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TerraBrasil 2008

VII Seminário Ibero-americano de Construção com Terra


II Congresso de Arquitetura e Construção com Terra no Brasil
3 a 8 de Novembro de 2008 – São Luís - Maranhão

SUMÁRIO

TEMA 1 – MATERIAIS E TÉCNICAS DE CONSTRUÇÃO

Projeto cores da terra: resgate, aperfeiçoamento e difusão da técnica do barreado


01 – Anôr F de Carvalho; Fernando Cardoso

Programa interlaboratorial PROTERRA. Ensaios de adobe


02 – Célia Neves; Obede Borges Faria

Realização do programa interlaboratorial PROTERRA em Bauru-SP (Brasil)


03 – Obede Borges Faria; Bruno Matiuzzi de Oliveira; Margareth Tahira; Rosane Ap.
Gomes Battistelle

Conjunto habitacional sustentável de interesse social


04 – Encarnita Salas Martin; Fernando Sérgio Okimoto; Marília Malia Ferreira; Alessandra
Passalacqua; Fernando Velázquez

Tecnología con tierra y vivienda. Gestión de materiales y elementos con población pobre
del Gran Buenos Aires
05 – Rodolfo Rotondaro; Juan Carlos Patrone

Estudo do material terra usado nas construções em tabique na região de Trás-os-Montes


e Alto Douro
06 – Joana Carvalho; Jorge Pinto; Humberto Varum; Abílio Jesus; José Lousada; José
Morais

O preconceito na construção com terra: o uso da taipa de mão no Conjunto Parque Wall
Ferraz, em Teresina, Piauí, Brasil
07 – Wilza Gomes Reis Lopes; Thiago Melo Braga; Jose Hamilton Lopes Leal Júnior;
Karenina Cardoso Matos; Sandra Selma Saraiva de Alexandria

Análise comparativa para escolha de vedação em terra crua para o sistema estrutural
pilar-viga em eucalipto. Estudo de caso: construção de moradias no assentamento
rural Sepé-Tiarajú, Serra Azul, SP
08 – Rafael Torres Maia; Akemi Ino; Ioshiaqui Shimbo; Ivan Manoel Rezende do Valle

Estudos para viabilizar o uso do material solo-cimento-cinza de casca de arroz na


construção de paredes monolíticas
09 – Ana Paula da Silva Milani; Sandra Regina Bertocini

Calidad de edificaciones en suelo estabilizado y su evaluación mediante modelos


constructivos
10 – Adriana Beatriz García; Juan Pablo Mazzeo; Pablo Grazzi

Evaluación de la pasta de papel periódico en morteros para friso en muros de tierra


11 – Víctor Piñero; Angélica Reyes; Jean Carlos Viña

Caracterização de adobe estabilizado com amido de mandioca


12 – Luís Felipe de Medeiros Veiga; Sebastiana Luiza Bragança Lana; Nelcy Della Santina
Mohallem

Bóvedas de adobe estabilizadas con cal


13 – Ramón Aguirre Morales
II Congresso de Arquitetura e Construção com Terra no Brasil VII Seminário Ibero-americano de Construção com Terra

Propuesta de aplicación de suelo estabilizado con tanino en componentes de viviendas


14 – Viviana E Fabre, Marcela B. Bizzotto, Jirina C. Tirner

BTC, elemento base para el diseño modular de viviendas sustentables


15 – Víctor Manuel García Izaguirre; Rubén Salvador Roux Gutiérrez; José Adán Espuna
Mújica; Eduardo Arvizu Sánchez

Potencial do solo de Juazeiro do Norte para fabricação de blocos prensados de terra


crua
16 – Soenia Marques Timoteo de Sousa; Normando Perazzo Barbosa; Khosrow Ghavami;
Cícero Irlando S. Freitas; João Dellonx Sousa Regis

A influência da “cura com mistura solta” no preparo do kraftterra para a produção de


blocos de terra compactada
17 – Fernando Luis Campanella; Márcio Albuquerque Buson; Rosa Maria Sposto

A influência da “mineralização da polpa de celulose” no preparo do kraftterra para a


produção de BTCs
18 – Bianca Ilha Pereira; Márcio Albuquerque Buson; Rosa Maria Sposto

Elaboración de bloques de suelo-cemento con barros de excavación para pilotes


19 – Mirta Sánchez; Hugo Begliardo; Silvia Casenave; Javier Schuck

Utilización de savias vegetales para la fabricación de BTC


20 – Yolanda Guadalupe Aranda Jiménez

Influencia del cemento Portland en las características de resistencia de compresión


simple y permeabilidad en los BTC
21 – Rubén Salvador Roux Gutiérrez; José Adán Espuna Mujica; Víctor Manuel García
Izaguirre

Pavimentos intertravados “paver” de solo-cimento com uso de resíduo de concreto em


substituição parcial do solo
22 – Sandra Regina Bertocini; Alex Meneses da Silva; Caio Ricardo Bastos Prado

Vivienda tradicional de tierra de la región Purhépecha. Adecuación al medio ambiente,


espacios, materiales y configuración formal
23 – Héctor Javier González Licón

Evaluación térmica de una vivienda de suelo cemento comparada con otras similares de
distintos materiales
24 – Juan Carlos Patrone; John Martin Evans

Identificación de las patologías presentes en los revestimientos exteriores de


edificaciones tradicionales de tierra
25 – Delia Y. Bottaro Steiner

El adintelado en los muros de la vivienda de tierra en el Noroeste argentino. Patologías y


propuestas resolutivas
26 – Josefina del Huerto Charla; Rodolfo Rotondaro

Avaliação pós-ocupação de construções de blocos de terra comprimida tipo Mattone


27 – Normando P. Barbosa; Soênia M. Timóteo; Roberto Mattone; Gloria Pasero

TEMA 2 – HISTÓRIA, CONSERVAÇÃO E PATRIMÔNIO

Os colonos e a arquitectura de adobe em Portugal


28 – Maria Fernandes

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El palacio de Pedro I en Astudillo


