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Estudo n.

4 para violão solo de Heitor Villa-Lobos:


uma análise

João Vital de Araujo Santos


1 de julho de 2019

Resumo
Este trabalho propõe uma análise musical do Estudo n.4 para violão solo do com-
positor Heitor Villa-Lobos. Constatado um distanciamento na aplicação das regras
tradicionais de condução de voz inerentes da música tonal, opta-se por justapor ob-
servações sobre combinações simétricas de digitação instrumental e suas factíveis
consequências, consoante as observações estabelecidas por Salles (2009) e Canellas
(2014), e conceitos procedentes da teoria dos conjuntos, sob a ótica de Straus (2012).
A fim de clarificar possíveis critérios de escolha na elaboração composicional, busca-
se conceber parâmetros basilares, evidenciando, à medida do possível, aspectos da
sonoridade moderna pensada por Villa-Lobos.

Palavras-chave: Heitor Villa-Lobos; Análise Musical; Violão Solo; Teoria dos con-
juntos.

Abstract
This essay proposes a musical analysis of Study n.4 for solo guitar by brazilian
composer Heitor Villa-Lobos. Given a distancing in the application of the traditional
rules of voice leading inherent in tonal music, one chooses to juxtapose observations
on symmetric combinations of instrumental typing and their feasible consequences,
according to the observations established by Salles (2009) and Canellas (2014), and
concepts derived from pitch-class sets theory, from the perspective of Straus (2012).
In order to clarify possible criteria of choice in the compositional elaboration, it is
sought to conceive basal parameters evidencing, as far as possible, aspects of the
modern sonority devised by Villa-Lobos.

Keywords: Heitor Villa-Lobos; Musical Analysis; Solo Guitar; Pitch-class sets.

1
1 Introdução
É inegável a relevância e amplitude que os 12 Estudos exerce na formação da
história do violão, “Villa-Lobos deu à luz a guitarra moderna, criando um novo caminho
para ela; as possibilidades musicais e técnicas recentemente expandidas beneficiaram
grandemente o repertório do instrumento.”1 (CARLEVARO, 1988, p. 3), Fraga (2007, p. 6)
aponta que sua importância

(. . . ) não pode ser subestimada, seja do ponto de vista musical ou do


ponto de vista técnico técnico (sic). De fato, eles foram as primeiras
obras modernas de concerto significantes, antecedidas apenas pela Ho-
manaje pour le Tombeau de Debussy de Manuel de Falla (1920), e se
mantém desde antão (sic) como repertório obrigatório tanto pelo seu
valor técnico quanto estético. (FRAGA, 2007, p. 6)

Os estudos foram escritos entre 1924-1929 e dedicados ao violonista espanhol


Andrés Segovia, contudo, a relação entre os dois foi um tanto quanto conturbada. Entende-
se hoje que as diversas inovações desenvolvidas em algumas das peças e as anedotas
relatadas entre ambos – compositor e interprete – demonstram singularidades na linguagem
musical e técnica, que, na época, colocaram o violão em uma nova direção (CARLEVARO,
1988, p. 3).

Em uma publicação do museu Villa-Lobos (Rio de Janeiro), Philipe


Marietti, um dos diretores das Edições Max Eschig, descreve um discus-
são constante que sempre ocorreu entre Segovia e Villa-Lobos: ‘Heitor,
isso não pode ser feito em um violão.’ Ao qual Villa-Lobos terminaria a
discussão, tocando a passagem em questão.2 (CARLEVARO, 1988, p. 3)

