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KARAM, Maria Lúcia. De Crimes, Penas e Fantasias. Niterói: Luam Ed., 1991.

Papel social, jurídico e político da magistratura

PAPEL SOCIAL, JURÍDICO E POLÍTICO DA


MAGISTRATURA

I – Estado e função judiciária


p. 93: “Sintetizando as definições mais correntes, podemos afirmar que a função
judiciária consiste, basicamente, em dirimir, em cada caso concreto, as divergências
surgidas por ocasião da aplicação das leis, solucionando conflitos entre particulares,
entre estes e o Estado ou mesmo entre órgãos do próprio Estado, fazendo valer o
ordenamento jurídico, de forma coativa, toda vez que seu cumprimento não se dê sem
resistência1.

(...) a finalidade formal de interpretação e aplicação das leis, para dirimir


conflitos, assegurar a defesa dos direitos legalmente protegidos e reprimir sua violação”.

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p. 95: “O Estado é, assim, a organização de que se dota a sociedade dividida em


classes, para manutenção das relações baseadas na propriedade privada dos meios de
produção, podendo ser concebido como princípio de organização e fator regulador do
equilíbrio global de um modo de produção e de uma formação social no interior dos
quais se manifestam contradições entre classes.

(...) o centro do exercício do poder político da classe ou classes que exercem


dominação sobre as outras e suas funções, naturalmente, vão corresponder aos
interesses específicos dessas classes dominantes.

Cada modo de produção vai gerar um tipo básico de Estado e em cada formação
social específica (modo de produção + sua superestrutura) este tipo de Estado poderá se

1
“Veja-se, por exemplo, Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva,
1984, 7ª ed., os. 178/192”.
estruturar de diferentes formas, mantendo, porém, as características fundamentais
determinadas pelo modo de produção a que corresponde”.

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p. 97: “A função judiciária, como qualquer outra função do Estado capitalista, é,


assim, ante de tudo, uma função política, que visa, em essência, a manutenção e a
reprodução das relações baseadas na dominação de classe sobre as quais se constitui a
formação social capitalista.

II – Poder Judiciário e dominação de classe


(...) a função judiciária não se esgota em sua finalidade formal de interpretação e
aplicação das leis (...) sendo, antes, instrumento de manutenção e reprodução das
relações de dominação em que se baseia a formação social capitalista, passemos a
analisar como se desenvolve (...) este papel não aparente da instituição que chamamos
de Poder Judiciário.

1. O direito a ser aplicado

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Ao interpretar e aplicar as leis, o Poder Judiciário estará (...) exercendo aquela


função não aparente de manter e reproduzir as relações de dominação.

As leis a serem interpretadas e aplicadas constituem o direito positivo, que,


enquanto conjunto de normas disciplinadoras das relações sociais, se insere na
superestrutura de uma (...) formação social, expressando (...) os conflitos de classe (...)”.

p. 89: “(...) o direito é a expressão legal do modo de produção capitalista e (...)


institucionalização normativa dos interesses e necessidades das classes dominantes,
impondo e reproduzindo as relações de opressão e desigualdade em que se fundamenta
o seu poder de classe2. (ligação com o soberano que domina/carrega/exerce poder no
estado)

p. 99: “(...) é no campo penal que talvez melhor se possa identificar (...) caráter
desigual do direito da sociedade capitalista, pois, não obstante o mito da igualdade se

2
“Cirino, Juarez. ‘As Raízes do Crime’, Rio, Forense, 1984, p. 126”.
aqui ainda mais difundido e interiorizado, é o direito penal o direito desigual por
excelência.

A seleção e definição de bens jurídicos e comportamentos com relevância penal


se fez de maneira classista, tendendo a privilegiar os interesses das classes dominantes,
tendência que vai levar a que o processo de criminalização se oriente (...) contra
comportamentos característicos das camadas mais baixas e marginalizadas, excluindo
ou minimizando comportamentos socialmente danosos (...) das classes dominantes e
ligados à acumulação do capital.

Mais eloquente do que o exemplo do contrato de trabalho (...) é o fato lembrado


pelo Prof. Alfonso Zambrano Pasquel de que, conforme as definições legais, deverá se
reputar como furto a conduta do trabalhador que toma para si parte do que produz para o
patrão, não obstante, enquanto proletário, seja ele o dono legítimo da força de trabalho
que gera o produto do qual está se apropriando, quando, ao contrário, por falta de
previsão legal, a conduta do patrão, que não paga ao trabalhador nem sequer o
acordado, não irá constituir um delito3”.

p. 100: “Não se destina o direito penal da sociedade capitalista a proteger apenas


bens e valores essenciais, no sentido de bens comuns a todos os homens. Ao lado da
proteção à vida, à liberdade, à integridade física e moral, o processo de criminalização
acaba por instrumentalizar e dar a máxima proteção à propriedade privada, em
detrimento daqueles bens essenciais”.

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p. 101: “Ninguém tem dúvida dos imensos prejuízos que o peculato e a


corrupção causam a nosso país (...).

contribuindo (...) para a tendência de privilegiar os interesses das classes


dominantes e orientar o processo de criminalização contra condutas características das
camadas mais baixas e marginalizadas, temos a própria formulação técnica das figuras
delitivas, que, nas condutas características destas camadas mais baixas, é sempre mais
simples, mais apertada, enquanto, nas condutas características das classes dominantes, a
formulação mesma das figuras delitivas dá margem a interpretações mais amplas.

3
“Zambrano Pasquel, Alfonso. ‘Nueva Criminología y Derecho Penal’, in Derecho Penal y Criminologia,
31, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 1987, p. 72”.
(...) operando basicamente com a lógica da individualização das condutas
socialmente negativas, não vai funcionar nos delitos cometidos na atividade das grandes
empresas e do aparelho burocrático, sendo extremamente difícil responsabilizar os
dirigentes, os mandantes e os beneficiários desse tipo de condutas criminosas4”.

2. A aplicação do direito

p. 102: “É, portanto, este direito fundado na desigualdade que será aplicado no
exercício concreto da função judiciária, aplicação que vai acentuar ainda mais seu
caráter desigual e seletivo.

A magistratura, na sociedade capitalista, é integrada predominantemente por


indivíduos de atitudes conservadoras, imbuídos de uma visão dogmática e acrítica do
direito, que encobre aquele seu papel de manutenção e reprodução das relações de
dominação em que se baseia a formação social capitalista.

A origem de classe dos integrantes da magistratura está limitada aos setores


médios e superiores da população, com exclusão das camadas mais baixas, registrando-
se uma tendência à predominância de juízes vindos da pequena-burguesia”. (ligação
com Maria Tereza Sadek e Salete Maria Polita Maccalóz).

