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AMAZONAS
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - EDUA
Reitor: Sylvio Mário Puga Ferreira
Vice-Reitora: Therezinha de Jesus Pinto Fraxe
Editor: Sérgio Augusto Freire de Souza

LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA


Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA
Coordenação:
Prof. Dr. César Augusto Bubolz Queirós (Coordenador)
Prof. Dr. Anderson Vieira Moura (vice-Coordenador)
Prof. Dr. Davi Avelino Leal

Este livro reúne os textos apresentados durante a III Jornada Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’, evento
realizado de forma remota entre os dias 23 e 28 de maio de 2021 e organizado pelo laboratório de Estudos sobre História
Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA.
Comissão Organizadora:
Anderson Vieira Moura
César Augusto Bubolz Queirós
Davi Avelino Leal
Amaury de Oliveira Pio Jr
Ana Beatriz Lima da Silva
Ana Rivick Lira Bernardo
Andrew Matheus Medeiros da Conceição
Caio Henrique Faustino da Silva
Fernanda Fernandes da Silva
Jandira Magalhães Ribeiro
Johmara Assis dos Santos
Kívia Mirrana Pereira de Souza
Thiago Rocha de Queiroz
Vanessa Cristina da Silva Sampaio

FICHA CATALOGRÁFICA

N939 90 anos da ‘Revolução de 1930’: III Jornada de Debates em História /


César Augusto Bubolz Queirós, Anderson Vieira Moura, Davi Avelino
Leal. (Orgs.) - Manaus (AM): EDUA, 2021.
213 p. : il. ; Ebook.
Textos apresentado na III Jornada de Debates em História entre 22 e 25 de
maio de 2021, pelo Laboratório de Estudos Sobre História Política e
Trabalho na Amazônia, na Universidade Federal do Amazonas.

ISBN 978-65-5839-029-9

1. História 2. História do Brasil 3. Revolução de 30 4. Amazonas

CDU: 94(81) – História do Brasil


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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Sumário
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................7
Anderson Vieira Moura....................................................................................................................7
Parte I – Mesas Redondas..................................................................................................................10
Sindicalismo e trabalhismo no Amazonas nos anos 30*....................................................................11
Amaury Oliveira Pio Junior.............................................................................................................11
O an comunismo no Amazonas: Centro Dom Vital e Ação Integralista Brasileira (AIB) ..................22
Davi Monteiro Abreu......................................................................................................................22
O Amazonas e a sociedade amazonense, através da propaganda varguista....................................28
Hosenildo Gato Alves.....................................................................................................................28
Os trabalhadores, da Primeira República à Era Vargas: luta, repressão e perda da autonomia.......41
Thiago Cavaliere Mourelle.............................................................................................................41
TRABALHADORES, DIREITOS E A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NA ERA VARGAS (1930-1945)*
............................................................................................................................................................57
Wanderlene Freitas de Souza Barros.............................................................................................57
A cultura polí ca “glebarista”: entre homens de imprensa, discursos polí cos e cons tuintes nos anos 30
............................................................................................................................................................79
Romulo Thiago Oliveira de Sousa...................................................................................................79
Parte II – Simpósios Temá cos...........................................................................................................83
Além da diversão: Entre iden dades e sociabilidades das elites no.................................................85
Ideal clube (Manaus, 1903-1920) *.....................................................................................................85
Kívia Mirrana de Souza Pereira......................................................................................................85
A Associação Comercial do Amazonas (ACA) e as disputas polí cas no Estado do Amazonas (1950-1958)*
............................................................................................................................................................91
Nadyme Rebelo de Souza...............................................................................................................91
Os trabalhadores e suas associações sindicais no golpe civil-militar no Amazonas (1961-1964)*....97
Thaieny Gama Barata.....................................................................................................................97
Povo de fibra: mundos do trabalho no universo da juta (Baixo Amazonas: 1940...)*.....................104
Franco Lindemberg Paiva dos Santos...........................................................................................104
A representação dos indígenas na grande imprensa: um estudo das no cias presentes no Jornal do
Commercio*......................................................................................................................................108
Evelyn Marcele Campos Ramos...................................................................................................108
O “olhar passageiro” e os retratos da violência: a literatura de viajantes na construção imagé ca da
Amazônia na virada do século XIX para os anos 1900s*..................................................................114
Caio Henrique Faus no da Silva...................................................................................................114
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Uma prosa sobre o Lago de Tefé-AM: trabalhadores rurais na Ditadura Militar (1970- 1980) ......120
Johmara Assis dos Santos.............................................................................................................120
Museu vivo: afirmação e reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais na Amazônia*.124
Murana Arenillas Oliveira.............................................................................................................124
Os Parin n n na imprensa amazonense: entre prá cas e representações sobre a guerra*..........128
Ana Rivick Lira Bernardo..............................................................................................................128
Metalúrgicos na Jus ça do Trabalho‫ ׃‬a greve geral de 1985 no Distrito Industrial de Manaus.....133
Vanessa Cris na da Silva Sampaio...............................................................................................133
Experiências e Memórias de trabalhadores na carvoaria em Manaus (1945-1967) ......................138
Sérgio Carvalho de Lima...............................................................................................................138
Tensões nos rios e na cidade – os movimentos grevistas dos foguistas e dos alfaiates em Manaus*143
Moisés Dias de Araújo..................................................................................................................143
Imigração venezuelana: a etnia Warao e o direito à moradia, saúde, educação e ao trabalho na cidade de
Manaus (2016-2019)........................................................................................................................148
Marineide da Silva Ribeiro...........................................................................................................148
Baixo Rio Branco-Jauaperi: o que os comunitários pensam sobre a Reserva.....................153
Luiz Antonio Nasc. de Souza.........................................................................................................153
Crise do governo democrá co e repercussão do suicídio de Vargas..................................................0
Larissa Leite Colares.........................................................................................................................0
Par dos polí cos e disputas intra-oligárquicas no Amazonas durante a Primeira República.............6
Ana Beatriz Lima da Silva..................................................................................................................6
O Paládio e a cidade de Itacoa ara: o jornal como porta-voz de um grupo polí co........................15
Gabriel Cruz Carneiro.....................................................................................................................15
Abertura polí ca e os processos eleitorais no estado do Amazonas a par r da charge do Miranda (1974 e
1983)*.................................................................................................................................................20
Thiago Rocha de Queiroz................................................................................................................20
O Trabalhista: disputas polí cas e o golpe civil-militar no Amazonas (1960-1964)*.........................25
Jandira Magalhães Ribeiro.............................................................................................................25
O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) no contexto da ditadura militar (1964-1979)* 31
Andrew Matheus Medeiros da Conceição.....................................................................................31
O Programa de Integração Nacional (PIN), a ocupação estrangeira e as populações indígenas da Amazônia
no quadro da ditadura militar: desenvolvimen smo, integração e indigenismo nas páginas do Jornal do
Commercio*........................................................................................................................................38
Chris ne Oliveira Andrade.............................................................................................................38

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

APRESENTAÇÃO

Anderson Vieira Moura1

Em artigo publicado em 2017, Murilo Leal Pereira Neto atesta a vitalidade dos debates
acerca da Era Vargas, discutindo três livros publicados na última década com variados graus de
repercussão2. As três obras – a biografia Getúlio (1945-1954) – Da volta pela consagração popular
ao suicídio, de Lira Neto; O longo bonapartismo brasileiro (1930-1964) – Um ensaio de
interpretação histórica, de Felipe Demier, e a coletânea de artigos A Era Vargas –
desenvolvimentismo, economia e sociedade, organizada por Pedro Paulo Zahluth Bastos e Pedro
Cezar Dutra Fonseca – apresentam discussões distintas (e muitas vezes antagônicas) sobre os 15
anos em que Getúlio Vargas esteve à frente do poder, entre 1930 a 1945, sem esquecer o mandato
iniciado em 1951 (e encerrado com o suicido de Vargas, em 24 de agosto de 1954) e indo além,
mostrando a influência e o peso da figura do ex-ditador na política brasileira ao longo da segunda
metade do século XX. Pereira Neto assevera que o debate se estendeu para além da ditadura civil-
militar (1964-1985), demonstrando como Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva,
cada um ao seu modo, teceram críticas e buscaram se desvincular completamente de Vargas, como
se a política republicana tivesse, enfim, enterrado de vez o político gaúcho.
Quando começamos a pensar na III Jornada de Debates em História – evento organizado
pelo Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia (LABUHTA), cujas
outras duas edições ocorreram em 2017 e 2018 –, não podíamos deixar escapar os 90 anos do
Movimento de 1930, completados em 2020. Por duas razões. A primeira por uma demanda nossa,
com membros do LABUHTA centrando suas pesquisas durante os anos 1930 em todos os níveis
acadêmicos (iniciação cientifica, mestrado e doutorado) e estudando aspectos diferentes que
permeiam essa conjuntura. Uma parte dos resultados dessas pesquisas foi debatida em mesas-
redondas e nos simpósios temáticos. Em segunda lugar pelo simbolismo da data e por verificarmos
os poucos eventos dedicados ao tema.

1 Doutor em História Social pela Universidade Estadual de Campinas. Professor adjunto do Departamento de História
da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e vice-coordenador do Laboratório de Estudos sobre História Política e
do Trabalho na Amazônia (LABUHTA). E-mail: anderson@ufam.edu.br
2 PEREIRA NETO, Murilo Leal. “O legado da ‘Era Vargas’: balanço de debates”. Mundos do Trabalho, Florianópolis,
v. 9, n. 17, p. 123-142, dez. 2017.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Num ano difícil como foi o de 2020, diante de uma pandemia mortal e da ineficácia do
governo, eventos on-line cresceram em grande velocidade. Se temos algo de positivo para tirar
desse momento, uma delas foi o aumento de palestras, mesas-redondas, conferências, seminários e
jornadas acadêmicas englobando os mais variados temas com os mais variados convidados, até
mesmo de âmbito internacional. A III Jornada de Debates em História foi aberta e encerrada com
dois convidados de peso e reconhecidos nacionalmente. Mesmo assim, percebemos um número
muito baixo de eventos remotos que tiveram com tema central a chamada “Revolução de 1930”.
De todo modo, pelo exposto nas conferências de abertura e encerramento e nas mesas-
redondas, a vitalidade da Era Vargas permanece em alta, suscitando inúmeros debates e abordagens
renovadas para um tema que parece longe de se esgotar. Para o caso específico do Amazonas, aos
poucos as pesquisas vão avançando cronologicamente e superando o marco de 1930, no qual a
historiografia produzida no estado para os anos anteriores ao início da Era Vargas tem estudos
consolidados, uma bibliografia vasta e produção continuada. Até pouco tempo atrás, eram poucos
os historiadores e historiadoras que se aventuravam para o período entre 1930 e 1967, quando temos
a implantação da Zona Franca de Manaus e uma boa quantidade de pesquisas.
O interesse por esses quase quarenta anos cresce continuadamente. O período em que
Getúlio Vargas esteve no poder ganhou estudos abordando diferentes aspectos desses quinze anos e
o marco de 1937, início da ditadura do Estado Novo, vem aos poucos sendo ultrapassado.
Integralismo, anticomunismo, mundo do trabalho, economia, a interventoria de Álvaro Maia: o
leque abordado cresce na mesma medida em que fontes são disponibilizadas e compartilhadas. Isso
pode ser atestado nas três mesas-redondas, nas quais se discutiu com muita qualidade todos esses
temas.
Reitero o quanto 202 foi um ano difícil. E 2021 começou ainda pior, com recorde de
mortes no Amazonas e o drama da falta de oxigênio que expos ainda mais a letalidade do vírus que
o governo federal insiste em negar. Perdemos familiares, amigos e colegas de trabalho. Deixamos
de nos encontrar pessoalmente, o que somou a dor da perda de entes queridos uma ansiedade e um
sentimento de impotência. Com arquivos fechados há mais de um ano, contamos com a
solidariedade de amigos e com as fontes disponíveis em arquivos digitais para darmos continuidade
a nossas pesquisas. Nesse sentido, um evento como a III Jornada de Debates em História é mais do
que um momento de apresentar resultados: é um ato de resistência perante um governo que não
tolera a ciência, buscando de todos os meios inviabilizar a produção do conhecimento científico no

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Brasil. Resistimos com um excelente evento, com debates de qualidade e a certeza que ano que em
2022 tem mais.

* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Parte I – Mesas Redondas

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Sindicalismo e trabalhismo no Amazonas nos anos 30*

Amaury Oliveira Pio Junior**

Uma das primeiras medidas de Getúlio Vargas ao assumir o Governo Provisório em 1930
foi determinar a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) que dentre seus
objetivos visava colocar o Estado brasileiro como efetivo mediador dos conflitos entre
trabalhadores e o patronato, que nas últimas décadas havia sido marcado por uma escalada de
violência.
Um conjunto de leis visando normatizar estas relações resultaria no decreto n° 19.770, de
março de 1931, que, para Ângela de Castro Gomes, visava “transformar e ao mesmo tempo
concorrer com o padrão de associações até então existentes no movimento operário” 3.
A sindicalização facultativa era acompanhada por estratégia que buscava seduzir aos
trabalhadores, pois então somente sindicalizados gozariam de benefícios das novas leis. Sob
Salgado Filho, “veríamos um período-chave onde seriam promulgadas a maioria destas leis, que
procuravam regularizar condições de trabalho como horários, férias, atuação de mulheres e menores
até a criação de instrumentos de enfrentamento dos conflitos que surgissem, como Comissões e
Juntas de Conciliação e Convenções Coletivas de Trabalho”4.
Cabe ressaltar que, no estado do Amazonas, as lideranças políticas locais que se
posicionaram junto ao Governo Provisório em 1930 foram as mesmas que participaram em
movimentos anteriores do Tenentismo, que teve em Manaus um de seus mais importantes capítulos
através da rebelião militar de 19245.
A exemplo disso, destacamos a figura do almirante e líder da Federação dos Marítimos do
Brasil, Luís Tirelli, eleito deputado constituinte em 1933 pelo recém-criado Partido Trabalhista
Amazonense (PTA), através do qual procurou estabelecer uma imagem atrelada às propostas de
Getúlio Vargas no âmbito sindical.

** Pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado no PPGH/UFAM sob a orientação do Prof. Dr. César
Augusto B. Queirós.
**** Mestre em História pela UFAM e Professor do Centro de Mídias da Secretaria Estadual de Educação do Amazonas
– SEDUC. E-mail: amaurypio@hotmail.com
3 GOMES, Ângela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo – 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 163.
4 Ibid, p.164
5 SANTOS, Eloína Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 2ª. Ed. Manaus, Gráfica Lorena: 1989, p. 22.
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Um modo de se constatar isso é através das páginas do periódico Tribuna Popular,


autointitulado “órgão de divulgação do Partido Trabalhista Amazonense”, onde percebe-se uma
clara associação da figura de Luís Tirelli:
Na representação amazonense tem o proletariado seu legítimo defensor na pessoa
criteriosa e altamente digna do Sr. Comandante Luís Tirelli, vitorioso candidato do
P.T.A., de quem tudo esperamos em favor do Estado e do seu povo. O proletariado
que tem na pessoa do Comandante Tirelli seu destemido defensor, seu ídolo e por
ele cultiva verdadeira admiração e deposita em S. Exa., todas as suas esperanças. E
tem razão justificada para tal. Relevantes serviços têm ele prestado à causa
proletária, empregando o melhor de suas energias em favor das classes menos
favorecidas, harmonizando e influindo nas reivindicações de seus direitos
conspurcados6.

No próprio jornal também é possível constatar que, no ano de 1933, o PTA já tinha uma
ligação com diversas entidades laborais, tais como a Federação de Trabalhadores, oito sindicatos
(pilotos e práticos, estivadores, padeiros, diaristas, gráficos, sapateiros e motoristas) além de
quatorze associações entre maquinistas, cigarreiros, motoristas, taifeiros, marinheiros, foguistas e
comerciários.7
Isto enunciava a pretensão do PTA de se constituir como uma força política tendo por base o
meio sindical, o que nos serviu como pesquisa para chegar a compreender como se deu a difusão
entre os trabalhadores amazonenses das vantagens do novo modelo sindical brasileiro.
Cabe aqui ressaltar a própria capilaridade do PTA no restante do estado, onde o partido
conseguiu instalar-se em 14 municípios. Nestes, o poder de mando dos Diretórios estava sob os
denominados “coronéis”, um perfil bastante diferente do que víamos na capital.

Para citar alguns exemplos, em Boa Vista, na região do Rio Branco (atual estado de
Roraima), o PTA era dirigido por Francisco Pontes e Porphiro Pontes, comerciantes e proprietários
da região”8. Em Coari, no rio Solimões, o partido estava sob a vigilância do “coronel Rufino Pereira
da Silva”, comerciante, proprietário/amigo e Francisco Areal Souto, outro grande proprietário no
município.9
A receptividade que a nova lei sindical teve no Amazonas pode ser observada em registros
oficiais que descreviam naquele momento a existência de 15 sindicatos de empregados e um
sindicato de profissões liberais registrados no Ministério do Trabalho, do qual podemos apontar o
espaço que plataforma do Partido Trabalhista Amazonense poderia então ter de apoio em Manaus,

6 Vóz do Operário. In: Tribuna Popular, Manaus, n°3, 1933, p.01.


7 Jornal Tribuna Popular. Manaus, n°3: 1933 p.01.
8 Ibid, 20 ago. 1934, p. 01.
9 Ibid, 06 jul. 1934, p. 01.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

levando em conta que estes números chegam a cerca da metade das entidades sindicais da cidade na
época.10
Cabe aqui ressaltar que, durante todo período do Governo Provisório de Vargas, entre 1930
e 1935, passaram pela administração estadual do Amazonas cinco interventores, uma situação
inversa por exemplo do vizinho Pará, onde Joaquim Magalhães Barata no mesmo período
personificou uma coerência entre as intenções das elites locais.
Apesar dos interventores serem nomeados por Vargas, esta informação nos revela a
dificuldade local em se executar um plano de ação coeso por parte dos “revolucionários de 30”.
Este quadro dava vantagem às pretensões do PTA como difusor da adesão às propostas sindicais em
especial entre trabalhadores urbanos.
A importância desta aproximação entre o discurso varguista e os trabalhadores
amazonenses fica mais evidente após a escolha de Álvaro Maia como governador durante a
Constituinte Estadual de 1935, onde sua articulação com Luís Tirelli e a criação do Partido Popular
Amazonense resultou numa ênfase na articulação do sindicalismo local à política intencionada pelo
Ministério do Trabalho, fato de importante repercussão na imprensa conforme se observa:
O Amazonas não podia ser diferente aos novos rumos políticos do país, diretivas
traçadas pelo ilustre sr. dr. Getúlio Vargas, patriótico chefe do governo da
República, no intuito de facilitar aos homens de responsabilidade administrativa a
efetividade de seus programas [...]. Daí a disposição patriótica do ilustre
amazonense, Dr. Álvaro Maia, de realizar no Estado um congraçamento das
correntes partidárias de verdadeira expressão prestigiosa [...]. Socialistas e
Trabalhistas, atendendo ao chamado de seus chefes, estenderam-se as mãos [...].
Do abraço fraternal entre Trabalhistas e Socialistas surgiu o Partido Popular
Amazonense. O seu programa unirá as classes sociais, e mostrará que nós
queremos um Amazonas, forte, livre de feitores [...]11.

Informações como estas indicam um importante engajamento com fins de divulgar,


articular e executar as políticas pretendidas por Getúlio Vargas no âmbito das relações de trabalho
no Amazonas.
No mesmo bojo, nos oportuniza observar a gestão de um ideário que mais tarde viria a
constituir os elementos que proporcionaram a Getúlio Vargas vincular de forma notável sua
imagem junto aos trabalhadores brasileiros.

Um instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”

10 Anuário Estatístico. Departamento de Estatística e Publicidade. Rio de Janeiro: 1933, p.133.


11 Tribuna Popular. Manaus: 15 de jul. 1935.
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A respeito da crise econômica que assolou o Amazonas após a queda do preço internacional
da borracha a partir de 1915, naqueles anos ainda verifica-se a continuação de uma imprensa
voltada aos temas sindicais, como aponta Luciano Teles, sendo que “Manaus ainda continuaria a
contar com significativa atividade de trabalhadores operários”12.
Também para a pesquisadora Maria Luíza Ugarte Pinheiro, os jornais operários em suas
especificidades desenvolveram importante função no meio laboral. apesar de “não fizeram parte da
grande imprensa, porque amiúde lhes faltava recursos financeiros, mas apesar de serem Folhas de
um dia na maioria das vezes, com uma produção descontínua e dispersa, foram fundamentais para o
conhecimento da labuta dos operários: anseios, reivindicações, denúncias, movimentos e vitórias”13
Já tinham existido no Amazonas diversos jornais vinculados a partidos políticos, tais como “O
Liberal” e “O Amazonas”, ligados ao Partido Liberal do Amazonas, ou ainda “A Reação”, vinculado ao
Partido Republicano Amazonense
Vemos no caso do Tribuna Popular porém, que a esta tradição seria incorporado um projeto
nacional originado na Revolução de 1930 e agora incorporando um discurso voltado a “instruir as
hostes trabalhistas” e seus sindicatos simpatizantes da nova legislação para o setor pretendida por
Getúlio Vargas.
Os editores do jornal foram Vivaldo de Palma Lima como redator-chefe, Antonio de
Vasconcellos como diretor político e Oscar Costa Rayol como redator-secretário. Embora estes
fossem membros do PTA, não participaram como candidatos em nenhuma das eleições do período.
Desses, constatamos ter sido Antonio de Vasconsellos quem mais assinou colunas e artigos, sendo
que são os únicos cujos nomes e funções são descritos em todas as edições.
Circulando entre 1933 e 1936 “em gráfica própria”, o Tribuna Popular nas suas 116
edições manteve destaque para as ações de Luís Tirelli como deputado federal em artigos que o
associavam como um dos fundadores da Federação dos Marítimos do Brasil, uma clara tentativa de
vincular o “trabalhismo” do PTA a ações no campo sindical.
O contexto em que o Tribuna Popular aparece são o das eleições visando preenchimento
das quatro cadeiras na Câmara Federal que o Amazonas teria em 1933. Para isso o PTA havia
escalado Luiz Tirelli, que ganha projeção em seu grupo político após ter sido eleito pela “Aliança
Trabalhista Liberal do Amazonas”. O jornal aproveitava as oportunidades de menção a Tirelli para

12 TELES, Luciano Everton. A Vida Operária em Manaus: Imprensa e Mundos do Trabalho (1920).
(Dissertação)Instituto de Ciências Humanas e Letras – UFAM. Manaus: 2008, p. 158
13 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: letramento e periodismo no Amazonas (1880-1920). (Tese)
Doutorado em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001, p.131.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

enaltecer sua figura e associá-la aos interesses dos trabalhadores, como pode-se constatar na coluna
Voz do Operário:
Na representação amazonense tem o proletariado seu legítimo defensor na
pessoa criteriosa e altamente digna do Sr. Comandante Luís Tirelli, vitorioso
candidato do P.T.A., de quem tudo esperamos em favor do Estado e do seu
povo. O proletariado que tem na pessoa do Comandante Tirelli seu destemido
defensor, seu ídolo e por ele cultiva verdadeira admiração e deposita em S.
Exa., todas as suas esperanças. E tem razão justificada para tal. Relevantes
serviços têm ele prestado à causa proletária, empregando o melhor de suas
energias em favor das classes menos favorecidas, harmonizando e influindo nas
reivindicações de seus direitos conspurcados14.

Também a figura de Getúlio Vargas recebia honroso destaque, como pode-se ver nas
vésperas das eleições presidenciais de 1934 onde menciona-se “a assinatura do decreto, pelo Dr. Getúlio
Vargas, criando a Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários”. Ainda chama nossa atenção a
imagem de Getúlio sob a legenda: “Dr. Getúlio Vargas, candidato dos Trabalhistas do Brasil à
Presidência Constitucional da República”15.
Defere-se dessa mensagem dois movimentos intencionais: o primeiro através de um discurso
que atrelava o PTA com a figura de Vargas. O segundo de que eram um segmento para além do
Amazonas, uma fraternidade nacional dos trabalhadores conforme de nota na expressão “os
Trabalhistas do Brasil”.
Ainda em um discurso na cidade de Manacapuru, Luiz Tirelli continua a associar o
trabalhismo do PTA com um projeto de nacionalidade:
[...] Artífices, artistas, bacharéis e médicos, jornalistas e escritores, engenheiros e
trabalhadores enfim, de profissões outras, nós não somos mais, com diferenças, de
uns para os outros na instrução adequada a carreira que escolhemos, meros
trabalhadores que pelo dispêndio de nossas energias, no labor cotidiano,
procuramos, com honradez, o pão para nosso sustento e o de nossa família.
Trabalhistas somos todos quantos, irmanados pelos sofrimentos, nos constituímos a
força motriz e diretriz da Nacionalidade16.

Ainda sobre isso, novamente notamos uma enfática utilização do trabalhador como figura
que precisava unir forças para conquistar suas pautas frente ao capitalismo, conforme verifica-se no
artigo intitulado “Os Trabalhadores Avançam!”. Publicado nas vésperas das eleições para a
Assembleia Estadual Constituinte, nele vemos a preocupação em apontar que suas demandas
somente seriam atendidas pelas mãos de outros trabalhadores que precisavam ser eleitos:
[...] só nós trabalhadores é que compreendemos nossas necessidades; o mais são

14 Vóz do Operário. In: Tribuna Popular, Manaus, 1933, p 01.


15 Jornal Tribuna Popular, Manaus, 21 de maio de 1934, p.1.
16 Tribuna Popular, Manaus, 17 dez. 1934, p.01.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

bonitas conversas com que o capitalismo nos quer tornar a soldar o elo da
corrente que se acha partido o grilhão que ainda pende em nossos pulsos17.

Outro cuidado dos editores do Tribuna Popular era em divulgar eventos relacionados à
política sindical varguista, como a chegada de cartas sindicais outorgando autorização do Ministério
do Trabalho. Em muitos destes anúncios de primeira página, apontavam o empenho do deputado
Luiz Tirelli nos trâmites necessários junto aos órgãos federais.
Em uma destas cerimônias, transcorrida na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, o deputado
Luiz Tirelli fez um discurso “relatando um histórico do processo que transcorreu para adesão do
Sindicato dos Enfermeiros ao MTIC” e os meios que o PTA se utilizou para a “agilização do processo”.
Neste momento, houve a entrega da Carta Sindical do “Sindicato dos Enfermeiros do Amazonas”,
recebendo destaque a presença de diversas autoridades do PTA, incluindo Tirelli, Lourenço da Silva
Braga (da União dos Taifeiros) e Vivaldo Lima. 18
Para Luís Werneck Vianna, essas cerimônias serviam como um importante elemento para as
pretensões de Getúlio Vargas pois:
Logo que incluídos na estrutura corporativa, os sindicatos estavam sujeitos à
permanente vigilância estatal por meio de representantes do Ministério do
Trabalho, que detinham a faculdade de assistir às assembleias e o poder de
polícia de investigar sua contabilidade. Eram obrigados também a remeter
àquela repartição relatórios anuais, prestando contas das atividades
desempenhadas no seu exercício.19

Até 1934, segundo Luís Werneck Vianna, constavam oficializados junto ao Ministério os
sindicatos de sapateiros (1), construção civil (2), gráficos (1), metalúrgicos (1), fabricação de
Bebidas (1), Fabricação de Fósforos (1) e Barriqueiros (1).20
Também naquele ano, eram apontados como regularizados o Sindicato de Empregados em
Tração, Força e Luz (antigo sindicato Diaristas da Manaós Tramways)”, o Sindicato dos
Metalúrgicos de Manaus e o Sindicato dos Leiteiros. Na mesma edição, ainda somos informados
“da chegada à cidade de Manaus das Cartas Sindicais do Sindicato dos Alfaiates e Costureiras, e
dos Remadores de Manaus”.21
A chegada e entrega das carteiras de trabalho eram outro momento de efusiva participação
dos membros do PTA. A criação deste documento foi instituída pelo decreto nº 21.175, de 21 de
março de 1932, e, posteriormente, regulamentada pelo decreto 22.035, de 29 de outubro de 1932.

17 Jornal Tribuna Popular, Manaus, 17 de ago. 1934, p.01.


18 Jornal Tribuna Popular, Manaus, 24 set. de 1934, p01
19 VIANNA, Luís Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. 2. ed. , Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p.147.
20 Ibid. p. 143.
21 Jornal Tribuna Popular, Manaus, 11 set. de 1934, p.01.

16
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Em 1934, o governo do presidente Getúlio Vargas tornou a carteira de trabalho obrigatória


para fins de consolidação dos direitos trabalhistas. Para Angela Gomes, “a nova carteira profissional
visava substituir as antigas, antes emitidas pelos sindicatos, que tinham por fim identificar o
portador como trabalhador com ofício, garantido pelo sindicato.”22
As novas carteiras, agora emitidas pelo DNT (Departamento Nacional do Trabalho),
transformaram-se em documento necessário para associação em sindicato, gozo de férias,
apresentação de queixas nas Juntas de Conciliação e Julgamento e até mesmo obtenção de
empréstimo nas Caixas de Aposentadorias e Pensões.
A partir de 1934, o Tribuna Popular inaugura a coluna “Redutos Trabalhistas”, informando
o endereço de sindicatos e associações que “ombreavam juntos com o PTA”:
[...] Federação Trabalhista do Amazonas, Sociedade Beneficente dos Taifeiros,
Sindicato dos Empregados Leiteiros, Sindicato dos Empregados em Força,
Tração e Luz, Sindicato dos Trabalhadores Gráficos no Amazonas, Sindicato
dos Empregados em Construção Civil, Sindicato dos Metalúrgicos de Manaus,
Sindicato Misto dos Barbeiros de Manaus, Centro Proletário do Amazonas,
Sindicato dos Trabalhadores, Sindicato dos Operarios Cigarreiros de Manaus,
Sociedade Benficiente União Operária, Sociedade Beneficiente União dos
Foguistas do Amazonas e sucursal em Itacoatiara23

A periodicidade desta coluna - consta em 84 das 116 edições – infere que este tipo de
informação era uma das prioridades do PTA através de seu jornal.
Outro espaço que remete a nosso interesse era dedicado à Inspetoria do Trabalho, órgão
responsável pelo controle e supervisão das carteiras de trabalho, sendo também responsável pelo
cumprimento da legislação sindical, mediando, fiscalizando e multando se necessário conforme
atestado:
Por terem infringido dispositivos da legislação social-trabalhista, foram
autuadas as firmas seguintes: H. Batista, fazendas; J. Fontenelle, cinema;
Manoel Fonseca, produtos de leite; Mattos Areosa, comissões; Victoria
Marques, mercearia; Marques & Gaspar, livraria. [...] FÉRIAS: Por não terem
pago férias devidas a seus empregados, foram intimadas a fazer isso, as
seguintes firmas: Camello, Irmão & Cia, Fábrica de cigarros, Marques & Cia,
marchante; L. O. Bastos, idem; Eduardo Peres, idem; Gonzaga Palmeira &
Queiróz, idem; Segismundo Pinheiro, idem; Manoel Marques de Souza, idem.
[...]24.

Neste espaço, os sindicatos também eram lembrados de seus deveres para com as determinações
do Ministério do Trabalho, especialmente no que se refere à prestação de contas quanto às atividades
22 GOMES, Angela. Op. Cit., 2005, p.16.
23 Jornal Tribuna Popular,06 jul. 1934, p.01.
24 Jornal Tribuna Popular, 20 de jan. 1936
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

desenvolvidas no ano.
Em outro momento, podemos conferir a defesa da adesão sindical quando “o Sindicato dos
Gráficos, sob a fala dos camaradas Luiz Corrêa, [...] comentaram acerca das vantagens do pedido de
sindicalização da sociedade, mostrando a todos os presentes, as vantagens que advém a classe esta
medida O procurador do sindicato ao Rio de Janeiro, o sr. João Antonio Jacob, espera para breves
dias o registro da Associação no Ministério do Trabalho”.25
Uma outra forma de divulgação e instrução acerca da legislação sindical pode ser observada
nos casos em que esta havia sido aplicada em favor dos trabalhadores, como quando uma empresa
sediada em Curitiba que fora acionada “pelo Sindicato dos Operários Hervateiros, que através do
Ministério do Trabalho, buscava reverter a demissão de diversos funcionários da empresa F. F.
Fontana & Cia” 26.
Também um interessante relato nos vem da cidade de Itacoatiara, onde houvera uma
reclamação enviada pelo Sindicato dos Operários de Serrarias quanto à ameaça de fechamento das
atividades da empresa Serrarias Pereira. A ameaça teria vindo após a exigência de seus funcionários
quanto a aumentos salariais. A Serraria dizia não poder cumprir a exigência e, simplesmente,
fecharia suas portas. Na argumentação do Sindicato junto à empresa, nota-se que “o caso fora
levado à Inspetoria do Trabalho, para que ali a questão fosse harmoniosamente resolvida”.27
Em continuidade, o artigo chamava a atenção para diversos pontos especificados pelo artigo
nº 13 do decreto n. 19.770 de março de 1931, quanto aos direitos que o trabalhador sindicalizado
poderia recorrer, contra demissões ilegais.
O trabalhismo representado no Tribuna Popular
As expressões “trabalhista” ou “trabalhismo” não eram novidade no meio sindical brasileiro
naqueles meados dos anos 30. Sua utilização por essas entidades e pelos próprios trabalhadores
advinha desde o século XIX, na Inglaterra28 .
Também sindicatos que passaram a se organizar politicamente se apoderaram do termo
como forma de vincular partidos políticos às causas dos trabalhadores operários. Angela Gomes nos
lembra do caso da fundação de um “Partido Trabalhista Brasileiro”, em 1924, cuja linha adotada
seguia o corporativismo de Sarandy Raposo. A organização, porém, teve uma vida efêmera,
conforme aponta a historiadora.29

25 Jornal Tribuna Popular, Manaus, 01 abril 1935, p.02.


26 Ibid, 28 mai 1934, p.01.
27 Ibid, 9 dez.1935, p.02.
28 HOBSBAWM, Eric Mundos do Trabalho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.p.111
29 GOMES (2005) p.155

18
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

No caso do Partido Trabalhista Amazonense, já sabemos que sua criação deu-se em


condições específicas no campo político da época: os desdobramentos da Revolução de 1930, da
revolta constitucionalista de São Paulo em 1932 e a formação da assembleia constituinte de 1934.
No entanto, para além disso, o PTA tinha na pauta de seus dirigentes uma expressiva
presença de uma identidade ligada aos trabalhadores.
É o caso do artigo “Precisamos Definir-nos, Trabalhadores”, onde o Sindicato da
Construção Civil, através de seu presidente Francisco Baptista, fazia o seguinte alerta:
Já não é mais tempo de continuar estacionária a classe trabalhista. É o momento
de cooperar, dentro da ordem e fraternidade, pela completa reivindicação dos
nossos direitos e pela perfeita segurança de nosso futuro. A todo trabalhador
consiste em o direito de organização, por isso não deve temer a qualquer
injunção de adestrados corruptores do bem coletivo. [...] E, por conseguinte,
trabalhadores, somente com a socialização coletiva que se podem alcançar as
nossas reivindicações. [...] Precisamos definir-nos, trabalhistas, para ter um
Brasil maior, digno do lugar que lhes compete perante os demais países do
mundo! 30

Uma abordagem interessante também era dada às relações entre os próprios sindicatos,
como pode-se ver na coluna intitulada “Nosso Apoio”, onde o Sindicato dos Metalúrgicos de
Manaus se solidarizava com os trabalhadores gráficos contra o fechamento da Amazon Enginering,
empresa pela qual muitos desses profissionais eram contratados. Ainda nesse espaço, era exposto
que a posição da empresa havia sido justificada “devido a não suportar cobrir para com as
obrigações da nova legislação trabalhista”.31
Com uma nova conjuntura política a partir de meados de 1935 com a eleição de Álvaro
Botelho Maia para governador do Estado, o Tribuna Popular mantinha sua linha editorial, agora
representando o Partido Popular Amazonense, resultante da união de uma ala do Partido Socialista
Amazonense, de Maia, com o PTA, de Tirelli.
Neste momento, notamos uma intencionalidade em aproximar Álvaro Maia dos sindicatos
vinculados ao PTA, como durante o aniversário da Sociedade dos Taifeiros de Manaus, onde
“constavam a presença de todos os Trabalhistas”, sendo que na ocasião fora lida “uma carta de
agradecimento e parabenização da parte do governador Álvaro Maia, incluindo uma formosa oração
aos homens do trabalho”.32
O governador era um dos expoentes do movimento Glebarista dos anos 20 no Amazonas,
cujos ideais buscavam um resgate dos valores amazônicos nas artes e literatura e seus artigos sobre

30 Jornal Tribuna Popular, 22 de abr. 1935, p. 01


31 Jornal Tribuna Popular, 21 out. 1935, p.01.
32 Ibid. 23 dez.1935 p.01
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

o tema podem ser encontrados na primeira capa do jornal, uma forma de apresentar seu ponto de
vista sobre a região aos leitores do Tribuna Popular.
Assim, o jornal desempenhava um papel informativo tanto político partidário, como do
espaço para o meio sindical e a própria identidade pretendida pelos trabalhadores.
Conclusão
Averiguar um periódico requer técnicas de pesquisa específicas relativas à imprensa, o que
permite perceber que o jornal Tribuna Popular não foi apenas mais um dentre outros tantos
periódicos que surgem e desaparecem ao sabor de realinhamentos políticos, fato que se percebe até
hoje na imprensa do Amazonas.
Antes disso, evidenciou-se como elemento divulgador de um período de nossa história que
ainda requer estudos mais apurados. De qualquer forma, talvez um dos maiores legados do Tribuna
Popular seja contribuir para a observação e análise das expectativas dos desdobramentos da
Revolução de 1930 para o Amazonas.
Em meios aos jogos políticos da época, também oferece a seu modo a expressividade de
parte significativa do movimento sindical em uma hora de transformações que delinearam nas
décadas seguintes o papel destas entidades no campo do trabalho.

* * *

20
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

O an comunismo no Amazonas: Centro Dom Vital e Ação Integralista


Brasileira (AIB) 

Davi Monteiro Abreu**

A luta contra o comunismo teve início desde as primeiras formulações teóricas e políticas de
Karl Marx e Friedrich Engels. Os anticomunistas no Brasil combatiam o “credo vermelho” pela
palavra e pela ação e se utilizavam de vários mecanismos neste embate.
No rol das instituições anticomunistas no estado do Amazonas, podemos destacar duas das
quais desprenderam, com afinco, a luta contra o comunismo: Centro Dom Vital e Ação Integralista
Brasileira. Segundo Silva, “se podemos perceber na realidade do período fortes campanhas
anticomunista, foram a Igreja e a AIB que colocaram o anticomunismo como embasamento da sua
ação no que diz respeito à sua atuação junto às camadas populares”.33
A Ação Integralista Brasileira (AIB)34
A AIB surgiu nos fins de 1934 no Amazonas, obteve grande êxito, alcançando grande
adesão. A AIB, nesse sentido, encontrou no Estado um terreno fértil para propagar seus ideais.
Quando em abril de 1935 a AIB foi inaugurada oficialmente,35 logo, instalaram uma escola para
ensinar e doutrinar as hostes do Sigma, assim como começaram a se organizar enquanto
departamentos para melhor se inserirem nos grupos sociais.
O Sigma manteve um trabalho intensivo de 1935 até o final de 1937, nesses anos fundaram
o núcleo central, o núcleo municipal em Manaus e subnúcleos nos bairros de Manaus, como São
Raimundo e Constantinópolis. Foram fundados também núcleos em Itacoatiara, Manacapuru,
Parintins e Coari.36
 Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa que resultou na dissertação de Mestrado “Uma ‘pretensa
intentona’: ANL, AIB e a cultura política anticomunista no estado do amazonas (1935-1937)”, defendida no ano de
2019 no PPGH/UFAM com apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós. A referida
dissertação recebeu o prêmio PROPESP/UFAM como a melhor dissertação do programa no ano de 2019.
**** Licenciado em Pedagogia pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE); Mestre em História Social pelo
Programa de Pós-graduação em História (PPGH-UFAM); Professor do Ensino Fundamental I na Secretaria Municipal
de Educação de Manaus (SEMED). E-mail: davi.onlyone@gmail.com
33 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2001. p. 87.
34 Para conhecer mais sobre a AIB: ABREU, Davi Monteiro. Uma “pretensa intentona”: ANL, AIB e a cultura
política anticomunista no Estado do Amazonas (1935-1937). 2019. 187 f. Dissertação (Mestrado em História) -
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2019.
35 A Tarde, Manaus, 22 de abr. 1937.
36 O Jornal, Manaus, 05 de jun. de 1935; O Jornal, Manaus, 28 de jun 1935.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Entre 1935 e 1937, percebemos que a AIB teve três líderes (chefes provinciais): Paulo
Eleutério, Átila Sayol de Sá Peixoto e Jayme Pereira. O primeiro recebeu de Gustavo Barroso,
quando este esteve numa “Bandeira Integralista” em Belém, no final de 1933, a missão de irradiar o
integralismo no norte do Brasil e assim o fez. O segundo era um jovem acadêmico que se
empenhava em ministrar palestras sobre o “Estado Integral” na Escola Deus e Pátria; além disso,
também foi secretário de propaganda do Sigma. O último chegou ao Amazonas em meados de
1937, era um conhecido catedrático da Faculdade de Medicina de São Paulo, membro do Supremo
conselho Integralista. Este retornou ao Amazonas para chefiar a província integralista do
Amazonas.
No que tange ao comunismo, Costa Rego, um líder integralista amazonense, declarou:
O Integralismo vê na familia a projecção do individuo. O communismo nega a
familia, pela incorporação do individuo ao Estado, como seu instrumento. O
collectivismo communista dillue, portanto, o homem. A conceção totalitaria
integralista conserva-o e arma-o. Em summa, quanto ao homem, o Integralismo só
não quer que elle se affirme contra a harmonia social; e o communismo retira-lhe
pura e simplesmente, a capacidade de affirmar-se. O Estado integral procura
defender o individuo; o Estado communista incorpora-o.37

Entre as táticas de ação anticomunista dos integralistas estavam as comparações entre


“integralismo x comunismo”. Para os eles, os comunistas estavam se infiltrando no tecido social do
Brasil, a fim de promover uma Revolução a qual destruiria as famílias e as individualidades.
Neste sentido, para frustrar os intentos dos comunistas se fazia necessário estar sempre
alerta, aderindo ao integralismo e participando da milícia integralista, a qual ganhou corpo entre
1933 a 1935, tendo sido extinta pela Lei de Segurança Nacional apenas em 1935. Sobre o
fechamento desse braço militar o integralismo Plínio Salgado (líder dos integralistas) expressou:
[...] A III Internacional verificou que isso representava um perigo, o unico perigo
contra seu plano de transformar o Brasil em colônia russa e os lares brasileiros em
prostibulos. A milícia integralista era impermeavel á infiltração communista,
justamente porque o seu objectivo unico era combater o communismo.38
Apesar de não dispor de sua milícia armada, a AIB continuou combatendo o comunismo. E
essa luta se dava na denúncia à “infiltração” comunista no país, assim como, aos possíveis atos de
violência que poderiam ocorrer se o “credo russo” vencesse no Brasil.
Dessa forma, a AIB crescia no Amazonas e no Brasil e, em 1936, se tornou um partido
político para disputar a Presidência da República. Em 1937, iniciou no Amazonas um pujante
alistamento eleitoral nos núcleos de Manaus e dos demais municípios do estado. Sob a liderança de

37 O Jornal, Manaus, 16 de jan. de 1936.


38 O Jornal, Manaus, 28 de dez. de 1935.
22
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Átila Sayol de Sá Peixoto, a campanha de Plínio Salgado ganhava corpo e aderência como a do
Capitão Aluizio Pinheiro Ferreira, diretor da estrada de ferro Madeira-Mamoré. No entanto, com o
advento do Estado Novo, que a AIB ajudou a instalar insuflando a sociedade afirmando ter
conhecimentos de novos planos comunista para tomar o poder no país, as sedes da mesma foram
fechadas, assim como todas as organizações partidárias do país.
O Centro Dom Vital
Já o Centro Dom Vital, para entendermos sua criação, é necessário compreender o combate
que a Igreja assumiu contra o processo de modernização, laicização e secularização da sociedade. O
combate ao comunismo, nesse sentido, era apenas um elemento a mais na oposição a esses
processos. Além disso, é importante entender a luta que a Igreja Católica estava encampando desde
a proclamação da República, pois, naquele período, a Igreja perdeu sua grande influência junto ao
Estado brasileiro, ao menos tempo que passou a surgir o movimento operário influenciado por
várias correntes de pensamento (anarquistas, socialistas, comunistas). Neste sentido, a Igreja iniciou
dois movimentos. Primeiramente, passou ao enfrentamento do laicismo com o objetivo de formação
doutrinária, na tentativa de convencer os governantes que o Brasil era um país católico. No segundo
movimento, a Igreja passou a investir contra a subversão e a materialização do operariado.39
Assim, da proclamação da República até o início da década de 1930, a Igreja encampou
várias estratégias para que voltasse a ter sua influência restituída junto ao Estado. Uma das
alternativas encontradas foi a fundação do Centro Dom Vital, da Liga Eleitoral Católica e dos
Círculos Operários.40
O Centro Dom Vital foi fundado em 1922, quando, preocupada com a formação religiosa da
elite, a Igreja Católica passou a fundar centros de estudos, oferecer literatura especializada e criar
órgãos para o engajamento de leigos. “Em 1921, foi criada a revista A Ordem, sob a direção de
Jackson de Figueiredo, e, no ano seguinte, o grande líder católico da época, dom Sebastião Leme,
fundou o Centro Dom Vital, dirigido por Jackson de Figueiredo [...]”.41
O Centro Dom Vital, a Liga Eleitoral Católica e os Círculos Operários foram projetos que
estavam inseridos na concepção de justiça social. Assim, o Centro Dom Vital e a revista A ordem
estavam voltados para os intelectuais, os Círculos Operários dirigidos aos trabalhadores e a LEC
para orientar o voto do cristão. Esses projetos da Igreja também visavam pleitear maiores espaços

39 RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do
Sul (1945-1964). 2 ed. Passo Fundo: UPF, 2003. p. 51-56.
40 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Op. Cit. p. 88.
41 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Ibidem. p. 57.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

junto ao governo central, visto que, desde 1890, o Estado e a Igreja estavam separados.42
No Amazonas, o Centro Dom Vital surgiu no segundo semestre de 1937 e foi formado
essencialmente por membros da Ação Católica, dentre eles, Leopoldo Peres, Antovilla Vieira, Felix
Valois, Moacir Dantas – todos deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Amazonas.
No dia 21 de julho, foi realizada a primeira reunião plenária da entidade. Na ocasião, foram
eleitos os membros de sua diretoria, a qual assim ficou dividida: André Vital de Araujo, presidente,
nomeado pela autoridade diocesana; José Jorge Carvalhal, vice-presidente; Moacyr Dantas,
secretário; Ananias de Almeida, tesoureiro; Leopoldo Péres, orador.43
Já no dia 04 de novembro de 1937, foi realizada uma sessão solene no Consistório da Sé. O
evento foi bastante concorrido, fez-se presente o bispado, representantes do governador do estado e
do prefeito, autoridades, o clero, congregações religiosas e populares. A reunião marcou a
instalação do Centro Dom Vital no Amazonas e fez uma homenagem ao fundador da instituição no
Brasil, além de discorrer sobre os objetivos da entidade.44
Segundo André Vital de Araujo,45 o Centro Dom Vital surgiu com intuito de “rechristianisar
a alma, o pensamento e o coração dos brasileiros, para que gravitem, eternamente, em torno da
doutrina de Jesus [além de] reconstruir o que destruíram, defender o que querem solapar, com o
sacrificio das gerações de nossa Patria”.46 Com estes objetivos, o Centro Dom Vital manifestou-se
para combater “por todas as campanhas dignas, a anarchia, a mercantilisação do espírito, a
commercialisação das letras, a confusão da alma nacional, corrompida pela literatura sem finalidade
honesta do liberalismo, do agnosticismo, do positivismo, do materialismo, do communismo”.47
Como já mencionamos, o Centro Dom Vital via no comunismo apenas mais um inimigo que
a modernidade apresentava à Igreja Católica e à sociedade, apesar de ver nele “características
próprias, atuais, como o ateísmo e o materialismo, o objetivo de destruir a família, a propriedade
privada e a pátria, de querer solapar todas as conquistas da civilização cristã”.48 A modernidade
representava, para os líderes do Centro Dom Vital, o que há de mais danoso à sociedade, pois dela

42 SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931- 1934). Ibidem. p. 99.
43 A Tarde, 23 jul. 1937.
44 A Tarde, 5 nov. 1937.
45 Bacharelou-se em Direito em 1921, foi juiz de menores e expressiva liderança católica. Sobre André Vital ver:
FERREIRA, Lúcia Marina Puga. André Vidal de Araújo: pensamento social e sociologia. 2002. Dissertação
(Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia), Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2002. E também ver:
PESSOA, A. B. Pequenos construtores da Nação: disciplinarização da infância na cidade de Manaus (1930-1945).
2018. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Pará, Belém, 2018.
46 Anchieta: Boletim catholico d’A Selva, nov. 1937.
47 Anchieta: Boletim catholico d’A Selva, nov. 1937.
48 RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do
Sul (1945-1964). Op. Cit. p. 34.

24
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

decorria uma confusão espiritual que visava afastar o ser humano de Deus, “destruindo todo o
patrimônio moral e espiritual”. Assim, a crise espiritual da humanidade trazida pela modernidade
teve origem, segundo André Vital de Araujo, no ano de 1.400, mas que aqui no Brasil começou a
ganhar proporção em 1922.49 Importante lembrar que, em 1922, ocorreram no país eventos
essenciais para se explicar a história contemporânea do país, tal qual a Semana de Arte Moderna e a
fundação do Partido Comunista do Brasil.
Portanto, para digladiar contra o espectro moderno, mas, também, nesse momento, para
impedir o crescimento do comunismo, é que o Centro Dom Vital foi constituído no estado do
Amazonas. Ele apareceu também para “intellectualisar os meios catholicos e christianisar os meios
intellectuaes (e) restaurar a intelligencia brasileira numa perfeita unidade com a razão e a fé”, 50
além, de “estimular a cultura catholica e promover a reespiritualização da sociedade brasileira, tão
violentamente assediada pelas forças desagregadoras do communismo atheu”.51
Importante mencionar também que, antes mesmo de ser instalado o Centro Dom Vital,
alguns católicos já realizavam a luta contra o comunismo. É o caso do deputado Leopoldo Péres.
Outro católico que também se juntava neste combate era o deputado Estadual Aristides Rocha,
apesar de não fazer parte do Centro Dom Vital.
Interessante também observar as proximidades e elogios entre os católicos e integralistas. Na
coluna do deputado estadual Leopoldo Péres, foi comum verificá-lo exaltando a luta dos “camisas-
verdes”. Em um de seus textos afirmou “Não me inscrevo, já o esclareci e repito, entre os
correligionarios do sr. Plinio Salgado. Sou, todavia, dos que reconhecem e não têm constrangimento
algum em proclamal-o [...]”52 O deputado ainda se referiu ao sigma em outros de seus textos 53,
sempre com o caráter elogioso ou, quando tentaram tornar ilegal a entidade, defendendo a AIB.
Nesses textos, podemos perceber que aparentemente os combates travados pelas entidades eram
quase que complementares. A Ação Católica via com bons olhos a ação dos integralistas e vice-
versa. Ambos defendiam o mesmo ideal “Deus, pátria e família”, além da propriedade privada, e
tinham um inimigo em comum: o comunismo ateu.

* * *

49 Anchieta: Boletim catholico d’A Selva, nov. 1937.


50 Anchieta: Boletim catholico d’A Selva, nov. 1937.
51 A Tarde, 5 nov. 1937.
52 A Tarde, 21 jul. 1937.
53 Camisas-Verdes (A Tarde, 21-7-1937); Christãos-Novos (A Tarde, 19-06-1937); O condestável do Brasil (A Tarde,
12-03-1937).
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26
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

O Amazonas e a sociedade amazonense, através da propaganda varguista

Hosenildo Gato Alves

A partir de 1937, mais precisamente a partir de 1940, o governo Vargas passa, mesmo que
minimamente, a investir na economia da Amazônia e procura inseri-la política e economicamente
no corpo da Nação. Contudo, essa intencionalidade não é fruto desses anos, ela é anterior.
No ano de 1933, em uma visita à cidade de Belém, Getúlio Vargas, o então chefe do
Governo Provisório, em um de seus discursos, mostrou-se preocupado com a incorporação da
Amazônia ao cenário nacional e com o seu desenvolvimento econômico. Para que isso ocorresse,
segundo o presidente, seria necessário o investimento na indústria extrativista da seringa e da
castanha; nesse prisma, se daria atenção também, nos mais variados recursos potenciais, que faziam
da região a mais abundante reserva da economia nacional. Assim como, e o principal, seria
necessário transformar a exploração nômade em sedentária, para tanto era preciso povoar e
colonizar a região, “fixando o homem ao solo”. Assim a economia amazônica ressurgiria e seus
produtos proveriam os variados mercados mundiais:
A Amazônia ressurgirá (...). A era de ouro prometida surgirá – fruto da riqueza,
amadurecido pelo trabalho. E pelo caudal impetuoso, onde Orelana combateu as
Amazonas, descerão os tesouros da agricultura e da indústria, para abastecer os
mercados do mundo54.

Não procuramos aqui, enquanto um plano discursivo ou um plano de justificativas


administrativas, encontrar ou justificar os motivos que levaram Vargas, nessa data, a se mostrar
preocupado com a Amazônia; entretanto, a situação de instabilidade nacional durante quase todos
os sete anos iniciais da década de 1930, que refletia nos alicerces do governo Vargas, foram fatores
que inviabilizaram esse intuito. O objetivo aqui é o de perceber que, havia um discurso anterior ao
Estado Novo, que visava à integração da Amazônia ao restante do país. Porém essa intencionalidade
de incorporar nossa região ao cenário nacional, povoando-a, colonizando-a e investindo em sua

* Este artigo é parte do capítulo 03 de minha Dissertação defendida no Mestrado de História da Universidade Federal do
Amazonas no ano de 2009, sob o título: Imprensa e Poder: A Propaganda Varguista na Imprensa Amazonense (1937-
1945). Manaus: UFAM, 2009.
* Professor de História da rede privada do Ensino Médio/ Mestre em História pela UFAM.
54 Trechos do discurso de Getúlio Vargas em 1933, na cidade de Belém – capital do Estado do Pará. Apud PERES,
Leopoldo. Política e Espírito do Regime. Rio de Janeiro: Empresa A Noite, 1941, p. 88.
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economia, passa a ser posta em prática somente durante a vigência do regime e, nessa conjuntura
política, essa tarefa, tem um fim econômico objetivado que perpassa na questão da nacionalidade.
Como fim objetivado do Estado Novo, a inserção da Amazônia ao cenário nacional, está no
bojo do projeto do regime denominado de “Marcha para o Oeste”, que tinha a intenção de ocupar os
“espaços imensos e despovoados” do Brasil, possibilitando que as fronteiras políticas – o Estado
Nacional, centralizado, representação da nacionalidade – e as econômicas se coincidissem. Por esse
prisma, o Estado ao estender as fronteiras econômicas estaria ajudando a resgatar a brasilidade,
estaria complementando o fazer da Nação. A integração geográfica e econômica dos mais
longínquos lugares do Brasil, estaria ajudando a Nação a buscar a sua plenitude. A fala de Leopoldo
Peres55, abaixo trilha por esse enviesamento:
A civilização brasileira mercê dos fatores geográficos, estendeu-se no sentido da
longitude, ocupando o vasto litoral, onde se localizaram os centros principais de
atividade, de riqueza e vida. Mais do que uma simples imagem, é necessidade
urgente e necessária galgar a montanha, transpor os planaltos e expandir-nos no
sentido das latitudes. Retornando a trilha dos pioneiros que plantaram no coração
do continente, em vigorosa e épica arremetida, os marcos das fronteiras territoriais,
precisamos de novo suprimir obstáculos, encurtar distâncias, abrir caminhos e
estender as fronteiras econômicas, consolidando, definitivamente, os alicerces da
Nação. O verdadeiro sentido de brasilidade é a marcha para o Oeste56.

