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SUMÉRIA

Prof: H
A SUMÉRIA E OS TESTEMUNHOS EXTRABÍBLICOS DE GÊNESIS DO 1 AO 11

Durante séculos, a historicidade dos capítulos 1-11 de Gênesis permaneceu sem


questionamentos. No entanto, a partir do século 19, novas correntes teológicas passaram
a oferecer outra interpretação para esse texto, compreendendo-o como mera fábula
criada pelos judeus ou plagiada de mitos mesopotâmicos. Tal leitura, porém, coloca em
dúvida todas as demais doutrinas bíblicas. Portanto, o presente artigo compara
narrativas de civilizações primitivas, especialmente de Eridu (o mais antigo centro
urbano da história), com Gênesis 1-11, apresentando semelhanças que evidenciam a
fidedignidade do texto sagrado. O autor sustenta que o conteúdo de Gênesis não é um
plágio daqueles antigos escritos, sendo que eles é que trazem deturpações da história
real.

A realidade histórica dos capítulos 1-11 de Gênesis é de fundamental importância para a


Teologia Cristã. Sem ela todas as doutrinas presentes na Bíblia caem por terra. Se a
história do Éden não aconteceu de fato, então a humanidade não caiu em pecado e não
teria do que ser redimida. Logo, todo o sistema sacrifical dos hebreus e a morte
expiatória de Cristo na cruz do Calvário perderiam completamente seu significado. Em
virtude disso, desde os tempos bíblicos até por volta do século 18, era notório o
entendimento historicista dessa porção das Escrituras.[1] Muitos autores do Antigo e do
Novo Testamento referem-se aos elementos de Gênesis 1-11 como relato factual.[2]
Nenhum deles propõe a mais remota possibilidade de que se trate de uma lenda ou
alegoria. O próprio Jesus Cristo citou pelo menos 25 vezes porções de Gênesis 1-11
retratando-as como material histórico.[3] Mesmo com a inauguração da escola
alegorista de Orígenes, a maioria dos expoentes da teologia cristã ainda era unânime em
aceitar os capítulos iniciais do Gênesis como história real.[4] Dentre eles figuram-se
nomes como Agostinho, Lutero e Calvino. Contudo, com o advento do iluminismo
alemão e a conseguinte inauguração das correntes teológicas de Tübingen e Göttingen
no século 19, um novo entendimento mitológico do Gênesis começou a tomar conta dos
meios acadêmicos, sobretudo, europeus. Lideradas respectivamente por Ferdinand C.
Baur (1792-1860) e Julius Wellhausen (1844-1918), essas novas interpretações
julgaram por um tempo que o Gênesis não passava de uma fábula criada por judeus.
Depois ampliaram sua teoria, supondo que todo o Pentateuco era um conjunto editado
de contos oriundos de outras mitologias encontradiças na Mesopotâmia.[5]

Pretendemos sugerir outra interpretação a partir das evidências textuais e arqueológicas


recuperadas no Antigo Oriente Médio. Nosso foco será sobre as culturas que remontam
aos primórdios da civilização humana. Por isso, daremos uma ênfase especial à
descoberta de Eridu, o mais antigo centro urbano da história humana, e às tradições
literárias relacionadas a ele. Tais fontes coincidem com as primeiras tradições literárias
compostas a partir da invenção da escrita.
A hipótese que queremos testar à luz da cultura material é a seguinte: supondo que seja
verdadeira a versão do Gênesis acerca da criação de Adão e Eva e sua respectiva
residência num jardim chamado Éden (com a conseguinte perda do paraíso e a
destruição do mundo por meio de um dilúvio), é de se esperar que os primeiros
descendentes daqueles que sobreviveram à catástrofe ainda retivessem em sua memória
ou em sua tradição elementos dessa história primordial. Sua transmissão teria sido feita
por ancestrais que conheceram o mundo pré- catastrófico ou pré-diluviano.

Tal tradição, a princípio oral, deveria inevitavelmente aparecer nos primeiros escritos da
humanidade caso estivessem cronologicamente próximos àqueles eventos cuja grandeza
e extensão seriam muito importantes para serem olvidados. A expulsão de um paraíso
idílico, a destruição da raça por meio de um dilúvio universal, a confusão idiomática
trazida pela construção de uma torre eram acontecimentos traumáticos demais para
serem ignorados, pelo menos nas primeiras gerações. Portanto, se estamos realmente
falando de acontecimentos históricos, aqueles episódios mencionados no Gênesis
devem obrigatoriamente compor o primeiro legado cultural da civilização humana. E
após a invenção da escrita, eles seriam, sem dúvida, a principal temática sobre a qual
escreveriam. Seguindo alguns teóricos da etnologia, podemos questionar o conceito
darwinista de “culturas pré-históricas” como representando algo atrasado, primitivo,
típico de trogloditas habitando cavernas.[6] Consideraremos a “pré-história” não como
uma fase primitivista da história geral, mas apenas como aquele período que antecede
ao surgimento da escrita. Partiremos do princípio de que a linguagem escrita iniciou-se
como um sistema de signos que serviria de apoio às funções intelectuais, especialmente
as de memória. Daí a ideia de que as primeiras epopeias – usadas como recurso
mnemônico – conteriam traços do que aconteceu no prólogo da história humana.

Hipótese de trabalho Tudo isso, até aqui, é ainda um esquema hipotético que pode ser
testado numa comparação entre o que diz o Gênesis e os primeiros testemunhos escritos
produzidos pela humanidade por volta do terceiro e segundo milênios a.C.[7] Não se
deve, porém, esperar um decalque exato de um pelo outro. As semelhanças, se houver,
devem ser quanto aos elementos centrais. Já o arcabouço argumentativo certamente
sofrerá descontinuidades próprias de cada segmento cultural. Embora as publicações
atuais, com exceção de Joseph Campbell [8] , tendam a ser um tanto céticas em relação
aos resultados da “mitologia comparada”, ainda é válido trabalhar com a possibilidade
de que alguns mitos sejam oriundos de fatos e personagens históricos que foram
posteriormente mitificados.[9] A maioria dos especialistas em literatura grega, por
exemplo, sugere que o personagem Kadmos, que segundo a lenda, semeou a terra com
dentes de dragão e colheu dela uma safra de soldados armados, seria na verdade uma
pessoa real, posteriormente mitificada, que havia originalmente emigrado da Fenícia e
fundado a cidade de Tebas. Foi ele quem levou aos gregos os conhecimentos
rudimentares do alfabeto transformando para sempre sua sociedade.[10]
Logo, não é inverossímil sugerir que mitos e personagens da literatura mesopotâmicos
também contenham traços de historicidade, oriundos do período anterior à invenção da
escrita. É igualmente possível supor que um mesmo acontecimento esteja no
nascedouro cultural de múltiplas tradições étnicas. Nosso pressuposto é que a
semelhança entre alguns mitos da antiguidade pode ser explicada não necessariamente
pela dependência literária ou pela coincidência, mas pelo fato deles terem se originado
de um mesmo acontecimento histórico que agora passou a ser contado de maneira
alegórica, distorcida, mas ainda possuidora de alguma verdade moral ou filosófica que
deveria ser transmitida.[11] Conforme já dizia Evêmero, escritor grego do século 4 a.C.,
os mitos não passavam de “relatos fantásticos nascidos de fatos históricos”. Segundo
ele, os deuses gregos tiveram sua origem em seres humanos notáveis, divinizados pelo
medo ou pela admiração dos povos.[12] Reconhecemos, no entanto, a impropriedade
dessa hipótese para explicar inequivocamente todas as semelhanças culturais e
religiosas existentes nas sociedades humanas.

Contudo, a suposição de que mitologias diferentes possam ter uma fonte histórica
comum não é um conceito totalmente ultrapassado. Fatos e documentos levantados
pelas Ciências Sociais (especialmente a antropologia cultural e a etnografia) têm
demonstrado que fortes acontecimentos (como supostamente é o caso dos eventos
descritos no Gênesis), uma vez testemunhados por diferentes povos, tendem a se
transformar em mitos e adquirirem uma determinada carga simbólica para cada cultura à
medida que passam de geração em geração.[13] Isso não equivale dizer, conforme a
proposta histórico-culturalista, que toda cultura só é obtida por difusão e migração.[14]
Não obstante, é notória a existência de algumas tradições culturais comuns a vários
povos que podem ser traçadas com relativa segurança até a um elemento central que
seria a fonte comum para vários segmentos sociais independentes.

Noutras palavras, se a história de Adão a Babel ocorreu, as primeiras civilizações


deverão fazer menção a ela. A Bíblia não será a única a apresentar tais acontecimentos.
Resta, contudo, definir que elementos tornariam o relato do Gênesis distinto em relação
aos demais mitos mesopotâmicos ao ponto de podermos considerá-lo um relato de
natureza única e não um plágio da literatura que o antecedeu. Isso será feito no final do
artigo aonde argumentaremos textualmente porque o Gênesis – apesar de ser mais
recente que a maioria dos mitos apresentados – não constitui uma adaptação de contos
anteriores ou uma versão comum entre as demais.

Metodologia da pesquisa Um dos grandes problemas quando estudamos as origens da


raça e da civilização humana é a distância entre o pesquisador e o sujeito/objeto a ser
estudado. Como dizia Trigger, “a arqueologia é a única disciplina que busca estudar o
comportamento e o pensamento humano sem ter contato direto com qualquer um
deles”.[15]
Ademais existe o fato de que parte da observação será sobre restos materiais
incompletos, deixados por grupos étnicos que não mais existem. Aí entra o desafio de
fazer “pedras e cerâmicas falarem”, sem cair em exagerados subjetivismos. O
desconhecimento científico de uma porção da história primeva que não pode ser
“repetida” gera, obviamente, limitação de resultados. Nesse ponto é preciso ressaltar
que, embora a Arqueologia e a História compartilhem o mesmo objetivo no que diz
respeito a conhecer o passado, elas são distintas quanto ao seu objeto de estudo. Ao
passo que a documentação textual é a fonte por excelência da historiografia, a cultura
material existente num sítio (isto é, os restos materiais deixados por povos antigos) será
o objeto-central de estudo do arqueólogo. Não poucas vezes, é claro, ambas as fontes
(documental e material) não serão condizentes. Um navio naufragado pode ter em seu
diário de bordo a explicação de que se tratava de uma fragata da marinha mercante. Mas
o que os arqueólogos encontram em seu porão são contrabandos e corpos de escravos
que o comandante queria a todo custo ocultar das autoridades. Assim a arqueologia
permite contar uma história que nem sempre estará nos relatos oficiais. Em virtude
disso, alguns entendem que a cultura material deveria ser considerada superior à fonte
textual, porque os documentos escritos podem ser contaminados por linguagem política,
propagandística ou de pseudolegalidade que resultará numa impressão distorcida dos
fatos.