29 – Juana Font Arellano

Condicionantes para la puesta en valor de las casas en acantilado de la sierra de


Chihuahua, México
30 – Eduardo Gamboa Carrera; Luis Fernando Guerrero Baca

La habitabilidad de la arquitectura de tierra en Michoacán, México. el papel de la


memoria colectiva
31 – Eugenia María Azevedo Salomão

Tradición constructiva en tierra cruda en la ciudad de San Luis Potosí, México


32 – Guadalupe Salazar González

A influência pombalina nas edificações dos centros históricos de São Luís e Alcântara:
um estudo a partir dos sistemas construtivos
33 – Luisa Carvalho Venancio; Margareth Gomes Figueiredo

Construção em terra como alternativa sustentável: um estudo sócio – cultural e


tipológico nas cidades de São Luís e Natal
34 – Iara Oyama Homma de Araújo; Maria Raquel Galvão Leite

A utilização da terra em construções rurais durante a colonização do estado do Piauí


35 – Sandra Selma Saraiva de Alexandria; Wilza Gomes Reis Lopes

Análise e proposições para a recuperação do acervo patrimonial em ‘taipa de pau–a–


pique’ na cidade histórica Marechal Deodoro, Alagoas
36 – Josemary Omena Passos Ferrare

Pixaim: desenho de terra sobre grãos de areia. A comunidade das dunas da foz do São
Francisco
37 – Maria Madalena Zambi; Maria Angélica da Silva

Arquitetura rural da terra roxa: o caso das fazendas Pau d’Alho e Mato Dentro no
município de Campinas no estado de São Paulo
38 – Berna Valderrama; Melissa Oliveira; Sandra Martins

A igreja e a casa-grande: remanescentes da taipa de pilão em Limeira-SP


39 – Mateus Rosada

Os materiais de terra nos sistemas construtivos da arquitetura da imigração na região da


Antiga Colônia Blumenau em Santa Catarina
40 – Maria Isabel Kanan

Patrimonio arquitectónico en tierra en Cuyo, Argentina. Evaluación del estado de


conservación y del resultado de las intervenciones
41 – Silvia A. Cirvini; José A. Gómez Voltan

Una aproximación a la vulnerabilidad del patrimonio arquitectónico en tierra. el caso del


molino Reynaud en Luján de Cuyo, Mendoza
42 – Fernando Javier Angeleri

Experiencias de rehabilitación de muros de bahareque en Venezuela


42 – Andrea Mara Henneberg de León

El templo de San Jerónimo, Purenchécuaro, Michoacán, México. Una estructura de


adobe colapsada y recuperada
44 – Luis Alberto Torres Garibay

Reparación de cuatro monumentos históricos de María Elena


45 – Patricio Arias

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TEMA 3 – ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA

Arquitetura da sustentabilidade – novos procedimentos


46 – Marcia Macul; Sergio Prado; Claudia de Andrade Oliveira

El impacto de la globalización en la arquitectura de tierra


47 – Mirta Eufemia Sosa

Un barrio eco-sostenible – diseño modular de construcción mixta con tierra (sistema


bahareque pre-fabricado). proyecto experimental biotécnico
48 – Lucia Esperanza Garzón

As casas de taipa na região de Lumiar: o barro cultural na arquitetura vernácula e como


pigmento pictórico nas construções das obras de arte
49 – Anita Fiszon

A construção caiçara, em taipa, no litoral sul do Rio de Janeiro: mitos e realidade


50 – Aloísio J.J.Monteiro; Ana Cristina Villaça; Dalton Freitas do Valle; Ema Barros; Juliana
Antônia Ferreira Fernandes; Luan Silva

Mampostería de adobes en el Siglo XXI


51 – Stella Maris Latina

Análisis de habitabilidad en una edificación sustentable de tierra en una clima


subtropical húmedo
52 – José Adán Espuna Mújica; Rubén Salvador Roux Gutiérrez; Víctor Manuel García
Izaguirre; Eduardo Arvizu Sánchez

La humedad en las construcciones con tierra en el Trópico. Consideraciones de diseño


53 – Angela M. Stassano R

TEMA 4 – ENSINO, FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO

Actualización de Currícula Plan Milenium III, Facultad de Arquitectura, Diseño y


Urbanismo. Estrategia de inducción medioambiental desde la Construcción con
Tierra
54 – Julio Lorenzo Palomera; Rubén Salvador Roux; Yolanda Aranda Jiménez

Produção recente de mão-de-obra para atuar em projetos e obras de restauração: um


novo estímulo para a conservação do patrimônio edificado em terra
55 – Alexandre Ferreira Mascarenhas

Formação de jovens artesãos taipeiros


56 – Wilma Maria Abdalla

Enseñanza para la ayuda, una ayuda para la producción. Una experiencia de


elaboración de prototipos con tierra estabilizada en la enseñanza universitaria de
grado
57 – Darío Medina; Jorge Lombardi; Gustavo Cremaschi; Karina Cortina

Fronterra: talleres de capacitación // Uruguay_Argentina


58 – Rosario Etchebarne; Alejandro Ferreiro; Helena Gallardo; Ariel González; Mariano
Pautasso; Gabriela Piñeiro; Daniela Verzeñassi

Processo participativo em bioconstrução de uma edificação para o Centro de


Formação do Trabalhador no Assentamento Sepé Tiaraju
59 – Viviane S. Martins; Iazana Guizzo; Cecília H. Prompt; Fernando C. Costa

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Participação e bioconstrução na implementação do Centro de Formação do Instituto


Morro da Cutia de Agroecologia
60 – Viviane S. Martins; Iazana Guizzo; Cecília H. Prompt; Fernando C. Costa

