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Membros da Academia Marianense de Bordados tomam posse na Casa de

Cultura
Solenidade buscou elevar o bordado como parte da memória e história da cidade

Kaio Veloso

A solenidade de posse da Academia Marianense de Bordados ocoreu na sexta-feira (05) na Casa de


Cultura, em Mariana. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

A solenidade de posse da Academia Marianense de Bordados aconteceu na noite


de sexta-feira (05) na Casa de Cultura em Mariana. Composta, a princípio, por 19
membros, entre efetivos, honorários e beneméritos, a entidade busca valorizar o
bordado, compreendendo tal arte como uma forma de intelectualidade. Trata-se de
uma das primeiras Academias deste tipo no Brasil. No local, foram exibidos
trabalhos dos acadêmicos. O evento contou ainda com uma apresentação do grupo
musical Uns e Outros.

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A ideia de criar a Academia surgiu em maio, durante uma visita do Movimento


Renovador de Mariana, departamento da Academia Marianense de Letras, ao Atelier
Anjo Barroco – Arte e Fé, ambos com atividades voltadas ao bordado. A sugestão
partiu da escritora e artista plástica Andréia Donadon, que se lembra do momento
com ternura. Segundo ela, o encontro foi marcado pela doçura da canjica e do
ambiente de irmandade, cercado pelos trabalhos das bordadeiras, que
imediatamente abraçaram a ideia.
Apesar de sua relevância histórica e cultural, o bordado tem seu lugar
costumeiramente diminuído frente a outras expressões criativas. “Quando se fala em
artesanato, infelizmente às vezes as pessoas diminuem um pouco o valor artístico,
Quando fala ‘artes plásticas’, aí cria um patamar maior. Mas todas as artes,
independente de [ser] artesanato ou artes plásticas, são o máximo da criatividade.
Então, o bordado está em um patamar tão alto quanto as artes e as letras”,
complementa Andréia.
A primeira presidente da Academia, Raimunda Maria dos Anjos Castro, percebe a
criação da entidade como um modo de agregar valor ao bordado, além de servir
como forma de promover a união entre aqueles que praticam a atividade. “Grupos
isolados não têm o mesmo impacto que uma Academia”, afirma.

Andréia Donadon-Leal, membra benemérita da Academia, Raimunda Maria dos Anjos Castro,
presidente e Márcia Acerra Almeida, vice-presidente, durante solenidade. Foto: Pedro Olavo/
Agência Primaz

O planejamento de atividades acompanhará um calendário, tal como é feito pelo


Movimento Renovador de Mariana e pela Academia Marianense de Letras. O
objetivo será promover oficinas e palestras, para ensinar sobre a prática e história do
bordado. Assim, não somente o conhecimento quanto à técnica será levado adiante,
como também será preservada a memória de uma tradição cuja origem remete à
pré-história.

Costuras de Memórias
Arte milenar, o bordado possui sua história particular no município. Segundo a
presidente da Academia, a tradição já existe desde o período em que Mariana ainda
era uma vila. “Quando aqui chegaram as irmãs vicentinas, elas vieram trazendo a
cultura do bordado. No museu do Colégio Providência, você vai ver várias peças
bordadas pelas irmãs que chegaram da França, e na escola tinha também aulas de
trabalhos manuais, porque além do magistério, a mulher era formada para ser do
lar”, explica Raimunda.
Embora o imaginário do bordado nos transporte ao universo feminino, hoje, sua
prática atrai a atenção de diversas pessoas, independentemente de gênero ou
idade. Nas oficinas promovidas aos sábados na Casa de Cultura, há homens que se
unem às mulheres para aprender os pontos, havendo inclusive um membro
masculino (Dário Américo Lopes Júnior) dentre os acadêmicos.
Existem diversos tipos de bordado, como richelieu e crivo, mas é o estilo livre que
predomina na cidade, podendo ser utilizado como estamparia e sublimação.
Algumas das possibilidades criativas puderam ser conferidas nos trabalhos expostos
na Casa de Cultura, fotografados por Pedro Olavo:

Fotos: Pedro Olavo/ Agência Primaz

Figura conhecida na cidade, Hebe Rôla é presidente da Academia Marianense de


Letras e professora emérita da UFOP. Agora, faz parte também da nova Academia.
Ela conta que teve contato com o bordado quando era estudante da formação de
professores. No entanto, o aprendizado ocorreu recentemente, com as bordadeiras
do Movimento Renovador de Mariana. “Nós tínhamos uma professora muito
interessante, chamada irmã Maria Holanda. Ela ensinava muito bem, mas eu não
tinha nenhum interesse pelo bordado, porque eu gostava da filosofia, da língua
francesa, da língua portuguesa. Hoje eu ‘tô’ me redimindo, aos 91 anos. Considerei-
a minha patrona aqui nessa Academia”.

José Bentito Donadon-leal, compositor do hino da Academia Marianense de Bordados, e Hebe Rôla,
presidente da Academia Marianense de Letras e membra efetiva da nova entidade. Foto: Pedro
Olavo/ Agência Primaz

Uma das acadêmicas é Sônia Maria de Souza Almeida, que buscou no bordado uma
forma de distração, aceitando o convite de uma amiga para conhecer o ateliê Anjo
Barroco. Hoje, completa cinco anos desenvolvendo suas habilidades com o grupo.
Sua colega, Maria de Lourdes Souza, é natural da cidade mineira de Jequeri, mas
mora em Mariana há 37 anos. Seu contato com o bordado teve início ainda durante
a infância, prática da qual se afastou com o passar do tempo. Já adulta, retomou a
atividade a partir dos pontos que havia aprendido anos antes. Com a aposentadoria,
pôde se unir ao Ateliê, comandado pela professora Márcia Acerra Almeida, vice-
presidente da Academia. Paulista, é filha de um marianense e mora na cidade há
muitos anos, possuindo no ateliê sua fonte de renda. A professora conta que, assim
como ela, há pessoas que buscam no bordado uma oportunidade de trabalho, por
isso, um de seus projetos é criar um grupo voltado àqueles que não possuem renda,
gerando capacitação através da arte.

Solenidade de posse
Durante a cerimônia, o hino da Academia, composto por José Benedito Donadon-
Leal, vice-presidente da Academia Marianense de Letras, foi interpretado pelo
próprio com acompanhamento das novas acadêmicas. A composição é inspirada
parcialmente pelo hino de Mariana e evoca o desejo de ressurgimento e esperança
dos acadêmicos.

Em seu discurso, Andréia, que é membra benemérita da Academia, recuperou a


trajetória do bordado, desde a pré-história, onde o ponto cruz era usado para a
costura de vestes de peles, passando por sua presença no oriente médio, a prática
de artesãs no início do século XX e a costura industrial que surgiu na década de
1950. “O bordado é milenar. Mesmo tendo passado por várias modificações em seu
processo de produção, não perdeu a essência, a arte que conta entre linhas, fios e
tecidos. Emoções, sentimentos, criações e, sobretudo, amor”. O mesmo sentimento
é compartilhado pela presidente da Academia, Raimunda Castro, em seu discurso,
onde expressou sua gratidão pela oportunidade em dar mais visibilidade ao bordado.
“Vamos fazer com as linhas um ninho onde o amor, respeito, comprometimento e
harmonia sejam a sustentação das nossas ideias”, declarou, arrancando aplausos e
afirmando o lugar de importância e afetividade que o bordado representa para a
cidade de Mariana.

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