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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO


GRANDE DO SUL

CLARICE BRUTES STADTLOBER

A MATEMÁTICA EM DIFERENTES TEMPOS E ESPAÇOS


DA EDUCAÇÃO INFANTIL: APRENDIZAGEM DE
CONCEITOS MATEMÁTICOS

Ijuí
2010
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CLARICE BRUTES STADTLOBER

A MATEMÁTICA EM DIFERENTES TEMPOS E ESPAÇOS DA


EDUCAÇÃO INFANTIL: APRENDIZAGEM DE CONCEITOS
MATEMÁTICOS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


em Educação nas Ciências da Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul -
UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Educação nas Ciências –
Matemática.

ORIENTADORA: PROF. DRª. CÁTIA MARIA NEHRING

Ijuí
2010
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Dedico este estudo:


Aos colegas professores da Educação Infantil e aos pesquisadores de Educação Matemática,
que implicados no desafio de educar,
acreditam num ensino de qualidade.

Aos meus alunos,


que foram os atores dessa pesquisa e sem os quais ela não se tornaria viável.

Sou grata a muitas pessoas as quais, de diferentes formas,


contribuíram e estiveram comigo na realização
desta pesquisa, em especial:

As professoras da cozinha pedagógica e do ateliê que participaram da minha pesquisa, a


direção, supervisão e as demais pessoas do Colégio Cenecista Sepé Tiaraju que de alguma
maneira se fizeram presentes nessa caminhada.

Ao Itamar pelo constante


e incansável apoio, pelo auxílio nas sugestões ortográficas e a Letícia e aos demais familiares
pela compreensão das
minhas muitas ausências.

A professora Drª. Cátia Maria Nehring, que, com seus conhecimentos e sua
competência, aceitou o desafio de orientar
a presente investigação, com suas intervenções pontuais e significativas.

As professoras Drª. Helena Copetti Calai, Drª. Noeli Valentina Weschenfelder


pela leitura criteriosa e valiosas contribuições na Banca
de Qualificação e de Defesa Final.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação


Mestrado em Educação nas Ciências da Unijuí, que durante o curso possibilitaram a busca de
novos conhecimentos que foram significativas para essa pesquisa.

Aos colegas do curso de Mestrado em Educação nas


Ciências/turma 2008, pelo apoio e pelas “trocas” realizadas durante o curso.
Obrigada.
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RESUMO

O foco central dessa pesquisa é a aprendizagem de matemática na Educação Infantil, em


especial, à significação de conceitos matemáticos nos diferentes tempos e espaços da escola.
O objetivo dessa investigação é buscar entendimentos de como ocorre o processo de
significação conceitual pelas crianças, levando em consideração que essa aprendizagem pode
ocorrer em diferentes tempos e espaços, como os tempos destinados aos projetos, a situações
de aprendizagem envolvendo a matemática, os espaços da cozinha pedagógica, o ateliê, a sala
de aula, entre outros. As discussões se estabelecem a partir da análise de recortes de episódios
gravados e da documentação pedagógica, dos registros de alunos, entre 4 e 5 anos, durante
aulas por mim ministradas em uma turma de Educação Infantil numa escola do interior do RS,
que dispõe de espaços de ensino e aprendizagem diferenciados, que não apenas a sala de aula.
Para compreender e analisar os conceitos matemáticos abordados foi utilizado os dados
empíricos e os referenciais teóricos baseados em Vigotski, seus seguidores e, também, os
autores da didática da matemática, estabelecendo, no decorrer do processo de planejamento e
análise, uma estreita interlocução empiria-teoria. Nas análises realizadas, evidencia-se a
proposição de situações didático-pedagógicas contextualizadas visando a significação dos
conceitos matemáticos, as relações estabelecidas entre as professoras e o grupo de alunos,
produzindo aprendizagens significativas; a apropriação (ou não) dos conceitos matemáticos
pelos alunos e a relevância de se propor situações de aprendizagens em diferentes tempos e
espaços, nesse processo de aprender matemática.
Palavras-chave: aprendizagem; tempos e espaços; significação de conceitos; conceitos
matemáticos; Educação Infantil.
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ABSTRACT

The central focus of this research is the learning of mathematics in Education Infantil, in
special, the meaning of mathematical concepts in different times and spaces of the school.
The purpose of this research is to seek understanding of how the process is the conceptual
meaning for children, taking into consideration that this learning can occur at different times
and spaces, as the times for the projects, the learning situations involving mathematics, the
learning situations involving mathematics, the teaching spaces of the kitchen, the studio, the
classroom, among others. The discussions are established based on the analysis of cuttings
episodes recorded and teaching materials, records of students, between 4 and 5 years for me
during classes taught in a class of early childhood education in a school inside the RS, which
has spaces of different teaching and learning, not just the classroom. To understand and
analyze the mathematical concepts addressed, we used empirical data and theoretical
frameworks based on Vygotsky, his followers and also the authors of the teaching of
mathematics, establishing, in the process of planning and analysis, a close dialogue empirical-
theory. In the analysis carried out shows the preposition situations didactic teaching
contextualized view the significance of mathematical concepts, the relations between the
teachers and the group of students to produce significant learning; ownership (or not) of
mathematical concepts by students and relevance to propose learning situations in different
times and spaces, in the process of learning mathematics.

Keywords: learning; times and spaces; meaning (concepts); mathematical concepts;


Education Infantil.
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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ................................................................................................ 9

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10

1 O PERCURSO DA PESQUISA, A ESCOLA E OS SUJEITOS ENVOLVIDOS ........ 13


1.1INTERESSE PELA PESQUISA ..................................................................................... 13
1.2O CENÁRIO DA PESQUISA ......................................................................................... 16
1.3 O ENTENDIMENTO DE EDUCAÇÃO INFANTIL ..................................................... 19
1.4 TEMPOS E ESPAÇOS COMO FORMA DE ENTENDER O TRABALHO
PEDAGÓGICO ................................................................................................................... 24
1.4.1 Os tempos e espaços no Colégio Cenecista Sepé Tiaraju ............................................. 29
1.5 A CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAS RELAÇÕES COM A
MATEMÁTICA .................................................................................................................. 33
1.6 O PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 35

2 AS SITUAÇÕES DE ENSINO PROPOSTAS COMO DESENCADEADORAS DE


APRENDIZAGEM: O CONCEITO DE NÚMERO NOS TEMPOS E ESPAÇOS DA
ESCOLA ............................................................................................................................ 41
2.1 A SIGNIFICAÇÃO DO CONCEITO DE NÚMERO NATURAL .................................. 42
2.1.1 A contagem oral: recitando números e significando a noção de quantidade.................. 45
2.1.2 A sucessão numérica escrita: codificando e decodificando quantidades ....................... 52
2.1.3 O número como forma de representar o resultado de uma operação numérica .............. 59
2.1.4 O número indicando memória de posição .................................................................... 63
2.2 INTRODUZINDO O CONCEITO DE NÚMERO RACIONAL ..................................... 67
2.2.1 A fração como quantidade ........................................................................................... 68
2.2.2 A fração como medida de uma posição no espaço ....................................................... 80
2.2.3 A fração como função: relação entre conjuntos de objetos de cores diferentes ............. 82

3 EXPLORANDO OUTRAS NOTAÇÕES NOS MESMOS ESPAÇOS E TEMPOS:


ESPAÇO, FORMAS E O TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO ................................... 85
3.1 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: POSIÇÃO DE UM SUJEITO/OBJETO NO ESPAÇO
............................................................................................................................................ 86
3.1.1 As relações espaciais contidas nos objetos. .................................................................. 86
3.1.2 – Relações espaciais entre os objetos e entre sujeitos e objetos .................................... 87
3.1.3 Relações espaciais nos deslocamentos. ........................................................................ 90
3.2 AS FORMAS GEOMÉTRICAS..................................................................................... 92
3.2.1 As formas geométricas e suas propriedades ................................................................. 92
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3.2.2 Significação do conceito de círculo: a palavra exercendo a função de conceito ............ 94


3.2.3 Comparando formas geométricas ................................................................................. 96
3.3 TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO........................................................................... 99
3.3.1 A coleta dos dados: fazendo escolhas ........................................................................ 100
3.3.2 A organização e a representação dos dados coletados ................................................ 102
3.3.3 A análise dos resultados obtidos ................................................................................ 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 107

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 111

ANEXOS .......................................................................................................................... 114


ANEXO 1 .......................................................................................................................... 115
DOCUMENTAÇÃO DO PROJETO: ESTUDANDO SOBRE OS DENTES ..................... 115
ANEXO 2 .......................................................................................................................... 136
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......................................... 136
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Ilustração 1 - registro da aluna N .......................................................................................... 58

Ilustração 2 - registro da aluno G ......................................................................................... 58

Ilustração 3 - registro da aluna C .......................................................................................... 60

Ilustração 4 - registro do aluno A ......................................................................................... 61

Ilustração 5 - registro do aluno F ......................................................................................... 75

Ilustração 6 - registro do aluno A ......................................................................................... 78

Ilustração 7 - foto do gráfico elaborado pelo grupo............................................................... 82

Ilustração 8 - gráfico construído pela aluna AC .................................................................. 104

Ilustração 9 - gráfico construído pela aluna J ...................................................................... 104

Ilustração 10 - gráfico construído pelo aluno L................................................................... 104

Tabela 1 - cronograma das filmagens.......................................................................................38


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INTRODUÇÃO

As constantes indagações e inquietações vivenciadas na minha prática profissional


como professora de Educação Infantil e professora de Matemática na Educação Básica e o
desejo de buscar novos conhecimentos, repensando a prática pedagógica, foram relevantes
para a definição dessa pesquisa. O olhar sobre esta prática nos leva a pensarmos a
aprendizagem de matemática não apenas no espaço da sala de aula e no tempo destinado para
essa atividade, mas em todos os tempos e espaços da escola em que situações de
aprendizagem de matemática podem se fazer presente. No caso dessa investigação, o espaço
do ateliê e da cozinha pedagógica e os tempos destinados as aprendizagens por projetos foram
elementos significativos para nosso estudo.

Neste sentido, a presente dissertação intitulada “A matemática em diferentes tempos e


espaços da Educação Infantil: aprendizagem de conceitos matemáticos”, parte da vídeo-
gravação de aulas na cozinha pedagógica, no ateliê e na sala de aula, da qual foram transcritos
e recortados episódios significativos, das ilustrações das crianças e da documentação
pedagógica escrita pela professora na busca do entrelaçamento entre empiria e referencial
teórico acerca da aprendizagem de conceitos matemáticos na Educação Infantil e das
múltiplas relações e inter-relações estabelecidas entre professora, alunos e as diferentes
notações matemáticas.

Esta investigação teve como objetivo buscar entendimentos de como ocorre o processo
de significação conceitual, nos diferentes tempos e espaços da escola infantil, envolvendo
minha prática docente e crianças de quatro e cinco anos de uma escola do município de Santo
Ângelo. Evidencia-se a proposição de situações didático-pedagógicas contextualizadas
visando produzir aprendizagens significativas e analisar a apropriação (ou não) dos conceitos
matemáticos pelos alunos.
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A partir dos episódios ou ilustrações selecionadas para exemplificar cada conceito


envolvido na pesquisa, fluem as análises, discussões e reflexões na tentativa de trazer
contribuições dos autores envolvidos e compreender a temática da pesquisa. O texto da
dissertação apresenta-se organizado em três capítulos, estruturado conforme o percurso da
pesquisa foi sendo construído, tendo em vista que a investigação não foi estática, foi se
constituindo no decorrer do processo, sendo redimensionada sempre que necessário.

Na primeira etapa da pesquisa, procuramos explicitar “o percurso da pesquisa, a


escola e os sujeitos envolvidos”, ou seja, o processo de organização da dissertação que inicia
indicando os motivos que levaram a pesquisadora a se interessar pelo assunto a partir de seus
saberes profissionais, disciplinares e experenciais. Em seguida, abordamos o cenário da
pesquisa como o lugar em que a pesquisa se estabelece, a definição dos tempos e espaços
como forma de entender o trabalho pedagógico e os tempos e espaços da escola envolvida na
pesquisa e, ainda, o entendimento de Educação Infantil e os sujeitos envolvidos na
investigação e suas relações com a matemática.

No primeiro capítulo da pesquisa, ocorre a delimitação da temática a partir de um


quadro teórico inicial, também explicitamos a metodologia empregada, a forma como os
dados foram coletados e analisados, os entrelaçamentos entre o empírico e o teórico, o recorte
das aulas e a escolha dos episódios significativos que podem nos auxiliar a buscar respostas
para nosso problema de pesquisa.

No segundo capítulo, “entendo as situações de ensino propostas como


desencadeadoras de aprendizagem: significação do conceito de número nos tempos e espaços
da escola” iniciamos a análise dos dados empíricos, as interlocuções teóricas e a pesquisa
propriamente dita. Decidimos, pesquisadora e orientadora, organizar este capítulo em dois
momentos: a significação do conceito de número natural e a introdução do conceito de
número racional. Buscamos elementos teóricos nos autores da didática da matemática, na base
legal e na teoria sócio-histórica para discutirmos diversos aspectos relacionados a esses
conceitos e exemplificamos cada um com episódios ou ilustrações de situações de
aprendizagem em diferentes tempos e espaços da escola.

O terceiro capítulo, “explorando outras notações nos mesmos tempos e espaços:


espaço, formas e o tratamento da informação”, desenvolvemos da mesma forma que o
segundo, ou seja, com a interlocução entre empiria e referencial teórico, porém trazendo
outras notações e conceitos matemáticos. Iniciamos com a notação de espaço e os conceitos
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envolvidos para que o aluno compreenda a posição de um sujeito/objeto no espaço. Em


seguida, abordamos as propriedades das formas geométricas e a comparação entre elas e, para
encerrar o capítulo o tratamento da informação.

Na segunda parte do segundo capítulo e no terceiro capítulo, nos dedicamos a analisar


e discutir a significação de conceitos que, embora estejam incluídos na base legal (referenciais
- RCNEI), muitas vezes não são abordados na escola infantil. Por isso, acreditamos que seja
relevante discutirmos a significação desses conceitos matemáticos, analisando a proposição
de situações didático-pedagógicas em diferentes tempos e espaços da escola. Dessa forma,
pretendemos lançar uma provocação inicial aos interessados na leitura dessa dissertação para
conhecer um pouco dessa proposta de ensino e aprendizagem de matemática na Educação
Infantil.

Acreditamos que o trabalho na Educação Infantil em tempos e espaços diferenciados


poderá potencializar aprendizagens significativas se houver intervenções conscientes do
professor, via planejamento de atividades de ensino sistematizadas.
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CAPÍTULO 1
O PERCURSO DA PESQUISA, A ESCOLA E OS SUJEITOS ENVOLVIDOS

1.1 INTERESSE PELA PESQUISA

Para compreendermos o interesse pela pesquisa, iniciarei expondo alguns episódios da


minha formação inicial e continuada. No ensino médio decidi cursar o Magistério (como era
chamado o Curso Normal na época, ano de 1987), contrariando a vontade da minha família,
que gostaria que eu estudasse à noite para trabalhar durante o dia. Desde pequena, queria ser
professora, gostava de brincar de ensinar outras crianças. No primeiro mês do curso normal,
fui convidada para ser “ajudante” da professora da pré–escola, constituindo minha primeira
experiência profissional, na qual permaneci durante todo curso.

Durante os três anos do Curso Magistério a sensação de angústia era constante, pois
sempre queríamos que os professores nos dessem “receitas prontas” e isso não acontecia.
Tínhamos muitas dúvidas e pouco referencial teórico para nos basearmos. A professora de
Didática da Matemática com sua calma, repetia como se usava o cartaz de pregas, o
agrupamento das unidades, dezenas e centenas. Também surgem lembranças, da organização
de uma caixa de contagem, repleta de materiais concretos que reunimos durante todo curso,
mesmo não sabendo claramente como poderíamos utilizá-la com nossos futuros alunos.
Durante o curso, como monitora, substitui a professora titular por várias vezes.

Após a conclusão do Curso Magistério, participei de um curso de extensão para ser


docente da Educação Infantil. Na época, era o que bastava. No mesmo ano, ingressei no curso
de Ciências Naturais, pois gostava da disciplina de Matemática e tínhamos no município
apenas a disponibilidade desse curso. Durante o curso, muitos cálculos e no final algumas
informações de didática. A preocupação dos professores era mais com “o que ensinar” do que
com o “como ensinar”.
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Desta época, lembro-me, também, do contato com as primeiras referências teóricas. A


professora falava sobre a escola humanista, comportamentalista, racionalista. Skinner e a
criança como uma folha de papel em branco, Piaget e as diferentes provas para a construção
do número. Não dávamos muita importância para isso, mesmo porque não conseguíamos
associar a teoria com a prática.

Continuando os estudos, cursei Licenciatura Plena em Matemática e logo depois o


curso de Pós – graduação, no qual foram possíveis novas experiências e referencial teórico,
bem como algumas reflexões sobre a prática pedagógica. Realizei o trabalho de conclusão de
curso sobre a construção do número na Educação Infantil, baseando-me na teoria de Piaget e
seus seguidores.

Tardif (2002) considera esses saberes transmitidos pelas instituições de formação de


professores como saberes profissionais. Saberes destinados a formação científica dos
docentes, através dos quais estes entram em contato com as ciências da educação e da
disciplina específica. Para o autor, a prática docente também mobiliza os saberes pedagógicos,
provenientes da reflexão sobre a prática, incorporando uma ideologia à profissão e algumas
formas de saber-fazer e técnicas. Além disso, existem os saberes disciplinares que também
são incorporados à prática docente e correspondem aos diversos campos do conhecimento,
formando professores nas diversas disciplinas oferecidas pelas universidades, emergentes da
cultura e dos grupos sociais produtores de saberes.

Buscando o aperfeiçoamento desses saberes, no ano de 2008, decidi realizar um antigo


sonho e ao mesmo tempo propor-me um grande desafio: cursar o mestrado em Educação nas
Ciências e desenvolver a presente investigação. A temática proposta para a pesquisa foi a
Matemática na Educação Infantil, considerando principalmente meus dezenove anos de
prática docente, sob nova perspectiva e referencial teórico1. Tendo, também, como apoio as
disciplinas do mestrado, a busca pela formação continuada na escola em que trabalho e a
teoria sócio-histórica.

Cabe aqui, ainda, refletirmos sobre a trajetória profissional na escola em que atuo.
Voltando no tempo, quando concluí o Curso Magistério, fui convidada para assumir uma
turma na pré-escola. A escola passava por uma crise financeira, com redução do número de
alunos e precisava de mudanças pedagógicas para tentar sobreviver. Aceitei o desafio de
participar desse processo e assim inicio minha história como docente nessa escola.

1
Em relação a pesquisa desenvolvida no curso de pós-graduação citada anteriormente.
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Minha prática pedagógica passou por transformações quando participei de cursos com
a professora Ana Cristina Rangel2. Li seus livros e então, juntamente com outras colegas,
começamos a desenvolver com os alunos o que chamávamos “projetos historiados”. A partir
de uma história previamente escolhida pela professora desenvolvíamos um projeto
envolvendo jogos matemáticos. Trocávamos ideias com outros colegas que se interessavam
pelo assunto e confeccionávamos diferentes materiais.

Claro que eram mudanças tímidas, não conseguíamos que um “projeto” durasse mais
que quinze ou vinte dias e as questões para pesquisa geralmente eram selecionadas pelo
professor. Esta experiência fez com que eu saísse de uma posição passiva, de repetir as
mesmas atividades todos os anos, de não considerar os sujeitos envolvidos e iniciasse o
processo de reflexão sobre minha prática pedagógica. A partir desta proposição, surgiram
outras reflexões e reformulações em minha prática docente e também na escola.

Em 2000, novamente a escola passou por transformações, pois se encontrava


novamente em dificuldades financeiras e por decisão da mantenedora nacional (CNEC-
Campanha Nacional de Escolas da Comunidade) passou a fazer parte da faculdade, da mesma
rede com a qual divide o espaço físico. Com essa reformulação, nova direção e nova
supervisão pedagógica assumiram os trabalhos na escola. No ano seguinte, começamos a
repensar nossa ação docente, com novos cursos de formação e o pressuposto de que todos os
docentes deveriam realizar formação continuada na escola, buscando novos conhecimentos a
partir de sua ação.

Em 2003, iniciou a assessoria pedagógica direcionada à Educação Infantil e Anos


Iniciais do Ensino Fundamental, coordenada pela professora e psicanalista Elaine Werle,
professora da Faculdade da mesma rede que assumira a direção da escola. Esta assessoria
organizava juntamente com o grupo de professores e supervisão pedagógica os assuntos
teóricos que seriam estudados e mediava as discussões.

Nesses encontros, eram muitas as informações e também os desafios: as aprendizagens


por projetos, as escolas de Educação Infantil Italianas de Reggio Emílio e o estudo da sua
prática pedagógica, a documentação pedagógica como forma de registro dos projetos e a
busca de um referencial teórico, incluindo Piaget, Vigotski e a Psicanálise. Com todas estas
discussões e reolhares, também a forma de explorar os conteúdos de matemática passou por
resignificações.

2
Educadora na área da Didática da Matemática.
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Tardif (2002) considera esses saberes que brotam da experiência, ou seja, do trabalho
cotidiano, como saberes experienciais. São saberes específicos, práticos, que aparecem na
forma de habilidades, de saber-fazer e saber-ser. Esses saberes são necessários à prática
docente, pois dão condições ao professor para enfrentar os desafios da profissão, mas, em
contrapartida, não podemos deixar de considerar a necessária inter-relação com os outros
saberes.

A partir desse marco inicial, buscamos constantemente problematizar a prática, bem


como a relação entre teoria e prática. Por isso, decidi com a presente investigação buscar
algumas respostas para a questão: De que forma a estruturação de ações didático-
pedagógicas, a partir de atividades sistemáticas explorando conceitos matemáticos nos
diferentes tempos e espaços da escola infantil, pode desencadear processos de mediação e
significação conceitual?

Para que essa pesquisa se efetivasse tornou-se necessário negociar com a escola a
possibilidade de pesquisar com uma turma de alunos. No item seguinte, apresentaremos essa
escola e a sua proposta pedagógica, ou seja, o espaço em que foi realizada a pesquisa
empírica.

1.2 O CENÁRIO DA PESQUISA

Os dados empíricos dessa investigação foram produzidos no espaço do Colégio


Cenecista Sepé Tiaraju de Santo Ângelo, nas aulas ministradas por mim em parceria com
outros professores da Educação Infantil (Professora da cozinha pedagógica, professora do
ateliê - arte-educadora e professora de apoio), os quais serão citados durante a pesquisa.

O Colégio Cenecista Sepé Tiaraju é uma dentre as 7 escolas particulares de Santo


Ângelo, cidade localizada no noroeste do estado do Rio Grande do Sul. A escola possui 57
anos de fundação, cerca de 300 alunos e 30 professores distribuídos na Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio. Esse pertence à rede CNEC-Campanha Nacional de
Escolas da Comunidade, com escolas de Educação Básica e Faculdades em todo país.

Atualmente, a Educação Infantil conta com 40 crianças, distribuídas em três turmas


denominadas: grupo 1 (11 crianças de 2-3 anos), grupo 2 (17 crianças de 3-4 anos) e grupo 3
(turma em que atuo - 12 crianças de 4-5 anos). São 3 professoras de referência, 1 professora
de apoio, 1 professora da cozinha pedagógica e 1 professora do ateliê.
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A partir do ano de 2001, a escola começou a ressignificar sua proposta pedagógica,


com estudos apoiados nas teorias interacionistas, além dos estudos de viés psicanalista. A
escola organizou tempo e espaço para estudos do coletivo de professores, através da formação
continuada, dispondo de horários para planejamentos e estudos teóricos.

Os tempos e espaços são planejados pelo grupo e subdivididos: planejamento de


situações de aprendizagem com os demais professores da Educação Infantil e Anos Iniciais,
estudos teóricos e discussões no grupo, estudos teóricos com pessoas convidadas e
especialistas no estudo que está em pauta e a socialização das documentações pedagógicas
dos projetos para intervenção do grupo. Estas atividades são desenvolvidas no turno da manhã
(quartas-feiras das 8 às 11 horas) e no horário após as aulas em que os professores
permanecem na escola (17h30 às 18h30 de segunda à sexta-feira).

A prática pedagógica na Educação Infantil e Anos Iniciais centram o olhar acerca da


criança, acreditando que esta se constitui e se desenvolve na e pelas relações, pelos seus
vínculos, como sujeito que descobre e experiência e que se relaciona com o conhecimento.
Essa imagem reflete a imagem de um sujeito interativo, pesquisador e crítico que expressa a
organização dos espaços e tempos como eixos significativos do aprender e da construção de
múltiplas linguagens.

A opção metodológica da escola se efetiva a partir das aprendizagens por projetos3,


através da organização de tempos e espaços como eixos significativos do aprender, mediando
a construção de múltiplas linguagens que comunicam o que se aprende e como se aprende.

Nessa abordagem as aprendizagens são descentralizadas e partem do interesse e


curiosidade de educadores e crianças que juntos desenvolvem um tema para investigação,
tendo a interdisciplinaridade, a pesquisa, as interações e a comunicação em diferentes
linguagens como formas de articular os conhecimentos emergentes e o currículo institucional.
Dessa forma, os projetos também visam a não fragmentação do ensino, ou seja, possibilitam
que os conteúdos sejam interligados a partir de um contexto.

Os projetos e situações de aprendizagem significativas são registrados através do que


denominamos documentação pedagógica. Nesse documento escrito pelo professor de
referência de cada turma, da Educação Infantil à quarta série, estão transcritas as etapas do
projeto que foi desenvolvido, as relações que se estabelecem nesse espaço, cenas,
momentos/situações de sala de aula, observações e conclusões a que o grupo de alunos

3
Essa proposta metodológica será descrita no decorrer do texto.
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chegou pelo olhar do professor, a mediação das educadoras, do espaço e dos objetos
envolvidos nas situações de aprendizagens. A documentação pedagógica não é apenas uma
mera coleta de dados, ou um relato descritivo, mas se constitui numa observação aguçada,
através de uma escuta atenta das educadoras para que seja possível a partir de uma prática
reflexiva e crítica, a teorização dessas informações, levando o professor a repensar sobre sua
ação e organizar novas ações.

A documentação pedagógica além de permitir a reflexão, a comunicação e a avaliação


da ação docente e dos processos de significação do conhecimento, constitui-se num registro
do que e do como se dão as diferentes construções e interações dos sujeitos no processo de
ensino e aprendizagem.

A turma pesquisada, o grupo 3 da Educação Infantil, é composta por 12 alunos de 4 e


5 anos. Dos doze alunos 7 são meninas e 5 são meninos. É uma turma heterogênea com
crianças que já freqüentavam a escola no ano anterior, com alunos de outras escolas e uma
aluna que não havia frequentado nenhuma escola antes. É uma turma ativa, os alunos
envolvem-se nas atividades, questionam a professora e desejam novas aprendizagens e
desafios.

Quanto ao espaço físico, a escola coloca à disposição dos alunos da Educação Infantil
espaços dinâmicos, flexíveis e ricos em provocação e desafios para os sujeitos envolvidos.
Fazem parte desses espaços: três salas de referência4; brinquedoteca; praça coberta; parque
infantil; ginásio de esportes; biblioteca infantil; sala de vídeo; sala dos peixes; sala de
espelhos para atividades lúdicas e dança; cozinha pedagógica e ateliê.

As salas de referência são salas amplas, organizadas em cantos ou zonas semi-abertas:


canto da casinha, do escritório, das histórias, dos jogos, das construções. As mesas são
quadradas e retangulares para as crianças trabalharem em grupos. A bancada serve para
reuniões e organização da rotina no quadro com as crianças. Durante o desenvolvimento dos
projetos organizamos com o grupo o canto do projeto com materiais de pesquisa e trabalho
das crianças. Na sala do grupo 1 temos o canto para descanso, separado com divisórias e com
colchões.

A brinquedoteca conta com casinha (sala, quarto e cozinha), espaço para


dramatizações com as fantasias e palco. Na praça coberta temos um palco, tapete de grama

4
Nome dado a sala onde os alunos são recebidos, realizam atividades e retornam após circularem por outros
espaços.
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sintética e emborrachado, casinha, motocas, cama elástica, canto para construções, caixa de
areia azul, casa de bonecas, mesas para atividades externas, plantas, flores, pedra e troncos de
madeira como elementos da natureza.

O parque infantil conta com brinquedos como balanços, casinhas para atividades
motoras como subir, descer, escorregar e um quiosque. No ginásio, acontecem as aulas de
Educação Física, incluindo a Educação Infantil. Neste local também temos uma sala com
espelhos para dança e atividades recreativas.

A biblioteca infantil é outro espaço físico da escola com uma diversidade de livros e
autores e em anexo uma sala com computador e mesas que utilizamos para pesquisa durante
os projetos. A sala de vídeo fica no segundo piso e conta com materiais multimídia. No
corredor do primeiro piso temos também um recanto com aquário e tapetes para atividades
lúdicas ou dirigidas.

O espaço da cozinha é organizado com mesas grandes e baixas, mesa para servir o
lanche, demais eletrodomésticos e utensílios de cozinha, duas pias uma para os adultos e outra
mais baixa para as crianças lavarem louça, frutas. Em anexo à cozinha, fica o ateliê, com
armários para guardar os materiais disponíveis, mesas grandes e tanque para lavar as mãos.

Após descrevermos o cenário da pesquisa, precisamos esquematizar qual o papel da


Educação Infantil no contexto da escola e de que sujeitos estamos falando. No item seguinte
traremos aspectos relacionados a Educação Infantil, sua função como instituição que visa
cuidar e educar as crianças, a proposta para Educação Infantil da escola e apresentaremos os
sujeitos que fazem parte dessa fase de escolarização.

1.3 O ENTENDIMENTO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Até a década de oitenta a Educação Infantil era vista como um lugar para cuidar das
crianças, da higiene, saúde, alimentação, para que as mães pudessem trabalhar e ter onde
deixar seus filhos. Mas com o aumento da demanda de crianças a serem atendidas nessa faixa
etária, as autoridades e educadores começaram a demonstrar maior preocupação com essa fase
da escolarização, foram criadas leis para dar conta disso: a Constituição de 1988, o Estatuto
da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996.

A partir daí, a Educação Infantil não é mais entendida somente como um lugar para a
criança ser cuidada e passar momentos agradáveis. O desafio é justamente identificar,
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entender, explicitar o trabalho pedagógico a ser desenvolvido na escola infantil, pensando no


sentido de continuidade e principalmente entendimento do processo educativo. Dessa forma,
torna-se imprescindível um atendimento unificado, ou seja, uma educação que está entre o
cuidar e o educar.

Zabalza (1998) considera como aspecto fundamental o entendimento de que a criança


é um todo global e o trabalho com ela precisa ser sempre globalizado, considerando o ritmo
de desenvolvimento e a individualidade de cada sujeito. Nessa Educação Infantil a criança é
considerada sujeito de direitos, pois existem leis para explicitar os compromissos que a
sociedade deveria assumir em relação às crianças, destacando o direito à educação em
condições que permitam alcançar o pleno desenvolvimento pessoal.

A Educação Infantil é uma etapa específica da escolaridade, singular, visando também


o estabelecimento de elos com o Ensino Fundamental e constituinte da Educação Básica,
através de um currículo próprio. É uma etapa da vida escolar que visa o enriquecimento de
experiências, uma reconstrução do que constitui sua experiência cotidiana.

Podemos exemplificar com a fala de uma aluna N (5anos) do grupo 3 que ao entrar na
cozinha pedagógica questionou a professora porque era cozinha pedagógica e não apenas
cozinha como na sua casa. A professora mediou a discussão levando a aluna a refletir que esta
cozinha era diferente por ser um espaço de aprendizagem e não apenas um lugar para preparar
os alimentos.

As inquietações quanto ao entendimento do papel e objetivos da Educação Infantil, a


busca pela qualificação dos profissionais da Educação Infantil levaram políticos e educadores
a discutirem e elaborarem um documento escrito exclusivo da Educação Infantil - Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), emitido pelo Ministério da Educação e
Cultura, com a pretensão de explicitar os entendimentos sobre esse nível de ensino e de
criação de um currículo mínimo.

Marques (1993 apud Callai, 2005, p.231-232) defende a idéia de um currículo onde
ocorre “a interligação de todos os componentes curriculares” e afirma que

... no nível de ensino em que a criança esta processando sua alfabetização, o ideal
seria que houvesse uma unidade em que se supere a fragmentação das disciplinas
(...) não apenas uma justaposição de disciplinas enclausuradas em si mesma, mas de
uma maneira que, em cada uma se impliquem as demais regiões do saber.
Acreditamos que a Educação infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental fazem
parte desse nível de ensino em que as crianças estão iniciando sua alfabetização em todas as
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áreas do conhecimento e, além disso, a Educação Infantil apresenta-se, cada vez mais, como
responsável pela formação desses cidadãos, de acordo com a cultura e os ideais de cada grupo
social e de cada época. Sabe-se que no decorrer da história, assim como a Educação Infantil, a
maneira como o sujeito infantil é concebido também mudou. Para Zabalza (1998), a criança
de hoje é considerada como um sujeito social, participante de uma infância reencontrada,
legitimando a criança como figura social e como sujeito de seus direitos.

É uma criança que possui grande voracidade “cognitiva", que saboreia uma
descoberta após a outra e que escolhe sozinha seus próprios itinerários formativos,
suas próprias trilhas culturais, livre de elos que impediam seu crescimento. É uma
criança que sabe observar o mundo que a cerca e que sabe perscrutar e sonhar com
horizontes longínquos. É uma criança que sai do mito e da fábula porque sabe olhar
e sabe pensar com a sua própria cabeça. (ZABALZA, 1998, p.69).

Podemos exemplificar essa idéia, trazendo os comentários da aluna AC, que


questionou a professora, porque estávamos estudando sobre a Páscoa naquela semana, se o
projeto era sobre os dentes. A partir de então, cada vez que trabalhávamos com uma data
comemorativa, que faz parte da cultura das crianças a aluna queria saber por que fizemos uma
pausa no projeto. A professora e os colegas colocavam seus argumentos. Observa-se que esse
exemplo confirma o que Zabalza (1998) escreve acima, de que as crianças são capazes de
“pensar com a sua própria cabeça”, de questionar o que o professor propõe.

Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil5, a criança é um


sujeito social e histórico, faz parte de uma organização familiar e social, de uma determinada
cultura e é profundamente marcada pelo meio social na qual está inserida.

As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que
pensam e sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que
estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são mais próximas e com o meio
que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo em que
vivem (...) (BRASIL, 1998, p.21).

Compreender essa natureza singular de cada criança, essa singularidade presente no


“como” e “o que” a criança aprende, as diferentes linguagens expressas por elas, suas ideias e
hipóteses formuladas, constitui-se um grande desafio para os pesquisadores e educadores da
escola infantil.

5
Utilizamos o Referencial, por ser o documento oficial para a Educação Infantil no momento, embora sabemos
que data de 1998 e que está sendo discutida sua reformulação. Acreditamos que cabe ao professor fazer leituras
atualizadas e se posicionar quanto ao que está escrito.
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Podemos ressaltar que a imagem que a escola e cada cultura tem da criança é um
ponto fundamental para compreendermos como ela aprende e significa seu conhecimento,
como sujeito único e capaz, como afirmam Gandini e Edwards6:

(...) a nossa imagem é a de uma criança que é competente, ativa e crítica, ou seja,
uma criança que, por momentos, pode ser vista como um desafio e, às vezes, como
um problema. De qualquer modo, essa criança não é fácil. Essa criança é uma
pessoa, um sujeito na vida. Essa criança produz mudanças no sistema em que está
inserida, tanto no sistema familiar, quanto no sistema social... Para nós, a criança é
um produtor de cultura, valores e direitos, competente na aprendizagem e
competente na comunicação (...).(2002, p.07)

Estes autores enfatizam a idéia de crianças fortes, poderosas, sujeitos únicos, com
direitos e deveres, com potencialidades, plasticidade, desejo de crescer e de interagir. E é essa
imagem de criança que nós educadores precisamos projetar em nossos alunos para
conseguirmos mudanças na educação. A partir dessa imagem de criança também precisamos
defender a idéia de um currículo interdisciplinar, onde o processo de ensino e aprendizagem é
visto como um todo globalizado e não como um ensino fragmentado, através de disciplinas
estanques.

Além da concepção de criança, a concepção de infância também mudou no decorrer da


história. Pensadores, filósofos e educadores defendem a restauração da infância, não mais
vista como preparação para o futuro, mas sim a vivência do novo, do inesperado.

Uma tal educação permite viver a infância como novidade, como experiência, como
descontinuidade, como multiplicidade, como desequilíbrio, como busca de outros
territórios, como história sempre nascente, como devir, como possibilidade de
pensar o que não se pensa e de ser o que não se é, de estar em outro mundo daquele
no qual se está. Se há algo a se preparar por meio da educação é o não deixar a
infância, a experiência (KOHAN, 2003, p.248).

