Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este trabalho propõe uma análise musical do Estudo n.4 para violão solo do com-
positor Heitor Villa-Lobos. Constatado um distanciamento na aplicação das regras
tradicionais de condução de voz inerentes da música tonal, opta-se por justapor ob-
servações sobre combinações simétricas de digitação instrumental e suas factíveis
consequências, consoante as observações estabelecidas por Salles (2009) e Canellas
(2014), e conceitos procedentes da teoria dos conjuntos, sob a ótica de Straus (2012).
A fim de clarificar possíveis critérios de escolha na elaboração composicional, busca-
se conceber parâmetros basilares, evidenciando, à medida do possível, aspectos da
sonoridade moderna pensada por Villa-Lobos.
Palavras-chave: Heitor Villa-Lobos; Análise Musical; Violão Solo; Teoria dos con-
juntos.
Abstract
This essay proposes a musical analysis of Study n.4 for solo guitar by brazilian
composer Heitor Villa-Lobos. Given a distancing in the application of the traditional
rules of voice leading inherent in tonal music, one chooses to juxtapose observations
on symmetric combinations of instrumental typing and their feasible consequences,
according to the observations established by Salles (2009) and Canellas (2014), and
concepts derived from pitch-class sets theory, from the perspective of Straus (2012).
In order to clarify possible criteria of choice in the compositional elaboration, it is
sought to conceive basal parameters evidencing, as far as possible, aspects of the
modern sonority devised by Villa-Lobos.
1
1 Introdução
É inegável a relevância e amplitude que os 12 Estudos exerce na formação da
história do violão, “Villa-Lobos deu à luz a guitarra moderna, criando um novo caminho
para ela; as possibilidades musicais e técnicas recentemente expandidas beneficiaram
grandemente o repertório do instrumento.”1 (CARLEVARO, 1988, p. 3), Fraga (2007, p. 6)
aponta que sua importância
Este trabalho faz uma análise do Estudo n.4 de Villa-Lobos. Para realização dessas
análises foram utilizadas a edição da Max Eschig (VILLA-LOBOS, 1953) e um dos
manuscritos datado de 1929. O processo de revisão foi favorecido pela dissertação de
Meirinhos (1997). Sua pesquisa faz comparações sobre fontes manuscritas e editadas dos
estudos de Villa-Lobos. Em virtude das discrepâncias em algumas notas, entre as fontes
aqui citadas, optamos por conceder uma credibilidade maior ao manuscrito.
Salles (2009, p. 48) afirma que “da escrita violonística de Villa-Lobos emergem
aplicações interessantes da técnica de gerar material a partir da digitação”. Seu livro
denota alguns padrões simétricos na execução instrumental em trechos de algumas obras
desse ciclo. Canellas (2014) analisa os Estudos n.1, 10, 11 e 12 pela mesma perspectiva.
Na medida em que nas análises do Estudo n.4 foram sendo constatados alguns padrões
simétricos similares, achou-se frutífero abarcar este prisma para clarificar aspectos da
elaboração composicional.
1
Tradução de: “Villa-Lobos gave birth to the modern guitar, forging a new path for it; the newly ex-
panded musical and technical possibilities have greatly benefited the repertoire for the instrument.”
(CARLEVARO, 1988, p. 3)
2
Tradução de: “In a publication of the Villa-Lobos museum (Rio de Janeiro) Philipe Marietti, one of the
directors of Editions Max Eschig, describes a constant argument that always ensued between Segovia and
Villa-Lobos: “Heitor, this can not be done on the guitar”. To which Villa-Lobos would end the argument
by playing the passage in question.” (CARLEVARO, 1988, p. 3)
2
Na medida em que foi verificado um distanciamento de características particulari-
dades da música tonal, e para obter uma melhor clarificação de determinados processos
organizacionais, utilizaremos de conceitos da Teoria dos Conjuntos sob a ótica de Straus
(2012), advindos do livro Introdução à teoria pós-tonal.
