coisas por debaixo dos panos, não
fazia.
Suspirei mais uma vez, tentando focar na aula e não no toque
dele ou no teste que iria receber em alguns minutos. O professor,
então, começou sua explicação sobre o que pareceria ser
radioatividade. Não que eu estivesse prestando atenção, mas era o
que estava escrito na lousa.
Os minutos passaram-se lentamente. Eric observava tudo
atentamente. Ele era daquele tipo de aluno que não precisava
anotar nada e entendia tudo. Apenas o fato de prestar atenção era
suficiente para que ele soubesse a matéria. Filho da mãe de sorte.
Robert e William era totalmente o oposto. Estavam bem ali,
no canto esquerdo do laboratório. Ambos de cabeça baixa,
dormindo. Conseguia até ver a baba escorrendo. Eca. Rapidamente,
mudei a direção do meu olhar. Não queria ver essa nojeira.
Porém, no momento dessa mudança, meu olhar acabou
cruzando com o olhar do Noah. Ele estava me observando? Tudo
indicava que sim, porque ele ficou nervoso. Garoto estranho. Estava
olhando o quê, mané? Sem pensar duas vezes, desvio virei meu
rosto e mirei exatamente no professor.
Tentei prestar atenção. Mais alguns poucos minutos se
passaram até que notei um olhar novamente sobre mim, mas, dessa
vez, era do Eric. O que ele queria, afinal? Voltei-me para ele, a fim
de saber se ele queria me falar algo. Todavia, no momento em que o
olhei, Eric mirou exatamente do Noah. Encarei Noah e percebi que
ele estava me observando novamente. O garoto, ao perceber que
foi descoberto, virou praticamente um tomate de tão vermelho e
volveu seu rosto para o professor.
— Nunca tinha percebido... — Eric se pronunciou em tom de
voz baixinho. Ele não parecia estar muito satisfeito. — Mas hoje
notei que o Noah te olha bastante.
Desde quando aquele fracassado colocou os pés pela
primeira vez no colégio, ele me observava. Normal pra mim. Talvez
eu até já tivesse me acostumado.
— Ah, é só o Noah... — dei de ombros, fazendo pouco do
garoto. — É só um gayzi...
No mesmo instante, interrompi a mim mesmo. Minha mente
estalou em um pensamento: hipocrisia do tamanho do mundo em
chamá-lo de gayzinho enquanto eu... Enquanto eu estava com um
cara. Droga.
— Gayzinho? — o loiro pergunta.
Merda.
— É... Nã-Não... Quer dizer... Ah, sei lá. Esquece — balancei
a cabeça, demonstrando que queria deixar de falar sobre isso.
— Hum. Dentro de três minutos, ele te olhou vinte vezes.
— Esquece isso, Eric — resmunguei.
Do jeitinho que você é
Liam
Mas que idiotice era essa do Eric agora? Isso estava na cara que
era ciúme. Imagina só! Ciúmes de mim com o Noah? O Noah?!
Piada, né? Mesmo que eu não estivesse mais em posição de
chamá-lo de gayzinho, aquele garoto não deixa de ser um
fracassado. Se eu já não tinha interesse em sua amizade, quanto
mais em outras coisas. Só de pensar me dava asco.
— Só esquece isso, Eric — resmunguei novamente.
O loiro suspirou com ares de derrota.
— Se você diz, tudo bem. Mas que ele está de olho, ele está.
Agora mais essa. Além de lidar com todos os outros
problemas que nós já tínhamos, Eric ainda apareceu com um
repentino ciúme. Me poupe. Ainda bem que eu não sofria disso.
Quer dizer, tirando a época em Molly estava com Eric, tirando a
época em Eric ficava com todas as meninas da galáxia, tirando a
época em que ele não estava comigo. Sim, tirando tudo isso, nunca
senti ciúmes dele, ora.
— Meus caros, nossa aula está se aproximando do fim —
ouvi o professor falar. — Chegou o momento de devolver o teste a
vocês.
Caramba. Era agora.
Instantaneamente senti meu coração acelerar. Que pesadelo.
Se o idiota do Eric não tivesse me deixado responder praticamente
sozinho todas as perguntas do teste, eu não estaria assim agora.
Imbecil. Se a gente se ferrasse nesse teste, a culpa não era minha.
A culpa era dele. Claro. A culpa era sempre dele.
— Calma — passou a mão nas minhas costas.
Calma? Como eu podia manter a calma?
No mesmo instante, me afastei, fazendo a mão dele me
soltar. As pessoas podiam ver essa “demonstração de carinho”
totalmente atípica.
— Dylan Gleeson e Peter Poulter — o professor começou a
chamar os alunos.
— Ellen Joner e Melanie Carter.
Meu coração acelerava ainda mais a cada nome
pronunciado.
— Robert Grim e William Wood — o professor continuou.
Robert foi quem se levantou para pegar. Seus olhos miraram
no teste e sua cara não era boa. Merda. Nunca gostei de admitir
isso, mas Robert e William, por mais preguiçosos que fossem, eram
melhores alunos que eu. Se eles não foram bem no teste, imagina
como devia ter sido minha nota! Santa Vodca do Céu, me ajude.
— Eric Hastings e Liam Tremblay.
Caramba, era a gente.
— Deixa que eu pego — o loiro se levantou antes que eu
abrisse minha boca para falar qualquer coisa.
No exato instante em que ele pegou a folha, me encarou e
fechou o semblante. Merda. Ferrou. Ferrou muito. Ah meu Zeus do
Céu! Eu tinha certeza que tiramos um grande F. Eric se aproximou
lentamente, sem tirar os olhos do teste. Anda mais rápido, demônio!
Queria ver logo essa besteira que eu fiz. Quando ele chegou perto o
suficiente de mim, sem aguentar mais esperar, puxei o teste de suas
mãos e fixei meus olhos exatamente no espaço destinado à nota.
O quê?!
Não. Espera. Não podia ser. Como assim?
Nós tiramos um A? Um A?!
Encarei-o boquiaberto, enquanto ele me observava com uma
grande e largo sorriso.
— Você conseguiu... — alegre, falou.
— Consegui? — completamente extasiado e incrédulo,
perguntei. — Isso daqui é verdade? — levantei a folha.
— É sim! — Eric não parava de sorrir. — A mais pura
verdade.
Então, eu realmente consegui responder um teste de química
e tirar A? Quando foi a última vez que tirei um A? Talvez só colando!
Ai cacete!
Sem conter a felicidade, abracei Eric, pouco me importando
com o que os outros iriam achar. Era como se dentro do laboratório
de química só existisse Eric e eu. A felicidade que eu estava
sentindo só não era maior do que a realidade que acabou tomando
minha mente: eu consegui com a ajuda do Eric. As aulas realmente
estavam dando resultado. Sim, Eric me ensinou. Eric teve paciência
em me ensinar. Esse filho da mãe que eu tanto am... Odeio!
E pela primeira vez...
— Eric... — soltei-o do abraço somente o suficiente para
olhá-lo nos olhos. — Valeu — senti uma imensa vontade de
agradecê-lo.
O loiro, então, segurou meu queixo.
— Não precisa agradecer — sorriu. — O mérito é seu — e,
no mesmo instante, o sinal tocou, indicando que a aula tinha
acabado.
Eric e eu permanecemos olhando um para o outro feito dois
imbecis, enquanto as pessoas saíam do laboratório. Eu não sabia
se estavam achando estranho, mas, foda-se, eu estava tão feliz,
que isso pouco me importava. A felicidade era tanta que eu poderia
beijá-lo ali mesmo. Aquele idiota ficava me fazendo querer as coisas
mais estúpidas.
No entanto, de repente, uma voz conhecida falou perto de
nós. Robert e William estavam ao meu lado com os semblantes
mais desconfiados da face da Terra. Merda. Talvez eu tivesse
extrapolado na boiolagem agora. Em um piscar de olhos, me afastei
do Eric.
— É... Liam... — desconfiado, Robert falou com seu cenho
levemente franzido. — Vamos lanchar? Hora do intervalo.
Lanchar? Automaticamente, minha memória me trouxe a
lembrança de que, naquele dia, eu deveria passar o intervalo com a
Stefany, a Molly e o Eric. Droga, não era para eu ter aceitado isso.
Robert e William iriam achar ainda mais estranho.
— É... E-Eu... — gaguejei um pouco. — Hoje eu vou passar o
intervalo com a Molly, a Stefany e o... — Droga. Lá vai. — E o Eric.
— Vai? — surpreso e visivelmente feliz, Eric perguntou.
Cacete. Ele ainda não sabia.
— Sim — limitei-me apenas a dizer isso.
— Stefany, Molly e... Eric? — William questionou tão confuso
quanto Robert também estava
— Sim — rapidamente respondi. Eu precisava me livrar
dessa situação logo. — Depois a gente se fala. Valeu — peguei
minha mochila e caminhei para fora da sala, deixando Robert,
William e Eric com cara de tacho.
❖❖❖
❖❖❖
Liam
Liam
❖❖❖
❖❖❖
Liam
Eric deu um breve suspiro e tentou gesticular algo com boca, mas
não emitiu som algum. Parecia um pouco nervoso ou sem jeito, por
eu ter me dado conta do que estava acontecendo.
— Responde, imbecil.
O que tinha sido aquilo exatamente? Por que os dedos dele
estavam indo justamente para aquele lugar? Não era como se ele
nunca tivesse pegado na minha bunda. O problema era que ele
nunca pegou daquele jeito.
— É... — pigarreou a garganta. — Eu... Eu só... — e, no
mesmo instante, seu celular tocou.
Ah não.
Por que aqueles malditos dedos me deixaram tão nervoso?
Eu precisava voltar ao normal!
Respira. Um, dois, três. Respira.
— Um segundo — se afastando um pouco, atendeu o celular.
— Alô? Tia Sam?! — Santa Vodca do Céu. Era essa mulher? —
Que bom ouvir sua voz! — Eric sorriu. — Ah, eu também estava
com saudade... — Blábláblá. Senti meus olhos revirando. —
Convite? Hum. Isso muito me interessa! — soltou uma pequena
risada. — Sério? — arregalou um pouco os olhos. — Hoje à noite?
Claro! Eu chamo a Stefany sim. — Espera. Eles estavam
combinando de sair naquela noite? — Será que eu posso levar mais
uma pessoa? — perguntou. — O Liam. — O quê?! Para onde ele
queria me levar? — Sim, ele, o Liam... — deu uma pequena risada.
— Uma longa história tia. Vou te deixar atualizada sobre tudo
durante o jantar — Jantar? Mas que jantar era esse? — Ótimo, tia!
Então nos vemos mais tarde! — Por fim, desligou o celular.
O loiro, então, se aproximou de mim e me puxou levemente
pela cintura. Inevitavelmente, me lembrei do que aconteceu há
poucos minutos. Ah, Meu Zeus, eu precisava parar pensar nisso ou
ficaria nervoso de novo. Era melhor esquecer. Sim. Muito melhor
agir como se nada tivesse acontecido. Talvez, assim, o Eric não
voltasse a direcionar esses dedinhos malignos para a minha bunda.
Qualquer que tivesse sido a sua intenção, eu preferia ficar sem
saber. Se eu não lembrasse, poderia ser que ele esquecesse
também e, até mesmo, não tentasse novamente.
— Tia Sam me ligou — com um sorriso no rosto, comentou.
Lógico que eu sabia que quem ligou foi aquela mulherzinha.
— Ah, foi mesmo? — perguntei como se não tivesse ouvido a
conversa deles.
— Sim, foi. Ela me convidou para um jantar na casa dela.
Hoje.
— E você vai? — Era claro que ele ia.
— Sim. Vou. — Agora me conta uma novidade. — Disse pra
eu chamar a Stefany.
— Legal — repliquei, enquanto ajeitava minha roupa que
tinha sido amarrotada há poucos minutos pelas suas mãos. No
entanto, ele segurou minhas mãos, impedindo que eu continuasse
abotoando a calça e me fazendo erguer o rosto para olhar em seus
olhos.
— Quero que vá comigo — disse.
O quê?
Ir a um jantar na casa daquela mulherzinha? Eu não gostava
dela. Fora que isso daria muita bandeira. Todo mundo iria notar algo
estranho, se eu, um inimigo ou quase inimigo do Eric, o
acompanhasse em um jantar na casa de sua tia. Claro que eu não
ia!
— Querer é uma coisa, poder é outra — respondi e me
afastei.
— Qual é, Liam? — o loiro franziu o cenho e aproximou-se
novamente de mim. — Por que não vai comigo?
— Primeiro, não gosto daquela mulher. Segundo, vai dar
muita bandeira. Ela vai perceber. Todo mundo vai perceber. As
pessoas não estão acostumadas a nos ver tão próximos assim!
No mesmo instante em que me calei, Eric soltou uma
pequena risada.
— Liam... — continuou rindo. — Por que você não gosta da
tia Sam? Ela é uma ótima pessoa! Vocês só precisam se conhecer
melhor!
Revirei os olhos.
— Conheço-a desde criança. Não gosto dela desde criança
— suspiro e... — Ela é uma intrometida! — disparei. Era impossível
não me exaltar um pouco ao pensar no que aconteceu da última vez
em que a vi. — Não lembra que ela viu a gente se pegando na
cozinha da sua casa?!
Eric aproximou-se ainda mais de mim, levando uma de suas
mãos ao meu cabelo e fazendo carinho. O sorriso não saía do seu
rosto. Por que ele tinha um sorriso tão lindo? Maldito sorriso: um dos
grandes motivos para eu estar com ele.
— Ah, Liam, não foi de propósito. Além do mais, ela gosta de
você. Te garanto! A tia Sam vai adorar te ver lá na casa dela. A
Stefany vai estar lá também.
Sua mão direita desceu até a minha nuca e continuou
fazendo carinho. Um breve suspiro escapou dos meus lábios. Eu
sabia o que aquele idiota estava querendo fazer. O pior: ele sempre
conseguia o que queria, quando começava a fazer esses carinhos.
Eu era muito fraco. Inferno!
— Não vou — cruzei os braços. — Todo mundo vai perceber.
Vai dar muita bandeira.
E, como quem sabia exatamente o que fazer para me
convencer de algo, Eric desceu suas mãos do meu cabelo para
minha cintura e me abraçou. Seu rosto encaixou-se na curva do
meu pescoço, ao mesmo tempo em que senti a ponta do seu nariz
passeando sobre a minha pele.
— Amor, todo mundo já tá percebendo que nós dois estamos
ficando próximos. Não é algo que dá pra esconder por muito tempo.
A própria tia Sam já sabe um pouco da nossa história. Não temos
nada a esconder dela.
Amor? Ele me chamou de amor mais uma vez sem
sarcasmo?
Ah, meu Zeus, isso não deveria ser um ponto fraco meu! Não
deveria!
— Não vou — permaneci de braços cruzados, fazendo birra
mesmo.
— Vamos, amor... — pediu com jeitinho, começando a beijar
o meu pescoço.
“Amor” de novo! Droga.
Para de ser assim, seu enviado do demônio!
— Não... — Minha voz saiu levemente manhosa pelos beijos
que eu estava sentindo no meu pescoço e pelo “amor” que acabei
de ouvir. Merda. Não era pra ser diferente?! Pigarreei a garganta e
engrossei o tom de voz. — Não — tentei responder de maneira
incisiva, embora eu soubesse que estava falhando miseravelmente.
— Príncipe... — Suas mãos subiram pelo meu corpo e
pararam uma de cada lado do meu rosto, ao mesmo tempo em que
seus beijos cessaram no meu pescoço e seu rosto se ergueu para
me olhar.
Príncipe? Ah, que coisinha mais lin... Gay!
— Boiola... — resmunguei.
— Você também é... — replicou com um sorrisinho no rosto e
desceu uma de suas mãos pelo meu corpo, tocando o meu pênis
por cima da calça, enquanto a outra permanece no meu rosto,
passeando de leve com o polegar nos meus lábios. Esse idiota
sabia como mexer comigo. — Vamos comigo?
— Por que você só joga sujo comigo? — questionei,
começando a sentir meu pênis ficando duro novamente.
Eric soltou uma pequena risada pelo nariz.
— Eu nunca disse que jogaria limpo. Vamos? — e
massageou carinhosamente meu membro por cima da calça.
Sem conseguir me conter, fechei os olhos, aproveitando toda
a indecência do toque.
— O que você me pede sorrindo que eu não faço chorando,
imbecil? — sussurrei no mesmo instante em que sua mão quebrou a
barreira da calça e passou pela minha cueca.
Inferno de vida! Eu era muito fraco!
O Eric podia me fazer de gato e sapato. Claro eu nunca diria
isso em voz alta.
— Então, você vai?
Abri os olhos para encarar o garoto mais sacana que já
conheci na vida (depois de mim, óbvio) e me deparei com um
sorriso enorme no seu rosto.
— O que você acha, idiota? — respondi.
❖❖❖
...
Naquele dia, quatro anos atrás, nós brincamos, zoamos,
curtimos, andamos de skate. Nós éramos a melhor dupla de amigos
que o Colégio Regent conhecia. Nem Robert e William eram tão
meus amigos quanto o Luke. Ele me ensinou a andar de skate e a
fazer as manobras mais iradas. E no fim de tudo, quando nós
caíamos um por cima do outro, depois de tanto treinar no skate...
...
...
...
Liam
❖❖❖
❖❖❖
...
...
Liam
“Ah, Liam, você vai sim!”, “Liam, para com essa boiolagem, você
vai na viagem”, “Liam, faz isso.”, “Liam, faz aquilo.”, “Liam, faz
assim.”, “Liam, faz assado.” Porra! Sério, as pessoas estavam
querendo me deixar louco por causa dessa maldita viagem de
comemoração do aniversário do Eric. E eu juro que não sabia mais
o que fazer para pararem com essa palhaçada.
Desde ontem, desde o momento daquele jantar, eu ouvia
essa mesma ladainha nos meus fabulosos ouvidos! Queriam cansar
a minha beleza! Como se não bastasse ter de ouvir a Molly – que
infelizmente morava debaixo do mesmo teto que eu, o que facilitava
na execução do “maravilhoso” ofício de me tirar do sério –
cacarejando dia e noite para eu acompanhá-los, a Stefany ainda me
ligou, praticamente me obrigando a ir.
Olha, eu sabia que a minha companhia era fantástica e
excepcional, tinha total consciência. E não, eu não era convencido.
Mas, essa história já deu, né? Chega! Eu não estava com a menor
vontade de ir, não curtia esses passeios em “família”, não ia com a
cara das tias do Eric e da Stefany, não tinha a obrigação de ir e,
principalmente, não era namo... Namo... Meu Zeus, era até difícil
pronunciar essa palavra em pensamento.
Credo.
Eu não era namorado do Eric.
Sim, ufa, eu não era.
Eu não tinha a obrigação de dar o ar da graça na tal da casa
de campo.
E por falar no Eric, curiosamente, ele era o único que ainda
não tocou no assunto depois do jantar. Não me ligou, nem mandou
mensagem. Quero dizer, ele até mandou mensagem, mas foi
somente um bom dia naquela manhã. Ele não falou sobre nada a
respeito da viagem, mas eu conhecia muito bem esse garoto, e o
Eric não seria o Eric se não me convencesse a fazer algo.
Portanto, eu estava apenas aguardando o momento em que
ele iria aparecer cheio de jeitinho para me fazer mudar de ideia. Já
conhecia todas as artimanhas e joguinhos que ele usava, nada mais
era segredo para mim. Aquele idiota, aquela peste, aquele demônio
que eu gostava tanto. Espera. Gostava só um pouco. Só um
pouquinho. Quase nada, sabe?
Mas ele que não pensasse que iria conseguir me convencer
com aqueles beijos que me dava, com aquele corpo que tinha, com
aqueles braços que me envolviam, com aquela pegada que...
— Liam? — No exato instante em que ia suspirar (sim,
porque aquele filho da mãe me fazia suspirar até em pensamento,
imbecil!), ouvi meu nome sendo chamado por uma voz conhecida.
Bastante conhecida, na verdade.