A partir dessa concepção de infância como fase de vivenciar múltiplas experiências,


com o resgate dessa infância, não deixando-a se perder, a educação em geral e a matemática
necessitam levar em consideração essa concepção, para repensar práticas pedagógicas para a
Educação Infantil. Estaria a instituição escolar compatível com esse entendimento de
infância? Para Haushahn, 2006

A escola, a partir de seu sistema de ensino, acaba contribuindo na formação de um


jeito de ser infantil, de uma forma de crescer, de ser criança, pois constrói saberes
sobre a infância, marcando uma relação baseada na heteronomia entre criança e
adulto, ou seja, de dependência e subordinação. (apud WESCHENFELDER, 2006,
p.16).

6
Referindo-se a concepção de criança nas escolas italianas de Reggio Emilia.
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Na escola, esse jeito de ser infantil acaba surpreendendo pais e educadores, é um


sujeito que questiona a professora, como a aluna que perguntou a educadora se um
determinado assunto estaria relacionado com o projeto que estávamos desenvolvendo na
época e se poderia fazer parte das aulas. Ou a aluna que diante de um conflito sugeriu que um
determinado problema fosse resolvido entre ela e a educadora, sem que fosse necessário
comunicar o fato acontecido a sua família.

Falamos da concepção de infância e de criança em termos genéricos, mas torna-se


necessário esclarecer qual a concepção de infância e de criança da escola em que realizamos a
investigação empírica para finalizarmos o entendimento de Educação Infantil. No Colégio
Sepé Tiaraju compreendemos a infância como uma construção social, em que as crianças são
e devem ser estudados como atores na construção de sua vida social e da vida daqueles que a
rodeiam.

Segundo o PPP da escola (2007, p.5), a infância envolve as relações das crianças e
suas culturas num processo dialético e complexo. Por isso, falar de infância envolve um
campo temático de natureza interdisciplinar, que pressupõe questionamentos quanto a quem
são afinal as crianças: como são vistas e que expressões culturais são próprias das crianças.
Essas questões nos colocam para olhar a infância a partir das desconstruções das
representações sobre a infância, o que exige o reconhecimento do contexto sócio-cultural a
partir do qual se expressa um conjunto de preocupações acerca da infância, associando o
cuidar e o educar como princípio.

A partir dessa concepção de infância, para o Colégio Sepé Tiaraju, a criança se


constitui e se desenvolve a partir das relações, por isso, é vista como alguém que experimenta
o mundo, que se sente parte do mundo, curiosa, com desejos e grande necessidade e
capacidade de comunicação. A nossa imagem é de uma criança competente, interativa, crítica,
um sujeito social e histórico produtor de cultura. Estamos falando de crianças pesquisadoras
que procuram entender significados e expressar-se em múltiplas linguagens conectadas com
os adultos e com a cultura. (PPP, 2007, p. 6)

Dessa forma, pode-se afirmar que a Educação Infantil precisa entender essa criança
como um sujeito que tem voz, que está sempre ressignificando o que está ao seu redor.
Compreender também que cada sujeito tem suas singularidades e é um ser em constante
interação com adultos e crianças que o rodeiam. Esse é o sujeito da Educação Infantil hoje.
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Refletindo sobre esses aspectos abordados anteriormente, durante a pesquisa e nas


situações de aprendizagem propostas, nos diferentes tempos e espaços da escola, estaremos
nos referindo a essa “criança sujeito” e investigando a significação (ou não) dos conceitos.

Neste item e no item anterior situamos a escola, os sujeitos e a Educação Infantil a que
nos referimos na pesquisa. Precisaremos compreender agora os conceitos de tempo e espaço e
descrever os tempos e espaços da escola que estão mais intimamente relacionados com a
pesquisa e como os sujeitos interagem nestes espaços, pois os tempos e espaços da escola são
questões centrais em nossa pesquisa.

1.4 TEMPOS E ESPAÇOS COMO FORMA DE ENTENDER O TRABALHO


PEDAGÓGICO

Para começo de discussão, analisaremos o termo espaço, seu significado comum e no


meio educacional. No sentido mais comum,7 espaço é um meio ilimitado que contém os seres;
extensão de superfície, capacidade e cabimento; intervalo de tempo. Nessa definição o espaço
é considerado como algo físico, mas de que espaço estaremos falando se pensarmos na escola
infantil?

Zabalza (1998) sugere que, para nos referirmos ao espaço, podemos utilizar dois
termos: espaço e ambiente. Espaço, para a referência ao espaço físico e ambiente para o
conjunto formado pelo espaço físico e as relações que se estabelecem entre as crianças,
adultos e pessoas envolvidas e este ambiente apresenta quatro dimensões: física, funcional,
temporal e relacional.

A dimensão física refere-se ao espaço físico da escola, móveis e objetos. A segunda


dimensão relaciona-se com a função e a forma de utilização desses espaços. Enquanto que a
dimensão temporal refere-se à organização do tempo e dos momentos que os espaços serão
utilizados. A dimensão relacional diz respeito às relações que se estabelecem nos espaços
escolares. O ambiente é uma inter-relação de todas as dimensões.

Callai (2005) considera que o ambiente é formado pelo espaço construído, ou seja,
espaço material, concreto e pelo espaço social, onde as relações sociais se configuram,
colocando limitações ou possibilidades a criança. Para a autora a criança vai “ampliando e

7
No dicionário Ruth Rocha (2000, p.249).
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complexificando” o espaço construído, vivido concretamente, através da interação social


nesse espaço.

Battini (apud ZABALZA, 1998, p.230) afirma que “(...) estamos acostumados a
considerar o espaço como um volume, uma caixa que poderíamos até encher. No entanto, (...)
é necessário entender o espaço como um espaço de vida, no qual a vida acontece e se
desenvolve: é um conjunto completo”.

Barbosa (2006) considera que os dois termos, espaço e ambiente, são inseparáveis,
pois espaço não existe isolado do ambiente. O ambiente é um espaço que se define nas
relações com os seres humanos, organizado pelas pessoas responsáveis pelo seu
funcionamento e pelos usuários, no caso as próprias crianças.

Para a mesma autora, a noção de espaço é construída sócio-historicamente pelos


adultos e crianças, através da sua subjetividade e da cultura de cada lugar, pois considera que
o espaço, além da dimensão material, tem também uma dimensão simbólica, constituída pelos
sujeitos que o organizam e o ocupam.

Maia e Alves (2009), também consideram que “os lugares são diferenciados não
somente por seu ambiente físico (espaço absoluto), mas também pelas diferentes respostas
humanas (espaço relativo e relacional) às oportunidades e limitações apresentadas pelos
ambientes”. Dessa forma, para os autores, o conceito de espaço é considerado como uma
trialética entre os espaços absoluto, relativo e relacional. O espaço absoluto é compreendido
como uma localização onde existem objetos materiais, o espaço relativo é a dimensão móvel
do espaço absoluto, a relação dos objetos dentro de um espaço e o espaço relacional são as
interrelações que acontecem entre os objetos e os agentes sociais que constroem o espaço.

Assim, podemos afirmar que no meio escolar, quando nos referimos ao termo
“espaço” não estamos nos referindo apenas ao meio físico e material, mas também às
interações que se produzem nesse meio. Como nossa pesquisa situa-se na escola, estaremos
nos referindo ao espaço com este sentido e enfatizando os espaços explorados na Educação
Infantil.

Além de abordarmos o conceito de espaço, cabe salientarmos o espaço escolar como


lugar de aprendizagem. O espaço reflete a proposta pedagógica da escola, as relações com o
mundo, com os colegas e professores. Gandini (1999, apud BARBOSA 2006) afirma que o
espaço na Educação Infantil é um elemento primordial como se fosse um outro educador. A
forma como o espaço está organizado interfere de forma significativa nas aprendizagens
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infantis, pois é nesse cenário que o processo de ensino e aprendizagem acontece. Dessa forma,
o espaço poderá ser desafiador, se for organizado pensando no desenvolvimento e na
aprendizagem das crianças.

O espaço pode ser um elemento curricular, um conteúdo de aprendizagem em si


mesmo, dependendo de como ele for organizado, como os professores exploram e fazem as
intervenções nesse espaço, dos objetos e materiais colocados à disposição das crianças.

O espaço na educação é constituído como uma estrutura de oportunidades. É uma


condição externa que favorecerá ou dificultará o processo de crescimento pessoal e o
desenvolvimento das atividades instrutivas. Será estimulante ou, pelo contrário,
limitante, em função do nível de congruência em relação aos objetivos e dinâmica
geral das atividades que forem colocadas em prática ou em relação aos métodos
educacionais e instrutivos que caracterizam o nosso estilo de trabalho (ZABALZA,
1998, p.236).

Entendemos que os conceitos são significados pelas crianças a partir das experiências
proporcionadas pelas interações no ambiente, nos diferentes tempos e espaços, com os outros
sujeitos, sejam elas crianças ou adultos. O ambiente é um mediador cultural na formação
cognitiva e motora das crianças, pois é na escola infantil que se formam as estruturas mentais
básicas, é também onde a maioria das crianças passam uma jornada diária durante vários anos
de suas vidas.

Pensando nisso, é imprescindível que a criança esteja num espaço desafiador, onde ela
possa interagir com ele, desempenhando diferentes papéis e uma rede de relações. Por isso, “É
necessário que a mediação humana se interponha entre o indivíduo e o meio físico, e isso
ocorre através das pessoas, dos grupos e de todas as relações culturais” (HORN, 2004, p.17).

Considerando que as crianças aprendem na interação com seus pares, é fundamental


que se pense e planeje os espaços levando em consideração essa premissa. O espaço não é
algo dado e sim organizado pelos educadores e pelas crianças em cada instituição de ensino,
caso contrário pode ser um espaço alienador, pois na sua relação com o ambiente pedagógico,
o sujeito desempenha um papel fundamental nas aprendizagens e na construção de conceitos.

O espaço reflete a cultura das pessoas que nele vivem. A interação social nos
diferentes espaços é vista como essencial para a aprendizagem e constituição do sujeito, como
afirma Edwards et al (1999, p.151):

Através da atividade compartilhada, da comunicação, da cooperação e até mesmo do


conflito, as crianças constroem em conjunto seu conhecimento sobre o mundo,
usando as idéias de uma para o desenvolvimento das idéias de outra, ou para
explorarem uma trilha ainda não-explorada. Uma vez que o desenvolvimento social
é visto como uma parte intrínseca do desenvolvimento cognitivo, o espaço é
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planejado e estabelecido para facilitar encontros, interações e intercâmbios entre


elas.

O espaço nunca é neutro, ele poderá ser estimulante ou limitador das aprendizagens,
dependendo de como for organizado, sendo considerado um sistema vivo e em constante
transformação e como afirma Zabalza (1998, p.237): (...) já não é o lugar onde se trabalha,
nem tampouco é somente um elemento facilitador, mas constitui um fator de aprendizagem.

O espaço escolar também não é somente o de sala de aula, mas todos os ambientes que
compõem a escola: espaços internos e externos, espaços para brincar, para comer, para
explorar as múltiplas linguagens. Uma criança permanece por horas na escola infantil e a
organização de diferentes espaços pode ser fundamental para que as aprendizagens não
ocorram de forma estática, ou seja, as situações de aprendizagens sejam vistas como um
processo ativo onde as crianças possam explorar, experimentar, fazer descobertas.

Outra questão a ser abordada com relação ao espaço é que esse precisa ser organizado
de acordo com as atividades que serão nele desenvolvidas, com os interesses das crianças que
são os sujeitos que estarão nesse espaço ou com o projeto que foi escolhido pelo grupo. O
espaço do ateliê visa desenvolver as diferentes linguagens das artes plásticas, por exemplo, e
precisa ser organizado de forma que se torne um cenário estimulante, que convide a criança a
descobrir, a aprender.

Quanto à definição de tempo podemos dizer que é uma sequência de momentos, como
o tempo destinado para cada atividade, como cada uma das partes da rotina diária
desenvolvida na Educação Infantil. Para maior compreensão podemos citar alguns exemplos:
o tempo das brincadeiras livres, de brincar no pátio, da assembléia para organizar e decidir as
atividades do dia com as crianças, das pesquisas e atividades com projetos, de trabalhar no
espaço do ateliê ou na cozinha pedagógica, do registro das atividades propostas, da história
entre outros.

A dimensão temporal do ambiente é constituída pela organização dos tempos, dos


momentos em que as atividades serão desenvolvidas nos diferentes espaços. O tempo também
pode referir-se ao ritmo das atividades e o período que cada criança, de acordo com a sua
faixa etária e seu desenvolvimento, consegue permanecer em uma determinada atividade.

Barbosa (2006) pontua que a prática de cronometrar as atividades através do relógio


está em desuso, embora o relógio seja um organizador da temporalidade na vida da escola,
para marcar o horário da entrada e saída, por exemplo. Acredita-se que o tempo de que aqui
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estamos falando não seja o tempo cronológico, mas um tempo lógico, uma seqüência
temporal de atividades que serão desenvolvidas, para que a criança comece a diferenciar o seu
tempo interior do exterior, a diferenciar os momentos de uma tarde de aula, construindo
hábitos coletivos com os colegas e adultos.

A mesma autora afirma que a variabilidade de duração de uma atividade é definida


pela importância dada a ela pelos adultos, a faixa etária das crianças envolvidas, as
possibilidades de exploração do espaço em que é desenvolvida. Na escola em que atuo e
coletei os dados empíricos, esta variação do tempo é flexível e além dos fatores citados acima,
depende do envolvimento das crianças. Uma atividade pode iniciar num dia e terminar no
outro, pode durar dias ou apenas minutos. Se for necessário, por exemplo, que se conclua uma
atividade antes de lanchar realizamos trocas entre as turmas da Educação Infantil para que
isso ocorra.

Hickmann (2002) afirma que, além do tempo seqüencial, também precisamos


considerar o tempo da “simultaneidade”, ou seja, o tempo que permite a criança perceber que
existem coisas que acontecem ao mesmo tempo. Quando um grupo está no ateliê, ao mesmo,
tempo outro grupo está fazendo outra atividade na sala de aula, por exemplo. Mas podemos
também considerar o tempo da simultaneidade numa mesma atividade, numa aula na cozinha
pedagógica, o professor pode ter a intencionalidade de explorar conceitos matemáticos, mas
ao mesmo tempo estar explorando outras linguagens, a interação social das crianças, entre
outras.

Nessa organização temporal, também temos que levar em consideração os tempos


individuais, subjetivos de cada criança8. O tempo de aprendizagem de uma criança não é o
mesmo que de outra da mesma idade, bem como o tempo para realizar um registro, para
deslocar-se de um espaço a outro. Podemos complementar esse pensamento com o de Husti

A possibilidade de sair do tempo da ordem para o da desordem, de passar de uma


organização estática para outra, dinâmica, rompendo com uma organização
puramente burocrática, com o mito da imutabilidade (...) é uma sugestão para aderir-
se a um planejamento móvel do tempo. (1992, apud BARBOSA, 2006, p.152).

Para finalizarmos esta discussão, podemos afirmar que os espaços e tempos das
diferentes atividades estão intimamente relacionados. O tempo de uma situação de
aprendizagem está ligado ao espaço onde se realiza e a organização do espaço precisa ser
coerente com a organização do tempo.

8
Significado que a criança atribui ao tempo.
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Neste sentido, queremos em nossa investigação, analisar e compreender o papel desses


diferentes tempos e espaços como mediadores das aprendizagens e das interações na escola
infantil como também, refletir de que maneira essa prática educativa respeita a singularidade
de cada criança no processo de aprendizagem.

1.4.1 Os tempos e espaços no Colégio Cenecista Sepé Tiaraju

Considerando que a coleta de dados empíricos para a pesquisa ocorreu nos tempos e
espaços da Educação Infantil do Colégio Sepé Tiaraju, falaremos sobre os tempos e espaços
da escola que serão abordados com mais ênfase nessa pesquisa. Iniciaremos trazendo as
aprendizagens por projetos, como proposta metodológica da escola, desencadeando situações
de aprendizagem em outros espaços, como no ateliê e na cozinha pedagógica9.

A palavra projeto vem do latim projectu e significa “lançado”. Em Português tem


vários sentidos como: ideia, desejo, intenção de fazer algo, plano, intento10. A partir da
definição pode-se pensar que a palavra projeto está ligada a previsão de algo que será
realizado. Mas aqui estamos falando em projetos pedagógicos, desenvolvidos pelos
educadores, visando o desenvolvimento e a aprendizagem da criança. Em nossa escola
utilizamos o termo aprendizagem por projetos11 e constitui-se um dos focos centrais da nossa
proposta pedagógica. Essa concepção de projeto permite trabalhar com uma proposta
interdisciplinar que envolve, desde as perspectivas dos vários campos do conhecimento, a
leitura de necessidades e interesses apresentados pelos alunos.

Entendemos os projetos como uma espécie de aventura com valor educativo, que
implica pesquisas, manipulação de objetos e excursões em locais da comunidade. As
aprendizagens são ativadas pelo professor que também se coloca como aprendiz, buscando
solucionar um problema. É um método de investigação visando à significação e
contextualização das aprendizagens.

Nas aprendizagens por projetos, o assunto para o projeto pode surgir com a escuta do
professor, que tem a intencionalidade de, durante as atividades do cotidiano, (brincadeiras,
conversas informais com os educandos, na cozinha pedagógica, nos espaços externos da

9
Para o Colégio Cenecista Sepé Tiaraju a cozinha pedagógica e o ateliê são espaços significativos para as
aprendizagens na Educação Infantil.
10
Dicionário Ruth Rocha (2000, p.499).
11
Termo baseado nos estudos de D’AGORD, Marta Regina. Processos inconscientes em situações
construtivistas de aprendizagem por projetos. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, UFRGS, 2000.
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escola) perceber o interesse do grupo. O assunto pode ser decidido também em votações (no
caso de surgir mais de um problema para ser investigado) ou por decisão do grupo em
assembléia.

Um projeto (...) pode iniciar através de uma sugestão de um adulto, da idéia de uma
criança ou a partir de um evento, como uma nevasca ou qualquer coisa inesperada.
Contudo cada projeto está baseado na atenção dos educadores àquilo que as crianças
dizem e fazem (RINALDI, apud EDWARDS, 1999, p.119).
A partir da temática escolhida pelo grupo, são formuladas as hipóteses e questões para
pesquisa que são organizadas pelos professores, selecionadas as fontes de pesquisa e
desenvolvido o projeto. No final, ou durante o projeto, pode-se socializar os conhecimentos
com outros colegas e pessoas da escola ou com as famílias.

Os educadores, durante o desenvolvimento do projeto, têm o papel de orientar os


alunos durante as pesquisas, sistematizar as questões que os alunos querem pesquisar e
explorar as habilidades e competências previstas no currículo; de questionar, fazendo
intervenções para que avancem nas pesquisas. As crianças trabalham em grupos, buscando
dar sentido a suas pesquisas e experiências, levantando e testando hipóteses, chegando às suas
conclusões.

Segundo Edwards et al (1999, p.38), “Os projetos oferecem a parte do currículo na


qual as crianças são encorajadas a tomarem as suas próprias decisões e a fazerem suas
próprias escolhas, geralmente em cooperação com seus colegas, sobre o trabalho a ser
realizado”.

A matemática como uma área de conhecimento, também trabalhada na Educação


Infantil, está presente nos diferentes tempos e espaços dos projetos, contextualizada, sempre
que possível com os assuntos pesquisados. Através de situações problemas criadas pelos
alunos, ou pelo professor, ou por ambos, e registrada nas diferentes formas possíveis, muitas
vezes, iniciamos os projetos, explorando as primeiras noções de estatística, na definição dos
temas, coletando dados e elaborando gráficos.

Algumas atividades que fazem parte da rotina de uma tarde de aula na Educação
Infantil podem ser desencadeadas pelos projetos: situações de aprendizagem na cozinha
pedagógica, no ateliê, brincadeiras, dramatizações, aulas de Educação Física. Cabe aqui
destacarmos que nem todas as atividades são possíveis de serem contextualizadas pelos
projetos, pois caso contrário faríamos isso de forma artificial e forçada.
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31

A cozinha pedagógica é um espaço mediador das aprendizagens na escola. Além de


fazerem as refeições, os alunos ajudam a preparar as receitas em pequenos grupos, a arrumar a
mesa para os demais colegas, lavar e descascar frutas e também utilizam alguns
eletrodomésticos. Este espaço de aprendizagem conta com uma professora que trabalha com
um grupo de cinco ou seis alunos em cada dia. Este grupo é organizado conforme cronograma
fixado no mural das salas e inclui alunos do grupo 1, 2 e 3 da Educação Infantil ou grupos
heterogêneos com 2 ou 3 alunos de cada turma.

Em algumas situações planejadas intencionalmente a professora de referência também


trabalha com o grupo na cozinha, em atividades que envolvem significação de conceitos, na
preparação de alguma receita para datas comemorativas e também quando a situação de
aprendizagem neste espaço foi desencadeada durante os projetos.

A cada dia, juntamente com os aromas, vapores, barulhos e movimentos da cozinha


pedagógica, surgem experiências de transformação dos alimentos, questionamentos e
problemas são solucionados com a mediação da educadora. As diversas áreas do
conhecimento são exploradas neste espaço. A linguagem oral e escrita ao lerem uma receita
com a professora e ao se comunicarem com ela, por exemplo. Questões relativas à
alimentação correta, hábitos de higiene, cor, forma e textura dos alimentos, regras de etiqueta
para lanchar num espaço de uso coletivo, entre outras linguagens que surgirem durante as
situações de aprendizagem.

Segundo o Projeto Político Pedagógico do Colégio Sepé Tiaraju (2007, p.11), a


cozinha pedagógica representa um espaço de ação, interação e reflexão sobre os mais diversos
conhecimentos. Estes envolvem desde a alimentação saudável, a lógica dos ingredientes, as
relações com os espaços e tempos de preparação dos alimentos, com os ingredientes e as
porções como também, as relações destes com o corpo e com a saúde.

Esse também é um espaço rico para formação de conceitos matemáticos. Ao fazermos


uma receita, por exemplo, podemos explorar os conceitos de quantidade, de inteiro e metade,
entre outros. Quando se põe a mesa para os outros colegas lancharem, estabelece-se a
correspondência biunívoca - um prato e um copo para cada colega. Na preparação do suco
podem surgir situações problemas: Quantas laranjas vamos utilizar? Quantas xícaras de
açúcar? E de água?

O ateliê é outro espaço de aprendizagem na escola e conta com um profissional de


Artes, uma arte educadora. Esta professora executa o planejamento com os grupos ou trabalha
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em pares com as professoras de referência, conforme a necessidade e a abrangência do


trabalho.

O leitor deve estar se perguntando o porquê da existência do ateliê, qual a diferença


desses trabalhos serem realizados na sala ou nesse espaço? Podemos afirmar que neste local
as diferentes linguagens das crianças podem ser exploradas, onde adultos e crianças podem
experimentar modalidades, técnicas, instrumentos e materiais alternativos, desenvolvendo
habilidades e fazendo descobertas. Na sala de aula, além de termos a limitação do espaço
físico, não contamos com o profissional especializado.

O PPP (2007, p.11) da escola em que realizamos nosso estudo, afirma que o ateliê12 é
um espaço que possibilita relações entre as crianças, permitindo combinações e possibilidades
criativas entre diferentes linguagens. Ambiente rico em materiais, provocações, ferramentas e
pessoas com competência profissional para documentar o que se faz, como se faz e o que
desejam expressar.

Da mesma forma que na cozinha pedagógica, o trabalho no ateliê é realizado em


pequenos grupos entre 5 e 8 crianças (dependendo da atividade). Os registros aí realizados são
planejados em sala de aula com os grupos, a professora de referência ou com a atelierista13.
Este “lugar” de aprendizagem se destaca por ter como objetivo executar os trabalhos que são
desencadeados nos projetos desenvolvidos por cada turma e por explorar a singularidade dos
alunos nas suas representações.

Nesse espaço, muitas situações envolvem a matemática: as formas geométricas


empregadas nas construções, as cores e os espaços a serem utilizados no papel, os tamanhos e
quantidades. Vigotski (2008) nos lembra que o pensamento e a linguagem operam juntos para
a formação de ideias, planejamento e ação. Dessa forma, enfatizamos a importância do
diálogo e das diversas funções da linguagem no desenvolvimento cognitivo.

Após trazermos os conceitos de tempo e espaço, bem como os principais tempos e


espaços da escola que serão de fundamental importância na nossa coleta de dados da pesquisa,
no próximo item, focaremos a atenção nas relações que a criança da Educação Infantil
estabelece com a Matemática.

12
Nome dado a sala de aula de artes, onde as múltiplas linguagens são exploradas.
13
Denominação dada ao professor do ateliê, baseada em Edwards et al (1999)
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1.5 A CRIANÇA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAS RELAÇÕES COM A


MATEMÁTICA

Na infância, a criança já experimenta as primeiras noções de matemática, de forma


espontânea, principalmente considerando as situações de brincadeiras vivenciadas. Nesse
tempo e espaço de experiência elas já entraram em contato com números e quantidades, pois
vivem num mundo cheio de signos e símbolos: números para representar sua idade, o número
do seu telefone, do seu apartamento. Podemos justificar essa fala com as palavras de Vigotski
(2000, p.110):

As crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram
alguma experiência com quantidades – tiveram que lidar com operações de divisão,
adição, subtração e determinação do tamanho. Consequentemente, as crianças têm a
sua própria aritmética pré-escolar (...).

Para o autor o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a
escola e qualquer situação de aprendizado com que ela se defronte na escola tem sempre uma
história prévia. O aprendizado escolar se diferencia do aprendizado que ocorre fora da escola,
por ser sistematizado e contar com a mediação de educadores.

As crianças recorrem à matemática para resolver problemas cotidianos, explorarem e


atuarem no espaço. Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998, p.213), essas noções matemáticas
“são construídas pelas crianças a partir das experiências proporcionadas pelas interações com
o meio, pelo intercâmbio com outras pessoas que possuem interesses, conhecimentos e
necessidades que podem ser compartilhados”.

Além disso, a intencionalidade da matemática, ou seja, as atividades planejadas pelo


educador darão continuidade a essas experiências lógico-matemáticas iniciais, propondo
situações de aprendizagem adequadas para enfrentar novos desafios. O RCNEI (BRASIL,
1998) afirma que as instituições de Educação Infantil podem auxiliar as crianças a
organizarem as suas informações e estratégias, proporcionando condições para a aquisição de
novos conhecimentos matemáticos. O trabalho com noções matemáticas atende às
necessidades das crianças e à necessidade social de instrumentalizá-las para um mundo que
exige diferentes conhecimentos e habilidades.

Sem dúvida a experiência da realidade é muito articulada e complexa, por isso, se a


educação em geral e a lógico-matemática em particular devem oferecer às crianças
os instrumentos de pensamento e ação para interpretar e enfrentar de forma eficaz os
problemas da vida, sem dúvida que é tarefa dos educadores (ESPANHA, 1999,
p.184, tradução nossa).
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Podemos afirmar que, à medida que a criança vai crescendo, novas possibilidades de
representações mentais e deslocamentos são possíveis de serem explorados pelo professor. Os
discentes vão conquistando maior autonomia, concentram-se por mais tempo nas atividades e
podem participar de jogos com regras mais elaboradas. Percebe-se essa evolução também na
Educação Infantil.

Parafraseando Vigotski (2000), as funções psicológicas superiores estão sujeitas à lei


fundamental do desenvolvimento, surgem ao longo do desenvolvimento psicológico da
criança como resultado de um processo dialético e não como algo que é introduzido de fora
ou de dentro, ou seja, com processos de origem biológica e outros de origem sócio-cultural.
Vigotski afirma, ainda, que as operações com signos (presentes na Matemática) aparecem
como o resultado de um processo prolongado e complexo, conforme a evolução psicológica
da criança.

Destaca-se, também, a importância da formação de conceitos a partir das situações de


aprendizagem propostas. Para Vigostski (2008), a formação de conceitos é o resultado de uma
atividade complexa, envolvendo todas as funções intelectuais. O psicólogo investigou dois
tipos de conceitos: os “cotidianos” e os “científicos”. Os conceitos cotidianos são aqueles que
a criança vai formulando na medida em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos
presentes na sua vida diária, impregnados da experiência. Os conceitos científicos são aqueles
significados a partir da aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento que a
criança frequenta a escola. Esses dois processos estão relacionados, pois um conceito
científico só é significado pela criança quando o conceito espontâneo tenha alcançado um
determinado nível.

Na Educação Infantil, o embate entre os conceitos cotidianos e os científicos se da


através da palavra. Podemos esclarecer esta idéia, trazendo as palavras utilizadas pelas
crianças antes do desenvolvimento do projeto sobre os dentes e a substituição das mesmas
pelo nome científico após as pesquisas,“bichinho da cárie” por bactéria , por exemplo.

Organizar situações de aprendizagem que possibilitem a formação e significação


destes conceitos é um dos desafios para os professores da Educação Infantil que devem ter
consciência de que “O desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na formação
de conceitos começa na fase mais precoce da infância” (VIGOTSKI, 2008, p.72).

Entende-se que os conceitos são significados pelas crianças a partir das experiências
proporcionadas pelas interações com o meio, com a realidade concreta (cultura) nos diferentes
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tempos e espaços, com os outros sujeitos, sejam elas crianças ou adultos. Na Educação
Infantil, os conceitos que são elaborados servirão como base para a construção de outros, mais
complexos, nas séries seguintes, como explica Vigotski (2000, p.60):

A atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco


ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é
uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma
série de transformações qualitativas. Cada uma dessas transformações cria condições
para o próximo estágio e é, em si mesma, condicionada pelo estágio precedente;
dessa forma as transformações estão ligadas como estágios de um mesmo processo e
são, quanto a sua natureza, históricas.

Outra discussão que cabe aqui abordarmos é a questão do uso do material concreto nas
situações de aprendizagem na educação em geral e na escola infantil. Moysés (2007) refere-se
ao concreto como um elemento sensorial importante como ponto de partida, que precisa ser
ultrapassado para que se chegue ao pleno desenvolvimento das funções psíquicas. Afirma,
ainda, que o uso do material figurativo-concreto é um auxiliar importante, e sua utilização
deve ser seguida de processos que levem a abstrações. O objeto ou elemento figurativo pode
estimular o aluno a pensar, por isso, o papel que o professor atribui a esse recurso, determina
seu grau de utilidade. O lugar e o papel do material visual no processo de ensino são
determinados pelo tipo de reação que esse material desencadeia na estrutura mental do aluno.

Podemos identificar neste texto que as relações que a criança estabelece com a
matemática podem ocorrer fora da escola de forma assistemática ou, ao contrário, de forma
sistemática e com intencionalidade na escola. Observamos que esta intencionalidade é o que
nos interessa na investigação, porque acreditamos que a Educação Infantil é um espaço
educativo e de aprendizagem.

No item seguinte e que encerra este capítulo, explicitaremos as escolhas


metodológicas, como ocorreu a coleta de dados empíricos para pesquisa, os conceitos
analisados, enfim, o percurso da pesquisa.

1.6 O PERCURSO METODOLÓGICO

Neste item, em que tratamos dos aspectos metodológicos, nos detemos nas escolhas e
no porquê optamos por elas nessa pesquisa, no meu papel como professora pesquisadora, nos
procedimentos de coleta de dadas e como os mesmos foram analisados, ou seja, como foi
realizada a interlocução empírico-teórica.
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Não foram escolhas fáceis, pois tínhamos que decidir: O que seria privilegiado? Como
seriam delineados os caminhos metodológicos? Como os dados empíricos seriam utilizados
para atingirmos os objetivos pretendidos? Quais os referenciais teóricos que seriam
utilizados?

Desde que a pesquisa era apenas uma ideia a ser discutida com a orientadora, tínhamos
a clareza de que gostaríamos de utilizar os dados empíricos coletados das aulas por mim
ministradas no Colégio Cenecista Sepé Tiaraju, o qual já foi citado anteriormente. Mas,
quando elaboramos o projeto inicial da pesquisa decidimos que a dissertação seria estruturada
em três capítulos: o primeiro com o percurso metodológico, a escola e os sujeitos envolvidos
na pesquisa (o que constitui esse capítulo), o segundo com o referencial teórico e o terceiro e
último com a análise dos dados empíricos a partir do quadro teórico explicitado. Fui desafiada
por minha orientadora em fazer os dois capítulos com dados empíricos analisados
teoricamente, considerando acreditarmos que a empiria e a teoria precisavam estabelecer um
diálogo constante.

Mas, para que a pesquisa fosse desenvolvida, era necessário escolhermos uma
metodologia. Embora, os princípios metodológicos gerais apontam para uma pesquisa
qualitativa, com ênfase na qualidade da análise e não na quantidade, através de um estudo de
caso, acreditamos que esses princípios nos serviram de inspiração, mas que lançamos mão de
uma metodologia própria, que foi se constituindo no decorrer do processo, pois como afirma
Becker (1993, apud MOYSÈS 2007, p.85):

As pesquisas têm características concretas que lhes são próprias; que os princípios
gerais metodológicos, embora úteis, são referenciais amplos, genéricos, que não
levam em conta essas peculiaridades. E que, por causa disso, é preciso adequar os
métodos às circunstâncias e aos problemas.

Podemos afirmar que a temática em estudo “A matemática em diferentes tempos e


espaços da Educação Infantil: aprendizagem de conceitos matemáticos” constituiu-se numa
investigação singular, uma unidade (a Matemática na Educação Infantil) num contexto mais
amplo (a Educação Matemática), levou-se em conta o contexto em que o estudo de caso se
situa, as experiências da pesquisadora e envolveu crianças e professores14.Torna-se

14
Conforme previsto em lei, a pesquisa foi encaminhada e aprovada pelo comitê de ética da Unijui
(Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul). A autorização da escola e a dos pais dos alunos
encontram-se em mãos da pesquisadora.
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imprescindível esclarecermos também que como pesquisadora, desempenhei o papel de


participante total do grupo, fazendo parte da pesquisa como docente da turma, ou seja, como
professora/pesquisadora, não criando situações de ensino específicas para a pesquisa.

Sabemos que a tendência crescente no panorama educacional, reconhece a importância


de se analisar a sala de aula e suas situações de ensino e aprendizagem nas pesquisas, para que
possamos contribuir com as pessoas envolvidas no processo de ensinar e aprender. Por isso, a
definição metodológica dessa pesquisa teve a intenção de utilizar as recortes das aulas para
através da análise das mesmas, compreendermos como o conhecimento é significado,
buscando caminhos que possibilitem a ressignificação da prática docente.

Como já afirmamos anteriormente, a decisão de utilizarmos dados empíricos coletados


nas aulas já estava tomada desde o princípio, mas a decisão de como seria realizada essa
coleta de dados foi uma etapa importante e complexa. Inicialmente, tínhamos pensado em
utilizar os registros das crianças e recortes da documentação pedagógica, escrita por mim, que
enfocassem a aprendizagem de conceitos matemáticos como instrumentos para a coleta de
dados. Mas, por que não filmarmos as aulas? Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 68) afirmam
que “a filmadora parece constituir-se no melhor instrumento para captar o real”, pois
“consegue registrar os fatos em movimento, isto é, a evolução e a dinâmica dos fenômenos”.
Pensando nisso, decidimos incluir a filmagem de algumas situações de aprendizagem
envolvendo a matemática.

As aulas a serem gravadas, não foram planejadas especialmente para a pesquisa, são
escolhas-recortes daquelas que mostraram a aprendizagem de matemática em tempos e
espaços diferentes. Para as crianças, o que mudou na rotina da aula foi a presença de uma
pessoa gravando, pois as demais atividades já faziam parte da proposta da escola. Antes de
iniciarmos as gravações conversei com as crianças, convidando-as para participar da pesquisa,
do estudo que a professora, como estudante estava realizando e todos acolheram o convite.
Como se trata de crianças foi necessário a autorização dos pais, mas para nossa escola as
crianças tem voz e são sujeitos do processo, achamos que era necessário que as mesmas
também optassem por participar ou não.

Com o intuito de preservar a identidade dos alunos, seus nomes não foram
apresentados. Para isso utilizamos a primeira letra dos nomes em maiúscula e no caso de
nomes com a mesma letra, a letra inicial do nome e a letra inicial do sobrenome como, por
exemplo, Clarice (C), Cláudia Tonetto (CT), bem como suas idades. As professoras da
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cozinha pedagógica, do ateliê e a professora de referência, quando citados na coleta dos dados
empíricos, foram identificadas com números: professora 1(referência), professora 2(cozinha
pedagógica) e professora 3 (ateliê).

