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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Arquitetura e Urbanismo

Estúdio Patrimônio Cultural e Técnicas Retrospectivas

Cinemateca Brasileira: a história do antigo matadouro, seu tombamento e os


projetos que colaboraram para a preservação do acervo audiovisual e da
memória arquitetônica do bairro da Vila Mariana

Beatriz Martins Oliveira 3191635-1

Beatriz Rolim Barros 3190649-4

Fernanda Lopes Valverde 3196802-3

Ilana Neri 3184304-3

Marianna Helfenstein 3193467-6

São Paulo
2022
Cinemateca Brasileira
A Cinemateca Brasileira é uma Instituição Pública Brasileira de preservação da
memória cinematográfica, uma das principais preservadoras de filmes do mundo, com
um dos maiores acervos audiovisuais da América Latina.

Com o objetivo de preservar e difundir imagens em movimento, bem como


salvar o patrimônio cultural de possíveis desaparecimentos por falta de estrutura
adequada, a Instituição levantou fundos para que houvesse um Polo Cultural
exclusivamente para suas mostras, pré estréias, shows, festivais e, principalmente,
para sua conservação e pesquisa.

Após o tombamento da edificação onde se encontrava o antigo Matadouro


Municipal de São Paulo (1884-1927), alguns projetos foram pensados para abrigar o
novo centro cultural da Cinemateca Brasileira, de forma que mantivesse a memória
histórica e a importância arquitetônica do local.

Portanto, hoje, a Cinemateca compreende-se como os edifícios remanescentes


do núcleo histórico do antigo Matadouro, restaurados e adaptados às suas atuais
necessidades, tais como: centro de documentação, café, áreas de apoio, sanitários e
salas de cinema e de eventos, com o projeto desenvolvido pelo arquiteto Nelson
Dupré.

Cinemateca Brasileira atualmente


Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. de 2022
Localização da Cinemateca Brasileira – Largo Sen. Raul Cardoso, 207 - Vila Clementino, São Paulo - SP
Fonte: Google Maps com pós produção autoral
Acesso em 16 nov. de 2022

História do matadouro
Após a problemática sanitária do Matadouro da Rua Humaitá, com o trânsito
das boiadas e os dejetos despejados nas águas do Anhangabaú, fez-se necessária a
mudança do matadouro para um local mais afastado do centro, com menos
urbanidade.

Decidida a transferência da atividade, a Câmara Municipal abriu um concurso,


em 1879, para o projeto de um novo matadouro na Vila Mariana, devido a sua
proximidade com o Córrego do Sapateiro, que seria de grande proveito para a
realização dos trabalhos. O ganhador do concurso foi Alberto Kuhlmann, que iniciou
as obras em 1884, inaugurando o matadouro em 1887.

A edificação consistia em três pavilhões retangulares e paralelos entre si,


intercalados com espaços vazios que permitiam a entrada de iluminação e a
circulação de ar nos galpões de abate. Configuraram-se como:
1. Pavilhão central - abate de bovinos;
2. Pavilhão à direita - abate de suínos;
3. Pavilhão à esquerda - depósito de carnes que aguardavam transporte e
distribuição;
4. Blocos para administração e serviços complementares.
Foto da movimentação de carretas de transporte em frente ao matadouro
Fonte: https://outracidade.com.br/historia-da-cinemateca-diz-muito-sobre-resiliencia-do-patrimonio-audiovisual/
Acesso em 16 nov. de 2022

Juntamente com a aprovação da construção do Matadouro, houve a aprovação


do desvio da Estrada de Ferro Carris, criando, assim, uma parada nova, dentro do
matadouro, que facilitaria o transporte dos animais. Essa parada ficou conhecida
como Mariana Mato Grosso, nome da esposa do Alberto Kullman.

Foto interna do galpão onde se encontra o trilho Trilho preservado por vidro
Fonte: Foto: Autoral Beatriz Martins
Acesso em 16 nov. de 2022 Tirada em 15 nov. de 2022
O matadouro e a ferrovia acabaram se transformando em elementos
estruturadores da urbanização do local, que rapidamente se consolidou devido à
infraestrutura que oferecia aos moradores. Com isso, os problemas existentes na
época da transferência do antigo matadouro da zona central começaram a se repetir
na Vila Mariana. A insuficiência de água, transtorno com o transporte e pastagens dos
animais e as inadequações sanitárias, foram somados com discussões polêmicas
sobre o resfriamento das carnes. Todos esses fatores culminaram no fechamento do
matadouro em 1927, que transferiu as atividades para empresas privadas

Tombamento e lapso temporal até a sua concretização


Após o fechamento (1927), o edifício passou a ser usado de diversas e
improvisadas maneiras, o que resultou na descaracterização das originalidades do
mesmo, além de comprometer e destruir seriamente a parte estrutural. As mudanças
foram desde a substituição da cobertura de telhas de barro por telhas de fibrocimento,
até a perda do lanternim, substituição de portas e janelas por novas e fechamento de
alguns vãos de abertura e passagem.

