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AMAZONAS
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - EDUA
Reitor: Sylvio Mário Puga Ferreira
Vice-Reitora: Therezinha de Jesus Pinto Fraxe
Editor: Sérgio Augusto Freire de Souza
Este livro reúne os textos apresentados durante a III Jornada Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’, evento
realizado de forma remota entre os dias 23 e 28 de maio de 2021 e organizado pelo laboratório de Estudos sobre História
Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA.
Comissão Organizadora:
Anderson Vieira Moura
César Augusto Bubolz Queirós
Davi Avelino Leal
Amaury de Oliveira Pio Jr
Ana Beatriz Lima da Silva
Ana Rivick Lira Bernardo
Andrew Matheus Medeiros da Conceição
Caio Henrique Faustino da Silva
Fernanda Fernandes da Silva
Jandira Magalhães Ribeiro
Johmara Assis dos Santos
Kívia Mirrana Pereira de Souza
Thiago Rocha de Queiroz
Vanessa Cristina da Silva Sampaio
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN 978-65-5839-029-9
Sumário
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................7
Anderson Vieira Moura....................................................................................................................7
Parte I – Mesas Redondas..................................................................................................................10
Sindicalismo e trabalhismo no Amazonas nos anos 30*....................................................................11
Amaury Oliveira Pio Junior.............................................................................................................11
O an comunismo no Amazonas: Centro Dom Vital e Ação Integralista Brasileira (AIB) ..................22
Davi Monteiro Abreu......................................................................................................................22
O Amazonas e a sociedade amazonense, através da propaganda varguista....................................28
Hosenildo Gato Alves.....................................................................................................................28
Os trabalhadores, da Primeira República à Era Vargas: luta, repressão e perda da autonomia.......41
Thiago Cavaliere Mourelle.............................................................................................................41
TRABALHADORES, DIREITOS E A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NA ERA VARGAS (1930-1945)*
............................................................................................................................................................57
Wanderlene Freitas de Souza Barros.............................................................................................57
A cultura polí ca “glebarista”: entre homens de imprensa, discursos polí cos e cons tuintes nos anos 30
............................................................................................................................................................79
Romulo Thiago Oliveira de Sousa...................................................................................................79
Parte II – Simpósios Temá cos...........................................................................................................83
Além da diversão: Entre iden dades e sociabilidades das elites no.................................................85
Ideal clube (Manaus, 1903-1920) *.....................................................................................................85
Kívia Mirrana de Souza Pereira......................................................................................................85
A Associação Comercial do Amazonas (ACA) e as disputas polí cas no Estado do Amazonas (1950-1958)*
............................................................................................................................................................91
Nadyme Rebelo de Souza...............................................................................................................91
Os trabalhadores e suas associações sindicais no golpe civil-militar no Amazonas (1961-1964)*....97
Thaieny Gama Barata.....................................................................................................................97
Povo de fibra: mundos do trabalho no universo da juta (Baixo Amazonas: 1940...)*.....................104
Franco Lindemberg Paiva dos Santos...........................................................................................104
A representação dos indígenas na grande imprensa: um estudo das no cias presentes no Jornal do
Commercio*......................................................................................................................................108
Evelyn Marcele Campos Ramos...................................................................................................108
O “olhar passageiro” e os retratos da violência: a literatura de viajantes na construção imagé ca da
Amazônia na virada do século XIX para os anos 1900s*..................................................................114
Caio Henrique Faus no da Silva...................................................................................................114
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Uma prosa sobre o Lago de Tefé-AM: trabalhadores rurais na Ditadura Militar (1970- 1980) ......120
Johmara Assis dos Santos.............................................................................................................120
Museu vivo: afirmação e reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais na Amazônia*.124
Murana Arenillas Oliveira.............................................................................................................124
Os Parin n n na imprensa amazonense: entre prá cas e representações sobre a guerra*..........128
Ana Rivick Lira Bernardo..............................................................................................................128
Metalúrgicos na Jus ça do Trabalho ׃a greve geral de 1985 no Distrito Industrial de Manaus.....133
Vanessa Cris na da Silva Sampaio...............................................................................................133
Experiências e Memórias de trabalhadores na carvoaria em Manaus (1945-1967) ......................138
Sérgio Carvalho de Lima...............................................................................................................138
Tensões nos rios e na cidade – os movimentos grevistas dos foguistas e dos alfaiates em Manaus*143
Moisés Dias de Araújo..................................................................................................................143
Imigração venezuelana: a etnia Warao e o direito à moradia, saúde, educação e ao trabalho na cidade de
Manaus (2016-2019)........................................................................................................................148
Marineide da Silva Ribeiro...........................................................................................................148
Baixo Rio Branco-Jauaperi: o que os comunitários pensam sobre a Reserva.....................153
Luiz Antonio Nasc. de Souza.........................................................................................................153
Crise do governo democrá co e repercussão do suicídio de Vargas..................................................0
Larissa Leite Colares.........................................................................................................................0
Par dos polí cos e disputas intra-oligárquicas no Amazonas durante a Primeira República.............6
Ana Beatriz Lima da Silva..................................................................................................................6
O Paládio e a cidade de Itacoa ara: o jornal como porta-voz de um grupo polí co........................15
Gabriel Cruz Carneiro.....................................................................................................................15
Abertura polí ca e os processos eleitorais no estado do Amazonas a par r da charge do Miranda (1974 e
1983)*.................................................................................................................................................20
Thiago Rocha de Queiroz................................................................................................................20
O Trabalhista: disputas polí cas e o golpe civil-militar no Amazonas (1960-1964)*.........................25
Jandira Magalhães Ribeiro.............................................................................................................25
O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) no contexto da ditadura militar (1964-1979)* 31
Andrew Matheus Medeiros da Conceição.....................................................................................31
O Programa de Integração Nacional (PIN), a ocupação estrangeira e as populações indígenas da Amazônia
no quadro da ditadura militar: desenvolvimen smo, integração e indigenismo nas páginas do Jornal do
Commercio*........................................................................................................................................38
Chris ne Oliveira Andrade.............................................................................................................38
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
APRESENTAÇÃO
Em artigo publicado em 2017, Murilo Leal Pereira Neto atesta a vitalidade dos debates
acerca da Era Vargas, discutindo três livros publicados na última década com variados graus de
repercussão2. As três obras – a biografia Getúlio (1945-1954) – Da volta pela consagração popular
ao suicídio, de Lira Neto; O longo bonapartismo brasileiro (1930-1964) – Um ensaio de
interpretação histórica, de Felipe Demier, e a coletânea de artigos A Era Vargas –
desenvolvimentismo, economia e sociedade, organizada por Pedro Paulo Zahluth Bastos e Pedro
Cezar Dutra Fonseca – apresentam discussões distintas (e muitas vezes antagônicas) sobre os 15
anos em que Getúlio Vargas esteve à frente do poder, entre 1930 a 1945, sem esquecer o mandato
iniciado em 1951 (e encerrado com o suicido de Vargas, em 24 de agosto de 1954) e indo além,
mostrando a influência e o peso da figura do ex-ditador na política brasileira ao longo da segunda
metade do século XX. Pereira Neto assevera que o debate se estendeu para além da ditadura civil-
militar (1964-1985), demonstrando como Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva,
cada um ao seu modo, teceram críticas e buscaram se desvincular completamente de Vargas, como
se a política republicana tivesse, enfim, enterrado de vez o político gaúcho.
Quando começamos a pensar na III Jornada de Debates em História – evento organizado
pelo Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia (LABUHTA), cujas
outras duas edições ocorreram em 2017 e 2018 –, não podíamos deixar escapar os 90 anos do
Movimento de 1930, completados em 2020. Por duas razões. A primeira por uma demanda nossa,
com membros do LABUHTA centrando suas pesquisas durante os anos 1930 em todos os níveis
acadêmicos (iniciação cientifica, mestrado e doutorado) e estudando aspectos diferentes que
permeiam essa conjuntura. Uma parte dos resultados dessas pesquisas foi debatida em mesas-
redondas e nos simpósios temáticos. Em segunda lugar pelo simbolismo da data e por verificarmos
os poucos eventos dedicados ao tema.
1 Doutor em História Social pela Universidade Estadual de Campinas. Professor adjunto do Departamento de História
da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e vice-coordenador do Laboratório de Estudos sobre História Política e
do Trabalho na Amazônia (LABUHTA). E-mail: anderson@ufam.edu.br
2 PEREIRA NETO, Murilo Leal. “O legado da ‘Era Vargas’: balanço de debates”. Mundos do Trabalho, Florianópolis,
v. 9, n. 17, p. 123-142, dez. 2017.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Num ano difícil como foi o de 2020, diante de uma pandemia mortal e da ineficácia do
governo, eventos on-line cresceram em grande velocidade. Se temos algo de positivo para tirar
desse momento, uma delas foi o aumento de palestras, mesas-redondas, conferências, seminários e
jornadas acadêmicas englobando os mais variados temas com os mais variados convidados, até
mesmo de âmbito internacional. A III Jornada de Debates em História foi aberta e encerrada com
dois convidados de peso e reconhecidos nacionalmente. Mesmo assim, percebemos um número
muito baixo de eventos remotos que tiveram com tema central a chamada “Revolução de 1930”.
De todo modo, pelo exposto nas conferências de abertura e encerramento e nas mesas-
redondas, a vitalidade da Era Vargas permanece em alta, suscitando inúmeros debates e abordagens
renovadas para um tema que parece longe de se esgotar. Para o caso específico do Amazonas, aos
poucos as pesquisas vão avançando cronologicamente e superando o marco de 1930, no qual a
historiografia produzida no estado para os anos anteriores ao início da Era Vargas tem estudos
consolidados, uma bibliografia vasta e produção continuada. Até pouco tempo atrás, eram poucos
os historiadores e historiadoras que se aventuravam para o período entre 1930 e 1967, quando temos
a implantação da Zona Franca de Manaus e uma boa quantidade de pesquisas.
O interesse por esses quase quarenta anos cresce continuadamente. O período em que
Getúlio Vargas esteve no poder ganhou estudos abordando diferentes aspectos desses quinze anos e
o marco de 1937, início da ditadura do Estado Novo, vem aos poucos sendo ultrapassado.
Integralismo, anticomunismo, mundo do trabalho, economia, a interventoria de Álvaro Maia: o
leque abordado cresce na mesma medida em que fontes são disponibilizadas e compartilhadas. Isso
pode ser atestado nas três mesas-redondas, nas quais se discutiu com muita qualidade todos esses
temas.
Reitero o quanto 202 foi um ano difícil. E 2021 começou ainda pior, com recorde de
mortes no Amazonas e o drama da falta de oxigênio que expos ainda mais a letalidade do vírus que
o governo federal insiste em negar. Perdemos familiares, amigos e colegas de trabalho. Deixamos
de nos encontrar pessoalmente, o que somou a dor da perda de entes queridos uma ansiedade e um
sentimento de impotência. Com arquivos fechados há mais de um ano, contamos com a
solidariedade de amigos e com as fontes disponíveis em arquivos digitais para darmos continuidade
a nossas pesquisas. Nesse sentido, um evento como a III Jornada de Debates em História é mais do
que um momento de apresentar resultados: é um ato de resistência perante um governo que não
tolera a ciência, buscando de todos os meios inviabilizar a produção do conhecimento científico no
8
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Brasil. Resistimos com um excelente evento, com debates de qualidade e a certeza que ano que em
2022 tem mais.
* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
10
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Uma das primeiras medidas de Getúlio Vargas ao assumir o Governo Provisório em 1930
foi determinar a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) que dentre seus
objetivos visava colocar o Estado brasileiro como efetivo mediador dos conflitos entre
trabalhadores e o patronato, que nas últimas décadas havia sido marcado por uma escalada de
violência.
Um conjunto de leis visando normatizar estas relações resultaria no decreto n° 19.770, de
março de 1931, que, para Ângela de Castro Gomes, visava “transformar e ao mesmo tempo
concorrer com o padrão de associações até então existentes no movimento operário” 3.
A sindicalização facultativa era acompanhada por estratégia que buscava seduzir aos
trabalhadores, pois então somente sindicalizados gozariam de benefícios das novas leis. Sob
Salgado Filho, “veríamos um período-chave onde seriam promulgadas a maioria destas leis, que
procuravam regularizar condições de trabalho como horários, férias, atuação de mulheres e menores
até a criação de instrumentos de enfrentamento dos conflitos que surgissem, como Comissões e
Juntas de Conciliação e Convenções Coletivas de Trabalho”4.
Cabe ressaltar que, no estado do Amazonas, as lideranças políticas locais que se
posicionaram junto ao Governo Provisório em 1930 foram as mesmas que participaram em
movimentos anteriores do Tenentismo, que teve em Manaus um de seus mais importantes capítulos
através da rebelião militar de 19245.
A exemplo disso, destacamos a figura do almirante e líder da Federação dos Marítimos do
Brasil, Luís Tirelli, eleito deputado constituinte em 1933 pelo recém-criado Partido Trabalhista
Amazonense (PTA), através do qual procurou estabelecer uma imagem atrelada às propostas de
Getúlio Vargas no âmbito sindical.
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado no PPGH/UFAM sob a orientação do Prof. Dr. César
Augusto B. Queirós.
**** Mestre em História pela UFAM e Professor do Centro de Mídias da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas
– SEDUC. E-mail: amaurypio@hotmail.com
3 GOMES, Ângela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo – 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 163.
4 Ibid, p.164
5 SANTOS, Eloína Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 2ª. Ed. Manaus, Gráfica Lorena: 1989, p. 22.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
No próprio jornal também é possível constatar que, no ano de 1933, o PTA já tinha uma
ligação com diversas entidades laborais, tais como a Federação de Trabalhadores, oito sindicatos
(pilotos e práticos, estivadores, padeiros, diaristas, gráficos, sapateiros e motoristas) além de
quatorze associações entre maquinistas, cigarreiros, motoristas, taifeiros, marinheiros, foguistas e
comerciários.7
Isto enunciava a pretensão do PTA de se constituir como uma força política tendo por base o
meio sindical, o que nos serviu como pesquisa para chegar a compreender como se deu a difusão
entre os trabalhadores amazonenses das vantagens do novo modelo sindical brasileiro.
Cabe aqui ressaltar a própria capilaridade do PTA no restante do estado, onde o partido
conseguiu instalar-se em 14 municípios. Nestes, o poder de mando dos Diretórios estava sob os
denominados “coronéis”, um perfil bastante diferente do que víamos na capital.
Para citar alguns exemplos, em Boa Vista, na região do Rio Branco (atual estado de
Roraima), o PTA era dirigido por Francisco Pontes e Porphiro Pontes, comerciantes e proprietários
da região”8. Em Coari, no rio Solimões, o partido estava sob a vigilância do “coronel Rufino Pereira
da Silva”, comerciante, proprietário/amigo e Francisco Areal Souto, outro grande proprietário no
município.9
A receptividade que a nova lei sindical teve no Amazonas pode ser observada em registros
oficiais que descreviam naquele momento a existência de 15 sindicatos de empregados e um
sindicato de profissões liberais registrados no Ministério do Trabalho, do qual podemos apontar o
espaço que plataforma do Partido Trabalhista Amazonense poderia então ter de apoio em Manaus,
12
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
levando em conta que estes números chegam a cerca da metade das entidades sindicais da cidade na
época.10
Cabe aqui ressaltar que, durante todo período do Governo Provisório de Vargas, entre 1930
e 1935, passaram pela administração estadual do Amazonas cinco interventores, uma situação
inversa por exemplo do vizinho Pará, onde Joaquim Magalhães Barata no mesmo período
personificou uma coerência entre as intenções das elites locais.
Apesar dos interventores serem nomeados por Vargas, esta informação nos revela a
dificuldade local em se executar um plano de ação coeso por parte dos “revolucionários de 30”.
Este quadro dava vantagem às pretensões do PTA como difusor da adesão às propostas sindicais em
especial entre trabalhadores urbanos.
A importância desta aproximação entre o discurso varguista e os trabalhadores
amazonenses fica mais evidente após a escolha de Álvaro Maia como governador durante a
Constituinte Estadual de 1935, onde sua articulação com Luís Tirelli e a criação do Partido Popular
Amazonense resultou numa ênfase na articulação do sindicalismo local à política intencionada pelo
Ministério do Trabalho, fato de importante repercussão na imprensa conforme se observa:
O Amazonas não podia ser diferente aos novos rumos políticos do país, diretivas
traçadas pelo ilustre sr. dr. Getúlio Vargas, patriótico chefe do governo da
República, no intuito de facilitar aos homens de responsabilidade administrativa a
efetividade de seus programas [...]. Daí a disposição patriótica do ilustre
amazonense, Dr. Álvaro Maia, de realizar no Estado um congraçamento das
correntes partidárias de verdadeira expressão prestigiosa [...]. Socialistas e
Trabalhistas, atendendo ao chamado de seus chefes, estenderam-se as mãos [...].
Do abraço fraternal entre Trabalhistas e Socialistas surgiu o Partido Popular
Amazonense. O seu programa unirá as classes sociais, e mostrará que nós
queremos um Amazonas, forte, livre de feitores [...]11.
A respeito da crise econômica que assolou o Amazonas após a queda do preço internacional
da borracha a partir de 1915, naqueles anos ainda verifica-se a continuação de uma imprensa
voltada aos temas sindicais, como aponta Luciano Teles, sendo que “Manaus ainda continuaria a
contar com significativa atividade de trabalhadores operários”12.
Também para a pesquisadora Maria Luíza Ugarte Pinheiro, os jornais operários em suas
especificidades desenvolveram importante função no meio laboral. apesar de “não fizeram parte da
grande imprensa, porque amiúde lhes faltava recursos financeiros, mas apesar de serem Folhas de
um dia na maioria das vezes, com uma produção descontínua e dispersa, foram fundamentais para o
conhecimento da labuta dos operários: anseios, reivindicações, denúncias, movimentos e vitórias”13
Já tinham existido no Amazonas diversos jornais vinculados a partidos políticos, tais como “O
Liberal” e “O Amazonas”, ligados ao Partido Liberal do Amazonas, ou ainda “A Reação”, vinculado ao
Partido Republicano Amazonense
Vemos no caso do Tribuna Popular porém, que a esta tradição seria incorporado um projeto
nacional originado na Revolução de 1930 e agora incorporando um discurso voltado a “instruir as
hostes trabalhistas” e seus sindicatos simpatizantes da nova legislação para o setor pretendida por
Getúlio Vargas.
Os editores do jornal foram Vivaldo de Palma Lima como redator-chefe, Antonio de
Vasconcellos como diretor político e Oscar Costa Rayol como redator-secretário. Embora estes
fossem membros do PTA, não participaram como candidatos em nenhuma das eleições do período.
Desses, constatamos ter sido Antonio de Vasconsellos quem mais assinou colunas e artigos, sendo
que são os únicos cujos nomes e funções são descritos em todas as edições.
Circulando entre 1933 e 1936 “em gráfica própria”, o Tribuna Popular nas suas 116
edições manteve destaque para as ações de Luís Tirelli como deputado federal em artigos que o
associavam como um dos fundadores da Federação dos Marítimos do Brasil, uma clara tentativa de
vincular o “trabalhismo” do PTA a ações no campo sindical.
O contexto em que o Tribuna Popular aparece são o das eleições visando preenchimento
das quatro cadeiras na Câmara Federal que o Amazonas teria em 1933. Para isso o PTA havia
escalado Luiz Tirelli, que ganha projeção em seu grupo político após ter sido eleito pela “Aliança
Trabalhista Liberal do Amazonas”. O jornal aproveitava as oportunidades de menção a Tirelli para
12 TELES, Luciano Everton. A Vida Operária em Manaus: Imprensa e Mundos do Trabalho (1920).
(Dissertação)Instituto de Ciências Humanas e Letras – UFAM. Manaus: 2008, p. 158
13 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1880-1920). (Tese)
Doutorado em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, p.131.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
enaltecer sua figura e associá-la aos interesses dos trabalhadores, como pode-se constatar na coluna
Voz do Operário:
Na representação amazonense tem o proletariado seu legítimo defensor na
pessoa criteriosa e altamente digna do Sr. Comandante Luís Tirelli, vitorioso
candidato do P.T.A., de quem tudo esperamos em favor do Estado e do seu
povo. O proletariado que tem na pessoa do Comandante Tirelli seu destemido
defensor, seu ídolo e por ele cultiva verdadeira admiração e deposita em S.
Exa., todas as suas esperanças. E tem razão justificada para tal. Relevantes
serviços têm ele prestado à causa proletária, empregando o melhor de suas
energias em favor das classes menos favorecidas, harmonizando e influindo nas
reivindicações de seus direitos conspurcados14.
Também a figura de Getúlio Vargas recebia honroso destaque, como pode-se ver nas
vésperas das eleições presidenciais de 1934 onde menciona-se “a assinatura do decreto, pelo Dr. Getúlio
Vargas, criando a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários”. Ainda chama nossa atenção a
imagem de Getúlio sob a legenda: “Dr. Getúlio Vargas, candidato dos Trabalhistas do Brasil à
Presidência Constitucional da República”15.
Defere-se dessa mensagem dois movimentos intencionais: o primeiro através de um discurso
que atrelava o PTA com a figura de Vargas. O segundo de que eram um segmento para além do
Amazonas, uma fraternidade nacional dos trabalhadores conforme de nota na expressão “os
Trabalhistas do Brasil”.
Ainda em um discurso na cidade de Manacapuru, Luiz Tirelli continua a associar o
trabalhismo do PTA com um projeto de nacionalidade:
[...] Artífices, artistas, bacharéis e médicos, jornalistas e escritores, engenheiros e
trabalhadores enfim, de profissões outras, nós não somos mais, com diferenças, de
uns para os outros na instrução adequada a carreira que escolhemos, meros
trabalhadores que pelo dispêndio de nossas energias, no labor cotidiano,
procuramos, com honradez, o pão para nosso sustento e o de nossa família.
Trabalhistas somos todos quantos, irmanados pelos sofrimentos, nos constituímos a
força motriz e diretriz da Nacionalidade16.
Ainda sobre isso, novamente notamos uma enfática utilização do trabalhador como figura
que precisava unir forças para conquistar suas pautas frente ao capitalismo, conforme verifica-se no
artigo intitulado “Os Trabalhadores Avançam!”. Publicado nas vésperas das eleições para a
Assembleia Estadual Constituinte, nele vemos a preocupação em apontar que suas demandas
somente seriam atendidas pelas mãos de outros trabalhadores que precisavam ser eleitos:
[...] só nós trabalhadores é que compreendemos nossas necessidades; o mais são
bonitas conversas com que o capitalismo nos quer tornar a soldar o elo da
corrente que se acha partido o grilhão que ainda pende em nossos pulsos17.
Outro cuidado dos editores do Tribuna Popular era em divulgar eventos relacionados à
política sindical varguista, como a chegada de cartas sindicais outorgando autorização do Ministério
do Trabalho. Em muitos destes anúncios de primeira página, apontavam o empenho do deputado
Luiz Tirelli nos trâmites necessários junto aos órgãos federais.
Em uma destas cerimônias, transcorrida na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, o deputado
Luiz Tirelli fez um discurso “relatando um histórico do processo que transcorreu para adesão do
Sindicato dos Enfermeiros ao MTIC” e os meios que o PTA se utilizou para a “agilização do processo”.
Neste momento, houve a entrega da Carta Sindical do “Sindicato dos Enfermeiros do Amazonas”,
recebendo destaque a presença de diversas autoridades do PTA, incluindo Tirelli, Lourenço da Silva
Braga (da União dos Taifeiros) e Vivaldo Lima. 18
Para Luís Werneck Vianna, essas cerimônias serviam como um importante elemento para as
pretensões de Getúlio Vargas pois:
Logo que incluídos na estrutura corporativa, os sindicatos estavam sujeitos à
permanente vigilância estatal por meio de representantes do Ministério do
Trabalho, que detinham a faculdade de assistir às assembleias e o poder de
polícia de investigar sua contabilidade. Eram obrigados também a remeter
àquela repartição relatórios anuais, prestando contas das atividades
desempenhadas no seu exercício.19
Até 1934, segundo Luís Werneck Vianna, constavam oficializados junto ao Ministério os
sindicatos de sapateiros (1), construção civil (2), gráficos (1), metalúrgicos (1), fabricação de
Bebidas (1), Fabricação de Fósforos (1) e Barriqueiros (1).20
Também naquele ano, eram apontados como regularizados o Sindicato de Empregados em
Tração, Força e Luz (antigo sindicato Diaristas da Manaós Tramways)”, o Sindicato dos
Metalúrgicos de Manaus e o Sindicato dos Leiteiros. Na mesma edição, ainda somos informados
“da chegada à cidade de Manaus das Cartas Sindicais do Sindicato dos Alfaiates e Costureiras, e
dos Remadores de Manaus”.21
A chegada e entrega das carteiras de trabalho eram outro momento de efusiva participação
dos membros do PTA. A criação deste documento foi instituída pelo decreto nº 21.175, de 21 de
março de 1932, e, posteriormente, regulamentada pelo decreto 22.035, de 29 de outubro de 1932.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
A periodicidade desta coluna - consta em 84 das 116 edições – infere que este tipo de
informação era uma das prioridades do PTA através de seu jornal.
Outro espaço que remete a nosso interesse era dedicado à Inspetoria do Trabalho, órgão
responsável pelo controle e supervisão das carteiras de trabalho, sendo também responsável pelo
cumprimento da legislação sindical, mediando, fiscalizando e multando se necessário conforme
atestado:
Por terem infringido dispositivos da legislação social-trabalhista, foram
autuadas as firmas seguintes: H. Batista, fazendas; J. Fontenelle, cinema;
Manoel Fonseca, produtos de leite; Mattos Areosa, comissões; Victoria
Marques, mercearia; Marques & Gaspar, livraria. [...] FÉRIAS: Por não terem
pago férias devidas a seus empregados, foram intimadas a fazer isso, as
seguintes firmas: Camello, Irmão & Cia, Fábrica de cigarros, Marques & Cia,
marchante; L. O. Bastos, idem; Eduardo Peres, idem; Gonzaga Palmeira &
Queiróz, idem; Segismundo Pinheiro, idem; Manoel Marques de Souza, idem.
[...]24.
Neste espaço, os sindicatos também eram lembrados de seus deveres para com as determinações
do Ministério do Trabalho, especialmente no que se refere à prestação de contas quanto às atividades
22 GOMES, Angela. Op. Cit., 2005, p.16.
23 Jornal Tribuna Popular,06 jul. 1934, p.01.
24 Jornal Tribuna Popular, 20 de jan. 1936
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
desenvolvidas no ano.
Em outro momento, podemos conferir a defesa da adesão sindical quando “o Sindicato dos
Gráficos, sob a fala dos camaradas Luiz Corrêa, [...] comentaram acerca das vantagens do pedido de
sindicalização da sociedade, mostrando a todos os presentes, as vantagens que advém a classe esta
medida O procurador do sindicato ao Rio de Janeiro, o sr. João Antonio Jacob, espera para breves
dias o registro da Associação no Ministério do Trabalho”.25
Uma outra forma de divulgação e instrução acerca da legislação sindical pode ser observada
nos casos em que esta havia sido aplicada em favor dos trabalhadores, como quando uma empresa
sediada em Curitiba que fora acionada “pelo Sindicato dos Operários Hervateiros, que através do
Ministério do Trabalho, buscava reverter a demissão de diversos funcionários da empresa F. F.
Fontana & Cia” 26.
Também um interessante relato nos vem da cidade de Itacoatiara, onde houvera uma
reclamação enviada pelo Sindicato dos Operários de Serrarias quanto à ameaça de fechamento das
atividades da empresa Serrarias Pereira. A ameaça teria vindo após a exigência de seus funcionários
quanto a aumentos salariais. A Serraria dizia não poder cumprir a exigência e, simplesmente,
fecharia suas portas. Na argumentação do Sindicato junto à empresa, nota-se que “o caso fora
levado à Inspetoria do Trabalho, para que ali a questão fosse harmoniosamente resolvida”.27
Em continuidade, o artigo chamava a atenção para diversos pontos especificados pelo artigo
nº 13 do decreto n. 19.770 de março de 1931, quanto aos direitos que o trabalhador sindicalizado
poderia recorrer, contra demissões ilegais.
O trabalhismo representado no Tribuna Popular
As expressões “trabalhista” ou “trabalhismo” não eram novidade no meio sindical brasileiro
naqueles meados dos anos 30. Sua utilização por essas entidades e pelos próprios trabalhadores
advinha desde o século XIX, na Inglaterra28 .
Também sindicatos que passaram a se organizar politicamente se apoderaram do termo
como forma de vincular partidos políticos às causas dos trabalhadores operários. Angela Gomes nos
lembra do caso da fundação de um “Partido Trabalhista Brasileiro”, em 1924, cuja linha adotada
seguia o corporativismo de Sarandy Raposo. A organização, porém, teve uma vida efêmera,
conforme aponta a historiadora.29
18
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Uma abordagem interessante também era dada às relações entre os próprios sindicatos,
como pode-se ver na coluna intitulada “Nosso Apoio”, onde o Sindicato dos Metalúrgicos de
Manaus se solidarizava com os trabalhadores gráficos contra o fechamento da Amazon Enginering,
empresa pela qual muitos desses profissionais eram contratados. Ainda nesse espaço, era exposto
que a posição da empresa havia sido justificada “devido a não suportar cobrir para com as
obrigações da nova legislação trabalhista”.31
Com uma nova conjuntura política a partir de meados de 1935 com a eleição de Álvaro
Botelho Maia para governador do Estado, o Tribuna Popular mantinha sua linha editorial, agora
representando o Partido Popular Amazonense, resultante da união de uma ala do Partido Socialista
Amazonense, de Maia, com o PTA, de Tirelli.