Após decidirmos realizar as vídeo-gravações, novamente tornou-se necessário


fazermos escolhas. Optamos por, primeiramente, gravar duas aulas na cozinha pedagógica,
que não foram desencadeadas por um projeto, mas com a intencionalidade de compreender a
significação de conceitos matemáticos, enquanto o projeto a ser desenvolvido estava na fase
inicial de levantamento de hipóteses, de questões para investigar e coleta de materiais.
Quando surgiram atividades desencadeadas pelo projeto no ateliê, duas novas filmagens
foram realizadas para coleta dos dados empíricos. Esses dois espaços foram selecionados pela
pesquisadora e orientadora, por se configurarem como um diferencial em relação às outras
escolas e porque com esta investigação nos propomos a discutir atividades desenvolvidas com
as crianças da Educação Infantil em diferentes tempos e espaços. Além das filmagens no
ateliê e na cozinha pedagógica, foi realizada uma filmagem no ginásio da escola (sala dos
espelhos) que teve continuidade na sala de aula (registro da atividade do ginásio).

O cronograma de filmagens e coleta de dados, conforme havia sido explicitado no


projeto de pesquisa, ocorreu de abril a julho de 2009, como mostra a tabela abaixo:

DATA TEMPO E ESPAÇO ONDE FOI EPISÓDIOS RECORTADOS


REALIZADA A FILMAGEM DAS AULAS

22/04/2009 Cozinha pedagógica- Episódios 4, 6, 7, 8, 10


Situação de aprendizagem
29/04/2009 Cozinha pedagógica- Episódios 1 (1º e 2º partes), 5
Situação de aprendizagem
2/7/2009 Ateliê Episódios 11, 13 (1º e 2º
Aprendizagens por projetos partes) e 15
9/7/2009 Ateliê Episódio 14
Aprendizagens por projetos
13/7/2009 Sala dos espelhos e sala de Episódios 2, 3, 12
aula – aprendizagens por
projetos
Tabela 1 – cronograma das filmagens

Como faz parte da proposta da escola, quando necessário, trabalhar com pequenos
grupos (6 crianças), algumas gravações foram realizadas com o grupo subdividido em dois.
Quando um grupo de seis meninos e meninas iam trabalhar na cozinha pedagógica, por
exemplo, as outras seis crianças permaneciam em outra atividade com a professora de apoio,
podendo ser na sala de aula, no pátio ou na biblioteca. Algumas receitas foram elaboradas
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somente com a professora da cozinha pedagógica e neste caso o restante do grupo


permaneceu trabalhando com a professora de referência.

No ateliê, a forma de organização é a mesma da cozinha pedagógica, porém os dois


grupos envolvem-se nas atividades neste espaço na mesma tarde. Estes grupos podem ser
organizados pelas professoras ou conforme o interesse e o planejamento. Nem sempre os dois
grupos realizam a mesma atividade, um pode trabalhar com argila, por exemplo, enquanto o
outro planejou ampliar uma gravura no retro projetor. Nas filmagens a forma de organizar as
aulas foi a mesma (grupos de seis crianças), pois todos os alunos receberam a autorização dos
pais para participar da presente pesquisa.

Das aulas selecionadas, todo o desenvolvimento da ação docente que caracteriza o


espaço ou o tempo com aquela turma de alunos foi gravado e o material transcrito. Cabe aqui
salientar que as transcrições não foram utilizadas na integra, mas recortadas partes das aulas
que marcam o empírico para compreender a discussão teórica, que denominamos de
episódios. Além disso, os mesmos foram numerados e cada item foi denominado linha (linha
1, linha2,...).

Carvalho (2006, p.30) afirma que “(...) é fundamental o registro em vídeo da aula
completa e se possível de toda uma sequência de aulas, uma vez que é impossível prever em
que momentos ocorrerão eventos relevantes para nossa pesquisa”. A mesma autora também
nos traz uma contribuição quando afirma que para que essas gravações das aulas sejam
transformadas em dados para pesquisa devemos selecionar “episódios de ensino”, que são
momentos significativos de uma aula para a situação que queremos investigar. Desta forma,
podemos justificar os procedimentos metodológicos escolhidos nessa pesquisa. O
desenvolvimento do estudo de caso envolveu, além das vídeo-gravações, as produções dos
alunos (registro das atividades denominadas na pesquisa de ilustração 1, 2,...) e a
documentação pedagógica escrita pela professora (episódio 9). Como pesquisadora, interagi
com o grupo, observando e realizando a coleta de dados, bem como a produção escrita.

Na etapa final, após a coleta dos dados empíricos, juntamente com a orientadora
realizamos a leitura dos mesmos e a tomada de decisão de como seriam utilizados e com que
objetivos. Decidimos selecionar os episódios e demais dados coletados, visando compreender
a significação dos conceitos matemáticos por nós escolhidos, nos diferentes tempos e espaços
da escola. Dessa forma, analisamos os dados coletados enfatizando a significação dos
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conceitos matemáticos envolvidos em diferentes notações: número natural, número racional,


espaço, formas e tratamento da informação.

No processo de análise dos dados empíricos, consideramos a explicitação da questão


de pesquisa e a interlocução com a literatura existente, teorizamos os dados, concordando com
o que afirma André e Lüdke (1986, p.47), “Relacionar as descobertas feitas durante o estudo
com o que já existe na literatura é fundamental para que se possam tomar decisões mais
seguras sobre as direções que vale a pena concentrar o esforço e as atenções”.

Durante a análise sistemática, além do apoio da didática da matemática para explicitar


os conceitos envolvidos, buscamos entendimentos na teoria sócio-histórica (conceitos,
conceitos científicos e espontâneos, atividade compartilhada, zona de desenvolvimento
proximal, imitação, processo de internalização e mediação através de símbolos e da
linguagem oral) e na base legal (RCNEI).

Reafirmamos que essa pesquisa ficou marcada como uma investigação do processo de
aprendizagem de Matemática no espaço da escola, através da coleta de dados empíricos para
serem analisados teoricamente. A investigação não foi estática, foi se constituindo no decorrer
do processo, sendo redimensionada sempre que necessário.
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CAPÍTULO 2
AS SITUAÇÕES DE ENSINO PROPOSTAS COMO DESENCADEADORAS DE
APRENDIZAGEM: O CONCEITO DE NÚMERO NOS TEMPOS E ESPAÇOS DA
ESCOLA

Antes de iniciarmos uma discussão a respeito das situações de aprendizagem15


desencadeadas nos diferentes tempos e espaços da escola e a significação16 de conceitos
matemáticos, torna-se pertinente abordar a diferença entre o ensino escolar e a educação que a
criança traz do seu contexto social, do seu cotidiano. Podemos nos questionar se a escola pode
fazer a diferença através da sistematização do ensino, pois, caso contrário, as crianças não
precisariam frequentar a escola.

Vigotski (2000, p.174), após vários estudos experimentais afirma que “O processo de
educação escolar é qualitativamente diferente do processo de educação em sentido amplo. Na
escola a criança está diante de uma tarefa particular: entender as bases dos estudos científicos,
ou seja, um sistema de concepções científicas”.

O mesmo autor estudou o impacto da escolaridade, principalmente sobre a relação


cognitiva com o mundo e concluíram que o processo de educação escolar é fundamental para
a educação da criança. Na escola a criança parte de suas próprias generalizações e
significados17 para o estabelecimento de novas relações lógicas, novas generalizações e os
seus conceitos são transformados.

A criação de situações de aprendizagens visando a interação entre os alunos e


professor com o saber matemático, proporcionando a significação dos conceitos matemáticos
de forma contextualizada, é um desafio para se aprender matemática. Para Pais (2006, p.27)

15
Termo utilizado para designar as atividades intencionais, desenvolvidas na escola com a mediação do
professor.
16
Que vem de um contexto de aprendizagem significativo.
17
Vigotski denomina de conceitos espontâneos que serão discutidos no próximo capítulo.
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(...) fazer matemática no contexto escolar, sob a coordenação do professor, é uma


das finalidades mais expressivas da educação matemática. Para fazer isso, é preciso
buscar dinâmicas apropriadas para intensificar as possibilidades de interação do
aluno com o conhecimento.
Cabe realçarmos que nessa pesquisa não estamos focando o ensino, a prática
pedagógica do professor, mas sim buscando o entendimento das situações de ensino18
propostas como desencadeadoras de aprendizagens e da significação de conceitos
matemáticos nos tempos e espaços da escola.

Delineamos este capítulo na busca do entendimento de questões relacionadas ao


processo de significação do conceito de número na Educação Infantil, sob o viés da teoria
histórico cultural, o olhar de pesquisadores da Educação Matemática e a base legal (RCNEI,
1998). Iniciaremos pelo conceito de número natural, enfocando o número com os aspectos
que traz implícitos, a ordinalidade, a cardinalidade e os seus diferentes usos. Na segunda parte
do capítulo, a introdução do conceito de número racional.

É necessário esclarecermos, antes do início das discussões, que a intenção desse


capítulo é abordarmos os conhecimentos matemáticos relativos ao conceito de número, mas
outros conhecimentos também apareceram no decorrer das aulas (lingüísticos, naturais,
sociais...), pois como defendemos no capítulo anterior, nesse nível de escolaridade o ensino
não pode ser fragmentado, separado em disciplinas. A exclusão das demais áreas do
conhecimento é apenas pelo interesse dessa investigação. Outra intencionalidade19 nesse
capítulo e no seguinte é mostramos as dimensões de espaço e tempo em que podem ocorrer a
aprendizagem dos conceitos matemáticos.

2.1 A SIGNIFICAÇÃO DO CONCEITO DE NÚMERO NATURAL

(...) é difícil imaginar de que maneira uma criança pequena poderia enfrentar-se com
o ambiente em ausência das capacidades numéricas incipientes. Como é que a
criança poderia perder de vista os jogos, os livros, a comida e mesmo seus amigos
em seu ambiente? A criança só seria capaz de reagir momentaneamente ante
qualquer objeto ou objetos que encontrasse ao seu redor (...) (GARDNER, apud
DUHALDE et al, 1997, p.82).

No texto acima os autores reafirmam o que discutimos no capítulo 1, sobre a criança


da Educação Infantil e suas relações com a matemática, o seu contato com o número desde

18
Atividade planejada pelo professor, com uma intencionalidade.
19
Feito com intenção de. (ROCHA, 2000, p.347)
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tenra idade. A partir do texto, enfatizamos a importância de explorarmos também, de forma


sistemática na escola, o conceito de número em seus diversos aspectos.

Vigotski (2008) e seus seguidores acreditam que os conceitos são significações


históricas e culturais, que surgem e se configuram no curso de uma operação complexa,
buscando a solução de algum problema, afirmando que

(…) um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas formadas


pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de
pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser
realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o
nível necessário (VIGOTSKI, 2008, p.104).

Dessa forma, descartamos a possibilidade de um conceito ser simplesmente


transmitido pelo professor ao aluno. Embora, os conceitos são expressos através das palavras,
não são significados pela repetição dessas palavras, pois a significação dos mesmos envolve
várias funções intelectuais como a atenção, a memória, a abstração e a capacidade de
comparar e diferenciar, ou seja, a formação de conceitos é o resultado de uma atividade
complexa, envolvendo todas as funções intelectuais.

Ao abordar a significação de conceitos e pensando que o trabalho foi desenvolvido


com crianças de 4 a 5 anos, torna-se necessário explicitar a que queremos nos referir quando
usamos o termo “conceitos”. Ach e Rimat (apud Vigotski, 2008), após suas pesquisas
experimentais, concluíram que a verdadeira formação de conceitos inicia na adolescência,
mas “O desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na formação dos conceitos
começa na fase mais precoce da infância” (p.72). Mas como denominar a significação dos
conceitos na educação infantil? Para esclarecer essa ideia traremos as três fases propostas por
essa teoria na trajetória para a formação dos conceitos.

A primeira fase, denominada de sincretismo20, acontece com crianças muito


pequenas, quando agrupa objetos de forma desorganizada, misturando os mais diferentes
elementos como um amontoado sincrético de objetos isolados. Esse é o primeiro passo na
formação dos conceitos no qual a criança tenta solucionar um problema que os adultos
resolveriam formando um novo conceito.

Poderíamos pensar como ocorre, nesta fase da formação dos conceitos, a compreensão
entre adultos e crianças. Como o signo mediador na formação dos conceitos é a palavra,
Vigotski (2008, p.75) afirma que os significados dados a uma palavra por um adulto e por
20
Termo utilizado por Vigotski para designar a fase do pensamento infantil, quando o significado das palavras
tem origem sincrética.
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uma criança em geral “coincidem”, por assim dizer, no mesmo objeto concreto. Assim,
crianças e adultos podem se entender e estar se referindo ao mesmo objeto.

A segunda fase e significativa no processo de formação dos conceitos é a do


pensamento por complexo. Em um complexo, a criança já começa a fazer associações entre os
objetos isolados, não apenas de forma sincrética, mas através das relações que realmente
existem entre os objetos. Ao pensar por complexo a criança já superou parcialmente seu
egocentrismo e começa a caminhar em direção ao pensamento objetivo: “Portanto, um
complexo é, antes de mais nada, um agrupamento concreto de objetos unidos por ligações
factuais (VIGOSTSKI, 2008, p.76)”. Um complexo não é formado no plano do pensamento
lógico abstrato, as ligações que unem os elementos de um complexo podem ser diversas, ao
contrário dos conceitos propriamente ditos, em que os objetos são agrupados de acordo com
um atributo.

Nesta fase da formação dos conceitos a criança permanece dentro dos limites das
conexões concretas entre as coisas. O pensamento por complexo evolui e se torna a ponte
entre os complexos e o estágio final da formação dos conceitos. A esta fase mais evoluída do
pensamento por complexo, Vigotski (2008) denominou de pseudoconceitos. Por que
pseudoconceito? “Porque a generalização formada na mente da criança, embora
fenotipicamente semelhante ao conceito dos adultos, é psicologicamente muito diferente do
conceito propriamente dito (p.83)”. O processo pelo qual os pseudoconceitos são obtidos é
diferente do pensamento conceitual propriamente dito.

Os pseudoconceitos são produzidos numa situação experimental e desempenham um


papel importante no pensamento da criança na vida real. Esse tipo de conceitos predomina no
pensamento por complexo da criança em idade pré-escolar.

Como já discutimos anteriormente, o signo mediador na formação dos complexos é a


palavra. Podemos afirmar também que o adulto não transmite o seu modo de pensar à criança,
mas lhe apresenta o significado acabado de uma palavra e a criança forma um complexo em
torno dessa palavra, dessa forma, um complexo se desenvolve pelo significado que uma
determinada palavra já possui na linguagem dos adultos.

Para o mesmo autor um complexo já carrega a semente que fará germinar um


conceito. Acreditamos estar tratando, em nossa análise da pesquisa empírica, dessa fase da
formação dos conceitos, ou seja, a fase de transição para a terceira e última fase de formação
dos conceitos, que são os conceitos propriamente ditos.
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Quanto ao conceito de número como quantidade descontínua, que será discutido nessa
seção do capítulo, podemos afirmar a importância de explorar esse conceito ao considerar que
é uma transmissão social, pois as crianças desde muito pequenas contam objetos, em
diferentes situações, inclusive em suas brincadeiras.

Vigotski (2000, p.110) ao analisar a aritmética pré-escolar, afirma que este


aprendizado inicia antes da criança frequentar a escola “as crianças começam a estudar
aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram alguma experiência com quantidades (...)”.
Nos dias de hoje, com o avanço dos meios de comunicação, da informática e dos estímulos
visuais, esse contato ocorre cada vez mais cedo. A Educação Infantil, a partir dessas
experiências iniciais que a criança tem com o número, pode desenvolver e potencializar esses
conhecimentos matemáticos, que vão sendo organizados gradativamente.

Sabemos que desde o homem primitivo existe a noção de quantidade, pois ele sentiu a
necessidade de contar, registrar suas posses, comunicar quantidades e foi preciso a criação de
um sistema simbólico, que podemos denominar número como quantidades descontínuas.
Duhalde et al (1997, p.73) definiu as quantidades descontinuas ou discretas como “as
coleções de objetos que se apresentam separadas em unidades que podem ser contadas (...)”.
Desde pequenas as crianças vão ingressando no mundo das quantidades e começam a
diferenciar a unidade da pluralidade, os objetos que podem ser separados em unidades para
contar.

2.1.1 A contagem oral: recitando números e significando a noção de quantidade

Duhalde et al (1997, p.79) afirma que “Embora para os adultos contar seja algo muito
simples, para as crianças é um processo muito complexo que começa, (...), pela recitação dos
números na ordem da série e passa por diferentes momentos”. Para a mesma autora esse
processo de contar passa por três etapas. A primeira é a recitação da sequência numérica que
varia de criança para criança, podendo ser um simples recitar sem significado como observa-
se em crianças de dois ou três anos em que os pais anunciam que a criança já “sabe contar”,
até a “verdadeira” contagem quando a criança atribui um significado a essa contagem, ou seja,
nomeia a quantidade de objetos de uma coleção. Na etapa seguinte, a contagem funciona
como um contar-numerar, na qual a criança conta os objetos estabelecendo a correspondência
termo a termo entre o número e o objeto nomeado, mas não percebe que o número final indica
o total de objetos contados. Na terceira e última etapa denominada pela autora de contar-
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enumerar, as palavras ganham significado, no sentido de que o último número indica o valor
total, a quantidade de objetos que foram contados.

Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998) o contar é fundamental para que as crianças


estabeleçam o valor cardinal de um conjunto de objetos, ou seja, para que tenham uma
resposta a pergunta “quantos?”. Embora a contagem oral seja importante, não pode ser um
processo mecânico de repetição de palavras. Por isso, a proposição de situações de
aprendizagem que tenham por objetivo que a criança comece a compreender a
correspondência entre o número falado (palavra) e o objeto a ser contado, compreendendo o
sentido do que estão fazendo é fundamental para que ocorra a aprendizagem.

Para compreender melhor esse processo de contagem, recorro a uma situação de


aprendizagem, vivenciada em uma aula na cozinha pedagógica. Este episódio21 chamado de
“A arrumação da mesa” (parte 1 e parte 2) ocorreu no dia 29/04/09, quando um grupo de
cinco das doze crianças do grupo três, estavam trabalhando na cozinha pedagógica. Após
prepararem o lanche principal, o qual seria servido para os colegas (cachorro-quente e suco),
as crianças são desafiadas a arrumar a mesa, colocando copos (para servir o suco) e bandejas
(que servem de pratos para servir o cachorro-quente) para onze colegas, porque a aluna C não
estava presente naquele dia. Como cada criança serve seu próprio lanche com a orientação das
professoras, é necessário ter copos e bandejas suficientes para todos os colegas, ou seja, o
número de copos e bandejas precisa corresponder ao número de alunos. Para iniciar a
atividade o grupo se organizou ao redor da mesa em que o lanche é servido.

Episódio 1: A arrumação da mesa (1ª parte)


(1) Profª. 1: Vamos arrumar a mesa para o grupo 3 que vai lanchar primeiro!
(2) (As crianças querem sair correndo para pegar os objetos e a professora lembra
que primeiro precisam contar quantos colegas são).
(3) (Começam a falar o nome dos colegas e a contar nos dedos)
(4) Grupo: N, J, AC, AL... (Em grupo vão dizendo os nomes e representando nos
dedos até enumerarem todos os colegas, ou seja, um dedo para representar cada
colega e vão contando o total com a professora).
(5) Profª. 1: Quantos colegas?
(6) Grupo: Onze.
(7) Profª. 1: Vamos trazer dois copos de cada vez! (crianças buscam os copos no
armário)
(8) Profª. 1: G retorna, por favor, vamos contar os copos antes de pegar as
bandejas! (G quer buscar as bandejas antes de contar os copos)
(9) Profª. 1: Vamos organizar. A aluna N pode contar primeiro?
(10) N: 1, 2, 3,..., 11(conta os copos que estão organizados em 4 fileiras com dois
copos e uma com 3 copos, colocando o dedo em cima de cada copo para contar).
(11) Profª. 1: quem vai contar agora?
(12) J: 1, 2, 3,4... 11. (coloca o dedo em cada copo e vai falando o número
correspondente. No final fala onze).

21
Como explicitado no capítulo um, se constitui num recorte de uma aula, selecionada para cada discussão.
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(13) G conta 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7,..., 8, 9,10 e fala 10 (ao contar coloca o dedo em um


copo de cada vez e recita o numeral, porém quando chega no 3 pula dois copos
para passar para o número quatro, sem se dar conta).
(14) F conta dez (também pula dois copos, porém para o número 8, ou seja, deixa
um dos copos sem contar).
(15) Profª. 1: Quem ainda não contou?
(16) L conta 1, 2,3... 8 (recita a série numérica sem se preocupar com a
correspondência copo-número, vai colocando os dedos pelos copos sem seguir uma
ordem)
(17) Profª. 1: O que vamos fazer? Vamos contar todos juntos? (O Grupo e a
professora decidem contar todos juntos, ou seja, a professora ia apontando o dedo
para cada copo e as crianças falando um número (palavra) para cada objeto).
(18) Profª. 1: Quantos copos então, temos no total?
(19) Grupo: 11 (A partir desta estratégia o coletivo do grupo definiu o total de 11
copos)

Neste episódio as crianças precisaram contar para resolver um problema proposto pela
professora: arrumar a mesa para os colegas do grupo 3. O RCNEI (BRASIL, 1998) traz o
conceito de número como um dos blocos de conteúdos a serem explorados pelo professor. Os
conteúdos desse bloco incluem, dentre outros, a utilização da contagem oral nas brincadeiras e
em situações nas quais as crianças reconheçam sua necessidade. Acreditamos que através da
resolução de um problema, as crianças iniciam a construção do conceito de número, sobre o
qual devemos considerar dois aspectos: a cardinalidade e a ordinalidade.

Duhalde e Cuberes (1998) definem a cardinalidade como a quantidade de elementos


de uma coleção, que pode ser contada ou estabelecida através da ação de correspondência
entre dois conjuntos. A ordinalidade é a posição de um elemento em uma série, através de um
sistema ordenado de números que nos permite contar. Quando a criança compreende que o
último elemento nomeado é a quantidade total de elementos de uma coleção, está ocorrendo a
síntese entre os dois aspectos do número, a ordinalidade e a cardinalidade.

Na atividade proposta pela professora (linhas 3 a 6) durante o episódio acima, as


crianças foram desafiadas a realizar a correspondência uma a uma, ou correspondência
biunívoca entre os colegas do grupo 3 e os nomes dos números. Utilizaram os dedos para
representar os colegas do grupo três, ao mesmo tempo em que recitavam os números, como
por exemplo, AC - apontando para o primeiro dedo-número um, Al – apontando para o
segundo dedo, número dois, até chegar ao décimo primeiro – número onze, que foi definido
como o total de colegas presentes naquele dia. A correspondência biunívoca é um meio para
comparar as duas coleções, os alunos de grupo três e os numerais, como afirma Grossi et al
(2006) a correspondência biunívoca é uma relação essencial para a construção do conceito de
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número cardinal, ou seja, essa correspondência permite vir à tona a equivalência entre dois
conjuntos (neste caso de alunos e o número correspondente).

Duhalde e Cuberes (1998, p.40) denominam esse processo de princípio da


correspondência biunívoca e define como princípio que expressa “que cada um dos elementos
de uma coleção, sem omitir nenhum, devem ser postos em correspondência um a um com
cada uma das etiquetas numéricas da série oral”. Pode-se afirmar que essa correspondência foi
realizada com a mediação da professora, tendo que associar um número a cada colega da
turma que estava presente, na cozinha ou na sala de aula.

No episódio acima as crianças também contaram a quantidade de copos que eram


necessários para o grupo servir o lanche. Para determinar esta quantidade usavam como
estratégia a colocação do dedo sobre os copos, falando um número de cada vez. Isso mostra a
criação de estratégias próprias para a contagem. Neste caso, contaram utilizando ações
motoras, contando objetos reais, ou seja, ainda não conseguem representar os objetos
mentalmente para contar.

Podemos observar que os alunos G, F contaram dez copos (linhas 13 e 14). A


contagem dessas crianças foi diferente das demais. O que teria acontecido? Voltando ao
episódio, é possível compreender que os dois meninos pularam um dos copos na hora de
contar, pois é normal que as crianças esqueçam de contar algum copo ou contem um mais de
uma vez, isso ocorre porque a criança ainda não consegue ordenar mentalmente os objetos a
serem contados, ou não percebe que há uma correspondência entre o número que recita e o
objeto contado. Como já afirmamos anteriormente, a contagem é um processo complexo, que
vai sendo significado aos poucos pela criança. Mas, apesar de esquecerem de contar um copo,
compreenderam que o último número mencionado representa o total de copos (10),
significando o valor de cardinal. Para concretizar esse processo de contar, as crianças
recorreram a série numérica oral, ou seja, a recitação dos números na ordem. Além disso, as
crianças necessitaram contar para comunicar uma quantidade à professora, ou seja, o total de
copos que estão na mesa – recorrendo a significação do ordinal.

Ao chegar à escola a criança traz suas experiências iniciais a respeito da contagem do


ambiente familiar e social e cabe a escola desenvolver e potencializar essas competências, em
situações problemas que tenham significado, como no episódio descrito, no qual tinham que
determinar os copos para que todos os colegas pudessem servir o lanche. No início da
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escolarização, essas informações (da quantidade total de copos, por exemplo) são
comunicadas oralmente através da palavra falada.

Outro fato que chama a atenção no episódio (linha 16) é a contagem do aluno L, que
disse ter oito copos sobre a mesa. Pode-se observar que repetiu a série numérica sem fazer a
correspondência entre a palavra falada (número) e os objetos contados. Duhalde e Cuberes
(1998, p.52) denominaram esta estratégia de problema de coordenação: “nessa situação não se
coordena o recitado da série e a ação de estabelecer a correspondência biunívoca com os
objetos a contar”. Neste caso, o aluno L apontou o dedo para os copos de forma mais rápida
do que a recitação da série numérica. Assim, torna-se necessário a proposição de outras
situações de aprendizagem envolvendo a contagem para que possa avançar nesse processo de
significação da noção de quantidade. Além disso, pode-se perceber que recitar números não
significa compreender e reconhecer a quantidade de elementos de um conjunto a ser contado.

Na parte final do episódio um (linhas 17 à 19), foi necessária a mediação da professora


para que o grupo definisse qual era, afinal, a quantidade total de copos que estavam sobre a
mesa. Ela sugeriu a contagem em conjunto, professora e alunos, e assim foi realizado,
chegaram à conclusão de que tinham onze copos.

A mediação é considerada um dos conceitos centrais da teoria sócio-histórica. Para


Oliveira (1993, p.26), mediação “é o processo de intervenção de um elemento intermediário
numa relação, a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”
como representa o esquema trazido por Vigotski:
S ----------------R

Nesse esquema S representa o estímulo, R a resposta e X o elemento mediador.

A relação do homem com o mundo é uma relação mediada e esses elementos


mediadores podem ser os instrumentos e os signos. Os signos são representações da realidade
para substituir elementos ausentes e auxiliar a memória, como por exemplo, a utilização dos
dedos para representar os colegas ausentes.

A obra de Vigotski considera vários signos como instrumentos mediadores das


funções psíquicas superiores tais como: desenhos, mapas, sistema de contagem, como
elementos auxiliares externos aos quais a criança atribui significado e com o passar do tempo
deixa de ser necessário, pois já é capaz de utilizar signos internos. Mas o foco central de seus
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estudos é a mediação pela linguagem oral, pois a linguagem é o sistema simbólico básico de
todos os grupos humanos.

No caso da Educação Infantil, a mediação pela linguagem oral, pode ser realizada
pelos professores ou por outras crianças. No episódio 1, a professora mediou a situação de
aprendizagem, fazendo questionamentos e no final do episódio, intervindo para que o grupo
chegasse a um consenso a respeito da quantidade total de copos. Para Oliveira (1993), o
procedimento de intervir quando a criança não consegue percorrer o caminho sozinha, é
fundamental para a aprendizagem. Para a mesma autora e segundo os pressupostos
Vigotskianos, não se trata de uma intervenção de forma autoritária, mas de trazer a ideia de
reconstrução e reelaboração dos significados por parte da criança.

Vigotski acredita que o processo de produção de significados ocorre também nas


interações com os outros indivíduos e o meio cultural. Pensando nisso, a proposição de
situações de aprendizagem na cozinha pedagógica, possibilitou a interação e a mediação entre
a professora e os alunos e entre os alunos. Para reforçar a idéia da mediação e interação entre
os alunos trazemos a segunda parte do episódio, onde as crianças tiveram que contar as
bandejas necessárias para os colegas servirem o lanche.

Episódio 1: A arrumação da mesa (2ª parte)


(1) Terminada a contagem dos copos uma criança traz as bandejas do armário -
não foi possível identificar qual (sem a professora pedir).
(2) Profª. 1: Por que temos que colocar as bandejas?
(3) N: Pra servir o lanche.
(4) O aluno G quer contar as bandejas e a professora diz que vamos começar por
ele.
(5) G: 1, 2, 3,... 11 (tirando uma bandeja de cada vez fazendo uma pilha do lado da
que iniciou a contagem)
(6) N confere fazendo o mesmo procedimento: 1, 2,... 11
(7) Profª. 1 chama a J para contar.
(8) J: 1, 2, 3,... 11 (conta até onze fazendo o mesmo procedimento que os colegas N
e G, recitando um número para cada bandeja colocada em outra pilha)
(9) F: 1, 2, 3, 4,5... 11(idem)
(10) Profª. 1: Quem não contou ainda?
(11) Grupo: O L.
(12)L: 1, 2, 3, 4... (organizando a contagem da mesma forma que os outros colegas)
(13) (grupo quer ajudar porque ele conta muito baixo)
(14) Profª. 1: deixa contar sozinho.
(15) Profª. 1: Quantos L?
(16)L: Onze (recitou os números muito baixo, não sendo possível identificar se
contou até onze ou repetiu a fala dos colegas).
(17) Profª. 1: Dá para todos os colegas?
(18) G: sim.

Na contagem das bandejas, o aluno G (linha 5) utilizou uma ação diferente para
contar, ou seja, tirava uma bandeja de uma pilha, recitava o número correspondente e ia
formando outra pilha. A professora não disse como ele deveria fazer e dessa forma ele criou
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sua própria estratégia para contar. Nas linhas seguintes (6 à 16) os outros colegas do grupo
tiveram que contar as bandejas e todos repetiram o mesmo procedimento de G, ou seja, tirar
uma bandeja da pilha, recitar o número e colocar na pilha ao lado. Com base em Vigotski
(2008), as crianças ao utilizar o mesmo procedimento do aluno G, estão realizando uma
imitação. Ao abordar o termo imitação, remete-se ao pensamento de atividade mecânica, de
cópia de um modelo. Segundo o mesmo autor, a imitação se constitui na reconstrução
individual do que é observado no outro, dependendo das possibilidades psicológicas de cada
criança, criando algo novo para ela a partir do que observa no outro. Vigotski (2008, p.129)
afirma que “Para imitar, é necessário possuir os meios para se passar de algo que já se
conhece para algo novo. Com o auxílio de outra pessoa, toda criança pode fazer mais do que
faria sozinha (...)”. A imitação, nesse sentido, desempenha um papel importante no
aprendizado do aluno, criando oportunidades de a criança realizar ações que talvez não fizesse
sozinha.

Voltando ao episódio da arrumação da mesa, percebemos que os alunos N, F e J


utilizaram-se da imitação para contar as bandejas, podemos discutir que utilizando o
procedimento criado pelo aluno G, todos conseguiram contar a mesma quantidade de
bandejas, o que não aconteceu na primeira parte do episódio com os copos, que estavam
enfileirados sobre a mesa e o próprio G esqueceu de contar um deles. Quanto ao aluno L,
iniciou a contagem, estabelecendo a correspondência biunívoca entre as bandejas e o número
recitado até a quantidade quatro, demonstrando evolução em relação à contagem dos copos
em que não estabeleceu nenhuma correspondência. Depois dessa numeração, não podemos
analisar se continuou o processo, pois recitou os números falando muito baixo e não foi
possível transcrever do episódio gravado. No final, afirmou haver onze bandejas, mas pode ter
apenas repetido a palavra onze falada pelos colegas. Ao final, chegamos ao consenso de que
onze era a quantidade de bandejas que formavam a pilha.

Garnier (2003) acredita que outra fonte de desenvolvimento conceitual da criança é o


social, ou seja, que a organização de atividades comuns para um grupo de criança pode
auxiliar no aprendizado das mesmas. Através da situação problema proposta (arrumar a mesa
para o lanche), o grupo interagiu com a professora e com os próprios colegas para resolver o
problema. Dessa forma, o conceito de número vai sendo significado.

Ach (apud VIGOSTSKI, 2008, p.67), um dos seguidores das pesquisas de Vigotski,
em seus experimentos concluiu que “A formação de conceitos é um processo criativo, e não
um processo mecânico e passivo; que um conceito surge e se configura no curso de uma
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operação complexa, voltada para a solução de algum problema (...)”. Com relação ao conceito
de número não é diferente, ou seja, também é um processo complexo que vai se formando no
decorrer da proposição de situações de aprendizagem, intencionalmente planejadas pelo
professor, mediadas através da linguagem oral e das interações com o outro.

Para Duhalde e Cuberes (1998), o “verdadeiro contar” somente acontece quando as


crianças conseguem estabelecer a correspondência um a um; contar na ordem das palavras
(um, dois, três); contar cada objeto uma só vez, sem omitir nem contar duas vezes o mesmo;
considerar que o último número representa a quantidade total dos elementos de um conjunto.
Por isso, no decorrer deste processo

A idéia de número deve ser adquirida pela criança, não apenas pela repetição
mecânica da sucessão dos números inteiros, mas sim através de sua própria
experiência sensorial. Lidando com coleções de objetos diversos, vendo, tocando, a
criança irá adquirindo a noção de quantidade (...) (NUNES et al, 2005, p.36).

Pensando nisso, a situação de aprendizagem da arrumação da mesa, no espaço da


cozinha pedagógica, foi apenas uma das propostas pela professora, que teve como tônica a
elaboração deste conceito. Outros tempos e espaços da escola foram utilizados para que as
crianças explorassem a noção de quantidade, além da representação destas através da série
numérica escrita, como poderemos observar nos outros episódios trazidos no decorrer deste
capítulo.

2.1.2 A sucessão numérica escrita: codificando e decodificando quantidades

O homem primitivo já tinha noção de quantidade, que surgiu da necessidade de contar,


medir, registrar suas posses. No início, essa representação se estabelecia através da
correspondência biunívoca, ou seja, utilizava pedras, pedaços de madeira, folhas para
estabelecer a correspondência entre uma coleção de objetos e a quantidade a ser representada.
Dantzig (apud DUHALDE et al, 1997, p.77), ilustra o que afirmamos anteriormente: “O
homem primitivo encontra esses modelos nas coisas que o rodeiam; as asas de um pássaro
podem simbolizar o número dois, as folhas do trevo o três, as patas do animal o quatro, os
dedos de sua mão o cinco”.

Com o passar do tempo, tornou-se necessário contar e representar quantidades maiores


e expressar as quantidades por meio de palavras (recitação oral da série numérica) e em
seguida representá-las através de signos. Assim, foram sendo criados os sistemas de
numeração que utilizamos até hoje. Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998), os números e o
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sistema de numeração têm uma importância cultural e se constituem numa conquista do


homem no decorrer da história.

Os números têm significado para as crianças porque fazem parte do seu cotidiano, ou
seja, entram em contato com numerais que representam diferentes situações, por exemplo, o
número do telefone, as páginas de um livro, o calendário, o número de sua casa, do seu
sapato, os preços de produtos, resultado de jogos e brincadeiras que explora.

Na Educação Infantil, as crianças através da interação social, de situações que


aparecem no dia-a-dia da sala de aula ou de situações de aprendizagem mediadas pelo
professor, começam a interessar-se pela escrita dos números. Quando a criança, por exemplo,
tem que representar uma quantidade maior de elementos, percebe que o uso de registros não
convencionais como o desenho, dificulta a sua tarefa e começam a compreender a necessidade
de representar as quantidades através de um signo convencional, que represente a totalidade.

Com o objetivo de prosseguir a discussão e buscar entendimentos sobre o significado


da utilização e do registro escrito dos numerais apresentamos o episódio denominado de
“registro do jogo dos dentes”. Esse episódio foi recortado da filmagem da aula ocorrida no dia
13/07/09 na sala de referência do grupo 3. O episódio faz parte das situações de aprendizagem
do projeto por mim desenvolvido com esse grupo, de abril a agosto deste ano, ao qual
22
intitulamos “Projeto estudando sobre os dentes” . Dentre as diversas situações de
aprendizagem planejadas e desenvolvidas neste projeto, está a construção do jogo dos dentes,
que levou vários dias para ser concluído, desde o planejamento, as construções no ateliê e na
sala (outras etapas do jogo aparecem ainda neste capítulo e no seguinte). Após construir e
jogar o mesmo, um grupo de seis alunos (A, AL, C, CS, G e N) foi desafiado a registrar
através do desenho como ficou o jogo. Além do episódio, trago a imagem digitalizada do
registro de dois alunos.

Episódio 2: Registro do jogo dos dentes


(1) Após jogar o jogo dos dentes no ginásio, professora e grupo retornam para a
sala de aula e sentam ao redor de uma mesa retangular.
(2) Prof. 1: O que vamos fazer agora?
(3) CS: Registro23.
(4) Prof. 1: Do que?
(5) Grupo: Do jogo.
(6) (Começam a se organizar para o trabalho, A distribui as folhas e C as tirinhas
onde escrevem o nome e a data,...).

