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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII


CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí

ACADÊMICO: ANA PAULA PFLEGER

São José (SC), novembro de 2004.


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

Monografia apresentada como requisito parcial para


obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob
orientação do Prof. Msc. Ricardo Stanziola Vieira.

ACADÊMICO: ANA PAULA PFLEGER

São José (SC), novembro de 2004.


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE

ANA PAULA PFLEGER

A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

São José, 11 de novembro de 2004.

Banca Examinadora:

_______________________________________________________
Prof. Msc. Ricardo Stanziola Vieira - Orientador

_______________________________________________________
Prof. Msc. Rafael Burlani Neves

_______________________________________________________
Prof. Msc. Fernanda Sucharski Matzenbacher
DEDICATÓRIA

Dedico este texto:

Aos meus pais, Adalberto e Márcia, exemplos de luta e


perseverança, que sempre me demonstraram que tudo é possível
com fé em Deus, trabalho e estudo.
Ao meu noivo, Luiz, exemplo de dedicação e esforço, que esteve
comigo em todos os momentos, inclusive quando a distância
física era imensa, me ajudando com palavras de carinho e amor.
Às minhas irmãs Natália e Mariane, que compreenderam minha
ausência em casa e nos momentos de brincadeira.
Aos Meus Primos Rubien e Julien pelos momentos de
descontração proporcionados pelo jeito alegre deles de verem o
mundo.
Aos meus amigos de faculdade, principalmente Letícia e
Carolina, pelos anos alegres da faculdade, pelas horas de
risadas e “desesperos com a monografia” que muito nos fizeram
crescer.
A todos que me ajudaram e me incentivaram nesta caminhada
em busca do conhecimento.
v

AGRADECIMENTOS

À Deus, criador da vida e arquiteto de todas as maravilhas, Senhor que tudo


torna possível e transforma.
A todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta, contribuíram para a
realização desta pesquisa, em especial, ao meu noivo Luiz Ricardo, que sempre me
incentivou, e ao Professor Ricardo Stanziola Vieira, pela orientação fornecida e,
principalmente, por me apresentar um novo ponto de vista sobre o direito e sobre o meio
ambiente.
vi

"Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os


mares vão escurecer e os peixes aparecerão mortos na correnteza
dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão o seu
espírito. Mas vão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a
reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raças vão se unir
sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o
tempo dos Guerreiros do Arco-Íris”.
(Profecia feita há mais de 200 anos por "Olhos de Fogo", uma
velha índia Cree).
vii

SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................. ix

ABSTRACT.......................................................................................................................... x

LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................................ xi

INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 12

1 AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL ..................................................................... 15


1.1 CONCEITO E NOMENCLATURA DE AMBIENTE..................................................... 15
1.2 DIREITO AMBIENTAL .................................................................................................. 17
1.3 PRINCÍPIOS AMBIENTAIS ........................................................................................... 21
1.3.1 Princípio ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado ............................................. 22
1.3.2 Princípio da Precaução e da Prevenção ........................................................................... 24
1.3.3 Princípio do Desenvolvimento Sustentável ..................................................................... 26
1.3.4 Princípio do Poluídor Pagador ......................................................................................... 26
1.3.5 Princípio da Responsabilidade......................................................................................... 27
1.3.6 Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental .................................................... 28
1.3.7 Princípio da Participação Comunitária ............................................................................ 29
1.3.8 Princípio da Cooeração entre os Povos............................................................................ 30
1.3.9 Princípio da Função Socioambiental da Propriedade ...................................................... 32

2 DIREITO À PROPRIEDADE ...................................................................................... 34


2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA PROPRIEDADE ................................................................. 34
2.2 CONCEITO E EVOLUÇÃO DA PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO ........................................................................................................................... 37
2.2.1 Conceito ........................................................................................................................... 37
2.2.2 Evolução do Direito à Propriedade no Brasil .................................................................. 39
2.3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ....................................................................... 40
2.4 FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE............................................................... 42
2.5 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE URBANA................................. 43
2.6 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE RURAL .................................... 45
2.7 LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE DECORRENTES DOS ESPAÇOS AMBIENTAIS 46
2.7.1 Aspectos gerais sobre as limitações ao direito de propriedade........................................ 46
viii

2.7.2 Espaços Ambientais ......................................................................................................... 49


2.7.2.1 Zoneamento Ambiental................................................................................................. 49
2.7.2.2 Espaços Territoriais Especialmente Protegidos ............................................................ 50
2.7.2.2.1 Áreas de Proteção Especial, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.... 51
2.7.2.2.2 Unidades de Conservação......................................................................................... 55
2.7.2.2.2.1 Unidades de Conservação de uso Sustentável ........................................................ 56
2.7.2.2.2.2 Unidades de Conservação de Proteção Integral...................................................... 59

