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Por meio da costura, torções, confluências e união de arame, rendas, tecidos, papel,
linhas, papelão, bordados a artista-artesã mineira Sonia Gomes tece sua obra.
Artista natural de Caetanópolis (MG), Sonia faz arte para expressar que o instante vivido possa
ser trazido novamente à vida. A artista explora o tempo buscando a espessura histórica que fica
nas coisas, que as afeta enquanto materiais que mantiveram relações emocionais de outras
pessoas e sua própria história. Ela constrói sua obra com o que é rejeitado, “com o que tem”,
como diz ela, criando uma nova vida, uma nova permanência, a partir de memórias afetivas.
Sonia viveu no universo dos tecidos, e foi criada pela avó que a iniciou nas amarrações, nos
trançados, na costura e, depois, vivendo com o pai, aprendeu sobre a tecelagem. Dessa mistura,
aliada ao seu fascínio pelos nós, torceduras e trabalhos dos africanos, que treinava no próprio
corpo, nasceu sua arte genuinamente brasileira que esbarra em questões de identidade racial
em um elo vital com a vida da artista. Sonia não previu ser artista, apenas fazia, juntava
memórias, recriava histórias materializada em peças que ganham o mundo. Indicada ao Prêmio
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10/21/2018 As mãos de ouro de Sonia Gomes: costura e memória | ArteVersa
Pipa em 2012 e 2016, sempre presente nas galerias importantes nacionais e internacionais, o
mundo da artista remete-nos a uma poderosa tradição brasileira que transforma materiais
instáveis e difíceis em arte contemporânea, em sua trama, borda e inventiva seus caminhos e
construções.
Em 1994, após sua primeira exposição, a artista também formada em Direito, começou por
mostras coletivas e solos em lugares como Sesc-São Paulo, Bienal Nacional de Santos. Desde
então, a artista partiu para novos rumos, de Nova York à Veneza, sendo a única artista
brasileira representante na 56ª Bienal de Veneza em 2015. Seus trabalhos estiveram expostos
em vários museus pelo mundo, tais como: Art & Textiles, na Alemanha (2013), Museum of
Modern Art Aalborg, Dinamarca (2013) e The National Museum of Women in the Arts,
Washington, EUA (2017). Em 2018, estão previstas duas grandes mostras institucionais
monográficas no Brasil, no MASP – Museu de Arte de São Paulo e no MAC – Museu de Arte
Contemporânea do Rio de Janeiro.
Unindo tecidos diferentes com nós, torções, costuras, Sonia Gomes cria objetos, esculturas e
instalações. Lança mão de texturas, cores e formas, para criar peças que têm poder de evocar
referências amplas. Tanto podem se referir a culturas regionais quanto universais. Podem
chamar à discussão sobre a história da arte ou dar vazão a considerações sobre o papel do
inconsciente nas elaborações humanas.
É uma arte que pode ser fruída por seus aspectos lúdicos, delicados e estéticos e também
como meditação dramática, brutal, sobre força e fragilidade. São abstrações, mas aceitam
olhares que buscam gurações. “Meu trabalho é como o Brasil: tem um lado popular e outro
erudito. Transitamos muito bem entre esses dois aspectos”, observa.
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Sonia Gomes, sem título, 2016, costura, amarrações, tecidos e rendas variadas, 126 × 82 cm
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Sonia Gomes, Por Que?, 2009/2010, tecnica mista, acrílica, aquarela, nankin, linha e tecido sobre tela, 80 × 120 cm
O trabalho de Sonia remete tanto as festas populares de matriz afro-brasileira como a folia de
reis, congo, reisado e ao catolicismo mágico, nos quais os materiais se acumulam e se
sobrepõem, quanto às tradições africanas, cujo tecido é base expressiva que permite
simbolizações culturais como a presentificação da ausência por meio da roupa, que ocorre com
os Eguns no Benim e no culto de Baba Egun na Bahia.
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Sonia Gomes, Santa, 2012, costura, amarrações, tecidos e rendas variadas sobre madeira, 66 × 18 × 7 cm
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Sonia Gomes, Linhas em tramas, Mendes Wood DM, São Paulo, 2016
Sonia Gomes, Magia, 2014, costura, amarrações e tecidos diversos, 240 × 215 cm
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Na prática, contudo, parecem ser outras as referências de Sonia Gomes, embora certos
procedimentos e gestos técnicos lembrem fazeres comuns ao Candomblé, como as amarrações
de tecidos, nós e embalagens, ou mesmo a cultura mineira dos bordados, das roupas para dias
santos, do traje usado em ritos sociais de passagem: casamentos, batizados, nascimentos…
Na obra Mãos de Ouro (2008), Gomes elabora um livro no qual alude a uma antiga
enciclopédia de trabalhos artesanais dirigidos às mulheres.
