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QUARTA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2010 SEGUIDORES


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DIALOGANDO COM FREIRE E BOAVENTURA SOBRE
EMANCIPAÇÃO HUMANA, MULTICULTURALISMO E
EDUCAÇÃO POPULAR

DIALOGANDO COM FREIRE E BOAVENTURA SOBRE EMANCIPAÇÃO


HUMANA, MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO POPULAR
Maria do Amparo Caetano de Figueiredo

RESUMO

Este trabalho tem o intuito de refletir as concepções de emancipação e Follow


multiculturalismo apresentadas por Paulo Freire e Boaventura dos Santos.
Portanto, este diálogo busca dar visibilidade às práticas onde o ser
ARQUIVO DO BLOG
humano possa ter o direito de ser, de se expressar nos seus potenciais,
capacidades e diferenças, contemplar na ação educativa o respeito e a ► 2016 (1)
valorização das diferenças sejam elas de raça, gênero, cor, etnia. A partir ► 2012 (2)
dessas reflexões, quero trazer à tona o papel desenvolvido pela educação ► 2011 (190)
popular no processo instituinte de ações emancipatórias num contexto
▼ 2010 (1069)
multicultural. Nessa perspectiva, estes autores têm contribuído para fortalecer
► Dezembro (38)
as concepções e práticas no campo da educação popular, que vem sendo
gestadas e nutridas por um projeto de sociedade emancipada. ► Novembro (59)
Palavras - chave: Emancipação Humana - Multiculturalismo - Educação ► Outubro (70)
Popular
► Setembro (63)
► Agosto (93)
INICIANDO O DIÁLOGO
► Julho (121)
Há um século e meio Marx e Engels gritavam em favor da união das classes ► Junho (169)
trabalhadoras do mundo contra sua espoliação. Agora, necessária e urgente
▼ Maio (116)
se fazem a união e a rebelião das gentes contra a ameaça que nos atinge,
a da negação de nós mesmos como seres humanos submetidos à IBERESCENA
“fereza” da ética do mercado. (FREIRE, 1998).
baixar musicas?
Nesse novo milênio estamos vivendo diante de um grande paradoxo: ao
mesmo tempo em que avançamos com relação ao progresso tecnológico, BIBLIOTECA ALCEU
AMOROSO LIMA
por outro lado, caminhamos num sentido quase inverso às nossas
capacidades de garantir um norte ético e emancipatório para a nossa Malpertuis
vida em coletividade. Estamos diante de uma sociedade cada vez mais
Um estudo crítico da relação
globalizada, tecnologicamente avançada. Contraditoriamente, a maioria entre ser humano e na...
da população vive submetida a processos de exclusão e violência sem
Transformar com Arte?
precedentes. Há uma ética que atende muito mais aos interesses do
mercado, do que a espécie humana. Tem-se o desenvolvimento da ciência, DIALOGANDO COM
FREIRE E BOAVENTURA
e ao mesmo tempo, a banalização da vida, a desumanização do ser. SOBRE EMANCIPAÇ...
Paulo Freire e Boaventura dos Santos apresentam críticas ao projeto de
Grécia de Alice
globalização e as políticas neoliberais excludentes que se consolidam em nível
nacional e internacional. Nesse sentido, Freire reflete sobre o papel e o
compromisso da ciência e a da tecnologia. “A todo avanço tecnológico
haveria de corresponder o empenho real de resposta imediata a qualquer
desafio que pusesse em risco a alegria de viver dos homens e das Dialética do virtual
mulheres” (FREIRE, 1998, p.147). Uma ciência e tecnologia a serviço do Brasil Desconstruido
processo de emancipação humana. Por outro lado, Boaventura defende uma Um bebê na Indonésia, com
globalização contra-hegemônica, ou seja, uma globalização condizente com dois anos de idade,
um projeto de sociedade que respeite as culturas locais, multicultural e fuma...
emancipada. Hello Nietzsche
Nietzsche e a Grécia
Assim, neste contexto da globalização hegemônica, a educação muitas
Eurínome
vezes se encontra pouco vigorosa para dar a sua contribuição no
processo de emancipação humana. Diante dessa situação, as idéias sobre Deusa-Mãe
emancipação precisam ser (re)discutidas, através de um debate teórico que Modos -
contemplem os dilemas e as perspectivas da emancipação da humanidade Uiiii
frente às novas configurações societárias instituídas. “O desafio é a
Alexandre Orion
construção de propostas concretas para superar dialeticamente os
processos socioculturais desumanizantes construindo, igualmente, Rothko
novas bases filosófico-científicas capazes de orientar um projeto Pollock
emancipatório de sociedade” (ZITKOSKI, 2003, p.1).Portanto, a elaboração Basquiat
desse texto nasce do desejo e da necessidade de estar refletindo as
Grafite
perspectivas de uma sociedade emancipada que contemple o
Médicos brasileiros pedem
multiculturalismo, identificando as possibilidades e os limites que as práticas
legalização da Maconha
emancipatórias colocam para a Educação Popular. Inicio o ensaio a partir do
debate com Paulo Freire sobre emancipação e multiculturalismo. Delicadeza
Posteriormente, apresento as reflexões desenvolvidas por Boaventura dos Cecília Meireles
Santos sobre o projeto de sociedade emancipada e multicultural, enquanto um Projeto Ficha Limpa: será
projeto contra-hegemônico diante do atual estágio do capitalismo globalizado. que agora vai?
Feitas essas reflexões conceituais, abordo os desafios, limites e perspectivas “A farsa da nação indígena”