Assim sendo, segundo o historiador Alcir Lenharo, o Estado Novo, com a efetivação de um
espaço físico unificado, constituiria “o lastro empírico sobre o qual os outros elementos
constitutivos da nação se apóiam: a unidade étnico-cultural, a unidade econômica, política, o
sentimento comum de ser brasileiro” 57.
O projeto da “Marcha para o Oeste”, foi elaborado, crucialmente, a partir do golpe de 1937,
sendo cuidadosamente retrabalhado nos anos seguintes58. Segundo a historiadora Maria Verônica
Secreto, esse plano foi uma forma de fixar o trabalhador rural no campo, tática que estava inserida
no projeto de modelo econômico e de desenvolvimento do regime.
Durante a “Era Vargas”, mais principalmente, durante o Estado Novo, o antigo “padrão de
acumulação agroexportador” foi “destruído pelo novo padrão de desenvolvimento capitalista”59,

55 Leopoldo Carpinteiro Peres, jornalista, educador e político amazonense. Nasceu no município do Cabo, Pernambuco,
do dia 09 de agosto de 1901, aos seis anos veio para o Amazonas, bacharelando-se em direito em 1922. Foi um dos
fundadores da Ordem dos Advogados do Amazonas e da Associação Amazonense de Imprensa, deputado Estadual, e
depois Federal para a constituinte de 1946. Faleceu no Rio de Janeiro em 1948. ROCQUE, Carlos. Grande
Enciclopédia da Amazônia. Vol. 05. Belém: Amazônia Editora. 1968, p. 1356.
56 Discurso de Getúlio Vargas. Apud Leopoldo PERES. Política e Espírito do Regime. 1941, p. 85 e 86. Grifo meu.
57 LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. 2ª edição. Campinas, SP: Papyrus/UNICAMP, 1986, p 57.
58 Ibid, p 56.
59 FARIA, Fernando Antonio. Os vícios da Re(s)pública: negócios e poder na passagem para o século XX. Rio de
Janeiro: Notrya Editora, 1993, p. 31.

28
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

assim procurou-se valorizar a industrialização do país. Passou-se a aparelhar a infra-estrutura


industrial, procurou-se substituir as importações e alargar o mercado interno 60, este que garantiria o
desenvolvimento econômico e permitiria também o rompimento como “a dependência das
flutuações internacionais”. Assim, para o sucesso desse modelo econômico de desenvolvimento,
seria necessária a intervenção do Estado em matéria de infra-estrutura viária e
mercado de trabalho, além(...) do incentivo à mobilização da fronteira,
incorporando amplos “espaços vazios”, e da reunião dos diversos núcleos
demográficos isolados.
O campo deveria atender às necessidades que a nova regulamentação econômica
exigia. Planejou-se a consolidação de uma ampla base urbana e fabril. A partir das
cidades, se conquistaria o campo. O litoral marcharia para o sertão61.

Inicialmente a “Marcha para o Oeste”, procurou fixar o trabalhador rural nos interiores de
Goiás e Mato Grosso, porém logo essa ideia de marchar para o interior “se estendeu à região
amazônica, que também ingressou no ‘imaginário oficial’ entre os territórios internos” 62 a serem
ocupados.
Contudo, mesmo estando a “Marcha para o Oeste”, direcionada à Amazônia – no caso
especifico o Amazonas –, inserida na proposta de Estado Nação (nacionalidade brasileira) do
Estado Novo, essa constatação de forma alguma, minimiza o papel histórico dos grupos sociais
locais, que agiram em função do melhoramento e do fortalecimento político e econômico do Estado.
Grupos como os “glebários”63 que em muitos momentos da década de 1930, apareceram nos
periódicos, defendendo um crescimento econômico do Estado, e apoiaram Vargas na medida em
que viram nele uma possibilidade de terem seus interesses posto em práticas. Ou seja, a integração
da Amazônia na economia nacional é um caminho de duas vias, ao mesmo tempo em que
representava o interesse do Estado Novo, possibilitando a simpatia dos amazonenses ao regime,
representava também, os interesses de grupos sociais locais, que apoiaram Vargas, mas exigiram
atuações do governo, direcionadas ao melhoramento do Estado, quando não, dos seus interesses.
Uma nota do Jornal do Commercio, quando da vinda de Getúlio Vargas, exemplifica a cobrança
feita ao governo:
60 GOULART, Silvana. Sob a verdade Oficial: Ideologia, propaganda e censura No Estado Novo. São Paulo: Editora
Marco Zero, 1990, p. 32-34.
61 SECRETO, Maria Verônica. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do rio Amazonas”
à saga dos soldados da borracha. Estudos históricos. Rio de Janeiro, nº.40, julho-dezembro de 2007, p.115-135, p. 117.
62 Ibid, p. 116.
63 Os glebários fizeram parte do Glebarismo, um movimento dos anos de 1930 em Manaus, que defendia idéias e
valores regionais, como: a identidade cabocla; um ufanismo pelo Amazonas; tinha aversão a políticos oportunistas,
principalmente os de outros Estados que faziam carreira no Amazonas; o crescimento econômico do Estado. Deles
faziam parte, políticos, intelectuais, jornalistas, estudantes. Álvaro Maia fez parte desse movimento. Há um manifesto
do Glebarismo no Jornal “Tribuna Popular”. Cf. Tribuna Popular, nº. 69, Manaus, 12 de agosto de 1935.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Temos sidos accusados de incapazes. Desajustados, mal alimentados sem


assistencia technica, sem credito bancário, somos, até agora, uma parcella minima
de forças que não receberam senão a disciplina de uma lucta titanica com a
natureza mais violenta do universo. (...) Jamais conspiramos contra a integridade
da pátria. Jamais investimos ou reclamamos contra as aspirações da nacionalidade.
Conquistamos o Acre para o Brasil.(...)
Estamos fartos de ser apenas o motivo exotico para uma litteratura apressada,
falsa e prejudicial. Faltam-nos braços sadios. Faltam-nos escolas, hospitaes,
capital para movimentar a machina economica. Só não nos faltou ainda a coragem
para continuar na justa, que é a aventura do desbravamento de um novo oeste. (...)
O Amazonas, ao receber a visita do chefe da nação, tem a certeza de que V. Exa.
sabera integral-o em definitivo na communhão nacional, com a visão genial por
que tanto anciamos, assistindo-lhes aos problemas, vitalizando-o, conquistando-o
definitivamente para os grandes dias do Brasil64.

A nota é bastante interessante, primeiramente porque representa uma crítica, do JC, ao


presidente e ao regime – Vargas estava em Manaus nesse dia –, denunciando que em quase 03 anos
de regime, pouco foi feito em favor do Estado. Segundo é que, na cobrança, se percebe que o
projeto da “Marcha para o Oeste”, ou melhor, as promessas do Estado Novo, ainda não haviam
chegado como gostariam as elites locais, nas fronteiras do Estado.
Porém, para apaziguar os ânimos, a visita do presidente a Manaus tinha justamente o
objetivo de implementar esse projeto. Na noite desse mesmo dia, Vargas disse aos amazonenses,
reunidos no Ideal Clube, em pronunciamento que ficou conhecido como o “Discurso do Rio
Amazonas”, que a partir daquele momento o Estado do Amazonas seria integrado a economia
nacional, ao corpo da Nação. Assim o “Discurso do Rio amazonas”, se tornou a pedra angular, para
o ressurgimento da Amazônia, na medida em que lançava planos de ações.
Antes do “Discurso do Rio Amazonas”, apesar de haver algumas referências diluídas, nas
reportagens das datas comemorativas do Estado Novo, que afirmam que o regime e Vargas são os
responsáveis pelo crescimento do país e do Amazonas, as reportagens, objetivas, que relacionavam
o progresso do Amazonas à atuação do Estado Novo são quase nulas.
Em uma nota de janeiro de 1939, fica evidenciado que o Estado Nacional deixou, em um
primeiro momento, os assuntos econômicos referentes à Amazônia e ao Amazonas, para segundo
plano. Segundo a nota seria, a partir daquele momento, seguindo um itinerário traçado pelo regime
para aperfeiçoar a exploração das riquezas nacionais, que o governo começaria a encarar o
problema da borracha. O Estado Novo traçaria planos para fomentar uma maior produção da
borracha, melhoraria do seu preparo, padronizando e melhorando sua industrialização. Essa tática
visaria aumentar o abastecimento no mercado interno de artefatos fabricados com o produto

64Jornal do Commercio, nº.12227, Manaus, 10 de outubro de 1940. Grifo Meu.

30
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

amazonense, e em seguida intensificaria sua produção para o mercado externo. A nota sinaliza para
o fato de que o vale amazônico teria possibilidades incomparáveis para o aumento da extração da
borracha, que abasteceria as 47 indústrias nacionais especializadas na produção de artefatos da
borracha. A meta do governo seria produzir, muito mais do que os 400 pneus diários, uma vez que o
seu consumo diário no país, era de 12 mil65.
Será a partir de 1940, que as notícias sobre as potencialidades econômicas do Amazonas
começam a vim à tona. A propaganda começa a apresentar o Estado enquanto um celeiro de
grandes surpresas econômicas. Mesmo com o início da guerra na Europa que estaria dificultando a
expansão da economia da Amazônia, e principalmente a sua, se o Amazonas – ele que seria o porta-
voz dos anseios dos Estados da região norte – tivesse uma ajuda de crédito para o financiamento da
industrialização direcionada a grandes partes de suas matérias primas, era de se esperar um
crescimento fantástico “da sua collaboração no fomento da economia nacional” 66.
De fato, será depois da vinda de Vargas a Manaus, que a propaganda ira colorir o papel do
Estado e da região para a economia nacional e a importância que teve o Estado Novo e Vargas para
isso:
O grande presidente o snr. dr Getúlio Vargas, a quem a Amazonia vai dever a sua
legitima integração ao Brasil, foi assim, o estadista providencial que soube ver,
que compreendeu a grandeza do vale, que sentiu a gravidade de seu abandono e
bem mediu a significação do plano, com que a genialidade de sua visão soube
propor a grande equação do extremo-norte(...)
O discurso do rio Amazonas, comemorado hoje como uma voz de comando para a
execução de uma campanha que não sacrifica vidas nem esconde propositos
inconfessaveis, acobertados por falso democratismo, é como a pagina inicial do
quarto ciclo de evolução da Amazonia, ciclo, porem, que ha de ser uma conquista e
um triunfo, ciclo que abrirá à Amazonia o destino maravilhoso que Deus lhe
assegurou67.

A partir de 1941, uma nova data entraria para a galeria das datas natalícias do Estado Novo
no Amazonas; o 10 de outubro, o dia do “Discurso do Rio Amazonas”. O dia 10 de outubro
começou a ser reverenciado e as lideranças estaduais organizavam festejos, a imprensa noticiava a
ocasião. Em O Jornal, em circunstâncias do primeiro aniversário “Discurso do Rio Amazonas”,
notas sobre as organizações da festividade, comentários acerca do significado dessa data, poderiam
ser visualizados desde o mês de julho. Acompanhe como a Revista Sintonia se referiu certa vez a
essa data:

65 O Jornal, nº.2560, Manaus, 06 de janeiro de 1939.


66 O Jornal, nº.2902, Manaus, 08 de fevereiro de 1940.
67 Jornal do Commercio, nº.12544, Manaus, 10 de outubro de 1941. Grifo e Parênteses meu.
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A Amazônia sempre foi, não há negar, uma região abandonada pelos nossos
governantes, cujas vistas enamoradas só se voltavam para as bandas progressistas
do sul, com os Estados naquele tempo poderosos, de recursos necessario a
manutenção das massas eleitorais prontas à corrupção e ao suborno.
Nele (no discurso de 10 de outubro) encontramos uma serie de considerações e
conceitos que deixam à amostra a força do estadista e a visão certa do homem
conhecedor das nossas realidades, do governante consciente apercebido do papel
preponderante dessa parte da unidade a terra do futuro – “o vale da promissão no
Brasil de amanhã” – daí o saneamento a colonisação racional da Amazônia etc.
A Amazônia carecia de um plano nacional68.

A propaganda fala do renascimento do Amazonas, e critica, pela precariedade do Estado, os


governantes anteriores e o sistema político anterior; poetiza-se o desenvolvimento do Estado. Mas
como vemos na citação anterior, para que ocorresse o desenvolvimento da região, também seria
necessário que ocorresse o povoamento, a sua colonização. Segundo a propaganda, para o Estado
ser o futuro celeiro do mundo, o Amazonas precisava de gente para explorar os seus recursos que
seriam inesgotáveis69.
No que concerne esse projeto de colonização da Amazônia, a ideia do regime, segundo a
historiadora Maria Verônica Secreto, era a de levar o trabalhador junto com a sua família70. Para dar
andamento a essa proposta, foram montados órgãos responsáveis por esse feito como o “Conselho
de Colonização e Imigração do Brasil”, este que em início de 1941, pedira a União que concedesse
4 mil passagens a trabalhadores, que quisessem se empregar nos seringais do Amazonas, passagens
essas consideradas a partir de Manaus para diversos pontos do interior. Essa atitude foi tomada, na
medida em que até essa data “o poder publico federal só fornecia transporte aos trabalhadores
nordestinos até o porto de Manáos” 71, contudo o governo do Estado não tinha condições financeiras
para proporcionar as passagens desses trabalhadores da capital até os seringais.
Percebe-se que, inicialmente o processo de colonização do interior do Amazonas, acarretava
problemas para o futuro colono, na medida em que ele não era totalmente assistido, tornando em
muitos casos sua migração de sua terra natal aos seringais, uma “Via Crucis”. O que também
podemos visualizar é que, em muitos casos, a viagem do colono terminava no porto de Manaus.
Contudo a partir de 1942, como conseqüência do rearranjo político do Brasil no cenário
mundial, a proposta inicial da colonização do Estado Novo muda. Em março de 1942, em
Washington, o Brasil assinou uma série de acordos72 – que representavam o entendimento entre o
68 Revista Sintonia, nº. 40, p. 07, Manaus, outubro de 1943. Grifo e Parêntese meu.
69 O Jornal, nº. 3820, Manaus, 06 de março de 1943.
70 SECRETO, Maria Verônica. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do rio Amazonas”
à saga dos soldados da borracha. Estudos históricos. Rio de Janeiro, nº.40, julho-dezembro de 2007, p.115-135, p. 121.
71 O Jornal, nº.3216, Manaus, 09 de fevereiro de 1941.
72 CARONE, Edgard. O Estado Novo (1937 – 1945). São Paulo: Difel, 1977, p. 45-48.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Brasil e os Estados Unidos, acerca do primeiro apoiar os Aliados na Guerra –, dentre os quais
alguns tangenciam a questão de matérias-primas, estratégicas, para serem utilizadas pelos Aliados
durante o conflito. Dentre essas matérias-primas a borracha retirada da seringueira (hevea
brasiliensis) teve papel de destaque. Como sabemos o expansionismo militar japonês em trechos do
continente Asiático e nas ilhas do Oceano Pacífico, fez com que o suprimento de borracha para os
Aliados fosse cortado, nessa conjuntura o Brasil seria um fornecedor de borracha aos Aliados. Dá-
se início no Amazonas à “Batalha da Borracha”.
Assim se conclamou que todos os amazonenses participassem para o aumento da produção
da borracha. Na imagem a seguir, vemos Álvaro Maia – segundo a propaganda o maior cidadão
amazonense, logo o maior trabalhador –, produzindo na “Batalha da Borracha”, a Péla – uma
grande bola de borracha.
Figura 1: um dia de seringueiro

Fonte: Revista Sintonia, nº. 37, capa, Manaus, junho de 1943.

Essa conjuntura substitui o tipo de recrutamento dos trabalhadores, uma vez que passaram,
devido ao caráter de urgência, a serem recrutados somente homens, de preferência solteiros, para
serem enviados aos seringais. No caso dos recrutados casados, na sua ausência, o governo brasileiro
auxiliado por organizações norte-americanas, iria assistir as suas famílias, estando elas nos seus
lugares de origem ou em hospedarias criadas pelo governo federal73.

73 Revista Sintonia, nº. 36, p. 11, Manaus, maio de 1943.


LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Essa nova situação, também reflete na propaganda política direcionada a ufanar o


Amazonas. A partir de 1942, o Estado passa a ser mostrado como um dos responsáveis diretos pela
vitória na guerra, uma vez que, em seu vale se encontrava a árvore (a seringueira), da qual se extraia
o látex, matéria prima que era transformada em arma para vencer o Eixo. No mais, os lucros
gerados com a “Batalha da Borracha” ajudariam a fortalecer a economia do Estado. A imagem a
seguir mostra a seringueira como um dos símbolos da vitória na guerra contra o Eixo, dela se irradia
a matéria prima responsável pela fabricação de artefatos usados na guerra. A imagem também
simboliza a vitória econômica do Amazonas, o ressurgimento do Estado no cenário nacional e
mundial.
Figura 2:
a árvore da vitória

Fonte: Jornal do Commercio, nº. 13423, Manaus, 02 de janeiro de 1944.

Com o objetivo de legitimar o regime perante os amazonenses, e assim, trazê-los para a


causa estadonovista, a propaganda varguista, principalmente a partir de 1940, procurou mostrar que
o Estado Novo se preocupava com os problemas do Amazonas e concomitantemente com o dos
seus habitantes. O regime e o seu presidente se apresentaram como os responsáveis pelo
ressurgimento econômico do Estado, apresentando-o como um gigante econômico, que estava
adormecido devido à falta de investimento dos governantes de outrora:
O Vale adormecido fôra tocado por quem tinha e tem o poder de renovar o “surge
et ambula”. E levantou-se refeito de sua saude e caminhou, sacudindo o lodo do
pântano em que mergulhara pela inópia dos governantes antigos. Hoje, não há

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

força que contenha a sua marcha para radiosas conquistas e nenhum obstáculo
impedirá que se coloque na vanguarda de seus irmãos evoluidos. (...) o Amazonas
dirige-se para o Porto-Seguro de suas maiores aspirações...74

O advento do novo regime significara a ascensão da região paradisíaca, do futuro celeiro do


mundo. Vargas o clarividente, via o Amazonas e Amazônia do futuro. Vargas somente ele, era
capaz de integrar a região à história da civilização brasileira. O Grande Chefe estava organizando a
economia desorganizada da região. Nas páginas da história do Estado Novo, como evidencia a nota
supra – e tantas outras mensagens veiculadas nesse período –, a Amazônia esquecida, surgia
triunfante, povoada e integrada à Nação.

Uma gente estóica

Apesar de serem de caráter parcimonioso e muito inconstante, o Estado Novo ao lado de


uma propaganda direcionada a mostrar a sua preocupação com o Amazonas, e nessa perspectiva
apresentando-o enquanto um gigante econômico – que em muito em breve seria parte essencial da
economia nacional, futuro celeiro do mundo –, procurou veicular uma propaganda que elogiasse o
amazonense, mostrando a sua importância como complemento da nacionalidade, seu caráter
nacionalista e trabalhador.
Segundo a propaganda a coletividade amazonense, cansada dos descasos dos presidentes de
outrora, dava seu apoio incondicional a obra do Estado Novo e “a sua confiança nos destinos
reservados ao Brasil e ao Amazonas, orientadas pela rectidão e pela intelligencia do benemérito
Getúlio Vargas” 75; a coletividade vibrava coesa.
Não poderia se conceber por que tamanho descompromisso dos governantes com gente tão
nacionalista, que muito tempo vivera pelos próprios esforços em uma luta injusta, mas tinham a
grandeza de não reclamarem, não lamentarem ou expressarem desespero. Certa vez Assis
Chateaubriand, comparou os amazonenses aos russos, pois cada um era “um espectador esmagado e
contrito da sua propria tragedia, de que não culpava quem quer que fosse (...). Prisioneiros da
fatalidade, era na vontade e no poder dessa que eles se refugiavam”. Continuando sua fala o
jornalista exaltava a nacionalidade do amazonense:
Quem já ouviu falar em rebelião amazônica, se não de uma, e de uma só, que se
ergueu no Acre, justamente de amazonenses que se matavam para continuaram

74 Sintonia, nº. 33, p.18, Manaus, fevereiro de 1943. Grifo meu.


75 O Jornal, nº. 2577, Manaus, 04 de fevereiro de 1939.
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brasileiros, tomados de um fervor religioso e sentimental do Brasil, como os mais


exaltados patriotas do Rio e São Paulo76.

Contudo os tempos tinham mudado, os amazonenses que jamais tinham fugido de suas
responsabilidades, enquanto brasileiros, estavam sendo valorizados no Estado Novo, o país
necessitava de suas cooperações. Todos os amazonenses tinham o seu valor, nesse viés se valoriza
o caboclo amazonense, este que não era “nem vadio, nem malandro”, mas que tinha uma
“explendida capacidade de trabalho, fibra de patriotismo idêntica à dos homens do sul, de léste, de
oéste, de qualquer recanto do Brasil” 77.
Note-se que, na propaganda varguista direcionada aos amazonenses, valorizava-se muito a
questão da nacionalidade e do trabalho, ou melhor, do homem trabalhador, isso não era por acaso.
Ao propagar que os amazonenses eram trabalhadores, o Estado Novo, reconhecia os mesmos
enquanto cidadãos brasileiros, uma vez que, a essência da cidadania valorizada pelo Estado Novo,
estava diretamente relacionada ao trabalho, pois este ajudava no crescimento da pátria; para ser
cidadão, no Estado Novo, era preciso servir à Nação78. Os amazonenses eram bons brasileiros, pois
eram bons trabalhadores, logo precisavam ser incorporados à Nação e valorizados enquanto tal.
A partir de 1942, com a campanha da “Batalha da Borracha”, a cidadania dessa gente estóica
foi posto à prova. Os amazonenses foram chamados a trabalhar para ajudar na vitória dos Aliados.
No mês de agosto, o regime lança “em Manaus e no Amazonas” uma campanha “civio-patriotica”,
que tinha a finalidade de coletar metais velhos que seriam reaproveitados pelas Forças Armadas
para a fabricação de materiais bélicos79.
Nos meses seguintes, a participação dos amazonenses foi conclamada outras vezes. No mês
de maio de 1943, se decreta que o mês de junho será “O Mês da Borracha” – a campanha adentra o
mês de julho –, nesse os amazonenses deveriam de todas as formas, encontrar maneiras para se
produzir mais borracha, ajudando nos esforços de guerra, até borrachas usadas foram pedidas.
Segundo notas nos periódicos a participação foi intensa:
Encerrou-se ontem, nesta capital, com sucesso incomum, a campanha da borracha
usada, através da qual o povo de Manaus, com a radiosa colaboração de sua
juventude, poude, mais uma vez, testemunhar o vigor de seu patriotismo e a
elevação de seus sentimentos americanistas, entregando-se com todo o ardor à
coleta de borrachas velhas, que, recuperadas nos estaleiros e nas usinas das

76 Jornal do Commercio, O Mujik da Steppe Verde da Amazônia, nº. 13275, Manaus, 04 de julho de1943.
77 O Jornal, nº. 4078, Manaus, 12 de janeiro de 1944.
78 CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena. Propaganda Política no varguismo e no peronismo. Campinas, SP:
Papirus, 1998, p 173-191.
79 O Jornal, nº. 3056, Manaus, 25 de agosto de 1942.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

democracias, serão transformadas em armas de guerra para levar a morte e


destruição às hostes barbaras do Anti-Cristo.
Foi um movimento coletivo de impressionante vibração cívica, e por ele, como pela
campanha dos metais, como pela campanha das “hortas da Vitória” e tantas outras,
é fácil auscultar o coração imenso dos amazonenses pulsando de amor ao Brasil, de
amor à causa santa das liberdades humanas, à cruzada bendita dos direitos do
homem80.

Nesses anos de guerra, no qual o Brasil esteve do lado dos Aliados, a propaganda
estadonovista, representa os amazonenses como responsáveis pela vitória dos Aliados. Nesse front
da guerra que se tornou o Amazonas, todos tinham que trabalhar. Se, faltava na cidade mão-de-obra
masculina, uma vez que homens estavam trabalhando nos seringais, a propaganda pedia às
mulheres, que seguissem o exemplo das inglesas e americanas e passassem a trabalhar nas fábricas.
Nessa perspectiva muitas foram chamadas para o beneficiamento da borracha em Manaus.
O irônico nessa campanha de convocação das mulheres para que viessem a exercer trabalhos
pesados, dá-se pelo fato de que, o governo do Estado do Amazonas, anos antes, procurou impedir,
pelo menos no funcionalismo público, a atuação das mulheres em ofícios “incompatíveis com a
delicadeza feminina”81. Na imagem abaixo vemos mulheres amazonenses, trabalhado em uma
fábrica de beneficiamento de borracha.
Figura 3: Mulheres da borracha

80 O Jornal, nº. 3936, Manaus, 26 de julho de 1943. Grifo meu.


81 No dia 29 de julho de 1939, o Interventor Álvaro Maia assinou um Decreto-lei de nº. 280, que vedava a participação
de mulheres no serviço público, nos quais fosse necessário o uso da força ou em ambientes impróprios, uma vez que
esses trabalhos eram incompatíveis com a sua delicadeza: inspeções pelo interior, ou rondas noturnas pelo litoral, em
trabalhos próprios a funcionários da polícia. O interessante foi que se criticou, indiretamente, as suas atuações no setor
privado de embarcação de gêneros e no BENEFICIAMENTO da borracha. O Jornal, nº. 2727, Manaus, 30 de julho de
1939.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Fonte: Revista Sintonia, nº. 48, p. 02, Manaus, julho de 1944.

Através de mensagens e imagens, a propaganda estadonovista objetivou sensibilizar os


amazonenses, procurando criar tensões emotivas através de elogios e promessas, com a intenção de
conquistá-los, tornando-os, assim, flexíveis aos discursos estadonovista; à aceitação de ideias e
valores.
Se, por um lado não seja possível averiguarmos, o nível da funcionalidade da propaganda
direcionada aos amazonenses, por outro não podemos negar que ela tenha, mesmo que de uma
forma minimizada, surtido efeitos. Todavia, o fato é que essa prática do Estado Novo nos possibilita
visualizar que o poder de um governo não é algo “coisificado”, mas antes uma construção histórica.
É mais simbólico, e como tal, precisa estar rodeado de representações para atuar, para tanto passa a
disputar o campo dos imaginários sociais.

* * *

38
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Os trabalhadores, da Primeira República à Era Vargas: luta, repressão e


perda da autonomia
Thiago Cavaliere Mourelle*

A causa operária nas primeiras décadas republicanas


Para se compreender o desenvolvimento da chamada “questão social” no período Vargas
devemos recuar e estudar a temática desde o início da República. Afinal, embora já existissem
trabalhadores livres anteriormente, a grande massa de mão de obra assalariada é jogada ao mercado
a partir de 1888, com a abolição da escravidão. Soma-se a isso a chegada de novas e grandes ondas
migratórias ao Brasil, o que consolida a formação de um proletariado nacional uma vez extinto o
sistema escravocrata.
A herança da escravidão se refletia não só nas práticas autoritárias dos patrões, mas também
na legislação. Uma amostra disso é que já no Código Penal de 1890 havia uma criminalização das
82
greves. O artigo 204 previa prisão de um a três meses para quem “constranger ou impedir” o
funcionamento de indústrias e comércios. Já o artigo 205 falava sobre “seduzir ou aliciar”
trabalhadores a não realizarem seus trabalhos; e o artigo 206 era categórico ao afirmar que “causar,
ou provocar, cessação ou suspensão de trabalho, para impor aos operários ou patrões aumento ou
diminuição de serviço ou salário” também implicaria na prisão, que poderia se estender de seis
meses a um ano caso fosse usada violência pelos grevistas.
Um dos primeiros meios utilizados e que se tornou frequente no movimento operário foi a
produção de jornais e outros impressos para a divulgação do ideário contestador para os
trabalhadores. Já no século XIX encontramos vários jornais, inclusive não só em português. Era
comum que imigrantes escrevessem em suas línguas maternas, a fim de atingir seus compatriotas
que haviam tomado o rumo do Brasil e que ainda estavam em processo de aprender o idioma local.
Mais do que isso, a utilização da língua natal também fortalecia os laços comunitários e
dificultavam em certa medida a fiscalização das autoridades, muitos deles sem conhecimento de
linguagem estrangeira.
Entre tantos exemplos, podemos citar jornais anarquistas como “A Terra Livre”, “O Amigo
do Povo”, “A Lanterna”, “A Plebe”, “La Battaglia” e “A Lucta Social”. Os dois últimos,
* Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Historiador do Arquivo Nacional. Grupo de
Pesquisa Dimensões do Regime Vargas e seus desdobramentos (CNPq). Contato: thiagocmourelle@gmail.com
82 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d847.htm
Acessado em 16/06/2021.
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respectivamente, produzidos por Oreste Ristori – que acabou deportado para a Itália, em 1936, já no
governo Vargas – e Tércio Miranda, de origem portuguesa, que teve importante colaboração na
organização do movimento operário no Amazonas.
A ideologia predominante entre no operariado nas primeiras décadas da República foi o
anarquismo. Inicialmente se espalhou nas organizações mutualistas 83, muito comuns no final do
século XIX, e depois foi predominante nos sindicatos que se proliferavam Brasil afora. Além do já
mencionado uso da imprensa, a conversa “corpo a corpo” nas fábricas era fundamental para o
convencimento dos colegas à adesão da causa proletária. Os anarquistas defendiam a ação direta
para a obtenção de suas demandas, ou seja, greves, piquetes e manifestações; em contrário às ações
indiretas como, por exemplo, participação em eleições de qualquer esfera.
Se em 1894 o projeto 109-B previa a expulsão de estrangeiros indesejáveis – foi aprovada na
Câmara, mas não no Senado –, em 1907 a Lei Adolfo Gordo – decreto 1.641 – chancelou a vontade
de política de se livrar de imigrantes que fossem considerados uma ameaça à ordem estabelecida, a
partir do momento em que estes liderassem, participassem ou incentivassem trabalhadores a
buscarem mais direitos e questionarem seus patrões. Um ponto importante a ser frisado é que essa
lei foi criada no ano seguinte ao Primeiro Congresso Operário, portanto, uma reação do patronato à
mobilização dos trabalhadores. Adolfo Afonso da Silva Gordo, autor do projeto, exerceu vários
mandatos como deputado e senador pelo estado de São Paulo. Foi responsável também pela reforma
desta mesma lei, em 1913, e pela segunda Lei de Expulsão de Estrangeiros, em 191984.
Porém, a repressão via legislação e a violência policial não impediram que as primeiras
décadas da República assistissem à ampliação da mobilização popular. Greves se sucediam.
Alfaiates, tipógrafos, cocheiros e motoristas estavam entre as profissões que mais se destacavam
nos movimentos em prol de melhores salários, mais garantias no emprego e contra a carestia de
vida.
No Amazonas, por exemplo, chegou a ser criado um Partido Operário que teve vida curta,
nascendo e desaparecendo entre 1892 e 1893. Seus membros eram homens que não representavam
os trabalhadores, razão do insucesso da iniciativa. Coisa parecida ocorreu com o Centro Operário
que funcionou entre 1905 e 1906. Apenas a partir de 1914, muito em razão da influência do
Segundo Congresso Operário, realizado em 1913 no Rio de Janeiro (RJ), o jornal “A Lucta Social”,
do português Tércio Miranda, tentou centralizar as diversas iniciativas associativas dos

83 Movimento associativo que tem por objetivo precípuo a prestação de socorros a seus integrantes em momentos de
necessidade. Para mais, ver: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/MUTUALISMO.pdf
84http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/SEGUNDO%20CONGRESSO%20OPER
%C3%81RIO%20BRASILEIRO.pdf. Acessado em 17/06/2021.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

trabalhadores em um sindicato maior que abrangesse a todos. Tal ideia cresceria e se desenvolveria
nos anos seguintes85.
No Brasil, entre 1900 e 1920, ocorreram centenas greves, o que mostra o crescente grau de
mobilização e organização do proletariado. Na capital da República, à época a cidade do Rio de
Janeiro, a Greve Geral de 1917 e a Insurreição Anarquista de 1918 são exemplos disso86. Ganhava
cada vez mais força a luta contra a carestia de vida, o alto preço dos aluguéis, o trabalho infantil e a
especulação imobiliária, e pela regulamentação das férias e licenças médicas. Como se vê, as
demandas iam para além das condições de trabalho e aumento de vencimentos. As mudanças
deveriam vir da legislação dependendo, portanto, do convencimento e pressão sobre deputados e
senadores, muitos deles donos das fábricas e das terras onde os trabalhadores brasileiros ganhavam
o pão de cada dia.
Porém, em 1917, um fato histórico mudou o rumo dos sindicatos, que estavam fortalecidos e
sob a égide do movimento anarquista. Esse acontecimento marcante foi a Revolução Russa. Ela
significou muito e afetou diretamente os trabalhadores porque representou uma possibilidade
concreta de vitória sobre a elite burguesa e ascensão de um grupo revolucionário ao poder. Não à
toa, nos anos seguintes, cada vez mais anarquistas aderiram ao socialismo, ao mesmo tempo em que
as autoridades e grupos conservadores da sociedade tentavam desacreditar o que ocorria na Rússia
como, por exemplo, a notícia falsa que foi espalhada dando conta de que, após a revolução, as
mulheres daquele país estavam sendo socializadas pelos homens 87.
Nesse contexto, em 1922 foi criado o Partido Comunista do Brasil (PCB), que ao longo da
década de 1920 foi cada vez mais se fortalecendo e contando com a adesão de um número maior de
pessoas. O comunismo era visto como, mais do que uma inspiração, uma ferramenta para a
mudança do status quo existente. E o descontentamento alimentava o crescimento do partido.
Porém, as críticas ao rumo do país também fizeram surgir outros movimentos, como o Tenentismo,
a Semana de Arte Moderna e o crescimento do pensamento autoritário brasileiro, com figuras como
Francisco Campos e Oliveira Viana, por exemplo, que defendiam mudanças na constituição de
modo a dar mais força ao Estado, em especial o Poder Executivo Federal, para agir sobre a
realidade social e impor-se sobre os problemas políticos então existentes. Era também um reflexo,
aqui no Brasil, de um movimento que ocorria em outras partes do mundo nesse período do entre

85 TELES, Luciano Everton Costa. Tércio Miranda: uma liderança anarquista na Amazônia (1913-1914). Revista
Mundos do Trabalho, v. 9, n. 17 (2017).
86 ADDOR, Carlos Augusto. A insurreição anarquista no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Achiamé, 2002.
87 http://querepublicaeessa.an.gov.br/uma-supresa/153-fakenews-do-inicio-do-seculo.html
Acessado em 17/06/2021.
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guerras – como, por exemplo, a ascensão de Mussolini ao poder na Itália, já nos anos 1920, seguida
pela de Hitler na Alemanha, entre outros.
O anticomunismo, assim, passou a crescer como uma tentativa de frear a mobilização
revolucionária popular, ganhando força entre os que buscavam outras alternativas para a solução da
crise política, econômica e social de modo a não colocar o capitalismo em risco. Como resultado
dessa pressão, foram criadas novas leis trabalhistas, com destaque para a das Caixas de
Aposentadoria e Pensão (CAPs), mais conhecida como Lei Eloy Chaves. Os primeiros a
conquistarem o benefício de receber uma pensão mensal foram os ferroviários e, já em 1923, ano de
criação da lei, vinte e sete empresas a instituíram88.
O medo do radicalismo, fomentado pelo exemplo russo, forçou a negociação. A “política
dos cassetetes” não estava dando certo. Em 1926, a visita do presidente da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), Albert Thomas, é mais um exemplo da necessidade de mudança,
imposta pelo momento turbulento, no trato da “questão social”. Thomas, em sua passagem pelo
Brasil, indicou a necessidade da criação e sistematização de leis trabalhistas como medida a ser
tomada no mundo todo para uma convivência mais harmônica entre patrões e empregados89.
Nesse contexto, ainda mais difícil após a ocorrência da Crise de 1929, acontece a chamada
Revolução de 1930. Um racha dentro da elite que vai colocar no poder um grupo reformista e atento
às mudanças das conjunturas nacional e internacional. Os novos detentores do poder compreendiam
a necessidade de uma nova política social. Daí a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, de leis trabalhistas e outras iniciativas de grande importância no período.

88 https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/primeira-lei-da-previdencia-de-1923-permitia-
aposentadoria-aos-50-anos
Acesso em 17/06/2021.
89 BARROS, Orlando de. “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”. In: FERREIRA, Jorge. REIS,
Daniel Aarão (Org.). A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 297-330.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Correio da Manhã 90

Reformistas em ação: controle dos trabalhadores no governo Vargas


O período entre guerras ficou marcado não só pela crise econômica, mas também e,
principalmente, pela crise dos valores liberais. A democracia liberal passou a ser vista como algo
ultrapassado. A Primeira Guerra Mundial teria sido o marco final do fracasso desse tipo de governo,
que deveria ser substituído por um Estado mais forte e interventor. Porém, não apenas o braço do
Estado deveria se ampliar, mas também a autoridade de quem o exercia. Daí o crescimento, no
mundo todo, do pensamento autoritário como solução para os problemas então enfrentados.
No Brasil, a autonomia dos estados era vista por pensadores como Francisco Campos,
Oliveira Viana, Azevedo Amaral e Almir de Andrade como o grande problema nacional. O
liberalismo defendido por Rui Barbosa e Assis Brasil era visto como uma ideologia do século XIX
que já chegara ao seu fim91. Portanto, caberia ao Poder Executivo Federal organizar
administrativamente o país e, em especial, o corpo social, estabelecendo um controle mais forte do
que vinha fazendo até então.
Surge então a ideia do grande líder clarividente, encarnação da nação, e que traria soluções
para o dissenso político e para os conflitos entre classes. Nesse sentido, os inimigos estavam
definidos: o liberalismo e o comunismo. O primeiro, visto como causador da guerra e da crise. O

90 Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_18089_041.


91 ROSENFIELD, Luís. Revolução Conservadora – genealogia do constitucionalismo autoritário brasileiro (1930-
1945). Porto Alegre: EdPUCRS, 2021.
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segundo, identificado como sendo uma solução errática que causaria mais confrontos ao invés da
esperada paz social.
O uso maciço da propaganda e a mobilização da nação para uma cruzada, uma guerra,
contra esses inimigos, marcaram os anos 1930 no Brasil e no mundo. Para vencer o comunismo e
controlar a mobilização social dos trabalhadores, que estavam cada vez mais fortes, era necessário
controlar os sindicatos, trazê-los para a órbita do Estado. Surgiu então o corporativismo como a
grande solução, pois vincularia as associações sindicais ao Estado, tirando deles qualquer
autonomia, tornando-os órgãos de colaboração com o governo e acabando com a posição que
tinham de enfrentamento.
Segundo Cancelli, já em 1931 a polícia política da capital da República fez contato com a
polícia de Nova Iorque para construir uma parceria de combate ao comunismo92. Esses contatos se
estenderam para países da Europa e da América do Sul. Filinto Muller, que assumiu o cargo de
Chefe de Polícia da cidade do Rio de Janeiro nesse mesmo ano, era um dos líderes nessa cruzada
contra o chamado “perigo vermelho”. Abaixo, vemos uma publicação da Delegacia de Ordem
Social de São Paulo, de 1931, exemplo dessa política contra os comunistas:

Publicação da Delegacia de Ordem Social de São Paulo (1931)93

92 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília, UnB, 1993, p. 83-92.
93 Arquivo Nacional. Fundo Góis Monteiro. BR_ANRIO_SA_866_CX_1284_CAPA.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

E o primeiro passo para tentar retirar os trabalhadores do Brasil da influência dos


considerados agitadores comunistas e anarquistas foi a criação do Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio. Para assumir o ministério recém-criado foi chamado Lindolfo Collor, que executou um
importante trabalho durante o tempo em que esteve no posto. Orlando de Barros mostra que Collor
procurou se assessorar com homens que tinham ou tiveram ligações com o movimento operário,
mas que não eram considerados radicais94. Era uma forma de tentar compreender a lógica do
pensamento do proletariado e cumprir na medida do possível a agenda proletária, mas partindo de
cima, sem a participação efetiva deles e sem deixar que demandas consideradas exageradas ou
extremistas fossem colocadas à mesa para debate.
Não à toa Getúlio Vargas e o próprio Collor apelidaram o referido ministério de “Ministério
da Revolução”, pois a ação dele era fundamental para evitar uma revolução social como a que
ocorrera na Rússia. Assim, Joaquim Pimenta, Agripino Nazareth e Evaristo de Morais foram figuras
importantes para intermediar a relação de Collor com lideranças operárias.
É essencial destacar que, se por um lado o governo acenava com diálogo, isso era feito tendo
o presidente e o ministro como líderes do processo. O trabalhador ou sindicado que não aceitasse
essa intervenção, e a ação de cima pra baixo durante esse processo, eram colocados de lado, à
margem da lei e perseguidos da mesma forma que se fazia na Primeira República. Ou seja, foi
imposto aos trabalhadores um modus opendi definido pelo Estado e, o movimento operário que
quisesse ser independente, não vinculado ao ministério, era considerado fora da lei, chegando a ser
chamado de antipatriota e prejudicial à sociedade.
Esse é um traço importante para compreendermos também o que Wanderley Guilherme dos
Santos chamou de cidadania regulada 95. Os que negassem essa cidadania eram considerados
inimigos da nação e sujeitados à antiga “política dos cassetetes”. Desse modo, os sindicatos só
teriam vida na órbita do Estado. Os que aceitaram receberam dos críticos o sugestivo apelido de
“sindicatos de carimbo”, ou seja, que dependiam da chancela do governo federal para funcionarem.
Para exemplificar a grande quantidade de sindicatos existentes e a busca pelo governo para
diminuí-los e os cercarem, cabe lembrar que na véspera das eleições de 1934, quando seria
escolhida uma nova bancada classista para o Congresso Nacional, 2.672 sindicatos pediram a
aprovação de seu registro pelo Ministério do Trabalho, mas apenas 299, menos de 10% deles,

94 BARROS, Orlando de. “Os intelectuais de esquerda e o ministério Lindolfo Collor”. In: FERREIRA, Jorge. REIS,
Daniel Aarão (Org.). A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 297-330.
95 SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro:
Campus, 1979.
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obtiveram a permissão.96 Os trabalhadores que estavam nas organizações sindicais que não foram
acatadas tiveram que se sindicalizar aos que foram autorizados ou acabaram tendo que optar pela
ilegalidade, o que os deixava à mercê da violência policial e sem o direito às leis trabalhistas que
estavam paulatinamente sendo criadas.
A interferência estatal nos sindicatos trazia ainda a possibilidade do Estado ter acesso ao
endereço e à ficha completa de dados pessoais do operário, o que facilitava a identificação do
mesmo caso ocorresse algum piquete, greve ou qualquer outra manifestação que desagradasse ao
governo. Ou seja, o controle estava estabelecido e o símbolo era a carteira de trabalho. Antes
produzida pelo próprio sindicato, a partir de 1932 ela estava sob a responsabilidade do ministério.

A bancada proletária na Câmara dos Deputados: um incômodo para o governo


A Constituição de 1934 previu a criação da Justiça do Trabalho, que viria a se consolidar na
prática somente em 1941. Além disso, estabeleceu leis trabalhistas que criavam o salário-mínimo, o
repouso semanal remunerado e a indenização por dispensa sem justa causa.
Foram previstas eleições para outubro seguinte, a fim de que fossem escolhidas as
assembleias legislativas estaduais e também a nova composição do Congresso Nacional. Estava
incluso também novo pleito eleitoral para a definição dos novos membros da bancada classista, que
eram 40 na Assembleia Constituinte de 1933/34 e seriam 50 na nova legislatura, que seria
aumentada de 254 para 300 componentes na Câmara dos Deputados97.
É importante destacar a bancada classista, pois ela reunia representantes dos empregados e
patrões. Vale destacar especificamente a atuação da chamada bancada proletária, um pequeno grupo
dentro dos representantes dos empregados que tinha tendência mais radical e criticava ferozmente o
governo em razão da interferência estatal na organização sindical e da violência da polícia contra os
trabalhadores98.
A bancada proletária – também conhecida por minoria proletária – era um grupo composto
basicamente pelos deputados Vasco de Toledo, Acir Medeiros, João Vitaca, Valdemar Reikdal e
Álvaro Ventura. Vez ou outra recebiam o apoio de algum outro deputado, mas podemos salientar
que esses cinco eram os mais atuantes, além de os mais identificados com essa corrente que tinha
voz dissonante dentro dos quarenta classistas eleitos para a Assembleia Nacional Constituinte. Vale
96 Diário do Poder Legislativo. 120ª sessão legislativa da Câmara dos Deputados, 18/12/1934, p. 2414.
97 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015.
98 MOURELLE, Thiago. A Crescente mobilização dos trabalhadores e o autoritário Estado brasileiro: diálogo,
repressão e resistências (1934-1935). In: Elina Pessanha; Leonilde Servolo de Medeiros. (Org.). Resistência dos
trabalhadores na cidade e no campo. 1ed.São Paulo / Rio de Janeiro: CUT / Arquivo Nacional, 2015b, v. 3, p. 111-122.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

lembrar que todos os constituintes tiveram seus mandatos estendidos, fazendo parte da Câmara de
Deputados provisória que atuou até que os eleitos nas eleições de outubro de 1934 tomassem posse,
o que ocorreu apenas no primeiro semestre de 1935.
A bancada proletária incomodava o governo, uma vez que suas denúncias saíam na imprensa
e também alimentavam as críticas que o grupo maior de oposição parlamentar, à época liderada por
João Neves da Fontoura, fazia contra o governo Vargas. Os temas dos protestos do quinteto foram:
a ação violenta da polícia contra greves e reuniões sindicais, o combate ao comunismo promovido
pelo governo, baseado em prisões e deportações; a atuação, que consideravam autoritária, do
Ministério do Trabalho na organização dos sindicatos; a defesa da legalização do PCB; e o combate
ao integralismo99.
Em razão disso, era fundamental para o governo eliminar esse grupo da Câmara. E isso foi
feito através de uma série de interferências nas eleições classistas, que seriam realizadas em duas
etapas. Primeiro, em outubro de 1934, cada associação elegeria seu delegado para ir ao Rio de
Janeiro, então capital, para a segunda fase da votação. Nessa segunda fase, em janeiro de 1935, os
representantes de sindicatos do país inteiro escolheriam um nome para representá-los. Por exemplo,
delegados eleitos em outubro pelas associações de empregados do comércio dos vários estados se
reuniriam para votar e eleger um deputado para ser o representante dos empregados do comércio na
Câmara dos Deputados.
Cabe lembrar que a eleição dos deputados classistas não era de responsabilidade da Justiça
Eleitoral, mas sim do próprio ministério. Daí algumas estratégias terem sido levadas a cabo pelo
Ministério do Trabalho para assegurar que não seriam eleitos novamente deputados que
desagradassem a Getúlio Vargas.
Só poderia participar das eleições os delegados que estivessem com suas carteiras de
trabalho, então a demora no envio delas para delegados que o governo suspeitava serem eleitores de
candidatos indesejados foi a primeira ação de interferência. A segunda tinha relação com uma
questão financeira: os deputados de estados mais distantes necessitavam do custeio de suas
passagens e estadias pelo governo, porém, mais uma vez, delegados que tinha votos contrários ao
previsto pelo ministério demoraram a receber tal ajuda ou nem a receberam a tempo de estarem
presentes para a votação na capital. Por fim, houve relatos de pressão direta do ministério nos
delegados a favor de um ou outro candidato, além da impugnação da eleição – sob a alegação de

99 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 47.
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diversos motivos que versavam sobre problemas no processo – no caso de vitória de opositores100.
As denúncias de irregularidades foram feitas no plenário da Câmara nos dias 21 e 22 de janeiro de
1935. Nessas mesmas datas, o jornal Diário da Noite foi um dos periódicos que deu voz às
inúmeras críticas sobre a forma como foi realizada a escolha dos deputados classistas para a nova
legislatura, conforme vemos na imagem abaixo:

Diário da Noite101

A preocupação do governo se justificava porque o momento era de críticas e contestação a


Getúlio Vargas. Desde a promulgação da Constituição de 16 de julho de 1935, a normalidade
democrática havia sido restabelecida. Nas ruas, houve um boom imediato de greves e manifestações
já em agosto, que se estenderam fortemente pelo menos até o final de setembro 102. As principais
bandeiras eram melhores salários, melhores condições de trabalho e a implementação das leis
trabalhistas já regulamentadas, mas que não estavam sendo obedecidas pelo patronato.
O próprio Ministério do Trabalho reconheceu, em nota publicada em diversos jornais, a 29
de agosto de 1934, os problemas na implementação das leis, mas se disse empenhado em melhorar a
fiscalização. Na mesma nota, ameaçou os sindicatos, dizendo que o “Sindicato tem função pública,
é um órgão de colaboração do Estado e como tal deve agir dentro da lei, em coordenação com o
Ministério do Trabalho”. Complementou afirmando que, “fora dessa orientação, o operariado está
destruindo as garantias e as seguranças da legislação que o ampara (...)”103.

A cronologia até o golpe (1935-37)


As greves eram aplaudidas pela bancada proletária na Câmara e as falhas do ministério eram

100 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 87-92.
101 Biblioteca Nacional. Diário da Noite, 21 e 22 de janeiro de 1935.
102 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, pp. 60-71 e 190-201.
103 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 199.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

denunciadas pelos deputados integrantes da mesma. Em 17 de novembro de 1934, Vasco de Toledo


– líder da bancada proletária – leu em plenário um discurso do advogado Clóvis Dunshee de
Abranches:

(...) uma compressão está sendo exercida contra os trabalhadores do Brasil, depois
de decretada a nova Constituição, que, exatamente ao contrário do que se está
verificando, garante-lhes a sindicalização, o direito de reunião e a livre
manifestação do pensamento; no entanto, os sindicatos têm sido depredados, as
reuniões são dissolvidas a bala e a gás lacrimogênio, os trabalhadores são
esbordoados e assassinados, e até seus advogados são desacatados e presos104.

A situação era grave. E o governo agia com a mesma truculência utilizada em diversos
momentos na Primeira República. Denúncias sobre desaparecimento de manifestantes, de ataques
violentos da política e da expulsão do Brasil de trabalhadores estrangeiros se sucediam. Entendendo
que o Poder Executivo havia perdido força com a reconstitucionalização do país, Vargas e seus
aliados articularam a criação da primeira Lei de Segurança Nacional (LSN) da nossa história, que
logo recebeu o apelido de “Lei Monstro” por parte dos trabalhadores.
Com apoio decisivo de São Paulo, a lei entrou para discussão em janeiro, foi debatida e
aprovada em tempo recorde e assinada pelo presidente em quatro de abril de 1935. A contribuição
se deu com a importante atuação do ministro da Justiça, o paulista Vicente Ráo; com aposição
fracamente a favor pelo relator da lei, o também paulista Henrique Bayma; além da bancada
daquele estado, repetidas vezes, ter prestado apoio público à lei por meio de discursos de seus
membros, em especial do líder do Partido Constitucionalista de São Paulo, Cardoso de Mello
Netto105.
Escorado pela LSN, o governo fechou a Aliança Nacional Libertadora em julho de 1935,
além de ter alcançado mais força para agir nas ruas contra as vozes dissonantes. Após a Intentona
Comunista, a LSN foi reformada, assim como a Constituição, ambas se tornando mais violentas
contra os trabalhadores que se insurgissem contra o Estado. Foi também decretado o Estado de Sítio
no final de novembro de 1935, que a partir de março de 1936 foi equiparado ao Estado de Guerra.
O anticomunismo foi utilizado para justificar a hipertrofia do Poder Executivo. O uso da
propaganda na imprensa e os sucessivos discursos das autoridades contra o chamado “perigo
104 MOURELLE, Thiago. Guerra pelo poder: a Câmara dos Deputados confronta Vargas (1934-1935). Tese de
doutorado. UFF, 2015, p. 212.
105 MOURELLE, Thiago Cavaliere. "O apoio de São Paulo a Getúlio Vargas em direção ao autoritarismo (1934-35)".
In: BRUNO, Daniel Machado; COSTAGUTA, Gabriel Duarte (Orgs.). O Brasil Republicano em Perspectiva: Diálogos
entre a História Política e a História Intelectual. 1ed. Porto Alegre (RS): Editora Universitária da PUC RS, 2020, v. 1, p.
75-101.
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vermelho” colocou a sociedade brasileira em uma verdadeira guerra. Quem não apoiasse o governo,
nessa cruzada, era considerado comunista ou antipatriota. Nesse contexto, de 1935 a 1937
ocorreram milhares de prisões, muitas delas sem nota de culpa ou prova que comprovasse a
participação dos acusados nos levantes de 1935. Ou seja, as revoltas fracassadas foram
superdimensionadas como pretexto para o governo retomar a força que havia perdido com a
normalidade democrática que havia sido retomada com a Constituição de 1934.
Em março de 1937 a intervenção federal no Rio de Janeiro e em Mato Grosso foi uma
ameaça aos demais estados. Crescia a desconfiança de que Vargas almejava continuar no poder,
mesmo diante da manutenção do início da campanha eleitoral para as eleições presidenciais
previstas para janeiro de 1938. Armando Salles Oliveira, governador de São Paulo, se licenciou do
cargo e fez seu primeiro comício em maio, assim como seu opositor, José Américo, este candidato
do governo, mas que pouco contou de fato com o afago dos governistas durante a campanha. Salles
levantava a bandeira da oposição, uma vez que não obteve o desejado apoio do presidente, mesmo
com São Paulo tendo sido fidelíssimo ao governo no período de julho de 1934 até janeiro de 1937.
A “Macedada” de julho, apelido dado à soltura de centenas de presos políticos por parte do
ministro Macedo Soares, que acabara de assumir a Justiça, deu a impressão de distensão do regime.
Porém, em setembro, houve a retomada da criação de um clima favorável ao Poder Executivo:
primeiro com a antecipação das homenagens aos militares mortos no combate à Intentona
Comunista de dois anos antes, depois com a “descoberta” do Plano Cohen, criado pelo próprio
governo para justificar o golpe que deu início à ditadura do Estado Novo106.