Matadouro Municipal de São Paulo após


sua descaracterização
Fonte: http://www.flickr.com/photos
/cinematecabrasileira/page2/
Acesso em 16 de nov. de 2022.

Ficou evidente que, durante os anos entre o encerramento das atividades do


matadouro e seu processo de preservação, não houve nenhum tipo de manutenção
no local, o que apenas favoreceu a degradação de um ambiente histórico.
A edificação continuou sendo usada aleatoriamente até o pedido de
tombamento desenvolvido pelo Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da
Secretaria Municipal de Cultura, no começo dos anos 80. O pedido foi aprovado
apenas em 1985, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), quando foi finalmente visto com interesse
histórico e estruturador para o bairro e arquitetônico, devido aos seus materiais e
técnicas construtivas.

Interessante ressaltar que também houve tombamento pelo Conselho de


Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo
(COMPRESP), em 1991.

Primeiro Projeto (1981-1983)


Elaborado de 1981 a 1983, no período em que o processo de tombamento
estava em análise, os arquitetos Fernando José Martinelli e José Osvaldo Vilela
tinham como objetivo uma investigação histórica para reconstituir os elementos
originais do antigo matadouro.

Seguindo a ideia de Viollet-le-Duc, queriam que o edifício não aparentasse ter


sofrido mudanças com o passar do tempo. Para recompor o estado primitivo e
cancelar as reformas levianas que foram feitas anteriormente, analisaram algumas
fotos antigas, fizeram levantamento in loco e propuseram, principalmente, intervenção
das coberturas e nas circulações entre os galpões.

O projeto não foi concluído e o local cedeu espaço para o almoxarifado da


Secretaria de Vias Públicas.

Segundo Projeto (1989-1993)


Em 1988, a construção foi concedida à Cinemateca Brasileira por Jânio
Quadros, que inicialmente adaptou a conformação existente na época para instalar
sua biblioteca, acervo e sala de projeção de filmes.

Já em 1989, um novo projeto começou a ser desenvolvido pelos arquitetos


Marlene Yurgel, Lúcio Gomes Machado e Eduardo de Jesus Rodrigues, que visavam
reestruturar o prédio com recuperação do que havia sido ferido.
A relação entre o velho e o novo inicialmente pensada sofreu alterações em
1993, quando o grupo Gomes Machado, Rodrigues Arquitetos Associados Ltda.(GMR
AA), um desmembramento do Yurguel, Machado e Rodrigues Arquitetos Associados
- YMR AA, assumiu o projeto.

Planta do projeto do 2° projeto (1989-1993)


Fonte: Livro Cinemateca Brasileira - Ministério da
Cultura Brasil

Visando a reconstituição dos aspectos originais, as ações idealizadas eram


restaurar os galpões existentes com base na arquitetura do início do século, fazendo
alterações na construção original, pois se tratava de um novo uso, mas sem modificar
por completo o originário; recuperar os espaços externos; implantar um novo edifício
para salas de projeção, sala multiuso e o foyer e implantar outro edifício novo com
dois pavimentos semi-enterrados para as salas do acervo climatizado, sem que
houvesse alteração nas proporções já existentes.

Outras ações efetuadas foram a instalação de pilaretes e vigas para reforço


estrutural e confecção de novas alvenarias para a recomposição das paredes. Esta
foi feita de forma minuciosa, com estudo de fotos e contagem para a fabricação com
o mesmo tamanho e característica dos elementos preexistentes. O respeito com o
material original também era percebido em sua colocação, de modo que não houvesse
confusão ou engano entre os tijolos originais e os reconstituídos.
Para atender as necessidades programáticas do novo uso, foram propostos 15
módulos sucessivos de construção (laboratórios, despensas climatizadas, salão de
eventos, cinema, teatro, sala de multimídia e outros), de forma que cada um pudesse
ser patrocinado por uma empresa e funcionar com independência. Esta estratégia
faria com que os custos de obra baixassem e proporcionaria maior versatilidade de
usos.