presentes no campo da Educação Popular, vislumbrando a instituição de uma
Selo Vigilante
sociedade emancipada. “A educação popular, pelo diálogo, caminha para a
superação das formas existentes de opressão, uma pedagogia Alice no País das
Armadilhas
emancipatória... Uma pedagogia orientada pela interpretação do mundo,
myspace
considerando que todos se educam pelo diálogo, intersubjetivamente”.
(MELO NETO, 2004, p. 176). Cú Também é Cultura???
Encontro-me, pois, no desafio de realizar uma provocação teórica-prática
A Física Quântica e o
sobre os desafios e as perspectivas de emancipação da humanidade, sem a
Cotidiano Comum
pretensão de esgotar ou até mesmo concluir este debate. Encontro-me
Introdução a Universos
também mobilizada pelo desejo de tentar processar as possibilidades da
paralelos realmente
atividade da educação popular nessa empreitada emancipatória. Enfim, existem?
escrever sobre a emancipação humana é discorrer sobre um conjunto de
Cú Também é Cultura!!!
ações, utopias, lutas, sonhos, projetos, ações humanas em busca da
felicidade, da justiça, da liberdade e da fraternidade. Verdade...
Espaço Telezoom
SOBRE O CONCEITO DE EMANCIPAÇÃO E MULTICULTURALISMO A menina que tomou água
sanitária para ficar branc...
Para desenvolver o debate sobre emancipação buscarei me fundamentar no Educação para a
pensamento de Paulo Freire e Boaventura dos Santos, através das suas diversidade
construções teóricas sobre estes. Prefeitura descumpre acordo
e leva tensão para Vil...
Segundo o Dicionário do Pensamento Marxista, o conceito de CICAS
emancipação tem a ver com a liberdade em nível da supressão dos
escorpião
obstáculos à emancipação humana, ou seja, ao múltiplo desenvolvimento
das possibilidades humanas e a criação de uma nova forma de Blog do Thomas
associação digna da condição humana. “Dentro da comunidade terá cada Jader Fontenelle Barbalho
indivíduo os meios de cultivar seus dotes e possibilidades em todos os CPI dos CARTÓRIOS Já...
sentidos” (MARX, apud BOTTOMORO, 1997, p.124). Assim, quanto tratarmos
Mataram Irmã Dorothy
da concepção de emancipação, em alguns momentos do texto, vamos fazer
referência aos conceitos de liberdade e de emancipação como termos ENFF
aproximados. IPEMA
No entanto, situarei brevemente a origem e a evolução do conceito de A capoeira a partir da
emancipação, sobretudo por compreender que as concepções desses autores abordagem crítico-
se referenciam também nesta história. superador...
Segundo Pogrebinschi (2004), a origem do conceito de emancipação, em sua LIvro - Construção
formulação latina original emancipatio, deriva de e manu capere, enquanto ato Sustentavel
jurídico através do qual o paterfamilias da República Romana tinha autorização Construções mais
para libertar seu filho do pátrio poder. Este conceito é retomado pelo projeto do sustentáveis estão em
pauta
iluminismo, através dos ideários de liberdade e igualdade, inspiradores da
Revolução Francesa. Nesse contexto, o conceito de emancipação é também Construção Sustentavel
aprestado na perspectiva de auto-emancipação, passando a ser ação do O carro movido a água
próprio sujeito. Portanto, se na Roma republicana a autoridade que Alice no País das
proporcionava a emancipação era o paterfamilias, na Idade Média ela passa a Armadilhas na Feira da
ser o direito emanado do Estado, tem-se, portanto, a emancipação no campo Pompéia
público, político. O Estado representa o agente emancipatório, ou seja, um Boa tarde a tod@s!
instrumento de realização da emancipação. Entretanto, no século XIX, o Futebol
Estado constitui o próprio objeto de emancipação, ou seja, a origem da
Macaxeira
opressão da qual se deseja emancipar. No entanto, somente em Marx o
conceito de emancipação se libertará do Estado.Assim, em A questão Atáaaa;
judaica (1978), Marx estabelece uma distinção entre os conceitos de Confusão...
emancipação política e emancipação humana. A emancipação política se Zorba - A civilização nasceu
configurou pela superação da forma de sociabilidade feudal, em que o modo errando...
de produção estabelecia uma desigualdade jurídica e política explícita entre as varrer as esfinges das
classes sociais. Portanto, a emancipação política, não extingue, antes solidifica encruzilhadas
a desigualdade social. Não obstante, para Marx, a emancipação política para o
► Abril (69)
seu contexto, representa um grande progresso.“É certo que não é a última
forma da emancipação humana, mas é a última forma da emancipação ► Março (84)
humana na ordem do mundo actual. Entendamo-nos: falamos da emancipação ► Fevereiro (97)
real, da emancipação prática”. (MARX, 1978, p. 23). ► Janeiro (90)
Dessa forma, o marxismo torna-se herdeiro de um conceito mais fértil e mais
amplo de emancipação: “emancipação humana geral”, enquanto a mais ► 2009 (310)
elevada expressão das potencialidades humanas. A “emancipação humana só
é realizada quando o homem reconheceu e organizou as suas próprias forças
como forças sociais, deixando, pois de separar de si a força social sob a forma
de força política” (MARX, 1978, p.46). Nesse sentido, pauta sua obra no
conhecimento e crítica à sociedade burguesa, vislumbrando alternativas,
caminhos, ações instituintes de emancipação da espécie humana.

