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A.C.T.

– Associação Casa do Teatro

Trabalho Escrito
Resenha Crítica
Francisco Antonio Mendes Júnior

Goiânia
28/4/2018
Resenha crítica da peça “Matilde e a Bala Perdida”
Francisco Antonio Mendes Júnior

Em um universo de caixas de papelão, recortes de jornal, bugigangas descartadas,


esqueletos de uma vida de outrora vive Matilde, personagem deste monólogo que nos leva para
passear por fragmentos de passado e presente. Explorando traumas e esperanças, o discurso
faz com que a personagem se dispa tal como as camadas de seu vestido, e a história se
aprofunda e meio à contextualização histórica de imagens projetadas no cenário, perpassando
celebridades, figuras de autoridade e rostos representativos de uma época de luta contra o
silêncio e a conformidade social que a Ditadura Militar impôs violentamente.

Com um cenário composto primariamente de caixas, desde as de papelão até uma


caixinha de joia, temos uma ideia da fragmentação da personagem no plano psíquico ao mesmo
tempo que vislumbramos sua dura realidade de moradora de rua. De uma forma versátil, com
uso de uma iluminação dinâmica que inclui adereços luminosos em cena, e música que adorna
o estado de espírito da personagem, o cenário fixo adquire às vistas do público novos
significados. E mesmo sem sair do cenário inicial, nos vemos transportados por diversos
momentos e memórias da vida de Matilde.

Matilde sente na pele como sua vida fora rasgada tal qual seus manifestos. E diante do
público tenta a todo custo ordenar os pedaços que ainda lhe restam, buscando superar as
limitações de sua própria mente abalada pelos traumas físicos e psicológicos do passado. Nesse
desenrolar de um carretel de lutas, dores, sobrevivências e denúncias somos levados a um final
onírico, em que a personagem parece libertar-se do físico que tanto lhe pesava, e dissolve-se
em um voo mágico, ao encontro do que buscava enfim se transformar, ou do que sempre fora
desde o início por baixo de tanta dor.

No debate ao final do espetáculo, fomos informados que a montagem ainda está em


gestação, com o diretor ainda no início da pesquisa de palco e iluminação ideais. Mas ainda
assim, no que concerne à capacidade de despertar no público a angústia e necessidade de
superação que permeiam o texto, o espetáculo já cumpre e muito bem o seu papel. Sob a
direção de Bruno Peixoto e atuação de Luzia Melo, o texto de Almir Amorim nos emociona ao
mesmo tempo que nos alerta: as forças que tentaram calar Matilde, e a lançaram na infrutífera
busca por um herói que não está mais lá, ainda são tão presentes hoje quanto no passado dos
jornais que forram o seu pequeno quarto de papelão.

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