A análise objetiva-se em tentar clarificar possíveis critérios de escolha na elabora-
ção composicional, buscando conceber parâmetros basilares e evidenciando, à medida do
possível, aspectos da sonoridade pensada por Villa-Lobos, para isso descreve-se o nexo
organizacional da composição através das conformidades entre as partes e as factíveis
consequências intervales geradas por “combinações simétricas de digitação instrumental”
(SALLES, 2009)
2 Análise
Levando em consideração a homogeneidade timbrística da peça, concebe-se que a
estrutura formal possui duas seções: A e A’. Fragmentadas em pequenas partes, justapostas
em algumas circunstâncias, ocorre apenas uma única situação que há a reiteração integral
das notas, constatadas nos compassos 1-4 e 25-29 (Figura 1), consequentemente, as
mesmas circunscrevem o início de cada seção (A e A’). Mediante essas observações e as
organizações harmônicas constatadas, estipula-se a seguinte segmentação formal:
3
2.1 Parte 1
Como mencionando anteriormente, a primeira parte das duas seções (A e A’) são
iguais (compassos 1-4 e 25-29, Figura 1)3 . Esses quatro compassos são constituídos de
uma progressão a quatro vozes de tríades e tétrades. Em decorrência de um distanciamento
de um tratamento de condução das vozes tonal e para uma certa clareza das relações harmô-
nicas, cifras4 também foram agregados aos gráficos, uma vez que a cifragem tradicional
por graus retrataria incongruências funcionais e/ou excessos de resoluções deceptivas.
Para clarificar uma possível conexão de escolha das notas, agregamos todas as
notas dos compassos 1-2 e constatamos o conjunto 9-10 [4,5,6,7,8,10,11,1,2]. Essa classe
3 \
A edição da Max Eschig consta um Re no terceiro tempo do compasso 27, contudo a mesma não foi
identificada nos manuscritos (MEIRINHOS, 1997, p. 53)
4
Sistema de notação comumente usadas em música popular.
5
Tradução de: “Parsimonious structures (e.g., Tonnetze) generally have high degrees of symmetry and
are independent of tonal centers. As a result of the metamorphosis from the tonally centered eighteenth-
century diatonicism to the tonal indeterminacy of the late nineteenth century, these symmetric structures
have become important theoretical and analytical tools. With this new emphasis on symmetry, it is not
surprising to discovert hat pitch-class collections from set classes 6-20, 8-28, and 9-12 – pitch-class sets
abundant in their degrees of symmetry – are associated with parsimony. . . ” (DOUTHETT; STEINBACH,
1998, p. 242)
4
de notas corresponde a um único superconjunto octatônico (8-28), com a nota Fá \ “acres-
centada”. Straus (2012, p. 157) afirma que a coleção octatônica
OCT0,1 [0,1,3,4,6,7,9,10]
OCT1,2 [1,2,4,5,7,8,10,11]
OCT2,3 [2,3,5,6,8,9,11,0]
Nos compassos 3-4 (Figura 1), ocorre mudança na classe de conjuntos para o
9-7 [11,0,2,3,4,5,6,7,9]. Compreende-se, como alusão, que essa classe representa um
superconjunto da escala que de Mi menor harmônica (7-32) [3,4,6,7,9,11,0], com o
acréscimo das notas Fá ^ e Ré ^, esse conjunto é mantido até o início da parte subsequente,
nos compassos 5-6 (figura 2).
2.2 Parte 2
A simetria instrumental, muito presente na obra de Villa-Lobos, principalmente no
violão, é inicialmente observada entre os compassos 5 ao 7, ocorrendo uma transposição
de conjuntos. A alusão da escala menor harmônica, anteriormente mencionada, se faz
significativa, dado que aquela classe de conjunto, 7-32 (0134689) – “menor harmônica” –,
é representativa nessa parte. Desse modo, como observado na Figura 2, verifica-se três6
classes consecutivas do conjunto 7-32, transpostos a cada ocorrência.
De um ponto de vista da tonal, essa passagem apresenta uma relação Dominante-
Tônica. Segundo Kostka, Payne e Almén (2018, p. 428), essa progressão de acordes não é
muito usual e ele a classifica como: Common-Tone Diminished seventh Chord, “acorde
diminuto com sétima diminuta por nota comum”. Dado que, os acordes diminutos (F \◦ ,
G \◦ e A \◦ ) resolvem em tríades maiores (C, D e E).
Na segunda parte da Seção A’ (Figura 3), até a metade com compasso 31, mantém-
se a estrutura da parte 2 da seção anterior, sem nenhuma alteração. Contudo, na sequencia
ocorre uma mudança na organização motívica, anteriormente (Figura 2) ascendente, agora
descendente, bem como na disposição rítmica, e nela uma nova classe de conjunto é
identificada, 5-29 (01368). Contanto, essa classe de conjunto é um subconjunto da classe
7-32. Conclui-se que ocorre uma contração e alteração das notas, mas sem modificar a
estrutura da sua parte homônima da primeira seção.
6
No terceiro tempo do compasso 8 no manuscrito constam um bequadro na nota sol e bemol na nota mi. e
no quarto tempo bequadro na nota mi.