— A-ah! O-Oi, Robert! — respondi como se estivesse
acordando de um sonho. Pior era que parecia que eu estava mesmo
despertando de sonho. A bela adormecida, como Eric já me chamou
algumas vezes. Palhaço.
— Sonhando acordado dentro do vestiário, capitão? — Seu
tom de voz era totalmente sugestivo. O que ele estava querendo
dizer com isso? — Tá sonhando com os caras se trocando para o
treino é? — e, como péssimo comediante que era, finalizou com
uma pequena risada.
Nossa, como ele era engraçado! Meu Zeus do Céu! E eu
ainda conseguia ser amigo deste traste que zoava com a minha
cara. Mas será que essa “zoação” era porque ele estava
percebendo alguma coisa que não devia? Ai, Santa Vodca do Céu,
será que ele descobriu que eu estava me envolvendo com o Eric?
Cacete, eu estava ficando muito paranoico. Desse jeito, eu ia acabar
internado em um hospício!
— Se eu sonhasse com os machos desse time,
provavelmente não seria um sonho, seria um pesadelo. Se você
estivesse no sonho, então, puta que pariu, nunca mais voltava a
dormir — sorri com sarcasmo, mostrando bem os meus refinados
modos.
— Opa! Parece que pisei no calo do capitão... Foi mal, cara
— Robert me devolveu o sorriso com ainda mais sarcasmo.
Caralho, será que as pessoas não entendiam que só quem podia
ser sarcástico que comigo era o Eric? Só quem podia me provocar
era o Eric! Não que ele fosse um privilegiado. Não que o “provocar”
tivesse conotação sexual. Claro que não. — Mas, eu vim em missão
de paz.
Missão de paz?
— Fala logo o que você quer, Robert. Se for dinheiro, meus
pais ainda não me deram a mesada desse mês. Tô duro — Não
duro como eu gostaria de estar com um certo alguém. Pensei, mas
não disse, obviamente. — Então, se for pra pedir dinheiro
emprestado, melhor perder as esperanças.
— Dinheiro? — perguntou entre risos, enquanto balançava a
cabeça em negativo. — Como se eu já tivesse te pedido dinheiro
mesmo, né? — Ah, tá! Até parece! Já pediu, assim como eu já
paguei umas doses de bebidas pra ele na balada. — Vim aqui para
saber se ainda está de pé a nossa saída no sábado à noite.
Ai, cacete. A tal da saída que era no mesmo dia do
aniversário do Eric e, consequentemente, da viagem. Por que a vida
tinha que ser complicada? Mas, tudo bem, eu já decidi por mim
mesmo que não iria ao passeio em família. Além do mais, precisava
me reaproximar dos meus amigos. Eles estavam meio distantes e
eu sentia que também estavam desconfiados da minha proximidade
com o Eric, mesmo que eu tentasse disfarçar. Então, sim, eu ia
tomar umas com ele e o William no sábado à noite.
— Ah, sobre o fim de semana? Mas é claro que es... — e, no
exato instante em que eu tentei confirmar, o vestiário do time se
encheu de um cheiro amadeirado misturado com aroma de loção
pós-barba, de cabelos castanhos, de olhos cor de mel, de um
sorriso branquinho e brilhante... Eric.
O zagueiro mais gostoso que eu já vi na vida entrou no
vestiário, pronto e vestido para o treino, rindo e sorrindo para os
caras do time, jogando brincadeira e simpatia para uns e outros,
exalando jovialidade e bom humor. Por Zeus, como ele conseguia
ser assim?
E, como se já não bastasse a aura fodidamente sexy que
carregava consigo, seu olhar cruzou com o meu e, com uma
piscadela, sorriu para mim. Puta que... Cara, sinceramente, eu não
sabia mais nem o que pensar. A boiolagem era um caminho sem
volta.
— Liam... Ei... Liam? — Robert estalou os dedos bem em
frente ao meu rosto, trazendo-me de volta ao Planeta Terra depois
de sonhar acordado pela segunda vez com o Eric em uma só
manhã. Meu Santo Thor, eu estava indo de mal a pior!
— Ah, sim... É... — balancei a cabeça, tentando me lembrar
do que estava falando, mas falhando miseravelmente nisso. — A
gente estava conversando sobre o que mesmo, heim? — franzi o
cenho, sem me dar conta da bandeira que eu estava dando.
No entanto, assim que olhei para a cara que ele estava
fazendo para mim, logo percebi a mancada que dei. Que merda!
Enquanto eu estava vendo o Eric praticamente entrando em câmera
lenta e esbanjando simpatia para tudo e todos, o Robert percebeu
exatamente meu rosto de abobalhado!
— O que houve aqui? — questionou enquanto volvia seu
rosto para mim e para o Eric ao mesmo tempo, encarando nós dois
como se estivesse a ponto de descobrir um segredo ou algo que há
tempos buscava por uma resposta.
Hades do inferno, ele percebeu mesmo! Pensa rápido, Liam!
Pensa rápido!
— Oi? — me fiz de desentendido com a melhor cara de
paisagem. — Do você tá falando? — desconversei, soltando um
sorrisinho de quem estava confuso com algo. Confuso... Até parece!
— Você e o Eric... — fez menção de continuar com as
indagações, contudo lhe interrompi de imediato, com o mesmo tom
de voz despreocupado, um timbre digno de uma pessoa que não
estava entendendo bulhufas.
— Quê? — totalmente despretensioso, encarei-o como um
extraterreste, tentando fazê-lo pensar que estava insinuando algo
completamente descabido. E o pior era que estava! — Tá viajando
com o quê, cara? Hum? Acabei de me lembrar do que estávamos
falando. É claro que nossa saída está de pé!
Assim que lhe dei a confirmação sobre a nossa quase
baladinha, já percebi logo uma mudança de semblante dele. De
insinuador passou para empolgado. Meu Zeus, será que eu
consegui contornar a situação?
— Então, tá fechado, né? — perguntou. — Sábado à noite,
balada, bebida e pegar muita mulher!
— Pegar muita mulher? — Uma voz simpática, gentil e
fodidamente sarcástica falou ao meu lado: Eric. Não podia acreditar
que aquele imbecil ouviu logo essa parte da conversa! — Então,
vocês vão sair no sábado à noite? — questionou com toda sua
simpatia costumeira, mas, no fundo, bem no fundo, eu sabia que ele
estava sendo extremamente irônico.
Era claro que o Robert não percebia a ironia e o sarcasmo
por trás de tudo, mas eu percebi, porque eu conheci muito bem
aquele garoto. E por falar no Robert, porra! Todo o meu esforço para
contornar a situação foi por água a baixo com esse repentino
aparecimento do Eric! O semblante questionador e desconfiado logo
voltou ao seu rosto, porque, claro, o Eric nunca teve tanta intimidade
comigo a ponto de interromper uma conversa entre mim e um
amigo.
Por que diabos o Eric não colaborava em fingir as
aparências?!
— É, nós vamos dar uma saída no sábado à noite. Por que?
— Robert indagou todo desconfiado, praticamente arqueando uma
das sobrancelhas em um claro gesto de quem estava suspeitando
de algo. — Tá a fim de ir com a gente? Tá querendo se convidar e
tal? — finalizou com uma leve pontinha de ironia.
Era impressão minha ou estava rolando ciúmes não somente
por parte do Eric, mas também por parte do Robert?
— Ah, não, imagina! Não quero atrapalhar uma saída de
vocês... — Eric replicou e eu consegui sentir a quilômetros de
distância o cheiro de escárnio que escorria por entre as palavras
que ele pronunciava. Que o Robert não estivesse percebendo! Que
o Robert não estivesse percebendo! Era essa a minha oração
silenciosa. — Mas, será você poderia nos dar uma licencinha?
Estou a fim de trocar uma ideia aqui com o Liam. Será que rola,
heim?
O quê?!
Como assim “trocar uma ideia com o Liam”? Eric e Liam não
trocavam ideias na frente dos outros, porque todos achavam que
Eric e Liam não eram amigos! Será que ele estava esquecendo
desse pequeno detalhe? Será que já não bastava todos aqueles
intervalos de aulas em que Stefany me obrigou a passar junto a ele?
— Beleza, irmão, pode trocar aí uma ideia com o capitão... —
Robert respondeu de uma maneira que me fez sentir um gosto
amargo na boca. Caramba. Agora sim estava mais do que na cara
que ele realmente estava com ciúmes! Ciúmes de amigos, porque
ele devia estar se sentindo trocado por um alguém que nunca foi
próximo a mim.
— Foi mal, viu, cara? — Eric ainda soltou no ar tal frase
quando Robert, de costas, foi se afastando de nós. — Depois vocês
voltam a conversar sobre as garotas que vão pegar na balada de
sábado à noite — Ai cacete, será que ele não conseguia disfarçar?
Olha a bandeira que ele estava dando!
— Vai fundo aí, amigão — Robert soltou a frase de volta, já
caminhando para o outro lado do vestiário. Eu estava presenciando
uma competição de sarcasmo única e exclusivamente por causa da
minha companhia. Eu sabia que minha presença era fabulosa na
vida de qualquer pessoa, mas era que eles parassem!
E não demorou dois segundos para que Eric pousasse uma
de suas mãos sobre o meu ombro. Limites? Ele parecia não
conhecer o significado dessa palavra! Já não bastava ter
interrompido a conversa? Agora, inventava de colocar as mãos em
cima de mim na frente de todo mundo!
Não perdi meu tempo e logo me afastei, fazendo com que
sua mão escorregasse e liberasse meu ombro. No entanto, em um
piscar de olhos, Eric, novamente, colocou sua mão no mesmo local,
mas, dessa vez, apertando levemente minha pele contra seus
dedos.
Meu Zeus, esse era o momento em que ele iria tocar no
assunto sobre eu não ir à viagem, nem participar do aniversário
dele? Esse era momento em que a gente iria discutir na frente de
todo mundo? Não, já sei, esse era o momento em que eu correria e
fugiria sem olhar pra trás!
— Vamos estudar hoje à tarde? — Sua voz amena
perguntou.
Oi?
Tanta coisa para falar e ele estava perguntando sobre
estudo?
— O que disse? — questionei com o cenho franzido.
— Perguntei se podemos estudar hoje à tarde, lá em casa,
depois da aula.
Ok, ele não estava tocando no assunto do aniversário, nem
da viagem e, muito menos estava me enchendo o saco por ter
decidido sair com o Robert e William, o que era muito bom, pois não
estava cansando a minha beleza em ter que discutir, mas estudar?
Assim, do nada?
— Por que você quer estudar hoje à tarde? — perguntei,
achando tudo isso muito estranho, já que o Eric sempre encontrava
uma maneira ou dava um jeitinho de me convencer de algo, no caso
me convencer a ir ao passeio em família, mas, até o presente
momento ele não tocou nesse assunto.
— Esqueceu que temos uma prova de simulado dos
processos seletivos das universidades na semana que vem? —
cruzou os braços, finalmente liberando meu ombro, em um claro
gesto que se preocupava com o meu futuro mais do eu mesmo.
E, porra, eu tinha esquecido completamente desse simulado!
Sem falar que os processos seletivos das universidades estavam
em cima! Daqui a pouco, eles aconteceriam e nenhuma
universidade me aceitaria! Ai, meu Zeus, eu não podia pensar
assim. Eric estava me influenciando a estudar há muito tempo e eu
estava melhorando as minhas notas e o meu conhecimento. Ou
seja, essa porra de seleção tinha que dar certo!
— É verdade... — resmunguei. — Tenho que estudar pra
essa bosta, que saco. E amanhã a gente viaja para as quartas de
final do campeonato, então, preciso estudar hoje mesmo.
— Depois da aula, lá em casa, beleza?
Era o jeito, né?
— E por que não pode ser na minha casa? — perguntei.
— Melhor lá em casa — respondeu.
— Bom dia, meus caros! — Assim que Eric se calou, a voz do
técnico, Sr. Jones, ecoou pelo vestiário. — Vamos para o treino?
Temos as quartas de final para enfrentar! Avante!
❖❖❖
Liam
❖❖❖
Liam
Liam
— Ok, Liam, agora que minha ilustre pessoa já está aqui nesse
seu magnífico quarto, vamos por partes. Primeiro, bebe isso daqui
— Stefany ergueu em minha direção um copo d’água com açúcar,
cheio até a borda. — Teus nervos precisam se acalmar.
— Isso daí é pra eu morrer de uma vez? — perguntei,
pensando que talvez não fosse uma má ideia se eu partisse dessa
para uma melhor. No céu, os anjos iam adorar minha fabulosa
companhia e lá eu não precisaria dar para ninguém. Credo.
— Claro que não, idiota — a loira revirou os olhos para mim.
— Isso é água com açúcar. Quem sabe te ajude a se acalmar,
porque não quero conversar com nenhum desequilibrado mental,
beleza? Bebe tudinho — e ergueu novamente o copo para mim.
Desequilibrado mental? Eu não era um desequilibrado mental
só porque estava aflito com a ideia de ter um homem querendo me
comer. Ok, talvez só um pouco. Nada demais. Não era o caso de eu
ir a um psicólogo ou a um psiquiatra, por exemplo.
Então, ainda temeroso e um pouco trêmulo, dei um breve
suspiro, segurei o copo de vidro com as duas mãos, em um gesto
que me fazia parecer uma criança, e bebi alguns goles, encarando
Stefany e Molly por debaixo dos cílios.
Sentado na cama, observei o exato instante em que ambas
também se sentaram e ficaram de frente para mim, uma do lado
direito e a outra do lado esquerdo. Meu Zeus, isso dali ia virar tipo
uma inquisição na época da caça às bruxas ou um interrogatório de
um criminoso?
— Agora sim, bonitão, me fala o que aconteceu — Stefany se
pronunciou. Seus olhos recaíram sobre mim com atenção, embora
eu soubesse que ela já sabia o que, de fato, aconteceu. Molly já
devia ter contado meio que por cima.
Para ser sincero, eu nem sabia como cheguei ao ponto de
dizer à Molly o que aconteceu, assim como também não sabia como
chegaria ao ponto de dizer para a Stefany. Tudo era muito
constrangedor. Mas, eu tinha escolha? Quero dizer, eu já estava
fodido demais para ficar escondendo algo.
Então, respirei fundo, bebi mais gole da gororoba que tinha
dentro daquele copo e finalmente respondi.
— Aquele filho da mãe quer me comer. E vocês sabem quem
é o filho da mãe.
Sem rodeios e da maneira mais direta possível disse aquilo
que estava me corroendo por dentro. Meus olhos recaíram sobre
Molly, mas principalmente sobre Stefany, que, após uma pausa
sarcasticamente dramática, suspirou e escorregou pela cama,
aproximando-se de mim.
— Querido, até eu já estava esperando por isso. Você não?
— questionou e cruzou os braços, como se isso fosse a coisa mais
natural do mundo. De fato, transar era bem natural mesmo, mas não
quando se tratava de um homem que nunca transou com outro
homem.
— Eu também já estava esperando por isso... — Molly se
pronunciou e...
O quê?
— Vocês já estavam esperando por isso?! — incrédulo,
perguntei, olhando abismado para as duas. Será que eu era o único
inocente dessa história e o último a saber que o Eric era um filho da
mãe tarado que gostava de comer homem?
— Queridinho, eu conheço meu irmão desde o dia em que
ele nasceu — a loira replicou com o seu típico ar de sabichona. —
Eu sei muito bem como funciona a cabecinha dele. Nós somos
muito próximos e eu sei de todos os gostos dele. Além do mais, me
poupe né? Vocês são um casal e casais fazem isso.
— E eu também já estava esperando por isso, porque, bem...
— minha irmã soltou um pequeno sorrisinho malicioso. — Eu e o
Eric passamos anos...
— Molly! — a interrompi sem pensar duas vezes. — Não
quero saber do que vocês dois faziam em uma cama no passado —
disse meio sem jeito e levemente envergonhado, bebendo mais
alguns goles da água com açúcar. — E você está querendo dizer
casais formados por um homem e uma mulher, né, Stefany?!
— Não, bobão, isso é para qualquer tipo de casal. Homem e
mulher, homem e homem ou mulher e mulher. Todos, eu disse
todos, os casais fazem isso! É a coisa mais natural do mundo, Liam.
Você precisa relaxar e abstrair. Sério.
Balancei a cabeça em negação, pensando no quanto isso era
uma verdadeira loucura. Eu? Dormindo com um cara? Eu sabia que
podia parecer hipocrisia, mas, cara, não dava. Isso estava fora de
qualquer perspectiva minha. Não rolava. A gente podia ficar
somente nos beijos, não podia?
— Isso é demais pra mim, Stefany — respondi com toda
seriedade e sinceridade. Era a primeira vez na vida que passava por
algo assim. — Isso vai além de tudo o que eu já tenha feito e, olha,
eu já fiz bastante coisa que nunca me imaginei fazendo, tipo entrar
no quarto dele, me declarar e pedir para ficar comigo.
— Mas, Liam, você não fez isso porque quis? Quero dizer,
ninguém te obrigou a ir lá no quarto dele, se declarar e pedir para
ficar contigo. Você foi porque era algo que queria muito fazer e eu
sei disso — Era claro que a Stefany sabia, porque foi ela mesma
quem me deu a maior força na noite anterior para cometer tal
loucura.
— Tá, tudo bem, beleza. Eu quem quis ir lá e falar tudo aquilo
— confessei à contragosto, porque achava um saco a Stefany estar
sempre certa em relação a tudo na vida. — Mas, a situação de
agora é completamente diferente. Não é algo que eu queira fazer.
Não mesmo — concluí de maneira enfática.
— Tem certeza que não é algo que você queira fazer? —
Dessa vez, foi Molly quem perguntou. Volvi meu olhar para ela e a vi
com uma das sobrancelhas erguida, observando-me como se já
soubesse da resposta sem que eu, ao menos, precisasse abrir a
boca.
Qual é? Agora a Molly ia dar uma de Stefany e dizer que me
conhecia tão bem a ponto de saber dos meus gostos? Por acaso,
estava na cara que eu queria realmente dar o meu mais precioso e
fabuloso bem ao Eric Hastings, o zagueiro mais gato que eu já vi na
vida?
Acho que não. Na verdade, era claro que não. Isso não podia
estar estampado na minha cara, porque seria uma mentira absurda.
Afinal, onde já viu eu permitir que aquelas mãos maravilhosas e
aqueles braços tentadores me envolvessem de maneira forte e viril,
fazendo-me ir ao delírio e... Quê? O que eu estava pensando?
Socorro.
— Nunca tive tanta certeza na minha vida, Molly — repliquei,
tentando passar o máximo de convicção em minha fala e,
principalmente, esquecer o pensamento irracional que tive. Não
podia ficar pensando em suas mãos maravilhosas, nem em seus
braços tentadores. Isso era arriscado demais.
— Sei não, heim, Liam? — ouvi Stefany com seu típico tom
de voz irônico. — Você tem certeza disso mesmo? Não quer pensar
mais um pouco? — e soltou uma pequena risadinha, fazendo Molly
rir também. Qual é? Eu não podia ter tanta cara de passivo assim,
podia?
Credo.
— Tá achando que eu tenho cara de mulherzinha da relação,
Stefany? Me respeita! — disparei já sentindo o sangue subir, porque
isso um tremendo absurdo! Logo eu, tão homem, tão macho, tão
viril, me sujeitar ao papel de mulher?
— Ai, meu Deus, eu não acredito que ouvi isso! — Dessa
vez, foi Stefany quem disparou. — Você precisa parar com esse tipo
de pensamento! Não existe isso de “mulher da relação”! — e fez
aspas com os dedos. — São dois homens! Dois. Homens.
— Se são dois homens, porque logo eu tenho que dar?! —
Meu tom de voz não escondia o quanto estava irritado com essa
péssima lógica da vida. Eu que ia me sujeitar a isso? Eu que ia me
foder, literalmente?
— Ah, Liam, alguém tem que dar, né? — minha irmã se
pronunciou com um importuno tom de obviedade. — E eu acho que
esse alguém é você — Eu?! Por que tinha que ser eu? — A não ser
que vocês fiquem somente na famosa guerra de espadas, não é?