22
A documentação do projeto está em anexo no final da dissertação, caso o leitor queira compreender todo o
processo.
23
Registro é o termo usado para o procedimento didático no qual os alunos, após realizar uma atividade,
registram a mesma, utilizando diferentes formas de representação.
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(7) AL: A data não tá? (referindo-se que ainda não tínhamos escrito a data no
quadro de giz)
(8) Prof. 1: Hoje é dia 13, pode escrever AL.
(9) AL pergunta como se escreve 13 e a professora devolve a pergunta para o
grupo.
(10) A: 1 e 3.
(11) Prof. 1: Por quê? Quanto vale o um quando está na frente de outro número?
(12) N: 10, (vira para a colega e diz Oh! É o 1 e o 3).
(13) (C levanta, vai até o quadro e reclama que o traçado dos numerais não está
correto. A professora diz que ela está fazendo do seu jeito).
(14) (Começam o trabalho contornando com o lápis objetos redondos, que
escolheram no armário da sala, e conversam com a professora sobre a
representação do jogo – utilizam os objetos redondos para desenhar os círculos que
foram escolhidos para representar os dentes e formar uma boca).
(15) (N decide desenhar os círculos e escrever os numerais dentro)
(16) (C também quer representar os numerais, pesquisa a escrita dos mesmos no
calendário do mês, que está no mural da sala).
(17) (N recita os numerais que escreveu e fala que está no onze).
(18) Prof. 1: Por quê? Quanto vale esse um que está na frente?
(19) N: dez.
(20) AL: Camila traz pra cá o calendário!
(21) (Prof. 1 sugere que coloquem no meio da mesa para pesquisarem)
(22) AL: Isso ta demorando, né G?
(23) Prof. 1: Vocês acham que vai demorar para a gente fazer tudo? (sem resposta)
(24) G: 1, 2, 3, 4, 5, 6,7. (recita os numerais que já representou e se dá conta
observando no calendário, que escreveu o numeral oito no lugar do sete, risca e
escreve o sete por cima).
(25) Prof. 1: Até que número fomos no jogo?
(26) A: 14.
(27) Prof. 1: Vinte e...
(28) Grupo: quatro.
(29) N procura o vinte e quatro no calendário. (conta até chegar ao numeral)
(30) Prof. 1: N, quanto vale o dois que está na frente?
(31) N: vinte.
(32) A: Esse aqui está errado!(apontando para o seu desenho indicando o numeral
10)
(33) Prof. 1: Por quê?
(34) A: Porque, olha o zero tá na frente do um! (referindo-se ao numeral 10)
(35) Prof. 1: O zero não pode ficar na frente do um?
(36) (A faz que não com a cabeça e a professora auxilia ele a apagar)
(37) Prof. 1: O um quando está na frente vale quanto?
(38) A: dez.
(39) (A continua e chama a professora novamente)
(40) A: Profe errei de novo.
(41) Prof. 1: Por quê?
(42) A: Porque o dois está na frente do um (referindo-se ao numeral 12)
(43) (Aos poucos vão concluindo o trabalho. A, CS e G registram até 10 ou 12
círculos com os numerais dentro, mas N, C e AL persistem até chegar ao 24, pois
querem fazer a representação real do jogo. Em seguida, ainda pintam todos os
círculos na sequência de cores: vermelho, rosa e roxo, como no jogo).

No início do episódio (linhas 6 a 12), as crianças sentiram a necessidade de representar


a data no trabalho, utilizando numerais. Surgiu, então, a dúvida de como se registra o número
treze, utilizando numerais. Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998, p.222) “São muitas as
possibilidades de a criança investigar as regras e as regularidades do sistema numérico.” O
uso do calendário é uma delas. As crianças podem pesquisar informações numéricas no
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mesmo, marcar compromissos da turma, os aniversários, a data de um passeio ou registrar a


data em que foi realizada uma atividade, como, no caso, o jogo dos dentes. Desta forma, as
crianças vão interpretando e atribuindo significados ao sistema de numeração.

Os números existem e são utilizados há muito tempo, pois são parte da nossa cultura.
Mas a aquisição do sistema de numeração não é aprendido por imersão pela criança, de dentro
para fora. Vigotski (2000, p.60) afirma que as operações com signo “não são inventadas ou
descobertas pela criança na forma de um súbito rasgo de discernimento ou de uma
adivinhação rápida como um raio”, pelo contrário, conforme as pesquisas do mesmo autor, as
operações com signos são o resultado de um longo e complexo processo, ligado ao
desenvolvimento psicológico da criança. Vigotski e seus seguidores concluíram em suas
pesquisas que

A atividade de utilização de signos nas crianças não é inventada e tampouco


ensinada pelos adultos; ao invés disso, ela surge de algo que originalmente não é
uma operação com signos, tornando-se uma operação desse tipo somente após uma
série de transformações qualitativas (VIGOTSKI, 2000, p.60).

Da mesma forma que as operações com signos não são aprendidas por imersão, o
desenvolvimento psicológico da criança também não é. É o resultado de um processo
dialético, e não como algo introduzido de fora ou de dentro. Por isso, a professora não ensina
o sistema de numeração às crianças, mas sim, vai propondo situações de aprendizagem para
que aos poucos signifiquem os conceitos necessários. A escrita simbólica é uma ferramenta
nesse processo de conceitualização.

No RCNEI (BRASIL, 1998, p.222), podemos encontrar algumas questões que são
essenciais para que a criança compreenda o sistema de numeração e a escrita dos numerais
“Como são escritos?”, “Como podem ser combinados?”, “O que muda em cada
combinação?”. No episódio acima as crianças iniciaram a busca por respostas a essas
perguntas elaborando hipóteses sobre a escrita dos numerais. Nas linhas (8 a 11) ocorreu um
diálogo entre a professora e os alunos a respeito da escrita do número 13. A aluna AL não
soube como representar o numeral treze e a professora devolveu a pergunta para os colegas,
sendo que A respondeu que se escrevia o um e o três, enquanto que N compreendeu que o
numeral um estando na frente do três “vale 10” e assim auxiliaram a colega a escrever a data
no quadro.

Na linha seguinte do episódio (linha 12), a aluna C reclamou do traçado dos


numerais que a colega fez no quadro, e a professora deu liberdade para que a colega os
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representasse do seu jeito, pois acreditamos que no decorrer da proposição de outras situações
de aprendizagem, com as intervenções do grupo e da professora, a aluna vá modificando suas
representações. Podemos justificar essa concepção com a afirmação de Garnier et al (p.52) “a
elaboração e a evolução das representações externas desenvolvidas pelas crianças estão
vinculadas ao contexto social” e no contexto da estruturação social dos tempos e espaços de
aprendizagem da escola, neste caso, a sala de aula, através da interação entre alunos e
professora, vai ocorrendo uma progressão na escrita dos números e na compreensão das
combinações possíveis através do sistema de numeração decimal.

Resolvido o problema de registrar a data no quadro, para que pudesse também ser
escrita no registro que estava sendo realizado, surgiu outro problema. As alunas N e C
decidiram representar o jogo dos dentes, desenhando os círculos e escrevendo os numerais
dentro deles, para que pudessem colocar na ordem em que havíamos realizado o jogo. Como
representá-los? Como discutimos anteriormente o grupo está em um processo de construção
do sistema de numeração e da escrita dos numerais. Pudemos observar que a aluna C (linha
quinze) decidiu pesquisar a escrita dos números no calendário do mês que estava exposto no
mural da sala e os outros colegas logo aderem a ideia de C, mas como o calendário estava
distante da mesa em que estavam realizando o registro da atividade, AL sugeriu que
trouxessem o calendário para a mesa onde todos pudessem utilizá-lo como fonte de pesquisa.

Duhalde e Cuberes (1998) supõem que caso as crianças não saibam representar um
determinado número através da escrita do numeral, possam pesquisar em listas numéricas,
como no caso do calendário, pois assim poderão contar até chegar ao numeral desejado,
observar a sua escrita e copiar o número. Podemos exemplificar esse procedimento com o
aluno G (linha 23) quando descobriu que escreveu o numeral oito no lugar do sete, após uma
pesquisa no calendário e da aluna N (linha 28) que quis saber como se escrevia o último
numeral utilizado no jogo dos dentes – o vinte e quatro, e foi contando no calendário até
chegar ao numeral desejado.

As mesmas autoras acreditam que a atividade acima pode se constituir como uma das
possibilidades de a criança chegar à codificação da série escrita dos números. Para ela
codificar “consiste em encontrar a cifra escrita que corresponde à quantidade expressa
mediante palavras ou gráficos” (p.52). Além de codificar, outro processo envolve a série
escrita o de decodificar que “implica reconhecer e expressar oralmente um número escrito”.
Um exemplo de decodificação ocorre no episódio (linha 16) quanto à aluna N, recitou os
numerais e anunciou através da linguagem oral que estava no número onze.
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No RCNEI (BRASIL, 1998), os conteúdos foram organizados em três blocos, para


oferecer visibilidade dos conhecimentos matemáticos a serem trabalhados pelo professor, sem
deixar de levar em consideração que as crianças vivenciam os conteúdos de maneira
integrada. No primeiro bloco estão os números e o sistema de numeração, envolvendo
contagem, notação e escrita numérica e as operações matemáticas. Os conteúdos desse bloco
incluem na listagem a “comunicação de quantidades, utilizando a linguagem oral, a notação
numérica ou registros não convencionais; identificação de números nos diferentes contextos
em que se encontram; comparação de escritas numéricas, identificando algumas
regularidades” (p.220). Podemos observar que a codificação e a decodificação do número
estão previstos como conteúdos a ser explorados na Educação Infantil, no primeiro e segundo
itens citados acima. Além da codificação e da decodificação o referencial cita também a
escrita numérica e a identificação de suas regularidades.

Para continuar a discutir a escrita numérica e as regularidades do nosso sistema de


numeração voltamos ao episódio 2, mais especificamente ao diálogo entre a professora e aos
alunos N e A. Nas linhas 18 e 29, observa-se que a aluna N esta iniciando o processo de
significação do valor posicional dos numerais, pois compreendeu que o numeral um pode
assumir o valor de um ou de dez, caso estivesse na frente de outro numeral, o mesmo
ocorrendo com o dois, que estando na frente do numeral quatro, teve valor relativo de vinte.
Da linha 31 a 41 ocorre outro diálogo entre a professora e o aluno A, quando o mesmo
solicitou a presença da professora e disse ter errado a escrita do número dez, pois escrevera o
zero na frente do um e como queria representar o número dez, deu-se conta de que precisaria
escrever o algarismo um primeiro, o mesmo ocorrendo com o número doze, quando escreveu
dois e depois um ao invés do um e depois dois.

Nunes et al (2005) concluiu que uma das dificuldades do sistema de numeração


decimal (base 10) é que a criança precisa compreender a ideia de que existem unidades de
valores diferentes, ou seja, as unidades contadas podem ser unidades simples, dezenas,
centenas... Para a mesma autora, torna-se necessário que a criança compreenda que os
numerais formam um sistema organizado e, para que isso ocorra, deve-se criar situações de
aprendizagem em que a criança precise utilizar unidades de valores diferentes na medida em
que a criança é desafiada a resolver problemas. Além disso, ao compreender o sistema de
numeração pode ampliar sua capacidade de registrar quantidades e de solucionar problemas.

Ao registrar o jogo dos dentes os meninos e meninas do grupo três decidiram utilizar
os numerais para indicar a sequência numérica utilizada no jogo. Apresentamos a seguir a
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imagem digitalizada de dois registros realizados pela aluna N e pelo aluno G, para pensarmos
a respeito de suas representações.

Ilustração 1 - registro da aluna N

Ilustração 2 - registro do aluno G

Nos registros acima, observa-se a intenção dos alunos N e G em representar o jogo


como foi confeccionado, ou seja, com os desenhos dos alimentos bons e ruins para os dentes e
os numerais para indicar a ordem em que os círculos deveriam ser organizados (foi sugerido
pelo grupo durante o processo de construção do mesmo). No primeiro registro a aluna N
representou os círculos até o numeral vinte e quatro, pois queria fazer a representação de todo
o jogo. As marcas gráficas que N utilizou demonstram que sua habilidade motora está bem
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desenvolvida. Quanto ao aluno G, suas representações dos numerais são imperfeitas,


escrevendo alguns de forma “espelhada”. Brizuela (2006, p.29) entende que “(...) marcas
gráficas imperfeitas não são bons indicadores de sua compreensão do sistema numérico”. Para
a autora, mesmo que o aluno manifeste algumas dificuldades com o traçado dos numerais, ele
já tem algumas ideias com relação ao sistema de numeração. Com a proposição de outras
situações de aprendizagem em que o aluno será desafiado a representar quantidades através
dos numerais irá aperfeiçoando essa escrita, identificando a importância de o professor propor
diferentes e variadas situações de ensino.

Outra discussão que podemos trazer observando os registros, é que o aluno G,


representou os círculos até o numeral onze, pois acreditamos que o processo de apropriação
da escrita dos números não é um processo automático e simples, mas uma construção que vai
acontecendo quando a criança interage com números escritos. Para a mesma autora, os
numerais de dois algarismos são mais complexos para a criança escrever, logo, elas levam
mais tempo para aprender a escrever. No caso de N, mesmo representando até o vinte e
quatro, percebemos que escreveu onze no lugar de vinte e um e esqueceu-se de representar o
vinte e dois.

Conhecer o sistema de escrita dos números como um sistema coerente de símbolos,


amplia a capacidade da criança no registro de quantidades e na resolução de problemas,
precisando ser estabelecido a partir de um sentido para ela, como no caso do episódio
descrito, representar o jogo confeccionado. O subitem a seguir pode contribuir para esse
debate sobre a produção de sentido para a criança e suas concepções sobre a representação das
quantidades.

2.1.3 O número como forma de representar o resultado de uma operação numérica

São várias as situações em que aparece a necessidade de a criança utilizar números.


Duhalde et al (1997, p.81) afirma que “Prioritariamente, os números são utilizados para
comunicar quantidades e para calcular (...)”. Dentre essas situações de cálculo estão aquelas
que envolvem ações de tirar, acrescentar, repartir.

No projeto sobre os dentes, desenvolvido com o grupo 3, uma das questões para a
pesquisa formulada pela aluna C, referia-se à Fada do dente, se ela existia e o que ela trazia
para as crianças. A aluna perdeu um dente de leite e contou que a Fada do dente trouxera um
presente para ela no lugar do dente deixado embaixo do travesseiro. Pesquisamos sobre a
Fada do dente num site da internet e, na história, a fada deixava moedas embaixo do
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travesseiro, no lugar do dente perdido. Além de explorar os conhecimentos lingüísticos, o faz-


de-conta, a professora criou situações problemas de repartir, envolvendo a temática, para as
crianças resolverem. Num primeiro momento, utilizaram material concreto (moedas sem valor
comercial) para resolver as situações orais propostas pela professora. Com o grupo reunido no
tapete, organizado numa roda, a professora propunha os problemas e uma criança de cada vez
vinha ao centro da roda para resolvê-la. Após a exploração do material, a professora entregou
uma situação problema escrita para os alunos resolverem e representarem o resultado.
Selecionamos os registros da aluna C e do aluno A, para refletir sobre as representações das
crianças.

Ilustração 3 – registro da aluna C


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Ilustração 4- registro do aluno A

Para resolver o problema a aluna C, desenhou duas crianças, sendo um menino e uma
menina. Em cima, desenhou as oito moedas, todas juntas. Questionada pela professora a
respeito de como poderia saber quantas moedas ficariam para cada criança, ligou quatro para
cada uma e registrou com o numeral quatro abaixo. O aluno A desenhou dois super-heróis em
cima de uma montanha, em cada mão deles duas moedas e um balão em cima da cabeça,
indicando que cada um estava pensando que recebeu quatro afirmando “dois mais dois são
quatro”. Ao lado representou outras moedas de dez centavos. Durante o processo disse para a
professora que não precisava de moedas (material concreto) e nem da “ajuda” da professora
para resolver o problema, pois já conseguia fazer “de cabeça”.

Segundo a teoria sociocultural, defendida por Nunes et al (2005, p.20) e introduzida


por Vigotski, “quando a criança aprende a contar ela poderá começar a usar a contagem como
um instrumento de pensamento, para auxiliar sua habilidade de registrar e lembrar-se de
quantidades, e amplificar sua capacidade de resolver problemas”. A partir dessa teoria, a
educação e a escola têm um papel fundamental, para que a criança aprenda a utilizar esses
instrumentos culturalmente desenvolvidos, pois o sistema de numeração é um sistema de
sinais transmitido culturalmente.
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No problema proposto, o desenho e os símbolos escritos, foram utilizados para


registrar a solução. A professora não disse como as crianças deveriam registrar a resposta do
problema, ou seja, cada criança pode “criar” uma forma de resolver o problema, de expressar
suas concepções sobre a resolução do mesmo. Garnier et al (2003, p.47) acredita que “(...)
admite-se hoje que as concepções dos alunos constituem um dos fatores determinantes sobre
o qual vai apoiar-se todo o aprendizado posterior”. Para a mesma autora, as concepções dos
alunos podem servir de “motor” para outras. No início, a criança expressa oralmente suas
repostas e quando é desafiada a realizar suas primeiras representações escritas, pode utilizar
desenhos, símbolos, numerais estabelecendo suas próprias estratégias de resolução. Dessa
forma, a representação escrita tem papel importante no processo de resolução do problema.

Hiebert e Carpenter (apud SOARES e MORO, 2005, p.20) também confirmam a ideia
de que “para pensar sobre a idéia matemática e comunicá-la necessitamos representá-las de
algum modo. A comunicação requer que as representações sejam externas tomando a forma
de linguagem oral, símbolos escritos, desenhos (...)”.

Outra discussão que pode ser aqui abordada é o processo de internalização desse
sistema de signos construídos social e historicamente e disponíveis na cultura, que segundo
Vigotski, são meios auxiliares na resolução dos problemas. Antes de as crianças resolverem
um problema de forma individual, a professora e o grupo resolveram várias situações
problemas em grupo, através da linguagem oral e utilizando material concreto. Vigotski (apud
MOYSÉS, 2007, p.27) defende a idéia de que “O verdadeiro curso do processo de
desenvolvimento do pensamento infantil assume uma direção que vai do social para o
individual”, ou seja, toda função psicológica interna foi antes uma função social, que surgiu
num processo de interação.

Vigotski (apud GARNIER et al, 2003, p.103) esclarece como ocorre esse processo de
internalização das operações com signos. Além disso, podemos perceber a importância da
proposição de situações de aprendizagem em grupos para depois ocorrerem de forma
individual:

Esta operação, que, a princípio, representa uma atividade externa intervindo


diretamente entre a criança e um objeto, é transformada pela interação social em
uma atividade interpessoal. A atividade interpessoal está inserida dentro dos
sistemas de signos construídos socialmente e que são apreendidos e utilizados pelas
crianças de maneira interpessoal. Por fim, os processos interpessoais são
transformados em intrapessoais como resultado de uma longa série de fenômenos
próprios ao desenvolvimento.
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De acordo com o mesmo autor, nas atividades em grupo, os diferentes sujeitos podem
confrontar suas formas de resolver um problema, pois como estavam sentados numa mesa
retangular, formando grupos, cada um pode utilizar meios diferentes para resolução e
comparar e discutir o seu “jeito” de resolver com o colega. Dessa forma, uma ação
interpsíquica (entre as crianças), pode se transformar em intrapsíquica (individual).

O aluno A, tanto no seu registro como na sua fala, demonstrou que após a atividade
em grupo, com a mediação da professora, já internalizou o processo para resolver esse
problema (repartir uma pequena quantidade de objetos), conseguindo resolver de forma
individual. A aluna C, criou suas estratégias de resolução, mas precisou da mediação da
professora, que também faz parte do grupo que estava interagindo, para chegar a resposta do
problema.

Embora essa discussão pudesse prolongar-se, para finalizar essa parte do texto
afirmamos que a resolução de problemas pode ser mais uma das utilidades do número, de
forma que não se transforme num processo de codificar e decodificar numerais, sem sentido
algum para a criança. Além disso, destacamos que a situação de aprendizagem, envolvendo a
resolução de problemas e descrita neste subitem foi apenas uma das atividades propostas, nos
diferentes tempos e espaços da escola, para a significação do conceito de número e das
operações numéricas. No próximo subitem, apresentamos o número indicando memória de
posição, como mais uma forma de explorar outra situação em que o uso do número pode se
fazer necessária.

2.1.4 O número indicando memória de posição

Duhalde et al (1997, p.54) define a utilização do termo memória de posição, “para


determinar a posição de um elemento em uma série ordenada”, entre outros casos em que
prevalece a ordinalidade. Com a apresentação do episódio seguinte, pretendemos trazer o
número com essa função, para posterior análise e discussão teórica. O episódio 3, O jogo dos
dentes, foi um recorte da aula vídeo-gravada no dia 13/07/2009, na sala de dança (no ginásio
de esportes da escola). Após o planejamento e a construção desse que levou cerca de duas
semanas, o grupo de alunos foi dividido em dois grupos menores de seis crianças para jogar –
A, AL, G, N, C, CS, enquanto o outro grupo permaneceu no parque da escola com outra
professora e depois foi jogar. O jogo consistia em jogar o dado e avançar quantas casas
fossem indicadas, parando na casa que continha escritas e desenhos de coisas “boas e ruins”
para os dentes, avançando ou recuando sobre a pista, até chegar ao final do tabuleiro.
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Episódio 3: O jogo dos dentes


(1) Prof. 1: O que vamos fazer hoje?
(2) A: O jogo dos dentes (referindo-se a jogar o jogo)
(3) Prof. 1: Mas antes de jogar o que temos que fazer?
(4) A: Fazer um círculo, fazer uma boca! (mostra o formato de uma boca aberta
com os dedos apontando para o chão).
(5) (Organizam os círculos no chão de forma autônoma, pegando-os com a
professora e colocando pela ordem numérica no chão. Vão colocando os círculos e
recitando os numerais que estão escritos nos círculos: 13, 14,15.).
(6) (G sugere que a profe faça um sorteio de quem vai começar o jogo).
(7) A: Não, é por pessoinha. (aponta com os dedos mostrando a ordem em que
estão sentados. A professora pergunta para cada criança se vai ser por sorteio ou
pela ordem em que estão e decidem que seja pela ordem).
(8) (G começa o jogo, joga o dado e avança cinco círculos. A professora auxilia na
leitura do que está escrito no círculo).
(9) O jogo segue com as crianças jogando o dado, a professora lendo o que está
escrito e conversando sobre o que significa avançar (ir para frente) e voltar (para
trás).
(10) Prof. 1: CS, quanto você precisa tirar para não pisar novamente nesse?
(Referindo-se ao círculo da frente, no qual já foi e voltou duas vezes, pois está
escrito volte uma casa).
(11) A: Três.
(12) N: cinco, quatro.
(13) A: ou seis
(14) Prof. 1: Um pode?
(15) C: sim.
(16) Grupo: Não! (torcem para que não tire um ao jogar o dado)
(17) (G termina o jogo).
(18) Prof. 1: Que lugar G tirou no jogo?
(19) G: Primeiro.
(20) Prof. 1: A, quantas casas faltam para você chegar? (conta e não responde)
(21) (N, C, CS, AL e A, chegam ao final nesta ordem).
(22) Prof. 1: Vamos sentar para ver o lugar que cada um ficou.
(23) Prof. 1: G?
(24) Grupo: primeiro.
(25) Prof. 1: N?
(26) Grupo: segundo.
(27) (assim continuam até o sexto lugar)
(28) Prof. 1: Quem terminou o jogo por último?
(29) Grupo: A
(30) Prof. 1: E antes dele?
(31) Grupo: AL
(32) (Então fazem a ordem decrescente da chegada).

Acreditamos que o jogo dos dentes envolveu conhecimentos de diversas áreas,


incluindo conceitos matemáticos, conceitos de ciências e a ludicidade também se fez presente
na hora de jogar. Buscamos esclarecer que não se trata de jogar por jogar, sem uma
intencionalidade, mas com o planejamento do professor, para alcançar objetivos pré-
determinados, como podemos perceber na afirmação a seguir (BRASIL, 1998, p. 221): “O
jogo pode tornar-se uma estratégia didática quando as situações são planejadas e orientadas
pelo adulto visando uma finalidade de aprendizagem, isto é, proporcionar à criança algum
tipo de conhecimento (...)”.
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Vigotski ao discutir o papel do brinquedo no desenvolvimento infantil, também


pesquisou sobre o papel do jogo. Para o autor, o jogo evolui de uma situação imaginária com
regras ocultas, para um jogo com regras às claras e que contém uma situação imaginária de
forma oculta. No grupo três acreditamos que o jogo já pode ser realizado da segunda forma,
pois como afirma o autor “(...) o desenvolvimento a partir de jogos em que há uma situação
imaginária às claras e regras ocultas para jogos com regras às claras e uma situação
imaginária oculta delineia a evolução do brinquedo das crianças” (VIGOTSKI, 2000, p.126).
No caso do jogo dos dentes, a situação imaginária iniciou-se com a história da fada dos dentes
e com a decisão das crianças de imaginar que os círculos poderiam representar os dentes e
juntos formar uma boca24.

Na primeira parte do episódio (linhas 1-5), ocorreu a organização do jogo, na qual as


crianças foram questionadas pela professora sobre o que iam fazer e como organizariam o
jogo antes de colocar em prática o que haviam planejado, podemos observar que a contagem
oral e a decodificação dos numerais estiveram presentes nesta etapa, pois para organizar o
jogo os alunos tiveram que colocá-los na ordem numérica, do um ao vinte e quatro,
identificando o que vinha primeiro e o seguinte. Nas linhas seguintes (6 e 7) surge um
problema a ser resolvido: Quem irá começar o jogo? Qual a ordem que vão seguir, sendo que
estão sentados nos colchonetes em frente ao círculo número um do jogo? G sugeriu um
sorteio e A sugeriu que seguissem a ordem em que estavam sentados. A professora ouviu cada
criança e a maioria decidiu pela segunda opção. A importância da fala para resolver esse
problema, onde os alunos puderam expor uma ideia é trazida por Vigotski:

Quanto mais complexa a ação exigida pela situação e menos direta a solução, maior
a importância que a fala adquire na operação como um todo. Às vezes a fala adquire
uma importância tão vital que, se não for permitido seu uso, as crianças pequenas
não são capazes de resolver a situação (2008, p.34).

Outra situação exigiu a mediação da professora, quando a aluna CS, permaneceu por
duas rodadas numa mesma casa do jogo (linhas 10 a 16) e o grupo foi desafiado a resolver o
problema “quanto precisa tirar no dado para que não permaneça na mesma posição no jogo”?
Através da linguagem oral, A e N fizeram estimativas das quantidades que a colega poderia
tirar e compreenderam o desafio proposto. Quanto a C, podemos pensar que estava desatenta
à situação ou não compreendeu o desafio proposto quando disse um. Fazer estimativas é outra
notação matemática que pode ser explorada na Educação Infantil, porque segundo o
Ministério da Educação e Cultura (ESPANHA, 1999), a matemática não pode ser explorada

24
Ver documentação pedagógica em anexo.
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apenas como algo que se resume a lógica do sim e do não, do correto e do incorreto, mas pode
incluir noções que ajudam as crianças a resolver situações de incerteza, como as que
envolvem probabilidade.

Embora não se poderia deixar de lado a discussão que surgiu acima, a ideia do número
envolvendo memória de posição é o foco dessa discussão. Nesse jogo de tabuleiro, a função
do número (DUHALDE e CUBERES,1998) é também de indicar a ordem de saída ou de
chegada dos jogadores, em um jogo onde necessitam avançar ou recuar sobre uma pista, sem
a necessidade de recordar toda ordem.

Quando os jogadores começam a chegar ao final do jogo (linhas 17 a 27), inicia a


discussão sobre a posição que cada um chegou ao terminar o jogo. Observamos que as
crianças já utilizam os numerais indicando memória de posição para responder as perguntas
da professora: primeiro, segundo, terceiro. Em outras situações de aprendizagem a memória
de posição já havia sido utilizada, como por exemplo, na cozinha pedagógica, onde decidiram
quem seria o primeiro, o segundo a realizar uma determinada tarefa. Então, a professora
sugeriu uma variante do jogo (linhas 28 a 32), a ordem decrescente.

Soares e Moro (2005, p.24) afirmam que “as concepções dos alunos se modificam (...)
somente se eles vivenciarem um vasto conjunto de situações diferentes, envolvendo objetos e
relações matemáticas”. Para a mesma autora o professor pode conduzir o processo de
conceitualização somente se observar o que os alunos fazem e expressam através da
linguagem ou das suas representações. No caso do episódio acima, a linguagem oral foi a
forma que a professora teve para analisar a aprendizagem dos alunos.

Outro aspecto que pode ser analisado com relação a aprendizagem dos alunos, refere-
se ao fato de o jogo ter sido desenvolvido num grupo de alunos, onde interagiram entre si e
com as professoras. Vigotski (2000, p.117) afirma que “o aprendizado desperta vários
processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança
interage com pessoas em seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros”;
podemos citar como exemplo, quando C (linha 15) afirmou que a colega poderia tirar um no
dado, o grupo logo reagiu a resposta e fez com que a colega pensasse sobre sua resposta e
também quando A e G (linhas 6 e 7) sugeriram a ordem para iniciar o jogo, auxiliando o
grupo a resolver o problema.

Nessa primeira parte do capítulo, enfatizamos a importância da significação do


conceito de número como quantidade descontínua nos diferentes tempos e espaços da escola,
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pois sabemos que esse conceito é fundamental na Educação Infantil, pois como afirmou
Duhalde no início desse item, não seria possível imaginar a criança sem as capacidades
numéricas, para que possa enfrentar os desafios do ambiente em que vive. No item seguinte,
traremos o número também como quantidade contínua, introduzindo o conceito de número
racional, no espaço da cozinha pedagógica.

2.2 INTRODUZINDO O CONCEITO DE NÚMERO RACIONAL

Seria importante que o aluno aprendesse a diferenciar números naturais e racionais


desde cedo, uma vez que as escolas distanciam bastante esses conceitos e o aluno
acaba levando um choque (...) 25.

Na primeira parte desse capítulo, focalizamos a compreensão do conceito de número


natural sob diferentes aspectos. Podemos afirmar que as notações matemáticas não envolvem
apenas o número natural, mas também outros tipos de notações, como as frações e sua
utilização para resolver problemas do cotidiano. A escola pode ter um papel importante no
desenvolvimento desse conceito, cuja introdução acreditamos ser possível desde a Educação
Infantil, o que fora da escola, no contexto cultural da criança, pode não acontecer. Nunes
(2005) afirma que, no contexto educacional, os termos mais simples do vocabulário de
frações como “metade” pode ser introduzido na escola antes dos oito anos, mas a
representação matemática através da escrita, ou seja, a representação formal deve ser
apresentada mais tarde.

Para Giménez e Bairral (2005, p.6), “as frações estabelecem relações conceituais
importantes na construção numérica, no currículo atual (...) a introdução do conceito e o
primeiro contato dos estudantes com as frações devem partir de material de uso comum, não
estruturado”. Pensando nisso, propomos a introdução do conceito de inteiro, metade e partes
menores com a elaboração de uma receita de torta de bolacha, onde as bolachas seriam esses
materiais não estruturados, seguindo com as bergamotas, as salsichas e o pão de cachorro
quente.

Os mesmos autores, após suas pesquisas, concluíram que são diversas e diferentes as
situações que enfocam frações. Na prática docente, os professores podem explorar estas
diferentes situações, dentre elas podemos marcar como necessárias na Educação Infantil as
frações como quantidade, como medida de uma posição no espaço e como função.

25
Depoimento de uma estudante de licenciatura em Matemática (GIMENEZ e BAIRRAL, 2005, p.14).
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2.2.1 A fração como quantidade

Para Giménez e Bairral (2005, p.10), a fração como quantidade é a “fração como
expressão de uma partição no sentido geral. Caracteriza qualquer tipo de situação de
repartição de uma coleção de objetos em um certo número de partes”. Os autores
subdividiram a fração como quantidade em dois aspectos – a fração como cada uma das partes
iguais em que consideramos partida a unidade ou a fração de uma coleção de elementos
considerada em conjunto como unidade ou totalidade.

No primeiro aspecto, podemos incluir a noção parte-todo e a ideia de metade, quartos.


Com a intenção de discutirmos esse aspecto do conceito de fração, ou seja, da valorização da
unidade e a noção de que a fração expressa partes iguais dessa unidade, trazemos o Episódio
4, de uma aula na cozinha pedagógica. Neste episódio um grupo de seis crianças (A, AC, AL,
C, R, V) foram para cozinha preparar o lanche (receita de uma torta de bolacha26) e organizar
e descascar a fruta (bergamota27) para serem servidos aos demais colegas da Educação
Infantil, no dia 24/04/2009. O grupo trabalhou com a P1 (professora de referência) e a P2
(professora da cozinha pedagógica). Antes de sentar à uma mesa hexagonal para trabalhar são
auxiliados pelas professoras para colocar a touca e o avental. Cabe ressaltar que esse episódio
não faz parte do projeto sobre os dentes que foi desenvolvido com o grupo, mas como uma
situação de aprendizagem que faz parte da rotina da Educação Infantil como explicitado no
capítulo anterior.

Episódio 4: A torta de bolacha


(1) Profª. 1: Qual é a receita que combinamos preparar hoje?
(2) A: Torta de bolacha.
(3) (organizam os ingredientes na mesa, ou seja, a bolacha Maria e pratos com
leite para molhar as bolachas e colocam uma travessa de vidro no meio da mesa
para montar a torta dentro).
(4) Profª. 1: A gente vai molhar a bolacha no leite e vai colocando no fundo da
bandeja. Uma bolacha não pode ocupar o lugar da outra. (Todos começam a
trabalhar com as bolachas, alguns querem fazer rapidamente e a professora solicita
que façam com calma.).
(5) Profª. 1: O fundo já está fechado? Da para colocar mais bolachas inteiras?
(6) A: Não
(7) C: Em cima.
(8) Profª. 1: Mas nós só queremos forrar o fundo. Todo o fundo esta preenchido?
Como podemos preencher?
(9) A: Tem que quebrar as bolachas
(10) Profª. 1: Onde colocar?
(11) C e R: Nos buraquinhos. (referindo-se ao espaço entre uma bolacha e outra,
pois são redondas. Preenchem os “buraquinhos” com as bolachas quebradas).

26
Biscoito doce redondo.
27
Tangerina , mexerica
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69

(12) Profª. 1: O que vamos fazer agora?


(13) V: Recheio de chocolate
(14) (A Profª. 2 traz o recheio e coloca na mesa, o mesmo já tinha sido preparado
com antecedência pela professora 2, pois a intenção era trabalharmos com as
bolachas e também porque não é possível servir a torta quente para as crianças.
Uma criança de cada vez espalha o creme, até preencher todo espaço das
bolachas).
(15) Profª. 1: Como vamos fazer a outra camada? Primeiro as bolachas inteiras!
(16) C quebra uma bolacha sem querer e a professora questiona como ficou.
(17) C: Quebrada.
(18) AC: Um pouco quebrada.
(19) Profª. 1: Agora que já preenchemos o fundo com as inteiras, vamos quebrar no
meio para preencher os espaços! Como vocês acham que é quebrar no meio?(Todos
quebram e mostram para a professora).
(20) Profª. 1: AC por que você acha que ta no meio?
(21) AC: Por que eu quebrei.
(22) Profª. 1: Como você sabe que é no meio.
(23) A aluna AC mostra para a professora o que entende por meio colocando uma
metade sobre a outra e mostrando que estão iguais.
(24) Profª. 1: Você mediu. As duas partes estão iguais?(AC acena com a cabeça que
sim).
(25) A: A minha faltou um pedacinho.
(26) Profª. 1: Vamos medir? (coloca um pedaço sobre o outro e pergunta...).
(27) Profª. 1: Será que é a metade?
(28) C: Não
(29) V: É a metade dessa aqui (apontando para a outra metade).
(30) Profª. 1: É a metade da metade
(31) (As crianças confirmam com a cabeça e a professora faz a mesma pergunta
para a aluna AL.)
(32) AL: Quebrei na metade e quebrou de novo e ficou quatro.
(33) (AC continua medindo as duas partes da bolacha e mostrando para os colegas
o que é metade).
(34) Profª. 1: Vocês concordam com a AC que isso é a metade?
(35) Grupo: Sim
(36) Profª. 1: Vamos colocar os pedaços e as metades para preencher o espaço.
Lembram da nossa lei de não colocar bolacha por cima.
(37) Profª. 1: O que falta depois da segunda camada?
(38) Grupo: chocolate. (cada um na sua vez cobre a torta com o recheio
novamente).
(39) Profª. 1: Vamos fazer outra lei para essa camada, antes colocamos as bolachas
inteiras e após as metades para preencher. Agora vamos quebrar todas as bolachas
na metade.
(40) C: Assim quebra bem no meio (mostrando com as mãos).
(41) A: Também quebrei no meio (mostra as duas metades)
(42) O grupo aponta para a bolacha do V e da R e afirmam que não estão
quebradas no meio.
(43) Profª. 1: Qual é a lei? Quebrar em muitos pedacinhos? Quantas partes você
quebrou?
(44) A: Quatro.
(45) V: Três
(46) C: No meio são duas.