Este trabalho faz uma análise do Estudo n.4 de Villa-Lobos. Para realização dessas
análises foram utilizadas a edição da Max Eschig (VILLA-LOBOS, 1953) e um dos
manuscritos datado de 1929. O processo de revisão foi favorecido pela dissertação de
Meirinhos (1997). Sua pesquisa faz comparações sobre fontes manuscritas e editadas dos
estudos de Villa-Lobos. Em virtude das discrepâncias em algumas notas, entre as fontes
aqui citadas, optamos por conceder uma credibilidade maior ao manuscrito.
Salles (2009, p. 48) afirma que “da escrita violonística de Villa-Lobos emergem
aplicações interessantes da técnica de gerar material a partir da digitação”. Seu livro
denota alguns padrões simétricos na execução instrumental em trechos de algumas obras
desse ciclo. Canellas (2014) analisa os Estudos n.1, 10, 11 e 12 pela mesma perspectiva.
Na medida em que nas análises do Estudo n.4 foram sendo constatados alguns padrões
simétricos similares, achou-se frutífero abarcar este prisma para clarificar aspectos da
elaboração composicional.
1
Tradução de: “Villa-Lobos gave birth to the modern guitar, forging a new path for it; the newly ex-
panded musical and technical possibilities have greatly benefited the repertoire for the instrument.”
(CARLEVARO, 1988, p. 3)
2
Tradução de: “In a publication of the Villa-Lobos museum (Rio de Janeiro) Philipe Marietti, one of the
directors of Editions Max Eschig, describes a constant argument that always ensued between Segovia and
Villa-Lobos: “Heitor, this can not be done on the guitar”. To which Villa-Lobos would end the argument
by playing the passage in question.” (CARLEVARO, 1988, p. 3)

2
Na medida em que foi verificado um distanciamento de características particulari-
dades da música tonal, e para obter uma melhor clarificação de determinados processos
organizacionais, utilizaremos de conceitos da Teoria dos Conjuntos sob a ótica de Straus
(2012), advindos do livro Introdução à teoria pós-tonal.
A análise objetiva-se em tentar clarificar possíveis critérios de escolha na elabora-
ção composicional, buscando conceber parâmetros basilares e evidenciando, à medida do
possível, aspectos da sonoridade pensada por Villa-Lobos, para isso descreve-se o nexo
organizacional da composição através das conformidades entre as partes e as factíveis
consequências intervales geradas por “combinações simétricas de digitação instrumental”
(SALLES, 2009)

2 Análise
Levando em consideração a homogeneidade timbrística da peça, concebe-se que a
estrutura formal possui duas seções: A e A’. Fragmentadas em pequenas partes, justapostas
em algumas circunstâncias, ocorre apenas uma única situação que há a reiteração integral
das notas, constatadas nos compassos 1-4 e 25-29 (Figura 1), consequentemente, as
mesmas circunscrevem o início de cada seção (A e A’). Mediante essas observações e as
organizações harmônicas constatadas, estipula-se a seguinte segmentação formal:

• Seção A - (compassos 1-24)


Parte 1 - (c. 1-4)
Parte 2 - (c. 5-8)
Parte 3 - (c. 8-11)
Parte 4 - (c. 11-16)
Parte 5 - Cadência (c. 17-24)

• Seção A’ - (compassos 25-65)


Parte 1 - (c. 25-28)
Parte 2 - (c. 29-34)
Parte 3 - (c. 35-37)
Parte 4 - (c. 38-45)
Parte 4’ - (c. 43-53)
Parte 5 - Codetta (c. 54-65)

Cada seção possui cinco partes. Apesar de apresentar estruturas aparentemente


diferentes, elas possuem nexo intrínseco entre si. A partir desse pressuposto, as análises
serão apresentadas correlacionando semelhanças entre as partes de cada seção no mesmo
subcapítulo. Um aspecto peculiar é que muitas das partes são finalizadas com uma espécie
de “encadeamento cromático”, de uma, duas ou até três vozes. Quando empregamos, esses
recursos serão denotados nos gráficos como cadência cromática.