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p. 103: “A atuação dos integrantes da magistratura, como de outras categorias


pertencentes ao aparelho de Estado, não é diretamente determinada pela sua atribuição
de classe, pelo funcionamento político das classes ou frações de que saíram,
dependendo sim do funcionamento concreto do poder de classe desse Estado, o que vai
permitir uma unidade e coerência próprias da categoria, independentemente da
diversidade do recrutamento e da atribuição de classe de seus integrantes
individualmente considerados5”.

p. 104: “No caso da magistratura, some-se a isso o fato de que a condição


profissional, a ideia da alta função social, faz com que seus integrantes se vejam
ocupando uma posição considerada superior na sociedade, o que contribui para

4
“Para uma visão crítica do direito penal, veja-se especialmente Alessandro Baratta: ‘Criminología
Crítica y Crítica del Derecho Penal’, México, Siglo XXI, 1986”.
5
“Veja-se a análise de Nicos Poulantzas sobre a burocracia em ‘Poder Político e Classes Sociais’, São
Paulo, Martins Fontes, 1977, pp. 327 ss”.
distanciá-los ainda mais dos condicionamentos originais e do funcionamento político
característico das classes ou frações eventualmente inferiores de que possam ter saído”.

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p. 105: “Esses mecanismos ideológicos e políticos [couraça de


infalibilidade/acordo tácito dos cidadãos/institucionalização do
processo/despersonalização do juiz/organização e linguagem e conduta artificiais], essa
organização do exercício da função judiciária, tornam a magistratura um corpo isolado
da sociedade, no qual o juiz, encerrado em sua torre de marfim, nega todo aspecto
político de sua atividade, fechando-se a todo controle popular, indiferente à dinâmica
das lutas travadas na sociedade, às tensões que nela ocorrem, às divisões que nela se
formam (...).

(...) desconhecendo as condições de vida e os valores das camadas mais baixas e


marginalizadas, bem como as culturas alternativas, percebendo e julgando sua clientela
dentro dos marcos de referência da ideologia dominante”.

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p. 107: “(...) a posição precária no mercado de trabalho (desempregados,


subempregados, empregados com baixa qualificação profissional), os defeitos de
socialização familiar, o baixo nível de escolaridade, presentes naquelas camadas, são,
não como se costuma apontar, caudas da criminalidade, mas sim características que vão
ter influência determinante na distribuição do status de criminoso6.

(...) a (...) atuação pautada pela lógica e pela razão do poder de classe do Estado,
a incapacidade do juiz em penetrar e compreender o mundo dos imputados provenientes
daquelas camadas mais baixas e marginalizadas, são fatores, evidentemente,
desfavoráveis a estes”.

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p. 108: “é comum um sentimento de incômodo dos juízes ao aplicarem uma


pena, mesmo que não seja privativa de liberdade, a indivíduos provenientes dos estratos
médios e superiores, preocupados em ‘sujar sua folha penal’, preocupação que não se
manifesta quando se trata de indivíduos dos estratos inferiores.

6
“Baratta, Alessandro, op. cit., p. 172”.
(...) é a atuação da magistratura que, ao aplicar aquelas definições legais aos
casos concretos, dará o status de criminoso àqueles indivíduos respeitadores das leis e
contribuindo (...) para sua estigmatização, para a construção e propagação de uma
imagem do criminoso, formada fundamentalmente a partir do perfil daqueles indivíduos
condenados, notadamente à pena privativa de liberdade”.

p. 109: “(...) fatores (...) da distribuição desigual do status de criminoso, que o


faz recair sobre as camadas mais baixas e marginalizadas, temos (...) evidenciado o
papel da magistratura na definição da ideia de criminalidade como um comportamento
característico de indivíduos pertencentes àquelas camadas (...) das classes subalternas
como classes perigosas, definição e identificação que constituem uma das mais
significativas práticas da função judiciária, enquanto instrumento de manutenção e
reprodução das relações de dominação em que se baseia a formação social capitalista.

III – Poder Judiciário e construção da democracia


(...) a função judiciária (...) está (...) voltada para a realização dos interesses das
classes dominantes, sendo (...) uma função política, que visa (...) a manutenção e
reprodução das relações baseadas na dominação de classe sobre as quais se constitui a
formação social capitalista”.

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p. 110: “Três são as vertentes (...) [para o avanço de classes sob estado de
exceção, igualmente, no campo da superestrutura, ideológico, para delineação de outro
funcionamento e/ou organização da função judicial, com ponto de vista socializado,
democrático]: a compreensão crítica da função judiciária, a criação de mecanismos de
participação popular no exercício da função judiciária e a busca de realização dos
direitos humanos como perspectiva de atuação do Poder Judiciário.

a compreensão crítica da função judiciária implica no conhecimento dos


mecanismos políticos e ideológicos que determinam a atuação da magistratura, como
aqui procuramos esboçar. De posse desse conhecimento, da explicitação da vinculação
do direito e da função judiciária ao poder de classe do Estado capitalista, será possível
romper os mitos que cercam aquela atuação, com reflexos não só na visão que os juízes
têm de sua própria atividade, mas também – e que é mais importante – na visão do
conjunto da sociedade sobre tal atividade”.

p. 111: “Esse é o primeiro passo para a superação do modelo do ‘juiz asséptico’,


de que fala Zaffaroni7, ou seja, o juiz técnico, neutro, que decide de forma supostamente
imparcial e, portanto, reproduz a desigualdade inerente ao direito da sociedade
capitalista, sendo, consequentemente, também um primeiro passo no sentido da
produção de uma jurisprudência comprometida com os interesses das classes capazes de
construir a nova sociedade e com a perspectiva de realização dos direitos humanos.

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(...) a criação de mecanismos de participação popular – requisito (...) do processo


de democratização do poder político – (...) poderá constituir um contrapeso aos
condicionamentos do poder de classe do Estado capitalista e fazer avançar a proposta de
uma prática alternativa no exercício da função judiciária [contra a atual determinação
das atitudes conservadoras, excepcionais inclusive, de um poder de classe em seus
membros, limitando, assim, o alcance dessa compreensão crítica da função judicial a
atuação concreta dos juízes, já que tal compreensão crítica vai encontrar barreiras no
processo de integração dessa magistratura crítica ao aparelho de Estado].

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p. 112: “A democratização do poder político não pode conviver com o fato de


que os membros da magistratura nela ingressem unicamente através de concurso de
capacitação técnica ou por nomeação do Poder Executivo, ainda que com autorização
do Poder Legislativo, e que, uma vez integrando a carreira, não tenham que prestar
contas de suas atividades perante o conjunto da sociedade.

Uma forma de aliar o conhecimento técnico às exigências de democratização


poderia ser a combinação do concurso de capacitação com processos eletivos, em cada
etapa da carreira. Por outro lado, a criação de conselhos externos, com participação
conjunta de representantes da magistratura, do ministério público, da defensoria pública,
da advocacia e de organizações comunitárias, para examinar representações contra
integrantes da magistratura, abriria o necessário controle sobre seus atos” (Cap. IV).