Estado Novo: ação estatal e trabalho na região amazônica


O Estado Novo marca a derrota do movimento operário independente desbaratado pela
polícia e pelas demais ações do governo federal entre 1930 e 1937. Como vimos, a grande
perseguição levada adiante a partir da Intentona Comunista fez com que milhares de trabalhadores
fossem detidos. Os alvos não foram apenas os comunistas, mas quaisquer os que fossem às ruas
contestar Vargas e seus aliados.
O controle, sistematizado desde a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
em 1931, em virtude da institucionalização dos sindicatos junto ao governo e, consequentemente, da
perseguição aos que não aceitaram essa tutela, cresceu com a criação da Lei de Segurança Nacional
e chegou ao auge durante o Estado de Guerra e da cruzada contra o superdimensionado inimigo
comunista. Portanto, no início da ditadura o terreno já estava preparado. Embora haja dados que
106 MOURELLE, Thiago. O Brasil a caminho do Estado Novo. Rio de Janeiro: Letras, 2019.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

mostrem ação sobre sindicatos durante o Estado Novo, eles eram mais pontuais, pois as ações mais
violentas já haviam sido feitas anteriormente.
O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) procurou então, em um ambiente de
ausência da imprensa livre e de ideias contrárias, fomentar a imagem de Getúlio Vargas como
trabalhador número um do Brasil, “pai dos pobres” e grande benemérito das leis trabalhistas,
anunciadas sempre em grandes festividades – em especial no 1º de maio, Dia do Trabalhador. As
leis eram apresentadas não como resultado da luta histórica do operariado, mas como um favor do
líder, clarividente, que evitava a luta de classes ao beneficiar por boa vontade e desprendimento os
trabalhadores.
Esse mito se perpetuou na memória popular, uma vez que o Estado Novo trabalhou com
ênfase, obtendo sucesso, na construção dessa imagem. Desde as publicações mais acadêmicas,
como a revista Cultura Política, até outras destinadas ao público infantil, como a Getúlio para
crianças, trabalhavam para a concretização desse objetivo.
A Revolução de 1930, assim, resolvia o problema da possível revolução, retirava o
trabalhador da posição de sujeito ativo de sua história e colocava o Estado, na figura do presidente,
em seu lugar, como articulador e responsável em ordenar e resolver a chamada “questão social”.
Quanto à região amazônica, ela esteve inserida na ditadura dentro da necessidade vista pelo
governo de integração nacional e extensão do braço do Estado a áreas consideradas pouco atingidas
por ele. O governo federal julgava imprescindível conhecer mais profundamente as diversidades
regionais brasileiras e agir especialmente sobre regiões que considerava pouco exploradas
economicamente.
Em 1940, Getúlio Vargas fez uma longa viagem por estados do nordeste, centro-oeste e
norte. Passou por Pernambuco, Rondônia, Mato Grosso, entre outros. No Amazonas, contou com o
apoio do interventor Álvaro Maia e de Leopoldo Peres, presidente do Conselho Consultivo do
estado do Amazonas. A intenção de expandir o braço econômico pela região se concretizou nos
anos seguintes, com a Marcha para o Oeste e a criação do Serviço Especial de Mobilização dos
Trabalhadores da Amazônia (SEMTA), que funcionou entre 1942 e 1943, fazendo propaganda a
fim de conseguir mão de obra para a empreitada, conforme na imagem abaixo:
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Propaganda do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA)107

O SEMTA ocorre já no contexto dos Acordos de Washington, em que o Brasil, ao lado dos
aliados na guerra, consegue financiamento dos norte-americanos para o investimento na região
amazônica, principalmente visando à extração do látex, matéria prima para a borracha e era de
grande interesse dos estadunidenses.
A atenção do governo federal para a região pode ser vista também na reorganização político-
administrativa de 1943, quando são criados os territórios de Guaporé (atual Rondônia 108), Amapá e
Rio Branco (atual Roraima). Assim, o governo tentava capitalizar economicamente uma região que
já havia dado altos lucros para o Estado e também para o capital privado na virada do século XIX
para o XX, na fase anterior do ciclo da borracha, quando também houve grande expansão da
fronteira extrativista, causando conflitos com indígenas, que tiveram suas terras invadidas –
problema este que se estende até hoje. 109
A ação do Estado sobre a região obteve êxito. Houve grande migração, principalmente de
trabalhadores de diversos estados do nordeste, para a região. E um ponto sempre a ser destacado é

107 Cartaz, de 1942, com propaganda do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia
(SEMTA), incentivando trabalhadores a se alistarem. Arquivo Nacional. Fundo Paulo de Assis Ribeiro.
BR_RJANRIO_S7_CX005_PT001.
108 http://querepublicaeessa.an.gov.br/uma-supresa/305-rondonia-1981.html
Acessado em 21/06/2021.
109 http://querepublicaeessa.an.gov.br/temas/184-territorios-indigenas.html
Acessado em 21/06/2021.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

que, como parte do esforço de guerra, as leis trabalhistas foram suspensas no Brasil. Quem
trabalhava na região amazônica enfrentou jornadas de trabalho exaustivas e penosas, ficando
conhecidos como "Soldados da Borracha" (SECRETO, 2007). Ou seja, na mesma época em que era
criada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), na prática trabalhadores ainda eram vitimados
pela superexploração.
Ao final do Estado Novo os partidos políticos voltaram a ter voz, agora com perfil nacional
e não mais regionais. Os trabalhadores aderiram maciçamente ao PCB, que foi legalizado e se
manteve assim até 1947, e ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O período de 1945 a 1964
mostrou a força das multidões e a importância de se obter o voto dos trabalhadores para as vitórias
eleitorais. O período ficou marcado, por um lado, pela exaltação personalista ainda resultante do
Estado Novo, em especial à figura de Vargas, mas também a outros líderes como Ademar de
Barros, João Goulart e Leonel Brizola. Mas, por outro, assistiu à paulatina reorganização do
movimento operário, que buscou o protagonismo de outrora, que lhe fora retirado durante o
primeiro governo Vargas. Mas esse já é um tema para outro artigo.

* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

TRABALHADORES, DIREITOS E A CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO


NA ERA VARGAS (1930-1945)*

Wanderlene Freitas de Souza Barros**

É fato que a Era Vargas no primeiro período de seus quinze anos, 1930-1945, e no segundo
período, 1950-1954, nos desafia constantemente a ter um olhar atento sobre suas diferentes
abordagens e desdobramentos. Pensar que por trás de cada ato havia uma única finalidade - o
controle, fosse social, econômico ou político -, nos faz entrever pontos de escape através das
resistências, lutas de trabalhadores e dos movimentos sociais que iam na contramão das ideologias
políticas dominantes. No decorrer dos mandatos de Vargas, percebemos que a área jurídica não
ficou em nenhum momento despercebida pelo então presidente e era acionada de acordo com as
pretensões governamentais, principalmente no que tangia ao ideal simbólico para a construção de
uma unidade nacional. É dentro deste contexto que pensar o ordenamento individual e coletivo
suscita refletir sobre as relações, que nem sempre eram tranquilas diante da reinvindicação de
direitos individuais e coletivos, da intervenção direta do Estado sobre a vida social, direitos de
propriedade e cerceamento de patrões e empregados – no que diz respeito ao trabalho.
Neste sentido, o governo nas suas diretrizes buscava estabelecer condutas através de
regramentos, ou seja, tolher os direitos de cidadania. Na realidade, nenhuma lei é estabelecida por
vontade unilateral, muito menos como expressão única de domínio de uma classe ou grupo sobre
outros. É um campo complexo de batalhas em que a cada momento pode manifestar-se sob diversas
nuances: mediando tensões de classes, manifestando a dominação de uma classe sobre outra, ainda
que de forma mascarada, como conciliação entre políticos, entre outras coisas. Em se tratando de
legislação social e trabalhista, minha escrita busca justamente apontar para as leis decorrentes do
avanço das conquistas de direitos sociais que se adensaram nesse período, não esquecendo da
construção do Ministério do Trabalho que segundo Ângela de Castro Gomes (2007) inicia sua fase
embrionária no primeiro período do governo Varguista.
A necessidade de uma legislação voltada para a proteção do trabalhador foi uma questão que
emergiu antes mesmo do governo de Vargas, ou seja, foi algo inevitável que se impôs com o
**  Pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado no PPGH/UFAM sob a orientação do Prof. Dr. César
Augusto B. Queirós.
**** Mestre em História e Doutoranda em História pelo PPGH/UFAM.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

progresso da industrialização. Portanto, podemos inferir que a questão social advém de um conjunto
de modernas condições laborais urbanas e de direitos sociais. Após a guerra, observamos que entre
as demandas consideradas essenciais colocou-se a condição de vida do operariado. Em 1919, é
criada a Lei de Acidente de Trabalho pelo Decreto 3.724, porém Ângela de Castro Gomes ao pontar
o histórico dessa lei afirma que “o projeto de acidentes de trabalho, que desde 1912 e mais
fortemente desde 1915 estavam em pauta na câmara, fora transformado em lei” 110.
A questão do direito do trabalhador arraigada numa relação de dependência que se arrastava
havia décadas com o predomínio do paternalismo, tornou-se uma reação perigosa por parte dos
reclamantes, pois, no momento em que o trabalhador transpunha os muros da fábrica em busca de
justiça numa instância pública, corria grande perigo de cair em descrédito. As querelas entre
empregadores e empregados, em grande medida, desmoronavam sobre os ombros do empregado,
que se via numa disputa solitária, pois mesmo os que ousassem a ser testemunhas teriam o mesmo
fim. Segundo Larissa Rosa Correia:

Ao quebrar com a lógica da relação do contrato privado entre patrão e empregado,


o trabalhador se arriscava a entrar para as chamadas listas negras elaboradas pelas
empresa e frequentemente passava a ser visto como um trabalhador
“problemático”. Da mesma forma um trabalhador que aceitasse se apresentar como
testemunha de um colega na Justiça do Trabalho estava arriscando o seu emprego e
poderia igualmente ser identificado como um trabalhador não desejável na visão do
empregador. 111

O grupo que assumiu o poder em 1930 tratou de mergulhar no universo social e trabalhista,
propondo uma extensa legislação que ainda hoje ilustra as páginas da Consolidação das Leis
Trabalhistas - CLT. As leis estavam lá, mas seus usos e utilidades foram se construindo por diversos
olhares: do trabalhador, do legislador, do julgador, dos sindicatos, dos patrões, levando algum
tempo para que cada qual se identificassem com o seu papel a partir do código. A intervenção do
Estado no mercado de trabalho se apresentou sob o discurso de conter os exageros, mascarando o
objetivo de limitar os avanços dessa legislação social. Segundo Ângela de Castro Gomes:

Este intervencionismo, é bem verdade, estaria orientado pela manutenção da


ordem. Embora tivesse como objetivo a garantia de certos direitos aos
trabalhadores, como é o caso da legislação sobre acidentes e da proteção ao
trabalho feminino e de menores. Estas seriam as reivindicações consensualmente
110 GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Letras, 2014.P. 111
111 CORRÊA, Larissa Rosa. Sobre o direito de reclamar: os primeiros conflitos trabalhistas tramitados na justiça do
trabalho do rio de janeiro. In: DROPPA, Alisson; LOPES, Aristeu Elisandro Machado; SPERANZA, Clarice
Gontarski. História do trabalho revisitada: justiça, ofícios, acervos. São Paulo: Paco Editorial, 2018. Cap. 11. p. 64
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

reconhecidas, não só no meio empresarial, como também no próprio meio


político.112

Ainda em 1930, é criado o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio (MTIC) pelo


Decreto nº 19.433, posteriormente dividido em cinco departamentos nacionais: Trabalho, Indústria,
Comércio, Povoamento e Estatística – Decreto nº 19.495. O primeiro ministro a ocupar o cargo do
MTIC foi Lindolfo Collor, que iniciou todas as diretrizes da legislação trabalhista. Contou, entre os
membros da equipe, com ex-anarquistas, ex-comunistas ou ex- socialistas, entre eles: Joaquim
Pimenta, Evaristo de Morais e Agripino Nazareth. O chamado Ministério da Revolução, entre as
estratégias de controle, tratava no mesmo ano, de criar o Decreto nº 19.482, de 12 de dezembro de
1930, com o qual limitava a entrada, no território nacional, de passageiros estrangeiros de terceira
classe, entre outras providências.
No primeiro semestre de 1931, pelo Decreto nº 19.770, os sindicatos das classes operárias e
patronais passaram a ser vinculados ao Ministério do Trabalho. Eles recebem o codinome de
“sindicatos de carimbo”, pois era necessário que suas ações fossem reportadas direto ao MTIC,
dependendo de uma série de pré-requisitos para assumirem personalidade jurídica. No decreto
podemos perceber um característico cerceamento de qualquer dissenção de ordem política contrária
aos interesses Varguistas. A partir desse decreto, o governo, segundo Aviz Valente, “desmobilizou
a luta dos trabalhadores e aniquilou a Central Sindical Operária, fundada em 1929, e com dois
decretos-leis passou a tutelar efetivamente o movimento sindical, embora com oposição constante e
clandestina...”113 Dentre as condições impostas pelo decreto, percebemos a aversão aos estrangeiros,
que representavam para o governo os disseminadores de ideologias contrárias a dele. De acordo
com que dispõem o decreto, podemos destacar as seguintes providências:

1) maioria, na totalidade dos associados, de dois terços, no mínimo, de brasileiros


natos ou naturalizados; 2) exercício dos cargos de administração e de
representação, confiado a maioria de brasileiros natos ou naturalizados com 10
anos, no mínimo, de residência no país, só podendo ser admitidos estrangeiros em
número nunca superior a um terço e com residência efetiva no Brasil de, pelo
menos, 20 anos; 3) abstenção, no seio das organizações sindicais, de toda e
qualquer propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso,
bem como de candidaturas a cargos eletivos, estranhos à natureza e finalidade das
associações114.

112GOMES, Ângela de Castro. Burguesia e trabalho: política e legislação social no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Letras, 2014. P. 192
113 VALENTE, Aviz. Confederação Geral dos Trabalhadores do Amazonas. Manaus: Editora Travessia, 2005, p.
40.
114 Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19770-19-marco-1931-526722-
publicacaooriginal-1-pe.html . Acesso em 15/09/2020.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Os itens estabelecidos pelo decreto revelam o início de um governo autoritário e controlador,


que traz através das leis suas determinações, buscando impedir a disseminação em território
nacional das ideologias que poderiam interferir na sua forma de governar. O Decreto nº 20.291 cria
a Lei de Nacionalização do Trabalho, determinando que as empresas deveriam contratar 2/3 de
trabalhadores brasileiros para comporem sua mão-de-obra, reservando no máximo um terço de
operários estrangeiros em seus quadros. Complementou suas ações com a criação do Departamento
Nacional do Trabalho (DNT), que se uniu ao departamento estadual de São Paulo, criando as
inspetorias regionais nos outros estados, cujas atribuições eram: execução, fiscalização e
cumprimento de legislação trabalhista. A fala de um operário riograndense, que demonstra esse
controle sindical, vem expressa na obra de Alexandre Fortes, intitulada Nós do quarto distrito:

Mensalmente nós fornecíamos, por exemplo, os quadros de contribuições,


movimento econômico do sindicato, quantos associados, quantas assembleias, a
atendimento médico, aquela coisa, quantas consultas, quantos exames laboratoriais,
um desdobramento completo do que ocorria dentro do sindicato o dia, a semana, o
mês – Abrelino Freitas.115

Diante de todas as peças que naquele momento estavam supostamente dispostas pelo
estrategista Getúlio Vargas e seus comandados, é importante frisar que a oposição estava sempre
pronta para novas investidas. Ao voltarmos nosso olhar para o Amazonas, mesmo considerado um
território apartado para alguns, conseguimos identificar alguns sindicatos de trabalhadores
urbanos116 apontados por Aviz Valente existentes na década de 1930 em Manaus:

Tabela 1 – Sindicatos ativos em Manaus em 1934


Entidades filiadas em 1934
1 Sindicato dos Operários da Construção Civil de Manaus
2 Sindicato dos Estivadores Deus e Mar de Manaus
3 Sindicato dos Operários Estivadores de Manaus
4 Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Amazonas
5 Sindicato dos Empregados Leiteiros de Manaus
6 Sindicato dos Operários Cigarreiros de Manaus
7 Sindicato dos Empregados em Tração, Força e Luz de Manaus
8 Sindicato Misto dos Barbeiros de Manaus

115 FORTES, Alexandre. Nós do quarto distrito. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 348.
116 VALENTE, Aviz. Confederação Geral dos Trabalhadores do Amazonas. Manaus: Editora Travessia, 2005, p.
70-71.
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9 Sindicato de Metalúrgicos de Manaus


10 Sindicato de Operários Sapateiros de Manaus
11 Sindicato de Alfaiates de Manaus
12 Sindicato de Operários de Serrarias de Manaus
13 Sindicato dos Trabalhadores do Livro e do Jornal de Manaus
Fonte: Confederação Geral dos Trabalhadores do Amazonas p.70-71

As carteiras de trabalho, a princípio, foram instituídas nas associações, sociedades e


sindicatos e eram emitidas dentro desses grupos ou organizações, como forma de unificar e
valorizar as categorias. Mas em 1932, os Decretos de nº 21.175 e 22.035, determinam e criam uma
nova Carteira de Trabalho emitida pelo DNT. Esse documento era necessário para o trabalhador ter
algumas garantias do tipo: associação em sindicato, gozo de férias, apresentação de queixas nas
Juntas de Conciliação e Julgamento e obtenção de empréstimo nas Caixas de Aposentadorias e
Pensões. Ao pesquisar sobre os motorneiros de bondes em minha dissertação de mestrado 117, foi
identificada uma Carteira de Trabalho da década de 1940 no Acervo do Instituto Durango Duarte 118,
gentilmente cedida pela família do profissional.

No período de 1932, foram sendo tratados pontos específicos que regulamentariam os


diferentes tipos de trabalhador – por sexo, por idade, por segmento –, dentre tantas outras coisas a
serem tratadas como: o Decreto nº 21.364, que instituiu a jornada de oito horas diárias nas
indústrias (ou 48 horas semanais); o Decreto nº 21.417 que dispunha sobre o trabalho feminino na
indústria e no comércio; o Decreto nº 22.042 que regulamentava o trabalho do menor, que se
assemelhava, em certa medida com o feminino e, não menos importantes, os decretos que
regulamentam o princípio de uma Justiça do Trabalho em todos os estados através das Juntas e
Comissões de conciliação.
O Decreto nº 21.396 criou as Comissões Mistas de Conciliação responsáveis pelos dissídios
coletivos. Elas eram o caminho para um consenso entre patrões e grupos de empregados que
reivindicavam seus direitos. Já o Decreto nº 22.132 criou as Juntas de Conciliação responsáveis por
julgar os dissídios individuais, ou seja, quando a tentativa era um entendimento entre o patrão e o
empregado. De qualquer forma, antes de qualquer reivindicação na Justiça Civil, era necessário que
as questões em divergência passassem pelas Juntas e Comissões. Cabe lembrar que por muito
tempo as questões trabalhistas eram julgadas pela Justiça Comum.
Observamos que toda lei criada carregava, a princípio, conceitos e determinações diretas
para aqueles que se direcionava, porém era inevitável a complementação através da criação de
117 BARROS, Wanderlene de Freitas Souza. Nos Trilhos da Cidade: A Trajetória dos motorneiros e dos bondes em
Manaus (1930 -1940). 2018. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Programa de Pós Graduação em
História, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2018.
118 Disponível em: https://idd.org.br/ Acesso em 10/05/2017

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

novos decretos. Podemos bem observar isso na Lei de Férias, instituída em 1925, mas que com o
Decreto nº 23.103 dava outras providências como regular a concessão aos empregados em
estabelecimentos comerciais e bancários e em instituições de assistência privada. O mesmo
aconteceu com o Decreto nº 21.364, de 4 de maio de 1932, que regulava de forma mais explícita o
horário para o trabalho industrial, cabendo o adendo do descanso semanal remunerado ilustrado
abaixo:

Art. 1º :A duração normal de trabalho diurno do empregado em estabelecimentos


industriais de qualquer natureza será de oito horas diárias, ou quarenta e oito horas
semanais, de maneira que a cada período de seis dias de ocupação corresponda um
dia de descanso obrigatório119.

Em 1934, o destaque maior aconteceu na Assembleia Nacional Constituinte que promulgou


a nova Constituição e instituiu a Justiça do Trabalho (Título IV, Da ordem econômica e social, art.
122), como uma justiça especial, diretamente ligada ao Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio. O artigo 120, consagrou a pluralidade e a autonomia sindicais, algo que naquele contexto
só existia em registros. O artigo seguinte, dedicado à legislação trabalhista, ratificou diversas leis
existentes e determinou outras: salário-mínimo, a proibição de trabalho a menores de 14 anos, o
impedimento de trabalho em indústrias insalubres a menores de idade e a mulheres, a assistência
médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, sem prejuízo do salário e do emprego, o
reconhecimento das convenções coletivas de trabalho. Cabe colocar ainda que o Decreto nº 23.768
ratificava as férias para os empregados da indústria e que, a partir de então, o trabalhador só teria
direito a férias após um ano na mesma empresa, anulando a contagem do período anterior, que seria
uma somatória, independentemente da empresa trabalhada. Esta questão fica bem clara no Artigo
4º, quando lia-se: “o direito às férias é adquirido depois de doze meses de trabalho no mesmo
estabelecimento ou empresa (...) e exclusivamente assegurado aos empregados que forem
associados de sindicatos de classe reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio”120.
Ainda nesse mesmo ano o Decreto nº 24.637 regulamentava novas medidas para a lei de
acidentes de trabalho e, dentre as novas providências, o empregador se tornava responsável por
aquele que lhe cedesse sua mão de obra, que em caso de acidentes deveria além de indenizar, arcar
119 Disponível em:https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21364-4-maio-1932-526751-
publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 10/04/2021.

120Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-23768-18-janeiro-1934-526823-


publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 25/03/2021
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

com as despesas médicas e farmacêuticas. É importante salientar que essa lei dava rosto, nome,
naturalidade ao trabalhador, de forma sacramentada. Na obra Velhos Militantes a costureira Elvira
Boni Lacerda fala da luta e vitórias dos trabalhadores quando diz “Se não fossemos nós, Getúlio
Vargas não teria assinado as leis trabalhistas que assinou, e que, mesmo assim, continuam até hoje a
ser burladas. Realmente, digo que o sacrifício foi muito grande, mas acho que começaria tudo de
novo se fosse possível”121. A lei acima citada é um exemplo que confirma o sentimento da
costureira, principalmente no artigo que se segue:

Art. 5º Os empregadores sujeitos à presente lei, excetuados os de serviços


domésticos, deverão ter um registro dos respectivos empregados, do qual
constarão, acêrca da cada um, o número de ordem, o nome, a filiação, a idade, a
nacionalidade, a data e o lugar do nascimento, a residência, a data de admissão ao
serviço e a do despedimento, a categoria e a ocupação habitual, o salário e a forma
do pagamento, e os nomes dos beneficiários, reservada uma coluna para a
indicação dos acidentes ou das doenças profissionais

Em 1935, o Governo decreta a Lei de nº 62 onde são regulamentados os casos de demissão


sem justa causa para os trabalhadores da indústria e do comércio. Percebemos que o ano foi
marcado pela movimentação de grupos engajados em ações em busca de direitos para o trabalhador,
fossem estas liberdades sindicais, seguro de acidentes, amparo ao desempregado, salários, dentre
outras reivindicações. Podemos salientar a ação desses grupos em esferas de maior abrangência
como na Confederação Sindical Unitária do Brasil (CSUB), e na União Feminina Brasileira (UFB),
o que fortalecia o movimento.
Os anos de 1936 e 1937 foram repletos de tensões. Primeiro o Congresso Nacional aprovou
o estado de guerra, conferindo ao governo poderes de repressão quase ilimitados. Houve prisões,
sindicatos foram devassados, diretorias consideradas suspeitas foram cassadas e os sindicatos
independentes, fechados. Em 1937, Vargas leu uma mensagem pelo rádio, anunciando o Estado
Novo e uma nova Carta para o país. Mandou fechar o Congresso, extinguiu todos os partidos
políticos e decretou censura à imprensa. Na sequência, prendeu líderes políticos e sindicais, proibiu
manifestações públicas, exigiu o atestado de ideologia nas assembleias sindicais. A nova
Constituição, apelidada de Polaca, manteve toda a legislação trabalhista, exceto o direito de greve,
declarado ilegal. Nesse período foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários
(IAPI).
O Instituto da Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE), compreendendo
pensões mensais e pecúlio, como modalidade do Seguro Social é instituído em 1938. Já o Decreto
121 GOMES, Ângela de Castro. Velhos Militantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1991, p. 67.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

nº 399, que regulamentava o salário-mínimo, fixou um valor como sendo o mínimo necessário à
sobrevivência de uma família de trabalhadores, de acordo com cada região do país, descartando,
porém, a mesma possibilidade para os trabalhadores rurais, que manifestavam sua insatisfação
através de cartas ao Governo. A princípio, a lei apenas conceituou o salário-mínimo e estabeleceu a
partir de uma tabela de alimentos, o que era considerado principal e básico para o trabalhador122. No
dia do primeiro aniversário do Estado Novo, Vargas inaugurou o prédio do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, não dispensando o registro de mais “feitos” para o trabalhador.
O ano de 1939 é marcado pelo Decreto nº 1.237, que regulamentou a Justiça do Trabalho,
que até então não existia na prática. O Decreto nº 1.402 é o da Lei Sindical que previa a dissolução
de sindicatos não reconhecidos pelo MTIC. Os sindicatos oficiais ficavam proibidos de se
engajarem na política ou de se afiliarem a organizações trabalhistas internacionais. Na exposição de
motivos consta que “toda a vida das associações profissionais passará a gravitar em torno do
Ministério do Trabalho: nele nascerão; com ele crescerão; no lado dele se desenvolverão; nele se
extinguirão”123
Em 1940, o Decreto nº 2.162 regulamentou novas medidas para o salário-mínimo. Essa
regulamentação traz novas responsabilidades ao empregador, que deveria estar atento às formas de
contratação, aos aumentos e aos ônus auferidos pela falta de cumprimento da lei. Agora o salário-
mínimo segue tendo como normas importantes: o reajuste, a forma de pagamento, a multa, o
pagamento por hora ou mês. O Decreto nº 2.168 tratava da conversão das Inspetorias Regionais em
Delegacias Regionais do Trabalho (DRT), proporcionando certo poder e atribuição maior a esse
órgão de fiscalização. Ainda neste mesmo ano, foi criado o imposto sindical, convocando todo
empregado – sindicalizado ou não – que iria pagar, compulsoriamente, o correspondente a um dia
de trabalho, assegurando aos sindicatos uma receita estável. Em se tratando de Previdência, o
Decreto nº 2.478 criou o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que estava

122 Entre os grupos: I Carnes verdes. Carnes conservadas: Xarque, Seca, Vento, Sol, Vísceras, Aves, Peixes, Peixes
conservados, Camarão, Caranguejo, Sirí, Tartaruga, Caça, Mexilhões; II Queijo, Manteiga; III Banha, Toucinho,
Óleos vegetais; IV Cereais: Arroz, Milho; V Farinhas: Mandioca, Dagua, Lentilhas, Feijão, Fruta-pão; Massas;
Raizes: Mandioca, Aipim, Batata, Batata doce, Inhame, Cará, Pão de milho (simples ou mixto) – Broa; VI
Leguminosas: Feijão, Ervilha, Lentilha, Guando, Fava; VII Hervas: Azedinha, agrião, alface, bertalha, carurú, celga,
couve, repolho, espinafre, nabiça, etc; Frutas: Abóbora, abóbora dagua, xuxú, quiabo, giló, pepino, maxixe, tomate,
beringela, etc; Raízes: Cenouras, nabo, rabanete, beterraba, etc; VIII Frutas: Banana, laranja, tangerina, lima, cajú,
manga, abacate, abacaxi, mamão, sapotí, melancia, goiaba, figo, abricó do Pará, castanha do Pará, etc; IX Açucar,
Melado, Melaço, Rapadura, Mel; X Café – Mate, Grupo essencial : Leite (X); Extra : Ovo (XX). Observações - (X) O
leite deverá sempre ser incluido na ração; (XX) O ovo poderá fazer parte da ração, conforme a facilidade da aquisição.
123 GOMES, Ângela de Castro. Ministério do trabalho: uma história vivida e contada. Rio de Janeiro: Cpdoc, 2007,
p. 43.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

subordinado diretamente ao MTIC, com a função de prover alimentação adequada e barata aos
segurados dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões.
Em 1941, Alexandre Marcondes Filho assumiu a pasta laboral, cuja administração foi
marcada pela elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por campanhas de
sindicalização, por programas de construção de vilas operárias, recreação dos trabalhadores e pela
construção da imagem de Getúlio como defensor dos interesses dos trabalhadores, embora em 1942,
o Decreto nº 4.298 criasse a Comissão do Imposto Sindical (CIS). Sua sede era no MTIC, e tinha
por fim melhor organizar o recolhimento e aplicação do imposto. Sua arrecadação era feita
diretamente pelo patrão através do desconto da folha de pagamento e a distribuição era de 60% para
os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações e 20% para o Ministério do
Trabalho.
Por fim, compilaram-se as leis trabalhistas em um código - CLT -, que regulamentou as
relações entre trabalhadores e empresas através do Decreto 5.452 de 1943, anunciado no dia do
trabalho. Seu texto foi confeccionado por uma equipe do MTIC que reuniu e ordenou as leis do
trabalho existentes até então. Apesar de toda a promoção e de sua importância, o esforço de guerra
deteve os avanços nos direitos trabalhistas, negando-lhes efetividade. A tarefa dos “soldados do
trabalho” e dos “sindicatos-quartéis” — no “campo de batalha das fábricas” — era produzir,
independentemente de normas trabalhistas124.
Em 1944, o Decreto nº 7.036 reforma a legislação sobre o seguro de acidentes do trabalho,
passou a admitir a teoria da concausa, ou seja, uma vez que se comprove que as condições de
trabalho concorressem para o agravamento de uma doença já existente, a empresa passava a ter o
dever de indenizar. Finalizou-se o primeiro período da Era Vargas com sua deposição do poder
diante de uma coalizão de civis e militares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história de lutas do trabalhador vem bem antes do governo de Getúlio Vargas. Mesmo
antes de ser livre, o trabalhador já se munia de estratégias de sobrevivência, lutas e resistências.
Com o advento industrial, muitos se identificaram enquanto trabalhadores e trataram de traçar
ideologias e objetivos em busca de garantias e direitos. O meio urbano trouxe uma aproximação
maior entre a parcela trabalhadora das atividades coletivas, apesar disso, conseguiu desviar-se do
124 GOMES, Ângela de Castro. Ministério do trabalho: uma história vivida e contada. Rio de Janeiro: Cpdoc, 2007,
p.46.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

paternalismo e dos grilhões que poderiam criar uma relação de dependência entre empregados e
patrões. A questões sociais que surgiram com o advento da indústria, impulsionaram o despertar de
direitos coletivos e mesmo individuais, que avançaram entre décadas do século XX, ganhando mais
evidência e conquistando espaço para serem discutidas. Apesar de várias restrições e imposições
colocadas no governo de Getúlio Vargas, podemos entrever muitas reivindicações transformadas
em leis. É importante lembrar que foi em pleno governo de Vargas que a Justiça do Trabalho vai
ganhando fôlego para tratar as querelas como um todo, não apenas como questão material. Desta
forma, é importante ponderar que, apesar das leis existirem, muitas vezes são burladas e que
certamente os conflitos e dissensões serão sempre o caminho para as transformações.

* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

História e Memória da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus:


As fontes da Jus ça do Trabalho da Manaus do Estado Novo*
Pedro Marcos Mansour Andes**

Introdução

Neste texto iremos tratar do processo de instalação da Justiça do Trabalho em Manaus,


destacando as documentações que foram produzidas pela 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de
Manaus durante o período da ditadura do Estado Novo, sobre as principais demandas que foram
levadas pelos trabalhadores para o julgamento neste novo espaço de luta por direitos.

Desde o golpe de 1930 o governo de Vargas logo após a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio e do Ministério da Educação, os denominaram como sendo os “Ministérios da
Revolução”. Nesse sentido, fica claro que o novo governo iria tratar os conflitos entre os
trabalhadores e o patronato não apenas como caso de polícia, mas agora como um problema do
estado, que terá como base a visão corporativista para agir como o grande conciliador na busca da
tão almejada “Paz Social”.

A instalação da Justiça do Trabalho no Brasil e no Amazonas

A implantação da Justiça do Trabalho em 1941 e posteriormente a promulgação da CLT em


1943, foram antecedidas por anos de luta dos trabalhadores antes mesmo do advento da República
no país. De acordo com Morel e Pessanha (2007),
[...] Muitas vezes propostas pelos chamados reformadores sociais – partidários ou
não –, as primeiras leis trabalhistas surgem de modo esparso, como as de proteção
ao trabalho do menor, em 1891. De 1903 é a lei de sindicalização rural e de 1907, a
lei que regulou a sindicalização de todas as profissões. O primeiro projeto de
Código do Trabalho, de Maurício de Lacerda, tentativa malsucedida de reunir e
sistematizar a legislação pertinente, é de 1917. Em 1918, Lacerda aprovou na
Câmara o projeto do Departamento Nacional do Trabalho, órgão que acabou

** Este texto é parte componente do terceiro capítulo da minha tese de doutorado em andamento, intitulada “Negociação
e conflito: o movimento operário em Manaus da ditadura do Estado Novo (1937-1945)”, e orientada pela Professora
Dra. Edilza Joana Fontes no PPHIST da UFPA.
**** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de
História da Rede Pública Estadual de Ensino (SEDUC/AM) e Historiador da Secretaria de Estado de Cultura do
Amazonas (SEC/AM).

64
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

substituído pelo Conselho Nacional do Trabalho cinco anos depois. De 1919 é a lei
sobre acidentes de trabalho125.

A partir da criação do Ministério do Trabalho o processo de regulamentação das relações do


trabalho no país foi acelerado. Em 1931, os consultores jurídicos, Evaristo de Macedo e Joaquim
Pimenta, elaboram o Decreto n. 19.770, que visava regulamentar a sindicalização das classes
patronais e operárias ainda neste ano foi instalado o Departamento Nacional do Trabalho. Em 1932,
passam a funcionar as Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento,
aqui é importante ser destacado, que a instalação da 1ª JCJ de Manaus só ocorreu em 1941. Será a
Constituição Federal de 1934, que irá instituir em seu título IV, art. 122, a Justiça do Trabalho como
a função de julgar as questões entre patrões e empregados, regidas pela legislação social existente.

A primeira Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus


No Centro de Memória do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região – TRT 11, existem
informações sobre a instalação da 1ª Junta de Manaus. Conforme o Centro de Memória, o Decreto-
Lei n. 1.237 do dia 2 de maio de 1939, estabeleceu toda a estrutura da Justiça do Trabalho, inclusive
a criação da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus, que foi instalada no dia 1 de maio de
1941 e ficou subordinada ao Conselho Regional do Trabalho da 8ª Região com sede em Belém.

Entretanto, outras fontes pesquisadas nos mostraram que já havia em Manaus uma Junta de
Conciliação e Julgamento e uma Comissão Mista desde 1937, provavelmente, a Junta instalada em
1941 foi apenas uma formalidade para marcar a criação da Justiça do Trabalho no país.

Essa informação é confirmada no anúncio realizado pela UNIÃO DOS SYNDICATOS


DOS TRABALHADORES DO MUNICIPIO DE MANAUS, que foi publicada no jornal “A
Tarde” do dia 1 de junho de 1937, onde temos a notícia de que a Inspectoria Regional do Trabalho
está solicitando com máxima urgência a indicação de dois nomes de cada sindicato para a
elaboração de uma lista de 20 nomes para a organização e renovação da JCJ de Manaus.

125 MOREL, Regina Lucia M. e PESSANHA, Elina G. da Fonte. A Justiça do Trabalho. In.: Tempo Social, Revista de
Sociologia da USP. São Paulo: v. 19, n.º 2, 2007, p. 88.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Edital de convocação da União dos Syndicatos dos Trabalhadores de Manaus.


Fonte: jornal A Tarde de 1/06/1937
O edital de notificação da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus publicado no
Diário Oficial do Estado do Amazonas em 4 de abril de 1940, é outra fonte que confirma a
instalação e atuação da Junta de Manaus antes de 1 de maio de 1941. Vejamos a imagem abaixo:

Edital de convocação da 1ª Junta de Conciliação de Manaus de 04/04/1940.


Fonte: Diário Oficial do Estado do Amazonas.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Outra fonte que nos informa da existência de uma Junta de Conciliação e Julgamento e de
uma Comissão Mista em Manaus é o quadro publicado no Boletim número 33 do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio de maio de 1937, vejamos no quadro abaixo em destaque as
informações do estado do Amazonas,

JUNTAS E COMISSÕES MISTAS – 1937


ESTADO JUNTA COMISSÃO
AL 2 1
AM 1 1
BA 5 -
CE 1 -
DF 2 2
ES 6 1
MA 2 1
MT 2 -
MG 12 5
PA 3 1
PB 1 -
PR 4 4
PE 5 2
PI 3 -
RJ 20 39
RN 1 1
RS 13 1
SC 6 5
SP 2 2
SE 5 1
TOTAL 96 66
Fonte: BMTIC, n. 33, 1937

Entretanto, as primeiras informações que encontramos no acervo do Diário Oficial do


Estado do Amazonas da atuação da 1ª JCJ de Manaus onde identificamos os primeiros processos e
reclamatórias trabalhistas que foram julgados na mesma só aparecem na edição do dia 10 de
fevereiro de 1942. Foi publicado uma tabela elaborada pela Junta que continha informações gerais
sobre todo o movimento que ocorreu no período de 30 de julho de 1941 a 31 de dezembro de 1941,
ou seja, os primeiros meses de atuação da Junta instalada em 1941.

Conforme o documento, 89 processos passaram na 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de


Manaus. Destes processos foram julgados 55, sendo arquivados 50, 5 pediram recursos ao Conselho
Regional do Trabalho da 8ª Região, 5 execuções de sentenças, 26 processos em andamento dos
quais 21 eram da 1ª JCJ de Manaus, 2 execuções em andamento, 3 avocatórias em andamento, ou
seja, estavam em julgamento no Supremo Tribunal Federal – STF, 2 inquéritos administrativo
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

remetidos ao CRT da 8ª Região e 1 processo para realizar diligência remetido pelo CRT da 8ª
Região.

De acordo com o Mapa de Movimento da 1ª JCJ de Manaus, também foram realizadas 118
audiências sendo: 11 administrativas, 58 de julgamento, 43 de instrução de processos e 6 de
instrução de inquérito administrativo. Foram 58 decisões julgadas na Junta de Manaus sendo: 26
Conciliações, 9 decisões procedentes, 6 homologações de acordos, 5 processos considerados
improcedentes, 5 processos arquivados pelo não comparecimento do reclamante, 4 processos
julgados procedentes em parte, 1 processo a JCJ julgou-se incompetente para realizar sua análise, 1
rejeição de embargos e 1 rejeição de agravos. O valor total dos pedidos, das decisões e das
execuções de sentenças somaram um total de Rs 157:893$500.

Foram realizadas 8 diligências, 11 recursos foram analisados sendo: 9 recursos ordinários


para CRT da 8ª Região, 1 recurso de embargos e 1 recurso de agravos. Conflitos de jurisdição
apenas 1 foi remetido ao Supremo Tribunal Federal. Decisões de recursos foram 3 sendo: 2 decisões
confirmadas pelo CRT 8ª Região e 1 reformada em parte pelo CRT 8ª Região.

Com relação aos dissídios, foram julgados um total de 163 divididos nas seguintes questões:
45 referentes a demissões injustas, 45 por demissões sem o pagamento de aviso prévio, 36
pagamentos de férias, 23 pagamentos de salários atrasados, 5 pagamentos de horas extras, 2 por
falta de descanso semanal, 2 por aumento salarial, 2 por reconhecimento de estabilidade, 1 por
preterição de direito de preferência, 1 redução de salário e 1 de abandono de emprego.

As Fontes da Justiça do Trabalho


Conforme Gomes e Silva, as fontes judiciais formam um grande repertório para as pesquisas
sobre a história do cotidiano e das lutas por direitos “encetada por homens e mulheres anônimos,
escravos, indígenas e os assim chamados trabalhadores livres, além das diversas concepções em
jogo acerca das leis, dos direitos e da justiça.” Ainda segundo os autores,

[...] a utilização sistemática de fontes da Justiça do Trabalho brasileira – sejam


textuais ou orais – é uma prática acadêmica também muito recente e fecunda no
campo da história social do trabalho, que vem acompanhando essa mobilização em
prol da memória do Judiciário e da preservação de suas fontes126.
Apesar dos limites impostos pela ditadura estadonovista, a Justiça do Trabalho e toda sua
estrutura, se tornou um espaço de luta e reivindicações e desde sua instalação foi utilizada pelos
126 GOMES, Ângela de Castro e SILVA, Fernando Teixeira da. A Justiça do Trabalho e sua História. Campinas/SP:
Editora da Unicamp, 2013, p. 31.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

trabalhadores brasileiros como local de garantia de direitos. Neste sentido, acompanhamos os


apontamentos de Rinaldo Varussa, que busca,

[...] perceber a Justiça do Trabalho como um lugar estratégico na luta entre as


classes, pautadas em um horizonte de indeterminações a partir do qual os
trabalhadores constituem suas ações – as quais, por vezes, forçam os dominantes a
rever suas práticas, a reformular suas ações e seus projetos127.

Sendo assim, a tese por mim defendida é de que apesar do projeto de controle dos
trabalhadores e seus órgãos representativos adotado pelo governo estadonovista, os mesmos
encontraram no espaço da Justiça do Trabalho um lugar de luta por suas principais demandas com
isso colocando em xeque o próprio projeto de “paz social” pregado pelo governo Vargas.

As fontes da Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus


No acervo do Centro de Memória do TRT 11 não há nenhum registro ou processo
referente ao período inicial de funcionamento da 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus,
ou seja, dos anos de 1937 a 1945, que engloba o Estado Novo. As informações que temos destes
processos é que eles teriam sido enviados para o TRT 8 onde foram microfilmados e estavam em 5
fitas.

Porém, durante nossas pesquisas no acervo do Arquivo Geral do TRT 8 em Ananindeua-PA,


verificamos que os conteúdos das fitas de microfilmes referentes a Junta de Conciliação e
Julgamento de Manaus são apenas as fichas funcionais de todos os funcionários que trabalharam na
própria junta. Neste cenário obtivemos a informação que os processos físicos estavam sem
condições de manuseios, fato que comprovamos em logo.

127 VARUSSA, Rinaldo José. Trabalhadores e a Construção da Justiça do Trabalho no Brasil (Décadas de 1940-1960.
São Paolo: LTr, 2012, p. 115.
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Fitas de microfilmagem das fichas funcionais da Junta de Conciliação e Julgamento de Manaus.


Foto: Pedro Marcos Mansour Andes, 2018.

Para resolver essa questão referente aos processos trabalhistas da JCJ de Manaus
recorrermos ao acervo do Diário Oficial do Estado do Amazonas localizado na Imprensa Oficial e
ao acervo do Diário Oficial do Estado do Pará localizado no Centro Cultural e Turístico Tancredo
Neves (CENTUR) da Fundação Cultural do Pará. No Diário Oficial do Amazonas encontrei os
resultados finais, apesar dos limites, das audiências dos processos que foram julgados na JCJ de
Manaus, como vimos acima no quadro publicado pela Junta de Conciliação e Julgamento em
fevereiro de 1942.

Nestas tabelas eram citadas as seguintes informações dos processos trabalhistas julgados; o
dia que foi realizado o julgamento, o número do processo, o nome do reclamante, o nome do
reclamado, o objeto julgado, a solução proferida pela JCJ de Manaus e o valor do processo.
Vejamos na imagem abaixo:

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Tabela dos julgamentos da JCJ de Manaus.


Fonte: Diário Oficial do Estado do Amazonas, 24/02/1943

No acervo do Diário Oficial do Pará identifiquei os acórdãos referentes a JCJ de Manaus que
foram julgados pelo Conselho Regional do Trabalho da 8ª Região. Estes acórdãos estão
possibilitando verificar o resultado final dos processos trabalhistas e identificar as principais
querelas entre trabalhadores e patrões. Além disso, também encontrei no Arquivo Geral do TRT 8
os Livros dos Acórdãos dos anos 1940, onde estão organizadas todas as decisões julgadas pelo CRT
8.

O primeiro acórdão que encontrei da Junta de Manaus julgado pelo CRT 8 foi o de número
45, ele pode ser utilizado aqui neste pequeno texto como um exemplo das disputas trabalhistas e nos
traz informações importantes sobre as táticas e estratégias utilizados pelos empregados e pelos
patrões para terem suas queixas atendidas.
O processo foi reclamado pelo Sindicato dos Empregados em Serrarias de Manaus em
nome do seu filiado Pompilio Ferreira da Silva contra a empregadora C. P. Vries por demissão sem
justa causa. Segundo o processo o reclamante trabalhou na referida empresa no período de 7 de
dezembro de 1933 até 7 de novembro de 1939, com salário inicial de cinco mil réis diários e final
de sete mil réis diários. A reclamatória foi feita ao Delegado Regional do Trabalho do Estado
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Amazonas no dia 28 de novembro de 1939 e foi julgada pela extinta 2ª JCJ de Manaus por
unanimidade como improcedente. Então, o reclamante com base no artigo 29 do decreto n.º 22.132
de 1932, solicitou avocatória ao Ministro do Trabalho para anulação da decisão e foi aceita a
solicitação pelo então ministro Waldemar Falcão.
Após a instalação da Justiça do Trabalho no dia 1 de maio de 1941, o Sindicato no dia 13 de
agosto deste ano, requereu ao presidente da 1ª JCJ de Manaus, que fosse dado andamento ao
processo e foi atendido. Durante as audiências do processo o reclamante Pompilio Ferreira da Silva
relatou, que durante um embarque de um carregamento de madeira no início de novembro de 1939
foi solicitado do mesmo mais uma hora extra de trabalho, entretanto, ele não podia ficar para
realizá-la, pois tinha compromissos urgentes em sua residência. Devido a essa negativa ocorreu sua
demissão.
Nas alegações apresentadas pela empresa C. P. Vries ao CRT 8 é utilizado como o
argumento fundamental para demissão do reclamante sua indisciplinar no serviço. Conforme a
reclamada, o mesmo e mais três funcionários haviam se negado a fazer hora extra, quando foi
indagado qual era o motivo para a negativa ele afirmou que seria pelo não pagamento de um abono
solicitado de dez mil réis. Depois de ouvir as testemunhas e realizar as diligências na empresa, no
dia 5 de novembro de 1941, foi realizado o julgamento pela 1ª JCJ de Manaus, que considerou a
reclamação improcedente e condenou o reclamado o pagamento dos custos do processo.
Dentro deste cenário, o Sindicatos dos Empregados em Serrarias de Manaus recorreu ao
CRT 8, que decidiu assim o processo:
Considerando que o reclamante Pompilio Ferreira da Silva não era obrigado por lei
a prestar à firma C. P. Vries a hora de trabalho extraordinário solicitada;
Considerando que não havia qualquer convenção de trabalho entre a referida firma
e seus empregados no sentido de regulamentar essas horas extraordinárias;
Considerando que o reclamante foi acompanhado nessa sua negativa por mais dois
ou três empregados, conforme declarou a própria reclamada a fls. 26, tendo sido ele
o único despedido;
Considerando ainda que a falta dessa hora extraordinária de trabalho, não vinha
causar prejuízos materiais à empregadora;
Considerando mais que o empregado em cerca de seis anos de serviços contínuos
apenas uma vez recursou um serviço extraordinário e assim mesmo justificou essa
recusa (fls. 25);
Considerando por outro lado que a declaração de fls. 9 não merece fé, pois o
próprio gerente da firma declara (fls. 26) que despediu o reclamante de forma legal,
contradizendo assim as afirmativas das três testemunhas apresentadas e que
assinaram a referida declaração, dois como testemunhas e um a rogo de Pompilio
Ferreira da Silva;
Considerando que a despedida dessa forma foi injusta;
Considerando que a lei 62, de 5 junho de 1935, assegura ao empregado da indústria
ou do comércio quando admitido por tempo indeterminado e despedido sem justa

72
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

causa, o direito de haver indenisação de um mês de ordenado por ano de serviço


efetivo ou por ano de fração superior a seis meses, paga na base do maior ordenado
que tenha percebido na mesma empresa;
Considerando tudo o mais que nos autos consta:
RESOLVE o Conselho Regional do Trabalho da 8ª Região, em audiência ordinária
realizada aos 5 de janeiro de 1942, por unanimidade de votos, dar provimento ao
recurso no sentido de reformar a decisão recorrida e mandar que a firma C. P. Vries
de Manaus, pague ao seu ex-funcionário Pompilio Ferreira da Silva a indenização
prevista na lei 62, ou seja, 1:050$0.
Custas pelo vencido no valor de 63$0128.

Por fim, ao analisarmos este processo percebemos vários aspectos que marcavam e ainda
marcam este espaço de disputa entre patrões e trabalhadores. Identificamos as táticas usadas pelo
reclamante e pelo reclamado para terem suas demandas atendidas. Observamos que o patronato
tentava deturpava ou burlar a legislação social já existente para fazer valer suas ações e em
contrapartida os trabalhadores através de seus órgãos representativos entenderam a lógica da nova
justiça e buscavam seus direitos quando se sentiam lesados.
O acórdão n.º 49 do dia 21 de janeiro de 1942, também merece atenção, pois o reclamante
Francisco Figueiredo requeria da massa falida da empresa Caneiro da Mota & Cia. sua indenização
por demissão sem justa causa, aviso prévio e férias. A massa falida recorreu da decisão da Junta de
Manaus. Esse processo é importante porque ele gira entorno da formação de uma jurisprudência
para as decisões futuras da recém criada Justiça do Trabalho. O debate é feito dentro da
competência jurídica da Justiça do Trabalho, que foi criada para julgar os dissídios originários das
disputas entre empregados e empregadores e no caso deste processo havia a questão da falência da
reclamada. Dentro deste contexto o CRT da 8ª Região resolveu nos seguintes termos essa questão,

[...] Considerando que sendo a falência alheia à vontade do empregado, consiste, de


acordo com o dispositivo constitucional, despedida sem justa causa;
Considerando que o assim teem entendido os tribunais trabalhistas do país em sua
mais recente jurisprudência e a própria Constituição Federal dispõe que o trabalho
tem direito a proteção e solicitude especiais de estado;
Considerando que estando caracterizada a despedida sem justa causa e sendo o
reclamante estável, tem direito à indenisação prevista no art. 1º da lei 62, de 5 de
junho de 1935, e mais o aviso prévio de um mês de ordenado e dois períodos de
férias;
Resolve o Conselho Regional do Trabalho da 8ª Região, audiência realizada aos 9
de janeiro de 1942, por maioria de votos, negar provimento ao recurso e manter a
decisão recorrida.
Custas na forma da lei129.

128 Livro de Acórdão do Conselho Regional da Justiça do Trabalho da 8ª Região. Belém: janeiro a dezembro de 1942,
não paginado.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

A decisão final do Conselho Regional da Justiça do Trabalho da 8ª Região é um exemplo do


processo de formação da jurisprudência deste novo campo da justiça no país. Apesar da Justiça do
Trabalho neste momento inicial ainda está ligada ao poder executivo e somente após a promulgação
da Constituição Federal de 1946 será atrelada ao poder judiciário, este período formativo anterior a
promulgação da CLT será essencial para a construção de uma jurisprudência, que pautará nos anos
seguintes todas as decisões deste novo campo jurídico.
Nos jornais e periódicos, em destaque os jornais Diário da Tarde e A Tarde, que circulavam
em Manaus durante o período do Estado Novo foi identificado algumas publicações de editais e
notificações da Inspetoria Regional do Trabalho e da Justiça do Trabalho e a publicação de duas
decisões de processos julgados pela JCJ de Manaus.
Apesar de todas as dificuldades em localizar as fontes produzidas pela Justiça do Trabalho
em Manaus, podemos perceber que ao ampliarmos as nossas pesquisas em outros acervos
conseguirmos montar uma rede de informações sobre as disputas jurídicas entre trabalhadores e
patrões. E ao analisarmos estes processos entendemos que os trabalhadores e seus órgãos
representativos utilizaram o espaço da Justiça do Trabalho para lutarem pelos direitos que a
legislação social garantia e que grande parte do patronato local não estava disposta a atender. A
busca por indenizações, pagamento de férias, pagamento de salários atrasados, pagamento de horas
extras e reclamatórias contra demissões sem justa causa são exemplos das demandas apresentadas
da 1ª JCJ de Manaus pelos trabalhadores e trabalhadoras locais.