3
2.1 Parte 1
Como mencionando anteriormente, a primeira parte das duas seções (A e A’) são
iguais (compassos 1-4 e 25-29, Figura 1)3 . Esses quatro compassos são constituídos de
uma progressão a quatro vozes de tríades e tétrades. Em decorrência de um distanciamento
de um tratamento de condução das vozes tonal e para uma certa clareza das relações harmô-
nicas, cifras4 também foram agregados aos gráficos, uma vez que a cifragem tradicional
por graus retrataria incongruências funcionais e/ou excessos de resoluções deceptivas.

Figura 1 – Seção A - Parte 1

A condução de voz elaborada por Villa-Lobos pode ser compreendida com um


encadeamento parcimonioso, que segundo Douthett e Steinbach (1998, p. 242):

Estruturas parcimoniosas (por exemplo, Tonnetze) geralmente possuem


altos graus de simetria e são independentes de centros tonais. Como re-
sultado da metamorfose do diatonismo centrado do tonalismo do século
XVIII e da indeterminação tonal do final do século XIX, essas estruturas
simétricas tornaram-se ferramentas teóricas e analíticas importantes.
Com essa nova ênfase na simetria, não é surpresa descobrir que as cole-
ções de classes de afinação de conjuntos de classes 6-20, 8-28 e 9-12
– conjuntos de classes de notas abundantes em seus graus de simetria –
estão associadas à parcimônia. . . (DOUTHETT; STEINBACH, 1998, p.
242) 5 ” (DOUTHETT; STEINBACH, 1998, p. 242)

Para clarificar uma possível conexão de escolha das notas, agregamos todas as
notas dos compassos 1-2 e constatamos o conjunto 9-10 [4,5,6,7,8,10,11,1,2]. Essa classe
3 \
A edição da Max Eschig consta um Re no terceiro tempo do compasso 27, contudo a mesma não foi
identificada nos manuscritos (MEIRINHOS, 1997, p. 53)
4
Sistema de notação comumente usadas em música popular.
5
Tradução de: “Parsimonious structures (e.g., Tonnetze) generally have high degrees of symmetry and
are independent of tonal centers. As a result of the metamorphosis from the tonally centered eighteenth-
century diatonicism to the tonal indeterminacy of the late nineteenth century, these symmetric structures
have become important theoretical and analytical tools. With this new emphasis on symmetry, it is not
surprising to discovert hat pitch-class collections from set classes 6-20, 8-28, and 9-12 – pitch-class sets
abundant in their degrees of symmetry – are associated with parsimony. . . ” (DOUTHETT; STEINBACH,
1998, p. 242)

4
de notas corresponde a um único superconjunto octatônico (8-28), com a nota Fá \ “acres-
centada”. Straus (2012, p. 157) afirma que a coleção octatônica

(. . . ) tem muitas características distintivas. Primeira, ela é altamente


simétrica, tanto transpositivamente quanto inversivamente. Ela mapeia-
se nela mesma em quatro níveis de transposição e quatro níveis de
inversão. Como resultado, ela tem somente três formas distintas (assim
como o seu complemento, o acorde de sétima diminuta). A figura 4–2
mostra as três coleções octatônicas. (STRAUS, 2012, p. 157)

Straus (2012) apresenta as três possíveis transposições das coleções octatônicas:

OCT0,1 [0,1,3,4,6,7,9,10]
OCT1,2 [1,2,4,5,7,8,10,11]
OCT2,3 [2,3,5,6,8,9,11,0]

Nos compassos 3-4 (Figura 1), ocorre mudança na classe de conjuntos para o
9-7 [11,0,2,3,4,5,6,7,9]. Compreende-se, como alusão, que essa classe representa um
superconjunto da escala que de Mi menor harmônica (7-32) [3,4,6,7,9,11,0], com o
acréscimo das notas Fá ^ e Ré ^, esse conjunto é mantido até o início da parte subsequente,
nos compassos 5-6 (figura 2).