O antigo historiador Heródoto [16], por exemplo, afirmava que as muralhas de


Babilônia tinham perto de 100 metros de altura, 25 metros de largura e 95 km de
comprimento, o que, a arqueologia demonstrou ser um terrível exagero. E é óbvio que
seria. Para outros, no entanto, a cultura material é demasiadamente fragmentária para se
retirar dali uma história conclusiva. É necessário que se encontre um texto antigo,
preferencialmente contemporâneo aos eventos, e que explique o que aquilo significava.
Escavar, por exemplo, um desconhecido assentamento debaixo da areia do deserto, só
nos permite dizer que ali havia uma cidade, porém, sem uma inscrição, um mapa antigo
ou um texto contemporâneo seria quase impossível dizer que cidade seria aquela ou que
pessoas moraram dentro de seus muros. As evidências arqueológicas, portanto, não são
tão detalhadas e objetivas como gostaríamos que fossem, mas não conduzem ao
agnosticismo. Apesar de nem sempre serem conclusivas, elas podem oferecer pistas
preciosas, principalmente se vierem acompanhadas de fontes textuais contemporâneas.
Uma lançará luz sobre a outra. Felizmente no caso da Mesopotâmia temos tanto a
documentação material como a textual. Ambas poderão ser comparadas procurando
captar o sentido do mito para cada grupo, isto é, elo de ligação entre suas ideias e
monumentos e a antiga história à qual acenavam: a história dos primórdios da
humanidade. As principais fontes da literatura mesopotâmica são os documentos
sumerianos e acadianos descobertos nas escavações de muitos sítios localizados ao
longo do Crescente Fértil que estende desde os montes Zagros no Irã, até aos desertos
da Arábia cobrindo grande parte do atual Iraque.[17]
São milhares de tabletes de argila, selos cilíndricos, estelas, monumentos arquitetônicos
e artefatos gerais contendo escrita cuneiforme. Muitos deles são textos econômicos,
administrativos, legais ou escolares. Outros são arquivos religiosos, cartas, hinos,
épicos, provérbios, crônicas, coleções de encantamentos, cálculos matemáticos,
prescrições médicas e até referências astronômicas. Em meio ao vasto acervo
encontram-se referências a divindades, mitologias, sagas, heróis e, para interesse
particular desta pesquisa, cosmogonias evidenciando sua versão para a origem do
mundo e da humanidade. Nossa seleção de textos dentro do corpus literário segue o
esquema de Falkenstein[18] que distingue entre dois maiores períodos de criatividade,
descritos por Hallo[19] como “neossumeriano” (2115-1815 a.C.) e o “pós-sumeriano”
(1500–1100 a.C.). Contemplaremos também uma longa tradição literária anterior, que
remete ao período do “Antigo Sumeriano” (2900-2400 a.C.), embora pouquíssimas
cópias existam que sejam datá- veis dessa época. Apresentaremos, portanto, uma síntese
conjunta (mas não exaustiva) das várias tradições, priorizando as continuidades com a
história do Gênesis e as versões mais antigas, destituídas ao máximo daquelas adições
posteriores feitas nas culturas neoassíria e neobabilônica.

Nossa proposta metodológica ainda segue no exercício de cruzar os dados oriundos


dessas fontes materiais e escritas e correlacioná-los com a história do Gênesis.
Analisaremos em conjunto as evidências materiais encontradas em solo e os mais
antigos textos da humanidade para com elas responder à pergunta: O que os habitantes
das primeiras civilizações diziam quanto ao começo da raça humana? Afinal, eles
estavam bem mais perto das origens do que nós. Viveram no terceiro milênio antes de
Cristo e estão quase 5 mil anos no passado. Vale à pena ouvir suas versões, examinando
as evidências que eles deixaram e comparando-as posteriormente com versão bíblica. É
claro que não temos uma pedra original do jardim do Éden, ou uma amostra orgânica do
corpo de Adão para provar sua existência – como, aliás, também não temos nada de
concreto que indique que a história se desenrolou exatamente como sugere a teoria
evolucionista.[20]

O que temos, na verdade, é uma reconstrução hipotética que, em última instância,


demanda fé de ambos os grupos (dos que aceitam e dos que negam a veracidade
histórica da Bíblia). A fé, portanto, não é um assentimento exclusivo dos religiosos.
Acadêmicos que acreditam em algo que não viram com os próprios olhos estão de certa
forma exercitando sua fé naquela hipótese de trabalho que consideram mais adequada
para explicar as fontes textuais e a formação do registro arqueológico.

A redescoberta da Mesopotâmia Quais foram os primeiros assentamentos humanos que


poderíamos corretamente classificar de “cidade” ou “civilização”? Durante muito tempo
os gregos foram vistos como os fundadores da civilização, pois os historiadores
europeus (desconhecendo a riqueza cultural das Américas e do Oriente Médio),
entendiam a polis grega como o elemento decisivo de transição entre barbarismo e a
vida racional civilizada (se bem que os próprios gregos admitiam com relutância uma
grande admiração pela sociedade egípcia). Mas hoje esse é um conceito ultrapassado.
Povos anteriores aos gregos podem legitimamente ser considerados grandes
civilizações. Muitos pensaram na China, no Egito, em Jericó para explicar os começos
da organização social que chamamos de “cidade”. Mas, a maioria dos acadêmicos de
hoje – ainda que falem de “reinvenções” da cidade – continuam apontando para a
Mesopotâmia como sendo o berço da civilização humana.[21] Foi lá que tudo começou,
ou “recomeçou” se entendermos que os que ali fundaram as primeiras cidades chegaram
à região como imigrantes vindos de outra localidade. A Mesopotâmia contém uma
geografia arqueológica de interesse mundial. Seu nome deriva de duas palavras gregas
meso que quer “meio” e potamos que quer dizer “rio”. Logo, Mesopotâmia seria “terra
entre rios”, exatamente por causa dos dois rios, Tigre e Eufrates, que compõem o
cenário da região.

A área em redor também é chamada de Crescente Fértil exatamente por ter uma terra
arável, em meio a um deserto, disposta no formato de uma lua crescente delimitada
entre os vales dos dois rios que desembocam no Golfo Pérsico. Havia ainda duas
regiões geográficas bem distintas: a parte norte, na Alta Mesopotâmia, era mais
montanhosa, desértica e menos fértil. Já o centro e o sul do vale, onde se encontravam a
Média e a Baixa Mesopotâmia, eram constituídos de planícies muito férteis em função
do curso dos rios que nascem nas montanhas da atual Armênia e deságuam
separadamente no Golfo Pérsico. Ainda em termos geográficos é importante dizer que o
nome Suméria aplica-se à Baixa e Média Mesopotâmia, enquanto a Acádia aplica-se à
parte Alta que seria o sul da moderna cidade de Bagdá. As escavações na Mesopotâmia
começaram numa época, em que a Arqueologia era marcada pelo colecionismo e pelo
antiquarismo, ou seja, os artefatos eram achados e levados para museus sem muita
preocupação com o local aonde foram encontrados. A descoberta da pedra Roseta pelos
soldados de Napoleão e os monumentos que os franceses e ingleses levaram do Egito
para a Europa no final do século 18 caracterizam bem esse tempo. Foi nesta mesma
circunstância de efervescência exploratória que Claudius James Rich, um representante
da companhia das índias orientais, se interessou pelas antiguidades locais da região do
Crescente Fértil.

A princípio, o ambiente não era arqueologicamente promissor. As cidades que ali


existiram estavam completamente soterradas pela areia do deserto e a paisagem não
tinha aquelas monumentais ruínas como as encontradas no Egito. Por isso, o local
permaneceu abandonado por milênios e muitos duvidaram da possibilidade de se
encontrar naquele deserto algum indício dos áureos tempos em que ali se estabeleceram
as primeiras civilizações. Desafiando o ceticismo de seus colegas, Rich explorou várias
ruínas e fez algo hoje inaceitável, mas totalmente comum na ocasião: recolheu para sua
própria coleção uma enorme quantidade de objetos com inscrições antigas, como tijolos,
tabletes de argila, cilindros com desenhos em baixo relevo, estátuas e cerâmicas.
Quando ele morreu vitimado por cólera em 1821, sua coleção foi adquirida pelo Museu
Britânico, onde permanece até hoje. Na época em que milhares de cacos de argila
contendo antigas inscrições cuneiformes começaram a chegar em Londres, por volta de
1818, ninguém tinha ainda condições de ler ou decifrar o que eles continham.
Não obstante, esta leva de artefatos acabou se transformando num grande incentivo para
a arqueologia na região, pois despertou o interesse de outros exploradores que queriam
conhecer melhor as terras que foram palco de importantes eventos mencionados na
Bíblia e ligados com as origens da civilização humana. Foram muitas as escavações
locais, usando os próprios nativos como operários, tradutores e guias. Acostumados ao
rigor do deserto e possuidores de uma valiosa tradição oral, aqueles beduínos foram de
grande ajuda para os pesquisadores europeus. Em pouco tempo, ruínas de antigos
palácios começaram a aparecer em meio à terra e aos cacos de argila contendo mais e
mais inscrições. O local da antiga Babilônia acabou sendo um dos primeiros a serem
reconhecidos por causa da tradição dos beduínos que por séculos chamavam aquele
lugar de Ill Babil ou Tell Babil, isso é montanha de escombros da Babilônia. Depois
vieram outros exploradores como Paul Émile Botta, Henry Austen Layard e Hormuzd
Rassam (o único nativo da região). As explorações foram brindadas com a descoberta
de antigos centros como Nínive, Uruk (que na Bíblia aparece com o nome de Ereque),
Kish, Ur e outros. A mais antiga de todas as cidades também foi encontrada. Seu nome
era Eridu. A decifração dos textos cuneiformes, que permitiu montar parcialmente o
quebra cabeças dos sítios à medida que iam sendo escavados, deveu-se a Henry
Rawlinson, que os interpretou graças à comparação com outras inscrições encontradas
em Persépolis.

A origem dos assentamentos Os textos decifrados e o registro arqueológico escavado


revelavam importantes detalhes, mas também suscitavam intrigantes perguntas: quem
seriam afinal aqueles povos? Quando e por que migraram para a região? Qual era sua
cosmovisão? Que versão cosmogônica eles apresentavam para sua origem e para o
surgimento da humanidade (i.e. seus ancestrais)?