3 ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL COMO COMPATIBILIZADORES DO DIREITO A PROPRIEDADE
E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ....................................................................... 62
3.1 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO
NORTEADOR DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA........................................... 62
3.2 CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE ................................... 68
3.2.1 Crise Ambiental ............................................................................................................... 68
3.2.2 Estado de Direito do Ambiente........................................................................................ 70
3.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...................................................................... 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 82

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 84
ix

RESUMO

Esta pesquisa foi direcionada para a compreensão dos objetivos do direito


ambiental, disciplina atual que surgiu a partir da percepção de que os recursos naturais são
finitos e que se não preservados poderão colocar em risco o futuro da humanidade, mediante
análise de seu conceito e princípios estruturantes, notadamente àqueles que apresentam, em
seu bojo, como finalidade a qualidade de vida, e, neste sentido, acabam por modificar o
conceito e conteúdo do direito à propriedade privada. Desta forma, pretende-se demonstrar a
evolução do direito de propriedade no decorrer da história até a sua delimitação atual, que tem
na função socioambiental o seu próprio conteúdo, função esta que autoriza as limitações
ambientais à propriedade, notadamente aquelas oriundas dos espaços ambientais, incluídos
zoneamento ambiental e espaços territoriais especialmente protegidos, obrigando, por
conseqüência, o proprietário a adequar seu domínio às exigências sociais e ambientais, a fim
de que se promova um novo modelo de desenvolvimento, direcionado a sustentabilidade dos
recursos naturais e da economia, o qual deve ser implementado por um Estado de direito do
Ambiente, alicerçado em uma democracia baseada em uma cidadania participativa e solidária.
x

ABSTRACT

This research was directed for the understanding of the objectives of the
enviromental law, current discipline that appeared from the perception that the natural
resources are finite and if not preserved they can put in risk the future of humanity, by means
of analysis of its concept and structuring principles, noticed those that present, in its scope,
the purpose of quality of life, and, in this direction, finish for modifying the concept and
content of the right of private property. In this sense, it is intended to demonstrate the
evolution of the right of property in elapsing of history until its current delimitation, that has
in the socioambiental function its proper content, function that authorizes the ambient
limitations to the property, noticed those deriving from enviromental spaces, including
enviromental zoning and especially protected territorial spaces, compelling, for consequence,
the proprietor to adjust its domain to the social and enviromental requirements, aiming the
promotion of a new model of development, directed to the sustainability of the natural
resources and economy, which must be implemented by a Enviromental Law State, sustained
by a democracy based on a participative and solidary citizenship.
xi

LISTA DE ABREVIATURAS

APA – Área de Preservação Ambiental


APP – Área de Preservação Permanente
ART - Artigo
CF – Constituição Federal
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
IPTU – Imposto Territorial Urbano
ONGS – Organizações Não - governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente
RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Nacional
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação
ZEE – Zoneamento Ecológico-Econômico
INTRODUÇÃO

A presente monografia terá por objetivo apontar que conflito entre o direito à
propriedade e a um ambiente preservado é somente aparente, pois o direito à propriedade é
concebido, hodiernamente, como direito função socioambiental, ou seja, é reconhecido se
atende os interesses sociais e ambientais de proteção. Todavia, referida afirmação ainda não é
acreditada por todos os cidadãos, pois estes ainda a concebem como garantia constitucional
ilimitada, além de não terem sido efetivados os princípios ambientais.
Tem-se, também, por finalidade demonstrar que diante da crise ecológica
vivenciada, a qual ameaça o futuro da humanidade, há a necessidade de se adotar um novo
modelo de desenvolvimento que alie crescimento econômico e proteção ambiental e uma
nova forma de Estado que venha a implementar este modelo de desenvolvimento.
Desta forma, para que referida necessidade reste demonstrada, proceder-se-á a
análise do instituto jurídico da propriedade, na medida que é fundada no modo capitalista de
produção e, portanto, geradora de riquezas, estando prevista, inclusive, como princípio da
ordem econômica (artigo 170 da Constituição Federal).
O conceito de direito à propriedade, ao longo da história, vem sofrendo
grandes alterações, passou de direito absoluto e ilimitado do proprietário de usar, gozar, e
dispor do seu domínio, do modo que lhe aprouver (percepção típica do Estado Liberal), a um
direito cujo exercício é condicionado a uma função social e, atualmente, a uma função
ambiental, eis que passa de um direito de cunho meramente individualista para um direito que
deve estar em consonância com os interesses da sociedade, como a proteção ambiental.
Deste modo, verificar-se-á o condicionamento do direito à propriedade privada
ao atendimento dos requisitos disposto pelo direito ambiental, ramo do direito que surge no
momento em que se percebe que os recursos naturais são exaurientes e, que, por pertencerem
a toda a coletividade devem ser por ela e pelo Poder Público tutelados.
Estes requisitos nada mais são que o atendimento da função social e ambiental
da propriedade, uma vez que para serem atendidas são instituídas inúmeras limitações ao
direito do proprietário, mormente àquelas advindas dos espaços ambientais, compreendidos o
zoneamento ambiental e os espaços territoriais especialmente protegidos.
13