Neste momento, notamos uma intencionalidade em aproximar Álvaro Maia dos sindicatos
vinculados ao PTA, como durante o aniversário da Sociedade dos Taifeiros de Manaus, onde
“constavam a presença de todos os Trabalhistas”, sendo que na ocasião fora lida “uma carta de
agradecimento e parabenização da parte do governador Álvaro Maia, incluindo uma formosa oração
aos homens do trabalho”.32
O governador era um dos expoentes do movimento Glebarista dos anos 20 no Amazonas,
cujos ideais buscavam um resgate dos valores amazônicos nas artes e literatura e seus artigos sobre
o tema podem ser encontrados na primeira capa do jornal, uma forma de apresentar seu ponto de
vista sobre a região aos leitores do Tribuna Popular.
Assim, o jornal desempenhava um papel informativo tanto político partidário, como do
espaço para o meio sindical e a própria identidade pretendida pelos trabalhadores.
Conclusão
Averiguar um periódico requer técnicas de pesquisa específicas relativas à imprensa, o que
permite perceber que o jornal Tribuna Popular não foi apenas mais um dentre outros tantos
periódicos que surgem e desaparecem ao sabor de realinhamentos políticos, fato que se percebe até
hoje na imprensa do Amazonas.
Antes disso, evidenciou-se como elemento divulgador de um período de nossa história que
ainda requer estudos mais apurados. De qualquer forma, talvez um dos maiores legados do Tribuna
Popular seja contribuir para a observação e análise das expectativas dos desdobramentos da
Revolução de 1930 para o Amazonas.
Em meios aos jogos políticos da época, também oferece a seu modo a expressividade de
parte significativa do movimento sindical em uma hora de transformações que delinearam nas
décadas seguintes o papel destas entidades no campo do trabalho.
* * *
20
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
A luta contra o comunismo teve início desde as primeiras formulações teóricas e políticas de
Karl Marx e Friedrich Engels. Os anticomunistas no Brasil combatiam o “credo vermelho” pela
palavra e pela ação e se utilizavam de vários mecanismos neste embate.
No rol das instituições anticomunistas no estado do Amazonas, podemos destacar duas das
quais desprenderam, com afinco, a luta contra o comunismo: Centro Dom Vital e Ação Integralista
Brasileira. Segundo Silva, “se podemos perceber na realidade do período fortes campanhas
anticomunista, foram a Igreja e a AIB que colocaram o anticomunismo como embasamento da sua
ação no que diz respeito à sua atuação junto às camadas populares”.33
A Ação Integralista Brasileira (AIB)34
A AIB surgiu nos fins de 1934 no Amazonas, obteve grande êxito, alcançando grande
adesão. A AIB, nesse sentido, encontrou no Estado um terreno fértil para propagar seus ideais.
Quando em abril de 1935 a AIB foi inaugurada oficialmente,35 logo, instalaram uma escola para
ensinar e doutrinar as hostes do Sigma, assim como começaram a se organizar enquanto
departamentos para melhor se inserirem nos grupos sociais.
O Sigma manteve um trabalho intensivo de 1935 até o final de 1937, nesses anos fundaram
o núcleo central, o núcleo municipal em Manaus e subnúcleos nos bairros de Manaus, como São
Raimundo e Constantinópolis. Foram fundados também núcleos em Itacoatiara, Manacapuru,
Parintins e Coari.36
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa que resultou na dissertação de Mestrado “Uma ‘pretensa
intentona’: ANL, AIB e a cultura política anticomunista no estado do amazonas (1935-1937)”, defendida no ano de
2019 no PPGH/UFAM com apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós. A referida
dissertação recebeu o prêmio PROPESP/UFAM como a melhor dissertação do programa no ano de 2019.
**** Licenciado em Pedagogia pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE); Mestre em História Social pelo
Programa de Pós-graduação em História (PPGH-UFAM); Professor do Ensino Fundamental I na Secretaria Municipal
de Educação de Manaus (SEMED). E-mail: davi.onlyone@gmail.com
33 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2001. p. 87.
34 Para conhecer mais sobre a AIB: ABREU, Davi Monteiro. Uma “pretensa intentona”: ANL, AIB e a cultura
política anticomunista no Estado do Amazonas (1935-1937). 2019. 187 f. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2019.
35 A Tarde, Manaus, 22 de abr. 1937.
36 O Jornal, Manaus, 05 de jun. de 1935; O Jornal, Manaus, 28 de jun 1935.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Entre 1935 e 1937, percebemos que a AIB teve três líderes (chefes provinciais): Paulo
Eleutério, Átila Sayol de Sá Peixoto e Jayme Pereira. O primeiro recebeu de Gustavo Barroso,
quando este esteve numa “Bandeira Integralista” em Belém, no final de 1933, a missão de irradiar o
integralismo no norte do Brasil e assim o fez. O segundo era um jovem acadêmico que se
empenhava em ministrar palestras sobre o “Estado Integral” na Escola Deus e Pátria; além disso,
também foi secretário de propaganda do Sigma. O último chegou ao Amazonas em meados de
1937, era um conhecido catedrático da Faculdade de Medicina de São Paulo, membro do Supremo
conselho Integralista. Este retornou ao Amazonas para chefiar a província integralista do
Amazonas.
No que tange ao comunismo, Costa Rego, um líder integralista amazonense, declarou:
O Integralismo vê na familia a projecção do individuo. O communismo nega a
familia, pela incorporação do individuo ao Estado, como seu instrumento. O
collectivismo communista dillue, portanto, o homem. A conceção totalitaria
integralista conserva-o e arma-o. Em summa, quanto ao homem, o Integralismo só
não quer que elle se affirme contra a harmonia social; e o communismo retira-lhe
pura e simplesmente, a capacidade de affirmar-se. O Estado integral procura
defender o individuo; o Estado communista incorpora-o.37
Átila Sayol de Sá Peixoto, a campanha de Plínio Salgado ganhava corpo e aderência como a do
Capitão Aluizio Pinheiro Ferreira, diretor da estrada de ferro Madeira-Mamoré. No entanto, com o
advento do Estado Novo, que a AIB ajudou a instalar insuflando a sociedade afirmando ter
conhecimentos de novos planos comunista para tomar o poder no país, as sedes da mesma foram
fechadas, assim como todas as organizações partidárias do país.
O Centro Dom Vital
Já o Centro Dom Vital, para entendermos sua criação, é necessário compreender o combate
que a Igreja assumiu contra o processo de modernização, laicização e secularização da sociedade. O
combate ao comunismo, nesse sentido, era apenas um elemento a mais na oposição a esses
processos. Além disso, é importante entender a luta que a Igreja Católica estava encampando desde
a proclamação da República, pois, naquele período, a Igreja perdeu sua grande influência junto ao
Estado brasileiro, ao menos tempo que passou a surgir o movimento operário influenciado por
várias correntes de pensamento (anarquistas, socialistas, comunistas). Neste sentido, a Igreja iniciou
dois movimentos. Primeiramente, passou ao enfrentamento do laicismo com o objetivo de formação
doutrinária, na tentativa de convencer os governantes que o Brasil era um país católico. No segundo
movimento, a Igreja passou a investir contra a subversão e a materialização do operariado.39
Assim, da proclamação da República até o início da década de 1930, a Igreja encampou
várias estratégias para que voltasse a ter sua influência restituída junto ao Estado. Uma das
alternativas encontradas foi a fundação do Centro Dom Vital, da Liga Eleitoral Católica e dos
Círculos Operários.40
O Centro Dom Vital foi fundado em 1922, quando, preocupada com a formação religiosa da
elite, a Igreja Católica passou a fundar centros de estudos, oferecer literatura especializada e criar
órgãos para o engajamento de leigos. “Em 1921, foi criada a revista A Ordem, sob a direção de
Jackson de Figueiredo, e, no ano seguinte, o grande líder católico da época, dom Sebastião Leme,
fundou o Centro Dom Vital, dirigido por Jackson de Figueiredo [...]”.41
O Centro Dom Vital, a Liga Eleitoral Católica e os Círculos Operários foram projetos que
estavam inseridos na concepção de justiça social. Assim, o Centro Dom Vital e a revista A ordem
estavam voltados para os intelectuais, os Círculos Operários dirigidos aos trabalhadores e a LEC
para orientar o voto do cristão. Esses projetos da Igreja também visavam pleitear maiores espaços
39 RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do
Sul (1945-1964). 2 ed. Passo Fundo: UPF, 2003. p. 51-56.
40 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Op. Cit. p. 88.
41 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Ibidem. p. 57.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
junto ao governo central, visto que, desde 1890, o Estado e a Igreja estavam separados.42
No Amazonas, o Centro Dom Vital surgiu no segundo semestre de 1937 e foi formado
essencialmente por membros da Ação Católica, dentre eles, Leopoldo Peres, Antovilla Vieira, Felix
Valois, Moacir Dantas – todos deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Amazonas.
No dia 21 de julho, foi realizada a primeira reunião plenária da entidade. Na ocasião, foram
eleitos os membros de sua diretoria, a qual assim ficou dividida: André Vital de Araujo, presidente,
nomeado pela autoridade diocesana; José Jorge Carvalhal, vice-presidente; Moacyr Dantas,
secretário; Ananias de Almeida, tesoureiro; Leopoldo Péres, orador.43
Já no dia 04 de novembro de 1937, foi realizada uma sessão solene no Consistório da Sé. O
evento foi bastante concorrido, fez-se presente o bispado, representantes do governador do estado e
do prefeito, autoridades, o clero, congregações religiosas e populares. A reunião marcou a
instalação do Centro Dom Vital no Amazonas e fez uma homenagem ao fundador da instituição no
Brasil, além de discorrer sobre os objetivos da entidade.44
Segundo André Vital de Araujo,45 o Centro Dom Vital surgiu com intuito de “rechristianisar
a alma, o pensamento e o coração dos brasileiros, para que gravitem, eternamente, em torno da
doutrina de Jesus [além de] reconstruir o que destruíram, defender o que querem solapar, com o
sacrificio das gerações de nossa Patria”.46 Com estes objetivos, o Centro Dom Vital manifestou-se
para combater “por todas as campanhas dignas, a anarchia, a mercantilisação do espírito, a
commercialisação das letras, a confusão da alma nacional, corrompida pela literatura sem finalidade
honesta do liberalismo, do agnosticismo, do positivismo, do materialismo, do communismo”.47
Como já mencionamos, o Centro Dom Vital via no comunismo apenas mais um inimigo que
a modernidade apresentava à Igreja Católica e à sociedade, apesar de ver nele “características
próprias, atuais, como o ateísmo e o materialismo, o objetivo de destruir a família, a propriedade
privada e a pátria, de querer solapar todas as conquistas da civilização cristã”.48 A modernidade
representava, para os líderes do Centro Dom Vital, o que há de mais danoso à sociedade, pois dela
42 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Ibidem. p. 99.
43 A Tarde, 23 jul. 1937.
44 A Tarde, 5 nov. 1937.
45 Bacharelou-se em Direito em 1921, foi juiz de menores e expressiva liderança católica. Sobre André Vital ver:
FERREIRA, Lúcia Marina Puga. André Vidal de Araújo: pensamento social e sociologia. 2002. Dissertação
(Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia), Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2002. E também ver:
PESSOA, A. B. Pequenos construtores da Nação: disciplinarização da infância na cidade de Manaus (1930-1945).
2018. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.
46 Anchieta: Boletim catholico d’A Selva, nov. 1937.
47 Anchieta: Boletim catholico d’A Selva, nov. 1937.
48 RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do
Sul (1945-1964). Op. Cit. p. 34.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
decorria uma confusão espiritual que visava afastar o ser humano de Deus, “destruindo todo o
patrimônio moral e espiritual”. Assim, a crise espiritual da humanidade trazida pela modernidade
teve origem, segundo André Vital de Araujo, no ano de 1.400, mas que aqui no Brasil começou a
ganhar proporção em 1922.49 Importante lembrar que, em 1922, ocorreram no país eventos
essenciais para se explicar a história contemporânea do país, tal qual a Semana de Arte Moderna e a
fundação do Partido Comunista do Brasil.
Portanto, para digladiar contra o espectro moderno, mas, também, nesse momento, para
impedir o crescimento do comunismo, é que o Centro Dom Vital foi constituído no estado do
Amazonas. Ele apareceu também para “intellectualisar os meios catholicos e christianisar os meios
intellectuaes (e) restaurar a intelligencia brasileira numa perfeita unidade com a razão e a fé”, 50
além, de “estimular a cultura catholica e promover a reespiritualização da sociedade brasileira, tão
violentamente assediada pelas forças desagregadoras do communismo atheu”.51
Importante mencionar também que, antes mesmo de ser instalado o Centro Dom Vital,
alguns católicos já realizavam a luta contra o comunismo. É o caso do deputado Leopoldo Péres.
Outro católico que também se juntava neste combate era o deputado Estadual Aristides Rocha,
apesar de não fazer parte do Centro Dom Vital.
Interessante também observar as proximidades e elogios entre os católicos e integralistas. Na
coluna do deputado estadual Leopoldo Péres, foi comum verificá-lo exaltando a luta dos “camisas-
verdes”. Em um de seus textos afirmou “Não me inscrevo, já o esclareci e repito, entre os
correligionarios do sr. Plinio Salgado. Sou, todavia, dos que reconhecem e não têm constrangimento
algum em proclamal-o [...]”52 O deputado ainda se referiu ao sigma em outros de seus textos 53,
sempre com o caráter elogioso ou, quando tentaram tornar ilegal a entidade, defendendo a AIB.
Nesses textos, podemos perceber que aparentemente os combates travados pelas entidades eram
quase que complementares. A Ação Católica via com bons olhos a ação dos integralistas e vice-
versa. Ambos defendiam o mesmo ideal “Deus, pátria e família”, além da propriedade privada, e
tinham um inimigo em comum: o comunismo ateu.
* * *
26
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
A partir de 1937, mais precisamente a partir de 1940, o governo Vargas passa, mesmo que
minimamente, a investir na economia da Amazônia e procura inseri-la política e economicamente
no corpo da Nação. Contudo, essa intencionalidade não é fruto desses anos, ela é anterior.
No ano de 1933, em uma visita à cidade de Belém, Getúlio Vargas, o então chefe do
Governo Provisório, em um de seus discursos, mostrou-se preocupado com a incorporação da
Amazônia ao cenário nacional e com o seu desenvolvimento econômico. Para que isso ocorresse,
segundo o presidente, seria necessário o investimento na indústria extrativista da seringa e da
castanha; nesse prisma, se daria atenção também, nos mais variados recursos potenciais, que faziam
da região a mais abundante reserva da economia nacional. Assim como, e o principal, seria
necessário transformar a exploração nômade em sedentária, para tanto era preciso povoar e
colonizar a região, “fixando o homem ao solo”. Assim a economia amazônica ressurgiria e seus
produtos proveriam os variados mercados mundiais:
A Amazônia ressurgirá (...). A era de ouro prometida surgirá – fruto da riqueza,
amadurecido pelo trabalho. E pelo caudal impetuoso, onde Orelana combateu as
Amazonas, descerão os tesouros da agricultura e da indústria, para abastecer os
mercados do mundo54.
* Este artigo é parte do capítulo 03 de minha Dissertação defendida no Mestrado de História da Universidade Federal do
Amazonas no ano de 2009, sob o título: Imprensa e Poder: A Propaganda Varguista na Imprensa Amazonense (1937-
1945). Manaus: UFAM, 2009.
* Professor de História da rede privada do Ensino Médio/ Mestre em História pela UFAM.
54 Trechos do discurso de Getúlio Vargas em 1933, na cidade de Belém – capital do Estado do Pará. Apud PERES,
Leopoldo. Política e Espírito do Regime. Rio de Janeiro: Empresa A Noite, 1941, p. 88.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
economia, passa a ser posta em prática somente durante a vigência do regime e, nessa conjuntura
política, essa tarefa, tem um fim econômico objetivado que perpassa na questão da nacionalidade.
Como fim objetivado do Estado Novo, a inserção da Amazônia ao cenário nacional, está no
bojo do projeto do regime denominado de “Marcha para o Oeste”, que tinha a intenção de ocupar os
“espaços imensos e despovoados” do Brasil, possibilitando que as fronteiras políticas – o Estado
Nacional, centralizado, representação da nacionalidade – e as econômicas se coincidissem. Por esse
prisma, o Estado ao estender as fronteiras econômicas estaria ajudando a resgatar a brasilidade,
estaria complementando o fazer da Nação. A integração geográfica e econômica dos mais
longínquos lugares do Brasil, estaria ajudando a Nação a buscar a sua plenitude. A fala de Leopoldo
Peres55, abaixo trilha por esse enviesamento:
A civilização brasileira mercê dos fatores geográficos, estendeu-se no sentido da
longitude, ocupando o vasto litoral, onde se localizaram os centros principais de
atividade, de riqueza e vida. Mais do que uma simples imagem, é necessidade
urgente e necessária galgar a montanha, transpor os planaltos e expandir-nos no
sentido das latitudes. Retornando a trilha dos pioneiros que plantaram no coração
do continente, em vigorosa e épica arremetida, os marcos das fronteiras territoriais,
precisamos de novo suprimir obstáculos, encurtar distâncias, abrir caminhos e
estender as fronteiras econômicas, consolidando, definitivamente, os alicerces da
Nação. O verdadeiro sentido de brasilidade é a marcha para o Oeste56.
Assim sendo, segundo o historiador Alcir Lenharo, o Estado Novo, com a efetivação de um
espaço físico unificado, constituiria “o lastro empírico sobre o qual os outros elementos
constitutivos da nação se apóiam: a unidade étnico-cultural, a unidade econômica, política, o
sentimento comum de ser brasileiro” 57.
O projeto da “Marcha para o Oeste”, foi elaborado, crucialmente, a partir do golpe de 1937,
sendo cuidadosamente retrabalhado nos anos seguintes58. Segundo a historiadora Maria Verônica
Secreto, esse plano foi uma forma de fixar o trabalhador rural no campo, tática que estava inserida
no projeto de modelo econômico e de desenvolvimento do regime.
Durante a “Era Vargas”, mais principalmente, durante o Estado Novo, o antigo “padrão de
acumulação agroexportador” foi “destruído pelo novo padrão de desenvolvimento capitalista”59,
55 Leopoldo Carpinteiro Peres, jornalista, educador e político amazonense. Nasceu no município do Cabo, Pernambuco,
do dia 09 de agosto de 1901, aos seis anos veio para o Amazonas, bacharelando-se em direito em 1922. Foi um dos
fundadores da Ordem dos Advogados do Amazonas e da Associação Amazonense de Imprensa, deputado Estadual, e
depois Federal para a constituinte de 1946. Faleceu no Rio de Janeiro em 1948. ROCQUE, Carlos. Grande
Enciclopédia da Amazônia. Vol. 05. Belém: Amazônia Editora. 1968, p. 1356.
56 Discurso de Getúlio Vargas. Apud Leopoldo PERES. Política e Espírito do Regime. 1941, p. 85 e 86. Grifo meu.
57 LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. 2ª edição. Campinas, SP: Papyrus/UNICAMP, 1986, p 57.
58 Ibid, p 56.
59 FARIA, Fernando Antonio. Os vícios da Re(s)pública: negócios e poder na passagem para o século XX. Rio de
Janeiro: Notrya Editora, 1993, p. 31.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Inicialmente a “Marcha para o Oeste”, procurou fixar o trabalhador rural nos interiores de
Goiás e Mato Grosso, porém logo essa ideia de marchar para o interior “se estendeu à região
amazônica, que também ingressou no ‘imaginário oficial’ entre os territórios internos” 62 a serem
ocupados.
Contudo, mesmo estando a “Marcha para o Oeste”, direcionada à Amazônia – no caso
especifico o Amazonas –, inserida na proposta de Estado Nação (nacionalidade brasileira) do
Estado Novo, essa constatação de forma alguma, minimiza o papel histórico dos grupos sociais
locais, que agiram em função do melhoramento e do fortalecimento político e econômico do Estado.
Grupos como os “glebários”63 que em muitos momentos da década de 1930, apareceram nos
periódicos, defendendo um crescimento econômico do Estado, e apoiaram Vargas na medida em
que viram nele uma possibilidade de terem seus interesses posto em práticas. Ou seja, a integração
da Amazônia na economia nacional é um caminho de duas vias, ao mesmo tempo em que
representava o interesse do Estado Novo, possibilitando a simpatia dos amazonenses ao regime,
representava também, os interesses de grupos sociais locais, que apoiaram Vargas, mas exigiram
atuações do governo, direcionadas ao melhoramento do Estado, quando não, dos seus interesses.
Uma nota do Jornal do Commercio, quando da vinda de Getúlio Vargas, exemplifica a cobrança
feita ao governo:
60 GOULART, Silvana. Sob a verdade Oficial: Ideologia, propaganda e censura No Estado Novo. São Paulo: Editora
Marco Zero, 1990, p. 32-34.
61 SECRETO, Maria Verônica. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do rio Amazonas”
à saga dos soldados da borracha. Estudos históricos. Rio de Janeiro, nº.40, julho-dezembro de 2007, p.115-135, p. 117.
62 Ibid, p. 116.
63 Os glebários fizeram parte do Glebarismo, um movimento dos anos de 1930 em Manaus, que defendia idéias e
valores regionais, como: a identidade cabocla; um ufanismo pelo Amazonas; tinha aversão a políticos oportunistas,
principalmente os de outros Estados que faziam carreira no Amazonas; o crescimento econômico do Estado. Deles
faziam parte, políticos, intelectuais, jornalistas, estudantes. Álvaro Maia fez parte desse movimento. Há um manifesto
do Glebarismo no Jornal “Tribuna Popular”. Cf. Tribuna Popular, nº. 69, Manaus, 12 de agosto de 1935.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
amazonense, e em seguida intensificaria sua produção para o mercado externo. A nota sinaliza para
o fato de que o vale amazônico teria possibilidades incomparáveis para o aumento da extração da
borracha, que abasteceria as 47 indústrias nacionais especializadas na produção de artefatos da
borracha. A meta do governo seria produzir, muito mais do que os 400 pneus diários, uma vez que o
seu consumo diário no país, era de 12 mil65.
Será a partir de 1940, que as notícias sobre as potencialidades econômicas do Amazonas
começam a vim à tona. A propaganda começa a apresentar o Estado enquanto um celeiro de
grandes surpresas econômicas. Mesmo com o início da guerra na Europa que estaria dificultando a
expansão da economia da Amazônia, e principalmente a sua, se o Amazonas – ele que seria o porta-
voz dos anseios dos Estados da região norte – tivesse uma ajuda de crédito para o financiamento da
industrialização direcionada a grandes partes de suas matérias primas, era de se esperar um
crescimento fantástico “da sua collaboração no fomento da economia nacional” 66.
De fato, será depois da vinda de Vargas a Manaus, que a propaganda ira colorir o papel do
Estado e da região para a economia nacional e a importância que teve o Estado Novo e Vargas para
isso:
O grande presidente o snr. dr Getúlio Vargas, a quem a Amazonia vai dever a sua
legitima integração ao Brasil, foi assim, o estadista providencial que soube ver,
que compreendeu a grandeza do vale, que sentiu a gravidade de seu abandono e
bem mediu a significação do plano, com que a genialidade de sua visão soube
propor a grande equação do extremo-norte(...)
O discurso do rio Amazonas, comemorado hoje como uma voz de comando para a
execução de uma campanha que não sacrifica vidas nem esconde propositos
inconfessaveis, acobertados por falso democratismo, é como a pagina inicial do
quarto ciclo de evolução da Amazonia, ciclo, porem, que ha de ser uma conquista e
um triunfo, ciclo que abrirá à Amazonia o destino maravilhoso que Deus lhe
assegurou67.
A partir de 1941, uma nova data entraria para a galeria das datas natalícias do Estado Novo
no Amazonas; o 10 de outubro, o dia do “Discurso do Rio Amazonas”. O dia 10 de outubro
começou a ser reverenciado e as lideranças estaduais organizavam festejos, a imprensa noticiava a
ocasião. Em O Jornal, em circunstâncias do primeiro aniversário “Discurso do Rio Amazonas”,
notas sobre as organizações da festividade, comentários acerca do significado dessa data, poderiam
ser visualizados desde o mês de julho. Acompanhe como a Revista Sintonia se referiu certa vez a
essa data:
A Amazônia sempre foi, não há negar, uma região abandonada pelos nossos
governantes, cujas vistas enamoradas só se voltavam para as bandas progressistas
do sul, com os Estados naquele tempo poderosos, de recursos necessario a
manutenção das massas eleitorais prontas à corrupção e ao suborno.
Nele (no discurso de 10 de outubro) encontramos uma serie de considerações e
conceitos que deixam à amostra a força do estadista e a visão certa do homem
conhecedor das nossas realidades, do governante consciente apercebido do papel
preponderante dessa parte da unidade a terra do futuro – “o vale da promissão no
Brasil de amanhã” – daí o saneamento a colonisação racional da Amazônia etc.
A Amazônia carecia de um plano nacional68.
32
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Brasil e os Estados Unidos, acerca do primeiro apoiar os Aliados na Guerra –, dentre os quais
alguns tangenciam a questão de matérias-primas, estratégicas, para serem utilizadas pelos Aliados
durante o conflito. Dentre essas matérias-primas a borracha retirada da seringueira (hevea
brasiliensis) teve papel de destaque. Como sabemos o expansionismo militar japonês em trechos do
continente Asiático e nas ilhas do Oceano Pacífico, fez com que o suprimento de borracha para os
Aliados fosse cortado, nessa conjuntura o Brasil seria um fornecedor de borracha aos Aliados. Dá-
se início no Amazonas à “Batalha da Borracha”.
Assim se conclamou que todos os amazonenses participassem para o aumento da produção
da borracha. Na imagem a seguir, vemos Álvaro Maia – segundo a propaganda o maior cidadão
amazonense, logo o maior trabalhador –, produzindo na “Batalha da Borracha”, a Péla – uma
grande bola de borracha.
Figura 1: um dia de seringueiro
Essa conjuntura substitui o tipo de recrutamento dos trabalhadores, uma vez que passaram,
devido ao caráter de urgência, a serem recrutados somente homens, de preferência solteiros, para
serem enviados aos seringais. No caso dos recrutados casados, na sua ausência, o governo brasileiro
auxiliado por organizações norte-americanas, iria assistir as suas famílias, estando elas nos seus
lugares de origem ou em hospedarias criadas pelo governo federal73.
34
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
força que contenha a sua marcha para radiosas conquistas e nenhum obstáculo
impedirá que se coloque na vanguarda de seus irmãos evoluidos. (...) o Amazonas
dirige-se para o Porto-Seguro de suas maiores aspirações...74
Contudo os tempos tinham mudado, os amazonenses que jamais tinham fugido de suas
responsabilidades, enquanto brasileiros, estavam sendo valorizados no Estado Novo, o país
necessitava de suas cooperações. Todos os amazonenses tinham o seu valor, nesse viés se valoriza
o caboclo amazonense, este que não era “nem vadio, nem malandro”, mas que tinha uma
“explendida capacidade de trabalho, fibra de patriotismo idêntica à dos homens do sul, de léste, de
oéste, de qualquer recanto do Brasil” 77.
Note-se que, na propaganda varguista direcionada aos amazonenses, valorizava-se muito a
questão da nacionalidade e do trabalho, ou melhor, do homem trabalhador, isso não era por acaso.
Ao propagar que os amazonenses eram trabalhadores, o Estado Novo, reconhecia os mesmos
enquanto cidadãos brasileiros, uma vez que, a essência da cidadania valorizada pelo Estado Novo,
estava diretamente relacionada ao trabalho, pois este ajudava no crescimento da pátria; para ser
cidadão, no Estado Novo, era preciso servir à Nação78. Os amazonenses eram bons brasileiros, pois
eram bons trabalhadores, logo precisavam ser incorporados à Nação e valorizados enquanto tal.
A partir de 1942, com a campanha da “Batalha da Borracha”, a cidadania dessa gente estóica
foi posto à prova. Os amazonenses foram chamados a trabalhar para ajudar na vitória dos Aliados.
No mês de agosto, o regime lança “em Manaus e no Amazonas” uma campanha “civio-patriotica”,
que tinha a finalidade de coletar metais velhos que seriam reaproveitados pelas Forças Armadas
para a fabricação de materiais bélicos79.
Nos meses seguintes, a participação dos amazonenses foi conclamada outras vezes. No mês
de maio de 1943, se decreta que o mês de junho será “O Mês da Borracha” – a campanha adentra o
mês de julho –, nesse os amazonenses deveriam de todas as formas, encontrar maneiras para se
produzir mais borracha, ajudando nos esforços de guerra, até borrachas usadas foram pedidas.
Segundo notas nos periódicos a participação foi intensa:
Encerrou-se ontem, nesta capital, com sucesso incomum, a campanha da borracha
usada, através da qual o povo de Manaus, com a radiosa colaboração de sua
juventude, poude, mais uma vez, testemunhar o vigor de seu patriotismo e a
elevação de seus sentimentos americanistas, entregando-se com todo o ardor à
coleta de borrachas velhas, que, recuperadas nos estaleiros e nas usinas das
76 Jornal do Commercio, O Mujik da Steppe Verde da Amazônia, nº. 13275, Manaus, 04 de julho de1943.
77 O Jornal, nº. 4078, Manaus, 12 de janeiro de 1944.
78 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena. Propaganda Política no varguismo e no peronismo. Campinas, SP:
Papirus, 1998, p 173-191.
79 O Jornal, nº. 3056, Manaus, 25 de agosto de 1942.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Nesses anos de guerra, no qual o Brasil esteve do lado dos Aliados, a propaganda
estadonovista, representa os amazonenses como responsáveis pela vitória dos Aliados. Nesse front
da guerra que se tornou o Amazonas, todos tinham que trabalhar. Se, faltava na cidade mão-de-obra
masculina, uma vez que homens estavam trabalhando nos seringais, a propaganda pedia às
mulheres, que seguissem o exemplo das inglesas e americanas e passassem a trabalhar nas fábricas.
Nessa perspectiva muitas foram chamadas para o beneficiamento da borracha em Manaus.
O irônico nessa campanha de convocação das mulheres para que viessem a exercer trabalhos
pesados, dá-se pelo fato de que, o governo do Estado do Amazonas, anos antes, procurou impedir,
pelo menos no funcionalismo público, a atuação das mulheres em ofícios “incompatíveis com a
delicadeza feminina”81. Na imagem abaixo vemos mulheres amazonenses, trabalhado em uma
fábrica de beneficiamento de borracha.