* * *

A cultura polí ca “glebarista”: entre homens de imprensa, discursos


polí cos e cons tuintes nos anos 30

Romulo Thiago Oliveira de Sousa**


129 Livro de Acórdão do Conselho Regional da Justiça do Trabalho da 8ª Região. Belém: janeiro a dezembro de 1942,
não paginado.
 Pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da UFAM (PPGH/UFAM)
com o apoio da CAPES e sob a orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** Mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas
(PPGH-UFAM) e professor de história pela Secretaria de Educação e Desporto do Amazonas (SEDUC-AM). E-mail:
thiarom@gmail.com

74
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

A ideia de existir um grande “vazio demográfico” no Amazonas foi constantemente


difundida em jornais e revistas que circulavam pela Manaós dos anos 30. Concepção disseminada
por literatos, intelectuais e políticos que não hesitavam em utilizá-la para fundamentar seus
argumentos, tendo em vista a percepção mais palpável dos leitores e daqueles que acreditavam ser
esta uma verdade irrefutável. Ditavam a necessidade de evitar o esvaziamento dos seringais,
ocorrido sistematicamente durante a década de 1920, consequência direta da retomada de
mobilidade dos trabalhadores extratores, sugerindo que houvesse políticas que os fixassem ao solo,
pondo em prática os projetos de colonização.
Álvaro Maia, talvez tenha sido a personalidade política mais proeminente nos anos aqui
estudados, pela sua trajetória política, seus discursos e ações de seus governos em relação ao
processo de ocupação do território, defesa da economia extratora e busca por soluções para fixar
trabalhadores ao solo. Álvaro Maia, para além de um governante foi partícipe na construção e
difusão de uma cultura política que viabilizou a elaboração e efetivação de ações governamentais
durante a década de 1930. Uma cultura política elaborada, conjuntamente, ao processo de
constituição de uma identidade regional das elites políticas e intelectuais que, ao se perceberem
diferentes das outras que possuíam privilégios primeiros, frente ao governo federal, expressavam
em textos publicados pela imprensa manauara suas indignações, ideais e imensa vontade de ser
parte constitutiva da Nação brasileira.
O processo de redemocratização, por meio da Constituinte de 1933-34, possibilitou que
representantes do Amazonas compusesse uma bancada, o que viabilizou a exposição de angústias e
temores que amedrontavam suas elites em tempos de crise da economia exportadora da borracha. 130
A bancada amazonense obteve atuações relevantes na Constituinte Federal, saindo em defesa dos
interesses econômicos da Amazônia.
Os projetos de ocupação da Amazônia, seja por meios que impossibilitassem o esvaziamento
dos seringais, impedindo a mobilidade de trabalhadores extratores ou por meios de planos que
incentivassem a imigração de “braços brasileiros” que deveriam ser fixados ao solo, levando adiante
o projeto de colonização do imenso território amazonense e representado como “demograficamente
vazio” em comparação aos demais estados da federação, tiveram pautas e discursos memoráveis na

130“(...) As culturas políticas(...) surgem em resposta aos problemas fundamentais enfrentadas pela sociedade em que
elas emergem e para os quais apresentam soluções globais. Assim é que as vemos surgir durante as grandes crises que
afetam o grupo.” BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. In: ___ Cultura política, memória e
historiografia / Orgs. Cecília Azevedo... [et al.] – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009; p.29-46, p.38.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Constituinte Federal de 1933-34, tal como o proferido por Álvaro Maia, que muito além de fazer
uma defesa dos seringueiros e da economia exportadora da borracha, advogou pela manutenção do
artigo 128 do anteprojeto da Constituição vindoura que versava sobre o processo de colonização e
fixação de trabalhadores ao solo.
Serge Berstein nos lembrou que as culturas políticas das elites são diferentes das culturas
políticas das massas populares, enfatizando que a diferença está em como ela é expressada e não o
fundo cultural em que vivem, que pode ser compartilhado por todos,131 sendo a imprensa, neste caso
particular, um dos meios como as elites amazonenses expressaram a cultura política “glebarista”.
A cultura letrada é o ponto que liga a História Cultural com a História Política, uma
explicação viável para os posicionamentos políticos de Álvaro Maia, que adquiriu grande capital
cultural junto ao mundo das letras, recheado de representações em relação ao Amazonas e ao povo
que aqui vivia, capital adquirido durante suas diversas fases de vida, dos anos aqui determinados, de
sua trajetória como professor, homem da imprensa e político.132 Esta é uma das tarefas aqui
empreendidas:
“compreender as motivações que levaram o homem a adotar este ou aquele
comportamento político (...). O estudo da cultura política, ao mesmo tempo
resultante de uma série de experiências vividas e elemento determinante da ação
futura (...) é um fenômeno individual (...) e um fenômeno coletivo.”133

Como o “glebarismo” ganhou adesão de indivíduos múltiplos e diferentes? Serge Berstein


nos permitiu analisar, ao afirmar que uma cultura política surge em resposta a um problema da
sociedade, tornando-se mais complexa ao longo dos anos e transformando-se, adaptando-se ao
desenvolvimento da própria sociedade. “Glebarismo”, o amor a terra, foi apenas a síntese deste
processo, se tornou uma cultura política quando ganhou a adesão de grupos importantes da
sociedade, após processos discursivos que pouco a pouco foram-se constituindo em problemas reais
que deveriam ser solucionados. Como bem afirmou Serge Berstein, foi “então, somente então, que
esta cultura política se tornou um dos móveis do comportamento político”,134 o “glebarismo”
pertenceu tanto ao tempo longo da tradição quanto ao tempo curto do fato presente.135 Em vista
disso, cultura política é a nossa principal chave de leitura para compreendermos os comportamentos

131BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: ____ Rioux e Sirinelli (org.). Para uma história cultural. Lisboa:
Estampa; 1998, p.349-363, p.353.
132BERSTEIN, Serge. A cultura política. op. cit.; p.359.
133BERSTEIN, Serge. A cultura política. op. cit.; p.359.
134BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. op. cit.; p.38 e 39.
135BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. op. cit.; p.41.

76
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

políticos que se caracterizam em sua complexidade e que estão no centro das representações e
realidades sociais do Amazonas dos anos 30.136
“Glebarismo” fez parte do conjunto de fenômenos políticos que expressavam a construção
de identidade regional. As elites políticas e intelectuais amazonenses dos anos 30 buscavam uma
justificação para a constituição desta identidade, evocando no passado “origens e mitologias”137 que a
legitimassem por referência a um suposto passado de dores e glórias, que pudesse validá-la,138 sendo
esse passado, muitas vezes, reelaborado. Contudo, “glebarismo” foi muito mais revelador sobre os
anseios dessas elites do que a busca pelo alinhamento com a realidade que foi representada nesse
passado.
Passado transmitido em processos formativos e escritos jornalísticos, além das experiências
de vida de memórias recentes que dispunham e que foram transmitidas através de instituições como
o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Ginásio Amazonense Pedro II e a própria
Associação Comercial do Amazonas em que transitavam esses indivíduos. 139 O Ginásio
Amazonense Pedro II, foi uma dessas instituições, no qual ocorria a elaboração e transmissão de
ideias dos professores e, ao mesmo tempo, espaço de apropriação pelas gerações de estudantes que
se formaram naquele ambiente. Serge Berstein expôs sobre os vetores pelos quais passam a
integração de uma cultura política, sendo a escola, o liceu e outras instituições que transmitem, às
vezes, de maneira indireta, as “referências admitidas pelo corpo social na sua maioria e que apoiam
ou contradizem a contribuição familiar. Vêm depois as influências adquiridas em diversos grupos
onde os cidadãos são chamados a viver.”140
As elites ao interpretar e representar a realidade amazonense em textos escritos, livros e
discursos141 que foram divulgados pela imprensa amazonense, além dos comícios políticos

136BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e historiografia. op. cit.; p.44.


137WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. op. cit.; p.24.
138WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. op. cit.; p.28.
139Os chamados espaços de socialização. MURANO, Luís Francisco. Nem inferno, nem paraíso; op. cit.; p.427; “O
processo de difusão de uma cultura política(...). É provável que isso se dê através dos canais numerosos e difusos da
socialização política. A família, o sistema de ensino(...), espaços de sociabilidade, os grupos ou associações e as mídias
vão aos poucos incutindo temáticas, modelos, argumentações, criando assim um clima cultural que prepara para
aceitar como natural a recepção de uma mensagem de conteúdo político.” BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e
historiografia. op. cit.; p.39.
140BERSTEIN, Serge. A cultura política. op. cit.; p.356.
141Tomemos o cuidado de não cometer o erro de achar que essas representações correspondam, de fato, a realidade
daqueles indivíduos, pensemos como Chartier asseverou que estas são “representações impostas por aqueles que
tiveram o poder de classificar e de nomear”. CHARTIER, Roger. O mundo como representação. In:___À beira da
falésia: a história entre incertezas e inquietude / Roger Chartier, trd. Patrícia Chittoni Ramos. – Porto Alegre: Ed.
Universidade / UFRGS, 2002, p.73.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

partidários que atraiam populares, apelavam para adesão de valores patrióticos,142 disseminando
muitos desses ideais que tiveram receptividade de diferentes formas, sendo apropriadas, 143a ponto
de também serem usadas politicamente.144 O “glebarismo” teve um motivo presente de ser, a crise, e
culpava todos os que não amavam a terra o suficiente para nela ficar e fazer com que superassem a
recessão. O amor à terra inspirou projetos políticos futuros para o Amazonas, que somente aqueles
que amassem o solo suficientemente, segundo a essência de “glebarismo”, é que seriam capazes de
colocá-los em prática.

* * *

142Um dos aspectos constitutivos das culturas políticas é a “adesão a valores (moral, honra, patriotismo).” MOTTA,
Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na apropriação de cultura política; op. cit.; p.29.
143Apropriação como definido por Chartier, “dos usos e das interpretações, relacionadas às suas determinações
fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os produzem”. CHARTIER, Roger. O mundo como
representação. op. cit.; p.68.
144“(...) vista de dentro, a função da cultura política é ainda mais decisiva (...) ela que constitui a base do
pertencimento político. É ela que leva o cidadão a se identificar quase instintivamente a um grupo, a compreender
facilmente seu discurso, a adotar sua ótica de análise, a partilhar de seus objetivos e esperanças (...) a cultura política
leva a uma verdadeira comunhão criadora de profundas solidariedades.” BERSTEIN, Serge. Culturas políticas e
historiografia. op. cit.; p.44.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Parte II – Simpósios Temá cos


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Além da diversão: Entre iden dades e sociabilidades das elites no

Ideal clube (Manaus, 1903-1920) *

Kívia Mirrana de Souza Pereira**

A presente comunicação integra a dissertação de mestrado, As elites se divertem:


sociabilidades e identidades dos clubes de elites em Manaus (1903-1920), onde debatemos sobre o
processo formativo dos clubes, associações e/ou sociedades recreativas na cidade durante o período
que culminou na chamada “Belle Époque Manauara”.
Durante a pesquisa, notamos que além do compartilhamento de práticas esportivas, literárias
e dançantes, do congraçamento de culturas e laços étnicos, classistas e grupais, ou do desfrutar do
tempo livre em conjunto, os segmentos elitistas utilizaram desses espaços para consolidação de seus
aspectos distintivos, afirmações e reconversões de seus capitais na busca por prestígios, carismas e
bases apoiadoras nos projetos pessoais, burocráticos ou estatais. Assim, podemos refletir que a
prática recreativa não forma um grupo a parte das vinculações e intencionalidades políticas, ao
contrário, como afirma Renné Remond, a história política é a própria modalidade da prática
social145, portanto, as múltiplas dimensões que envolvem o viver cotidiano podem relacionar o
recreio, o lazer e o esporte nos liames das redes e setores econômicos, políticos e sociais.
O debate sobre o processo de urbanização, crescimento da cidade no âmbito demográfico e o
projeto de modernização, posto no final do século XIX e início do século XX, são reflexos das
implementações aceleradas da industrialização nacional, avanço do capitalismo como modo de
produção e atributos do novo sistema político, o início do Período Republicano. Nesse momento, o
desejo de transformar Manaus na cidade “pomposa” e “cosmopolita” era audacioso e impulsionava
sacrifícios nas vivências urbanas com as lutas sociais e simbólicas nos modos de vida em prol do
modelo civilizador almejado pelas elites. A administração local assumiu o incentivo à política de
embelezamento da cidade e adotou uma política de construção de obras públicas, as elites locais se
consolidaram e puderam enraizar seus ideais em uma cultura local alicerçada na distinção e
desigualdades.

** Este trabalho intyegra a pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Mestrado em História do PPGH/UFAM com
apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Professora de História na Secretaria de Educação e Desporto do Estado do Amazonas (SEDUC). E-mail:
kivia.pereira@seducam.pro.br
145 RÉMOND, René. Por uma História Política, 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003, p.36.

80
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Paralelo com o crescimento urbano da cidade, novos atividades começam a ser


desenvolvidas. O início dos esportes, das diversões, danças, cinemas, teatros, corridas e jogos em
lugares públicos, como nas praças da cidade ou nos espaços restritos a isso, como os clubes e
associações recreativas fundadas com os objetivos de mostrar um novo estilo de vida e de uma nova
identidade, no qual ser “moderno” deveria cumprir requisitos básicos de expertise, entretenimento e
recreio.
A mudança ocorreu de forma tão rápida que basta considerarmos a primeira metade do século
XIX. Se qualificarmos que a Sociedade Recreação Amazonense (1854) foi uma das primeiras
entidades no desenvolvimento do recreio, podemos também perceber que depois de sua criação,
entre os anos de 1850 a 1870, apenas quatro outras sociedades foram criadas: a Sociedade Ipiranga
(1861), a Recreação Marítima (1868), a Sociedade Dramática Particular (1868) e o Clube Familiar
(1872). Essas agremiações, como representativas da sociedade e do tempo que foram fundadas,
tinham seu caráter e programações restritas aos setores privados e cívicos. Assim, bastou passar-se
cinquenta anos com os incentivos aos projetos de capitalizações e recursos culturais, econômicos e
arquitetônicos que o transcorrer de uma “maré de clubes” 146 passou pela cidade ao ponto de entre os
anos de 1900 e 1910 haver a criação de quarenta e quatro novo clubes, enquanto que os anos de
1911-1920, cento e dezessete novas agremiações foram fundadas. Comparando com os momentos e
cenários anteriores, o quadro desse crescimento fica assim posto:

Gráfico 01: Clubes, Entidades e Associações Recreativas fundadas em Manaus


(1854-1920)

Fonte: Gráfico elaborado pela autora com a investigação nos periódicos locais disponibilizados na Hemeroteca
Nacional Digital.

Assim, a vida na urbe chegou para uns como pública, moderna e prestigiosa, especialmente
para àqueles que desfrutaram as benesses da vida associativa no Ideal Clube, criado no conjunto de

146 A Federação. Manaus, 26 de setembro de 1900.


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clubes do início do século XX que eram incentivados pelo fetiche europeu de modernidade,
progresso e civilização por meio dos esportes, partidas dançantes e reuniões festivas.
No artigo, O Ideal Clube: um espaço de distinção, sociabilidades e associativismo das elites
em Manaus (1903-1920)147, pudemos verificar sobre a fundação e a propagação entusiasta do Ideal
Clube na cidade. O clube protagonizou as principais atividades recreativas, saraus dançantes,
eventos literários e encontros carnavalescos durante todo o século XX. Apesar de hoje está sobre a
tutela da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas (SEC) e não funcionar mais com a sua
esfera associativa, a agremiação marcou a cidade por agregar personagens políticos e dos segmentos
das elites em seu rol de sócios e diretores.
Fundado em 06 de junho de 1903, o Ideal Clube abriu as suas portas como um espaço
privilegiado para a reunião e diversão dos seus sócios. Desde esse momento, o espaço foi ocupado
por diretores que tinham lugares de destaque na sociedade manauara como os desembargadores, os
comerciantes, os militares, os contadores, os médicos, os professores e os empresários que além de
compor os segmentos das elites, também utilizavam-se dos salões do clube para estabelecer ou
estender os seus vínculos recreativos, pessoais e políticos. Dos 51 diretores catalogados entre os
anos de 1903 a 1920, pudemos estabelecer uma porcentagem representativa desses sócios no clube:
Tabela 1: Profissões e porcentagens elitistas dos diretores no Ideal
Clube (1903-1920)
Profissões Quantidade Porcentagem
Bacharéis de Direito 18 36%
Comerciantes 17 34%
Militares 8 16%
Contadores 3 6%
Professores 2 4%
Médico 1 2%
Gerente 1 2%
Fonte: Elaboração própria com as investigações sobre os diretores do clube nos periódicos.

A tabela tem o intuito de mostrar quem eram as elites que faziam parte do clube e o
caracterizava como um espaço elitista, evidenciando, assim que os recursos financeiros ou os
capitais políticos e econômicos não são os únicos fatores que agregam status e prestígios para esses
segmentos.

147 PEREIRA, Kívia Mirrana de Souza. O Ideal Clube: um espaço de distinção, sociabilidades e associativismo das
elites em Manaus (1903-1920), p. 351. In: V Encontro Estadual de História - Trabalho, Direitos Sociais e
Democracia no Brasil e na Amazônia [Anais 2020 – Livro digital] / César Augusto Bubolz Queirós; Francisca Deusa
Sena da Costa; e Leandro Coelho de Aguiar (Orgs.). - 1. ed. - Manaus: ANPUH -AM; Universidade Federal do
Amazonas, 2020.

82
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Participar da vida recreativa do Ideal Clube poderia, à primeira vista, significar apenas fruir
das atividades ofertadas como danças de salão ou exercícios desportivos. Mas se olharmos para o
conjunto de associados, notaremos que essas práticas desnudam privilégios e distinções usufruídas e
expressos por esse grupo desde a vida cotidiana mais habitual, até, enfim, ser representada e
experenciada na vida associativa.
Essa forma de representação e afirmação social ficam evidentes nas palavras de Antonaccio,
ao se referir sobre a preferência da elite pelo Ideal Clube, pois este estabeleceria o elo da pirâmide
configurada pelo homem, seus valores e projeções na busca explícita pelo reconhecimento por parte
da sociedade a qual pertence. Este conjunto de aspirações seriam, assim, marcos distintivos dos
associados, das suas identidades e lógica de pertencimento ao clube:
E todo homem bem sucedido financeiramente deseja ser reconhecido pela
sociedade, porque começa a perceber que existem diferenças fundamentais entre
riqueza, poder e prestígio. A riqueza, o homem conquista dignamente pelo
trabalho, pela herança da família, ou por meio de outras formas convencionais
aceitas pelos princípios éticos e morais; o poder, já diz a lei – emana do povo e a
sua forma tradicional de conquista, quando não vem da monarquia ou por outras
formas de sucessão sem a participação direta do povo, vem por escrutínio, pela
nomeação de cargos públicos ou pela liderança do indivíduo habilidoso, ao assumir
alguma atividade; o prestígio – maior conquista pessoal do ser humano é mais
difícil de alcançar. O prestígio depende da atuação do homem em sociedade, de
seu carisma como pessoa humana, de muita simpatia física e espiritual, de
suas virtudes universais emanadas da dedicação aplicada a uma ou várias
atividades. Tem tudo a ver com o caráter e a personalidade [grifo nosso].148
A partir da afirmação de Antonaccio, podemos compreender o interesse por pertencer a um
clube como o Ideal enquanto estratégia – deliberada ou não – de conquistar distinção,
reconhecimento e notoriedade. O prestígio, como sinal de carisma, dependia dos discursos e
práticas que buscavam valorizar os empenhos, os talentos, os valores e as virtudes individuais
daqueles que ocupavam os espaços econômicos, políticos, administrativos, financeiros e/ou
comerciais e que terminavam por definir quem pertencia às elites. Ainda mais, tinham um claro
objetivo de promoção social por meio do luxo, vigor e influência assim como implicava na
obtenção de aceitação em determinado espaço.
Era nos saraus, nas partidas dançantes e nos torneios que se cumpriam o grau de notoriedade
e recrutamento. Por meio desses eventos, oferecidos exclusivamente às elites, tinha-se o convite
para associar-se ao clube, que desde o início estabelecia a função social de cumprir um “padrão de
glória conquistado para a história da esperançosa sociedade” 149. Para a conquista desse
148 ANTONACCIO, Gaitano Laertes Pereira. Ideal Clube de 06-06-1903 a 06-06-2003: Um século de aristocratismo.
Manaus: Imprensa Oficial, 2003, p. 31.
149 Jornal do Comércio. Manaus, 18 de novembro de 1904.
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reconhecimento, haveria a necessidade de deveres, entre eles os pagamentos de mensalidades e


joias associativas de alto valor. Não é de se estranhar que a garantia de uma boa imagem estivesse
alinhada à afirmação de um grau financeiro. Desta forma, estabeleceu-se com as mensalidades o
padrão distintivo entre aqueles que poderiam pagar a quantia de um conto de réis150 e aqueles que não
poderiam pertencer ao clube. Contudo, esse requisito não estava isolado, pois para se associar a
muitos clubes de elites, uma vez que permear em seu bojo significava evidenciar as características
de um indivíduo distintamente referenciado e requintado em busca de prestígios, deveria cumprir a
primeira condição essencial para admissão de sócio efetivo e adventício: gozar de reconhecido
conceito, exercer uma profissão lícita habitual e ser maior de 18 anos151.
Essas atribuições para pertencer ao clube serviram como uma pré-seleção de quem poderia
agregar e se vincular na associação. As próprias táticas de recrutamento tinham como objetivo
indicar os sócios que estavam aptos a pagar tanto o valor como também àqueles que tinham capitais
de influência garantidos na sociedade manauara por meio das suas redes de contato, influência,
associativismo e relações que ultrapassavam os motivos e razões burocráticas. Os sócios e diretores
do Ideal Clube, ao se vincularem em associações que presavam por representações distintivas,
conseguiam projetar e fortalecer os projetos que acreditavam. Dentre algumas redes formadas,
destacamos as Associações, Mutuais e Cosmopolitas, as Associações ligadas ao Comércio, as
Associações filantrópicas, as Instituições educacionais e do letramento, os Partidos Políticos, as
redes religiosas, as Sociedades de recreios ou esportivas, as Sociedades Étnicas e as Sociedades
Fraternais.
Desse modo, as mobilizações em torno dos atos e as caraterísticas das estratégias utilizadas
evidenciam que as elites não estão fechadas em seus âmbitos econômicos ou estatais, ao contrário,
as redes tecidas com trinta e sete outras agremiações que fechavam parcerias através dos diretores
do Ideal Clube mostram que os segmentos das elites utilizam do próprio modo e estilo de vida para
se multiplicar e recrutar tanto pessoas como projetos para seus fins e usos na garantia dos poderes,
valores e ideologias que representavam. Com essa estratégia, as atividades recreativas eram apenas
um motivo simbólico para unir as elites que galgavam e fortaleciam seus espaços além da diversão.

* * *

150 Estatuto do Ideal Club. Manaus, 26 de janeiro de 1915.


151 Estatuto do Ideal Club. Manaus, 26 de janeiro de 1915.
84
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

A Associação Comercial do Amazonas (ACA) e as disputas polí cas no


Estado do Amazonas (1950-1958)*

Nadyme Rebelo de Souza**

Em 1954, Plínio Ramos Coelho (PTB) é eleito governador do Amazonas, representando


uma ruptura com os governos anteriores, mas sobretudo, confirmando o rompimento político com o
pessedista Álvaro Maia, ex-governador e importante político amazonense. Neste sentido, acentua-se
uma série de disputas com o Executivo e o patronato local, que preocupados com uma política
aproximada dos movimentos sindicais, pressionam o governo do petebista.

No limiar desses processos, é necessário perceber as ligações partidárias destes grupos que
motivam essas disputas. A Associação Comercial do Amazonas (ACA), tendo um grupo influente
de empresários e políticos, é indispensável para compreender essas complexidades e muito pode
contribuir na investigação, principalmente, no que tange às alianças e vínculos partidários dessas
lideranças patronais e as relações com a ACA.

A década de 1950: contextualização

A década de 1950 no Amazonas é pouco aprofundada pela historiografia, o que deixa uma
lacuna sobre os processos políticos deste período. No entanto, existem algumas pesquisas que,
mesmo não tendo este mesmo recorte temporal e esses processos, mostram aspectos que podem ser
analisados, ajudando a desvendar a complexidade das relações políticas no contexto do pós-Estado
Novo.

Para estudar a Associação Comercial do Amazonas (ACA), buscando identificar a


vinculação partidária de seus membros a fim de tentar compreender os embates políticos com o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), especialmente durante o primeiro governo de Plínio Ramos
Coelho (1954-58), nos delimitamos a investigar o Jornal do Commercio, pertencente ao órgão dos
Diários Associados, que possui vasta documentação e números desde a eleição de 1954 e atas de
reuniões semanais da ACA. Busca-se analisar quem eram os membros da ACA, suas vinculações e
compromissos partidários, sua participação nos embates políticos que vão se acentuando a partir do

** Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H/0204/2019, com apoio do XXX e sob orientação do Prof. Dr.
César Augusto B. Queirós.
**** Graduanda do curso História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: nadymerebelo@gmail.com
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rompimento de Plínio Ramos Coelho (PTB) com Álvaro Maia (PSD), e sua vitória eleitoral em
1954, que representa uma ruptura da estrutura política construída nos mandatos do pessedista.

Neste sentido, se debruçar sobre a formação e atuação da Associação Comercial do


Amazonas (ACA) tem fundamental importância para compreender esses processos. Fundada em
1871 por comerciantes de bastante prestígio econômico e político, a associação possuía em sua
composição: portugueses, ingleses, alemães, além dos regionais, que eram importantes
comerciantes da borracha, empresários e, também, alguns poucos proprietários de fábricas. Seu
primeiro presidente foi José Coelho de Miranda Leão, um influente e rico comerciante do
Amazonas. Neste contexto do fim do século XIX, um período marcado pela economia centralizada
no comércio da borracha, a ACA surge com o intuito de fazer frente ao governo “para se criar
estruturas para às novas exigências comerciais da dinâmica da borracha” 152, buscando
representatividade diante do poder governamental e juntando linhas de comunicações com a política
regional. Desse modo, para divulgar seus posicionamentos e ideias sobre os aspectos econômicos e
a questão do trabalho, esses empresários fundam a revista da ACA.

A Associação Comercial do Amazonas e esse grupo de associados, segundo Alexandre


Nogueira Avelino, em O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A revista Associação
Comercial e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919), era “composto
basicamente pelos proprietários das casas de comércio, donos de seringais e aviadores” 153, que
“soube elaborar um projeto ideológico baseado nas incertezas da economia da borracha no começo
do século XX e na deficiência produtiva do extrativismo da borracha que garantisse, acima de tudo,
o maior controle sobre a força de trabalho (...)” 154, ou seja, uma elite que, enriquecida pela prática
extrativista pretendia, através da revista da associação, manter o prestígio e projetar os seus ideias
sobre o trabalho.

A intenção é investigar quais são as lideranças da ACA e seus vínculos partidários,


sobretudo ligados ao PSD de Álvaro Maia e à UDN, além dos embates com o PTB, que no governo
de Plínio Coelho, gerou uma série de confrontos com a elite tradicional que pensava o
fortalecimento econômico através do extrativismo, mas não somente isso, os embates se davam

152 DUARTE, Jéssica Cristine de Jesus. Trabalho e cidade em Manaus nos anos de 1930: o patronato e as relações de
trabalho. Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), 2015, p. 15.
153 AVELINO, Alexandre Nogueira. O Patronato Amazonense e o Mundo do Trabalho: A Revista da Associação
Comercial e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919). Alexandre Nogueira Avelino. Manaus:
[s.n.], 2008, p.09. (tese de mestrado)
154 Idem. p. 9.
86
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

pelas oposições políticas dessas lideranças. No artigo intitulado O Trabalhismo de Plínio Ramos
Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas, Queirós ilustra o embate de Plínio Coelho com a nova
direção da ACA, que foi assumida por Isaac Benayon Sabbá, um membro da UDN, oposição ao
PTB, gerando um desgaste na política de Coelho.155

Neste contexto de redemocratização em que o Brasil se encontrava, é de suma importância


compreender os processos políticos locais em suas organizações partidárias e a complexidade das
alianças, embates e coligações formadas nesse ínterim. É fundamental conhecer essas figuras
políticas para compreender suas trajetórias e impactos na história política do Amazonas.

Na década de 1930, estava em ascensão Álvaro Botelho Maia, que viria a ser um
importante nome da política no estado do Amazonas. Maia obteve notoriedade por “sua capacidade
de se tornar porta voz dos anseios de mudança que a conjuntura política nacional reclamava e que
reverberava no âmbito local”156. Em 1930, Maia é nomeado primeiro Interventor do Amazonas pelo
Governo Provisório de Getúlio Vargas, embora parecesse alinhado ao projeto político varguista,
Maia governou de acordo com a dinâmica do seu contexto, conciliando com as oligarquias e a
classe conservadora amazonense, sendo apoiado pela ACA devido à valorização ao extrativismo e à
borracha157, ao mesmo tempo que, dialogava com os interesses da interventoria. O mandato de
Álvaro Maia na interventoria durou oito meses. 158

Eleito de forma pela Assembleia Legislativa em 1935, após o golpe do Estado Novo, Maia
manteve-se no poder como interventor, permanecendo até 1945. Durante o período de
redemocratização, Álvaro Maia contribuiu para a formação do Partido Social Democrático (PSD) o
qual viria a se eleger senador no mesmo ano159 e consolidar certa importância do partido na política
amazonense. Contudo, na década de 1950, sua influência política passa a declinar após a vitória de
Plínio Coelho no pleito de 1954, representando o PTB e derrotando Rui Araújo que vinha

155 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas.
Revista Mundos do Trabalho, Santa Catarina, v. 8, n. 15, p. 55, 2016.
156 RAMOS, 2010, p. 13 apud PIO JUNIOR, 2015, p 32
157 Ver PIO JUNIOR, Amaury Oliveira. O Trabalhismo no Amazonas: o periódico Tribuna Popular como
instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”. p. 35.
158 O curto mandato se deu devido a divergências com o Tribunal de Justiça, Maia queria dissolver o tribunal mas, foi
aconselhado pelo governo federal a repensar tal atitude - o qual se negou fazer - diante da negativa, foi exonerado do
cargo em julho de 1931. PIO JUNIOR, 2015, p. 36-37.
159 Brasil, CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação História Contemporânea do. ALVARO BOTELHO MAIA |
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Consultado em 23 de julho de
2020.
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representando a coligação entre o PSD, UDN, PDC e PTN160. Nesta eleição, Maia se candidatou
para o senado, mas perdeu para Cunha Melo.

ACA e tensões com o Poder Executivo: uma perspectiva do Jornal do Comercio

No início da década de 1950, a ACA permanece no ramo da borracha e outros negócios


como a madeira, juta, produtos alimentícios: pirarucu, frutas e outra iguarias regionais; plantas e
peles161. Embora a economia não estivesse em pleno desenvolvimento nesse período, havia uma
pressão por parte do patronato tradicional em insistir no extrativismo. Em contrapartida, o governo
de Plínio Coelho passava por um processo de industrialização da economia, o que causou
desavenças entre o governador e a nova direção da ACA, presidida então, pelo udenista Isaac
Benayon Sabbá no biênio de 1957-58, ou seja, assumia a presidência da ACA um membro do
partido de oposição ao governo de Coelho162. Diante desta tensão, Plínio toma uma série de medidas
contra a entidade que, acaba por enfraquecê-lo ainda mais politicamente.

O então governador já havia se indisposto com o Poder Legislativo em março de 1956


quando pressionou, segundo a notícia veiculada pelo Jornal do Commercio, os deputados a votarem
em seu candidato para presidência da Assembleia Legislativa, o sr. Edson Stanislau Afonso. Nesta
ocasião, foi acusado de tentar promover um golpe político, já que havia ameaçado cortar os
subsídios dos deputados por sete meses.163

Em abril do mesmo ano, as tensões no governo de Coelho se intensificam e passa a ser


publicado na imprensa o drama que vinha sofrendo a ACA. Segundo o Jornal do Commercio, em
sua primeira página, a motivação da perseguição do governador era de caráter político e pessoal,
sobretudo por um projeto apresentado na Assembleia Legislativa do Estado pelo deputado Marques
da Silveira, que visava transferir o meio por cento da verba direcionada à ACA para o Sindicato das
Indústrias de Extração da Borracha. Tal projeto foi recebido com descontentamento, já que seu
autor era um seringalista, um homem do interior, portanto próximo da associação e deveria
“amparar o seu gremio, mediante a apresentação de um projeto criando outra taxa a seu favor, e
nunca procurando retirá-la [...]”164 ao invés de servir aos interesses do governo.
160 QUEIRÓS. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas. 2016, p. 52.
161 Jornal do Comercio, Manaus, 1 de jan de 1951.
162 FERREIRA FILHO, Cosme. Associação Comercial do Amazonas: primeiro centenário da ACA. Ed. Umberto
Calderaro, 1971 apud QUEIRÓS, 2016. p. 55.
163 Jornal do Comercio, 10 de março de 1956, ed. 14016, p. 6.
164 Jornal do Comercio, 13 de abril de 1956, ed. 14044, p. 1.
88
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Na mesma edição do jornal, outro texto em defesa da Associação Comercial do Amazonas


é publicado. Este se refere ainda ao projeto de Marques da Silveira e sobre a perseguição da
Secretaria de Economia e Finanças contra a ACA, abordando um tom quase melancólico e incisivo
sobre o que vinha sofrendo o grêmio, apesar de toda sua história e trajetória de apoio mútuo com
governos anteriores. O texto destaca a importância da propaganda para divulgar o comércio e como
seria prejudicial o corte de meio por cento da taxa, visto que essa taxa era destinada justamente para
a propaganda. Decepcionado pela peleja inglória 165, finaliza “A harmonia cede lugar aos
entrechoques e a paz à discordia - Pano de amostra para quem tanto se iludiu com as esperanças
sonhadas em 3 de outubro de 1954…”166

Se debruçar sobre os estudos da política amazonense é se deparar com um emaranhado de


nuances e contradições. Essas disputas pela hegemonia do poder se dão de diversas formas e é de
suma importância analisar essas problemáticas estando atento às fontes e o que elas têm a nos dizer
a partir das nossas indagações. É fato que para melhor visualizar esse período, faz-se necessário
buscar mais fontes, afinal todos esses processos causam impactos a longo prazo, vide as
perseguições políticas que Plínio Coelho sofreu em seu segundo mandato anterior ao Golpe de
1964. Compreender a história política amazonense é compreender como esses políticos se
estruturam e permanecem no quadro estadual, ora mantendo alianças, ora não.

* * *

165 Idem.
166 Ibidem, p. 2. A data faz referência à eleição, na qual, Plínio Coelho venceu Ruy Araújo.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Os trabalhadores e suas associações sindicais no golpe civil-militar no


Amazonas (1961-1964)*

Thaieny Gama Barata**

O golpe civil-militar no Brasil foi acompanhado de uma intensa repressão aos sindicatos e
suas principais lideranças. Em 1962, no contexto de grande efervescência sindical e de grande
agitação dos trabalhadores, foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). O CGT é criado
a partir de três Confederações: a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Marítimos, Fluviais e Aéreos
(CNTTMFA) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito (Contec).
O CGT será a principal liderança nas lutas dos trabalhadores brasileiros. Sua fundação ocorre
após um momento político e econômico conturbado, marcado pela renúncia do presidente Jânio
Quadros e pela posse – que só ocorreu em virtude da mobilização que impediu a realização de um
golpe já naquele momento – de seu vice, João Goulart. É importante ressaltar o papel
desempenhado pelos trabalhadores na mobilização que garantiu a posse de Jango: com a renúncia
de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, e a ausência de João Goulart – que estava em visita
diplomática à China-, o Congresso Nacional empossa o presidente da Câmara, Ranieri Mazzili. Três
dias depois, os militares encaminham ao Congresso um documento vetando a posse de João
Goulart, o que levou a uma intensa mobilização das forças progressistas e à deflagração de uma
greve conclamada pelo movimento sindical a fim de garantir a posse de Jango.
Com a deflagração do golpe civil-militar, a maioria dos dirigentes do CGT é presa de
imediato. Durante o mês de abril, sindicatos, federações e confederações vinculados ao CGT
sofreram intervenção: cerca de 350 sindicatos, 22 federações e as seis confederações de
trabalhadores tiveram nesse período suas diretorias destituídas, sendo que muitos dos antigos
dirigentes sindicais foram presos, outros se exilaram e houve mesmo os que desapareceram sem
deixar vestígio. E no Amazonas? Como esse processo se desenvolveu?
Compreender a atuação dos trabalhadores amazonenses e de suas associações durante os
momentos que antecederam a eclosão do golpe civil-militar de 1964 é o objeto principal dessa
pesquisa.

** Pesquisa desenvolvida no âmbito do PIBIC/UFAM, sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Graduanda do 9º período do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Amazonas.
90
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

E como era o cenário político amazonense antes do golpe civil-militar? O ponto de partida
para apresentar o cenário político amazonense vai no período de 1947 a 1960 a partir da transição
do Estado Novo para o reestabelecimento do estado democrático. O fim do Estado Novo se dá após
a queda do presidente Getúlio Vargas em 1945. O calendário das novas eleições estava previsto
para 02 de dezembro e o candidato, general Eurico Gaspar Dutra (PSD – Partido Social
Democrata), recebeu apoio de Getúlio Vargas. Surpreendendo a oposição (UDN – União
Democrática Nacional), o general Dutra se elege a presidência da república assumindo em janeiro
de 1946.
Neste período, a Assembleia Constituinte também foi convocada. Para representar o Estado
do Amazonas na Assembleia Nacional Constituinte de 1946 foram eleitos: os senadores Álvaro
Maia (orientado pelo governo federal para organizar o PSD na região e dar apoio a Getúlio Vargas
no processo de transição do Estado Novo para o estado democrático. Álvaro Maia torna-se um dos
fundadores do PSD no Amazonas) e Valdemar Pedrosa (PSD); os deputados federais: Leopoldo
Peres, Pereira da Silva e Cosme Ferreira pelo PSD; Severiano Nunes pela UDN e Leopoldo Neves
pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).
O primeiro governador eleito do Amazonas após o retorno do período democrático foi o
Leopoldo Amorim da Silva Neves em 1947. Segundo Queirós167, Leopoldo Neves “elegeu-se por
uma aliança esdrúxula entre o seu partido (o PTB) e a UDN (União Democrática Nacional)”. Para a
vaga de Senado, foi eleito o Manuel Severiano Nunes. Essa aliança partidária se constituiu com o
objetivo de quebrar a presença de Álvaro Maia que anteriormente dominou o cenário político no
Amazonas.
Leopoldo Neves demorou a assumir o cargo porque os seus adversários políticos contestaram
sua vitória, por isso, nos meses de fevereiro a maio, João Nogueira da Mata governou o Estado do
Amazonas. Também não encerrou seu mandato devido sua saída para concorrer a vaga de
Senador.168
A aliança ocorrida entre PTB e UDN para a eleição de Leopoldo Neves se desfaz por conta de
descontentamentos dos membros do próprio PTB ao governo do estado, resultando de forma
negativa para a ascensão dos petebistas na política amazonense. Esse rompimento procederá ao
retorno de Álvaro Maia a governança.169

167 QUEIRÓS, Cesar. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no Amazonas. Revista Mundos
do Trabalho, volume 8, número 15, 2016, p. 49-65.
168 Ibidem, p. 49-65.
169 FIGUEIREDO, Aguinaldo. História do Amazonas. Editora Valer, 2011.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Nas eleições seguintes a governador do Estado do Amazonas em 1950, o PSD e o PDC


(Partido Democrata Cristão) formaram uma aliança denominada como Frente Libertadora.170
Nessas eleições, Álvaro Maia utilizou o slogan “o libertador” de acordo com a aliança Frente
Libertadora, com o intuito de propagar que sua saída do governo do estado acarretou em grandes
problemas que avançavam pelos anos sem soluções plausíveis. Por isso, o slogan traduziria a
necessidade de seu retorno ao poder.
Nas eleições de 1950 Getúlio Vargas foi eleito à Presidência da República, marcada pelas
estratégias de viagens aos estados na perspectiva de “garantir a lealdade dos chefes da máquina
política montada pelo PSD no campo e ao mesmo tempo construir uma base sólida”.171
O retorno de Getúlio Vargas e de Álvaro Maia, agora por meio do regime democrático, se dá
devido à ausência de alternativas ao projeto da nação que não se constituíram nesse processo
político. Dessa forma, a sucessão presidencial torna-se uma continuidade do sistema anterior e a
pressão da opinião pública foi primordial para o retorno de Maia.
Nas eleições de 1954, Plínio Ramos Coelho torna-se governador do Estado do Amazonas pelo
PTB. Nesse período, há grandes mudanças destacadas como: melhoria no método de arrecadação
fiscal, reorganização da economia extrativista, nova tributação para o comércio, criação do Banco
do Estado do Amazonas, melhoria na urbanização da cidade de Manaus com abertura da estrada
intermunicipal de Manaus e Itacoatiara e outros.172
A eleição de Plínio Ramos Coelho representou uma ruptura com o poder que se consolidara
no estado do Amazonas. Com isso, havia um desconforto das elites locais com o novo governador,
pois sua proximidade com o meio sindical ameaçava as elites no poder.173
O sucessor de Plínio Ramos Coelho em 1958, indicado pelo PTB, foi o Gilberto Mestrinho.
Gilberto Mestrinho não se mostrou versátil quanto seu antecessor e suas ações voltavam-se para a
época de eleição como distribuição de brinquedos para crianças em época de Natal, limitação da
ação de jornais de oposição ao seu governo, apoios aos concursos de miss e investimento em
artistas do circuito do rádio.174

170 QUEIROS, loc. cit. p. 49-65.


171 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. Fundação de
Desenvolvimento da Educação, 1995, p. 404.
172 FIGUEIREDO, op. cit. p. 143.
173 QUEIROS, op. cit. p. 53.
174 FIGUEIREDO, op. cit. p. 144.

92
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Porém, o governo de Gilberto Mestrinho afirma o trabalhismo tão quanto o governo de Plínio
Ramos. A consolidação do trabalhismo se intensifica com o fortalecimento das relações do governo
com lideranças sindicais, principalmente os estivadores.175
Mesmo assim, nas eleições de 1962, Plínio Ramos Coelho retorna a governança do estado
apoiado pelo PSD e UDN. Com isso, percebemos a alternância de poder de um grupo político e o
retorno de outras figuras políticas do período do Estado Novo no cenário político amazonense.
Organização Sindical Amazonense

A Organização Sindical Nacional no Brasil, que reuniu diversos sindicatos brasileiros, se


organizou a partir de lutas e conquistas dos sindicalistas ligados ao PCB (Partido Comunista do
Brasil) e ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Essa organização denominou-se como CGT
(Central Geral dos Trabalhadores) e foi responsável por centralizar as decisões para as greves
trabalhistas no período que antecedeu o golpe civil-militar.

No Amazonas, os trabalhadores também se organizam em sindicatos de acordo com as


categorias de trabalho. Mantinham relações com as lideranças a nível nacional que normalmente
recebiam a visita do presidente ou de algum membro da presidência sindical.

Um exemplo dessa relação é a presença do Dr. Dante Pelarcani da Federação Nacional dos
Gráficos, em uma Conferência na Casa do Trabalhador, com os associados do Sindicado dos
Trabalhadores das Indústrias Gráficas de Manaus, com o objetivo de debater os problemas dos
interesses sindicais. A partir disso, observamos a relação que os sindicatos amazonenses
estabeleciam com os sindicatos nacionais.176

A Casa do Trabalhador do Amazonas que se localizava na Rua Marcílio Dias, Centro de


Manaus, era um espaço que os sindicatos se encontravam para suas reuniões e deliberações.

O Jornal do Comércio informava sobre as delegações locais dos sindicatos que participariam
das Assembleias Nacionais Sindicais.177

As manchetes do Jornal do Comercio em 1960 destacavam as convocações para as


assembleias dos sindicatos com intuito de eleger novas diretorias. Como por exemplo, o Sindicato
dos Despachantes no Estado do Amazonas.178

175 QUEIROS, op. cit. p. 57.


176 Jornal do Comércio, 29 de outubro de 1959.
177 Ibidem, 15 de novembro de 1959.
178 Ibidem, 14 de janeiro de 1960, p. 03.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Além disso, os sindicatos convocavam seus sindicalistas para o pagamento do imposto


sindical, como o Sindicato da Industria de Cerveja e Bebidas em Geral de Manaus e o Sindicato do
Comercio Varejista no Estado do Amazonas.179

Em 1960, algumas denúncias a Sindicatos foram registradas nas manchetes do Jornal do


Comercio, como o Sindicato dos Vigias do Porto de Manaus sobre o vazamento dos canos de
esgoto da embarcação “Mauá” que transportava trigo180. As greves que aconteciam em sindicatos de
outros estados brasileiros foram destacadas no Jornal do Comercio na coluna “Noticiário dos
Estados”.

No final do ano de 1960, o Amazonas aderiu ao movimento paredista do Sindicato dos


Aeroviários. O Sr. Márcio Correa de Albuquerque, delegado do Sindicato Nacional dos
Aeroviários, foi o incentivador e convenceu seus pares amazonenses a adesão da greve. A pauta
reivindicatória era o aumento salarial. 181

Em 1961, as notícias sobre os sindicatos também eram voltadas sobre o pagamento de


imposto sindical e as convocações para as assembleias eletivas de novas diretorias. Há uma
publicação convocatória do Diretório dos Estudantes da Escola Técnica de Comércio Solon de
Lucena para uma manifestação em repúdio ao Sindicato dos Condutores Autônomos de Rodoviários
de Manaus que propusera o aumento de 100% na tarifa do transporte coletivo. A liderança do
diretório, Joaquim dos Santos, articulou com os estudantes secundaristas o ato.182

As Classes Operárias movimentavam-se em 1961 para apoiar a Companhia de Eletricidade de


Manaus (CEM), que buscava junto ao Presidente Jânio Quadros liberar as dotações restantes da
companhia. Essa articulação também foi noticiada pelo Jornal do Comercio.183

O Sindicato dos Estivadores convocou seus sindicalistas para uma Assembleia Geral
Extraordinária cuja pauta seria a discussão sobre a viagem do presidente do sindicato ao Rio de
Janeiro para o encontro da Federação Nacional dos Estivadores. Nesta assembleia, os associados
discutiriam sobre os reajustes salariais e os direitos da Previdência Social.184

179 Ibidem, 02 e 03 de janeiro de 1960.


180 Ibidem, 17 de fevereiro de 1960.
181 Ibidem, 15 de dezembro de 1960.
182 Ibidem, 13 de janeiro de 1961.
183 Ibidem, 12 de fevereiro de 1961.
184 Ibidem, 14 de janeiro de 1961.

94
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Essa convocação no Jornal do Comercio aponta as articulações e presença dos representantes


sindicalistas amazonenses nos encontros nacionais dos Sindicatos. O que reforça que os sindicatos
participavam das deliberações nacionais.185

37 sindicatos identificados no Jornal do Commercio e suas respectivas lideranças


Data de Publicação
Sindicato Lideranças
Jornal do Comercio
Sindicato dos Trabalhadores das
Aviz do Amaral Valente 27/09/1959, p. 02
Industrias Gráficas de Manaus
Companhia Nacional das Borrachas Cosme Ferreira Filho 30/09/1959
Sindicato dos Empregados Bancários Armando dos Santos Teixeira 1959
Sindicato dos Operários Metalúrgicos David Macdonald 18/10/1959
João Pinto Monteiro Neto 29/10/1959
Sindicato dos Empregados no Comercio
Deputado Junot Carlos
de Manaus 13/01/1959, p. 04
Frederico
Sindicato dos Representantes Comerciais
Danilo Mattos Areosa 29/11/1959
de Manaus
Deputado Arlindo Porto
05/12/1959
Sindicato dos Jornalistas Profissionais Milton de Magalhães Cordeiro
– 1º secretário
Sindicato das Indústrias de Extração da Francisco das Chagas
15/01/1960
Borracha Leopoldo
Sindicato dos Oficiais Marítimos Francisco Balbino da Silva 24/12/1959
Sindicato da Industria de Cerveja e
Dr. Dioclecio Correia 02/01/1960, p. 03
Bebidas em Geral de Manaus
Sindicato do Comercio Varejista no
Miguel Jorge 03/01/1960, p. 02
Estado do Amazonas
Sindicato do Comercio Atacadista no
Felipe Abrahim 05/01/1960, p. 03
Estado do Amazonas
Sindicato dos Despachantes no Estado do
Arnobio Peixoto Valente 14/01/1960, p. 03
Amazonas
Sindicato dos Empregados no Comercio
Francisco Washington 31/01/1960
Hoteleiro de Manaus
Associação Profissional dos Operadores
e Empregados em Empresas Exibidoras Carlos Amorim Pereira 22/02/1960
Cinematográficas de Manaus
Sindicato das Empresas de Navegação Pablo Severino de Rezende
24/03/1960, p. 06
Fluvial no Estado do Amazonas Machado
Sindicato dos Estivadores de Manaus Antogildo Pascoal Viana Março 1960
Sindicato dos Trabalhadores nos
Manoel Amâncio de Oliveira 08/04/1960
Serviços Portuários de Manaus
Associação dos Agrônomos e Dr. Antonio de Castro
12/04/1960, p. 05
Veterinários do Amazonas Carneiro

185 Ibidem, 14 de janeiro de 1961.


LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Sindicato do Comercio Atacadista de


Antonio Jorge da Silva Junior 24/06/1960, p. 04
Louças, Tintas e Ferragens de Manaus
Sindicato da Industria de Serrarias,
Carpintarias e Tanoarias no Estado do José Mathias Nov/1960
Amazonas
Sindicato dos Condutores Autônomos de
Antonio Loureiro Marques 25/12/1960
Rodoviários de Manaus
Sindicato dos Portuários Manoel Amancio de Oliveira 19/01/1961
Sindicato dos Trabalhadores em
Manoel Rodrigues da Silva 1961
Construção Civil
Sindicato dos Bancários Napoleão Lacerda 02/01/1964
Sindicato dos Contabilistas do Estado do
Orlando de Lemos Falcone 02/03/1961
Amazonas
Sindicato dos Panificadores Antonio Simões 16/03/1961

* * *

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Povo de fibra: mundos do trabalho no universo da juta (Baixo Amazonas:


1940...)*

Franco Lindemberg Paiva dos Santos**

No senso comum, é muito difundido nos centros urbanos da Amazônia, especialmente os de


grande porte como Manaus, a ideia de que o povo da várzea é incapaz de se envolver em uma rotina
de trabalho mais sistemática - popularmente preguiçoso - e por isso se autocondena a uma vida de
miséria com poucas opções de crescimento humano e social. Ao longo de nossa pesquisa,
conseguimos perceber que isso não passa de uma imagem preconceituosa de quem não conhece a
rotina desse local e, portanto, não sabe como vivem essas pessoas.

Também percebemos que existe uma espécie de senso comum acadêmico, que, traçando um
paralelo com os padrões dos moradores do campo em outras partes do Brasil e, em muitos casos
limitado a uma chave de leitura estruturalista, enxergava essas pessoas como “pobres coitados”,
“vítimas passivas” de um perverso sistema de exploração econômica, que os amarrava em seus
tentáculos e os condenava a essa vida de miséria.

O que foi possível perceber através das narrativas dos sujeitos de nossa pesquisa, somando ao
que algumas produções recentes têm apontado, é que os moradores da várzea são pessoas com
potencial produtivo imenso e com padrões culturais perfeitamente adaptados à dinâmica desse tipo
de lócus, o qual tem como destaque os ciclos de enchente-cheia e vazante-seca, extraindo deste
ambiente o máximo que ele pode oferecer. Isso se configura, portanto, como uma realidade
completamente diferente daquelas vividas nas cidades, dificultando bastante aos habitantes das
zonas urbanas uma chave de leitura que lhes permita compreenderem a vida na várzea.

Nossa busca em compreender os trabalhadores da juta iniciou analisando os moradores da


várzea no geral, pois os sujeitos dessa pesquisa186, não formam um grupo à parte, pelo contrário, é
** Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa que resultou na dissertação de Mestrado “Povo de fibra:
mundos do trabalho no universo da juta (baixo Amazonas: 1940...))”, defendida no ano de 2020 no PPGH/UFAM com
apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** Mestre em História pelo PPGH-UFAM com bolsa FAPEAM, professor formador do Centro de Formação
Profissional Padre José de Anchieta – CEPAN/SEDUC. francolobo@gmail.com
186 Foram entrevistados (as) três homens e quatro mulheres com idades entre 69 a 100 anos na época da entrevista (de
março a novembro de 2018). São eles: Pedro Mair dos Santos (79 anos), Maria Vasconcelos Ribeiro (100 anos) José
Cordeiro da Silva (68 anos), Raimundo Ribeiro Printes (70 anos), Maria da Daíze Jacaúna Carneiro (84 anos), Marlene
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

um dos componentes desse mesmo grupo. Essa questão, inclusive, compõe a primeira das hipóteses
que passamos a ter após a análise preliminar das entrevistas dessas pessoas. Compreender o
trabalho com a juta como mais uma das atividades existentes nos ambientes de várzea ganha uma
enorme importância para trabalhos como o nosso por dois motivos:

Primeiro para que entendamos que a entrada da juta na vida dessas pessoas não foi o resultado
da manobra de uma instituição poderosa que os atraiu para uma armadilha da qual eles entraram e
não puderam mais sair. Quem pensa assim, analisa a realidade dessas pessoas através de um
esquema pré-concebido187. O que pudemos perceber através de suas narrativas evidencia o
contrário, o que percebemos da memória narrada dessas pessoas mostrou que a juta foi uma opção
que se apresentou a eles e da qual entraram e saíram quando consideraram conveniente 188, deixando
claro que ela era somente mais uma das atividades que desenvolviam.

Segundo, para pensarmos sobre a tendência a classificar esses trabalhadores como juteiros,
adjetivo que me causa desconforto pois entendo que só podemos aplicar o sufixo -eiro a pessoas
que vivem exclusivamente de uma atividade, como ferreiro e padeiro. As pessoas cuja entrevista
usei neste trabalho, não se encaixavam de forma alguma nessa categoria, pois, apesar da juta ter um
peso significativo na composição das receitas de suas famílias, ela não se configurava como a única
atividade geradora de renda, além de não os ocupar o ano inteiro. Sendo assim, é mais fácil
considerá-los como moradores da várzea que trabalharam com juta ou simplesmente, produtores de
juta.

A segunda hipótese com que trabalhamos é relativa a compreensão da dinâmica e da visão


dessas pessoas sobre as fases de trabalho desenvolvidas dentro d’água (maceração e lavagem)189.

Gonçalves da Silva (69 anos) e Irenilda Evangelista Garcia (80 anos). Desses, o Seu José trabalhou com juta nas
proximidades do município de Manacapuru (ilha de Paratari), Seu Pedro trabalhou nas proximidades do município de
Itacoatiara (Paraná da Eva) e os demais trabalharam no entorno de Parintins.
187 Visão compartilhada por Renan Freitas Pinto em: PINTO, Ernesto Renan Melo de Freitas. Os trabalhadores da
juta: estudo sobre a constituição da produção mercantil simples no Médio Amazonas. 1982. 187 f. Dissertação
(Mestrado em Antropologia, Política e Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E por Denison Silvan
em: SILVAN, Denison. Trabalhadores da juta na Amazônia: trajetória de luta, suor e sofrimento. 2018. 245f. Tese
(Doutorado em Sociedade e Cultura na Amazônia) - Universidade Federal do Amazonas
188 Os dois trabalhos citados na nota acima, principalmente o de Silvam 2018, por realizarem uma leitura dentro de
padrões estruturalistas, dão a entender que a juta entrou na vida dessas pessoas por falta de opção e de que os mesmos
se submeteram a dureza desta atividade por se inserirem em um sistema de endividamento progressivo semelhante ao
existente nos seringais amazônicos no período do boom da borracha.
189 Para que as fibras da juta sejam soltas o vegetal é posto de molho em água corrente por vários dias (15 a 20 dias em
média) a fim de que o com o apodrecimento das hastes a casca se desprenda deixando os fios soltos, é o processo de
maceração. Na sequência, os trabalhadores entram dentro d’água para fazer a lavagem das fibras, retirando o que ainda
existe de casca deixando as fibras completamente soltas. Nesta fase, que dura vários dias (dependendo do volume da
produção, algumas semanas) essas pessoas passam toda a sua jornada diária (que oscila entre 8 a 12h) com água
variando entre a cintura e o ombro.

98
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Não há dúvida que se trata de uma atividade laboral com um alto teor de insalubridade, sendo
impossível não associá-la a um número significativo de doenças resultantes da extrema umidade,
além dos inúmeros acidentes com animais habitantes desses ambientes190. Nesse ponto, a
convergência e concordância com as pesquisas realizadas até o momento é total.