O conceito de emancipação também foi constituinte do projeto dos pensadores


da Teoria Crítica ou Escola de Frankfurt. Estes pensadores desenvolveram nos
seus estudos profundas críticas e alternativas a sociedade de suas época e,
sobretudo diante da não efetivação de uma sociedade emancipada, inclusive
no contexto do chamado socialismo real. A Escola de Frankfurt foi criada na
Alemanha em 1923. Constituiu um grupo de intelectuais que formularam uma
teoria social específica, de inspiração marxista Contudo, não permaneceu na
Alemanha, pois foi “transferida” para os Estados Unidos em 1933, onde
permaneceu até 1950, retornando ao país origem. Seus principais
representantes foram: Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e
Jürgen Habermas.

Adorno realiza uma conversação com Hellmut Becker e Gerd Kadelbach


(1969) sobre o processo educacional e a prática emancipatória. Adorno
recoloca o desafio de no mínimo fazer oposição à barbárie, a partir de uma
educação que promova a emancipação.

EMANCIPAÇÃO E MULTICULTURALISMO EM PAULO FREIRE

Freire em toda a sua obra, deixa claro sua própria posição na sociedade, na
educação, na vida, diante do outro, diante dele mesmo. Ele sempre nos
desperta para refletir sobre os limites da educação. Entretanto, destaca
fundamentalmente o papel que temos e a responsabilidade de assumi-lo bem,
na construção de uma sociedade mais democrática e humana. Nesse sentido,
Freire reconhece que o projeto de emancipação humana só será
efetivado na sociedade socialista. Freire reconhece assim como Marx, o
progresso da emancipação política, no caso de Freire, a vivencia da cidadania,
mas considera que só com a instituição do socialismo é possível a
emancipação geral da humanidade. Para Freire, o contexto atual nos
possibilita projetar novas experiências socialistas, transcendendo ao modelo
negativo do socialismo soviético, assim como o paradigma autoritário do
chamado socialismo real:
O discurso contra a utopia socialista – o discurso liberal ou neoliberal –
necessariamente e obviamente enaltece o avanço do capitalismo. Eu me
recuso a pensar que se acabou o sonho socialista porque constato que as
condições materiais e sociais que exigiram esse sonho estão aí. Estão aí a
miséria, a injustiça e a opressão. E isso o capitalismo não resolve a não ser
para uma minoria. Eu acho que nunca, nunca na nossa História, o sonho
socialista foi tão visível, tão palpável e tão necessário quanto hoje, embora,
talvez, de muito mais difícil concretização. (FREIRE, 2001, p. 209).
Nesse sentido, a emancipação humana não acontecerá por
eventualidade, por concessão, mas será uma conquista efetivada pela
práxis humana, que demanda uma luta ininterrupta. Assim, Freire não
defende uma libertação enquanto ponto ideal, fora dos homens, ao qual
inclusive eles se alienam. A liberdade é condição imprescindível ao
movimento de busca em que estão inscritos os homens como seres
inconclusos... “A libertação, por isto, é um parto[...] O homem que nasce
deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da
contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos” (FREIRE,
1991, p.35).
De tal modo que a superação dessa contradição é um processo que traz ao
mundo novos seres, não mais opressores, nem oprimido, mas homem
libertando-se. Nesse contexto, A pedagogia do oprimido (1991), constitui a
pedagogia dos homens e das mulheres empenhando-se na luta por sua
emancipação. A origem da pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista
e libertadora, “deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens
em processo de permanente libertação”. (FREIRE, 1991, p. 41).
Destarte, o processo de emancipação humana na perspectiva de Freire
contempla o processo de humanização tanto do oprimido quanto do opressor.
Essa luta unicamente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem
reconstruir sua humanidade, não se sentem idealistamente opressores, nem
se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da
humanidade de ambos. “E aí está a grande tarefa humanista e histórica
dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores.”(FREIRE, 1991, p.30):

A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua humanidade
roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que a roubam, é
distorção da vocação do ser mais... Na verdade, se admitíssemos que a
desumanização é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos que
fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela
humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos
homens como pessoas, como “seres para si”, não teria significação. Esta
somente é possível porque a desumanização, mesmo que um fato concreto na
história, não é, porém, destino dado, mas resultado de uma “ordem” injusta
que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos. (FREIRE, 1987,
p.30).
Assim, emancipação na perspectiva de Freire é apropriar-se e experimentar o
poder de pronunciar o mundo, a vivência da condição humana de ser
protagonista de sua história. Freire nos possibilita um projeto de educação
popular que almeja a libertação, humanização e emancipação humana. Sua
pedagogia caminha “em torno de uma ontologia social e histórica. Ontologia
que, aceitando ou postulando a natureza humana como necessária e
inevitável, não a entende como uma a priori da História. A natureza humana se
constitui social e historicamente”. (FREIRE, 2000, p.119). A emancipação
consiste num fazer cotidiano e histórico permeado de desafios, sonhos,
utopias, resistências e possibilidades. “Vocacionado à Liberdade, o ser
humano busca responder através de sua disposição de cavar, sem cessar,
espaços de autonomia, em vista de um renovado compromisso com a causa
emancipatória, seja no plano pessoal, seja no âmbito coletivo” (CALADO,
2001, p. 55). Freire busca realizar o sonho político a favor da emancipação
humana. Esta tarefa, no entanto, “não pode ser proposta pela classe
dominante. Deve ser cumprida por aqueles que sonham com a reinvenção da
sociedade, a recriação ou reconstrução da sociedade”. (FREIRE, 2001, p.49).
Libertação e opressão, porém, não se acham inscritas, uma e outra, na
história, como algo inexorável. Da mesma forma a natureza humana, gerando-
se na história, não tem inscrita nela o ser mais, a humanização, a não ser
como vocação de que o seu contrário é distorção na história... Homens e
mulheres, ao longo da história, vimo-nos tornando animais deveras especiais:
inventamos a possibilidade de nos libertar na medida em que nos tornamos
capazes de nos perceber como seres inconclusos, limitados, condicionados,
históricos. Percebendo, sobretudo, também, que a pura percepção da
inconclusão, da limitação, da possibilidade, não basta. É preciso juntar a ela a
luta política pela transformação do mundo. A libertação dos indivíduos só
ganha profunda significação quando se alcança a transformação da sociedade.
(FREIRE, 1997, p. 100).

Assim, no contexto da sociedade capitalista, há muitos limites ao


processo de emancipação humana. Esta emancipação será sempre um
processo em construção, um devenir. Nesse sentido, a emancipação
humana no pensamento de Freire é um vivenciar cotidiano, não um
projeto a ser concretizado somente num futuro longínquo, inclusive para
ser construído e vivido por outros. Portanto, as práticas emancipatórias
da humanidade se efetivarão ao mesmo tempo no cotidiano e na história.
Ocorre em casa, nas relações entre pais, mães, filhos, filhas, na escola,
nas relações de trabalho, não importa o seu grau, afirma Freire (2000), “o
essencial é se sou uma pessoa coerentemente progressista”. Nesse
sentido, a educação popular constitui um dos espaços fundamentais que
possibilita aos seres humanos ir exercitando o processo de emancipação
individual e coletiva. Assim, na perspectiva freireana, a emancipação
inclui a vivência das necessidades matérias e subjetivas, contempla a
festa, a celebração, a alegria de viver:

Essa educação para a liberdade, essa educação ligada aos direitos


humanos nesta perspectiva, tem que ser abrangente, totalizante; ela tem
que ver com o conhecimento crítico do real e com a alegria de viver. E
não apenas com a rigorosidade da análise de como a sociedade se move, se
mexe, caminha, mas ela tem a ver também com a festa que é vida mesma.
Mas é preciso fazer isso de forma crítica e não de forma ingênua. Nem aceitar
o todo-poderosismo ingênuo de uma educação que faz tudo, nem aceitar a
negação da educação como algo que nada faz, mas assumir a educação nas
suas limitações e, portanto, fazer o que é possível, historicamente, ser feito
com e através, também, da educação. (FREIRE, 2001, p. 102).
Neste aspecto, Freire argumenta contra a concepção bancária de educação.
Uma educação que não promove a emancipação, ao contrário, reduz o ser
humano ao “autômato”, que constitui a negação de sua ontológica vocação de
ser mais. Uma concepção de homem como ente “vazio” a quem o mundo
“encha” de conteúdos, constituído numa consciência particularizada,
mecanicistamente compartimentada:
Na concepção “bancária” que estamos criticando, para a qual educação é o
ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se
verifica nem pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a
sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio” a “educação”
“bancária” mantém e estimula a contradição. (FREIRE, 1987, p. 59).
Freire desenvolve uma concepção dialógica da educação fundamentada numa
compreensão problematizadora do ato de conhecer e a intencionalidade de
mudar o mundo. Freire propõe uma educação que, eliminada a roupagem
alienada e alienante, consista em uma força de transformação, emancipação e
libertação humana.(FREIRE, 1987). A sociedade que aí está impõe sua
cultura, linguagem, sintaxe, semântica, gostos, sonhos, projetos de classe
dominante. Como exemplo, Freire cita a imposição da escola:
É por isso que não há verdadeiro bilingüismo, muito menos multilingüismo, fora
da multiculturalidade e não há esta como fenômeno espontâneo, mas criado,
produzido politicamente, trabalhado, as duras penas, na história... É a criação
histórica que implica decisão, vontade política, mobilização, organização de
cada grupo cultural com vistas a fins comuns. Que demanda, portanto, uma
certa prática educativa coerente com esses objetivos. Que demanda uma nova
ética fundada no respeito às diferenças”. (FREIRE, 1997, p.157).
Desse modo, o projeto de emancipação humana defendido por Freire,
contempla a questão do multiculturalismo. O direito e o respeito às diferenças
constitui um dos aspectos abordados por Freire, principalmente nos seus
últimos trabalhos. Segundo Freire (1997, p.156), refletir sobre a
multiculturalidade constitui um tema que demanda uma análise crítica da sua
constituição. “A multiculturalidade não se constitui da justaposição de culturas,
muito menos no poder exacerbado de uma sobre as outras, mas na liberdade
conquistada, no direito assegurado de mover-se cada cultura no respeito uma
da outra”. Assim, numa sociedade com perspectivas de emancipação
multicultural, o desafio consiste em estabelecer uma análise crítica das
práticas educativas, com o intuito de não se confundir uma justaposição de
culturas com o multiculturalismo.
Portanto, a perspectiva multicultural freireana se expressa enquanto a
concretude de um diálogo crítico entre as culturas, potencializando ao mesmo
tempo ações que vislumbrem formas mais humanas de convivência e de
crescimento individual e coletivo de todos os seres humanos. Refere-se a
processos educativos que efetivamente contribuam com a “construção da
humanidade do ser humano, de todos os seres humanos em todos os
quadrantes do globo” (SOUZA, 2001).
Dessa forma, Freire é claro quando argumenta que não basta apenas garantir
o direito a essa diversidade numa sociedade dita democrática. Freire critica o
modelo de pós-modernidade “de direita”, que difunde a idéia que foi suprimida
as classes sociais, as ideologias, os sonhos e utopias. (FREIRE, 1997, p.198).
Nessa perspectiva, tem-se o discurso de que a categoria classe social foi
abolida nos estudos sociológicos e educacionais, e de que não existem mais
classes sociais, e os trabalhadores estão diluídos em várias frentes: pelo
trabalho, pela sobrevivência imediata. Entretanto, reflito que a questão básica
ainda é a desigualdade social de classes. E, as outras temáticas em questão
nos tempos atuais, tais como, a defesa da natureza, as lutas étnicas, das
mulheres, o direito à diferença, demandam também o debate sobre as classes.
Ou seja, a forma desigual como os mais diversos grupos sociais têm
participado do processo de produção e usufruto dos bens culturais e materiais
produzidos pela humanidade:
Num primeiro momento a luta pela unidade da diversidade que é
obviamente uma luta política, implica a mobilização e a organização das
forças culturais em que o corte de classe não pode ser desprezado, no
sentido da ampliação e no do aprofundamento e superação da
democracia puramente liberal. É preciso assumirmos a realidade
democrática para a qual não basta reconhecer-se, alegremente, que nesta
ou naquela sociedade, o homem e a mulher são de tal modo livres que
têm o direito de até de morrer de fome ou de não ter escola para seus
filhos e filhas ou de não ter casa para morar. O direito, portanto, de morar
na rua, o de não ter velhice amparada, o de simplesmente não ser.
(FREIRE, 1997, p. 157). (Grifos nossos)Portanto, o multiculturalismo não
constitui simplesmente a afirmação do direito de ser diferente, quando esta
diferença está sendo caracterizada pela desigualdade social. Pois o simples
direito à diferença entre as multiplicidades de culturas é insuficiente para se
dizer que estamos numa sociedade multicultural. Nesse sentido, a pedagogia
freireana tem cada vez mais se colocado radicalmente “a favor da
transformação das condições e situações de vida e de existência das maiorias
desapossadas de quaisquer poderes econômico, social e político”. (SOUZA,
2001, p.119). Diante desse debate Freire faz uma distinção entre a pós-
modernidade progressista e a conservadora, neoliberal, combatendo essa
última, e reafirmando a opção pelos excluídos. Nesse contexto, Freire assume-
se enquanto um pós-moderno crítico:
Para mim, a prática educativa progressistamente pós-moderna é nela que
sempre me inscrevi, desde que vim à tona, timidamente, nos anos 50 – é a
que se funda no respeito democrático ao educador como um dos sujeitos do
processo, é a que tem no ato de ensinar – aprender um momento curioso e
criador em que os educadores reconhecem e refazem conhecimentos antes
sabidos e os educandos se apropriam, produzem o ainda não sabido. É a que
desoculta verdades em lugar de escondê-las. (FREIRE, 2001, p.159).
Freire identifica assim como Boaventura, que há diferentes culturas ou traços
culturais de uma mesma cultura nacional, embora se encontrem justapostas ou
em situações de dominação e subalternidades. O desafio consiste, portanto,
transcender essa diversidade cultural, por meio do diálogo crítico entre as
culturas e das culturas (interculturalidade), numa multiculturalidade.(SOUZA,
2001, p.123).
Nessa perspectiva, a multiculturalidade assim como a interculturalidade não
são situações espontâneas, são projetos, “ainda desejos, utopias, metas de
alguns poucos grupos sociais, especialmente dos novos movimentos sociais”.
Assim, a multiculturalidade se efetivará como conseqüência de uma
construção desejada política, cultural e historicamente. Portanto, esta utopia,
sua esperança, poderá tornar-se uma nova configuração da convivência
humana (em suas dimensões econômica, política e gnosiológica), nos novos
cenários mundiais. (SOUZA, 2001, p.126). A experiência do Fórum Social
Mundial tem oportunizado esse movimento global de expressão, partilha e
solidariedade entre diversos povos, culturas.