Figura 3: Mulheres da borracha
* * *
38
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
respectivamente, produzidos por Oreste Ristori – que acabou deportado para a Itália, em 1936, já no
governo Vargas – e Tércio Miranda, de origem portuguesa, que teve importante colaboração na
organização do movimento operário no Amazonas.
A ideologia predominante entre no operariado nas primeiras décadas da República foi o
anarquismo. Inicialmente se espalhou nas organizações mutualistas 83, muito comuns no final do
século XIX, e depois foi predominante nos sindicatos que se proliferavam Brasil afora. Além do já
mencionado uso da imprensa, a conversa “corpo a corpo” nas fábricas era fundamental para o
convencimento dos colegas à adesão da causa proletária. Os anarquistas defendiam a ação direta
para a obtenção de suas demandas, ou seja, greves, piquetes e manifestações; em contrário às ações
indiretas como, por exemplo, participação em eleições de qualquer esfera.
Se em 1894 o projeto 109-B previa a expulsão de estrangeiros indesejáveis – foi aprovada na
Câmara, mas não no Senado –, em 1907 a Lei Adolfo Gordo – decreto 1.641 – chancelou a vontade
de política de se livrar de imigrantes que fossem considerados uma ameaça à ordem estabelecida, a
partir do momento em que estes liderassem, participassem ou incentivassem trabalhadores a
buscarem mais direitos e questionarem seus patrões. Um ponto importante a ser frisado é que essa
lei foi criada no ano seguinte ao Primeiro Congresso Operário, portanto, uma reação do patronato à
mobilização dos trabalhadores. Adolfo Afonso da Silva Gordo, autor do projeto, exerceu vários
mandatos como deputado e senador pelo estado de São Paulo. Foi responsável também pela reforma
desta mesma lei, em 1913, e pela segunda Lei de Expulsão de Estrangeiros, em 191984.
Porém, a repressão via legislação e a violência policial não impediram que as primeiras
décadas da República assistissem à ampliação da mobilização popular. Greves se sucediam.
Alfaiates, tipógrafos, cocheiros e motoristas estavam entre as profissões que mais se destacavam
nos movimentos em prol de melhores salários, mais garantias no emprego e contra a carestia de
vida.
No Amazonas, por exemplo, chegou a ser criado um Partido Operário que teve vida curta,
nascendo e desaparecendo entre 1892 e 1893. Seus membros eram homens que não representavam
os trabalhadores, razão do insucesso da iniciativa. Coisa parecida ocorreu com o Centro Operário
que funcionou entre 1905 e 1906. Apenas a partir de 1914, muito em razão da influência do
Segundo Congresso Operário, realizado em 1913 no Rio de Janeiro (RJ), o jornal “A Lucta Social”,
do português Tércio Miranda, tentou centralizar as diversas iniciativas associativas dos
83 Movimento associativo que tem por objetivo precípuo a prestação de socorros a seus integrantes em momentos de
necessidade. Para mais, ver: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/MUTUALISMO.pdf
84http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/SEGUNDO%20CONGRESSO%20OPER
%C3%81RIO%20BRASILEIRO.pdf. Acessado em 17/06/2021.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
trabalhadores em um sindicato maior que abrangesse a todos. Tal ideia cresceria e se desenvolveria
nos anos seguintes85.
No Brasil, entre 1900 e 1920, ocorreram centenas greves, o que mostra o crescente grau de
mobilização e organização do proletariado. Na capital da República, à época a cidade do Rio de
Janeiro, a Greve Geral de 1917 e a Insurreição Anarquista de 1918 são exemplos disso86. Ganhava
cada vez mais força a luta contra a carestia de vida, o alto preço dos aluguéis, o trabalho infantil e a
especulação imobiliária, e pela regulamentação das férias e licenças médicas. Como se vê, as
demandas iam para além das condições de trabalho e aumento de vencimentos. As mudanças
deveriam vir da legislação dependendo, portanto, do convencimento e pressão sobre deputados e
senadores, muitos deles donos das fábricas e das terras onde os trabalhadores brasileiros ganhavam
o pão de cada dia.
Porém, em 1917, um fato histórico mudou o rumo dos sindicatos, que estavam fortalecidos e
sob a égide do movimento anarquista. Esse acontecimento marcante foi a Revolução Russa. Ela
significou muito e afetou diretamente os trabalhadores porque representou uma possibilidade
concreta de vitória sobre a elite burguesa e ascensão de um grupo revolucionário ao poder. Não à
toa, nos anos seguintes, cada vez mais anarquistas aderiram ao socialismo, ao mesmo tempo em que
as autoridades e grupos conservadores da sociedade tentavam desacreditar o que ocorria na Rússia
como, por exemplo, a notícia falsa que foi espalhada dando conta de que, após a revolução, as
mulheres daquele país estavam sendo socializadas pelos homens 87.
Nesse contexto, em 1922 foi criado o Partido Comunista do Brasil (PCB), que ao longo da
década de 1920 foi cada vez mais se fortalecendo e contando com a adesão de um número maior de
pessoas. O comunismo era visto como, mais do que uma inspiração, uma ferramenta para a
mudança do status quo existente. E o descontentamento alimentava o crescimento do partido.
Porém, as críticas ao rumo do país também fizeram surgir outros movimentos, como o Tenentismo,
a Semana de Arte Moderna e o crescimento do pensamento autoritário brasileiro, com figuras como
Francisco Campos e Oliveira Viana, por exemplo, que defendiam mudanças na constituição de
modo a dar mais força ao Estado, em especial o Poder Executivo Federal, para agir sobre a
realidade social e impor-se sobre os problemas políticos então existentes. Era também um reflexo,
aqui no Brasil, de um movimento que ocorria em outras partes do mundo nesse período do entre
85 TELES, Luciano Everton Costa. Tércio Miranda: uma liderança anarquista na Amazônia (1913-1914). Revista
Mundos do Trabalho, v. 9, n. 17 (2017).
86 ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Achiamé, 2002.
87 http://querepublicaeessa.an.gov.br/uma-supresa/153-fakenews-do-inicio-do-seculo.html
Acessado em 17/06/2021.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
guerras – como, por exemplo, a ascensão de Mussolini ao poder na Itália, já nos anos 1920, seguida
pela de Hitler na Alemanha, entre outros.
O anticomunismo, assim, passou a crescer como uma tentativa de frear a mobilização
revolucionária popular, ganhando força entre os que buscavam outras alternativas para a solução da
crise política, econômica e social de modo a não colocar o capitalismo em risco. Como resultado
dessa pressão, foram criadas novas leis trabalhistas, com destaque para a das Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPs), mais conhecida como Lei Eloy Chaves. Os primeiros a
conquistarem o benefício de receber uma pensão mensal foram os ferroviários e, já em 1923, ano de
criação da lei, vinte e sete empresas a instituíram88.
O medo do radicalismo, fomentado pelo exemplo russo, forçou a negociação. A “política
dos cassetetes” não estava dando certo. Em 1926, a visita do presidente da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Albert Thomas, é mais um exemplo da necessidade de mudança,
imposta pelo momento turbulento, no trato da “questão social”. Thomas, em sua passagem pelo
Brasil, indicou a necessidade da criação e sistematização de leis trabalhistas como medida a ser
tomada no mundo todo para uma convivência mais harmônica entre patrões e empregados89.
Nesse contexto, ainda mais difícil após a ocorrência da Crise de 1929, acontece a chamada
Revolução de 1930. Um racha dentro da elite que vai colocar no poder um grupo reformista e atento
às mudanças das conjunturas nacional e internacional. Os novos detentores do poder compreendiam
a necessidade de uma nova política social. Daí a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, de leis trabalhistas e outras iniciativas de grande importância no período.
88 https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/primeira-lei-da-previdencia-de-1923-permitia-
aposentadoria-aos-50-anos
Acesso em 17/06/2021.
89 BARROS, Orlando de. “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”. In: FERREIRA, Jorge. REIS,
Daniel Aarão (Org.). A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 297-330.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Correio da Manhã 90
segundo, identificado como sendo uma solução errática que causaria mais confrontos ao invés da
esperada paz social.
O uso maciço da propaganda e a mobilização da nação para uma cruzada, uma guerra,
contra esses inimigos, marcaram os anos 1930 no Brasil e no mundo. Para vencer o comunismo e
controlar a mobilização social dos trabalhadores, que estavam cada vez mais fortes, era necessário
controlar os sindicatos, trazê-los para a órbita do Estado. Surgiu então o corporativismo como a
grande solução, pois vincularia as associações sindicais ao Estado, tirando deles qualquer
autonomia, tornando-os órgãos de colaboração com o governo e acabando com a posição que
tinham de enfrentamento.
Segundo Cancelli, já em 1931 a polícia política da capital da República fez contato com a
polícia de Nova Iorque para construir uma parceria de combate ao comunismo92. Esses contatos se
estenderam para países da Europa e da América do Sul. Filinto Muller, que assumiu o cargo de
Chefe de Polícia da cidade do Rio de Janeiro nesse mesmo ano, era um dos líderes nessa cruzada
contra o chamado “perigo vermelho”. Abaixo, vemos uma publicação da Delegacia de Ordem
Social de São Paulo, de 1931, exemplo dessa política contra os comunistas:
92 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília, UnB, 1993, p. 83-92.
93 Arquivo Nacional. Fundo Góis Monteiro. BR_ANRIO_SA_866_CX_1284_CAPA.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
94 BARROS, Orlando de. “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”. In: FERREIRA, Jorge. REIS,
Daniel Aarão (Org.). A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 297-330.
95 SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:
Campus, 1979.
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obtiveram a permissão.96 Os trabalhadores que estavam nas organizações sindicais que não foram
acatadas tiveram que se sindicalizar aos que foram autorizados ou acabaram tendo que optar pela
ilegalidade, o que os deixava à mercê da violência policial e sem o direito às leis trabalhistas que
estavam paulatinamente sendo criadas.
A interferência estatal nos sindicatos trazia ainda a possibilidade do Estado ter acesso ao
endereço e à ficha completa de dados pessoais do operário, o que facilitava a identificação do
mesmo caso ocorresse algum piquete, greve ou qualquer outra manifestação que desagradasse ao
governo. Ou seja, o controle estava estabelecido e o símbolo era a carteira de trabalho. Antes
produzida pelo próprio sindicato, a partir de 1932 ela estava sob a responsabilidade do ministério.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
lembrar que todos os constituintes tiveram seus mandatos estendidos, fazendo parte da Câmara de
Deputados provisória que atuou até que os eleitos nas eleições de outubro de 1934 tomassem posse,
o que ocorreu apenas no primeiro semestre de 1935.
A bancada proletária incomodava o governo, uma vez que suas denúncias saíam na imprensa
e também alimentavam as críticas que o grupo maior de oposição parlamentar, à época liderada por
João Neves da Fontoura, fazia contra o governo Vargas. Os temas dos protestos do quinteto foram:
a ação violenta da polícia contra greves e reuniões sindicais, o combate ao comunismo promovido
pelo governo, baseado em prisões e deportações; a atuação, que consideravam autoritária, do
Ministério do Trabalho na organização dos sindicatos; a defesa da legalização do PCB; e o combate
ao integralismo99.
Em razão disso, era fundamental para o governo eliminar esse grupo da Câmara. E isso foi
feito através de uma série de interferências nas eleições classistas, que seriam realizadas em duas
etapas. Primeiro, em outubro de 1934, cada associação elegeria seu delegado para ir ao Rio de
Janeiro, então capital, para a segunda fase da votação. Nessa segunda fase, em janeiro de 1935, os
representantes de sindicatos do país inteiro escolheriam um nome para representá-los. Por exemplo,
delegados eleitos em outubro pelas associações de empregados do comércio dos vários estados se
reuniriam para votar e eleger um deputado para ser o representante dos empregados do comércio na
Câmara dos Deputados.
Cabe lembrar que a eleição dos deputados classistas não era de responsabilidade da Justiça
Eleitoral, mas sim do próprio ministério. Daí algumas estratégias terem sido levadas a cabo pelo
Ministério do Trabalho para assegurar que não seriam eleitos novamente deputados que
desagradassem a Getúlio Vargas.
Só poderia participar das eleições os delegados que estivessem com suas carteiras de
trabalho, então a demora no envio delas para delegados que o governo suspeitava serem eleitores de
candidatos indesejados foi a primeira ação de interferência. A segunda tinha relação com uma
questão financeira: os deputados de estados mais distantes necessitavam do custeio de suas
passagens e estadias pelo governo, porém, mais uma vez, delegados que tinha votos contrários ao
previsto pelo ministério demoraram a receber tal ajuda ou nem a receberam a tempo de estarem
presentes para a votação na capital. Por fim, houve relatos de pressão direta do ministério nos
delegados a favor de um ou outro candidato, além da impugnação da eleição – sob a alegação de
99 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 47.
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diversos motivos que versavam sobre problemas no processo – no caso de vitória de opositores100.
As denúncias de irregularidades foram feitas no plenário da Câmara nos dias 21 e 22 de janeiro de
1935. Nessas mesmas datas, o jornal Diário da Noite foi um dos periódicos que deu voz às
inúmeras críticas sobre a forma como foi realizada a escolha dos deputados classistas para a nova
legislatura, conforme vemos na imagem abaixo:
Diário da Noite101
100 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 87-92.
101 Biblioteca Nacional. Diário da Noite, 21 e 22 de janeiro de 1935.
102 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, pp. 60-71 e 190-201.
103 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 199.
48
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
(...) uma compressão está sendo exercida contra os trabalhadores do Brasil, depois
de decretada a nova Constituição, que, exatamente ao contrário do que se está
verificando, garante-lhes a sindicalização, o direito de reunião e a livre
manifestação do pensamento; no entanto, os sindicatos têm sido depredados, as
reuniões são dissolvidas a bala e a gás lacrimogênio, os trabalhadores são
esbordoados e assassinados, e até seus advogados são desacatados e presos104.
A situação era grave. E o governo agia com a mesma truculência utilizada em diversos
momentos na Primeira República. Denúncias sobre desaparecimento de manifestantes, de ataques
violentos da política e da expulsão do Brasil de trabalhadores estrangeiros se sucediam. Entendendo
que o Poder Executivo havia perdido força com a reconstitucionalização do país, Vargas e seus
aliados articularam a criação da primeira Lei de Segurança Nacional (LSN) da nossa história, que
logo recebeu o apelido de “Lei Monstro” por parte dos trabalhadores.
Com apoio decisivo de São Paulo, a lei entrou para discussão em janeiro, foi debatida e
aprovada em tempo recorde e assinada pelo presidente em quatro de abril de 1935. A contribuição
se deu com a importante atuação do ministro da Justiça, o paulista Vicente Ráo; com aposição
fracamente a favor pelo relator da lei, o também paulista Henrique Bayma; além da bancada
daquele estado, repetidas vezes, ter prestado apoio público à lei por meio de discursos de seus
membros, em especial do líder do Partido Constitucionalista de São Paulo, Cardoso de Mello
Netto105.
Escorado pela LSN, o governo fechou a Aliança Nacional Libertadora em julho de 1935,
além de ter alcançado mais força para agir nas ruas contra as vozes dissonantes. Após a Intentona
Comunista, a LSN foi reformada, assim como a Constituição, ambas se tornando mais violentas
contra os trabalhadores que se insurgissem contra o Estado. Foi também decretado o Estado de Sítio
no final de novembro de 1935, que a partir de março de 1936 foi equiparado ao Estado de Guerra.
O anticomunismo foi utilizado para justificar a hipertrofia do Poder Executivo. O uso da
propaganda na imprensa e os sucessivos discursos das autoridades contra o chamado “perigo
104 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 212.
105 MOURELLE, Thiago Cavaliere. "O apoio de São Paulo a Getúlio Vargas em direção ao autoritarismo (1934-35)".
In: BRUNO, Daniel Machado; COSTAGUTA, Gabriel Duarte (Orgs.). O Brasil Republicano em Perspectiva: Diálogos
entre a História Política e a História Intelectual. 1ed. Porto Alegre (RS): Editora Universitária da PUC RS, 2020, v. 1, p.
75-101.
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vermelho” colocou a sociedade brasileira em uma verdadeira guerra. Quem não apoiasse o governo,
nessa cruzada, era considerado comunista ou antipatriota. Nesse contexto, de 1935 a 1937
ocorreram milhares de prisões, muitas delas sem nota de culpa ou prova que comprovasse a
participação dos acusados nos levantes de 1935. Ou seja, as revoltas fracassadas foram
superdimensionadas como pretexto para o governo retomar a força que havia perdido com a
normalidade democrática que havia sido retomada com a Constituição de 1934.
Em março de 1937 a intervenção federal no Rio de Janeiro e em Mato Grosso foi uma
ameaça aos demais estados. Crescia a desconfiança de que Vargas almejava continuar no poder,
mesmo diante da manutenção do início da campanha eleitoral para as eleições presidenciais
previstas para janeiro de 1938. Armando Salles Oliveira, governador de São Paulo, se licenciou do
cargo e fez seu primeiro comício em maio, assim como seu opositor, José Américo, este candidato
do governo, mas que pouco contou de fato com o afago dos governistas durante a campanha. Salles
levantava a bandeira da oposição, uma vez que não obteve o desejado apoio do presidente, mesmo
com São Paulo tendo sido fidelíssimo ao governo no período de julho de 1934 até janeiro de 1937.
A “Macedada” de julho, apelido dado à soltura de centenas de presos políticos por parte do
ministro Macedo Soares, que acabara de assumir a Justiça, deu a impressão de distensão do regime.
Porém, em setembro, houve a retomada da criação de um clima favorável ao Poder Executivo:
primeiro com a antecipação das homenagens aos militares mortos no combate à Intentona
Comunista de dois anos antes, depois com a “descoberta” do Plano Cohen, criado pelo próprio
governo para justificar o golpe que deu início à ditadura do Estado Novo106.
50
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
mostrem ação sobre sindicatos durante o Estado Novo, eles eram mais pontuais, pois as ações mais
violentas já haviam sido feitas anteriormente.
O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) procurou então, em um ambiente de
ausência da imprensa livre e de ideias contrárias, fomentar a imagem de Getúlio Vargas como
trabalhador número um do Brasil, “pai dos pobres” e grande benemérito das leis trabalhistas,
anunciadas sempre em grandes festividades – em especial no 1º de maio, Dia do Trabalhador. As
leis eram apresentadas não como resultado da luta histórica do operariado, mas como um favor do
líder, clarividente, que evitava a luta de classes ao beneficiar por boa vontade e desprendimento os
trabalhadores.
Esse mito se perpetuou na memória popular, uma vez que o Estado Novo trabalhou com
ênfase, obtendo sucesso, na construção dessa imagem. Desde as publicações mais acadêmicas,
como a revista Cultura Política, até outras destinadas ao público infantil, como a Getúlio para
crianças, trabalhavam para a concretização desse objetivo.
A Revolução de 1930, assim, resolvia o problema da possível revolução, retirava o
trabalhador da posição de sujeito ativo de sua história e colocava o Estado, na figura do presidente,
em seu lugar, como articulador e responsável em ordenar e resolver a chamada “questão social”.
Quanto à região amazônica, ela esteve inserida na ditadura dentro da necessidade vista pelo
governo de integração nacional e extensão do braço do Estado a áreas consideradas pouco atingidas
por ele. O governo federal julgava imprescindível conhecer mais profundamente as diversidades
regionais brasileiras e agir especialmente sobre regiões que considerava pouco exploradas
economicamente.
Em 1940, Getúlio Vargas fez uma longa viagem por estados do nordeste, centro-oeste e
norte. Passou por Pernambuco, Rondônia, Mato Grosso, entre outros. No Amazonas, contou com o
apoio do interventor Álvaro Maia e de Leopoldo Peres, presidente do Conselho Consultivo do
estado do Amazonas. A intenção de expandir o braço econômico pela região se concretizou nos
anos seguintes, com a Marcha para o Oeste e a criação do Serviço Especial de Mobilização dos
Trabalhadores da Amazônia (SEMTA), que funcionou entre 1942 e 1943, fazendo propaganda a
fim de conseguir mão de obra para a empreitada, conforme na imagem abaixo:
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O SEMTA ocorre já no contexto dos Acordos de Washington, em que o Brasil, ao lado dos
aliados na guerra, consegue financiamento dos norte-americanos para o investimento na região
amazônica, principalmente visando à extração do látex, matéria prima para a borracha e era de
grande interesse dos estadunidenses.
A atenção do governo federal para a região pode ser vista também na reorganização político-
administrativa de 1943, quando são criados os territórios de Guaporé (atual Rondônia 108), Amapá e
Rio Branco (atual Roraima). Assim, o governo tentava capitalizar economicamente uma região que
já havia dado altos lucros para o Estado e também para o capital privado na virada do século XIX
para o XX, na fase anterior do ciclo da borracha, quando também houve grande expansão da
fronteira extrativista, causando conflitos com indígenas, que tiveram suas terras invadidas –
problema este que se estende até hoje. 109
A ação do Estado sobre a região obteve êxito. Houve grande migração, principalmente de
trabalhadores de diversos estados do nordeste, para a região. E um ponto sempre a ser destacado é
107 Cartaz, de 1942, com propaganda do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
(SEMTA), incentivando trabalhadores a se alistarem. Arquivo Nacional. Fundo Paulo de Assis Ribeiro.
BR_RJANRIO_S7_CX005_PT001.
108 http://querepublicaeessa.an.gov.br/uma-supresa/305-rondonia-1981.html
Acessado em 21/06/2021.
109 http://querepublicaeessa.an.gov.br/temas/184-territorios-indigenas.html
Acessado em 21/06/2021.
52
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
que, como parte do esforço de guerra, as leis trabalhistas foram suspensas no Brasil. Quem
trabalhava na região amazônica enfrentou jornadas de trabalho exaustivas e penosas, ficando
conhecidos como "Soldados da Borracha" (SECRETO, 2007). Ou seja, na mesma época em que era
criada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), na prática trabalhadores ainda eram vitimados
pela superexploração.
Ao final do Estado Novo os partidos políticos voltaram a ter voz, agora com perfil nacional
e não mais regionais. Os trabalhadores aderiram maciçamente ao PCB, que foi legalizado e se
manteve assim até 1947, e ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O período de 1945 a 1964
mostrou a força das multidões e a importância de se obter o voto dos trabalhadores para as vitórias
eleitorais. O período ficou marcado, por um lado, pela exaltação personalista ainda resultante do
Estado Novo, em especial à figura de Vargas, mas também a outros líderes como Ademar de
Barros, João Goulart e Leonel Brizola. Mas, por outro, assistiu à paulatina reorganização do
movimento operário, que buscou o protagonismo de outrora, que lhe fora retirado durante o
primeiro governo Vargas. Mas esse já é um tema para outro artigo.
* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
É fato que a Era Vargas no primeiro período de seus quinze anos, 1930-1945, e no segundo
período, 1950-1954, nos desafia constantemente a ter um olhar atento sobre suas diferentes
abordagens e desdobramentos. Pensar que por trás de cada ato havia uma única finalidade - o
controle, fosse social, econômico ou político -, nos faz entrever pontos de escape através das
resistências, lutas de trabalhadores e dos movimentos sociais que iam na contramão das ideologias
políticas dominantes. No decorrer dos mandatos de Vargas, percebemos que a área jurídica não
ficou em nenhum momento despercebida pelo então presidente e era acionada de acordo com as
pretensões governamentais, principalmente no que tangia ao ideal simbólico para a construção de
uma unidade nacional. É dentro deste contexto que pensar o ordenamento individual e coletivo
suscita refletir sobre as relações, que nem sempre eram tranquilas diante da reinvindicação de
direitos individuais e coletivos, da intervenção direta do Estado sobre a vida social, direitos de
propriedade e cerceamento de patrões e empregados – no que diz respeito ao trabalho.
Neste sentido, o governo nas suas diretrizes buscava estabelecer condutas através de
regramentos, ou seja, tolher os direitos de cidadania. Na realidade, nenhuma lei é estabelecida por
vontade unilateral, muito menos como expressão única de domínio de uma classe ou grupo sobre
outros. É um campo complexo de batalhas em que a cada momento pode manifestar-se sob diversas
nuances: mediando tensões de classes, manifestando a dominação de uma classe sobre outra, ainda
que de forma mascarada, como conciliação entre políticos, entre outras coisas. Em se tratando de
legislação social e trabalhista, minha escrita busca justamente apontar para as leis decorrentes do
avanço das conquistas de direitos sociais que se adensaram nesse período, não esquecendo da
construção do Ministério do Trabalho que segundo Ângela de Castro Gomes (2007) inicia sua fase
embrionária no primeiro período do governo Varguista.
A necessidade de uma legislação voltada para a proteção do trabalhador foi uma questão que
emergiu antes mesmo do governo de Vargas, ou seja, foi algo inevitável que se impôs com o
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado no PPGH/UFAM sob a orientação do Prof. Dr. César
Augusto B. Queirós.
**** Mestre em História e Doutoranda em História pelo PPGH/UFAM.
54
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
progresso da industrialização. Portanto, podemos inferir que a questão social advém de um conjunto
de modernas condições laborais urbanas e de direitos sociais. Após a guerra, observamos que entre
as demandas consideradas essenciais colocou-se a condição de vida do operariado. Em 1919, é
criada a Lei de Acidente de Trabalho pelo Decreto 3.724, porém Ângela de Castro Gomes ao pontar
o histórico dessa lei afirma que “o projeto de acidentes de trabalho, que desde 1912 e mais
fortemente desde 1915 estavam em pauta na câmara, fora transformado em lei” 110.
A questão do direito do trabalhador arraigada numa relação de dependência que se arrastava
havia décadas com o predomínio do paternalismo, tornou-se uma reação perigosa por parte dos
reclamantes, pois, no momento em que o trabalhador transpunha os muros da fábrica em busca de
justiça numa instância pública, corria grande perigo de cair em descrédito. As querelas entre
empregadores e empregados, em grande medida, desmoronavam sobre os ombros do empregado,
que se via numa disputa solitária, pois mesmo os que ousassem a ser testemunhas teriam o mesmo
fim. Segundo Larissa Rosa Correia:
O grupo que assumiu o poder em 1930 tratou de mergulhar no universo social e trabalhista,
propondo uma extensa legislação que ainda hoje ilustra as páginas da Consolidação das Leis
Trabalhistas - CLT. As leis estavam lá, mas seus usos e utilidades foram se construindo por diversos
olhares: do trabalhador, do legislador, do julgador, dos sindicatos, dos patrões, levando algum
tempo para que cada qual se identificassem com o seu papel a partir do código. A intervenção do
Estado no mercado de trabalho se apresentou sob o discurso de conter os exageros, mascarando o
objetivo de limitar os avanços dessa legislação social. Segundo Ângela de Castro Gomes:
112GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Letras, 2014. P. 192
113 VALENTE, Aviz. Confederação Geral dos Trabalhadores do Amazonas. Manaus: Editora Travessia, 2005, p.
40.
114 Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19770-19-marco-1931-526722-
publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em 15/09/2020.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Diante de todas as peças que naquele momento estavam supostamente dispostas pelo
estrategista Getúlio Vargas e seus comandados, é importante frisar que a oposição estava sempre
pronta para novas investidas. Ao voltarmos nosso olhar para o Amazonas, mesmo considerado um
território apartado para alguns, conseguimos identificar alguns sindicatos de trabalhadores
urbanos116 apontados por Aviz Valente existentes na década de 1930 em Manaus:
115 FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 348.
116 VALENTE, Aviz. Confederação Geral dos Trabalhadores do Amazonas. Manaus: Editora Travessia, 2005, p.
70-71.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
novos decretos. Podemos bem observar isso na Lei de Férias, instituída em 1925, mas que com o
Decreto nº 23.103 dava outras providências como regular a concessão aos empregados em
estabelecimentos comerciais e bancários e em instituições de assistência privada. O mesmo
aconteceu com o Decreto nº 21.364, de 4 de maio de 1932, que regulava de forma mais explícita o
horário para o trabalho industrial, cabendo o adendo do descanso semanal remunerado ilustrado
abaixo:
com as despesas médicas e farmacêuticas. É importante salientar que essa lei dava rosto, nome,
naturalidade ao trabalhador, de forma sacramentada. Na obra Velhos Militantes a costureira Elvira
Boni Lacerda fala da luta e vitórias dos trabalhadores quando diz “Se não fossemos nós, Getúlio
Vargas não teria assinado as leis trabalhistas que assinou, e que, mesmo assim, continuam até hoje a
ser burladas. Realmente, digo que o sacrifício foi muito grande, mas acho que começaria tudo de
novo se fosse possível”121. A lei acima citada é um exemplo que confirma o sentimento da
costureira, principalmente no artigo que se segue:
60
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
nº 399, que regulamentava o salário-mínimo, fixou um valor como sendo o mínimo necessário à
sobrevivência de uma família de trabalhadores, de acordo com cada região do país, descartando,
porém, a mesma possibilidade para os trabalhadores rurais, que manifestavam sua insatisfação
através de cartas ao Governo. A princípio, a lei apenas conceituou o salário-mínimo e estabeleceu a
partir de uma tabela de alimentos, o que era considerado principal e básico para o trabalhador122. No
dia do primeiro aniversário do Estado Novo, Vargas inaugurou o prédio do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, não dispensando o registro de mais “feitos” para o trabalhador.
