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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JORNALISMO
VERA LÚCIA SOMER
GABRIELY FARIAS

1. CONTO

ERA ELA

Sempre muito arrumada, com brincos, colar, mais de um anel e um salto que fazia um alto
clap, clap, clap por onde passava. Essa garota de cabelos loiros e compridos carregava um
sorriso doce, ela espalha Ois para diversas pessoas que só viu uma vez mas que guardava o
rosto. Por ser marcante, não era difícil as pessoas também se lembrarem dela.

Hoje sua roupa era uma combinação de cores, uma blusa mostarda com gola, mas sem
mangas. Ela usava um blazer verde, uma saia jeans de cintura alta, uma echarpe vermelha e
sapatos pretos. Falando assim parece ridículo, só que fica tão lindo nela. Nem parece
possível. O cabelo estava preso em um coque com um lápis, seus óculos tortos (a cachorra
estragou, contava ela) estava pendendo meio torto em seu rosto, mas parecia proposital.

Acompanho os claps de seu salto no corredor de tijolinhos dessa Univali. Renata era o nome
dela, destoava tanto do ambiente acadêmico e ao mesmo tempo combinava tanto. Eu com
certeza tinha uma paixonite nessa garota. Percebo que me perdi nos meus pensamentos
quando a vejo sentada ao meu lado me encarando. Suas sardas formam um contorno em seus
olhos castanhos, os longos cílios claros destacavam o tom de amêndoa que aquelas duas
bagas profundas traziam.

- Oi Re, tudo bem? - pergunto de uma forma tímida


- Não muito, mas vai ficar. - Ela responde pondo a cabeça em meu ombro.

Não falo mais nada, não sei o que dizer. Talvez eu devesse ter dito algo, porque depois de
alguns segundos o calor de sua cabeça deixa meus ombros, trazendo um frio desconfortável
no lugar que antes estava aquecido. Ela levanta rápido e sai dizendo que não quer se atrasar,
nem me olhou ao dizer isso. Apenas saiu.

Eu como sempre estou atrasado para aula, espero alguns dos meus amigos para irmos juntos.
Claro que quando terminei de subir aqueles frios lances de escada para chegar a sala, ela já
estava lá. Muito plena, usando duas mesas, colada a professora e com as coisas apoiada na
parede. Re está mastigando a ponta do lápis, um hábito que ela costuma fazer quando está
pensativa. Já fomos muito amigos, pisei na bola e hoje não somos mais. Ela tem um novo
grupo, que combina com ela. São alegres, bem arrumados, faladores e parecem bem
parceiros. Contudo, ela parece meio afastada, como se o sorriso e toda arrumação fossem
uma fachada, como se escondesse algo. Mas posso estar errado, Renata continua simpática,
alegre e sorridente.
Meu amigo me cutuca e faz um sinal de “fecha a boca”. Certeza que eu estava babando. O
único motivo para eu vir às aulas todas as noites, além de eu estar pagando a faculdade, era
para ver ela. Mesmo que estivéssemos distantes e mesmo que houvesse um brilho diferente
em seus olhos, sentir a energia que ela emanava fazia tudo valer a pena. Passei o resto da
noite pensando nela e tudo que se relaciona a ela. Não lembro de ter caminhado para casa
nem nada.

No outro dia na faculdade, faço o mesmo caminho de sempre. Dou a volta no bloco A, passo
pela frente da biblioteca e sigo para o sala 404 no bloco B7. Me sentia todos os dias o Shrek
indo até a Fiona. A caminho da sala mais alta, da torre mais alta, cercado por escadarias
infinitas. O mesmo caminho de todo o dia. Hoje foi diferente.

Esse bloco, normalmente cheio, estava mais cheio ainda. Normalmente ouve-se as pessoas
conversando de forma alegre, era possível ver professores pomposos e alunos caminhando
apressados para chegar às suas salas. Nem se via os famosos tijolinhos da Univali com tanta
gente. Percebo que próximo às rampas que levam ao segundo andar, há uma comoção de
pessoas. Será que tem uma mini lanchonete ali?

Estranho a quantidade de professores querendo comprar algo, eles normalmente não vão na
lanchonete. Vejo muito dos meus professores, eles estão com um semblante estranho. Apesar
dos seus cargos, eles se vestem normalmente, apesar de muitos serem incríveis e com muita
experiência, não é possível julgá-los como professores apenas pela aparência (como é comum
com os profs. de Direito) só se sabe a sabedoria que eles têm depois que se tem uma aula com
eles. É algo revigorante.

Ando pela multidão e me sinto desconfortável. A forma como as pessoas estavam falando,
cochichando baixo. Chego perto do ex-coordenador. Ele me abraça antes que eu fale algo.
Seus olhos estão marejados. Começo a ficar assustado. Olho ao redor procurando mais rostos
conhecidos, vejo alguns dos amigos da Re abraçados. Encontro meu colega, ele está aos
prantos. Certeza que não é nenhuma nova lanchonete. Me aproximo do centro da comoção.
Meu coração está acelerado. Minhas mãos estão suando. Algumas pessoas tentam me
impedir, empurro e esmurro para chegar até a frente.

Um corpo com o rosto virado para o chão encontra-se de forma torta no centro daquela
profusão de gente. Os cabelos estão sujos, as roupas são tão sem vida quanto o corpo. Há
sangue perto da cabeça, a perna esquerda está dobrada de uma forma totalmente impossível
para o lado direito. Os braços, cheios de machucados, ambos de formas esquisitas ao lado do
corpo inerte. Reconheço a bolsa ao lado do corpo. Há um bilhete do tamanho de uma folha
A4 colado do lado de fora, para que todos possam ler. Está meio rasgado devido a queda.

Começo a reparar mais detalhadamente. A cor do cabelo, os vários brincos na orelha, a mão
adornada de anéis. Mesmo agora ela queria estar linda. Me ajoelho e viro o corpo. As sardas
que eu estava tão acostumado a encarar eram diferentes. Não tinham o rubor daquelas
bochechas que escondiam os olhos cada vez que um sorriso se abria naquele rosto. Os olhos
estão abertos, um horror aliviado estampados dos últimos minutos, lágrimas secas marcavam
as bordas daqueles olhos cor de amêndoa. Por que ela fez isso?

Sinto mãos me puxarem para trás. Era ela quem estava morta. Renata se matou. Não acredito
naquilo. Com os olhos turvos e cheios de lágrimas, leio as letras em caixa alta no papel:

A CULPA É DE VOCÊS

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