EMANCIPAÇÃO E MULTICULTURALISMO EM BOAVENTURA DOS


SANTOS

Boaventura dos Santos aporta uma nova concepção de emancipação. Esta


perspectiva nasce do aprofundando da teoria democrática, que contempla uma
nova equação entre subjetividade, cidadania e emancipação. Segundo este
pensador, no contexto atual, o socialismo encontra-se liberto da caricatura
grotesca do “socialismo real” e torna-se, portanto disponível para voltar a ser a
utopia de uma sociedade mais justa e de uma vida melhor para todos.
Santos (2003), coordenou um projeto de pesquisa de âmbito internacional
intitulado: Reinventar a emancipação social: Para novos manifestos. O ponto
central desse projeto é que a atuação e a concepção que estearam e deram
credibilidade aos ideais modernos de emancipação social encontrar-se no
momento atual fortemente questionado pelo fenômeno da globalização, que
embora não seja novo, tem adquirido nas duas últimas décadas uma amplitude
tal que tem redefinido os contextos, as configurações, os objetivos, os meios e
as subjetividades das lutas sociais e políticas. A idéia, portanto desse projeto é
que esta forma de globalização, embora hegemônica, não é a única e de fato
tem sido progressivamente confrontada por uma outra forma de globalização:
“alternativa”, “contra-hegemônica”, instituída pelo conjunto de iniciativas,
movimentos e organizações que, através de “vínculos, redes e alianças
locais/globais, lutam contra a globalização neoliberal mobilizados pelo desejo
de um mundo melhor, mais justo e pacífico que acreditam possível e a que
sentem ter direito” (SANTOS, 2003, p.14):
A emancipação não é mais do que um conjunto de lutas processuais, sem fim
definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político das
processualidades das lutas. Esse sentido é, para o campo social da
emancipação, a ampliação e o aprofundamento das lutas democráticas em
todos os espaços estruturais da prática social. (SANTOS, 2003, p. 277).
Essa perspectiva de emancipação emergiu no I Fórum Social Mundial em
Porto Alegre e se fortalece até os dias atuais. “É nesta globalização alternativa
e no seu embate com a globalização neoliberal que estão sendo criados os
novos caminhos da emancipação social”. De acordo com Santos (2003, p.35),
esta visão alternativa de globalização vai se fundamentar no marxismo perante
a idéia da importância das articulações internacionais das lutas no contexto do
capitalismo globa:
O sucesso das lutas emancipatórias depende das alianças que os seus
protagonistas são capazes de forjar. No início do século XXI, essas alianças
têm de percorrer uma multiplicidade de escalas locais, nacionais e globais e
tem de abranger movimentos e lutas contra diferentes formas de opressão.
(SANTOS, NUNES, 2003, p.64).
De acordo com Nunes e Santos (2003), essas lutas têm sido travadas em um
contexto histórico, onde se observa a emergência de diferentes lutas e atores
coletivos distintos: as mulheres, os ambientalistas, os movimentos anti-
racistas. Segundo estes autores, diante das novas configurações do
capitalismo globalizado, não é mais possível atribui apenas a um ator coletivo
– o “proletariado global”, o papel principal das lutas contra as formas diversas
de opressão, exclusão e dominação. Tem-se a emergência de uma diversidade
de lutas e sujeitos coletivos. Portanto, “torna-se necessário reconceitualizar a
escala espacial dessas lutas, que são travadas nos espaços nacionais,
supranacionais e subnacioanis em que opera o capitalismo”. (SANTOS, 2003,
p.35).
Desse modo, a globalização hegemônica, ao mesmo tempo em que sucinta
novas formas de racismo5, também tem criado condições para a emergência
do multiculturalismo. Santos (2003), escreve sobre multiculturalismo, justiça
multicultural, direitos coletivos e cidadanias plurais, enquanto termos que
permeiam o debate em torno da tensão entre a diferença e a igualdade, entre
a exigência de reconhecimento da diferença e de distribuição que possibilite a
efetivação da igualdade. Essas tenções ocorrem no seio das lutas dos
movimentos sociais com perspectivas emancipatórias, contra as reduções
eurocêntricas de alguns termos, buscando propor concepções mais inclusivas
e ao mesmo tempo, respeitadoras da diferença de concepções e práticas
alternativas que buscam a dignidade humana (SANTOS, NUNES, 2003, p.25).
Nesse contexto, Santos e Nunes (2003, p.28), debatem o multiculturalismo
enquanto um termo controverso e atravessado por tensões6. A expressão
multiculturalismo designa, originalmente, a convivência de formatos culturais
ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no âmbito das sociedades
“modernas”. Este termo tem sido usado, portanto, para designar as diferenças
culturais em um contexto transnacional e global. Desse modo, existem
diferentes noções de multiculturalismo, no entanto, nem todas têm um sentido
emancipatório. Este tanto pode ser conservador, quanto emancipatório.
Segundo estes autores, este termo apresenta as mesmas dificuldades e os
mesmos potenciais do conceito de cultura. Um dos conceitos dominante
refere-se aos caminhos do saber institucionalizado no Ocidente. No entanto,
há outras concepções, que reconhecem a existência de uma pluralidade de
culturas, “definindo-as como totalidades complexas que se confundem com as
sociedades, permitindo caracterizar modos de vida baseados em condições
materiais e simbólicas” (SANTOS e NUNES, 2003, p.27).

