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 Memória e História na “Revolução de 30”: Estado, partidos, sujeitos e seus

diferentes discursos na ótica de Edgar de Decca

“Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há
apenas uma única história sobre lugar algum, nós reconquistamos um tipo de paraíso.”
(ADITCHIE, CHIMAMANDA)

A revolução de 1930 caracterizou um marco na história do Brasil, isso porque significou


uma mudança politica há muito esperada. No entanto, outros movimentos populares também foram
imprescindiveis durante essa transição, muitos deles decorrentes das lutas de classes, que
culminaram em conflitos capazes de provocar mudanças e novos rumos para o país.
A obra de Edgar de Decca, “O silêncio dos vencidos” (2013) traz muitos questionamentos
acerca desse momento e da forma com que é reproduzida sua memória, pois, de acordo com ele,
“(...) A revolução é apresentada como unitária e monolitica e eis a lógica do exercício de
dominação- divide a história, memorizando-a, e a historiografia, através de enfoques diversos,
assume de ponta a ponta as oposições constituídas no interior desse campo simbólico.” (p.73)
Nesse sentido, a história passou a ser estudada através de dois recortes, as oligarquias e e revolução
de 30, “(...) Esse discurso como exercicio efetivo do poder político, além de periodizar a história,
define o lugar onde ela deve ser lida- o passado memorizado como domínio das oligarquias e o
presente como uma revolução sem prazo para acabar.” (p.73)
O termo, “revolução”, de acordo com o texto, é usado propositamente para enfatizar ainda
mais o poder das classes dominantes, visto que os próprios integrantes do movimento, segundo o
texto, já se denominavam de tal forma, organizando-se para que se desse esse momento,“Como
discurso do exercicio de poder, revolução de trinta oculta o percurso das classes sociais em conflito
não apenas anulando a existência de determinados agentes, mas, principalmente, definindo
enfaticamente o lugar da história para todos os agentes sociais.” (p. 76)
“Para tanto, torna-se necessário periodizar a história para além do marco da revolução de
trinta. Contudo, assumir a existência de propostas políticas de revolução não basta para definir um
processo revolucionário que a memória de revolução de trinta ocultou.” (p.79) Nesse sentido, é
necessário que seja feito o estudo do interior de todo movimento histórico que se deu entre as
oligarquias e a denominação do momento de 1930 como “revolução”, dando espaço para que sejam
estudos e compreendidos os conflitos resultantes das lutas de classes, e inúmeras outras
organizações de movimentos que tiveram uma determinada relevância, “(...) Enfim, fantasma não é
apenas o inimigo da revolução de trinta , isto é, as oligarquias; são fantasmas também os agentes
políticos qualificados por essa memória histórica.” (p. 82)
Os agentes que compõem esse período histórico, conforme mencionado durante todo o texto
de Edgar de Decca, sofreram com o apagamento diante da revolução, como foi o caso dos tenentes,
“A atuação política do tenentismo deve ser referida não só a uma determinação de classe; mas à sua
função no aparelho de Estado, enquanto membros de forças armadas, instituição que ressocializa os
seus membros e que possui uma autonomia relativa em face da sociedade civil.” (p. 83) Por esse
motivo, a revolução de 30 possui um carater heterogêneo, com diferentes sujeitos, cada um com
suas particularidades políticas, decorrente da luta de classes, “Em torno desse sujeito político,
portanto, definiram-se todas as propostas de revolução no âmbito da luta de classes, e cada uma
delas preencheu com conteúdo diferentes os “revolucionários” capazes de combater o fantasma da
oligarquia.” (p.85)
Um dos partidos políticos foi o partido democrático, capaz de dar voz a algumas classes
sociais específicas, e intensificar algumas propostas almejadas por elas. No entanto, com o auge do
movimento de fim das oligarquias, o partido também o assumiu como principal objetivo, enquanto
não conseguiam maior apoio interno e externo para executarem suas próprias demandas, “Estar do
lado da revolução, portanto, satisfazia tanto alguns setores da classe dominante como os segmentos
médios urbanos e inclusive o próprio proletariado.” (p.88-89)
Apesar de todas as organizações políticas assumirem a importância da classe operária nas
suas propostas, algumas inviabilizavam a voz dos operários, e outras utilizavam deles apenas para
ganhar força no discurso, contudo, não levavam realmente em conta sua relevância enquanto
agentes políticos, “(...) aceitar ou não a classe operária como interlocutor político, em 1928,
constituia uma questão estratégica para qualquer uma das propostas do movimento de oposição.”
(p.91)
A classe operária, apesar de variadas vezes ter sido inviabilizada, ignorada, excluída da
revolução, adquiriu seu espaço e procurou por todos os meios conseguir divulgar suas propostas.
Uma das principais portas para sua divulgação, foi a revista “O combate”, que abriu espaço entre
suas páginas não somente como apoiadora de seus objetivos, mas também se aliando ao movimento,
“O combate, além de abrir um espaço considerável para as noticias sobre a movimentação operária
em 1928, mantinha diariamente uma seção denominada Movimento operário, na qual o bloco
operário e Camponês, abordava os mais variados assuntos e temas.” (p. 93)
As medidas adotadas pelo bloco operário e o partido camponês, eram consideradas
divergentes dos ideais da revolução, e por esse motivo, foram aos poucos sendo segregadas e
afastadas do movimento, “Não é por mero acaso que a memória histórica da revolução de trinta,
constituída fundamentalmente, sobre a luta contra o fantasma da oligarquia, deixa divisar aos
poucos a construção de um outro inimigo- o comunismo.” (p. 105)
Por fim, o texto de Edgar De Decca é muito importante para o entendimento do uso da
memória e seus agentes, a pluralidade política e social, e o interior das lutas de classes. Partindo
desses pontos, se faz essencial a ideia das causas e consequências desse momento político.

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