Segundo os textos descobertos, os sumérios afirmavam ser descendentes daqueles que


vieram da região sagrada de Dilmun e sobreviveram ao “grande dilúvio”. A localidade
dessa região ainda é ponto controverso entre os arqueólogos e assiriologistas. Alguns
pensam que seria a parte sul do Irã, outros apontam o vale do Indo, a vila de Shat al-
Arab (entre a moderna Qurnah e Basra) ou ainda a ilha de Bahrain no Golfo
Pérsico.[22] Esta última identificação parece hoje ter mais adeptos que as anteriores.
Não obstante, nossa atenção se volta não para a tentativa de localização atual desse sítio
(que possivelmente foi desconfigurada pelo mencionado dilúvio), mas para o epíteto
que se associa ao seu nome. Dilmun (às vezes transliterado como Telmun) é descrito
como “o lugar aonde nasce o sol”.[23] isso sugere que os Sumerianos descenderam de
algum grupo vindo do Oriente, que sobreviveu a uma gigantesca inundação.[24] É
notória a coincidência entre essa geografia e a menção bíblica de que, antes que do
grande dilúvio, Deus plantara “um jardim no Éden, na direção do Oriente”, i.e, do
nascimento do sol (Gn 2:8). Mas as semelhanças não se resumem a isso. No tablete
intitulado “Enki e Ninhursag”[25], Dilmun é descrito como um lugar puro, sem doença,
sofrimento ou morte. Um lugar de paz, bênção e fertilidade.
É a “boca dos rios” (como em Gn 2:10: “e saía um rio do Éden para regar o jardim e
dali se dividia, repartindo-se em quatro partes). Aliás, a ênfase nas “águas” é essencial,
segundo Roberto Oro,[26] para entender o significado hebraico do termo Éden (‘ēden).

Sua forma verbal ‘dn significa “dar um abundante suprimento de água”, “prosperar,
fazer crescer”. Essa etimologia sustenta-se em Gênesis 13:10: “Levantou Ló os olhos …
viu a campina do Jordão que era bem regada, … como o jardim do Senhor”. De igual
modo, embora alguns pensem que Dilmun venha de uma desconhecida etimologia pré-
sumeriana[27], é possível que seu significado seja: Dil (ou Til) = vida ou manter a vida
+ UM = crescer a semente + N = sufixo locativo. Literalmente: “o lugar onde cresce e
mantém a semente da vida”.[28] Os sumerianos tinham também o vocábulo edin para se
referir a uma planície, pradaria ou, nalguns casos, até a um deserto.[29] Já o equivalente
acadiano posterior seria edinu, que por semântica passou a significar “um local
abundantemente regado”.[30] A relação entre esses significados* e o sentido hebraico
de “Éden”, apresentado acima por Oro, dificilmente seria mera coincidência. Foi em
Dilmun que Enki, seduzido pela deusa Uttu[31], trouxe para ela um fruto especial como
condição para que dormissem juntos. Enki conseguiu o que queria, mas como resultado,
a terra passou a brotar ervas daninhas que ele comeu, perdendo assim a imortalidade.
Amaldiçoado por sua esposa Ninhursag, Enki começa a deteriorar, mas, por um ato
posterior de misericórdia ele é restaurado à vida.

A semelhança com o Gênesis está na sedução envolvendo um fruto, na descrição da


terra produzindo ervas daninhas, na maldição que vem do erro de comer algo proibido e
na perda da vida eterna. Mas note-se que aqui não se tratam de seres humanos e sim de
deuses (como dissemos, também existem desigualdades entre os relatos).[32] Foi depois
desse episódio que veio a criação da humanidade, segundo uma das versões, “formados
do pó da terra” por obra de Ninhursag.[33] Então veio a destruição de quase todos por
meio de um dilúvio e o repovoamento do mundo por aqueles que sobreviveram à
catástrofe, ficando errantes pelo deserto, até chegarem à região do Crescente Fértil. Do
ponto de vista arqueológico, as primeiras evidências mostraram que realmente houve na
Mesopotâmia uma sedentarização das comunidades humanas que migraram para lá
vindos de outra região durante a passagem do Paleolítico para o Neolítico, o que teria
ocorrido,segundo alguns autores, por volta de 10000 a.C. A cronologia desse êxodo é
questionada por alguns especialistas e ainda está passível de discussão, embora não seja
nosso objetivo fazê-lo aqui.[34] Quanto, porém, à precedência dessas organizações
civilizadas a qualquer outra do mundo, é quase unânime a opinião de que essas são as
mais antigas unidades metropolitanas que podemos rastrear com ferramentas da
arqueologia histórica. Segundo Childe (e isso é praticamente um consenso entre os
arqueó- logos), houve três ocorrências que levaram à invenção da cidade ou, como ele
prefere chamar, à “revolução urbana na Mesopotâmia”.[35]
Primeiro, bruscas mudanças no clima mundial impossibilitando que os humanos
sobrevivessem a menos que trabalhassem em grupos para encontrar abrigo e obter
comida. Segundo, que tal cooperação permitisse aos grupos se especializarem em
tarefas variadas, podendo trocar seus produtos com outros membros de outros grupos, a
fim de suprirem as necessidades gerais de todos. Terceiro, a invenção da roda, da
agricultura e do artesanato em cerâmica que fez com que a luta pela sobrevivência se
tornasse menor.[36]

Então apareceram as cidades na Mesopotâmia, sendo Eridu a primeira delas. Todas a


princípio assentadas entre a latitude de Eridu (30º norte) e Uruk/Ereque (32º norte).
Depois foram espalhadas para Canaã (Jericó), o norte da África (Egito) e o vale do Indo.
O surgimento desses núcleos urbanos foi acompanhado do desenvolvimento de um
complexo sistema hidráulico que favorecia a utilização dos pântanos, evitava
inundações e garantia o suprimento de água para os períodos de seca. Havia portos,
escolas, intenso comércio e um extraordinário progresso. Admite-se, frente ao sucesso
das atividades produtivas locais, que por volta de 3000 a.C. (data que pode ser
corrigida) algumas cidades mesopotâmicas cresceram tanto ao ponto de reunir, segundo
algumas estimativas, mais de 30 mil habitantes, a exemplo de Uruk e Ur.[37] Quem
hoje visita aquele local dificilmente tem ideia da grandeza que foram esses centros
urbanos do passado. Em Ur, Eridu e Lagash chegava-se de barco! Mas os restos
arqueológicos desses centros jazem agora no meio do nada, em pleno deserto iraquiano.
Ocorre que o meio ambiente nunca mais permaneceu o mesmo. Ficou em constante
alteração depois da grande mudança climática que culminou no fenômeno da glaciação.
Na Mesopotâmia as margens do Golfo retrocederam cerca de 200 km para longe de
onde estariam os portos no terceiro milênio a.C. A descrição geográfica encontrada em
alguns tabletes cuneiformes sustenta essa afirmação. Ademais diversas atividades
humanas tais como canais de irrigação, agricultura, pastagem de animais e construção
de novas cidades também contribuíram para a mudança do curso dos rios e a drenagem
de boa parte de seu leito fluvial.[38] Seja como for, no terceiro milênio a.C. o ambiente
ainda era bastante convidativo. Assim, com a fundação desses centros urbanos
desenvolveu-se* naturalmente a política, o comércio e a religião – todos usando como
ferramenta a recém inventada arte de escrever.

Por isso, os tabletes são ricos em informações administrativas, comerciais e teológicas,


embora a rigor os cidadãos mesopotâmicos não faziam distinção entre uma coisa e
outra. Tudo era parte do mesmo pacote cultural. Não havia separação entre religião e
Estado; comércio e liturgia; artesanato e adoração. O Patesi (nome dado ao líder local)
desempenhava ao mesmo tempo as funções de rei e sacerdote.

O assentamento de Eridu Apesar do esforço conjunto existente entre as comunidades e a


livre troca comercial, elementos étnicos começaram a surgir, distinguindo os cidadãos
de um e de outro assentamento. Diferentes modos de vestir, falar, agir e, principalmente,
governar revelavam agora o modus vivendi das cidades. Os monarcas, então,
aproveitando esse primeiro gérmen de nacionalismo, construíram templos de elaborada
arquitetura para servirem como centro político, econômico e religioso.
Na literatura começam a ampliar as diferentes versões do passado. Eridu, o mais antigo
dos assentamentos (e por isso escolhido como nosso estudo de caso), é uma boa síntese
das crenças que havia na região. É o topônimo de um lugar conhecido pelos árabes
como Abu Shaherein. Suas escavações foram iniciadas em 1946, tendo como diretor um
arqueólogo iraquiano chamado Fuad Safar. Como não era muito experiente, Safar
contou com a ajuda técnica do britânico Seton Lloyd, que atuava como conselheiro de
campo. Em pouco tempo, o sítio revelou ser a representação da mais recuada época de
habitação humana na região. Era também o lugar de origem não apenas da civilização
sumeriana, mas, por implicação, de todo centro urbano que posteriormente se originou
dali. Já nas primeiras etapas da prospecção de superfície, começaram a aparecer
fragmentos de cerâmica, vasos, está- tuas e uma boa quantidade de inscrições
cuneiformes, desde os primeiros estágios de formação da escrita.

A equipe começou os trabalhos de escavação pelo topo da colina de areia (Tell) aonde
havia traços de um antigo edifício composto de maciças paredes e vários degraus de
uma enorme escada. Era de fato o resquício do que fora outrora um edifício
monumental agora escondido por milênios de deposição arenosa. Tratava-se de um
Zigurate, ou seja, uma torre-templo muito alta construída para adorar as divindades
locais e, conforme revelariam os escritos cuneiformes, permitir que alguns escapassem
com vida caso voltassem a sofrer outra inundação enviada pelos deuses. Como veremos
mais à frente, a lembrança de um dilúvio e o receio que o mesmo voltasse a ocorrer
pareciam muito fortes na mente daqueles cidadãos! É aqui que destaca-se a importância
desse Zigurate local e das demais ruínas de 31 torres sagradas descobertas em outras
partes da região. O zigurate de Eridu fazia parte de um complexo de 16 ou 19
ocupações.[39] A que está no topo, sendo, portanto, a mais recente, é datada em torno
do ano 2100 a.C.. Essa datação foi possível graças a tijolos comemorativos que faziam
parte da estrutura original e traziam inscrições dedicadas aos reis Ur Nammu e Amar-
Sin, governantes da terceira dinastia de Ur, por volta ao século 21 a.C.. Os arqueólogos
ainda encontraram sob uma das esquinas do Zigurate as paredes de outros prédios mais
antigos, todos feitos de adobe. E no nível mais baixo um elemento especial: sob a duna
de uma areia limpa, havia um altar que seria a mais antiga edificação de todo o
complexo arquitetônico. Era um altar modesto cuja área não ia além de 3 metros
quadrados. Continha um pedestal de frente para a entrada e um nicho numa parede.
Aquele foi, provavelmente, a primeira edificação feita pelos habitantes de Eridu como
pedra fundamental da cidade.