A partir do racismo tem-se a justificativa ideológica para a prática do


imperialismo e do colonialismo. Relaciona-se com a ascensão e domínio
ocidental e capitalismo no globo. Proclamando a superioridade da cultura e da
religião ocidental, justificando as ações de colonização para a civilização dos
povos bárbaros e pagãos. Daí o surgimento do termo “ocidentalismo’. Nessa
perspectiva, o multiculturalismo assume a perspectiva de luta para combater
os legados do racismo e garantir a instituição de uma sociedade mais justa.
(GHAI, 2003, p.557).
6 Para aprofundar as críticas que são feitas sobre o conceito multiculturalismo
ver Santos e Nunes (2003).
V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005
Destarte, mesmo diante da globalização, é possível se falar em versões
emancipatórias do multiculturalismo. Sua relevância consiste no fato de ser a
cultura, “na era do capitalismo global, o espaço privilegiado de articulação da
reprodução das relações sociais capitalistas e ao mesmo tempo, o do
antagonismo a elas”. (SANTOS e NUNES, 2003, p.33). Portanto, para estes
autores a relação entre globalização e multiculturalismo é ambígua. Ao mesmo
tempo em que a globalização favorece a relação entre as diversas culturas,
reforçando os contatos entre os diferentes povos do globo, observa-se a
influência homogeneizadora do capitalismo e dos mercados globais sobre
estas culturas.
Assim, Santos (2003), defende o multiculturalismo emancipatório, que se
baseia no reconhecimento da diferença e no direito à diferença e da
coexistência ou construção de uma vida em comum além da diferença de
vários tipos. No entanto, a igualdade ou a diferença, por si sós, não são
aspectos suficientes para uma política emancipatória. O debate sobre os
direitos humanos e sua reinvenção como direitos multiculturais, bem como a
luta das mulheres, dos povos indígenas, mostram que a afirmação da
igualdade com base em pressupostos universalistas, bem como os que
determinam as concepções ocidentais, individualistas, dos direitos humanos,
leva muitas vezes à descaracterização e negação das identidades, das
culturas e das experiências históricas diferenciadas. Portanto:
[...] como compatibilizar a reivindicação de uma diferença enquanto coletivo e,
ao mesmo tempo, combater as relações de desigualdade e de opressão que
se constituíram acompanhando essas diferenças? Que experiências existem
neste campo e o que nos ensinam elas o saber as possibilidades e as
dificuldades de construção de novas cidadanias e do multiculturalismo
emancipatório? (SANTOS, NUNES, 2003, p.25).
Enfim, o conceito de emancipação (a globalização contra-hegemônica)
proposta por Santos, é baseada na construção de cidadanias emancipatórias
partir das lutas e iniciativas locais-globais de grupos populares na perspectiva
de resistir à opressão, à descaracterização e à exclusão instituídas com o
modelo da globalização hegemônica, por intermédio de redes e de coligações
mundiais, através de um conjunto de lutas, de diferentes povos, culturas.
Assim, as políticas emancipatórias e a invenção de novas cidadanias colocam-
se no terreno do conflito entre igualdade e diferença, entre o requisito de
reconhecimento e o imperativo da nova distribuição da justiça social. Conforme
Santos e Nunes (2003, p.63), “a afirmação da diferença por si só pode servir
de justificativa para a discriminação, exclusão ou inferiorização, em nome dos
direitos coletivos e de especificidades culturais”. Nesse aspecto, Santos
(2003), propõe que para abolir este dilema se faz indispensável defender a
igualdade sempre que a diferença originar inferioridade, e defender a diferença
sempre que a igualdade referir-se à descaracterização.
EDUCAÇÃO POPULAR, EMANCIPAÇÃO E MULTICULTURALISMO
A história da educação “popular” emerge da necessidade de contestar o
discurso formal da igualdade e do Estado de direito, instituído desde a
Revolução Francesa, e tem sido desenvolvida na América Latina, enquanto
uma educação aberta aos camponeses, indígenas, mulheres, trabalhadores
rurais, moradores de favelas, populações que historicamente tem sido
excluídas do usufruto dos bens materiais e culturais produzidos socialmente.
Nesse aspecto, a educação popular recusa a neutralidade política e científica e
afirma concepções e práticas
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V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005
emancipatórias da humanidade.
Portanto, a educação popular submerge da compreensão de que a educação é
um processo permanente de afirmação da condição do ser de sujeito histórico.
Sua proposição fundamental constitui estimular processos que promovam a
liberdade, emancipação, autonomia individual e coletiva. Essa perspectiva de
educação se fundamenta no pensamento marxista, na concepção de Homem
construtor da sua história e da sua cultura, enquanto ser da práxis. De acordo
com Melo Neto, a educação caracterizada popular está relacionada:
[...] as lutas políticas com a construção da hegemonia da classe trabalhadora
(maiorias), mantendo o seu constituinte permanente, que é a contestação [...]
Uma ação é popular quando é capaz de contribuir para a construção de
direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político.
(MELO NETO, 2003, p.52).
Deste modo, o conceito de popular refere-se a uma ação que contemple os
seguintes elementos que se relacionam entre si, no entanto diferenciando-se:
tem uma origem nas maiorias (povo), ou a ele esteja encaminhado, tem o
político como componente de promoção de hegemonia dos setores
majoritários da sociedade, no aspecto metodológico, vislumbra uma prática
para o exercício da cidadania crítica e geradora de ação. No tocante a
dimensão ética e utópica, fundada em princípios de solidariedade, tolerância e
justiça pela busca incessante de alternativas de vida e de felicidade. (MELO
NETO, 2003).
Paulo Freire nas suas diversas obras expressa a sua compreensão de
educação popular vinculada às ações com os oprimidos. Freire propõe uma
metodologia que facilite o processo de emancipação do indivíduo e da
sociedade, na esperança de superação da opressão, exploração e
desigualdade social. Nessa perspectiva, Freire coloca que uma das primordiais