Guerra de espadas? Mas, que história era essa de guerra de
espadas? Era cada expressão e nome esquisito que eu estava
aprendendo, depois que entrei nesse caminho da boiolagem, que
talvez eu precisasse de um glossário ou de um dicionário que falava
a língua do “boiolês”.
— Molly, eu não sei de nada sobre isso que você tá falando,
só sei que... — Ainda tentei me sobrepor a essa ideia de que
alguém tinha que dar e de que esse alguém era eu, no entanto foi a
voz da “sabedoria” que se sobrepôs à minha.
— Liam, espera... — a loira me interrompeu. — Não pensa
assim, tá legal? É claro que o Eric pode ser passivo também, mas o
“x” da questão aqui é que, independentemente disso, o Eric quer ter
a possibilidade de ser ativo. E eu acho isso mais do que
compreensivo.
— Compreensivo? Ah sim, claro, é altamente compreensivo
eu dar o meu mais precioso e fabuloso bem para aquele tarado de
uma figa. Isso é injusto! — disparei mais uma vez, pensando que, se
tinha alguém que devia ser o ativo da relação, esse alguém era eu.
Somente eu. — Eu sou homem e homens não dão!
— Para de falar besteira, Liam! Ser o passivo não vai te
deixar menos homem que o Eric, assim como ser ativo não vai te
deixar mais homem que o Eric. Homens dão sim e continuam sendo
homens! — Stefany tentou explicar. — Então, Liam, não pensa
assim. Isso não é injusto. Isso é experiência sexual com um parceiro
— e finalizou em um tom de voz tão ameno quanto o da minha mãe
quando queria me ensinar algo.
Experiência sexual com um parceiro? Ah tá!
— Então tá bom, que tenhamos uma experiência sexual sem
que eu precise ficar com minha bunda ardida e dolorida! — Sem me
dar conta, soltei um dos meus principais medos, porque, sim, podia
não parecer, mas eu sabia como funcionava sexo anal e não era
legal.
— E com certeza vai! — Molly tomou partido. — Eric vai ser
um príncipe, um cavalheiro! — O que ela estava querendo dizer com
isso? Que ele ia fazer uma mágica maravilhosa para eu não sentir
dor? Até parece! Isso não era a Disneylândia!
— Príncipe? Cavalheiro? — questionei praticamente fazendo
pouco do que ela estava falando. — Ele tá mais pra tarado, isso sim!
— Tarado demais, porque me surpreendia somente de pensar que
ele foi o primeiro a apresentar vontade de avançar algumas casas
naquele jogo.
— Por mais galinha que ele já tenha sido, Eric sempre foi um
cavalheiro na cama, Liam. Sempre — Molly replicou de maneira
enfática, olhando-me como quem não estivesse contando uma
mentira. Santa Vodca do Céu, era melhor eu voltar a beber minha
água com açúcar. — E ele manda muito bem, diga-se de passagem.
No exato instante em que virei o copo para beber o restante
da gororoba, a ouvi falando essas oito poderosas palavrinhas, o que
acabou me fazendo engasgar. Ele mandava muito bem? Eu estava
ouvindo direito? Inevitavelmente, isso despertou em mim uma
curiosidade perigosa.
— Tipo, muito bem mesmo? — perguntei, tentando disfarçar
a curiosidade nascente e... Outra coisa que estava nascendo dentro
de mim também era: a vontade. Não, não, não. Eu não podia ser tão
fraco assim. Com apenas oito palavras eu já estava imaginando se
ele mandaria bem comigo também? Não podia ser.
— Muito — balançou um sim com a cabeça de maneira
incisiva. — Talvez seja por isso que tantas garotas tinham, e ainda
tem, vontade de transar com ele. A fama é grande e boa. Você não
sabe o que tá perdendo.
Eu sempre soube que o Eric tinha lá a sua fama, porque não
era à toa que já dormiu com várias garotas, incluindo a minha irmã.
Mas, ele, por acaso, era um Yoda do Sexo? Não podia acreditar que
eu estivesse perdendo muita coisa assim.
— É mesmo? — indaguei, ainda tentando esconder a
perigosa curiosidade. Bom, fazendo uma ligação com os beijos que
me dava ou com a maneira como me pegava, talvez eu estivesse
perdendo algumas respirações ofegantes ou alguns orgasmos ou...
O quê?! Que absurdo era esse que eu estava pensando?!
— Confia no que eu digo, maninho — soltou uma piscadela
de olho para mim um tanto quanto maliciosa. Esperava que ela não
estivesse relembrando os infinitos momentos que tiveram na cama
em um passado não tão distante.
— Ok, essa conversa tá um pouco estranha, não é, Molly? —
Stefany replicou um pouco enciumada, ao mesmo tempo em que
soltou uma pequena risadinha de nervoso, mas, logo voltou sua
atenção para mim e para o assunto em questão. — O que acho é
que você deve tentar, Liam.
Ah, meu Zeus!
— Te-tentar? — inevitavelmente, gaguejei, imaginando,
mesmo que à contragosto, a maneira como eu podia tentar. E,
nessa maneira, eu me encontrava, mais especificamente, com as
pernas abertas para o Eric em cima de uma cama. Caralho, não.
Socorro.
— Sim, tentar, sem compromisso, apenas como uma
experiência para ver se gosta ou não — respondeu como se isso
fosse a coisa mais natural do mundo. Uma experiência para ver se
eu gostava ou não? Que coisa mais sem cabimento.
— É claro que eu não vou gostar de porra nenhuma! Que
absurdo! Claro que vai ser horrível tê-lo dentro de mim daquele jeito
tão brutal e primitivo — repliquei, pensando que era mais do que
lógico que eu ia odiar tê-lo em cima de mim, com sua boca
passando por todos os lugares possíveis e impossíveis... Aquela
boca tão... Tão... Gostosa.
Oh não, eu estava pensando de novo daquele jeito errado!
— Jeito brutal e primitivo que você adorava usar com as
meninas, né? — Stefany cruzou os braços e arqueou uma das
sobrancelhas para mim. — Eu sei muito bem disso e não preciso
explicar o porquê — Espera. Ela estava lembrando das vezes em
que a gente já transou? Eu sempre era um cavalheiro!
Tá, ok. Nem sempre. Talvez nunca. Na maioria das vezes,
era mais forte do que romântico, provavelmente diferente do Golden
Boy, que devia ser mais romântico do que forte. Por que o Eric tinha
que ser tão certinho?
— O que você está querendo dizer com isso? — Ainda me
arrisquei a perguntar, mesmo tendo quase certeza do que estava
passando pela sua cabeça. Pelo menos, não podia deixar de afirmar
que era muito bom, porque, modéstia à parte, eu era muito bom de
cama.
— Esquece, bobão — deu de ombros e logo voltou
novamente para o “x” da questão. — A questão aqui é entre você e
o Eric. Então, vamos tentar de outra forma, por outro caminho —
soltou um breve suspiro e analisou meu rosto, como se estivesse
pensando muito bem nas próximas palavras. — Quando você fica
com o Eric, quando beija o Eric, você não sente nada?
O que eu podia responder diante de uma pergunta como
essa? Bom, se eu dissesse que não sentia nada, estaria mentindo.
E, se dissesse que ficava complemente louco de desejo, ia parecer
um exagerado e desesperado. Era melhor responder de um jeito
mais contido.
Volvi meu olhar para ela, que me observava com total
entusiasmo. Provavelmente, devia estar esperando que eu dissesse
que o amava, que o adorava e que era completamente maluco por
ele. O que não era uma mentira. Quero dizer, não era uma mentira,
mas eu também não fazia questão de falar, porque meu nível de
boiolagem já estava extrapolando muito para o meu gosto.
— Ah, sei lá, eu gosto, é bom — limitei-me apenas a falar
isso. Claro que não ia entrar em detalhes sobre o que eu sentia
quando aquela boca sensacional se encostava à minha ou quando
aquelas mãos tão fabulosas quanto as minhas percorriam o meu
corpo.
Em um piscar de olhos, todo o entusiasmo do rosto da
Stefany desapareceu, dando lugar a um semblante de tédio e
desgosto para comigo. Eu tinha raiva daquela garota porque sabia
que ela sempre soube quando eu tentava esconder algo. Pessoa
mais esperta não existia.
— Só isso? — O desapontamento era perceptível em seu
tom de voz. — É só bom? Você nunca sentiu algo mais, tipo... —
parou, cerrou um pouco o olhar em minha direção e finalmente
soltou a última palavra da pergunta. — Tesão?
Ah meu Thor, lá vinha ela querendo insinuar coisas, apesar
de que não era tão difícil de imaginar que eu morria de tesão por
aquele imbecil. Perdia totalmente a compostura quando estava ele,
mas era claro que eu não precisava entrar em detalhes assim.
— Te-tesão? — gaguejei um pouco e pigarreei a garganta,
tomando fôlego para responder. — Um pouco — limitei-me apenas a
responder isso.
Assim que fechei a boca, a loira me encarou com
exasperação. Ah, que saco! Será que essa garota nunca ficava
satisfeita? Ela queria mesmo que eu falasse que estava louco para
dar pra ele?!
O quê?!
Ai meu Deus! Olha só o que eu estava pensando! Vai
quebrando, senhor, toda maldição, meu pai!
— Liam, eu preciso que você seja sincero! — exigiu,
deslizando pela cama e aproximando-se ainda mais de mim. — Eu
te conheço bem demais e sei quando você está omitindo
informações!
Ai que inferno de vida! Stefany sempre me fazia dizer o que
eu queria guardar no mais profundo do meu ser!
— Tá bom, tá bom! — revirei os olhos e confessei à
contragosto. — Eu sinto muito tesão, fico completamente excitado e
perco totalmente a compostura. Satisfeita? — Realmente esperava
que sim, porque não estava muito a fim de continuar revelando
todos os sentidos que o Eric despertava em mim.
— Ótimo! — finalmente sorriu com entusiasmo. — Já é um
ótimo começo para o nosso diálogo! Mas, me conta... — e inclinou
seu corpo em minha direção, em um claro gesto de que eu tinha sua
total atenção. — Esse tesão aí já despertou outros sentimentos? Já
despertou alguma vontade?
Sentimentos? Vontade?
— Onde você está querendo chegar? — questionei com o
cenho franzido, pois a conhecia tão bem quanto ela me conhecia, e
sabia que Stefany nunca dava ponto sem nó. Na verdade, no fundo,
eu já sabia onde ela queria chegar com isso.
— Oras, só quero te ajudar a esclarecer as coisas, então
preciso que colabore. — Ah, claro, que eu precisava colaborar.
Devia ser colaborar em passar vergonha, porque era a única coisa
que ia acontecer se eu confessasse o que não queria dizer. — Por
isso, me diga se esse tesão já despertou outras vontades.
No entanto, apesar da vergonha, inevitavelmente, me
recordei do que aconteceu no quarto do Eric e do que eu senti e
pensei no momento em que ele estava me beijando. Eu... Eu... Oh
céus... Eu o queria dentro de mim. E eu sabia que, por mais que, em
um primeiro momento, eu tivesse pensado nisso com ingenuidade,
essa vontade tinha outra conotação.
Uma conotação que eu queria me condicionar a não aceitar,
embora sentisse que era o que o meu corpo mais queria. Isso era
uma verdadeira loucura. A primeira vez que me sentia assim, a
primeira vez que desejava outro homem, a primeira vez me via tão
confuso.
— Assim... — dei um breve suspiro e, mesmo sem acreditar
no que ia falar, acabei confessando mesmo por cima e de maneira
pouco direta. — Mais ou menos. Um pouco.
— Pouco como? — Dessa vez, foi Molly quem pergunta. Por
Hades, eu estava sendo interrogado por duas mulheres. E, até onde
eu sabia, duas mulheres muito curiosas.
Eu não vou falar. Claro que não. Não vou, não vou, não vou.
Ai que bosta. Eu vou sim.
Senti as palavras querendo escapar da minha boca. Parecia
que ficar com o Eric estava fazendo eu me tornar uma pessoa mais
verdadeira. Eu não conseguia mais omitir absolutamente nada por
muito tempo. Isso só mostrava o quanto aquele infeliz estava me
transformando em outra pessoa.
— Ah sei lá, pensei umas coisas hoje, na hora que a gente
estava se beijando. — As palavras realmente escapavam da minha
boca e isso era fodidamente inevitável. Onde eu ia parar agindo
assim? Daqui a pouco, não ia conseguir, nem mesmo, esconder da
sociedade que estava ficando com ele. Credo.
— E que coisas são essas? — Dessa vez, foi Stefany quem
questionou. Claro, muito mais questionadora que a Molly, embora
minha irmã estivesse aprendendo direitinho a ser assim também.
Feitas sob medida uma para a outra.
— Ai, Stefany! Coisas! — repliquei já sentindo meu rosto
queimar de vergonha, porque eu sabia que, uma hora ou outra, ia
acabar falando. Mais uma pergunta e, com certeza, não conseguiria
conter as palavras que insistiam em sair. Merda.
— Fala logo, idiota! — exigiu, claramente já sem paciência
para minhas omissões.
— Que saco! Eu senti a vontade de tê-lo dentro de mim! —
despejei todas as palavras o mais rápido que conseguia e, quando
me dei conta de que tudo o que tinha saído, joguei meu corpo de
supetão na cama e afundei meu rosto no travesseiro. — Ma-mas foi
totalmente na inocência! — Com as forças que ainda me restavam,
tentei me justificar, mesmo com minha voz saindo abafada. —
Somente depois, eu fui perceber a dupla conotação que isso pode
ter.
— Ah, Liam! — Stefany, com uma voz totalmente
entusiasmada e alegre, me puxou pelo braço, fazendo-me sentar
novamente na cama. — Não acredito, finalmente! Agora sim! Agora
chegamos onde eu queria! Não acha que essa vontade diz muito
sobre o que você realmente quer?
Ai meu Zeus do Céu!
— Você está querendo dizer que eu realmente quero dar pra
ele?! — questionei completamente abismado e assustado comigo
mesmo, porque eu sabia que no fundo, bem no fundo, a resposta
para essa pergunta era um grandioso e pesado sim.
— Olha, foi você quem, mesmo na inocência, sentiu vontade
de tê-lo dentro de si... Então, eu presumo que... — e parou no meio
da frase, dando a entender que eu realmente queria que o
famigerado ato sexual se consumasse.
Eu não queria, eu juro que eu não queria! Mas, era
impossível ao menos não cogitar a possibilidade, quando eu estava
em cima dele, com uma perna de cada lado da sua cintura,
beijando-o ardentemente e sentindo suas mãos espertas
percorrerem o meu corpo inteiro. Era muita tentação!
Na verdade, o Eric, por completo, era uma pura tentação!
Aquele rosto, aquele corpo, aqueles beijos, aquela pele, aquele jeito
de ser. Antes parecia um moleque, mas agora eu o via como um
homem. Ele mudou tanto nos últimos tempos, que eu só conseguia
dizer que...
— Ah, Stefany... É que ele é tão... Tão...
— Tão?
Eu não podia acreditar no que ia dizer! Mas, já bastava de
mentir e de omitir para elas o que todo mundo conseguia ver, até
porque tenho certeza elas mesmas viam isso. Afinal, todo mundo
achava o Eric gostoso, não era mesmo? Eu era só mais um em um
milhão.
— Tão gostoso, tá legal? Tão maravilhoso e perfeito. A gente
estava em um climinha na cama dele, eu estava totalmente
envolvido e acabei pensando nisso. Ele me faz pensar nisso. E me
faz ter ainda mais raiva dele por despertar essas vontades em mim.
Joguei todas as palavras de uma só vez, tentando não me
preocupar com as consequências, nem com o que elas iam dizer
sobre isso. Apenas falei o que estava saltando do meu peito há
tanto tempo e o que estava ainda mais claro depois do episódio do
quarto.
— Ah, Liam... — com um tom de voz ameno e amigável,
Stefany segurou de maneira afável uma das minhas mãos. — Você
está totalmente a fim de fazer. Dá pra ver no seu rosto. Para de
negar o óbvio. Você já deu tantos passos, então não regride agora.
Vai em frente e larga qualquer medo.
Como assim? Estava tão na cara que eu me tornei um boiola
ao ponto de querer ser realmente o passivo da história? Por Thor,
não estava me reconhecendo. Estava com tanto medo.
— Dá pra ver no meu rosto? — incrédulo e assustado,
perguntei, com os olhos levemente arregalados, ainda tentando
assimilar todas essas informações, porque, definitivamente, era tudo
muito novo para mim.
— Dá sim e eu tenho certeza que vai ser maravilhoso pra
vocês dois — Dessa vez, foi Molly quem se pronunciou. Por Zeus,
não era só a Stefany quem via isso na minha cara, mas a minha
irmã também! — Só vai, maninho, e faz o que tem de ser feito.
— Ah, gente, eu... — dei um breve suspiro, tentando
compreender toda essa loucura que estava acontecendo comigo. —
Que merda, não sei... E-eu tô com tanto medo e... — No exato
instante em que tentei prosseguir com meus devaneios expressados
através de falas, senti algo em meu bolso vibrar incessantemente.
— Meu celular tá tocando... — tirei-o do bolso da calça jeans e olhei
para a tela. — Droga, é o Eric, ligando e mandando mensagens pela
centésima vez.
— Ai, coitado do meu irmão! — Stefany disse com um tom de
voz levemente aflito, balançando a cabeça em negativo. — Depois
eu vou conversar com ele e pedir pra se acalmar.
Continuei observando a tela do celular, enquanto passei um
rápido olhar por cima das mensagens. Notei que todas
demonstravam preocupação pela forma como eu saí da casa dele,
mas foi o “melhor” que eu consegui fazer, já que, se eu tivesse
ficado lá, poderia ter falado o que eu não devia.
— Eu não sei como não explodi lá na casa de vocês, depois
do que aconteceu — confessei para a loira. — Eu precisei de muita
força, porque o Liam de um tempo atrás explodiria com toda
certeza!
— Não explodiu porque você está aprendendo a ser outra
pessoa e, principalmente, porque gosta dele — respondeu,
deixando um breve sorrisinho se desenhar em seu rosto. — Você
gosta muito dele. Não explodiria mais como antigamente.
— Isso tudo ainda é muito confuso pra mim. Me tornei um
virgem de novo, sabe? Eu me sinto virgem e isso é tão estranho —
confessei novamente, passando as mãos pelo rosto e deslizando-as
pelos cabelos, em um claro gesto que demonstrava a bagunça que
estava a cabeça.
— Eu sei que é confuso e estranho — falou de maneira
compreensiva e, com todo carinho, me abraçou. — Mas, tenta...
Tenta sem compromisso, somente como uma experiência. Ninguém
vai te obrigar a nada, muito menos o Eric. Eu sei que, no fundo,
você quer tentar.
Aproveitando o momento, Molly aproximou-se de nós e
também nos abraçou, envolvendo-nos de maneira carinhosa.
Finalizou a conversa com uma frase que, há poucos minutos eu não
queria acreditar, mas que, no fundo, me fazia o admirar ainda mais
pela pessoa que ele era:
— Eu tenho certeza absoluta que o Eric vai ser muito príncipe
e cavalheiro contigo na hora.
Dez sorrisos
Eric
❖❖❖
Eric
Meu Deus, ele queria conversar, mas colocou apenas essas duas
palavrinhas. Eu poderia considerar isso como um bom ou mau
sinal? Bem, se eu fosse levar em consideração o jeito e a
personalidade do Liam, não teria como achar resposta para essa
pergunta, já que, em quaisquer situações comigo, ele sempre foi um
tanto quanto fechado, especialmente depois do que aconteceu no
quarto.
Okay, eu precisava manter a calma, mas, droga, não
conseguia me conter com esse seu sinal de vida, porque pensei que
ele nunca mais fosse trocar qualquer palavra comigo. Então, por
mais que tivesse sido curto e seco na mensagem, meu coração já
pulava em batidas incessantes, imaginando que eu poderia ter mais
uma chance de consertar a burrada que fiz.