Neste episódio, as crianças precisavam resolver um problema, preencher o espaço do


fundo da travessa com bolachas redondas, de modo que uma bolacha não ocupasse o lugar da
outra. Nas linhas 5-11, após colocarem as bolachas inteiras, constataram que ficavam uns
“buraquinhos” entre uma bolacha e outra. A professora questionou o grupo se poderiam
colocar mais bolachas inteiras, C queria colocar em cima, mas A estava atento ao combinado
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e sugeriu que quebrassem as bolachas. Neste primeiro momento, as crianças quebraram


livremente as bolachas, sem a intervenção da professora. Na segunda camada (linha 19) a
professora desafiou o grupo a quebrar as bolachas no meio, pois a intencionalidade da aula era
de trabalhar o conceito de inteiro, metade e partes menores.

Na primeira parte desse capítulo, trabalhamos com o número como quantidade


descontínua, ou seja, como unidades separadas que podem ser contadas. No caso do episódio
acima, a bolacha constitui-se uma unidade em si mesmo, que pode ser repartida em partes
menores e pode ser medida através da pergunta “quantas vezes cabe” no inteiro. Neste caso,
estamos nos referindo ao número como medida das quantidades contínuas, ou seja, elas
mesmas constituem uma unidade. Duhalde et al (1997, p. 85) afirma que, neste caso, “a
palavra vezes leva a ter de subdividir a quantidade considerando alguma unidade de medida
(...) o que conduz ao conceito de fração”.

A aluna AC foi a primeira a mostrar para os colegas o que entendeu por metade (linhas
20-24), quebrou a bolacha ao meio e disse que estava na metade porque quebrou, mas quando
questionada pela professora comprovou o que estava dizendo, medindo as duas partes da
bolacha ao colocar uma sobre a outra. Como AC teria construído o conceito de metade? Ao
refletir sobre isso, lembramos de que AC participara de outra situação de aprendizagem na
cozinha pedagógica em que experenciara a divisão do pão de cachorro-quente, portanto
acreditamos que transferiu o conceito para esse novo inteiro – a bolacha.

Cabe aqui esclarecermos que o objetivo dessa atividade, bem como das outras que
envolveram partição de alimentos é discutir a idéia intuitiva de frações, pois sabemos que
dividir alimentos em partes exatamente iguais é praticamente impossível.

No decorrer do episódio, outras crianças foram significando o conceito de inteiro e


metade, como A e C. Já V e R (linhas 42 a 45) continuaram quebrando as bolachas em mais
partes (3 ou 4) ou de forma irregular,acreditamos, pois, que ainda não compreenderam o que
significa repartir na metade. Segundo os pressupostos vigotskianos, a significação de um
conceito é um processo dinâmico, construído passo a passo, pelas crianças em colaboração
com o professor e os colegas, através de uma operação intelectual em que todas as funções
mentais elementares estão envolvidas. Afirmamos que a proposição de outras situações de
aprendizagem envolvendo o conceito de metade pode auxiliar V e R a significarem esse
conceito.
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Outro significante dessa situação de aprendizagem desenvolvida no episódio quatro foi


o trabalho contextualizado, caso contrário não teria sentido isoladamente, e não seria fácil
para o professor fazer os questionamentos e a mediação através da linguagem oral. O uso do
material manipulável (no caso a bolacha) também pode ter facilitado a resolução dos
problemas pelas crianças. Nunes et al (2005), em suas pesquisas com crianças, constatou que
o desempenho dos alunos se modifica em função da ausência ou presença do material
manipulável.

Quando falamos em material manipulável, sensorial ou concreto, precisamos estar


ciente de que é um material importante, mas que pode ser utilizado como ponto de partida,
como parte de um processo que desencadeie as abstrações, estimulando o aluno a pensar.
Vigotski (2000, p.116) acredita que “O concreto passa agora a ser visto somente como um
ponto de apoio necessário e inevitável para o desenvolvimento do pensamento abstrato -
como um meio e não um fim em si mesmo”.

Torna-se necessário discutir o papel da atividade em grupo ocorrida nessa situação de


aprendizagem. Como abordamos anteriormente na pesquisa, Vigotski afirma que a tendência
do desenvolvimento infantil caminha do social para o individual, do interpsíquico para o
intrapsíquico. Podemos analisar o papel que a atividade em grupo, tenha desempenhado no
início do processo de significação do conceito de fração no episódio acima.

Durante a elaboração da receita da torta de bolacha, realizada com o grupo de seis


alunos, a interação entre os componentes, torna-se visível, sejam eles professor - alunos ou
aluno-aluno. A aluna AC, durante todo o processo mostrou para os colegas o que era dividir
na metade, medindo e fazendo com que pensassem sobre o que estava fazendo. A professora
também interagiu com o grupo, com seus questionamentos, sem dizer ao grupo o que era
dividir na metade, a ideia foi sendo construída aos poucos com a participação do grupo. Os
alunos R e V foram questionados quanto ao que estavam fazendo e talvez isso tenha
provocado um conflito cognitivo, ou seja, provocando o surgimento de um conflito (pelo fato
de não terem repartido na metade como o combinado) abre-se a possibilidade de refletirem
sobre suas ações e reconstruírem a sua forma de pensar. Garnier et al (2003, p. 150), após
suas pesquisas, concluiu que “o sucesso da aprendizagem dos pequenos escolares depende,
em grande parte da forma assumida pelas atividades às quais eles se dedicam
comunitariamente”.
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Podemos observar que a intencionalidade da professora era explorar o conceito de


inteiro e metade, mas durante o episódio também surgiu a noção de quartos, ou seja, metade
da metade. A e AL (linhas 29-32), de forma não intencional, quebraram a bolacha em quatro
partes e desencadeou a noção de metade da metade que foi também explorada com o grupo.
Dessa forma, as crianças observaram outra forma de repartir, mas no final como observamos
na fala da aluna C (linha 46), a maioria do grupo concluiu que repartir na metade significa
dividir em duas partes iguais.

Giménez e Bairral (2005) afirmam que a unidade é algo que não fica explicitada e que
a mesma deve ser mudada para que se evidencie a variação da fração e também para que o
conceito seja ampliado para outras situações. Ao refletir sobre essa ideia, recortamos o
episódio 6 (O cachorro quente), com a intencionalidade de propor outra situação de
aprendizagem envolvendo o mesmo conceito de fração como quantidade, analisando o
primeiro aspecto, ou seja, fração como cada uma das partes iguais em que é repartido o
inteiro. Esse episódio foi filmado no dia 29/04/2009, no espaço da cozinha pedagógica e
envolveu a professora de referência (professora 1), a professora da cozinha pedagógica (2) e
um grupo de cinco alunos (J, G, N, F, L). Ao grupo foi proposto o desafio de cortar o pão de
cachorro quente e as salsichas para o lanche que seria servido naquela tarde.

Episódio 5 – o cachorro quente


(1) Profª. 1: Como está a salsicha?
(2) G: Inteira.
(3) Profª. 1: Por que não vamos deixar inteira, N?
(4) N: Pra colocar no meio do pão.
(5) Profª. 1: Primeiro a profª. quer que cortem no meio.
(6) (As crianças fazem tentativas, olham para o prato dos colegas e para a
professora. Profª. 1 Pergunta para cada criança se ficou no meio e como
podemos saber se ficou no meio e as crianças respondem).
(7) N: não
(8) F: sim
(9) Profª. 1: Como saber?
(10) F: não sei
(11) (G mostra que mediu)
(12) Profª. 1: vamos cortar a salsicha que está no nosso prato em pedaços menores
e depois vamos tentar novamente cortar no meio.
(13) Profª. 1: Porque vamos cortar em pedaços menores?
(14) G: senão vai ficar grande dentro do pão.
(15) Profª. 1: L este pedaço ficou grande tem que cortar no meio. Que tamanho
mesmo que estamos cortando?
(16) J: metade
(17) Profª. 1: E depois?
(18) Grupo: pedaços pequenos
(19) (levam a salsicha picada para a profª. 2 colocar no molho de tomate e
cozinhar)
(20) Profª. 1: L está no meio?(não responde)
(21) Grupo: Um ficou um pouco mais baixo.
(22) J: É aqui (referindo-se a metade). Eles ficaram iguais (mede para conferir).
(23) Profª. 1: G, a tua ficou no meio?
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(24) G: quase.
(25) Profª. 1: É difícil cortar bem no meio?
(26) (A professora corta a sua salsicha no meio e as crianças observam)
(27) J: A da prof. ficou empatada!
(28) Profª. 1: No meio quer dizer empatada?
(29) J: ah ra.(fazendo um gesto afirmativo)
(30) Profª. 1: G, como você fez para cortar assim? (mostra o pedaço no prato do G)
(31) G: Eu cortei assim e assim (referindo-se a um corte na vertical e outro na
horizontal)
(32) Profª. 1: Terminamos com a salsicha? Com o que vamos trabalhar agora?
(33) N: com o pão
(34) Profª. 1 pega o pão e questiona o que fazer.
(35) Grupo: Cortar no meio
(36) Profª. 1: Assim é no meio? (cortando o pão em um lado)
(37) G: Aqui (mostra com a mão no pão)
(38) Profª. 1: Por quê?
(39) G: Para colocar o molho.
(40) Profª. 1: L dá para colocar o molho se você cortar assim?
(41) Grupo: Aqui L!
(42) L: No lado...
(43) Profª. 1: Você acha que conseguiu?
(44) (L mostra para os colegas que acenam que sim com a cabeça)
(45) Profª. 1: O que aconteceu com esse pão? A J cortou na metade?
(46) Grupo: Não
(47) (Profª. 1 pede para a Profª. 2 trazer mais pão para ser cortado)
(48) Profª. 1: Agora vamos cortar pão para o grupo um. Temos que resolver um
problema! Como vamos cortar o pão para o grupo um comer?
(49) (G mostra como cortar o pão na metade horizontal e na metade vertical)
(50) Profª. 1: Como o L queria cortar antes?(fazem que sim com a cabeça)
(51) Profª. 1 Quem consegue seguir o desafio de cortar na metade da metade?
(52) (todos começam a cortar e concentram-se na atividade e a professora observa)
(53) Profª. 1: L e agora para colocar o molho?
(54) (L rapidamente corta na outra metade, assim continuam até concluir a tarefa
com os pães).

No início do episódio (linhas 1-24), observamos que ocorrem as primeiras discussões


a respeito de inteiro, metade e partes menores e o grupo é desafiado a cortar a salsicha na
metade e depois em partes menores. Essa atividade só teve sentido porque as crianças
identificaram o motivo para cortar a salsicha em partes, ou seja, para colocar no meio do pão
(N-linha 4, referindo-se a cortar na metade) e para não ficar grande no meio do pão (G,
referindo-se a cortar em pedaços menores), isto é, atribuíram um significado para sua ação.
Gimenez e Bairral (2005, p.6), defendem que “A introdução do conceito e o primeiro contato
dos estudantes com as frações devem partir de material de uso comum, não estruturado (...)”,
no caso do episódio acima esse material foi a salsicha e em seguida o pão do cachorro quente.

Como ocorreu a manipulação do material visual pelo grupo foi possível que G (linha
11), medisse as duas partes da salsicha, para que concluísse que são partes iguais. O material
visual também permitiu que a professora e o grupo questionassem o aluno L (linha15),
quando cortou em pedaços grandes e o combinado era cortar em pedaços pequenos a salsicha.
O mesmo aconteceu com J (linha 22) que mostrou como concluiu que a salsicha estava na
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metade e com a professora que também participou da atividade e o grupo observou que as
salsichas foram repartidas em duas partes iguais e, ainda, a aluna J concluiu que as mesmas
ficaram “empatadas”.

Observamos, também, que as ideias das crianças foram expressas e consideradas pela
professora: o aluno F (linha 10), no início, afirmou que não sabia como identificar o que era
cortar na metade e a partir de novos questionamentos foi significando o conceito; o aluno G
teve outra ideia para cortar a salsicha com um corte na vertical e na horizontal e pode mostrar
sua descoberta para o grupo antes que o trabalho com a salsicha fosse encerrado.

A segunda parte do episódio aborda o trabalho com o pão de cachorro quente, que
novamente surge de um problema a ser resolvido: como cortar o pão para que seja possível
colocar o molho com a salsicha dentro. Um grupo de crianças (linha 35) logo afirmou que era
preciso cortar o pão no meio e G (linha 37) mostrou ao grupo como fazer, mas L (linhas 40-
44) queria cortar o pão na metade vertical e o grupo interveio e fez L pensar até que
compreendeu que precisava cortar na metade que chamava de “lado” do pão para colocar o
molho e o grupo acena que conseguiu. Analisamos que L não conseguiu resolver o problema
sozinho, mas sim com a ajuda da professora e dos colegas. Vigotski e seus colaboradores
chamam essa diferença entre aquilo que a criança não consegue fazer sozinha, mas realiza
com a ajuda de um adulto ou de outros colegas de zona de desenvolvimento proximal (ZDP),
que é por ele assim definida:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar


através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 2000,
p.112).

Outro fator que pode ser considerado fundamental para que a ZDP seja criada é a
atividade compartilhada, ou seja, o fato de L estar em um grupo de crianças, cada uma com
suas lógicas e raciocínios próprios que surgem nesse processo de interação. Além disso, para
o autor, é função do professor criar zonas de desenvolvimento proximal, forçando o
aparecimento de funções que ainda não amadureceram e estão em estado embrionário levando
ao “bom ensino”, ou seja, “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento”
Vigotski (1984, apud MOYSÉS, 2007, p.34).

Na linha 48, surge outro problema a ser resolvido cortar o pão para os colegas do
grupo um, que são pequenos (com idades entre 2-3anos) e não conseguiriam comer um pão de
cachorro quente grande inteiro. G (linha 49) sugeriu que cortassem na metade horizontal
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como anteriormente haviam feito e na metade vertical para ficar menor o pão como o colega
L queria cortar anteriormente. L cortou na metade vertical e quando questionado pela
professora logo cortou também na metade horizontal para que se pudesse colocar o molho.
Percebemos que L não precisou mais da ajuda dos colegas para mostrar no seu pão qual era a
metade a ser cortada para colocar o molho. De acordo com estudos de Vigotski (2000, p.113),
o que “é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real
amanhã - ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de
fazer sozinha amanhã”.

Para finalizar a discussão desse episódio, afirmamos que além da mudança da unidade,
que antes era a bolacha, também observamos que no pão de cachorro-quente a forma de
dividir o inteiro na metade também mudou, ou seja, cortar na metade vertical ou na metade
horizontal são duas formas de dividir o inteiro em duas partes iguais. O registro do aluno F
(abaixo) mostra a sua representação da divisão do pão na metade vertical e na metade
horizontal e também da salsicha. A partir do registro, supõe-se que F compreendeu as duas
formas de repartir o inteiro na metade e está significando o conceito de inteiro e metade.
Giménez e Bairral (2005, p.24) concluíram que “para conduzir e controlar o processo de
conceitualização é preciso observar como os alunos lidam com tais objetos e relações. Isso só
é possível por meio dos comentários e das representações dos alunos”. Segundo esses autores,
as representações28 dos alunos são parte do processo de aprendizagem e acreditamos que
mesmo o registro de F não sendo um registro convencional de frações é de fundamental
importância nesse contato inicial com o conceito.

Ilustração 5 - representação do pão e da salsicha cortados pelo aluno F

28
Em nossa escola denominamos as representações de registros.
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As relações parte-todo não se referem somente às quantidades contínuas, pois existem


conjuntos de objetos que podem ser considerados como uma unidade. Com o episódio “A
bergamota” pretende-se iniciar essa discussão da fração como uma coleção de elementos
considerados em conjunto com uma unidade. Esse episódio foi recortado da aula do dia
22/04/2009 quando esse grupo de alunos (A, AC, AL, C, R, V) preparou a receita de torta de
bolacha, no espaço da cozinha pedagógica e após trabalharam com a fruta (bergamota) que
seria servida no lanche do dia. A tarefa do grupo era dividir a bergamota em partes menores
para ser servida.

Episódio 6 – A bergamota
(1) Profª. 1: Por que vamos dividir as bergamotas?
(2) C: Não dá pra comer assim oh... (mostra com a bergamota próxima a boca)
(3) Profª. 1: O que vamos fazer?
(4) A (pega e quer fazer logo e a professora intervém)
(5) Profª. 1: Primeiro vamos pensar como fazer.
(6) AC: dividir.
(7) Profª. 1: Em quantas partes?
(8) Grupo: Duas.
(9) Profª. 1: R você pode dividir no meio?
(10) R (quebra no meio e mostra para os colegas)
(11) A: Quer ver a minha idéia? (começa dividir em gomos)
(12) Profª. 1: Primeiro combinamos de dividir no meio.
(13) (A professora solicita que o V divida ao meio a bergamota)
(14) Profª. 1: Você dividiu em quantas partes? Ficou no meio?
(15) V (acena que sim com a cabeça e mede as duas partes)
(16) Profª. 1: AL como você repartiu?
(17) AL: No meio.
(18) Profª. 1: São iguais? (mede e acena que sim)
(19) C (reclama que não foi questionada e a professora pede desculpa pelo
esquecimento e solicita que mostre)
(20) Profª. 1: Fica bem no meio a divisão?
(21) Grupo: Mais ou menos.
(22) A: Tem que dividir em mais vezes!
(23) Profª. 1: Como?
(24) A: Assim, nas linhas (mostra com as mãos).
(25) Profª1: Por que temos que dividir em mais partes?
(26) Grupo: Por que ninguém pode comer assim (mostra com as mãos e a
bergamota que não é possível comer a metade de uma só vez).
(27) Profª. 1: Quantas partes têm numa metade? Cada um vai contar as partes que
tem na metade.
(28) Profª. 1: Como se chama esse pedaço da bergamota?
(29) A: picado.
(30) Profª. 1: Gomo.
(31) (crianças repetem a palavra e conversam sobre a palavra nova para eles).
(32) (Enquanto isso a professora observa a colega AC que pegou os gomos e tenta
formar novamente uma metade).
(33) Profª. 1: O que formou? Formou uma metade?
(34) AC: Sim

O episódio inicia com o questionamento da professora sobre a necessidade da divisão


da bergamota em partes menores. C (linha 2) logo teve uma resposta para a pergunta,
afirmando e demonstrando para os colegas que não era possível comer ela inteira. Como a
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bergamota é uma unidade formada por partes menores (que são os gomos), que pode ser
dividida de diferentes formas, grupo e professora discutem como fazer a divisão (linhas 3-8).
Inicialmente o grupo decidiu repartir em duas partes iguais e acreditamos que o motivo da
escolha tenha sido a experiência anterior com as bolachas que foram repartidas dessa forma.

Embora todos tenham conseguido dividir a bergamota ao meio sem o auxílio da


professora ou dos colegas (linhas 9-19) o que chama a atenção da pesquisadora nessa parte do
episódio é o fato de R e V realizarem a atividade sozinhos. Se voltarmos ao episódio da torta
de bolacha observaremos que esses alunos não haviam significado o conceito de metade e
sugerimos a proposição de outras situações de aprendizagem envolvendo esse conceito e essa
atividade veio logo a seguir com a bergamota, no mesmo espaço de aprendizagem, a cozinha
pedagógica. Garnier et al (2003) concluíram com suas pesquisas que deixar uma criança
entregue as aprendizagens ocasionais pode levar ao fracasso escolar. Essa ideia confirma a de
Vigotski, trazida no início do capítulo, de que a aprendizagem escolar, de forma intencional, é
qualitativamente diferente da aprendizagem ocasional. É papel da escola proporcionar
diferentes situações de aprendizagem para que ocorra a significação dos conceitos e não
esperar que o aluno avance sozinho. No caso de R e V, a nova situação de aprendizagem foi
decisiva para que refletissem sobre suas ações e utilizassem o conceito em uma nova
atividade. Percebemos que apenas não deu tempo para demonstrarem suas aprendizagens no
episódio anterior, pois logo no início da nova atividade conseguiram repartir na metade e
mediram para confirmar que eram mesmo duas partes iguais.

O aluno A (linhas 11 e 22) levou o grupo a pensar que é necessário dividir a


bergamota em mais partes, sabemos que não se costuma comer a bergamota na metade, mas
sim em gomos. Então, a professora sugeriu que contassem quantas partes menores tinha a
metade de uma bergamota e assim o fizeram. Percebemos, também, que as crianças não
sabiam como se chamavam essas partes menores da bergamota que o aluno a chamou de
“picado” e a professora introduziu a palavra nova “gomo” que é a palavra instituída pela
cultura para designar cada uma das partes do inteiro da bergamota.

No final do episódio a professora observou que AC (linhas 32 a 34) estava tentando


formar a metade da bergamota juntando os gomos. Duhalde e Cuberes (1998, p.65) afirmam
que para as crianças, devido a sua subjetividade “é possível que considerem que uma vez
“quebrado” não volta a ser igual”, ou seja, o pensamento pode não ser reversível na relação
parte-todo. No caso de AC aconteceu o inverso, pois manipulando a bergamota descobriu que
reunindo as partes recupera-se o todo (no caso a metade da bergamota).
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Dessa forma, a situação de aprendizagem foi significativa por ter auxiliado os alunos
que ainda não haviam demonstrado a sua compreensão sobre o conceito de metade, mas
principalmente para que o grupo compreendesse que a bergamota é uma unidade que pode ser
dividida em partes iguais, como na metade ou em partes menores que são os gomos, trazendo
a ideia de fração como uma coleção de elementos que pode ser considerada como unidade.

Para trazer outro exemplo de fração como uma coleção de elementos que pode ser
considerado em conjunto como unidade ou totalidade, o episódio da torta de bolacha volta à
tona, mas com um outro recorte – o registro do aluno A, evidenciando os colegas como a
totalidade. Após a elaboração da receita e a preparação da bergamota a professora solicita que
os alunos registrem através de desenhos o que realizaram na cozinha pedagógica. O processo
da realização dos desenhos foi filmado e transcrito, sendo que a professora selecionou este
registro para continuar a discussão.

Episódio7: O registro da preparação da torta de bolacha

(1) Prof. ª 1: Como você dividiu os colegas aqui no desenho?


(2) A: De 3 em 3, nós era 3 em cada parte.
(3) Prof. ª 1: E três o que é?
(4) A: Um, dois, três (mostra com os dedos).
(5) Prof. ª 1: Duas partes iguais, como se diz?
(6) A: metade
(7) Prof. ª 1: Metade de que?
(8) A: Das crianças.
(9) (A começa a nomear os colegas que desenhou e a professora observa e
questiona)
(10) Prof. ª 1: Quem estava no meio aqui deste lado?
(11) A: Eu (V, A e R).
(12) Prof. ª 1: E aqui?
(13) A: AL (C, AL, AC).
(14) (A mostra com os dedos novamente que representou três de cada lado e fala...).
(15) A: 3 deste lado e 3 deste é igual e três e três são seis.
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Ilustração 6 – registro do aluno A

O aluno A resolveu registrar a forma em que o grupo de seis crianças estavam


organizadas na mesa para trabalhar e a professora fez questionamentos para compreender o
que ele estava fazendo. Observamos então, que ele dividiu o grupo em duas partes iguais e
quando a professora pergunta o que significa dividir de 3 em 3, A afirmou estar dividindo as
crianças na metade (linhas 2-8). Giménez e Bairral (2005) esclarecem que, além da
valorização de diferentes unidades que se constitui uma estratégia didática fundamental,
torna-se importante apresentar situações de aprendizagem em que temos que construir e
reconstruir a unidade. No final do episódio, observamos que isso ocorre com o aluno A, que
reconstruiu a unidade afirmando que “três e três são seis” e compreendeu que juntando as
duas metades dos colegas formaria novamente o todo.

O aluno A (linhas 11 a 13) indicou os colegas que estavam na meio de cada metade de
crianças, ou seja, a posição no espaço e o colega que estava no meio de cada três alunos (ver
ilustração acima). Dessa forma, afirmamos que o aluno significou o conceito de metade e
conseguiu generalizar para diferentes aspectos do mesmo conceito - metade do número de
colegas e o colega que estava no meio dos três (posição no espaço). No subitem seguinte será
analisada de forma mais sistemática essa parte do conceito de fração, como medida de uma
posição no espaço. Além disso, as questões relativas à notação de espaço serão abordadas no
capítulo 3.
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2.2.2 A fração como medida de uma posição no espaço

Giménez e Bairral (2005) definiram este aspecto do conceito de fração como a fração
utilizada para processos de medição, através de uma unidade de medida convencional ou não.
No episódio anterior, quando o aluno A se referiu ao colega que estava no meio dos três
colegas, estava se referindo a posição no espaço que o colega estava ocupando. Durante a
elaboração da receita da torta de bolacha observamos a posição dos objetos no espaço da mesa
e as crianças também se referiram a uma fração para designar onde colocar os objetos (no
meio da mesa, por exemplo). Cabe aqui salientar que não se trata da representação
matemática escrita da fração, mas do uso da linguagem oral. Nunes et al (2005) nos confirma
que precisamos aproveitar as oportunidades de introduzir a linguagem das frações na escola,
pois fora dela essas possibilidades podem ser reduzidas, já que não faz parte de muitas
culturas usarem essa linguagem, ou seja, preferem escrever ou falar 500 gramas ao invés de ½
quilo, por exemplo.

Na aula em que elaboramos a receita da torta de bolacha, retiramos o episódio


relacionado a essa organização das crianças no espaço da mesa e dos objetos. Esse recorte
refere-se ao início da aula, quando antes de começar a trabalhar as crianças organizaram-se na
mesa da seguinte forma: V, A, R e C, AC, AL e em seguida colocaram os utensílios e
ingredientes para a receita.

Episódio 8: organizando os objetos no espaço da mesa

(1) Profª. 1: Esse prato vai ser para a AL, AC e a C e esse para a R, V e A.
(referindo-se ao prato com leite dentro para molhar as bolachas para a torta).
(2) (V quer puxar o prato para sua frente)
(3) A argumenta: tem que colocar no meio. (espaço na mesa correspondente ao
meio dos três colegas para que todos alcancem o prato)
(4) Profª. 1: Aqui é o meio? (mostrando outro local)
(5) R: Não é aqui. (apontando o espaço da mesa entre o três colegas)
(6) Profª. 1: Tem três crianças aqui o V, A e a R, quem está no meio?
(7) A: Eu.
(8) Profª. 1: E nesse outro lado, quem está no meio.
(9) AC: Eu.
(10) (AL e AC continuam discutindo sobre o lugar do prato e a professora intervém)
(11) Profª. 1: Onde combinamos de colocar o prato?(aceitam então o combinado)
(12) Profª. 1: Tá faltando alguma coisa que é importante e que temos que colocar
no meio da mesa?
(13) A: A bandeja. (Referindo-se a travessa para colocar a torta dentro. Sai e logo
volta com ela da outra mesa).
(14) Profª. 1: Vamos pedir para o A colocar no meio da mesa
(15) (A professora abre dois pacotes de bolacha e...).
(16) Profª. 1: Vou colocar um pacote em cada metade da mesa (todos concordam).

Nas linhas 1 até a 11, professora e alunos conversaram sobre a posição do prato com
leite que seria utilizado para molhar as bolachas. Como nessa faixa etária o egocentrismo
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ainda está presente, algumas crianças queriam o prato somente para elas, como o aluno V, AC
e AL. Para resolver o problema o aluno A sugeriu que colocassem no meio, referindo-se ao
espaço da mesa que ficava no meio dos três colegas que estavam em cada lado da mesa.
Observamos que registrou isso (ilustração 6), onde os pratos com leite estão pintados de azul.
A professora mediou a resolução do conflito, questionando qual a criança que estava no meio
de cada três (linhas 6-9) até que finalmente todos aceitaram a regra combinada com o grupo
de colocar “no meio” , compreendendo que isso era necessário para que todos pudessem
alcançar. A mediação pela linguagem oral foi um dos estudos que ganharam destaque nas
pesquisas de Vigotski e seus seguidores e observamos que com as crianças da Educação
Infantil dessa escola, esse processo de mediação faz parte da rotina da aula, bem como o
trabalho em grupos e as interações entre elas.

Neste recorte da aula, denominado “organizando os objetos no espaço da mesa”


exploramos a noção de fração como um lugar na mesa, utilizando a linguagem fracionária
metade. Isso se repetiu com a travessa que foi colocada no meio da mesa (linhas 12-14),
representada na ilustração do aluno A com a cor amarela e com os pacotes de bolacha um em
cada metade da mesa (linhas 15 e 16), na cor marrom.

Acreditamos que a situação de aprendizagem na cozinha pedagógica, com a


elaboração da receita da torta de bolacha, possibilitou a organização das aprendizagens das
crianças relativas a diversos aspectos do conceito de fração. Vigotski (1988, apud MOYSÈS,
2007, p.35) confirma a importância da organização dessas aprendizagens que podem levar ao
desenvolvimento mental das crianças:

(...) a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta


organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa
todo o grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-
se sem a aprendizagem. Por isso a aprendizagem é um momento intrinsecamente
necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características
humanas não-naturais, mas formadas historicamente.

Giménez e Bairral (2005) listaram diferentes aspectos da fração que devem ser objeto
de exploração pelo professor ao longo do Ensino Fundamental, mas cabe lembrar que a
introdução de alguns aspectos da fração, através da linguagem oral e das representações não
convencionais já é de grande valia ao considerar que faz parte do currículo da Educação
Infantil. No último subitem desse capítulo, para finalizar essa discussão sobre a introdução do
número racional, abordamos mais um desses aspectos.
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2.2.3 A fração como função: relação entre conjuntos de objetos de cores diferentes

Os mesmos autores citados anteriormente, explicitam que esse aspecto da fração


indica a relação entre duas ou mais coleções de objetos, como forma de expressar a relação
entre as partes de um todo. Para exemplificar esse aspecto da fração trago o episódio 10, que
ocorreu em outro espaço da escola – a sala de aula. Este relata a construção de um gráfico
pelos alunos e a professora para registrar a escolha das cores para a construção do jogo dos
dentes. O episódio foi transcrito da documentação pedagógica do projeto, já citada no texto
anteriormente, da aula do dia 3/7/2009, no qual, após escolherem, através de uma votação a
cor que iriam utilizar para pintar os círculos do jogo, construíram um gráfico coletivo e em
seguida cada criança construiu o seu individualmente. Cabe reforçar que é um recorte da aula
e que outros momentos da construção do jogo aparecem nesse capítulo e no seguinte. Cada
uma das doze crianças estavam de posse de um quadrado representando a cor de seu voto,
organizados ao redor de uma mesa retangular com uma folha de cartolina no centro, contendo
quadrados nas cores rosa, vermelho, azul e roxo, organizados em colunas e com o nome da
cor escrita dentro, como está representado na ilustração 7.

Episódio9: Gráfico para escolha de cores para o jogo dos dentes


(1) Profª. 1: Como vamos colar os votos?(referindo-se aos quadrados na cor do
voto de cada criança)
(2) A: Vamos colocar em cima.
(3) Profª. 1: Em cima do que?
(4) F: Em cima da ficha da mesma cor.
(5) (Os alunos passaram cola e foram colando seus votos na fila da cor
correspondente, um de cada vez, de forma autônoma e com a supervisão dos
colegas que sugeriam: está um pouco torto, tem que colar mais para o lado).
(6) Profª. 1: Agora que colamos todos podemos saber de quem é cada voto?
(7) AL: O meu dá, o meu roxo tem umas manchinhas um pouquinho brancas.
(8) Profª. 1 questiona o número de votos que cada cor recebeu e os alunos
respondem.
(9) Profª. 1: Como vamos saber se tem o voto de todos os alunos no gráfico?
(10) A: Podemos escrever o nome em cada voto.
(11) Profª. 1: Não tem outro jeito?
(12) CS começou a contar quantos votos haviam e falou: É só contar, tem doze!
(13) Profª. 1: E doze são todos os colegas?
(14) Grupo: aha...
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Ilustração 7 – foto do gráfico construído pelo grupo

No início do episódio (linhas 1-5) professora e alunos discutiam como iriam colar o
voto de cada criança, organizados pela cor em que cada um votou. O aluno A logo foi dizendo
que era para colar em cima e quando a professora questionou em cima do quê, F interveio e
completou dizendo “em cima da ficha da mesma cor”, pois a professora já havia colado uma
ficha de cada cor com o nome da cor dentro para que as crianças tivessem algo para começar
a pensar sobre a organização do gráfico. Como já haviam construído antes outros gráficos,
como o da escolha do projeto, as crianças compreenderam como organizar em colunas e
foram colando os mesmos. Observamos que estavam preocupados com a estética do mesmo
(linha 5), sugerindo que os colegas colassem mais para o lado, mais reto.

A intencionalidade da professora com a situação de aprendizagem veio logo a seguir


(linhas 6-14), quando questionou se depois de todos os votos colados, poder-se-ia identificar
qual era o voto de cada criança, ou seja, cada uma das partes em relação ao todo. Para
surpresa da professora, a aluna AL (linha 7) identificou o seu voto, afirmando que no seu
papel tinha umas manchas brancas, os demais não identificaram, pois como os papéis eram
iguais isso não era possível, naquele momento formavam o todo.
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Ao contarem o número de votos de cada cor (linha 8) estavam identificando cada uma
das partes distintas do todo, como observamos na foto do gráfico coletivo (ilustração 7),
sendo 4 votos de 12 na cor rosa, 3 votos de 12 na cor vermelha, 2 votos de doze na cor azul e
3 votos de 12 na cor roxa. Mas, pode-se questionar se conseguem perceber que ao juntar as
partes estamos formando o todo novamente, por isso a professora questiona se é possível
saber se temos o voto de todos os alunos (linha 9) no gráfico. O aluno A (linha 10) sugeriu
que cada um escrevesse o nome no seu voto, mas CS (linha 12) descobriu que “é só contar” e
como tinha doze, era o total de votos. O grupo confirmou que doze era o todo, pois no grupo
tinha doze alunos. Dessa forma exploramos o conceito de fração como função, como uma
relação entre as quatro cores escolhidas e o todo e confirmamos o que afirmam Giménez e
Bairral (2005, p.10): “(...) que há uma variedade de situações que, frequentemente e
diferentemente, falam das frações”. Cabe aqui destacar que a discussão da ilustração 7 e da
escolha das cores para pintar os círculos para a construção do jogo dos dentes, retorna no
capítulo seguinte, onde abordamos o tratamento da informação.

Além de considerar a variedade de situações em que o conceito de fração pode estar


presente, Soares e Moro (2005) esclarecem que as diferentes representações, denominadas
pelas autoras de semióticas, por serem produções externas, constituídas de signos, são
fundamentais para a aprendizagem de conceitos matemáticos e afirmam que “(...) é tão
importante para a atividade matemática mobilizar vários registros de representação semiótica
(figuras, gráficos, escritas simbólicas) no decorrer de um mesmo processo (...)”. Nas situações
de aprendizagem envolvendo frações, diversas representações foram utilizadas para registrar
as atividades.

No capítulo seguinte, além de analisar as representações, pretendemos explorar outras


notações matemáticas, ou seja, não somente as que envolvem o número, mas também as
notações de espaço, formas e tratamento da informação, nos mesmos tempos e espaços em
que o conceito de número foi explorado, pois esses “tempos e espaços” são a centralidade
dessa pesquisa.
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CAPÍTULO 3

EXPLORANDO OUTRAS NOTAÇÕES NOS MESMOS ESPAÇOS E TEMPOS:


ESPAÇO, FORMAS E O TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO

“As crianças, nos mais diversos contextos socioeconômicos e culturais, estão


imersas em um mundo de notações matemáticas desde o momento em que chegam
ao mundo” (BRIZUELA, 2006, p.17).

Ao abordar o termo notação, a autora está se referindo aos domínios do conhecimento,


como objetos conceituais. No capítulo dois, focalizamos a notação de número (natural e
racional), ou seja, as notações que as crianças usam com relação às quantidades e neste
capítulo, buscamos explorar outras notações, como a notação de espaço, forma e o tratamento
da informação.

No RCNEI (BRASIL, 1998, p.209), as noções de espaço e forma estão no último


bloco de conteúdos a serem explorados na Educação Infantil e dentre os conteúdos listados
estão: explicitação e/ou representação da posição de pessoas e objetos, utilizando vocabulário
pertinente nos jogos, nas brincadeiras e nas diversas situações em que as crianças consideram
necessária essa ação. Exploração e identificação de propriedades geométricas, de objetos e de
figuras como formas, tipos de contornos, bidimensionalidade, tridimensionalidade, faces
planas, latos retos, etc.