Note-se a semelhança desse ato com as referências bíblicas à construção de altares


sacrificais a Deus, uma prática vinda desde os tempos adâmicos e se tornara o primeiro
ato de Noé ao sair da arca juntamente com sua família (Gn 8:20 e 21).[40] Aliás,
segundo o estudo de Moshe Weinfeld[41], a prática de erguer altares, mencionada na
Bíblia, está intimamente atrelada à fundação de um novo assentamento urbano. De fato,
o altar de Jacó erguido em Betel parece intrinsecamente lidado à fundação da nova
cidade e concorre para confirmação dessa tese.
De acordo com o léxico sumeriano produzido por John Halloran[42], o mesmo
pictograma usado para expressar “curral de ovelhas” (tùr, turs) funcionava
frequentemente como metáfora para representar um templo ou santuário. Assim, o
achado de Eridu, juntamente com a narrativa bíblica, corroboram com a explicação do
fenômeno cúltico. Os altares foram os primeiros santuários e o sacrifício de cordeiros ou
ovelhas, a mais antiga forma ritualística de que se tem notícia. Eridu começa com um
altar aparentemente perpetuando a atitude de Noé ao sair da arca. Mas há um elemento
estranho no ambiente: entre os achados do VIII nível estratigráfico, foi encontrada uma
considerável quantidade de rolos cerâmicos assemelhando-se a serpentes, o que indicou,
para a surpresa de todos, que houve nalgum estágio da cidade a substituição sacrifical
do cordeiro por outro animal ou a mistura sincretista do antigo culto com alguma forma
de adoração à serpente.[43] Novamente é notório que todos os demais edifícios cúlticos
que se seguiram até à construção de sua torre templo, ocupam sempre o mesmo lugar, o
novo edifício era erguido sobre as bases do anterior, aproveitando seus alicerces e até
parte de suas paredes. Foram séculos de edificações sobre a mesma elevação, até ao
ostracismo completo da cidade por volta do ano 600 a.C. Quanto aos Zigurates (o de
Eridu e os demais), não há como evitar a comparação com o episódio da torre de Babel
registrado em Gênesis 11.

À semelhança do programa de governo de Ninrode, tanto Eridu quando as cidades


circunvizinhas centralizaram sua sociedade na construção de torres monumentais.
Embora essas torres às vezes pareçam ter objetivos distintos[44], de um modo geral, as
razões bíblicas para a edificação da torre de Babel identificam-se com o contexto
mesopotâmico sugerido pelo registro arqueológico. Em ambos os casos, a construção de
uma torre oferece união política e cultural à comunidade, a fim de que seus moradores
não dispersem para outros assentamentos ou criem novos centros urbanos. Isso
provocaria uma degeneração da metrópole.[45] Tal programa centralizaria o poder num
só lugar e aumentaria o controle por parte do patesi local. É difícil afirmar, conforme as
recentes tentativas de David Rohl[46], que o Zigurate de Eridu fosse a mesma torre de
Babel mencionada na Bíblia. Não obstante, a semelhança contextual entre o relato
escriturístico e esses monumentos é o suficiente para estabelecer a evidência
historiográfica de Gênesis 11. Isso sem contar que tradições posteriores testemunham de
um tempo em que os habitantes da suméria falavam uma só língua que depois foi
confundida espalhando os povos.

A edificação de uma torre ofensiva aos deuses aparece nalguns fragmentos como
motivação para isso. Num texto sumério intitulado “Enmerkar e o Senhor de Aratta”,
há, segundo a tradução inglesa de Kramer, a clara menção de uma época em que havia
“harmonia de línguagem em toda Suméria” e os cidadãos “adoravam a Enlil numa só
língua”.[47] Mais abaixo o texto faz menção a Enki, o deus patrono de Eridu, o que
pode remeter a tradição para os tempos do terceiro milênio a.C. George Smith[48], um
dos primeiros assiriólogos da Inglaterra, também publicou o fragmento de um tablete
que admitiu tê-lo intrigado. Ele conseguiu recuperar apenas um pedaço pequeno do
texto que teria originalmente de quatro a seis colunas.
Na coluna 1, linha 8 começava a menção de um povo (os babilônios?) que pecaram por
construir uma torre. Alguma divindade, descontente, espalhou-os* pela face da terra e
tornou confusa sua linguagem e seu conselho. Quanto ao nome “Eridu” (eridu10),
temos aqui uma palavra cuja etimologia ainda é objeto de discussão entre os
especialistas.[49] As sugestões variam entre “a boa cidade”, “a bela cidade” e “lugar
poderoso”. Outra possibilidade menos aventada é conectar o nome com a palavra urudu
(cobre). Seja como for, como lembra Leick[50], a palavra pode estar conectada a um
substrato linguístico pré-sumeriano.

E, de fato, os sumérios escreviam Eridu usando o duplo signo NUN.KI. Jacobsen sugere
que o signo NUN seria uma designação antiga – parcialmente um nome, parcialmente
um epíteto – para o deus Enki (o patrono de Eridu) e que o KI designaria um lugar
conectado com esse deus ou com a “divindade” de um modo genérico. Logo, NUN.KI
seria “o lugar (ou a cidade) de Enki” ou “cidade divina”.[51] Não se pode olvidar,
porém, como lembram Leick[52] e Unger[53], que o signo NUN remete a uma espécie
de árvore, junco ou um sinônimo tardio da palavra “princípe”. Nesse sentido, vale
mencionar a referência sumeriana a uma árvore especial chamada KHALUB. Sua mais
completa descrição aparece no mito de “Gilgamesh, Enkidu e o Mundo dos Mortos”. Lá
fala de uma árvore solitária plantada às margens do rio Eufrates que ligava o Céu e a
Terra. Mas ela foi originalmente infectada por uma “serpente que não pode ser
seduzida” e pelo terrível pássaro Anzud, uma criatura demoníaca retratada na literatura
e na iconografia como uma mistura de leão e águia com dois chifres na cabeça.[54]

Vários cilindros e painéis sumerianos mostram seres alados protegendo a árvore sagrada
para que os seres humanos não chegassem até ela. Um exemplo clássico é o
relativamente bem preservado mural do palácio de Zimri-Lim, rei de Mari (perto do
Eufrates) datado de cerca 1778-1758 a.C. (época de Hamurabi). Ali é possivel ver
claramente as criaturas aladas protegendo a árvore sagrada. Mais uma vez, percebe-se a
continuidade com as referências bíblicas à árvore da vida e aos querubins alados que a
vigiam depois da queda humana, impedindo seu acesso aos descendentes de Adão e Eva
(Cf. Gn 2:9; 3:24).

O mito de Eridu A lista das composições literárias da Mesopotâmia é tremendamente


complexa. Somente num dos carregamentos da época de Rawlinson, o Museu Britânico
recebeu de uma vez mais de 25 mil tabletes, provindos da antiga biblioteca de
Assurbanipal. Separar esse acervo e classificá-lo cronologicamente e em composições
literárias é até hoje um a árdua tarefa. Uma lista extensa, porém ainda incompleta foi
editada por Samuel Kramer[55] e outra por Pritchard no ANET[56].

Ambas ainda servem de referência para muitos pesquisadores. Segue-se a isso o desafio
de recuperar grande parte dos tabletes que estão em péssimo estado de conservação,
principalmente aqueles do Antigo Sumeriano. Existem muitas palavras que são obscuras
e a sintaxe de várias sentenças ainda é um mistério. Muitos textos permanecem
introduzidos e não analisados, principalmente alguns que jazem, infelizmente, presos
em coleções particulares sem acesso para os especialistas.
Mesmo com tais impedimentos, muitos progressos foram feitos na compreensão do
corpus literário mesopotâmico, especialmente aquele que gravita em torno de Eridu, o
mais antigo e proemimente dos assentamentos. De um modo geral, os textos
cosmogônicos mencionam os seguintes elementos encontradiços também na versão
bíblica das origens:

1 – A criação e desobediência do gênero humano, feito a partir do barro, que perde o


paraíso.

2 – A maldição que segue à desobediência trazendo sofrimento aos habitantes da Terra.

3 – O início da família humana marcado pela tragédia de um fratricídio.

4 – A humanidade que se torna má e, por isso, é destruída por um dilúvio.

5 – O perecimento de quase todos, menos alguns que são preservados pelos deuses.

6 – A construção de uma torre sagrada e a confusão de idiomas que espalha os homens


pelos quatro cantos da Terra.

Até mesmo Levi-Strauss que considerava o relato da criação um mito foi forçado a
admitir que “grande surpresa e perplexidade surgem do fato de que esses temas básicos
para os mitos da criação são mundialmente os mesmos em diferentes áreas do globo”,
não só na Mesopotâmia, mas também fora do Oriente Médio.[57] Há várias versões
para o mito de Eridu, preservadas e editadas inclusive nos tempos neobabilônicos. Na
versão babilônica, por exemplo, será Markuque o fundador da primeira cidade e não
Enki, conforme o relato sumeriano. Seja como for, de um modo geral, os tabletes mais
antigos informam que Eridu foi a primeira cidade a ser criada, uma das cinco fundadas
antes do dilúvio (embora, uma versão assíria afirme que Nippur a precedeu no
tempo[58]). Enki, que é uma divindade ligada às águas (mais tarde reconhecido como
Ea), ergueu para si uma casa (templo) e a decorou com todo tipo de pedras preciosas,
ouro e lapislazuli. Ele encheu o lugar com música, para comemorar sua criação. Eridu
era bela, cercada de águas por fora e por baixo, mas as águas não a submergiam. No
final de sua criação, Enki convida os deuses para abençoar o que ele havia criado. Uma
festa, pois, é preparada com todo protocolo necessário. No ápice do encontro, Anu, o
deus-pai de Enki, diz alegremente perante todos: “Meu filho Enki construiu seu templo
… e ele cresceu do solo e encheu a terra como uma montanha” (compare com a visão de
Nabucodonosor acerca de uma pedra celestial que cresce e enche toda a Terra, em
Daniel 2:35).