2.2 Parte 2
A simetria instrumental, muito presente na obra de Villa-Lobos, principalmente no
violão, é inicialmente observada entre os compassos 5 ao 7, ocorrendo uma transposição
de conjuntos. A alusão da escala menor harmônica, anteriormente mencionada, se faz
significativa, dado que aquela classe de conjunto, 7-32 (0134689) – “menor harmônica” –,
é representativa nessa parte. Desse modo, como observado na Figura 2, verifica-se três6
classes consecutivas do conjunto 7-32, transpostos a cada ocorrência.
De um ponto de vista da tonal, essa passagem apresenta uma relação Dominante-
Tônica. Segundo Kostka, Payne e Almén (2018, p. 428), essa progressão de acordes não é
muito usual e ele a classifica como: Common-Tone Diminished seventh Chord, “acorde
diminuto com sétima diminuta por nota comum”. Dado que, os acordes diminutos (F \◦ ,
G \◦ e A \◦ ) resolvem em tríades maiores (C, D e E).
Na segunda parte da Seção A’ (Figura 3), até a metade com compasso 31, mantém-
se a estrutura da parte 2 da seção anterior, sem nenhuma alteração. Contudo, na sequencia
ocorre uma mudança na organização motívica, anteriormente (Figura 2) ascendente, agora
descendente, bem como na disposição rítmica, e nela uma nova classe de conjunto é
identificada, 5-29 (01368). Contanto, essa classe de conjunto é um subconjunto da classe
7-32. Conclui-se que ocorre uma contração e alteração das notas, mas sem modificar a
estrutura da sua parte homônima da primeira seção.
6
No terceiro tempo do compasso 8 no manuscrito constam um bequadro na nota sol e bemol na nota mi. e
no quarto tempo bequadro na nota mi.

5
Figura 2 – Seção A - Parte 2

e
Figura 3 – Seção A’ - Parte 2

Comparando a segunda parte das duas seções é observado um vínculo simétrico.


Nas transposições das classes de conjuntos (7-32) que nas duas seções sucedem do
conjunto T0 [3,4,6,7,9,11,0], na seção A ocorrem de T0 para T2 [5,6,8,9,11,1,2] e depois
T4 [7,8,10,11,1,3,4] (Figura 2); e na seção A’ de T0 para T10 [1,2,4,5,7,9,10] e depois T8
[11,0,2,3,5,7,8] (Figura 3).
Assim, compreendemos que T0 , a unidade de início, apresenta-se como eixo
simétrico para ambas as transposições (Figura 4). Uma vez que a transposição intervalar
entre essas classes de conjuntos são simétricas, constatamos que esse padrão pode ser
associado ao termo palíndromo, em que segundo Canellas (2014, p. 17), “em música, há
diversas possibilidades da aplicação do conceito de palíndromo. A aplicação mais direta
talvez seja usando as notas como módulo de simetria em sequências de sons que possam
ser divididas em duas partes retrógadas.”

6
Figura 4 – Parte 2 - Palíndromo

2.3 Parte 3
Na parte 3 da seção A, a voz superior possui uma sequência melódica descendente
com transposição que se repete a cada início de compasso, iniciado com a nota Mi (c. 8) até
a Lá (c. 11), formando um conjunto 5-24 [9,10,0,2,4], um subconjunto diatônico. A vozes
abaixo percorrem caminhos cromáticos, criando relações de terças (maiores e menores)
e segunda maiores entre si. Essas construções melódicas resultam em algumas tríades
e tétrades, entretanto esse desenvolvimento parcimonioso dos acordes quebra eventuais
padrões tonais da parte anterior, não sugerindo nenhum centro tonal claro. Nesse contexto,
agregando todas as notas do compasso 8 (Figura 5), um novo conjunto é apresentado:
9-11[2,3,4,6,7,8,9,11,0], e na sequência sua transposição T10 [0,1,2,4,5,6,7,9,10].

Figura 5 – Seção A - Parte 3

Na parte 3 da seção A’ (Figura 6) encontramos uma conexão direta com a classe


de conjunto da seção A (Figura 5). A classe de conjunto aqui analisada é a 8-22, que é um
subconjunto da 9-11 de sua parte homônima.