Assim, para que sejam realizados os objetivos aqui descritos, o tema proposto
na presente monografia será desenvolvido a partir de pesquisa a leis, artigos, acórdãos e
livros, sendo organizada em três capítulos.
O primeiro capítulo desta monografia será destinado à análise do surgimento
do direito ambiental, mediante o reconhecimento de que o direito à vida está intrinsecamente
ligado à existência de um ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras gerações,
bem com, a análise dos princípios ambientais, os quais dão suporte ao direito fundamental a
qualidade de vida e, por conseqüência, condicionam a exploração da propriedade ao
atendimento de sua função socioambiental.
O segundo capítulo será destinado ao estudo pormenorizado do direito à
propriedade, desde a sua conceituação como garantia sagrada e inviolável até a acepção
adotada pelos atuais ordenamentos jurídicos.
Assim, neste segundo capítulo se abordará a origem histórica da propriedade, a
sua evolução perante o ordenamento jurídico Brasileiro, notadamente pelas Constituições
Brasileiras de 1824, 1821, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988 e pelos Códigos Civis de 1916 e
2002, o seu conceito contemporâneo que abarca propriedade função social e ambiental, sendo
que, além de serem as funções social e ambiental da propriedade abordadas em tópicos
específicos, será realizado, também, um estudo das funções socioambientais da propriedade
urbana e da propriedade rural. Serão abordadas as questões relativas à limitação ambiental da
propriedade, especialmente àquelas oriundas da criação dos espaços ambientais, que acabam
por formar os limites da função socioambiental.
O terceiro capítulo será destinado ao estudo da compatibilização do direito à
propriedade e direito ao ambiente preservado, pois ambos são necessários ao
desenvolvimento.
Procurar-se-á demonstrar que a harmonização destes direitos ocorre através do
respeito à função socioambiental da propriedade, pois esta função além de garantir a
preservação ambiental, garante o uso presente e futuro da propriedade.
A função socioambiental da propriedade, como compatibilizadora dos
princípios da ordem econômica descritos no artigo 170 da Constituição Federal, será
alcançada mediante a adoção de mecanismos de equilíbrio, consistentes na a adoção de um
modelo de desenvolvimento sustentável e no Alcance de um Estado de Direito do Ambiente.
Este último capítulo será destinado ainda à análise dos fatores que
possibilitarão a adoção do modelo de desenvolvimento sustentável e a Criação de um Estado
de Direito do Ambiente, como cidadania participativa e solidária, e ainda, a necessidade de
14

educação ambiental dirigida a uma conscientização social para com os problemas ambientais,
importando, por conseqüência, em mudança dos valores sociais, ou seja, adoção de uma visão
ecológica de desenvolvimento que tenha na preservação ambiental e prevenção ao dano
ecológico os objetivos a serem alcançados.
1 AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL

O Direito ambiental, como a seguir se conceituará, é disciplina atual, sendo


que somente despertou atenção e preocupação no momento em que se percebeu que o futuro
da humanidade estava ameaçado.
Por ser o homem o grande responsável pelas modificações ambientais, as quais
geraram desequilíbrios ecológicos, necessário a adoção de uma adequada regulação do
direito1, a fim de se promover o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e proteção
ambiental.
Neste sentido, Morato Leite aponta como uma das soluções à crise ambiental a
construção de um Estado de Direito do Ambiente alicerçado em uma economia solidária e
participativa que proclame o uso racional dos recursos naturais,2 a qual somente será
alcançada se presente estiver a consciência da crise ambiental existente, exigindo-se, por
certo, uma cidadania ecológica.3
Assim, importante se faz o estudo sobre ambiente e direito ambiental perante o
ordenamento Jurídico Brasileiro, para que se possa precisar a sua influência sobre o direito de
propriedade e a compatibilização de ambos os direitos.