As mesmas águas que circundavam a cidade eram o reino de Enki chamado em sumério
de Abzu (Ab = águas, Zu = distantes). Os textos, então, falam de poderosas criaturas
“pré-diluvianas” chamadas Anunnakis que alguns interpretam como sendo seres
“divinos”. Outros entendem que seriam apenas criaturas poderosas. O nome Anunaki
vem de alguma das seguintes etimologia: “da-nuna”, “da-nuna-ke4-ne”, ou “da-nun-na”,
e significaria algo como “aqueles de sangue real” ou “os poderosos da dinastia”.[59]
Dentre os Anunnakis havia, segundo o mito do Atrahasis, um grupo inferior chamado
Igigi.[60] Embora tivessem antes servido a Enlil e aos demais Anunnakis superiores,
eles iniciaram uma rebelião reclamando o direito de serem divinos (comp. com Gn 3:4 e
5). Numa assembleia celestial, ocorrida em função da guerra, os Igigi (em nú- mero de
300) são punidos e separados dos demais Annunakis bons (em número de 600). Do
total, evidentemente simbólico, temos a proporção de um terço rebelde contra dois
terços fiéis (comp. com a imagem de Apocalipse 12:3 e 4, 7-12).[61]

Segundo esses textos, a humanidade teria sido criada para repovoar o céu, suprindo a
lacuna que os deixaram, daí o seu ódio pelo gênero humano.[62] Outras versões, como
o texto sumeriano de Enki e Ninhursag, acrescentam que a humanidade também foi
criada para trabalhar e servir aos deuses, no lugar dos Igigi que desertaram de sua
função. O primeiro ser humano criado recebe, de acordo com a escola sumeriana de
Eridu, o nome de Adapa. Em 1906 Archibald Sayce argumentou que o nome Adapa
deveria ser transliterado como Adamu. [63] Apesar do grande respeito pela erudição de
Sayce, alguns se mostraram um tanto reticentes quanto a essa equiparação, embora, até
hoje, não se tenham apresentaram arrazoados convincentes para descrê-la a não ser o
fato de que o nome sumeriano é mais frequentemente grafado como Adapa e que o
hebraico ̉adam aparentemente é uma boa palavra semítica mais conectada com o
árabe ̉anām e o babilônio amēlu. [64] Porém, uma evidência encontrada posteriormente
reforçou a tese de Sayce. Descobriu-se que o signo pa tinha nalgumas vezes o valor de
mu. O princípio que governava a transcrição de nomes e palavras era a seleção de
caracteres cujo som pudesse ser harmonizado com seu significado original. Nesse caso,
a última sílaba de um nome grafado como Ada-um era representada por um ideograma
que não apenas tinha a representação fonética de um, mas também significava
“homem”. Adapa era para ser lido Adawa ou Adamu e isso é idêntico a Adão tanto em
fonética quanto em etimologia* e significado.[65]

Adapa também é formado do pó da terra, exatamente como diz em Gênesis 2:7, embora
em seu caso haja a estranha mistura de carne e sangue proveniente de um deus imolado.
Segundo o que encontramos no poema do Athrahasis, depois que houve a batalha
celestial envolvendo os Annakins e os Igigi, Geshtu-e (um dos rebeldes) foi escolhido
para ser morto. O motivo era para que a partir de seu sangue (misturado com carne e
barro) Ninmah pudesse, com o auxílio de Enki, prosseguir na criação do ser humano.
Num outro tablete também é dito que Adapa, foi o responsável por trazer os seres
humanos para habitarem em Eridu. Mas antes de chegar ali, eles andaram errantes pelo
deserto (literalmente, pelas “terras secas”), dividindo o território com animais
selvagens. À semelhança do Adão bíblico, esses seres humanos andavam originalmente
nus! Eles viviam naturalmente assim desde que foram colocados para trabalhar na
planície de edin tendo os animais por companhia (o texto é dúbio quanto à convivência
pacífica ou não do homens com esses animais). Um vaso de alabastro datado do terceiro
milênio a.C. foi encontrado em Uruk, cidade vizinha de Eridu. Nele há uma fila de
homens nus oferecendo à deusa Ianna cestas cheias de colheitas.
Alguns especialistas têm interpretado que esses homens seriam sacerdotes,
trabalhadores do campo ou adoradores numa cerimônia litúrgica que remetia sua
memória a esse tempo em que os homens ainda não precisavam de roupas para se vestir
(compare com Gn 2:25). Os sumérios também tinham uma versão parecida com alguns
elementos que aparecem em Gênesis 3. Num dos tabletes é dito que Ninhursag a
consorte de Enki, incumbiu seu amado, de cuidar dos animais e do jardim. Mas ele se
tornou curioso e seu assistente, Adapa, selecionou sete plantas proibidas e lhas ofereceu.
Enki ficou então doente e sentiu dores em sua costela. O sinal gráfico para “costela” em
sumério é “Ti” que quer dizer tanto “costela” como “vida”. Os outros deuses
convenceram Ninhursag a resolver a questão. Ela, então, criou Ninti (Nin= Senhora; Ti
costela) para curar Enki e dar-lhe vida. Na versão bíblica, Eva (que significa “vida”), é
criada da costela de Adão.

Noutra versão ainda mais elaborada, Adapa, criado sem imortalidade, é obrigado a
comparecer perante os deuses por causa de seu erro (ele quebrou o vento sul com a vela
de seu barco). Um ser divino que nalguns momentos aparece como guardião do
submundo, noutros como guardião do portal dos deuses, oferece-se como intercessor
para levá-lo às divindades. É esse mesmo guardião, que a mando de Anu, coloca diante
de Adapa um alimento proibido que só os deuses poderiam consumir para ter vida
eterna. Se Adapa cedesse em experimentar o banquete, certamente morreria, mas,
diferente do Adão bíblico, ele se recusou comer o alimento dos deuses, razão pela qual é
elogiado. Como recompensa por sua esperteza e sabedoria, Enki dá a Adapa um
conhecimento proibido aos homens e restrito aos deuses. O guardião que ajuda homem
a obter esse conhecimento secreto é Ningishzida, um ser associado nos mitos
sumerianos tanto à serpente quando ao dragão alado. Seu nome significa “senhor da
árvore cobiçá- vel”, expressão que novamente nos remete a Gênesis 3:6. Num texto
babilônico posterior, o mesmo episódio acontece tendo como protagonista Enkidu, um
amigo de Gilgamesh (lendário herói sumeriano) que seduzido por uma cortesã da deusa
Ishtar passa a ter um “conhecimento pleno” (similar ao “conhecimento do bem e do
mal”). Após esse ocorrido, Ishtar lhe declara: “Você agora é um conhecedor, Enkidu.
Você será igual aos deuses”.

Sobre “a árvore da vida” é importante dizer que essa expressão não ocorre em nenhum
texto sumeriano descoberto até hoje. Contudo, ela pode ser deduzida das representações
iconográficas de rituais religiosos em que uma árvore sagrada aparece como elemento
de destaque. É o caso da tradição posterior acerca da árvore sagrada de kiskanu, que foi
plantada no túmulo de Adapa, em Eridu, para homenageá-lo e servir de referencial para
rituais religiosos.[66] Uma mescla entre os mitos de Adapa e o dilúvio, fez com que o
primogênito da humanidade fosse cultuado como um herói, recebendo o título de
Abgallu, isto é, ab=água, gal=grande, lu=homem. Os tabletes trazem ainda uma lista de
reis sumerianos que governaram Eridu por assombrosa quantidade de tempo (“milhares
de anos”, conforme o entendimento dos tradutores). Sua dinastia, no entanto, é
bruscamente interrompida pela frase “então veio o dilúvio”. Assim fala-se de monarcas
pré e pós diluvianos (compare com Gênesis 5 e 10).
A inundação foi tão intensa que apenas alguns se salvaram liderados por Utnapishtim ou
Ziuzudra. Ele foi orientado pelo deus Enki a construir um barco e assim sobreviver às
águas abismais que cairiam sobre a terra. À semelhança da história bíblica de Noé, ele
também leva animais e pessoas consigo no barco. Até que depois do periodo de chuvas,
o barco encalha no topo de uma cordilheira montanhosa. Para garantir se as águas
haviam mesmo abaixado Utnapishtim solta uma pomba, mas ela retorna. Depois de
alguns dias ele solta um corvo e esse não voltou. Era o sinal de que havia terra seca e
eles poderiam sair em segurança. Uma vez são e salvo, o herói oferece um sacrifício aos
deuses Anu e Enlil que respiram a fumaça e ficam satisfeitos.

Conclusão A disposição comum de muitos comentaristas já não é atribuir à Bíblia a


“invenção” de seus relatos e sim de havê-los plagiado ou copiado desses mitos
mesopotâmicos. Mas não precisamos, necessariamente optar por essa conclusão apenas
por ser o caminho mais fácil de se interpretar as coincidências. Excelentes trabalhos
foram publicados questionando a ideia comum de que o Gênesis seja o resultado
“adaptado” de um empréstimo* literário* feito pelos judeus na vasta literatura
mesopotâmica.[67]

Notemos, ainda, esta importante observação de Wenham: “O pano de fundo do Gênesis


no Antigo Oriente está focado em questões diferentes daquelas que ocupam os leitores
modernos. Ele afirma a unidade de Deus em face ao politeísmo; sua justiça, em lugar de
seus caprichos; seu poder como o oposto de sua impotência; sua preocupação pela
humanidade, ao invés de sua exploração dela. Ao passo que a Mesopotâmia prende-se à
sabedoria do homem primevo, o relato do Gênesis apresenta seu pecado e
desobediência. Como cristãos tendemos a assumir esses pontos em nossa teologia, mas,
via de regra, falhamos em reconhecê-los na estrita originalidade da mensagem de
Gênesis 1-11 […]* Em todos esses casos não há nenhuma evidência do mais simples
empréstimo literário feito pelo escritor hebreu. É claro que seria mais fácil supor que ele
tivesse plagiado vários motivos mitológicos, transformado-os e integrado-os a uma
história nova e original de sua própria autoria. Só que, enquanto Adapa respeitou o
mundo do deus Ea e não comeu o fruto proibido, Adão e Eva rejeitaram a ordem do
Senhor e seguiram a serpente.”[68]

De fato, embora tenhamos destacados neste artigo várias semelhanças entre o relato
bíblico e as versões mitológicas sumerianas, essas continuidades estão claramente
restritas àqueles elementos do mito que podem evidenciar traços comuns de
historicidade dos fatos. Os paralelos verificados constituem não uma emulação ou
endosso da cultura pagã, mas uma subversão dela. As posições teológicas do Gênesis e
da literatura sumeriana são tão oponentes entre si, que ainda que o autor bíblico tenha
tido algum contato com qualquer desses mitos, certamente escreveu com o fim de
refutá-los e não de inspirar-se neles. Existe uma grande controvérsia entre as fontes no
que diz respeito às afirmações sobre Deus, a origem do universo e o propósito da
criação humana.
K. A. Kitchen observa que “a suposição comum de que esse relato [bíblico] é
simplesmente uma versão simplificada de lendas babilônicas é um sofisma em suas
bases metodológicas. No Antigo Oriente Próximo, a regra é que relatos e tradições
podem surgir (por acréscimo ou embelezamento) na elaboração de lendas, mas não o
contrário. No Antigo Oriente, as lendas não eram simplificadas para se tornar pseudo-
histórias como tem sido sugerido para o Gênesis”[69]

Quanto às alegadas semelhanças estruturais entre o relato bíblico da criação e os


tabletes do Enuma Elish, ou o paralelo literário entre a história de Noé e o épico de
Athrahasis, essas podem ser explicados não na dependência literária por parte do autor
bíblico, mas no fato de que aquelas tradições (no que diz respeito à maneira de pensar e
escrever) faziam parte do contexto cultural de todo o Oriente Médio desde o Crescente
Fértil até o Egito.[70] Um jovem brasileiro do final do século 19 e início do século 20,
que estivesse apaixonado por uma donzela, não precisaria necessariamente “conhecer”
Castro Alves, Casimiro de Abreu ou Fagundes Varela para de declarar de modo
completamente romântico*, com uma fraseologia similar à dos autores mencionados.
Bastavalhe ecoar o inconsciente coletivo de sua geração. Ele havia visto a abolição dos
escravos, a proclamação da República, a divulgação de ideais nacionalistas. Isso seria
mais que suficiente para explicar as semelhanças sem recorrer à tese mais simples de
uma dependência literária de autores prévios. Afinal, todos estavam sob a influência
cultural do romantismo. Num primeiro momento, podemos dizer que o que mais
chamou a atenção em nossa pesquisa comparativa* foram os desvínculos teológicos
entre o Gênesis e os mitos sumerianos. Além daquelas já mencionadas por Wenham,
podemos ainda anotar as seguintes descontinuidades:

1 – Os mitos simplesmente não concebem a unicidade do conceito de Deus. Seu ponto


de partida é a necessária existência de múltiplos deuses. Cada um criando um elemento
cósmico* diferente: Anu cria os as estrelas e constelações, Enki e Ninmah criam o
homem, Marduk cria a terra com o sangue de Tiamat e Mummu é aquele que dá forma
às coisa criadas. A singularidade bíblica se evidência no texto de abertura: “No
princípio criou Deus os céus e a Terra” (Gn 1:1). Um único é protagonista causador
todos os elementos criados.