Segundo o mesmo documento, na Educação Infantil, as experiências com espaço estão


presentes nas relações que estabelecem com o espaço ao seu redor em três perspectivas: “as
relações espaciais contidas nos objetos, as relações espaciais entre os objetos e as relações
espaciais nos deslocamentos (BRASIL, 1998, p.230)”. No item seguinte, analisaremos a
exploração do espaço nessas perspectivas e a seguir a identificação do atributo formas
(geométricas) nos objetos.
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3.1 A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: POSIÇÃO DE UM SUJEITO/OBJETO NO ESPAÇO

Duhalde e Cuberes (1998) esclarecem que a criança desde que tem os primeiros
contatos com o meio, começa a construir diferentes espaços e isso ocorre através da
exploração que faz através dos sentidos. Por meio da exploração e dos deslocamentos, irá
convertendo esses espaços no “espaço real”. Nesse espaço, a criança necessita resolver
problemas espaciais, como: alcançar um recipiente que está no alto, abrir um objeto, deslocar-
se para alcançar outro. Na Educação Infantil, essa exploração pode envolver as três
perspectivas que abordaremos nos subitens seguintes.

3.1.1 As relações espaciais contidas nos objetos

Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998, p.230) nos esclarece que “As relações espaciais
contidas nos objetos podem ser percebidas pelas crianças por meio do contato e da
manipulação deles”, ou seja, podem ser percebidas por meio da observação de características
dos objetos e a identificação de atributos como quantidade, tamanho e forma.

Para iniciar a discussão da noção de espaço, trazemos o episódio 10 - o recheio e a


cobertura da torta de bolacha. Este recorte fez parte da aula do dia 22/04/2009, quando um
grupo de seis alunos e as professoras (Professora 1 e 2) preparavam uma receita de torta de
bolacha. Cabe esclarecer que a mesma aula foi utilizada para exemplificar outras notações
matemáticas no capítulo 2.

Episódio 10- O recheio e a cobertura da torta


(1) (...) (A Profª. 2 traz o recheio - creme de chocolate- e coloca na mesa).
(2) Profª. 1: Vamos espalhar o creme em todo espaço (mostra com as mãos).
(3) A: Ele espalha outra, ela espalha outra... (referindo-se a participação de todo o
grupo)
(4) Profª. 1: O que tem que fazer com esse espaço? (Mostrando para a torta de
bolacha)
(5) A: Cobrir.
(6) Profª. 1: R onde você tem que colocar? Você precisa pensar.
(7) Grupo: Aqui, aqui... (iam apontando com o dedo onde era para a colega
colocar creme)
(8) (repetiram a atividade nas quatro camadas da torta de bolacha)
(9) Profª. 1: Vamos colocar o chocolate granulado num lugar só?(referindo-se a
cobertura da torta)
(10) Grupo: Em toda torta.
(11) Profª. 1: Onde está faltando?
(12) Grupo: Aqui, aqui... (apontam com o dedo).

Neste episódio, após cada camada de bolacha que era colocada na travessa, os alunos
tinham que espalhar o recheio de forma que preenchesse todo o espaço e todas as bolachas
ficassem cobertas, ou seja, a professora propôs que os alunos resolvessem um problema (linha
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2). O aluno A (linha 5) compreendeu que preencher todo espaço significava cobrir as bolachas
enquanto que R necessitou da mediação da professora e dos colegas para que soubesse onde
colocar o creme.

Duhalde e Cuberes (1998, p.62) afirmam que “A partir de repetidos ensaios e


enquanto resolvem problemas irão paulatinamente construindo o espaço”, ou seja, foi
necessário repetir a atividade outras vezes (linha 8) para que a aluna R explorasse e
identificasse o que era preencher todo o espaço. Duhalde e Cuberes (1998) complementam o
que traz o referencial, afirmando que a criança começa a construir a noção espacial através
dos sentidos, através da ação que deve ser contextualizada e compartilhada com o grupo
através da linguagem. Notamos que a ideia de utilizar todo o espaço da bandeja volta no final
do trabalho, com outro desafio, colocar a cobertura (chocolate granulado – linhas 9, 10,11 e
12) e necessitaram, novamente, da ação para realizar a tarefa.

Supomos que este caso refira-se às relações espaciais contidas nos objetos, ou seja, na
travessa em que foi elaborada a receita da torta. As crianças puderam observar a forma da
travessa (oval) e das bolachas (redondas) que ocupavam o espaço interno da mesma, a
quantidade de creme necessária para cobrir todas as bolachas dentro do espaço limitado, bem
como as características do chocolate granulado e o espaço que ocupa dentro da travessa.

Observamos que esse episódio é marcado pela participação de todo o grupo na maioria
das respostas (linhas 7, 10, 12) e pela ação de todos os participantes na hora de colocar o
recheio. Nesse caso, o trabalho foi coletivo e organizado pela professora que participou da
atividade propondo a resolução do problema espacial e fazendo questionamentos, mas o
grupo é que realizou as tarefas para responder aos questionamentos e significar as relações
espaciais contidas nos objetos. Garnier et al (2003, p.216) argumenta que na atividade
coletiva

(...) as interações sociais encontram sua expressão através de diferentes formas que,
conforme o caso, podem ser complementares. O trabalho entre colegas pode ser
organizado e dirigido pelo professor, com o adulto participando, ou pode realizar-se
somente entre os alunos.

3.1.2 – Relações espaciais entre os objetos e entre sujeitos e objetos

Duhalde e Cuberes (1998, p. 68) esclarecem que “a construção dos conceitos que
organizam a orientação no espaço implica o estudo das posições relativas de um sujeito
observador, ou um objeto, em relação consigo mesmo ou com outros objetos em repouso ou
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movimento”. Essas relações podem ser expressas pelas palavras: “em cima de”, “entre”,
“sobre”, “dentro”, “fora”, ou seja, distinguir se os objetos estão próximos ou distantes, acima
ou abaixo.

Para Duhalde e Cuberes (1998), na segunda perspectiva no que se refere às


experiências com o espaço, estão as relações espaciais entre os objetos. Tomamos a liberdade
de acrescentar neste item as relações espaciais entre sujeito – objeto ou sujeitos-objetos. Na
ilustração 6 do capítulo dois, o aluno A registrou suas compreensões do espaço a este
respeito. Ao desenhar a posição de cada objeto na mesa quando estavam elaborando a receita
da torta de bolacha, acreditamos que estabeleceu relações espaciais entre os objetos dispostos
na mesa (a travessa estava no “meio” da mesa e os pacotes de bolacha um em cada “metade”),
e entre os objetos dispostos na mesa e os colegas quando indicou a posição do prato de leite
(que estavam “no meio”) em relação aos três colegas, por exemplo.

Para continuar esta análise trazemos outro episódio, recortado de uma aula no ateliê,
outro tempo e espaço de aprendizagem. Este episódio foi recortado da aula do dia 2/7/2009,
quando seis alunos foram para o ateliê para confeccionar O jogo dos dentes e surgiu uma
problematização com relação ao espaço a ser ocupado e o espaço disponível para a atividade.
O grupo de alunos que interagiram nessa atividade foram A, C, CS, R, V e as professoras 1 e
3.

Episódio 11– O espaço necessário para confeccionar o jogo dos dentes


(1) (quando chegam ao ateliê, as mesas estão nos cantos da sala e o espaço no
meio do ateliê está livre).
(2) Prof.ª 1: Onde estão as mesas? Por que as professoras tiraram as mesas?
Vamos usar...
(3) CS: O chão.
(4) Prof.ª 1: Cada um acha um lugar para sentar no chão.(todos sentam no chão do
ateliê)
(5) (Prof.ª 3 distribui folhas de papel pardo entre as crianças – retângulo grande e
solicita que coloquem o papel na sua frente, surge então um problema...).
(6) Prof.ª 1: E agora, não temos espaço para o V e o A?
(7) R: Lá.
(8) C: E o V lá.
(9) (Prof.ª 1 continua a fazer questionamentos enquanto A e V tentam encontrar um
lugar para sentar).
(10) Prof.ª 1: Por que precisamos do chão?
(11) C: Não cabe o papel na mesa.
(12) CS: Tem um buraco.(referindo-se ao que aconteceria no caso de juntar duas
mesas)
(13) Prof.ª 1: Um buraco entre as duas mesas?
(14) (CS acena que sim)
(15) (A acha um lugar para ele e V fica parado sem saber o que fazer e precisa do
auxílio da professora que questiona onde tem um lugar que possa se organizar).
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No início do episódio, as professoras (professora 1 e professora 3) haviam tirado as


mesas para que as crianças observassem que o espaço estava diferente, com o chão do centro
do ateliê livre, pois iriam utilizar papel pardo de cerca de um metro de largura e um metro e
meio de comprimento. A aluna CS sugeriu que utilizassem o chão (linha 3) e a professora
solicitou que encontrassem um espaço no chão para sentar (linha 4) e todos os alunos o
fizeram. O problema surge quando a professora começa a distribuir os papéis para que
realizem o trabalho e dois colegas (V e A) ficaram sem saber onde colocar seus papéis, já que
o espaço onde estavam sentados fora ocupado pelos papéis dos outros colegas. Segundo o
RCNEI (BRASIL, 1998, p.230) “As relações espaciais entre os objetos envolvem noções de
orientação, direcionalidade (...)” e, essa orientação, que foi necessária para que as crianças se
localizassem na sala em relação a sua posição no espaço e a posição do papel que deveria
ficar “na frente” de cada criança.

Os alunos A e V ao ficar sem espaço, foram auxiliados pelos colegas R e C que


tentaram indicar onde podiam sentar. O aluno A encontrou um lugar para sentar e colocar o
papel a sua frente, mas V ficou parado e não soube onde se assentar. A mediação através da
linguagem oral, que foi um dos grandes destaques dos estudos de Vigotski, tornou-se
necessária, neste caso, para que o aluno V encontrasse o seu lugar no espaço, pois a mediação
se constitui num elemento auxiliar externo de fundamental importância no processo de ensino
e aprendizagem.

Percebemos que a percepção do espaço exterior à criança não é algo fácil para ela e
que a noção de espaço é algo que vai sendo significado quando ela necessita resolver algum
problema espacial, na interação com os outros colegas e os adultos. Smole et al (2003, p.16)
denominaram de “competência espacial” essa capacidade do indivíduo de orientar-se no
espaço. Para essas autoras

O conhecimento do seu próprio espaço e a capacidade de ler esse espaço pode servir
ao indivíduo para uma variedade de finalidades e constituir-se em uma ferramenta
útil ao pensamento tanto para captar informação quanto para formular e resolver
problemas.

Outro aspecto que analisamos é a problematização realizada pela professora com


relação ao porque do uso do chão e não das mesas (linhas 10-14). A aluna C concluiu que
usaríamos o chão porque o papel não caberia na mesa (linha 11) e CS observou que se
juntássemos duas mesas ficaria um buraco entre elas (linha 12). Nesta parte do episódio, bem
como quando A e V não conseguem encontrar um lugar no chão do ateliê para trabalhar
trazemos a noção de “devolução didática” assim apresentada por Brousseau (1986, apud
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PAIS, 2006, p.29): “(...) o professor deve intensificar as relações no sentido de induzir a
devolução de um problema para o aluno, em vez de acreditar na transmissão de
conhecimentos”, ou seja, ao professor cabe levar o aluno a um envolvimento direto com a sua
aprendizagem e com o conhecimento, interagindo com o saber matemático.

No dia seguinte à aula no ateliê, todos os alunos do grupo três foram desafiados a
recortar os círculos e a noção do espaço a ser ocupado pelos objetos e a localização do sujeito
em relação aos objetos voltou à tona. Cada criança procurou um lugar no chão da sala para
colocar o retângulo grande com o círculo desenhado para que pudesse ser recortado. A aluna J
não conseguia achar um espaço então solicitou à professora para trabalhar no corredor “na
frente” da sala. Dessa forma, o conceito pode ser explorado também em outra atividade, a de
recortar os círculos que haviam sido desenhados no papel pardo (conforme relatado no
episódio), em outro tempo e espaço, o da sala de aula. Para finalizar essa análise sobre as três
perspectivas da exploração das relações espaciais, trago as relações espaciais nos
deslocamentos.

3.1.3 Relações espaciais nos deslocamentos

Duhalde e Cuberes (1998, p.30) definem as relações espaciais nos deslocamentos


como “experiências espaciais que estão relacionadas com os deslocamentos dos sujeitos no
espaço e que permitem à criança compreender a diferença entre espaço próximo e espaço
distante”. Para exemplificar e iniciar a discussão desse item, apresentamos o episódio 12 que
foi gravado da aula do dia 13/07, sendo outro recorte da mesma atividade do episódio 3, no
qual é explicitado em que consiste o jogo.

Episódio 12 - O espaço na hora de jogar o jogo dos dentes.


(1) (G começa o jogo, joga o dado e avança cinco círculos. O jogo segue com as
crianças jogando o dado, a professora lendo o que está escrito e conversando
sobre o que significa avançar e voltar o número de casas que tiraram no dado).
(2) (No círculo onde C caiu estava escrito volte duas casas ela andou para frente e
o grupo reclamou).
(3) Prof.ª 1: Voltar quer dizer ir para frente ou para trás?
(4) Grupo: Pra frente!
(5) (Enquanto esperam sua vez de jogar novamente pulam, mexem-se no espaço do
círculo, ficam de joelhos ou sentados).
(6) (Durante o jogo acontecem alguns problemas para o grupo resolver: Duas, três
e até quatro crianças precisam ficar num mesmo círculo com cerca de 60 cm de
diâmetro e tem que dividir o espaço. Quando CS, N, AL e A tem que dividir o
mesmo espaço a professora questiona como vão fazer).
(7) N: Tem que ficar em pé.
(8) (todos aceitam a idéia da N, e quando ficam mais de um colega no círculo
ficam em pé).
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O episódio inicia após o grupo ter organizado os círculos em forma de uma boca, pois
os mesmos representam os dentes. O aluno G (linha 1) foi o primeiro a jogar e o dado indicou
que devia avançar cinco casas, em seguida os outros cinco jogadores começaram o jogo e
avançaram tantos círculos quanto tiraram no dado. Mas o jogo apresenta outras possibilidades
de explorar o deslocamento no espaço quando as crianças caem em um círculo onde está
escrito algo que é prejudicial aos dentes “as balas são amigas da cárie, volte duas casas”, por
exemplo. Neste caso ao invés de avançarem deviam ir para traz, como aconteceu com a aluna
C (linha 2). Ao escutar o comando de voltar duas casas avançou duas casas e o grupo
percebeu e reclamou que C não estava cumprindo a regra. A professora percebeu que C não
compreendeu o conceito de ir para trás, questionou e o grupo também interveio afirmando que
era para trás. Duhalde et al (1997, p.90), ao discutirem as experiências relacionadas aos
deslocamentos, afirmaram que “Na organização e orientação no espaço, as crianças passam
por sucessivas etapas que precisam da construção do seu esquema corporal. (...) o primeiro
sistema de referência são os eixos do próprio corpo. As primeiras expressões são em cima -
em baixo, na frente-atrás”.

Seguindo no episódio, observamos, na linha 5, as diferentes formas de as crianças


apropriarem-se do espaço disponível. Quando estavam sozinhas no círculo, sentavam-se,
ficavam de joelhos. O mesmo não acontecia quando o jogo ia se desenvolvendo e
coincidentemente duas, três ou quatro crianças necessitavam dividir o mesmo espaço (linha
6). Então, surge um novo problema e uma nova possibilidade de explorar o espaço durante o
deslocamento pelos círculos para chegar ao final do jogo. A aluna N sugeriu que quando isso
acontecesse todos ficassem em pé e o grupo aceitou a nova regra. Vigotski (2000, p.126) nos
esclarece que a aceitação das regras às claras, combinadas com o grupo demonstra a evolução
do brinquedo das crianças “O desenvolvimento a partir de jogos em que há uma situação
imaginária às claras e regras ocultas para jogos com regras às claras e uma situação
imaginária oculta delineia a evolução do brinquedo das crianças”.

Podemos afirmar que com o jogo dos dentes as crianças puderam brincar e
consideramos que o brinquedo tenha um papel importante no desenvolvimento das crianças.
Ao nos referirmos a palavra “brincar” podemos estar falando de atividades dirigidas e com
regras, como no jogo acima ou de brincadeiras livres criadas pelas crianças, nos tempos e
espaços destinados para isso. O mesmo autor e seus seguidores nos esclarecem a esse respeito
“É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera
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visual externa, dependendo das motivações e das tendências internas, e não dos incentivos
fornecidos pelos objetos externos” (VIGOTSKI, 2000, p.126).

Outro aspecto que cabe aqui salientar refere-se ao registro dessa atividade, pois
realizar a atividade por realizar, pode tornar-se algo empírico. Na sala de aula, a atividade foi
discutida com o grupo e entre os dois grupos que realizaram a mesma atividade em separado e
após registraram através de desenhos o jogo29.

Com a discussão desse episódio, abordamos nesse primeiro item do capítulo diversas
experiências envolvendo três perspectivas do conceito de espaço, em diferentes tempos e
espaços da escola. No item seguinte, pretendemos discutir outra notação matemática,
relacionada a outro ramo da geometria que são as formas geométricas.

3.2 AS FORMAS GEOMÉTRICAS

No início do capítulo 3, citamos que as formas e propriedades geométricas dos objetos


fazem parte do terceiro bloco de conteúdos sugeridos para serem explorados na Educação
Infantil segundo o RCNEI (BRASIL, 1998). De acordo com o referencial, a partir da
exploração do espaço ao seu redor as crianças entram em contato com as formas geométricas
contidas nos mais diversos tipos de objetos, gravuras, construções ou na natureza.

Smole et al (2003, p.16) define o estudo de geometria na Educação Infantil “como o


estudo de figuras, de formas e de relações espaciais” e segundo a mesma autora é importante a
abordagem da geometria nesta fase da escolarização das crianças, ao longo do ano letivo e
envolvendo diferentes situações de aprendizagem.

3.2.1 As formas geométricas e suas propriedades

No item anterior desse capítulo, buscamos compreender os diferentes aspectos das


relações espaciais e neste item pretendemos discutir o estudo das figuras e formas
geométricas. Pensando nisso, trago o episódio13 que foi recortado da aula do dia 2/7/2009 e
faz parte da aula onde também foi recortado o episódio 11, deste capítulo. Os alunos estavam
no ateliê e após se organizarem no espaço do chão da sala, recebem um retângulo de papel
pardo e são desafiados a desenhar círculos utilizando bambolês para representar os dentes

29
Ver ilustração 1, no capítulo 2.
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(construção do jogo dos dentes) e pintar os mesmos. Surge então, a discussão a respeito das
formas geométricas que estão observando (papel pardo) ou desenhando (círculos). O grupo de
alunos que interagiram nessa atividade foram A, AL, C, CS, R, V, professoras 1 e 3. Esse
episódio foi dividido em duas partes, um referindo-se a significação do conceito de retângulo
e o outro de círculo.

Episódio 13: observando, desenhando e pintando formas geométricas - 1ª parte

(1) Prof.ª 1: A Prof. quer saber que forma tem essa folha? (mostrando para o papel
pardo que receberam)
(2) A: Retângulo.
(3) Prof.ª 1: Por quê?
(4) A: Por que não é quadrado, quadrado é a metade, assim cortado (faz gestos).
(5) C: Retângulo porque é comprido.
(6) (AL, CS e R respondem que é retângulo, mas não sabem o porquê).
(7) V: Quadrado.
(8) (passado um tempo...)
(9) (V precisa pegar outro papel e a professora questiona que forma tem o seu
papel, agora responde que é um retângulo e um quadrado).
(10) A: V, para ser quadrado, olha para mim, tem que ser aqui e aqui. (V continua
pintando o círculo que desenhou)
(11) Prof.ª 3: Os lados do retângulo são iguais?
(12) Prof.ª 1: O tamanho dos lados são iguais?Grupo: diferentes.
(13) Prof.ª 3: Quantos são diferentes?
(14) CS e AL: Não sei.
(15) (CS levanta e mostra os maiores e os menores)
(16) (Prof.ª 1 e C contam os lados maiores e menores e falam para os colegas: dois
maiores e dois menores).
(17) Prof.ª 1: A, por que mesmo que não é quadrado?
(18) Prof.ª 1: Por que tem dois lados maiores e...
(19) A: Dois menores.

O episódio inicia com o questionamento da professora sobre a forma do papel que


receberam para desenhar um círculo. Os alunos A e C (linhas 2-5) afirmam ser um retângulo e
justificaram suas respostas. AL, CS e R (linha 6) responderam que o papel tinha forma de
retângulo, mas não sabiam por quê. Van Hiele (1994, apud DUHALDE E CUBERES, 1998)
classificou o aprendizado de geometria em fases. No primeiro nível a criança pode identificar
um quadrado ou um retângulo, mas não é capaz de perceber as características dos seus lados.
Observa-se isso nessa parte do episódio em que as crianças tentam explicar porque é um
retângulo com seus próprios argumentos, ou afirmam que não sabem por que é um retângulo.
Smole (2003, p.17), referindo-se ao mesmo estudo, nos esclarece que nesta fase “as figuras e
as formas geométricas são vistas globalmente, e não como figuras e formas que têm partes ou
propriedades”.

Seguindo no episódio, observa-se que o aluno V (linhas 7-9) afirmou primeiro que o
papel era um quadrado e depois ficou em dúvida se era um retângulo ou um quadrado. A,
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tentou convencer V que era um retângulo, mas seus argumentos foram insuficientes e V fez
de conta que não ouviu. Para Van Heile (apud SMOLE et al, 2003), essas confusões são
comuns nesta fase de aprendizagem, e é papel da escola fazer o aluno avançar de nível através
de situações de aprendizagem que permitam a ele explorar, comparar, investigar, registrar e
discutir sobre as observações realizadas. Pensando nisso, as professoras (1 e 3) começaram a
questionar os alunos sobre os lados do retângulo (linhas 11-17) primeiramente sobre o
tamanho dos lados do retângulo e em seguida sobre os pares de lados paralelos. As crianças
sabiam que o tamanho dos lados eram diferentes, mas não souberam dizer como se
estabeleceu essa diferença, então, a professora 1 e a aluna C contaram os lados menores e
maiores enquanto os colegas observaram e concluíram que a figura tinham dois lados
menores e dois lados maiores.

No final do episódio, a professora 1 voltou a perguntar para o aluno A porque aquela


figura não era um quadrado, como tentara justificar anteriormente e agora com a mediação da
professora, começou a compreender que era um retângulo porque tinha dois lados maiores e
dois lados menores. Acreditamos que desse modo, com a mediação das professoras através
dos questionamentos, as crianças poderão avançar de nível, passando para o segundo nível,
que é o de análise das propriedades das figuras. Cabe aqui salientar, que as aprendizagens são
individuais e o processo é diferente para cada sujeito, pois cada criança avançará conforme for
significando os conceitos.

3.2.2 Significação do conceito de círculo: a palavra exercendo a função de conceito

Antes de apresentar a segunda parte do episódio, cabe esclarecer que esse foi dividido
para o melhor entendimento do leitor, mas as duas partes do episódio fazem parte da mesma
aula e aconteceram simultaneamente. A segunda parte do episódio pode nos auxiliar a
compreender a significação do conceito de círculo. Na sala de aula, professora e alunos
combinaram de utilizar bambolês para fazer os desenhos que serviram para representar os
dentes, formando uma boca para jogar o jogo dos dentes. A turma foi dividida em dois grupos
e os dois grupos participaram da atividade, sendo que recortamos a parte da aula que inclui
esse grupo de crianças por ser significativo para nossa pesquisa.

Episódio 13: observando, desenhando e pintando formas geométricas - 2ª parte

(1) Vamos usar os bambolês para representar o que?


(2) Grupo: Os dentes.
(3) (Prof.ª 1 distribui os bambolês e combinam desenhar, riscando pelo lado de
dentro do bambolê com o lápis).
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(4) Prof.ª 1: Que forma é essa que a gente está desenhando?


(5) CS: Bola.
(6) Prof.ª 1: A, como você acha que se chama?
(7) Grupo: Bola.
(8) Prof.ª 1: Será que não tem outro nome?
(9) A: Redondo.
(10) Prof.ª 1: Todo mundo desenhou o seu redondo?
(11) (Professoras organizam e distribuem as bandejas com tinta, rolos e pincéis
para a pintura dos círculos e as crianças começam a pintar. Enquanto pintam
as professoras circulam e questionam sobre os espaços que ainda não foram
pintados, as bordas do desenho...).
(12) (Prof.ª 1 questiona novamente se não tem outro nome para o desenho que
fizeram).
(13) Grupo: Uma bola
(14) A: Círculo.
(15) Prof.ª 1: Será que se chama círculo?
(16) A: Uma bola é um círculo!
(17) Prof.ª 1: Vamos perguntar para a Prof.ª 3 se é um círculo?
(18) Prof.ª 3: Sim, é um círculo.
(19) Prof.ª 1: Vamos continuar pintando o nosso círculo!
(20) A: Prof.ª 1 fiz outro círculo ao redor desse, é um círculo de segurança para não
sair fora com a pintura.
(21) AL e CS: Vou desenhar outro círculo.

Nesta parte da aula, desenvolvida no espaço do ateliê e desencadeada pelo projeto


“Estudando sobre os dentes”, surge um novo conceito a ser significado. Observamos que após
as combinações iniciais, enquanto as crianças desenham os círculos no papel pardo,
utilizando-se de um bambolê como se fosse uma régua, a professora questiona que forma
estão desenhando e inicia-se o foco da nossa análise (linha 4 em diante). As crianças
respondem: bola, redondo, pois não sabem o nome científico da figura.

Conforme abordamos anteriormente nessa pesquisa e segundo os pressupostos


vigotskianos, “o processo de educação escolar é qualitativamente diferente do processo de
educação em geral” e na escola a criança começa a entender as bases dos estudos científicos,
partindo de suas próprias generalizações, passando a estabelecer relações lógicas. Para
compreender o episódio acima, precisamos abordar os dois tipos de conceitos trazidos por
Vigotski em sua teoria, os conceitos espontâneos, os científicos e os confrontos que
estabeleceu entre eles.

Os conceitos espontâneos são aqueles que a criança aprende no seu dia-a-dia, no


contato com objetos, fatos ou fenômenos, sem ter consciência. Ela vai formulando na medida
em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos presentes na sua vida diária,
impregnados da experiência. Os conceitos científicos são aqueles significados a partir da
aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento em que a criança frequenta a
escola. É aquele conceito que só se elabora intencionalmente, conscientemente entre o sujeito
e o objeto do conhecimento.
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Dirigida pelo uso da palavra, a formação de conceito científico é uma operação


mental que exige que se centre ativamente a atenção sobre o assunto, dele abstraindo
os aspectos que são fundamentais e inibindo os secundários, e que se chegue a
generalizações mais amplas mediante uma síntese (Vigotski, 1987, apud MOYSÉS,
2007, p.36).

Voltando ao episódio, observamos que as professoras não falam o nome científico da


figura geométrica (linha 10), apenas fazem questionamentos sobre ela e usam o mesmo nome
dos conceitos espontâneos trazidos pelas crianças, pois esses conceitos “(...) não são
aprendidos mecanicamente, mas evoluem com a ajuda de uma vigorosa atividade mental por
parte da própria criança” (VIGOTSKI, 2008, p.106). Dessa forma, a professora continuou
fazendo questionamentos para as crianças enquanto pintavam os desenhos, sobre o nome da
figura (linha 12) até o momento em que o aluno A (linha 14) lembrou-se de que uma bola se
chamava círculo. Então, professoras 1 e 2 apresentaram a palavra “círculo” ao grupo (linhas
15 a 18). Para o mesmo autor (p.69) “(...) as palavras exercem a função de conceitos e podem
servir como meio de comunicação muito antes de atingir o nível de conceitos característicos
do pensamento plenamente desenvolvido”, porque como já explicitamos no capítulo dois aqui
estamos usando a palavra conceitos em termos de “pseudoconceitos” e não de conceitos
propriamente que é a última fase da evolução dos conceitos e não ocorre na Educação Infantil.

Considerando que os conceitos espontâneos e científicos, se relacionam e se


influenciam, pode-se afirmar que um conceito científico só é significado pela criança quando
o conceito espontâneo tiver alcançado um determinado nível. Vigotski, ao contrário de outros
psicólogos, encontrou evidências de que não se ensina a partir dos conceitos espontâneos, mas
que um potencializa o outro, ou seja, fazem parte de um único processo que é o da formação
dos conceitos, como podemos observar no final do episódio acima (linhas 19 a 21), quando
professora e alunos passaram a utilizar a nova palavra/conceito “círculo” e os alunos
demonstraram que iniciaram a significação desse conceito, mas acreditamos que se torna
necessária a proposição de outras situações de aprendizagem, em outros tempos e espaços
para que o conceito seja efetivamente significado. Isso acontece no item seguinte, quando o
conceito de quadrado e retângulo, presente na primeira parte do episódio também volta à tona,
em outra situação de aprendizagem.

3.2.3 Comparando formas geométricas

Smole et al (2003, p.20) esclarece que “A linguagem geométrica, no que diz respeito a
nomes de formas e termos geométricos específicos, desenvolve-se e é assimilada na ação,
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principalmente através de atividades escolares”. A partir dessa afirmação fica claro que a
proposição de situações de aprendizagem diversas, nos tempos e espaços da escola, auxilia a
criança a desenvolver esses conceitos incorporando ao seu vocabulário uma linguagem
geométrica. A mesma autora defende que esses conceitos/palavras sejam explorados com a
criança a partir de uma contextualização, como por exemplo, o contexto das aprendizagens
por projetos – Projeto estudando sobre os dentes.

O episódio 14 nos auxilia a compreender essa contextualização e, ao mesmo tempo,


aborda a exploração dos mesmos conceitos trabalhados em outra situação de aprendizagem, a
comparação entre as formas geométricas e suas propriedades. Esse episódio foi recortado da
aula do dia 9/7/2009, que foi desencadeada pelo projeto “Estudando sobre os dentes” e
desenvolvida no espaço do ateliê. Neste dia as meninas foram para a aula de balé clássico e os
meninos ficaram responsáveis de confeccionar o dado, para que fosse possível jogarmos o
“jogo dos dentes” construído pelo grupo. O dado seria utilizado para sabermos quantas casas
avançar ou voltar na trilha dos dentes. Essa aula teve a participação das professoras 1 e 3 e
dos meninos A, F, G, L e V.

Episódio 14: A construção do dado

(1) Prof.ª 1: O que vamos fazer com essa caixa? (mostrando uma caixa de papelão
no formato de um cubo)
(2) V: Um quadrado gigante.
(3) F: Um dado.
(4) Prof.ª 3: Essas faces são iguais ou diferentes?
(5) G: São iguais, menos o desenho (identifica os lados da caixa que possuem
desenho).
(6) Prof.ª 1: O V falou que essas faces se chamam quadrados?
(7) A: Porque é quatro linhas.
(8) (Professora e alunos contam o número de lados)
(9) Prof.ª 1: Por que não se chama retângulo?
(10) G e F tentam explicar...
(11) V: Retângulo é assim oh (desenhando com o dedo na mesa).
(12) Prof.ª 1: Você quer dizer que tem lados mais compridos. Esses lados são do
mesmo tamanho?
(13) A: Sim, né G.
(14) G: aha.
(15) Prof.ª 3: Trouxe uma cordinha para nós medir se são do mesmo tamanho.
(16) (Prof.ª 3 começa a medir e pede o auxílio das crianças. Prof.ª 1 solicita que L
também participe, medindo um dos lados. Constatam que todos os lados têm o
mesmo tamanho).
(17) Prof.ª 1: Então, quantas linhas do mesmo tamanho tem o quadrado?
(18) G: Quatro.
(19) Prof.ª 1: Antes de jogar como dado, o que está faltando?
(20) F: Pintar.
(21) G: Tem que por um pano.
(22) (G levanta e pega o TNT preto que está recortado na forma de quadrados e
diz: - tem que ser preto igual)
(23) Prof.ª 1: Quantos quadrados vamos precisar?
(24) Grupo: seis.
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(25) Prof.ª 1: O que mais precisamos colocar no dado?


(26) Grupo: Números
(27) Prof.ª 1: O grupo dois pode jogar e não saber ler os numerais. O que mais tem
num dado que podemos colocar?
(28) G: As bolinhas.
(29) Prof.ª 1: L, como se chamam as bolinhas?
(30) L: Círculo.
(31) Prof.ª 1: Vamos fazer círculos grandes como aquele dia?
(32) Grupo: Pequenos.

O episódio inicia com a professora 1 questionando o que iriam fazer com a caixa que
trouxe para a aula. O aluno V identificou que as faces eram quadradas e então disse que era
um quadrado gigante, mas F afirmou que iriam fazer um dado, pois fora planejado na sala de
aula. Observamos que o aluno V (linhas 6 e 11) após a aula anterior no ateliê e as atividades
desenvolvidas na sala de aula, demonstrou que significou o conceito de quadrado e retângulo
bem como, algumas diferenças entre eles, pois identificou as faces do dado como quadrados e
mostrou através de gestos o que era um retângulo, justificando o que afirmamos anteriormente
a respeito da importância da significação dos conceitos ocorrer em situações de aprendizagens
diversas em diferentes tempos e espaços.

Juntamente com o aluno V, o restante do grupo também foi desafiado a pensar porque
o quadrado não era um retângulo, através dos questionamentos das professoras e observamos
que um colega tenta auxiliar o outro com as explicações (linhas 9 a 14). Vigotski pesquisou
sobre o papel da interação social na aprendizagem e no desenvolvimento das funções mentais,
inicialmente em relação ao adulto (professoras) e a criança, mas seus seguidores continuaram
seus estudos e incluíram na atividade grupal também as interações entre os grupos de alunos.
Rivina, um de seus seguidores após uma pesquisa com crianças concluiu que

(...) o sucesso da aprendizagem escolar depende, em grande parte, da possibilidade


de se levar os alunos a realizar atividades compartilhadas. (...) o que se desprende de
todos esses estudos é que a atividade compartilhada ativa o desenvolvimento
cognitivo e favorece a aquisição do conhecimento. (1991, apud MOYSÉS, 2007,
p.57).

Cabe aqui esclarecer que não se trata de qualquer atividade em grupo, pois é
necessário que a atividade proposta desafie e envolva o grupo. Pensando nisso, a professora 3
propôs ao grupo um novo desafio, medir com uma cordinha se realmente os quatro lados do
quadrado tem medidas iguais (linhas 15 e 16) e concluíram que um quadrado tinha quatro
lados do mesmo tamanho. Após essa discussão surgiu outro problema, tapar os desenhos que
apareciam na caixa de papelão em forma de cubo e para isso utilizaram novamente o conceito
de quadrado e argumentaram o porquê de sua utilização e contaram o número de faces
quadradas necessárias para colar no dado (linhas 19 a 24).
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Smole et al (2003), acredita que “A maneira como propomos o desenvolvimento do


trabalho com geometria permitirá também a formação de várias habilidades pelos alunos,
entre elas as visuais, (...) e de argumentação lógica”. As habilidades visuais envolvem as
observações e explorações visuais levando a tirar conclusões sobre as propriedades dos
objetos. Ao desenvolver as habilidades visuais as crianças começam a perceber as
propriedades dos objetos, analisando e comparando as figuras e sendo capaz de produzir uma
argumentação lógica a respeito dessas propriedades e resolver problemas. Podemos perceber
no decorrer das discussões sobre figuras e formas a evolução dessas habilidades nas crianças,
sendo que no parágrafo anterior já foram capazes de argumentar porque era necessário utilizar
um quadrado e não um retângulo para cobrir as faces do cubo.

Na parte final desse recorte de uma aula (linhas 25 a 32), observamos que outro
conceito já explorado anteriormente surge quando o grupo decide utilizar círculos para
representar as quantidades no dado e estabelecem comparações entre o tamanho do círculo
confeccionado para o jogo dos dentes e o que vai ser utilizado para o dado. Assim, na
Educação Infantil, as crianças podem explorar os conceitos envolvendo as formas
geométricas, fazendo comparações entre elas e identificando suas propriedades.

Neste capítulo, nos propomos a explorar outras notações que não somente as
envolvendo o número, nos diferentes tempos e espaços da escola. Escolhemos as notações
que foram surgindo no decorrer das aulas filmadas e transcritas, para serem discutidas e
analisadas teoricamente e, além das notações de espaço e forma, traremos para finalizar o
tratamento da informação.

3.3 TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO

Embora o RCNEI (BRASIL, 1988) não preveja o tratamento da informação como


conteúdo a ser explorado na Educação Infantil, acreditamos que essa é mais uma das notações
matemáticas que pode ser explorada nesse nível de escolarização e como afirmam Lopes e
Coutinho (2009, p.69), “essa abordagem deve ocorrer desde a Educação Infantil por meio da
exploração do universo da infância a partir de problematizações, coleta, organização e
representação de dados (...)”.

Segundo os mesmos autores, o tratamento da informação é uma maneira de


referenciarmos e compreendermos as informações que nos rodeiam, através de um estudo
prático e da coleta de dados de situações da vida real. Pensando nisso, abordaremos nos itens
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seguintes algumas possibilidades de exploração desse conceito na escola infantil.