Todavia, precisamos olhar por um ângulo que considero pouco observado pelas produções
acadêmicas: a visão dessas pessoas sobre esta etapa de trabalho. Dentro do que foi percebido ao
longo das narrativas deles/delas, ficou claro que os/as mesmos (as) tinham consciência do tipo de
trabalho em que se envolveram, portanto não adentraram nele de uma forma ingênua. Outro ponto
que precisamos observar - o que para mim é o cerne da questão - essas pessoas não estavam
desenvolvendo um tipo de trabalho alheio ao seu modo de vida. É bom que se saliente, que a juta se
adaptou com muita facilidade a cultura do povo da várzea amazônica exatamente por se encaixar
aos padrões culturais dessas pessoas. Para isso, é fundamental a compreensão de que os moradores
da várzea já possuem uma longa convivência com a água, os rios fazem parte de sua vida, além de
uma parcela significativa dos recursos vitais à sua sobrevivência virem deles. Portanto, a juta não os
levou para um ambiente aquático, ela somente intensificou a convivência com esse ambiente,
ampliando as horas de permanência nele. Isso em nada atenua a elevada insalubridade presente
neste tipo de trabalho, serve sim, para entendermos por que estas pessoas aceitaram pacificamente
exercerem um trabalho com estas particularidades191.

A terceira hipótese trabalhada é de que nunca poderemos compreender as pessoas que


trabalharam com a juta fora do contexto da vida da várzea. Aquilo que enfatizei na primeira
hipótese, de que não podemos compreender a economia da juta separada da demais atividades
econômicas desenvolvidas por esses sujeitos, se aplica com mais intensidade à vida e à cultura
dessas pessoas. Por isso, não existe condições de se entender quem trabalhou com juta sem entender
a vida na várzea. Não é possível isolar o trabalhador da juta do ribeirinho, como em uma
experiência de laboratório, e daí entender sua vida. Pedindo uma licença poética para explicar isso
de forma metafórica, podemos afirmar ser a vida das populações da várzea como um ser vivo e a
cultura da juta como um dos órgãos desse ser.

190 A grande quantidade de feixes de jutas de molho dentro d’água cria um ecossistema ideal para uma grande
quantidade de animais aquáticos, alguns deles bastante perigosos aos seres humanos como a arraia, o poraquê e as
cobras.
191 Denison Silvan, ignorando completamente estes elementos culturais, encontrou explicações de ordem
psicopatológicas para a visão positiva de alguns de seus entrevistados acerca do trabalho dentro d’água.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

A quarta e última hipótese desse trabalho, é que a vida na várzea está longe de ser monótona e
com poucas opções. Na verdade, a rotina desse local é de uma dinâmica inimaginável por quem
passa ao longo dos rios, vendo este ambiente do convés ou da janela de uma embarcação.
Mergulhar no mundo das populações que habitam as margens dos rios amazônicos, é adentrar em
uma cultura extremamente rica com estruturas de relacionamentos próprios, códigos de ética,
padrões sociais, e relacionamento com o sagrado completamente diferente de outras partes da
Amazônia: seus mitos e sua forma de conceber o sagrado são um exemplo bastante ilustrativo disso.

Portanto, através dessa pequena amostra - sete entrevistados - buscamos compreender como as
populações da várzea amazônica se relacionaram, e ainda se relacionam, com uma atividade
bastante exigente chamada juta. Não fizemos isso com o intuito de heroicizar essas pessoas, nem as
enxergar com a quem devemos ter pena em função de uma vida miserável. Longe desses
extremismos, nossa intenção foi simplesmente mostrar, através dessas sete narrativas a riqueza por
trás da trajetória histórica dos homens e mulheres que conviveram ou convivem com um ambiente
tão singular como esse. Esperamos contribuído para a compreensão desta bela realidade para que,
entendendo como ela funciona, a sociedade possas valorizá-la. A Amazônia é um imenso
reservatório de realidades ricas e diversas e os seus vários ambientes reservam muitas histórias
belas e interessantes precisando ser contadas. Esperamos que este trabalho sirva de convite para
mais pesquisas sobre estas pessoas e essa realidade.

* * *

A representação dos indígenas na grande imprensa: um estudo das


no cias presentes no Jornal do Commercio*

Evelyn Marcele Campos Ramos**

Esse artigo tem como objeto o estudo da relação entre as práticas e as representações sobre os povos
indígenas na Amazônia presentes na grande imprensa, em especial no Jornal do Commercio. O
recorte escolhido foram as primeiras décadas do século XX, coincidente tanto com a criação do
Jornal do Commercio em Manaus em 1904, quanto com a implementação de uma nova proposta de
** Este trabalho integra a pesquisa “Os Indígenas nas folhas do Jornal do Commercio: entre práticas e representações
(1904-1934)”, desenvolvida no PPGH/UFAM com apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** É discente do curso de Mestrado em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Amazonas. E-mail: evelynmcr97@gmail.com

100
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

política indigenista a nível nacional conhecida como Serviço de Proteção aos Índios e Localização
dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN) em 1910.
A instituição foi criada pelo decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910, e tinha por tarefa a
pacificação e proteção dos grupos indígenas, bem como o estabelecimento de núcleos de
colonização com base na mão de obra sertaneja. As duas instituições foram separadas em 6 de
janeiro de 1918 pelo decreto Lei nº 3.454, e a instituição passou a ser denominada Serviço de
Proteção ao Índio (SPI).
Sendo assim, podemos observar que no âmbito nacional, a virada do século XIX para o XX,
foi marcada por grandes mudanças, além do Brasil se tornar uma República, percebemos que a
política pró-extermínio dá lugar ao ideário de um Brasil “disposto” a ter trabalhadores nacionais
indígenas. Portanto, algumas ideias e discursos propagados na imprensa e entre os legisladores
precisam ser melhor compreendidos e questionados, especialmente no que diz respeito às suas
intencionalidades frente a compreender e formar o Brasil em uma república e nação.
No que diz respeito às fontes, o periódico Jornal do Commercio nos apresenta a existência
de uma imprensa que dá voz ao Governo e a Elites Amazonenses. Assim, através dos periódicos
visualizamos as relações, conflitos e interesses dados entre os “tuteladores”, muitas vezes
protegidos pelo Estado graças as alianças econômicas e políticas, e entre os indígenas que, diante do
mundo do trabalho imposto, estabelecem suas próprias dinâmicas, contatos e distanciamentos.
Ao estudarmos os periódicos conseguimos apresentar as representações em dois níveis. Uma
análise perpassa as notícias do Jornal do Commercio que repercutiam as mudanças do início de
século XX na cidade de Manaus e o impacto do cotidiano indígena. De outro modo, diante das
práticas e representações desses indígenas se faz necessário ler as entrelinhas de suas vivências,
para assim resgatar as suas trajetórias, modos de vida, anseios, lutas e adaptações. As analises se
intercruzam ao nos permitir explanar como os planos de “modernização” e “urbanização” foram
lidos, encarados e interpretados por esses sujeitos e quais os interesses e mobilizações das elites
com essas propostas civilizatórias, nacionais e legalistas.
A Manaus ao findar dos oitocentos

Antes de findar o oitocentos, e vivenciar a Belle Èpoque, a cidade de Manaus, pertencente a


então Província do Amazonas era um local de múltiplas culturas, de múltiplos fazeres,
especialmente marcada pela presença indígena. No contexto amazônico, mais especificamente na
cidade de Manaus vemos um forte desenvolvimento econômico, sendo que este período está
diretamente ligado à produção gomífera, produto este que tinha uma demanda internacional e foi
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

matéria-prima primordial da indústria de automóveis norte-americana. O período econômico da


borracha foi o início de um processo célere de crescimento demográfico e urbanização no
Amazonas, bem como de um conjunto de modificações na esfera sociocultural.
Nesse período, a situação econômica era favorável e a pauta principal daqueles que estavam
no poder público no final do século XIX e início do XX era que houvesse uma remodelação do
espaço urbano desenvolvido pelo período econômico da borracha. Até então, a imagem que se tinha
de Manaus estava consolidada, através dos relatos dos viajantes e intelectuais que haviam passado
pela região amazônica nas décadas anteriores: um lugar pequeno, sem maiores ambições de avanço.
Com o objetivo de reorganizar Manaus e deixá-la aparentemente mais receptiva à entrada do
capital internacional, empreendeu-se uma série de reformas estruturais no espaço urbano e de
embelezamento de ruas e edifícios que marcaram a Belle Epoque amazonense, especialmente
durante o governo de Eduardo Ribeiro.
Como resultado, Manaus passou a ser chamada de Paris dos Trópicos e construções como o
Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça tornaram-se símbolos desse período da história
amazonense. Nesse momento, o Estado começou a interferir na rotina de Manaus e isso era uma
tentativa de adequar os hábitos dos moradores locais aos padrões da elite estrangeira.
Sendo assim, foram sendo criadas e editadas várias normas de conduta como o Código de
Posturas Municipal e o Regulamento para Veículos na Capital192. Para mais, existia uma
preocupação por parte dos governantes com a questão sanitária, o que promoveu a organização da
coleta de lixo na cidade e o início da construção de uma rede de esgotos.
As transformações econômicas proporcionadas pela Belle Époque no Amazonas
concentraram-se em Manaus e enquanto isso no interior do estado se proliferaram os seringais,
sustentando uma rede de produção viciada que expunha os seringueiros, em sua maioria migrantes
nordestinos e indígenas, a situações de trabalho análogo ao de escravo.
Neste contexto, de forma nacional surge o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos
Trabalhadores Nacionais (SPILTN) e o então tenente-coronel Cândido Rondon foi convidado a
dirigir o novo órgão criado. Ele imprimiu ideias positivistas a orientação e às atividades da
instituição. Estabeleceu a chamada política de integração, em que o índio era reconhecido como
sujeito transitório, ou seja, enquanto estivesse sendo preparado para ingressar na “civilização”. Tal
política indicava o fim da diversidade étnica e cultural, pois reconhecia, essa diversidade apenas
como um estágio de desenvolvimento que se concluiria com a incorporação do índio à sociedade
brasileira.
192 SAMPAIO, Patrícia Melo. Posturas Municipais, Amazonas (1838-1967). Manaus: EDUA, 2016.

102
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Voltando à capital, percebemos que as autoridades tinham como objetivo manter afastada
das rotas comerciais e centros residenciais de alto nível a população pobre e como consequência
houve uma ocupação desorganizada das regiões mais distantes da cidade. Isso revela exclusão
social que ocorria por detrás do “fausto” do período econômico da borracha, onde uma máquina
pública funcionava a favor das demandas da elite detentora do capital, no entanto, os indígenas que
estavam em Manaus e proximidades se adaptavam constantemente aos impulsos e transformações
que a modernidade exigia 193.
O Estado, ao tentar obrigar a civilização aos índios, com o discurso da modernidade,
inseriram em sua cultura costumes estrangeiros como: andar calçados e vestidos bem como
modificar o formato de suas moradias. Falando especificamente dos indígenas, a entrada estrangeira
em Manaus os afastou do centro da capital, mas os índios através de práticas não abriram mão
completamente de seus modos de vida e de sua cultura, houve muita luta e aglutinamento de
práticas culturais.

O Jornal do Comércio e os Indígenas

Pensar o jornal como fonte é algo que nos possibilita enxergar um rico instrumento de
pesquisa. Trabalhar com comunicação é saber respeitar e investigar seus marcos sociais e deste
modo, saber ler suas relações. O Jornal do Commercio é nada mais nada menos do que um agente
histórico de seu tempo, pois o mesmo se articula no meio em que está inserido, conforme o que
define Barbosa e Morel:
Na tradicional historiografia identificada como historicista, a imprensa aparecia em
geral como fonte privilegiada na medida em que era vista como portadora dos
"fatos" e da "verdade". Em seguida, com a renovação dos estudos históricos e a
ênfase numa abordagem que privilegiava o socioeconômico, a imprensa passou a
ser relegada à condição subalterna, pois seria apenas "reflexo" superficial de ideias
que, por sua vez, eram subordinadas estritamente por uma infraestrutura
socioeconômica. E a subsequente renovação historiográfica, com destaque às
abordagens políticas e culturais, redimensionou a importância da imprensa, que
passa a ser considerada como fonte documental (na medida em que expressa
discursos e expressões de protagonistas) e também como agente histórico que
intervém nos processos e episódios, não meros “reflexos”. 194

Heloísa Cruz e Maria do Rosário Peixoto no artigo “Na oficina do historiador: conversas
sobre história e imprensa” nos dizem que os jornais e as revistas são espaços sociais construídos de

193 BRAGA, Bruno Miranda. Manáos uma Aldeia que virou Paris: saberes e fazeres indígenas na Belle Époque Baré
1845-1910, 2016.
194 BARBOSA, Marialva; MOREL, Marcos. História da Imprensa no Brasil: metodologia para o inventário 1808–
2008. Jornal da Rede Alcar, Florianópolis, Ano, v. 3.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

intenções, interesses e que sua fala é articulada conforme as pessoas que estão por detrás daquele
mecanismo. A imprensa e a mídia disseminam temas e estimulam opiniões.
O conceito de representação pensado através do jornal vai se mostrar como uma construção
social, em que os sujeitos visam construir o mundo através do que se foi dado a interpretar por via
das notícias publicadas. Roger Chartier reflete que as sociedades são construídas por diferentes
grupos, que manifestam diferentes visões de mundo, o que podemos agregar com o jornal, devido à
fonte não ser imparcial.
A importância da Imprensa nas sociedades modernas é incontestável. Mais que um veículo
de comunicação, sua dimensão enquanto força de transformação social impregnou a história de
povos e países. O Jornal tem o poder de dar voz ou silenciar, contestar e defender os sujeitos de
uma sociedade.
Sabe-se que a história da imprensa no Amazonas surge atrasada comparado com outros
centros urbanos modernos (Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Belém). Quando finalmente a
imprensa chegou ao Estado do Amazonas, nota-se que o principal fator para sua chegada foi o
período econômico da borracha como o interesse nesse momento era inserir novos padrões na
sociedade manauara através de notícias sobre moda, crimes, com temas relacionados ao comércio
da borracha e escândalos políticos.
O Jornal do Commercio ganhou espaço na capital no ano de 1904 e em sua primeira fase,
seu fundador Joaquim Rocha dos Santos instalou sua redação na Avenida Eduardo Ribeiro n° 11,
com o slogan de Contans, fidelis, fortis cedo nulli (Constante, fiel, forte eu me rendo a ninguém).
Após o seu ano de estreia, Joaquim Rocha morre e nos quatro meses que se passaram após a sua
morte o jornal fica inativo, voltando apenas no ano de 1906. No seu novo momento, o Jornal do
Commercio estabelece ares de jornal-empresa e passa a publicar notícias de fundo nacional e
internacional195 e este apresentava tendências políticas e conforme a historiadora Maria Luiza
Ugarte Pinheiro, o Jornal do Commercio era um periódico tradicionalmente ligado aos grupos
dominantes196.
Ao nos debruçarmos nas folhas do periódico Jornal do Commercio notamos o impacto e
repercussões de como as mudanças do início de século XX na cidade de Manaus influenciaram o
cotidiano indígena. Além de demonstrar a importância da imprensa como fonte para a reconstrução
do passado, bem como influenciar as criações de representações de um cotidiano.

195 DUARTE, Durango Martins. A Imprensa Amazonense: chantagem, politicagem e lama/ Durango Martins Duarte.
1ªed.Manaus: DDC Comunicações LTDA-EPP, 2015.
196 PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas, 1880-1920. Tese de
Doutorado em História: PUC-SP, 2001

104
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

No dia 10 de janeiro de 1906, o Jornal do Commercio, um dos principais periódicos lidos


em Manaus, publicou uma matéria sobre os índios Parintintim, os classificando como
“indomesticáveis selvagens”197.
Os jornais de forma mais recorrente divulgavam notícias hostis e negativas, ajudando a
perpetuar o discurso de que os índios eram perigosos, e deviam ser proibidos do convívio social. Ao
pesquisarmos os periódicos, notamos também notícias que apresentam as tutelas indígenas como
algo naturalizado, tanto que o jornal publica que religiosos e diretores de vilas brigaram quando
divergiram sobre o destino de uma criança indígena em nossa região198. Esse periódico também
apresenta a relação de servidão que alguns indígenas passavam, isso é notório quando vemos
anúncios de indígenas fugidos de casas de patrões199.
De forma geral o Jornal do Commercio apresenta de forma indireta impacto e repercussões
de como as mudanças do início de século XX na cidade de Manaus impactaram o cotidiano
indígena e ao percebermos isso entendemos a importância da imprensa como fonte para a
reconstrução do passado, bem como influenciar as criações de representações de um cotidiano. No
que diz respeito aos Indígenas vemos que os grupos lutaram e resistiram às mudanças impostas pela
elite amazonense.

* * *

197 Jornal do Commercio, 10 de janeiro de 1906. Manaus, 1906 – Acervo: Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas – IGHA.
198 Jornal do Commercio, 14 de agosto de 1904. Manaus, 1904 – Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/170054_01/909
199 Jornal do Commercio, 04 de setembro de 1904. Manaus, 1904 – Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/170054_01/985
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O “olhar passageiro” e os retratos da violência: a literatura de viajantes na


construção imagé ca da Amazônia na virada do século XIX para os anos
1900s*

Caio Henrique Faus no da Silva**

O ato de pensar a Amazônia compreende um esforço tão complexo quanto vasto. Isto
significa assumir não apenas as especificidades geográficas, culturais, políticas e econômicas, mas
impende revisitar as bases e as condições por meio das quais os saberes e os conhecimentos são
produzidos, validados, atualizados e distribuídos. O exercício de pensar a região impõe, por sua vez,
o dever de escapar às armadilhas das grandes narrativas, dos esquemas explicativos/interpretativos,
calcados em um encadeamento sequencialmente lógico, a partir dos quais toda prática, crença ou
saber deverá ocupar um espaço mais ou menos determinado no grande cenário.

Na Amazônia, o ato genesíaco tem local e a data muito bem definidos. Isto é, antes da
chegada do colonizador europeu na região, só havia a escuridão, um estado de natureza no qual a
barbárie fazia as vezes do imperativo categórico primitivo. Naquelas paragens tropicais, caberiam
aos primeiros cronistas a lavratura da certidão de nascimento da região. Era o nascimento de uma
Amazônia mítica, onírica e fantasticamente inventada. Nos séculos que se seguiram ao “encontro”
colonial, ao passo que portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses, irlandeses e outros povos
disputavam aquelas paragens, um complexo jogo seria performado. A partir do uso combinado de
estratégias de exploração e domínio, o sujeito colonizador buscava superar os expedientes de
resistência igualmente criativos erigidos pelos povos da região.

Desta feita, a fim de compreender os contornos da violência exploratória perpetrada aos


povos da Amazônia na virada do século XIX para os anos 1900’s, a presente investigação revisitou
os registros deixados por um conjunto de estudiosos, estadistas e viajantes. A eleição em proceder a
dita revisitação a partir das notas, relatos e outros registros de insignes “argonautas” 200 se apoia na
** Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa que resultou na dissertação de Mestrado “O holocausto
amazônico e o atlântico equatorial (1850 a 1913): os escândalos do Putumayo e a descolonização dos direitos
humanos”, defendida no ano de 2021, no PPGH/UFAM com apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi
Avelino Leal.
**** Advogado. Mestre em História pelo Programa de Pós-graduação em História – PPGH/UFAM. Foi Bolsista
FAPEAM. Mestre em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA/UEA.
200 ASSA, Jerôme. Mythe et Histoire: La construction de l’Amazonie par les Européens. Leituras da Amazônia:
Revista Internacional de Arte e Cultura. Ano II, nº 2 (jan./dez.). Manaus: Valer, 2002. p. 231. O termo se aplica à

106
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

dupla relevância que tais escritos possuem. Isto é, projetam mais uma vez a região na grande tela
internacional, reposicionando a Amazônia na lista de desejos de uma nova economia globalizada de
orientação capitalista, valendo-se, para tanto, de um esforço discursivo voltado à reinvenção de uma
região a partir de um conjunto de conceitos e categorias adaptadas às intenções e desejos
pretensamente globais. Em igual medida, apresentam uma narrativa a partir da qual os traços
marcantes de sua ontologia evidenciam as muitas formas de violência praticadas aos povos nativos
da região, a exploração ostensiva destes povos na condução das mais pesadas fainas, bem como as
estratégias de resistência por eles empreendidas em face da diuturna predação étnico-racial.

Ao reconhecer a literatura de viajantes produzida sobre a Amazônia – entre a segunda


metade do século XIX e a primeira década do século XX – enquanto um conjunto de esforços
discursivos voltados à reinvenção da região a partir dos “uso e costumes” concebidos nos centros da
racionalidade moderna, tem-se a repetição do ato genesíaco, “proferido de maneira insistente acerca
de um lugar, de uma personagem, até de um objeto, muito além de sua existência”. 201 Um esforço
voltado à atualização do mito amazônico colonial.

O mito amazônico seria uma expressão alusiva que pressupõe um conjunto de discursos
abundantes sobre a região que, em razão de seu quantitativo e variedade, acabam por repisar
“marcas distintivas, petrificando-as até transformá-las em clichês ou estereótipos”.202 Na Amazônia,
a tribo das mulheres guerreiras mastectomizadas da velha Cítia encontraria, às margens do grande
rio, o seu correspondente tropical. Os contos anedóticos dos povos canibais se agregariam à ideia
dos viventes sem fé, sem lei e sem rei, corporificando a mistura de duas grandes “invenções
europeias” – o Oriente, situado para além da Ásia meridional, e o novo mundo equatorial –
separadas geograficamente por uma distância abissal, mas unidas pelas mãos e a engenhosidade de
seu artífice caucasiano.

Isto significa dizer que, antes de ser nomeada, a região era um “mistério inventado pelos
europeus”203 cuja atualização dos sentidos a ela conferidos se daria sempre que necessária. Desta
feita, são nos registros inebriados pela expectativa da chegada e constantemente confrontados “por

forma como a região e seus viajantes eram representados nos muitos escritos produzidos sobre a Amazônia nos séculos
XVI e seguintes, vide UGARTE, Auxiliomar Silva. Sertões de bárbaros: o mundo natural e as sociedades indígenas na
Amazônia na visão dos cronistas ibéricos – séculos XVI e XVII. Manaus: Valer, 2009.
201 SIGANOS, André. O mito amazônico: Algumas preocupações teóricas e operacionais. Leituras da Amazônia:
Revista Internacional de Arte e Cultura. Ano II, nº 2 (jan./dez.). Manaus: Valer, 2002. p. 154.
202 Ibid., p. 155.
203 GONDIN, op. cit., p. 128.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

momentos de puro êxtase e por ocasiões de extremo desanimo”204 que se pretende jornadear. Neste
sentido, vale-se do capital intelectual produzido pelos naturalistas e viajantes da região, um
arcabouço discursivo oriundo de sistemas relacionais repletos de tensões, antagonismos e alianças;
que compõem um verdadeiro archivo genealógico da Amazônia.205

Para tanto, cumpre salientar que as fontes utilizadas na investigação compreendem uma
série de estratégias e procedimentos de exclusão a partir dos quais a figura discursiva hegemônica
interdita, separa e rejeita a fala do outro. Neste cenário, os motes “conhecer”, “classificar”,
“comparar" e “nomear”, desempenham um importante papel na exorcização e na familiarização do
exótico e, consequentemente, na construção de um discurso hegemônico cujo objetivo é garantir a
sacies da “vontade de verdade”206.

Tem-se nos processos de difusão, consolidação e institucionalização dos esquemas


interpretativos sobre a Amazônia, a materialização das “verdades naturais”207 cuja superação exige a
leitura crítica destes escritos e daqueles deles derivados, subjugando, assim, os espaços comuns e o
“opinativo nutrido pela auto-evidência”208, libertando-se, em igual medida, da manutenção do mito
amazônico e do congelamento premeditado do espírito investigativo por ele induzido.

Tais escritos compreendem “uma visão europeia (largamente ocidental ou ocidentalizada)


para os europeus ou ocidentais, que pressupõe uma interpretação do Outro em função de dados
culturais exteriores ao Outro e que não se destinam àquele Outro”. 209 A literatura produzida pelos
viajantes sobre a Amazônia da segunda metade do século XIX faz parte de uma prática criadora
unidirecional a partir da qual a figura do Outro é caricaturada, tendo como recurso eleito o olhar do
“artista-inventor”. O viajante é, antes de tudo, um tradutor daquilo que seus sentidos podem (ou
desejam) captar, mas toda tradução compreende o furto capital do sentido daquele que se pretende
traduzir.

Isto é, tem-se, por um lado, um movimento de atualização e concepção de novos


expedientes garantidores da subalternidade das regiões periféricas do globo e, por outra via, o
reforço da posição hegemônica europeia sobre os territórios marginais à moderna racionalidade e
sua pretensa universalidade. Nesta Amazônia inventada, os arcaicos ideários de civilização e

204 Ibid., p. 128.


205 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Antropologia dos archivos da Amazônia. Rio de janeiro: Casa 8, 2008.
p. 10.
206 FOUCAULT, op. cit. p. 16.
207 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Idem, p. 11.
208 Ibid., op. cit. loc. cit.
209 SIGANOS, op. cit. p. 156.

108
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

barbárie são reavivados a partir das falaciosas práticas discursivas, sobre as quais se funda a
exotização da região e de seus povos.210

Na Amazônia da virada do século XIX para os anos 1900s, a colonialidade do saber se


materializa nos relatos de viajantes que estudam, analisam, interpretam e traduzem toda organização
social, política, cultural e econômica tanto dos “argonautas do pacífico” quanto dos povos nativos
dos “tristes trópicos”; exercendo, uma verdadeira dominação cultural. A dita dominação
compreenderia uma pluralidade de práticas que:

No se trata solamente de una subordinación de las otras culturas respecto de la


europea, en una relación exterior. Se trata de una colonización de las otras culturas,
aunque sin duda en diferente intensidad y profundidad según los casos. Consiste,
en primero término, en una colonización del imaginario de los dominados. Es
decir, actúa en la interioridad de ese imaginario. En una medida, es parte de él.211
A vivência de uma dominação cultural compreende um cerco tão acedioso e
ostensivamente violento quanto àquele praticada no curso dos projetos coloniais. Neste quadro,
tem-se um fenômeno calcado na:

sistemática represión no solo de especificas creencias, ideas, imágenes, símbolos o


conocimientos que no sirvieran para la dominación colonial global. La represión
recayó, ante todo, sobre los modos de conocer, de producir conocimiento, de
producir perspectivas, imágenes y sistemas de imágenes, símbolos, modos de
significación.212
O projeto colonial europeu e sua colonialidade estenderam seu manto, mais ou menos
invisível, sobre todo conhecimento situado para além do seu redil. É, no quadro do referido projeto
de dominio e exploração que “se fue constituyendo el complejo cultural conocido como la
racionalidad/modernidad europea, el cual fue establecido como un paradigma universal de
conocimiento y de relación entre la humanidad y el resto del mundo. 213 O dito paradigma exigiu
uma dinâmica colonizadora capaz de assegurar o domínio sobre a forma como os sujeitos se

210 SOUZA, Márcio. Amazônia indígena. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 24.
211 Não é apenas uma subordinação de outras culturas ao europeu, em um relacionamento externo. É uma colonização
de outras culturas, embora certamente em diferentes intensidades e profundidades dependendo dos casos. Consiste, em
primeiro lugar, em uma colonização do imaginário dos dominados. Ou seja, atua no interior desse imaginário. Até certo
ponto, é parte disso. (Tradução livre). QUIJANO, Anibal. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indigena.
Vol. 13, num. 29, p. 11-20, 1992. p. 12.
212 Uma repressão sistemática não só de crenças, ideias, imagens, símbolos ou conhecimentos específicos que não
serviram para a dominação colonial global. A repressão recaída, sobretudo, sobre os modos de conhecer, produzir
conhecimento, produzir perspectivas, imagens e sistemas de imagens, símbolos, modos de significação (Tradução
livre). Idem, p. 13.
213 “Se foi construindo um complexo cultural conhecido como a racionalidade/modernidade europeia, na qual foi
estabelecido um paradigma universal de conhecimento e de relação entre a humanidade e o resto do mundo” (Tradução
livre). Idem, p. 14.
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percebem e compreendem as relações por eles performadas, manifestações da colonialidade que


permeia toda a estrutura de poder presente nas tramas das ditas relações.214

A grande narrativa romântica que perfaz a história de progresso e desenvolvimento


pretensamente universal é escrita a partir dos faustosos testemunhos elaborados ou ratificados por
sujeitos e instituições oficializadas a partir de um conjunto de procedimentos concebidos no quadro
da racionalidade moderna. Neste sentido, os fatos inscritos na dita narrativa são submetidos à
sazonais modernizações, a partir das quais os anais da história são atualizados, recompondo-se os
muitos lieux de memoir da socidade capitalista ocidental.

Professada por uma voz uníssona que insiste em agir como o senhor do tempo e da
memória, a dita narrativa tem o poder de validar ou não tudo aquilo que é submetido ao seu
conjunto de requisitos e procedimentos avaliativos. O pensamento moderno esconde as ferramentas
do censor sob as vestes de uma universalidade supostamente inclusiva, utilizando-se de uma
pluralidade de instrumentos mais ou menos coercitivos que, quando manuseados de forma
coordenada, asseguram o gozo do domínio sobre o Outro.

Tem-se erigida uma convicção construída a partir de uma racionalidade dicotômica e


subalternizante cujo principal instrumento operativo seria a separação hierarquizante intra e
extraespecifica. Utilizando-se de macrocategorias antagonizadas, tais como: cultura e natureza,
homem e animal, pensamento científico e senso comum, civilizado e selvagem; a racionalidade
moderna construiu e atualizou os cenários nos quais a sua presença seria dubiamente percebida. Na
porção do globo que ficaria conhecida como Amazônia, a exotização do Outro compreenderia o
cerne da práxis colonial.

Ao passo que se avançam os marcos territoriais, avança-se sobre o espaço, mas também
sobre toda vida e cultura daqueles sertões. Combatem-se infieles. Exploram-se o sertanejo, o índio e
o negro. Perfoma-se um assombroso espetáculo. Tendo a região enquanto cenário-protagonista, o
que se segue é o amplificar da secular práxis exploratória da Amazônia. Aqui, o corte
dicotomizante entre a natureza e a cultura uniu ambos na estante de um almoxarifado de luxo
tropical. Neste funesto armazém, toda a vida assume uma forma recursal, constantemente reificada.

* * *

214 Idem, p. 17.

110
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Uma prosa sobre o Lago de Tefé-AM: trabalhadores rurais na Ditadura


Militar (1970- 1980) 

Johmara Assis dos Santos**

O texto analisa a atuação do Estado nas comunidades rurais do Lago de Tefé-AM, região do
Médio Solimões do Amazonas, no período da Ditadura militar, as resistências de trabalhadores
rurais campo para manter seus modos de vidas tradicionais frente ao processo de expansão e
transformação das relações capitalistas para a Amazônia na década de 1970 a 1980, quando o
avanço das fronteiras capitalistas e sistematização de diversos projetos de “colonização” passou a
compor o cotidiano do interior do Amazonas. O Lago de Tefé é um dos grandes lagos que compõe
o Médio Solimões, possui uma imensa importância histórica, social, econômica e política.
Atravessa um território onde habitam inúmeras populações indígenas, embora parte dessas
populações não reconheçam a ascendência indígena.

No século XIX, o Lago recebeu incursões nacionais e estrangeiras com o objetivo de


esquadrinhar seu território e ver suas possibilidades de exploração. Na década de 1970, o Lago,
territorialidade de comunidades rurais foi palco da entrada dos grandes projetos promovidos pelos
governos militares, que visavam promover o desenvolvimento da região amazônica e sua integração
ao sul do país. Estes projetos foram realizados sem a participação da sociedade civil e apresentaram
conflitos e uma dinâmica própria no Médio Solimões. A região, foi marcada pela presença da
política expansionista do capital empreendida pelo Governo, todavia não presenciou a construção
de barragens e a expulsão da população do campo, como ocorreu em regiões da Amazônia como
Pará, Itacoatiara, Roraima, dentre outras.

No lago, a presença do regime e a forma de dominação é percebida não de forma autoritária,


mas por meio de outras formas de dominação, de uma nova roupagem, com a presença de uma
política expansionista do capital, a imposição de uma nova moral coercitiva e um olhar
discriminatório sobre as comunidades rurais e inexpressividade histórica de seus trabalhadores. Essa
 Este texto está inserido no contexto da pesquisa “Comunidades Rurais do Lago de Tefé- Médio Solimões: processo
de territorialização, memórias, experiências e resistências (1970-2018)”, desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado
em História do PPGH/UFAM com apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** Johmara Assis dos Santos é doutoranda em História Social na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) pelo
Programa de Pós-graduação em História e professora de História da Secretaria Municipal de Educação SEMED e do
Sistema Social da Industria (SESI). E-mail: jads87@gmail.com. Texto para o simpósio temático: Ditadura,
autoritarismo e repressão no Brasil.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

nova abordagem foi violenta também, visto que os projetos de incentivos fiscais pensados para a
região invisibilizavam aqueles sujeitos que moravam nos arredores dos lagos e igarapés.
Invisibilizados enquanto sujeitos portadores de histórias, seus modos de vida e experiências
milenares foram considerados primitivas.

Na região, presenciou-se uma política de subsídios fiscais para atender os interesses do


Estado. Buscou-se transformar os trabalhadores rurais produtivos para o capital, os incentivos
fiscais voltados para modernizar a agricultura nas comunidades, o incentivo de culturas temporárias
e a consolidação de estrutura de assistência técnica e rural foram implementadas através da presença
de algumas instituições do Estado como: ACAR (1966), EMATER (1977), SUDAM, Projeto
RONDON, Banco do Brasil. Estas instituições passaram atuar nas territorialidades específicas com
projetos prontos, posto de cima para baixo, com seus cursos de orientações que tinham o objetivo de
ensinar o trabalhador do campo a plantar de forma “correta” culturas temporárias, diversificar,
aumentar a produção agrícola e implementar a pecuária na região.

Com esta finalidade, empréstimos passaram a ser disponibilizados para as comunidades do


interior e seus agricultores. Soma-se a isto, a presença do projeto RONDON, com o discurso de
“melhorar” a qualidade de vida dos homens do campo, passou a “orientá-los” sobre os cuidados
com a saúde e educação, enviava equipes de professores, médicos, assistentes sociais as
comunidades. Por trás do discurso de melhorias das condições de vida da população interiorana,
havia a clara intenção de modernizar o interior. Incentiva-se a mudança de comportamentos
“inadequados” para o Estado. Passou a ser disseminado o discurso da importância do consumo de
novos alimentos da cidade. O discurso era reproduzido intensamente durante os cursos realizados
para as lideranças comunitárias, as quais ao término, saiam com a responsabilidade de propagar nas
comunidades as novas ideias.

O consumo da bolacha para substituir o consumo do peixe frito no café da manhã (hábito
costumeiro dos agricultores) era intensamente veiculado. D. Maria José Rodrigues215, agricultora/
moradora da comunidade Bom Jesus do Bacuri afirma com saudosismo que “a bolacha nem
alimentava, mas era importante comprar” e ter na mesa. Além do consumo de alimentos da
“cidade”, a derrubada das casas de palha, assoalhadas de paxíuba, (modelo tipicamente indígena)
também foi incentivado, no seu lugar novas casas passariam a ser construídas, agora separadas em

215 Maria José Rodrigues, agricultora aposentada, moradora da comunidade Bom Jesus do Bacuri, localizada no Lago
de Tefé-AM.

112
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

cômodos, cobertas de alumínio, alinhadas em linha reta obedecendo ao imaginário de uma rua da
cidade.

Estas ações visavam desestruturar os modos de vida da população interiorana. Todavia, os


trabalhadores rurais resistiam as novas ideias que chegavam, desobedeciam às normas vindas de
cima para baixo, proferiam xingamentos as lideranças que supervisionavam se as orientações
estavam sendo colocadas em prática. Os agricultores continuaram comendo seu peixe frito pela
manhã antes de saírem para seus roçados (locais de trabalho), tomavam água do rio sem o uso do
cloro, recusavam fazer usos das fossas construídas no fundo de suas casas. Em parte, estas
resistências visavam manter os saberes tradicionais. Nem tudo era resistência nas comunidades do
Lago de Tefé, também se apropriaram daqueles conhecimentos que faziam sentido no seu cotidiano.

Passados mais de 40 anos das ações do Governo Militar, estas ações não foram efetivas. Os
trabalhadores rurais de Bacuri não serviram a produção capitalista, os grandes roçados para culturas
temporárias e o incentivo para criação de gados não lograram êxito, estes resistiram e continuam
criando estratégias para manter seus tradicionais modos de vida baseado na plantação do que
precisam para viver, defendem seu modo de produção baseado no trabalho coletivo e informal (o
ajuri), e suas territorialidades. Entretanto esta análise, não se aplica a todas as comunidades do
Lago, analisando a comunidade Ipapucú, localizada ao lado da comunidade Bom Jesus do Bacuri, o
discurso de modernização, o uso dos incentivos fiscais do governo bem como prática da agricultura
de culturas temporárias foram incorporados no cotidiano dos moradores/agricultores e estão
presentes atualmente.

Raimundo Pereira de Menezes216, morador de Ipapucú, ressalta que a prática do cultivo de


culturas temporárias (laranja, abacaxi, banana, macaxeira, tangerina, açaí, cupuaçu, cacau e
verduras) vem sendo feita na comunidade desde 1970 e comercializada na Feira Municipal do
Município de Tefé. Os agricultores da comunidade resolveram diversificar o plantio da mandioca a
partir dos seus modos de vida como uma forma de ganhar a vida, após sentirem a necessidade de
completar a alimentação e atenuar o árduo trabalho do roçado da mandioca. Afirma seu Raimundo:
“Surgiu a necessidade de a gente não comer só a farinha, e ajuda muito, a gente tá aperreado junta
um tucumã, tira a macaxeira, junta o cupuaçu e vende”. Membros da igreja católica e os técnicos do
Estado a serviço do Estado, faziam o papel de mediadores junto aos agricultores. “Vinham pra cá e

216 Agricultor e funcionário público,56 anos de idade, católico, morador da Comunidade do Ipapucú localizada no
Lago de Tefé-AM.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

diziam que a gente devia fazer essa diversificação de plantio, ia ajudar muito a gente, meu pai ficou
atento e a gente começou a plantar açaí, hoje tem um açaizal aqui que não tem fim, meu irmão
vende de 300 a 500 litros de açaí por semana, é uma coisa que pra nós foi gratificante, a partir do
momento que a gente participou de muitos encontros e reuniões”.

O trecho da narrativa do Sr. Raimundo demonstra como as ações pensadas pelo Estado,
foram sendo incorporadas, no chão da sua comunidade, ganhando novos significados. Todo esse
trabalho de plantio é feito de forma coletiva (ajuri) e serve para o usufruto de todos os moradores da
comunidade. Desse modo geral, pode-se dizer que houve pelos governos militares a intenção de
encurralar as comunidades tradicionais do Lago de Tefé-AM a fim de que o capitalismo de
apropriasse das mesmas. A desestruturação de seus modos de vidas foi uma ação pensada pelo
Estado e posta em prática por meio do desenvolvimento de uma política de subsídios fiscais, de
modo que as comunidades atendessem a produção capitalista, porém os investimentos e a forma
como as ações foram realizadas não condizia com os modos de vidas dos sujeitos que viviam no
interior, a falta de sensibilidade para enxergar os trabalhadores rurais, ouvir as suas demandas,
valorizar e potencializar os trabalhos já desenvolvidos esbarrou na resistência e na incompreensão
de que as relação dos trabalhadores do interior com comunidades tradicionais, são territórios
sagrados e baseados numa relação afetiva e não capitalista.

* * *

114
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Museu vivo: afirmação e reconhecimento dos povos e comunidades


tradicionais na Amazônia*

Murana Arenillas Oliveira**

Há uma tendência da análise reflexiva em redefinir os museus que, considerados


profundamente políticos, representam, desde meados do século XIX, uma das três instituições do
poder: o censo, o mapa e o museu; e moldaram a maneira pela qual o Estado colonial imaginava seu
domínio217.
No entanto, eles também representam repositórios de memórias, consistem em produtos de
relações sociais voltadas para uma multiplicidade de modos de pensar tempos históricos e
instituições de poder que exercem sua autoridade nos procedimentos classificatórios de coleções.
Este processo formal, concernente aos museus convencionais, segue as normas autoritárias de
regimentos e estatutos urdidos por atos de Estado.
Por outro lado, de maneira inversa, a partir da reflexão do processo formal dos museus,
apresentam-se novas formas de musealização que seguem uma corrente contrária da estabelecida
pelo Estatuto de Museus218. Os museus informais, referidos aqui neste trabalho como museus vivos
ou ainda Centros de Ciências e Saberes (CCS’s), emergem por meio da apropriação dos povos e
comunidades tradicionais como elemento identitário e de reconhecimento de luta pelos seus direitos
territoriais.
A crítica à multiplicidade de critérios e aos diferentes atos de colecionar da lógica
hegemônica permitiu a reflexão sobre o sentido inverso desse sistema. Àqueles classificados
historicamente como “outros”219, agora, realizam uma apropriação da ideia de museu.
O surgimento dos museus vivos consolida-se pela apropriação desta ideia pelos grupos que
integram unidades familiares de comunidades tradicionais. Tal apropriação realiza uma tentativa de

** Este texto está inserido no contexto da pesquisa “Museu vivo: afirmação e reconhecimento dos povos e comunidades
tradicionais na Amazônia”, desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado em História do PPGH/UFAM com apoio da
FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr. Davi Avelino Leal.
**** Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas-PPGH/UFAM.
Bolsista FAPEAM. Email: murana.ufam@gmail.com
217 ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução
Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
218 Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que institui o Estatuto de Museus.
219 BORGES. Jorge. El idioma analítico de John Wilkins. In: outras inquisiciones. 1a. Edição. Buenos Aires, p. 149-
155, 1960.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

manter a identidade coletiva dos agentes sociais coadunada com as manifestações presentes na
relação dos objetos com seu lugar social de origem.
Isto é, tais museus não seriam produtos da ação governamental, ao contrário, são resultantes
de relações associativas diretamente produzidas pelos membros das comunidades e associações nas
quais sua organização e classificação são instituídas em consonância com as unidades familiares.
Evidenciado por Almeida, a disseminação dessas iniciativas, implode com o significado de
“outros”, é na omissão daquele categorizado a margem da sociedade que inviabilizava qualquer
possibilidade concreta de autodefinição. Nesse sentido, o autor ressalta que são as autodefinições
que nomeiam os museus e que estes são indissociáveis de mobilização política de povos que
reverteram a sua propalada condenação ao extermínio e romperam com os estigmas de “primitivos”
e “atrasados”220.
Estes museus vivos são acionados por mobilizações sociais como instrumento político para
o reconhecimento identitário. Surgem como uma maneira de reivindicar e afirmar os “saberes” e
“fazeres” representativos dos povos e comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, castanheiros, extrativistas e demais identidades
coletivas.
Deste modo, o museu vivo é construído a partir dos elementos da identidade étnica dos
grupos que os correlaciona com o elemento de autodefinição, no qual, os grupos étnicos utilizam o
museu como um componente a mais de apoio para categorizar sua identidade étnica e sua
organização social, rompendo com a classificação estatal221.
Assim, utilizando da história pública para a construção de diálogos com agentes sociais, e
constituindo “comunidades de escuta” diante das narrativas dos “historiadores locais”, sem
negligenciá-los ou estabelecendo hierarquias222, esta pesquisa, visa analisar as experiências de
criação de museus vivos na Amazônia.
Portanto, trago aqui duas experiências de museus vivos na tentativa de ilustrar a apropriação
da ideia de museu por duas comunidades indígenas na cidade de Manaus (AM), o Centro de
Ciências e Saberes Karapãna da aldeia Yupirungá e o Centro de Ciências e Saberes Tradicionais
Kokama Antônio Samias da comunidade indígena Kokama do ramal do brasileirinho.

220 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Mapas e museus: uma nova cartografia social. In: Ciência e Cultura. vol.70,
n.4, São Paulo. pp. 58-61, 2018.
221 BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: Barth, Fredrik; Lask, Tomke. O guru, o iniciador e outras
variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.
222 ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. História pública: um desafio democrático aos historiadores. In: REIS, Tiago.
et al. Coleção história do tempo presente. Boa Vista: Editora da UFRR, 2020

116
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

A primeira, a aldeia Yupirungá, possui conflitos territoriais recorrentes por estar situada no
rio Tarumã-Açu com acesso ao rio, considerada uma área nobre na cidade e de interesse de setores
imobiliário. Possuindo a garantia dos direitos territoriais da família Karapãna constantemente
ameaçada e objetivando colocar em evidência os conflitos socioambiental e territorial da
Comunidade, é pensado pelos agentes sociais o CCS Karapãna. O museu vivo,
“retrata um pouco da nossa vivência com nossos pais ao longo do rio Tarumã-Açu,
Tarumã-Mirim e Cuieiras. É um desafio reunir todo esse conhecimento que
trazemos ao longo dos anos. É uma história vivenciada, que remete a sentimentos
de saudade, luta, sobrevivência e conquista”223.
A Comunidade Nova Esperança Kokama, o CCS Antônio Samias, assim nomeado em
homenagem ao patriarca do movimento Kokama, está em constante luta para o reconhecimento dos
povos Kokama que residem na cidade de Manaus. Buscou-se, possibilitar ao povo Kokama e à
sociedade em geral o conhecimento da cultura Kokama encontrada no Brasil, Peru e Colômbia224.
“Quando alguém vir visitar o museu, nós queremos falar do nosso material, pra que
ele serve, porque se nós escrever tudo não é um museu mais, porque todos já vão
ter o conhecimento, por isso que se chama museu vivo, por que a gente vai falar
[...]”225.
Ambos os museus vivos expõem elementos culturais identitários de sua ancestralidade,
elementos de afirmação do reconhecimento identitário desses povos. Estamos diante de um quadro
ao qual, a partir dos CCS’s, os agentes sociais selecionam, organizam, classificam e caracterizam o
que é relevante para sua unidade. De modo que este acervo em exibição representa as políticas de
identidade desses grupos e são indissociáveis das pautas das lutas reivindicatórias de
reconhecimento e afirmação dos fatores identitários e dos direitos territoriais desses povos
indígenas.
Logo, enquanto instrumento político, os museus vivos, resultam da ação engajada de
comunidades, pelo reconhecimento e por direitos territoriais. Nesta ação estão envolvidos o saber
coletivo e o próprio movimento de associações, organizações e movimento sociais. Atualmente, os
CCS’S, contribuem para o fortalecimento da autoconsciência dos grupos, incorporando nas lutas
identitárias uma relação político-organizativa pelo reconhecimento do território.

223 PAULINO, Maria Alice. Catálogo centro de ciências e saberes Karapãna. Projeto Nova Cartografia Social da
Amazônia, 2019.
224 RUBIM, Altaci Corrêa. Os “museus vivos” kokama em Manaus-Am. In: Oliveira, Murana Arenillas; ALMEIDA,
Alfredo Wagner Berno de. Museus indígenas e quilombolas: centro de ciências e saberes. Manaus: UEA Edições/
PNCSA, 2017.
225 OLIVEIRA, Murana Arenillas. Experiências de criação de “museus vivos”. In: Oliveira, Murana Arenillas;
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Museus indígenas e quilombolas: centro de ciências e saberes. Manaus: UEA
Edições/ PNCSA, 2017.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

* * *

118
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Os Parin n n na imprensa amazonense: entre prá cas e representações


sobre a guerra*

Ana Rivick Lira Bernardo**

A pesquisa que aqui se apresenta articula interesses do campo da Nova História Indígena,
juntamente com a História da Imprensa, objetivando compreender a guerra Parintintin através dos
jornais amazonenses. Os Parintintin são indígenas do tronco Tupi, que estão presentes na região
leste do rio Madeira. São um dos vários grupos que compõem os povos indígenas Kagwahiva, e que
receberam tal denominação a partir das relações conflitantes com os Munduruku e os não-
indígenas.226 Alguns autores227 afirmam que esses indígenas, antes de serem encontrados no rio
Madeira, estabeleciam-se no rio Tapajós; mas como afirma Davi Avelino Leal 228, o certo é que ao
aparecer na documentação do século XIX, por conta do interesse extrativista na região, os
Parintintin já se encontravam nos rios Mayci, Marmelos e Machado.
Os Parintintin foram muito temidos pelo constante ataque que faziam na região dos rios já
citados, principalmente no período do processo de expansão da fronteira extrativista da borracha e
da castanha, momento esse de intensa disputa e invasão de terras indígenas; e assim passaram a ser
considerados um entrave às tentativas de “civilização” e ganho econômico que foram empreendidas
naquela região. Toda essa situação de conflito ocasionou inúmeras tentativas de atração e
“pacificação” desses indígenas, intentos que partiam dos próprios seringalistas, como Manuel de
Souza Lobo, que desde 1913 se empenhava neste objetivo.229 Porém, a chamada “pacificação” só

** Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H-0003/2020 com apoio da FAPEAM e sob orientação do Prof. Dr.
Davi Avelino Leal.
**** Graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: arivck@hotmail.com
226 Os grupos Kagwahiva, segundo Waud Kracke, em A posição Histórica dos Parintintin na Evolução das Culturas
Tupi-Guarani (2004), foram denominados"Kagwahiva Setentrionais”: Parintintin, Juma, Jiahui, Tenharim; e
"Kagwahiva Meridionais”: Karipuna, Amondawa e Uru-eu-wau-wau (ou Jupaú).
227 MENÉNDEZ, Miguel Angel. Os Kawahiwa: uma contribuição para o estudo dos tupi centrais. 1989. Tese
(Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 1989.
COUDREAU, Henri. Viagem ao Tapajós. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1977.
GONDIM, Joaquim. A Pacificação dos Parintintin: Koró de Uirapá. Manaus: Edições do Governo do Estado do
Amazonas, 2001.
NIMUENDAJU, Curt. Os Índios Parintintin do Rio Madeira. Jornal de la Societé des Americanistes de Paris. XVI,
1924.
228 LEAL, Davi Avelino. Mundos do trabalho e conflitos sociais no rio Madeira (1861-1932). Manaus: Editora
Valer, 2020. p. 138.
229 Ibidem, p. 168.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

surtiu efeito através das ações de Curt Nimuendajú que, articulado ao Serviço de Proteção aos
Índios, iniciou este processo em 1921. Por conta disso, a pesquisa se delimita temporalmente entre o
fim do século XIX e início do XX, período de maior recorrência de notícias sobre conflitos entre os
Parintintin e os não-indígenas no rio Madeira.
A partir disso, a pesquisa tem por objetivo a análise das relações entre imprensa e etnicidade
na construção de representações e práticas sobre a guerra dos indígenas Parintintin, principalmente
entre os anos de 1880 e 1920. Além disso, pretende-se também analisar as práticas e representações
da guerra Parintintin dentro dos estudos da guerra Tupi, em busca de compreender suas
aproximações e especificidades.
Todas as análises e discussões desenvolvidas na pesquisa são fundamentadas a partir da
Nova História Indígena, que propõe o protagonismo e a agência indígena na sua própria história.
Assim, é recuperada a agência social desses sujeitos, possibilitando analisar suas decisões de luta,
articulação, estratégias e ações. Como afirma Maria Regina Celestino de Almeida, “trata-se de
deslocar o foco da análise dos colonizadores para os índios, procurando identificar suas formas de
compreensão e seus próprios objetivos nas várias situações de contato por eles vividas.”230 Além
disso, na relação entre História e Imprensa, esta pesquisa atua no campo da História através da
Imprensa, tomando o jornal como fonte primária.
A pesquisa também se utiliza das noções de prática e representação, pensadas a partir do
campo da Nova História Cultural. A noção de prática é bastante ampla e complementar à de
representação. Para o historiador José D’Assunção Barros, são duas noções úteis
porque através delas podemos examinar tanto os objetos culturais produzidos
como os sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que
envolvem a produção e difusão cultural, os sistemas que dão suporte a estes
processos e sujeitos, e por fim as normas a que se conformam as sociedades
quando produzem cultura, inclusive mediante a consolidação de seus
costumes.231

Assim, a noção de prática pode ser compreendida como todos os modos de ser e agir de uma
sociedade, as formas como as pessoas se relacionam, “falam e se calam, comem e bebem, sentam-se
e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam
seus loucos ou recebem os estrangeiros.”232

230ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 23.
231BARROS, José D’Assunção. A História Cultural e a contribuição de Roger Chartier. Diálogos. Maringá, v. 9, n. 1,
p. 125-141, 2005. p. 135.
232 Ibidem, p. 131.
120
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Quanto à representação, para Chartier233, será sempre determinada pelos grupos que a forja,
e capaz de gerar diversas formas de práticas, por isso, está inserida nas questões de poder e disputa.
A noção de representação pode ser entendida como “as operações de classificação e hierarquização
que produzem as configurações múltiplas mediante as quais se percebe e representa a realidade” 234,
ou seja, é o modo de ver e transmitir a “realidade”. O historiador Le Goff, também nos fornece
compreensão semelhante, entendendo que a noção de representação “engloba todas e quaisquer
traduções mentais de uma realidade exterior percebida.”235
Outro entendimento que se mostrou importante no decorrer das análises, diz respeito às
guerras indígenas, que por vezes foram teorizadas a partir de discursos naturalistas, economistas,
entre outros236, que retiravam o caráter racional e tático da guerra feita por esses agentes. Portanto,
nesta pesquisa elas são compreendidas levando em conta o seu caráter social, altamente importante
na constituição das sociedades indígenas, de variadas formas. Assim, como afirma Florestan
Fernandes, “a guerra se nos apresenta como um fato social, no sentido restrito de existir como uma
das instituições sociais incorporadas a sociedades constituídas.”237
Como dito anteriormente, as fontes utilizadas são os jornais amazonenses disponibilizados
na Hemeroteca Digital Brasileira, site da Biblioteca Nacional. Eles foram selecionados a partir do
mecanismo de busca do site, que permite estabelecer limites de localidade e temporalidade, além do
uso de palavras-chave; sendo assim, de acordo com os recortes da pesquisa, a localidade se
restringiu ao Estado do Amazonas, a temporalidade entre os anos de 1880 e 1920, e as palavras de
busca foram “Parintintin”, “Parintintins” e “Parintintim”. Assim, os jornais trabalhados são o
Amazonas, Jornal do Amazonas, Diario de Manáos, Diario Official, Jornal do Commercio (AM), O
Correio do Purús, A Capital e o Imparcial. Além disso, faz-se uso de material bibliográfico da
época, que traz informações sobre os Parintintin naquele contexto, como a obra de Curt

233CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Portugal: DIFEL, 2002.
234 CHARTIER, Roger. Defesa e ilustração da noção de representação. Fronteiras, Dourados, MS, v. 13, n. 24, p. 15-
29, jul./dez. 2011, p. 20.
235 LE GOFF, Jacques. O imaginário medieval. Portugal: Estampa, 1994. p. 11.
236 Pierre Clastres demonstra esses discursos e expõe suas conclusões no texto Arqueologia da Violência: a Guerra nas
Sociedades Primitivas. In: Arqueologia da Violência: Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo: Cosac & Naify,
2004.
237 FERNANDES, Florestan. A função social da guerra na sociedade tupinambá, 3 ed. São Paulo: Globo, 2006, p.
21
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Nimuendajú238, Os Parintintin no rio Madeira; e de Joaquim Gondim239, A pacificação dos


Parintintin.
Renée Barata Zicman afirma que “a Imprensa age sempre no campo político – ideológico e,
portanto, toda pesquisa realizada a partir da análise de jornais e periódicos deve necessariamente
traçar as principais características dos órgãos de Imprensa consultados.” 240 Por conta disso, os
jornais são fichados e analisados para além do conteúdo, isto é, levando em conta todo seu contexto
de existência enquanto um veículo de imprensa amazonense. Além do mais, para a leitura das
fontes, a metodologia adotada consiste na análise qualitativa, viabilizada através dos procedimentos
de análise textual da Análise do Discurso, pois permite realizar uma leitura a contrapelo, que se
concentra na interpretação dos discursos implícitos e nos contextos de produção dos mesmos.
Enquanto uma pesquisa ainda em andamento, os resultados até então obtidos trazem uma
reflexão sobre a questão das guerras Tupi - tronco ao qual os Parintintin fazem parte -,
proporcionando um melhor embasamento sobre as possíveis práticas de guerra desses indígenas. A
partir disso, pôde-se ver três teorias que foram levantadas ao longo da história para pensar a guerra
na cosmovisão Tupi, tendo por autores Florestan Fernandes, Pierre Clastres e Eduardo Viveiros de
Castro.
Apesar de não tratarem diretamente dos Parintintin, essas teorias são muito úteis para
levantar questões a respeito das práticas de guerra dessa sociedade indígena, nos possibilitando
pensar a lógica de funcionamento dessa instituição e como isso foi representado nos jornais
amazonenses.
Além do mais, outro entendimento que vem tomando corpo a partir das análises é o de que a
guerra Parintintin é um instrumento que vai além da defesa territorial vivenciada por eles contra as
invasões dos seringalistas, isso porque se entende a guerra desses indígenas enquanto um fato
social, ou seja, faz parte das instituições sociais que constituem essa sociedade. A agência dos
Parintintin em relação aos não-indígenas, nesse momento estudado, se diferenciou da de etnias
como Munduruku ou Mura, por exemplo, que negociaram sua relação e situação frente à expansão
“civilizadora”; o procedimento padrão Parintintin era o ataque guerreiro. Por fim, existem
elementos na análise que sugerem que a luta em defesa do território era um entre os elementos do

238NIMUENDAJÚ, Curt. Os índios Parintintin do rio Madeira. Journal de la Société des Américanistes, v. 16, p.
201-278, 1924.
239GONDIM, Joaquim. A pacificação dos Parintintins: koró de iuirapá. Manaus: Edições Governo do Estado do
Amazonas / Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto, 2001.
240ZICMAN, Renée Barata. História através da Imprensa: algumas considerações metodológicas. Projeto História,
São Paulo, v. 4, p. 89-102, 1985, p. 90.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

ethos guerreiro Parintintin241 e que a empresa seringalista atravessou os caminhos de guerra desses
indígenas.
A pesquisa aqui apresentada se insere no espaço pouco preenchido das pesquisas de História
que tratam da relação entre indígenas e imprensa. Além do mais, muitos dos trabalhos realizados
sobre os Parintintin estão no campo da Antropologia e Etnologia. E mais, esta pesquisa permite
ultrapassar os discursos da visão dominante sobre os povos indígenas dentro dos jornais e se atém à
capacidade de agência e resistência dos Parintintin; estudos como esse só são possíveis a partir da
preocupação historiográfica atual da História Indígena de recuperar a agência e o protagonismo dos
indígenas dentro de sua própria história.

