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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

MARINA SANTOS ARGÔLO

FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL

SALVADOR
2022
As obras primordiais escolhidas para discutirmos a formação econômica brasileira foram
essenciais para se obter diferentes perspectivas sobre um mesmo assunto: como a
economia se desenvolveu no Brasil. Embora as três obras possuam a mesma temática
central, a forma de abordagem e as problemáticas desenvolvidas pelos autores é bastante
diferente, evidenciando como a mesmo a história pode ter diferentes interpretações.
A primeira obra que nos dedicamos ao entendimento foi Raízes do Brasil, clássico de
Sérgio Buarque de Holanda, publicado na década de 30 cuja principal premissa é o estudo
dos primórdios da história nacional, como indicado no título, as raízes que compunham o
Brasil. Dividido em sete capítulos, Sérgio aborda temáticas centrais para o desenvolvimento
do tema. O primeiro capítulo foi intitulado de “Fronteiras da Europa” e tem seu debate
centralizado na sociedade ibérica, especificamente Portugal, e a cultura do personalismo.
Sérgio pontua que o personalismo, alinhado com a baixa coesão social, a exaltação do eu e
as fragilidades das instituições, correspondem às características típicas da região ibérica e
foram, em detrimento da colonização, introduzidas também no Brasil, em um ambiente
hostil e desfavorável. Essa forma ibérica de entender a sociedade e suas nuances
influenciou em diversos âmbitos do Brasil, principalmente na forma com que o trabalho era
compreendido. Esse capítulo é muito importante para compreendermos como hábitos, ainda
presentes em nossa sociedade, foram implementados. O personalismo configura-se como
um importante ponto, tanto do Brasil colônia quanto do Brasil contemporâneo, já que o
privilégio sanguíneo ou de contatos, bem como o culto à lealdade, ainda são características
relevantes na sociedade brasileira.
O segundo capítulo é ainda um desenvolvimento mais amplo da colonização no Brasil.
Intitulado Trabalho e Aventura, Sérgio pontua aqui que a colonização brasileira se deu de
duas maneiras diferentes. A primeira foi a colonização do trabalhador, sujeito que pensa a
longo prazo e encara a responsabilidade. Já o colonizador aventureiro, busca
principalmente a riqueza rápida e abundante, sem muito esforço e tem como principal
característica a irresponsabilidade. Esse capítulo foi muito importante porque desenvolveu a
personalidade dos que vinham para o Brasil nos primórdios da ocupação. Por meio dele, é
possível entender que a principal missão dos que vinham para o Brasil não era,
primordialmente, desenvolver o novo local ou encontrar aqui um lugar para construir uma
vida, mas sim explorar as riquezas disponíveis, tendo o sentimento de aventura como
principal motivação, sem se preocupar com o desenvolvimento e progresso das terras que
passaram a ocupar.
Em Herança Rural, terceiro capítulo da obra, Sérgio se propõe a explicar como esses traços
de personalidade da sociedade ibérica impediram o desenvolvimento industrial do Brasil,
condicionando-o a uma sociedade majoritariamente rural. A transição para um novo modelo
de produção que exigia esforço, desenvolvimento tecnológico e mão de obra qualificada,
era um preço muito caro para os latifundiários, acostumados com mão de obra barata,
majoritariamente escrava, e processos de produção simples, com baixo custo. Não é de
estranhar que somente em 1888 o Brasil tenha enfim abolido a escravidão, a perda dos
privilérgios configurou-se como um dos principais motivos para que a elite brasileira,
principalmente agrária, recussasse a aceitar a abolição, fator que impactou no
desenvolvimento socio-economico do país e é abordado nesse capítulo. O quarto capítulo,
intitulado Semeador e Ladrilhador, segue a mesma linha do capítulo anterior e destaca o
colonizador portugues como semeador, enquanto o colonizador espanhol é um ladrilhador.
Essa definição ao português, para o autor, seria pelas heranças que ficaram na história do
Brasil, afinal, um semeador ocupa a terra sem planejamento e sem intenções de ficar.
Essas características foram de suma importância para os rumos que o Brasil seguiu no
futuro.
Talvez o capítulo mais importante e também o mais lembrado da obra de Sérgio Buarque é
o intitulado Homem Cordial. Por muito tempo, a expressão homem cordial foi utilizada como
elogio, inclusive por muitos políticos. Acontece que o cordial empregado por Buarque está
intrinsecamente ligado ao culto do personalismo, presente na sociedade portuguesa e
incorporado à brasileira. O homem cordial de Sérgio corresponde a um sujeito movido pelo
coração e pelos interesses pessoais, deixando de lado a razão. Acredita-se que a utilização
da palavra cordial possa ser um traço irônico do próprio autor, já as palavras educado e
cortês não são comumente utilizadas para descrever o sujeito brasileiro.
