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A invenção do trabalhismo

Ângela de Castro Gomes

Ano de publicação: 1988.

Fichamento:

Prefácio e Introdução

[Tema e divisão do livro].

“Duas partes bem heterogêneas dão forma a este trabalho. A primeira cobre o período
que vai da Proclamação da República (marco inicial da análise) até a promulgação da
Constituição de 1934, quando o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio recebe
como titular Agamenon Magalhães. Este momento, e não o da Revolução de 1930, é que
constitui, a meu ver, um marco no tipo de competição que vinha sendo travada entre
diferentes propostas de participação política. Composta de três capítulos, nesta primeira
parte a "palavra" está com lideranças da classe trabalhadora. São elas que colocam
suas demandas publicamente, desafiando e ao mesmo tempo reagindo ao contexto da
época. O ritmo do tempo que aí transcorre é lento, como longas e lentas são as lutas
travadas pelos trabalhadores no período. Pequenas lutas, grandes contratempos, um saldo
rico em elaborações e avaliações não tão distantes quanto se poderia acreditar. Em todos
esses capítulos, a fonte principal foram os jornais operários, complementados por
entrevistas com velhos trabalhadores que me ajudaram a vivificar com sua voz coloquial
o material documental impresso.

A segunda parte dedica-se basicamente a um curto período cronológico: os anos que vão
de 1942 a 1945. O grande ator do cenário político é o Ministério do Trabalho [Estado],
através da figura cio ministro Alexandre Marconcles Filho. Este pequeno espaço de
quatro anos está decomposto em cinco capítulos, cada um procurando um certo ângulo de
visão do mesmo problema e por isso utilizando fontes diferenciadas.” (p.13).

“E. P. Thompson (1966), em seu clássico livro sobre o processo de formação da classe
trabalhadora inglesa, faz uma observação essencial à natureza de sua análise quando
enfatiza que a constituição de uma classe trabalhadora é tanto um fato de história
econômica quanto um fato de história política e cultural.”
“Thompson considera que uma classe existe (acontece) quando um grupo de homens que
compartilham experiências comuns apreende estas vivências em termos políticos e
culturais - ou seja, é capaz de materializá-las em tradições, sistemas ele valores, ideias e
formas institucionais.” (p.18).

“No Brasil, como é sabido, o acesso à cidadania por parte da classe trabalhadora é bem o
exemplo do que Landi descreve. Em nosso país, foi basicamente a partir dos anos do
pós-30 e especialmente no período do Estado Novo que a classe trabalhadora foi
incorporada como um ator relevante - e até mesmo central - ao cenário da política
nacional. Neste sentido, o acesso da classe trabalhadora à cidadania no Brasil assumiu
contornos bem significativos. Em primeiro lugar, porque, como Wanderley Guilherme
dos Santos (1979) demonstrou, o que se chamava de cidadania não se definia pelo gozo
de direitos políticos ou mesmo de direitos civis. A "cidadania regulada", definida pelo
Estado a partir da inserção profissional no mundo da produção, consistia no gozo de
direitos sociais sancionados por lei. Em segundo lugar, porque o processo pelo qual a
classe trabalhadora se configurou como ator político foi fruto de um projeto articulado e
implementado pelo Estado, projeto este que pode ser chamado aqui de "trabalhismo"
brasileiro.” (p. 23).

“É fundamental destacar que o objeto desta análise é sempre o projeto que está sendo
proposto, quer seja pelas lideranças da classe trabalhadora, quer seja pelo Estado, com as
óbvias diferenças ele recursos ele poder. O exame do processo de constituição de uma
identidade coletiva da classe trabalhadora no Brasil é feito a partir da diversidade de
versões construídas pelos atores nele envolvidos. Estas versões são examinadas, não a
partir da identificação isolada ele elementos que compõem seu conteúdo, mas sim pela
articulação desses elementos em uma certa lógica discursiva que constrói seu próprio
destinatário (Laclau, 1979). A classe trabalhadora, por conseguinte, não está sendo
entendida como uma totalidade harmônica, um sujeito unívoco em busca de uma
identidade. Ela é tratada através elo conjunto diferenciado de propostas que lutam e
competem pelo monopólio "ela palavra operária". A multiplicidade das versões sobre o
passado, presente e futuro desta classe trabalhadora toma o que "efetivamente se passou"
num aspecto secundário para a análise. O primordial aqui é sempre a proposta dos atores
envolvidos no processo e - o que nos remete ele forma inevitável ao que "efetivamente se
passou" - seu esforço e capacidade para transformar suas versões em "fatos reais"
(Lamounier, 1980)”

“A virada do século, momento que se segue à abolição da escravatura e à proclamação da


República, é especialmente significativa para a construção da "palavra operária". Quando
se cria um mercado de trabalho livre no país é necessário também criar um modelo de
trabalhador, e o referencial da escravidão se impõe para a construção de qualquer tipo de
discurso que envolva uma ética do trabalho. No caso deste estudo se está privilegiando e
acompanhando os esforços de construção de uma ética do trabalho que nasceram da
própria classe trabalhadora, por intermédio de variadas lideranças com propostas
políticas distintas. Mas vale mencionar que existiram outros projetos de redefinição do
conceito de trabalho e do papel do trabalhador na sociedade, que se articularam por
iniciativa do patronato e de autoridades públicas.

Desde fins do século XIX - mesmo antes da abolição da escravatura - o tema do trabalho
e de trabalhadores livres e educados no "culto ao trabalho" se impôs ao país. Entendia-
se claramente que era preciso criar novos valores e medidas que obrigassem os
indivíduos ao trabalho, quer fossem ex-escravos, quer fossem imigrantes. A preocupação
com o ócio e a desordem era muito grande, e "educar" um indivíduo pobre era
principalmente criar nele o "hábito" do trabalho. Ou seja, era obrigá-lo ao trabalho via
repressão e também via valorização do próprio trabalho como atividade moralizadora e
saneadora socialmente. O "pobre" ocioso era indubitavelmente um perigo para a ordem
política e social segundo esta perspectiva, que não era advogada no seio da classe
trabalhadora, como se verá com vagar a seguir. Além disso, vale observar, apenas como
registro, que paralelamente aos esforços para a criação de uma ética elo trabalho - quer
por iniciativa dos trabalhadores quer não - desenvolvia-se também, em especial na
cidade elo Rio ele Janeiro, uma proposta de produção de uma ética do não trabalho (ela
malandragem), que convivia e disputava espaços com a primeira. Examinar a dinâmica
desta convivência extrapola os objetivos deste estudo, mas não se pode deixar de
assinalá-la, já que ela percorre toda a Primeira República e tem desdobramentos no pós-
30. O segundo dos movimentos mencionados é bem mais rápido e, embora possa ser,
grosso modo, datado do pós-30, tem como ponto ele inflexão os anos que vão ele 1942 a
1945, já no final do Estado Novo. Neste período, a "palavra" não está com os
trabalhadores e sim com o Estado.”

[Motivos para a proclamação da república]

- Abolição do trabalho escravo.

- Participação políticas dos militares.

- Partido Republicano etc.

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