7
Figura 6 – Parte A’ - Seção 3

2.4 Parte 4 - Acordes Diminutos com sétima menor


A parte 4 das Seções A e A’ possuem padrões simétricos translacionais na execu-
ção instrumental, Canellas (2014, p. 10) explique que “em uma operação de translação,
os objetos ou formas geométricas repetidas mantêm a mesma orientação e as mesmas
dimensões do original.” Nessa parte (seção A), o acorde F \ diminuto com sétima menor,
no primeiro tempo do compasso 11, inicia uma progressão de acordes paralelos.
Para apresentar com clareza como é executado no instrumento, a figura 7 é uma
representação gráfica7 de alguns dos acordes do trecho. Como visto, ocorre uma transposi-
ção translacional de acordes, uma vez que o molde intervalar dos mesmos estão mantidos.
Esse procedimento de translação de acordes é sustentado por a toda a parte (Figura 8).

Figura 7 – Parte A - Representação gráfica da disposição dos dedos da mão direita for-
mando acordes no violão

Essa transposição translacional da parte 4 (seção A, compassos 11-16), constituída


por estrutura simétrica instrumental, possui dois padrões intervalares ocorrendo entre os
acordes. No primeiro padrão, compassos 11-12, as fundamentais movimentam por 4a justa,
5a justa, 4a justa e 3a menor; no segundo, um padrão de 4a justa e 3a menor. A figura 8
mostra essa progressão.
7
Os números 1 ao 4 representam a posição dos dedos da mão direta.

8
Figura 8 – Parte A - Seção 4

Entretanto, “para Villa-Lobos a simetria não é necessariamente uma ‘planta ar-


quetípica’, mas um ponto de partida ou mesmo ocasional patamar de estabilidade que o
compositor eventualmente adota como um elemento estrutural a ser transformado.” (SAL-
LES, 2009, p. 45). Salienta-se que nessa parte, através de uma combinação alternada de
ataque de cordas da mão direta, os acordes paralelos estão vinculados ao um pedal na nota
Lá (quinta corda solta do violão), em que a corda mais aguda deixa de ser atacada, dessa
forma resultando em novas sonoridades harmônicas, como apresentam as figuras 9 e 10.

Figura 9 – Parte A - Seção 4 - Classe de conjuntos 6-35

Essas novas combinações harmônicas resultam em novas classes de conjuntos, que


paralelamente estão conectas entre si. Em um ponto, com a aglutinação de todas as notas,
temos a classe de conjuntos 6-35 [0,2,4,6,8,10] (Figura 9), e em outro temos o conjunto
7-33 [8,9,10,0,2,4,6], essas combinações podem ser correlacionadas a escala de Tons
Inteiros. A primeira relacionada ao modo “ímpar”, contemplando o conjunto completo
TI1 ; e a segunda (7-33) é um superconjunto de TI0 . com acréscimo da nota Lá (nota pedal
do baixo), modo “par” (Figura 10). Segundo Straus (2012, p. 161):

“Podemos referir-nos a elas como TI0 (a coleção tons inteiros que con-
tém a classe de notas Dó) e TI1 (a coleção tons inteiros que contém
\
a classe de notas Dó ). Elas também são às vezes chamadas de co-
leção “par” ou “ímpar”, porque todos os inteiros de classes de notas
em TI0 são pares (0,2,4,6,8,10), enquanto aqueles em TI1 são ímpares
(1,3,5,7,9,11)”(STRAUS, 2012, p. 161).

9
Figura 10 – Parte A - Seção 4 - Classe de conjuntos 6-35

Na seção A’ também ocorre um padrão simétrico na execução instrumental, e


novamente com nexo direto com sua parte homônima da seção A. Ocorre uma transposição
translacional de acorde diminutos triádicos. A figura 11 mostra como três acordes (A◦ , B◦
e C \◦ ) são executados no instrumento.