TEMA 5 – TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

Reflexões sobre a Rede Ibero-americana PROTERRA


61 – Marco Antônio Penido de Rezende

Tecnología y producción de bloques de solo tierra comprimida: aspectos


pedagógicos de la transferencia a sectores populares en Misiones, Argentina
62 – Eva Isabel Okulovich, Gilberto Haselstron, Graciela Anger, María Ernestina
Morales

Edificações – protótipos como objetos de transferência de tecnologia


63 – Francisco Lima

Transferência de tecnologias apropriadas: construindo com solo-cimento no


assentamento rural de Campo Alegre, no Rio de Janeiro
64 – Ariston Rocha; Gerônimo Leitão

Experiências do projeto Crescer, resultados e primeiras análises


65 – Rosana Soares Bertocco Parisi; Glacir Terezinha Fricke; Obede Borges Faria; Ana
Cristina Villaça Coelho; Gabriel Nolasco Castañeda

Crescendo com o CRESCER: o desenvolvimento acadêmico através da participação


no projeto crescer
66 – Alejandra M. Cruz; Maycon D. Costa; Eduardo M. Schmidt; Cinara C. Silva; Lívia
Barbosa; Jonathan Amarante; Daniela Guardabaxo; Eliana M. Tramontina; Tiago A.
Fernandes; Bruno L. Nascimento; Vanderson A.Chagas; Yolanda S. Bello; Glacir Fricke;
Rosana S.B.Parisi

TEMA 6 – SALUBRIDADE DAS CONSTRUÇÕES

Prototipo de comunidad saludable para áreas rurales del Perú: distrito de Chincha
Baja, Ica
67 – María Teresa Méndez, Gladys Vásquez, Isabel Corasao, María Angélica Guevara,
Juan Camargo, Eduardo Mendiola

Palafita é arquitetura: análise tipológica das construções com terra na área de


abrangência do projeto rio Anil
68 – José Moraes Júnior, Maria Justina da Silva Castro

Adobe y Chagas. Verdades y mitos de la construcción con tierra


69 – Graciela María Viñuales

El mal de Chagas en el Ecuador


70 – Patricio Cevallos Salas

Vivienda y mal de Chagas en Argentina. Investigaciones y proyectos en áreas rurales


de Santiago del Estero
71 – Clara E. Margarucci; Sebastián Miguel; Laura Ostrofsky; Marcos Amadeo; Ana
Paula Saccone; Mariano González Moreno; Guillermo Rolón; Rodolfo Rotondaro

LIVRO DE RESUMOS

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A IGREJA E A CASA-GRANDE:
REMANESCENTES DA TAIPA DE PILÃO EM LIMEIRA-SP
Mateus Rosada
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
Escola de Engenharia de São Carlos / Universidade de São Paulo
Rua Alecrim, 788, Jardim Planalto, 13485-082, Limeira
Tel: (55 16) 3373 9281 / 9138 5004 mrosada@sc.usp.br

Palavras-chave – Patrimônio Cultural, Arquitetura Religiosa, Arquitetura Rural.

RESUMO
O trabalho busca analisar a influência e a importância histórica das duas edificações mais antigas do
município de Limeira, no Estado de São Paulo: a casa sede do Engenho (ou Fazenda) Tatu, que
pertenceu ao fundador da cidade, e a igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, ambas construídas em
taipa de pilão e que mantêm grande parte de suas características originais até os dias de hoje.
Percebe que, no município, essas duas edificações são hoje os patrimônios culturais mais
significativos: a sede do Engenho Tatu pelo partido arquitetônico adotado de paredes externas em
taipa de pilão e interior em taipa de mão que se tornou um padrão para a casa rural paulista do
século XIX, e a igreja da Boa Morte por seu opulento interior barroco apoiado em grossas paredes de
1,35m espessura. Considerados importantes patrimônios culturais para o município, essas duas
edificações sofrem com várias patologias decorrentes da falta de manutenção e da antigüidade de
suas estruturas: movimentação e inclinação dos vedos e infestação de cupins de solo nas paredes de
terra crua. O trabalho também analisa como as tentativas de restauro da casa grande e da igreja
esbarram na falta de conhecimento da construção com terra e do combate de suas patologias.
Constata a dificuldade dos órgãos e profissionais envolvidos com os dois casos em lidar com a
técnica de arquitetura com terra crua cujo saber-fazer perdeu-se com o tempo.

1. INTRODUÇÃO
Esta reflexão nasce de inquietações pessoais e de dúvidas deste autor sobre a preservação
de determinados bens históricos de sua cidade natal, Limeira. Como típico município de
médio porte do interior de São Paulo, a cidade, em relação aos grandes centros históricos
do país, não é muito antiga (tem pouco mais de 180 anos) e possui poucos remanescentes
de arquitetura em terra, técnica que era a regra para se construir até os fins do século XIX.
Contribuiu para esse desaparecimento o forte crescimento econômico e demográfico do
século seguinte, que acabou por fazer com que os município paulistas, em geral, se
alterassem bastante e tivessem suas características arquitetônicas e ambientais totalmente
modificadas.
A cidade brasileira parece ter tido sempre vergonha de suas características. Julgava-se sempre
atrasada em relação aos padrões dominantes que vinham de fora e buscou, na medida do
possível, adaptar suas feições inspirando-se (até antes da Segunda Guerra) em padrões
europeus. Assim, reformas do casario para alteração de fachadas se sucederam umas às
outras. (Rosada, 2008)
As características morfológicas das singelas construções do período do Brasil Colônia e
início do império foram substituídas por padrões ecletizantes. Posteriormente, as
construções ecléticas também foram substituídas por outras modernas, sucessivamente, até
os dias atuais, de modo que, em não muito tempo, toda a feição das cidades resultou
completamente modificada.
Em Limeira, particularmente, o progresso permitiu que apenas alguns poucos exemplares
da arquitetura do início de seu povoamento chegassem aos dias atuais. Raras foram as
construções com mais de cem anos que resistiram às renovações urbanas: no perímetro
urbano existem somente cinco edificações que datam do século XIX... Dentro dessa
TRABALHO A SER APRESENTADO
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Mat eus Rosada

realidade, os dois únicos edifícios em taipa de pilão que ainda persistem são também os
dois remanescentes mais antigos de todo o município: a casa-grande da Fazenda
(Engenho) Tatu e a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção.