Eu só queria poder dizer a ele que ficaria tudo bem, que eu
não iria forçá-lo a nada e que esperaria pacientemente pelo
momento em que, enfim, ele se sentisse preparado para fazer aquilo
que casais faziam. Se ele se sentisse preparado somente daqui a
vinte anos, eu esperaria os vinte anos completos sem reclamar,
porque, para mim, o que mais importava era ficar com ele, com ou
sem sexo.
Por mais sexualmente ativo que eu fosse e por mais que
quisesse tê-lo por inteiro em minha cama, a garantia de que ficaria
comigo excedia qualquer outra preocupação e o sexo se tornava
apenas um bônus ou a cereja do bolo. Um bônus por tê-lo comigo e
a cereja do bolo do nosso relacionamento. Ou seja, transar nada
mais era que uma mera consequência daquilo que sentíamos um
pelo outro, não era a parte mais importante.
A parte mais importante era ficarmos juntos e era exatamente
isso o que eu gostaria de falar olhando nos seus olhos. Infelizmente,
fui impedido por meu pai e seus inúmeros projetos de engenharia
civil, mas, agora que já estava livre de tudo isso, eu iria correndo até
a sua casa, se ele me permitisse, claro. Depois de sua mensagem,
a hora avançada não mais me preocupava, porque tudo o que eu
mais queria era vê-lo. Assim, segurando o celular entre dedos,
digitei uma resposta o mais rápido que pude.
“Eu posso ir na sua casa agora? Quer dizer, a gente pode
conversar agora? Mas só se você quiser. O que você quiser tá bom,
porque eu quero o que você quer.”
Deus, eu estava tão atordoado que ele, provavelmente,
perceberia somente com aquela resposta. Eu precisava ser mais
seguro de si e, definitivamente, eu era, mas a situação não estava
me ajudando a deixar em evidência essa minha característica. Eu
parecia uma criança vivendo o primeiro amor. Não que eu fosse
uma criança, mas, poxa, eu estava vivendo o primeiro amor sim.
Inseguranças infantis e patéticas, mas necessárias para alguém que
nunca tinha vivenciado algo assim.
“Não. Não quero que você venha aqui agora. A gente conversa
amanhã.”
E, então, essa foi a sua mensagem de volta. Ele queria
conversar, mas somente no dia seguinte. A pergunta que não calava
em minha mente era: eu conseguiria dormir? A resposta para isso
era mais fácil e simples que qualquer outra. Era mais do que óbvio
que eu não teria uma noite de sono plena e em paz. Liam Tremblay
estava tirando de mim todos os meus resquícios de sanidade, mas,
como eu disse, o que ele quisesse estava bom, porque eu queria o
que ele quisesse.
“Amanhã a gente vai viajar para as quartas de final. Você quer
conversar lá mesmo?”
Enviei, mais uma vez, por dois motivos: primeiro, necessitava
trocar mesmo que míseras palavras com ele; e segundo, talvez, por
conta de tudo, ele não estivesse se lembrando que iria viajar com o
time inteiro. Então, não sabia se ele se sentiria confortável em
conversar em um local assim. Por mim, eu o encontraria naquela
mesma hora, mas, bem, não era assim que funcionava. Não quando
se tratava do Liam.
“Sim. Boa noite.”
E com apenas três palavras, ele me deixou querendo muito
mais, porque eu sempre queria mais dele. Nenhuma palavra era
suficiente o bastante. Droga, eu estava completamente entregue.
Entregue e confuso, porque não sabia como essa conversa iria
acontecer. Teríamos um momento a sós antes ou depois do jogo?
Onde poderíamos nos encontrar com privacidade? De toda forma,
preferi não lhe encher com mais perguntas. Já bastavam todas as
cinquenta mil ligações e mensagens que eu tinha feito. Devagar e
sempre, esse era o lema.
“Boa noite e durma bem.”
Finalizei assim, querendo falar muito mais do que essas cinco
palavrinhas, mas, bom, não agora. Tudo no tempo certo. Com o
Liam eu precisava ir com calma e esperar o momento dele para
cada coisinha. Ele era assim e eu não reclamava disso, porque cada
um tinha um jeito diferente de encarar as situações da vida,
especialmente ele, que sempre foi muito preconceituoso até consigo
mesmo.
Guardei, então, o celular no meu bolso e, erguendo meu
rosto, notei que George ainda estava se despedindo do Alex na
porta da nossa casa. Provavelmente, estava dando-o alguma
informação sobre os trabalhos. Como não queria me envolver mais
em nada sobre os seus projetos, pelo menos não naquela noite, saí
sorrateiramente do escritório e segui em direção à escada que dava
acesso ao andar dos quartos.
No entanto, quando coloquei o pé no primeiro degrau, ouvi a
voz de Stefany ao passar por eles na entrada e vir em minha
direção, tagarela como sempre. Ela estava chegando em casa e
vindo de algum local que eu, claro, não fazia ideia de qual se
tratava, porque ela era assim: livre, leve e solta. Ia e vinha para
onde tinha vontade e quando tinha vontade.
Não precisei ao menos me virar para cumprimentá-la, com
seu jeito espaçoso e extrovertido, logo passou um dos braços por
mim, enlaçando-me pela cintura, sem dar-me tempo de até mesmo
retribuir. Como eu amava essa garota! Talvez eu estivesse
precisando de algo assim para dormir um pouco mais sossegado.
Ainda bem que morávamos debaixo do mesmo teto.
— Como você tá, heim, maninho? — perguntou como se já
soubesse o que estava acontecendo. Ela tinha algum tipo de sexto
sentido ou o quê? Na verdade, talvez estivesse estampado em
minha cara tudo aquilo o que eu estava passando, principalmente
depois de ter trocado todas aquelas mensagens com o Liam. Ou
talvez... Não, não era possível que ele tivesse contado. Ele era
muito fechado para fazer esse tipo de coisa até mesmo com a
Stefany.
— Não muito bem, Ste — Com uma voz um tanto quanto
desanimada, respondi, porque, diferente do que eu achava, não era
tão fechado quanto ele, a ponto de não falar sobre os
acontecimentos com a minha própria irmã. Eu precisava de alguém
para desabafar antes de dormir e ela parecia ser a pessoa perfeita
isso. Ela sempre era perfeita.
— É, eu sabia que você falaria isso — replicou com um tom
afável, fazendo-me parar no meio da escada. Do que estava
falando, afinal? — Nunca consegue esconder nada de mim — e
sorriu, deixando-me ainda mais de orelha em pé. Ela sabia do que
tinha acontecido? Mas, como? Até onde eu me lembrava, ela não
estava em casa quando tudo aconteceu.
— Você sabe o motivo? — questionei quase em um sussurro,
para que ninguém nos ouvisse, observando pelo cantinho do olho se
o George não estava por ali. Tinha receio que ele nos visse falando
sobre isso e perguntasse do que se tratava, por mais que, pelos
meus gostos, eu já tivesse, há muito tempo, exposto o meu
relacionamento para qualquer pessoa. Mas, existia o Liam e ele
ainda não estava preparado para isso.
— Claro que sei, seu bobo — deu-me um pequeno sorrisinho,
bagunçando meus cabelos. — O Liam me contou — sussurrou,
como uma criancinha que falava sobre traquinagens, deixando-me
completamente boquiaberto. Isso era sério? Ele teve coragem para
falar abertamente com alguém sobre o que tinha acontecido? Eu
sabia que Liam e Stefany sempre tiveram uma boa amizade, mas
duvidava que ele falasse até mesmo para ela. — Vem! Vamos lá
para o seu quarto — e me puxou rapidamente pelas escadas.
Entrou em meu quarto, fechando a porta atrás de si, e, de
maneira entusiasmada, aproximou-se de mim, empurrando-me até a
cama.
— Eu tô tão feliz por vocês! — e pulou em pescoço,
deixando-me ainda mais confuso e fazendo-me cair sobre o
colchão. Como ela podia estar tão feliz assim, se o que o aconteceu
nós, foi um belo de um desentendimento?
— Espera, Stefany... — falei um pouco receoso, tirando-a de
cima de mim e sentando-me sobre a cama. — Calminha aí — Na
verdade, era eu quem estava tentando se acalmar. — O Liam falou
pra você sobre o que aconteceu? — questionei totalmente incrédulo.
— Falou sim, bebê — respondeu, soltando uma leve
risadinha de quem estava se divertindo com a situação. E, bem, na
minha cabeça, aquela não era uma situação divertida. Discutimos,
passei a noite inteira tentando falar com ele, fui impedido de ir até a
sua casa, e, por fim, recebi apenas uma mísera mensagem. Não,
não era um momento bacana. — Por que o espanto? Eu consigo
arrancar do Liam mais coisas do que você imagina.
Bom, um dia ela deve ter arrancado muitas coisas mesmo
dele, mas arrancar isso? Definitivamente, ele sempre me
surpreendia. Era uma verdadeira caixinha de surpresas.
— Eu não pensei que ele fosse dizer logo isso — confessei,
dando ênfase na palavra “isso”, afinal, querendo ou não, estávamos
tratando da intimidade de um casal. No entanto, tão logo me calei,
minha mente deu um estalo, porque se eles conversaram, ela devia
saber como ele estava. — Ste, como ele tá? — perguntei, sedento
por uma boa resposta, e deslizei pela cama, aproximando-me dela
com uma avidez de quem se sentia desolado. — Me fala, ele tá
bem?
— Calma... — Soltou uma pequena risadinha pelo nariz,
balançando levemente a cabeça para minha ânsia. — A Molly me
ligou, dizendo meio que por cima o que tinha acontecido e me pediu
que eu fosse lá pra ajudar. Nós conversamos e bom... — hesitou um
pouco antes de prosseguir, mas logo completou a frase. — Ele está
bem sim. Claro que eu não posso dizer que foi fácil, porque você
conhece muito bem o Liam e sabe como ele é, mas...
— Mas? — indaguei expectante por uma resposta. Uma boa
resposta. Eu precisava saber como ele estava encarando aquilo
tudo, já que não consegui identificar absolutamente nada com suas
poucas palavras nas mensagens que mandou. Ele foi muito evasivo,
enquanto eu, mesmo que tentando manter o controle, ansiava por
saber mais.
— Mas... — suspirou, apresentando um sutil sorriso em
seguida. — Não quero falar pelo Liam aquilo que ele tem pra te
dizer na conversa que vocês vão ter. — Meu Deus, ela sabia até da
conversa? Então, ele tinha contado tudo mesmo. — Só quis vim
aqui porque, sabendo como o meu irmãozinho é, eu estava sentindo
que você não iria conseguir dormir com a preocupação. Então, pra
que você tenha uma boa noite de sono, só quero digo isso: relaxa.
Relaxar? Se ela me conhecia tão bem assim como dizia,
sabia que eu ficaria ainda mais ansioso e curioso. Por isso, não
hesitei em pedir algo no segundo seguinte:
— Por favor, me fala o que ele tem pra me dizer. Agora que
não vou conseguir dormir mesmo. Vou ficar pensando nisso —
admiti, praticamente suplicando-a.
— Claro que não, né? — sorriu de modo travesso. — Está
pensando que eu sou o quê? Uma menina de recados? — e me
olhou com uma fingida soberba, que de imediato deu lugar a um
semblante gaiato. — Tô brincando... Eu só acho que seria muita
sacanagem eu dizer — falou, levantando-se da cama. — Espera,
maninho, porque ele vai conversar contigo amanhã.
— Mas, Ste... — Ainda tentei sibilar algo que pudesse
convencê-la a dizer. Inclusive, eu quase a prometi que faria uma
fingida, mas excelente, cara de surpresa quando ele, enfim,
conversasse comigo. No entanto, antes que eu conseguisse
prosseguir, logo fui interrompido.
— Não, nem vem, Eric — balançou a cabeça em negativo,
afastando-se de mim e caminhando de costas até a porta. — Só
relaxa e durma como um anjo, porque amanhã vocês vão conversar
— tocou na maçaneta, dando-me um último olhar. — Ah, se quer
uma dica, procura na internet sobre sexo gay — e, com um sorriso
arteiro e uma breve piscadela, saiu do meu quarto antes que eu
pudesse perguntar qualquer coisa sobre isso.
Sexo gay? Como assim? Por que eu deveria pesquisar sobre
sexo gay na internet? Ela estava querendo dizer nas entrelinhas
que... Não, não podia ser. Eu não deveria sonhar tão alto, nem criar
esperanças. Liam não iria aceitar, principalmente pela maneira como
saiu da minha casa. Ele era uma pessoa difícil, que demorava para
entender certas coisas, por isso eu não deveria me iludir.
Ou talvez... Oh não. Balancei a cabeça, tentando dissipar os
pensamentos sobre a tal dica que Stefany me passou, e deitei-me
de súbito na cama, afundando meu rosto no travesseiro e pensando
que o melhor que eu poderia fazer, naquele instante, era dormir
como se não houvesse amanhã. Sim, porque, se eu pensasse no
dia seguinte, provavelmente não iria conseguir pregar os olhos. E,
bom, eu precisava estar bem descansado para o jogo.
Assim, sem levantar-me, ou seja, deitado mesmo, descalcei
meus coturnos, jogando-os no chão, tirei a roupa, colocando-a no
criado mudo ao lado da cama e ficando somente de cueca.
Desliguei a luz do quarto, que ficava em um interruptor próximo a
mim, e me cobri com edredom, fechando os olhos e me
concentrando para dormir.
Não fazia ideia de quantos minutos ou horas haviam se
passado, apenas sabia que bolei incessante sobre a cama, de um
lado para o outro, por muito tempo, sem conseguir pegar no sono.
Droga, eu precisava de descanso para o dia seguinte, mas, a cada
momento em que fechava os olhos, a imagem dele surgia a mente e
me despertava. Talvez eu estivesse ficando louco com aquela
situação.
Já sem paciência, bufei com exasperação e afastei
bruscamente o edredom, tirando-o de cima de mim. Eu não
conseguia parar de pensar na última frase que Stefany que havia
me dito. Então, quando, enfim, decidi parar de lutar contra a insônia
e abri os olhos, lá estava ele sobre minha escrivaninha: o notebook.
O pensamento do segundo seguinte representou parte da minha
confusão: será que eu devia mesmo pesquisar?
Oh, não. Eu não devia, porque poderia criar esperanças com
algo que não se tornaria realidade. Mas, por outro lado, aquilo
despertou minha total curiosidade, ao ponto de não conseguir
adormecer. Sexo gay era tão diferente de sexo hétero? E se eu
pesquisasse só um pouquinho? Talvez cinco minutinhos não
fizessem tanta diferença. Eu não iria conseguir dormir mesmo.
Então, dando de ombros para o receio e abrindo os braços
para a bisbilhotice, levantei-me da cama e segui rumo à
escrivaninha, sentando-me na cadeira. Com um breve suspiro, liguei
o notebook e, em poucos minutos, a página do tio Google já estava
aberta frente aos meus olhos. Digitei, então, duas palavrinhas
poderosas na caixa de pesquisa: sexo gay.
Okay, só apareceu vídeo pornográfico, mas eu não queria ver
isso, assim como sabia que, quando a Stefany pediu para que eu
pesquisasse, ela não estava referindo a esse tipo de conteúdo. Eu
sentia que ela queria que eu me informasse, lesse alguns textos,
algumas matérias. Coisas desse tipo. Portanto, fui novamente na
lupa de busca e digitei: tudo sobre sexo gay.
O primeiro artigo que apareceu era chamado de “O que as
escolas deveriam ensinar sobre sexo gay?”. Achei o título
interessante e cliquei para saber o que o texto trazia. Com a leitura,
pude identificar algumas frases-chaves, cuja primeira era “sexo não
é somente entre homem e mulher”. Claro, nas aulas de biologia
parecia que os professores esqueciam de mencionar que pessoas
do mesmo sexo também transavam.
Outra frase em destaque era “seu prazer não vem só do
pênis”. Engoli em seco ao ver as outras três palavras que se
sucederam, porque, bem, com as garotas eu usava somente o meu
órgão genital mesmo, não aqueles elencados ali: “o períneo, o ânus
e o saco escrotal”. Okay, talvez eu tivesse passado muito tempo da
minha vida utilizando-me de poucos recursos na hora do sexo.
Ainda pude ver também “a próstata é sua melhor amiga,
entenda como ela funciona”. Certo, eu queria ter a oportunidade de
ser ativo com o Liam, porque eu não podia negar que meu membro
clamava por aquilo, mas, sei lá, não descartava a possibilidade de
ser passivo algum dia na vida. Afinal, eu duvidava muito que ele
quisesse usar somente a parte traseira para todo o sempre. E,
nossa, eu já estava pensando nele mais uma vez e numa
possibilidade remota. Sim, eu precisava me concentrar para ler sem
criar expectativas.
Rolei a tela para baixo e vi “o lubrificante também faz parte da
sua rodinha de amigos”. Inclusive, ponto importante, porque, pelo
menos, eu sabia que o ânus não tinha a mesma lubrificação que
uma vagina. E, para completar, letras quase garrafais surgiram em
minha frente com: “não use óleos de bebê, sabão e, muito menos,
itens de culinárias. Compre o produto apropriado na farmácia”.
Credo, que tipo de itens de culinária o texto estava se referindo?
Manteiga? Preferia nem imaginar. Próximo!
Baixei novamente o texto e, quando me dei conta, lá estava:
“o seu sexo não tem nada a ver com o pornô gay que você assiste”.
Bom, eu nunca havia assistido pornô gay, somente os héteros, mas,
sempre soube que realmente não tinha nada a ver. Então,
provavelmente, quando o assunto era relação íntima entre dois
homens, aqueles vídeos deviam ser utópicos também. Até porque
sexo anal talvez doesse um pouco, se não fosse feito com cuidado.
Atenção para ritmo e posição eram importantes. E, lógico, eu iria
com jeitinho com ele.
Um pouco mais à frente, outra frase em destaque surgiu
“sexo gay não é só sexo anal”. Talvez alguma língua por aqui ou
algum dedo por ali fizesse também uma boa diferença. Céus, eu
não podia nem imaginar isso, porque meu corpo já queria
apresentar sinais entre minhas pernas. Próximo. Pulei algumas até
encontrar algo que me fez relembrar o que aconteceria no dia
seguinte: “a melhor forma de melhorar sua transa é conversando
com o parceiro. É importante falar abertamente sobre medos,
fantasias, frustrações e posições sexuais.”
Não que fôssemos conversar especificamente sobre isso. Na
verdade, eu nem sabia sobre o que ele queria falar, já que a Stefany
fez o favor de não me contar. Mas, enfim, o texto estava mais do
que certo, porque nós precisávamos de um diálogo, sim. Eu
precisava passar confiança a ele, assim como ele precisava sentir
segurança em mim. De toda forma, era melhor eu parar de pensar
nisso, ou, definitivamente, não conseguiria dormir naquela noite.
Então, quando estava quase concluindo minhas pesquisas,
desci um pouco mais a página e vi “você precisa ter uma camisinha
sempre. HIV/AIDS não é a única doença sexualmente
transmissível”. Eu sempre tomei cuidado quando pretendia ter
relações sexuais com alguém, assim como tinha quase certeza de
que Liam também o fazia. De todo modo, esse era um ponto
importante, tanto para nós, quanto para todas as outras pessoas,
fossem elas ativas ou passivas.
Por fim, minimizei uma das abas e, quando ia fechar a outra,
um nome curioso apareceu. Era nada mais, nada menos, que:
chuca. Mas, que diabos era isso? Cliquei em cima do nome e...
Enema? Chuveirinho? Mangueirinha? Duchinha? Lavagem retal?!
Meu Deus, talvez eu já estivesse passando dos limites nas
pesquisas. Era melhor deixar isso para outro dia. Depois, bem
depois, eu leria mais sobre isso, porque, naquele momento, o
melhor que eu podia fazer era dormir.
Desliguei o notebook, caminhei até a cama e me deitei com a
cabeça trabalhando, quase que de maneira incessante, nas
informações recém recebidas. No entanto, aquilo que tomava mais
ainda meus pensamentos não eram as pesquisas que eu tinha feito,
era ele. E eu nem sabia como ele estava naquele momento, se
estava dormindo, ou se estava com dificuldade assim como eu. De
qualquer maneira, fechei os olhos e tentei sonhar. Com ele.