* * *

241 LEAL, Davi Avelino. Mundos do trabalho e conflitos sociais no rio Madeira (1861-1932). Manaus: Editora
Valer, 2020, p. 141.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Metalúrgicos na Jus ça do Trabalho‫ ׃‬a greve geral de 1985 no Distrito


Industrial de Manaus

Vanessa Cris na da Silva Sampaio**

O movimento operário e sindical no Brasil na década de 1980, apresentava-se como um


fenômeno plural, a partir das múltiplas identidades construídas e do alargamento das fronteiras
políticas. Através dos modos de organização e luta, os trabalhadores buscaram coletivamente
melhores condições de trabalho, utilizando-se da greve como uma alternativa válida de
reivindicação. Vimos esse cenário no ABC Paulista e na região norte do país, observamos a
ocorrência deste fato, na greve geral de 1985 no Distrito Industrial de Manaus. A partir desta
perspectiva, este breve trabalho busca compreender a atuação dos metalúrgicos na primeira greve
geral da categoria, por meio da judicialização dos conflitos entre patrões e empregados por meio da
Justiça do Trabalho.

Vale ressaltar que a Justiça do Trabalho como aparato jurídico e institucional de intervenção
estatal foi criado na Constituição de 1934, iniciando os trabalhos efetivamente somente em 1941.
Como poder normativo, passou a mediar e arbitrar conflitos, especialmente em casos de greve. De
acordo com Fernando Teixeira da Silva, “a Justiça do Trabalho foi criada com o objetivo de
desempenhar a função eminentemente conciliatória, mas quando as partes não conseguem firmar
acordo, os juízes definem os termos do dissidio, configurando uma arbitragem compulsória nos
conflitos de classe”242. Tais definições também são compartilhadas por Larissa Rosa Corrêa e
Clarice Gontarski Speranza ao analisarem o deslocamento das lutas iniciadas no chão das fábricas
levadas à Justiça do Trabalho.243 Esse perfil de intervenção foi nitidamente percebido entre os
metalúrgicos do Distrito Industrial e os empresários locais em 1985. Essa relação de conflito e

 Pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da UFAM (PPGH/UFAM)


com o apoio da CAPES e sob a orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Mestranda no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. E-mail‫׃‬
vanessa-css@hotmail.com
242 SILVA, Fernando Teixeira da. Entre o acordo e o acordão‫ ׃‬a Justiça do Trabalho paulista na antevéspera do
golpe de 1964. In‫ ׃‬GOMES, Ângela de Castro e Silva, Fernando Teixeira da. (orgs). A Justiça do Trabalho e sua
história‫ ׃‬os direitos dos trabalhadores no Brasil. Campinas‫ ׃‬Editora Unicamp, 2013, p.206.
243 Ver CORRÊA, Larissa Rosa. A tessitura dos direitos‫ ׃‬patrões e empregados na justiça do trabalho, 1953-1964.
São Paulo‫ ׃‬LTr, 2011. Ver SPERANZA, Clarice Gontarski. Nos termos das conciliações‫ ׃‬os acordos entre mineiros de
carvão do Rio Grande do Sul e seus patrões na Justiça do Trabalho entre 1946 e 1954. In GOMES, Ângela de Castro;
SILVA, Fernando Teixeira da (Org.). A Justiça do Trabalho e sua História: os direitos dos trabalhadores no
Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

124
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

desgaste entre ambos os sindicatos, teve como ponto de partida a discussão da Convenção Coletiva
de Trabalho daquele ano, onde os trabalhadores expuseram as necessidades da categoria, entrando
em confronto direto com a classe patronal.

O processo de negociação teve início do dia 15 de julho, onde foram apresentadas 45


cláusulas de reivindicação, dentre as quais a questão econômica foi desde o princípio, a principal
barreira para se chegar a um acordo. Houve, entre os dias 17, 18, 22, 24 e 26 do mesmo mês,
exaustivas reuniões entre os sindicatos, sem qualquer avanço. Aprovando apenas 32
cláusulas das 45 reivindicadas, a última reunião ocorreu no dia 31 de julho de 1985. A
principal reivindicação dos trabalhadores era um reajuste salarial de 100% para toda a
categoria e um aumento real de 20% e 30% variando conforme o quantitativo de
funcionários por empresa. Além do pagamento de horas extras, promoções, creche para
menores de 3 anos, redução da jornada de trabalho para 40 horas, garantia de emprego para
as gestantes, terem assegurados o direito de organizarem comissões de fábrica em cada
setor, limpeza nos locais de trabalho, alimentação e transporte adequados, eleições para a
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPAS), garantias sindicais, estabilidade no
emprego e adicional de insalubridade foram algumas das demandas apresentadas pelos
trabalhadores.

Em linhas gerais, o posicionamento do sindicato patronal se manteve irredutível até a


última reunião. O autoritarismo e a intransigência foram características marcantes nas
negociações. Não houve recuo, nem mesmo com o eminente risco de paralisação de todo o
Distrito Industrial. Na verdade, os empresários duvidavam da capacidade dos trabalhadores
de se mobilizarem a tal ponto. Notando que a possibilidade da greve se mostrava mais
aguda, a Delegacia Regional do Trabalho, se pronunciou pedindo bom senso, tantos dos
empresários, como dos trabalhadores, se disponibilizando a intermediar as negociações. Sem
chegar a um consenso, a greve foi deflagrada no dia 01 de agosto de 1985, com a aprovação
de mais de 10.000 trabalhadores, segundo dados da imprensa local, dos quais destaco, o
Jornal do Commercio, o jornal A Crítica e o jornal A Notícia.

É preciso destacar que a rígida postura adotada sindicato patronal foi o que motivou
os metalúrgicos a paralisarem as atividades no Distrito. Nem mesmo a mediação da Justiça
do Trabalho facilitou o processo de negociação. Os empresários só aceitavam voltar à mesa
de negociações, caso os trabalhadores retornassem ao trabalho, proposta que foi
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

veementemente rejeitada pelos metalúrgicos. Mesmo com características espontâneas, a


greve logo adquiriu forte adesão dos trabalhadores, contando inclusive, com o apoio de
financeiros de partidos políticos, outras categorias de trabalhadores, da Igreja Católica e da
sociedade civil na manutenção e unidade do movimento. No primeiro dia de greve, mais de
18 empresas paralisaram, somando um total de 12 mil trabalhadores de braços cruzados.

Logo que foi decretava, houve uma reunião na Delegacia Regional do Trabalho –
DRT, com o intuito de pôr fim à greve. No entanto, ambos os sindicatos não recuaram de
suas decisões, e a conciliação passou a ser de responsabilidade do Tribunal Regional do
Trabalho – TRT. Enquanto isso, os trabalhadores sofriam as mais variadas formas de
repressão e até agressões físicas nas empresas. Em uma das reuniões de conciliação, o TRT
destacou que se não houvesse nenhum acordo, a decisão final caberia ao Ministério Público do
Trabalho. Diante disso, o Sindicato dos Metalúrgicos fez graves queixas contra o Ministério
Público. Uma delas foi a sua ausência nas negociações na Delegacia Regional do Trabalho. Com a
forte mobilização entre os trabalhadores, o sindicato patronal logo pediu a ilegalidade da greve para
forçar o retorno dos grevistas. O TRT ainda ressaltou que ouve desvios na condução do dissidio e
que não estava se julgando necessariamente a legalidade ou não da greve, mas o seu mérito, com o
único objetivo de celebrar um acordo entre patrões e empregados e consequentemente, o
encerramento a greve.

A paralisação dos metalúrgicos foi marcada por forte repressão policial, piquetes,
mobilização de outras categorias e principalmente pela união entre os grevistas, mesmo sem
qualquer tipo de experiência sindical ou de livre negociação. O Sindicato Patronal continuou
irredutível, negando-se a negociar, mesmo com a convocação do Ministério do Trabalho na
conciliação. Essa inflexibilidade se estendeu até o terceiro dia efetivo de greve.244 A imprensa local
ressaltou a todo momento que a greve era ordeira e pacífica e que pequenas irregularidades jurídicas
não poderiam deslegitimarem a luta dos trabalhadores na busca de condições mínimas de
sobrevivência. Tais irregularidade não deveria ser confundidas com nulidade. Neste sentido, havia
legitimidade nas pretensões dos trabalhadores, segundo a avaliação do Departamento Intersindical
de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, demostrando através de um estudo solicitado
pelo Sindicato dos Metalúrgicos que as perdas salarias dos operários se baseavam no alto custo de

244 A greve teve início no dia 01 de agosto de 1985, quinta-feira. O dia 02 se manteve sem negociação. Os dias 03 e 04
de agosto foram finais de semana. Apenas algumas empresas tinham expediente no sábado. A retomada da greve só
veio a ocorrer no dia 05 de agosto, quando mais de 20.000 operários se mantiveram paralisados.

126
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

vida da cidade, questionando os métodos e artifícios do Sindicato Patronal para achatar ainda mais
os salários.

No dia 05 de agosto, houve nova audiência de conciliação por intermédio Tribunal Regional
do Trabalho. Nessa reunião não houve acordo, mas as negociações puderam ser reabertas. Esse
passo foi considerado uma pequena vitória para os grevistas. Ambos os sindicatos optaram por
prosseguir negociando extrajudicialmente. Os empresários já se encaminhavam para um possível
acordo e os trabalhadores começaram a dar sinais de esgotamento do movimento com o retorno
gradativo de alguns operários ao trabalho. Percebendo o desgaste de ambos os lados, ainda na
madrugada do dia 06 de agosto foi celebrado um acordo, posto em votação e aprovado pelos
trabalhadores em Assembleia Geral.

Se comprometendo a se apresentarem ao TRT em caso de acordo, os representantes dos


sindicatos fizeram a comunicação formalmente a justiça. Nessa mesma ocasião foi pedido a
suspensão do dissidio coletivo para que se formalizasse o acordo e uma nova audiência foi marcada
para o dia 13 de agosto. No dia 09, o Sindicato dos Metalúrgicos pediu a desistência da ação do
dissidio coletivo, tendo em vista o acordo firmado. No dia 13 de agosto, o acordo foi formalizado,
estipulando ao Sindicato dos Metalúrgicos, o pagamento dos dias paralisados. A ação foi arquivada
pelo TRT no dia 29 de agosto.245 Nesta greve, os trabalhadores conquistaram reajuste salarial
trimestralmente segundo os índices do INPC, obedecendo a seguinte escala100 ‫ ׃‬% para até 3
salários-mínimos e 80% para as demais faixas salariais. O aumento real conquistado foi de 6%, dos
30% iniciais reivindicado. Nas questões sociais, os patrões concordaram em conceder promoções
para os empregados de nível superior em um prazo de 60 dias. Para os cargos de chefia e
supervisão, os prazos não ultrapassariam os 90 dias. Os funcionários admitidos entre os reajustes
salariais, passaram a receber o salário integral e não mais proporcional ao tempo de serviço. As
gestantes passaram a ter garantias de emprego e salário a partir do início da gestação até 60 dias
após o afastamento legal. As empresas com mais de 30 funcionários firmaram o compromisso de
manter creches próprias ou conveniadas para funcionárias com filhos de até 3 anos de idade.
Conquistaram o pagamento de horas extras, de 50% em dias uteis e 100% para finais de semana e
feriados.246

245 Processo TRT N° DC08/85. Espécie: Dissidio Coletivo. Arquivo do Centro de Memória da Justiça do Trabalho –
CEMEJ/TRT11, p,178.
246 Jornal A Crítica, 07 de agosto de 1985, p. 07.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Conforme pudemos expor brevemente neste trabalho, a mediação da Justiça do Trabalho


obrigou aos empresários a recuar no seu posicionamento hostil, voltando a negociar diretamente
com os trabalhadores. É óbvio que as reivindicações alcançadas não foram as mais justas e
adequadas as necessidades da categoria, mas certamente representou um passo importante na luta
dos metalúrgicos em Manaus. É importante frisar que a greve geral de 1985, representou a
aproximação do sindicato com as bases operárias, enquanto mecanismo de mobilização e resistência
dos trabalhadores, encontrando no poder normativo da Justiça do Trabalho, a proteção dos direitos
da classe trabalhadora ainda em processo de recrudescimento.

* * *

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Experiências e Memórias de trabalhadores na carvoaria em Manaus (1945-


1967) 

Sérgio Carvalho de Lima**

Trabalhar com a produção e venda de carvão vegetal constituía-se em uma atividade


recorrente para uma parcela significativa dos segmentos populares em praticamente todas as regiões
brasileiras, convertendo o carvoeiro numa figura marcante da realidade social do país247. O produto
manejado por esses trabalhadores, o carvão vegetal, era nesse momento, “essencial à vida da
população”248 e, utilizado também, como combustível natural em diversos setores da economia
nacional249: usinas elétricas e siderúrgicas, oficinas, padarias, além do próprio ambiente doméstico.

Nos últimos anos do primeiro governo Vargas consolidaram-se diversas medidas que
visavam garantir e ampliar a exploração, sobretudo do carvão mineral. Essa política consolidou-se
em 1953 com a criação do Plano Nacional do Carvão 250. O carvão vegetal, enquanto um subproduto
da madeira também recebe uma atenção importante nesse contexto.

Manaus, a despeito de ter sido uma das primeiras capitais a contar com energia elétrica,
ainda no início do século XX, tido à época como fator de modernidade, continuava sustentando-se
majoritariamente, seja nos navios, pequenas fábricas, padarias, gráficas ou usinas da energia a
vapor251, gerada pela queima de lenha e carvão vegetal.

O escritor e político amazonense Jeferson Peres em seu livro de memórias sobre a cidade de
Manaus dos anos 1940/50 observa que, quem percorresse os pontos mais afastados da cidade nesse
 Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da pesquisa que resultou na dissertação de Mestrado “Carvoeiros: trajetória
do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus (1945-1967)”, defendida no ano de 2017 no PPGH/UFAM
com apoio da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós. A referida dissertação recebeu o prêmio
PROPESP/UFAM como a melhor dissertação do programa no ano de 2017.
**** Sérgio Carvalho de Lima, professor da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC/AM) e da Secretaria Municipal
de Educação (SEMED/Manaus). E-mail: sergiolima.scj@gmail.com
247 SOUZA, Elza Coelho de. “Carvoeiro” In: Revista Brasileira de Geografia, Out-Dez 1946, n. 4, p. 151.
248 PERES, Jefferson. Evocação de Manaus: como eu a vi e sonhei. Manaus: Valer, 2002, p. 208
249 Na década de 1940 foram fixadas as diretrizes mais amplas para o aproveitamento do carvão nacional, (Decreto-Lei
nº 2.667, de 3 de outubro de 1940. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2667-3-outubro-1940-412620-norma-pe.html.
Acesso em 02/05/2021.
250 Lei nº 1886, de 11 de junho de 1953. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/l1886.htm. Acesso em 02/05/2021.
251 COSTA, Francisca Deusa Sena da. Quando viver ameaça a ordem urbana – trabalhadores de Manaus (1890-1915).
Manaus: Valer, 2014, p. 66.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

período, como a Estrada do Tarumã ou a Colônia Campos Sales avistava “com frequência, rolos de
fumaça que saíam da mata, indicando os locais onde se fazia o carvoejamento 252. Ainda segundo o
autor

Era muito grande o número de vendedores ambulantes, entregadores e carreteiros


que atendiam em domicilio; os mais solicitados, e talvez os mais sacrificados, eram
os carvoeiros (...) não menos dura era a atividade dos carroceiros, a conduzir suas
carroças puxadas a burros, semelhantes a carros de bois.253
Não obstante, o destaque e a relevância dada pelo memorialista à figura desses sujeitos,
observa-se que poucos trabalhos que se debruçaram em analisar tais trabalhadores. A pesquisa que
resultou na dissertação de mestrado defendida em 2017254 buscou, nesse sentido, compreender a
trajetória do trabalho e dos trabalhadores desta categoria. O presente texto busca destacar, desse
modo, a partir dos relatos orais, algumas experiências de vida e de trabalho de dois colaboradores
da pesquisa: Wilton Alves Pereira e Judith dos Santos e que foram fundamentais na construção da
citada pesquisa.

Entendemos que a História Oral, mais que “uma onda passageira” ou um complemento à
fonte escrita, se apresenta como uma rica fonte de pesquisa para o historiador na medida em que
possibilita meios de reconstrução do cotidiano e da memória de sujeitos, cujas vivências
dificilmente seriam “entendidos ou elucidados de outra forma”255.

As trajetórias de Wilton Alves e Judith dos Santos são significativas, nesse sentido, por
evidenciarem testemunhos de um período tido tradicionalmente como estagnado, perspectiva esta
que acaba, em certo sentido ocultando processos e realidades do espaço urbano, homogeneizando os
sujeitos e relegando às sombras diversas experiências, de viver e trabalhar, moldadas nesse
contexto.

Wilton Alves Pereira, nasceu no município do Manaquiri256 em 1930, e, segundo contou,


com aproximadamente 12 anos, começou a lidar com a produção de carvão vegetal nas terras da

252 PERES, Jefferson. Op. Cit., p. 208.


253 PERES, Jefferson. Op. Cit., p. 205-209.
254 LIMA, Sérgio Carvalho de. Carvoeiros: trajetória do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus (1945-
1967). Dissertação de Mestrado. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2017. Disponível em:
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/6536.
255 FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. 8.ed. Rio de janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 14
256 Munícipio distante aproximadamente 60 km de Manaus, capital do Estado do Amazonas.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

família, sendo o produto transportado em canoas ou batelões257 para ser vendido nas beiradas e
igarapés de Manaus em meados da década de 1940.

Quando questionado sobre sua inserção nesta atividade, Wilton afirmou “A vida era
trabalhar na agricultura como carvoeiro, como roceiro...a gente vivia pela agricultura, vivia pelo que
produzia...era um ramo que dava”258. Atualmente com 86 anos de idade, Wilton lembra da rotina na
lida com carvão, fabrico, transporte e venda

Eu acordava cedo, 6h da manhã já tava na hora do trabalho, ia pro mato trabalhar,


ia roçar, derrubar madeira, naquele tempo não tinha moto serra, era só machado, ai
botava o roçado pra secar como a gente chama se cai que eu digo é pra [inaudível]
a folha, ai com 8 dias, 10 dias a gente tocava fogo nele, ai aquele folha maior,
aqueles bichos, aqueles insetos, saia, queimava e ai a gente ia rolar madeira pra
fazer o carvão depois de tirar toda aquela madeira ali quente naquele local ai a
plantar, plantava macaxeira, banana, maxixe, cará...Naqueles tempos, não tinha
motor, era andando assim a voga, a voga que eu digo é uns esquife que a gente
botava na popa do barco né, saia remando, remando quase meio dia, quando não
era 5 horas, 6 horas, não tinha motor, motor era difícil259

Percebemos que em sua narrativa, Wilton Alves contraria uma determinada imagem
projetada para o homem do interior, o caboclo que, herdeiro de um passado indígena, apresenta
sempre uma “dose visível de preguiça” e “indisposição para o trabalho sistemático”, numa
permanente “despreocupação com o dia de amanhã”260.

O trabalho na carvoaria, respondendo a uma necessidade econômica dos segmentos


populares, se insere também numa dinâmica própria da cultura amazônica, da cultura da floresta em
que diversas atividades e experiências emergem destes espaços: roçar, tirar lenha, fazer carvão etc.
Nesse sentido, é significativa a fala de Wilton Alves quando relata que

Você trabalhava amplo, livre, em qualquer parte que você encostava, fazia sua
farinha, fazia sua caieira, não tinha dificuldade, não tinha imposto não tinha nada,
só existia o imposto da mercadoria e comércio que era o que a gente comprava né,
que se pagava os imposto para os fiscal, fora disso não existia nada que sem
dificuldade, era o tempo de rosa como chamavam naquela época, não tinha
perseguição, muita fartura, muito peixe, caça você num matava uma caça porque
você não tinha necessidade de matar porque tinha o que comer o que beber era bom
demais, era uma época que dava seus nomes nos alfabetos mas era uns alfabetos

257 Embarcação regional movida a remo, de pequeno casco e geralmente coberta de palha (ANDRADE, Moacir.
Op.cit., 1984, p.48-49)
258 Entrevista realizada em 23 de novembro de 2016, em sua residência.
259 Entrevista realizada em 23 de novembro de 2016, em sua residência.
260 BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia: Análise do processo de desenvolvimento. Manaus: Valer, 2007, p.
63
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

fiel que não roubava que tinha sua palavra certa, agora não, agora ninguém só
estamo esperando em Deus mesmo, fora Deus não tem mais ninguém261

Além de nos remeter às práticas sociais e econômicas do homem interiorano, chama à


atenção neste relato de Wilton as suas concepções próprias quanto ao uso do espaço florestal,
perspectiva esta observada pelo historiador E.P. Thompson, quando salienta que “uma floresta tem
sua complexa economia própria; onde se multiplicam os povoamentos, as reivindicações...as
exigências humanas de madeira, carvão e transporte262.

Interiorana, assim como Wilton, nascida no município de Fonte Boa, região do Alto
Solimões, no ano de 1944, Judith veio com dezesseis anos de anos idade para a capital amazonense
em busca de melhores condições de vida, a exemplo de muitos outros ribeirinhos nesse período. Foi
moradora da Cidade Flutuante263, e posteriormente com a desarticulação deste espaço, mudou-se
para o então periférico bairro de Santo Antônio. Sobre sua trajetória desde os tempos no interior até
a chagada a capital e a opção pelo trabalho com o carvão vegetal Judith fez o seguinte relato

Eu nasci pra lá, mas não pude estudar porque meus pais não tinha recurso pra me
botar pra estudar na cidade, aí eu fiquei trabalhando por 5 anos comecei a trabalhar
em casa, ajudar minha mãe não tinha mais pai, aí com 10 anos comecei a trabalhar
na roça sabe pra ter meu dinheiro meu dinheiro sabe, aí morei. Viemo de lá pra cá,
Paraná de Flores município de Codajás bem pertinho, aí de lá trabalhei na juta, na
roça, plantava primeiro a roça, milho, banana ai fui pra juta, trabalhei muito tempo
na juta, aos meus 16 anos a minha irmã resolveu vi pra cá pra cidade aí eu vi pra cá
mais ela né com 16 anos, aos meus 17 anos foi quando me casei aí fiquei casada
mas meu esposo viajava ai foi justamente quando comecei a cuidar de carvão sabe,
aí aos meus 19 anos tive meu primeiro filho nos [pausa] 22 eu tive a segunda
filha.264
Judith enfatiza nessa narrativa a ligação com as atividades que desempenhou no interior, o
cultivo da roça e dos diversos produtos agrícolas. Talvez por isso “cuidar de carvão” tenha sido uma
escolha lógica dentre outras possíveis para sua sobrevivência, em tempos que o esposo viajava e
mesmo após este falecer.

Chama também à atenção em outros relatos de Judith as indicações que remetiam ao


envolvimento de outras mulheres nessa atividade; “ai foi quando eu comecei a ver as vizinha fazer o
carvão né, ai fiquei vendo”265. A despeito das limitações e estereótipos postos pela sociedade ou

261 Entrevista realizada no dia 01 de outubro de 2016 em sua residência.


262 THOMPSON, E.P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 31.
263 Tradicional espaço de moradia popular que ocupava a orla da cidade com casas de madeira, construídas sobre
troncos de árvores e desarticulado em 1965 no governo de Arthur Reis (OLIVEIRA, Jose Aldemir de. Manaus de 1920
a 1967: A cidade doce e dura em excesso. Manaus: Valer, 2003, p. 79)
264 Entrevista realizada em 30 de janeiro de 2016, em sua residência.
265 Entrevista realizada em 30 de janeiro de 2016, em sua residência.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

mesmo pela família em relação a mulher, neste caso, a mulher casada, havia possibilidade de serem
redefinidos cotidianamente, abrindo assim relativos espaços de autonomia.

As falas dos entrevistados citados, possibilitam acesso aos lugares da memória desses
sujeitos históricos, remetendo-nos às diversas espacialidades que cotidianamente articulavam para
trabalhar, viver, morar, enfim, sobreviver numa cidade tida como estagnada. Além disso, seus
relatos e trajetórias pessoais permitiram-nos conhecer suas lutas cotidianas, ao mesmo tempo que
suas percepções dessa espacialidade.

* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Tensões nos rios e na cidade – os movimentos grevistas dos foguistas e


dos alfaiates em Manaus*

Moisés Dias de Araújo**

Ao longo da última década do século XIX e da primeira década do século XX, os


trabalhadores da capital do Amazonas se movimentaram no sentido de formar as suas associações,
beneficentes e/ou sindicais, seus partidos operários e sua imprensa. Canalizaram esforços para
realizar um processo de organização, mobilização e luta social. Criaram para isso as instituições de
classe acima citadas. Através delas os trabalhadores e suas lideranças refletiam sobre a sua situação
social e deliberavam sobre as ações políticas a serem defendidas. Uma dessas ações eram as greves
(além de protestos, passeatas, etc.).
As greves foram deflagradas por diversas categorias profissionais no Amazonas desde o
século XIX, como a dos estivadores, catraieiros e carroceiros, por exemplo266. Perduraram ao longo
da década inicial do século XX. Porém, durante o período de 1914 até 1918, o processo associativo
e de luta dos trabalhadores no Brasil ganhou uma nova dinâmica, e na cidade de Manaus não foi
diferente, principalmente por conta do advento da Primeira Guerra. Antecedendo o início da guerra,
no decorrer do ano de 1913, alguns movimentos reivindicatórios passaram a irromper na cidade.
Nos dias 15 e 16 de junho daquele ano, as suas ruas foram tomadas pelos populares contra a
Manáos Improvements Ltda267. Nos últimos dias deste mesmo ano, os coveiros do cemitério São
João Batista acabaram por ser demitidos após uma pequena paralisação, além de muitos
desentendimentos268. Tais conflitos já indicavam que o ano de 1914 traria novas movimentações por
parte dos trabalhadores e de sua população.
Já o próprio sentido da greve trazia um impacto muito grande para os trabalhadores, pois a
condição de grevistas não era bem vista dentro da sociedade, assim como pelos governos, não

** Este trabalho é parte da pesquisa desenvolvida durante o curso de Mestrado em História no PPGH/UFAM com apoio
da CAPES e sob a orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas. Professor de História da SEDUC/AM e
SEMED/AM. E-mail:m.dias.araujo13@gmail.com
266 PINHEIRO, Luís Balkar Peixoto; PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Mundos do trabalho na cidade da borracha:
trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930). Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2017.
267 Ver: ARAÚJO, Moisés Dias de. O grito dos trabalhadores: movimento operário, reivindicações e greves na
Manaus da Grande Guerra (1914-1918). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas,
2018l, p. 14-49.
268 Jornal do Commercio, 01/01/1914, p. 2.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

somente local como de outras partes do país. E isso fica claro através do Código Penal de 1890 269,
que tentou proibir as greves e coligações operárias. Portanto, a falta de regulamentação através de
lei era um dos elementos principais que beneficiava mais aos empregadores do que aos
trabalhadores, demonstrando que entre eles, “[...] existe sempre ‘uma fronteira invisível de
controle’, uma fronteira que é definida e redefinida num processo contínuo de pressões e
contrapressões”270. Esse fato gerava uma contrapressão por parte do empregador, que teve como
resultado empírico a demissão de oito trabalhadores do cemitério São João Batista que estavam
envolvidos com a greve.
Não obstante, focaremos em dois movimentos grevistas ocorridos durante o período de 1914
a 1918, e que foram promovidos pelas seguintes categorias: dos foguistas e dos alfaiates da cidade
de Manaus.
No dia 25 de janeiro de 1914, o Jornal do Commercio noticiou em suas páginas um
movimento iniciado pelos foguistas. Este episódio foi apenas um dos primeiros acontecimentos os
envolvendo. No dia 23 de março do mesmo ano saiu outra nota no mesmo jornal que tinha como
teor algumas reclamações sobre questões parecidas com os acontecimentos do dia 25 de janeiro.
Então vamos aos movimentos.
Ao considerarmos esses dois momentos, entrevemos que o segundo episódio esclarece
muito os motivos que levaram à tentativa de greve no dia 25 de janeiro, elucidando as razões da
revolta da União dos Foguistas, bem como de alguns trabalhadores. Aos olhos do comandante do
navio, assim como da administração do porto, tudo estava em ordem. Porém, segundo a União, o
número de trabalhadores estava muito abaixo do estipulado. No primeiro episódio, só foi
apresentado o número total de trabalhadores dentro da embarcação, diferentemente do segundo em
que eles especificaram que era um maquinista e dois foguistas.
Além disso, o fato de não prestarem outros esclarecimentos, como a questão do número de
dias de viagem feito pelas embarcações, foi ponto crucial do debate. Quanto maior o número de dias
de viagem, maior a necessidade de empregar mais trabalhadores, o que no caso não estava
ocorrendo, pois nessa situação estavam sendo apresentados apenas três dias de viagem. Porém,

269 Decreto nº 847, 11 de outubro 1890 – Promulga o Código Penal – Capítulo VI – Dos crimes contra a liberdade de
trabalho: Artigo 204 – Estabelece penalidade contra qualquer um que constranger ou impedir alguém de exercer sua
indústria, comércio ou oficio; Artigo 206 – Considera crime causar ou provocar cessação ou suspensão do trabalho, para
impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário.
270 LINDEN, Marcel Van Der. Trabalhadores do mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas,
SP: Editora Unicamp, 2013, p. 195.
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como eles colocavam, na maioria das vezes a duração das viagens excedia a oito dias,
sobrecarregando, dessa forma, os trabalhadores, sendo este o principal motivo de sua revolta.
No dia 21 de março de 1916, novamente a União dos Foguistas entrou em ação. Percebemos
novamente a atuação da União junto aos seus associados, diante de uma situação de desacordo entre
o que estava previsto e o que andava acontecendo. Desta vez foi sobre o salário a ser pago pelos
dias que seriam trabalhados pelo foguista Francisco Luiz da Silva. Porém, como é relatado pelo
jornal, após esse primeiro contato com o foguista por parte da União, assim como após a conversa
com o comandante da embarcação, não houve nenhum acordo entre as partes, pois ocorreu a
necessidade de o próprio presidente da associação comparecer ao local.
No entanto, o mesmo não pôde subir na embarcação, pois foi impedido pelo comandante,
gerando revolta entre os foguistas, que resolveram em “solidariedade” ao companheiro deixar a
embarcação. Como o próprio jornal enfatizou, que o mais antigo dos trabalhadores da embarcação,
Antônio Affonso Coelho, se solidarizou e também abandonou a embarcação.
Apreciamos essa atuação por parte da União junto aos foguistas e carvoeiros ganhar mais
força quando eles declararam-se em greve, tendo como causa principal as questões salariais,
gerando um grande embate entre a categoria dos foguistas e a Capitania.
Cabe destacar que uma das reivindicações que sempre provocava divergências entre os
trabalhadores das embarcações e a Capitania do Porto teve uma solução aparentemente favorável a
seus trabalhadores, que foi o aumento da tripulação dentro das embarcações, diminuindo assim a
carga de trabalho sobre todas as categorias envolvidas nas viagens fluviais.
Os movimentos continuaram pela cidade, mostrando o dinamismo dos trabalhadores e suas
reivindicações para resolver os seus problemas. As greves prosseguiram no ano de 1915, e
novamente “[...] por desavenças entre patrões e empregados no tocante aos valores a serem pagos”
de seus salários271. Porém, dessa vez, temos na linha de frente a categoria dos alfaiates.
Após uma reunião realizada entre os pares no dia 18 de agosto de 1915, foi deliberado que
nenhum alfaiate presente naquela assembleia deveria trabalhar para o empregador, Augusto de
Oliveira, “nem mesmo sob as melhores propostas”272. Segundo o Jornal do Commercio, todas essas
informações foram repassadas por uma junta formada pelos membros da União273 que foram à
redação do jornal. Presenciamos novamente dentro dos movimentos dos trabalhadores uma junta

271 PINHEIRO e PINHEIRO. “Mundos do trabalho na cidade da borracha”, p. 155-156.


272 Jornal do Commercio, 18/08/1915, p. 1.
273 O Jornal do Commercio publicou todos os nomes daqueles que participaram desta junta que passou essa
informação (Jornal do Commercio, 18/08/1915, p. 1).

136
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

formada para esta situação de greve, que ficou responsável em passar as informações sobre os
acontecimentos ao jornal.
Notamos, desse modo, como a União dos Alfaiates agiu de forma bem organizada a respeito
dos acontecimentos que se deram com os trabalhadores da alfaiataria As Tesouras. Essa greve
perdurou por um longo período e, mesmo assim, a União dos Alfaiates não deixou de dar auxílio
aos grevistas. Linden coloca que durante uma greve “[...] é essencial manter elevado o moral dos
grevistas. Os trabalhadores têm que continuar envolvidos no processo e não podem perder a
esperança”274.
E como podemos perceber em outras notas que saiam naquele jornal ao longo do mês de
agosto, a “[...] União continua em sessão permanente e mantém de pé a gréve nas alfaiatarias As
Tesouras e Manáos Chic até que fique resolvida a questão com essas alfaiatarias” 275. Atentamos que
havia uma coesão por parte dos grevistas, assim como de sua associação ao movimento paredista.
Reforça ainda essa perspectiva de união/coesão quando na última nota, do dia 04 de
setembro, o Jornal do Commercio nos mostrou que a União estava como intermediadora das
negociações, “[...] a União dos Officiaes de Alfaiate continuará em gréve com a alfaiataria As
Tesouras até que Augusto de Oliveira termine o pagamento dos seus ex-officiaes”276. E isso
ocorreu, pois havia sido firmado um acordo entre a União e o dono da alfaiataria, de que todos os
trabalhadores seriam pagos até o dia 2 de setembro. Como parte dos pagamentos ainda estava em
aberto, eles continuaram em greve.
Um último ponto a acrescentar sobre o movimento se liga muito a esses laços de
solidariedade, é a questão étnica, pois nos relatos apresentados, assim como no material empírico
(fontes), boa parte desses trabalhadores eram portugueses.
Dentre os movimentos grevistas, podemos considerar este dos alfaiates como um dos mais
coesos e solidários, pois, como já foi comentado, não ocorreu nem ao menos um caso de fura-greve
no movimento, além de se manterem paralisados por um longo tempo. Eram bastantes solidários
uns com os outros, além de demonstrarem uma organização forte, através da União dos Alfaiates de
Manáos.
Assim, os movimentos grevistas e outros movimentos de reivindicações que estavam
ocorrendo pela cidade não buscavam apenas o pagamento de seu salário, mas esforçavam-se em

274 LINDEN. “Trabalhadores do mundo”, p. 214.


275 Jornal do Commercio, 26/08/1915, p. 1.
276 Jornal do Commercio, 04/09/1915, p. 1.
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solucionar uma variedade de problemas que perpassavam no seu cotidiano, assim como a busca de
autoafirmação das categorias dentro deste mundo do trabalho manauara.

* * *

138
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Imigração venezuelana: a etnia Warao e o direito à moradia, saúde,


educação e ao trabalho na cidade de Manaus (2016-2019)

Marineide da Silva Ribeiro**

O mundo vive uma grande crise migratória, os noticiários dão conta de relatar as fatídicas
lutas de milhares de imigrantes que saem de um lugar para o outro nas mais perigosas aventuras já
vistas nos últimos tempos. Um dos últimos dos episódios sobre a situação dos imigrantes, foi a
apreensão do Navio da ONG SeaWatch, em junho de 2019, após levar sem permissão cerca de 40
migrantes a Ilha de Lampedusa, território italiano, ele atracou no lugar para prestar melhor
assistência a tripulação que estava desidratada, sem falar nos refugiados sírios que chegam em
número expressivo a Europa.

A ideia de Imigração perpassa pela entrada de pessoas ou grupos de pessoas estrangeiras em


determinado país para trabalhar e/ou para fixar residência, permanente ou não277. Para além, das
definições do processo migracional é necessário entender como se posicionam as pessoas que
passam por esse processo, tendo em vista que, antes de estar na condição de imigrantes, elas têm
uma identidade, tem uma história de vida e requerem também seus direitos, à cidade que
escolheram viver, quais sejam, moradia, educação, saúde e trabalho 278

É nesse sentido que estamos buscando refletir as vivências e experiências de um grupo de


imigrantes quais sejam, os Venezuelanos da etnia indígena Warao na cidade de Manaus no tempo
presente. Suas formas de inserção, adaptação, embates e conflitos, que têm contribuído para a
constituição efetiva das relações sociais dessa espacialidade.
O século XX pode ser considerado o “século da urbanização”. Período em que as cidades, de
um modo geral, receberam um grande contingente de migrantes, alterando a sua rotina279. Com a
cidade de Manaus, a partir da última década do século XX280, não foi diferente, visto que, com a
chegada dos migrantes e imigrantes, o centro urbanístico passou por modificações, tanto na sua
**** Mestre e doutoranda em História pelo PPGH/UFAM. Professora da Secretaria de Estado de Educação e Desporto-
SEDUC-AM. Email‫ ׃‬neidemsrribeiro@gmail.com
277Alto Comissariado das Nações Unidas. nacoesunidas.org/agencia/acnur/
278 Idem
279 BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. 2. ed. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 2012, p.7.
280 Disponível em: <https://www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=87> Acesso em: 16 de junho de 2015.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

estrutura física quanto social, à medida que novos bairros foram surgindo e assim, tem sido até o
presente momento com milhares de migrantes e imigrantes tomam Manaus como um novo destino.

No entanto, como as sociedades vem lidando com os imigrantes que chegam? Umas das
suas perspectivas primordiais do fenômeno da imigração é que, tirando algumas situações
singulares, ele colabora para esconder a sim mesmo a sua própria verdade. Por não alcançar
constantemente, porém acordo o direito e o fato, a imigração penaliza-se a engendrar a uma
situação que aparenta-se destiná-la a uma dupla condição:

“não se tem certeza se se trata de estado provisório que se gosta de prolongar


indefinidamente ou, ao contrário, se se trata de estado mais duradouro mais se se
gosta de viver com um intenso sentimento do improvisoriedade. Oscilando,
segundo as circunstâncias entre o estado provisório que a define de direito e a
situação duradoura que a caracteriza de fato”.281
As observações de Sayad são pertinentes para a presente análise, à medida que, observamos
os olhares discriminatórios vários citadinos manauaras sobre os imigrantes venezuelanos que vem
chegando em Manaus desde o final de 2015. Desta feita, importa compreendermos quais são as
estratégias criadas por esses novos moradores para permanecerem na cidade. Visto que, em alguns
relatos, na visão de muitos não há mais como retornar ao seu lugar de origem, devido à crise
política, econômica, social e humanitária.282

Dada a situação discrepante do país, vem sendo recorrente a imigração venezuelana para
outros países como é o caso do Peru, Bolívia e Brasil. Soma-se cerca de 3 milhões de expatriados
segundo a ACNUR283, e ainda, até abril de 2019 há registro de cerca de 16 mil reconhecimento na
condição de refugiados. De acordo com a polícia federal são 168 mil venezuelanos em solo
nacional.284

Assim, os waraos vem chegando a Manaus desde final de 2016, através de Pacaraima e Boa
vista, muitos cruzam a fronteira a pé. O motivo pela procura de outra cidade como é o caso de
Manaus, dá-se pela falta de assistência- alimentícia, médica e social, e para além disso, o estigma de
serem visto como “peso” para aquela sociedade.

281 SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou paradoxos de alteridade. tradução. Cristina Murachco- São Paulo, Editora
da Universidade de São Paulo,1998.
282 Parecer técnico Antropológico. manaus/mpfam-apresenta-parecer-antropologico-sobre-indigenas-warao-em-
manaus
283 Agência da ONU para refugiados
284Alto Comissariado das Nações Unidas. nacoesunidas.org/agencia/acnur/

140
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

A chegada à Manaus ocorre através da BR 174. No intuito de melhores condições de vida,


oportunidade de trabalho e mais dignidade é que centenas de venezuelano indígenas e não indígenas
(criollos) se posicionam como novos moradores da cidade.285A narrativa de Maria Peréz imigrante
do Delta do Orinoco pertencente a etnia warao diz que: “nós viemos em família até Pacaraima, a
pé, viemos porque não tinha nada lá, não tinha o que comer286”. Assim, como Maria, milhares de
venezuelanos cruzam a fronteira entre Venezuela e Brasil a pé, com poucos recursos ou sem
nenhum, eles conseguem alcançar as cidades mais próximas.

Dessa maneira, os novos imigrantes chegam para compor o cenário da capital manauara,
essa Manaus com mais de 2 milhões de habitantes e muitos contrastes sociais. Há dois perfis de
imigrantes venezuelanos: os urbanos ou chamados criollos e indígenas, nos redobramos na presença
desses últimos que são oriundos do Delta do rio Orinoco na região nordeste da Venezuela. A sua
população é composta aproximadamente de 49.000 pessoas, estima-se que eles ocupam o território
em torno de 8.000 anos. Segundo estudos antropológicos, arqueológicos e linguísticos, a
característica da região é composta por uma extrema rede de caños, ilhas fluviais, mangues e terras
alagadiças, onde vivem centenas de comunidades.287

É necessário conhecermos a dinâmica e acima de tudo a cultura milenar desse povo que tem
a sua origem no Delta do rio Orinoco, conquanto, analisar de uma forma mais sensível o seu êxodo
para as grandes cidades como é Manaus. A paisagem da cidade também tem dado conta de revelar
os múltiplos casebres dos warao que se misturam entre ruas, viadutos e carros, e assim,
descortinando a nova realidade urbana da cidade. As mulheres com suas crianças mendigando nos
sinais paradas nas principais avenidas não passam despercebidas, dessa forma, a sociedade vai
conhecendo esses novos moradores que buscam permanecer na área urbana. Acerca desses direitos,
Sayad diz que:

Tendo adquirido essa certeza, os imigrantes começaram a tomar o hábito de


reivindicar, de forma extrema, poderíamos dizer, seu direito a uma existência plena
e não mais a seus direitos parciais de trabalhadores imigrantes. Ao se afastarem dos
limites que lhes haviam sido outorgados, ao ultrapassarem seu papel de imigrantes,
eles deixaram de, em certa medida, de se parecer com a definição que deles se
dava288

285 Idem.
286 Maria Peréz, em entrevista concedida à autora desta pesquisa, em 30 de junho de 2019, na cidade de Manaus.
287Paracer técnico Antropológico.manaus/mpfam-apresenta-parecer-antropologico-sobre-indigenas-warao-em-manaus/
288 SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou paradoxos de alteridade. Tradução. Cristina Murachco. São Paulo, Editora
da Universidade de São Paulo,1998, p. 48
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A atitude desses sujeitos é vista negativamente por muitos moradores locais, eles afirmam
que os venezuelanos são mal-agradecidos, diante da situação que se encontram, que eles não
poderiam reclamar e sim aceitar a ajuda. O olhar depreciativo de muitos manauaras sobre os
venezuelanos é sentido desde a sua chegada, taxados como indesejáveis moradores.

As famílias que moravam no centro de Manaus, não eram bem aceitas pelos proprietários
dos cômodos alugados, embora pagassem um aluguel duplicado daqueles que eram cobrados a
brasileiros, algumas reclamações seriam sobre a má higiene do espaço. Esse tipo de oportunismo
sobre os aluguéis diferenciado é percebido em outros períodos de movimentos migracionais289

A narrativa de Maria Perez, professora imigrante warao, contradiz a divulgação


governamental que estava dando assistência social para esses imigrantes. Ela disse que: “Não há
comida suficiente, não há materiais para ensinar as crianças, não há material suficiente para fazer
artesanato. Aqui moram 48 famílias, 140 pessoas, 9 crianças na escola regular e 4 pessoas que
sabem falar espanhol”. A falta de ajuda governamental pelas instituições governamentais, vem
sendo suprida pelas instituições não governamentais como a exemplo da pastoral do imigrante da
Cáritas de Manaus, igrejas evangélicas e a sociedade civil que vem contribuindo com donativos
para essa população que está em estado de vulnerabilidade.

A questão cultural dos warao, não é aceitável pelos manauaras, visto que são tidos como
imigrantes não desejáveis, os desejáveis são aqueles que estão aptos aos trabalhos, que são
preconizados pela sociedade ocidental, são necessários, indispensáveis para ajudar na economia que
os utiliza, assim, os imigrantes têm um lugar durável, um lugar a margem, na prática, na parte
inferior da hierarquia social.290

Segundo Maria, o motivo de vir para Manaus foi primeiramente a escassez de alimentos,
garantir uma vida melhor e a busca de trabalho, embora, não conhecessem a dinâmica da cidade,
eles procuravam se inserir no pretenso modo de vida urbano. Apesar de ser diferente do contexto do
Delta do Orinoco que estava baseado na pesca, caça e artesanato, ali faziam apenas uma refeição
por dia baseada em milho, falta de vestuário, falta de medicamentos, a falta de circulação de
dinheiro e, por fim, a falta de esperança. A cultura diferente desse povo não é compreendida pelos
manauaras, causando práticas intolerantes de moradores locais que os estigmatizam de preguiçosos,

289 FONTES, Paulo. Um nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-1966). Rio de
Janeiro-Editora FGV, 2008, p. 134.
290SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou paradoxos de alteridade. Tradução Cristina Murachco- São Paulo, Editora da
Universidade de São Paulo,1998.

142
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

não dados aos trabalhos que ‘dignifica’ os homens e mulheres das sociedades modernas e pós-
modernas.

Não tem sido nada fácil para esses imigrantes que buscam o modus vivendi ordenador em
Manaus, a falta de comunicação, na falta de inserção no mercado de trabalho, a ida ao hospital, o
calor e a cultura diferente tem sido um desafio para eles. A reivindicação dessa população tem sido
latente no espaço urbano como é elencado por eles - a falta de ajuda do governo, falta de material
para fazer artesanato, crianças com problemas de saúde como o sarampo, a tuberculoses.

Não há materiais para ensinar as crianças em língua materna, crianças e adultos em estado
de vulnerabilidade e vivendo em locais insalubres, daí nasce a necessidade de reivindicações
políticas para (res)significar a cidade. Embora, haja todas as dificuldades supracitadas encontrada
em Manaus por esses homens e mulheres, podemos perceber a luta desses atores pela permanência e
pelo direito a cidade.

* * *
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

Baixo Rio Branco-Jauaperi: o que os comunitários pensam sobre a


Reserva
Luiz Antonio Nasc. de Souza**

Esta apresentação tem como base o estudo sobre a luta empreendida por camponeses de
comunidades ribeirinhas, em defesa de espaços e recursos naturais de uso comum ameaçados por
interesses privados orientados por processos econômicos de mercado. A luta em defesa da criação
de uma unidade de conservação foi iniciada em 2002, embora a luta pela preservação da área date
do início dos anos noventa, e culminou, em 2018, com a criação da unidade de conservação de uso
sustentável Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi, localizada na calha do rio Jauaperi,
divisor natural dos estados do Amazonas e Roraima e afluente do rio Negro. O estudo em tela é
parte constitutiva do projeto de doutorado em História Social pelo PPGH da UFAM denominado
Luta e Memória: a luta pela criação da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco-Jauaperi em defesa
de um modo de vida.

Pode-se dizer que a modalidade de “luta pela terra” em questão é, de um certo modo,
diferente daquela analisada pelos clássicos das ciências sociais que se debruçaram a compreender a
questão agrária na Amazônia. Aqui, investigo a luta em defesa da posse da terra e o modo distinto e
peculiar de uso não só da terra, mas de tudo que está sobre ela, inclusive aquilo que não é tangível.
Em outras palavras, a luta aqui não é pela terra como base material para a produção privada de
produtos a se realizar no mercado enquanto mercadoria. Ademais, a luta é empreendida por sujeitos
sociais que vivem nas e das florestas e mantêm um modo de vida que pressupõem a manutenção da
floresta em pé.

Paralelo a essa compreensão de defesa e disputa pela terra, outras questões se colocam no
debate. É necessário pontuar que, enquanto os trabalhadores/agricultores rurais da Amazônia, quase
todos migrantes das frentes de expansão advindas do sul, sudeste e nordeste, centraram suas lutas
pela terra em uma perspetiva de apropriação e uso privado da terra, como bem privado, os
camponeses ribeirinhos que lutaram em defesa da posse da terra enquanto território natural socio
espacial compreendem a terra como um bem coletivo e de uso comunal, vislumbrando a defesa dos
espaços naturais, dos recursos naturais presentes ali (florestas, fauna, recursos pesqueiros etc.) como
 Pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de Doutorado no PPGH/UFAM sob a orientação do Prof. Dr. César
Augusto B. Queirós.
**** Doutorando em História Social pelo PPGH da UFAM, Professor de Sociologia da UFAM, luizxixuau@gmail.com

144
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

estratégia fundamental e necessária à manutenção dos seus modos sociais vida291, que resultam de
uma construção social imemorial centrada em experiências, memórias, tradições e costumes. Nessa
construção, costume e cultura estão interligados, como indica Thompson292, costume aqui é
entendido como cultura, mas para além disto, costume como expressão do uso habitual que o
conforma enquanto direito: Se de um lado, o ‘costume’ incorpora muitos dos sentidos que
atribuímos hoje à cultura, de outro, apresenta muitas afinidades com o direito consuetudinário, e
este deriva dos costumes, dos usos habituais: usos que podem ser reduzidos a regras e precedentes,
que em certas circunstâncias são codificados e podem ter força de lei.

A Pesquisa de doutorado tem se dedicado a trazer à tona as histórias dos ribeirinhos que
lutaram pela criação da Resex Baixo Rio Branco-Jauaperi, de tal modo que seja possível saber quais
foram as razões e motivações que os moveram para lutar e empreender resistência pela proteção do
território e os seus modos sociais de vida e seus costumes. A pesquisa se debruça sobre as memórias
dos trabalhadores envolvidos neste tecido social, buscando revelar aquilo que está ali na condição
do que ainda não foi dito e que ainda precisa ser contado.

A questão mobilizadora é a seguinte: A luta pela demarcação do território de uso comunal


dos homens e mulheres das comunidades ribeirinhas do rio Jauaperi, igarapés Xixuau e Xiparina,
que buscou transformar aquela área em Reserva Extrativista, foi motivada por influências externas,
produto de uma discussão fundamentalmente urbana sobre meio ambiente, proteção e preservação
ambiental, discussão que teria sido levada aos comunitários (de fora para dentro) como se faz crer
os discursos daqueles que se opuseram (e ainda se opõem) aos interesses dos camponeses
ribeirinhos, se opondo a criação da reserva ou, diferente disto, a luta dos ribeirinho é a expressão da
resistência dos trabalhadores contra as ameaças e ataques aos seus modos de vida, costumes, cultura
e a vida em si e as ameaças e ataques contra as pessoas detentoras de saberes, de memórias e de
referências históricas e espaciais, referências que lhes permitiram compreender que eram sujeitos de
direitos, direito à terra, direito ao uso dos recursos naturais e a manutenção de um modo de vida
historicamente referenciado?

Esta comunicação tem como objetivo apresentar resultados parciais de estudos que
realizamos a fim de saber o quanto os comunitários estão satisfeitos com a criação da reserva, bem

291 DIEGUES, Antônio Carlos Sant'Ana; ANDRÉ DE CASTRO, C. Moreira. Espaços e recursos naturais de uso
comum. NUPAUB-USP, 2001
292 THOMPSON, Edward Palmer; EICHEMBERG, Rosaura. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

como identificar fatores tomados como problemáticos.

Considerando os objetivos da pesquisa e tendo em conta a busca de respostas e reflexões,


apresentarei nesta comunicação os resultados parciais do estudo socioeconômico que realizei junto
aos comunitários da área em questão e que me parecem relevantes para caracterizar os modos e
formas de uso e apropriação dos recursos naturais locais e suas preocupações e temores quanto ao
futuro.