Figura 1 – Aspectos externos do Casarão do Engenho Tatu e da Igreja da Boa Morte.

As histórias dessas duas construções correram paralelas ao longo do tempo e, atualmente,


com as tentativas de restauro, começam a apresentar fatores comuns.

2. A CASA-GRANDE DO ENGENHO TATU


Das duas construções que serão tratadas aqui, a mais antiga é a casa sede do Engenho
Tatu. A época de sua construção não pode ser datada com precisão, pois a documentação
perdeu-se com o tempo. O que sabemos é que o Engenho Tatu 1 foi fundado pelo capitão
português Luiz Manoel da Cunha Bastos. Nascido no Porto e criado em Vila Rica (Ouro
Preto), Cunha Bastos se tornou importante comerciante na capital paulista. Com os lucros
do armazém que possuía, adquiriu, pouco antes de 1820, um engenho na região que é hoje
o município de Limeira, comprando partes de duas sesmarias, Saltinho e Coronel Sá,
localizadas na margem norte do rio Piracicaba, ambas concedidas em 1799 (Busch, 1967:
110). É possível fixar a data da compra graças a uma nota de protesto contra a demarcação
de suas terras de julho de 1820.
Nesse chão o capitão fundou seu engenho e abandonou a carreira militar, dedicando-se
exclusivamente à produção e comércio do açúcar. A sua propriedade, estabelecida sobre
uma mancha de latossolo vermelho, a conhecida terra-roxa, propiciava, graças às
características ligantes do solo, ótimas condições para construção nas técnicas de taipa de
então.
Implantada em uma meia-encosta, a casa-sede apresenta-se assobradada na frente e
térrea nos fundos, uma característica marcadamente mineira. As terras da região, por essa
época, já eram povoadas de maneira rarefeita por mineiros, em sua maior parte,
estabelecidos na área após a exaustão das minas, caminhando em direção à estrada para
Cuiabá, num movimento de expansão da região agrícola de Minas Gerais. Pelas
características arquitetônicas e morfológicas, o arquiteto Carlos Lemos situa a construção
do casarão no início do século XIX.
Desse tipo de casa [de partido mineiro] o exemplar mais antigo que conhecemos é a sede do
Engenho do Tatu, no município de Limeira. É quase certo que seja construção do primeiro
quartel do século XIX. (Lemos, 1999: 89)
Tatu foi o primeiro engenho da região de Limeira e suas terras abrangiam inclusive a área
onde hoje está o centro da cidade. A partir de 1826, com a abertura de uma nova estrada
que ligaria a região a Campinas, começou a formar-se um povoado nas proximidades dum
antigo pouso para tropeiros que havia no local, lindeiro à mesma estrada, dentro das terras
do engenho. Nesse povoado, Cunha Bastos fez a doação de 112 alqueires para o

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TRABALHO A SER APRESENTADO
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Mat eus Rosada

Patrimônio da igreja, criando, em 1832, a freguesia que deu origem ao que é hoje a cidade
de Limeira (Rosada, 2004: 21-22). Por isso o capitão é considerado o fundador do município
e o engenho Tatu, a célula-mãe da cidade.
Mas Cunha Bastos não teve sorte: três anos após a criação da freguesia, é assassinado,
atingido por uma ballada. Por ser solteiro e não possuir herdeiros, o poder judiciário ficou
responsável por seus bens, inventariou suas posses e posteriormente e colocou-as em
leilão. Esse inventário é um dos poucos documentos sobre a Fazenda Tatu:
Em seu inventário, ao lado das benfeitorias industriais, é citada a sua casa de moradia. (...)
Tudo leva a crer que aquela “morada de casas” mencionada no inventário de 1835 seja a casa
que veio até os nossos dias. Uma coisa é certa: é construção do tempo do açúcar e apresenta
um porão de pouca altura no seu frontispício. (Lemos, 1999: 90)
O que se torna curioso, no caso do Engenho Tatu, é o tamanho de sua sede: o robusto
casarão tem 722 m², com doze alcovas, três quartos, e uma sala de jantar de 112 m²! A
casa do Tatu é imensa, isso nos leva a perguntar por que um homem solteiro iria construí-la
com tal escala. Por ter adquirido terras onde já existia um engenho, acredita-se que Cunha
Bastos já o tenha comprado com várias edificações, inclusive a casa-grande e que, portanto,
o casarão seria anterior a 1820.
Além de ser uma construção muito antiga que chegou até os dias atuais quase sem
alterações, no que concerne às técnicas construtivas, a casa-grande do Engenho Tatu:
É também uma construção fora dos padrões da época, por ter somente nas paredes externas a
taipa de pilão. Toda a repartição interna é de taipa de mão, fato ainda inédito naquele tempo na
bacia do Tietê. As casas dos paulistas sempre possuíam, de um modo ou outro, paredes de
taipa de pilão dentro de casa. E aquela bateria de alcovas no âmago da construção tem um
desenho também inusitado, que viria a ser, mais tarde, a norma da arquitetura do café. A casa
do engenho do Tatu é um exemplar da maior importância. (Lemos, 1999: 90)
A construção realmente chama a atenção: em algumas áreas externas de suas paredes
com 80cm de espessura (1,5m na altura dos porões) o reboco caiu e é possível distinguir as
camadas de taipa de pilão. Todas as janelas, com exceção de apenas uma, são originais e
mantém as folhas cegas e os batentes de quase 25cm de largura, sem vidros, sem
guilhotinas. No interior, pode-se ver as portas das doze alcovas com muxarabis nas
bandeiras e alguns ambientes forrados à maneira saia-e-camisa, enquanto que o forro da
sala de jantar, que caiu em sua maior parte, é de taquara trançada. Em outras partes que
perderam o forro, fica visívelo madeiramento das terças e dos montantes falquejados a
machado, com suas largas bitolas. Os caibros são todos de troncos de coqueiro, e as telhas
são as coloniais moldadas nas coxas.