Uma caixinha de surpresas
Eric
Eric
❖❖❖
Liam
Tentar...
Essa era a palavra da vez e...
Meu Zeus do Céu, eu ia transar com um homem? Ele quem
ia usar aquele troço comigo? E ele quem ia colocar aquele troço em
mim? Meu coração acelerava somente de pensar nisso, mas eu
precisava manter a calma, manter a pose. Estava tudo sob controle,
não estava? Tudo na mais perfeita ordem, tudo como deveria ser,
tudo... Só que não. Eu estava quase fazendo uma novena para a
Santa Vodca do Céu desde aquele momentinho em que eu disse
para ele que queria que acontecesse no final de semana.
Ia acontecer, Thor.
Eu não podia negar que estava com vontade de... Okay, de
experimentar. Sim, esse era o maior fato da minha fabulosa vida de
dezoito anos: curiosamente, eu estava curioso com uma curiosidade
curiosa. Quando eu poderia imaginar que no auge da minha
digníssima heterossexualidade eu fosse querer um intruso daquele
entre as minhas pernas? Só podia ser piada. Mas, não adiantava
desmentir: eu desci de tobogã rumo ao Vale dos Homossexuais.
A Molly dizia: “ah, você não sabe o que está perdendo!”, “ah,
o Eric manda muito bem!”. Cara, ela estava me incitando! Sério, eu,
que sempre fui curioso por natureza, fiquei ainda mais tentado.
Enquanto isso, a Stefany dizia: “ah, o Eric vai ser um príncipe
contigo”, “ah, ele vai com jeitinho”. Príncipe? Jeitinho? Isso era
verdade? Eu não sabia o que pensar, nem o que raciocinar, nem o
que dizer. A única coisa que eu tinha certeza era: eu estava com
vontade.
Tinha loucura maior do que querer?
Por outro lado, enquanto o meu interior estava assim:
nervoso, conturbado, saltitante e inquieto, meu exterior estava:
pleno. Sim, íntegro, absoluto, invejável. Tentei de todas as formas
não perder a cabeça com ele em sua casa, depois do ocorrido, nem
transparecer muita insegurança quando conversamos nos fundos do
pub. Aparentemente, eu estava maduro e convencido do que queria.
Não que isso fosse uma mentira, porque, sim, eu havia melhorado
em muitos aspectos, mas...
Okay, eu estava tentando.
Eu sentia segurança no que ele dizia, principalmente quando
falou que esperaria o tempo que fosse para que eu me sentisse
realmente à vontade. Mas, esse tempo chegaria? Tinha certeza que
não. A vontade era inversamente proporcional à tranquilidade.
Vontade: dez. Tranquilidade: zero. Ou seja, isso precisava ser feito
como quem tirava um curativo, um band-aid: sem pensar muito e de
olhos fechados. Se fosse algo muito inconsequente, eu não faria,
faria? Tudo não passava de medo.
E eu com medo parecia uma mulherzinha. Droga.
Ah, poxa, que bobagem! Era só transar! Oras, o que tinha
demais numa transa? Nada... Nada... Tudo! Ai, meu Zeus, tudo! Eu
já estava massageando inconscientemente o meu bumbum. Credo.
Mas, parando de pensar no futuro e focando no que já tinha
acontecido, depois que nos falamos e ficamos um tempo nos fundos
do pub, conseguimos voltar para a festa, separadamente, sem
ninguém perceber. Para não dizer que não perceberam, Robert,
claro, perguntou onde eu tinha ido, porque aparentemente “sumi”
por alguns minutos. O detalhe era que, mesmo beijando uma garota,
o cara ainda prestava atenção no que eu fazia ou deixava de fazer.
Quase eu falava para ele ir transar em vez de ficar enchendo o meu
saco.
Pelo menos, ninguém tinha visto a escapadinha que eu e o
Eric demos, afinal, depois que voltamos para o interior do local, não
notamos nenhum olhar diferente, nem algo que achássemos
estranho ou suspeito. Eric continuou com os caras do time que eram
mais próximos a ele e eu... Bem, eu continuei desviando das
garotas que me puxavam para dançar. Definitivamente, eu ainda
gostava de mulheres, claro, gostava pra caramba. Mas, não era
mais a mesma coisa. Eu não sentia mais tesão em ficar me
esfregando com elas, nem em provar para os outros o quanto eu era
um garanhão. Apenas segui bebendo, e não muito.
Tudo era novo e estranho para mim. Eu ainda tinha um pouco
do Liam que sempre fui, mas, ao mesmo tempo, eu notava que algo
diferente estava em mim.
No dia seguinte, depois que acordamos, logo pela manhã
partimos para viagem de volta à Londres. Pela Santa Graça de
Cher... O quê? Cher? Caramba, eu estava cada vez mais gay! Okay,
corrigindo... Pela Santa Graça de Thor, nenhum de nós ficamos de
ressaca, porque senão o técnico podia cortar até o nosso pinto. O
caminho foi ainda mais calmo que a ida, mas a diferença era que,
mesmo calados, guardávamos dentro de si toda a felicidade
extravasada no pub por termos conseguido entrar na semifinal do
campeonato.
Na volta, para não dar tanta “bandeira”, não me sentei
novamente ao lado do Eric, mesmo estando com muita vontade de
fazer isso. Escolhi ficar próximo aos meus amigos, assim como ele
também o fez. Mas, não nos contemos em trocar alguns olhares vez
ou outra, especialmente na hora da despedida, quando ele me foi
me dar tchau na frente de todo mundo. Estávamos avançando
alguns passos na frente das pessoas: primeiro sentamos perto,
depois nos cumprimentamos no final da partida, depois nos
abraçamos...
Aquele desgraçado estava me transformando dia após dia e
isso só me fazia lembrar do meu pedido: “me ensina a ser menos
preconceituoso”. Bom, talvez isso estivesse mesmo acontecendo e
a próxima lição dessa disciplina era: participar do aniversário dele,
sendo um bom... Bom... Namo... Não, namorado não. Credo. Sendo
um bom “amigo”. Isso mesmo. Liam Wyman Tremblay Terceiro, eu
mesmo, nunca entrava em um relacionamento sério com alguém.
Nem o Eric, exceto o deslize com a minha irmã.
Era melhor assim: apenas amizade. Uma amizade colorida.
Algo somente entre nós, que mais ninguém precisava saber. E,
poxa, isso já era um grande passo, porque eu ser amigo do Eric era
um milagre maior do que aqueles da Madre Teresa de Calcutá.
Por falar em aniversário, eu passei a viagem inteira
procurando maneiras de dizer ao Robert e ao William que nossa
saída no sábado à noite teria de ser adiada. O problema era que eu
não encontrava uma desculpa boa, nem algo que me fizesse
esconder o verdadeiro motivo por desmarcar. E, droga! Até nisso eu
estava mudando! Eu sempre mentia tão bem quando queria. Talvez
estivesse perdendo esse dom.
Mas, eu precisava encontrar uma maneira de falar. Não sabia
como, mas precisava. E eu não podia demorar, porque o sábado já
era no dia seguinte. Naquele momento, eu estava quase chegando
em Londres, depois da viagem, e teria a manhã livre, mas pela tarde
tinha uma aula para assistir e, quando eu chegasse ao colégio logo
mais, falaria de uma vez por todas. Só não diria o que de fato eu iria
fazer no final de semana, mas acharia uma boa solução.
O ônibus estacionou em frente à escola, que era nosso ponto
de chegada e partida. De lá, alguns pais apareciam para buscar e
outros pegavam um táxi. Eu fui um daqueles que optaram por pegar
um táxi, porque, naquele dia, nem meu pai, nem minha mãe,
poderiam ir me buscar. Após alguns minutos, consegui finalmente
adentrar ao meu outro reino, que não era o colégio, mas, sim, a
minha maravilhosa casa e a minha digníssima cama.
No entanto, assim que abri a porta, logo dei de cara com a
Molly descendo as escadas, acompanhada de umas quatrocentas
malas de viagem. Estava tão desengonçada com as centenas de
bolsas em cima de si, que nem bom dia eu dei, já fui logo
perguntando:
— Ué, você vai fazer um cruzeiro? — e franzi o cenho,
quando ela, enfim, ergueu os olhos das bolsas e me encarou, quase
tropeçando em um dos degraus. — Opa, não vai cair, heim... — me
apressei para segurá-la antes que o pior acontecesse.
— Esqueceu da viagem de amanhã? — apoiou-se em mim
para não se desequilibrar por completo, enrugou a testa e me olhou
de maneira confusa. — Aniversário do seu... — falou com certa
dificuldade ao colocar umas das bolsas pesadas em um dos
degraus da escada. — Ai... — exclamou levemente quando um de
seus dedos prendeu em uma alça. — Namorado, seu bobão.
Namorado? Molly estava ficando boa em piadas.
— Okay, deixa eu te ajudar com isso aqui... — peguei
algumas malas que estavam em seus braços e ajudei a descer com
elas até o piso inferior, que estava apenas alguns degraus abaixo.
— Primeiro, ele não é meu namorado — Óbvio, que não. De onde já
se viu eu namorar alguém? — Segundo, eu não esqueci — Afinal,
como eu poderia esquecer? — Terceiro, você vai passar vinte dias
lá?
Com um olhar de tédio, virou-se para mim e...
— Uma mulher precisa estar sempre preparada para
qualquer eventualidade, meu caro — finalizou com uma breve
piscadela. Okay, eu concordava que era bom estar preparada, mas,
caramba, eram quatrocentas bolsas para um sábado e um domingo.
Jamais entenderia a cabeça de uma mulher. Talvez esse fosse mais
um dos motivos por eu estar com um homem agora.
— Você está preparada pra uma guerra — Não me contive
em soltar uma pequena ironia, seguida de uma pequena risada.
Ficava imaginando como seriam duas mulheres juntas, porque,
bem, Molly era bastante vaidosa e Stefany, então, era melhor nem
comentar. Imaginou como seriam ambas se arrumando no mesmo
quarto para sair? Meu Zeus do Céu, levariam dez dias para
terminar.
— Okay, agora deixa de falar bobagem e vamos para a parte
importante — disse ao terminar de colocar suas cinquenta bolsas no
andar de baixo. — Você finalmente falou com o Eric? — questionou
com uma das sobrancelhas erguidas. — Você disse que vai ao
aniversário, né?! — e eu senti que isso foi praticamente uma
pergunta retórica.
— Falei... Falei... — suspirei, gesticulando com as mãos para
que ela pegasse mais leve. Isso ainda era um assunto delicado para
mim. — Se acalma, tá? — pedi, mas, na verdade, era eu quem
estava precisando me acalmar. — Eu disse ‘pra ele que eu vou e...
— baixei o tom de voz para dizer a última parte. — Eu também falei
sobre aquele outro ponto.
O ponto em que ele especificamente ficaria entre as minhas
pernas.
Santa Vodca do Céu.
— Então... — olhou-me com certa malícia. Um sorrisinho
safado ameaçou surgir em seu rosto e, para contê-lo, não hesitou
em morder o lábio inferior. Isso tudo me deixava ainda mais
nervoso. Na verdade, somente de tentar imaginar a cena, meu
coração acelerava. Essa inquietação era tão gay. A que ponto eu
tinha chegado!
— Vai rolar?
— Vai — suspirei e, por mais, que eu tentasse parece
pleníssimo na frente Eric, quando se tratava da Molly, isso não tinha
como acontecer. Ela já sabia de tudo mesmo, já tinha visto o meu
show de horrores no quarto, depois que cheguei da casa do Eric,
assim como também ouviu sobre todos os meus medos. Eu não
tinha algo para esconder dela, por isso confessei algo no segundo
seguinte.
— Eu ainda estou desesperado.
Minha voz saiu quase em um sussurro, o que era um milagre,
porque eu dificilmente demonstrava fraqueza, medo ou algo do tipo.
Eu estava cada vez mais me tornando outra pessoa. E pior, eu não
sabia no que estava me transformando. Mas, percebendo minha
completa falta de segurança, Molly logo se pronunciou:
— Calma, bobinho — Sua voz amena tentou me passar
tranquilidade. — Vai dar tudo certo e... Espera! — De repente,
mudou de tom. — Você tá esquecendo de algo!
— De quê? — enruguei a testa. Do que eu estava
esquecendo, afinal? Estava esquecendo meu juízo em algum lugar
por ter vontade de transar com um cara? Ou estava esquecendo de
ser um pouquinho mais macho? Porque, definitivamente, minha
masculinidade estava descendo pelo ralo. Certeza que era alguma
dessas opções.
— Do presente, seu idiota — deu-me um olhar de tédio e me
encarou como se estivesse falando a coisa mais óbvia do mundo. —
É o aniversário dele! Alô?! — e chacoalhou meus ombros, como se
quisesse me acordar. Sinceramente, eu não via necessidade
alguma em comprar presente.
Ah, poxa, eu já estava fazendo demais em viajar e...
— Não já basta meu corpinho fabuloso como presente? —
perguntei com a maior naturalidade, afinal já era um baita presente
a minha presença. E não era uma mera presença, ele ia poder fazer
o que quisesse comigo. Cara, o meu corpo era maravilhoso. Sério,
aquele imbecil tinha muita sorte, meu Zeus do céu! E não, eu não
era convencido. Talvez só um pouco.
— Ah, me poupe, Liam — revirou os olhos e me puxou pelo
braço.
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Liam
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Liam
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Liam
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Liam
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Liam
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Liam
“Posso entrar?”
Uma pergunta, duas palavras. Algo tão pequeno, mas que
teve uma capacidade imensa de me deixar ainda mais nervoso. Eu
nem me reconhecia. Liam Wyman Tremblay Terceiro jamais ficou
nervoso por transar com alguém.
Mas tudo bem. Okay. Isso era compreensível, porque, no
caso, eu iria transar com um cara. Algo que eu jamais havia feito,
assim como também nunca tive a pretensão de fazer. Exceto depois
que aquele enviado de Satanás virou a minha cabeça.
Ainda fiquei parado, feito uma boba estátua, por uns dez
segundos. No entanto, logo pisquei os olhos e acordei, quando notei
que Eric me encarava com uma expressão do tipo “e então... Eu vou
ficar aqui mesmo na porta?”.
Agi.
— Cla-Claro — e ainda gaguejei. Merda! Ele não podia saber
o quanto eu estava nervoso. Lógico que não. Eu precisava passar
uma imagem de que estava tudo certo, tudo sob controle, assim
como sempre fazia, mesmo que dentro de mim a guerra estivesse
grande.
Tinha a ilusão de que, se eu transmitisse segurança para ele,
ele perceberia, e, consequentemente, isso me deixaria seguro de
verdade. Era assim como eu sempre agia em todas as situações da
vida, especialmente quando se tratava daquelas que vivia com o
Eric. Nunca baixava a cabeça, por mais inquieto que me sentisse.
Abri ainda mais a porta, liberando o caminho para que ele
entrasse e, assim, o fez. Era como um sonho. Não parecia real vê-lo
entrando daquela maneira naquilo que seria o meu quarto. Diferente
de mim, que tentava passar uma falsa imagem de segurança, ele
estava verdadeiramente confiante e caminhava como se fosse o
próprio dono daquele espaço.
Tão seguro...
Lógico. Não era ele quem ia dar.
Respirei fundo e fechei a porta. Passei a chave, trancando-a.
Não queria correr o risco de que alguém entrasse no quarto e nos
pegasse em uma situação... Digamos... Constrangedora. Mesmo
que fosse de madrugada e que todos, supostamente, estivessem
dormindo, eu não queria dar sorte para o azar.
Quando me virei de volta para ele, seu olhar estava sobre
mim. Eu não conseguia desvendar o que estava pensamento, mas
tinha a certeza de que seguramente seria atacado dentro de
instantes. Meu Zeus, para que lugar eu poderia fugir, caso quisesse
pedir arrego?
E eu não estava errado.
Tão logo pensei que seria atacado, Eric se aproximou de
mim. Deixou o vinho e as taças em cima de uma cômoda e
caminhou em minha direção. Inconscientemente, dei um passo para
trás. Droga, desse jeito ele ia perceber que eu estava com um
fodido nervosismo! Me segurei. Tentei não tremer na base.
— Tá tudo bem? — segurou meu rosto com uma das mãos e
fez carinho com o polegar, dando-me um pequeno selinho em
seguida. Sua voz era calma, como músicas cantadas por anjos. Isso
nem de longe parecia o inferno que eu sentia dentro de mim. Sentia
inveja daquela calmaria dele.
Bem? Meu anjo...
Era fato que eu queria que acontecesse. Afinal, se eu não
quisesse, nunca teria ao menos cogitado a possibilidade, assim
como não o deixaria entrar naquele local. Porém, meu corpo
exalava ansiedade e nervosismo. O medo era evidente. Medo da
dor física e psicológica.
Eu sabia que, depois do ato acontecer, eu jamais seria a
mesma pessoa. Não tinha como continuar sendo a mesma pessoa.
E, por mais que em minha cabeça a ideia de gostar de um homem
estivesse quase que completamente consolidada, fazer sexo com
um, definitivamente, me daria o título de gay com todas as letras
que ainda poderiam faltar.
Meu coração acelerou.
A palavra “boiola” se desenhou ainda mais clara e evidente
em minha testa.
Engoli a seco.
— Tá sim.
Menti.
Desviei-me dele, caminhando em direção à janela do quarto.
Aproveitei a brisa fresca que corria por ali e respirei fundo. Eu
precisava aproveitar o ar puro e a capacidade que eu ainda tinha de
respirar, porque já estava começando a sentir meus pulmões
começando a falhar.
Por alguns instantes, comecei a me questionar se quando as
garotas perdiam a virgindade também era assim. No caso, eu tinha
voltado a ser virgem, porque nunca havia feito sexo naquelas
circunstâncias.
Meninas também se sentiam tão nervosas quanto eu? Caras
gays também se sentiam tão nervosos quanto eu? Ou eu era o
único frouxo da face da Terra? Não, não podia ser. Era normal se
sentir nervoso e inseguro, não era?
E pior: o medo da dor ainda triplicava quando eu pensava na
possibilidade de não gostar do que quer que fosse acontecer. Não,
não, não. Seria muito azar! Um azar imenso, se nós dois fôssemos
incompatíveis até nisso.
Eu nunca havia estado em um relacionamento sério antes,
mas sabia da importância da vida sexual de um casal. Não queria
nem pensar na possibilidade de não darmos certo nisso. Não era
possível. Não mesmo. Tinha que dar certo.
Debrucei-me sobre o peitoril da janela, apoiando meus
braços. Fechei os olhos, tentando encontrar paz de espírito e, assim
que os abri, vi quando seus braços me envolveram e suas duas
mãos puseram as duas taças, com vinho até a metade, no
parapeito.
Prendi a respiração.
— Não é o que vejo — ele disse. — Você parece tenso — e,
logo que abandonou as taças ali, levou suas mãos à minha jaqueta,
enquanto eu ainda estava de costas e ele atrás de mim, tirando-a
em seguida e deixando-me de camiseta.
Droga. Depois que comecei a me relacionar com o Eric, nem
mentir eu estava conseguindo, sendo que, antigamente, eu fazia
isso com maestria. Ninguém percebia quando eu fingia algo, mas
ele... Ele parecia ter a capacidade de não somente ler minha mente,
mas também ver a minha alma.
— Impressão sua — respondi e peguei uma taça de vinho,
desviando-me novamente dele, enquanto ainda estava de costas.
Caminhei até próximo à cama e finalmente virei-me para ele. — Tá
tudo na mais perfeita ordem — e virei todo vinho em um só gole.
— Uou! — Eric arregalou os olhos, provavelmente surpreso
com minha atitude de beber tudo de uma só vez. Pegou sua taça e
tomou apenas um pequeno gole. — Quer mais um pouco? —
questionou com certa ironia. — Encontrei esse vinho e essas taças
na cozinha. Acho que a tia Sam não vai se importar — deu um
pequeno sorrisinho.