1.1 CONCEITO E NOMENCLATURA DE AMBIENTE

A preocupação com o Ambiente é questão recente perante as discussões


internacionais e internas dos Estados4, sendo que até mesmo o conceito do que vem a ser
Ambiente bem como a nomenclatura ainda não é um consenso.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 optou pela adoção

1
Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. Introdução ao Direito Ambiental Brasileiro. IN BENJAMIN, Antônio
Herman V. (ORG). Manual Prático da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente. 2. ed. São Paulo: IMESP,
1999, p.20.
2
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José
Rubens Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. Florianópolis: Fundação José Arthur Boiteux,
2000.p.16/19.
3
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. São Paulo: LTr, 1999.
p.27.
4
Cf. SOARES, Guido Fernando da Silva. Curso de Direito Internacional Público.Vol.1. São Paulo: Atlas,
2002. p.407.
16

do termo Meio Ambiente que no entender de Ramón Martín Mateo5 a expressão é redundante,
vez que “ambiente” e “meio” são sinônimos.
Quanto ao conceito, entendia-se que Ambiente ou “Meio ambiente” era
somente formado por componentes naturais ou físicos, como água, ar, solo, flora, fauna.
Todavia, o ambiente é mais que simplesmente componentes físicos, ele é integrado pelo
ambiente do trabalho, ambiente artificial, cultural, urbanístico.
Assim, do ponto de vista normativo defendido pela lei 6.938/81, ou seja, pela
Política Nacional do Meio Ambiente, o meio ambiente “constitui o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a
vida em todas as suas formas”.6
Verifica-se, entretanto, que este conceito deve ser ampliado. Neste sentido
pode-se citar José Afonso da Silva, que assim preceitua:
O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente de toda a
natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo,
portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico,
artístico, turístico, paisagístico e arqueológico.
O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas.7

Corroborando este conceito abrangente de Meio Ambiente, Édis Milaré cita em


sua obra um conceito jurídico deste sob dois enfoques, estrito e amplo:
Numa visão estrita, o meio ambiente nada mais é do que a expressão do patrimônio
natural e as relações com e entre os seres vivos. Tal noção, é evidente, despreza tudo
aquilo que não diga respeito aos recursos naturais.
Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia
tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial,
assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do
tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela
água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente
artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações
produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos e demais construções.8

Assim, diante deste conceito que busca a integração de elementos naturais e


artificiais bem como a relação do homem neste meio há a preocupação de recuperar e

5
Cf. MATEO, Ramón Martin. Derecho Ambiental. Madri: Instituto de Estúdio de Administración Local, 1977.
Apud SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.1.
6
BIRNFELD, Carlos André Souza. Das diretrizes gerais de proteção ambiental à limitação administrativa
constitucional: elementos de reflexão sobre a proteção ambiental das florestas que não sejam de
propriedade pública. IN LEITE, José Rubens Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.134.
7
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p.2, 1998.
8
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 3. ed. Rev, atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
p.78.
17

preservar o ambiente.9

1.2 DIREITO AMBIENTAL

Pode-se dizer que somente após a Segunda Guerra Mundial o Meio Ambiente
passou a fazer parte da consciência social, no momento em que houve a percepção de que os
recursos naturais são exaurientes e que crises geradas pela ausência dos mesmos surgiriam.10
Neste sentido, Édis Milaré esclarece sob quais circunstâncias a questão
ambiental passou a fazer parte do cotidiano, favorecendo o surgimento do Direito Ambiental.
Após a Segunda guerra Mundial, mais precisamente nos anos 60, começa-se a tomar
uma consciência prática da finitude dos recursos naturais, de forma concreta.
Matérias-primas, energia e água, entre outros bens proporcionados pela Natureza,
tornam-se mais raros e mais caros. Os processos de degradação ambiental, sob várias
modalidades, vão-se alastrando. Novas crises, mais sérias e globais, desenham-se no
horizonte para uma sociedade que, sem embargo, insiste em fechar os olhos e
ouvidos para a realidade. Nuvens pesadas encastelam-se sobre os destinos do
planeta. Há um limite para o crescimento, como há um limite para a inconsciência.
Foi então que o brado e a luz de Estocolmo se fizeram presentes, para valer. A partir
de então, a consciência ambiental vem se estendendo e se robustece.
Como ocorreu no passado, em situações cruciais ou de mudanças profundas, a
Questão Ambiental sacudiu também a instituição do Direito. A velha árvore da
Ciência Jurídica recebeu novos enxertos. E assim se produziu um ramo novo e
diferente, destinado a embasar novo tipo de relacionamento das pessoas individuais,
das organizações e, enfim, de toda a sociedade com o mundo natural.11