3.3.1 A coleta dos dados: fazendo escolhas

Lopes e Coutinho (2009) acreditam que é papel do professor a criação de um ambiente


de aula, de propor, organizar e coordenar atividades envolvendo o tratamento da informação,
também denominada pelos autores como educação estatística. Para iniciarmos as discussões,
traremos o episódio 15, denominado “A escolha das cores para pintar os círculos no jogo dos
dentes” foi recortado da aula filmada no dia 2/7/2009 na sala de referência do grupo três, com
a participação de todos os alunos e professoras 1 e 3 (que acompanhou a votação pois em
seguida daria continuidade ao trabalho no espaço do ateliê). Essa aula faz parte das atividades
desencadeadas pelo projeto sobre os dentes e dá início ao processo de construção do jogo dos
dentes.

No dia anterior planejamos com as crianças que escolheríamos três cores para pintar
os círculos (que representam os dentes no jogo), uma cor representaria os alimentos que são
bons para os dentes, a outra cor os alimentos que são prejudiciais aos dentes e a outra cor
seria neutra, não representando nenhuma, nem outra situação. Os alunos sentaram na
bancada30 em frente ao quadro de giz e dividi o quadro em três partes, uma para os votos de
cada cor, como havia sido planejado.

Episódio 15: A escolha das cores para pintar os círculos no jogo dos dentes
(1) (Prof.ª 1 solicita que cada criança escolha uma cor aleatoriamente)
(2) N: Rosa.
(3) C: Rosa.
(4) Prof.ª 1: Será que todos precisam votar na mesma cor?
(5) R: (pensa com o dedo no rosto e fala) roxo.
(6) A: Vermelho.
(7) F: Azul.
(8) L: Verde.
(9) V: Vermelho.
(10) AL: Roxo.
(11) J: Rosa.
(12) AC: Rosa.
(13) CS: Roxo.
(14) G: Azul
(15) Enquanto as crianças dizem a cor escolhida a professora escreve no quadro o
nome das cores e um risquinho para cada voto. O A reclama que o vermelho precisa
vencer.
(16) Prof.ª 1: Calma A, são três cores que vamos escolher!
(17) Prof.ª 1: Como podemos determinar a cor que tem mais votos? Quantos temos
no rosa?

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Móvel com dois degraus em que as crianças sentam para reuniões, discussões, para planejarmos a agenda do
dia e escrevermos no quadro de giz.
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(18) (Contam juntos e dizem quatro, nas cores seguintes vão logo dizendo a
quantidade alegando que não é necessário contar indicando com o dedo, pois são
quantidades pequenas e contam apenas olhando para o quadro: roxo – 3 votos,
vermelho- 2 votos, azul- 2votos e verde- 1 voto).
(19) (A reclama e chora que quer o vermelho. A professora continua com a
atividade).
(20) Prof.ª 1: Qual a cor que tem mais votos?
(21) Grupo: Rosa. (a professora escreve no lugar correspondente a uma das cores
vencedoras, com quatro votos).
(22) Prof.ª 1: Qual a segunda cor que tem mais votos?
(23) Grupo: Roxo.
(24) G e AL: Porque ganhou 3 votos. (professora escreve roxo como a segunda cor
escolhida)
(25) Prof.ª 1: Temos um problema aqui (apontando para as cores vermelha e azul,
ambas com dois votos).
(26) G Levanta, mostra com a mão e fala: Vermelho e azul deu igual!
(27) Prof.ª 1: Que cor vamos usar, porque combinamos de usar somente 3 cores, já
temos duas, falta uma!
(28) A: Vermelho.
(29) Prof.ª 1: Por quê?
(30) A: É a cor do meu time!
(31) Prof.ª 1: Como vamos desempatar?
(32) C: Tive uma idéia, sai um dali e completa aqui (referindo-se a cor verde que
recebeu apenas um voto).
(33) Prof.ª 1: Quem votou no verde?
(34) L: Eu.
(35) Prof.ª 1: Que cor você escolhe? Vermelho ou azul?
(36) L: (fala baixo) Vermelho.
(37) (A professora escreve vermelho no quadro, como a terceira cor escolhida pelo
grupo).

Nas linhas 1 -14 as crianças escolhem as cores, através de uma espécie de votação e
iniciamos dessa forma a coleta dos dados para selecionarmos três cores a serem utilizadas.
Observamos que a coleta de dados foi utilizada para resolvermos um problema, ou seja,
conforme combinado com o grupo, não poderíamos utilizar mais de três cores. A professora
interage com o grupo quando questiona para que pensem a cor que vão escolher, não
necessitando imitar a escolhida pelo colega (linha 4) e escrevendo o nome das cores e
desenhando um risquinho para o voto de cada criança (linha 15).
Podemos observar também, no decorrer do episódio (linhas 15, 16, 19, 28, 29, 30) que
o aluno A quer que sua vontade prevaleça, ou seja, que a cor vermelha seja escolhida na
votação. A professora sugere que espere a contagem dos votos e continua com a aula, mas ele
insiste que o vermelho é a cor do seu time. A coleta de dados realizada com os alunos, onde
cada um pode fazer sua escolha nos auxiliou na tomada de decisões, pois caso contrário a
atividade não seria democrática. Além disso, introduzimos, nesse momento, a idéia de
probabilidade, com a “percepção do acaso pela apreensão do componente de
imprevisibilidade em uma situação ou fenômeno (...)” (LOPES e COUTINHO, 2009, p.70) e
a criança vai desenvolvendo o seu pensamento estatístico e se acostumando com a ideia de
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que nem tudo pode ser previsto o que foi demonstrado pela angustia do aluno A para saber se
a cor que escolheu será utilizada para a pintura dos círculos.
Seguindo com o episódio (linha 17), a professora problematiza como fará a contagem
dos votos e a definição das três cores. Logo contam e descobrem que a cor que tem mais
votos é o rosa, e a segunda é o roxo. Observamos que o conceito de número cardinal
(quantidade total de votos de cada cor) e ordinal (ordem em que cada cor ficou), discutida no
capítulo dois volta à tona e as crianças contam pequenas quantidades sem dificuldade.
A decisão da terceira e última cor que seria incluída através da coleta dos dados,
envolveu a resolução de um outro problema, apontado pelo aluno G, pois duas cores
receberam o mesmo número de votos – o azul e o vermelho. A professora não disse como
fariam o desempate, apenas questionou como fazê-lo, pois como afirma Moysés (2007, p.37)
o processo de ensino e aprendizagem e de significação dos conceitos é “um processo
dinâmico, construído passo a passo pelos alunos em estreita interação com o professor”. Para
a mesma autora, os questionamentos do professor desempenham um papel importante para a
aprendizagem, se o mesmo fizer perguntas que provocam o desequilíbrio cognitivo, ou seja,
se façam o aluno pensar sobre. A aluna C (linha 32), sugere tirar o único voto do verde e
colocar na outra cor. Então, a professora questionou quem votou no verde e o aluno L decidiu
trocar pela cor vermelha (linha 36) e esta então é a terceira cor a ser utilizada para pintar os
círculos para o “jogo dos dentes”.
Observamos que fazer escolhas não é algo fácil por diversos motivos: por quererem
repetir a cor que o colega escolheu, por mudar o voto para agradar o colega (no caso do L que
supostamente escolheu o vermelho para agradar A), etc. Segundo Silva e Buriasco (2006,
p.42) esse pode ser um momento para que as questões éticas sejam pensadas, como, por
exemplo, a confiança na própria capacidade de fazer escolhas, ter que respeitar a escolha dos
colegas, o fato de influenciarem-se ou não pela resposta dos outros.
Com a escolha das três cores, encerramos a etapa de coleta dos dados, que “são vistos
como números em um contexto, contexto este que motiva os procedimentos e é a base para a
interpretação dos resultados” (LOPES e COUTINHO, 2009, p.67). No subitem seguinte
discutiremos a organização e representação dos dados.

3.3.2 A organização e a representação dos dados coletados

Cabe aqui salientarmos que como estamos falando da Educação Infantil, não temos a
preocupação com a formalização do conceito e da atividade, mas sim a introdução de um
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103

modo de “ler” uma informação que pode nos auxiliar na tomada de decisões. Após a coleta de
dados, a partir de uma situação do interesse dos alunos, torna-se necessário a organização e a
representação dos dados coletados, para que se faça a leitura e a interpretação dos resultados.

No dia seguinte, a votação para escolha das cores foi retomada para construirmos um
gráfico coletivo com as cores escolhidas e a quantidade de votos. Essa situação de
aprendizagem já foi descrita no capítulo 2, quando abordamos “a fração como função”, e
também está descrita na documentação pedagógica em anexo. Aqui podemos voltar a abordar
o tempo da simultaneidade, pois os conhecimentos neste nível de ensino não são
fragmentados e numa mesma situação de aprendizagem podemos estar explorando mais de
um conceito.

Em seguida a construção do gráfico coletivo, propus que cada criança fizesse sua
representação gráfica, pois “as crianças precisam constatar que muitos tipos de dados podem
apresentar-se sob diferentes formas e que existem muitas formas de os juntar, organizar e
exibir” (SILVA e BURIASCO, 2006 apud NCTM31, 1991, p.67).

Para discutir as formas de representação de cada criança selecionei os três registros a


seguir, mas torna-se necessário descrever a situação de aprendizagem. Após retomarmos os
votos que cada cor recebeu no dia anterior registrei no quadro de giz, com o auxilio das
crianças que iam repetindo a cor que escolheram, a seguinte tabela :

ROSA ROXO VERMELHO AZUL


4 3 3 2

Em seguida, as crianças sentaram-se em grupos, ao redor das mesas onde continha


uma bandeja no centro com retângulos (previamente recortados pela professora), nas cores
envolvidas na votação. Cada aluno foi desafiado a construir seu gráfico.

31
National Council of Teachers of Mathematics - USA
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Ilustração 8: gráfico construído pela aluna AC.

Ilustração 9: gráfico construído pela aluna J

Ilustração 10: gráfico construído pelo aluno L

No primeiro registro, AC organizou as cores em colunas, deixando um espaço entre


cada retângulo, pois o grupo após uma discussão entendeu que se colassem um em cima do
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outro, não poderiam contar os votos e ia parecer “um papel só”. Em cima de cada coluna,
copiou do quadro de giz o nome da cor e utilizou os numerais (escritos na forma espelhada)
para representar a quantidade de votos que cada cor recebeu. No segundo registro, J colou os
retângulos de cada cor juntos no canto da folha, ou seja, se preocupou apenas em juntar os
retângulos da mesma cor e ocupou o restante da folha com desenhos, sua forma de registro
preferida. No último registro trazido aqui, L colou os retângulos espalhados pela folha, contou
a quantidade de cada cor ao colar os mesmos, mas não se preocupou com a distribuição no
espaço. Observamos que a forma de representação é subjetiva, ou seja, cada criança criou uma
forma de representar os dados coletados. Acreditamos que essa representação pode evoluir,
com a proposição de outras situações de aprendizagem, em outros tempos e espaços,
envolvendo o tratamento da informação.

3.3.3 A análise dos resultados obtidos

A última etapa dessa situação de aprendizagem foi de análise e interpretação dos


dados coletados. Essa etapa foi feita individualmente, quando cada criança concluía o registro
do gráfico vinha até a professora que fazia questionamentos sobre a quantidade de votos que
cada cor recebeu, qual a primeira cor que recebeu mais votos, a segunda e assim
sucessivamente. Também a professora questionou quais foram as três cores escolhidas e o
porquê. Lopes e Coutinho (2009, p.67), afirmam que a interpretação dos dados em uma
análise estatística também é subjetiva, de acordo com o contexto e concluíram que

A leitura de um gráfico ou de um resultado obtido por um determinado


procedimento pode variar, na medida em que os elementos visuais interferem na
interpretação do sujeito: duas pessoas distintas podem dar leituras distintas, porém
correlatas, de uma mesma representação gráfica ou numérica de um conjunto de
dados.
Embora cada criança registrasse e interpretasse os dados a sua maneira, todas
conseguiram compreender que a cor rosa, roxa e vermelha foram as cores escolhidas e o azul
ficou de fora conforme observamos no diálogo da professora e a aluna N, transcrito da
documentação pedagógica:

Professora: Qual a cor que venceu?


N: Rosa!
Professora: Quantas cores combinamos de usar?
N: Três.
Professora: Quem ficou em segundo?
N: Esses dois, porque são do mesmo tamanho (mostrando para o roxo e o vermelho
no gráfico)
Professora: Por que não usamos o azul?
N: O azul foi o último.
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Com essa situação de aprendizagem, desencadeada pelo projeto sobre os dentes,


realizada no espaço da sala de referência, exploramos mais uma notação matemática, o
tratamento da informação. Sabe-se que são muitas as possibilidades de se explorar essa
notação e aqui apresentamos apenas uma, envolvendo o desenvolvimento do pensamento
estatístico. Da mesma forma, encerramos a parte empírico-teórica dessa pesquisa, sabendo
que poderíamos discutir outras situações de aprendizagem nos tempos e espaços da Educação
Infantil, mas tratando-se de uma pesquisa de mestrado, deixamos para outra oportunidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse momento da pesquisa, das considerações finais, constitui-se uma das mais
importantes etapas deste trabalho, pois é o espaço no qual o pesquisador apresenta suas
conclusões sobre a temática investigada, destacando o percurso metodológico, as escolhas
realizadas e o que foi significativo nesse processo, enfim, como a pesquisa foi construída e
que contribuições pode trazer para a educação.

Acreditamos que a presente investigação poderá contribuir para que o leitor


compreenda o complexo processo de aprender matemática que se inicia na Educação Infantil
e também possibilitará algumas perspectivas para que os educadores repensem sua prática
pedagógica, ressaltando que o processo de ensino aprendizagem neste nível de ensino pode
ser ressignificado, desde que seja de interesse das instituições e um compromisso dos
educadores envolvidos.

Com essa perspectiva, nessa investigação apresentamos uma proposta de significação


de conceitos matemáticos na Educação Infantil, nos diferentes tempos e espaços do Colégio
Cenecista Sepé Tiaraju, no município de Santo Ângelo, situado no noroeste do estado do Rio
Grande do Sul. Buscamos ressignificar o paradigma de que a matemática é algo a ser
“ensinado” pelo professor, apenas no espaço da sala de aula e nos tempos destinados para tal.

Além disso, tivemos o intuito de mostrar que as situações de aprendizagem, para que
se tornem significativas para as crianças, neste nível de ensino, podem ser contextualizadas a
partir das aprendizagens por projetos, onde o assunto do projeto surge do interesse dos alunos,
buscando a partir daí a interação dos alunos e dos professores com o saber matemático.
Assim, o conhecimento é visto como um todo e as diversas áreas do conhecimento são
exploradas de forma não fragmentada, embora nesse estudo, tivemos a intencionalidade de
focar a matemática.
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Com o objetivo de compreendermos essa proposta, desde que essa pesquisa era apenas
um desafio, uma ideia a ser discutida com a orientadora e os professores do curso de
mestrado, tínhamos a clareza de que era necessário que dados empíricos fizessem parte da
investigação e que esses seriam coletados nas aulas, por mim ministradas nessa instituição de
ensino e o referencial teórico seria constante e articulado. Compreender, analisar e buscar
respostas para as questões a serem investigadas, envolvendo a minha própria ação docente foi
um desafio para mim, pois desempenhei ao mesmo tempo o papel de professora e de
pesquisadora.

O foco central dessa pesquisa foi a significação dos conceitos matemáticos pelos
alunos e a aprendizagem (ou não) desses conceitos, nos diferentes tempos e espaços da escola,
a partir da proposição de situações de aprendizagens significativas e contextualizadas. Dentre
os tempos e espaços tiveram especial destaque ao espaço da cozinha pedagógica e do ateliê e
os tempos destinados as aprendizagens por projetos.

Cabe pontuar que quando falamos em espaços, estamos nos referindo não apenas a
dimensão física da escola, com seus móveis e objetos, mas também às relações que se
estabelecem entre os adultos e as crianças nesse ambiente, ou seja, ao espaço construído e ao
espaço social. O mesmo ocorre com relação aos tempos, que não são apenas aqueles
cronometrados através do relógio e do calendário, mas também a sequência de momentos em
que as atividades acontecem na escola infantil, o tempo simultâneo no qual várias situações
acontecem ao mesmo tempo e o tempo subjetivo, individual de cada criança sujeito.

A tentativa de fazer com que o leitor compreenda esse nosso entendimento de espaços
e tempos, a proposta pedagógica da escola, quem são os sujeitos que estavam envolvidos na
pesquisa, bem como o nosso interesse pela pesquisa, tornou-se imprescindível no primeiro
capítulo da dissertação.

Nessa primeira etapa contamos um pouco da nossa história como estudante e


professora, os saberes disciplinares, profissionais e experenciais que fazem parte dessa
trajetória e as implicações pessoais com a pesquisa, ou seja, acreditamos que a nossa
formação inicial e continuada e a prática profissional como professora da Educação Infantil e
de Matemática na Educação básica, provocou o desejo de buscar novos conhecimentos e de
repensar nossa prática pedagógica, através dessa investigação.

Com relação a proposta pedagógica e os sujeitos dessa pesquisa, acreditamos que a


escola vê a Educação Infantil como um lugar para se educar as crianças de forma global,
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formando cidadãos críticos, sujeitos com direitos e deveres, que aprendem a pensar e a
conhecer o mundo que os cerca, que têm voz e vez e que interagem com os adultos e crianças
que fazem parte da escola. Nesse sentido, a Educação Infantil é um “lugar de aprendizagens”,
com espaços e tempos diferenciados, que envolvem a interação de adultos e crianças, no
complexo processo de aprender e ensinar.

A segunda e terceira parte do texto foram marcadas pela interlocução entre os dados
empíricos e teóricos, buscando respostas para a nossa questão a ser investigada. Isso foi
possível através da proposição de ações didático-pedagógicas, nos diferentes tempos e
espaços da escola, que desencadearam situações de aprendizagem envolvendo diferentes
notações matemáticas, que talvez fossem mais difíceis de serem propostas ao grupo de forma
descontextualizada e ao mesmo tempo, possibilitando várias situações para que os alunos
significassem um mesmo conceito.

Os dados empíricos coletados através da vídeo-gravação e de recortes da


documentação pedagógica foram denominados de episódios. Após iniciarmos uma discussão
teórica sobre a significação de um determinado conceito, escolhíamos um episódio que
exemplificasse e nos auxiliasse a compreender o processo de ensino e aprendizagem do
mesmo e analisávamos teoricamente os dados. O mesmo ocorreu com os registros realizados
pelos alunos, denominados de ilustrações. Acreditamos que dessa forma, foi possível
atendermos uma demanda crescente nas pesquisas em educação matemática e em educação,
ou seja, tornar a sala de aula o “palco” para compreendermos o processo de aprendizagem e
também tornando os professores, professores-pesquisadores da sua própria ação docente.
Além disso, acreditamos que durante a pesquisa, com o entrelaçamento entre os dados
empíricos e o campo teórico, tentamos responder a nossa questão de pesquisa, dentro das
limitações de um trabalho de mestrado.

Cabe salientarmos que nessa pesquisa utilizamos o termo “conceitos”, no sentido que
foi investigado pela teoria sócio-histórica, ou seja, acreditando que na Educação Infantil são
“pseudoconceitos”, mas não deixando de destacar a importância de iniciarmos a significação
destes neste nível de ensino, pois irão evoluir com o tempo, para os conceitos propriamente
ditos, através de processos de generalização e abstração.

Com esse olhar sobre os conceitos, propomos também a inclusão de diferentes


notações matemáticas nos tempos e espaços da Educação Infantil, ou seja, a exploração de
diversos objetos conceituais. Dentre as inúmeras notações possíveis analisamos nesta
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pesquisa a notação de número natural e seus diferentes usos, a qual acreditamos ser a mais
explorada pelos educadores nas escolas infantis. Além dessa, acreditamos que outras notações
podem ser exploradas neste nível de ensino, tais como: a introdução do número racional
(alguns aspectos), as relações espaciais e as formas geométricas que são previstas em lei
(RCNEI), mas muitas vezes são “esquecidas” pelos educadores. Para finalizar, abordamos o
tratamento da informação, que embora não esteja previsto em lei, já faz parte dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) da Educação Básica e de pesquisas envolvendo educadores da
área, sendo considerado importante por possibilitar a leitura e a interpretação de dados no
espaço em que vivemos.

Evidenciamos que, durante a análise sistemática dos episódios, além do apoio dos
autores da didática da matemática e da base legal (RCNEI), para explicitar os conceitos
envolvidos, buscamos entendimentos na teoria sócio-histórica visando compreender o que são
conceitos, conceitos científicos e espontâneos, o papel da atividade compartilhada, da zona de
desenvolvimento proximal, da imitação, do processo de internalização e da mediação através
de símbolos e da linguagem oral na aprendizagem.

Para finalizarmos, acreditamos que o trabalho pode trazer contribuições à Educação


Matemática, mais especificamente as pesquisas envolvendo a Educação Infantil. Além disso,
proporcionou um crescimento pessoal e profissional a pesquisadora, que se lançará a novos
desafios como profissional. Podemos afirmar também, que a presente investigação aponta
uma série de perspectivas para que a partir dos dados empíricos coletados e do referencial
teórico, novas pesquisas possam ser realizadas pela professora/pesquisadora e que essa foi o
início de uma nova caminhada, num processo crítico e reflexivo de comprometimento com o
ensino de qualidade, que respeita a criança como sujeito de suas aprendizagens e que busca
compreender como as crianças aprendem.
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Tradução Beatriz Affonso Neves.
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ANEXOS
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ANEXO 1

DOCUMENTAÇÃO DO PROJETO: ESTUDANDO SOBRE OS DENTES

O projeto sobre os dentes foi desenvolvido com o grupo três da Educação Infantil, 4 –
5 anos no ano de 2009 e as Professoras Clarice Stadtlober e Mirta Castro (arte-educadora).

1.1 O SURGIMENTO DO PROJETO

Desde as primeiras semanas de aula, os meninos e meninas do grupo três começaram a


relatar fatos acontecidos com seus dentes. A aluna C perdeu um dente que estava mole e
afirmou que a fada do dente lhe trouxe um presente em troca do dente. Sempre que comentava
sobre o assunto reunia um grupo de crianças ao seu redor.

Passados alguns dias a CS também estava com um dente mole e na hora do lanche este
caiu e todos puderam observar. Começaram a surgir dúvidas sobre o assunto: Por que os
dentes caem? Por que meus dentes ainda não caíram? Por que meu dente caiu e ainda não
nasceu outro?

Nas aprendizagens por projetos, o assunto para o projeto pode surgir com a escuta do
professor, que tem a intencionalidade de, durante as atividades do cotidiano, (brincadeiras,
conversas informais com os educandos, na cozinha pedagógica, nos espaços externos da
escola) perceber o interesse do grupo. O assunto pode ser decidido também em votações (no
caso desse projeto) ou por decisão do grupo em assembleia.

Um projeto [...] pode iniciar através de uma sugestão de um adulto, da ideia de uma
criança ou a partir de um evento, como uma nevasca ou qualquer coisa inesperada.
Contudo cada projeto está baseado na atenção dos educadores àquilo que as crianças
dizem e fazem (RINALDI, apud Edwards, 1999, p.119).

Após as escutas realizadas em relação às crianças, organizamos uma assembleia para


decidirmos o assunto do projeto. O L foi logo dizendo que queria pesquisar sobre o
rinoceronte, o aluno F queria um projeto sobre jogo de futebol e AL e J sobre as sereias. A
professora sugeriu fazer uma votação para escolher o assunto. Os votos foram organizados em
forma de gráfico e a maioria do grupo decidiu pesquisar sobre os dentes.

Essa situação de aprendizagem nos confirma o que sugere o Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), que os professores da Educação Infantil
podem auxiliar as crianças a organizarem as suas informações e estratégias, proporcionando
condições para a aquisição de novos conhecimentos matemáticos.
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Definido o assunto para pesquisa questionei as crianças sobre o que gostariam de saber
sobre eles e as questões levantadas foram as seguintes:

- O que a fada do dente traz?


- A fada do dente traz surpresa?
- Como nascem os dentes das pessoas?
- Por que os dentes caem?
- Por que meus dentes ainda não cairam?
- O que faz cair os dentes?
- Tem que ir no dentista arrancar os dentes?
- Vem bichinhos nos dentes quando comemos muito chiclé?
- Por que tem que escovar os dentes?
- A escova de dente e a pasta resolvem a cárie?
- Os dentes ficam verdes com cárie?
- Como os bichinhos vêm nos dentes? Da onde ela vem?
- Como os bichinhos vem nos dentes? Dos onde eles vem?
- Tem que botar remédio para o bichinho da cárie?
- O bichinho da cárie cava os dentes?
- Como destruir o bichinho da cárie?

As questões para pesquisa foram por mim organizadas na forma de teia do projeto em
quatro subtemas: formação dos dentes, cuidados com os dentes, fada do dente e a cárie. Os
alunos ilustraram as questões e participaram da montagem de uma teia grande para ser
exposta na parede e para ser visualizada quando necessário.

Além das questões para pesquisa, também questionei o grupo onde iríamos pesquisar
sobre o projeto e fizemos uma listagem: no computador, no dentista, nas crianças, em livros,
livros de história, revistas, objetos, filmes, na casa das crianças. Os materiais que foram sendo
trazidos foram organizados no canto da pesquisa para as crianças explorarem e fazerem suas
próprias observações. Como afirma Barbosa:

Os projetos permitem criar sob forma de autoria singular ou de grupo, um modo


próprio para abordar ou construir uma questão e respondê-la. A proposta de trabalho
com projetos possibilita momentos de autonomia e de dependência do grupo; de
cooperação do grupo sob autoridade mais experiente e também de liberdade;
momentos de individualidade e de sociabilidade; de interesse e de esforço; de jogo e
de trabalho como fatores que expressam a complexidade do fato educativo (2006,
p.9).

1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO

No primeiro dia do projeto, mostrei fotos que tirei do sorriso das crianças e solicitei
que identificassem o seu sorriso. Esta situação de aprendizagem teve como objetivo
estabelecer relações de identidade e a escrita do próprio nome. Durante esta atividade ocorreu
uma situação inusitada: O aluno A começou a chorar no momento em que ia fazer as bordas
no papel onde seria colada a foto e escrito o nome. Então perguntei qual o motivo.
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- Prof. eu não quero fazer porque eu me olho todos os dias no espelho.

Foi quando eu observei melhor a foto e vi que não era a sua foto, pois estava trocada
com a do colega F. Então, solicitei que comparassem as fotos e neste momento G disse:

- Eu falei que eles tinham trocado.

Neste dia os objetivos da atividade eram de socialização, reconhecer-se como sujeito e


construir, através das interações sociais, a identidade, autonomia e independência.
Enfatizando a identidade, atenção e percepção visual.

Segundo Mercês (1998, p.203): “Para compreender esse processo de produção do


sujeito, que lhe permite apresentar-se ao mundo e ao reconhecer-se como alguém único, a
psicologia construiu o conceito de identidade”. Neste momento observei que o aluno A entrou
num conflito por não reconhecer-se na foto e o F não tinha percebido que aquele sorriso não
era seu, ou seja, que a foto não era a sua.

A primeira pesquisa propriamente dita, foi realizada no segundo dia do projeto,


quando organizamos uma roda e com o auxílio do retro projetor expliquei sobre a composição
da arcada dentária e as partes que formam o dente. Apresentei também as lâminas com figuras
sobre a constituição dos dentes, a arcada dentária de um feto e a constituição da arcada
dentária de uma criança de cinco anos. Conforme vou mostrando as figuras, simultaneamente
vou respondendo às perguntas apresentadas na teia expostas no painel do projeto: Como
nascem os dentes? Como são formados?

Com a intencionalidade de estabelecer relações com palavras conhecidas e que


começam com as letras da palavra Dente, completando o acróstico, comecei a questionar o
que inicia com D:

- C: Dedo.
- G: Dente.
- N: Dinossauro.

O mesmo procedimento foi feito com as outras letras. Entreguei a ficha didática e pedi
para que eles escrevessem ou desenhassem do seu jeito o que começa com cada letra,
explorando a letra inicial das palavras.

A noção de quantidade e a contagem oral foram exploradas a partir da pesquisa que


realizamos na internet, no site do canal Kids, sobre a formação dos dentes e o número dentes
que possui na parte superior e inferior da arcada dentária. Mostrei uma boca confeccionada
pela professora com dentes móveis para fazer a contagem e questionei:
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Professora: Quantos dentes têm na parte superior da arcada dentária?


A: 10
Professora: E quantos dentes tem na parte inferior?
G: 10
Professora: Então vamos contar o total?

O grupo e professora fizeram a contagem dos dentes. Segundo o Referencial


Curricular (1998, p.220):

Contar é uma estratégia fundamental para estabelecer o valor cardinal de conjuntos


de objetos. Isso fica evidenciado quando se busca a propriedade numérica dos
conjuntos ou coleções em resposta a pergunta “quantos?” (cinco, seis, dez etc.). É
aplicada também quando se busca a propriedade numérica dos objetos, respondendo
à pergunta “qual?”.

Seguindo com o projeto, após ouvirmos a história “Uma Linda Janelinha” sobre os
dentes de leite que estavam caindo numa menina, organizamos uma dramatização, na qual
cada aluno escolheu seu personagem. A dramatização foi apresentada para o grupo dois da
Educação Infantil.

A grita: Prof. eu quero ser o dentolino.


O G também queria o mesmo personagem, mas o A argumentou:
- Não, você não pode porque tem só um dentolino na história.
Então o G respondeu: - Vou ser a festa!
C: Eu quero ser a dentina.
N: Eu quero ser a janelinha.
A C: Eu quero ser a dentina.
CS: Eu também quero ser a dentina.
Professora: Dentina pode ter mais que uma.
V: Eu vou ser o dente permanente.
L: Eu quero ser a raiz!
F: Eu o dente permanente.
R: E eu quero ser a dentina!
AL Eu quero ser o colar roxo.
J: Eu quero ser o colar rosa.
Professora: Agora esta formada nossa peça, vamos para a brinquedoteca ensaiar.
Todos queriam subir no palco de uma vez e a professora intervém:
- Não, assim não dá, vocês lembram da sequência da história. Quem entra
primeiro?
A: Eu sou o primeiro.
E assim foi feita a organização do teatro.
Horn (apud Moylé, 2004, p.70):

A maior aprendizagem está em oportunizar a criança a aplicação da atividade lúdica


em uma outra situação. Assim, o ato de brincar, como atividade, esta constantemente
gerando novas situações [...] é comum vermos as crianças protagonizando enredos e
desempenhando papéis que dia a dia não realizam. (Nesses enredos, via de regra, são
reproduzidas situações vividas no cotidiano das crianças).
Podemos afirmar que, representando, a criança estabelece significados que podem
melhorar a sua qualidade de vida, resgatando a sua auto-estima e confiança em si mesma,
compreendendo a si e ao mundo que a rodeia, dando-lhe oportunidade de projetar sonhos por
meio da fantasia e conduzi-la à autonomia. O contato com o lúdico, com o jogo, com o faz-
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de-conta, ultrapassa a ideia de diversão e entretenimento e revela sua importância no


desenvolvimento do pensar da criança.

A música fez parte das atividades desencadeadas pelo projeto. Ouvimos a música
“Você tá tão diferente” – Kalunga no CD cantamos e exploramos a letra da música escrita,
onde cada um procurou a palavra dente, pintou as letras do seu nome e ainda ilustramo-la
através de desenhos. Além da música, outros gêneros literários integraram o projeto. A
história em quadrinhos fez parte das situações de aprendizagem, também como forma de
pesquisa sobre o assunto do projeto.

Professora: Sobre o que vai tratar a história em quadrinhos?


A: É sobre os dentes.
N: A Mônica comprou um picolé!
J: A Magali pegou o picolé da Mônica.
G: Tem dentista na história.
A: A Magali perdeu os dentes? Vai usar dentadura!
A C: Olha ela usa o fio dental.
C: A Mônica cuida bem dos dentes porque ela vai ao dentista.

Observou-se pelas falas das crianças a construção, através das figuras, de uma história.
Sendo um dos meios de comunicação e expressão que reflete seus conhecimentos.

Convidamos a Dentista Potira Meireles para falar sobre os cuidados com os dentes e
sobre a importância de ir ao dentista. As crianças também questionaram se precisaria ir ao
dentista para arrancar dentes de leite. Após registraram a visita através de desenhos.

Seguindo com as pesquisas, foi realizada uma visita ao laboratório de anatomia do


IESA (faculdade da mesma rede da escola) tendo como objetivo a pesquisa sobre a formação
da arcada dentária e o corpo humano, além de curiosidades sobre o corpo humano. Foi muito
marcante, pois algumas crianças associaram com a morte, pois havia esqueletos para estudo
por todos os lados. As crianças fizeram questionamentos:

J: O dente é osso ou não?

Apesar da sensação inicial estavam curiosos, querendo abrir todos os bonecos e ver
como era o corpo por dentro. O Augusto tirou um coração do boneco e colocou novamente.
Continuaram fazendo questionamentos e dando suas opiniões.

AC: Profe eu não gostei parece de morte!


R: Eu não gosto de ficar neste lugar.
J: Este lugar é esquisito não quero mais vir aqui.

Segundo Dolto (2002, p. 81):


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Quando a criança fala sobre a morte devemos permitir que ela expresse sua dor seu
sentimento suas emoções e compartilhar este sofrimento tão importante para ela. Dar
espaço, ouvir toda sua manifestação para que ela possa elaborar essa morte como
sendo algo real na sua vida dando um sentido significativo, mas não traumático.
O segundo grupo que foi ao laboratório não teve a mesma sensação do outro grupo.
Explicamos que o laboratório é um lugar de estudo e pesquisa e fizemos questionamentos
sobre o que já tinham estudado sobre os dentes e o que estavam vendo. Fizeram perguntas
sobre os dentes e a arcada dentária e sobre os bonecos que representavam o corpo humano.

Após as pesquisas sobre a formação dos dentes, a dentição de leite e permanente e


porque os dentes das crianças caem, passamos à outra parte da teia relacionada com as
pesquisas sobre higiene bucal.

Após ouvirem uma história sobre higiene bucal, uma das situações de aprendizagem
desenvolvidas foi a exploração de argila, através da confecção de uma escultura,
desenvolvendo a coordenação motora ampla e fina. Foi dado um pedaço de argila para cada
aluno construir a escultura do que mais gostou da história. No momento da construção, a
professora observou as seguintes falas:

A: Isso é bom de bater.


A: Vou fazer uma boca grande.
A C: É muito duro de fazer.
F: Eu vou fazer um dente.
V: Eu quero fazer um monstro.
J: Vou fazer um monte de dentinhos pequeninhos.
N: Eu vou fazer uma boca com uma língua para fora.

No processo de criação artística, o ser humano se objetiva e subjetiva,


transformando realidades, criando significados para si e para os outros. A arte é a criação
especial na medida em que tem como função primordial a constituição e expressão do
humano nas coisas. Quando a criança faz modelagem, ela expressa sua fantasia e
criatividade além de desenvolver de forma lúdica todos os segmentos de sua coordenação
motora ampla e fina, as variações do tono muscular, sensações térmicas e experenciar
construções tridimensionais.

As pesquisas sobre higiene bucal incluíram vídeos, histórias, pesquisas na internet


sobre os amigos dos dentes: fio dental, escova e creme dental. Além de pesquisar, as crianças
vivenciaram atividades envolvendo a escovação e o uso do fio dental.

Para o professor, o projeto oferece uma maneira concreta de observar e avaliar as


aprendizagens das crianças através da observação das ações, palavras e questões. A
importância de planejar as situações de aprendizagens contextualizadas, e a constante
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retomada do projeto através da documentação pedagógica, possibilita ao professor refletir


sobre suas ações podendo assim mudá-las.

O projeto desencadeou situações de aprendizagem envolvendo a linguagem escrita.


Estamos sempre explorando palavras relacionadas ao projeto e através de uma ficha didática
com gravuras dos “amigos” dos dentes, as crianças puderam registrar as palavras através da
escrita espontânea.

A criação de situações problemas envolvendo a matemática foi outra atividade


desenvolvida no dia seguinte, quando utilizamos a boca gigante com dentes e as crianças
tiveram que resolver as situações problemas propostas, oralmente e através de material
concreto. A situação proposta para registro era a seguinte: A Maria tem dois dentes com cárie
em sua boca, Pedro um e Joana três. Quantos dentes com cárie têm as crianças juntas? Pode-
se observar que o grupo fez o registro utilizando desenhos e numerais, sendo que o L utilizou
risquinhos para representar a quantidade final. N desenhou a boca de cada criança e escreveu
a letra inicial do nome delas ao lado, contou o total e registrou. AC desenhou as pessoas, suas
bocas e os dentes com cárie foram marcados com preto. Enfim, cada criança criou suas
próprias estratégias de resolução da situação problema.