7
“Zaffaroni, Eugenio Raúl e Larrandart, Lucila. ‘Administração de Justicia y Reforma Constitucional em
la Argentine: La necesidad de um modelo’, in: Derecho Penal y Criminología, 27-28, Universidad
Externado de Colombia, Bogotá, 1985/86, pp. 222-248”.
p. 112-13: “(...) a introdução de juízes leigos [para a concretização da
democracia popular], eleitos diretamente ou através de organizações comunitárias
(associações de moradores, sindicatos, igrejas, etc.), por período determinado e sem
possibilidade de recondução, para atuarem conjuntamente e com as mesmas atribuições
dos juízes de carreira”.

p. 113: “A própria instituição do júri também poderia ser um caminho para a


concretização desta participação popular, desde que sua composição siga os mesmos
critérios acima indicados e sejam ampliadas as matérias de sua competência.

(...). O direito e sua aplicação são fatos bem mais simples do que fazem crer as
construções dogmáticas tão desenvolvidas pelos cultores das ciências jurídicas,
construções quase sempre artificiais, que contribuem para institucionalizar o saber
enquanto instrumento de dominação (Cap. IV).

(...) a criação de formas de autogestão social para solução de conflitos, de


violações de direitos, inclusive em matéria penal, com a intermediação de organizações
comunitárias e participação ativa das partes diretamente envolvidas, limitando-se a
intervenção do aparelho judiciário às questões não resolvidas daquela forma8” (Cap.
IV).

p. 114: “(...) a terceira vertente proposta, ou seja, a busca de realização dos


direitos humanos como perspectiva de atuação do Poder Judiciário (Cap. IV).

Adotando o conceito manejado pelo Prof. Alessandro Baratta e desenvolvido


pela Profa. Lola Aniyar de Castro, é possível precisar o conteúdo dos direitos humanos,
definindo-os enquanto necessidades indispensáveis à sobrevivência da espécie humana
como entidade biológica, espiritual e cultural, necessidades essas naturalmente
historicamente determinadas e das quais se podem extrair os reflexos normativos
correspondentes (Cap. IV).

Através da classificação proposta pela Profa. Lola Aniyar de Castro, podemos


identificar as necessidades reais fundamentais e (...) os direitos humanos (...):

1. Encontramos, como necessidade real fundamental, o metabolismo, a que


correspondem os direitos à satisfação da fome, a uma alimentação saudável

8
“Sobre formas de autogestão social para solução de conflitos, especialmente em máteria penal, conforme
as propostas abolicionistas, veja-se a exposição de Louk Hulsman em ‘Peines Perdues’, Paris, Centurion,
1982”.
que assegura condições ótimas de nutrição, ao acesso e utilização dos
recursos naturais existentes”.

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p. 115: “

4. O crescimento e os direitos à proteção da infância, ao acesso a elementos de


desenvolvimento espiritual e corporal (educação, cultura e informação), à
proteção da velhice.
5. A saúde e o direitos de tratamento com os recursos técnicos e científicos
conhecidos, assistência durante a invalidez, medicação devida e proteção dos
deficientes físicos e mentais.
6. O movimento e os direitos à liberdade física e mental, à locomoção, ao
trabalho, ao repouso e ao lazer.
7. Finalmente, a segurança e os direitos à conservação da vida e da integridade
pessoal, à preservação contra qualquer forma de dano corporal produzido
pela natureza, por indivíduos, coisas ou atividades empresariais ou públicas.

A busca de realização desses direitos, que, em nossa sociedade, são negados à


imensa maioria da população, deve nortear a atuação do Poder Judiciário, através de
interpretações que favoreçam sua introdução nos casos concretos a serem decididos no
exercício da função judiciária”.

p. 116: “(...) pode-se se pensar (...) na prevalência dos direitos ao abrigo e ao


acesso e utilização dos recursos naturais sobre o direito de propriedade.

Na área penal, pode ser trabalhado o conceito de culpabilidade, referente a


situações em que o imputado tenha escasso espaço social, devendo a reprovabilidade da
conduta antijurídica praticada por quem sofre de uma carência social ser carregada pela
sociedade que a motiva e não pelo carente que não pode superá-la (...) o conceito de
inexigibilidade de conduta conforme a norma. Ao contrário da interpretação dominante,
que restringe a incidência desta causa de exculpação às hipótese legisladas (coação
irresistível e obediência hierárquica), há que direcioná-la para as situações em que a
realização da conduta antijurídica é determinada pelas condições de privação de direito
humanos, como acontece em comportamentos socialmente negativos característicos das
camadas mais baixas e marginalizadas, como, por exemplo, o furto e o roubo, que, mem
geral, constituem expressão das contradições da sociedade capitalista, enquanto resposta
individual a tais contradições9”.

p. 117: “Orientando-se, assim, a atuação da magistratura para a perspectiva de


realização dos direitos humanos (...) poder-se-á caminhar naquele sentido da produção
de uma jurisprudência comprometida com os interesses e a luta das classes capazes de
construir a sociedade estruturada sobre as relações de produção e o poder político
socializados e democráticos, contribuindo, desta forma, para fazer do exercício da
função judiciária um verdadeiro exercício de distribuição de justiça”.

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Violência e direitos humanos

VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS


p. 140: “(...) já há algum tempo, vive-se, no Brasil, um clima de pânico, de
alarme social em torno do fenômeno da violência, acompanhado por uma cadeia
discursiva de castigo e severidade, de apelo à ordem, de demanda de maior repressão
(...).

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(...) desqualifica-se o conceito de direito humanos, que, no discurso irracional e


autoritário, passa a ser visto como instrumento de proteção de criminosos, em
detrimento de suas vítimas, ou da maioria dos cidadãos que se imaginam respeitadores
das leis”.

p. 142: “Uma compreensão mais racional da realidade justifica e impõe uma


investigação (...) precisando significados e construindo conceitos, que, nascendo da
observação mesma da realidade, possam servir para (...) interpretá-la e compreendê-la.

A precisão dos conceitos de direitos humanos e de violência, que, como se


procurará demonstrar, guardam estreita relação, conceitos estes examinados a partir e
em consonância com o real encontrado nesta sociedade historicamente determinada, que
9
“Sobre o conceito de co-culpabilidade, veja-se o chamado Projeo Zaffaaroni sobre Direitos Humanos e
Sistema Penais Latino-americanos, pp. 97-101. Sobre a inexigibilidade da conduta conforme a norma,
veja-se Juarez Cirino: ‘Direito Penal – A Nova Parte Geral’, Rio, Forense, 1985, pp. 192-193 e 213-219”.
constitui, hoje, o Brasil, é o objetivo deste trabalho, desta tentativa de contribuir para
uma análise mais racional de um fenômeno, tão centralmente presenta nos discursos e
preocupações, quanto pouco compreendido.

I – Para uma conceituação de direitos humanos e de violência


Uma primeira ipção para se chagar a um conceito de direitos humanos poderia
partir do estudo de textos normativos, desde as precursoras declarações da
Independência Americana e da Revolução Francesa, até a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948, e demais declarações de direitos e pactos internacionais e
regionais, que a desenvolveram e aprofundaram, chegando-se, ainda, aos direitos e
garantias fundamentais, enumerados do Título II de nossa Constituição Federal”.

p. 143: “No entanto (...) parece mais proveitosa uma outra opção: buscar uma
conceituação de direitos humanos não nos textos normativos, mas a partir do real e do
concreto, chegando, com sua análise, aos reflexos normativos que daí se podem extrair.