“Na versão de Gomes um livro de papel recebe um acumulado de materiais como o grafite, a
caneta, a costura, amarrações, tecidos e rendas diversas. Ao mesmo tempo que ela evoca esse
manual das artes femininas – bordados, pinturas, caixas decoradas, macramê, tricô e crochê,
sabonetes decorativos, porta isso ou aquilo – ela nos oferece também em forma de artefato,
sua versão do projeto civilizatório misto de capitalismo, religião, escola e ideologia de gênero.
Nesse gesto criativo reconhece nesta pequena enciclopédia semanalmente acumulada, pela
regularidade da compra, traços de sua formação artística, de sua disposição corporal para as
artes femininas, normalmente restritas ao universo doméstico. Ela vai dizer:
“Minha ligação com a arte vem desde sempre. Nasceu comigo. Eu não sabia que era arte,
mas depois que eu descobri”
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Sonia Gomes, Gaiola, 2016, costura, amarrações, tecidos e rendas variadas sobre gaiola e arame e madeira, 185 × 29 cm
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Em uma entrevista, ela conta que ao apresentar suas obras ouviu muitas vezes:
Sonia Gomes, sem título II, da série Convites de Casamento, 2016, costura, amarrações, tecidos e rendas variadas, 30,5 × 43,5 × 2,5
cm
Como ressalta Alexandre Araújo do Bispo (2015), no Brasil há ainda resistência em falar ou
discutir temas como raça, gênero e questão social na produção plástica, colocando em debate a
ordem estabelecida das coisas. O reconhecimento da produção feminina em geral, e
especificamente das artistas negras, ainda é muito recente: “os assuntos com os quais lidam
tem formas outras, diversa da produção masculina. Assim enquanto alguns artistas homens
fazem coisas enormes, pesadas e volumosas – a exemplo Tunga ou Nuno Ramos, Sonia Gomes
transita, como outras artistas entre pequenos e médios formatos como em Oratório (2012) e
Casulo (2006), ou em grandes formatos como as obras de até 6 metros” (Bispo, 2015).
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Oratório (2012)
Amarrações, tecidos, rendas e fragmentos diversos sobre gaiola de arame. 250 X 33 X 26cm
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Os tecidos trabalhados por Sonia Gomes, são materiais reutilizados, marcados pela memória de
quem os usou e que chegaram até o presente. Alguns desses tecidos-vestígios são a ela
confiados como coisas que se recusam a morrer:
‘Me deixem viver em outro corpo’, diz Gomes acerca destas coisas/seres que pedem nova
vida. Em obras como Memória (2004) e Memória (2006), evocam-se a ausência dos corpos
que passaram por aquelas roupas. É como se fossem a força que permitem que elas
permaneçam no mundo, agora sob forma de obra de arte (Bispo, 2015).
Memória (2004)
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Memória (2004)
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Na obra Maria do Anjos (2017-2018), a artista junta a peça de um vestido de noiva doado,
com costuras, amarrações e tecidos diversos. Ao juntá-las, Sonia as aproxima, seja por
escolhas formais como a cor e a instalação, que nos lembra um varal com roupas em estado de
eterno descanso, e que jamais serão usadas novamente, até porque diluíram-se no contato com
outras roupas, seja pela estrutura oculta que se esconde sob os panos – cordas –, mas que
sustenta e exibe diferentes espessuras temporais que cada detalhe empresta ao objeto. No
emaranhado de memórias e materializações intuitivas, biografias encontram linhas de fuga de
maneira tátil e orgânica, experimentando novas e vibrantes formas de existência.
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Sonia Gomes faz arte com aquilo que não importa mais em uma
sociedade de consumo que tudo quer mercantilizar: objetos usados,
roupas descartadas, criações artesanais, uma vida de mulher negra
em um país chamado Brasil. Memória, arte impregnada de vida,
tramas de cores, texturas, costuras, linhas e afetos. De que modo
aprendemos um pouco mais das possibilidades de uma estética da
existência com as “mãos de ouro” de Sonia Gomes?
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