O referido estudo foi realizado para compor um Diagnóstico Socioeconômico e o fiz me


valendo de ferramentas metodológicas conhecidas com DRP – Diagnóstico Rural Participativo 293, o
que possibilitou a obtenção de informações relevantes à atual pesquisa e, ao mesmo tempo, garantiu
aos camponeses a apropriação coletiva de saberes e conhecimentos socialmente referenciados. O
DRP tem como principal característica a produção de informações e conhecimentos a partir de
reuniões e oficinas de trabalho com toda a comunidade local, de maneira que as perguntas e
problemas propostos são recepcionadas por todos, podendo ser respondidas por quaisquer pessoas,
sem distinção alguma, respostas que podem ainda ser complementadas ou modificadas por outros
participantes. Ao final de cada tecnologia aplicada, pesquisador e comunitários saem repletos de
conhecimentos e informações organizadas, sistematizadas e socialmente referenciadas.

Consequências da criação da RESEX para as comunidades locais

Há uma grande expectativa em relação a criação da Reserva. Tanto entre os moradores defensores
da implantação da Resex quanto aqueles que se posicionaram contrários. O que se destaca nesta
expectativa é, de um lado, a esperança de que a reserva possa finalmente garantir aos comunitários a
paz e segurança fundiária; a proteção dos recursos naturais de uso comunal e a possibilidade de
geração de renda, assim como a oferta, por parte do Estado, de saúde, educação e demais serviços
públicos. De outro lado, entre aqueles moradores que se posicionaram contra a criação da reserva há
um tipo de temor na medida em que, para eles, seriam impedidos de continuar vivendo no local de
acordo com os seus modos de vida.

Segundo aqueles comunitários “com a criação da reserva ninguém mais vai poder tirar uma
vara do mato ou um peixe do rio para a sua alimentação” ou, de outro modo, “a reserva virá para
impedir a reprodução sociocultural daquelas pessoas e somente beneficiaria os turistas de fora”.
Aqui é preciso fazer uma observação importante: há dois tipos predominantes de comunitários
contrários a implantação da reserva. Os primeiros são aqueles que acreditam que a reserva será
293 VERDEJO, M. E. Diagnóstico Rural Participativo. Brasília: MDA/Secretaria da Agricultura Familiar, 2006.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

restritiva aos seus modos de vida, inclusive podendo expulsá-los de suas áreas de uso. Para estas
pessoas, as reservas se configuram como uma ameaça e risco real; se sentem ameaçados.

Esta ideia está umbilicalmente ligada à percepção que aqueles camponeses possuem em
relação às unidades de conservação de uso indireto que, efetivamente expulsa a população humana
ali residente. No caso do Baixo Rio Branco-Jauaperi, há uma relativa proximidade com o Parque
Nacional do Jaú e o conflito ali existente a cerca de três década, decorrente da presença humana na
área e a resistência deles em relação à restrição legal da presença humana em unidades de
conservação de uso indireto. Para estas pessoas, o observado, o empírico vale mais do que mil
palavras. E eles possuem um pouco de razão, já que as unidades de conservação (todas) de algum
modo impõem limites restritivos aos modos de vida das populações locais. Neste caso, trata-se de
uma posição ideológica, ou seja, estes comunitários pensam algo como: “sou contra as reservas por
elas serem restritivas”; “sou contra as reservas por que não quero ser mandado por ninguém”.

O outro tipo de morador contrário à reserva é aquele que não possui uma posição ideológica
em relação à mesma, entretanto se opõe por estar subordinado política e economicamente ao
governo do estado de Roraima ou ao município de Rorainópolis. Estes comunitários, como se diz
localmente, “recebem salário do governo” e, deste modo, são obrigados a defender os valores e
ideais impostos pelo pelos representantes do governo. Assim, ao longo dos anos tivemos
“aguerridos” defensores da reserva se convertendo em “inimigos” da mesma, bem como o
contrário, “ferozes” opositores da reserva se convertendo em seus defensores. A variável que
determina esta mudança se chama “salário do governo”. Neste caso, receber ou não um salário do
governo municipal ou estadual faz a diferença.

Aceitação e participação das comunidades nas atividades promovidas na RESEX

O grau de participação e aceitação das comunidades em relação a Resex está ligada a questão
acima indicada. Assim, se na comunidade há um ou mais líderes locais na condição de empregado
do governo ele tende a pressionar os demais moradores para que não contrariem a vontade do
“padrão” (governador, prefeito ou parlamentar). Lembrando que as relações de poder nas
comunidades são fundamentalmente patrilineares de modo que a vontade do chefe/presidente
comunitário acaba por se expressar na aparente manifestação das demais vontades - aparentemente
todos concordam com o chefe. Aparente porque após algum tempo de conversação com cada um
dos moradores nos foi possível dar conta de que há um jogo de poder intra e extra comunidade que
garante o equilíbrio local. Desta forma, as posições são alternadas, de acordo com os interesses
LABORATÓRIO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA POLÍTICA E DO TRABALHO NA AMAZÔNIA – LABUHTA

imediatos.

Percepção dos sentimentos das comunidades em relação a RESEX

Mesmo com os elementos positivos em relação a criação da reserva indicados pelas matrizes
ecológicas (uma das técnicas do DRP), buscamos aferir o grau de aceitação e rejeição em relação a
criação da unidade de conservação de uso sustentável realizando entrevistas estruturadas junto aos
chefes de família das comunidades da área em questão. Ao perguntarmos “qual a sua opinião em
relação à criação da reserva?”, 65% dos entrevistados nos disseram ser favoráveis a criação da
reserva; de outro lado, 12% se declaram contrários a criação da reserva e 23% manifestam opiniões
conflitantes, o que indica as posições flutuantes, norteadas pelos diferentes interesses apontados
acima.

Para que pudéssemos adjetivar as respostas favoráveis, contrárias e “outras” (divergentes)


perguntamos aos entrevistados por que manifestavam aquela opinião? Aqueles que se disseram
favoráveis à criação da Resex, justificaram suas opiniões das seguintes maneiras: para 42% dos
favoráveis, a reserva promoverá a proteção da natureza; para 36% dos favoráveis, a reserva dará aos
moradores proteção e segurança fundiária. Para outros 5%, a reserva se apresenta como uma
garantia para o futuro dos filhos e por fim, outros 4% afirmaram que a reserva garantirá a oferta de
ajuda do governo (promoção de políticas públicas). Dos entrevistados que disseram ser contra a
criação da reserva, 90% concentram suas explicações em questões que reforçam o temor de serem
expulsos da reserva. Por fim, o grupo de “indecisos” oscilou suas respostas entre o medo de a
reserva não dar certo (34%), a preocupação com as regras que limitarão suas atividades, incorrendo
em proibições (30%) e o temor por conflitos entre moradores (20%)
Como indicado acima, esta comunicação teve a intenção de apresentar resultados parciais de
pesquisas que realizamos junto aos comunitários que ocupam a área da Reserva Extrativista Baixo
Rio Branco – Jauaperi. Neste momento, o que se pretende é abrir um debate entre colegas que têm
estudado temas correlatos, de modo que possamos ajustar rotas, reafirmar ou refutar entendimento e
sobretudo, receber considerações e críticas. Não se tem aqui qualquer pretensão de tirar conclusões
ou realizar análises sobre o material até aqui produzido, isto ocorrerá ao longo da pesquisa.

* * *

148
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’
Crise do governo democrá co e repercussão do suicídio de
Vargas*

Larissa Leite Colares**

Ainda que haja extensos estudos acerca da vida e política dos governos Vargas, pouco
se fala acerca do impacto do seu suicídio na reordenação política dos estados,
principalmente no que tange o Norte do país. Visto isso, esse estudo se preza a entender
a construção da política de Vargas, bem como a crise enfrentada em seu último ano,
para compreender o impacto de seu suicídio no Amazonas. Para a construção dessa
análise utilizo como fonte e objeto de estudo o Jornal do Comércio e jornal A Crítica,
periódicos de grande circulação no Estado no ano de 1954.
O primeiro periódico, Jornal do Comércio, pertencia à rede nacional de Assis
Chateubriand chamado Diários Associados do empresário e era tido como um jornal
pertencente às elites. De circulação nacional, se diferencia de nosso segundo periódico
de análise, o jornal A Crítica, fundado em 1949 na cidade de Manaus pelo jornalista
Umberto Calderaro, que reivindicava ser a voz do povo, lutando ao seu lado.
Desde princípios de seu governo, Getúlio governara entre muitas oposições
políticas. As repressões durante o período ditatorial do Estado Novo, ratificaram o
conflito quando, na altura das eleições de 1950, o ex-ditador se lança à candidatura.
Vindo de uma longa reclusão nos pampas gaúchos, o novo governo de Vargas se
diferencia dos anteriores. A experiência do passado lhe rendeu um novo olhar. O plano
político de Vargas para seu primeiro governo eleito era de um governo neutro, tentando
se desvencilhar da antiga imagem de ditador do Estado Novo, Vargas tenta um governo
plural, sem distinção de aliados. Para isso, faz diversas concessões políticas para que
transitasse as transformações econômicas e políticas desejadas.
No entanto, tais concessões não foram suficientes para assegurar a estabilidade
do seu governo, tão pouco foi somente a incapacidade de conciliar interesses que
enfraqueceram seu governo. A própria ausência de um partido político
consideravelmente forte que exercesse poder foi um problema. O PTB, seu porta voz

* Pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da UFAM


(PPGH/UFAM) com o apoio da CAPES e sob a orientação do Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Mestranda no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas –
UFAM.
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

autorizado ainda não possuía uma efetiva expressão à nível ministerial, dificultando
ainda mais o acesso a postos estratégicos da máquina estatal. As políticas conciliatórias,
seguidas posteriormente de um caráter mais trabalhista geraram uma série de
desconfianças com seu governo, impossibilitando as articulações políticas dentro dele.
A reforma no Ministério do Trabalho e a proposta de aumento de 100% do salário-
mínimo geraram uma série de desconfianças da implantação de um República
Sindicalista.
O estopim dos conflitos veio a ocorrer com o atentado da rua Tonelero, com a
investida sobre a principal oposição de Vargas, Carlos Lacerda e consequente morte do
Major Rubens Vaz. A culpa recaiu sobre Vargas e a imprensa dedicou seus dias
apresentando o desenrolar do caso. O jornal A Crítica é quem adota uma postura mais
radical de acusação ao governo, enquanto o Jornal do Comércio tem uma postura mais
cautelosa.
Com a pressão da imprensa pela renúncia e a perda de apoio político, na manhã
do dia 24 de agosto, Getúlio atira contra o próprio peito. Assim, o cenário se inverte
completamente e os arderes de ódio se transformam em juras de vingança.
Ocorre então, uma transposição de sentimentos. Em minutos, um país inteiro se
transforma. A capital do país, viveu um cenário de guerra. Vilas Boas Correa, jornalista
no Rio de Janeiro à época do suicídio, descreve a mudança de ares dia 24 de agosto.
Naquela manhã, quando questionado por seu Manuel, dono e garçom do boteco onde o
jornalista fazia sua primeira refeição, sobre a possível queda de Vargas, Vilas Boas
confirma a renúncia negociada do presidente, e logo a notícia se espalha, resultando em
um intenso e comemorativo alvoroço. Momentos depois, foi anunciado no rádio a
notícia do suicídio e tudo mudou. A comemoração converte-se em espanto e tristeza, o
ódio se transpõe em juras de vingança a quem prejudicou o governante:

E vi a cidade virar. Nunca assistira cena igual. O ar de festa, o clima


de desafogo que percebia nos pedaços de conversa afinada pelo tom
de repulsa do “já vai tarde”, incendiado pela chispa da tragédia,
transformou-se instantaneamente.294

O espaço é tomado por um sentimento de “justiça” com as próprias mãos. Não


se via outra forma de vingar a morte de Getúlio, se não atacando aqueles que o

294 CORRÊA, Vilas Boas. Eu vi. In: GOMES, Ângela de Castro. (Org). Vargas e a Crise dos anos 50.
Rio de Janeiro – RJ: Relume Dumará, 1994, p. 21.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

importunaram em vida295. A edição do dia 24 de agosto do Jornal A Crítica que saíra


pela manhã, circulou ainda com as notícias da Reunião Ministerial daquela madrugada
com a seguinte manchete: “CAIU GETÚLIO VARGAS” e seguiu confirmando a licença
negociada como uma “atitude honrosa do presidente”. Há somente uma pequena nota na
parte central da capa, aparentemente escrita às pressas: “RIO. (URGENTE) —A Rádio
Nacional. Anuncia que o sr. Getulio Vargas suicidou-se, as 8:35 horas, em seus
aposentos”296. No entanto, nada mais foi dito nas seguintes páginas.

A edição do mesmo dia no Jornal do Comércio também se detém na tensão da


reunião ministerial ocorrida na noite do dia 23. As opções se mostravam ser apenas 3:
deposição, golpe ou renúncia. Somente na edição do dia 24 a palavra “Renúncia”
aparece 6 vezes na capa do jornal, sendo uma delas a respeito de uma passeata dos
estudantes Paulistas invadindo a capital do país para pedir a saída de Vargas. É somente
então na edição do dia 25 que o periódico noticia o suicídio do presidente apontando
para as desordens no Rio de Janeiro e em São Paulo com a manchete “Deplora a Nação
o suicídio de Getúlio Vargas”. O jornal também publicou nesse dia, em anexo, a Carta-
testamento de Vargas.

Apesar da aparente ordem na cidade de Manaus, receava-se as mesmas ações de


revolta popular registrados no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Belo Horizonte, sendo
assim, o comandante da Guarnição Federal de Manaus pede “calma e tranquilidade” a
população, concluindo que “o momento não é de agitação e sim de luto nacional. Em
nota, o Governador Paulo Marinho também declara:

Lamento a morte do presidente Vargas. A circunstância de que se


revestiu o falecimento deixa em minha alma a marca de uma dor
imensa. Entretanto, é preciso que encaremos a realidade nacional e
pensemos na vida do Brasil e dos seus filhos. E’ preciso calma. Nós
todos, governantes e governados, devemos agir com serenidade em
defesa do Brasil, do regime e da Constituição. Nada de precipitações
para que não venham a se registrar acontecimentos desagradáveis e
prejudiciais à normalidade da Nação.297

Algumas medidas foram tomadas a fim de evitar tumulto e desordem, como a


suspensão de arraiais e quermesses por 3 dias pelas autoridades diocesanas, fechamento
de repartições públicas pelo Governo, além da determinação de luto por 24 horas pelo
sindicato dos estivadores de Manaus e ordem da Associação Comercial do Amazonas
295 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964.
Rio de Janeiro – RJ: Civilização Brasileira, 2005, p. 178.
296 A Crítica, n. 2866, 24/08/1954, p.1.
297 Jornal do Comércio, n. 13600, 25/08/1954, p. 6.

2
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

(ACA) para que mantivessem por 8 dias as portas de seus estabelecimentos


semicerradas.

Na edição seguinte do Jornal do Comércio, dois dias após o incidente do


suicídio, o Governador manifesta sua satisfação com o povo Amazonense por “sua
formação altamente pacífica” que concluiu nenhum incidente na capital: “foram
manifestações de dor e não tiveram absolutamente a participação de agentes da anarquia
e da desordem”298.

Acerca do Jornal A Crítica, é importante ressaltar que a edição do dia 25 de


agosto não foi encontrada na Biblioteca Pública de Manaus. Entretanto, no dia 26 relata
em manchete “DISTURBIOS CAUSADOS POR ESTIVADORES” contrapondo a
afirmação do Governador Paulo Marinho. Na ocasião do momento de paixão nacional,
os estivadores induzidos de bebida alcóolica entraram em conflito com aqueles que não
se consideram “Getúlio”. De acordo com a nota, a polícia interveio e demandou
reforços, sendo os presos posteriormente soltos por políticos candidatos do PTB, como
Plínio Coelho299. Já na página seguinte, o jornal apresenta uma pequena nota sobre uma
greve dos estudantes do Colégio Estadual do Amazonas que se negaram a entrar na sala
de aula e que esta greve só finalizaria após a missa de 7º dia do falecido presidente.

O jornal se detém, principalmente, às homenagens ao presidente e às notícias


importadas do Rio que apresentam os procedimentos tomados para velar o corpo de
Vargas. É interessante notar que as matérias que se seguem no jornal A Crítica nada
comentam sobre o atentado à sua sede naquele fatídico dia. É através da dissertação do
historiador Thiago Queiroz que podemos chegar a essa informação contida na edição
especial de 25 anos do referido periódico, no qual argumenta que, ao longo de sua
história foi vítima de várias perseguições e, entre elas, um motim organizado após o
suicídio de Vargas. A matéria conta que o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) se
concentrou em frente a sua sede e planejavam destruí-la por ter se posicionado contra o
governo Getulista.

Os manifestantes decidiram destruir a sede do jornal na Lobo


D`Almada. Avisados do motim, a matéria comenta que os diretores do
jornal providenciaram do Exército uma patrulha que, “por azar”, se
deslocou para a antiga sede, na Eduardo Ribeiro. Armados com

298 Jornal do Comércio, n. 13601, 26/08/1954, p. 6.


299 A CRÍTICA, n.2868, 26/08/1954, p.1;
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

espingardas e garrafas de vinho cheias de gasolina, os jornalistas se


organizaram a espera dos manifestantes, fato que não ocorreu.300

A morte de Getúlio reflete nas eleições que se aproximavam. No Amazonas, a


disputa era marcada por Rui Araújo da coligação UDN, PDC, PTN e PSD e Plínio
Coelho pelo PTB. A coligação que apoiava o candidato Araújo, obtinha o apoio de uma
figura política de peso para o Amazonas, e de grande proximidade com o presidente, o
ex-interventor federal de Vargas e ex-governador do Amazonas, Álvaro Botelho Maia.
Maia, que se candidatara para governador nas eleições 1950 pelo PSD, obteve o
apoio da cúpula do PTB, na figura então do candidato a deputado Estadual Plínio
Coelho. No entanto, tendo garantido sua vitória ao governo, não garantiu a
expressividade desejada do PTB, que o apoiou, fato que levou ao afastamento dos
partidos e posterior rivalidade entre Plínio e Álvaro. As eleições de 1954 então,
reacendiam essa rivalidade entre os candidatos populistas.301
Ainda que Manaus não tenha vivido na mesma intensidade as revoltas dos
principais centros urbanos, todavia, vivenciou as consequências políticas marcadas pelo
afastamento da figura de Vargas quando Rui Araújo, apoiado por Álvaro Maia perde as
eleições para Plínio Coelho, apresentando um novo projeto político trabalhista. Assim,
afirma Amaury Junior:

Contudo, a morte de Vargas distanciaria Maia de um apoio mais


contundente da cúpula do PTB nacional, o qual elegeria seu
conterrâneo de Humaitá, Plínio Ramos Coelho, como governador. O
ostracismo chegara a pôr fim a vida política de Álvaro Maia que
voltaria entre 1955 e 1966 a um profundo período de introspecção
literária, retomando muito do que deixara de escrever desde os anos
1930.302
De presidente escorraçado para mártir da nação, a morte de Getúlio alterou os
rumos da política nacional e local, conduzindo um novo grupo político no estado,
representado na figura de Plínio Coelho e do PTB. A imagem do mártir será utilizada
por muitos anos por esse e outros grupos políticos, erguendo aliados e suplantando
antigos opositores.

300 QUEIROZ, Thiago Rocha. O Humoral: humor e abertura social nas charges de Miranda (1972-
1974). 2013. 165. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus,
2013, p.21.
301 QUEIROZ, César Augusto Bubolz. O trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o golpe de 1964 no
Amazonas. Manaus: Revista Mundos do Trabalho, vol.8. 2016, p.51
302 JUNIOR, Amaury Oliveira Pio. Álvaro Botelho Maia: um caboclo na política amazônida. In
Trajetórias políticas na Amazônia Republicana. – Organizado por Auxiliomar Silva Ugarte; César
Augusto Bubolz Queirós. – Manaus: Editora Valer, 2019, p.78.

4
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

Par dos polí cos e disputas intra-oligárquicas no Amazonas


durante a Primeira República*

Ana Beatriz Lima da Silva**

O presente trabalho tem por objetivo analisar as disputas intra-oligárquicas que


se desenrolaram no Amazonas durante a Primeira República, apresentando a formação e
organização de partidos políticos regionais a partir da análise documental da imprensa
do período, a fim de compreender de que forma os grupos de poder local agiam frente às
influências sofridas pela política nacional durante a crise dos anos 20. O trabalho
também busca contribuir para a compreensão da história política do estado, tendo como
base a identificação das principais lideranças do período visando à análise de suas
trajetórias com o intuito de compreender o processo de formação e recrutamento dessas
elites políticas.
Devemos salientar que o período aqui analisado é repleto de mudanças, tanto
econômicas quanto ideológicas, uma vez que o movimento republicano, que
inicialmente carregava consigo uma cultura política conhecida por propagar a liberdade,
direito e soberania popular, agora estava ruindo. Neste contexto, destacam-se as
constantes disputas intra-oligárquicas, onde as oligarquias regionais utilizavam-se das
mesmas artimanhas que vigoravam em esfera federal, com um objetivo único de se
manter no poder. Nessa perspectiva, a pesquisa objetiva discutir as relações de poder
político partidárias que se desenrolaram no Amazonas na década de 20, a partir da
análise dos fundamentos da Primeira República, do sistema político-partidário
brasileiro, dos grupos políticos oligárquicos e de como se relacionavam a fim de
compreender as disputas entre essas oligarquias, identificando as principais lideranças
políticas.
Para compreender de que maneira ocorreram as disputas intra-oligárquicas e as
disputas político-partidárias durante a crise dos anos 20 no estado do Amazonas, este
trabalho tem como principal fonte a imprensa do período, com foco no Jornal do

* Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H/0233/2020, com apoio da bolsa UFAM e sob a
orientação do Prof. Dr. César Augusto Bubolz Queirós.
**** Graduanda em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail: anahistoufam@gmail.com

6
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Commercio, disponível na Hemeroteca Digital Brasileira. A imprensa e os demais


documentos analisados são algumas das várias fontes importantes de pesquisa para o
historiador e, neste trabalho, são utilizadas no sentido de buscar compreender a
organização dos partidos políticos amazonenses na Primeira República e as disputas
intra-oligárquicas. Ressaltamos que buscamos identificar outras fontes capazes de
proporcionar um contraponto com as informações veiculadas no Jornal do Commercio,
como a Constituição Política do Estado e jornais oposicionistas. Do mesmo modo,
observamos ser necessário compreender a partir de que lugar, de qual espaço social,
esses veículos de comunicação se manifestam.
Com base na análise das fontes, pode-se constatar que, com o enfraquecimento
dos partidos políticos nacionais, os estaduais ganharam força e importância ao longo da
Primeira República e foi sua ligação com as oligarquias o elemento determinante para
que se tornassem peça fundamental na estrutura de dominação política do período. Os
partidos estaduais, por sua vez, eram dominados por clãs familiares e velhos coronéis,
que, mesmo quando tinham interesses divergentes, se reuniam no mesmo partido
político, que se tornava o palco de suas disputas.303 De acordo com Rodrigo Motta,

Surgiu um sistema de partido único em todos os Estados, caracterizado


pela ausência quase absoluta de competição partidária. O partido oficial
sempre ganhava as eleições, até porque dificilmente apareciam
concorrentes dispostos a disputar. A competição real ocorria no interior
dos PRs (Partidos Republicanos), entre facções disputando o controle
da máquina partidária.304

Esse fato se exemplifica claramente quando analisamos a formação dos partidos


políticos no Amazonas e seus respectivos correligionários. De acordo com Amaury
Oliveira, o Partido Republicano Amazonense tem raízes na Província do Amazonas, no
Clube Republicano do Amazonas, formado em 1889305, sendo Cézar do Rego Monteiro,

303 VILELLA, Renata Rocha. Partidos políticos e regulamentação: limites e benefícios da legislação
partidária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo. São Paulo. 2014, p. 25.
304 MOTTA, 2008, p. 43 apud VILELLA, Renata Rocha. Partidos políticos e regulamentação: limites
e benefícios da legislação partidária no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 25-26, 2014.
305 De acordo com Pontes Filho, o Clube Republicano do Amazonas foi fundado em 29 de junho de
1889 em Manaus, era constituído por profissionais Liberais, funcionários públicos e empregados do
comércio. Entre os fundadores encontram-se: Domingos Theófilo de Carvalho Leal, Gentil Rodrigues de
Souza, Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, Olympio F. da Mota, Aureliano A. Fernandes, João
Francisco Soares Filho, Joaquim Serra Carvalho, Raymundo Batista Duarte, João Vianna, Trajano Gomes
da Costa, José Jeronymo Bandeira de Melo, Augusto Botelho da Cunha, João Diniz Gonçalves Pinto e
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

Ephigênio Salles, Antônio Nogueira e Dorval Porto alguns dos principais nomes que
compunham o Partido306.
No estado do Amazonas, o Partido Republicano Democrático (PRD) foi
oficialmente o primeiro Partido Republicano formado e, de acordo com Arthur Cesar
Ferreira Reis, o partido foi fundado em julho de 1890 por Eduardo Gonçalves Ribeiro307,
Manoel Francisco Machado (Barão do Solimões), último presidente da Província do
Amazonas e senador na República ainda no governo de Augusto Ximeno Villeroy,
Sylverio Nery (vereador municipal no Império), Francisco Publio Ribeiro Bittencourt,
os irmãos baianos Emílio Moreira e Guilherme Moreira (Barão do Juruá), ambos
negociantes da borracha e Ferreira Pena (que romperá com o Partido associando-se em
seguida ao Partido Nacional.
De acordo com uma homenagem produzida para o Coronel Henrique Ferreira
Penna de Azevedo, após discordâncias internas no Partido Democrático, Ferreira
Penna308 rompeu com os antigos correligionários liberais e fundou, em 1891, o Partido
Republicano Nacional (PRN):
Desligados dos Democratas, ligou-se Penna aos Drs. Jonathas Pedrosa
e Agésilao P. da Silva, e os três fundaram em 1891, o grande Partido
Republicano Nacional, que teve a glória de contar em seu seio a fina
flôr da população amazonense.309

Em 1910, é fundado o Partido Republicano Conservador (PRC) por Sylvério


Nery310. De acordo o Jornal Folha do Amazonas, o Partido Republicano Conservador
tinha o seguinte diretório: Presidente: senador Sylvério Nery, que havia rompido com
Partido Republicano Democrático, senador Jonathas Pedrosa, Sá Peixoto, deputados:

outros.
306 PIO JUNIOR, Amaury Oliveira. O Trabalhismo no Amazonas: o periódico Tribuna Popular
como instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”. Dissertação (Mestrado em História) -
Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas. Manaus. 2015. p. 43
307 Eduardo Ribeiro teve sua primeira investidura na sua carreira política assumindo o governo
provisório em 1890 após o afastamento de Augusto Ximeno de Villeroy, até então governador do Estado
do Amazonas. Governo provisório que criou grandes laços com a Elite de Manaus, que desde então,
passou a aclamá-lo Governador do Estado. BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de
Biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973, p. 196.
308 Ferreira Penna foi eleito pela primeira vez Deputado provincial em 1881, aos 27 anos de idade e de
acordo com o Jornal 20 de Janeiro, ele exerceu grande influência local até a queda do Império. Vinte de
Janeiro (AM), 20/01/1901. p. 2.
309 Vinte de Janeiro (AM), 20/01/1901. Homenagem para o 49º aniversário de Ferreira Penna.
310 Sylverio Nery teve sua ascensão na carreira política feita normalmente: primeiro vereador municipal
da Monarquia; depois, deputado Estadual várias vezes na República; Deputado Federal, reeleito;
Governador do Estado, Chefe de Partido e Senador Federal em várias legislaturas. BITTENCOURT,
Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973. p.
469.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Henrique F. Penna de Azevedo, que também rompera com o partido anterior, tendo por
órgão o jornal Folha do Amazonas, disponível na Hemeroteca Digital Brasileira.311
Em 1913, é fundado o Partido Republicano Liberal do Amazonas (PRL) 312, tendo
sua primeira reunião realizada na casa do coronel Lima Bacury 313. De acordo com o
Jornal do Commercio, foram eleitos diretores: Presidente: coronel Guerreiro Antony,
vice-governador do estado e secretário geral Heliodoro Balbi, Manoel Francisco
Machado, coronel Lima Bacury e coronel Antônio Bittencourt.314
Em 1920, temos a formação do Partido Operário Amazonense (POA),
organizado por Cursinho da Gama315. De acordo com Luciano Teles, o POA era visto
pelas lideranças socialistas em tela como instrumento de inserção política no jogo
eleitoral na Primeira República, por onde se colocaria e defenderia, via parlamento, as
questões levantadas como bandeira de luta pelos operários.12 Diferentemente dos
Partidos Republicanos até aqui citados, formados ou derivados no seio das grandes
oligarquias, o POA surge no meio operário, como forma de reivindicação de direitos,
objetivando dar voz e vez para a luta do movimento operário, sendo assim, composto
somente por trabalhadores, em defesa da causa operária.
Porém, ao longo de toda década de 20, o POA não conseguiu chegar ao governo
do Estado, comprovando o fato do domínio político do estado se encontrar na mão das
grandes oligarquias.
Tabela 1- Quadro dos Partidos Políticos do Amazonas e seus correligionários - período: 1889 a 1920.

311 Folha do Amazonas, 23/11/1910. Ano I. n. 89. apud FEITOSA, 2015, p. 116.
312 Formado a partir do movimento de fundação do Partido Republicano Liberal em 1910, liderado pelo
então presidente Ruy Barbosa. Cabia aos Estados e municípios que se ligavam ao PRL a direção das
campanhas presidenciais. Jornal do Comércio, de 08/07/1913. Ano X - nº 3334 e de 15/10/1913. Ano X
- n° 3401.
313Lima Bacury tinha uma vida política construída desde muito tempo. Ele já havia exercido por várias
vezes o mandato de Deputado Estadual e de secretário. Na década de 1880 participou do movimento
abolicionista. E durante o Império militou no Partido Liberal. Já na República participou da deposição do
governo do coronel Gregório Taumaturgo de Azevedo (1891-1892), integrando, junto com Almino
Afonso e Leonardo Malcher, a comissão enviada em janeiro de 1892 pelos antigovernistas para fazer a
intimação de renúncia. ABRANCHES, J. Governos; BITTENCOURT, A. Dicionário; CÂM. DEP.
Deputados brasileiros.
314 Jornal do Commercio, 15/10/1913. Ano X. n. 3401.
315 Cursinho da Gama foi uma liderança operária registrada nas páginas da Imprensa do Amazonas pelas
suas ações de Militância no Estado, marcando presença do universo do trabalho urbano em Manaus.
TELES, Luciano Everton Costa. Mundos do trabalho no Amazonas: as lideranças operárias
socialistas – Joaquim Azpilicueta, Nicodemos Pacheco, Manoel Sérvulo e Cursino da Gama (1914-
1928). In: Antíteses, v. 11, n. 21, p. 420 - 460, jan./jun. 2018. p. 452.
12
Idem. p. 454.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

Partido Político Correligionários

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Partido Republicano Amazonense (PRA), fundado em Cézar do Rego Monteiro, Ephigênio Salles, Antônio
1889. Nogueira e Dorval Porto. Alfredo Augusto da Matta,
Franklin Washington, Virgilio Ramos, Aureliano Augusto
de Oliveira, Aristides Rocha, Astrolábio Passos, Mario José
da Silva Nery, Joaquim Augusto Tanajura e Thuriano
Chaves Meira.
Partido Republicano Democrático (PRD), fundado em Eduardo Gonçalves Ribeiro, Manoel Francisco Machado
1890. (Barão do Solimões), Augusto Ximeno Villeroy, Deodato
Gomes da Fonseca, Raimundo Antônio Fernandes, Sylverio
Nery (vereador municipal no Império), Francisco Publio
Ribeiro Bittencourt, Emílio Moreira, Guilherme Moreira
(Barão do Juruá).
Partido Republicano Nacional (PRN), fundado em 1891.
Coronel Henrique Ferreira Penna de Azevedo, Jonathas
Pedrosa, Agésilao P. da Silva.
Partido Republicano Conservador (PRC), fundado em Sylvério Nery, Jonathas Pedrosa, Antonio G. Pereira de Sá
1910. Peixoto, deputados: Henrique F. Penna de Azevedo,
Aurélio Amorim, Antonio Nogueira, coronel Affonso de
Carvalho e suplentes: Coronéis: Hildebrando Antony,
Joaquim Cardoso de Faria, Manoel de Castro Paiva,
Domingos José de Andrade, Eduardo Felix de Azevedo,
José Maria Corrêa e Rozendo Silva.
Partido Republicano Liberal (PRL), fundado em 1913. Coronel Guerreiro Antony, vice-governador do Estado e
secretário geral Heliodoro Balbi, Manoel Francisco
Machado, coronel Lima Bacury, coronel Antônio
Bittencourt, coronel Joaquim Sarmento, desembargador
Raposo da Câmara, coronel Secundino Salgado, coronel
Bento Brasil, dr. Ricardo Amorim, Marçal Ferreira, Pedro
Sympson, coronel Carlos Studart, coronel Publio
Bittencourt, coronel Gonçalves Dias, coronel Liberato
Salles, coronel Juvêncio França e coronel Alberto Coelho.
Partido Operário no Amazonas (POA), formado em Joaquim Azpilicueta, Nicodemos Pacheco, Manoel Sérvulo
1920. e Cursino da Gama.
Fonte: A Ephoca, órgão do Partido Republicano de Itacoatiara. 1918; Vinte de Janeiro (AM), 1901; Folha do
Amazonas, 1910; Jornal do Commercio, 1913; Vida Operária - Órgão de defesa das classes laboriosas de Manaus,
1920.

Eloína Santos aponta que, ao longo das décadas de 1910 e 1920, as eleições e
posses de governadores ficariam marcadas pela rivalidade entre os grupos ligados a
Silvério Nery, do Partido Republicano Conservador, contra os de Guerreiro Antony, do
Partido Republicano Liberal.316 Um fato interessante a ser mencionado que deixa às
claras as disputas políticas por poder entre as oligarquias é o Bombardeio de Manaus,
liderado pelo PRC, e a deposição de Antônio Bittencourt, que estava à frente do governo
do Estado em 1910. De acordo com Orange Matos, “as crises oligárquicas e partidárias

316 SANTOS, 1989, p. 29-33 apud PIO JUNIOR, Amaury Oliveira. O Trabalhismo no Amazonas: o
periódico
Tribuna Popular como instrumento de “orientação das hostes trabalhistas”. Dissertação (Mestrado
em História) - Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas. Manaus.
2015, p. 34.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

tornaram-se visíveis em 1909, na Assembléia os deputados se dividiram entre


bittencouristas e neyristas (...), começando o ensaio para o bombardeio de Manaus em
1910”.317 Pode-se em suma pensar que o bombardeio de Manaus foi parte dos embates
políticos entre as oligarquias Nery e Bittencourt, tendo o primeiro só descansado quando
conseguiu tirar Bittencourt do poder em 1912. De acordo com Pontes Filho, após a
queda de Antônio Bittencourt em 1912, Jonathas Pedrosa, apoiado pelo então presidente
Hermes da Fonseca, assume o governo, se comprometendo em garantir a paz política
entre o Estado e a União. Uma de suas primeiras investidas é levantar uma investigação
sobre o que realmente aconteceu nos anos passados, no que concerne ao afastamento
inesperado do antigo governador, porém, após perceber indícios de envolvimento de
muitas pessoas do seu próprio governo no acontecimento, o processo foi engavetado e
nenhum culpado chegou a ser punido.318 Após o engavetamento do caso, uma figura
conhecida pelos políticos da época justamente por ser o vice-governador do estado,
Guerreiro Antony, constrói um grupo de oposição ao governador, disputando com o ele
o poder, chegando a promover tentativa de golpes por meio de luta armada.319
Desta forma, os dois grupos passaram a brigar acirradamente pelo poder: os Nery,
aliados de Pedrosa, contra Guerreiro Antony e seus aliados. Assim como a maioria de
grupos que objetivam o poder, as oligarquias aqui tratadas, de Nery e Antony, deixaram
prevalecer seus interesses internos em detrimento às necessidades coletivas, visavam o
poder como meio da promoção de seus interesses se fechando para o quadro externo e
colocavam à margem o difícil quadro econômico que o Amazonas enfrentava: a queda
da economia gomífera.
O quadro sofre mudanças quando da entrada de Rego Monteiro no jogo político
do momento, eleito governador do estado em 1921. Como era de se esperar, a sucessão
governamental daquele ano foi eivada de conflitos. De acordo com o Jornal do
Commercio, a bancada amazonense se reuniu no Catete para solucionar o caso da
sucessão governamental no Amazonas e o senador Rego Monteiro lança e afirma sua
candidatura. Logo após essa declaração, os deputados Dorval Porto, Monteiro de Souza,

317 FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais: Militares e Civis na construção da Ordem
Republicana no Amazonas (1910-1924). Tese (Doutoramento em História) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 16. 2015.
318 PONTES FILHO, Raimundo Pereira. Estudos de História do Amazonas. Manaus: Editora Valer,
2000. p. 162.
319 Ibiden, p. 163.
12
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Ephigenio Salles e Antônio Nogueira, representando os senadores Silvério Nery e Lopes


Gonçalves, de oligarquias rivais, resolveram lançar a candidatura de Wortigern Luiz
Ferreira320. Assim, a década de 1920 se inicia com a disputa entre a oligarquia dos Nery
e a de Rego Monteiro. Outro candidato a concorrer à eleição foi escolhido pelo grupo de
operários e trabalhadores, que apontavam Gregório Thaumaturgo de Azevedo indicado
pelo Partido Republicano Liberal, liderado por Guerreiro Antony, como ideal para a
salvação do Amazonas321. As disputas para sucessão governamental tiveram início e o
governador em exercício, Pedro Bacellar, divulga seu apoio à Rego Monteiro, fazendo
com que os deputados a princípio divididos o apoiassem majoritariamente por ser o
indicado, elegendo assim, César do Rego Monteiro governador do Amazonas.322 Porém,
para que Rego Monteiro tivesse de fato apoio da maioria, Bacellar planejou diversas
artimanhas com o Presidente da República, Epitácio Pessoa, que passava por um
momento delicado de sua vida política, após recuo de verbas, veto de projetos e
diminuição de apoio dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro323.
Bacellar se aproveita da situação se articulando para eleger Rego Monteiro em comum
acordo com Epitácio Pessoa que, em troca, recebeu apoio político do Amazonas.324
O governo de Rego Monteiro inaugurou a nova década que tinha como pano de
fundo a problemática queda da economia da borracha zunindo no ouvido. O novo
governador, certo do quadro econômico da época, pareceu não se importar tanto assim
com os problemas da economia do estado nos anos posteriores. Pode-se visualizar que,
além de o estado estar inteiramente dependente do governo federal após acordos
políticos entre Pedro Bacellar e Epitácio Pessoa, o autoritarismo, controle e dominação
de Rego Monteiro se intensificava nas terras amazonenses. Ao analisar a Constituição
Política do Estado do ano de 1922325, percebeu-se inclusive que Rego Monteiro
320 Jornal do Commercio, 30/05/1920. Ano XVII. n. 5776.
321 Vida Operária - Órgão de defesa das classes laboriosas de Manaus - n. 1 - Paz, Labor e
Liberdade, Honra, Dever e Justiça. apud FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais:
Militares e Civis na construção da Ordem Republicana no Amazonas (1910-1924). Tese
(Doutoramento em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo. São Paulo. 2015. p. 179.
322 FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais: Militares e Civis na construção da Ordem
Republicana no Amazonas (1910-1924). Tese (Doutoramento em História) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo. 2015. p. 177.
323 Ibiden, p. 179.
324 Ibiden, p, 180.
325 Ver: Constituição política do Estado do Amazonas - 1922. p. 238. In: Biblioteca Virtual do
Amazonas.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

reformou a Constituição Estadual, alterando parágrafos específicos de acordo com sua


vontade. Com isso, pôde nomear seus filhos e parentes para altos cargos públicos,
fazendo com que o nepotismo fosse prática comum em seu governo. Desta maneira, o
poder político continuava nas mãos de uma única oligarquia enquanto outras
continuavam barganhando e construindo artimanhas de tomada do poder.
Porém, em 1924, há profundas transformações no destino militar, bem como na
vida política e administrativa do Amazonas. No governo do estado, encontrava-se
Turiano Meira, substituto do Governador César do Rego Monteiro que estava de viagem
para a França. No quadro nacional, os descontentamentos políticos estavam começando
a ressoar em terras amazonenses, e por conta da delicada questão da economia do
Estado, a revolta encontrava aqui um solo fértil.326 Neste quadro, surge a figura de
Alfredo Augusto Ribeiro Junior, que lidera a rebelião no Amazonas em 23 de julho de
1924, em apoio à revolta tenentista deflagrada 18 dias antes no sudeste do país. Os
revoltosos depõem Turiano Meira e instauram um governo militar, liderado por Ribeiro
Junior, nomeando novos membros para os postos de administração do Amazonas.327

Tudo isso afeta o presente sistema das oligarquias que até então se encontrava no
estado, ocasionando a chegada de Alfredo Sá, interventor federal, que propõe a união
dos grupos adversários, negociando com os líderes das facções políticas e dissidentes a
fusão dos partidos em um único.328

A pesquisa avança no aprofundamento do campo de problematizações que já


aqui se evidencia: oligarquias dominantes e o uso do poder por seus agregados. Segue-
se dando continuidade à análise dos grupos oligárquicos dominantes da década de 1920,
suas respectivas formas de recrutamento político, muita das vezes através de amizades,
laços pessoais e, como já foi constatado, laços familiares, evidenciando os conflitos
internos e externos, suas motivações, influências sofridas pela política nacional durante
a crise dos anos 20, buscando constatar o papel de Partidos políticos como resultado

326 BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: vultos do passado. Rio de


Janeiro:
Conquista, 1973, p. 434.
327 : ASSEMBL. NAC. CONST. 1934. Anais (1); BITTENCOURT, A. Dicionário.; Boletim Min. Trab.
(5/1936); CÂM. DEP. Deputados; Diário do Congresso Nacional.
328 FEITOSA, Orange Matos. À Sombra dos Seringais: Militares e Civis na construção da Ordem
Republicana no Amazonas (1910-1924). Tese (Doutoramento em História) - Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015, p. 203.

14
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

concreto de ambições dos grupos oligárquicos que objetivavam o poder e a organização


da sociedade.

* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

O Paládio e a cidade de Itacoa ara: o jornal como porta-voz de


um grupo polí co

Gabriel Cruz Carneiro**

Esta pesquisa tem como proposta uma expansão do olhar da historiografia da


Imprensa Amazônica do início do século XX. Sair da repetição de trabalhos que
discutem o período da chamada belle époque na Imprensa Amazonense, em que o foco
ainda é direcionado às relações construídas na Capital, Manaus, é um dos nossos
objetivos. A ideia é adentrar nos sertões interioranos do Estado, na expectativa de
evidenciar um protagonismo de lugares outros para além da capital, dando voz ao jornal
Paládio, que teve sua circulação entre os anos de 1908 e 1911, na cidade de Itacoatiara.
Desse modo, busca-se aqui direcionar a nossa pesquisa sobre as ações de imprensa
construídas no interior, fazendo uso das novas perspectivas de debate acerca da História
da Imprensa no Amazonas, a partir de reflexões surgidas em trabalhos como o de Luís
Balkar Sá Peixoto Pinheiro, de título Imprensa e Sociedade na Amazônia (1870-1930),
em que o autor propõe um trato historiográfico acerca dos sertões amazônicos,
buscando perceber as relações entre as atividades jornalísticas e as sociedades que
experimentavam dinâmicas próprias de construção de identidades.
Seguindo a linha do sociólogo John B. Thompson, em que “[...] se a
comunicação é uma forma de ação, a análise da comunicação deve se basear [...] na
análise da ação e na consideração de seu caráter socialmente contextualizado”329. Nessa
perspectiva, cabe refletir o papel dos jornais dentro de um campo de interação da vida
social em que estes se localizam por serem essas ferramentas vinculadas diretamente a
contextos de criação de identidades e relações de poder.
Procurando articular com essa reflexão de Thompson, a problemática que se
desenha nesta discussão se estrutura a partir de trabalhos como o de Davi Avelino Leal,
direcionado ao jornal Humaythaense, presente no já citado livro de Luís Balkar Sá
Peixoto Pinheiro, onde Leal buscou discutir a relação entre o espraiamento de ideais

 Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H-0097/2019, sob orientação do Prof. Dr. Davi
Avelino Leal.
**** Graduado em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail:
gabriel.cruzcarneiro@gmail.com
329 THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes,
1998, p 20.

16
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

modernizadores nas cidades marcadas pela influência do desenvolvimento expansivo da


economia da borracha em fins do século XIX, e os jornais que enfrentaram igual
desenvolvimento naquelas cidades, servindo as demandas de grupos políticos e
econômicos específicos e agindo para uma “atualização dos espíritos”330. Em outras
palavras, observa-se que os veículos de imprensa funcionavam como propagador de um
ideal progressista muito difundido nos anos da Primeira República no Brasil, mas
também serviam como armas políticas, dos grupos que protagonizavam as dinâmicas
sociais nos interiores do Amazonas.
Sendo assim, Itacoatiara, na transição dos séculos XIX e XX, encontrava-se
imersa em uma teia política que se formou não só neste município, mas em grande parte
da Amazônia, após as mudanças trazidas pela Constituição da República de 1891, que
alterou de forma íntima a composição do Brasil, como nos apresenta Luis Francisco
Munaro331.
O Paládio, Órgão do Club Recreativo Itacoatiarense, sendo sucessor do antigo
jornal Avança – que circulou por Itacoatiara em 1907 – trazia já em sua primeira edição,
lançada em setembro de 1908, o discurso que viria a ser a perspectiva ideológica que
pautaria as publicações do periódico, seguindo uma tendência que ditava a grande
maioria do periodismo da virada do século XIX ao século XX. A noção de um
progressismo construído sobre as raízes da civilidade, e o Paládio, a partir dessa tônica,
se pautava por um ardor pelo progresso, afirmando que “arrostará todos os sacrifícios
que se antepuzerem á sua marcha”332, sempre buscando em seu discurso asseverar que
Itacoatiara estava destinada a um “futuro glorioso”.
O jornal Paládio, durante suas publicações, partia de um discurso que se
colocava como apartidário, definindo-se apenas como “órgão de interesses locais” e em
favor da cidade de Itacoatiara, entretanto, buscando identificar os principais nomes que
estiveram por trás das publicações do periódico e também do clube que detinha o jornal,
é possível evidenciar figuras que estiveram, durante os últimos anos do século XIX e os
primeiros anos do século XX, ligadas aos grupos que dominavam o cenário de disputas

330 LEAL, Davi Avelino. Imprensa e Sociedade no Jornal Humaythaense (1891 - 1917). In: PINHEIRO,
Luis Balkar Sá Peixoto. Imprensa e Sociedade nos confins da Amazônia (1870 - 1930). Manaus: CVR,
2017. p. 59 - 73.
331 MUNARO, Luis Francisco. Coronéis, jornais e a formação dos municípios no Amazonas. Revista
Observatório, Palmas, v. 4, n. 6, p. 270-292, dez. 2018. A Constituição de 1891 transformou o cenário
político brasileiro e tornou os municípios em palcos dos domínios dos coronéis regionais que compravam
e fraudavam as eleições em prol dos seus interesses políticos.
332 O Paládio, nº1, Itacoatiara – AM, 09 de setembro de 1908.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

de poder político na cidade, em especial duas figuras, o presidente do clube, Francisco


Domingos do Lago, que já tendo ocupado o cargo de Prefeito de Segurança Pública do
Termo de Itacoatiara, entre 1897 e 1902333, ocupou em 1908, junto de suas funções no
clube, o cargo de Tesoureiro da Superintendência Municipal. Além de Francisco, outra
figura importante do jornal é a de Ozório Alves da Fonseca, que acumulava as funções
de diretor do periódico e orador do clube, além de ocupar o cargo de secretário da
Superintendência.

Tanto Ozório Alves quanto Francisco Domingos mantinham participações


diretas no grupo político do coronel João Pereira Barbosa, Superintendente de
Itacoatiara no contexto de circulação do Paládio, além de já ter ocupado o cargo entre
1902 e 1905, sendo figura atuante ora como governo, ora como oposição, no cenário
político da antiga Serpa. Sua influência vinha desde pelo menos duas décadas antes do
surgimento do Paládio, tendo construído sua carreira política com maior êxito agindo
como oposição ao grupo político de Álvaro França, que dominou o cenário de
Itacoatiara durante a última década do século XIX, sendo apadrinhado pelo governador
Eduardo Ribeiro, enquanto João Pereira Barbosa fazia-lhe oposição, usando muito da
ferramenta dos jornais, vide sua participação nos periódicos lançados nesse contexto,
como o título O Município334.

Retornando à reflexão acerca do papel do Paládio, pode-se fazer uso da


argumentação de Luís Munaro de que “Os poderes em disputa encontravam no jornal
um instrumento de construção simbólica muito importante, aliado ao seu papel na
divulgação de atos administrativos e reforço da própria autoridade municipal”335 e
partindo dessa perspectiva, é rapidamente identificável no Paládio a sua postura como
porta-voz da administração do coronel Barbosa, onde as publicações iam, sempre em
primeira página, desde a exaltação da figura do Superintendente, onde era empregado
um discurso sempre regado de elogios as qualidades pessoais e administrativas do
coronel, e esse discurso elogioso se fazia com maior afinco nas colunas comemorativas
lançadas nas edições 15, 43 e 80 do jornal, dedicadas ao aniversário do administrador

333 SILVA, Francisco Gomes da. Cronografia de Itacoatiara. Imprensa Oficial do Estado do Amazonas.
Manaus. v.2. 1998.
334 SILVA, 1998, p 50. O jornal O Município circulou pela cidade de Itacoatiara entre os anos de 1893 e
1895, tendo sido empastelado pela gestão do Superintendente Álvaro França, que sentia-se acuado pelas
publicações ácidas de João Pereira Barbosa. Como forma de retaliação de França, além do
empastelamento, estabeleceu contrato com o jornal matutino A Federação, que era editado em Manaus.
335 MUNARO, 2018, p 277.

18
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

municipal, onde, nas primeiras páginas destas edições, acompanhadas de retratos do


homenageado, vinham congratulações para a figura do coronel, a exemplo do que pode
ser visto na coluna intitulada “Salve 15 de Dezembro!”, presente na edição 15 do jornal,
em que se dizia:
Ao despontar a aurora deste dia, Itacoatiara veste-se de gala
commemorando o anniversário natalício de seu prestigioso filho, o
Coronel João Pereira Barbosa.
E’ justo o despertar alegre de toda esta população que tem gravada
n’alma o reconhecimento, o mais nobre sentimento humano; pelos
relevantes serviços prestados pelo Coronel João Barbosa á esta terra
que lhe serviu de berço e á sua família”336.

Para além das publicações comemorativas de aniversário, como já dito, figura do


coronel Barbosa é presença constante nas páginas do jornal, sempre seguida de elogios,
a exemplo de um espaço dedicado na edição 84 do periódico, lançada em 1911, em que
se agradecia ao coronel por sua gestão na Superintendência do município, que se
encerrara no ano anterior, onde o trabalho de Barbosa era definido como sinônimo de
avanço para a cidade. Não só agradecimentos e congratulações eram publicados no
jornal, também eram dedicadas colunas e páginas inteiras para a publicação de questões
referentes à Administração Pública, como números de exportação, anúncios de reuniões
(comumente nas casas de membros do clube ou mesmo na própria sede deste),
publicações de editais públicos e notícias de obras ou projetos, como o anúncio da
construção do Mercado Público da cidade e a instalação da Mesa de Rendas. Muitas
dessas publicações podem se justificar pelo papel que Ozório Alves da Fonseca e
Francisco Domingos do Lago ocupavam na gestão municipal, sendo secretário e
tesoureiro, respectivamente, e usando do Paládio como canal informativo da
Superintendência. Essa postura do periódico vai ao encontro com o que nos aponta Luis
Munaro quando diz que “os jornais [funcionam] como instrumentos de propaganda e
porta-vozes de grupos de poder”337, agindo com essa extensão dos poderes políticos ao
mesmo tempo em que procurava imprimir em seus leitores um ideal modernizador e
republicano.

O jornal-objeto, aqui estudado, como muitas das folhas periódicas que


circularam nos sertões amazônicos338, agia como esse braço do poder público, apesar de
seu discurso, como já dito, de ser isento e representante dos interesses locais – o que

336 O Paládio, nº15, Itacoatiara – AM, 15 de dezembro de 1908.


337 MUNARO, 2018, p 275.
338 Ibdem, p 275.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

denotaria representar a população itacoatiarense – na prática, o Paládio funcionava


muito mais como veículo propagandista de certos grupos, como o próprio coronel
Barbosa, e para além dele o Partido Republicano da cidade.

Essa questão e influência do Partido Republicano tem grande destaque durante o


processo de eleição para a Intendência Municipal ocorrido no fim de 1910, quando o
jornal se dividia entre congratular João Barbosa pelos seus serviços prestados na gestão
pública, e também fazer propaganda da chapa eleitoral de Manoel Joaquim da Costa
Pinheiro, como na edição 80, que apresentava grupo de Pinheiro. Sobre a gestão de
Manoel Joaquim, novamente recorrendo a Francisco Gomes da Silva339, mais uma vez é
perceptível a relação das figuras proeminentes do Paládio com a administração local,
quando este aponta a participação de Francisco Domingos do Lago na gestão de
Pinheiro, novamente como tesoureiro da Superintendência, afirmando uma vez mais a
proximidade de relações entre a proposta do Paládio e o jogo político de Itacoatiara.

O papel da Imprensa, dentro da historiografia amazonense, ainda tem diversos


aspectos a serem discutidos e revisitados, e o Paládio, mesmo em sua atuação
relacionada a uma dinâmica de poder que em muito pautava as relações políticas do
interior do Amazonas, é ainda uma ferramenta de grande importância na construção de
uma História do interior do Estado, em especial da cidade de Itacoatiara, por permitir
uma maior reflexão acerca das dinâmicas que pautavam as relações sociais e políticas
em um contexto onde a historiografia ainda pouco se aproximou, e quando o fez, poucas
vezes deu aos municípios do interior um protagonismo na análise, o que vem sendo
gradativamente ressignificado com produções recentes, e é neste cenário que este
trabalho procura se estabelecer.

* * *

339 SILVA, 1998.

20
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Abertura polí ca e os processos eleitorais no estado do Amazonas


a par r da charge do Miranda (1974 e 1983)*

Thiago Rocha de Queiroz**

A pesquisa propõe um estudo sobre a abertura política e os processos eleitorais


no estado do Amazonas entre 1974 e 1983 a partir da coluna A Charge do Miranda.
Este processo se justifica muito mais pelos resultados da eleição de 1974 do que pelo
projeto de distensão do governo Ernesto Geisel. A partir deste pleito, a inflexão que a
ditadura militar sofreu com a vitória dos senadores de oposição modificou o cenário
político da época, reconduzindo debates internos e promovendo rachas entre os
articuladores do governo. A pesquisa segue até 1983, ano em que o projeto de anistia já
está em andamento e se inicia uma nova classe política no estado com a nomeação de
Gilberto Mestrinho, retornando ao governo, embora com nova legenda partidária.