2 – A opção por um único Deus, que antecede em existência ao universo e causa sua
existência por meio de um ato criador é outro elemento estranho, antagônico à cultura
mesopotâmica. Para os sumérios (e também para os assírios, egípcios e gregos) os
deuses não criam o universo; são filhos dele. No Enuma Elish, por exemplo, forças
cósmicas primordiais (Tiamat – a água abismal e Apsu – a água refrescante) se unem e
geram um grupo de seres místicos que, por sua vez, fazem nascer em relações
incestuosas os primeiros deuses Antu, Anu (patronos do céu) e Ki (deusa mãe da terra).
Eles são irmão e novamente se relacionam incestuosamente formando novos deuses
como Enki (Ea), Ninhursag, Enlil e outros. Depois disso, num interminável intercurso
sexual surgem mais e mais divindades que, ao contrário de Yahweh (sem começo e sem
fim), não apenas nascem, mas podem morrer, mesmo se dizendo imortais.
Aparentemente é a comida celeste recusada por Adapa que lhes garante a vida eterna.
3 – A criação nos mitos mesopotâmicos ocorre por gestação, projeção seminal ou
batalha, provocando separação entre partes. Até a morte de um deus pode ser necessária
para o surgimento de uma nova vida. Esse foi, como vimos no caso de Geshtu-e, eleito
depois da batalha dos anunakis para ser imolado e, com o seu sangue, Enki e Ninmah
poderem criar os primeiros seres humanos. No versão do Gênesis, Deus concede a Adão
o seu próprio fôlego de vida e não o sangue de uma criatura sacrificada. A ideia parece
ser afirmar que definitivamente, não temos nenhum DNA de rebeldes celestiais!

4 – Ainda sobre a criação por separação entre partes, no épico “Gilgamesh, Enkidu e o
mundo dos mortos” é preciso que a terra se desprenda definitivamente do céu para que
seja iniciada a criação. Diz o texto: “Nos dias primevos, nos mais primevos dos dias,
nos antigos dias quando tudo que é vital foi gerado… quando o céu foi removido da
Terra, quando o nome do homem foi fixado, quando [o deus] An ficou encarregado do
céu e Enlil ficou encarregado da Terra.[71] Na versão bíblica, ainda que haja referência
à separação entre as águas, entre a luz e as trevas etc, Deus não precisou batalhar com
ninguém para trazer o mundo e o universo à existência. Tudo foi criado por sua Palavra,
uma categoria de criação jamais encontrada em qualquer ponto da literatura analisada
nesta pesquisa.

5 – O Gênesis desmitifica também a ideia personalizada do céu, dos astros, da terra e


das águas abismais como sendo forças cósmicas anteriores a alguns deuses e
reprodutores de seres celestiais. O sol, a lua, as estrelas são descritos apenas como
“luzeiros” inanimados para governar (i.e. direcionar diante do observador astronômico)
o dia, a noite, as estações etc. Eles não têm qualquer influência na criação ou no destino
do ser humano (Gn 1:14-16).

6 – Na literatura sumeriana a natureza tem vida em si mesma e poderes mágicos


semelhantes aos deuses. No texto de encantamentos intitulado “O verme e a dor de
dente” é dito que a terra criou os rios, os rios criaram os canais, os canais criaram os
pântanos e os pântanos criaram os vermes. Por isso os mesopotâmicos favoreciam tanto
a prática de encantamentos inspirados no animismo. A Bíblia jamais admite qualquer
ideia que se associe a isso. Deus é apresentado como o criador de tudo o que existe, os
pássaros, as árvores, os rios, etc. Tudo se submete ao seu poder e nada tem vida em si
mesmo.

7 – Alguns indícios da própria narrativa bíblica dão a entender que, num primeiro
estágio de seu amadurecimento teológico, os hebreus tinham uma tendência mais
henoteísta que monoteísta. Noutras palavras, eles adoravam apenas um Deus (Yahweh),
mas não descriam da existência real de outros deuses. No seu conceito havia várias
divindades no universo, mas es-colheram apenas uma como digna de adoração. Esse
conceito monolátrico era comum mesmo entre cidades politeístas que, a exemplo de
Eridu e Enki, escolhiam um deus patrono para ser adorado dentro de seus limites. Foi
talvez com a ideia de corrigir uma ideia errônea, popularizada até mesmo entre o povo
hebreu, que o autor inspirado optou por revelar o tetragrama sagrado (YHWH) apenas
na segunda parte de seu relato, que nas edições modernas equivaleria a Gênesis 2:4.
No começo ele se limita a chamar o Criador pelo título genérico de Elohim. Uma
postura, convenhamos, bem diferente do Enuma Elish, que já nos primeiros dois
parágrafos elenca pelo nome nove diferentes divindades (Apsu, Tiamat, Lahmu,
Lahamu, Ansar, Kisar, Anu, Nudimmud e Mummu). A ideia parece ser a de mostrar que
“Deus” é uma palavra que não precisa de complemento. Como não há “vários” deuses,
desfazse a necessidade de explicar “de que Deus está se tratando”. Deus seria, na
verdade, um sinônimo excluviso de Yahweh, os demais assim classificados são seres
inexistentes.

8 – Quanto ao propósito divino para a raça humana, no Gênesis, tudo no que se refere
ao planeta terra parece ser criado em prol do homem que seria, por isso formado no
último* dia. Na versão bíblica, o criador se assemelha a um pai que com muito carinho
monta um quarto e um enxoval para o filho que está para nascer. Só que, nesse caso, o
filho nasce adulto e entende o que acabou de receber de presente. Não é difícil imaginar
nas entrelinhas do relato a pergunta de Deus para Adão e Eva: “Gostaram da surpresa
que preparei para a chegada de vocês?” Já nos mitos o jardim de Edinu ou Edin é criado
para o deleite dos deuses. A ideia de criar a humanidade surge acidentalmente, sem
nenhum desejo prévio pela existência humana, mas apenas por causa de uma situação
inesperada: a batalha celestial fez com que os deuses superiores ficassem sem seus
empregados (os Igigi). Então foi necessário criar o ser humano, para servir aos deuses e
cuidar do jardim que nunca foi seu, mas deles. Até a comida produzida na terra (que na
versão bíblica seria para alimentar Adão, Eva e aos animais), na versão pagã serve para
garantir o banquete dos deuses.

9 – Ainda nessa sequência do propósito da raça humana, sua descartabilidade é vista no


mito sumeriano a partir da razão pela qual os deuses decidem destruí-la por meio de um
dilúvio. Na versão bíblica a humanidade se torna altamente má e violenta e por isso
precisa ser exterminada (Gn 6:5 e 6). Na versão sumeriana, os deuses se enfadam do
homem por causa do barulho que esse fazia durante o trabalho, perturbando o sono dos
imortais.

E quanto às semelhanças, o que podemos concluir delas? Exatamente a confirmação da


hipótese de trabalho levantada no início do artigo. É razoável deduzir pela evidência
textual e arqueológica apresentadas que os restos que hoje conhecemos de Eridu não
sejam daquela cidade que precedeu à inundação diluviana, mas de um outro
assentamento com o mesmo nome dela. Embora alguns insistam que a cidade teria sido
assentada em cerca de 5000 a.C., a arqueóloga Jacquetta Hawkes diz que a arte de se
fazer tijolos queimados (como aqueles que compõem a arquitetura do sítio) não poderia
ter sido inventada antes de 3000 a.C[72] o que dá uma diferença de 2 mil anos para a
datação mais recuada. Logo, o mais provável é que essa cidade seja um assentamento
posterior à inundação. O que os novos habitantes fizeram foi perpetuar em seus escritos
e tradições as memórias (agora um tanto distorcidas) de um relato advindo desde os
seus ancestrais.
Semelhante aos imigrantes modernos, que ao chegaram num novo lugar fundam
assentamentos homônimos àqueles de sua terra natal (“Nova Trento”, “Nova
Hamburgo”, “Nova Friburgo” etc), é muito provável que os moradores da suméria ainda
preservassem nomes e comportamentos que lembravam o local de onde seus ancestrais
haviam saído. Isso também explicaria hipoteticamente porque os dois rios que
margeiam a região coincidentemente recebem nomes de dois dos quatro rios que havia
no Éden, a saber, “o Tigre e Eufrates”. Afinal, na própria linguagem sumeriana existem
certas palavras que, acredita-se, são preservações de um substrato linguístico anterior
“pré-sumeriano”. O nome desses rios (idiglat e buranun, em cuneiforme), de várias
localidades (como Edin e Eridu) e de alguns ofícios (como tibira para metalúrgico ou
naggar para carpinteiro) evidenciam essa afirmação.

Não cabe à arqueologia “provar” a Bíblia no sentido de sustentar sua autoridade, sua
procedência divina ou suas doutrinas que demandam fé. Contudo, é possível através do
método histórico-arqueológico compreender o contexto bíblico e confirmar a veracidade
ou pelo menos a “plausibilidade histórica” de alguns eventos nela descritos. Sendo
assim, o axioma lógico se torna exato, pois se a história é real, a teologia que se sustenta
nessa historicidade também o será.

*Correções ortográficas por Hendrickson Rogers.

Referências

[1] Cf. Terry Mortenson, Thane H. Ury, ed., Coming to Grips with Genesis – Biblical
Authority and the Age of the Earth (Green Forest, AR: Master Books, 2008). Essa
antologia de artigos apresenta uma boa resenha dos autores patrísticos, medievais e
modernos e sua posição sobre Gênesis 1-11 com fontes primárias. Nossa discordância
segue apenas quanto ao conceito de inerrância defendido por alguns dos articulistas.