tarefas da educação crítica radical libertadora (popular) “é trabalhar a
legitimidade do sonho ético-político da superação da realidade injusta”. Assim,
a educação popular defendida por Freire é aquela que persegue o sonho da
construção de uma sociedade:
[...] reinventando-se sempre com uma nova compreensão do poder, passando
por uma nova compreensão da produção, uma sociedade em que a gente
tenha gosto de viver, de sonhar, de namorar, de amar, de querer bem. Esta
tem que ser uma educação corajosa, curiosa, despertadora da curiosidade,
mantenedora da curiosidade. (FREIRE, 2001, p.101).
Freire indaga a favor de quem e contra quem são desenvolvidas as práticas de
libertação e emancipação humana no processo educativo. Como é que a
prática em educação se articula a outras ações vislumbrando a construção de
uma nova sociedade? Nesse aspecto, Freire está atento para os limites da
educação como prática de liberdade. Para ele, a educação é modelada pela
sociedade segundo os interesses dos que detêm o poder, e sozinha não vai
instituir uma sociedade emancipada. Portanto, Freire enfatiza que embora a
educação não seja a “alavanca da transformação social", a transformação em
si, não obstante, é um evento educacional:
Sei que o ensino não é a alavanca para a mudança ou a transformação da
sociedade, mas sei que a transformação social é feita de muitas tarefas
pequenas e grandes, grandiosas e humildes! Estou incumbido de uma dessas
tarefas. Sou um humilde
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V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005
agente da tarefa global de transformação. Muito bem, descubro isso, proclamo
isso, verbalizo minha opção. (FREIRE, 2001, p.60).
No contexto atual, o desafio da educação popular é estimular e possibilitar, nas
circunstâncias mais diferentes, a capacidade de intervenção e transformação
do mundo na perspectiva da emancipação humana contemplando a
diversidade cultural. Nesse sentido, Freire (2000), destaca a experiência tanto
dos quilombos quanto dos camponeses das Ligas e os sem-terra de hoje, o
protagonismo histórico desses sujeitos sociais:
[...] anteontem, ontem e agora sonharam sonham o mesmo sonho, acreditaram
e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da história como
“façanha da liberdade”... Se os sem-terra tivessem acreditado na “morte da
história”, da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na
ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a
crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um “neobobismo” que nada
constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos
discursos que falam de que o que vale hoje é “pouca conversa, menos política
e só resultados”, se, acreditando nos discursos oficiais, tivessem desistido das
ocupações e voltado para suas casas, mas para a negação de si mesmos,
mais uma vez a reforma agrária seria arquivada. (FREIRE, 2000, p. 61).
Dessa forma, Freire desenvolve uma discussão centrada na educação
libertadora enquanto educação democrática, desveladora, desafiadora, um ato
crítico do conhecimento, da leitura da realidade, da compreensão de como
funciona a sociedade, a escola, como também, os processos educativos que
se dão no interior dos movimentos sociais e das práticas em educação
popular. Em uma de suas últimas obras: Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa (1998), Freire apresenta diversos saberes
imprescindíveis à ação educativa. Destaco dois saberes abordados por Freire
fundamentais na constituição de uma educação popular emancipatória: “é o
saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não
é. O mundo está sendo” (FREIRE, 1998, p. 85). Outro saber é o de que, “como
experiência designadamente humana, a educação é uma forma de intervenção
no mundo”. (FREIRE, 1998, p.110).
Assim, diante dessas reflexões sobre as concepções de educação popular,
observa-se que os projetos em educação popular na atualidade precisam
buscar uma saída teórico-prática que responda aos desafios e as
possibilidades postas pelas novas configurações humano-sociais:
Precisam tornar-se projetos atrelados à busca de realizações de novas
relações sociais, pautadas em outros fundamentos. Podem estar voltadas à
construção de um novo estilo de vida...Elas parecem ter significado à medida
que sejam conduzidas a processos que mantenham o humano como centro
dessas realizações e o trabalho impulsionador de sua emancipação,
assegurando a existência da própria vida humana resultante de sua
intervenção na natureza (MELO NETO, 2004, p.85).
Conforme Souza (2001, p.127), o modelo de globalização que está aí, tem
provocado diversas “transculturações”, especialmente, ao longo dos últimos 50
anos. No entanto, não tem provocado uma unidade na diversidade de culturas,
apenas, possibilitado uma diversidade cultural ou pluriculturalidade que tende,
predominantemente, à fragmentação cultural. Nesse sentido, diversos
movimentos sociais têm denunciado permanentemente essa problemática.
Como exemplo têm-se os protestos dos vários movimentos sociais, efetivados
durante diferentes encontros de âmbito internacional “dos donos do mundo”
(Seatle, Danos, Gênova).
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V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005
Por outro lado, há também as ações propositivas do Fórum Mundial Social,
cujo mote central é “Um outro mundo é possível”.
Nessa perspectiva, o multiculturalismo pode ser uma alternativa de resistência
diante das transculturações provocadas pelos processos atuais de
globalização hegemônica (Santos, 2003), marcada por uma nova sociabilidade
humana, diante da diversidade cultural, vislumbrando o diálogo, o respeito, o
compartilhar dessas diferenças. Portanto, nesse contexto, a educação popular
encontra-se desafiada por outros papéis e novas demandas:
[...] não apenas conceituais, mas procedimentais e organizativas, sobretudo
em termos de seus conteúdos e práticas pedagógicas. Se deseja que os
processos educativos potencializem, a partir da diversidade cultural, o
crescimento humano integral de todo o ser humano e de todos os seres
humanos da Terra, no respeito, promoção, proteção e desenvolvimento do
meio ambiente natural e cultural. (SOUZA, 2001, p. 122).
