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FAUP, Janeiro, 2021

HAM
2ºAno

Jorge André Carvalho Ferreira, Turma H1

A beleza como precursora de um novo paradigma na Arquitectura através de Alberti

“Que motivo há para que nos enfademos com um amontoado de pedras informe e sem
concinidade senão que, quanto maior ele for, tanto mais censuramos o desperdício da
despesa e denunciamos a leviandade do capricho de amontoar pedras? Quando a
deselegância da obra é chocante, satisfazer à necessidade é coisa pouca e insignificante,
prover à comodidade é insuficiente”1

É seguro começar este ensaio por afirmar que a obra de Leon Battista Alberti se
espelha nela própria, dos edifícios construídos aos escritos sobre arquitectura há um
paralelismo subjacente que lhe é constante. Apesar do foco deste ensaio ser numa obra
específica de Alberti (O Templo Malatestiano), quaisquer relações com o seu tratado de
arquitectura Da Arte Edificatória2 e com outras obras de arquitectura são frutíferas,
precisamente na medida em que se validam e espelham umas nas outras.
Curiosamente, Da Arte Edificatória não é sobre a sua obra, referindo apenas pontualmente
a sua actividade como arquitecto, dando destaque e prioridade à sabedoria que observou e
adquiriu dos antigos. Este destaque tem muito pouco que ver com uma sobrevalorização
dos antigos ou com uma apropriação dos saberes sem sentido crítico e de transformação.
É importante dizer o necessário sobre a ligação de Alberti aos antigos, pois a obra sobre a
qual este ensaio se debruça é desenhada para o local onde existe uma igreja gótica3 em
ruínas que Alberti transforma (sem destruir) e essa ligação age como um veículo de
transformação em toda a época do Renascimento.

O Templo Malatestiano4 mostra que Alberti se apropria de estratégias e elementos


clássicos e medievais com pleno domínio das relações entre as partes e o todo.
Este caso concreto revela que a Tríade Vitruviana5 não lhe serve em pleno, e, usando
termos diferentes (mas do mesmo campo semântico) diz que a necessidade e a
comodidade não revelam tão fortemente a necessidade de existir o arquitecto como o
prazer ligado à beleza. No seu tratado Alberti diz que “O condimento de toda a graça é a
variedade em cada aspecto, se esta for coerente e configurada pela proporção dos
elementos que se encontram distantes uns dos outros; se os mesmos elementos
apresentarem discrepância entre si, por não haver uma certa proporção que os una e
associe, então essa variedade será inteiramente dissonante”6, revelando o cuidado com que
o ornamento é colocado no desenho do edifício. A relação e proporção entre as partes deve
ser de modo a que não se possa acrescentar, retirar ou substituir nenhuma sem que se
perca a unidade do todo, conferindo-lhe a concinidade que Alberti considera indispensável.
O uso de mais do que uma ordem e mais do que um modo de desenhar em nada diminui a
unidade da composição.

1
Alberti cria um invólucro em pedra caracterizado maioritariamente por elementos
clássicos e romanos, deixando apontamentos da pré-existência se revelarem nas fachadas.
No entanto, no interior desenha capelas com arcos em ogiva nas laterais da nave, deixando
a capela com arco de volta perfeita para a capela central. Esta mistura revela a intenção de
Alberti de “citar” os antigos, conferindo novas hipóteses de desenho. “Não gostaria que
todos os elementos fossem desenhados apenas segundo um único traçado e uma só
definição de linhas, de tal modo que em nada se diferenciassem entre si; uns elementos
serão agradáveis se forem maiores, outros hão-de conferir mais graça se forem mais
pequenos, outros conseguí-la-ão pelo seu tamanho mediano“.7

A citação reflete-se com precisão no desenho da fachada do templo. É explícita a ligação do


desenho dos alçados à fachada principal do templo Grego, porém, está lá também invocado
com o mesmo grau de evidência o arco do triunfo Romano. Os elementos estão distribuídos
de forma harmoniosa, garantindo a concinidade que Alberti procura.
Alberti propõe-se, no Templo Malatestiano, a desenhar um edifício novo em conjunto com
um antigo, sem apagá-lo, não se limitando a colocar uma fachada que esconde a
pré-existência e adereçá-lo com elementos clássicos. A espessura das paredes não é
indiferente a toda a regra da composição e as aberturas que remetem para o Arco do
Triunfo tripartido fazem uma entrada no vão central, com um pequeno frontão triangular,
remetendo para os gregos, mas, curiosamente, esse frontão está rodeado por vitrais da
igreja gótica pré-existente. Nas laterais as arcadas têm o aspecto dos aquedutos romanos e
é possível vislumbrar janelas de arco apontado da igreja vetusta. Estas janelas são
reminiscências e, como tal, não obedecem às regras do novo traçado.
Todas as relações e proporções estão descritas no tratado, explicando a sua
preferência em relação aos tipos de planta e ao rácio das proporções. Embora Alberti
explicitamente prefira a planta central, a planta do Templo Malatestiano é claramente
longitudinal, o que mostra que a existência anterior tem influência a todos os níveis. Isto não
constitui, por si só, uma contradição, já que ele dá preferência à planta central em casos
como a Basílica de Sto. André de Mântua.
O desenho é feito sobre as condições específicas do local, da encomenda e, no
caso, das pré-existências, e esse modo de actuar é trivial na sua natureza, mas muito
profundo no seu significado, pois coloca Alberti como um arquitecto moderno.

Curiosamente, o templo foi encomendado a Alberti por Sigismondo Malatesta para


ser uma espécie de mausoléu para o seu corpo, mas Malatesta acabou por falecer antes de
finalizada a construção, deixando o edifício inacabado, perdendo-se a oportunidade de
construir uma das maiores cúpulas de itália. Mas, para Alberti, a obra inacabada não retira
concinidade ao edifício, já que as partes sugerem o todo e o todo as partes, para além de
que não encerra brutamente o edifício quando a obra tem de ser interrompida, desenhando
o próprio inacabado de modo a que sugira uma continuidade que pode ou não ser levada a
cabo, como é o caso do Palácio Rucellai.

Este texto dedica o seu grande parte do seu assunto à noção e importância da
beleza para Alberti, que diz, de forma poética, que “O que são em si mesmos a beleza e o
ornamento ou em que se distinguem, talvez com mais clareza o entenderemos na alma do
que eu sou capaz de explicar em palavras”7

2
Notas:

1 Alberti, Leon Battista, Da Arte Edificatória, pags. 376,377.


2 Tratado de arquitectura escrito por Alberti entre 1443 e 1452 e que serve de alicerce a este
trabalho.
3 Igreja de Sao Sebastião em Rimini
4 Nome dado ao edifício resultante da intervenção de Alberti sobre a Igreja de São Sebastião, em
homenagem ao seu patrono Sigimondo Malatesta.
5 A Tríade Vitruviana: firmitas (firmeza) utilitas (utilidade) venustas (beleza) refere-se aos 3
fundamentos da arquitectura que Vitrúvio escreve no seu tratado de arquitectura Dez Livros sobre
Arquitectura, no séc. I a.c e pelo qual Alberti, de certa forma, se guia.
6 Alberti, Leon Battista, Da Arte Edificatória, pag. 172
7 Alberti, Leon Battista, Da Arte Edificatória, pag. 377

Referências:
ALBERTI, L. ,Da Arte Edificatória, Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Lisboa 2011
Sessões teóricas e práticas da U.C História da Arquitectura Moderna, FAUP 2020, 2021

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