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Lola Aniyar de Castro, tomando elementos de uma análise e uma discussão


racionais dos conhecimentos da biologia, da ética e da cultura, desenvolveu o conceito
de Baratta, precisando estas necessidades básicas, através da história, com seus
correspondentes culturais, para propor sua classificação em sete grandes grupos, que
assim se identificam:

1. as necessidades relacionadas com o metabolismo e o sustento biológico do


homem”;

p. 144:

2. “as necessidades ligadas à reprodução e a seu correspondente cultural – o


parentesco;

3. as necessidades relacionadas com o bem estar corporal e o abrigo;

4. as necessidades de crescimento e exercitação;

5. as necessidades relacionadas à saúde e à higiene;

6. as necessidades de movimento, de realização de atividades; e


7. as necessidades de segurança e, portanto, de proteção”.

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p. 145: “3. O bem estar corporal e o abrigo vão gerar os direitos a uma habitação
confortável e inviolável e a um meio ambiente saudável”.

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p. 145-6: “É com base na identificação destas necessidades fundamentais e dos


direitos humanos, a partir delas precisados, que se pode superar a parcial visão de
violência, reduzida pelos discursos dominantes à ideia de condutas geradas pela
criminalidade convencional, para, construindo um conceito mais real e mais abrangente,
definir como violentos todos os fenômenos que, impedindo a satisfação daquelas
necessidades e, portanto, violando os direitos humanos, constituem atentados à
sobrevivência biológica, espiritual e cultural da espécie humana”.

II – Um painel da violência na realidade brasileira


p. 146: “(...) o desatendimento destas necessidades e a consequente negação
destes direitos são uma trágica regra na sociedade brasileira.

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p. 147: “Segundo a mesma pesquisa, há uma relação direta entre baixa estatura e
pobreza, registrando-se quatro vezes mais homens nanicos em famílias cuja renda
mensal não passa de um quarto do salário mínimo por pessoa, do que em outras de
renda igual ou superior a 2,2 salários por pessoa.

As constantes e acumuladas perdas salariais, resultantes de seguidas políticas


econômicas, que insistem em jogar sobre os salários todo o peso do combate à inflação,
aliadas aos altos e liberados preços dos produtos alimentícios, tornam inacessível o
direito a uma alimentação, asseguradora de condições ótimas de nutrição, mesmo entre
a população integrada ao mercado de trabalho.

p. 148: “A uma concentração extrema da propriedade da terra, que constitui a


marca originária, até hoje não superada, da história econômica do Brasil, soma-se a
lógica do produzir para exportar, em detrimento do mercado interno, que se mantém
pouco desenvolvido (...).
(...) a falta de controle de qualidade dos produtos, de que é um exemplo o uso
não reprimido de agrotóxicos, afeta a boa nutrição a´te mesmo dos pouco privilegiados
que têm pleno acesso aos alimentos.

2. Reprodução (identidade familiar e nacional).

O primeiro capítulo da desproteção da família, no Brasil, descreve a falta de um


programa de planejamento familiar sério (...)”.

p. 149: “(...) as mulheres das camadas mais altas realizam seus abortos
livremente, em clínicas bem equipadas, de endereços conhecidos, sem maiores riscos.

(...) tem-se um precário atendimento pré-natal às gestantes, especialmente nas


zonas rurais (...).

(...). Nessas famílias desestruturadas, germinam as insensibilidades, as agressões


a crianças, que, à semelhança das agressões contra mulheres e dos atentados sexuais,
reproduzem as relações de poder, a hierarquização presente em nossa sociedade, a
imposição da vontade do mais forte.

A privação da identidade familiar chega a fazer de bebês um objeto comercial


(...).

Num país que se intitula uma democracia racial, não são poucos os preconceitos,
velados ou não. À igualdade formal, à proibição da discriminação, opõe-se o real”.

p. 149-50: “As marcas de uma colonização, que se faz com o genocídio dos
povos indígenas, que aqui moravam, e com a escravidão de povos africanos, de suas
terras arrancados, perduram, seja no desrespeito à identidade, às tradições, à língua, ao
patrimônio cultural e à integridade territorial dos raros povos indígenas sobreviventes,
seja nos embranquecidos valores culturais dominantes, na objetividade racista que faz
dos descendentes dos escravos os semi-libertos contingentes maiores dos excluídos
deste país”.

p. 150: “Mas, nosso apartheid não é só racial. Brancos e negros podem aqui se
igualar, quando surge a outa discriminação maior, a que seapra pelo acesso às riquezas,
a que faz com que o 1% mais rico da população tenha uma participação maior na renda
nacional do que os 50% mais pobres, a que indelevelmente divide o país em uns poucos
privilegiados e milhões de deserdados.
Essa discriminação de classe, essa divisão entre senhores e escravos,
latifundiários e sem-terra, grandes empresários e trabalhadores mal pagos, conta a
história econômica do Brasil, a história da repetida produção de desigualdades, a
história da negação da dignidade social, da negação da cidadania”.

p. 150-1: “Para a maioria da população brasileira, tão escassos quanto os bens


materiais são os bens do poder político. O só recentemente conquistado direito de eleger
representantes, em todos os níveis, constitui apenas um pressuposto da conquista da
cidadania. A difícil luta diária pela sobrevivência, a desinformação, a desmobilização
gerada pela inconsciência do real, a submissão e o fatalismo excluem as mais amplas
camadas da população da participação política, da consciência e do exercício dos
direitos da cidadania. Ausente da sociedade, a cidadania tampouco se apresenta no
exercício do poder do Estado brasileiro, historicamente autoritário, centralizador,
institucionalizador da exclusão”.

3. Bem Estar Corporal (abrigo e meio ambiente)

p. 151: “O processo de concentração da propriedade da terra em mãos de uma


minoria, que vem desde a época colonial, com a divisão do país em capitanias
hereditárias e, depois, em sesmarias, entregues a uns poucos grandes senhores
portugueses, desenvolve-se por toda a história do Brasil, chegando aos dias de hoje,
quando as dezoito maiores propriedades rurais sozinhas detém dezoito milhões de
hectares (...) milhões de famílias têm pouca (...) ou (...) nenhuma (Cap. I).

(...) processo, que expulsa milhões de lavradores, deixando-os sem terra onde
viver e de onde tirar sua subsistência, além dos conflitos que gera no campo, com suas
mortes anunciadas e impunes, leva à inchação dos centros urbanos, onde o mesmo
processo se repete: aqui também o espaço é desigualmente dividido; aqui também são
milhões os que não têm onde se abrigar e muito poucos os que gozam do direto a uma
habitação confortável”.

p. 151-2: “As habitações precárias, onde famílias inteiras, muitas vezes, vivem
em um único cômodo, habitações construídas em locais inseguros, sem água encanada,
sem ligação a redes de esgoto e de tratamento de lixo, são a submoradia de milhões de
brasileiros, ainda assim em melhor situação do que os grandes contingentes de
habitantes das ruas” (Cap. I).
p. 152: “A especulação imobiliária, os programas habitacionais que acabaram
financiando moradias para os setores já privilegiados (só 18% dos investimentos do
extinto BNH se destinaram a projetos populares), empurraram a maioria da população
para as submoradias. Mesmo as parcelas que tiveram acesso aos chamados conjuntos do
BNH – mais para guetos do que propriamente conjuntos – receberam residências mal
construídas, edificadas sem levar em conta os materiais de cada região, as condições
climáticas e as tecnologias disponíveis, do que resultou sua deterioração em poucos
anos de uso.