O projeto e a obra aconteciam conforme a liberação de verba pela Cinemateca


Brasileira, o que justifica a paralisação no desenvolvimento dos mesmos depois de
alguns anos.

Terceiro Projeto (2000-2007) - Estudo de caso


Em 2000, houve a mudança de diretoria da Cinemateca e a contratação do
arquiteto Nelson Dupré para que se realizasse um novo projeto, com foco em soluções
inéditas e mais contemporâneas, preservando o que já havia sido feito nas
recuperações anteriores.

O matadouro foi construído, originalmente, seguindo o estilo industrial e sua


composição ritmada, com tijolos em amarração comum, tipologias típicas da época
caracterizadas por telhado em duas águas com lanternim e telhas de barro,
modulação longitudinal devido às tesouras de madeira que sustentavam a cobertura
e aberturas arredondadas arrematadas com diferentes tamanhos de tijolos.

Elevação frontal - largo Senador Raul Cardoso Cinemateca Brasileira (1989-1993)


Fonte: Revista Projeto
Acesso em 2 nov. de 2022
A implantação espacial dos blocos/galpões retangulares, já mencionada, foi
mantida, em especial no galpão 3, onde as marcas do tempo foram preservadas e
ainda contam a história do local.

Planta do térreo Cinemateca Brasileira


(1989-1993)
Fonte: Revista Projeto
Acesso em 2 nov. 2022

Planta do mezanino Cinemateca Brasileira


(1989-1993)
Fonte: Revista Projeto
Acesso em 2 nov. 2022

No projeto mais atual, foram propostas intervenções nos caixilhos, para aço na
cor preta; substituição dos portões de madeira por materiais mais translúcidos,
fazendo a relação de permeabilidade interior x exterior; novos forros de gesso e lã de
rocha, para garantir o conforto térmico e acústico e redesenho das tesouras e
lanternins, agora em aço, mas preservando as dimensões originais. Não só isso, como
também a criação de uma sala de projeção para 230 pessoas em um dos galpões e
da recuperação e exibição dos trilhos da antiga linha férrea.
Planta Salão BNDES Cinemateca Brasileira (1989-1993)
Fonte: Revista Projeto
Acesso em 2 nov. 2022

Corte transversal Salão BNDES Cinemateca


Brasileira (1989-1993)
Fonte: Revista Projeto
Acesso em 2 nov. 2022

Corte transversal Salão


BNDES Cinemateca
Brasileira (1989-1993)
Fonte: Revista Projeto
Acesso em 2 nov. 2022

Segundo Dupré, “A sutileza das intervenções e a evidência das alterações


realizadas no edifício ao longo dos anos, sem fundamentar a proposta na recuperação
da configuração original, deixou visíveis os testemunhos da passagem do tempo.”.
Aberturas originais com intervenção em aço e vidro
Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022

Entrada Cinemateca Brasileira


Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022
Aproximação às alvenarias
Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022
Aproximação à cobertura com ênfase às tesouras e ao lanternim
Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022

Parte externa Cinemateca Brasileira


Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022
Parte externa Cinemateca Brasileira
Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022

Sala BNDES Aberturas com intervenção anteriores


Foto: Autoral Beatriz Martins Foto: Autoral Beatriz Martins
Tirada em 15 nov. 2022 Tirada em 15 nov. 2022
Em agosto de 2020, a administração da Cinemateca Brasileira foi passada para
o Governo Federal, que pouco investe e se importa com a produção cultural do país.

Incêndio no galpão
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-29/incendio-na-cinemateca-brasileira-em-sao-paulo-poe-mais-um-
acervo-cultural-no-brasil-em-risco.html
Acesso em 16 nov. de 2022

Algum tempo depois, em julho de 2021, um dos galpões de acervo que abrigava
cerca de 1 milhão de documentos da antiga Embrafilme, tais como cópias de filme,
equipamentos, roteiros e arquivos em papel, pegou fogo, gerando perca de todos os
arquivos que seriam usados para produzir uma exposição museológica sobre a
história do cinema brasileiro.

Esta não foi a primeira vez que a Cinemateca sofreu com descaso, em 2016
outro incêndio acometeu mesmo galpão, que em 2020 foi atingido por uma enchente.

Nota-se que não basta apenas tombar um edifício e não o regar com políticas
públicas que abracem a cultura e o mantenha em bom estado de conservação e
suporte.

Após a enchente de 2020, o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP)


processou a união devido ao abandono da Instituição. Poucos meses antes do
incêndio os trabalhadores da Cinemateca se manifestaram devido à mesma situação.