As fontes que conduzem a narrativa da tese de pesquisa são as charges do


desenhista amazonense João Miranda. O chargista trabalhou formalmente no jornal A
Crítica de janeiro de 1972 a 1995, ano de sua aposentadoria. Entretanto, seus trabalhos
gráficos nos serviços de publicidade são vistos pelo jornal em décadas anteriores.
Iniciando como ilustrador da coluna “Sim e Não”, parte que compõe o editorial do
periódico na página 4, João Miranda ganhou definitivamente a coluna “A charge do
Miranda” em setembro de 1974. Inicialmente, ilustrava as colunas de esporte de
Flaviano Limongi, sendo responsável inclusive pelo desenvolvimento caricatural das
mascotes de alguns clubes do futebol amazonense. É importante notar que, no início, a
ilustração do jornal era feita por Ritta Calderaro. O nascimento da coluna e sua
configuração meses próximos ao pleito de 1974 justifica o recorte das fontes em relação
ao tema.

Embora tenha grande identidade gráfica e textual, o conteúdo das charges de


cunho político da coluna de Miranda passa, sobretudo, pelas mãos do diretor Humberto
Calderaro. A ligação do diretor com a política local data do início do próprio jornal.
Segundo o livro de memórias do diretor340, o desejo de Calderaro era criar um jornal
**** Doutorando em História Social pelo PPGH da UFAM. E-mail: thiagorochahistoria@gmail.com
340 LOPES, Júlio Antonio. A Crítica de Umberto Calderaro Filho. Manaus: Editora Cultural da
Amazônia, 2010.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

que, diferentemente do A Tarde, de Aristophano Antony (Presidente da AAI,


Associação Amazonense de Imprensa) e Vicente Reis (Pai do interventor Arthur Reis e
dono do Jornal do Commercio), tivesse um caráter mais dinâmico de noticiário e menos
de panfletário do governo. Pela amizade existente com o também jornalista e político
Álvaro Maia, Calderaro acreditava ter apoio político durante o cargo de interventor em
Manaus, o jornal registra seus direitos em 04 de maio de 1946. Segundo o historiador
Francisco Jorge dos Santos, Álvaro Botelho Maia, amazonense do Município de
Humaitá, governou o estado Amazonas por três vezes, e em situações políticas bastante
distintas: como interventor federal, de 1930-1931; como governador e interventor, de
1935-1945; e como governador eleito, de 1951-1955. Foi eleito senador nas eleições de
1966, ficando no cargo até 1969, ano do seu falecimento.

Portanto, entender o jogo político que ocorre entre o jornal A Crítica e os


governos militares é compreender a historicidade em que se encontra a empresa na
conjuntura do golpe civil-militar de 1964. As relações entre Calderaro e a elite local
tendem a estabelecer forte oposição em uma década de vitórias regulares do Partido
Trabalhista Brasileiro. O nascimento e crescimento do jornal se liga bastante à nova
configuração partidária dos seus apoios. Álvaro Maia retorna ao poder em 1950, a partir
de uma coligação entre o PSD, Partido Social Democrata e o PDC, Partido Democrata
Cristão que formavam a frente libertadora de Getúlio Vargas. O período em que foi
governador era de instabilidade política, diferente da época em que foi interventor do
Estado Novo. O cenário pós-extrativismo transformava as instabilidades comerciais em
grandes embates políticos, ao passo que a democracia dificultava seus alinhamentos.
Segundo Júlio Antônio Lopes, os jornais circulantes da época eram de consumo da elite
e muitos pautavam mais temas ligados à economia. A proposta de Calderaro seria
propor um noticiário “onzerino”, com maior abertura para tatear temas políticos e do
cotidiano. Apesar das dificuldades iniciais, onde o rompimento com a família Alcher
Pinto levou ao hiato do jornal341, Calderaro conseguiria assim sua independência em
1949, sustentando sua proposta no apoio do novo governador e visando assim um
contexto ideal para a expansão da empresa.

Nas palavras de Ritta Calderaro, em entrevista oferecida a Julio Lopes, a relação


de Alvaro Maia com Umberto era

341 Por motivos políticos de apoio a Leopoldo Neves (UDN), o jornal de Humberto Calderaro perdeu o
direito de prensar seu material dentro de O Jornal.

22
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

na época em que meu pai e meu tio foram políticos, era mais o pessoal
do PSD. O Álvaro Maia foi muito amigo dele. Ia lá em casa conversar
com o Umberto até alta madrugada, assuntos de política, muita
articulação política deste Estado saíram de lá, de minha casa. Eu
assistia. Cansei de ver. Eu não ficava muito perto, não, mas às vezes
eu ia levar um copo d’água ou uma bebida.
A trajetória da esposa também explica em parte as origens da conexão entre
Calderaro e os políticos do PSD. Ritta era filha do desembargador André Vidal Araújo e
sobrinha de Rui Araújo, chefe de polícia no governo Álvaro Maia. Juntando os
elementos, é possível deduzir que Calderaro tenha encontrado as condições ideais para
encontrar destaque, financiamento e apoio diferenciado em meio aos periódicos
amazonenses. A partir desta ligação com o PSD, a oposição da ala trabalhista, formada
sobretudo pelos políticos do PTB estabeleceriam um inimigo direto ao jornal A Crítica.
Em capítulo do livro de Julio Lopes, o autor comenta com ênfase o atentado que o
diretor sofreu em 20 de janeiro de 1959. O relato acusou diretamente os membros do
PTB, mesmo sem provas. O autor comenta ainda que a perseguição aos periódicos de
“opinião” era antiga e registra até eventos que ocorreram antes, com os jornais que
criticavam Cesar Rego Monteiro (1921-24). Cita ainda o caso Leopoldo Neves, que
custou a máquina do A Crítica. Apesar de toda subjetividade da narrativa do autor, a
biografia de Calderaro deixa clara a visão que a empresa possuía sobre os políticos do
PTB, justificando seus atos como autoritários e os do periódico como libertários.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

Portanto, entender essa oposição que vem de antes e segue depois da ditadura,
nos ajuda a compreender a importância que o diretor tem nas relações de poder da
cidade e que, certamente, reverberam nas narrativas cômicas da coluna. A tradição de
governos do PTB estabeleceu conexões e desavenças políticas durante a década de 50.
Como registra Cesar Queirós342 em artigo sobre a deposição do governador Plínio
Coelho no Amazonas, a ameaça da tradição do PTB se ligava bastante à ameaça que o
partido representava aos interesses das elites locais. O governo de Plínio exonerou
familiares de Maia e retirou privilégios da Associação Comercial do Amazonas, em
uma busca delicada de enfraquecer as elites locais. Com a tentativa de indicação de
Vivaldo Frota e a arbitragem do PTB em escolher Gilberto Mestrinho para a sucessão
de candidatura, Plínio percebeu o início do seu isolamento político que se confirmaria,
mais tarde, com o seu gradual desgaste político dentro do governo Castelo Branco. O
ditador decidiu passar o governo para o filho de Vicente Reis, diretor do Jornal do
Commercio: Arthur Cezar Ferreira Reis.

Como é possível notar, o poder no Amazonas acompanha essa ligação direta


com os grandes periódicos locais, sendo grande parte dos governadores ligados ao
jornalismo. Em nota sobre a relação de Umberto Calderaro com ditadura militar, Julio
Lopes aponta que o jornal “não se alinhou”, mas fez o possível para não ser
empastelado. O argumento do autor se sustenta pelo espaço concedido ao líder da
oposição Fábio Lucena no jornal durante toda a ditadura. Segundo o autor, várias vezes
Calderaro foi chamado ao CMA, Comando Militar da Amazonia, para responder sobre a
coluna. Comenta ele que a propaganda de governo era absoluta no jornal e que o espaço
para a oposição era o que não fazia o jornal morrer como um panfletário do governo.

Portanto, analisando a trajetória do diretor, é possível localizar três grandes


momentos de inflexão entre o poder das elites políticas e a Imprensa local. Um primeiro
momento onde há alinhamento com o novo modelo de governo getulista e os embates
com os governos do PTB, chegando inclusive a vias de fato. Um segundo, onde as
conexões são estabelecidas com o governo militar, entretanto mantendo espaços
circunscritos de oposição no periódico e desenvolvendo a coluna de Miranda como um
espaço furtivo de discursos; após a candidatura em 1989, causando rompimento com o

342 QUEIRÓS, César Augusto. “Papagaio que está trocando as penas não fala”: Autoritarismo e disputas
políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. 2019

24
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

aliado Amazonino Mendes e estabelecendo pressões dos opositores políticos após sua
morte. A pesquisa proposta trabalha entre os dois primeiros momentos.

Assim, diante destes elementos, a tese desta pesquisa se sustenta no argumento


de que João Miranda, em sua coluna inaugurada em setembro 1974, poucos meses antes
da eleição que definiria a primeira inflexão da ditadura no País, serviu ao diretor
Calderaro como o meio ideal para furar a censura local através do humor, publicando
materiais diariamente e tocando em temas políticos com a sofisticação furtiva
necessária. Portanto, o desenhista tornou-se uma arma política fundamental durante
esses períodos elencados para a pesquisa. Da depressão econômica ocasionada pela
crise do petróleo em 1973 aos movimentos de anistia no governo Figueiredo, Miranda
serviu ao jornal como um elemento chave no discurso de liberdade de imprensa e no
retorno da autonomia política do diretor Umberto Calderaro.

A pesquisa se divide em quatro momentos: Estabelecendo um balanço de como


o governo Henoch Reis estava lidando com a crise do petróleo e as alternativas que o
político encontrou para lidar com os efeitos colaterais no Amazonas. A partir desta
crise, é importante analisar como Miranda retrata, em formato de charge, as
contradições desse contexto. É importante também mostrar como o novo governador se
relacionou com os políticos de oposição eleitos no estado. Em seguida, apresentando um
levantamento de como Miranda lidou com os preparativos para eleição de 1978, analisa-
se os momentos pré e pós pacote de abril. A ideia é tratar como Calderaro conduziu seu
jogo de interesses, direitos e indiretos, através da coluna. Um terceiro momento,
marcando a transição da tese, a pesquisa parte para o ano de 1979, onde a extinção do
AI-5 e o fim do bipartidarismo promoveram inflexões também nos trabalhos de
Miranda. É o momento onde surgem representações dos velhos e novos atores políticos
do processo eleitoral de 1983. Por fim, concluindo com as representações sobre os
preparativos para a eleição de 15 de novembro de 1982, onde Gilberto Mestrinho
venceu para governo e os votos para cargos executivos foram permitidos (desde Plínio,
em 1962), apresenta-se esse processo de abertura política no estado em conclusão,
lançando suas novas configurações e posicionamentos no jogo pré-constitucional.

* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

26
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

O Trabalhista: disputas polí cas e o golpe civil-militar no


Amazonas (1960-1964)*

Jandira Magalhães Ribeiro**

A pesquisa intitulada “O Trabalhista: disputas políticas e o golpe civil-militar no


Amazonas (1960-1964)”, desenvolvida em um cenário de pandemia, em virtude da
COVID-19, obteve muitas dificuldades em ser concluída, por conta do acesso aos
arquivos em instituições públicas; logo, centrou-se muito em consulta do periódico O
Trabalhista (nosso objeto de pesquisa e principal fonte).
Nesse sentido, a investigação histórica localizou na História da Imprensa no
Amazonas, cuja primeira fase do projeto concentrou-se em apresentar a análise do
periódico O Trabalhista, no seu período de circulação, que foi de 1960 a 1964, isto no
primeiro ano. Isto é, esclareceu-se que desde sua fundação, em 1960, ele se notabilizou
como um dos mais importantes jornais do Amazonas, participando de forma efetiva da
vida político-partidária do estado até agosto de 1964, quando, por ordem do então
governador Arthur Cezar Ferreira Reis, foi obrigado a encerrar as atividades, mesmo
destino do jornal A Gazeta, por exemplo, também de propriedade da empresa Difusão
S/A, que controlava ambos os jornais. No segundo ano do projeto, debruçamo-nos sobre
duas colunas do Jornal O Trabalhista, a primeira intitulada: Porrete de dar em Doido e
a segunda intitulada: Pingos e Respingos, ambas circularam mais ou menos no mesmo
período de 1960 a 1962, em específico a coluna intitulada Arthur Reis, os áulicos e o
Amazonas, publicada no periódico durante o mês de julho de 1964, após a deposição de
Plinio Coelho do Governo e a ascensão de Arthur Reis como o interventor da ditadura,
tentando entender todo esse processo de rivalidade entre essas duas personalidades
políticas do estado.
Nisso, ao observamos que o periódico era editado pelo líder trabalhista Plínio
Ramos Coelho, governador eleito do Amazonas em duas ocasiões (1954 e 1962) e a
fundação do jornal coincide com um momento de ruptura entre as principais lideranças
petebistas, Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho, em virtude desse último se tornar
importante porta-voz das posições políticas do então ex-governador, a busca de entender
** Resumo expandido baseado no relatório final do PIBIC 2019/2020 orientado pelo Prof. Dr. César
Augusto Bubolz Queirós.
**** Graduanda em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail:
Jandira.mqueiroz@gmail.com
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

como se deu o processo de ruptura naquele contexto de desavenças políticas entre os


dois, a repercussão do golpe civil-militar e a deposição de Plínio Ramos Coelho, bem
como a compreensão dos motivos do fechamento do O Trabalhista pela ditadura,
apresentaram-se como o problemas da pesquisa.
Desta maneira, a pesquisa caracterizou-se como bibliográfica, a partir de leituras
que aprofundassem a nossa interpretação daquele momento da história do Amazonas. A
partir disso, os apontamentos de César Augusto Queirós343, Norberto Bobbio344, Jorge
Ferreira345 e outros referenciais da historiografia que discorrem sobre os temas que se
entrelaçam no processo histórico auxiliaram na compreensão da situação-problema
desta pesquisa.
Logo, este estudo visa contribuir com a historiografia local, no que tange aos
estudos da História da Imprensa no Amazonas, para realizar uma interpretação histórica
acerca das tensões que foram observadas na seara do político, no contexto de golpe
civil-militar, censuras e perseguições. Em outras palavras, é importante entendermos
todo o processo político instaurado no estado do Amazonas desde 1960 a 1964, e que
resulta posteriormente, em 1983, em um modelo político criado por Coelho em seu
primeiro mandato como governador em 1955, quando ele introduz Gilberto Mestrinho
na política indicando-o ao cargo de prefeito de Manaus. Com as eleições de 1958 se
aproximando, a relação de Coelho com Mestrinho fica bastante estremecida, a partir de
1960 até 1962, em que O Trabalhista demonstra claramente essa relação entre dois
grandes líderes trabalhistas em situação bastante delicada, e quando se iniciam as
campanhas para as eleições ao governo, em 1962, eles aparecem novamente unidos para
a disputa eleitoral.
Como afirmamos anteriormente, o periódico O Trabalhista passou a circular na
cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, entre 1960 a 1964. A sede do jornal
nos anos de 1960 e 1962 ficava localizado na Avenida Getúlio Vargas, nº 891, Centro.
Naquele período de 60 a 62, o jornal tinha a seguinte tabela de preços: “assinatura para
o país, anual – Cr$ 1.000,00 e semestral – Cr$ 600,00, para a entrega a domicílio em
343 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. O Trabalhismo de Plínio Ramos Coelho e o Golpe de 1964 no
Amazonas. Manaus: Revista Mundo dos Trabalhos, vol.8, nº15, janeiro-junho de 2016, p.49-65;
QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. “Papagaio que está trocando as penas não fala”: Autoritarismo e
as disputas políticas no Amazonas no contexto do Golpe de 1964. História Unisinos, vol. 23, nº 1,
janeiro/abril de 2019, 73-83.
344 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda. Razões e significados de uma distinção política. São Paulo:
Ed. UNESP, 1995.
345 FERREIRA, Jorge. O Governo Goulart e o Golpe civil-militar de 64. In: FERREIRA, Jorge e
DELGADO, Lucília (Org.). O Brasil Republicano: o tempo da experiência democrática. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

28
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Manaus a assinatura custava, anual – Cr$ 1.500,00 e semestral Cr$ 800,00 e o preço do
exemplar era de Cr$ 10,00” 346. A partir de 1963 a 1964, o periódico muda de endereço e
sua sede passa a ser na Rua Saldanha Marinho, nº 465/437, centro e tinha as seguintes
tabelas de preços “assinatura anual Cr$ 5.000,00, semestral Cr$ 3.000, número avulso
Cr$ 50,00 e número atrasado Cr$ 60,00” 347.

Para entendermos o período da ditadura Militar no Amazonas, precisamos


primeiramente compreender alguns conceitos básicos de ditadura. É importante destacar
que a “ditadura está paradoxalmente bastante relacionada à ideia de democracia”348. Em
outros termos:
Para Norberto Bobbio e Nicolas Poulantzas, por exemplo, a ditadura é
uma forma de relação entre poderes executivos e legislativos de um
Estado. Já Franz Neumann definiu a ditadura como um governo de
uma pessoa ou um grupo de pessoas, que se arroga o direito de exercer
o poder, monopolizando-o e exercendo-o sem restrições349.

Com essas afirmações é possível classificar a ditadura em três tipos:

A ditadura simples, na qual o poder é exercido por um ditador que se


baseia nos meios tradicionais de coerção da sociedade pelo Estado,
que são a política, a burocracia, o exército e o judiciário. Nessa
categoria estão ditadores do Terceiro Mundo no século XX, como Idi
Amin em Uganda, Papa Doc no Haiti e Pol Pot no Cambodja. Tais
ditadores por controlar países pobres, precisam basear seu poder
sobretudo na coerção policial, e não criaram meios de manipulação de
opinião muito sofisticados, A segunda categoria é chamada de
“cesarista” ou “bonapartista”, na qual o poder do ditador vem
principalmente do apoio popular. Tal poder depende do carisma do
político e pode ser exemplificado nas ditaduras latino-americanas do
século XX, como a de Getúlio Vargas no Brasil e de Perón na
Argentina. O último tipo de ditadura é o totalitário, em que um partido
controla o Estado, utilizando também apoio popular. Esse é o caso das
ditaduras da Europa no século XX, o fascismo italiano, o nazismo
alemão e o stalinismo soviético350.

Ao observarmos o golpe militar no Brasil e a instauração da Ditadura Militar,


percebemos que, mesmo hoje o regime do nosso país sendo democrático, ainda é
possível ver em nossa sociedade a herança cultural, social e econômica desse regime

346 O Trabalhista, 9 de julho de 1962.


347 O Trabalhista, 1 de agosto de 1964.
348 SILVA. SILVA, 2010, p.106.
349 SILVA; SILVA, 2010, p. 106.
350 Idem.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

ditatorial. Essa afirmação é esclarecida pelos apontamentos de Carlos Fico351, que


destaca que essas ações tinham como objetivo levar o congresso a votar com o governo
o que pode se classificado como uma pressão indevida, mas não como golpismo. Com
isso podemos entender que o regime militar (Golpe), mesmo que com o ideal de que foi
uma “revolução” para banir o comunismo do país, fora uma ação muito bem calculada
para institucionalizar o mesmo, com as criações dos Atos Institucionais.
Neste ponto, focaremos em três colunas que foram veiculadas no periódico:
Arthur Reis, os áulicos e o Amazonas, “Porrete de dar em Doido” e “Pingos e
Respingos”. A coluna “Porrete de dar em Doido” circulou entre os anos de 1960 e
1962 e veiculava denúncias e críticas ao governo do estado do Amazonas, tendo na
ocasião o governador era Gilberto Mestrinho como chefe do Executivo. Devemos
salientar que Plínio Ramos Coelho introduzira Gilberto Mestrinho na vida política
quando, em seu primeiro mandato, o nomeou para prefeito de Manaus.
A coluna “Pingos e Respingos” circulou no mesmo período, entre 1960 e 1962.
Em 1962, após a reconciliação entre Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho, essas duas
colunas pararam de circular no jornal. A coluna “Arthur Reis, os áulicos e o Amazonas”
foi publicada no periódico durante o mês de julho de 1964, após a deposição de Plinio
Coelho do Governo e a ascensão de Arthur Reis como o interventor da ditadura.
Outro exemplo, no dia 25 de janeiro de 1962, há informações sobre a eleição
para o governo que ocorrerá no dia 3 de outubro de 1962. Ali, falou-se que existia um
movimento pacifista que estava se desenvolvendo em Manaus, no Rio e em Brasília,
com a ideia de “águas menos agitadas pelo vendaval da paixão partidária”352. Em suma,
tais interpretações corroboram as orientações que Tania Regina realiza acerca do
entendimento de periódicos como fonte de pesquisa na História, isto é, ela nos previne
sobre os riscos que o historiador corre ao realizar de modo precipitado e superficial uma
análise em relação ao conteúdo produzido. Em outras palavras:
O que está escrito nele nem sempre é um relato fidedigno, por ter por
trás de sua reportagem, muitas vezes, a defesa de um posicionamento
político, de um poder econômico, de uma causa social, de um alcance
a um público-alvo etc., advindos das pressões de governantes, grupos
financeiros, anunciantes, leitores, grupos políticos e sociais, muitas
vezes de modo dissimulado, disfarçado353.

351 FICO, 2019, p. 9.


352 O Trabalhista, 25 de janeiro de 1962
353 REGINA, 2015, p. 6.

30
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Ademais, ao realizarmos uma leitura mais atenta em A ditadura militar e a


censura no jornal impresso (O Estado de São Paulo)354 observamos que um contexto de
produção de narrativas (impressas e televisivas) que beneficiaram consideravelmente a
ascensão e manutenção do poderio militar no Brasil, principalmente através da
utilização de propaganda. Com isto, teremos jornais importantes, como O Correio,
promovendo artigos que pediam a saída do presidente João Goulart, enquanto no Jornal
da Tarde poderá ser visto receitas de bolo como forma de preencher lacunas deixadas
por matérias que foram censuradas.
Logo, O Trabalhista foi um jornal que tinha peso em meios aos trabalhadores
por se identificarem com seus editores, ele tinha uma relação muito próxima a Plínio
Ramos Coelho. Alguns autores afirmam que é o dono do jornal, mas não se tem prova
concreta do fato, entretanto ele foi editor chefe e por ser uma figura pública e ter uma
carreira política no Amazonas, os conflitos e as inimizades adquiridas por Plínio em sua
carreira política, respinga no jornal em 64 quando ele é fechado.
Em suma, observou-se que em um cenário de tensões locais, em consequência
do momento histórico que o Brasil vivia, Plínio Coelho fora exilado e refugiado no
estado de Goiás, onde viveu como criador de galinhas poedeiras, vendendo seus ovos na
feira e só voltou ao Amazonas após a anistia. No período de exílio, o Ganso do
Capitólio fora proibido pela ditadura militar de falar sobre qualquer conteúdo político
com o risco de ser preso sem possibilidade de soltura e assim ele o fez até voltar para o
seu estado natal.

Podemos compreender as disputas políticas que ocorreram no estado do


Amazonas desde a primeira eleição de Plínio Coelho, em 1954, até seu segundo
mandato em 1963, após ser eleito em 1952, e sua deposição em 1964 pelo regime
militar. Nisso, entendemos que as figuras envolvidas na política, desde o primeiro
mandato, sempre apareceram no decorrer da trajetória de Coelho; ou seja, entre
amizades e desentendimentos - como é o caso de Gilberto Mestrinho.
Assim, entendemos como as grandes rixas com a entre Plinio Ramos Coelho e
Arthur Cezar Ferreira Reis, que começou com a demissão de Reis no primeiro mandato
de Coelho e terminou com a cassação, prisão de Coelho no mandato de Reis, esse como
governador do Estado escolhido pelo regime militar. Logo, os rumos que se tomaram
nessa relação foram além da ditadura, mas nas punições que Plínio Coelho recebeu por
354 NASCIMENTO; OLIVEIRA; DIAS; REIS, 2013, p. 3
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

ser do vínculo ao trabalhismo que vinha de uma ideia getulista. Logo, podemos finalizar
com a afirmação de que, no caso do Amazonas, não foram apenas as movimentações de
ordem vindas de Brasília (general Castelo Branco) que ocasionaram a prisão e exilio de
Plinio Ramos Coelho, mas também de uma motivação pessoal do então Governador
Arthur Cézar Ferreira Reis.

* * *

32
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) no


contexto da ditadura militar (1964-1979)*

Andrew Matheus Medeiros da Conceição**

O presente trabalho tem por objetivo compreender a atuação do Centro de


Instrução de Guerra na Selva (CIGS) no período entre 1964 e 1970, quando o CIGS
muda sua função sendo renomeado para Centro de Operações na Selva de Ações de
Comandos (COSAC). A pesquisa será guiada sobre análise documental e de periódicos
do período, buscando entender a participação da instituição dentro do cenário político
amazonense e como sua trajetória recebeu influências de outros países em seu contexto
de formação e ação mediante governo ditatorial.

Ao discutirmos a importância do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS)


durante o contexto da ditadura militar, é necessário compreender que a instituição, ainda
que seja qualificada como corpo do exército brasileiro, se tornou parte do projeto de
integração nacional na região. Em meados dos anos 60, a elaboração de slogans que
propunham o desenvolvimento econômico e militar da região norte, como “integrar para
não entregar”, somados a outros projetos como a transamazônica, fomentaram o
discurso da cobiça internacional na região, sendo o CIGS parte desse processo.

Diante de um contexto de pandemia e de restrição de acesso às fontes, para


entender a participação da instituição no período que vai da criação do CIGS até sua
mudança passando a ser COSAC, utilizamos primordialmente as fontes disponíveis de
forma digital. Partimos de uma ampla catalogação das fontes disponíveis: em um
primeiro momento, nos debruçamos sobre as matérias e notícias veiculadas no Jornal
do Commercio, digitalizado e armazenado no site da Hemeroteca Digital, e, em
segundo momento, analisamos os documentos da Comissão Nacional da Verdade, do
Serviço Nacional de Inteligência, do Ministério do Exército e o Almanaque do CIGS,
digitalizados e disponibilizados pelo site do Arquivo Nacional.
O Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) foi fundado em 2 de março de
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H/0156/2020, com apoio da bolsa UFAM e
orientação do Prof. Dr. César Augusto Bubolz Queirós.
**** Graduando em História pela Universidade Federal do Amazonas. E-mail:
andrewmatheus2000@gmail.com
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

1964 pelo decreto nº 53649, apenas um mês antes do golpe militar que tirou João
Goulart do cargo de presidente. Nesta perspectiva, o CIGS, em sua trajetória, tem por
objetivo capacitar militares conhecidos como “guerreiros de selva”, através de cursos e
formações, para que assim possam liderar pequenos grupos aptos a cumprir missões na
floresta amazônica com intuito de proteger as fronteiras e realizar segurança deste
território. O treinamento é voltado para militares de todo Brasil e de nações amigas,
educados em solo amazônico, mas aptos a cumprir missão em qualquer ambiente
florestal.
O treinamento do CIGS foi fundado tendo inspiração no Curso de Guerra de
Selva (CGS) ministrado pelo exército estadunidense na Escola das Américas355, em Fort
Sherman, localizado na zona do canal do Panamá. Neste sentido, os militares brasileiros
formados em solo panamenho sob o amparo da Doutrina de Segurança Nacional
importam para o Brasil os conhecimentos doutrinários e inauguram instituições como a
analisada neste trabalho.356
Fundamentalmente, o CIGS assumiria papel de defesa da região: defendendo
internamente, pois se empenharia em subverter a ameaça de guerrilhas rurais no interior
do estado, e defesa externa, pois ocuparia o território protegendo-o dos interesses
internacionais e, por conseguinte, defendendo elementos naturais da fauna e flora
amazônica. Na concepção de defesa, a participação do CIGS, no que diz respeito ao
combate aos inimigos ideológicos do governo, revela uma história repleta de
apagamentos e que ainda necessita de uma análise aprofundada.
O artigo Amazônia em Armas: Luta e resistência contra a Ditadura Militar no
Amazonas, de César Augusto Bubolz Queirós, rememora a participação do CIGS na
contenção de uma tentativa de guerrilha no interior do estado do Amazonas357. O artigo
demonstra a participação da instituição na prevenção de insurgências revolucionárias e
inicia a análise da participação do CIGS mediante a ditadura militar.
A pesquisa tem como um dos focos discutir a criação do Centro de Instrução de
355 É instituição do exército estadunidense fundada em 1941 sediada na zona do canal do Panamá. Em
1961 a Escola das Américas (School of the Americas) se torna responsável por difundir o anticomunismo
e ensino de contra insurgência em militares latino-americanos, entre eles os oficiais brasileiros. A
instituição difundiu também o ensino de tortura que seria para impedir o avanço da “ameaça comunista”
nas ditaduras americanas. Ver: MATTOS, Dias Dionysious de. A infame academia: A história da Escola
das Américas sob a doutrina de segurança nacional na América Latina (1959-1989). Monografia de
Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
356 MONTAGNA, Wilson. A Doutrina da Segurança Nacional. Projeto História: Revista do Programa
de Estudos Pós-Graduados de História, [S.l.], v. 6, out. 2012. ISSN 2176-2767. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12296/8904>. Acesso em: 20 ago. 2020.
357 QUEIRÓS, César Augusto Bubolz. Amazônia em Armas: luta e resistência contra a ditadura militar
no Amazonas. Revista Labirinto. v. 31, 2020.

34
III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Guerra na Selva em um período de agravamento das disputas ideológicas ao redor do


mundo e como esse fator tornou a instituição receptora de diversas influências
estrangeiras. Neste processo, a Doutrina de Segurança Nacional, como apontam as
fontes analisadas, foi responsável por traduzir a linguagem doutrinária estadunidense
durante a guerra fria às preocupações brasileiras, a fundamentando em significados e
preocupações nacionais, como a defesa do território amazônico.
A atuação estrangeira, no CIGS, ia além da ideologia anticomunista e se refletia
na atuação direta, como visitas de militares estadunidenses à cidade de Manaus e
investimentos realizados na instituição. Desta forma, fontes catalogadas oriundas do
Jornal do Commercio apontam a importância da Comissão Militar Mista Brasil-Estados
Unidos para o CIGS, que segundo este, “[...]vem contribuindo bastante para o
aperfeiçoamento das atividades do CIGS, mediante o fornecimento de valiosos
materiais próprios para o treinamento de contra-guerrilha”358.
A Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos, foi relevante, pois, sem ela o
centro não conseguiria manter suas funções com excelência. A contribuição
estadunidense é expressa claramente no Jornal do Commercio, sendo apontado a
contribuição de equipamentos e viagens semestrais de oficiais americanos ao centro359.
No entanto, a participação estrangeira demostra um plano maior de dominação
imperialista estadunidense e investimentos em contrarrevolução, que é uma
determinação do CIGS enquanto instituição vinculada ao governo militar.
Para além das atividades estrangeiras fornecedoras de recursos para o CIGS, o
curso dispunha de turmas semestrais, que regularmente contavam com a participação de
alunos de outros países. Com a primeira turma formada em novembro de 1966 até o ano
de 1979, o CIGS formou um total de 63 alunos de diferentes regiões do mundo, alguns
deles oriundos de nações que também se situavam em contexto de ditadura militar,
como Paraguai, Argentina e Peru.

Tabela 1 - Alunos estrangeiros formados no curso de instrução de guerra na selva – período: 1966 a 1979.
Países Quantidade
Venezuela 5

358 BARAHUNA, Epanimondas. Oficias da Missão Brasil EUA chegam sábado a Manaus. Jornal do
Commercio, Manaus, 6, dezembro de 1967. Edição n. 19569, p. 1. Disponível em
<http://memoria.bn.br/pdf/170054/per170054_1967_19569.pdf >. Acesso em: 8 de janeiro de 2021.
359 BARAHUNA, Epanimondas. Visita de oficias estrangeiros. Jornal do Commercio, Manaus, 15,
julho de 1967. Edição n. 19461, p. 4. Disponível em
<http://memoria.bn.br/pdf/170054/per170054_1967_19461.pdf>. Acesso em: 8 de janeiro de 2021.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

França 6 (a partir de 1974)


Colombia 1
Paraguai 3
Estados Unidos da América 5 (mais experssiva a partir de 1976)
Guiana 9 (até 1974)
Equador 13 (mais expressiva a partir de 1973)
Peru 5
Paraguai 3
Argentina 3
Guatemala 1
Panamá 9
TOTAL 63
Fonte: SISTEMA de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). Almanaque do Centro de Instrução de
Guerra na Selva (CIGS) - Centro Coronel Jorge Teixeira/1999. Fundo Comissão Nacional da Verdade.
Rio de Janeiro. 9 de jan 2012, p. 23-45.

Sob égide da Doutrina de Segurança Nacional e bases anticomunistas, a


Operação Condor possibilitou as perseguições políticas e o uso de práticas de tortura e
interrogatório nas ditaduras do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia. A
operação na década de 1970 montou o cenário ideal para instauração de prática de
perseguição e tortura pelas instituições de estado como a analisada neste artigo.
O CIGS, neste período, se consolidou como um centro de disseminação de
técnicas de tortura sendo utilizadas por oficiais formados na instituição para extrair
informações ou agir com caráter punitivo aos inimigos políticos do governo militar.
Estes conhecimentos foram aprendidos com estrangeiros, a princípio na escola das
américas pela comissão brasileira doutrinada no Curso de Guerra na Selva (CGS) em
Fort Sherman no Panamá360. Este grupo de militares retornam ao Brasil e fundam o
curso e Centro de Instrução de Guerra na Selva em 1966 com conhecimentos
aprendidos em Fort Sherman.
Em entrevista concedida à Folha de São Paulo, o tenente da reserva José Vargas
Jimenez, que participou da repressão à guerrilha do Araguaia e recebeu treinamento no
CIGS, afirmou que aprendeu práticas de tortura na instituição. Segundo ele, “foi bem

360 “Uma plêiade de excelentes Oficiais e Sargentos, mandados anteriormente cursar a Escola das
Américas, no FORTE SHERMAN, na Zona do Canal no Panamá (U S JUNGLE OPERATIONS
TRAINING CENTER, Fort Sherman, Canal Zone), já na condição de "JUNGLE EXPERT", constituiu-se
na equipe pioneira que implantou o Centro. O Iº Curso de Guerra na Selva, destinado a Oficiais (de 2º
Tenente a Coronel), foi concluído em novembro de 1966.” SISTEMA de Informações do Arquivo
Nacional (SIAN). Almanaque do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) - Centro Coronel Jorge
Teixeira/1999. Fundo Comissão Nacional da Verdade. Rio de Janeiro. 9 de jan 2012. p. 4.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

duro, bem próximo da realidade”. Indagado se aprendeu técnicas de interrogatório,


afirmou que sim e que “muito das técnicas lá eram em relação aos índios que a gente
prendia”. Tais relatos demonstram a importância do CIGS no contexto latino-
americano, uma vez que era um “centro único em toda américa latina”361, identificado
pelo exército brasileiro como “[...] a melhor escola de guerra na selva do mundo”362, e a
gravidade dos ensinamentos ministrados pela instituição, onde é reconhecido por
militares o ensino e a prática de tortura.363

Para além da atuação de defesa, o CIGS também se consolidou como um centro


de formação e aprendizagem de técnicas de tortura por combatentes formados na
instituição, denominados “Guerreiros de selva”, que seriam destinados a combater
inimigos de estado. Estes atos se revelam nas fontes e entrevistas consultadas, como
relata o ex-comandante do CIGS, general Antônio Manoel Barros, em entrevista à
Folha de São Paulo, ao afirmar que a tortura “não era um procedimento operacional,
mas em determinado contexto se sabia que a técnica poderia ser usada. A Força (o
Exército) não aceitava isso como algo trivial” 364. Deste modo, reconhecendo que foram
ensinadas técnicas de tortura no centro e que eram usadas.

Outro personagem importante. reconhecido pelo ensino e prática de técnicas de


tortura vinculado ao CIGS como instrutor, é o veterano da guerra da Argélia Paul
Aussaresses. A problemática em torno dessa figura, surge após declarações referentes à
entrevista ao livro Je n'ai pas tout dit: ultimes révélations au service de la France (Eu
não disse tudo: últimas revelações a serviço da França), organizado por Jean-Charles
Deniau em colaboração de Madeleine Sultan.365 O seguinte relato revela a aplicação de
exercícios relacionados à tortura e reproduções dessas práticas em pessoas.

361 AUSSARESSES, Général Paul. Je n’ai pas tout dit: ultimes révélations au service de la France.
Paris: Éditions du Rocher, 2008. p. 160.
362 CENTRO de instrução de guerra na selva: forjando os defensores da Amazônia. Exército
Brasileiro, 2018. Disponível em:
<https://www.eb.mil.br/web/noticias/noticiario-do-exercito/-/asset_publisher/MjaG93KcunQI/content/
id/9084790>. Acesso em: 20 de nov. de 2020.
363 JIMENEZ, José Vargas. A gente usava socos, choques, tapa no ouvido. [Entrevista concedida a]
Claudio Dantas Sequeira. Folha de São Paulo, São Paulo, 15 jul. 2008. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1506200813.htm>. Acesso em: 15 de nov. de 2020.
364 BARROS, Antonio Manoel. Militar reconhece aulas, mas diz que contexto era outro. [Entrevista
concedida a] Claudio Dantas Sequeira. Folha de São Paulo, São Paulo,15 jul. 2008. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1506200814.htm>. Acesso em: 15 de nov. de 2020.
365 AUSSARESSES, Général Paul. Je n’ai pas tout dit: ultimes révélations au service de la France.
Paris: Éditions du Rocher, 2008.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

Na sequência das entrevistas expostas – entre elas do ex-comandante do CIGS


general Antonio Manoel Barros; o instrutor do centro de 1973 a 1975 Paul Aussaresses;
e José Vargas Jimenez formado guerreiro de selva na turma de 1972 – o papel do CIGS,
durante o contexto da ditadura militar, possuía um caráter latente de contraguerrilha.
Uma vez que o centro se tornou receptor de conhecimentos relacionados ao
desmantelamento dessas organizações, propagando em suas turmas de formação
variadas técnicas que colaborassem com a conclusão dessas “missões”, dentre esses
ensinamentos a difusão de práticas violentas para a extração de informações também
esteve presente.

O centro se destacou pela excelência de seu Curso de Guerra na Selva, tornando-


se de grande valor em prevenção e combate de guerrilhas em selvas tropicais, sendo
relevante para a segurança nacional e internacional no projeto autoritário da ditadura
brasileira. Segurança nacional, pois se empenharia em subverter ameaças internas,
representadas pelas guerrilhas, fiscalizar e proteger a Amazônia brasileira e sua
biodiversidade; e segurança internacional, pois, além de formar combatentes sob
doutrina anticomunista366, o curso de guerra na selva era destinado também a oficiais
estrangeiros de nações latino-americanas.

No entanto, o CIGS se empenhou em projetar boa imagem de si, do Comando


Militar da Amazônia (CMA), e do exército brasileiro, além se preocupar com a
preservação e educação ambiental. Segundo Almanaque do CIGS sua missão síntese é:
Especializar militares para o combate na selva; adestrar e avaliar
tropas; realizar pesquisas e experimentações doutrinárias; valorizar e
difundir a mística do guerreiro de selva; preservar o meio ambiente e
projetar a boa imagem do CIGS, do CMA e do Exército em seu
escopo de competência.367

A pesquisa encontra-se em fase inicial e avança no aprofundamento da análise


das fontes já obtidas e na busca por novas fontes a serem catalogadas. Entende-se que a
participação do CIGS durante contexto de ditadura militar foi importante para o cenário
político local, bem como era lugar de interesse nacional e internacional, como discorrem
as fontes analisadas. Compreende também o latente papel de formação de

366 MOTTA, Rodrigo Patto Sá; QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Em guarda contra o "perigo
vermelho": o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2000.Universidade de São Paulo, São Paulo,
2000, p. 287.
367 SISTEMA de Informações do Arquivo Nacional (SIAN). Almanaque do Centro de Instrução de
Guerra na Selva (CIGS) - Centro Coronel Jorge Teixeira/1999. Fundo Comissão Nacional da Verdade.
Rio de Janeiro. 9 de jan 2012, p. 5.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

“contraguerrilheiros”, que estariam empenhados em subverter ameaça comunista pela


guerra na selva e a participação social assídua projetando boa imagem da instituição
para sociedade manauara. Para além do mencionado, a pesquisa recusa um imaginário
social incorreto e cada vez mais popular que nega os impactos negativos da ditadura e
ou que, quando reconhece a gravidade do período, o atribui somente a metrópoles do
centro-sul brasileiro, retirando Manaus deste espectro.

* * *
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

O Programa de Integração Nacional (PIN), a ocupação estrangeira


e as populações indígenas da Amazônia no quadro da ditadura
militar: desenvolvimen smo, integração e indigenismo nas
páginas do Jornal do Commercio*

Chris ne Oliveira Andrade**

O presente estudo apresenta o contexto em que o Programa de Integração


Nacional368 (PIN), projeto responsável pela criação da rodovia Transamazônica (BR-
230) e Cuiabá-Santarém (BR-163) e idealizado por Emílio Garrastazu Médici (1969-
1974), foi produzido. O objetivo é discutir a construção do imaginário público e as
consequêncas da obra faraônica sobre as populações indígenas utilizando o períodico
Jornal do Commercio como fonte para a construção da pesquisa.
Em julho de 1970, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, foi assinado
o Decreto-Lei Nº1106, que criou o PIN, que formaria os pilares do governo:
Desenvolvimento e Segurança Nacional. Existia uma avaliação de que a região Norte
precisava ser povoada e integrada ao resto do país, pois a baixa densidade demográfica
nesses espaços seria resultado do pouco progresso que afligia o Estado brasileiro,
excluindo a falta de investimentos públicos nessas áreas como um dos fatores cruciais
para a pouca arrecadação tributária.
O PIN foi um dispositivo criado a partir de premissas que pretendiam “integrar
para não entregar” e disponibilizar “terra sem homens para homens sem terra” com a
finalidade de levar o progresso à região e solucionar o problema do “vazio
demográfico”. Sob esse viés, buscaremos analisar de que forma as representações em
torno da “cobiça internacional” e iminente ocupação estrangeira na região, legitimou e
justificou tal projeto que, além de ter devastador impacto ambiental, dizimou
populações indígenas inteiras.
Neste contexto, o discurso sobre a Amazônia é reestruturado de forma que se
solidifique um laço entre o governo e a sociedade civil. Desta forma, percebe-se que o
** Pesquisa desenvolvida no âmbito do projeto PIB-H/0077/2020, com apoio do CNPq, sob orientação do
Prof. Dr. César Augusto B. Queirós.
**** Graduanda em História na Universidade Federal do Amazonas e bolsista de PIBIC
368 Decreto-Lei 1.106, de 16 de junho de 1970. Cria o Programa de Integração Nacional, altera a
legislação do impôsto de renda das pessoas jurídicas na parte referente a incentivos fiscais e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del1106.htm
>

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

Estado já compreendia que, sem o apoio popular, a efetiva ocupação da região não
ocorreria. Para tanto, o apoio dos meios de comunicação e a sua influência em massa
contribuiu na mobilização do “desbravamento” e “empreendimento nacional”,
utilizando-se de propagandas nacionalistas que despertassem o sentimento de
patriotismo e dever nas famílias.
Nesta perspectiva, a pesquisa objetiva discutir o PIN e as consequências da
construção da rodovia Transamazônica sobre os povos indígenas fixados na sua
extensão, tendo como base de análise a utilização de uma importante mídia baré, que
possuía um grande alcance no Amazonas: o Jornal do Commercio.
As fontes analisadas foram retiradas no veículo Jornal do Commercio (AM),
disponibilizadas no site da Hemeroteca Digital. Antes de se iniciar a catalogação do
material, uma leitura sensível sobre censura e os grupos sociais que ocupam os espaços
editoriais foi realizada, com o intuito de se compreender as produções jornalísticas que
seriam encaradas. A decisão de se utilizar jornais provém da seguinte reflexão de José
D’Assunção:
Todo jornal, a não ser que seja um jornal de humor, ampara-se na
possibilidade de inspirar e manter em seus leitores a viva convicção de
que ali, naquelas páginas ásperas e por vezes levemente amarelas,
fala-se de fato da realidade, da vida efetivamente vivida, da história
que se refaz a cada novo dia, de algo que realmente ocorreu e do qual
se dá um retrato fiel e não comprometido por parcialidades369

Essa passagem reforça a importância do periódico na construção da presente


pesquisa, pois, a instituição jornalística atuou diretamente na construção da memória
nacional sobre o governo Médici e seus “milagres”. Nesta via, a historiadora Marialva
Barbosa salienta:
Os meios de comunicação são fundamentais na divulgação de
premissas fundamentais para a construção de um Brasil que só existe
no discurso ideológico. A popularidade dos meios de comunicação,
portanto, é essencial – notadamente o audiovisual – para a construção
de um pensamento único num regime de ausência de democracia no
plano político e onde vigora o controle rigoroso da sociedade política
em relação à sociedade civil370

369 Barros, José D’Assunção. Fontes Históricas: introdução aos seus usos historiográficos / José
D’Assunção Barros. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2019, p.189.
370 Barbosa, Marialva, 1954- História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000 / Marialva Barbosa.
Rio de Janeiro: MAUAD X, 2007, p.180.
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

A priori, a catalogação das matérias se deu através das palavras-chaves Plano de


Integração Nacional e Transamazônica. A leitura das reportagens e sua posterior
transcrição ocorreu de forma contínua por um período de seis meses, e serão
apresentadas no tópico a seguir.

A primeira notícia que menciona o PIN nas páginas do Jornal do Commercio


(JC) ocorre no ano de 1969, a idealização da obra é atribuída unicamente ao regime
militar, que em consonância a tônica, apropria-se de elementos de persuasão típicas do
período com intuito de convencê-los a aprovar e, porventura, convidá-los a participar da
construção. No ano seguinte, a rodovia é apresentada como realidade a ser
implementada brevemente, e por consequência disso, a frequência das notícias crescem,
e o tempo de publicação entre uma notícia e outra diminui.
Uma das principais obras realizadas no contexto do PIN foi a Transamazônica, o
programa ambicionava garantir a colonização e a reforma agrária na região, para tanto,
delimitou uma faixa de dez quilômetros ao longo das margens da obra para a
colonização. Visando a implantação de projetos agropecuários e agroindustriais, a mão
de obra motriz para o trabalho foi a nordestina, resultado da grande seca vivida entre
1969 e 1970 que corroborou com o deslocamento de várias famílias. Sobre o processo, a
pesquisadora Lara de Castro enuncia:
As migrações que ocorriam também fora dos tempos de calamidade
climática tinham nas estiagens prolongadas a justificativa ideal para
que o Estado tivesse como uma das suas alternativas à aglomeração de
retirantes o envio de pessoas para o norte. Os retirantes entornando
espaços públicos e privados iniciavam as negociações através de
pedidos de comida, vestes, passagens, mas a dosagem apropriada ao
socorro, acreditava o governo, era o trabalho.371

A construção da Transamazônica, rodovia que une a região Norte-Nordeste,


soma esforços à lógica militarista que objetivou marcar a História como “a grande
redentora da Amazônia”, referência aos projetos desenvolvimentistas falhos, que
também viam o ambiente como mero recurso para enriquecimento e povoamento. Nesta
via, o jornalista Genesino Braga372 enaltece a importância do PIN e a necessidade do
prosseguimento das obras rodoviárias idealizadas pelo chefe da Nação, posto como

371 CASTRO, Lara de. Ocupar, fixar e educar: trabalhadores do interior do Brasil e os projetos
governamentais para o Amapá e o Ceará entre os anos 1944 e 1960. In: IX Semana de História: o ensino e
a pesquisa de história no Amapá: perspectivas e desafios, 2013, Macapá-AP. Anais eletrônicos da IX
Semana de História da Unifap, 2013. p. 1-17, p. 02.
372 Genesino Braga possui uma longa e influente carreira, já tendo atuado como jornalista, cronista,
professor universitário, deputado estadual e membro da Academia Amazonense de Letras durante o
século XX.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

iluste figura que petrificará as páginas da História brasileira como um importante e


corajoso líder que concretizará a integração da região amazônica, por meio deste
projeto, ao resto do país. Conforme afirma:
[...] A Amazônia assim ainda se apresenta como um desafio que dura
quatro séculos e meio, no seu conjunto de problemas a solucionar.
“Inferno Verde” para os que em suas selvas se embrenham, tentam
dominá-las, mas “Eldorado” para outros e ainda “celeiro do mundo”
para Humboldt [...] E é o próprio gôverno brasileiro, pela vontade
patriótica do ilustre Presidente Emílio Médici, que lança as bases da
obra fundamental de sua ocupação.373

Destarte, o governo do general Médici dá continuidade a este projeto, recorrendo


a elementos do imaginário popular para alcançar uma das questões ambicionadas desde
o período colonial, como a dominação e colonização da Amazônia. No Brasil dos anos
70, uma euforia em torno da construção do slogan “Brasil grande”, pautado num
acelerado crescimento econômico, otimismo e potencialidade a nível nacional, contribui
com a tônica da construção da rodovia Transamazônica (BR-230). Esse imaginário pode
ser percebido em uma reportagem veiculada nas páginas do Jornal do Commercio que
conta a história da vida de uma família de retirantes advinda do Rio Grande do Norte
(RN), fugindo da seca, em busca de melhores condições de vida. “Nasce um menino na
estrada da esperança” é o nome da matéria, remetendo ao pequeno Juarez Furtado de
Araújo Transamazônico, que nasceu às margens da rodovia, o qual recebe a visita
ilustre dos Ministros dos Transportes: o brasileiro Coronel Mario Andreazza e o alemão,
Georg Leder. Mais que isso, perguntado à família sobre o que achavam da região, a
resposta é semelhante ao slogan tão divulgado a época:
- A garotada gosta? – perguntamos ainda ao Sr. Joaquim Félix.
- Claro. – Mas ainda não tem escolas. Nós confiamos porém, nas
autoridades, que não vão deixar as crianças sem estudar porque
querem um Brasil grande. 374

O fato do nome desta criança ter a palavra Transamazônico evidencia a


influência dos discursos oficiais e meios propagandísticos sobre a opinião pública,
embutidas de esperança por dias melhores. Outrossim, a ideia do Brasil Grande é

373Jornal do Commercio, 05 de julho de 1970, p. 05, edição 20432 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_01&Pesq=as%20estradas%20da
%20esperan%c3%a7a%20genesino&pagfis=91024 >
374 Jornal do Commercio, 31 de março de 1971, p. 05, edição 20663 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_01&Pesq=%22a%20estrada%20da
%20esperan%c3%a7a%22&pagfis=156882 >
Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia – LABUHTA

perceptível nesta matéria, visto que há uma validação e confiança no governo acerca dos
seus deveres com o povo, mesmo que o tempo provasse o contrário.
Segundo o historiador Carlos Fico, o mérito de “desenvolvimentismo
conservador”375 atribuído aos militares não condiz, necessariamente, com a
circunstância de se ter havido uma ditadura, sendo esta fruto de etapas (governos)
anteriores ao período instaurado. Desta maneira, a construção da Transamazônica esteve
intimamente ligada ao alcance do “milagre econômico”376, no qual a lógica capitalista
precisava ser implementada em todo o território nacional para que esta se tornasse uma
potência mundial, os lemas “integrar para não Entregar” e “Brasil: Ame-o ou Deixe-o!”,
tornam-se elementos centrais que legitimaram e defenderam a ocupação da Amazônia.
Nesta conjuntura, reunindo fontes do Jornal do Commercio (JC), constata-se
uma intensa colaboração entre a grande mídia e os agentes do governo no que diz
respeito à sustentação da obra e seus benefícios ao Vale Amazônico, tornando-se o
investimento ideal para o impulsionamento da Nação. De acordo com Magno Michel e
César Martins:
Sendo um suposto “vazio” a Amazônia poderia, segundo estes
discursos, ser explorada, sem causar impactos sociais ou mesmo
ambientais. Mas este discurso ignora as populações tradicionais da
região e seus modos diferenciados de uso do território. Ao transformar
as populações amazônicas em “invisíveis” os discursos oficiais,
abriam margem para diversas formas de apropriação dos territórios,
bem como de uso exclusão social e impactos socioambientais com a
implementação de megaempreendimentos.377

A cobertura jornalística produz escassos materiais em relação aos povos


indígenas e à construção da rodovia, de forma que quando quando ocorrem, beiram a
indiferença ou o sensacionalismo. Esse posicionamento condiz com a política de
integração378 estatal, que não se desvia em um só momento durante o estudo, na qual o
desejo de assimilação ou exclusão dos índios torna-se a única saída. Tal como se vê a
seguir na matéria “Transamazonica: FUNAI pacifica indios”:
Frisou o General Bandeira, em sua primeira entrevista desde que

375 Fico, C. (2017). Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Revista Tempo
E Argumento, 9(20), 05 – 74, p. 21.
376 Termo questionado na obra de Cordeiro, Janaína Martins. A ditadura em tempos de milagre:
comemorações, orgulho e consentimento / Janaína Martins Cordeiro. – Rio de Janeiro: Editora FGV,
2015. 360p.
377 MARÇAL BRAGA, Magno Michell; SOUZA, C. M. . Transamazônica: terra, trabalho e sonhos.
Territórios e Fronteiras (UFMT. Online), v. 12, p. 172-191, 2019.
378 Cunha, Manuela Carneiro da. Índios no Brasil: história, direitos e cidadania / Manuela Carneiro
da Cunha. — 1a ed. — São Paulo : Claro Enigma, 2012, p.11.

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III Jornada de Debates em História – 90 anos da ‘Revolução de 1930’

assumiu a FUNAI há 60 dias, que o índio não pode ser considerado


sempre como uma peça de museu. Promoverá sempre o
desenvolvimento de sua cultura de uma maneira gradativa que lhe
permita evoluir, mas sem perder as suas tradições.379

Neste sentido, interessa enfatizar aqui o serviço prestado pela Fundação


Nacional do Índio (FUNAI) que, neste caso, atuou como “pacificadores de índios”, de
modo a abrir espaço para o empresariado. Somado a isso, a elaboração de uma nova
política na Amazônia, durante o governo Médici, traçaria a direção em que o governo
agiria frente a região.
No momento, os resultados da pesquisa apontam para um aparelhamento do
Jornal do Commercio aos anseios da ditadura em relação aos projetos
desenvolvimentistas na Amazônia. Esta análise ocorre por meio das notícias, que
utilizam discurso enaltecedor referente à construção da Transamazônica. Somado a isso,
percebe-se por trás desse discurso, um silenciamento a respeito dos povos indígenas, um
dos principais afetados com a execução do projeto.

* * *

379 Jornal do Commercio, 08 de agosto de 1970, p. 05, edição 20460 (1). Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=170054_01&pesq=%22a%20estrada%20da
%20esperan%C3%A7a%22&pasta=ano%20197&pagfis=91524 >

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