— Quero. Pode colocar mais — ergui a taça em direção a
ele, demonstrando que queria que ele se aproximasse. Nem me
importei com sua pequena ironia sobre eu ter bebido tudo de uma
vez. Eu só precisava de algo que me desse coragem. E certamente
esse algo seria o álcool.
Ele assim o fez. Se aproximou de mim e encheu novamente
minha taça até a metade. Dessa vez, ainda bebi goles generosos do
vinho, mas não tomei todo de uma vez, por mais que quisesse ter
feito isso novamente. Eu iria assustá-lo com minha voracidade e
deixá-lo ainda mais desconfiado com o possível, e quase evidente,
nervosismo.
Deixá-lo perceber minha ansiedade era tudo o que eu menos
queria. Precisava de calma. Afinal, para quê pressa? A pressa
sempre foi inimiga da perfeição e, se eu queria que aquilo desse
certo, achava que precisávamos ir com calma.
— E, então, tá satisfeito agora? — perguntou, abandonando
mais uma vez a garrafa de vinho na cômoda onde estava.
Aproximou-se ainda mais de mim e passou sua mão direita
delicadamente em meu rosto, levando-a até meu queixo para
segurá-lo.
— Sim — respondi quase em um sussurro. Isso não era uma
completa verdade, porque, por mim, da maneira como estava, eu
beberia aquela garrafa sozinho em menos de cinco minutos. — Eu
tô — e, em praticamente um ato de coragem, ergui uma das minhas
mãos e também toquei em seu rosto.
Esse era o primeiro passo.
Eu sabia que dali em diante, após esse toque, uma sucessão
de tantos outros iriam acontecer até que eu chegasse ao auge da
noite. Meu coração não parava quieto quando eu imaginava isso.
Era como entrar em um caminho sem volta, numa estrada longa e
quase infinita.
— Sua mão tá gelada... — soltou um pequeno risinho pelo
nariz e colocou a sua por cima da minha, fazendo carinho.
Droga! Ele percebeu!
Imediatamente soltei seu rosto. Não queria que ele
continuasse sentindo minha completa falta de segurança e minha
estúpida sensação de medo. Essas mãos tinham que voltar ao
normal!
— Impressão sua — repliquei e me afastei, dando um passo
para trás e me encostando à cômoda que estava às minhas costas.
Era uma certa zona de segurança que eu tentava criar por ali.
Alguns centímetros de distância e eu poderia me sentir mais seguro,
mesmo que tudo fosse ilusório, porque segurança eu jamais teria ali.
— Já é a segunda vez que você me responde isso — sorriu.
— Será que tô enxergando coisa demais mesmo? — fixou seu olhar
no meu, dando-me a certeza de que, sim, ele podia enxergar minha
alma. Era como se estivesse nu, mesmo com roupa. E eu sabia que
ele tinha a certeza do que estava acontecendo comigo
internamente. Porém, preferi ficar calado. Deixei a pergunta solta no
ar, até que alguns instantes de silêncio se passaram. Éramos
somente nós dois e o silêncio naquele local. Mas logo... — Bom...
Tudo bem... — soltou um pequeno risinho, finalmente quebrando o
silêncio e balançando a cabeça, como se estivesse demonstrando
querer mudar de assunto. — Quer vir pra cá? — e se sentou na
cama, como um claro convite para mim.
Deslizei meu olhar dele para o espaço livre ao seu lado. Eu
poderia me sentar ali e nós poderíamos começar. Ele poderia me
beijar e eu poderia tirar sua camisa. Ele poderia me deitar na cama
e eu poderia viajar com minhas mãos pelo seu corpo. Mas... Ele
também poderia ficar entre minhas pernas ou atrás de mim ou pedir
para que eu ficasse por cima. E isso me assustava!
Suspirei.
Avaliei.
Fiquei calado. Não agi.
Era como se meus pés estivessem fincados no chão e presos
seguramente por raízes.
— Não precisa ter medo. Eu não vou te machucar — falou
como se realmente estivesse lendo meus pensamentos. Sua voz
calma e tranquila, como se estivesse conversando com uma
criancinha assustada. — Mas, só se quiser, claro. Não quero te
forçar. Só quero se você se sentir à vontade pra fazer.
E de uma coisa eu tinha certeza: essa peste era maravilhosa.
Tudo bem que isso deveria ser o natural de qualquer pessoa,
mas ele era atencioso, paciente, cuidadoso, preocupado. Isso só me
deixava ainda mais gay por ele. Porém, por mais palavras
confortantes que ele dissesse, eu jamais me sentiria completamente
à vontade para fazer.
Era fato que eu queria. Sim, claro, eu queria. Mas o medo e a
insegurança não me deixariam até que eu finalmente provasse pela
primeira vez e soubesse como tudo aquilo realmente funcionava. Eu
precisava ter a certeza de que, verdadeiramente, era bom e pedia a
todos os deus existentes que de fato fosse, porque não queria que
nós fôssemos incompatíveis até nesse ponto.
Uma incompatibilidade assim seria quase uma tragédia.
Porque...
Bom... Um casal não vive sem sexo. Pelo menos não é o
esperado.
Suspirei. Eu precisava seguir em frente e tentar deixar de
lado todos os meus medos e inseguranças. Aquele era o momento,
a hora da verdade. “Não seja bobo, Liam. Não seja bobo” era tudo o
que eu pensava.
— Eu não estou com medo — tentei passar confiança na
minha voz, por mais descabida que essa resposta fosse.
Desencostei da cômoda e fui em direção à cama. Ficava
praticamente ao lado de onde eu estava, mas tudo ali passava em
câmera lenta frente aos meus olhos, fazendo-me ter a impressão de
que levei décadas até chegar lá e me sentar ao seu lado. Era como
um sonho ou um filme. Flashes da minha vida “hétero” acabaram
passando rapidamente por minha cabeça. Eu ficava com tantas
garotas e agora... Quem era Liam Wyman Tremblay Terceiro?
Desconhecia.
Eu jamais tinha levado tanto tempo para começar uma
transa. Se fosse com alguma menina, provavelmente eu já teria até
gozado, já teria até feito pela segunda vez. Mas com um homem,
com o Eric, era tudo diferente. A primeira vez gay era diferente até
da primeira vez hétero. Lembrava de que, quando perdi a virgindade
com a Stefany, me senti menos nervoso e, mesmo que eu não
soubesse fazer direito, fui pelo instinto.
O problema era que meu instinto agora estava seriamente
comprometido, assim como meu traseiro.
No entanto, apesar de tudo, suspirei e tomei novamente a
iniciativa de tocá-lo, apesar das mãos meio trêmulas e
absolutamente geladas. Ele já tinha percebido, mas eu pedia a Zeus
que não soltasse mais comentário algum sobre isso. Eu só queria
começar ou jamais faríamos qualquer coisa ali. Eric queria, mas
estava esperando por mim, esperando para que eu desse o passe-
livre.
E eu dei.
Toquei seu rosto. Meu olhar fixou no seu. Não abri a boca
para dizer palavra alguma, mas meus olhos lhe falavam
explicitamente que poderia seguir em frente. Por mais inseguro que
eu estivesse, era preciso realmente seguir em frente. Eu queria
saber como era. E, no fundo, queria gostar.
Percebendo o que estava acontecendo ali, Eric baixou seu
olhar até minha boca e aproximou seu rosto do meu. O cheiro de
perfume, sabonete e creme de barbear ficou ainda mais evidente,
deixando-me quase embriagado. Ele era extremamente cheiroso.
Além disso, seus cabelos, ainda um pouco molhados, o deixavam
ainda mais charmoso. E eu cada vez mais gay.
— Posso? — olhando no fundo dos meus olhos, sussurrou
com seus lábios quase colados aos meus.
Dando um breve suspiro, não o respondi com palavras,
apenas balancei um sim com a cabeça, dando-o permissão para
que começasse. Em menos de dois segundos, um pequeno sorriso
se desenhou em seus lábios. Eric não estava só feliz, ele estava
absurdamente feliz.
— Eu te amo tanto — deslizou sua mão até nuca, segurando-
a firmemente, e me beijou.
“Eu te amo tanto”.
Essa frase reverberou em meus ouvidos, chegando
praticamente no fundo da minha alma e mexendo com tudo o que
teoricamente existia dentro de mim. Sempre acreditei que eu não
tivesse coração, até porque eu nunca fui das melhores pessoas.
Sempre fui um babaca bem escroto e reconhecia isso, mas o Eric...
O Eric despertava coisas em mim que eu mesmo não acreditava
que pudessem existir.
Fiquei sem reação, assim como sempre ficava quando ouvia
tais palavras, porém, mesmo que eu quisesse e me sentisse
confortável para abrir a boca e retribuir letra por letra, foi impossível.
Logo que se calou, seus lábios vieram ao encontro dos meus,
tomando-me o fôlego quase que por completo.
De início, o beijo parecia calmo, mas, três segundos depois,
nem de longe podia-se ver calmaria por ali. O que antes era silêncio,
tornou-se barulho de bocas sedentas uma pela outra. O que antes
era aparente sossego, tornou-se alvoroço de duas pessoas que só
queriam sentir uma a outra. O que antes parecia frio, tornou-se
quente, pegando fogo.
O clima do quarto mudou.
A maneira como eu me sentia era estranha e até inexplicável.
Jamais havia me sentido daquela maneira. Era uma mistura de
tesão e medo, excitação e nervosismo, vontade e intimidação. Meu
corpo queria o dele o mais próximo possível, qualquer centímetro a
menos não chegava a ser suficiente, ao mesmo em que minha
cabeça trazia pensamentos dos quais eu pedia a Buda para que não
existissem.
Eric, por sua vez, aparentava estar ainda mais certo do que
queria. A cada segundo que se passava, ele se tornava ainda mais
desinibido, expansivo e... Eu diria até que... Predador... Meu Zeus!
Predador?! Ele era o caçador e eu era a caça? Era sim! Era mesmo!
Eu nunca havia estado nessa posição!
De supetão, arregalei os olhos, que estavam fechados, e
imediatamente parei o beijo, afastando meu rosto logo em seguida.
Ofegante, tentei organizar as ideias. Eu precisava me controlar para
que esse tipo de pensamento não me tomasse a cabeça
novamente. Isso estava me atrapalhando. Na verdade, estava nos
atrapalhando, não somente eu.
Eric logo franziu o cenho, olhando-me de maneira confusa.
Provavelmente achou estranho eu ter interrompido o beijo daquela
maneira. E com razão! Até eu me surpreendi comigo mesmo. Minha
cabeça parecia trabalhar mais rápido que minhas próprias atitudes
corporais. Isso não estava ajudando. Não mesmo.
— O que houve? — com um tom de voz preocupado, ele
perguntou. Seu olhar apreensivo logo se fez presente.
Ah meu Zeus, eu não podia estragar aquilo!
Respirei fundo.
Sim, eu não podia estragar. O certo era seguir em frente e
tentar bloquear quaisquer pensamentos inapropriados. Daquela
noite não iria passar. Nós já tínhamos esperado muito tempo.
Aquele era o momento.
— Nada — balancei levemente a cabeça, dando de ombros.
— Vamos continuar — finalizei e logo avancei em sua boca
novamente. Dessa vez, tentando ser mais seguro de si, tentando
desligar-me de qualquer medo, insegurança, nervosismo. Eu tinha
que fazer aquilo valer a pena. Queria fosse bom não só para ele,
mas também para mim.
Tentei novamente. Me esforcei.
Tomei a liberdade de tocá-lo. Primeiro levei minhas mãos ao
seu rosto, sentindo toda a textura de sua pele. A região da barba
estava lisinha, sinal de que ele havia feito antes de ir para o meu
quarto, já que durante o dia ela estava por fazer. Desci até seu
pescoço e segui em frente, percorrendo toda a região até a barra da
sua camisa.
Eric continuou me beijando ainda com mais vontade, mas, foi
quando eu passei minha mão por dentro da sua blusa e apertei seu
abdômen, que ele ofegou. Ofegou, parou, me olhou com certa
intensidade e soltou uma pequena risadinha faceira, balançando a
cabeça levemente.
— Tá brincando com o perigo — mordeu seu próprio lábio
inferior e, antes que eu pudesse ao menos piscar os olhos, levou
seu corpo para cima do meu, fazendo-me deitar na cama. —
Cuidado... — guiou de tal forma que, quando dei por mim, minha
cabeça já estava no travesseiro.
Suspirei... Os boatos das garotas sobre o “desempenho
sexual” do Eric talvez fossem verdade mesmo. O cara sabia o que
fazer e como fazer. Se eu não estivesse tão nervoso, podia
confessar que isso era de se admirar, até porque, quem também
tinha fama de bom de cama no colégio era eu.
Dois bons de cama?
Crê em Deus Pai!
Eu não estava nos meus melhores dias de “pegador”, mas se
eu pudesse mostrar a ele como eu realmente era na cama... Bem
diferente do cara nervoso e inseguro como eu estava. Quem sabe
um dia eu pudesse mostrar. Quem sabe quando eu me sentisse
mais seguro numa situação como essa.
— Cuidado? — ri de nervoso. — Só se for pra tomar cuidado
contigo né? — e dei ênfase no “contigo”, ficando um pouco mais
sério depois da pergunta. Eric era uma louca mistura de doçura e
safadeza, tranquilidade e perigo, anjo e demônio. E, quando ele
queria, mostrava exatamente o nome “canalha” escrito na testa,
tanto quanto eu era.
— Eu sou inofensivo... — sussurrou em um tom sugestivo,
seguido de um pequeno sorrisinho safado. — Relaxa... Só tô
brincando contigo... — seu olhar mirou nos meus, tão admirado
quanto em qualquer outra situação que eu já tivesse a oportunidade
de ter presenciado esse semblante. Ele nunca pareceu tão imerso
em algo. E, bem, daqui a pouco ele estaria imerso em outra coisa...
Que delícia... Digo, credo!
Eu não tinha certeza de muitas coisas para aquela noite, mas
de uma coisa eu tinha plena convicção: ela daria o que falar.
— Tá — resmunguei no melhor estilo Liam de ser. — Para de
falar besteira e continua — finalizei. Eric ergueu uma das
sobrancelhas, deixando escapar um pequeno sorriso enigmático
para aquilo que eu havia acabado de falar. Na verdade, ordenar. Se
eu estava nervoso por dentro, ao menos havia conseguido
transparecer segurança naquele milésimo de segundo. Sorri de
volta, satisfeito com minha momentânea determinação.
— Seu pedido é uma ordem — respondeu e, sem tirar o
sorriso do rosto, aproximou-se de mim, sussurrando contra meus
lábios. — Vamos começar. Agora pra valer.
Quem sou eu?
Liam
Liam
❖❖❖
❖❖❖
❖❖❖
Liam
❖❖❖
❖❖❖
Eric
❖❖❖
Dirigi o mais rápido que pude para chegar logo em casa. A
sorte era que a praça não ficava muito longe. Na verdade, era tudo
no mesmo bairro: a praça, o colégio, a minha casa, a casa do Liam.
Tudo muito perto. Na minha cabeça, meus pensamentos eram um
só: conversar com alguém confiável que pudesse me dizer o que
fazer daqui para frente, porque eu mesmo não tinha ideia.
Estacionei o carro e rapidamente alcancei a porta. No
entanto, assim que cruzei a entrada, encontrei alguém que não
queria ver nem nos meus piores pesadelos, especialmente num
momento como aquele que eu estava passando: meu pai. Ele
parecia estar de saída e vestido muito formalmente, como sempre.
Seu terno sempre alinhado, barba bem feita e cabelos muito bem
penteados. O típico homem de negócios.
Quis ficar invisível para que ele não me visse e,
consequentemente, não me cobrasse nada, como já era de seu
costume. Contudo...
— Filho? — ele virou-se em minha direção assim que fechei
a porta. Por mais silêncio que tivesse tentado fazer, ele notou minha
presença ali. Droga. — Não foi assistir aula? Aconteceu alguma
coisa?
— Ah, oi — respondi mais seco do que o normal. Já tinha
costume de não ter muita emoção para falar com ele. No entanto,
minha falta de vontade triplicou depois do que tinha acontecido na
praça. Eu realmente não estava com cabeça para lidar com meu
pai. Só queria sumir dali e conversar com a Stefany. — Não... Eu só
esqueci uma coisa em casa — dei uma desculpa qualquer e
caminhei em direção à escada.
— Hum — mesmo de costas, consegui ouvi-lo. — Espere.
Preciso falar com você.
Ah não. Não, não, não. Mas que saco!
Meus ombros subiram e desceram em um longo e pesado
suspiro. Estava buscando por forças para me virar e ter algum
diálogo com ele. Eu já sabia o que ele iria falar comigo. Seria
alguma cobrança, provavelmente algo sobre a empresa, negócios,
engenharia civil, algo assim... Porque era somente sobre isso que
ele falava comigo. Não haviam surpresas.
— O que quer? — perguntei sem vontade.
— Olha... — George se aproximou da escada, caminhando
em minha direção. — Essa semana nós teremos uma comemoração
na empresa. Recentemente, como você já deve saber, fechamos
contratos valiosos, além disso os lucros estão aumentando
consideravelmente. Decidimos fazer essa confraternização para
apresentar os números e as novas parcerias aos sócios e aos
amigos mais próximos à nossa família. Além disso, daremos boas-
vindas ao novo engenheiro que finalmente chegou para somar ao
grupo. Será uma grande cerimônia. Por isso, quero que, hoje à
tarde, você vá até a construtora. Jimmy e Alex estão cuidando de
alguns preparativos e precisam de ajuda. Contamos com você —
tão logo finalizou sua ordem, deu as costas e caminhou até a porta.
— Isso não foi um pedido. Até mais tarde.
E, antes que eu pudesse responder qualquer coisa, fechou a
porta e foi embora.
Droga.
Como eu já deveria imaginar, George me passou mais
ordens. Sempre cobranças. Ainda mais naquele dia em que eu
estava com um total de zero paciência para fazer qualquer coisa. Eu
não tinha cabeça para nada e agora teria que ir para construtora, o
último lugar onde eu desejaria estar naquela tarde.
Que merda.
Por que aquele ano não acabava de uma vez por todas para
que eu pudesse ir logo para a universidade e finalmente me ver livre
do meu pai?
Revirei os olhos e subi as escadas. Tudo bem, depois eu
lidaria com isso. Agora, tudo o que eu precisava fazer era conversar
com a Stefany. Sem perder mais tempo, caminhei até o seu quarto e
rapidamente abri a porta. Tínhamos a liberdade de entrar no quarto
um do outro assim, não tínhamos o costume de bater na porta um
do outro, por mais que, às vezes, meses atrás, já tivéssemos
passado por algumas situações um pouco constrangedoras, tipo
encontrar alguém na cama do outro.
Enfim, minha irmã estava deitada com seu notebook, mas,
assim que me viu, tratou logo de fechá-lo e sentou-se na cama. Eu
notava em seu rosto a preocupação. Ela parecia muito ansiosa em
me ver.
— Maninho, eu vi sua mensagem... O que aconteceu? —
perguntou. Seus olhos quase não piscavam em puro interesse para
saber mais sobre a situação. — Você está com uma cara péssima!
Vem cá... Senta aqui... — gesticulou para que eu me aproximasse
da cama.
— Lembra do que eu falei que aconteceu naquela noite em
Cambrigde? — indaguei, logo após sentar na cama, ao seu lado.
A loira balançou um sim com a cabeça.
— O que houve agora? — Seus olhos demonstravam ainda
mais ansiedade.
Um nó logo se formou na minha garganta. Era difícil falar
naquilo sem sentir vontade de chorar. Eu ainda não tinha me
acostumado com a ideia do término, assim como também não sabia
se algum dia iria me acostumar. Poxa... Era o cara da minha vida.
— O Liam... — baixei o olhar para as minhas mãos. Esfreguei
uma na outra. Senti quando algumas lágrimas teimaram em se
formar nos meus olhos. — O Liam... — Eu realmente estava me
esforçando para dizer aquilo. Era difícil falar sobre algo que ainda
doía. Algo tão recente.