A inviolabilidade de tais habitações já é ignorada por sua própria distribuição


espacial, por sua própria precariedade, que não permitem a necessária privacidade de
seus moradores.

Mas a isto, somam-se os atentados praticados pela ação direta do próprio Estado,
de seus agentes policiais, que não hesitam em realizar suas blitzen, seus espetáculos de
terror oficial, invadindo, sob qualquer pretexto e sem nem cogitar de mandado judicial,
os domicílios situados em locais de concentração das camadas mais baixas e
marginalizadas da população. A inviolabilidade, consagrada nos textos normativos,
como ocorre com outros bens e direitos, só tem validade para os poucos privilegiados,
que vivem no lado Bélgica de nosso país”.

p. 152-3: “O respeito à terra, à natureza, ao meio ambiente, é esquecido por um


projeto consumista e destruidor, por um processo produtivo que gera a contaminação do
ar e da água, que leva ao esgotamento de recursos naturais, que permite o desmatamento
e as queimadas, que provoca a extinção de espécies”.

4. Crescimento (proteção à infância e à velhice; educação e informação)

p. 153: “(...) a desproteção da infância é tão eloquente, que todos os escritos a


respeito se tornam supérfluos..

O Brasil pouco investe em educação.

a falta de creches e pré-escolas convive com o ensino (...) precário da rede


escolar pública de 1º grau, um ensino ministrado por professores (...) desvalorizados,
um ensino voltado para a realidade das classes dominantes (...) desvinculado dos
valores, da vida, do mundo, da história das crianças que frequentam essas escolas (...)”.
p. 154: “Fora da escola, os adolescentes – e também as crianças – privados do
ensino e do brinquedo, ingressam no mercado de trabalho, formal ou informal,
engrossando as legiões de explorados (...).

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Este país, que não investe na educação de seu povo, igualmente despreza sua
cultura. O modelo do mercado, do consumo e do negócio reduz arte e cultura a
espetáculo, a produto rentável, gerando uma indústria colonizada, subjugada a
produções culturais centrais, especialmente norte-americanas, vivemos na Améria
Latina e desconhecemos totalmente a cultura de nossos vizinhos”.

p. 155: “(...) atingida pelos recentes e destruidores cortes de um projeto de


reforma administrativa, de um suposto enxugamento da máquina estatal.

Os meios massivos de informação são controlados por uns poucos e poderosos


empresários privados, que, pouco ou nada informando acerca do real, decidem o que
vão divulgar, editam a realidade conforme seus interesses e sua ideologia, apropriam-se
do imaginário coletivo e, assim, tentam dirigir os acontecimentos, em benefício da
ordem dominante.

Sem acesso à educação, à cultura e à informação, sem conhecimento e sem


consciência do real, a maioria do povo brasileiro se vê tolhida em seu direito ao
desenvolvimento espiritual, em seu crescimento em direção à cidadania, em seu
processo de conquista do direito de ser protagonista de seu próprio destino”.

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5. Saúde (tratamento e assistência).

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p. 157: “O setor público, há anos, enfrenta uma situação calamitosa, um


sucateamento resultante da falta de investimentos, de verbas desviadas para o setor
privado, para alguns hospitais e clínicas conveniadas, que atendem prioritariamente à
saúde do lucro de seus donos.

Convivendo com a proliferação das doenças da miséria e com a situação caótica


de hospitais públicos, em que faltam desde lençóis para os leitos até materiais como
gases e esparadrapos, têm-se, do outro lado, técnicas avançadíssimas e equipamentos
caríssimos, como os grandes centros de demografia computadorizada, a que muito
poucos têm acesso.

A consulta de cinco minutos, com médicos mal pagos, sem condições de


trabalho e acumulando empregos, refletem a desvalorização profissional, o pacto
perverso, de que fala Sérgio Arouca, em que o Estado finge que paga, o profissional
finge que trabalha e o paciente não pode fingir que tem saúde.

Aos deficientes físicos e mentais, mais do que não se dar a assistência e a


proteção devidas, se nega o mínimo de respeito”.

p. 158: “Os deficientes mentais, discriminados e estigmatizados, sofrem


internações em instituições totais, em tudo semelhantes às prisões, ao contrário de todas
as recomendações da moderna psiquiatria, os manicômios continuam sendo a regra de
um suposto tratamento. Ao contrário de todas as recomendações da moderna psiquiatria,
os manicômios continuam sendo a regra de um suposto tratamento. A própri lei penal
consagra esta distorção, ao estabelecer a internação como regra para aqueles que,
cometendo algum injusto, sejam, pela deficiência mental, incapazes de culpabilidade,
consagrando também o preconceito, ao presumi-los perigosos”.

6. Movimento (trabalho, liberdade física e mental)

p. 159: “(...). Além de não se apropriar do que produz, além de gerar aquele
valor excedente, o dono da força de trabalho não determina o que e como produzir,
submetendo-se a uma estrutura subordinadora, departamentalizada, verticalizada e
hierarquizada, que caracteriza a empresa capitalista e que tira do trabalhador qualquer
poder de decisão e criação”.

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p. 160: “O trabalho mal remunerado caminha junto com o trabalho excessivo:


grandes contingentes de assalariados se vêem forçados a aumentar suas jornadas,
realizando horas-extras ou atividades autônomas, para, assim, suprir o déficit do salário
básico.

(...). Roberto da Matta já mostrou a semelhança dos quebra-quebras de ônibus e


trens, a que são levados seus usuários, pela revolta, pelo desespero e pela impaciência,
com a destruição das máquinas pelos trabalhadores, na Inglaterra dos tempos da
Revolução Industrial.

Estas horas gastas para se locomover, aliadas ao trabalho excessivo, deixam


pouco tempo para o repouso. E, no pouco tempo que sobra, não são muitas as opções de
lazer, de utilização do escasso tempo livre”.

p. 160-1: “(...) as já em si restritas atividades culturais, as demais opções de lazer


concentram-se nos bairros privilegiados das cidades, que, além de se beneficiarem as
condições naturais (as praias (...) nestes bairros, mais valorizados) (...) contar e pagar
porr projetos privados ((...) prédios, com quadras de esporte, play-grounds, etc.), ainda
recebem (...) investimentos do poder público nesta área, sob o pretexto de incentivo ao
turismo”.

p. 161: “(...) reflexo do estrangulamento das alternativas de lazer é a própria


perda de um dos poucos motivos de alegria dos brasileiros: a decadência de nosso
futebol, a que hoje assistimos, tem muito a ver com o lazer, tornado proibitivo para a
maioria da população brasileira (...) quanto menos pessoas se dediquem ao esporte,
menos as possibilidades de surgirem grandes atletas.