Contudo, a evolução desta consciência é lenta (no Brasil referida consciência


mostra alguns sinais de surgimento após a década de 80 com a Política Nacional do Meio
Ambiente – PNMA e Constituição de 1988), basta observar que há lugares onde ainda existe a
idéia do desenvolvimento econômico a qualquer preço, sem falar dos Estados que não
concedem à população sequer tratamento de água e esgoto.
Durante a realização da Conferência de Estocolmo, o Brasil – sob um regime
militar autoritário - pregou a tese do crescimento a qualquer custo, acreditando que por ser um
país em desenvolvimento não deveria desviar os recursos econômicos e atuação para o meio
ambiente.
Antônio Herman Benjamin, assim contextualiza a posição do Brasil durante a
Conferência de Estocolmo, ao dispor:
Naquela época, os países do sul estavam convencidos de que a proteção ambiental

9
Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p.2.
10
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.13.
11
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.131/132.
18

não tinha outra finalidade que não fosse impedir sua industrialização e
modernização, necessárias ao exercício pleno de sua soberania. Sob a liderança do
Brasil, essas nações, esquecendo momentaneamente suas diferenças ideológicas,
oriundas da guerra- fria, defenderam, na Conferência de Estocolmo de 1972, a tese
de que a degradação do meio ambiente era uma questão das nações industrializadas,
cabendo a estas portanto, assumir seus custos. Os problemas dos países do Sul eram
a pobreza e o subdesenvolvimento.12

O Direito Ambiental surgiu, portanto, da necessidade de consciência e de


regulamentação das relações humanas em seu meio, a fim de se evitar a completa degradação
do mesmo.
O Direito Ambiental, nestes termos, é, portanto um novo Direito, “quase que
um direito da natureza de ser respeitada e não explorada” 13, estabelecido após a
implementação dos direitos individuais relativos principalmente às liberdades e dos direitos
sociais e políticos.
Norberto Bobbio afirma que o mais importante destes novos direitos é àquele
referente a garantia de um meio ambiente sadio e equilibrado para as presentes e futuras
gerações ao dispor que “o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos
ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”. 14
Sendo assim, é um direito típico de terceira geração15 e difuso16, vez que se
verifica o interesse de todas as pessoas, sendo que estas não possuem, necessariamente, um
vínculo comum, mas estão todas ligadas por circunstâncias de fato.17
Rotula-se de difuso o direito ao “meio ambie nte ecologicamente equilibrado”,
porque ele não se funda num vínculo jurídico determinado, específico, mas em dados
genéricos, contingentes, acidentais e modificáveis (...). O constituinte consagrou no
art. 225 um direito difuso, pois a garantia do meio ambiente ecologicamente
equilibrado não instrumentaliza um direito subjetivo típico, divisível,
particularizável, que alguém possa usufruir individualmente. 18

Assim, o direito ambiental como uma nova ordem jurídica que surge pode ser
considerado como sendo um compêndio de normas (princípios e leis) “reguladoras das

12
BENJAMIN, Antônio Herman V. A proteção do meio ambiente nos países menos desenvolvidos: O caso
da América Latina. Revista de Direito Ambiental. n. 0, Revista dos Tribunais, 1995.p.90.
13
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. (Trad.) Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
p.69.
14
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p.6.
15
Cf. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.p.2026.
16
Cf. MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos Interesses Difusos em juízo. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1990. p.18.
17
Cf. Artigo 81 da Lei 8.078/1990. BRASIL. Código Brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. GRINOVER, Ada Pellegrini.(et al). 6. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1999.p.716.
18
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 1.228.
19

atividades humanas que, direta ou indiretamente, passam afetar a sanidade do ambiente em


sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações” .19
Seguindo, então, esta visão global, a qual considera o direito ambiental como o
orientador dos diversos temas ambientais, há que se citar Paulo Affonso Leme Machado que
assim preceitua:
O Direito Ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação,
da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o
ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem
antagônica. Não se trata mais de construir um Direito das águas, um Direito da
atmosfera, um Direito do solo, um direito florestal, um Direito da fauna ou um
Direito da biodiversidade. O Direito ambiental não ignora o que cada matéria tem de
específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos
instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de
monitoramento e de participação.20

Nesta mesma linha Paulo de Bessa Antunes também considera o Direito


Ambiental um direito globalizante e interdisciplinar, desta forma explicita:
O Direito Ambiental é um direito humano fundamental que cumpre a função de
integrar os direitos à saudável qualidade de vida, ao desenvolvimento econômico e à
proteção dos recursos naturais. Mais do que um direito autônomo, o Direito
Ambiental é uma concepção de aplicação da ordem jurídica que penetra,
transversalmente, em todos os ramos do Direito. O Direito Ambiental, portanto, tem
uma dimensão humana, uma dimensão ecológica e uma dimensão econômica que se
devem harmonizar sob o conceito de desenvolvimento sustentado.21