Figura 2 – Fachada e Planta da casa-grande do Engenho Tatu (c. 1820).

Poucas foram transferências de sua posse por herança, a maioria se deu pela compra da
fazenda e, mesmo passando por mãos de várias famílias, a casa foi muito pouco

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modificada: em duas salas da frente foi feita uma pintura decorativa mais rebuscada ainda
no século XIX, a escada de acesso original, provavelmente em madeira, foi substituída por
uma de alvenaria e foram construídos dois banheiros internos, apenas em 2002. O motivo
que manteve a casa com pouquíssimas alterações em seus quase duzentos anos é que ela
está desocupada há mais de cinqüenta. O penúltimo dono, Orestes Jacon, construiu uma
nova sede, ao lado do casarão (derrubando uma parte do lanço de mais de 100m de
senzalas) antes de vendê-la à família Spagnol, atual proprietária, em 1959. Desde antes da
data da venda,o casarão do Tatu está desocupado. Por muito tempo, a casa funcionou
como tulha da fazenda, onde era armazenada parte da produção:
Um tempo eu plantava bastante arroz aqui na fazenda e aqui eu ponhava cheio de arroz aqui,
ó! Milho, arroz, ponhava... Depois eu larguei mão de fazer isso aí; arrendei tudo pra usina.
Então, parou. (Spagnol, 2004: 35)
Atualmente, a parte frontal da casa está vazia e os fundos funcionam como um depósito da
atual sede, que se situa ao lado do casarão. Por não ter recebido quase nenhuma
manutenção em todo esse tempo, tem sérios problemas estruturais, embora ainda
mantenha-se em pé.

3. A IGREJA DA BOA MORTE


O engenho Tatu foi o primeiro de muitos outros que foram se instalando na região que hoje
compreende Limeira. Derrubando as matas originais e abrindo espaço no território, a
atividade canavieira propiciou a formação do povoado, mas ele caminhou acanhado até que
uma nova atividade, mais lucrativa, substituísse a cana: cafeicultura. O café começou a ser
plantado na área no fim dos anos 1820 e se tornou sua principal atividade já nos anos 1840.
E Limeira, até então acanhado centro canavieiro da periferia da zona econômica paulista,
floresceu com o café, tornando-se um dos mais importantes pólos produtores da rubiácea.
Em nova posição, agora de destaque, a vila enriquecida tinha que mostrar sua opulência.
Numa época em que a igreja era o símbolo edificado máximo de uma cidade, a matriz de
Nossa Senhora das Dores, ainda muito simples e tosca, onde até as cabras pastavam em
seu telhado (Tschudi, 1980: 123), não mais condizia com boa situação da urbe.
Na cidade ocorreu então um caso fora dos padrões: não se construiu uma nova matriz para
Nossa Senhora das Dores, pois não se cogitava substituí-la após tantas reformas recentes.
Nesse caso, os senhores mais abastados da cidade, organizados em uma irmandade
religiosa, erigiram outra igreja subordinada à jurisdição da mesma matriz, a igreja de Nossa
Senhora da Boa Morte e Assumpção. Esse novo templo teve o interior barroco ricamente
entalhado, para cujo trabalho foi contratado em Florença o arquiteto e entalhador italiano
Aurélio Civatti.
As obras da igreja da Boa Morte começaram em 1858. Vários escravos foram emprestados
pelo membros da irmandade para a construção da nova igreja. Os trabalhos de
levantamento topográfico e locação da obra foram dirigidos por Civatti.
A Irmandade construiu a parte da capela mor até a cobertura. Então, recebeu a ajuda do Barão
de Cascalho, José Ferraz de Campos, que se prontificou a construir as paredes de taipa e a
cobertura. A conclusão do templo esteve a cargo de outro nobre benfeitor, Bento Manoel de
Barros, Barão de Campinas, que construiu as duas torres de tijolos e executou o acabamento, e
fez tudo quanto é de madeira, as torres, pintura, dourados, etc.(...) As paredes da Igreja são de
barro e argamassa, com amarras de bambu e madeiras resistentes, usadas na época. (Carità,
1998: 03)
O templo foi inaugurado em 1867. Segundo jornal da época, Civatti fez da sua magnífica
obra um protesto vivo contra as miserandas cousas que haviam por toda a província paulista
(Busch, 2007: 289-90.). Após o término das obras criou-se um certo mal-estar na cidade,
pois a igreja da Boa Morte passou a ser o exemplar mais rico dentre as igrejas do município
ao passo que a matriz, sempre em obras e reformas, não conseguia manter uma aparência
de acabada. A população e as autoridades limeirenses sempre tiveram um ressentimento de

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que a matriz nunca superou a igreja da Boa Morte em qualidade artística.O lado bom disso
tudo é que, por ser uma igreja muito próxima da matriz (hoje catedral, sede da diocese de
Limeira), ela nunca se tornou uma paróquia e por isso mesmo nunca necessitou de reformas
ou de outro prédio para comportar o crescimento da cidade. Esse é um dos motivos pelo
qual a igreja se mantém com as mesmas paredes de taipa até os dias de hoje.

Figura 3 – Fachada e Planta da Igreja da Boa Morte (1858-1867; o frontispício é de 1893).