O direito à liberdade física e mental e o direito de livre expressão de opiniões


avançam (...) com o fim da ditadura militar e a conquista das liberdades democráticas
mais elementares.

Entretanto, esse direito de liberdade continua sendo negado, de muitas formas,


às camadas mais baixas e marginalizadas da população”.

p. 16: “São estas camadas que, prioritariamente, sofrem as prisões ilegais, ou


apenas aparentemente legais, como se dá nos casos de utilização da contravenção de
vadiagem, que, partindo da mais explícita consagração da desigualdade na lei penal
brasileira (só pode ser considerado vadio quem não tiver renda para viver no ócio), se
transformou em forma mal disfarçada de prisão para averiguações.

(...) é destas camadas que sai a clientela de um sistema penal seletivo (...)
injusto, que tem na prisão o seu centro (...). A liberdade mental [além da física] é (...)
afetada por uma prática, que exige a submissão total a uma ordem artificial e autoritária
(...) que reproduz as características (...) da sociedade capitalista – o egoísmo, a
submissão, a exploração do mais fraco – humilhando, aviltando e degradando.
7. Segurança (conservação da vida e da integridade pessoal)

No Brasil, as causas de morte, que se costumam chamar de naturais, como visto,


decorrem, em grande parte, do generalizado desatendimento às necessidades reais
fundamentais e da generalizada violação dos direitos humanos delas decorrentes, até
agora examinados”.

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p. 163: “A vida e a integridade corporal tampouco se preservam na já em si dura


atividade laborativa, em nosso país. São milhares os brasileiros que, trabalhando em
condições de segurança e higiene (...) precárias, com equipamentos inadequados ou
inexistentes, sem receberem instruções sobre os cuidados necessários, anualmente,
perdem a vida ou sofrem lesões, nesta atividade laborativa.

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p. 164: “Dentre estes homicídios, devem se destacar (...) as mortes anunciadas e


impunes daqueles que, no campo, além de serem privados da terra, se vêem privados da
vida, por pistoleiros a soldo dos grandes latifundiários.

Papel (...) relevantes tem também a violência punitiva, que se realiza fora do
direito, a chamada repressão informal, responsável por significativa parcela do número
total de homicídios no Brasil”.

p. 165: “As atuações ilegais das agências policiais provocam inúmeras mortes
sistematicamente apresentadas como resultados de enfrentamentos com supostos
criminosos ou suspeitos, em situações de repressão ao crime, de reação armada destes
supostos criminosos ou suspeitos, atuações essas legitimadas em autos de resistência,
não previstos na legislação, sob o manto de um inexistente cumprimento de dever legal,
sem que sofram maiores questionamentos, inobstante os eloquentes indícios de se
constituírem numa das formas extralegais de aplicação da pena de morte”.

p. 166: “(...) as agências policiais são ainda responsáveis por atentados à


integridade corporal de supostos criminosos ou suspeitos, fazendo da tortura seu método
de apuração de infrações, substituindo a inteligência e as técnicas modernas de
investigação pela mais primitiva truculência.

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A estas execuções extra-oficiais (...) extra-legais da pena de morte, somam-se os
linchamentos [o bater a gosto], momento culminante da repressão e do controle social,
em que a interiorização, pelas classes subalternas, da visão dominante de violência, que
a identifica com a criminalidade convencional, produz a forma mais perfeita desta
repressão e deste controle: a auto-destruição dos dominados

III – Uma conclusão desmistificadora


A precisão dos conceitos de direitos humanos e de violência, a partir da
observação da realidade, demonstra a falácia da visão dominante, que, encobrindo os
principais fenômenos configuradores de atentados à sobrevivência, concentra em
condutas características da criminalidade convencional a ideia de violência”.

p. 167: “(...) é possível (...) constatar o pequeníssimo papel da criminalidade


convencional na produção da violência e na violação dos direitos humanos de todos os
cidadãos, quer os pretensamente ‘bons’, quer os supostamente ‘maus’.

(...) desmonta-se a ideia de que os atos violentos provenham de pobres e


miseráveis, a visão, às vezes até bem intencionada, dos que confundem pobreza e
miséria com criminalidade e violência.

(...) os pobres e miseráveis deste país, longe de serem os produtores da violência,


são suas principais vítimas, inclusive da grande parcela dos homicídios, determinados
por aquela mesma falsa ideia que, confundindo-os com criminosos, leva à aceitação, ao
incentivo e ao aplauso de seu extermínio.

A observação e a compreensão do real desvendam as múltiplas faces da


violência no Brasil, a trágica e contínua história de uma formação social excludente e
discriminadora, o reiterado descompromisso do Estado brasileiro com os direitos
humanos, desnudando, ao mesmo tempo, o discurso mistificador e perverso, que
pretende, através de mais violência e maiores violações aos direitos humanos, fazer da
punição e do castigo a cruel panaceia para o mal entendido sentimento de medo e
insegurança, por esse mesmo discurso alimentado”.

Algumas notas sobre penas e prisões


ALGUMAS NOTAS SOBRE PENAS E PRISÕES
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p. 17: “A etapa inicial do processo de criminalização – o momento de seleção


das condutas que vão ser definidas como crimes, o momento de geração da lei penal – é
também o momento de geração do instrumento, que irá materializar esta reação punitiva
exclusiva, ou seja, a pena”.

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p. 173: “As teorias absolutas surgiram sustentando que a pena encontra sua
justificação em si mesma, baseando-se na ideia da retribuição, do castigo, da
compreensão do mal, representado pela infração, com o mal, representado pelo
sofrimento da pena.

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Nas teorias relativas da prevenção especial, defende-se a atuação (...) sobre o


autor da infração, sobre o apenado, com o objetivo declarado deevitar que o mesmo
volte a delinquir, através de sua correção ou ressocialização, de sua intimidação, ou
finalmente, de sua segregação.

As teorias mistas, em geral, partem das teorias absolutas (...).

Mais recentemente, e dentro ainda de uma visão idealista e legitimante, aparece


a teoria, a que Baratta chama de (...) prevenção positiva (...). O delito é visto como uma
ameaça à integridade e à estabilidade social, enquanto expressão simbólica de uma falta
de fidelidade ao direito, sendo a pena, por sua vez, a expressão simbólica oposta àquela
representada pelo delito”.

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p. 175: “(...) esta teoria sistêmico-funcionalista constitui uma das muitas


tentativas de fundamentar a prna e esconder a profunda crise de legitimação, que
atravessam o Direito e o sistema penal, fundamentando, por outro lado, os movimentos
de expansão da reação punitiva, enquanto forma de manutenção e reprodução da
realidade social, de coesão e sobrevivência de uma dada organização política, social e
econômica.
A história demonstra que a função de prevenção geral negativa nunca funcionou:
a ameaça, mediante normas penais, não evita a prática de delitos ou a formação de
conflitos; ao contrário, eles se multiplicaram e se sofisticaram. O efeito dissuasório não
se comprovou (...) demonstrando que a aparição do delito não está relacionada com o
número de pessoas punidas, ou com a intensidade das penas impostas”.