O ano de 1939 é marcado pelo Decreto nº 1.237, que regulamentou a Justiça do Trabalho,
que até então não existia na prática. O Decreto nº 1.402 é o da Lei Sindical que previa a dissolução
de sindicatos não reconhecidos pelo MTIC. Os sindicatos oficiais ficavam proibidos de se
engajarem na política ou de se afiliarem a organizações trabalhistas internacionais. Na exposição de
motivos consta que “toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do
Ministério do Trabalho: nele nascerão; com ele crescerão; no lado dele se desenvolverão; nele se
extinguirão”123
Em 1940, o Decreto nº 2.162 regulamentou novas medidas para o salário-mínimo. Essa
regulamentação traz novas responsabilidades ao empregador, que deveria estar atento às formas de
contratação, aos aumentos e aos ônus auferidos pela falta de cumprimento da lei. Agora o salário-
mínimo segue tendo como normas importantes: o reajuste, a forma de pagamento, a multa, o
pagamento por hora ou mês. O Decreto nº 2.168 tratava da conversão das Inspetorias Regionais em
Delegacias Regionais do Trabalho (DRT), proporcionando certo poder e atribuição maior a esse
órgão de fiscalização. Ainda neste mesmo ano, foi criado o imposto sindical, convocando todo
empregado – sindicalizado ou não – que iria pagar, compulsoriamente, o correspondente a um dia
de trabalho, assegurando aos sindicatos uma receita estável. Em se tratando de Previdência, o
Decreto nº 2.478 criou o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que estava
122 Entre os grupos: I Carnes verdes. Carnes conservadas: Xarque, Seca, Vento, Sol, Vísceras, Aves, Peixes, Peixes
conservados, Camarão, Caranguejo, Sirí, Tartaruga, Caça, Mexilhões; II Queijo, Manteiga; III Banha, Toucinho,
Óleos vegetais; IV Cereais: Arroz, Milho; V Farinhas: Mandioca, Dagua, Lentilhas, Feijão, Fruta-pão; Massas;
Raizes: Mandioca, Aipim, Batata, Batata doce, Inhame, Cará, Pão de milho (simples ou mixto) – Broa; VI
Leguminosas: Feijão, Ervilha, Lentilha, Guando, Fava; VII Hervas: Azedinha, agrião, alface, bertalha, carurú, celga,
couve, repolho, espinafre, nabiça, etc; Frutas: Abóbora, abóbora dagua, xuxú, quiabo, giló, pepino, maxixe, tomate,
beringela, etc; Raízes: Cenouras, nabo, rabanete, beterraba, etc; VIII Frutas: Banana, laranja, tangerina, lima, cajú,
manga, abacate, abacaxi, mamão, sapotí, melancia, goiaba, figo, abricó do Pará, castanha do Pará, etc; IX Açucar,
Melado, Melaço, Rapadura, Mel; X Café – Mate, Grupo essencial : Leite (X); Extra : Ovo (XX). Observações - (X) O
leite deverá sempre ser incluido na ração; (XX) O ovo poderá fazer parte da ração, conforme a facilidade da aquisição.
123 GOMES, Ângela de Castro. Ministério do trabalho: uma história vivida e contada. Rio de Janeiro: Cpdoc, 2007,
p. 43.
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subordinado diretamente ao MTIC, com a função de prover alimentação adequada e barata aos
segurados dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões.
Em 1941, Alexandre Marcondes Filho assumiu a pasta laboral, cuja administração foi
marcada pela elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por campanhas de
sindicalização, por programas de construção de vilas operárias, recreação dos trabalhadores e pela
construção da imagem de Getúlio como defensor dos interesses dos trabalhadores, embora em 1942,
o Decreto nº 4.298 criasse a Comissão do Imposto Sindical (CIS). Sua sede era no MTIC, e tinha
por fim melhor organizar o recolhimento e aplicação do imposto. Sua arrecadação era feita
diretamente pelo patrão através do desconto da folha de pagamento e a distribuição era de 60% para
os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações e 20% para o Ministério do
Trabalho.
Por fim, compilaram-se as leis trabalhistas em um código - CLT -, que regulamentou as
relações entre trabalhadores e empresas através do Decreto 5.452 de 1943, anunciado no dia do
trabalho. Seu texto foi confeccionado por uma equipe do MTIC que reuniu e ordenou as leis do
trabalho existentes até então. Apesar de toda a promoção e de sua importância, o esforço de guerra
deteve os avanços nos direitos trabalhistas, negando-lhes efetividade. A tarefa dos “soldados do
trabalho” e dos “sindicatos-quartéis” — no “campo de batalha das fábricas” — era produzir,
independentemente de normas trabalhistas124.
Em 1944, o Decreto nº 7.036 reforma a legislação sobre o seguro de acidentes do trabalho,
passou a admitir a teoria da concausa, ou seja, uma vez que se comprove que as condições de
trabalho concorressem para o agravamento de uma doença já existente, a empresa passava a ter o
dever de indenizar. Finalizou-se o primeiro período da Era Vargas com sua deposição do poder
diante de uma coalizão de civis e militares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de lutas do trabalhador vem bem antes do governo de Getúlio Vargas. Mesmo
antes de ser livre, o trabalhador já se munia de estratégias de sobrevivência, lutas e resistências.
Com o advento industrial, muitos se identificaram enquanto trabalhadores e trataram de traçar
ideologias e objetivos em busca de garantias e direitos. O meio urbano trouxe uma aproximação
maior entre a parcela trabalhadora das atividades coletivas, apesar disso, conseguiu desviar-se do
124 GOMES, Ângela de Castro. Ministério do trabalho: uma história vivida e contada. Rio de Janeiro: Cpdoc, 2007,
p.46.
62
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
paternalismo e dos grilhões que poderiam criar uma relação de dependência entre empregados e
patrões. A questões sociais que surgiram com o advento da indústria, impulsionaram o despertar de
direitos coletivos e mesmo individuais, que avançaram entre décadas do século XX, ganhando mais
evidência e conquistando espaço para serem discutidas. Apesar de várias restrições e imposições
colocadas no governo de Getúlio Vargas, podemos entrever muitas reivindicações transformadas
em leis. É importante lembrar que foi em pleno governo de Vargas que a Justiça do Trabalho vai
ganhando fôlego para tratar as querelas como um todo, não apenas como questão material. Desta
forma, é importante ponderar que, apesar das leis existirem, muitas vezes são burladas e que
certamente os conflitos e dissensões serão sempre o caminho para as transformações.
* * *
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Introdução
Desde o golpe de 1930 o governo de Vargas logo após a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e do Ministério da Educação, os denominaram como sendo os “Ministérios da
Revolução”. Nesse sentido, fica claro que o novo governo iria tratar os conflitos entre os
trabalhadores e o patronato não apenas como caso de polícia, mas agora como um problema do
estado, que terá como base a visão corporativista para agir como o grande conciliador na busca da
tão almejada “Paz Social”.
** Este texto é parte componente do terceiro capítulo da minha tese de doutorado em andamento, intitulada “Negociação
e conflito: o movimento operário em Manaus da ditadura do Estado Novo (1937-1945)”, e orientada pela Professora
Dra. Edilza Joana Fontes no PPHIST da UFPA.
**** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de
História da Rede Pública Estadual de Ensino (SEDUC/AM) e Historiador da Secretaria de Estado de Cultura do
Amazonas (SEC/AM).
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
substituído pelo Conselho Nacional do Trabalho cinco anos depois. De 1919 é a lei
sobre acidentes de trabalho125.
Entretanto, outras fontes pesquisadas nos mostraram que já havia em Manaus uma Junta de
Conciliação e Julgamento e uma Comissão Mista desde 1937, provavelmente, a Junta instalada em
1941 foi apenas uma formalidade para marcar a criação da Justiça do Trabalho no país.
125 MOREL, Regina Lucia M. e PESSANHA, Elina G. da Fonte. A Justiça do Trabalho. In.: Tempo Social, Revista de
Sociologia da USP. São Paulo: v. 19, n.º 2, 2007, p. 88.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Outra fonte que nos informa da existência de uma Junta de Conciliação e Julgamento e de
uma Comissão Mista em Manaus é o quadro publicado no Boletim número 33 do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio de maio de 1937, vejamos no quadro abaixo em destaque as
informações do estado do Amazonas,
remetidos ao CRT da 8ª Região e 1 processo para realizar diligência remetido pelo CRT da 8ª
Região.
De acordo com o Mapa de Movimento da 1ª JCJ de Manaus, também foram realizadas 118
audiências sendo: 11 administrativas, 58 de julgamento, 43 de instrução de processos e 6 de
instrução de inquérito administrativo. Foram 58 decisões julgadas na Junta de Manaus sendo: 26
Conciliações, 9 decisões procedentes, 6 homologações de acordos, 5 processos considerados
improcedentes, 5 processos arquivados pelo não comparecimento do reclamante, 4 processos
julgados procedentes em parte, 1 processo a JCJ julgou-se incompetente para realizar sua análise, 1
rejeição de embargos e 1 rejeição de agravos. O valor total dos pedidos, das decisões e das
execuções de sentenças somaram um total de Rs 157:893$500.
Com relação aos dissídios, foram julgados um total de 163 divididos nas seguintes questões:
45 referentes a demissões injustas, 45 por demissões sem o pagamento de aviso prévio, 36
pagamentos de férias, 23 pagamentos de salários atrasados, 5 pagamentos de horas extras, 2 por
falta de descanso semanal, 2 por aumento salarial, 2 por reconhecimento de estabilidade, 1 por
preterição de direito de preferência, 1 redução de salário e 1 de abandono de emprego.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Sendo assim, a tese por mim defendida é de que apesar do projeto de controle dos
trabalhadores e seus órgãos representativos adotado pelo governo estadonovista, os mesmos
encontraram no espaço da Justiça do Trabalho um lugar de luta por suas principais demandas com
isso colocando em xeque o próprio projeto de “paz social” pregado pelo governo Vargas.
127 VARUSSA, Rinaldo José. Trabalhadores e a Construção da Justiça do Trabalho no Brasil (Décadas de 1940-1960.
São Paolo: LTr, 2012, p. 115.
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Para resolver essa questão referente aos processos trabalhistas da JCJ de Manaus
recorrermos ao acervo do Diário Oficial do Estado do Amazonas localizado na Imprensa Oficial e
ao acervo do Diário Oficial do Estado do Pará localizado no Centro Cultural e Turístico Tancredo
Neves (CENTUR) da Fundação Cultural do Pará. No Diário Oficial do Amazonas encontrei os
resultados finais, apesar dos limites, das audiências dos processos que foram julgados na JCJ de
Manaus, como vimos acima no quadro publicado pela Junta de Conciliação e Julgamento em
fevereiro de 1942.
Nestas tabelas eram citadas as seguintes informações dos processos trabalhistas julgados; o
dia que foi realizado o julgamento, o número do processo, o nome do reclamante, o nome do
reclamado, o objeto julgado, a solução proferida pela JCJ de Manaus e o valor do processo.
Vejamos na imagem abaixo:
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
No acervo do Diário Oficial do Pará identifiquei os acórdãos referentes a JCJ de Manaus que
foram julgados pelo Conselho Regional do Trabalho da 8ª Região. Estes acórdãos estão
possibilitando verificar o resultado final dos processos trabalhistas e identificar as principais
querelas entre trabalhadores e patrões. Além disso, também encontrei no Arquivo Geral do TRT 8
os Livros dos Acórdãos dos anos 1940, onde estão organizadas todas as decisões julgadas pelo CRT
8.
O primeiro acórdão que encontrei da Junta de Manaus julgado pelo CRT 8 foi o de número
45, ele pode ser utilizado aqui neste pequeno texto como um exemplo das disputas trabalhistas e nos
traz informações importantes sobre as táticas e estratégias utilizados pelos empregados e pelos
patrões para terem suas queixas atendidas.
O processo foi reclamado pelo Sindicato dos Empregados em Serrarias de Manaus em
nome do seu filiado Pompilio Ferreira da Silva contra a empregadora C. P. Vries por demissão sem
justa causa. Segundo o processo o reclamante trabalhou na referida empresa no período de 7 de
dezembro de 1933 até 7 de novembro de 1939, com salário inicial de cinco mil réis diários e final
de sete mil réis diários. A reclamatória foi feita ao Delegado Regional do Trabalho do Estado
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Amazonas no dia 28 de novembro de 1939 e foi julgada pela extinta 2ª JCJ de Manaus por
unanimidade como improcedente. Então, o reclamante com base no artigo 29 do decreto n.º 22.132
de 1932, solicitou avocatória ao Ministro do Trabalho para anulação da decisão e foi aceita a
solicitação pelo então ministro Waldemar Falcão.
Após a instalação da Justiça do Trabalho no dia 1 de maio de 1941, o Sindicato no dia 13 de
agosto deste ano, requereu ao presidente da 1ª JCJ de Manaus, que fosse dado andamento ao
processo e foi atendido. Durante as audiências do processo o reclamante Pompilio Ferreira da Silva
relatou, que durante um embarque de um carregamento de madeira no início de novembro de 1939
foi solicitado do mesmo mais uma hora extra de trabalho, entretanto, ele não podia ficar para
realizá-la, pois tinha compromissos urgentes em sua residência. Devido a essa negativa ocorreu sua
demissão.
Nas alegações apresentadas pela empresa C. P. Vries ao CRT 8 é utilizado como o
argumento fundamental para demissão do reclamante sua indisciplinar no serviço. Conforme a
reclamada, o mesmo e mais três funcionários haviam se negado a fazer hora extra, quando foi
indagado qual era o motivo para a negativa ele afirmou que seria pelo não pagamento de um abono
solicitado de dez mil réis. Depois de ouvir as testemunhas e realizar as diligências na empresa, no
dia 5 de novembro de 1941, foi realizado o julgamento pela 1ª JCJ de Manaus, que considerou a
reclamação improcedente e condenou o reclamado o pagamento dos custos do processo.
Dentro deste cenário, o Sindicatos dos Empregados em Serrarias de Manaus recorreu ao
CRT 8, que decidiu assim o processo:
Considerando que o reclamante Pompilio Ferreira da Silva não era obrigado por lei
a prestar à firma C. P. Vries a hora de trabalho extraordinário solicitada;
Considerando que não havia qualquer convenção de trabalho entre a referida firma
e seus empregados no sentido de regulamentar essas horas extraordinárias;
Considerando que o reclamante foi acompanhado nessa sua negativa por mais dois
ou três empregados, conforme declarou a própria reclamada a fls. 26, tendo sido ele
o único despedido;
Considerando ainda que a falta dessa hora extraordinária de trabalho, não vinha
causar prejuízos materiais à empregadora;
Considerando mais que o empregado em cerca de seis anos de serviços contínuos
apenas uma vez recursou um serviço extraordinário e assim mesmo justificou essa
recusa (fls. 25);
Considerando por outro lado que a declaração de fls. 9 não merece fé, pois o
próprio gerente da firma declara (fls. 26) que despediu o reclamante de forma legal,
contradizendo assim as afirmativas das três testemunhas apresentadas e que
assinaram a referida declaração, dois como testemunhas e um a rogo de Pompilio
Ferreira da Silva;
Considerando que a despedida dessa forma foi injusta;
Considerando que a lei 62, de 5 junho de 1935, assegura ao empregado da indústria
ou do comércio quando admitido por tempo indeterminado e despedido sem justa
72
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Por fim, ao analisarmos este processo percebemos vários aspectos que marcavam e ainda
marcam este espaço de disputa entre patrões e trabalhadores. Identificamos as táticas usadas pelo
reclamante e pelo reclamado para terem suas demandas atendidas. Observamos que o patronato
tentava deturpava ou burlar a legislação social já existente para fazer valer suas ações e em
contrapartida os trabalhadores através de seus órgãos representativos entenderam a lógica da nova
justiça e buscavam seus direitos quando se sentiam lesados.
O acórdão n.º 49 do dia 21 de janeiro de 1942, também merece atenção, pois o reclamante
Francisco Figueiredo requeria da massa falida da empresa Caneiro da Mota & Cia. sua indenização
por demissão sem justa causa, aviso prévio e férias. A massa falida recorreu da decisão da Junta de
Manaus. Esse processo é importante porque ele gira entorno da formação de uma jurisprudência
para as decisões futuras da recém criada Justiça do Trabalho. O debate é feito dentro da
competência jurídica da Justiça do Trabalho, que foi criada para julgar os dissídios originários das
disputas entre empregados e empregadores e no caso deste processo havia a questão da falência da
reclamada. Dentro deste contexto o CRT da 8ª Região resolveu nos seguintes termos essa questão,
128 Livro de Acórdão do Conselho Regional da Justiça do Trabalho da 8ª Região. Belém: janeiro a dezembro de 1942,
não paginado.
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* * *
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
130“(...) As culturas políticas(...) surgem em resposta aos problemas fundamentais enfrentadas pela sociedade em que
elas emergem e para os quais apresentam soluções globais. Assim é que as vemos surgir durante as grandes crises que
afetam o grupo.” BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. In: ___ Cultura política, memória e
historiografia / Orgs. Cecília Azevedo... [et al.] – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009; p.29-46, p.38.
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Constituinte Federal de 1933-34, tal como o proferido por Álvaro Maia, que muito além de fazer
uma defesa dos seringueiros e da economia exportadora da borracha, advogou pela manutenção do
artigo 128 do anteprojeto da Constituição vindoura que versava sobre o processo de colonização e
fixação de trabalhadores ao solo.
Serge Berstein nos lembrou que as culturas políticas das elites são diferentes das culturas
políticas das massas populares, enfatizando que a diferença está em como ela é expressada e não o
fundo cultural em que vivem, que pode ser compartilhado por todos,131 sendo a imprensa, neste caso
particular, um dos meios como as elites amazonenses expressaram a cultura política “glebarista”.
A cultura letrada é o ponto que liga a História Cultural com a História Política, uma
explicação viável para os posicionamentos políticos de Álvaro Maia, que adquiriu grande capital
cultural junto ao mundo das letras, recheado de representações em relação ao Amazonas e ao povo
que aqui vivia, capital adquirido durante suas diversas fases de vida, dos anos aqui determinados, de
sua trajetória como professor, homem da imprensa e político.132 Esta é uma das tarefas aqui
empreendidas:
“compreender as motivações que levaram o homem a adotar este ou aquele
comportamento político (...). O estudo da cultura política, ao mesmo tempo
resultante de uma série de experiências vividas e elemento determinante da ação
futura (...) é um fenômeno individual (...) e um fenômeno coletivo.”133
131BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: ____ Rioux e Sirinelli (org.). Para uma história cultural. Lisboa:
Estampa; 1998, p.349-363, p.353.
132BERSTEIN, Serge. A cultura política. op. cit.; p.359.
133BERSTEIN, Serge. A cultura política. op. cit.; p.359.
134BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. op. cit.; p.38 e 39.
135BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. op. cit.; p.41.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
políticos que se caracterizam em sua complexidade e que estão no centro das representações e
realidades sociais do Amazonas dos anos 30.136
“Glebarismo” fez parte do conjunto de fenômenos políticos que expressavam a construção
de identidade regional. As elites políticas e intelectuais amazonenses dos anos 30 buscavam uma
justificação para a constituição desta identidade, evocando no passado “origens e mitologias”137 que a
legitimassem por referência a um suposto passado de dores e glórias, que pudesse validá-la,138 sendo
esse passado, muitas vezes, reelaborado. Contudo, “glebarismo” foi muito mais revelador sobre os
anseios dessas elites do que a busca pelo alinhamento com a realidade que foi representada nesse
passado.
Passado transmitido em processos formativos e escritos jornalísticos, além das experiências
de vida de memórias recentes que dispunham e que foram transmitidas através de instituições como
o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Ginásio Amazonense Pedro II e a própria
Associação Comercial do Amazonas em que transitavam esses indivíduos. 139 O Ginásio
Amazonense Pedro II, foi uma dessas instituições, no qual ocorria a elaboração e transmissão de
ideias dos professores e, ao mesmo tempo, espaço de apropriação pelas gerações de estudantes que
se formaram naquele ambiente. Serge Berstein expôs sobre os vetores pelos quais passam a
integração de uma cultura política, sendo a escola, o liceu e outras instituições que transmitem, às
vezes, de maneira indireta, as “referências admitidas pelo corpo social na sua maioria e que apoiam
ou contradizem a contribuição familiar. Vêm depois as influências adquiridas em diversos grupos
onde os cidadãos são chamados a viver.”140
As elites ao interpretar e representar a realidade amazonense em textos escritos, livros e
discursos141 que foram divulgados pela imprensa amazonense, além dos comícios políticos
partidários que atraiam populares, apelavam para adesão de valores patrióticos,142 disseminando
muitos desses ideais que tiveram receptividade de diferentes formas, sendo apropriadas, 143a ponto
de também serem usadas politicamente.144 O “glebarismo” teve um motivo presente de ser, a crise, e
culpava todos os que não amavam a terra o suficiente para nela ficar e fazer com que superassem a
recessão. O amor à terra inspirou projetos políticos futuros para o Amazonas, que somente aqueles
que amassem o solo suficientemente, segundo a essência de “glebarismo”, é que seriam capazes de
colocá-los em prática.
* * *
142Um dos aspectos constitutivos das culturas políticas é a “adesão a valores (moral, honra, patriotismo).” MOTTA,
Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política; op. cit.; p.29.
143Apropriação como definido por Chartier, “dos usos e das interpretações, relacionadas às suas determinações
fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem”. CHARTIER, Roger. O mundo como
representação. op. cit.; p.68.
144“(...) vista de dentro, a função da cultura política é ainda mais decisiva (...) ela que constitui a base do
pertencimento político. É ela que leva o cidadão a se identificar quase instintivamente a um grupo, a compreender
facilmente seu discurso, a adotar sua ótica de análise, a partilhar de seus objetivos e esperanças (...) a cultura política
leva a uma verdadeira comunhão criadora de profundas solidariedades.” BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e
historiografia. op. cit.; p.44.
78
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
** Este trabalho intyegra a pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Mestrado em História do PPGH/UFAM com
apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Professora de História na Secretaria de Educação e Desporto do Estado do Amazonas (SEDUC). E-mail:
kivia.pereira@seducam.pro.br
145 RÉMOND, René. Por uma História Política, 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003, p.36.
80
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Fonte: Gráfico elaborado pela autora com a investigação nos periódicos locais disponibilizados na Hemeroteca
Nacional Digital.
Assim, a vida na urbe chegou para uns como pública, moderna e prestigiosa, especialmente
para àqueles que desfrutaram as benesses da vida associativa no Ideal Clube, criado no conjunto de
clubes do início do século XX que eram incentivados pelo fetiche europeu de modernidade,
progresso e civilização por meio dos esportes, partidas dançantes e reuniões festivas.
No artigo, O Ideal Clube: um espaço de distinção, sociabilidades e associativismo das elites
em Manaus (1903-1920)147, pudemos verificar sobre a fundação e a propagação entusiasta do Ideal
Clube na cidade. O clube protagonizou as principais atividades recreativas, saraus dançantes,
eventos literários e encontros carnavalescos durante todo o século XX. Apesar de hoje está sobre a
tutela da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas (SEC) e não funcionar mais com a sua
esfera associativa, a agremiação marcou a cidade por agregar personagens políticos e dos segmentos
das elites em seu rol de sócios e diretores.
Fundado em 06 de junho de 1903, o Ideal Clube abriu as suas portas como um espaço
privilegiado para a reunião e diversão dos seus sócios. Desde esse momento, o espaço foi ocupado
por diretores que tinham lugares de destaque na sociedade manauara como os desembargadores, os
comerciantes, os militares, os contadores, os médicos, os professores e os empresários que além de
compor os segmentos das elites, também utilizavam-se dos salões do clube para estabelecer ou
estender os seus vínculos recreativos, pessoais e políticos. Dos 51 diretores catalogados entre os
anos de 1903 a 1920, pudemos estabelecer uma porcentagem representativa desses sócios no clube:
Tabela 1: Profissões e porcentagens elitistas dos diretores no Ideal
Clube (1903-1920)
Profissões Quantidade Porcentagem
Bacharéis de Direito 18 36%
Comerciantes 17 34%
Militares 8 16%
Contadores 3 6%
Professores 2 4%
Médico 1 2%
Gerente 1 2%
Fonte: Elaboração própria com as investigações sobre os diretores do clube nos periódicos.
A tabela tem o intuito de mostrar quem eram as elites que faziam parte do clube e o
caracterizava como um espaço elitista, evidenciando, assim que os recursos financeiros ou os
capitais políticos e econômicos não são os únicos fatores que agregam status e prestígios para esses
segmentos.
147 PEREIRA, Kívia Mirrana de Souza. O Ideal Clube: um espaço de distinção, sociabilidades e associativismo das
elites em Manaus (1903-1920), p. 351. In: V Encontro Estadual de História - Trabalho, Direitos Sociais e
Democracia no Brasil e na Amazônia [Anais 2020 – Livro digital] / César Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa
Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar (Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do
Amazonas, 2020.
82
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Participar da vida recreativa do Ideal Clube poderia, à primeira vista, significar apenas fruir
das atividades ofertadas como danças de salão ou exercícios desportivos. Mas se olharmos para o
conjunto de associados, notaremos que essas práticas desnudam privilégios e distinções usufruídas e
expressos por esse grupo desde a vida cotidiana mais habitual, até, enfim, ser representada e
experenciada na vida associativa.
Essa forma de representação e afirmação social ficam evidentes nas palavras de Antonaccio,
ao se referir sobre a preferência da elite pelo Ideal Clube, pois este estabeleceria o elo da pirâmide
configurada pelo homem, seus valores e projeções na busca explícita pelo reconhecimento por parte
da sociedade a qual pertence. Este conjunto de aspirações seriam, assim, marcos distintivos dos
associados, das suas identidades e lógica de pertencimento ao clube:
E todo homem bem sucedido financeiramente deseja ser reconhecido pela
sociedade, porque começa a perceber que existem diferenças fundamentais entre
riqueza, poder e prestígio. A riqueza, o homem conquista dignamente pelo
trabalho, pela herança da família, ou por meio de outras formas convencionais
aceitas pelos princípios éticos e morais; o poder, já diz a lei – emana do povo e a
sua forma tradicional de conquista, quando não vem da monarquia ou por outras
formas de sucessão sem a participação direta do povo, vem por escrutínio, pela
nomeação de cargos públicos ou pela liderança do indivíduo habilidoso, ao assumir
alguma atividade; o prestígio – maior conquista pessoal do ser humano é mais
difícil de alcançar. O prestígio depende da atuação do homem em sociedade, de
seu carisma como pessoa humana, de muita simpatia física e espiritual, de
suas virtudes universais emanadas da dedicação aplicada a uma ou várias
atividades. Tem tudo a ver com o caráter e a personalidade [grifo nosso].148
A partir da afirmação de Antonaccio, podemos compreender o interesse por pertencer a um
clube como o Ideal enquanto estratégia – deliberada ou não – de conquistar distinção,
reconhecimento e notoriedade. O prestígio, como sinal de carisma, dependia dos discursos e
práticas que buscavam valorizar os empenhos, os talentos, os valores e as virtudes individuais
daqueles que ocupavam os espaços econômicos, políticos, administrativos, financeiros e/ou
comerciais e que terminavam por definir quem pertencia às elites. Ainda mais, tinham um claro
objetivo de promoção social por meio do luxo, vigor e influência assim como implicava na
obtenção de aceitação em determinado espaço.
Era nos saraus, nas partidas dançantes e nos torneios que se cumpriam o grau de notoriedade
e recrutamento. Por meio desses eventos, oferecidos exclusivamente às elites, tinha-se o convite
para associar-se ao clube, que desde o início estabelecia a função social de cumprir um “padrão de
glória conquistado para a história da esperançosa sociedade” 149. Para a conquista desse
148 ANTONACCIO, Gaitano Laertes Pereira. Ideal Clube de 06-06-1903 a 06-06-2003: Um século de aristocratismo.
Manaus: Imprensa Oficial, 2003, p. 31.
149 Jornal do Comércio. Manaus, 18 de novembro de 1904.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
* * *
No limiar desses processos, é necessário perceber as ligações partidárias destes grupos que
motivam essas disputas. A Associação Comercial do Amazonas (ACA), tendo um grupo influente
de empresários e políticos, é indispensável para compreender essas complexidades e muito pode
contribuir na investigação, principalmente, no que tange às alianças e vínculos partidários dessas
lideranças patronais e as relações com a ACA.
A década de 1950 no Amazonas é pouco aprofundada pela historiografia, o que deixa uma
lacuna sobre os processos políticos deste período. No entanto, existem algumas pesquisas que,
mesmo não tendo este mesmo recorte temporal e esses processos, mostram aspectos que podem ser
analisados, ajudando a desvendar a complexidade das relações políticas no contexto do pós-Estado
Novo.
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H/0204/2019, com apoio do XXX e sob orientação do Prof. Dr.
César Augusto B. Queirós.
**** Graduanda do curso História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: nadymerebelo@gmail.com
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rompimento de Plínio Ramos Coelho (PTB) com Álvaro Maia (PSD), e sua vitória eleitoral em
1954, que representa uma ruptura da estrutura política construída nos mandatos do pessedista.
152 DUARTE, Jéssica Cristine de Jesus. Trabalho e cidade em Manaus nos anos de 1930: o patronato e as relações de
trabalho. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), 2015, p. 15.
153 AVELINO, Alexandre Nogueira. O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A Revista da Associação
Comercial e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919). Alexandre Nogueira Avelino. Manaus:
[s.n.], 2008, p.09. (tese de mestrado)
154 Idem. p. 9.
86
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
pelas oposições políticas dessas lideranças. No artigo intitulado O Trabalhismo de Plínio Ramos
Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas, Queirós ilustra o embate de Plínio Coelho com a nova
direção da ACA, que foi assumida por Isaac Benayon Sabbá, um membro da UDN, oposição ao
PTB, gerando um desgaste na política de Coelho.155
Na década de 1930, estava em ascensão Álvaro Botelho Maia, que viria a ser um
importante nome da política no estado do Amazonas. Maia obteve notoriedade por “sua capacidade
de se tornar porta voz dos anseios de mudança que a conjuntura política nacional reclamava e que
reverberava no âmbito local”156. Em 1930, Maia é nomeado primeiro Interventor do Amazonas pelo
Governo Provisório de Getúlio Vargas, embora parecesse alinhado ao projeto político varguista,
Maia governou de acordo com a dinâmica do seu contexto, conciliando com as oligarquias e a
classe conservadora amazonense, sendo apoiado pela ACA devido à valorização ao extrativismo e à
borracha157, ao mesmo tempo que, dialogava com os interesses da interventoria. O mandato de
Álvaro Maia na interventoria durou oito meses. 158
Eleito de forma pela Assembleia Legislativa em 1935, após o golpe do Estado Novo, Maia
manteve-se no poder como interventor, permanecendo até 1945. Durante o período de
redemocratização, Álvaro Maia contribuiu para a formação do Partido Social Democrático (PSD) o
qual viria a se eleger senador no mesmo ano159 e consolidar certa importância do partido na política
amazonense. Contudo, na década de 1950, sua influência política passa a declinar após a vitória de
Plínio Coelho no pleito de 1954, representando o PTB e derrotando Rui Araújo que vinha
155 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas.