Justamente o traço mais lembrado e comentado da obra de Sérgio Buarque, é também o
mais criticado por outros autores, como Jessé Souza, que também foi discutido durante a
disciplina. Entretanto, é inegável a importância de Raízes do Brasil para a compreensão do
Brasil. Diante disso, ao fim do livro, o autor convida o brasileiro para romper com a herança
deixada pelos portugueses, heranças essas que nos impedem de atingir um nível de
igualdade e justiça como sociedade. É sobre isso que se trata os dois últimos capítulos,
Novos Tempos e Nova Revolução, em que o Sérgio propõe um Brasil descolonizado, com
sua própria identidade e alinhado com a própria realidade.
A segunda obra que estudamos e que considero importante para a compreensão do Brasil
foi Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior. Esse é um livro bastante
amplo porque Caio se propõe a descrever muitos pontos da sociedade brasileira, como as
características da população, além da economia, da administração, do território, em um
espaço de tempo bastante longo, que engloba o início da colonização até os primórdios do
século XIX. A primeira parte da obra é intitulada “Povoamento” e aqui o autor se dispõe a
explicar os pontos essenciais da colonização brasileira. Para Caio, a colonização no Brasil
se deu essencialmente através da exploração. Originalmente, Portugal não pretendia
transformar o Brasil em uma colônia de povoamento, entretanto, a própria estrutura
montada para que ocorresse a exploração do local acabou transformando-a em um local de
povoação, organizada em relação aos desejos da metrópole e seus interesses
comerciais.Outro ponto importante destacado diz respeito à concentração da população
colonial, principalmente na faixa litorânea do Brasil, ocasionando no desenvolvimento
desproporcional do país, resignando ao interior uma habitação e desenvolvimento tardio. O
fator primordial para que o interior começasse a ser habitado foi a descoberta de ouro em
algumas regiões da colônia. Essa expansão se desenvolve através de dois importantes
fatores: o desenvolvimento e expansão do bandeirismo e a formação de núcleos de
exploração das minas. O bandeirismo, representado pela figura do bandeirante, foi
responsável pela captura e aprisionamento de indígenas e pela busca de metais preciosos.
Os dois fatores, juntos, acabaram culminando na expansão da malha regional, na promoção
da exploração e na defesa contra as tentativas dos espanhóis de adentrarem no interior da
colônia. As minas, que foram descobertas a partir do século XVII e as vanguardas formadas
para a exploração, também foram responsáveis pela expansão ao interior brasileiro,
principalmente na região de Minas Gerais e do que hoje é o Centro-Oeste. Cabe salientar
ainda a presença de missões religiosas no Extremo-Norte do país, visando a catequização
dos nativos, que também se configurou como um importante fator para o povoamento e
expansão do interior. Esse capítulo é encerrado com um levantamento acerca das raças
que compõem a formação do Brasil. A incorporação de indígenas e os negros na sociedade
corresponde a um método encontrado pelos portugueses para atingirem seus obetivos com
a colonização e foi justamente essa mestiçagem de raças que contribuíram para a formação
de uma nacionalidade brasileira.
O próximo tópico destacado por Caio na formulação de sua obra corresponde ao tipo de
atividade econômica desenvolvida na colônia e recebeu o título de “Vida Material”. O ponto
central desse capítulo para o entendimento da formação da nação é como a exploração tem
um grande papel no desenvolvimento da colônia, voltada majoritariamente para a
exportação de gêneros tropicais e minerais de alto valor no mercado internacional. Segundo
Caio, “[...] é neste sistema de organização do trabalho e da propriedade que se origina a
concentração extrema de riqueza que caracteriza a economia colonial.” Além da
exploração, pode-se citar ainda a concentração de grandes propriedades rurais, a utilização
de mão de obra escrava e o baixo nível de desenvolvimento tecnológico como elementos
fundamentais da economia colonial. Esse capítulo ainda aborda outros pontos que não são
enquadrados como exploratórias, mas que são de suma importância para o
desenvolvimento da vida na colônia, como a agricultura de subsistência, voltada para o
mercado interno, e a pecuária, concentrada na região nordeste do país.
A última parte do livro diz respeito à vida na colônia e recebe o título de “Vida Social”. Nessa
parte, administração, organização social e política tornam-se centro do debate desenvolvido
pelo autor. Aqui, o ênfase é dado à escravidão e como esse é um dos traços mais
marcantes da história da sociedade brasileira.
Todo o conjunto da obra de Caio Prado Jr, que deu origem a Formação do Brasil
Contemporâneo é de suma importância para nossa história justamente porque o autor nos
trás uma visão ampla dos acontecimentos que marcaram a formação de uma colônia e
permaneceram enraizados na formação de um país. A abordagem do autor deixa uma coisa
bastante clara: história e economia andam juntas e são praticamente inseparáveis. Ao
destacar a importância dos ciclos econômicos, especialmente o ciclo do açúcar, para o
desenvolvimento do Brasil, além da participação significativa do trabalho escravo e do
latifúndio na história do país, Caio abre um amplo espaço para debates acerca de como o
modelo implementado no Brasil durante a colonização impactou seu desenvolvimento e
continua impactando até a contemporaneidade.
