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Fichamento:
Prefácio e Introdução
“Duas partes bem heterogêneas dão forma a este trabalho. A primeira cobre o período
que vai da Proclamação da República (marco inicial da análise) até a promulgação da
Constituição de 1934, quando o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio recebe
como titular Agamenon Magalhães. Este momento, e não o da Revolução de 1930, é que
constitui, a meu ver, um marco no tipo de competição que vinha sendo travada entre
diferentes propostas de participação política. Composta de três capítulos, nesta primeira
parte a "palavra" está com lideranças da classe trabalhadora. São elas que colocam
suas demandas publicamente, desafiando e ao mesmo tempo reagindo ao contexto da
época. O ritmo do tempo que aí transcorre é lento, como longas e lentas são as lutas
travadas pelos trabalhadores no período. Pequenas lutas, grandes contratempos, um saldo
rico em elaborações e avaliações não tão distantes quanto se poderia acreditar. Em todos
esses capítulos, a fonte principal foram os jornais operários, complementados por
entrevistas com velhos trabalhadores que me ajudaram a vivificar com sua voz coloquial
o material documental impresso.
A segunda parte dedica-se basicamente a um curto período cronológico: os anos que vão
de 1942 a 1945. O grande ator do cenário político é o Ministério do Trabalho [Estado],
através da figura cio ministro Alexandre Marconcles Filho. Este pequeno espaço de
quatro anos está decomposto em cinco capítulos, cada um procurando um certo ângulo de
visão do mesmo problema e por isso utilizando fontes diferenciadas.” (p.13).
“E. P. Thompson (1966), em seu clássico livro sobre o processo de formação da classe
trabalhadora inglesa, faz uma observação essencial à natureza de sua análise quando
enfatiza que a constituição de uma classe trabalhadora é tanto um fato de história
econômica quanto um fato de história política e cultural.”
“Thompson considera que uma classe existe (acontece) quando um grupo de homens que
compartilham experiências comuns apreende estas vivências em termos políticos e
culturais - ou seja, é capaz de materializá-las em tradições, sistemas ele valores, ideias e
formas institucionais.” (p.18).
“No Brasil, como é sabido, o acesso à cidadania por parte da classe trabalhadora é bem o
exemplo do que Landi descreve. Em nosso país, foi basicamente a partir dos anos do
pós-30 e especialmente no período do Estado Novo que a classe trabalhadora foi
incorporada como um ator relevante - e até mesmo central - ao cenário da política
nacional. Neste sentido, o acesso da classe trabalhadora à cidadania no Brasil assumiu
contornos bem significativos. Em primeiro lugar, porque, como Wanderley Guilherme
dos Santos (1979) demonstrou, o que se chamava de cidadania não se definia pelo gozo
de direitos políticos ou mesmo de direitos civis. A "cidadania regulada", definida pelo
Estado a partir da inserção profissional no mundo da produção, consistia no gozo de
direitos sociais sancionados por lei. Em segundo lugar, porque o processo pelo qual a
classe trabalhadora se configurou como ator político foi fruto de um projeto articulado e
implementado pelo Estado, projeto este que pode ser chamado aqui de "trabalhismo"
brasileiro.” (p. 23).
“É fundamental destacar que o objeto desta análise é sempre o projeto que está sendo
proposto, quer seja pelas lideranças da classe trabalhadora, quer seja pelo Estado, com as
óbvias diferenças ele recursos ele poder. O exame do processo de constituição de uma
identidade coletiva da classe trabalhadora no Brasil é feito a partir da diversidade de
versões construídas pelos atores nele envolvidos. Estas versões são examinadas, não a
partir da identificação isolada ele elementos que compõem seu conteúdo, mas sim pela
articulação desses elementos em uma certa lógica discursiva que constrói seu próprio
destinatário (Laclau, 1979). A classe trabalhadora, por conseguinte, não está sendo
entendida como uma totalidade harmônica, um sujeito unívoco em busca de uma
identidade. Ela é tratada através elo conjunto diferenciado de propostas que lutam e
competem pelo monopólio "ela palavra operária". A multiplicidade das versões sobre o
passado, presente e futuro desta classe trabalhadora toma o que "efetivamente se passou"
num aspecto secundário para a análise. O primordial aqui é sempre a proposta dos atores
envolvidos no processo e - o que nos remete ele forma inevitável ao que "efetivamente se
passou" - seu esforço e capacidade para transformar suas versões em "fatos reais"
(Lamounier, 1980)”
Desde fins do século XIX - mesmo antes da abolição da escravatura - o tema do trabalho
e de trabalhadores livres e educados no "culto ao trabalho" se impôs ao país. Entendia-
se claramente que era preciso criar novos valores e medidas que obrigassem os
indivíduos ao trabalho, quer fossem ex-escravos, quer fossem imigrantes. A preocupação
com o ócio e a desordem era muito grande, e "educar" um indivíduo pobre era
principalmente criar nele o "hábito" do trabalho. Ou seja, era obrigá-lo ao trabalho via
repressão e também via valorização do próprio trabalho como atividade moralizadora e
saneadora socialmente. O "pobre" ocioso era indubitavelmente um perigo para a ordem
política e social segundo esta perspectiva, que não era advogada no seio da classe
trabalhadora, como se verá com vagar a seguir. Além disso, vale observar, apenas como
registro, que paralelamente aos esforços para a criação de uma ética elo trabalho - quer
por iniciativa dos trabalhadores quer não - desenvolvia-se também, em especial na
cidade elo Rio ele Janeiro, uma proposta de produção de uma ética do não trabalho (ela
malandragem), que convivia e disputava espaços com a primeira. Examinar a dinâmica
desta convivência extrapola os objetivos deste estudo, mas não se pode deixar de
assinalá-la, já que ela percorre toda a Primeira República e tem desdobramentos no pós-
30. O segundo dos movimentos mencionados é bem mais rápido e, embora possa ser,
grosso modo, datado do pós-30, tem como ponto ele inflexão os anos que vão ele 1942 a
1945, já no final do Estado Novo. Neste período, a "palavra" não está com os
trabalhadores e sim com o Estado.”