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p. 177: “(...) a falácia de tais construções aparece (...) em (...) fazer da pena
retributiva uma pena justa, numa sociedade sem justiça distributiva (...) como há
duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos
despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso
país, estariam obrigados a respeitar as leis10.

Zaffaroni (...) demonstra a igual falácia do novo refúgio retribucionista,


apontando a ilegitimidade da pena, assim entendida, em sociedades reais, onde a
punição não alcança a todos os violadores do direito e onde o espaço social é
desigualmente distribuído11.

(...). A ideia de ressocialização, com seu objetivo declarado de evitar que o


apenado volte a delinquir, é (...) incompatível com o fato da segregação. Um mínimo de
raciocínio lógico repudia a ideia de se pretender reintegrar alguém à sociedade,
afastando-a dela.

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p. 181: “(...) esforçar-se para imaginar a interiorizar o que é a prisão, superando


o pensamento (...) abstrato, que coloca em primeiro lugar a ‘ordem’, o ‘interesse geral’,
a ‘segurança pública’, a ‘defesa dos valores sociais’; que faz crer na ilusão sinistra de
que, para proteger-nos da ‘delinquência’, é necessário e suficiente botar na cadeia
algumas dezenas de milhares de pessoas; que fala muito pouco dessas pessoas
encarceradas em nosso nome12.

10
“Vejam-se as conhecidas objeções que Jean Paul Marat formulou ao retribucionismo, em sua obra
filosófica”.
11
“Eugênio Raúl Zaffaroni, Em Busca de las Penas Perdidas, Buenos Aires, Ediar, 1989, os. 84/86”.
12
“Louk Hulsman, Peines Perdues, op. cit., os. 63/66”.
A privação da liberdade, o isolamento, a separação, a distância do meio familiar
e social, a perda de contato com as experiências da vida normal de um ser humano, tudo
isso constitui um sofrimento considerável”.

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p. 18: “(...) nasce da convivência forçada, que faz com que qualquer (...)
desentendimento (...) antipatia (...) dificuldade de relacionamento, assumam proporções
insuportáveis, o desgaste da convivência entre pessoas, que (...) não se entendam, aqui é
inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos, são obrigados a se ver todos os
dias, a ocupar o mesmo espaço, o que (...) acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os
sentimentos de ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos
aparentemente sem importância.

(...) a disciplina (...), onde se exige a submissão total a uma ordem artificial e
autoritária, determinante da normalidade ou anormalidade da conduta, é a prisão a
instância social onde o controle se mostra em sua máxima autoridade sobre o
indivíduo”. (Suveiller et de Foucault)

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p. 184: “Esta ordem social, que funciona pelo avesso [aqui, Rafael Valim, em
Estado de exceção, como estado de relação subvertida], que tem efeitos altamente
deteriorantes, condiciona a reprodução de sua clientela, exercendo o mais alto grau de
estigmatização e marginalização de todo o sistema punitivo (...).

A prisão produz, hoje, um setor de marginalização social e tem importantes


funções na manutenção e reprodução da formação social capitalista (...) seu papel
regular do mercado de trabalho (superexploração dos egressos, efeitos na concorrência
com outros trabalhadores e no preço da venda da força de trabalho, absorção do exército
industrial de reserva), a prisão tem, hoje, entre suas funções reais, o fornecimento de
mão-de-obra para as atividades ligadas à circulação ilegal do capital, mão de obra cujo
recrutamento se faz (...) entre a população criminalizada, impedida de exercer qualquer
trabalho honesto, pelos mecanismos de rejeição, produzidos e incentivados pelas
próprias agências penal.

(...) naquela construção (...) da imagem do criminoso (...) a partir do perfil (...)
nas camadas mais baixas e marginalizadas da população, que a prisão exerce seu mais
relevante papal na manutenção e reprodução da formação social capitalista.
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(...) o Ministro Evandro Lins e Silva.

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p. 186-7: “

‘Prisão é de fato uma monstruosa opção (...). Os egressos do cárcere


estão sujeitos a uma terrível condenação: o desemprego (...) são
atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos
padrões convencionais não podem viver ou sobreviver. A sociedade
que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em
seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver
alternativa, o ex-condenado só tem uma solução: incorporar-se ao
crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica
delinquentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em
que for maior o número de presos ou condenados.
(...). O fator intimidativo pode ser exercido por outras formas de
punição, que não a cadeia, e, quanto à retribuição, seria um retorno à
pena castigo, anticientífica, verdadeiro talião patrocinado pelo
Estado’”13.

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p. 187: “Os que apontam para a maior periculosidade do reincidente incorrem


em postulados do chamado direito penal de autor – estes sim de perigosidade
historicamente demonstrada. Por outro lado, como mostra Zaffaroni, a periculosidade é
um juízo fático e se se presume juris et de jure não configura, como se pretende, uma
‘periculosidade presumida’, mas sim uma ficção de periculosidade’14.

p. 188: “(...) aquela pena (...) contraproducente e criminalizante, o que torna um


paradoxo a insistência nesta mesma reação punitiva.

(...) o agravamento da pena de um delito, com base em um outro delito


anteriormente praticado, pelo qual seu autor já foi apenado, constitui uma evidente
violação do princípio de que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato
(non bis in idem)”.

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13
“Evandro Lins e Silva, De Beccaria a Filippo Gramatica, in Sistema penal para o Terceiro Milênio, Rio
de Janeiro, Ed. REvan, 1991, p. 40”.
14
“Eugenio Raúl Zaffaroni, Manual de Derecho Penal – Parte General, Buenos Aires, Ediar, 5ª ed., 1986,
p. 716”.
p. 189: “Impedindo a substituição da pena privativa de liberdade ou a suspensão
condicional de sua execução (...) reincidência deixa como única e monstruosa opção o
cárcere.

(...) a presença (...) de uma maioria de condenados (...) foram encarcerados (...)
peça prática de furto, delito cuja escassa lesividade só pode ser negada por quem (...)
reconheça a proteção máxima da propriedade privada, como objetivo da lei penal15”.

p. 190: “(...) resistência das agências judiciais a estes regimes mais brandos, a
fazer da imposição do regime fechado a regra (...).

(...) veio se somar a tendência legislativa, que, acompanhando as campanhas de


lei e ordem e as manipulações dos sentimentos de insegurança e medo, produziu a Lei
nº. 8.07/90 (a chamada lei dos crimes hediondos) e, com ela, dispositivo estabelecendo,
para os crimes ali referidos, o cumprimento integral da pena em regime fechado (...)”.

p. 191: “(...) a prática das agências judiciais se reproduziu na mesma ‘hedionda’


Lei nº 8.07/9016, que veda a concessão de liberdade provisória aos presos em flagrância
referente aos delitos ali mencionados”.