Percebe-se que ambas as citações podem ser traduzidas com a simples leitura
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 a qual, influenciada pela Declaração do Meio
Ambiente, e pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e desenvolvimento e
responsável pela elaboração do Relatório Nosso Futuro Comum, trouxe como princípios
ambientais o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações, princípio da sustentabilidade, da prevenção, da precaução, da reparação ao
dano, do poluidor – pagador, da função socioambiental da propriedade, da cooperação. 22
Cristiane Derani esclarece que especificadamente o caput do artigo 225 da
Constituição Federal é uma norma que expressa objetivos e delineia a forma da política
econômica que deve ser aplicada, traçando os princípios que a mesma deve atender e

19
CUSTÓDIO, Helita Barreira. Legislação Ambiental no Brasil. São Paulo: Revista de Direito Civil, 1996.
Apud MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.134.
20
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
p.129/130.
21
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 5. ed, rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001.
p.9.
22
Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.p.37.
20

cumprir.23
Assim, colaciona-se o artigo 225 da Constituição Federal, o qual representou
marco importante na história das Constituições brasileiras ao dispor sobre o direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois estabelece que os bens
ambientais são de interesse comum24, insertos sob domínio público ou privado:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
§1º Para assegurar a efetividade desse direito incube ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
§2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Planalto
Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á,
na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§6º As usinas que operarem com reator nuclear deverão ter sua localização definida
em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.25

A corroborar, ainda, esta questão do direito fundamental ao meio ambiente


sadio e equilibrado, está o contido no artigo 5º, LXXIII da Constituição Federal26, artigo este

23
Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 201.
24
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.20.
25
BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG). 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.133/134.
26
Art. 5º, LXXIII da Constituição Federal: Qualquer cidadão é parte legitima para propor ação popular que vise
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
21

que integra o rol dos direitos e garantias fundamentais, faz menção clara à proteção do meio
ambiente.27
Referido dispositivo constitucional, conforme supramencionado, constitui-se
instrumento de validade do direito ambiental, na medida em que o ambiente ecologicamente
equilibrado é um direito humano fundamental e, efetiva-se com o desenvolvimento dos
objetivos elencados nos parágrafos e incisos do artigo 225 da Constituição Federal, sendo que,
para tanto, pauta-se por princípios constitutivos28, os quais serão abordados no decorrer deste
capítulo.

1.3 PRINCÍPIOS AMBIENTAIS

Princípios Constitucionais, conforme asseveram Gomes Canotilho e Vital


Moreira, pode-se entender como “núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens
Constitucionais; Os princípios, que começam por ser a base de normas jurídica, podem estar
positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos
básicos da organização constitucional”. 29
Celso Antônio Bandeira de Melo também conceitua princípio como sendo o
alicerce de um sistema normativo:
(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por
definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e
lhe dá o sentido harmônico.30

Os princípios de direito Ambiental constituem os instrumentos para a proteção


do meio ambiente, sendo assim sua finalidade básica é o desenvolvimento sustentado.
Assim, é de bom alvitre demonstrar a finalidade básica dos princípios
ambientais, segundo Paulo de Bessa Antunes:
Os princípios do Direito Ambiental estão voltados para a finalidade básica de

meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento das custas
judiciais e do ônus da sucumbência. BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito
Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.28.
27
Cf. Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.20.
28
CF. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.136.
29
CANOTILHO, José Francisco e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra
Editora, 1991. Apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. Ed. São Paulo:
Malheiros, 200. p.96.
30
MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
p.817/818.
22

proteger a vida, em qualquer forma que esta se apresente, e garantir um padrão de


existência digno para os seres humanos desta e das futuras gerações, bem como o de
conciliar os dois elementos anteriores com o desenvolvimento econômico
ambientalmente sustentado.31

São os princípios de Direito Ambiental, portanto, que estabelecem as bases


jurídicas que alicerçam os mecanismos postos à disposição da sociedade para a defesa do
meio ambiente, na medida em que “são construções teóricas que visam a me lhor orientar a
formação do direito ambiental, procurando denotar-lhe uma certa lógica de desenvolvimento,
uma base comum presente nos instrumentos normativos”. 32
Importante destacar que os princípios podem ser implícitos ou explícitos
(descritos claramente nos dispositivos legais), sendo que ambos devem regular as relações
humanas e as relações dos homens e outras formas de vida.33

1.3.1 Princípio ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

O Direito ambiental é um direito fundamental, mas não somente direito


individual, é um direito difuso, pertencente ao rol dos direitos de terceira geração e que exerce
sua influência sobre interesses da sociedade e interesses individuais, sendo assim reconhecido
pelo Supremo Tribunal Federal, que da seguinte maneira disciplina: 34
O direito a integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração –
constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo
de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído,
não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido
verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos
de primeira geração (direitos civis e políticos) – compreendem as liberdades
clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de
Segunda Geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com
as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os
direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da
solidariedade e constituem um momento importante no processo de
desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,
enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial
inexauribilidade.35