Revista Mundos do Trabalho, Santa Catarina, v. 8, n. 15, p. 55, 2016.
156 RAMOS, 2010, p. 13 apud PIO JUNIOR, 2015, p 32
157 Ver PIO JUNIOR, Amaury Oliveira. O Trabalhismo no Amazonas: o periódico Tribuna Popular como
instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”. p. 35.
158 O curto mandato se deu devido a divergências com o Tribunal de Justiça, Maia queria dissolver o tribunal mas, foi
aconselhado pelo governo federal a repensar tal atitude - o qual se negou fazer - diante da negativa, foi exonerado do
cargo em julho de 1931. PIO JUNIOR, 2015, p. 36-37.
159 Brasil, CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do. ALVARO BOTELHO MAIA |
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 23 de julho de
2020.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
representando a coligação entre o PSD, UDN, PDC e PTN160. Nesta eleição, Maia se candidatou
para o senado, mas perdeu para Cunha Melo.
* * *
165 Idem.
166 Ibidem, p. 2. A data faz referência à eleição, na qual, Plínio Coelho venceu Ruy Araújo.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
O golpe civil-militar no Brasil foi acompanhado de uma intensa repressão aos sindicatos e
suas principais lideranças. Em 1962, no contexto de grande efervescência sindical e de grande
agitação dos trabalhadores, foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). O CGT é criado
a partir de três Confederações: a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos
(CNTTMFA) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito (Contec).
O CGT será a principal liderança nas lutas dos trabalhadores brasileiros. Sua fundação ocorre
após um momento político e econômico conturbado, marcado pela renúncia do presidente Jânio
Quadros e pela posse – que só ocorreu em virtude da mobilização que impediu a realização de um
golpe já naquele momento – de seu vice, João Goulart. É importante ressaltar o papel
desempenhado pelos trabalhadores na mobilização que garantiu a posse de Jango: com a renúncia
de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, e a ausência de João Goulart – que estava em visita
diplomática à China-, o Congresso Nacional empossa o presidente da Câmara, Ranieri Mazzili. Três
dias depois, os militares encaminham ao Congresso um documento vetando a posse de João
Goulart, o que levou a uma intensa mobilização das forças progressistas e à deflagração de uma
greve conclamada pelo movimento sindical a fim de garantir a posse de Jango.
Com a deflagração do golpe civil-militar, a maioria dos dirigentes do CGT é presa de
imediato. Durante o mês de abril, sindicatos, federações e confederações vinculados ao CGT
sofreram intervenção: cerca de 350 sindicatos, 22 federações e as seis confederações de
trabalhadores tiveram nesse período suas diretorias destituídas, sendo que muitos dos antigos
dirigentes sindicais foram presos, outros se exilaram e houve mesmo os que desapareceram sem
deixar vestígio. E no Amazonas? Como esse processo se desenvolveu?
Compreender a atuação dos trabalhadores amazonenses e de suas associações durante os
momentos que antecederam a eclosão do golpe civil-militar de 1964 é o objeto principal dessa
pesquisa.
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do PIBIC/UFAM, sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Graduanda do 9º período do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Amazonas.
90
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
E como era o cenário político amazonense antes do golpe civil-militar? O ponto de partida
para apresentar o cenário político amazonense vai no período de 1947 a 1960 a partir da transição
do Estado Novo para o reestabelecimento do estado democrático. O fim do Estado Novo se dá após
a queda do presidente Getúlio Vargas em 1945. O calendário das novas eleições estava previsto
para 02 de dezembro e o candidato, general Eurico Gaspar Dutra (PSD – Partido Social
Democrata), recebeu apoio de Getúlio Vargas. Surpreendendo a oposição (UDN – União
Democrática Nacional), o general Dutra se elege a presidência da república assumindo em janeiro
de 1946.
Neste período, a Assembleia Constituinte também foi convocada. Para representar o Estado
do Amazonas na Assembleia Nacional Constituinte de 1946 foram eleitos: os senadores Álvaro
Maia (orientado pelo governo federal para organizar o PSD na região e dar apoio a Getúlio Vargas
no processo de transição do Estado Novo para o estado democrático. Álvaro Maia torna-se um dos
fundadores do PSD no Amazonas) e Valdemar Pedrosa (PSD); os deputados federais: Leopoldo
Peres, Pereira da Silva e Cosme Ferreira pelo PSD; Severiano Nunes pela UDN e Leopoldo Neves
pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
O primeiro governador eleito do Amazonas após o retorno do período democrático foi o
Leopoldo Amorim da Silva Neves em 1947. Segundo Queirós167, Leopoldo Neves “elegeu-se por
uma aliança esdrúxula entre o seu partido (o PTB) e a UDN (União Democrática Nacional)”. Para a
vaga de Senado, foi eleito o Manuel Severiano Nunes. Essa aliança partidária se constituiu com o
objetivo de quebrar a presença de Álvaro Maia que anteriormente dominou o cenário político no
Amazonas.
Leopoldo Neves demorou a assumir o cargo porque os seus adversários políticos contestaram
sua vitória, por isso, nos meses de fevereiro a maio, João Nogueira da Mata governou o Estado do
Amazonas. Também não encerrou seu mandato devido sua saída para concorrer a vaga de
Senador.168
A aliança ocorrida entre PTB e UDN para a eleição de Leopoldo Neves se desfaz por conta de
descontentamentos dos membros do próprio PTB ao governo do estado, resultando de forma
negativa para a ascensão dos petebistas na política amazonense. Esse rompimento procederá ao
retorno de Álvaro Maia a governança.169
167 QUEIRÓS, Cesar. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas. Revista Mundos
do Trabalho, volume 8, número 15, 2016, p. 49-65.
168 Ibidem, p. 49-65.
169 FIGUEIREDO, Aguinaldo. História do Amazonas. Editora Valer, 2011.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
92
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Porém, o governo de Gilberto Mestrinho afirma o trabalhismo tão quanto o governo de Plínio
Ramos. A consolidação do trabalhismo se intensifica com o fortalecimento das relações do governo
com lideranças sindicais, principalmente os estivadores.175
Mesmo assim, nas eleições de 1962, Plínio Ramos Coelho retorna a governança do estado
apoiado pelo PSD e UDN. Com isso, percebemos a alternância de poder de um grupo político e o
retorno de outras figuras políticas do período do Estado Novo no cenário político amazonense.
Organização Sindical Amazonense
Um exemplo dessa relação é a presença do Dr. Dante Pelarcani da Federação Nacional dos
Gráficos, em uma Conferência na Casa do Trabalhador, com os associados do Sindicado dos
Trabalhadores das Indústrias Gráficas de Manaus, com o objetivo de debater os problemas dos
interesses sindicais. A partir disso, observamos a relação que os sindicatos amazonenses
estabeleciam com os sindicatos nacionais.176
O Jornal do Comércio informava sobre as delegações locais dos sindicatos que participariam
das Assembleias Nacionais Sindicais.177
O Sindicato dos Estivadores convocou seus sindicalistas para uma Assembleia Geral
Extraordinária cuja pauta seria a discussão sobre a viagem do presidente do sindicato ao Rio de
Janeiro para o encontro da Federação Nacional dos Estivadores. Nesta assembleia, os associados
discutiriam sobre os reajustes salariais e os direitos da Previdência Social.184
94
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
96
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Também percebemos que existe uma espécie de senso comum acadêmico, que, traçando um
paralelo com os padrões dos moradores do campo em outras partes do Brasil e, em muitos casos
limitado a uma chave de leitura estruturalista, enxergava essas pessoas como “pobres coitados”,
“vítimas passivas” de um perverso sistema de exploração econômica, que os amarrava em seus
tentáculos e os condenava a essa vida de miséria.
O que foi possível perceber através das narrativas dos sujeitos de nossa pesquisa, somando ao
que algumas produções recentes têm apontado, é que os moradores da várzea são pessoas com
potencial produtivo imenso e com padrões culturais perfeitamente adaptados à dinâmica desse tipo
de lócus, o qual tem como destaque os ciclos de enchente-cheia e vazante-seca, extraindo deste
ambiente o máximo que ele pode oferecer. Isso se configura, portanto, como uma realidade
completamente diferente daquelas vividas nas cidades, dificultando bastante aos habitantes das
zonas urbanas uma chave de leitura que lhes permita compreenderem a vida na várzea.
um dos componentes desse mesmo grupo. Essa questão, inclusive, compõe a primeira das hipóteses
que passamos a ter após a análise preliminar das entrevistas dessas pessoas. Compreender o
trabalho com a juta como mais uma das atividades existentes nos ambientes de várzea ganha uma
enorme importância para trabalhos como o nosso por dois motivos:
Primeiro para que entendamos que a entrada da juta na vida dessas pessoas não foi o resultado
da manobra de uma instituição poderosa que os atraiu para uma armadilha da qual eles entraram e
não puderam mais sair. Quem pensa assim, analisa a realidade dessas pessoas através de um
esquema pré-concebido187. O que pudemos perceber através de suas narrativas evidencia o
contrário, o que percebemos da memória narrada dessas pessoas mostrou que a juta foi uma opção
que se apresentou a eles e da qual entraram e saíram quando consideraram conveniente 188, deixando
claro que ela era somente mais uma das atividades que desenvolviam.
Segundo, para pensarmos sobre a tendência a classificar esses trabalhadores como juteiros,
adjetivo que me causa desconforto pois entendo que só podemos aplicar o sufixo -eiro a pessoas
que vivem exclusivamente de uma atividade, como ferreiro e padeiro. As pessoas cuja entrevista
usei neste trabalho, não se encaixavam de forma alguma nessa categoria, pois, apesar da juta ter um
peso significativo na composição das receitas de suas famílias, ela não se configurava como a única
atividade geradora de renda, além de não os ocupar o ano inteiro. Sendo assim, é mais fácil
considerá-los como moradores da várzea que trabalharam com juta ou simplesmente, produtores de
juta.
Gonçalves da Silva (69 anos) e Irenilda Evangelista Garcia (80 anos). Desses, o Seu José trabalhou com juta nas
proximidades do município de Manacapuru (ilha de Paratari), Seu Pedro trabalhou nas proximidades do município de
Itacoatiara (Paraná da Eva) e os demais trabalharam no entorno de Parintins.
187 Visão compartilhada por Renan Freitas Pinto em: PINTO, Ernesto Renan Melo de Freitas. Os trabalhadores da
juta: estudo sobre a constituição da produção mercantil simples no Médio Amazonas. 1982. 187 f. Dissertação
(Mestrado em Antropologia, Política e Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E por Denison Silvan
em: SILVAN, Denison. Trabalhadores da juta na Amazônia: trajetória de luta, suor e sofrimento. 2018. 245f. Tese
(Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia) - Universidade Federal do Amazonas
188 Os dois trabalhos citados na nota acima, principalmente o de Silvam 2018, por realizarem uma leitura dentro de
padrões estruturalistas, dão a entender que a juta entrou na vida dessas pessoas por falta de opção e de que os mesmos
se submeteram a dureza desta atividade por se inserirem em um sistema de endividamento progressivo semelhante ao
existente nos seringais amazônicos no período do boom da borracha.
189 Para que as fibras da juta sejam soltas o vegetal é posto de molho em água corrente por vários dias (15 a 20 dias em
média) a fim de que o com o apodrecimento das hastes a casca se desprenda deixando os fios soltos, é o processo de
maceração. Na sequência, os trabalhadores entram dentro d’água para fazer a lavagem das fibras, retirando o que ainda
existe de casca deixando as fibras completamente soltas. Nesta fase, que dura vários dias (dependendo do volume da
produção, algumas semanas) essas pessoas passam toda a sua jornada diária (que oscila entre 8 a 12h) com água
variando entre a cintura e o ombro.
98
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Não há dúvida que se trata de uma atividade laboral com um alto teor de insalubridade, sendo
impossível não associá-la a um número significativo de doenças resultantes da extrema umidade,
além dos inúmeros acidentes com animais habitantes desses ambientes190. Nesse ponto, a
convergência e concordância com as pesquisas realizadas até o momento é total.
Todavia, precisamos olhar por um ângulo que considero pouco observado pelas produções
acadêmicas: a visão dessas pessoas sobre esta etapa de trabalho. Dentro do que foi percebido ao
longo das narrativas deles/delas, ficou claro que os/as mesmos (as) tinham consciência do tipo de
trabalho em que se envolveram, portanto não adentraram nele de uma forma ingênua. Outro ponto
que precisamos observar - o que para mim é o cerne da questão - essas pessoas não estavam
desenvolvendo um tipo de trabalho alheio ao seu modo de vida. É bom que se saliente, que a juta se
adaptou com muita facilidade a cultura do povo da várzea amazônica exatamente por se encaixar
aos padrões culturais dessas pessoas. Para isso, é fundamental a compreensão de que os moradores
da várzea já possuem uma longa convivência com a água, os rios fazem parte de sua vida, além de
uma parcela significativa dos recursos vitais à sua sobrevivência virem deles. Portanto, a juta não os
levou para um ambiente aquático, ela somente intensificou a convivência com esse ambiente,
ampliando as horas de permanência nele. Isso em nada atenua a elevada insalubridade presente
neste tipo de trabalho, serve sim, para entendermos por que estas pessoas aceitaram pacificamente
exercerem um trabalho com estas particularidades191.
190 A grande quantidade de feixes de jutas de molho dentro d’água cria um ecossistema ideal para uma grande
quantidade de animais aquáticos, alguns deles bastante perigosos aos seres humanos como a arraia, o poraquê e as
cobras.
191 Denison Silvan, ignorando completamente estes elementos culturais, encontrou explicações de ordem
psicopatológicas para a visão positiva de alguns de seus entrevistados acerca do trabalho dentro d’água.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
A quarta e última hipótese desse trabalho, é que a vida na várzea está longe de ser monótona e
com poucas opções. Na verdade, a rotina desse local é de uma dinâmica inimaginável por quem
passa ao longo dos rios, vendo este ambiente do convés ou da janela de uma embarcação.
Mergulhar no mundo das populações que habitam as margens dos rios amazônicos, é adentrar em
uma cultura extremamente rica com estruturas de relacionamentos próprios, códigos de ética,
padrões sociais, e relacionamento com o sagrado completamente diferente de outras partes da
Amazônia: seus mitos e sua forma de conceber o sagrado são um exemplo bastante ilustrativo disso.
Portanto, através dessa pequena amostra - sete entrevistados - buscamos compreender como as
populações da várzea amazônica se relacionaram, e ainda se relacionam, com uma atividade
bastante exigente chamada juta. Não fizemos isso com o intuito de heroicizar essas pessoas, nem as
enxergar com a quem devemos ter pena em função de uma vida miserável. Longe desses
extremismos, nossa intenção foi simplesmente mostrar, através dessas sete narrativas a riqueza por
trás da trajetória histórica dos homens e mulheres que conviveram ou convivem com um ambiente
tão singular como esse. Esperamos contribuído para a compreensão desta bela realidade para que,
entendendo como ela funciona, a sociedade possas valorizá-la. A Amazônia é um imenso
reservatório de realidades ricas e diversas e os seus vários ambientes reservam muitas histórias
belas e interessantes precisando ser contadas. Esperamos que este trabalho sirva de convite para
mais pesquisas sobre estas pessoas e essa realidade.
* * *
Esse artigo tem como objeto o estudo da relação entre as práticas e as representações sobre os povos
indígenas na Amazônia presentes na grande imprensa, em especial no Jornal do Commercio. O
recorte escolhido foram as primeiras décadas do século XX, coincidente tanto com a criação do
Jornal do Commercio em Manaus em 1904, quanto com a implementação de uma nova proposta de
** Este trabalho integra a pesquisa “Os Indígenas nas folhas do Jornal do Commercio: entre práticas e representações
(1904-1934)”, desenvolvida no PPGH/UFAM com apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** É discente do curso de Mestrado em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Amazonas. E-mail: evelynmcr97@gmail.com
100
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
política indigenista a nível nacional conhecida como Serviço de Proteção aos Índios e Localização
dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) em 1910.
A instituição foi criada pelo decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910, e tinha por tarefa a
pacificação e proteção dos grupos indígenas, bem como o estabelecimento de núcleos de
colonização com base na mão de obra sertaneja. As duas instituições foram separadas em 6 de
janeiro de 1918 pelo decreto Lei nº 3.454, e a instituição passou a ser denominada Serviço de
Proteção ao Índio (SPI).
Sendo assim, podemos observar que no âmbito nacional, a virada do século XIX para o XX,
foi marcada por grandes mudanças, além do Brasil se tornar uma República, percebemos que a
política pró-extermínio dá lugar ao ideário de um Brasil “disposto” a ter trabalhadores nacionais
indígenas. Portanto, algumas ideias e discursos propagados na imprensa e entre os legisladores
precisam ser melhor compreendidos e questionados, especialmente no que diz respeito às suas
intencionalidades frente a compreender e formar o Brasil em uma república e nação.
No que diz respeito às fontes, o periódico Jornal do Commercio nos apresenta a existência
de uma imprensa que dá voz ao Governo e a Elites Amazonenses. Assim, através dos periódicos
visualizamos as relações, conflitos e interesses dados entre os “tuteladores”, muitas vezes
protegidos pelo Estado graças as alianças econômicas e políticas, e entre os indígenas que, diante do
mundo do trabalho imposto, estabelecem suas próprias dinâmicas, contatos e distanciamentos.
Ao estudarmos os periódicos conseguimos apresentar as representações em dois níveis. Uma
análise perpassa as notícias do Jornal do Commercio que repercutiam as mudanças do início de
século XX na cidade de Manaus e o impacto do cotidiano indígena. De outro modo, diante das
práticas e representações desses indígenas se faz necessário ler as entrelinhas de suas vivências,
para assim resgatar as suas trajetórias, modos de vida, anseios, lutas e adaptações. As analises se
intercruzam ao nos permitir explanar como os planos de “modernização” e “urbanização” foram
lidos, encarados e interpretados por esses sujeitos e quais os interesses e mobilizações das elites
com essas propostas civilizatórias, nacionais e legalistas.
A Manaus ao findar dos oitocentos
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Voltando à capital, percebemos que as autoridades tinham como objetivo manter afastada
das rotas comerciais e centros residenciais de alto nível a população pobre e como consequência
houve uma ocupação desorganizada das regiões mais distantes da cidade. Isso revela exclusão
social que ocorria por detrás do “fausto” do período econômico da borracha, onde uma máquina
pública funcionava a favor das demandas da elite detentora do capital, no entanto, os indígenas que
estavam em Manaus e proximidades se adaptavam constantemente aos impulsos e transformações
que a modernidade exigia 193.
O Estado, ao tentar obrigar a civilização aos índios, com o discurso da modernidade,
inseriram em sua cultura costumes estrangeiros como: andar calçados e vestidos bem como
modificar o formato de suas moradias. Falando especificamente dos indígenas, a entrada estrangeira
em Manaus os afastou do centro da capital, mas os índios através de práticas não abriram mão
completamente de seus modos de vida e de sua cultura, houve muita luta e aglutinamento de
práticas culturais.
Pensar o jornal como fonte é algo que nos possibilita enxergar um rico instrumento de
pesquisa. Trabalhar com comunicação é saber respeitar e investigar seus marcos sociais e deste
modo, saber ler suas relações. O Jornal do Commercio é nada mais nada menos do que um agente
histórico de seu tempo, pois o mesmo se articula no meio em que está inserido, conforme o que
define Barbosa e Morel:
Na tradicional historiografia identificada como historicista, a imprensa aparecia em
geral como fonte privilegiada na medida em que era vista como portadora dos
"fatos" e da "verdade". Em seguida, com a renovação dos estudos históricos e a
ênfase numa abordagem que privilegiava o socioeconômico, a imprensa passou a
ser relegada à condição subalterna, pois seria apenas "reflexo" superficial de ideias
que, por sua vez, eram subordinadas estritamente por uma infraestrutura
socioeconômica. E a subsequente renovação historiográfica, com destaque às
abordagens políticas e culturais, redimensionou a importância da imprensa, que
passa a ser considerada como fonte documental (na medida em que expressa
discursos e expressões de protagonistas) e também como agente histórico que
intervém nos processos e episódios, não meros “reflexos”. 194
Heloísa Cruz e Maria do Rosário Peixoto no artigo “Na oficina do historiador: conversas
sobre história e imprensa” nos dizem que os jornais e as revistas são espaços sociais construídos de
193 BRAGA, Bruno Miranda. Manáos uma Aldeia que virou Paris: saberes e fazeres indígenas na Belle Époque Baré
1845-1910, 2016.
194 BARBOSA, Marialva; MOREL, Marcos. História da Imprensa no Brasil: metodologia para o inventário 1808–
2008. Jornal da Rede Alcar, Florianópolis, Ano, v. 3.
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intenções, interesses e que sua fala é articulada conforme as pessoas que estão por detrás daquele
mecanismo. A imprensa e a mídia disseminam temas e estimulam opiniões.
O conceito de representação pensado através do jornal vai se mostrar como uma construção
social, em que os sujeitos visam construir o mundo através do que se foi dado a interpretar por via
das notícias publicadas. Roger Chartier reflete que as sociedades são construídas por diferentes
grupos, que manifestam diferentes visões de mundo, o que podemos agregar com o jornal, devido à
fonte não ser imparcial.
A importância da Imprensa nas sociedades modernas é incontestável. Mais que um veículo
de comunicação, sua dimensão enquanto força de transformação social impregnou a história de
povos e países. O Jornal tem o poder de dar voz ou silenciar, contestar e defender os sujeitos de
uma sociedade.
Sabe-se que a história da imprensa no Amazonas surge atrasada comparado com outros
centros urbanos modernos (Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém). Quando finalmente a
imprensa chegou ao Estado do Amazonas, nota-se que o principal fator para sua chegada foi o
período econômico da borracha como o interesse nesse momento era inserir novos padrões na
sociedade manauara através de notícias sobre moda, crimes, com temas relacionados ao comércio
da borracha e escândalos políticos.
O Jornal do Commercio ganhou espaço na capital no ano de 1904 e em sua primeira fase,
seu fundador Joaquim Rocha dos Santos instalou sua redação na Avenida Eduardo Ribeiro n° 11,
com o slogan de Contans, fidelis, fortis cedo nulli (Constante, fiel, forte eu me rendo a ninguém).
Após o seu ano de estreia, Joaquim Rocha morre e nos quatro meses que se passaram após a sua
morte o jornal fica inativo, voltando apenas no ano de 1906. No seu novo momento, o Jornal do
Commercio estabelece ares de jornal-empresa e passa a publicar notícias de fundo nacional e
internacional195 e este apresentava tendências políticas e conforme a historiadora Maria Luiza
Ugarte Pinheiro, o Jornal do Commercio era um periódico tradicionalmente ligado aos grupos
dominantes196.
Ao nos debruçarmos nas folhas do periódico Jornal do Commercio notamos o impacto e
repercussões de como as mudanças do início de século XX na cidade de Manaus influenciaram o
cotidiano indígena. Além de demonstrar a importância da imprensa como fonte para a reconstrução
do passado, bem como influenciar as criações de representações de um cotidiano.
195 DUARTE, Durango Martins. A Imprensa Amazonense: chantagem, politicagem e lama/ Durango Martins Duarte.
1ªed.Manaus: DDC Comunicações LTDA-EPP, 2015.
196 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas, 1880-1920. Tese de
Doutorado em História: PUC-SP, 2001
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
197 Jornal do Commercio, 10 de janeiro de 1906. Manaus, 1906 – Acervo: Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas – IGHA.
198 Jornal do Commercio, 14 de agosto de 1904. Manaus, 1904 – Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/170054_01/909
199 Jornal do Commercio, 04 de setembro de 1904. Manaus, 1904 – Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/170054_01/985
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O ato de pensar a Amazônia compreende um esforço tão complexo quanto vasto. Isto
significa assumir não apenas as especificidades geográficas, culturais, políticas e econômicas, mas
impende revisitar as bases e as condições por meio das quais os saberes e os conhecimentos são
produzidos, validados, atualizados e distribuídos. O exercício de pensar a região impõe, por sua vez,
o dever de escapar às armadilhas das grandes narrativas, dos esquemas explicativos/interpretativos,
calcados em um encadeamento sequencialmente lógico, a partir dos quais toda prática, crença ou
saber deverá ocupar um espaço mais ou menos determinado no grande cenário.
Na Amazônia, o ato genesíaco tem local e a data muito bem definidos. Isto é, antes da
chegada do colonizador europeu na região, só havia a escuridão, um estado de natureza no qual a
barbárie fazia as vezes do imperativo categórico primitivo. Naquelas paragens tropicais, caberiam
aos primeiros cronistas a lavratura da certidão de nascimento da região. Era o nascimento de uma
Amazônia mítica, onírica e fantasticamente inventada. Nos séculos que se seguiram ao “encontro”
colonial, ao passo que portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses, irlandeses e outros povos
disputavam aquelas paragens, um complexo jogo seria performado. A partir do uso combinado de
estratégias de exploração e domínio, o sujeito colonizador buscava superar os expedientes de
resistência igualmente criativos erigidos pelos povos da região.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
dupla relevância que tais escritos possuem. Isto é, projetam mais uma vez a região na grande tela
internacional, reposicionando a Amazônia na lista de desejos de uma nova economia globalizada de
orientação capitalista, valendo-se, para tanto, de um esforço discursivo voltado à reinvenção de uma
região a partir de um conjunto de conceitos e categorias adaptadas às intenções e desejos
pretensamente globais. Em igual medida, apresentam uma narrativa a partir da qual os traços
marcantes de sua ontologia evidenciam as muitas formas de violência praticadas aos povos nativos
da região, a exploração ostensiva destes povos na condução das mais pesadas fainas, bem como as
estratégias de resistência por eles empreendidas em face da diuturna predação étnico-racial.
O mito amazônico seria uma expressão alusiva que pressupõe um conjunto de discursos
abundantes sobre a região que, em razão de seu quantitativo e variedade, acabam por repisar
“marcas distintivas, petrificando-as até transformá-las em clichês ou estereótipos”.202 Na Amazônia,
a tribo das mulheres guerreiras mastectomizadas da velha Cítia encontraria, às margens do grande
rio, o seu correspondente tropical. Os contos anedóticos dos povos canibais se agregariam à ideia
dos viventes sem fé, sem lei e sem rei, corporificando a mistura de duas grandes “invenções
europeias” – o Oriente, situado para além da Ásia meridional, e o novo mundo equatorial –
separadas geograficamente por uma distância abissal, mas unidas pelas mãos e a engenhosidade de
seu artífice caucasiano.
Isto significa dizer que, antes de ser nomeada, a região era um “mistério inventado pelos
europeus”203 cuja atualização dos sentidos a ela conferidos se daria sempre que necessária. Desta
feita, são nos registros inebriados pela expectativa da chegada e constantemente confrontados “por
forma como a região e seus viajantes eram representados nos muitos escritos produzidos sobre a Amazônia nos séculos
XVI e seguintes, vide UGARTE, Auxiliomar Silva. Sertões de bárbaros: o mundo natural e as sociedades indígenas na
Amazônia na visão dos cronistas ibéricos – séculos XVI e XVII. Manaus: Valer, 2009.
201 SIGANOS, André. O mito amazônico: Algumas preocupações teóricas e operacionais. Leituras da Amazônia:
Revista Internacional de Arte e Cultura. Ano II, nº 2 (jan./dez.). Manaus: Valer, 2002. p. 154.
202 Ibid., p. 155.
203 GONDIN, op. cit., p. 128.
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momentos de puro êxtase e por ocasiões de extremo desanimo”204 que se pretende jornadear. Neste
sentido, vale-se do capital intelectual produzido pelos naturalistas e viajantes da região, um
arcabouço discursivo oriundo de sistemas relacionais repletos de tensões, antagonismos e alianças;
que compõem um verdadeiro archivo genealógico da Amazônia.205
Para tanto, cumpre salientar que as fontes utilizadas na investigação compreendem uma
série de estratégias e procedimentos de exclusão a partir dos quais a figura discursiva hegemônica
interdita, separa e rejeita a fala do outro. Neste cenário, os motes “conhecer”, “classificar”,
“comparar" e “nomear”, desempenham um importante papel na exorcização e na familiarização do
exótico e, consequentemente, na construção de um discurso hegemônico cujo objetivo é garantir a
sacies da “vontade de verdade”206.
108
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
barbárie são reavivados a partir das falaciosas práticas discursivas, sobre as quais se funda a
exotização da região e de seus povos.210
210 SOUZA, Márcio. Amazônia indígena. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 24.
211 Não é apenas uma subordinação de outras culturas ao europeu, em um relacionamento externo. É uma colonização
de outras culturas, embora certamente em diferentes intensidades e profundidades dependendo dos casos. Consiste, em
primeiro lugar, em uma colonização do imaginário dos dominados. Ou seja, atua no interior desse imaginário. Até certo
ponto, é parte disso. (Tradução livre). QUIJANO, Anibal. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indigena.
Vol. 13, num. 29, p. 11-20, 1992. p. 12.
212 Uma repressão sistemática não só de crenças, ideias, imagens, símbolos ou conhecimentos específicos que não
serviram para a dominação colonial global. A repressão recaída, sobretudo, sobre os modos de conhecer, produzir
conhecimento, produzir perspectivas, imagens e sistemas de imagens, símbolos, modos de significação (Tradução
livre). Idem, p. 13.
213 “Se foi construindo um complexo cultural conhecido como a racionalidade/modernidade europeia, na qual foi
estabelecido um paradigma universal de conhecimento e de relação entre a humanidade e o resto do mundo” (Tradução
livre). Idem, p. 14.