O desprezo pela cultura brasileira acarreta no apagamento da memória


nacional.
Conclusão
A década de 20, momento em que o matadouro da Vila Mariana ainda estava
em pleno funcionamento, foi conhecida como os anos em que São Paulo era
referência nacional de uma narrativa que cultivava a modernidade recém chegada à
cidade. A ideia de progresso era constantemente perseguida para que esse polo
comercial e industrial se equiparasse à qualquer outra metrópole norte-americana ou
europeia.
Lançado em 1929, o filme Synphonia da Metrópole retrata esse cenário
efervescente mostrando o urbanismo, moda, monumentos públicos, a intensa
industrialização, expansão do café e o burburinho do cotidiano da metrópole durante
aquela época.
Essa mesma velocidade de crescimento abrangia a região ao redor do
matadouro. Um dos bairros mais tradicionais da zona sul de São Paulo, a Vila Mariana
cresceu ao redor do Matadouro Municipal que foi um dos pontos focais dessa
urbanização intensa do local.
Assim, referenciando a obra, "o filme revela a grandeza desta soberba
metrópole que se fez vertiginosamente graças à energia construtiva de seu povo”;
trabalhadores estes que participaram da história do matadouro e de muitos outros
pontos importantíssimos para o crescimento da cidade de São Paulo.

"... Brasileiros! Sentireis nessa pellicula a synphonia grandiosa de São Paulo,


que é a nossa própria synphonia!"

As transformações que a tecnologia trouxe para o mundo acabam por romper


com o modelo industrial anterior e tendem a apagar toda a memória trazida por ele,
deixando apenas “carcaças enferrujadas de instalações estagnadas.” (GHIRARDO,
2002, p. 203). A reutilização de edifícios antigos, neste caso, edifícios industriais, é
de suma importância para que a história e a arquitetura da industrialização continuem
palpável.

A implantação de novos usos em um local é condicionante para que haja a


conservação do mesmo, visto que assim exigirá manutenção e consequentemente
preservação e cuidado com o bem. Em oposição ao abandono ao tempo, que, além
de danificar suas estruturas e levar a construção à ruína, abre espaço para que o
mercado imobiliário tome conta e termine de apagar todo o legado deixado pela
edificação.

A reapropriação do Matadouro Municipal de São Paulo foi valiosa para a


compreensão do processo de urbanização da cidade de São Paulo e, principalmente,
do bairro da Vila Mariana. Em adição a isso, também fomenta a expansão do mercado
cultural da cidade.
Referências Bibliográficas
1. BRASIL, Min. da Cultura. Cinemateca Brasileira. Sem data.

2. MONTAGNER, Camila. CINEMATECA É PROVA DA RESILIÊNCIA DO


PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL. 2016. Disponível em:
https://outracidade.com.br/historia-da-cinemateca-diz-muito-sobre-
resiliencia-do-patrimonio-audiovisual/. Acesso em: 10 nov. 2022.

3. BORLENGHI, Mauricio. Passeios Gratuitos – Cinemateca Brasileira. 2019.


Disponível em: https://golin.com.br/colaborador/passeios-gratuitos-
cinemateca-brasileira/. Acesso em: 10 nov. 2022.

4. LANFER, Fabio. Cinemateca Brasileira (antigo Matadouro Municipal de São


Paulo) – Arq. Nelson Dupré. 2011. Disponível em:
http://lanfer.arq.br/2011/08/cinemateca-brasileira-antigo-matadouro-
municipal-de-sao-paulo-arq-nelson-dupre.html/. Acesso em: 12 nov. 2022.
5. BRASIL, Min. da Cultura. Cinemateca Brasileira. Sem data.

6. PROJETO, Revista. Nelson Dupré: Cinemateca Brasileira, SP: além da


implantação do espaço de eventos e da sala bndes no bloco lateral esquerdo,
a intervenção estipulou a cobertura da circulação externa, de forma a
estabelecer relação entre os galpões. Além da implantação do espaço de
eventos e da Sala BNDES no bloco lateral esquerdo, a intervenção estipulou a
cobertura da circulação externa, de forma a estabelecer relação entre os
galpões. 2008. Disponível em: https://revistaprojeto.com.br/acervo/nelson-
dupre-centro-cultural-17-03-2009/. Acesso em: 15 nov. 2022.

7. NELSON DUPRÉ: CINEMATECA BRASILEIRA, SP. São Paulo: Revista Projeto,


n. 2008, 15 set. 2008. Mensal.

8. Nelson Dupré - Cinemateca brasileira. Disponível em


http://www.duprearquitetura.com.br/cinemateca.htm

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