[2] Jó 12:7-10; 38:8-11; Salmo 19:1; 24:2; 102:25; 104:9; Isaías 48:13; 51:13; Jeremias
5:22; Amós 9:6; Zacarias 12:1; Romanos 1:18-25; 5:12-14, 19; 8:19-23; Colossenses
1:15-20; Hebreus 1:10;4:1- 10; 2 Pedro 3:5; etc.

[3] Mateus 19:4; 24:37-39; Marcos 10:2ss.; 13:19; Lucas 11:50-51; etc.

[4] A tônica divergente dos alegoristas era sua simbolização dos dias da semana da
criação e não a historicidade do relato. Agostinho, por exemplo, ainda que simbolizasse
esses dias, cria que Adão havia sido criado há menos de 6 mil anos. Agostinho City of
God [NPNF1] vol. 2: 12:10; 18:40.

[5] Julius Wellhausen, Prolegomena to the History of Ancient Israel (Gloucester, MA:
Peter Smith, 1973), p. 298; Gerhard von Rad, Old Testament Theology (New York:
Harper & Row, 1962), vol. 1, p. 158 e 159.

[6] Adam Kuper, A Reinvenção da Sociedade Primitiva – transformações de um mito


(Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008), esp. 17-41.
[7] Alguns desses documentos só foram recuperados em cópias tardias como, por
exemplo, os exemplares achados na biblioteca de Assurbanipal que datam do século 7
a.C. Contudo, é praticamente unânime a opinião de que esse tipo de literatura remonta a
uma tradição que advém do 3º. 2º. milênios a.C. Cf. W. G. Lambert, Babylonian
Wistom Literature (Oxford: Oxford University Press, 1996), p. 1-20; J. M. Durant, “Os
Escritos Mesopotâmicos”, em A. Barucq et. al, Escritos do Oriente Antigo e Fontes
Bíblicas (São Paulo: Paulinas, 1992), p. 127-186.

[8] Joseph Campbell, The Hero with a Thousand Faces (Novato, CA: New World
Library, 2008), p. 23.

[9] Para uma apresentação das correntes modernas acerca da teorias do mito cf.: Eleazer
M. Meletinsky, The Poetics of Myth (Nova Iorque, NY: Routledge, 2000), parte 1, p.
13-125.

[10] P. A. Brunt, Studies in Greek History and Thought (Oxford: Oxford University
Press, 2004), p. 75ss.; Walter Burkert, The Orientalizing Revolution: Near Eastern
Influence on Greek Culture in the Early Bronze Age (Cambridge: Harvard University
Press 1992), p. 2; G. Schepens, “The Phoenicians in Ephorus’ Universal History”, em
Studia Phoenincia V, Phoenicia and the East Mediterranean in the First Milenium B.C.
(Louvain: Orientalia Lovaniensia Analecta, 1987), p. 317.

[11] Covington Littleton, The New Comparative Mythology: An Anthropological


Assessment of the Theories of Georges Dumezil (Berkeley: University of California
Press, 1973), p. 32ss.

[12] De sua obra “História Sagrada” (Hiera Anagrafê) só temos fragmentos citados
principalmente por Diodorus Siculus. Cf. G. Booth (trad.), Historical Library of
Diodorus the Sicilian in Fifteen Books to which are add the fragments of Diodorus
(Londres: 1814), vol. 2, p. 504 e 505. Disponível na íntegra no site
http://books.google.com.br.

[13] Os mitos, contudo, só foram vistos como fontes para História a partir da construção
de uma nova relação entre a memória e a história, como ressaltou Le Goff. Nesse
sentido, foi de grande importância o diálogo da História com as Ciências Sociais. A
contribuição de Max Weber, com o conceito de neutralidade axiológica, trouxe à baila
discussões que possibilitaram aos historiadores considerar a seleção consciente ou
inconsciente, as distorções e omissões, como fenômenos característicos da estrutura
social da memória na construção dos grupos sociais. J. Le Goff, Memória e Histó- ria
(Campinas, SP: Editora UNICAMP, 1996); André Ortiz-Osés, Cuestiones Fronterizas –
uma filosofía simbólica (Rubi, Barcelona: Anthropos Editorial, 1999), p. 9-11 e 19-24.

[14] Bruce G. Trigger, A History of Archaeological Thought (Cambridge: Cambridge


University Press, 2006), p. 217ss.

[15] Bruce G. Trigger, “Archaeology and Epistemology: Dialoguing across the


Darwinian chasm”, em American Journal of Archaeology (1991), 102:1-34.
[16] Herodoto, The History of the Persian Wars I:178.

[17] Entre os vários sítios aonde os arqueólogos encontraram fontes textuais antigas
destacam-se Uruk, Kish e Ur. De modo especial, temos um grande número de textos
recuperados do sítio de Nuffar (a antiga Nippur, a 160 km de Bagdá) e Telloh (65 km*
ao norte de Ur) que os árabes apelidaram de Tell el-Loh (a montanha de tabletes). Cf.
André Parrot, Tello, vingt campagnes de fouilles (1877- 1933) (Paris: A. Michel, 1948).

[18] A. Falkestein, “Zur Chronologie der sumerischen Literatur”, em Compte rendu de


la second Rencontre Assyriologique Internationale 2 (1951), p. 12-27.

[19] Cf. William W. Hallo, “On Antiquity of Sumerian Literature”, em Journal of


American Oriental Society 83, n. 2, abril-junho de 1963, p. 167-176.

[20] Veja, por exemplo, o questionamento de David Bidney, “The Concept of Myth and
the Problem of Psychocultural Evolution”, em American Anthopologist, New Series,
vol. 52, n. 1, janeiro-março de 1950, p. 16-26.

[21] Gwendolyn Leick, Mesopotâmia, a invenção da cidade, (Rio de Janeiro: Imago,


2003), p. 14 e 15; Paul Bairoch, Cities and Economic Development- from the dawn of
History to present (Chicago: Chicago University Press, 1988), p. 25 e 26; John Reader,
Cities (Nova Iorque: Grove Press, 2004), p. 10.

[22] Jack Finegan, Archaeological History of the Ancient Middle East (Nova Iorque:
Dorset Press, 1979); Michael Rice “‘Dilmun discovered’ – the archaeology of Bahrain
to the early second millenium BC”, em Asian Affairs, vol. 17, n. 3, outubro de 1986, p.
252- 263; D. T. Potts, ed., Dilmun: New Studies in Archaeology and Early History of
Bahrain (Berlim: D. Reimer, 1983); Eric H. Cline, From Eden to Exile – Unraveling
Mysteries of the Bible (Washington D.C.: National Geographic, 2007), p. 5 e 14;
Harriet E. W. Crawford, Dilmun and its Gulf neighbours (Cambridge: Cambridge
University Press1998), p. 5; Theresa Howard-Carter, “Dilmun: At Sea or Not at Sea? A
Review Article”, em Journal of Cuneiform Studies, vol. 39, n. 1, spring de 1987, p. 54-
117; idem, “The Tangible Evidence for the Earliest Dilmun”, em Journal of Cuneiform
Studies, vol. 33, n. 3/4, julhooutubro de 1981, p. 210-223.

[23] Michael Rice, Archaeology of the Arabian Gulf (Londres: Taylor and Francis e-
Library, 2002), p. 133; Samuel Noah Kramer, The Sumerians, Their History, Culture
and Character (Chicago: The University of Chicago Press, 1972), p. 281.

[24] A rigor Dilmun se refere mais a uma região que a uma cidade específica. No
entanto, alguns textos a descrevem como um centro urbano. Nesse caso, sugerimos a
possibilidade de falar de pelo menos duas localidades chamadas de Dilmun. Uma
idílica, pré-diluviana, e outra posterior com o mesmo nome, que manteve comércio com
os assírios. As mais antigas menções a Dilmun vêm de tabletes datados do início do
terceiro* milênio escavados nos alicerces do Templo da deusa Ianna em Uruk. Mas há
outras menções posteriores a uma certa Dilmun (bem menos idílica do que a primeira)
que fazia comércio com a Babilônia e posteriormente com a Assíria.
Uma dessas menções está num tablete encontrado em Nippur e datado de c. de 1370
a.C. (período da dinastia kassita de Babilônia). Outras menções estão em inscrições
assírias e neoassírias aonde o rei da Assíria é proclamado como “Governante de Dilmun
e Meluhha”. Os tabletes falam, inclusive, de tributos que o rei da Assíria recebia de
Dilmun.

[25] Cf. uma tradução do texto em James B. Pritchard, ed., Ancient Near Eastern Texts
– Relating to the Old Testament [doravante: ANET] (Princenton: Princenton University
Press, 1955), p. 37-41.

[26] Roberto Ouro, “The Garden of Eden Account: The Chiastic Structure of Genesis 2-
3”, em Andrews University Seminary Studies 40, Autum 2002, p. 226.

[27] Michael Rice, p. 145.

[28] Alfred Hamori, “The origin of the Sumerians and the great flood”, pesquisa
realizada no site http://users.cwnet.com/millenia/Summer-origins.htm. Acessado em 2
de abril de 2010.

[29] S. R. Driver, The Book of Genesis (London: Methuen & Co, Ltd., 1938), p. 38; R.
Laird Harris, Gleason Archer, and Bruce Waltke, ed., Theological Wordbook of the Old
Testament, vol. 2 (Chicago: Moody Press, 1980), p. 646.

[30] Richard James Fischer, Historical Genesis – From Adam to Abraham (Lanham,
MD: University Press of America, 2008), p. 44.

[31] Que na verdade era também sua bisneta.

[32] Por isso, alguns especialistas desistiram de fazer qualquer comparação entre Dil-
mun e o Éden, mas as semelhanças, a nosso ver, ainda são muito notáveis para serem
olvidadas. Cf. Kenton L. Sparks, Ancient Texts for the Study of the Hebrew Bible – A
Guide to the Background Literature (Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 2006), p.
307, 308.

[33] Na versão sumeriana, ela mistura carne com sangue de um Deus sacrificado.
ANET, p. 99ss.

[34] Cf. H. Wright, “Problems of Absolute Chronology in Proto-Historic


Mesopotamia”, em Paléorient 6 (1980), p. 93-98; J. Mellaart, “Egyptian and Near Easter
Chronology: a Dilemma?” em Antiquity 53 (1979), p. 6-18; Michael G. hasel, “Recent
Developments in Near Eastern Chronology and Radiocarbon Dating”, em Origins 56
(2004), p. 6-31, Rodrigo P. Silva, Escavando a Verdade – a arqueologia e as incríveis
histórias da Bíblia (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2008), p. 33-44.