Além da beleza da ornamentação, a Boa Morte tem uma estrutura muito bem acabada e
resistente. Suas grossas paredes, que variam de 90cm a 1,35m, davam a impressão, para a
população da época, que sua taipa duraria para sempre. Mas apenas doze anos após a
inauguração o edifício já começou a apresentar problemas: parte de sua fachada estava em
mau estado e ameaçava ruir. Foi contratada uma comissão de técnicos, comandada por I.
H. Girard, constatou uma série de defeitos no edifício: falta de amarração da frente de taipa
com as torres de alvenaria de tijolos, recalques de fundação na região das torres e do piso
do côro, deslocamento do corpo frontal da igreja (frontispício e torres) e perigo de
desmoronamento do frontispício (Pereira, 2004: 11). A igreja continuou com um frontispício
que ameaçava a ruína até 1893, quando este foi finalmente refeito, agora todo em tijolos.
Modificou-se com isso, a fachada da igreja, mas todo o conjunto manteve-se.
Por ser um prédio de uso cotidiano e nunca ter deixado de estar atividade, a Boa Morte foi
alvo de várias reformas ao longo do século XX, que visavam adaptá-la às novas tecnologias,
fazer a manutenção do edifício ou simplesmente complementar a já exuberante decoração
interna. Dentre os trabalhos realizados, destacam-se as pinturas decorativas internas (foram
três sucessivas, uma sobre a anterior: nas décadas de 1900, 1930 e 1970, a ultima é a que
se mantém atualmente), a iluminação elétrica em 1900, a troca do assoalho de madeira pelo
piso em ladrilho hidráulico em 1925, a aparelhagem de som e a colocação dos lustres de
cristal em 1950, além de outras intervenções menores. Como se pode ver, várias foram as
intervenções, mas quase nada foi alterado na distribuição interna e nas grossas paredes de
taipa.

4. PATOLOGIAS NA TAIPA DE PILÃO


As intervenções feitas na igreja da Boa Morte, ao que tudo indica, foram muito mais
numerosas e constantes que no casarão do Engenho Tatu, tanto por ser um prédio de uso
coletivo como por ter recebido maiores auxílios do poder público. Além disso, existe muito
mais documentação disponível sobre a igreja que sobre a casa-grande, mas como veremos
a seguir, as patologias que ambas as construções apresentam nos dias atuais são muito
semelhantes.
4.1 Desprendimento do revestimento
Em ambos os prédios examinados nesse estudo, há problemas com o desprendimento do
reboco. No casarão do Tatu, aparentemente, o reboco começou a cair na década de 1990.

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A foto do livro de Carlos Lemos (1999: 90) é de 1980 e toda a fachada ainda estava íntegra.
Nas fotos tiradas pelo autor deste artigo, em 2004 já se evidenciam os problemas do
revestimento. Dessa data para cá grande parte se perdeu.
O caso da Igreja da Boa Morte é mais antigo. Há relatos da argamassa de acabamento se
desagregando das paredes desde fins dos anos 30. O problema se arrastou até 1975,
quando o provedor da Confraria local solicitou a intervenção no local. A solução adotada foi
a colocação de novo reboco com a aplicação de uma tela de arame fixada à taipa por
pregos (Carità, 1998: 24). Mesmo assim, a igreja apresentou novos problemas no
revestimento, que começou a estufar e ameaçava desprender-se novamente, depois de
passados trinta anos da primeira manutenção, ou seja, em um espaço de tempo
relativamente curto. Um dos fatores que acelerou o reaparecimento da patologia no
revestimento foi a pintura em látex que as paredes da igreja haviam recebido. Ela impedia o
respiro necessário à taipa.
No memorial de restauro elaborado pela arquiteta Juliana Binotti Pereira (2004), a autora
salienta que se fazia necessária a:
Reconstituição de parte do reboco solto, que encontra-se em ruínas devido às trincas ocorridas
durante o recalque do edifício, e aplicação de nova argamassa sobre tela onde encontram-se
estufadas (soltas). E nova aplicação de argamassa à base de barro, cimento e cal (em
proporção correta) nas paredes internas que apresentam trincas e reboco solto. (Pereira, 2004:
112-3)
De fato, embora não tenha sido executada a restauração completa do templo, uma das
medidas tomadas seguiu essa proposta da arquiteta: em 2006, foram removidas e refeitas
as partes do reboco que estavam estufadas. Nesse mesmo ano, a pintura em látex externa
foi removida e feita uma repintura, com uma pasta feita de terra, permitindo o respiro das
paredes.
4.2 Recalques da fundação e movimentação das paredes
Além do descolamento do reboco, outros problemas que tanto a igreja como a casa-grande
sofrem, sem que medidas definitivas tenham sido tomadas para resolvê-lo, são os advindos
da movimentação das paredes: recalques da fundação, trincas e desvio do prumo são os
mais freqüentes. Por serem estruturas muito mais flexíveis que as rígidas paredes de
alvenaria o que vemos é que muitas vezes a parede de taipa pode inclinar-se bastante sem
apresentar trincas substantivas.
O problema do casarão do Tatu é mais complexo que da Igreja da Boa Morte: toda a
fachada lateral direita está inclinada, abrindo para o exterior da casa e ameaçando até o
apoio da estrutura do telhado. Mário Spagnol, proprietário da Fazenda Tatu, demonstrou-
nos sua preocupação: Lá no fundo tem uma parede que abriu até assim (gesticula), já, pra
lá. Tem uns apoios de tijolo, a turma fala sargento [contraforte], que tá segurando...
(Spagnol, 2004: 35).
Os proprietários do Tatu, sem dinheiro para intervir num reforço da fundação e reaprumo da
parede inclinada, construíram três grandes contrafortes de tijolo para tentar impedir que a
movimentação da parede comprometa o apoio dos esteios do telhado que, junto com as
paredes, estão se abrindo. Apesar dos problemas, essa solução tem mantido a casa. O
caso poderia ser ainda pior, mas, por sorte, o casarão se localiza na zona rural a uma
distância razoável das vias de circulação de automóveis, estando afastado de fontes de
trepidação.