— O Liam? — Ste questionou, ansiosa pela minha resposta.
Uma parte de mim sentia que ela também já sabia o que tinha
acontecido.
Suspirei e...
— Terminou comigo... — ergui os olhos para ela, cheios de
lágrimas.
— Ah não... — Seus olhos se firmaram em mim com
verdadeira preocupação e, em menos de dois segundos, me
abraçou forte. — Não acredito que ele fez isso, Eric. Você deve
estar se sentindo péssimo, né? — e me abraçou ainda mais forte.
— Eu estou destruído — respondi, enquanto ainda
permanecia nos seus braços. Pelo menos, era reconfortante tê-la
comigo. Uma das poucas pessoas com quem eu podia contar. —
Por isso eu te mandei aquela mensagem. Eu preciso de alguém pra
conversar, alguém que me diga o que fazer. Alguém que me
aconselhe. Porque eu realmente não sei o que fazer, não sei como
agir. Não sei o que eu faço, Ste — fui falando tudo rapidamente e
atropelado. Ansioso, angustiado, inquieto. Uma mistura de tudo. —
Eu me sinto sem rumo. Uma parte de mim quer correr pra ele e
pedir para que volte. Outra parte de mim fala pra eu aceitar a sua
decisão. O que eu faço, Ste? Me diz o que fazer? Eu corro pra ele e
peço pra desistir disso ou simplesmente aceito essa merda toda? —
perguntei ainda mais rápido, agoniado. Uma angústia sem fim. —
Me diz o que fazer, me fala qualquer coisa, por favor.
— Calma, Eric, calma — a loira se afastou um pouco e
segurou meu rosto entre as mãos, olhando-me nos olhos. — Você tá
muito nervoso. Precisa esfriar a cabeça, porque nada se resolve
assim. Se continuar desse jeito, vai acabar tomando uma atitude
precipitada. Precisa mesmo se acalmar.
— Eu sei, eu sei... — repliquei fraco, mas consciente. Quase
não conseguia sustentar o olhar. — É só que... Sabe como é
quando você cria expectativa sobre algo e, de repente, acontece
alguma coisa totalmente diferente daquilo que você sonhou? É tipo
isso... Eu esperava, sei lá... Passar o resto da vida com ele, por
mais brega que isso possa soar... E agora eu não sei o que fazer. O
que eu faço?
Brega... Isso era a cara do Liam. Se eu fechasse os olhos,
poderia ouvi-lo claramente, com aquele jeitinho lindo e maravilhoso,
pelo qual eu me apaixonei, me chamando de brega e depois
sorrindo igual criança. E eu realmente tinha me tornado bem brega
depois dele. Um brega com muito orgulho. Ninguém poderia me
culpar por gostar demais dele.
— Espera, maninho, calma. Me conta isso direito —
requisitou. — Eu preciso saber disso direitinho. O que ele te falou?
Como ele agiu na hora? Eu preciso disso, antes de qualquer coisa.
— Ah, Ste... — suspirei. Era péssimo recordar tudo aquilo,
mas, enfim, eu precisava desabafar e conseguir algum conselho. —
Ele me mandou uma mensagem e pediu que eu o encontrasse na
praça Sherman, aquela que fica perto do colégio. Chegando lá, ele
me disse que chegou à conclusão de que não era o suficiente pra
mim, de que, por mais que quisesse, jamais conseguiria suprir as
minhas necessidades. Falou que eu merecia alguém melhor que
ele, alguém que pudesse retribuir o sentimento na mesma medida,
alguém que pudesse suprir as minhas necessidades... — triste,
voltei a abraçá-la, ainda mais forte, afundando meu rosto na curva
do seu pescoço. — Ele parecia péssimo também... Disse que
precisava se entender, que precisava organizar a bagunça que se
tornou, e que, se continuasse comigo, iria me machucar ainda mais.
Notei quando os ombros dela subiram e desceram em um
suspiro. Levou suas mãos às minhas costas, massageando-as em
um carinho reconfortante. Com a Stefany, eu conseguia me sentir
um pouco mais seguro e um pouco menos fraco. Ela tinha algo
como o verdadeiro significado da palavra “irmã”. Porém,
permaneceu em silêncio, enquanto eu, no fundo, aguardava para
que ela me dissesse “é, Eric, vai lá, corre atrás dele, pede pra voltar,
não desiste de vocês”, mas a loira nada falou.
— O que eu faço, minha irmã? — questionei, ansiando por
aquela resposta que me faria tomar uma atitude pela qual eu não
queria me responsabilizar sozinho, mas que, teria a desculpa de
dizer “foi a Stefany que me aconselhou a fazer, então está tudo
bem”, caso eu a fizesse. — Eu me sinto completamente
desnorteado.
Ela, então, novamente se afastou alguns poucos centímetros
de mim, somente o suficiente para que pudéssemos ficar cara a
cara, mais uma vez. Segurou meu rosto e olhou nos meus olhos
muito mais firme que antes. Parecia determinada no que iria dizer
logo a seguir. E eu, numa prece silenciosa, pedia para que me
falasse o conselho que eu, no fundo, queria receber.
— Eu sei... Eu sinto que você quer que eu diga “maninho,
não aceita isso, vai atrás dele e faz com que ele desista dessa
ideia”, mas não — respondeu com seriedade. — Não é isso que eu
vou te dizer.
— Não? — a angústia retornou aos meus olhos.
Ste balançou negativamente a cabeça.
— Não, por mais que eu seja a pessoa que mais torce por
vocês dois nessa vida. — disse, enquanto ainda segurava firme meu
rosto entre as mãos e olhava no fundo dos meus olhos. — O meu
conselho é: siga em frente, maninho.
Seguir em frente?! Meus sentidos gritaram em silêncio.
Como eu poderia seguir em frente?
— Siga em frente, Eric — continuou. — Eu torço e sempre
vou torcer por você. Eu desejo e sempre vou desejar o melhor pra
vocês — disse com segurança. Em seu olhar pairava uma genuína
sinceridade. — E eu sempre vou querer que vocês fiquem juntos.
Mas...
— Mas? — questionei, ainda incrédulo com aquilo tudo.
— Mas acho que chegou o momento de limpar as arestas e
organizar a vida. Vocês já estão há muitos meses lutando com isso,
com esse relacionamento. Acho que vocês já estão bem
desgastados emocionalmente, psicologicamente. Muita coisa
aconteceu nesse meio tempo. Vocês amadureceram em poucos
meses aquilo que, normalmente, se leva alguns anos. E isso causa
impactos. Impactos não somente pra vocês dois como um casal,
mas pra vocês dois individualmente. Não esqueça que, antes de
tudo, vocês são seres humanos independentes, com sentimentos e
pensamentos independentes... Com o Liam isso não seria diferente.
Por mais doloroso que isso possa ser, acho que chegou o momento
dele realmente tentar organizar a bagunça que se tornou, como
disse que faria. Enquanto isso, chegou o momento de você tentar
seguir sem depositar em alguém todas as suas expectativas. Vocês
amadureceram diante daquilo que um relacionamento requer, mas
chegou a hora de amadurecerem individualmente. E só depois... Só
depois de um tempo, quem sabe vocês possam retornar... Ou nem
retornar, não sei... Só a vida é quem poderá dizer isso.
— Mas... Ste... — me sentia em um verdadeiro conflito
interno. — Eu o amo demais. Mais que tudo! É ridículo ele dizer que
não é o suficiente pra mim e que se continuar comigo vai me
machucar ainda mais, porque ele é perfeito pra mim! E eu acho que
juntos é que nos tornamos mais fortes!
— Ah, Eric... — ela balançou a cabeça. — Tem certeza?
Vocês tentaram por muito tempo seguir juntos e fazer jus a esse
ditado, mas não acha que tudo só ficou ainda mais bagunçado?
Em silêncio, torci o nariz e quase emburrei o rosto, porque,
por mais que eu não quisesse aceitar, no fundo, eu sabia que ela
tinha razão.
— Dê esse tempo ao Liam... — tirou as mãos do meu rosto e
segurou as minhas. — E faça o que ele disse... Siga em frente,
maninho. Faça mesmo o que ele disse, conheça pessoas novas.
Você precisa de novos ares e merece conhecer pessoas novas. O
mundo é tão grande. Isso vai te ajudar...
Balancei a cabeça para aquilo tudo.
— Não sei se consigo, Ste...
— Consegue sim... — piscou um dos olhos e sorriu para mim.
— Você é forte.
E, então, assim que se calou, me dei conta que meu celular
vibrava freneticamente no bolso da minha calça, como se
estivessem chegando muitas mensagens. De imediato, franzi o
cenho e o retirei. Quando desbloqueei a tela, cerca de cinquenta
mensagens não lidas no grupo do time de futebol.
Minha cabeça rapidamente sinalizou o que estava
acontecendo.
Merda!
Era o primeiro treino do time para a grande final do
campeonato!
Eu tinha esquecido completamente de que haveria treino
naquele dia!
— Droga, Ste! — bufei e imediatamente me levantei da cama,
apressando-me para ir embora.
— Nossa, o que foi? — arregalou os olhos, preocupada, e
levantou-se da cama também.
— Eu me esqueci que hoje é o primeiro treino do time para a
final do campeonato! Começa doze horas e faltam quinze minutos!
— dei um passo para sair do quarto, mas logo voltei, caminhando
rapidamente em sua direção. — Obrigado por me ouvir, Ste — Por
mais apressado que eu estivesse, não poderia sair dali sem
agradecer. — Obrigado pelo ombro amigo, obrigado pelos
conselhos, obrigado por tudo. Você é demais — abracei-a.
— Não precisa agradecer, meu amor. Sabe que pode contar
sempre comigo — sorriu.
— Agora eu tenho mesmo que ir! — falei e rapidamente me
afastei, indo em direção à porta.
— Tá certo! Tira esse desânimo do rosto e pensa no que eu
falei, heim... — deu um breve sorrisinho.
— Eu nunca poderia me esquecer...
❖❖❖
Eric
❖❖❖
Corri para o treino, apesar de estar muito atrasado. A pressa
não iria resolver muita coisa, mas era melhor do que nada. Quando
cheguei ao vestiário, já estava vazio. Provavelmente, todos já
tinham se vestido e ido para a sala da concentração, onde o
treinador costumava fazer reuniões para orientar os jogadores sobre
planejamentos, ideias e tática antes dos treinos práticos.
Será que o Liam iria para o treino? Será que ele estava
lembrando? Será que ele já estava lá?
Ah, que saco! Eu tinha que parar de pensar nele. Do
contrário, jamais seguiria em frente, como Stefany disse, ou
superaria o término. Porém, era difícil. Eu era de uma espécie rara
de trouxa.
Troquei de roupa ligeiro e voei para a sala da concentração.
Assim que abri a porta, Sr. Jones já tinha começado. No entanto, se
o lugar já estava em silêncio, com a minha chegada ficou ainda
mais. Todos os caras do time volveram o rosto para mim e me
observaram detidamente feito estátuas.
No cantinho da sala, ao fundo, estava Liam. Meu coração
acelerou em batidas descompassadas. Tão quieto, tão sozinho, tão
excluído por todos os outros. Robert e William estavam do lado
oposto ao que ele se sentava. Grandes amigos de merda. Deram as
costas na primeira situação crítica. Jamais imaginaria que um dia
veria Liam, o cara mais popular do colégio, sendo evitado por todos.
Meu coração apertou.
Eu não ligava em ser evitado por todos, ou ouvir
conversinhas estúpidas, ou receber olhares tortos. Na verdade, eu
estava pouco me fodendo. Mesmo. Mas, com o Liam era diferente.
Eu sabia o quanto estava sendo difícil para ele. Era como se a vida
tivesse o tirado do céu e o atirado com todas as forças no lugar mais
profundo do inferno.
Se eu, ao menos, pudesse fazer alguma coisa... Se ele, ao
menos, me deixasse ficar ao seu lado... Eu não faria absolutamente
nada, mas lhe daria a minha companhia. Não o deixaria sozinho.
Porém, ao contrário, ele cortou relações comigo e me deixou
totalmente à escanteio. Era doloroso pensar nisso, mas eu sabia
que, depois de todas as fofocas e boatos por aqueles corredores do
Regent, eu era a última pessoa que Liam queria por perto.
E eu sabia que estava sendo muito difícil para ele ter que
estar ali, depois de tudo o que aconteceu, ter que ir ao colégio, ter
que assistir aula, ter que participar dos treinos, por mais que ele
amasse jogar futebol, ter que ficar na presença dos outros alunos.
Estava sendo muito mais difícil para ele do que para mim. Mas,
apesar dos pesares, Liam estava sendo forte. Muito forte. Isso era
admirável.
Com um suspiro, entrei na sala e busquei pela primeira
cadeira vazia que vi. No entanto, antes que eu pudesse me sentar,
Sr. Jones chamou minha atenção.
Ah não.
— Eric, você sabe que horas são? — questionou em tom
rígido.
Suspirei com pesar.
— Desculpe, Sr. Jones... — repliquei ao me sentar. — Acabei
perdendo o horário por conta de alguns problemas pessoais, mas
isso não vai se repetir.
Sr. Jones levantou-se e começou a caminhar de um lado para
o outro da sala. As duas mãos para trás, o peito estufado. Um
verdadeiro porte de general, como já era de seu costume.
— Vocês podem ter milhares de problemas, mas, quando
tiverem que treinar, quero que deixem todos eles daquela porta ali...
— apontou. — Para fora! Entendido? — perguntou em alto e bom
som, não somente para mim, mas todos os que estão presentes.
— Sim, senhor! — o time respondeu em uníssono.
— Bom — disse em um tom mais baixo e mais calmo. —
Inclusive... — ergueu o rosto para o lado esquerdo da sala. — Liam,
venha aqui para frente. Sente-se ao meu lado. Você é o capitão do
time. Seu lugar é na frente de todos. Não quero que fique encolhido
no canto da sala feito uma maricas.
Ah não.
Se eu não conhecesse o Liam tão bem, não conseguiria
perceber que ele estava evitando ao máximo ser o centro das
atenções. Mas, eu o conhecia bem até demais, e sabia o quanto ele
estava fugindo dos olhares de todos. Porém, como desobedecer a
qualquer ordem do Sr. Jones, por menor que fosse?
Vi quando seus ombros subiram e desceram em um suspirar
bem discreto, até que se levantou. Calado foi e calado ficou. Não
olhou para ninguém, nem para mim. Na verdade, desde que eu
tinha colocado os pés ali, Liam não me olhou uma única vez. Era
como se eu estivesse invisível. Isso doía.
Doía porque era como se eu e nada fôssemos a mesma
coisa.
— Seja nos treinos, nos jogos ou em qualquer outro local
onde o time se apresentar, não quero saber de brincadeiras bobas,
piadinhas, fofoquinhas, nem nada do tipo — Sr. Jones completou,
autoritário como sempre foi, demonstrando estar ciente do caos que
o Colégio Regent se tornou nos últimos dias. — Hajam feito
homens, não feito moleques. Entendido?!
— Entendido, Sr. Jones — todos responderam em uníssono,
como se realmente estivessem respondendo a um militar da mais
alta patente.
Em verdade, o Sr. Jones era tido por todos como verdadeiro
general e recebia de nós todo o respeito que o treinador de um time
merecia. Além do mais, ninguém era doido de contrariar qualquer
coisa que ele falasse. Ninguém queria se queimar com o técnico,
nem correr o risco de sair do time. Fazer parte do time do colégio
era importante para todo mundo. Afinal, poucos tinham essa
oportunidade.
E, fora o respeito que todos deveriam ter pelo Sr. Jones,
também era um costume, passado de geração a geração, ter
respeito pelo capitão do time. Ou seja, por mais que, por dentro,
todos estivessem, assim como a maioria das pessoas do colégio,
rindo e falando coisas absurdas a respeito do Liam e de mim, pelo
menos no âmbito do time, dos treinos e dos jogos, eles eram
obrigados a manter a pose de respeito, por mais falsa que fosse.
— Agora que todos já estão presentes, podemos continuar...
— sentou-se ao lado de Liam, na frente de todos. O moreno
permanecia parado e quieto. Apesar de estar em um local de
destaque ali, não agia como se quisesse estar, nem como era de
seu costume em tempos atrás. Eu tinha a certeza de que seu desejo
era fugir para qualquer lugar. — Bem, o nosso foco agora é na final
do campeonato. Com muita dedicação e muito esforço,
conseguimos chegar ao último jogo desse campeonato, que é
importante não somente para mim, mas para todos. Afinal, vocês
sabem que, mais do que nunca, é a ocasião onde os olheiros das
universidades vão estar e, provavelmente, vão oferecer bolsas aos
concludentes merecedores e futuros universitários. Os concludentes
que mais se destacarem no jogo terão mais chances de conseguir
bolsa. E o maior destaque todos podem conseguir é vencendo o
campeonato. Porém, nós vamos enfrentar o time do Colégio
Manchester, nosso maior adversário, depois do time do Colégio
Liverpool, que não está competindo esse ano...
Enquanto o Sr. Jones falava, eu me recordava de tudo... Da
minha vontade de conseguir uma bolsa, da vontade do Liam de
também conseguir uma bolsa, do meu antigo time do Colégio
Liverpool, que era o maior adversário do Colégio Regent, mas que
não estava competindo naquele ano por falta de verbas (e era
justamente por isso que eu fui parar ali, no time do Colégio Regent).
O sentimento já era de despedida. Tudo estava acabando... O
campeonato, o colegial. Eram os últimos momentos. Instantes
decisivos e definidores do futuro de todos.
— E é exatamente por ser nosso maior adversário, o time
inegavelmente mais forte de todo o campeonato, que nós
precisamos não somente treinar, mas ter estratégia — voltei minha
atenção para o que o Sr. Jones falava. — É por isso que estamos
aqui, para falar de estratégia, antes de tudo. Precisamos vencer não
por força, mas por inteligência — suspirou e virou o rosto para o
moreno ao seu lado. — Liam é o atacante do time e, inegavelmente,
o jogador mais visado e mais marcado por todo e qualquer time que
joga contra nós.
O técnico realmente tinha razão. Era impossível não lembrar
que uma das maiores ordens que eu recebia, enquanto jogava no
time do Colégio Liverpool, era marcar o Liam do início ao fim do
jogo. Isso alimentava ainda mais a raiva dele por mim. Porém, eu
precisava cumprir as ordens, não precisava? Ok, ok, tudo bem.
Além de cumprir ordens, eu também tinha prazer em marcá-lo.
Adorava tirá-lo do sério. Velhos tempos... Mas, a questão era que
todos os técnicos de todos os colégios sabiam o quanto Liam era
um jogador talentoso, perspicaz e extremamente rápido com a bola.
Era como se tivesse um motorzinho nos pés. Se não o marcassem,
o moreno, em questão de segundos, podia fazer quantos quisesse.
Ele era muito rápido.
Na verdade, Liam era tudo: talentoso, perspicaz, rápido,
lindo, gostoso e... Ah, que droga. Ok, voltando a atenção para a
reunião.
— Com certeza, com o time do Colégio Manchester não será
diferente... — Sr. Jones continuou. — Principalmente porque eu
tenho informações de que Dylan, o zagueiro deles, é um dos
jogadores mais talentosos que eles têm e está recebendo
treinamento e orientações especiais para que marque cada passo
do Liam. Por outro lado, nós também temos um zagueiro talentoso...
— virou, dessa vez, o rosto em minha direção. — Eric — e me
observou de maneira bem incisiva. Meu coração estranhamente
acelerou, porque... Ele estava colocando Liam e eu na mesma
explicação? — É claro todos jogadores do nosso time são peças
fundamentais para que tenhamos sucesso na final... — levantou-se
da cadeira e começou a caminhar de um lado para o outro da sala.
— No entanto, se quisermos vencer realmente, precisamos de uma
estratégia que quebre o planejamento deles, ou seja, a marcação no
atacante do time, no caso o Liam. Sendo assim... — parou de falar
por alguns segundos e depois retornou. Eu realmente estava
curioso para saber onde ele queria chegar com isso tudo. — O meu
plano é, em um momento estratégico do jogo, trocar, em segredo,
Liam e Eric de posição, para confundir os jogadores do outro time.