A próxima obra estudada em sala e que possibilitou um maior entendimento sobre a
temática, foi a obra de Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, um dos livros mais
importantes de um dos mais notáveis economistas do país. A ocupação do Brasil e dos
demais territórios, conforme destaca Celso, se deu a partir de pressões exercidas pelas
nações europeias que somente consideravam territórios pertencentes a Portugal e a
Espanha, locais em que estes países efetivamente ocupassem. Ou seja, a pressão política
foi um dos principais fatores para que estes países se articulassem e começassem a
incentivar a vinda de ibéricos para a região. Para suprir então os gastos com a defesa de
um território tão vasto, Portugal passou a recorrer à exploração agrícola e posteriormente
de metais preciosos, conforme é destacado nas obras anteriores que visam explicar o
desenvolvimento da colônia.
Caio Prado Jr. destaca o açúcar como um dos principais ciclos brasileiros e desenvolve
muito bem sua relação com o progresso do Brasil. Entretanto, na minha percepção como
aluna, Celso aborda ainda mais profundamente o tema. O autor destaca que o êxito de
cultivo de cana de açúcar no Brasil se deu basicamente pelo fato dos portugueses já terem
contato com a cultura há bastante tempo. Esse contato permitiu um melhor
desenvolvimento das técnicas de cultivo e dos equipamentos necessários para a produção
na região. Esse sucesso na plantação e comercialização do açúcar foi um dos fatores que
contribuiu para a permanência dos portugueses no Brasil. Entretanto, após invadir e ocupar
a região nordeste por um determinado período de tempo, os holandeses conseguiram reunir
informações técnicas acerca da indústria açucareira e investiram no cultivo do açúcar na
região das Antilhas. É assim que acaba o monopólio açucareiro e a partir desse período, o
Brasil encerra seu primeiro grande ciclo econômico.
Os ciclos econômicos são de suma importância para o entendimento do que é o Brasil.
Durante esses períodos, alguns de longa duração e outros de curta duração, o país notava
um grande desenvolvimento de sua esfera socioeconômica. Embora destaquemos sempre
o açúcar, cabe ressaltar que o primeiro grande ciclo econômico foi o do pau-brasil, que não
somente influenciou no nome do recém “descoberto” território, como também foi o
responsável por despertar os interesses dos portugueses no local e iniciar o processo de
exploração da área. De curta duração, o ciclo do pau-brasil durou cerca de 30 anos e foi
encerrado devido a diversos conflitos com nativos e a eventual escassez da planta. O
período em que marca o fim do ciclo de pau-brasil coincide com a ascensão do ciclo de
cana de açúcar.
Após o grande ciclo do açúcar, o próximo grande momento econômico do Brasil ocorreu
quando o ouro foi descoberto. Nesse período, a região Nordeste perde seu protagonismo e
é substituída pelo Sudeste no cenário nacional de importância econômica. A descoberta de
ouro gera um maior escoamento de riquezas para a Europa, com a coroa portuguesa
cobrando impostos pela exploração do minério. Foi justamente esse escoamento e os
impostos cobrados que motivaram a Inconfidência Mineira, já que a maior parte do ouro
retirado do país era oriundo de Minas Gerais.
O próximo ciclo econômico brasileiro contou com os avanços da Revolução Industrial para
se desenvolver e se expandir. Nesse período, devido aos desdobramentos da Guerra Civil
estadunidense, o Brasil chegou a ser responsável por grande parte da produção de algodão
em nível global, cujo principal destino era alimentar as fábricas têxteis inglesas e suprir as
necessidades estadunidenses. O ciclo do algodão é seguido pelo ciclo do café, concentrado
no Estado de São Paulo. O século XIX marcou o maior desenvolvimento do cultivo no país,
que chegou a ser responsável por uma grande parte do café produzido no mundo. Os
demais ciclos utilizam-se basicamente de mão de obra escrava para seu desenvolvimento,
entretanto, durante o ciclo do café, que também começa com a utilização de escravizados
em sua produção, a escravidão acaba sendo abolida e o Governo brasilerio passa a investir
em mão de obra imigrante europeia para a região, fornecendo terras e salários para a
manutenção destes no território brasileiro.
O ciclo da borracha, que aconteceu durante o século XX, acaba trazendo para a região
amazônica um grande destaque no cenário econômico nacional. Manaus, Porto Velho e
Belém veem sua população aumentar e seus desenvolvimentos acelerarem movidos pela
extração do látex, cujo principal destino era o mercado externo, principalmente Estados
Unidos e Europa.
Em detrimento de tudo que foi destacado aqui, pode-se afirmar que o desenvolvimento
econômico brasileiro é composto por várias camadas. A forma de organização do território,
desde o período colonial, acabou influenciando também na maneira como o país se
organizaria no futuro. O Brasil contemporâneo não passou por um processo de
desenvolvimento linear e nem viu a industrialização ser expandida por seu território. Bem
como no período colonial, regiões foram priorizadas em detrimento de outras, e isso
ocasionou em uma desigualdade sócio-regional que impacta a nossa vida até os dias
atuais. O mercado nacional foi sacrificado diversas vezes para a manutenção dos
interesses externos e os processos que se seguiram após a abolição da escravidão
acabaram contribuindo negativamente para o desenvolvimento do país. Os três autores
tratam muito bem sobre a temática e juntos contribuíram para um melhor entendimento
acerca da formação econômica do Brasil.

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