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Figura 4 – Fachada lateral do casarão do Tatu em 2004, com o contraforteamento feito para impedir
a abertura da parede. Trincas e falhas no reboco da Igreja da Boa Morte em 2004, antes da pintura
atual em terra.
Ao contrário do casarão do Tatu, a igreja da Boa Morte não se localiza numa área tranqüila,
é justamente o intenso tráfego em seu entorno que tem agravado os seus problemas de
trincas. Como é característico nas construções de taipa, a igreja não tem fundações
profundas, pois a taipa de pilão não apresenta cargas pontuais, mas trabalha os esforços
com cargas distribuídas, não necessitando de grande infra estrutura. Por isso, seus
alicerces de pedra, mesmo para aquelas paredes de 1,35m de espessura, têm apenas 50cm
de profundidade. Esses alicerces deram conta das deformações de assentamento natural
das paredes ao longo dos anos, mas não estão sendo suficientes para suportar a trepidação
causada pelo intenso tráfego de veículos pesados que circulam em seu entorno.
A Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e Assumpção possui embasamento não muito
profundo, o que fez com que ao longo dos anos as paredes tanto externas quanto internas
passassem por recalques estruturais, até sua estabilização. Nos aspectos gerais não possui
sérios comprometimentos, a não ser o fluxo de ônibus e caminhões (existe um supermercado
ao lado da praça e um ponto de ônibus nas suas costas) que por ali circulam diariamente. Daí
a necessidade do desvio desses veículos, para que o edifício não venha a apresentar novos
recalques. (Pereira, 2004: 112)
4.3 Infestação de insetos xilófagos
O problema mais preocupante, a nosso ver, é a infestação das duas edificações por insetos
xilófagos. Isso está diretamente ligado a essas construções serem feitas em taipa, pois
grande parte dos cupins que vêm atacando as estruturas de madeira são de solo e se
encontram alojados nas paredes, espalhando-se por toda a edificação. As grossas paredes
que a taipa de pilão exige dificultam ainda mais a localização das colônias para o seu
combate.
A casa sede da Fazenda Tatu apresenta problemas de ataques de cupins de menor monta
na estrutura do telhado e nas esquadrias, por serem feitas em madeiras de lei, mais duras.
A situação é mais crítica no assoalho e no madeiramento superior do telhado (caibros e
ripas). Estes últimos são troncos roliços de coqueiro, originais, do período em que se
derrubou as matas da área para a construção, porém, por serem madeiras moles, estão
seriamente danificados pela presença dos insetos, como pode-se ver no relato do
proprietário local:
Daqui a dois anos não tem mais telhado em cima disso! O cupim tá comendo tudo! E a madeira
é coqueiro. É tudo coqueiro, assim. Tem só os travessão, quadrado, que são de madeira de lei.
O resto é tudo coqueiro. Tem que trocar tudo! (Spagnol, 2004: 35)
O Sr. Mário Spagnol continua seu desabafo sobre o problema dos cupins no casarão:
[O ex-prefeito Jurandir Paixão] Mandou o engenheiro, os técnicos aí... Eles olharam aqui e
disseram: “tchau mesmo”!... Porque não adianta, tem que trocar tudo! Você pensa que é só
deixar bonitinho?! Que que tem que fazer com esse assoalho aqui, ó? Esse aqui até que dá pra

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envernizar, mas ali na outra sala, tem que pôr novo! O outro [assoalho] lá, também, tá tudo
desgramado... (Spagnol, 2004: 35)
Os problemas da igreja da Boa Morte não são muito diferentes do casarão. A parte de
estrutura de telhado não tem grandes problemas, pois a cobertura foi refeita várias vezes na
história da igreja. A última troca das telhas ocorreu ainda este ano.
O grande problema da igreja são os forros e toda a talha barroca que foram atacados pelos
insetos xilófagos. Atualmente, o templo foi interditado pela Defesa Civil em janeiro deste ano
porque os pesadíssimos ornamentos do forro ameaçavam se desprender de sua estrutura.
Corrigido emergencialmente esse problema com tirantes metálicos acima do forro, a igreja
segue fechada até que ao menos seja refeito o problemático sistema elétrico e realizada a
descupinização do prédio.
O grande desafio da comissão formada ² para buscar uma solução é que tratamento dar à
igreja. É muito difícil, no caso da Boa Morte, conter os insetos, pois o ataque é feito por
cupins de solo e suas paredes não são mais que enormes extensões desse solo na vertical.
Não se sabe qual a melhor maneira de se agir num caso tão específico desses, qual a
forma, a aplicação de barreiras químicas, sua eficácia e por quanto tempo duram os
resultados. Não há, em Limeira, profissional ou grupo de pesquisa que entenda
profundamente de tratamentos contra os xilófagos. Estão sendo consultados laboratórios de
pesquisas das universidades de cidades vizinhas: da Unesp de Rio Claro e da Esalq-USP
de Piracicaba. Enquanto não se encontra uma resolução eficaz para esse problema, o
templo segue fechado.
4.4 Colapso das paredes pela infiltração de água.
Observando os dos edifícios estudados, o colapso das paredes é menos crítico no caso do
casarão do Tatu que, mesmo sem manutenção e apresentando inúmeras goteiras, ainda
mantém as paredes íntegras. Já a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte teve, no início
do século XX, que adaptar o prédio da igreja às normas do código sanitário. Exigia-se dos
prédios urbanos que se eliminassem as projeções dos telhados que jogavam as águas
pluviais na calçada. Com isso, foram removidos os beirais do telhado, construídas
platibandas para escondê-lo e rasgadas as paredes para a instalação dos condutores de
águas pluviais, numa reforma que contrariou um dos princípios mais importantes da taipa:
afastar a água das paredes de terra crua. Utilizava-se fazer as construções de terra com o
uso de largos beirais, muitas vezes com contrafeitos que ajudaram a jogar ainda mais longe
as águas da chuva, inimiga da taipa (Carità, 1998: 04). Os condutores, que eram geralmente
de ferro fundido ou de cerâmica, foram a causa de muitas dores-de-cabeça para a Confraria,
pois permitiram que a água se infiltrasse nas paredes da igreja. Por esse motivo, em 1995,
ocorreu desabamento da área de uma das torres (Augusti, Boschiero, Ruy, 2005: 5). A
parede interna, atrás da torre direita (veja a Figura 3) desmoronou, destruindo a porta lateral
externa, tal o peso da massa de barro que caiu. Foi refeita em alvenaria de blocos de
concreto, com uma parede dupla, oca no meio. Ainda assim, o desabamento não afetou a
estrutura do telhado nem nave e sua ornamentação.
Na reforma do telhado ocorrida este ano, foram mantidos os condutores de águas pluviais
que, desde há alguns anos, foram substituído por novos, de PVC, ao menos um pouco mais
seguros que os anteriores. Porém, eles continuam a ser uma preocupação constante para a
igreja: Um grande problema a ser resolvido é o de que os condutores de águas pluviais
passam por dentro da taipa, o que pode provocar no futuro um sério risco à estrutura do
edifício (Pereira, 2004: 113). Tais riscos levam a questionar se, mesmo estando o templo em
processo de tombamento histórico, se a retirada das platibandas laterais e a reconstrução
de largos beirais não seria uma opção mais segura e condizente com a velha igreja de taipa.