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Professada por uma voz uníssona que insiste em agir como o senhor do tempo e da
memória, a dita narrativa tem o poder de validar ou não tudo aquilo que é submetido ao seu
conjunto de requisitos e procedimentos avaliativos. O pensamento moderno esconde as ferramentas
do censor sob as vestes de uma universalidade supostamente inclusiva, utilizando-se de uma
pluralidade de instrumentos mais ou menos coercitivos que, quando manuseados de forma
coordenada, asseguram o gozo do domínio sobre o Outro.
Ao passo que se avançam os marcos territoriais, avança-se sobre o espaço, mas também
sobre toda vida e cultura daqueles sertões. Combatem-se infieles. Exploram-se o sertanejo, o índio e
o negro. Perfoma-se um assombroso espetáculo. Tendo a região enquanto cenário-protagonista, o
que se segue é o amplificar da secular práxis exploratória da Amazônia. Aqui, o corte
dicotomizante entre a natureza e a cultura uniu ambos na estante de um almoxarifado de luxo
tropical. Neste funesto armazém, toda a vida assume uma forma recursal, constantemente reificada.
* * *
110
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
O texto analisa a atuação do Estado nas comunidades rurais do Lago de Tefé-AM, região do
Médio Solimões do Amazonas, no período da Ditadura militar, as resistências de trabalhadores
rurais campo para manter seus modos de vidas tradicionais frente ao processo de expansão e
transformação das relações capitalistas para a Amazônia na década de 1970 a 1980, quando o
avanço das fronteiras capitalistas e sistematização de diversos projetos de “colonização” passou a
compor o cotidiano do interior do Amazonas. O Lago de Tefé é um dos grandes lagos que compõe
o Médio Solimões, possui uma imensa importância histórica, social, econômica e política.
Atravessa um território onde habitam inúmeras populações indígenas, embora parte dessas
populações não reconheçam a ascendência indígena.
nova abordagem foi violenta também, visto que os projetos de incentivos fiscais pensados para a
região invisibilizavam aqueles sujeitos que moravam nos arredores dos lagos e igarapés.
Invisibilizados enquanto sujeitos portadores de histórias, seus modos de vida e experiências
milenares foram considerados primitivas.
O consumo da bolacha para substituir o consumo do peixe frito no café da manhã (hábito
costumeiro dos agricultores) era intensamente veiculado. D. Maria José Rodrigues215, agricultora/
moradora da comunidade Bom Jesus do Bacuri afirma com saudosismo que “a bolacha nem
alimentava, mas era importante comprar” e ter na mesa. Além do consumo de alimentos da
“cidade”, a derrubada das casas de palha, assoalhadas de paxíuba, (modelo tipicamente indígena)
também foi incentivado, no seu lugar novas casas passariam a ser construídas, agora separadas em
215 Maria José Rodrigues, agricultora aposentada, moradora da comunidade Bom Jesus do Bacuri, localizada no Lago
de Tefé-AM.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
cômodos, cobertas de alumínio, alinhadas em linha reta obedecendo ao imaginário de uma rua da
cidade.
Passados mais de 40 anos das ações do Governo Militar, estas ações não foram efetivas. Os
trabalhadores rurais de Bacuri não serviram a produção capitalista, os grandes roçados para culturas
temporárias e o incentivo para criação de gados não lograram êxito, estes resistiram e continuam
criando estratégias para manter seus tradicionais modos de vida baseado na plantação do que
precisam para viver, defendem seu modo de produção baseado no trabalho coletivo e informal (o
ajuri), e suas territorialidades. Entretanto esta análise, não se aplica a todas as comunidades do
Lago, analisando a comunidade Ipapucú, localizada ao lado da comunidade Bom Jesus do Bacuri, o
discurso de modernização, o uso dos incentivos fiscais do governo bem como prática da agricultura
de culturas temporárias foram incorporados no cotidiano dos moradores/agricultores e estão
presentes atualmente.
216 Agricultor e funcionário público,56 anos de idade, católico, morador da Comunidade do Ipapucú localizada no
Lago de Tefé-AM.
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diziam que a gente devia fazer essa diversificação de plantio, ia ajudar muito a gente, meu pai ficou
atento e a gente começou a plantar açaí, hoje tem um açaizal aqui que não tem fim, meu irmão
vende de 300 a 500 litros de açaí por semana, é uma coisa que pra nós foi gratificante, a partir do
momento que a gente participou de muitos encontros e reuniões”.
O trecho da narrativa do Sr. Raimundo demonstra como as ações pensadas pelo Estado,
foram sendo incorporadas, no chão da sua comunidade, ganhando novos significados. Todo esse
trabalho de plantio é feito de forma coletiva (ajuri) e serve para o usufruto de todos os moradores da
comunidade. Desse modo geral, pode-se dizer que houve pelos governos militares a intenção de
encurralar as comunidades tradicionais do Lago de Tefé-AM a fim de que o capitalismo de
apropriasse das mesmas. A desestruturação de seus modos de vidas foi uma ação pensada pelo
Estado e posta em prática por meio do desenvolvimento de uma política de subsídios fiscais, de
modo que as comunidades atendessem a produção capitalista, porém os investimentos e a forma
como as ações foram realizadas não condizia com os modos de vidas dos sujeitos que viviam no
interior, a falta de sensibilidade para enxergar os trabalhadores rurais, ouvir as suas demandas,
valorizar e potencializar os trabalhos já desenvolvidos esbarrou na resistência e na incompreensão
de que as relação dos trabalhadores do interior com comunidades tradicionais, são territórios
sagrados e baseados numa relação afetiva e não capitalista.
* * *
114
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
** Este texto está inserido no contexto da pesquisa “Museu vivo: afirmação e reconhecimento dos povos e comunidades
tradicionais na Amazônia”, desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado em História do PPGH/UFAM com apoio da
FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas-PPGH/UFAM.
Bolsista FAPEAM. Email: murana.ufam@gmail.com
217 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução
Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
218 Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o Estatuto de Museus.
219 BORGES. Jorge. El idioma analítico de John Wilkins. In: outras inquisiciones. 1a. Edição. Buenos Aires, p. 149-
155, 1960.
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manter a identidade coletiva dos agentes sociais coadunada com as manifestações presentes na
relação dos objetos com seu lugar social de origem.
Isto é, tais museus não seriam produtos da ação governamental, ao contrário, são resultantes
de relações associativas diretamente produzidas pelos membros das comunidades e associações nas
quais sua organização e classificação são instituídas em consonância com as unidades familiares.
Evidenciado por Almeida, a disseminação dessas iniciativas, implode com o significado de
“outros”, é na omissão daquele categorizado a margem da sociedade que inviabilizava qualquer
possibilidade concreta de autodefinição. Nesse sentido, o autor ressalta que são as autodefinições
que nomeiam os museus e que estes são indissociáveis de mobilização política de povos que
reverteram a sua propalada condenação ao extermínio e romperam com os estigmas de “primitivos”
e “atrasados”220.
Estes museus vivos são acionados por mobilizações sociais como instrumento político para
o reconhecimento identitário. Surgem como uma maneira de reivindicar e afirmar os “saberes” e
“fazeres” representativos dos povos e comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, castanheiros, extrativistas e demais identidades
coletivas.
Deste modo, o museu vivo é construído a partir dos elementos da identidade étnica dos
grupos que os correlaciona com o elemento de autodefinição, no qual, os grupos étnicos utilizam o
museu como um componente a mais de apoio para categorizar sua identidade étnica e sua
organização social, rompendo com a classificação estatal221.
Assim, utilizando da história pública para a construção de diálogos com agentes sociais, e
constituindo “comunidades de escuta” diante das narrativas dos “historiadores locais”, sem
negligenciá-los ou estabelecendo hierarquias222, esta pesquisa, visa analisar as experiências de
criação de museus vivos na Amazônia.
Portanto, trago aqui duas experiências de museus vivos na tentativa de ilustrar a apropriação
da ideia de museu por duas comunidades indígenas na cidade de Manaus (AM), o Centro de
Ciências e Saberes Karapãna da aldeia Yupirungá e o Centro de Ciências e Saberes Tradicionais
Kokama Antônio Samias da comunidade indígena Kokama do ramal do brasileirinho.
220 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Mapas e museus: uma nova cartografia social. In: Ciência e Cultura. vol.70,
n.4, São Paulo. pp. 58-61, 2018.
221 BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: Barth, Fredrik; Lask, Tomke. O guru, o iniciador e outras
variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.
222 ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. História pública: um desafio democrático aos historiadores. In: REIS, Tiago.
et al. Coleção história do tempo presente. Boa Vista: Editora da UFRR, 2020
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
A primeira, a aldeia Yupirungá, possui conflitos territoriais recorrentes por estar situada no
rio Tarumã-Açu com acesso ao rio, considerada uma área nobre na cidade e de interesse de setores
imobiliário. Possuindo a garantia dos direitos territoriais da família Karapãna constantemente
ameaçada e objetivando colocar em evidência os conflitos socioambiental e territorial da
Comunidade, é pensado pelos agentes sociais o CCS Karapãna. O museu vivo,
“retrata um pouco da nossa vivência com nossos pais ao longo do rio Tarumã-Açu,
Tarumã-Mirim e Cuieiras. É um desafio reunir todo esse conhecimento que
trazemos ao longo dos anos. É uma história vivenciada, que remete a sentimentos
de saudade, luta, sobrevivência e conquista”223.
A Comunidade Nova Esperança Kokama, o CCS Antônio Samias, assim nomeado em
homenagem ao patriarca do movimento Kokama, está em constante luta para o reconhecimento dos
povos Kokama que residem na cidade de Manaus. Buscou-se, possibilitar ao povo Kokama e à
sociedade em geral o conhecimento da cultura Kokama encontrada no Brasil, Peru e Colômbia224.
“Quando alguém vir visitar o museu, nós queremos falar do nosso material, pra que
ele serve, porque se nós escrever tudo não é um museu mais, porque todos já vão
ter o conhecimento, por isso que se chama museu vivo, por que a gente vai falar
[...]”225.
Ambos os museus vivos expõem elementos culturais identitários de sua ancestralidade,
elementos de afirmação do reconhecimento identitário desses povos. Estamos diante de um quadro
ao qual, a partir dos CCS’s, os agentes sociais selecionam, organizam, classificam e caracterizam o
que é relevante para sua unidade. De modo que este acervo em exibição representa as políticas de
identidade desses grupos e são indissociáveis das pautas das lutas reivindicatórias de
reconhecimento e afirmação dos fatores identitários e dos direitos territoriais desses povos
indígenas.
Logo, enquanto instrumento político, os museus vivos, resultam da ação engajada de
comunidades, pelo reconhecimento e por direitos territoriais. Nesta ação estão envolvidos o saber
coletivo e o próprio movimento de associações, organizações e movimento sociais. Atualmente, os
CCS’S, contribuem para o fortalecimento da autoconsciência dos grupos, incorporando nas lutas
identitárias uma relação político-organizativa pelo reconhecimento do território.
223 PAULINO, Maria Alice. Catálogo centro de ciências e saberes Karapãna. Projeto Nova Cartografia Social da
Amazônia, 2019.
224 RUBIM, Altaci Corrêa. Os “museus vivos” kokama em Manaus-Am. In: Oliveira, Murana Arenillas; ALMEIDA,
Alfredo Wagner Berno de. Museus indígenas e quilombolas: centro de ciências e saberes. Manaus: UEA Edições/
PNCSA, 2017.
225 OLIVEIRA, Murana Arenillas. Experiências de criação de “museus vivos”. In: Oliveira, Murana Arenillas;
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Museus indígenas e quilombolas: centro de ciências e saberes. Manaus: UEA
Edições/ PNCSA, 2017.
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* * *
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
A pesquisa que aqui se apresenta articula interesses do campo da Nova História Indígena,
juntamente com a História da Imprensa, objetivando compreender a guerra Parintintin através dos
jornais amazonenses. Os Parintintin são indígenas do tronco Tupi, que estão presentes na região
leste do rio Madeira. São um dos vários grupos que compõem os povos indígenas Kagwahiva, e que
receberam tal denominação a partir das relações conflitantes com os Munduruku e os não-
indígenas.226 Alguns autores227 afirmam que esses indígenas, antes de serem encontrados no rio
Madeira, estabeleciam-se no rio Tapajós; mas como afirma Davi Avelino Leal 228, o certo é que ao
aparecer na documentação do século XIX, por conta do interesse extrativista na região, os
Parintintin já se encontravam nos rios Mayci, Marmelos e Machado.
Os Parintintin foram muito temidos pelo constante ataque que faziam na região dos rios já
citados, principalmente no período do processo de expansão da fronteira extrativista da borracha e
da castanha, momento esse de intensa disputa e invasão de terras indígenas; e assim passaram a ser
considerados um entrave às tentativas de “civilização” e ganho econômico que foram empreendidas
naquela região. Toda essa situação de conflito ocasionou inúmeras tentativas de atração e
“pacificação” desses indígenas, intentos que partiam dos próprios seringalistas, como Manuel de
Souza Lobo, que desde 1913 se empenhava neste objetivo.229 Porém, a chamada “pacificação” só
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H-0003/2020 com apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr.
Davi Avelino Leal.
**** Graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: arivck@hotmail.com
226 Os grupos Kagwahiva, segundo Waud Kracke, em A posição Histórica dos Parintintin na Evolução das Culturas
Tupi-Guarani (2004), foram denominados"Kagwahiva Setentrionais”: Parintintin, Juma, Jiahui, Tenharim; e
"Kagwahiva Meridionais”: Karipuna, Amondawa e Uru-eu-wau-wau (ou Jupaú).
227 MENÉNDEZ, Miguel Angel. Os Kawahiwa: uma contribuição para o estudo dos tupi centrais. 1989. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1989.
COUDREAU, Henri. Viagem ao Tapajós. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1977.
GONDIM, Joaquim. A Pacificação dos Parintintin: Koró de Uirapá. Manaus: Edições do Governo do Estado do
Amazonas, 2001.
NIMUENDAJU, Curt. Os Índios Parintintin do Rio Madeira. Jornal de la Societé des Americanistes de Paris. XVI,
1924.
228 LEAL, Davi Avelino. Mundos do trabalho e conflitos sociais no rio Madeira (1861-1932). Manaus: Editora
Valer, 2020. p. 138.
229 Ibidem, p. 168.
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surtiu efeito através das ações de Curt Nimuendajú que, articulado ao Serviço de Proteção aos
Índios, iniciou este processo em 1921. Por conta disso, a pesquisa se delimita temporalmente entre o
fim do século XIX e início do XX, período de maior recorrência de notícias sobre conflitos entre os
Parintintin e os não-indígenas no rio Madeira.
A partir disso, a pesquisa tem por objetivo a análise das relações entre imprensa e etnicidade
na construção de representações e práticas sobre a guerra dos indígenas Parintintin, principalmente
entre os anos de 1880 e 1920. Além disso, pretende-se também analisar as práticas e representações
da guerra Parintintin dentro dos estudos da guerra Tupi, em busca de compreender suas
aproximações e especificidades.
Todas as análises e discussões desenvolvidas na pesquisa são fundamentadas a partir da
Nova História Indígena, que propõe o protagonismo e a agência indígena na sua própria história.
Assim, é recuperada a agência social desses sujeitos, possibilitando analisar suas decisões de luta,
articulação, estratégias e ações. Como afirma Maria Regina Celestino de Almeida, “trata-se de
deslocar o foco da análise dos colonizadores para os índios, procurando identificar suas formas de
compreensão e seus próprios objetivos nas várias situações de contato por eles vividas.”230 Além
disso, na relação entre História e Imprensa, esta pesquisa atua no campo da História através da
Imprensa, tomando o jornal como fonte primária.
A pesquisa também se utiliza das noções de prática e representação, pensadas a partir do
campo da Nova História Cultural. A noção de prática é bastante ampla e complementar à de
representação. Para o historiador José D’Assunção Barros, são duas noções úteis
porque através delas podemos examinar tanto os objetos culturais produzidos
como os sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que
envolvem a produção e difusão cultural, os sistemas que dão suporte a estes
processos e sujeitos, e por fim as normas a que se conformam as sociedades
quando produzem cultura, inclusive mediante a consolidação de seus
costumes.231
Assim, a noção de prática pode ser compreendida como todos os modos de ser e agir de uma
sociedade, as formas como as pessoas se relacionam, “falam e se calam, comem e bebem, sentam-se
e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam
seus loucos ou recebem os estrangeiros.”232
230ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 23.
231BARROS, José D’Assunção. A História Cultural e a contribuição de Roger Chartier. Diálogos. Maringá, v. 9, n. 1,
p. 125-141, 2005. p. 135.
232 Ibidem, p. 131.
120
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Quanto à representação, para Chartier233, será sempre determinada pelos grupos que a forja,
e capaz de gerar diversas formas de práticas, por isso, está inserida nas questões de poder e disputa.
A noção de representação pode ser entendida como “as operações de classificação e hierarquização
que produzem as configurações múltiplas mediante as quais se percebe e representa a realidade” 234,
ou seja, é o modo de ver e transmitir a “realidade”. O historiador Le Goff, também nos fornece
compreensão semelhante, entendendo que a noção de representação “engloba todas e quaisquer
traduções mentais de uma realidade exterior percebida.”235
Outro entendimento que se mostrou importante no decorrer das análises, diz respeito às
guerras indígenas, que por vezes foram teorizadas a partir de discursos naturalistas, economistas,
entre outros236, que retiravam o caráter racional e tático da guerra feita por esses agentes. Portanto,
nesta pesquisa elas são compreendidas levando em conta o seu caráter social, altamente importante
na constituição das sociedades indígenas, de variadas formas. Assim, como afirma Florestan
Fernandes, “a guerra se nos apresenta como um fato social, no sentido restrito de existir como uma
das instituições sociais incorporadas a sociedades constituídas.”237
Como dito anteriormente, as fontes utilizadas são os jornais amazonenses disponibilizados
na Hemeroteca Digital Brasileira, site da Biblioteca Nacional. Eles foram selecionados a partir do
mecanismo de busca do site, que permite estabelecer limites de localidade e temporalidade, além do
uso de palavras-chave; sendo assim, de acordo com os recortes da pesquisa, a localidade se
restringiu ao Estado do Amazonas, a temporalidade entre os anos de 1880 e 1920, e as palavras de
busca foram “Parintintin”, “Parintintins” e “Parintintim”. Assim, os jornais trabalhados são o
Amazonas, Jornal do Amazonas, Diario de Manáos, Diario Official, Jornal do Commercio (AM), O
Correio do Purús, A Capital e o Imparcial. Além disso, faz-se uso de material bibliográfico da
época, que traz informações sobre os Parintintin naquele contexto, como a obra de Curt
233CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Portugal: DIFEL, 2002.
234 CHARTIER, Roger. Defesa e ilustração da noção de representação. Fronteiras, Dourados, MS, v. 13, n. 24, p. 15-
29, jul./dez. 2011, p. 20.
235 LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Portugal: Estampa, 1994. p. 11.
236 Pierre Clastres demonstra esses discursos e expõe suas conclusões no texto Arqueologia da Violência: a Guerra nas
Sociedades Primitivas. In: Arqueologia da Violência: Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo: Cosac & Naify,
2004.
237 FERNANDES, Florestan. A função social da guerra na sociedade tupinambá, 3 ed. São Paulo: Globo, 2006, p.
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LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
238NIMUENDAJÚ, Curt. Os índios Parintintin do rio Madeira. Journal de la Société des Américanistes, v. 16, p.
201-278, 1924.
239GONDIM, Joaquim. A pacificação dos Parintintins: koró de iuirapá. Manaus: Edições Governo do Estado do
Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 2001.
240ZICMAN, Renée Barata. História através da Imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto História,
São Paulo, v. 4, p. 89-102, 1985, p. 90.
122
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
ethos guerreiro Parintintin241 e que a empresa seringalista atravessou os caminhos de guerra desses
indígenas.
A pesquisa aqui apresentada se insere no espaço pouco preenchido das pesquisas de História
que tratam da relação entre indígenas e imprensa. Além do mais, muitos dos trabalhos realizados
sobre os Parintintin estão no campo da Antropologia e Etnologia. E mais, esta pesquisa permite
ultrapassar os discursos da visão dominante sobre os povos indígenas dentro dos jornais e se atém à
capacidade de agência e resistência dos Parintintin; estudos como esse só são possíveis a partir da
preocupação historiográfica atual da História Indígena de recuperar a agência e o protagonismo dos
indígenas dentro de sua própria história.
* * *
241 LEAL, Davi Avelino. Mundos do trabalho e conflitos sociais no rio Madeira (1861-1932). Manaus: Editora
Valer, 2020, p. 141.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Vale ressaltar que a Justiça do Trabalho como aparato jurídico e institucional de intervenção
estatal foi criado na Constituição de 1934, iniciando os trabalhos efetivamente somente em 1941.
Como poder normativo, passou a mediar e arbitrar conflitos, especialmente em casos de greve. De
acordo com Fernando Teixeira da Silva, “a Justiça do Trabalho foi criada com o objetivo de
desempenhar a função eminentemente conciliatória, mas quando as partes não conseguem firmar
acordo, os juízes definem os termos do dissidio, configurando uma arbitragem compulsória nos
conflitos de classe”242. Tais definições também são compartilhadas por Larissa Rosa Corrêa e
Clarice Gontarski Speranza ao analisarem o deslocamento das lutas iniciadas no chão das fábricas
levadas à Justiça do Trabalho.243 Esse perfil de intervenção foi nitidamente percebido entre os
metalúrgicos do Distrito Industrial e os empresários locais em 1985. Essa relação de conflito e
124
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
desgaste entre ambos os sindicatos, teve como ponto de partida a discussão da Convenção Coletiva
de Trabalho daquele ano, onde os trabalhadores expuseram as necessidades da categoria, entrando
em confronto direto com a classe patronal.
É preciso destacar que a rígida postura adotada sindicato patronal foi o que motivou
os metalúrgicos a paralisarem as atividades no Distrito. Nem mesmo a mediação da Justiça
do Trabalho facilitou o processo de negociação. Os empresários só aceitavam voltar à mesa
de negociações, caso os trabalhadores retornassem ao trabalho, proposta que foi
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Logo que foi decretava, houve uma reunião na Delegacia Regional do Trabalho –
DRT, com o intuito de pôr fim à greve. No entanto, ambos os sindicatos não recuaram de
suas decisões, e a conciliação passou a ser de responsabilidade do Tribunal Regional do
Trabalho – TRT. Enquanto isso, os trabalhadores sofriam as mais variadas formas de
repressão e até agressões físicas nas empresas. Em uma das reuniões de conciliação, o TRT
destacou que se não houvesse nenhum acordo, a decisão final caberia ao Ministério Público do
Trabalho. Diante disso, o Sindicato dos Metalúrgicos fez graves queixas contra o Ministério
Público. Uma delas foi a sua ausência nas negociações na Delegacia Regional do Trabalho. Com a
forte mobilização entre os trabalhadores, o sindicato patronal logo pediu a ilegalidade da greve para
forçar o retorno dos grevistas. O TRT ainda ressaltou que ouve desvios na condução do dissidio e
que não estava se julgando necessariamente a legalidade ou não da greve, mas o seu mérito, com o
único objetivo de celebrar um acordo entre patrões e empregados e consequentemente, o
encerramento a greve.
A paralisação dos metalúrgicos foi marcada por forte repressão policial, piquetes,
mobilização de outras categorias e principalmente pela união entre os grevistas, mesmo sem
qualquer tipo de experiência sindical ou de livre negociação. O Sindicato Patronal continuou
irredutível, negando-se a negociar, mesmo com a convocação do Ministério do Trabalho na
conciliação. Essa inflexibilidade se estendeu até o terceiro dia efetivo de greve.244 A imprensa local
ressaltou a todo momento que a greve era ordeira e pacífica e que pequenas irregularidades jurídicas
não poderiam deslegitimarem a luta dos trabalhadores na busca de condições mínimas de
sobrevivência. Tais irregularidade não deveria ser confundidas com nulidade. Neste sentido, havia
legitimidade nas pretensões dos trabalhadores, segundo a avaliação do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, demostrando através de um estudo solicitado
pelo Sindicato dos Metalúrgicos que as perdas salarias dos operários se baseavam no alto custo de
244 A greve teve início no dia 01 de agosto de 1985, quinta-feira. O dia 02 se manteve sem negociação. Os dias 03 e 04
de agosto foram finais de semana. Apenas algumas empresas tinham expediente no sábado. A retomada da greve só
veio a ocorrer no dia 05 de agosto, quando mais de 20.000 operários se mantiveram paralisados.
126
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
vida da cidade, questionando os métodos e artifícios do Sindicato Patronal para achatar ainda mais
os salários.
No dia 05 de agosto, houve nova audiência de conciliação por intermédio Tribunal Regional
do Trabalho. Nessa reunião não houve acordo, mas as negociações puderam ser reabertas. Esse
passo foi considerado uma pequena vitória para os grevistas. Ambos os sindicatos optaram por
prosseguir negociando extrajudicialmente. Os empresários já se encaminhavam para um possível
acordo e os trabalhadores começaram a dar sinais de esgotamento do movimento com o retorno
gradativo de alguns operários ao trabalho. Percebendo o desgaste de ambos os lados, ainda na
madrugada do dia 06 de agosto foi celebrado um acordo, posto em votação e aprovado pelos
trabalhadores em Assembleia Geral.
245 Processo TRT N° DC08/85. Espécie: Dissidio Coletivo. Arquivo do Centro de Memória da Justiça do Trabalho –
CEMEJ/TRT11, p,178.
246 Jornal A Crítica, 07 de agosto de 1985, p. 07.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
* * *
128
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Nos últimos anos do primeiro governo Vargas consolidaram-se diversas medidas que
visavam garantir e ampliar a exploração, sobretudo do carvão mineral. Essa política consolidou-se
em 1953 com a criação do Plano Nacional do Carvão 250. O carvão vegetal, enquanto um subproduto
da madeira também recebe uma atenção importante nesse contexto.
Manaus, a despeito de ter sido uma das primeiras capitais a contar com energia elétrica,
ainda no início do século XX, tido à época como fator de modernidade, continuava sustentando-se
majoritariamente, seja nos navios, pequenas fábricas, padarias, gráficas ou usinas da energia a
vapor251, gerada pela queima de lenha e carvão vegetal.
O escritor e político amazonense Jeferson Peres em seu livro de memórias sobre a cidade de
Manaus dos anos 1940/50 observa que, quem percorresse os pontos mais afastados da cidade nesse
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa que resultou na dissertação de Mestrado “Carvoeiros: trajetória
do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus (1945-1967)”, defendida no ano de 2017 no PPGH/UFAM
com apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós. A referida dissertação recebeu o prêmio
PROPESP/UFAM como a melhor dissertação do programa no ano de 2017.
**** Sérgio Carvalho de Lima, professor da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC/AM) e da Secretaria Municipal
de Educação (SEMED/Manaus). E-mail: sergiolima.scj@gmail.com
247 SOUZA, Elza Coelho de. “Carvoeiro” In: Revista Brasileira de Geografia, Out-Dez 1946, n. 4, p. 151.
248 PERES, Jefferson. Evocação de Manaus: como eu a vi e sonhei. Manaus: Valer, 2002, p. 208
249 Na década de 1940 foram fixadas as diretrizes mais amplas para o aproveitamento do carvão nacional, (Decreto-Lei
nº 2.667, de 3 de outubro de 1940. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2667-3-outubro-1940-412620-norma-pe.html.
Acesso em 02/05/2021.
250 Lei nº 1886, de 11 de junho de 1953. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l1886.htm. Acesso em 02/05/2021.
251 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando viver ameaça a ordem urbana – trabalhadores de Manaus (1890-1915).
Manaus: Valer, 2014, p. 66.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
período, como a Estrada do Tarumã ou a Colônia Campos Sales avistava “com frequência, rolos de
fumaça que saíam da mata, indicando os locais onde se fazia o carvoejamento 252. Ainda segundo o
autor
Entendemos que a História Oral, mais que “uma onda passageira” ou um complemento à
fonte escrita, se apresenta como uma rica fonte de pesquisa para o historiador na medida em que
possibilita meios de reconstrução do cotidiano e da memória de sujeitos, cujas vivências
dificilmente seriam “entendidos ou elucidados de outra forma”255.
As trajetórias de Wilton Alves e Judith dos Santos são significativas, nesse sentido, por
evidenciarem testemunhos de um período tido tradicionalmente como estagnado, perspectiva esta
que acaba, em certo sentido ocultando processos e realidades do espaço urbano, homogeneizando os
sujeitos e relegando às sombras diversas experiências, de viver e trabalhar, moldadas nesse
contexto.
130
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
família, sendo o produto transportado em canoas ou batelões257 para ser vendido nas beiradas e
igarapés de Manaus em meados da década de 1940.
Quando questionado sobre sua inserção nesta atividade, Wilton afirmou “A vida era
trabalhar na agricultura como carvoeiro, como roceiro...a gente vivia pela agricultura, vivia pelo que
produzia...era um ramo que dava”258. Atualmente com 86 anos de idade, Wilton lembra da rotina na
lida com carvão, fabrico, transporte e venda
Percebemos que em sua narrativa, Wilton Alves contraria uma determinada imagem
projetada para o homem do interior, o caboclo que, herdeiro de um passado indígena, apresenta
sempre uma “dose visível de preguiça” e “indisposição para o trabalho sistemático”, numa
permanente “despreocupação com o dia de amanhã”260.
Você trabalhava amplo, livre, em qualquer parte que você encostava, fazia sua
farinha, fazia sua caieira, não tinha dificuldade, não tinha imposto não tinha nada,
só existia o imposto da mercadoria e comércio que era o que a gente comprava né,
que se pagava os imposto para os fiscal, fora disso não existia nada que sem
dificuldade, era o tempo de rosa como chamavam naquela época, não tinha
perseguição, muita fartura, muito peixe, caça você num matava uma caça porque
você não tinha necessidade de matar porque tinha o que comer o que beber era bom
demais, era uma época que dava seus nomes nos alfabetos mas era uns alfabetos
257 Embarcação regional movida a remo, de pequeno casco e geralmente coberta de palha (ANDRADE, Moacir.
Op.cit., 1984, p.48-49)
258 Entrevista realizada em 23 de novembro de 2016, em sua residência.
259 Entrevista realizada em 23 de novembro de 2016, em sua residência.
260 BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia: Análise do processo de desenvolvimento. Manaus: Valer, 2007, p.