Vejo a identidade entre Freire e Boaventura quando estes propõem o respeito
às diferenças e o diálogo entre as culturas como processo de emancipação
humana. Desse modo, a educação, os movimentos sociais, constitui o “lócus”
privilegiado do aprendizado permanente desse processo. Nessa perspectiva, o
multiculturalismo constitui um diálogo horizontal entre as pessoas, as culturas,
os povos, os territórios, as nações, os estados. Conforme Santos (2001,
p.560), o multiculturalismo emancipatório e as ações alternativas de justiça
social se opõem à diferenciação desigual da identidade, à dominação. Nesse
sentido, observa-se o potencial emancipatório dos direitos humanos, incluindo
a formação de redes baseadas nos direitos humanos e iniciativas locais, assim
como a importância dos direitos individuais e coletivos, o pluralismo e o
respeito às diversidades étnicas, sociais e culturais.
DECLARAÇÕES “FINAIS”
O projeto neoliberal e globalizado que aí está, tem difundindo um discurso
fatalista, conservador e alienatório sobre os caminhos e as perspectivas da
humanidade. Nesse aspecto, sou cúmplice de Freire (2000), quando declara
que o discurso da impossibilidade de mudar o mundo é o discurso de quem,
por diferentes razões, aceitou a acomodação, inclusive por lucrar com ela.
Freire sublinha a necessidade do aprendizado constante da “leitura do mundo”,
exigindo fundamentalmente a compreensão crítica da realidade, que envolve,
de um lado, sua denúncia, de outro, o anúncio do que ainda existe, mas
poderá existir: uma sociedade emancipada.
Portanto, após a feitura desse texto, muitas reflexões permanecem em aberto.
Emancipação em que nível? Como conduzir um projeto de emancipação
humana geral em um globo cada vez mais apartado por políticas neoliberais e
excludentes? Como conduzir uma prática emancipatória em um contexto cada
vez mais opressor, individualista, cujas leis maiores estão sendo as do
mercado, a da luta pela sobrevivência imediata? A emancipação humana “é
um sonho possível ou não? Se é menos possível, trata-se, para nós, de saber
como torná-lo mais possível” (FREIRE, 2000).
Conforme penso, a educação para a emancipação não é tão fácil de ser
instituída, pois a
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V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005
educação por si só não é fundamentalmente um fator de emancipação. Nessa
perspectiva, Freire, Adorno, Boaventura... nos convidam a pensar a sociedade
e a educação em seu devir, vislumbrando fixar alternativas históricas tendo
como base uma educação para a emancipação humana, enquanto um
processo instituinte ao longo da história da humanidade. Nesse contexto,
compreendo o conceito de emancipação enquanto “uma categoria dinâmica,
como um vir-a-ser e não um ser”. (ADORNO, 2003).
Portanto, dialogar sobre a emancipação humana no âmbito das práticas em
educação popular constitui uma utopia, um que fazer político, pedagógico,
social, cultural, humano, ético, construído ao mesmo tempo no cotidiano e na
história. Uma vez que, no âmbito da sociedade capitalista ela será sempre
incompleta, um processo em construção, pois os obstáculos estruturais
emperram sua realização efetiva. Desse modo, a consolidação da
emancipação passa pelas transformações profundas no âmbito das relações
sociais de produção, assim como nas micro-relações. No entanto, mesmo
diante de todos esses limites, ela vem ocorrendo a partir de diferentes formas
de luta e manifestações de sujeitos sociais, nos vários lugares, formatos,
sentidos, pelos vários povos, culturas, utopias em defesa de um mundo mais
justo e fraterno:
O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre
devir, passa pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica,
política, social, ideológica etc., que nos estão condenando à desumanização.
O sonho é assim uma exigência ou uma condição que se vem fazendo
permanente na história que fazemos e que nos faz e re-faz. (FREIRE, 1997, p.
99).
Enfim, acredito que através das práticas em educação popular emancipatória,
que vêm sendo desenvolvidas pelos diversos setores da sociedade, no âmbito
das Organizações Governamentais, das Organizações Não-Governamentais e
dos Movimentos Populares, está sendo fundada uma outra sociedade munida
de valores, tais como o respeito humano, a liberdade, a solidariedade, a
cooperação. “É neste sentido que mulheres e homens interferem no mundo
enquanto os outros animais apenas mexem nele. É por isso que não apenas
temos história, mas fazemos a história que igualmente nos fazem e que nos
torna, portanto históricos”. (FREIRE, 2000, p. 40).
Nessa esperança, o processo de emancipação no âmbito da educação popular
busca instaurar progressivamente uma transformação humano-social, através
de uma prática que possibilite aos sujeitos sociais a vivência da autonomia,
participação na tomada de decisões, produção e usufruto de um conjunto de
bens tanto materiais quanto simbólicos, fruto do seu trabalho e do trabalho
coletivo. Desse modo, não posso falar em emancipação apenas na perspectiva
social, ou econômica, ou política, ou cultural, mas geral que possibilite ao ser
humano expressar-se ao máximo na sua capacidade, criatividade,
potencialidade, realização da sua humanidade.
Destarte, refletir sobre emancipação humana na educação popular é discorrer
sobre projetos, utopias, sonhos de pessoas, sua compreensão cognitiva e
afetiva de como vislumbrar, vivenciar práticas para alcançar liberdade e
felicidade em sociedades mais solidárias, amorosas e democráticas. Daí a
necessidade de trazer à tona o debate sobre o multiculturalismo, o respeito e o
diálogo com as diferenças e as potencialidades humanas, considerando que
esta sociedade que sonho emancipada deverá contemplar a beleza, os
saberes e os fazeres de todos que compõem a história da humanidade.

Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005

REFERÊNCIAS

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SANTOS, Boaventura de Souza, NUNES, João Arriscado. Introdução: para
ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In. Sousa
Santos, Boaventura. Reconhecer

Postado por Aline Reis às 20:20

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