5. CONCLUSÃO: AS INCIPIENTES TENTATIVAS DE RESTAURO


Como pode-se perceber neste artigo, tanto a Igreja da Boa Morte como o casarão do Tatu
apresentam várias patologias decorrentes ou associadas à sua condição de construções de

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terra crua, agravadas tanto pela antigüidade dos prédios como (e muito mais por isso) pela
falta de manutenção dos mesmos.
Não tendo interesse pela casa-grande e não querendo derrubá-la, os proprietários da
Fazenda Tatu recentemente doaram a sede para a Sociedade Pró-Memória de Limeira, mas
o problema apenas se transferiu, pois a Sociedade não possui renda e não teria como arcar
com uma correta restauração desse importante patrimônio. As obras de restauração são em
geral muito caras, o que torna muito difícil conseguir fundos necessários para que elas
sejam realizadas.
O casarão do Tatu, localizado na zona rural de Limeira, mal pode ser visto da estrada vicinal
que passa em sua frente. Não está à vista das pessoas, dos transeuntes e, portanto, seus
problemas não incomodam ou comovem a população. Talvez por isso a Boa Morte
demonstre possuir um apreço maior pelos limeirenses. Localizada em pleno centro da
cidade, cercada por algumas das ruas mais importantes do município, seu largo é cruzado
diariamente por milhares de pessoas, além dos fiéis que freqüentam suas missas –
freqüentavam, pois o templo está fechado – ou que lá se casaram. Ou seja, a Igrejinha está
no dia-a-dia de muitas pessoas o que a torna mais visada e querida, pois muito mais
pessoas conhecem-na mais proximamente do que o distante casarão do Tatu.
É preciso que o monumento arquitetônico esteja inserido na vida das pessoas para que elas
sintam essa noção de pertencimento e que queiram que estas obras perdurem pelos anos.
É possível ter uma pontinha de otimismo em relação às edificações aqui tratadas, no caso
da Igreja da Boa Morte ainda mais, pois é perceptível uma preocupação de pessoas,
técnicos e órgãos públicos com sua conservação. O que acreditamos é que nos falta (aqui
me incluo com todos eles) conhecimento técnico suficiente para que as posturas tomadas
perante esses bens sejam semelhantes e que caminhem numa mesma direção.
Preservar e recuperar esses patrimônios é, ao menos, demonstrar um respeito às gerações
que nos precederam, ao seu trabalho, ao seu suor e ao seu saber.

BIBLIOGRAFIA
AUGUSTI, Valquíria Maria; BOSCHIERO Daniela; RUY, Daniele Poletti. (2005) A festa e a Igreja
Nossa Senhora da Boa Morte e Assunção: patrimônios a serem preservados. Caderno Virtual de
Turismo, v. 5, n. 2.
BUSCH, Reynaldo Kuntz. (2007) História de Limeira. 3 ed. Limeira: Sociedade Pró-Memória.
CARITÀ, Wilson José. (1998) Breve História da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte e
Assunção. Limeira: o autor.
LEMOS, Carlos Aberto Cerqueira. (1999) A Casa Paulista. São Paulo: Edusp, Nobel.
PEREIRA, Juliana Binotti. (2004) Memorial de Restauro: Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte e
Assumpção. Limeira: a autora.
ROSADA, Mateus. (2004) Estruturação Espacial das fazendas de Café de Limeira e Região.
Relatório Científico (para Fapesp). São Carlos: o autor.
______. (2008) Evitar o Esquecimento: Duas Igrejas Barrocas em Duas Cidades Modernas
Brasileiras IX Congreso Internacional (CICOP) de Rehabilitación del Patrimonio Arquitectónico y
Edificación. Sevilla, 2008.
SPAGNOL, Mário. (2004) Entrevista. In: ROSADA, Mateus. Relatório de Pesquisa. São Carlos: o
autor, 2004.
TSCHUDI, Johann Jakob. (1980) Viagens às províncias do Rio de Janeiro e São Paulo (1860).
São Paulo: EDUSP.

AUTOR

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Mateus Rosada é arquiteto e urbanista pela Universidade de São Paulo (USP); e técnico em
edificações pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da EESC/USP. Membro da Sociedade Pró-
Memória de Limeira, realiza pesquisas sobre arquitetura rural do período cafeeiro e arquitetura
urbana religiosa.

NOTAS
1
– O nome do engenho se deve a um ribeirão que corta a propriedade, hoje conhecido por Ribeirão
Tatu, mas originalmente Tatuhiby (do tupi, tatuhiby = tatu pequeno).
² – A comissão é formada pelos membros da Confraria de Nossa Senhora da Moa Morte e
Assumpção, responsável pela igreja, pelo capelão, por membros do conselho de patrimônio
histórico de Limeira (Condephaali), arquitetos, um engenheiro agrônomo e um engenheiro civil.

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