Figura 11 – Parte A - Representação gráfica da disposição dos dedos para formação de


acordes no violão

Nessa parte as posições fixas inicias configuram tríades maiores, mas a partir do
compasso 40 o padrão de acordes diminutos se estabelece até o final do trecho (Figura 12)

Figura 12 – Seção A’ - Início da Parte 4

Esta parte possui uma repetição idêntica na estrutura, em que a progressão de


acordes de transposição translacional aparecem duas vezes, entretanto a combinação de

10
notas pedais são ampliadas na repetição. Assim, a primeira parte engloba os compassos
38-45, e segunda 46-53.
Haja vista uma grande ocorrência de acordes diminutos, constatamos coleções
octatônicas. A progressão de acordes diminutos: B◦ (3-10 [11,2,5]), A◦ (3-10 [9,0,3])
e G \◦ (3-10 [8,11,2]), com as notas aglutinadas, pertencem a classe de conjunto 7-31
[8,9,11,0,2,3,5], um subconjunto da coleção octatônica OCT2,3 [2,3,5,6,8,9,11,0]. Na
sequencia, outras duas possibilidades da coleção: OCT0,1 [0,1,3,4,6,7,9,10] com os acordes:
C \◦ (3-10 [1,4,7]), E◦ (3-10 [4,7,10]) e E Z◦ (3-10 [3,6,9]); e a classe de conjunto OCT1,2
[1,2,4,5,7,8,10,11] com os acordes: B◦ (3-10 [11,2,5]), D◦ (3-10 [2,5,8]) e C \◦ (3-10
[1,4,7]). A figura 13 é uma redução da progressão dessa parte, mostrando as resultantes
das coleções octatônicas.

Figura 13 – Seção A’ - Parte 4

2.5 Parte 5 - Cadência e Codetta


A última parte da seção A, compassos 17-21, Villa-Lobos inicia diluindo duas
ideias de partes anteriores (parte 3 e 4), sem extraviar-se da coerência motívica da peça.
O primeiro aspecto é harmônico, a progressão movimenta-se dissolvendo a simetria de
acordes meio diminutos para uma provável cadência tonal, representado nas cifras pelo
provável acorde dominante (D7/A), que predomina o trecho (Figura 14). E o segundo
aspecto é melódico, visto que a simetria descendente do descanto constatada na parte
3 (Figura 5) é retomada, em que as notas Si Z e Lá são a prossecução da linha melódica
anterior (parte 3).
Na transição de acordes (compasso 17-18)8 , no primeiro tempo o acorde meio
diminuto conclui a parte 4, no segundo tempo observa-se um acorde não triádico, um
conjunto 4-23 [2,4,7,9], o qual é um subconjunto diatônico, Straus (2012, p. 155) afirma
que na “música diatônica pós-tonal, as tríades são também usadas, mas outras harmonias
também ocorrem. Por exemplo, 4–23 (0257) e 3–9 (027) são subconjuntos diatônicos que
ocorrem na música tonal só raramente e como subprodutos dissonantes do encadeamento.”
Ele analisa esse conjunto em um trecho de The Rake’s Progress de Stravinsky, concluindo
dele que “a música é diatônica, mas não é nem triádica nem tonal” Straus (2012, p. 156).
8
Os 17 e 18 são idênticos, repedindo assim os quatro acordes apresentados

11
Figura 14 – Seção A - Seção 5 - Cadência

Na sucessão dos acordes, no terceiro tempo o acorde 4-28 [0,3,6,9] é um eventual


dominante, preservando a mesma função tonal do seu sucessor 4-27 [6,9,0,2](D7/A).
Ressaltamos também que o conjunto 5-33 [0,2,4,6,8], um subconjunto de TI0 (Tons
Inteiros), é alternado na progressão dos acordes.
Haja vista que a natureza cadencial neste estudo de Villa-Lobos é o uso de encade-
amentos cromáticos, a provável cadência tonal que estaria se constituindo perde vigor nos
compassos 22-24, na qual a harmonia ergue-se, provenientes de compassos anteriores, por
consequência da condução parcimoniosa em traçados cromáticos descendentes. O trecho
é finalizado com a combinação cromática e paralela de duas vozes (compassos 23-24),
acompanhadas da segunda (Si) e quarta (Ré) cordas soltas do violão (Figura 15).