O quê?
Inevitavelmente, arqueei as sobrancelhas com a surpresa. Ao
mesmo tempo, percebi Liam se inquietando discretamente na
cadeira onde estava sentado. Meus olhos recaíram sobre ele e, pela
primeira vez, desde que eu havia entrado naquela sala, ele me
encarou. Eu não conseguia decifrar seu olhar, mas ele parecia tão
surpreso quanto eu.
Como assim, cara? Trocar Liam e eu de posição? Momento
estratégico do jogo? Em segredo? Confundir os jogadores?
Minha cabeça rodava em perguntas e pensamentos.
Calma. O que estava acontecendo com o Sr. Jones? O
treinador nunca foi de tomar decisões arriscadas e que pudessem
colocar em jogo a vitória do time dessa maneira.
Liam e eu não tínhamos como trocar de posição. Eu era o
zagueiro. Ele era o atacante. Duas funções diferentes. Fomos
treinados a vida inteira para ocupar essas duas funções e
definitivamente não tínhamos prática em outra posição que não
fosse a nossa de origem, por mais que a gente jogasse bola muito
bem. Era arriscado e até precipitado. O Sr. Jones só podia ter batido
com a cabeça em algum lugar.
Enquanto eu e o moreno nos encarávamos, um burburinho
tomou conta de todo o espaço, por parte dos outros jogadores. Com
certeza, Liam e eu não fomos os únicos surpresos com essa
decisão. E, nessa altura da situação, eu já não sabia se outros caras
estavam falando somente do atacante e zagueiro trocarem de
posição, ou se estava falando também do Liam e do Eric, os dois
caras do time que estavam se pegando, trocarem de posição.
Em menos de um segundo, tudo ficou ainda mais doido.
— Será que vocês podem fazer silêncio?! — o treinador
exclamou, já aborrecido com o barulho que todos estavam fazendo
e que o impedia de continuar. Os nervos do time estavam à flor da
pele com aquela notícia. Foi preciso alguns segundos a mais para
que se aquietassem e o Sr. Jones pudesse prosseguir. — Será que
vocês podem parar de especular tanto e me ouvir? — perguntou em
um tom mais baixo, após o time se calar. — Bom... — voltou a
caminhar de um lado para o outro da sala. — Pelo que percebi,
todos ficaram preocupados com a minha decisão. Mas, tenho
algumas ressalvas para fazer. Primeiro, as posições não serão
trocadas em definitivo. Liam e Eric continuarão sendo atacante e
zagueiro como sempre foram. Essa estratégia é apenas uma carta
na manga que quero ter para o caso de precisarmos virar o jogo ou
desempatar. Segundo, é justamente por Liam e Eric continuarem em
suas posições normais que essa será uma estratégia secreta. Os
jogadores do outro time não podem ficar sabendo. Do contrário, em
vez de marcar o Liam, que assumirá atitudes de zagueiro, vão
marcar o Eric, que assumirá atitudes de atacante. Ou seja, seria
mesmo que nada. A ideia é que eles marquem o Liam, pensando
ser ele o atacante. Assim, o Eric poderá ficar mais livre para guiar a
bola. Terceiro... — volveu o rosto para mim e para o Liam ao mesmo
tempo. — Por mais que não estejam acostumados com a troca de
posição, vocês são extremamente capazes. Não se sintam
inseguros. Até porque, se não tivessem capacidade, eu jamais iria
propor algo assim e colocar em risco a vitória do time. Vamos utilizar
essa carta na manga, porque eu sei que vocês conseguem — Foi
bem enfático no “sei”. — Vocês são dois dos melhores jogadores
que já passaram pelo time do Colégio Regent.
E, então, quando se calou, eu senti o peso sobre as minhas
costas. Por um lado, era bom ser reconhecido como um dos
melhores jogadores que já passaram pelo time do Colégio Regente,
mas, por outro, isso era um pesadelo. A expectativa que o treinador
estava jogando sobre os meus ombros e os do Liam era muito
pesada, e isso me deixava seriamente preocupado. Talvez o moreno
estivesse sentindo o mesmo ou até mais, porque eu percebi
exatamente a hora em que se empertigou na cadeira e, pela
primeira vez, desde que a reunião havia começado, abriu a boca
para falar algo.
— Sr. Jones... Olha... — balbuciou. Parecia tentar encontrar
as palavras certas, para que conseguisse convencer o treinador a
desistir daquilo e buscar por outra estratégia. — Não sei se é uma
boa ideia. Acho que é muito arriscado para o time e...
— O Liam tem razão, Sr. Jones — o interrompi de repente.
Eu também sentia necessidade de colocar para fora a angústia que
estava sentindo pelo peso que o técnico estava jogando sobre
nossas costas. E se não desse certo? E se nós colocássemos o
time a perder com isso? E se time inteiro quisesse nos matar por
errar essa jogada? — Isso é muito arriscado. Eu não sei se vou
conseguir assumir a posição de atacante, mesmo que por pouco
tempo. Fui treinado a vida toda para ser zagueiro e... O Liam... —
voltei o rosto para ele, que carregava expectativa nos olhos. — O
Liam é atacante com maestria... — falei com toda a sinceridade.
Notei quando seu olhar suavizou ao ouvir o elogio. Elogio
genuinamente verdadeiro. Eu não estava querendo puxar o saco
dele. Até porque eu nem precisava fazer isso. Era apenas a mais
pura verdade. — Eu não vou conseguir. Desculpe, Sr. Jones... —
volvi meu olhar para o técnico. — Faltam poucas semanas. Não vou
conseguir chegar aos pés do que o Liam faz.
— Está enganado, Eric. Vocês dois estão preparados para
isso — o treinador respondeu. — Confiem em mim. Eu sei do
potencial que nem mesmo vocês sabem que têm. Além do mais,
nós vamos treinar. Treinar com afinco. Com meu auxílio e de todo o
restante do time, você e o Liam vão treinar juntos cada passe, cada
tática, cada jogada e...
— Não! — De repente, Liam exclamou em tom mais alto,
pegando-nos de surpresa. Parecia aflito. No entanto, quando
percebeu a maneira como havia falado, pigarreou a garganta, se
recompondo e tentando falar de uma maneira mais contida. —
Quero dizer... — coçou a cabeça. Seu olhar ainda carregava certo
desassossego. — Sr. Jones, é que Eric e eu não podemos treinar
juntos assim, porque... Porque... É... — parecia tentar encontrar
alguma desculpa, qualquer justificativa que fosse, para impedir
aquilo.
Claro. Claro que Liam ficaria ainda mais desesperado. Como
se não bastasse trocarmos de posição, ainda teríamos que treinar
juntos, mais próximos do que quaisquer outros jogadores do time.
Esse era o grande problema. Eu sentia e o conhecia
suficientemente bem para saber disso. Liam não me queria por
perto, especialmente no colégio e nos treinos.
— Porque...? — Sr. Jones replicou em um tom que o sugeria
que prosseguisse com o que quer fosse.
— É... Po-porque... — gaguejou levemente. — Porque é
isso... A gente não vai conseguir, mesmo com os treinos. Corre o
risco de levarmos o time a perder o campeonato com essa troca.
E... Eu não vou saber ser um bom zagueiro...
Essa poderia até ser parte da justificativa, mas eu tinha a
certeza de que outro lado gritava “não” porque não queria que
voltássemos a ficar próximos quando tínhamos acabado de romper
relações.
— Liam, eu já disse, confiem em mim — o técnico falou. —
Vai dar tudo certo. Nós faremos uma grande jogada de mestre.
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Jogada de mestre?
Que tipo de jogada de mestre faríamos naquele
importantíssimo jogo, atuando em posições nas quais não tínhamos
nenhum costume de estar? E tudo isso para confundir os jogadores
do time adversário. Com certeza esse seria o jogo mais arriscado
que iria participar, desde que havia começado a competir.
No entanto, além da inquietação que eu sentia por não saber
se daria “conta do recado”, ainda tinha o outro detalhe: me
aproximar do Liam novamente. Deus, seria muito difícil tê-lo tão
perto e tão longe ao mesmo. Já tinha sido difícil, naquele dia,
quando ele passou meio século fingindo que eu estava invisível
naquela sala.
Como eu iria resistir em tê-lo tão perto e não poder fazer
nada? O término ainda era muito recente para que eu pudesse
segurar facilmente os meus instintos.
Naquele dia, ainda tive um pouco de “sorte”, já que os treinos
para a tal jogada de mestre ainda não tinham efetivamente
começado. Depois da reunião, apenas nos exercitamos na
academia do colégio e treinamos coletivamente com o time. Liam
distante de mim o tempo todo. Mas, e quando tivéssemos que
treinar juntos? Como seria?
Preferia nem imaginar.
Liam me deu liberdade para seguir em frente e Stefany me
aconselhou a isso com todas as letras. Mas, como conseguir, depois
dessas ideias mirabolantes do Sr. Jones? Estava complicado.
Suspirei.
No fim das contas, depois que o treino acabou, tomei banho,
me arrumei e segui para o meu carro sob mensagens incessantes
do meu pai no celular: “onde está você, Eric?”, “Jimmy e Alex já
estão aqui, não os deixe esperando”, “você ainda está nessa perca
de tempo que é o time de futebol?”, “saia já desse treino e venha
logo para a construtora”.
Era uma merda.
Não tive escolha a não ser fazer a vontade do George e ir
ajudar Jimmy e Alex sabe-se lá com o que, para a maldita festa de
confraternização que aconteceria ainda naquela semana. Eu
realmente não tinha animação para alguma com aquilo e só fazia as
vontades daquele velho porque ainda morava debaixo do mesmo
teto que ele.
Naquele instante, tinha acabado de estacionar o carro e já
havia pulado para elevador, rumando para o tão conhecido último
andar do prédio, local onde ficavam as salas do Presidente, meu
pai, e Vice-presidente da empresa, Jimmy.
Não demorou muito para que eu chegasse até lá e, quando
entrei na sala, sem bater na porta, os três, George, Jimmy e Alex, já
estavam presentes, claro. Também não demorou muito para que os
primeiros comentários entediantes do meu pai começassem a surgir.
— Pensei que eu completaria cem anos de idade e você não
chegaria nessa empresa — foi a primeira coisa que meu pai falou.
Grande recepção. — Já estava naquela perca de tempo que você
chama de time de futebol, não era?
A raiva quis correr em minhas veias por ter que ouvir aquele
tipo de comentário sobre o meu time, mas respirei fundo e tentei me
segurar. Achava sacanagem eu ter que me dar ao trabalho de ir até
lá, fazer aqueles favores, que eu não gostava nem um pouco e que
ele sempre me pediu durante toda a minha existência, e ainda ter
que escutar essas besteiras.
Eu poderia lidar facilmente com os comentários idiotas das
pessoas do colégio, porque nenhum deles realmente me importava,
mas com meu pai era diferente, sabe? Tipo, ele era meu pai! Não
era para ser assim. Eu deveria receber algum tipo de apoio ou sei
lá, qualquer coisa que fosse. Mas, isso, eu não tinha, eram apenas
cobranças e ordens.
— Ah, George... — Jimmy interveio, passando uma das mãos
nas costas de meu pai. — Deixe o garoto... Ele já está aqui — sorriu
para mim e se aproximou. — Tudo bem com você, filho? Estava
com saudade. Faz tempo que não nos vemos.
— Oi, tio Jimmy — o abracei. — Tá tudo bem. É que... A vida
tá meio corrida, sabe? Eu também senti saudade — sorri de volta.
Sempre gostei dele. E até hoje não sabia como suportava trabalhar
com meu pai.
— E aí, cara... — Dessa vez, foi Alex que se aproximou,
erguendo uma das mãos. — Tá tudo bem, né? Não faz tanto tempo
que nos vimos... — sorriu também.
— Fala, Alex... — apertei sua mão em um cumprimento. —
Tudo tranquilo, cara — Mentira, minha vida estava uma verdadeira
loucura, mas isso não vinha ao caso. — É, a gente se viu naquele
dia que você foi lá em casa para ajudar o George num projeto.
— Pai... — George interrompeu.
Ele odiava o fato de eu nunca o chamar de pai, assim como
também nunca tinha se acostumado com esse meu jeito de tratá-lo.
Infelizmente, eu nada poderia fazer com relação a isso, porque,
sinceramente, não tinha a mínima vontade de chamá-lo de pai. E
isso já durava anos.
— É, pois é... — voltei, novamente, minha atenção para Alex,
como se não tivesse ouvido aquilo. — Mas, deu tudo certo com o
projeto? Lembro que você tinha ficado de fazer uma parte que era
para eu fazer... Falando nisso, obrigado de novo, cara.
— Ah sim, Eric, deu tudo certo sim... — respondeu. — Acabei
errando alguns cálculos, mas o Sr. Hastings... — volveu o rosto na
direção do meu pai. — Foi muito compreensivo e gentil comigo... —
deu um breve sorriso e voltou seu olhar para mim. — No fim das
contas, acabei fazendo um dos meus melhores trabalhos aqui.
Compreensivo...? Gentil...? Franzi o cenho levemente.
Isso sim era uma surpresa pra mim, porque jamais poderia
imaginar alguém usando esses adjetivos para se referir ao George.
Alex deveria estar querendo puxar o saco dele. Só podia ser isso.
— George, como sempre, aprazível... — Jimmy, novamente,
passou uma das mãos nas costas dele. — Alex tem sorte de estar
fazendo seu estágio da faculdade aqui. Milhares de alunos de
Administração se matariam por esse cargo.
— É verdade... — Alex sorriu gentilmente. — Sr. Hastings
tem sido como um segundo pai pra mim.
Uou!
Aprazível? Como sempre? Segundo pai?!
Eu tive que me segurar para não rir com essa cena!
Como assim “segundo pai”, se ele não fazia decentemente o
papel de pai nem para o filho verdadeiro? Ou Jimmy e Alex tinham
bebido alguma coisa que lhes afetou o cérebro, ou não estávamos
falando do mesmo George.
De todo modo, soltei uma pequena e discreta risadinha pelo
nariz, porque não consegui me conter totalmente, mas logo mudei
de assunto. Já estava perdendo muito tempo ali e não via a hora de
ir para casa.
— Mas, enfim, porque me chamou aqui mesmo? — voltei
minha atenção para George. Que eu não tivesse que fazer algum
trabalho que fosse demasiadamente chato, era tudo o que eu pedia.
Meu dia já tinha sido complicado demais.
— Jimmy e Alex estão preparando a apresentação dos
resultados da empresa que será repassada durante a cerimônia,
para os sócios e demais convidados. Quero que os ajude com isso
— replicou com seu típico tom seco. — Enquanto isso, vou a uma
reunião. Eles saberão como te orientar.
Quando finalizou, em menos de meio minuto, pegou sua
pasta, deu as costas e cruzou a porta da sala, indo embora,
provavelmente rumando para a tal reunião. Tudo tão rápido, que, se
eu quisesse contestar alguma coisa, não teria nem tempo de fazer.
Assim que sumiu das minhas vistas, desviei meu olhar e tudo
o que eu tinha ali era companhia de Jimmy, Alex e das milhares de
planilhas que eu teria de avaliar para ajudá-los na organização da
apresentação.
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Liam
Eric
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Eric
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Eric
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Liam
Liam
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Liam
Eric
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Eric
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“Meu querido e amado filho, sei que nesse momento está com
muita raiva de mim, e eu não tiro sua razão. Durante toda a minha
vida, fiz escolhas ruins. Eu nunca soube ser sincero com ninguém,
nem comigo mesmo, e me escondi tão dentro de mim ao ponto de
não conseguir nem mesmo me reconhecer. Eu não sou esse
monstro que sempre me mostrei a você, meu próprio filho. Mas,
acabei me tornando, com o passar do tempo, esse ser
irreconhecível para as pessoas que eu mais amava na vida, você,
sua irmã e sua mãe. Na ânsia de conseguir bens materiais, sucesso
na vida e status social, acabei enganando a todos. E pior, a mim
mesmo. O George de 18 anos sofreu preconceitos quando disse
para os amigos que também gostava de homens. O George de 18
anos foi agredido pelo pai quando quis levar um namorado para
casa. O George de 18 anos foi obrigado a seguir na carreira de
engenharia civil e cuidar dos negócios do pai. Acabei acreditando
que o certo era ele e o errado era eu. Me escondi tão dentro de mim
que nunca mais saí, não me libertei. E pior: comecei a tomar as
atitudes que eu mesmo, durante a juventude, mais repudiava. As
atitudes do meu pai. Fui praticamente obrigado a me casar com uma
mulher, e lhe falando com toda a sinceridade do mundo, essa foi a
única coisa que não me arrependi até hoje. Eu amei muito a sua
mãe e a amo até hoje. Ele me deu os maiores presentes da minha
vida, você e sua irmã. Tivemos uma vida próspera e muito
confortável. Mas, meu pai sempre me lembrava, quando estávamos
sozinhos, que tudo isso era graças a ele, graças a rédea curta que
usara comigo. “Não deixou eu me perder”, segundo suas palavras.
E nisso, eu me espelhei. Absorvi essa ideia e tentei passar para
você, na sua criação. Queria que você fosse tão bem sucedido
quanto eu, e acreditava que só conseguiria isso se seguisse os
meus passos, assim como meu pai fez comigo: cursar engenharia
civil, cuidar da construtora e casar com uma mulher que lhe desse
filhos, ou melhor, herdeiros. Tentei, casei, consegui. Mas, por mais
que eu amasse sua mãe, os desejos antigos e reprimidos ainda me
atormentavam muito e, por conta disso, acabei caindo em tentação.
Não uma ou duas vezes, várias vezes. Tomei decisões erradas e caí
mais vezes em tentação. Eu não estava feliz. Meu casamento já
estava manchado, não era mais o mesmo. E a minha infelicidade
aumentava. Mas, eu não me dava conta disso, pelo menos não até
agora. Até você me encontrar naquela situação. Os últimos dias têm
sido muito reflexivos e sozinhos pra mim, meu filho. A solidão tem
seus males, mas ajuda a pensar. E em meio a essas reflexões, me
vejo decepcionado comigo mesmo, com as minhas atitudes. Tenho
aprendido com seu silêncio. Tenho aprendido muito mais com você
do que com qualquer outra pessoa em toda a minha vida. E me
orgulho disso. Me orgulho do filho que tenho. Na verdade, sempre
me orgulhei, e me desculpe por não ter lhe dito isso antes, do jeito
que merece. Exigir algo de alguém, especialmente de um filho, é
uma atitude muito delicada. Eu sei que lhe exige muito, durante
tanto tempo. Por isso, não mais lhe exijo. Agora, troco o verbo. Eu
lhe desejo. Eu lhe desejo que se torne tudo o que eu não me tornei.
Eu lhe desejo que seja feliz, a pessoa mais feliz de todo o mundo.
Eu desejo que faça o que lhe faz feliz, somente o que lhe faz feliz.
Desejo que tenha sucesso e felicidade na carreira que escolher para
sua vida profissional. Desejo que ame e seja amado por quem lhe
faz feliz e por quem você faz feliz. Desejo que construa uma família
com a pessoa que o seu coração escolher. Desejo que faça suas
escolhas por si próprio e não por mim. Hoje, escrevo essa carta e
meu testamento. Deixo todos os bens para você, sua irmã e sua
mãe. Mas, não quero que se sinta na obrigação de cuidar da
empresa. Faça dela o que bem entender. Venda ou tome alguma
decisão com sua mãe e irmã. Façam o que julgarem melhor. A
minha maior felicidade é saber que estão felizes sendo quem
realmente são ou quem sempre quiseram ser. Por fim, desejo algo
que não sei se sou realmente digno. Desejo o seu perdão. Onde
quer que você esteja, ou onde quer eu esteja, desejo o seu perdão.
Espero consegui-lo um dia, em algum momento, aqui ou do outro
lado. Eu te amo muito, meu filho, e sempre vou te amar.”
Para sempre
Eric
Liam
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V. S. Vilela