[35] Vere Gordon Childe, What Happened in History? (Nova Iorque: Penguin Books,
1954), p. 49ss.
[36] Com algumas modificações essa ideia é compartilhada por autores como Yohanan
Ahaoroni, Amihai Mazar, Thomas Levy, James Sauer e outros.

[37] Sobre as estimativas populacionais e os critérios para se chegar a certos números


cf.: Tartius Chandler, Four Thousand Years of Urban Growth: An Historical Census
(Lewiston: St. Gavid’s 1987); George Modelski, “Cities of the Ancient World: An
Inventory (3,500 to 1,200)”, Monografia do Departamento de Ciências Políticas da
Universidade de Washington, disponível
em http://faculty.washington.edu/modelski/WCITI2.html. Alguns autores mais
comedidos sugerem uma população em torno de 12,5 mil habitantes, enquanto outros
falam de até 80 mil habitantes. Cf. Paul Bairoch, Cities and Economic Development
(Chicago: University of Chicago Press, 1988); A. Fekri Hassan, Demographic
Archaeology (Nova Iorque: Academic Press 1981); Mark Van de Mieroop, The Ancient
Mesopotamian City (Oxford: Oxford University Press, 2004), p. 97 e 108, nota 14.

[38] P. Sanlaville, “Considérations sur l’évolution de la Basse Mésopotamie au cours


des derniers millénaires”, Paléorient, 15/2, 1989, p. 5-27; Susan Pollock, Ancient
Mesopotamia (Cambrigde: Cambrigde University Press, 2004), p. 34 e 35; Douglas J.
Kennett, James P. Kennett, “Early State Formation in Southern Mesopotamia: Sea
Levels, Shorelines, and Climate Change”, em The Journal of Island and Coastal
Archaeology, vol. 1, n. 1, julho de 2006, p. 67-99.

[39] John Oates, “Ur and Eridu, the Prehistory”, em Iraq, n.s., 22, 1960, p. 33; Michael
Wood, Legacy: The Search for Ancient Cultures (New York: Sterling, 1994), p. 21-24.
Alguns sugerem um máximo de 18 níveis de ocupação. Cf. Leick, p. 27.

[40] A rigor, a primeira menção bíblica à construção de um altar vêm-nos da


experiência de Noé. Contudo, é possível deduzir, por inferência, a presença de altares
nas ofertas sacrificais apresentadas por Caim e Abel (Gn 4:1-7) e na referência às peles
de animais que vestiram Adão e sua mulher. Segundo alguns, essas seriam as peles de
algum animal oferecido em sacrifício, o primeiro holocausto do planeta (Cf. Gn 3:21).

[41] Moshe Weinfeld, The Promise of the Land – The Inheritance of the Land of
Canaan by the Israelites (Berkeley: University of California Press, 1993), p. 37 e 38.

[42] Sumerian Lexicon, p. 45 – 3.0 versão digital. Disponível


em www.sumerian.org/sumerlex.htm; também em PDF
em http://www.scribd.com/doc/502645/Sumerian-Lexicon.

[43] P. Charvát, Mesopotamia Before History (Praga: Oriental Institute, 2002), p. 55.

[44] De acordo com os assiriologistas, a interpretação de alguns tabletes e dos nomes


dados a diferentes torres podem sugerir múltiplas funções para as mesmas. Por
exemplo: duas torres são dedicadas à divindade padroeira da cidade; três envolvem um
louvor mais generalizado, duas torres têm ligação com a montanha sagrada aonde
habitam os deuses (sua função era levar os homens aos deuses representados pelo
Patesi).
Em seis casos, as torres funcionariam como morada dos deuses (trazer a divindade aos
homens). Quatro torres parecem claramente ter a função de uma escadaria ligando a
Terra ao céu e também existe a ideia de fuga diante de um possível dilúvio. Também
não é inverossímil supor que as torres pudessem ter todas essas funções ao mesmo
tempo ou pelo menos uma parte delas.

[45] Veja a opinião de Leick, p. 147-150. [46] Seu livro não tem gozado de muita
aceitação no muito acadêmico, mas existem entusiasmados seguidores de sua teoria. Cf.
David Rohl, Legend: The Genesis of Civilisation (Londres: Century, 1998).

[47] S. N. Kramer, “The ‘Babel of Tongues’: A Sumerian Version”, em Journal of the


American Oriental Society 88, 1968, p. 109, 111.

[48] George Smith, The Chaldean Account of Genesis (New York: Scribner, Armstrong
& Co., 1876), p. 160 e 161 (fac-símile publicada em Londres: Adamant Media
Corporation, 2005).

[49] Os mais especializados autores que discutem o nome e as etimologia de Eridu são:
Thorkild Jacobsen, “Some Sumerian city-names”, em Journal of Cuneiform Studies 21,
1967, p. 100-103 e Margaret Whitney Green que escreveu uma tese doutoral na
Universidade de Chicado cuja tema é justamente uma análise de Eridu à luz da
arqueologia, da história e da mitologia mesopotâmica. Cf. Eridu in Sumerian Literature
(Chicago: University of Chicago, 1975), p. 149-150.

[50] Leick, p. 24. [51] Jacobsen, p. 102; Steible, Altsumerische Inschriften, p. 110 e
111; APUD Monika Ottermann, Tese doutoral, As Brigas Divinas de Inana.
Reconstrução Feminista da Repressão e Resistência em torno de uma Deusa. Pesquisa
feit no site http://ibict.metodista.br/tedeSimplificado/tde_busca/arquivo.
php?codArquivo=1016. Acessado em 10 de maio de 2010.

[52] Leick, p. 24.

[53] Eckkard Unger, Reallexicon der Assyriologie und Vorderasiatischen Archäologie


2, 1938, p. 467.

[54] Cf. A tese doutoral de Alhena Gadotti, ‘Gilgamesh, Enkidu and the Netherworld’
and the Sumerian Gilgamesh Cycle. (Baltmore: Johns Hopkins, 2005), p. 305; Naomi F.
Miller, Alhena Gadotti, “The KHALUB-tree in Mesopotamia: Myth or Reality?”, em
Andrew S. Fairbairn e Ehud Weiss, ed., From Foragers to Farmer – Papers in honour of
Gordon C. Hillman (Oxford: Oxbow Books 2009), p. 239-243; Nili Wazana, “Anzu and
Ziz: Great Mythical Birds in Ancient Near Eastern, Biblical, and Rabinical Traditions”,
em The Journal of Near Eastern Society, vol. 31, março de 2009, p. 111-135.

[55] S. N. Kramer, The Sumerians (Chicago: University of Chicago Press, 1963),


capítulo 5.

[56] Veja nota 25.


[57] Claude Levi-Strauss, “The Structural Study of Myth”, em Structural Anthropology
(Nova Iorque: Basic Books, 1963), p. 208.

[58] Veja o texto em “The Journey Of The Water-God To Nippur” traduzido por
Samuel Noah Kramer.

[59] Gwendolyn Leick, A Dictionary of Ancient Near Eastern Mythology (New York:
Routledge, 1998), p. 7; Jeremy Black e Anthony Green, Gods, Demons and Symbols of
Ancient Mesopotamia: An Illustrated Dictionary (Waco, TX: University of Texas Press
1992), p. 34.

[60] Igigi é a forma plural, o singular seria Igigu.

[61] Esse detalhe dos números aparece apenas numa versão babilônica tardia do Enuma
Elish, nas linhas 39-69, mas a batalha celestial (incluindo a expulsão de alguns do céu)
já é testemunhada em fragmentos sumerianos mais antigos. Cf. ANET, 57-59. Sobre os
números 600 e 300 e comentários sobre os respectivos textos que os contêm cf.: Wayne
Horovitz, Mesopotamian Cosmic Geography (Wiona Lake, IN: Eisenbrauns, 1998), p.
124; F. Rochberg “Mesopotamian Cosmology”, em Noriss S. Hetherington, ed.,
Cosmology, Historical Literary, Philosophical, Religious, and Scientific Perspectives
(Nova Iorque: Garland Publishing 1993), p. 43; A. R. George, Babilonian
Topographical Texts [Orientalia Lovaniensia Analecta] (Louvain: Peeters Press 1992),
p. 367-369.

[62] Gwendolyn Leick, A Dictionary of Ancient Near Eastern Mythology (Nova Iorque:
Routledge, 1998), p. 85

[63] A. H. Sayce, The Archaeology of Cuneiform Inscriptions (Londres: Society for


Promotion of Christianity, 1908), p. 91. Obra em arquivo PDF, digitalizado pela
Microsoft Corporation da Universidade de Toronto.

[64] Stephen Langdon, Tammuz and Ishtar: A Monography upon Babylonian Religion
and Theology, (reprodução digitalizada Bibliolife LCC) 1914, p. 32 e 33, obra de domí-
nio público disponível em http://extratorrent. com.

[65] A. T. Clay, The Origins of Biblical Traditions Hebrew Legends in Babylonia and
Israel (Nova Iorque: The Book Tree, 1999 facsímile da edição original de 1923), p. 109.
[66] Fischer, p. 42; E. O. James, The Tree of Life (Leiden: E. J. Brill, 1966), p. 13 e 41.

[67] Veja por exemplo: G. Hasel, “The Significance of the Cosmology in Genesis I in
Relation to Ancient Near Eastern Parallels”, em Andrews University Seminary Studies
10, 1972, p. 1-20; idem, “The Polemic Nature of the Genesis Cosmology”, em
Evangelical quarterly 46, 1974, p. 81-102. Veja também a coletânea de artigos
publicada por Richard S Hess e David Toshio Tsumura, ed., I Studied Inscriptions
before the Flood: Ancient near Eastern, Literary, and Linguistic Approaches to Genesis
1-11, (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1994). De modo especial veja o artigo de Hess
‘One hundred fifty years of comparative studies on Genesis 1-11: an overview’.
[68] Gordon J. Wenham. Word Biblical Commentary.Genesis 1-15 (Waco, TX: Word
Incorporated, 1987), p. 1 e 53.

[69] K. A. Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (Downers Grove, IL: Inter
Varsity Press, 1966), p. 89.

[70] Uma crítica à excessiva equiparação literária entre o Gênesis e a literatua


sumeriana pode ser encontrada em Walter C. Kaiser, “The literary form of Genesis 1-
11”, em J. P. Payne, JP, ed., New Perspectives on the Old Testament (Waco, TX: Word
Books, 1970).

[71] Texto baseado na tradução inglesa de S. N. Kramer, From the Poetry of Sumer:
Creation, Glorification, Adoration (Berkeley, CA: University of California Press, 1979),
p. 23.

[72] Jacquetta Hawkes, The Atlas of Early Man (New York: St. Martin’s, 1976), p. 50,
76.

Fonte: Revista Parousia, 1° sem./2010. Rodrigo Silva, Pós-doutor em Arqueologia


Bíblica pela Andrews University (EUA). Professor de Arqueologia e Teologia.

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