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p. 191-: “O encarceramento anterior ao julgamento é medida, mais do que


qualquer outra, de caráter excepcional. A legalidade processual remete tal medida a
critérios evidenciadores de que a permanência do indiciado ou processado em liberdade
constituiria ameaça para o normal desenvolvimento do processo ou para a eventual
aplicação futura da pena, nada tendo a ver, portanto, com a natureza do delito atribuído,
cuja efetiva ocorrência só poderá passar do terreno das hipóteses para o plano do
concreto, quando da cognição de finitiva do mérito, a ser feita no momento da sentença.

A prisão provisória (...) viola a legalidade processual, a norma constitucional e


princípios de um direito garantidor, constituindo-se numa verdadeira antecipação da
pena numa condenação imposta sem processo e sem julgamento.

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15
“Os dados constam do Censo Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, realizado pela Secretaria de
Estado de Justiça, em setembro de 1988: 56, 98% dos presos receberam condenações a penas inferiores a
7 anos; entre 8.67 presos, 050 cumpriam pena pela prática de furto”.
16
“A Lei nº. 8.07/90 foi assim apelidada pelo Prof. Tourinho Filho, em conferência proferida na abertura
do Simpósio de Direito Penal e Direito Processual Penal: Reflexos Constitucionais, Inovações e
Tendências, realizado no Rio de Janeiro, em nov. de 1990, pelo Instituto de Estudos Jurídicos”.
(...) uma atitude (...) humana aponta para respostas e para estilos, que favoreçam
não os interesses de manutenção e reprodução de sistemas desiguais e perversos, mas
que sim permitam a libertação e a emancipação do homem”.

A fantasia do sistema penal

A FANTASIA DO SISTEMA PENAL


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p. 195: “O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) traz, entre seus
dispositivos, algumas regras, que, facilmente, poderiam se aplicar ao sistema penal.

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Art. 37 [Seção III, Capítulo V, Título I] – é proibida toda publicidade enganosa


ou abusiva”.

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p. 196: “Esta criminalização da publicidade enganosa ou abusiva encerra um


riônico paradoxi: na verdade, amais eficaz e perversa venda de um produto, através da
omissão de dados essenciais e da divulgação de informações, inteira ou parcialmente
falsas, capazes de induzir em erro a eespeito da natureza, características, qualidade,
origens, propriedades, etc., ou de incitar à violência e explorar o medo, é, exatamente, a
‘venda’ do sistema penal.

Anunciado como o ‘produto’ destinado a fornecer segurança e tranquilidade à


população, através da punição dos autores de condutas, que a lei define como crimes,
sua propaganda apresenta a ideia de que a violência é igual a crime, mediante a
utilização de alguns fatos que comovem e assustam o conjunto da sociedade (...): matar
alguém nem sempre é alguma coisa comparável a um sequestro, a um estupro ou ao
tráfico de drogas, sendo-o quando acompanha um roubo ou uma extorsão (...) ataque à
propriedade privada)”.

p. 197: “A falsa ideia, que reduz violência a criminalidade convencional, começa


por ocultar o caráter violento de outros fatos mais danosos (...) é possível definir
violência como todo atentado à sobrevivência biológica, espiritual e cultural da espécie
humana, sendo, certamente, os mais graves destes atentados aqueles que afetam a
conservação da vida e da integridade corporal.

Viver e conservar a integridade corporal, no Brasil, significa, antes de tudo,


escapar da mortalidade infantil (...)”.

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p. 199: “Para eficácia desta fábrica da realidade, como Zaffaroni denomina os


aparelhos de propaganda do sistema penal, é decisivo o papel desempenhado pelos
meios massivos de informação, como, aliás, acontece com a publicidade criadora de
necessidades artificiais de consumo de outros produtos e serviços.

(...) a apreensão da realidade se faz, cada vez mais, através dos meios massivos:
as experiências diretas da realidade cedem espaço e passam a ser experiências do
espetáculo da realidade, que é passado pelos meios massivos de informação, da mesma
forma que a própria comunicação entre as pessoas se refere muito mais ás experiências
apreendidas através do espetáculo do que às experiências vividas”.

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p. 200: “O aumento do espaço dado à divulgação de crimes acontecidos e sua


dramatização, bem como a publicidade excessiva e concentrada em casos de maior
crueldade, aproximam tais fatos das pessoas, que passam a vê-los como acontecendo em
intensidade maior do que a (...) existente na realidade.

Estatísticas são divulgadas, sem que se aponte o fato de que a mensuração da


criminalidade é de impossível realização (...)”.

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p. 200-1: “Esta publicidade enganosa cria o fantasma da criminalidade, para, em


seguida, ‘vender’ a ideia da intervenção do sistema penal, como a alternativa única,
como a forma de se conseguir a tão almejada segurança, fazendo crer que, com a reação
punitiva, todos os problemas estarão sendo solucionados (...)”.

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p. 202: “(...) o Censo Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, realizado em


setembro de 1988, encontrou 9 presos por peculato e 3 por corrupção passiva).
(...). A seleção de criminosos é uma característica inerente ao sistema penal. o
sistema penal não se destina punir todas as pessoas que cometem crimes e nem poderia
fazê-lo, sob pena de processar e punir, por várias vezes, toda a população.

(...). Fosse efetivamente cumprida a lei penal, para que se punissem todos os
casos em que se desse sua violação (...) não haveria ninguém que não fosse várias vezes
processado e punido, tendo-se que propor como consequência, tão lógica quanto
absurda, a transformação da sociedade em um imenso presídio (...) dificilmente sobraria
alguém para julgar, ou para exercer a função de carcereiro”.

p. 202-3: “(...) o sistema penal é construído para funcionar apenas


marginalmente, tendo na excepcionalidade de sua atuação, e portanto, na ineficácia, sua
própria condição de existência”.

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p. 203-4: “Todos os valores e princípios, que costumam fundamentar a


intervenção do sistema penal, sendo propagandeados como propriedades de tal
‘produto’ anunciado – a igualdade perante a lei, a segurança, a punição do criminoso
como realização da justiça – desmoronam, diante desta sua aplicação seletiva – e,
portanto, injusta – a um número mínimo de violadores da lei”.

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p. 206: “(...). A ideia de que algo precisa ser feito para manter a ordem, que
acaba por admitir todo tipo de violência – da tortura ao extermínio – contra os
dissidentes, igualmente, alimenta a repressão à criminalidade convencional, nas
democracias mais ou menos reais, provocando e permitindo crimes e violências outras,
maiores do que as que se diz pretender combater”.

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p. 206-7: “(...) desigualdade (...) encoberta por uma publicidade tão enganosa e
eficaz (...) esquecidos da imunidade dos poderosos, invulneráveis à ação do sistema
penal, exceto em pouquíssimos casos, em que conflitos entre os setores hegemônicos
permitem a retirada da cobertura de invulnerabilidade e o sacrifício de um ou outro
membro das classes dominantes, que colida com o poder maior, a que já não sirva”.

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p. 207: “Fazendo acreditar na fantasia de uma falsa solução (...) o sistema penal
poderia (...) se enquadrar entre os produtos e serviços potencialmente nocivos ou
perigosos, cuja publicidade enganosa ou abusiva se pretende proibir, através da
paradoxal criação de novos crimes, por uma lei pena, que, assim, contraria a si mesma.

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