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LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
fiel que não roubava que tinha sua palavra certa, agora não, agora ninguém só
estamo esperando em Deus mesmo, fora Deus não tem mais ninguém261
Interiorana, assim como Wilton, nascida no município de Fonte Boa, região do Alto
Solimões, no ano de 1944, Judith veio com dezesseis anos de anos idade para a capital amazonense
em busca de melhores condições de vida, a exemplo de muitos outros ribeirinhos nesse período. Foi
moradora da Cidade Flutuante263, e posteriormente com a desarticulação deste espaço, mudou-se
para o então periférico bairro de Santo Antônio. Sobre sua trajetória desde os tempos no interior até
a chagada a capital e a opção pelo trabalho com o carvão vegetal Judith fez o seguinte relato
Eu nasci pra lá, mas não pude estudar porque meus pais não tinha recurso pra me
botar pra estudar na cidade, aí eu fiquei trabalhando por 5 anos comecei a trabalhar
em casa, ajudar minha mãe não tinha mais pai, aí com 10 anos comecei a trabalhar
na roça sabe pra ter meu dinheiro meu dinheiro sabe, aí morei. Viemo de lá pra cá,
Paraná de Flores município de Codajás bem pertinho, aí de lá trabalhei na juta, na
roça, plantava primeiro a roça, milho, banana ai fui pra juta, trabalhei muito tempo
na juta, aos meus 16 anos a minha irmã resolveu vi pra cá pra cidade aí eu vi pra cá
mais ela né com 16 anos, aos meus 17 anos foi quando me casei aí fiquei casada
mas meu esposo viajava ai foi justamente quando comecei a cuidar de carvão sabe,
aí aos meus 19 anos tive meu primeiro filho nos [pausa] 22 eu tive a segunda
filha.264
Judith enfatiza nessa narrativa a ligação com as atividades que desempenhou no interior, o
cultivo da roça e dos diversos produtos agrícolas. Talvez por isso “cuidar de carvão” tenha sido uma
escolha lógica dentre outras possíveis para sua sobrevivência, em tempos que o esposo viajava e
mesmo após este falecer.
132
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
mesmo pela família em relação a mulher, neste caso, a mulher casada, havia possibilidade de serem
redefinidos cotidianamente, abrindo assim relativos espaços de autonomia.
As falas dos entrevistados citados, possibilitam acesso aos lugares da memória desses
sujeitos históricos, remetendo-nos às diversas espacialidades que cotidianamente articulavam para
trabalhar, viver, morar, enfim, sobreviver numa cidade tida como estagnada. Além disso, seus
relatos e trajetórias pessoais permitiram-nos conhecer suas lutas cotidianas, ao mesmo tempo que
suas percepções dessa espacialidade.
* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
** Este trabalho é parte da pesquisa desenvolvida durante o curso de Mestrado em História no PPGH/UFAM com apoio
da CAPES e sob a orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas. Professor de História da SEDUC/AM e
SEMED/AM. E-mail:m.dias.araujo13@gmail.com
266 PINHEIRO, Luís Balkar Peixoto; PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Mundos do trabalho na cidade da borracha:
trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930). Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.
267 Ver: ARAÚJO, Moisés Dias de. O grito dos trabalhadores: movimento operário, reivindicações e greves na
Manaus da Grande Guerra (1914-1918). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas,
2018l, p. 14-49.
268 Jornal do Commercio, 01/01/1914, p. 2.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
somente local como de outras partes do país. E isso fica claro através do Código Penal de 1890 269,
que tentou proibir as greves e coligações operárias. Portanto, a falta de regulamentação através de
lei era um dos elementos principais que beneficiava mais aos empregadores do que aos
trabalhadores, demonstrando que entre eles, “[...] existe sempre ‘uma fronteira invisível de
controle’, uma fronteira que é definida e redefinida num processo contínuo de pressões e
contrapressões”270. Esse fato gerava uma contrapressão por parte do empregador, que teve como
resultado empírico a demissão de oito trabalhadores do cemitério São João Batista que estavam
envolvidos com a greve.
Não obstante, focaremos em dois movimentos grevistas ocorridos durante o período de 1914
a 1918, e que foram promovidos pelas seguintes categorias: dos foguistas e dos alfaiates da cidade
de Manaus.
No dia 25 de janeiro de 1914, o Jornal do Commercio noticiou em suas páginas um
movimento iniciado pelos foguistas. Este episódio foi apenas um dos primeiros acontecimentos os
envolvendo. No dia 23 de março do mesmo ano saiu outra nota no mesmo jornal que tinha como
teor algumas reclamações sobre questões parecidas com os acontecimentos do dia 25 de janeiro.
Então vamos aos movimentos.
Ao considerarmos esses dois momentos, entrevemos que o segundo episódio esclarece
muito os motivos que levaram à tentativa de greve no dia 25 de janeiro, elucidando as razões da
revolta da União dos Foguistas, bem como de alguns trabalhadores. Aos olhos do comandante do
navio, assim como da administração do porto, tudo estava em ordem. Porém, segundo a União, o
número de trabalhadores estava muito abaixo do estipulado. No primeiro episódio, só foi
apresentado o número total de trabalhadores dentro da embarcação, diferentemente do segundo em
que eles especificaram que era um maquinista e dois foguistas.
Além disso, o fato de não prestarem outros esclarecimentos, como a questão do número de
dias de viagem feito pelas embarcações, foi ponto crucial do debate. Quanto maior o número de dias
de viagem, maior a necessidade de empregar mais trabalhadores, o que no caso não estava
ocorrendo, pois nessa situação estavam sendo apresentados apenas três dias de viagem. Porém,
269 Decreto nº 847, 11 de outubro 1890 – Promulga o Código Penal – Capítulo VI – Dos crimes contra a liberdade de
trabalho: Artigo 204 – Estabelece penalidade contra qualquer um que constranger ou impedir alguém de exercer sua
indústria, comércio ou oficio; Artigo 206 – Considera crime causar ou provocar cessação ou suspensão do trabalho, para
impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário.
270 LINDEN, Marcel Van Der. Trabalhadores do mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas,
SP: Editora Unicamp, 2013, p. 195.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
como eles colocavam, na maioria das vezes a duração das viagens excedia a oito dias,
sobrecarregando, dessa forma, os trabalhadores, sendo este o principal motivo de sua revolta.
No dia 21 de março de 1916, novamente a União dos Foguistas entrou em ação. Percebemos
novamente a atuação da União junto aos seus associados, diante de uma situação de desacordo entre
o que estava previsto e o que andava acontecendo. Desta vez foi sobre o salário a ser pago pelos
dias que seriam trabalhados pelo foguista Francisco Luiz da Silva. Porém, como é relatado pelo
jornal, após esse primeiro contato com o foguista por parte da União, assim como após a conversa
com o comandante da embarcação, não houve nenhum acordo entre as partes, pois ocorreu a
necessidade de o próprio presidente da associação comparecer ao local.
No entanto, o mesmo não pôde subir na embarcação, pois foi impedido pelo comandante,
gerando revolta entre os foguistas, que resolveram em “solidariedade” ao companheiro deixar a
embarcação. Como o próprio jornal enfatizou, que o mais antigo dos trabalhadores da embarcação,
Antônio Affonso Coelho, se solidarizou e também abandonou a embarcação.
Apreciamos essa atuação por parte da União junto aos foguistas e carvoeiros ganhar mais
força quando eles declararam-se em greve, tendo como causa principal as questões salariais,
gerando um grande embate entre a categoria dos foguistas e a Capitania.
Cabe destacar que uma das reivindicações que sempre provocava divergências entre os
trabalhadores das embarcações e a Capitania do Porto teve uma solução aparentemente favorável a
seus trabalhadores, que foi o aumento da tripulação dentro das embarcações, diminuindo assim a
carga de trabalho sobre todas as categorias envolvidas nas viagens fluviais.
Os movimentos continuaram pela cidade, mostrando o dinamismo dos trabalhadores e suas
reivindicações para resolver os seus problemas. As greves prosseguiram no ano de 1915, e
novamente “[...] por desavenças entre patrões e empregados no tocante aos valores a serem pagos”
de seus salários271. Porém, dessa vez, temos na linha de frente a categoria dos alfaiates.
Após uma reunião realizada entre os pares no dia 18 de agosto de 1915, foi deliberado que
nenhum alfaiate presente naquela assembleia deveria trabalhar para o empregador, Augusto de
Oliveira, “nem mesmo sob as melhores propostas”272. Segundo o Jornal do Commercio, todas essas
informações foram repassadas por uma junta formada pelos membros da União273 que foram à
redação do jornal. Presenciamos novamente dentro dos movimentos dos trabalhadores uma junta
136
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
formada para esta situação de greve, que ficou responsável em passar as informações sobre os
acontecimentos ao jornal.
Notamos, desse modo, como a União dos Alfaiates agiu de forma bem organizada a respeito
dos acontecimentos que se deram com os trabalhadores da alfaiataria As Tesouras. Essa greve
perdurou por um longo período e, mesmo assim, a União dos Alfaiates não deixou de dar auxílio
aos grevistas. Linden coloca que durante uma greve “[...] é essencial manter elevado o moral dos
grevistas. Os trabalhadores têm que continuar envolvidos no processo e não podem perder a
esperança”274.
E como podemos perceber em outras notas que saiam naquele jornal ao longo do mês de
agosto, a “[...] União continua em sessão permanente e mantém de pé a gréve nas alfaiatarias As
Tesouras e Manáos Chic até que fique resolvida a questão com essas alfaiatarias” 275. Atentamos que
havia uma coesão por parte dos grevistas, assim como de sua associação ao movimento paredista.
Reforça ainda essa perspectiva de união/coesão quando na última nota, do dia 04 de
setembro, o Jornal do Commercio nos mostrou que a União estava como intermediadora das
negociações, “[...] a União dos Officiaes de Alfaiate continuará em gréve com a alfaiataria As
Tesouras até que Augusto de Oliveira termine o pagamento dos seus ex-officiaes”276. E isso
ocorreu, pois havia sido firmado um acordo entre a União e o dono da alfaiataria, de que todos os
trabalhadores seriam pagos até o dia 2 de setembro. Como parte dos pagamentos ainda estava em
aberto, eles continuaram em greve.
Um último ponto a acrescentar sobre o movimento se liga muito a esses laços de
solidariedade, é a questão étnica, pois nos relatos apresentados, assim como no material empírico
(fontes), boa parte desses trabalhadores eram portugueses.
Dentre os movimentos grevistas, podemos considerar este dos alfaiates como um dos mais
coesos e solidários, pois, como já foi comentado, não ocorreu nem ao menos um caso de fura-greve
no movimento, além de se manterem paralisados por um longo tempo. Eram bastantes solidários
uns com os outros, além de demonstrarem uma organização forte, através da União dos Alfaiates de
Manáos.
Assim, os movimentos grevistas e outros movimentos de reivindicações que estavam
ocorrendo pela cidade não buscavam apenas o pagamento de seu salário, mas esforçavam-se em
solucionar uma variedade de problemas que perpassavam no seu cotidiano, assim como a busca de
autoafirmação das categorias dentro deste mundo do trabalho manauara.
* * *
138
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
O mundo vive uma grande crise migratória, os noticiários dão conta de relatar as fatídicas
lutas de milhares de imigrantes que saem de um lugar para o outro nas mais perigosas aventuras já
vistas nos últimos tempos. Um dos últimos dos episódios sobre a situação dos imigrantes, foi a
apreensão do Navio da ONG SeaWatch, em junho de 2019, após levar sem permissão cerca de 40
migrantes a Ilha de Lampedusa, território italiano, ele atracou no lugar para prestar melhor
assistência a tripulação que estava desidratada, sem falar nos refugiados sírios que chegam em
número expressivo a Europa.
estrutura física quanto social, à medida que novos bairros foram surgindo e assim, tem sido até o
presente momento com milhares de migrantes e imigrantes tomam Manaus como um novo destino.
No entanto, como as sociedades vem lidando com os imigrantes que chegam? Umas das
suas perspectivas primordiais do fenômeno da imigração é que, tirando algumas situações
singulares, ele colabora para esconder a sim mesmo a sua própria verdade. Por não alcançar
constantemente, porém acordo o direito e o fato, a imigração penaliza-se a engendrar a uma
situação que aparenta-se destiná-la a uma dupla condição:
Dada a situação discrepante do país, vem sendo recorrente a imigração venezuelana para
outros países como é o caso do Peru, Bolívia e Brasil. Soma-se cerca de 3 milhões de expatriados
segundo a ACNUR283, e ainda, até abril de 2019 há registro de cerca de 16 mil reconhecimento na
condição de refugiados. De acordo com a polícia federal são 168 mil venezuelanos em solo
nacional.284
Assim, os waraos vem chegando a Manaus desde final de 2016, através de Pacaraima e Boa
vista, muitos cruzam a fronteira a pé. O motivo pela procura de outra cidade como é o caso de
Manaus, dá-se pela falta de assistência- alimentícia, médica e social, e para além disso, o estigma de
serem visto como “peso” para aquela sociedade.
281 SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou paradoxos de alteridade. tradução. Cristina Murachco- São Paulo, Editora
da Universidade de São Paulo,1998.
282 Parecer técnico Antropológico. manaus/mpfam-apresenta-parecer-antropologico-sobre-indigenas-warao-em-
manaus
283 Agência da ONU para refugiados
284Alto Comissariado das Nações Unidas. nacoesunidas.org/agencia/acnur/
140
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Dessa maneira, os novos imigrantes chegam para compor o cenário da capital manauara,
essa Manaus com mais de 2 milhões de habitantes e muitos contrastes sociais. Há dois perfis de
imigrantes venezuelanos: os urbanos ou chamados criollos e indígenas, nos redobramos na presença
desses últimos que são oriundos do Delta do rio Orinoco na região nordeste da Venezuela. A sua
população é composta aproximadamente de 49.000 pessoas, estima-se que eles ocupam o território
em torno de 8.000 anos. Segundo estudos antropológicos, arqueológicos e linguísticos, a
característica da região é composta por uma extrema rede de caños, ilhas fluviais, mangues e terras
alagadiças, onde vivem centenas de comunidades.287
É necessário conhecermos a dinâmica e acima de tudo a cultura milenar desse povo que tem
a sua origem no Delta do rio Orinoco, conquanto, analisar de uma forma mais sensível o seu êxodo
para as grandes cidades como é Manaus. A paisagem da cidade também tem dado conta de revelar
os múltiplos casebres dos warao que se misturam entre ruas, viadutos e carros, e assim,
descortinando a nova realidade urbana da cidade. As mulheres com suas crianças mendigando nos
sinais paradas nas principais avenidas não passam despercebidas, dessa forma, a sociedade vai
conhecendo esses novos moradores que buscam permanecer na área urbana. Acerca desses direitos,
Sayad diz que:
285 Idem.
286 Maria Peréz, em entrevista concedida à autora desta pesquisa, em 30 de junho de 2019, na cidade de Manaus.
287Paracer técnico Antropológico.manaus/mpfam-apresenta-parecer-antropologico-sobre-indigenas-warao-em-manaus/
288 SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou paradoxos de alteridade. Tradução. Cristina Murachco. São Paulo, Editora
da Universidade de São Paulo,1998, p. 48
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
A atitude desses sujeitos é vista negativamente por muitos moradores locais, eles afirmam
que os venezuelanos são mal-agradecidos, diante da situação que se encontram, que eles não
poderiam reclamar e sim aceitar a ajuda. O olhar depreciativo de muitos manauaras sobre os
venezuelanos é sentido desde a sua chegada, taxados como indesejáveis moradores.
As famílias que moravam no centro de Manaus, não eram bem aceitas pelos proprietários
dos cômodos alugados, embora pagassem um aluguel duplicado daqueles que eram cobrados a
brasileiros, algumas reclamações seriam sobre a má higiene do espaço. Esse tipo de oportunismo
sobre os aluguéis diferenciado é percebido em outros períodos de movimentos migracionais289
A questão cultural dos warao, não é aceitável pelos manauaras, visto que são tidos como
imigrantes não desejáveis, os desejáveis são aqueles que estão aptos aos trabalhos, que são
preconizados pela sociedade ocidental, são necessários, indispensáveis para ajudar na economia que
os utiliza, assim, os imigrantes têm um lugar durável, um lugar a margem, na prática, na parte
inferior da hierarquia social.290
Segundo Maria, o motivo de vir para Manaus foi primeiramente a escassez de alimentos,
garantir uma vida melhor e a busca de trabalho, embora, não conhecessem a dinâmica da cidade,
eles procuravam se inserir no pretenso modo de vida urbano. Apesar de ser diferente do contexto do
Delta do Orinoco que estava baseado na pesca, caça e artesanato, ali faziam apenas uma refeição
por dia baseada em milho, falta de vestuário, falta de medicamentos, a falta de circulação de
dinheiro e, por fim, a falta de esperança. A cultura diferente desse povo não é compreendida pelos
manauaras, causando práticas intolerantes de moradores locais que os estigmatizam de preguiçosos,
289 FONTES, Paulo. Um nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-1966). Rio de
Janeiro-Editora FGV, 2008, p. 134.
290SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou paradoxos de alteridade. Tradução Cristina Murachco- São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo,1998.
142
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
não dados aos trabalhos que ‘dignifica’ os homens e mulheres das sociedades modernas e pós-
modernas.
Não tem sido nada fácil para esses imigrantes que buscam o modus vivendi ordenador em
Manaus, a falta de comunicação, na falta de inserção no mercado de trabalho, a ida ao hospital, o
calor e a cultura diferente tem sido um desafio para eles. A reivindicação dessa população tem sido
latente no espaço urbano como é elencado por eles - a falta de ajuda do governo, falta de material
para fazer artesanato, crianças com problemas de saúde como o sarampo, a tuberculoses.
Não há materiais para ensinar as crianças em língua materna, crianças e adultos em estado
de vulnerabilidade e vivendo em locais insalubres, daí nasce a necessidade de reivindicações
políticas para (res)significar a cidade. Embora, haja todas as dificuldades supracitadas encontrada
em Manaus por esses homens e mulheres, podemos perceber a luta desses atores pela permanência e
pelo direito a cidade.
* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Esta apresentação tem como base o estudo sobre a luta empreendida por camponeses de
comunidades ribeirinhas, em defesa de espaços e recursos naturais de uso comum ameaçados por
interesses privados orientados por processos econômicos de mercado. A luta em defesa da criação
de uma unidade de conservação foi iniciada em 2002, embora a luta pela preservação da área date
do início dos anos noventa, e culminou, em 2018, com a criação da unidade de conservação de uso
sustentável Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, localizada na calha do rio Jauaperi,
divisor natural dos estados do Amazonas e Roraima e afluente do rio Negro. O estudo em tela é
parte constitutiva do projeto de doutorado em História Social pelo PPGH da UFAM denominado
Luta e Memória: a luta pela criação da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi em defesa
de um modo de vida.
Pode-se dizer que a modalidade de “luta pela terra” em questão é, de um certo modo,
diferente daquela analisada pelos clássicos das ciências sociais que se debruçaram a compreender a
questão agrária na Amazônia. Aqui, investigo a luta em defesa da posse da terra e o modo distinto e
peculiar de uso não só da terra, mas de tudo que está sobre ela, inclusive aquilo que não é tangível.
Em outras palavras, a luta aqui não é pela terra como base material para a produção privada de
produtos a se realizar no mercado enquanto mercadoria. Ademais, a luta é empreendida por sujeitos
sociais que vivem nas e das florestas e mantêm um modo de vida que pressupõem a manutenção da
floresta em pé.
Paralelo a essa compreensão de defesa e disputa pela terra, outras questões se colocam no
debate. É necessário pontuar que, enquanto os trabalhadores/agricultores rurais da Amazônia, quase
todos migrantes das frentes de expansão advindas do sul, sudeste e nordeste, centraram suas lutas
pela terra em uma perspetiva de apropriação e uso privado da terra, como bem privado, os
camponeses ribeirinhos que lutaram em defesa da posse da terra enquanto território natural socio
espacial compreendem a terra como um bem coletivo e de uso comunal, vislumbrando a defesa dos
espaços naturais, dos recursos naturais presentes ali (florestas, fauna, recursos pesqueiros etc.) como
Pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado no PPGH/UFAM sob a orientação do Prof. Dr. César
Augusto B. Queirós.
**** Doutorando em História Social pelo PPGH da UFAM, Professor de Sociologia da UFAM, luizxixuau@gmail.com
144
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
estratégia fundamental e necessária à manutenção dos seus modos sociais vida291, que resultam de
uma construção social imemorial centrada em experiências, memórias, tradições e costumes. Nessa
construção, costume e cultura estão interligados, como indica Thompson292, costume aqui é
entendido como cultura, mas para além disto, costume como expressão do uso habitual que o
conforma enquanto direito: Se de um lado, o ‘costume’ incorpora muitos dos sentidos que
atribuímos hoje à cultura, de outro, apresenta muitas afinidades com o direito consuetudinário, e
este deriva dos costumes, dos usos habituais: usos que podem ser reduzidos a regras e precedentes,
que em certas circunstâncias são codificados e podem ter força de lei.
A Pesquisa de doutorado tem se dedicado a trazer à tona as histórias dos ribeirinhos que
lutaram pela criação da Resex Baixo Rio Branco-Jauaperi, de tal modo que seja possível saber quais
foram as razões e motivações que os moveram para lutar e empreender resistência pela proteção do
território e os seus modos sociais de vida e seus costumes. A pesquisa se debruça sobre as memórias
dos trabalhadores envolvidos neste tecido social, buscando revelar aquilo que está ali na condição
do que ainda não foi dito e que ainda precisa ser contado.
Esta comunicação tem como objetivo apresentar resultados parciais de estudos que
realizamos a fim de saber o quanto os comunitários estão satisfeitos com a criação da reserva, bem
291 DIEGUES, Antônio Carlos Sant'Ana; ANDRÉ DE CASTRO, C. Moreira. Espaços e recursos naturais de uso
comum. NUPAUB-USP, 2001
292 THOMPSON, Edward Palmer; EICHEMBERG, Rosaura. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
Há uma grande expectativa em relação a criação da Reserva. Tanto entre os moradores defensores
da implantação da Resex quanto aqueles que se posicionaram contrários. O que se destaca nesta
expectativa é, de um lado, a esperança de que a reserva possa finalmente garantir aos comunitários a
paz e segurança fundiária; a proteção dos recursos naturais de uso comunal e a possibilidade de
geração de renda, assim como a oferta, por parte do Estado, de saúde, educação e demais serviços
públicos. De outro lado, entre aqueles moradores que se posicionaram contra a criação da reserva há
um tipo de temor na medida em que, para eles, seriam impedidos de continuar vivendo no local de
acordo com os seus modos de vida.
Segundo aqueles comunitários “com a criação da reserva ninguém mais vai poder tirar uma
vara do mato ou um peixe do rio para a sua alimentação” ou, de outro modo, “a reserva virá para
impedir a reprodução sociocultural daquelas pessoas e somente beneficiaria os turistas de fora”.
Aqui é preciso fazer uma observação importante: há dois tipos predominantes de comunitários
contrários a implantação da reserva. Os primeiros são aqueles que acreditam que a reserva será
293 VERDEJO, M. E. Diagnóstico Rural Participativo. Brasília: MDA/Secretaria da Agricultura Familiar, 2006.
146
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
restritiva aos seus modos de vida, inclusive podendo expulsá-los de suas áreas de uso. Para estas
pessoas, as reservas se configuram como uma ameaça e risco real; se sentem ameaçados.
Esta ideia está umbilicalmente ligada à percepção que aqueles camponeses possuem em
relação às unidades de conservação de uso indireto que, efetivamente expulsa a população humana
ali residente. No caso do Baixo Rio Branco-Jauaperi, há uma relativa proximidade com o Parque
Nacional do Jaú e o conflito ali existente a cerca de três década, decorrente da presença humana na
área e a resistência deles em relação à restrição legal da presença humana em unidades de
conservação de uso indireto. Para estas pessoas, o observado, o empírico vale mais do que mil
palavras. E eles possuem um pouco de razão, já que as unidades de conservação (todas) de algum
modo impõem limites restritivos aos modos de vida das populações locais. Neste caso, trata-se de
uma posição ideológica, ou seja, estes comunitários pensam algo como: “sou contra as reservas por
elas serem restritivas”; “sou contra as reservas por que não quero ser mandado por ninguém”.
O outro tipo de morador contrário à reserva é aquele que não possui uma posição ideológica
em relação à mesma, entretanto se opõe por estar subordinado política e economicamente ao
governo do estado de Roraima ou ao município de Rorainópolis. Estes comunitários, como se diz
localmente, “recebem salário do governo” e, deste modo, são obrigados a defender os valores e
ideais impostos pelo pelos representantes do governo. Assim, ao longo dos anos tivemos
“aguerridos” defensores da reserva se convertendo em “inimigos” da mesma, bem como o
contrário, “ferozes” opositores da reserva se convertendo em seus defensores. A variável que
determina esta mudança se chama “salário do governo”. Neste caso, receber ou não um salário do
governo municipal ou estadual faz a diferença.
O grau de participação e aceitação das comunidades em relação a Resex está ligada a questão
acima indicada. Assim, se na comunidade há um ou mais líderes locais na condição de empregado
do governo ele tende a pressionar os demais moradores para que não contrariem a vontade do
“padrão” (governador, prefeito ou parlamentar). Lembrando que as relações de poder nas
comunidades são fundamentalmente patrilineares de modo que a vontade do chefe/presidente
comunitário acaba por se expressar na aparente manifestação das demais vontades - aparentemente
todos concordam com o chefe. Aparente porque após algum tempo de conversação com cada um
dos moradores nos foi possível dar conta de que há um jogo de poder intra e extra comunidade que
garante o equilíbrio local. Desta forma, as posições são alternadas, de acordo com os interesses
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA
imediatos.
Mesmo com os elementos positivos em relação a criação da reserva indicados pelas matrizes
ecológicas (uma das técnicas do DRP), buscamos aferir o grau de aceitação e rejeição em relação a
criação da unidade de conservação de uso sustentável realizando entrevistas estruturadas junto aos
chefes de família das comunidades da área em questão. Ao perguntarmos “qual a sua opinião em
relação à criação da reserva?”, 65% dos entrevistados nos disseram ser favoráveis a criação da
reserva; de outro lado, 12% se declaram contrários a criação da reserva e 23% manifestam opiniões
conflitantes, o que indica as posições flutuantes, norteadas pelos diferentes interesses apontados
acima.
* * *
148
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Crise do governo democrá co e repercussão do suicídio de
Vargas*
Ainda que haja extensos estudos acerca da vida e política dos governos Vargas, pouco
se fala acerca do impacto do seu suicídio na reordenação política dos estados,
principalmente no que tange o Norte do país. Visto isso, esse estudo se preza a entender
a construção da política de Vargas, bem como a crise enfrentada em seu último ano,
para compreender o impacto de seu suicídio no Amazonas. Para a construção dessa
análise utilizo como fonte e objeto de estudo o Jornal do Comércio e jornal A Crítica,
periódicos de grande circulação no Estado no ano de 1954.
O primeiro periódico, Jornal do Comércio, pertencia à rede nacional de Assis
Chateubriand chamado Diários Associados do empresário e era tido como um jornal
pertencente às elites. De circulação nacional, se diferencia de nosso segundo periódico
de análise, o jornal A Crítica, fundado em 1949 na cidade de Manaus pelo jornalista
Umberto Calderaro, que reivindicava ser a voz do povo, lutando ao seu lado.
Desde princípios de seu governo, Getúlio governara entre muitas oposições
políticas. As repressões durante o período ditatorial do Estado Novo, ratificaram o
conflito quando, na altura das eleições de 1950, o ex-ditador se lança à candidatura.
Vindo de uma longa reclusão nos pampas gaúchos, o novo governo de Vargas se
diferencia dos anteriores. A experiência do passado lhe rendeu um novo olhar. O plano
político de Vargas para seu primeiro governo eleito era de um governo neutro, tentando
se desvencilhar da antiga imagem de ditador do Estado Novo, Vargas tenta um governo
plural, sem distinção de aliados. Para isso, faz diversas concessões políticas para que
transitasse as transformações econômicas e políticas desejadas.
No entanto, tais concessões não foram suficientes para assegurar a estabilidade
do seu governo, tão pouco foi somente a incapacidade de conciliar interesses que
enfraqueceram seu governo. A própria ausência de um partido político
consideravelmente forte que exercesse poder foi um problema. O PTB, seu porta voz
autorizado ainda não possuía uma efetiva expressão à nível ministerial, dificultando
ainda mais o acesso a postos estratégicos da máquina estatal. As políticas conciliatórias,
seguidas posteriormente de um caráter mais trabalhista geraram uma série de
desconfianças com seu governo, impossibilitando as articulações políticas dentro dele.
A reforma no Ministério do Trabalho e a proposta de aumento de 100% do salário-
mínimo geraram uma série de desconfianças da implantação de um República
Sindicalista.
O estopim dos conflitos veio a ocorrer com o atentado da rua Tonelero, com a
investida sobre a principal oposição de Vargas, Carlos Lacerda e consequente morte do
Major Rubens Vaz. A culpa recaiu sobre Vargas e a imprensa dedicou seus dias
apresentando o desenrolar do caso. O jornal A Crítica é quem adota uma postura mais
radical de acusação ao governo, enquanto o Jornal do Comércio tem uma postura mais
cautelosa.
Com a pressão da imprensa pela renúncia e a perda de apoio político, na manhã
do dia 24 de agosto, Getúlio atira contra o próprio peito. Assim, o cenário se inverte
completamente e os arderes de ódio se transformam em juras de vingança.