A transposição didática interna32, do saber a ensinar ao saber ensinado, é realizada


pelo professor. Pensando nisso, a matemática foi explorada e contextualizada, a partir do que
estava sendo pesquisado no projeto. Para Moysés (2007) um dos desafios para um ensino de
matemática de qualidade nas escolas é a contextualização do ensino da matemática, fazendo
com que o aluno perceba o significado do que está fazendo, além de ver a possibilidade de
aplicação em outros contextos.

Nesta mesma semana, visando explorarmos as múltiplas linguagens, planejamos


trabalhos em grupos para serem executados no ateliê. Uma das duplas planejou ampliar no
retro projetor um dente, sem cárie, confeccionado em emborrachado (EVA). Outro grupo fez
um dente com cárie, outro uma boca de isopor com os dentes e, o último, uma boca de
hipopótamo, pois o grupo descobriu que o animal tem somente quatro dentes.

Segundo Edwards (1999, p.38):

Os projetos oferecem a parte do currículo na qual as crianças são encorajadas a


tomarem as suas próprias decisões e a fazerem suas próprias escolhas, geralmente
em cooperação com seus colegas, sobre o trabalho a ser realizado.

32
Termo usado por Chevallard (1991)
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Continuando com nossas pesquisas, registrei que as crianças gostariam de saber o que
era creme dental com flúor, pois tinham escutado sobre isso no vídeo explorado na semana
anterior. Então, trouxe uma história no CD sobre o flúor e orientações sobre o seu uso, onde
encontramos o flúor. Em seguida, observamos o líquido e fizemos um bochecho com ele.

Para finalizarmos as pesquisas sobre os amigos dos dentes, exploramos uma história
na internet (Canal Kids) chamada: O batalhão da limpeza. Após ouvirem a história contada
pela professora no computador cada criança recriou a história na forma de quadrinhos e a
educadora fez o registro através da escrita.

Começamos a organizar um glossário com as letras do alfabeto (caderno de desenho


onde foi colada uma letra em cada página) e as palavras relacionadas ao projeto. A professora
distribuiu gravuras com a palavra escrita e os meninos e as meninas tiveram que identificar a
letra inicial, “ler” a palavra e colar no glossário. Ex.: Bactéria-na letra B.

Na semana seguinte, a aluna N estava observando a porta da sala e sugeriu que


trocássemos os trabalhos que colocamos na porta (foto da boca das crianças e seus dentes),
pois agora estávamos pesquisando sobre os amigos dos dentes e poderíamos desenhá-los.
Afirmei que iria planejar para o dia seguinte a atividade e assim foi feito.

O projeto também se fez presente nas aulas de Educação Física, quando adaptei
algumas brincadeiras folclóricas usando as palavras relacionadas ao projeto. Podemos citar
com exemplo, a brincadeira “gato e rato” que foi substituída pela escova e bactéria, onde a
escova queria pegar a bactéria. Na brincadeira, “mamãe eu quero doce” a mamãe chaveia os
doces na geladeira para as crianças não comerem antes de ela chegar e em seguida mandar
que escovem os dentes.

No dia do aniversário do colega V, vivenciamos a higiene bucal, escovando os dentes


após comermos bolo de chocolate. Estamos sempre conversando sobre os cuidados com os
dentes. As crianças identificam familiares que têm abturações nos dentes e questionam o que
aconteceu.

Percebendo que algumas crianças ainda não diferenciam o conceito de cárie e de


bactéria, utilizamos materiais de pesquisa do nosso canto da pesquisa para compreenderem
que a bactéria é a causadora da cárie e pode ser removida através da higiene bucal, enquanto
que a cárie somente o dentista pode retirar. Pode-se observar que os conceitos foram
significados com a fala das crianças na hora de registrarem suas descobertas:

V: Tem que ir no dentista para tirar a cárie, ela não morre sozinha!
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Essa nos parece uma questão a ser refletida, pois o que Chevallard (1991apud
Menezes, 2006) chamou de tempo didático em suas duas dimensões: tempo de ensino e tempo
de aprendizagem, pode nos auxiliar no entendimento da situação descrita anteriormente. O
tempo de ensino não é o mesmo tempo que o aluno leva para aprender, por isso nem sempre
um saber a ensinar é um saber ensinado. O tempo de aprendizagem é o tempo necessário para
que o aluno aprenda e considerando a individualidade de cada um este tempo varia de criança
para criança, sendo necessário que se explore os conceitos em diferentes situações de
aprendizagem.

Organizar situações de aprendizagem que possibilitem a significação de conceitos é


um dos desafios para os professores da Educação Infantil que devem ter consciência de que
“O desenvolvimento dos processos que finalmente resultam na formação de conceitos começa
na fase mais precoce da infância” (VIGOTSKI, 2008, p.72).

Quando temos palavras novas relacionadas ao projeto, voltamos a trabalhar no nosso


glossário. Esse também é utilizado em outras situações de aprendizagem em que os alunos
recebem fichas didáticas e precisam pesquisar no glossário a letra inicial e final de uma
determinada palavra, pesquisar e desenhar o que começa com determinada letra do alfabeto.
As gravuras também são coladas pelas crianças no alfabeto exposto na parede da sala.

Barbosa (2006) afirma que a variabilidade de duração de uma atividade é definida pela
importância dada a ela pelos adultos, a faixa etária das crianças envolvidas, as possibilidades
de exploração (...). Neste caso o trabalho com o glossário está acontecendo conforme o
projeto vai se desenvolvendo.

Na mesma semana voltamos a explorar as situações problemas envolvendo, dessa vez,


além da contagem oral e a representação das quantidades, a subtração. Organizei um saco
com objetos utilizados para a higiene bucal (escovas velhas, caixas de creme dental, fio
dental) e, juntamente com o grupo, fomos criando situações problemas no grande grupo.
Após, nos organizamos em pequenos grupos e desafiei as crianças a criarem suas situações
problemas para serem resolvidas e registradas através de desenhos.

Moysés (2007) refere-se ao uso do material concreto como um elemento sensorial


importante como ponto de partida, que precisa ser ultrapassado para que se chegue ao pleno
desenvolvimento das funções psíquicas. O objeto ou elemento figurativo para estimular o
aluno a pensar, por isso, o papel que o professor atribui a esse recurso, determina seu grau de
utilidade.
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As situações problemas criadas pelos grupos foram as seguintes.

O A tava se preparando para ir para selva. Ia levar um kit de higiene bucal com dez
objetos. Três foram perdidos, quantos sobraram?
Autores: A, C e CS.
Uma pessoa não tinha objetos para cuidar dos dentes. Então ela comprou dez
coisas. Ela gastou uma escova e duas pastas. Quantos sobrou?
Autores: AC, AL, L e J.
A R tinha 10 objetos da limpeza bucal. Ela tirou dois para o G e um para a N.
Quantos sobrou?
Autores: N, V, G, R.

Cabe aqui ressaltar que cada criança representou e resolveu a situação problema
utilizando-se de suas próprias estratégias, pois a forma de pensar de cada criança e o processo
envolvido é singular. A maioria das crianças desenhou os objetos e decidiu fazer um “X”
naqueles que iriam tirar, em seguida contaram os que sobraram e registraram a quantidade
através de numerais. A aluna N circulou os objetos que iria tirar e escreveu a quantidade ao
lado através dos numerais. O L desenhou uma espécie de espiral em cima dos desenhos que
iria tirar. O A fez uma flecha apontando para os objetos que seriam tirados e usou o princípio
aditivo para explicar os que tinham sobrado: 1+2+1+3 é sete.

Para Smole et al. (2000), um dos maiores motivos para o estudo da Matemática na
escola é desenvolver a habilidade de resolver problemas. Através dessa perspectiva
metodológica os alunos são envolvidos em fazer matemática, isto é, eles se tornam capazes de
formular e resolver por si questões matemáticas, relacionando e formando conceitos
matemáticos.

Voltando a teia do projeto, observamos que tínhamos uma questão relacionada aos
cuidados com os dentes e alguns alimentos. Pesquisamos na internet e em livros na biblioteca
da escola sobre os alimentos que são prejudiciais e os que são saudáveis para os dentes.
Registramos as descobertas através de desenhos. Ouvimos histórias no Cd “A balinha sapeca”
e “E agora”, que se referem a alimentação correta e os dentes.

Também pesquisamos nos folderes dos supermercados, recortamos e colamos gravuras


de alimentos saudáveis e os que provocam a cárie. A folha foi dividida em duas partes para
que os alimentos fossem separados. A professora desafiou os alunos a escrever a letra inicial
do nome dos alimentos.

O F trouxe uma embalagem de chicletes que tinha um dente desenhado e explicou para
os colegas que aquele chiclete não continha açúcar. Na cozinha pedagógica, as crianças
lembraram de que precisamos comer frutas depois de comer um bolo, por exemplo, pois as
frutas auxiliam na limpeza dos dentes.
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Após os estudos sobre os alimentos, planejamos trabalhos no ateliê que envolvessem o


assunto. Os meninos decidiram pintar um dente e ao lado alimentos saudáveis para os dentes.
As meninas afirmaram que então iriam desenhar um dente com cárie e doces ao lado. Desta
forma o grupo foi encorajado a planejar e fazer suas próprias escolhas.

Neste dia, combinamos de desenhar com lápis e depois pintar os desenhos. O A


sugeriu que fizéssemos com o Volpi (pintor cuja obra foi explorada pelo grupo durante as
festas juninas) e pintássemos o fundo do desenho, preenchendo toda a folha. A maioria dos
colegas gostou da ideia do colega. A CS pintou toda a folha como se fosse uma garatuja e
quando questionada desenhou por cima com o pincel. Os trabalhos foram expostos na porta,
pois as crianças sempre sugerem que coloquemos registros referentes ao que está sendo
estudado.

No dia seguinte, voltamos a teia para marcar o que já havíamos estudado sobre o
projeto, quais as questões que foram respondidas.

Prof: Como vamos marcar as questões que já pesquisamos?


N e G: vamos fazer um “X”.

Assim, a professora foi lendo as questões e as crianças respondendo e marcando com


um “X” o que já havia sido pesquisado. Discutiam as respostas entre eles ou
complementavam a dos colegas. Constatamos que somente as questões relativas à Fada do
dente ainda não haviam sido pesquisadas e que o projeto se aproximava do final.

J continuava preocupada com seu dente que ainda não cresceu, e C se vai ou não
precisar usar aparelho nos dentes. Ficou combinado que trabalharíamos com as questões
referentes à Fada do dente e após iríamos visitar o consultório de uma dentista e poderiam
fazer essas perguntas para ela.

Paralelamente às pesquisas, retornamos ao glossário do projeto, identificando o que


inicia com cada letra, colando as gravuras de acordo com a letra inicial, pesquisando palavras
e letras nele.

A história da Fada do Dente foi explorada com um vídeo do cocoricó “dente por
dente”. Em seguida desenhamos sobre a mesma. C que já vivenciou a história em sua casa
também contou do seu jeito para os colegas que registraram na forma de história em
quadrinhos. Conversamos sobre as partes que deve ter uma história: início, meio e fim.
Concluímos que acreditar em Fada do dente é como acreditar em Coelho da Páscoa e Papai
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Noel. Vivenciar o imaginário e as diferentes formas literárias foi um dos objetivos dessa
pesquisa.

O contexto da “Fada do Dente” desencadeou situações problemas de divisão. A


professora desafiou os alunos a repartirem moedas, em quantidades iguais para crianças que
perderam um dente de leite. A idéia de repartir, de verificar o resto, a divisão por um foram
conceitos explorados. Após jogamos o jogo do repartir e registramos as quantidades através
de numerais.

Além disso, propus ao grupo a resolução de uma situação problema criada por mim, e
os alunos tiveram que representar a resolução utilizando desenhos. Pude observar diferentes
estratégias de resolução. O aluno A afirmou não precisar de moedas e foi logo repartindo e
representando as quantidades e a solução do problema. A maior parte do grupo solicitou
moedas para realizar a atividade antes de registrar no papel e desse grupo alguns resolveram
sozinhos e outras com a minha mediação .

Entende-se que os conceitos são significados pelas crianças a partir das experiências
proporcionadas pelas interações com o meio, com a realidade concreta, com os outros
sujeitos, sejam elas crianças ou adultos. Na Educação Infantil, os conceitos que são
elaborados servirão como base para a construção de outros, mais complexos, nas séries
seguintes.

G trouxe um jogo de seguir a trilha e então tivemos a ideia de construir um jogo


semelhante, envolvendo as pesquisas sobre os dentes, com peças grandes para que
pudéssemos passar por cima das casas. Então, o jogo dos dentes marcou o início da
organização para o encerramento do projeto e ao mesmo tempo a possibilidade de explorar
diversos conceitos.

O primeiro passo do jogo foi o planejamento de como seria confeccionado o jogo e a


combinação de utilizarmos bambolês para representar os dentes. A construção do jogo
iniciou-se na sala e continuou no ateliê.

Antes de nos deslocarmos para o ateliê, duas situações de aprendizagem significativas


foram realizadas na sala. Repartimos a turma em dois grupos para nos organizarmos para os
trabalhos e escrevemos os nomes dos colegas no quadro, contamos a quantidade de meninos e
meninas de cada grupo e a quantidade total. Em seguida solicitei que desenhassem como
ficaram os grupos. Algumas observações foram registradas pela educadora: algumas crianças
representaram somente a cabeça dos colegas e diferenciaram meninos e meninas pelo cabelo,
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outras o corpo inteiro, a N estava preocupada se iria dar espaço para todos os colegas, o F
desenhou uma pessoa bem grande e logo fez os outros colegas menores para conseguir
organizar no espaço da folha, a AC desenhou uma pessoa para mais e então disse que seria a
professora que iria acompanhar o grupo, a AL desenhou uma menina e colocou o número
quatro ao lado e um menino e o número dois ao lado (explicou: “quatro mais dois dá seis”).

Ao repartir a folha com a régua em duas metades iguais para desenhar cada grupo e
através dos questionamentos que fizeram com que o grupo concluísse que se formaram dois
grupos com a mesma quantidade de elementos, trabalhamos não só as questões relacionadas à
exploração do espaço, mas também o conceito de metade, como se observa na fala das
crianças:

N: tem dois grupos iguais!


V: seis e seis!
F: seis igual nos dois lados!

A R disse que não lembrava como se escreviea “seis” para registrar no seu trabalho e
então foi pesquisar no calendário dos dias do mês.

Ilustração 1- representação dos grupos realizada pela Natália

Após a divisão do grupo, realizamos uma votação para escolhermos as cores que
utilizaríamos para pintar os círculos (bambolês) para a montagem do jogo. Registrei os votos
no quadro e o resultado foi o seguinte: rosa – 4 votos, vermelho-2 votos, roxo - 3 votos, azul –
2 votos e verde – 1 voto. Como iríamos escolher três cores para o trabalho surgiu um impasse:
o vermelho e o azul tinham o mesmo número de votos e precisávamos nos decidir por uma
cor. C sugeriu que o voto do verde fosse deslocado para outra cor e o grupo aceitou a ideia e o
colega L votou no vermelho.
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No dia seguinte, a votação para escolha das cores foi retomada para construirmos um
gráfico com as cores escolhidas e a quantidade de votos. A professora recortou retângulos da
cores que receberam votos e pediu que cada criança identificasse o seu voto do dia anterior:

L: o meu é azul.
G: não é não, é vermelho.
R: rosa.
Grupo: Prof. ela votou no roxo.

As demais crianças identificaram as cores que tinham escolhido. Transcorridas as


discussões iniciais, questionei como iríamos colar os votos no cartaz que continha retângulos
com o nome da cor escrito dentro.

A: Vamos colocar em cima.


Professora: Em cima do quê?
F: em cima da ficha da mesma cor.
Professora: Vamos colar um voto junto com o outro?
A: Junto não dá, se não vai parecer que é um papel junto.
Professora: Então como vamos colar?(chamando a atenção pra o resto do grupo)
Grupo: separado

Os alunos passaram cola e foram colando seus votos, um de cada vez, de forma
autônoma e com a supervisão dos colegas que sugeriam: está um pouco torto, tem que colar
mais para o lado.

Professora: Agora que colamos todos podemos saber de quem é cada voto?
AL: o meu dá, o meu roxo tem umas manchinhas um pouquinho brancas.
Professora: qual a cor que venceu?
N: Rosa!
Professora: Quantas cores combinamos de usar?
Grupo:Três.
Professora: Quem ficou em segundo?
N: Esses dois, porque são do mesmo tamanho (mostrando para o roxo e o vermelho
no gráfico)
Professora: Por que não usamos o azul?
N: O azul foi o último.
C: Por que ficou por último.
Professora: Como vamos saber se tem o voto de todos os alunos no gráfico?
A: Podemos escrever os nomes em cada voto.
Professora: não tem outro jeito?
CS começou a contar quantos votos haviam e falou:
- É só contar, tem doze!
Professora: E doze são todos os colegas?
Grupo: aha...

O grupo decidiu representar com numerais, em cima de cada coluna de cores a


quantidade de votos. Finalizado o gráfico coletivo, cada criança construiu o seu gráfico,
registrando a contagem dos votos. Neste processo sugiram diferentes gráficos, conforme o
modo de interpretar de cada criança como podemos observar nos registros abaixo.
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Nesta situação de aprendizagem, o grupo foi encorajado a refletir sobre suas ações e a
resolver problemas que surgiram, além de explorar as primeiras noções de estatística.
Segundo o RCNEI (1998, p.217):

Aprender matemática é um processo contínuo de abstração no qual as crianças


atribuem significados e estabelecem relações com base nas observações,
experiências e ações que fazem, desde cedo, sobre elementos do seu ambiente físico
e sócio-cultural.
No ateliê, desenhamos em um retângulo de papel pardo os círculos para o jogo e
pintamos. Exploramos o espaço utilizado pela folha no chão, pelo bamboles, o espaço a ser
pintado, as cores. Nesta aula iniciamos a significação do conceito de círculo e retângulo,
como podemos observar na transcrição da filmagem da aula, marcada pelo diálogo entre a
professora de referência, a professora arte-educadora e as crianças.

Prof.ª 1: A Prof. quer saber que forma tem essa folha? (mostrando para o papel
pardo)
A: Retângulo.
Prof.ª 1: Por quê?
A: Por que não é quadrado, quadrado é a metade, assim cortado (faz gestos).
C: Retângulo porque é comprido.
(AL, CS e R respondem que é retângulo, mas não sabem o porquê).
V: Quadrado.
(A quer pintar o papel)
Prof.ª 1: Podemos pintar o papel sem fazer o desenho?
Grupo: Toda folha.
Prof.ª 1: Combinamos de pintar toda folha?
Grupo: Não.
C: Vamos pintar a bola!
(Prof.ª 1 lembra do combinado do dia anterior de usarmos bambolês para
representar os dentes).
Prof.ª 1: Vamos usar os bambolês para representar o que?
Grupo: os dentes.
(Prof.ª 1 distribui os bambolês e combinam de desenhar, riscando pelo lado de
dentro do bambolê com o lápis. Algumas crianças pedem auxílio às professoras
para segurar o bambolê enquanto desenham).
Prof.ª 1: Que forma é essa que a gente está desenhando?
CS: bola.
Prof.ª 1: A, como você acha que se chama?
Grupo:Bola.
Prof.ª 1: Será que não tem outro nome?
A: redondo.
(desenham e entregam os bambolês para a prof.)
Prof.ª 1: Todo mundo desenhou o seu redondo? A forma que a gente desenhou é
igual a do papel?
Grupo: Não
AL: Não, essa é uma bola.
(Professoras organizam e distribuem as bandejas com tinta, rolos e pincéis para a
pintura dos círculos e as crianças começam a pintar).
(Prof.ª 1 questiona novamente se não tem outro nome para o desenho que fizeram).
Grupo: Uma bola
A: círculo.
Prof.ª 1: Será que se chama círculo?
A: Uma bola é um círculo!
Prof.ª 1: Vamos perguntar para a Prof.ª 3 se é um círculo?
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Prof.ª 3: Sim, é um círculo.


(O grupo continua a pintura e manifestam satisfação no trabalho que está sendo
realizado, falando: Que legal! Eba vamos pintar!).
Prof.ª 1: Vamos continuar pintando o nosso círculo!
A: Prof.ª 1 fiz outro círculo ao redor desse, é um círculo de segurança par não sair
fora com a pintura.
(Continuam o trabalho, pedem mais tinta, trocam de posição em relação ao papel
para pintar o outro lado. Quando concluem a professora solicita que desenhem e
pintem outro círculo. Então, circulam para pegar papel, bambolês, lápis).
AL e CS: Vou desenhar outro círculo.
(Professoras e alunos começam a utilizar a palavra círculo)
(V precisa pegar outro papel e a professora questiona que forma tem o seu papel,
agora responde que é um retângulo e um quadrado).
A: V, para ser quadrado, olha para mim, tem que ser aqui e aqui.
(V continua pintando)
Prof.ª 3: Os lados do retângulo são iguais?
Prof.ª 1: O tamanho dos lados são iguais?
Grupo: diferentes.
Prof.ª 3: quantos são diferentes?
V: O círculo é menor e o papel maior.
CS e AL: não sei.
(CS levanta e mostra os maiores e os menores)
(Prof.ª 1 e C contam os lados maiores e menores e falam para os colegas: dois
maiores e dois menores).
Prof.ª 1: A, por que mesmo que não é quadrado?
Prof.ª 1: Por que tem dois lados maiores e...
A: Dois menores

Destacamos, nessa situação de aprendizagem, a importância da formação de conceitos.


Para Vigostski (2008), a formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa,
envolvendo todas as funções intelectuais. O psicólogo investigou dois tipos de conceitos: os
“cotidianos” e os “científicos”. Os conceitos cotidianos são aqueles que a criança vai
formulando na medida em que utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos presentes na
sua vida diária, impregnados da experiência. Os conceitos científicos são aqueles significados
a partir da aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento que a criança
frequenta a escola. Esses dois processos estão relacionados, pois um conceito científico só é
significado pela criança quando o conceito espontâneo tenha alcançado um determinado nível.

Outro aspecto que podemos analisar com o recorte acima é a proposição de situações
de aprendizagem envolvendo diferentes notações matemáticas, como afirma Smole (2000,
p.9):

Uma proposta de trabalho de matemática para a Educação Infantil deve encorajar a


exploração de uma grande variedade de idéias matemáticas, não apenas numéricas,
mas também aquelas relativas à geometria, às medidas e as noções de estatística, de
forma que as crianças desenvolvam e conservem uma curiosidade acerca da
matemática, adquirindo diferentes formas de perceber a realidade.
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Podemos observar que muitas situações de aprendizagem de matemática foram


desencadeadas e contextualizadas. Além da matemática, nesta semana, exploramos uma
poesia que os colegas do grupo dois nos trouxeram “Os dentes do Jacaré” (Sérgio Caparelli) e
também retornamos ao glossário do projeto incluindo novas palavras como: jogo, fada, teia
(do projeto). O grupo observou as letras em que ainda não colamos gravuras e estamos
tentando encontrar algo que inicie com essas letras. N sugeriu que colocássemos Kátia na
letra K, pois é o nome de sua dentista. O glossário é utilizado como fonte de pesquisa para as
crianças trabalharem com fichas didáticas onde têm que identificar a letra inicial ou final das
palavras, o número de sílabas ou de letras, uma gravura que começa com uma determinada
letra.

Durante a semana, realizamos algumas atividades da construção do jogo dos dentes


para que pudéssemos concluir o jogo na próxima aula no ateliê. Recortamos os círculos
pintados e contamos a quantidade de cada cor. Ficou decidido que a cor rosa será a cor da
sorte e nela serão coladas as coisas boas para os dentes, a cor roxa (que não gostaram da
tonalidade) as coisas ruins e o vermelho ficará em branco. Na hora de recortar os círculos a
noção do espaço a ser ocupado voltou à tona. Cada criança procurou um lugar no chão da sala
para colocar o retângulo grande com o círculo desenhado. A aluna J não conseguia achar um
espaço então solicitou à professora para trabalhar no corredor na frente da sala.

No dia seguinte, planejamos o que incluiríamos de coisas boas e ruins para os dentes.
A professora digitou e as crianças ilustraram. As frases são as seguintes:

Precisa escovar os dentes de manhã, de tarde e de noite para tirar as bactérias.


Avance 5 casas.
A dentista pode tirar a cárie e colocar remédio. Avance 2 casas.
Sempre que comer chocolate tem que escovar os dentes. Avance 1 casa.
Maçã ajuda a limpar os dentes. Avance 1 casa.
Pasta e fio dental são amigos dos dentes. Avance 1 casa.
Precisa escovar para deixar os dentes brilhantes. Avance 1 casa.
Frutas e legumes são bons para os dentes. Avance 2 casas.
Leite e queijo deixam os dentes fortes. Avance 1 casa.
Doces são ruins para os dentes. Causam cárie. Volte 1 casa.
Refrigerante tem açúcar e causa cárie. Volte 2 casas.
Balas são amigas da cárie. Volte 1 casa.
Cárie não tratada causa dor de dente. Volte 2 casas.
As bactérias ficam nos dentes quando a gente não escova. Volte 1 casa.
Pirulito é um doce e não faz bem para a saúde dos dentes. Volte 1 casa.
Não podemos comer muito doce. Volte 1 casa.
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Antes de jogarmos o jogo dos dentes, grande e confeccionado no ateliê, a professora


tirou cópias de um jogo pequeno, retirado de uma revista para jogarmos em pequenos grupos
na sala.

Ilustração 2 - jogo dos dentes.

Na aula seguinte do ateliê dividimos a turma em dois grupos: meninos e meninas. Os


meninos ficaram responsáveis por confeccionar um dado grande com uma caixa de papelão e
as meninas por organizar o jogo, colando os numerais e os desenhos que fizeram sobre as
coisas boas e ruins para os dentes.

Neste dia, os meninos voltaram aos conceitos de quadrado e círculo, além de explorar
o peso do dado, a noção de quantidade e a construção tridimensional. As meninas
organizaram uma sequência lógica de cores, de numerais e organizaram o mesmo no chão do
ateliê para ver como ficaria no dia em que iríamos jogar.

Na sala de aula, continuamos trabalhando com formas geométricas. Desta vez ,


recortei círculos, quadrados e retângulos de papel colorido e sugeri que o grupo os usasse para
construir algo. Surgiram bonecos e casas diferentes. No final, cada um representou a
quantidade que utilizou de cada forma e o total de formas.

Na semana seguinte, durante a aula de Educação Física, jogamos o jogo dos dentes na
sala dos espelhos (no ginásio). Neste dia, cada criança teve que jogar o dado e avançar tantas
casas, conforme o que tirou no dado. Aconteceram empates e duas ou três crianças tiveram
que dividir o mesmo espaço no círculo, fizeram estimativas sobre a quantidade que
precisariam tirar para passar um colega, um círculo em que teriam que retornar caso parassem
nele ou para ganhar o jogo. No final, classificamos os jogadores conforme a ordem de
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chegada na saída da trilha: primeiro, segundo...Registramos o jogo numa folha, representando


-o através de desenhos.

Acreditamos que o jogo dos dentes envolveu conhecimentos de diversas áreas:


matemáticos, linguisticos, naturais e sociais. Além disso, retomamos os conhecimentos,
conceitos e as pesquisas realizadas durante o projeto. A ludicidade também se fez presente na
hora de jogar.

Buscamos esclarecer que não se trata de jogar por jogar, sem uma intencionalidade,
mas com o planejamento do professor, para alcançar objetivos pré-determinados, como
podemos perceber na afirmação a seguir (BRASIL, 1998, p.221): “O jogo pode tornar-se uma
estratégia didática quando as situações são planejadas e orientadas pelo adulto visando a uma
finalidade de aprendizagem, isto é, proporcionar à criança algum tipo de conhecimento (...)”.

Desde o início do projeto combinamos fazer uma visita a um consultório dentário.


Conseguimos agendar uma visita, mas antes disso a professora propôs que cada criança
formulasse uma pergunta para fazer à dentista. Ilustramos as perguntas e confeccionamos
envelopes para colocá-las dentro.

As perguntas elaboradas foram as seguintes:

R: A gente escova os dentes de que jeito?


L: A cárie cresce muito?
G: O chiclé Tridente é bom para os dentes?
AL: Por que meus dentes ainda não caíram?
V: A cárie machuca muito, muito o dente?
CS: Por que a cárie vem nos dentes?
AC: Como você tira a Cárie?
A: Como você faz para tirar o dente de leite?
F: Quando precisa as crianças ir no dentista?
J: Por que meu dente ainda não cresceu?
N: O chiclé doce causa cárie?
C: Vou ter que usar aparelho quando eu crescer?

No retorno do passeio cada criança desenhou a resposta da pergunta realizada.


Também desenhamos uma história em quadrinhos sobre o passeio e fizemos o relato oral da
atividade, explorando a linguagem oral e escrita.

1.3 AS EXPERIÊNCIAS CONCLUSIVAS


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Após a visita à dentista, percebemos que estávamos chegando ao final do nosso


projeto. Colamos mais algumas figuras no glossário do projeto e confeccionamos uma capa
para ele. Também utilizamos uma foto da boca das crianças e seus dentes e a técnica do
mosaico para fazer a capa de todos os registros do projeto e organizar na forma de álbum.

No retorno das férias do mês de julho, cada criança elaborou suas conclusões sobre o
projeto “O que aprendi com o projeto”:

A: O dente ciso só nasce depois de todos os dentes. É proibido as pessoas usarem a


mesma escova; tem alimentos bons que fazem bem e alimentos maus que criam
cárie; a bactéria come o dente e fica com cárie. O flúor pode proteger o dente.
G:Quando não se escova os dentes vai a bactéria e faz o dente ficar com uma
mancha preta; a diferença do dente sem cárie com o dente que tem cárie é o flúor, a
escova e a pasta de dente; a cenoura é dura e faz ginástica para os dentes; a
bactéria fica comendo o dente quando tem resto de comida.
Al: O dente fica com cárie quando como muito doce e não escova os dentes; quando
o dente tá mole tem que deixar cair para nascer um permanente; a dentista ensinou
para nós as coisas sobre os dentes e a profe também.
L: O flúor, a escova, o creme dental são bons para os dentes; na boca tem dez
dentes em cima e dez embaixo; a dentista tira as cáries do dente; a escova é
importante para escovar os dentes com creme dental.
C:Tem que ir ao dentista quando tem dor no dente; para tirar a cárie tem que ir no
dentista também; tem que escovar os dentes de manhã, de tarde e de noite; as
bactérias ficam nos dentes quando não escovamos.
J: Quando a gente come muito doce fica com cárie nos dentes; para ter uma boca
sem cárie é preciso escovar os dentes e não comer muito doce; a dentista tira a
cárie do dente, arranca o dente quando ele não sai; a dentista tem uma cadeira
para as pessoas sentarem e tirar a cárie.
C: A dentista tem uma cadeira para ver o dente das pessoas; a mãe precisa ajudar
as filhas cuidar os dentes e levar no dentista; os dentes ficam cariado porque a
pessoa come muito doce e não escova os dentes; a cenoura, o leite e o queijo são
alimentos bons para os dentes.
A:A dentista arruma os dentes das crianças que tão com cárie; fica com cárie quem
come muito doce e não escova os dentes; se tá com cárie e não vai ao dentista fica
com muita cárie; a cenoura, a banana e a maça são alimentos bons para os dentes.
F: A cárie é um buraco que a bactéria faz no dente; a cárie pode passar para a
outra boca (bactéria), não pode usar a mesma escova; cenoura, maça, leite, queijo
são alimentos bons para os dentes; a dentista tira a cárie com um aparelhinho.
R: Tem que ir na dentista arrumar o dente. Os amigos dos dentes são o flúor, escova
e o fio dental. Os dentes são para comer. A cárie é um buraquinho no dente que a
bactéria faz.
V: Para tirar as bactérias é com a escova e a pasta e a cárie só na dentista. A
escova, a pasta e o flúor matam a bactéria do dente. A dentista ensinou para nós
que pega uma maquininha e tira a cárie.

Com esta situação de aprendizagem, cada criança foi desafiada a expressar o que
entendeu através da linguagem oral e do desenho. Suas falas foram registradas pela professora
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através da linguagem escrita. A importância da fala para resolver um problema, expor uma
idéia é trazida por Vigotski:

Quanto mais complexa a ação exigida pela situação e menos direta a solução, maior
a importância que a fala adquire na operação como um todo. Às vezes a fala adquire
uma importância tão vital que, se não for permitido seu uso, as crianças pequenas
não são capazes de resolver a situação (2008, p.34).

Em virtude da epidemia de gripe A que atinge a cidade, e por recomendação dos


órgãos de saúde, não pudemos juntar turmas para a apresentação do nosso projeto e nem
chamar as famílias para a escola. Conversando com as crianças resolvemos fazer a
apresentação do projeto num Cd. Selecionamos fotos do início do projeto, das pesquisas, dos
trabalhos no ateliê, do passeio de estudos, das brincadeiras e do jogo dos dentes e a professora
montou uma apresentação de Power Point. Após o grupo ensaiou a apresentação e a
explicação do que estava acontecendo em cada foto e cada parte do projeto. Cada criança
recebeu um Cd e ficou responsável de reunir a família em casa e apresentar o projeto. Após
cada um registrou através de desenhos como foi essa apresentação. Além do Cd montamos
um álbum com os registros realizados durante o projeto para ser apresentado as famílias.

Acreditamos que o projeto foi significativo para o grupo, pois esteve presente em
diversos tempos e espaços da Educação Infantil (ateliê, biblioteca, laboratórios, sala de vídeo,
sala de aula, ginásio da escola...). O espaço nunca é neutro, ele poderá ser estimulante ou
limitador das aprendizagens, dependendo de como for organizado, sendo considerado um
sistema vivo e em constante transformação. O espaço escolar também não é somente o de sala
de aula, mas todos os seus prolongamentos possíveis.

Com a apresentação de fatos significativos do projeto para as famílias, finalizamos o


projeto “Estudando sobre os dentes” e dessa forma, podemos afirmar que a função do projeto
foi de favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos, envolver
diferentes conteúdos e conceitos em torno de problemas e hipóteses levantadas pelos alunos
para levá-los à significação do conhecimento.
No mês de outubro, participamos do Fórum Pedagógico da escola e dessa vez,
apresentamos o projeto para os pais, colegas e a comunidade escolar.
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ANEXO 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

SENHORES PAIS:

Estamos desenvolvendo uma pesquisa cujo título é “A MATEMÁTICA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL CONTEMPORÂNEA: IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA
PEDAGÓGICA”. Este trabalho é fruto de estudos de pós-graduação – mestrado na área de
educação na UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL e tem como objetivos: Investigar sobre a criança da educação infantil
(faixa etária 4-5 anos), sua singularidade e sua relação com a matemática; Analisar como
ocorre o processo de mediação e de significação conceitual pelos alunos, a partir da literatura
existente e da análise de situações de aprendizagem, envolvendo minha prática docente e
crianças de quatro e cinco anos; Analisar a linguagem matemática (escrita) na atribuição de
significados dos conceitos, na Educação Infantil.

No que se refere à metodologia, a pesquisa qualitativa será realizada através do estudo


de caso envolvendo três métodos de coleta de dados: vídeo-gravação, observação dos alunos
durante as aulas e produções (registros) dos envolvidos. Após faremos a análise dos dados
coletados durante a pesquisa. O material coletado na vídeo-gravação, após a pesquisa, ficará
sob responsabilidade do Gipec-Unijui em profundo sigilo.

Nós pesquisadores garantimos que o anonimato do seu filho (a) está assegurado,
podendo você ter acesso as suas informações e realizar qualquer modificação no seu
conteúdo, se julgar necessário. Você tem liberdade para recusar a participação do seu filho na
pesquisa, ou desistir dela a qualquer momento sem que haja constrangimento, podendo
solicitar que suas informações sejam desconsideradas no estudo.

Está garantido que você não terá nenhum tipo de despesa financeira durante o
desenvolvimento da pesquisa, como também, nenhum constrangimento moral dela decorrente.
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Eu, Clarice Brutes Stadtlober, bem como minha orientadora, assumo toda e qualquer
responsabilidade no decorrer da investigação e garanto que suas informações somente serão
utilizadas para esta pesquisa, podendo os resultados virem a ser publicados.

Se houver dúvidas quanto a sua participação poderá pedir esclarecimento a qualquer


um de nós, nos endereços e telefones: Rua Antunes Ribas – 1506 - apto 34 – fone
5533123101 ou a membros do Comitê de Ética em Pesquisa da UNIJUI - Rua do Comércio,
3.000 - Prédio da Biblioteca - Caixa Postal 560 - Bairro Universitário - Ijuí/RS CEP 98700-
000. Fone/fax (55) 3332-0301.

Eu,__________________________RG________________, ciente das informações


recebidas concordo que meu filho (a) participe da pesquisa, autorizando-os a utilizar as
informações coletadas e/ou os resultados alcançados.

O presente documento foi assinado em duas vias de igual teor, ficando uma com o
responsável pela criança e outra com o pesquisador:

_____________________________ ______________________________

Nome do responsável pelo aluno (a) Assinatura do responsável

____________________________ ______________________________

Nome do pesquisador Assinatura do pesquisador

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