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Brasilidades europeias

Resenha do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Publicação original em 1936 pela editora
Companhia das Letras. Produção escrita por Marcella Torres.

Sérgio Buarque de Holanda é um paulistano nascido na primeira década do século


XX, mais precisamente em 11 de julho de 1902. Morreu aos 80 anos também em São Paulo.
Ele se casou e teve 7 filhos, entre eles Chico Buarque, um dos maiores nomes da música
brasileira. Trabalhou como jornalista, historiador, sociólogo, crítico literário, foi um dos
fundadores do Partido dos Trabalhadores e sua atuação profissional mais relevante foi como
escritor com o livro Raízes do Brasil, publicado em 1936.
Em primeira análise, é importante considerar o contexto histórico do momento de
escrita da obra. O autor vivia o auge dos seus 30 anos em um Brasil do início da Era Vargas.
Ou seja, Holanda presenciou um dos maiores momentos da história política brasileira. Esse
cenário foi uma comprovação de algumas de suas teses propostas em Raízes, como a do
personalismo e a da cultura da obediência. Certamente, o cenário social e político brasileiro
gerava questões mal respondidas na cabeça de todos, o que tornou propício o estudo e a
escrita de Holanda.
O livro de análise de cenários e comportamentos sociológicos dos brasileiros buscou
entender o motivo de o Brasil ser o Brasil. A obra procura vestígios na colonização, mas e
antes dela? O Brasil já existia antes da Europa, pode ser que sem nome, sem identificação no
além-mar, mas já tinha gente aqui. As raízes do Brasil se fundaram inicialmente nos povos
indígenas que cuidavam da terra brasileira - a terra que foi invadida e os povos que foram
descriminalizados. Mas é possível andar junto com Holanda e iniciar essa análise nessa
invasão.
Ao analisar a personalidade dos desbravadores de oceanos, Holanda encontrou traços
do brasileiro - audácia, irracionalidade e muita, muita ganância. Durante a obra, o autor cria
teses ressaltando tipos de personalidade que se opõem: trabalhador e aventureiro; semeador e
ladrilhador. Quando se trata do brasileiro, a mistura é a medida certa, mesmo não sendo
homogênea. Portanto, é claro que essas heranças muitas vezes são prejudiciais, mas são a
essência do brasileiro.
O livro ressalta que o brasileiro possui o costume de associar espaços públicos a
espaços privados. Essa afirmação é quase impossível de ser rebatida e refutada, afinal,
relação de família se tornando relação política é um dos fenômenos mais vistos na história do
Brasil. Algo que é inegável na política brasileira é a vantagem de se ter contatos dentro dos
espaços públicos para garantir interesses privados. Quem criou a política aqui era monarca e
tudo se explica nisso.
Uma segunda característica levantada por Holanda é a obediência ligada também a
interesses pessoais. O brasileiro não mantém relações que beneficiam o espaço público, mas
degrada o espaço privado. Em alguns casos, pode se levar essa característica para o lado do
egoísmo e em outras para o autocuidado. A linha é tênue. É possível enxergar isso muito
claramente no cenário eleitoral atual - o egoísmo grita.
Entre o trabalhador e o aventureiro, o brasileiro tende a se aventurar. Os ibéricos viam
no ócio a preciosidade da vida, nunca foram apreciadores do trabalho. Isso, de certa forma,
gerou uma desorganização social tanto na metrópole quanto na colônia. O Brasil sempre foi
para esses dois países uma grande oportunidade de uma vida de senhor cada vez mais
estabelecida. Porém, nada foi devidamente planejado, o que se relaciona com a característica
de semeador que explora e somente busca pela riqueza fácil. Os portugueses e espanhóis, em
alguns aspectos, conseguiram cumprir suas metas ao virem para a América.
Holanda pontua a influência do período da cana e suas principais características:
monocultura, latifúndios, escravidão e agroexportação. Infelizmente, desde sua escrita, o que
mudou não foi o suficiente para que essas características fossem eliminadas. Apesar de
aparecer de maneiras diferentes, esses traços estão presentes nas decisões, nos princípios e no
dia a dia do brasileiro.
No geral, todos esses traços justificam, de certa maneira, a principal tese de Holanda -
o brasileiro é um homem cordial. Sim, ele é. O coração fala mais alto que a razão. As paixões
são as motivações, o que guiam. O pessoal é a prioridade, a família, o amor. O agir racional é
mais difícil para os que cresceram no ambiente dos riscos. Mas até que ponto é um defeito ou
uma qualidade? Há uma romantização e também uma crítica da personalidade do brasileiro.
Certamente, alguém que valoriza as emoções é digno de admiração, mas o problema se
encontra exatamente nas aplicações práticas do desbalanço. O cenário ideal seria as emoções
comandando o espaço privado e a racionalidade comandando o espaço público, mas os
muitos argumentos citados acima confirmam que nunca se passará de uma utopia.
Para concluir, vale ressaltar que a obra e seu reconhecimento são justos; mas também
é importante entender que até mesmo na sua escrita podemos encontrar uma falha que diz
muito do brasileiro: o brasileiro é plural e foi descrito, primeiramente pelos europeus e, no
caso da obra, por um nascido e vivido no centro econômico do país. Portanto, entender a
sociedade do Brasil e seus problemas requer uma visão dos diversos brasis dentro do país
continental.
A maior reflexão e conclusão a ser tirada dessa obra é que "somos ainda hoje uns
desterrados em nossa terra". Holanda resumiu em uma frase o que é ser Brasil.

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