5
Figura 2 – Seção A - Parte 2
e
Figura 3 – Seção A’ - Parte 2
6
Figura 4 – Parte 2 - Palíndromo
2.3 Parte 3
Na parte 3 da seção A, a voz superior possui uma sequência melódica descendente
com transposição que se repete a cada início de compasso, iniciado com a nota Mi (c. 8) até
a Lá (c. 11), formando um conjunto 5-24 [9,10,0,2,4], um subconjunto diatônico. A vozes
abaixo percorrem caminhos cromáticos, criando relações de terças (maiores e menores)
e segunda maiores entre si. Essas construções melódicas resultam em algumas tríades
e tétrades, entretanto esse desenvolvimento parcimonioso dos acordes quebra eventuais
padrões tonais da parte anterior, não sugerindo nenhum centro tonal claro. Nesse contexto,
agregando todas as notas do compasso 8 (Figura 5), um novo conjunto é apresentado:
9-11[2,3,4,6,7,8,9,11,0], e na sequência sua transposição T10 [0,1,2,4,5,6,7,9,10].
7
Figura 6 – Parte A’ - Seção 3
Figura 7 – Parte A - Representação gráfica da disposição dos dedos da mão direita for-
mando acordes no violão
8
Figura 8 – Parte A - Seção 4
“Podemos referir-nos a elas como TI0 (a coleção tons inteiros que con-
tém a classe de notas Dó) e TI1 (a coleção tons inteiros que contém
\
a classe de notas Dó ). Elas também são às vezes chamadas de co-
leção “par” ou “ímpar”, porque todos os inteiros de classes de notas
em TI0 são pares (0,2,4,6,8,10), enquanto aqueles em TI1 são ímpares
(1,3,5,7,9,11)”(STRAUS, 2012, p. 161).
9
Figura 10 – Parte A - Seção 4 - Classe de conjuntos 6-35
Nessa parte as posições fixas inicias configuram tríades maiores, mas a partir do
compasso 40 o padrão de acordes diminutos se estabelece até o final do trecho (Figura 12)
10
notas pedais são ampliadas na repetição. Assim, a primeira parte engloba os compassos
38-45, e segunda 46-53.
Haja vista uma grande ocorrência de acordes diminutos, constatamos coleções
octatônicas. A progressão de acordes diminutos: B◦ (3-10 [11,2,5]), A◦ (3-10 [9,0,3])
e G \◦ (3-10 [8,11,2]), com as notas aglutinadas, pertencem a classe de conjunto 7-31
[8,9,11,0,2,3,5], um subconjunto da coleção octatônica OCT2,3 [2,3,5,6,8,9,11,0]. Na
sequencia, outras duas possibilidades da coleção: OCT0,1 [0,1,3,4,6,7,9,10] com os acordes:
C \◦ (3-10 [1,4,7]), E◦ (3-10 [4,7,10]) e E Z◦ (3-10 [3,6,9]); e a classe de conjunto OCT1,2
[1,2,4,5,7,8,10,11] com os acordes: B◦ (3-10 [11,2,5]), D◦ (3-10 [2,5,8]) e C \◦ (3-10
[1,4,7]). A figura 13 é uma redução da progressão dessa parte, mostrando as resultantes
das coleções octatônicas.
11
Figura 14 – Seção A - Seção 5 - Cadência
12
Figura 16 – Parte A’ - Seção 5
Como mencionado, a restrita ligação com sua parte homônima é clara, contudo
Villa-Lobos utiliza a mesma classe de conjunto dos compassos inicias da peça 9-10
[1,2,3,4,5,7,8,10,11], um superconjunto OCT1,2 [1,2,4,5,7,8,10,11], a diferença entre os
conjuntos 9-10 da primeira e última parte são as notas Fá \ (parte inicial) e Ré \ (parte final)
de notas adicionadas ao mesmo conjunto octatônico. De um ponto de vista tonal, essas
notas acrescentadas cria um certa ambiguidade em um possível tonalidade: Mi menor ou
Sol maior.
3 Considerações finais
Entende-se que, através da teoria dos conjuntos foi possível elucidar que é clara-
mente notório as ligações estruturais entre as partes de ambas as seções (A e A’), e que o
critério utilizado por Villa-Lobos gerou uma redução nos conjuntos de notas9 nas partes da
seção A’, deixando assim, inequívoco seu processo racional na seleção desses materiais.
É visto que processos simétricos na obra de Villa-Lobos são recorrentes, Salles
(2018, p. 128) salienta que:
13
ambiguidade um de centro (Mi menor e Sol maior), e acordes com sonoridades semelhantes
ao de compositores modernos contemporâneos de Villa-Lobos, como Stravinsky.
Referências
VILLA-LOBOS, H. Douze Études pour Guitare. Paris: Editions Max Eschig, 1953.
Partitura, Violão. Translated by Brian Hodel. 2
14