Ocorre então, uma transposição de sentimentos. Em minutos, um país inteiro se
transforma. A capital do país, viveu um cenário de guerra. Vilas Boas Correa, jornalista
no Rio de Janeiro à época do suicídio, descreve a mudança de ares dia 24 de agosto.
Naquela manhã, quando questionado por seu Manuel, dono e garçom do boteco onde o
jornalista fazia sua primeira refeição, sobre a possível queda de Vargas, Vilas Boas
confirma a renúncia negociada do presidente, e logo a notícia se espalha, resultando em
um intenso e comemorativo alvoroço. Momentos depois, foi anunciado no rádio a
notícia do suicídio e tudo mudou. A comemoração converte-se em espanto e tristeza, o
ódio se transpõe em juras de vingança a quem prejudicou o governante:
294 CORRÊA, Vilas Boas. Eu vi. In: GOMES, Ângela de Castro. (Org). Vargas e a Crise dos anos 50.
Rio de Janeiro – RJ: Relume Dumará, 1994, p. 21.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
2
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
300 QUEIROZ, Thiago Rocha. O Humoral: humor e abertura social nas charges de Miranda (1972-
1974). 2013. 165. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus,
2013, p.21.
301 QUEIROZ, César Augusto Bubolz. O trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o golpe de 1964 no
Amazonas. Manaus: Revista Mundos do Trabalho, vol.8. 2016, p.51
302 JUNIOR, Amaury Oliveira Pio. Álvaro Botelho Maia: um caboclo na política amazônida. In
Trajetórias políticas na Amazônia Republicana. – Organizado por Auxiliomar Silva Ugarte; César
Augusto Bubolz Queirós. – Manaus: Editora Valer, 2019, p.78.
4
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
* Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H/0233/2020, com apoio da bolsa UFAM e sob a
orientação do Prof. Dr. César Augusto Bubolz Queirós.
**** Graduanda em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: anahistoufam@gmail.com
6
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
303 VILELLA, Renata Rocha. Partidos políticos e regulamentação: limites e benefícios da legislação
partidária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo. São Paulo. 2014, p. 25.
304 MOTTA, 2008, p. 43 apud VILELLA, Renata Rocha. Partidos políticos e regulamentação: limites
e benefícios da legislação partidária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 25-26, 2014.
305 De acordo com Pontes Filho, o Clube Republicano do Amazonas foi fundado em 29 de junho de
1889 em Manaus, era constituído por profissionais Liberais, funcionários públicos e empregados do
comércio. Entre os fundadores encontram-se: Domingos Theófilo de Carvalho Leal, Gentil Rodrigues de
Souza, Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, Olympio F. da Mota, Aureliano A. Fernandes, João
Francisco Soares Filho, Joaquim Serra Carvalho, Raymundo Batista Duarte, João Vianna, Trajano Gomes
da Costa, José Jeronymo Bandeira de Melo, Augusto Botelho da Cunha, João Diniz Gonçalves Pinto e
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
Ephigênio Salles, Antônio Nogueira e Dorval Porto alguns dos principais nomes que
compunham o Partido306.
No estado do Amazonas, o Partido Republicano Democrático (PRD) foi
oficialmente o primeiro Partido Republicano formado e, de acordo com Arthur Cesar
Ferreira Reis, o partido foi fundado em julho de 1890 por Eduardo Gonçalves Ribeiro307,
Manoel Francisco Machado (Barão do Solimões), último presidente da Província do
Amazonas e senador na República ainda no governo de Augusto Ximeno Villeroy,
Sylverio Nery (vereador municipal no Império), Francisco Publio Ribeiro Bittencourt,
os irmãos baianos Emílio Moreira e Guilherme Moreira (Barão do Juruá), ambos
negociantes da borracha e Ferreira Pena (que romperá com o Partido associando-se em
seguida ao Partido Nacional.
De acordo com uma homenagem produzida para o Coronel Henrique Ferreira
Penna de Azevedo, após discordâncias internas no Partido Democrático, Ferreira
Penna308 rompeu com os antigos correligionários liberais e fundou, em 1891, o Partido
Republicano Nacional (PRN):
Desligados dos Democratas, ligou-se Penna aos Drs. Jonathas Pedrosa
e Agésilao P. da Silva, e os três fundaram em 1891, o grande Partido
Republicano Nacional, que teve a glória de contar em seu seio a fina
flôr da população amazonense.309
outros.
306 PIO JUNIOR, Amaury Oliveira. O Trabalhismo no Amazonas: o periódico Tribuna Popular
como instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”. Dissertação (Mestrado em História) -
Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas. Manaus. 2015. p. 43
307 Eduardo Ribeiro teve sua primeira investidura na sua carreira política assumindo o governo
provisório em 1890 após o afastamento de Augusto Ximeno de Villeroy, até então governador do Estado
do Amazonas. Governo provisório que criou grandes laços com a Elite de Manaus, que desde então,
passou a aclamá-lo Governador do Estado. BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de
Biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973, p. 196.
308 Ferreira Penna foi eleito pela primeira vez Deputado provincial em 1881, aos 27 anos de idade e de
acordo com o Jornal 20 de Janeiro, ele exerceu grande influência local até a queda do Império. Vinte de
Janeiro (AM), 20/01/1901. p. 2.
309 Vinte de Janeiro (AM), 20/01/1901. Homenagem para o 49º aniversário de Ferreira Penna.
310 Sylverio Nery teve sua ascensão na carreira política feita normalmente: primeiro vereador municipal
da Monarquia; depois, deputado Estadual várias vezes na República; Deputado Federal, reeleito;
Governador do Estado, Chefe de Partido e Senador Federal em várias legislaturas. BITTENCOURT,
Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973. p.
469.
8
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Henrique F. Penna de Azevedo, que também rompera com o partido anterior, tendo por
órgão o jornal Folha do Amazonas, disponível na Hemeroteca Digital Brasileira.311
Em 1913, é fundado o Partido Republicano Liberal do Amazonas (PRL) 312, tendo
sua primeira reunião realizada na casa do coronel Lima Bacury 313. De acordo com o
Jornal do Commercio, foram eleitos diretores: Presidente: coronel Guerreiro Antony,
vice-governador do estado e secretário geral Heliodoro Balbi, Manoel Francisco
Machado, coronel Lima Bacury e coronel Antônio Bittencourt.314
Em 1920, temos a formação do Partido Operário Amazonense (POA),
organizado por Cursinho da Gama315. De acordo com Luciano Teles, o POA era visto
pelas lideranças socialistas em tela como instrumento de inserção política no jogo
eleitoral na Primeira República, por onde se colocaria e defenderia, via parlamento, as
questões levantadas como bandeira de luta pelos operários.12 Diferentemente dos
Partidos Republicanos até aqui citados, formados ou derivados no seio das grandes
oligarquias, o POA surge no meio operário, como forma de reivindicação de direitos,
objetivando dar voz e vez para a luta do movimento operário, sendo assim, composto
somente por trabalhadores, em defesa da causa operária.
Porém, ao longo de toda década de 20, o POA não conseguiu chegar ao governo
do Estado, comprovando o fato do domínio político do estado se encontrar na mão das
grandes oligarquias.
Tabela 1- Quadro dos Partidos Políticos do Amazonas e seus correligionários - período: 1889 a 1920.
311 Folha do Amazonas, 23/11/1910. Ano I. n. 89. apud FEITOSA, 2015, p. 116.
312 Formado a partir do movimento de fundação do Partido Republicano Liberal em 1910, liderado pelo
então presidente Ruy Barbosa. Cabia aos Estados e municípios que se ligavam ao PRL a direção das
campanhas presidenciais. Jornal do Comércio, de 08/07/1913. Ano X - nº 3334 e de 15/10/1913. Ano X
- n° 3401.
313Lima Bacury tinha uma vida política construída desde muito tempo. Ele já havia exercido por várias
vezes o mandato de Deputado Estadual e de secretário. Na década de 1880 participou do movimento
abolicionista. E durante o Império militou no Partido Liberal. Já na República participou da deposição do
governo do coronel Gregório Taumaturgo de Azevedo (1891-1892), integrando, junto com Almino
Afonso e Leonardo Malcher, a comissão enviada em janeiro de 1892 pelos antigovernistas para fazer a
intimação de renúncia. ABRANCHES, J. Governos; BITTENCOURT, A. Dicionário; CÂM. DEP.
Deputados brasileiros.
314 Jornal do Commercio, 15/10/1913. Ano X. n. 3401.
315 Cursinho da Gama foi uma liderança operária registrada nas páginas da Imprensa do Amazonas pelas
suas ações de Militância no Estado, marcando presença do universo do trabalho urbano em Manaus.
TELES, Luciano Everton Costa. Mundos do trabalho no Amazonas: as lideranças operárias
socialistas – Joaquim Azpilicueta, Nicodemos Pacheco, Manoel Sérvulo e Cursino da Gama (1914-
1928). In: Antíteses, v. 11, n. 21, p. 420 - 460, jan./jun. 2018. p. 452.
12
Idem. p. 454.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
10
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Partido Republicano Amazonense (PRA), fundado em Cézar do Rego Monteiro, Ephigênio Salles, Antônio
1889. Nogueira e Dorval Porto. Alfredo Augusto da Matta,
Franklin Washington, Virgilio Ramos, Aureliano Augusto
de Oliveira, Aristides Rocha, Astrolábio Passos, Mario José
da Silva Nery, Joaquim Augusto Tanajura e Thuriano
Chaves Meira.
Partido Republicano Democrático (PRD), fundado em Eduardo Gonçalves Ribeiro, Manoel Francisco Machado
1890. (Barão do Solimões), Augusto Ximeno Villeroy, Deodato
Gomes da Fonseca, Raimundo Antônio Fernandes, Sylverio
Nery (vereador municipal no Império), Francisco Publio
Ribeiro Bittencourt, Emílio Moreira, Guilherme Moreira
(Barão do Juruá).
Partido Republicano Nacional (PRN), fundado em 1891.
Coronel Henrique Ferreira Penna de Azevedo, Jonathas
Pedrosa, Agésilao P. da Silva.
Partido Republicano Conservador (PRC), fundado em Sylvério Nery, Jonathas Pedrosa, Antonio G. Pereira de Sá
1910. Peixoto, deputados: Henrique F. Penna de Azevedo,
Aurélio Amorim, Antonio Nogueira, coronel Affonso de
Carvalho e suplentes: Coronéis: Hildebrando Antony,
Joaquim Cardoso de Faria, Manoel de Castro Paiva,
Domingos José de Andrade, Eduardo Felix de Azevedo,
José Maria Corrêa e Rozendo Silva.
Partido Republicano Liberal (PRL), fundado em 1913. Coronel Guerreiro Antony, vice-governador do Estado e
secretário geral Heliodoro Balbi, Manoel Francisco
Machado, coronel Lima Bacury, coronel Antônio
Bittencourt, coronel Joaquim Sarmento, desembargador
Raposo da Câmara, coronel Secundino Salgado, coronel
Bento Brasil, dr. Ricardo Amorim, Marçal Ferreira, Pedro
Sympson, coronel Carlos Studart, coronel Publio
Bittencourt, coronel Gonçalves Dias, coronel Liberato
Salles, coronel Juvêncio França e coronel Alberto Coelho.
Partido Operário no Amazonas (POA), formado em Joaquim Azpilicueta, Nicodemos Pacheco, Manoel Sérvulo
1920. e Cursino da Gama.
Fonte: A Ephoca, órgão do Partido Republicano de Itacoatiara. 1918; Vinte de Janeiro (AM), 1901; Folha do
Amazonas, 1910; Jornal do Commercio, 1913; Vida Operária - Órgão de defesa das classes laboriosas de Manaus,
1920.
Eloína Santos aponta que, ao longo das décadas de 1910 e 1920, as eleições e
posses de governadores ficariam marcadas pela rivalidade entre os grupos ligados a
Silvério Nery, do Partido Republicano Conservador, contra os de Guerreiro Antony, do
Partido Republicano Liberal.316 Um fato interessante a ser mencionado que deixa às
claras as disputas políticas por poder entre as oligarquias é o Bombardeio de Manaus,
liderado pelo PRC, e a deposição de Antônio Bittencourt, que estava à frente do governo
do Estado em 1910. De acordo com Orange Matos, “as crises oligárquicas e partidárias
316 SANTOS, 1989, p. 29-33 apud PIO JUNIOR, Amaury Oliveira. O Trabalhismo no Amazonas: o
periódico
Tribuna Popular como instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”. Dissertação (Mestrado
em História) - Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas. Manaus.
2015, p. 34.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
317 FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais: Militares e Civis na construção da Ordem
Republicana no Amazonas (1910-1924). Tese (Doutoramento em História) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 16. 2015.
318 PONTES FILHO, Raimundo Pereira. Estudos de História do Amazonas. Manaus: Editora Valer,
2000. p. 162.
319 Ibiden, p. 163.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Tudo isso afeta o presente sistema das oligarquias que até então se encontrava no
estado, ocasionando a chegada de Alfredo Sá, interventor federal, que propõe a união
dos grupos adversários, negociando com os líderes das facções políticas e dissidentes a
fusão dos partidos em um único.328
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H-0097/2019, sob orientação do Prof. Dr. Davi
Avelino Leal.
**** Graduado em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail:
gabriel.cruzcarneiro@gmail.com
329 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes,
1998, p 20.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
330 LEAL, Davi Avelino. Imprensa e Sociedade no Jornal Humaythaense (1891 - 1917). In: PINHEIRO,
Luis Balkar Sá Peixoto. Imprensa e Sociedade nos confins da Amazônia (1870 - 1930). Manaus: CVR,
2017. p. 59 - 73.
331 MUNARO, Luis Francisco. Coronéis, jornais e a formação dos municípios no Amazonas. Revista
Observatório, Palmas, v. 4, n. 6, p. 270-292, dez. 2018. A Constituição de 1891 transformou o cenário
político brasileiro e tornou os municípios em palcos dos domínios dos coronéis regionais que compravam
e fraudavam as eleições em prol dos seus interesses políticos.
332 O Paládio, nº1, Itacoatiara – AM, 09 de setembro de 1908.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
333 SILVA, Francisco Gomes da. Cronografia de Itacoatiara. Imprensa Oficial do Estado do Amazonas.
Manaus. v.2. 1998.
334 SILVA, 1998, p 50. O jornal O Município circulou pela cidade de Itacoatiara entre os anos de 1893 e
1895, tendo sido empastelado pela gestão do Superintendente Álvaro França, que sentia-se acuado pelas
publicações ácidas de João Pereira Barbosa. Como forma de retaliação de França, além do
empastelamento, estabeleceu contrato com o jornal matutino A Federação, que era editado em Manaus.
335 MUNARO, 2018, p 277.
18
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
20
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
341 Por motivos políticos de apoio a Leopoldo Neves (UDN), o jornal de Humberto Calderaro perdeu o
direito de prensar seu material dentro de O Jornal.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
na época em que meu pai e meu tio foram políticos, era mais o pessoal
do PSD. O Álvaro Maia foi muito amigo dele. Ia lá em casa conversar
com o Umberto até alta madrugada, assuntos de política, muita
articulação política deste Estado saíram de lá, de minha casa. Eu
assistia. Cansei de ver. Eu não ficava muito perto, não, mas às vezes
eu ia levar um copo d’água ou uma bebida.
A trajetória da esposa também explica em parte as origens da conexão entre
Calderaro e os políticos do PSD. Ritta era filha do desembargador André Vidal Araújo e
sobrinha de Rui Araújo, chefe de polícia no governo Álvaro Maia. Juntando os
elementos, é possível deduzir que Calderaro tenha encontrado as condições ideais para
encontrar destaque, financiamento e apoio diferenciado em meio aos periódicos
amazonenses. A partir desta ligação com o PSD, a oposição da ala trabalhista, formada
sobretudo pelos políticos do PTB estabeleceriam um inimigo direto ao jornal A Crítica.
Em capítulo do livro de Julio Lopes, o autor comenta com ênfase o atentado que o
diretor sofreu em 20 de janeiro de 1959. O relato acusou diretamente os membros do
PTB, mesmo sem provas. O autor comenta ainda que a perseguição aos periódicos de
“opinião” era antiga e registra até eventos que ocorreram antes, com os jornais que
criticavam Cesar Rego Monteiro (1921-24). Cita ainda o caso Leopoldo Neves, que
custou a máquina do A Crítica. Apesar de toda subjetividade da narrativa do autor, a
biografia de Calderaro deixa clara a visão que a empresa possuía sobre os políticos do
PTB, justificando seus atos como autoritários e os do periódico como libertários.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
Portanto, entender essa oposição que vem de antes e segue depois da ditadura,
nos ajuda a compreender a importância que o diretor tem nas relações de poder da
cidade e que, certamente, reverberam nas narrativas cômicas da coluna. A tradição de
governos do PTB estabeleceu conexões e desavenças políticas durante a década de 50.
Como registra Cesar Queirós342 em artigo sobre a deposição do governador Plínio
Coelho no Amazonas, a ameaça da tradição do PTB se ligava bastante à ameaça que o
partido representava aos interesses das elites locais. O governo de Plínio exonerou
familiares de Maia e retirou privilégios da Associação Comercial do Amazonas, em
uma busca delicada de enfraquecer as elites locais. Com a tentativa de indicação de
Vivaldo Frota e a arbitragem do PTB em escolher Gilberto Mestrinho para a sucessão
de candidatura, Plínio percebeu o início do seu isolamento político que se confirmaria,
mais tarde, com o seu gradual desgaste político dentro do governo Castelo Branco. O
ditador decidiu passar o governo para o filho de Vicente Reis, diretor do Jornal do
Commercio: Arthur Cezar Ferreira Reis.
342 QUEIRÓS, César Augusto. “Papagaio que está trocando as penas não fala”: Autoritarismo e disputas
políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. 2019
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
aliado Amazonino Mendes e estabelecendo pressões dos opositores políticos após sua
morte. A pesquisa proposta trabalha entre os dois primeiros momentos.
* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Manaus a assinatura custava, anual – Cr$ 1.500,00 e semestral Cr$ 800,00 e o preço do
exemplar era de Cr$ 10,00” 346. A partir de 1963 a 1964, o periódico muda de endereço e
sua sede passa a ser na Rua Saldanha Marinho, nº 465/437, centro e tinha as seguintes
tabelas de preços “assinatura anual Cr$ 5.000,00, semestral Cr$ 3.000, número avulso
Cr$ 50,00 e número atrasado Cr$ 60,00” 347.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
ser do vínculo ao trabalhismo que vinha de uma ideia getulista. Logo, podemos finalizar
com a afirmação de que, no caso do Amazonas, não foram apenas as movimentações de
ordem vindas de Brasília (general Castelo Branco) que ocasionaram a prisão e exilio de
Plinio Ramos Coelho, mas também de uma motivação pessoal do então Governador
Arthur Cézar Ferreira Reis.
* * *
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
1964 pelo decreto nº 53649, apenas um mês antes do golpe militar que tirou João
Goulart do cargo de presidente. Nesta perspectiva, o CIGS, em sua trajetória, tem por
objetivo capacitar militares conhecidos como “guerreiros de selva”, através de cursos e
formações, para que assim possam liderar pequenos grupos aptos a cumprir missões na
floresta amazônica com intuito de proteger as fronteiras e realizar segurança deste
território. O treinamento é voltado para militares de todo Brasil e de nações amigas,
educados em solo amazônico, mas aptos a cumprir missão em qualquer ambiente
florestal.
O treinamento do CIGS foi fundado tendo inspiração no Curso de Guerra de
Selva (CGS) ministrado pelo exército estadunidense na Escola das Américas355, em Fort
Sherman, localizado na zona do canal do Panamá. Neste sentido, os militares brasileiros
formados em solo panamenho sob o amparo da Doutrina de Segurança Nacional
importam para o Brasil os conhecimentos doutrinários e inauguram instituições como a
analisada neste trabalho.356
Fundamentalmente, o CIGS assumiria papel de defesa da região: defendendo
internamente, pois se empenharia em subverter a ameaça de guerrilhas rurais no interior
do estado, e defesa externa, pois ocuparia o território protegendo-o dos interesses
internacionais e, por conseguinte, defendendo elementos naturais da fauna e flora
amazônica. Na concepção de defesa, a participação do CIGS, no que diz respeito ao
combate aos inimigos ideológicos do governo, revela uma história repleta de
apagamentos e que ainda necessita de uma análise aprofundada.
O artigo Amazônia em Armas: Luta e resistência contra a Ditadura Militar no
Amazonas, de César Augusto Bubolz Queirós, rememora a participação do CIGS na
contenção de uma tentativa de guerrilha no interior do estado do Amazonas357. O artigo
demonstra a participação da instituição na prevenção de insurgências revolucionárias e
inicia a análise da participação do CIGS mediante a ditadura militar.
A pesquisa tem como um dos focos discutir a criação do Centro de Instrução de
355 É instituição do exército estadunidense fundada em 1941 sediada na zona do canal do Panamá. Em
1961 a Escola das Américas (School of the Americas) se torna responsável por difundir o anticomunismo
e ensino de contra insurgência em militares latino-americanos, entre eles os oficiais brasileiros. A
instituição difundiu também o ensino de tortura que seria para impedir o avanço da “ameaça comunista”
nas ditaduras americanas. Ver: MATTOS, Dias Dionysious de. A infame academia: A história da Escola
das Américas sob a doutrina de segurança nacional na América Latina (1959-1989). Monografia de
Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
356 MONTAGNA, Wilson. A Doutrina da Segurança Nacional. Projeto História: Revista do Programa
de Estudos Pós-Graduados de História, [S.l.], v. 6, out. 2012. ISSN 2176-2767. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12296/8904>. Acesso em: 20 ago. 2020.
357 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. Amazônia em Armas: luta e resistência contra a ditadura militar
no Amazonas. Revista Labirinto. v. 31, 2020.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Tabela 1 - Alunos estrangeiros formados no curso de instrução de guerra na selva – período: 1966 a 1979.
Países Quantidade
Venezuela 5
358 BARAHUNA, Epanimondas. Oficias da Missão Brasil EUA chegam sábado a Manaus. Jornal do
Commercio, Manaus, 6, dezembro de 1967. Edição n. 19569, p. 1. Disponível em
<http://memoria.bn.br/pdf/170054/per170054_1967_19569.pdf >. Acesso em: 8 de janeiro de 2021.
359 BARAHUNA, Epanimondas. Visita de oficias estrangeiros. Jornal do Commercio, Manaus, 15,
julho de 1967. Edição n. 19461, p. 4. Disponível em
<http://memoria.bn.br/pdf/170054/per170054_1967_19461.pdf>. Acesso em: 8 de janeiro de 2021.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
360 “Uma plêiade de excelentes Oficiais e Sargentos, mandados anteriormente cursar a Escola das
Américas, no FORTE SHERMAN, na Zona do Canal no Panamá (U S JUNGLE OPERATIONS
TRAINING CENTER, Fort Sherman, Canal Zone), já na condição de "JUNGLE EXPERT", constituiu-se
na equipe pioneira que implantou o Centro. O Iº Curso de Guerra na Selva, destinado a Oficiais (de 2º
Tenente a Coronel), foi concluído em novembro de 1966.” SISTEMA de Informações do Arquivo
Nacional (SIAN). Almanaque do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) - Centro Coronel Jorge
Teixeira/1999. Fundo Comissão Nacional da Verdade. Rio de Janeiro. 9 de jan 2012. p. 4.
36
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
361 AUSSARESSES, Général Paul. Je n’ai pas tout dit: ultimes révélations au service de la France.
Paris: Éditions du Rocher, 2008. p. 160.
362 CENTRO de instrução de guerra na selva: forjando os defensores da Amazônia. Exército
Brasileiro, 2018. Disponível em:
<https://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-do-exercito/-/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/
id/9084790>. Acesso em: 20 de nov. de 2020.
363 JIMENEZ, José Vargas. A gente usava socos, choques, tapa no ouvido. [Entrevista concedida a]
Claudio Dantas Sequeira. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 jul. 2008. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1506200813.htm>. Acesso em: 15 de nov. de 2020.
364 BARROS, Antonio Manoel. Militar reconhece aulas, mas diz que contexto era outro. [Entrevista
concedida a] Claudio Dantas Sequeira. Folha de São Paulo, São Paulo,15 jul. 2008. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1506200814.htm>. Acesso em: 15 de nov. de 2020.
365 AUSSARESSES, Général Paul. Je n’ai pas tout dit: ultimes révélations au service de la France.
Paris: Éditions du Rocher, 2008.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
366 MOTTA, Rodrigo Patto Sá; QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Em guarda contra o "perigo
vermelho": o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000.Universidade de São Paulo, São Paulo,
2000, p. 287.
367 SISTEMA de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). Almanaque do Centro de Instrução de
Guerra na Selva (CIGS) - Centro Coronel Jorge Teixeira/1999. Fundo Comissão Nacional da Verdade.
Rio de Janeiro. 9 de jan 2012, p. 5.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Estado já compreendia que, sem o apoio popular, a efetiva ocupação da região não
ocorreria. Para tanto, o apoio dos meios de comunicação e a sua influência em massa
contribuiu na mobilização do “desbravamento” e “empreendimento nacional”,
utilizando-se de propagandas nacionalistas que despertassem o sentimento de
patriotismo e dever nas famílias.
Nesta perspectiva, a pesquisa objetiva discutir o PIN e as consequências da
construção da rodovia Transamazônica sobre os povos indígenas fixados na sua
extensão, tendo como base de análise a utilização de uma importante mídia baré, que
possuía um grande alcance no Amazonas: o Jornal do Commercio.
As fontes analisadas foram retiradas no veículo Jornal do Commercio (AM),
disponibilizadas no site da Hemeroteca Digital. Antes de se iniciar a catalogação do
material, uma leitura sensível sobre censura e os grupos sociais que ocupam os espaços
editoriais foi realizada, com o intuito de se compreender as produções jornalísticas que
seriam encaradas. A decisão de se utilizar jornais provém da seguinte reflexão de José
D’Assunção:
Todo jornal, a não ser que seja um jornal de humor, ampara-se na
possibilidade de inspirar e manter em seus leitores a viva convicção de
que ali, naquelas páginas ásperas e por vezes levemente amarelas,
fala-se de fato da realidade, da vida efetivamente vivida, da história
que se refaz a cada novo dia, de algo que realmente ocorreu e do qual
se dá um retrato fiel e não comprometido por parcialidades369
369 Barros, José D’Assunção. Fontes Históricas: introdução aos seus usos historiográficos / José
D’Assunção Barros. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2019, p.189.
370 Barbosa, Marialva, 1954- História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000 / Marialva Barbosa.
Rio de Janeiro: MAUAD X, 2007, p.180.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
371 CASTRO, Lara de. Ocupar, fixar e educar: trabalhadores do interior do Brasil e os projetos
governamentais para o Amapá e o Ceará entre os anos 1944 e 1960. In: IX Semana de História: o ensino e
a pesquisa de história no Amapá: perspectivas e desafios, 2013, Macapá-AP. Anais eletrônicos da IX
Semana de História da Unifap, 2013. p. 1-17, p. 02.
372 Genesino Braga possui uma longa e influente carreira, já tendo atuado como jornalista, cronista,
professor universitário, deputado estadual e membro da Academia Amazonense de Letras durante o
século XX.
42
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
373Jornal do Commercio, 05 de julho de 1970, p. 05, edição 20432 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_01&Pesq=as%20estradas%20da
%20esperan%c3%a7a%20genesino&pagfis=91024 >
374 Jornal do Commercio, 31 de março de 1971, p. 05, edição 20663 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_01&Pesq=%22a%20estrada%20da
%20esperan%c3%a7a%22&pagfis=156882 >
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
perceptível nesta matéria, visto que há uma validação e confiança no governo acerca dos
seus deveres com o povo, mesmo que o tempo provasse o contrário.
Segundo o historiador Carlos Fico, o mérito de “desenvolvimentismo
conservador”375 atribuído aos militares não condiz, necessariamente, com a
circunstância de se ter havido uma ditadura, sendo esta fruto de etapas (governos)
anteriores ao período instaurado. Desta maneira, a construção da Transamazônica esteve
intimamente ligada ao alcance do “milagre econômico”376, no qual a lógica capitalista
precisava ser implementada em todo o território nacional para que esta se tornasse uma
potência mundial, os lemas “integrar para não Entregar” e “Brasil: Ame-o ou Deixe-o!”,
tornam-se elementos centrais que legitimaram e defenderam a ocupação da Amazônia.
Nesta conjuntura, reunindo fontes do Jornal do Commercio (JC), constata-se
uma intensa colaboração entre a grande mídia e os agentes do governo no que diz
respeito à sustentação da obra e seus benefícios ao Vale Amazônico, tornando-se o
investimento ideal para o impulsionamento da Nação. De acordo com Magno Michel e
César Martins:
Sendo um suposto “vazio” a Amazônia poderia, segundo estes
discursos, ser explorada, sem causar impactos sociais ou mesmo
ambientais. Mas este discurso ignora as populações tradicionais da
região e seus modos diferenciados de uso do território. Ao transformar
as populações amazônicas em “invisíveis” os discursos oficiais,
abriam margem para diversas formas de apropriação dos territórios,
bem como de uso exclusão social e impactos socioambientais com a
implementação de megaempreendimentos.377
375 Fico, C. (2017). Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Revista Tempo
E Argumento, 9(20), 05 – 74, p. 21.
376 Termo questionado na obra de Cordeiro, Janaína Martins. A ditadura em tempos de milagre:
comemorações, orgulho e consentimento / Janaína Martins Cordeiro. – Rio de Janeiro: Editora FGV,
2015. 360p.
377 MARÇAL BRAGA, Magno Michell; SOUZA, C. M. . Transamazônica: terra, trabalho e sonhos.
Territórios e Fronteiras (UFMT. Online), v. 12, p. 172-191, 2019.
378 Cunha, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania / Manuela Carneiro
da Cunha. — 1a ed. — São Paulo : Claro Enigma, 2012, p.11.
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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
* * *
379 Jornal do Commercio, 08 de agosto de 1970, p. 05, edição 20460 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_01&pesq=%22a%20estrada%20da
%20esperan%C3%A7a%22&pasta=ano%20197&pagfis=91524 >