Figura 15 – Seção A - Seção 5 - Cadência

Na seção homônima, finalizando a peça (Figura 16), a ligação coincidente entre


as partes não se faz notório aqui. A parte introduzida por um encadeamento cromático
descendente em acordes maiores, compasso 54 (Figura 16), fazendo um caminho inverso
do compasso anterior (parte 4) que, contudo o material dessa parte são acordes diminutos,
compasso 53 (Figura 13).
Consta nesta parte um material novo, em que observado anteriormente em uma
relação indireta. Nos compassos 56 ao 58 observa-se um palíndromo, diferente do anterior
encontrado na peça, esse possui uma relação instrumental direta das notas em que o eixo
simétrico encontra-se no início do compasso 57.

12
Figura 16 – Parte A’ - Seção 5

Como mencionado, a restrita ligação com sua parte homônima é clara, contudo
Villa-Lobos utiliza a mesma classe de conjunto dos compassos inicias da peça 9-10
[1,2,3,4,5,7,8,10,11], um superconjunto OCT1,2 [1,2,4,5,7,8,10,11], a diferença entre os
conjuntos 9-10 da primeira e última parte são as notas Fá \ (parte inicial) e Ré \ (parte final)
de notas adicionadas ao mesmo conjunto octatônico. De um ponto de vista tonal, essas
notas acrescentadas cria um certa ambiguidade em um possível tonalidade: Mi menor ou
Sol maior.

3 Considerações finais
Entende-se que, através da teoria dos conjuntos foi possível elucidar que é clara-
mente notório as ligações estruturais entre as partes de ambas as seções (A e A’), e que o
critério utilizado por Villa-Lobos gerou uma redução nos conjuntos de notas9 nas partes da
seção A’, deixando assim, inequívoco seu processo racional na seleção desses materiais.
É visto que processos simétricos na obra de Villa-Lobos são recorrentes, Salles
(2018, p. 128) salienta que:

“Uma das características marcantes da obra violonística de Villa-Lobos


é justamente como ele constrói uma linguagem primordialmente idi-
omática tirando partido da exploração de combinações simétricas do
dedilhado de ambas as mãos, o que da aos seus Estudos importância
sem precedentes na literatura para esse instrumento, tanta em relação à
técnica instrumental como na prospecção de combinações harmônicas.”

Assim, após a análise, compreendemos que o Estudo n.4 se enquadra na linguagem


musical que Villa-Lobos constitui em outras peças do mesmo ciclo, analisadas por Salles
(2009) e Canellas (2014). Conclui-se assim que a escolha do material é fusão de possíveis
ocorrências de combinações simétricas de digitação instrumental; afastamento de práticas
composicionais de música tonal; sonoridades intrínsecas de herança romântica, como
9
Incluindo a seção de transposição translacional de acordes diminutos, em que na seção A apresentam por
tétrades (acordes meio diminutos) e na seção B tríades.

13
ambiguidade um de centro (Mi menor e Sol maior), e acordes com sonoridades semelhantes
ao de compositores modernos contemporâneos de Villa-Lobos, como Stravinsky.

Referências

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1988. Volume III, Technique, Analysis and Interpretation of the Guitar Works of Heitor
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STRAUS, J. N. Introdução à teoria pós-tonal. São Paulo: Editora da Unesp, 2012.


Tradução: Ricardo Mazzini Bordini. 1, 3, 5, 9, 11

VILLA-LOBOS, H. Douze Études pour Guitare. Paris: Editions Max Eschig, 1953.
Partitura, Violão. Translated by Brian Hodel. 2

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