31
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.25.
32
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p. 155/156.
33
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.25.
34
Cf. SANTOS, Gustavo Ferreira. Direito de propriedade e direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado: Colisão de direitos fundamentais? In: Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 37. n. 147,
julho/setembro. 2000. p.24. Disponível em: http://www.senado.gov.br, Acesso em: 01/10/2004.p.24.
35
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 22164/SP. Brasília, 05 de maio de
1998.Disponível em: http://www.stf.gov.br, acesso em: 30/08/04.
23

Quanto a insubordinação do direito fundamental ao meio ambiente frente a


outros direitos, manifesta-se Paulo de Bessa Antunes:
O Direto Ambiental, como direito humano fundamental, não pode ficar subordinado
às regras do Direito do proprietário ou do direito do patrão, assim como não pode
ficar subordinado às regras do Direito do Estado contra os Direitos da cidadania; ao
contrário, são àqueles direitos que devem se subordinar e se transformar em razão de
necessidades prementes da humanidade que se refletem juridicamente na categoria
dos direitos humanos fundamentais.36

Neste sentido, o princípio ao ambiente ecologicamente equilibrado está inserto


no caput do artigo 225 da Constituição Federal, todavia já estava exposto na declaração do
Meio Ambiente também conhecida por Declaração de Estocolmo, constituída por 26 (vinte e
seis) princípios fundamentais de proteção ambiental.
Assim, cita-se o Principio 1 da supracitada Declaração:
O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de
condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita
levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de
proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse
respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a
discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação
estrangeira permanecem condenadas e devem ser eliminadas. 37

Referido princípio, portanto, é aquele proposto para a melhoria da qualidade de


vida, sendo por Paulo Affonso Leme Machado assim considerado:
Não basta viver ou conservar a vida. É justo buscar e conseguir a “qualidade de
vida”. A Organização das Nações Unidas – ONU anualmente faz uma classificação
dos países em que a qualidade de vida é medida, pelo menos, em três fatores: saúde,
educação e produto interno bruto. “A qualidade de vida é um el emento finalista do
Poder Público, onde se unem a felicidade do indivíduo e o bem comum, com o fim
de superar a estreita visão quantitativa, antes expressa no conceito de nível de
vida”. 38

Assim, depreende-se que este conceito visa à proteção ao maior bem tutelado,
ou seja, a proteção à vida humana, da seguinte forma asseverada por José Afonso da Silva:
O combate aos sistemas de degradação do meio ambiente convertera-se numa
preocupação de todos. A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza
em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio
ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de
vida, como um forma de direito fundamental da pessoa humana. Encontramo-nos,
assim, como nota Santiago Anglada Gotor, diante de uma nova projeção do direito à
vida, pois neste há de incluir-se a manutenção daquelas condições ambientais que
dão suportes da própria vida, e o ordenamento jurídico, a que compete tutelar o
interesse público, há que dar resposta coerente e eficaz a essa nova necessidade

36
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.25.
37
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.p.37.
38
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p.46.|
24

social.39

Pode-se dizer, portanto, que a proteção da vida humana é um princípio


norteador da proteção ao Meio Ambiente, dele decorrente todos os demais princípios
ambientais40, sendo que todas as normas e diretrizes regulamentadoras da vida em sociedade
deverão ter como enfoque esta busca pela qualidade de vida.

1.3.2 Princípio da precaução e da prevenção

Sabe-se que o direito ambiental é um ramo de direito que se caracteriza pela


interdisciplinaridade, ou seja, o mesmo necessita de outras áreas do conhecimento para que
possa ser reconhecido. 41
As questões ambientais envolvem as mais diversas áreas do conhecimento
humano, conhecimento este responsável pela identificação dos possíveis danos causados ao
ambiente em virtude de uma determinada conduta. Entretanto, por muitas vezes a ciência não
consegue oferecer certeza quanto as medidas que devem ser tomadas para que sejam evitados
danos ao Meio Ambiente.42
Os princípios da prevenção e da precaução são importantes, todavia os
mesmos não se confundem, há, contudo, doutrinadores que entendem tratar-se do mesmo
assunto, como Édis Milaré que ao fazer referência a estes princípios, prefere tratá-los de
forma unificada, pois entende que o princípio da prevenção é basilar e mais genérico,
englobando, portanto, a precaução.43
A precaução pode ser entendida como medida de cautela antecipada, ou seja,
fica no aguardo de certezas cientificas a fim de se evitar riscos e danos ambientais.
Cristiane Derani aponta o princípio da precaução como a essência do direito
ambiental, ao indicar “uma atuação racional para com os bens ambientais, com a mais
cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais” 44, constituindo-se no princípio que visa a
manutenção da vida presente e futura, uma vez que “é uma precaução contra o risco, que
objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança

39
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.p.36.
40
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.26.
41
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.28.
42
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.28.
43
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.144.
44
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.165.
25

da linha de perigo”. 45
Morato Leite, ao apresentar a atuação preventiva associada ao princípio da
precaução, cita a diferença entre referidos princípios estabelecida por Alexandre Kiss, nos
seguintes termos:
A diferença entre os princípios da prevenção e da precaução está na avaliação do
risco ao meio ambiente. Precaução surge quando o risco é alto. Este deve ser
acionado nos casos onde a atividade pode resultar em degradação irreversível ou por
longo período no meio ambiente, assim como nos casos onde os benefícios
derivados das atividades particulares é desproporcional ao impacto negativo ao meio
ambiente. ... Já a prevenção constitui o ponto inicial para alargar o meio ambiente e,
especificadamente, o direito ambiental internacional. A maioria das convenções
internacionais são fundamentadas no princípio que a degradação ambiental deve ser
prevenida através de medidas de combate à poluição ao invés de esperar que esta
ocorra e tentar combater os seus efeitos.46

Álvaro Luiz Valery Mirra assim demonstra a aplicação do princípio da


precaução:
De acordo com o princípio da precaução, sempre que houver perigo da ocorrência de
dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser
utilizada como motivo para adiar-se a adoção de medidas eficazes para impedir a
degradação do meio ambiente.47

Paulo de Bessa Antunes, também segue esta mesma linha, todavia, utilizando-
se de uma nomenclatura diversa, ou seja, considera ser o princípio da precaução o mesmo que
prudência ou cautela, caracterizado por ser “aquele que determina que não se produzam
intervenções no meio ambiente antes de se ter a certeza de que estas não serão adversas para o
meio ambiente.” 48
O princípio da prevenção é mais dinâmico e admite a formulação de novas
políticas ambientais, ou seja, é um princípio que busca conciliar utilização de espaços e
recursos naturais e proteção ambiental.
O que efetivamente importa é que tanto o princípio da precaução quanto o da
prevenção objetivam efetivar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e têm
por fim evitar a degradação ambiental e o surgimento de catástrofes (danos) ecológicas, eis

45
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.165.
46
KISS, Alexandre. The Rights and Interests of Future Generations and the Presutinary Principle. In The
Precutionary Principle and Internatinoal Law, The Challenge of Implementation, Edited By Freestone, David e
Hey, Ellen, Kluwer Law Internarional, The Hague, 1996. p.26/27. Apud LEITE, José Rubens Morato. Estado de
Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José Rubens Morato (ORG). Inovações em Direito
Ambiental. p.29.
47
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental: O princípio da precaução e sua aplicação judicial. IN
LEITE, José Rubens Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.63.
48
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.29.
26

que muitas vezes irreversíveis.

1.3.3 Princípio do desenvolvimento sustentável

Há que se falar também em sustentabilidade ou Princípio do desenvolvimento


sustentável, este considerado muito importante, pois visa um desenvolvimento
socioeconômico preservando-se o meio ambiente.
Este princípio surge da necessidade de se conciliar desenvolvimento
econômico e proteção ambiental, assim, segundo o relatório Nosso Futuro Comum,
Desenvolvimento sustentável é “àquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”,
podendo também ser empregado com o significado de “melhorar a qualidade de vida humana
dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas”. 49
O desenvolvimento sustentável é importante na medida em que necessário é a
compatibilização de atividades econômicas e sociais com a proteção ambiental, eis que visa a
busca de padrões de consumo e produção sustentáveis, sem as quais não se conseguirá atender
às questões sociais.

1.3.4 Princípio do poluídor-pagador

O princípio poluidor-pagador veio a ser implementado a partir da década de


1970, tendo por justificativa a necessidade do Poder Público em cobrar os custos provenientes
das medidas utilizadas na preservação do meio ambiente, sendo que referidos custos devem
ser arcados pelo poluidor.50
Referido princípio tem a finalidade de cobrar do poluidor os custos sociais da
poluição, ou seja, “imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando
um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição
não somente sobre os bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a
internalização dos custos externos”. 51
Em seu aspecto econômico, o princípio poluidor pagador tem ligações subjacentes

49
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.149.
50
Cf. TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. IN Revista de
Direito Ambiental n. 30. Ano 08, São Paulo: Revista dos Tribunais, Abril/junho de 2003 p.168.
51
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.142.
27

ou auxiliar ao instituto da responsabilidade, pois é um princípio multifuncional, “na


medida em que visa à precaução e à prevenção de atentados ambientais e também à
redistribuição dos custos da poluição”. O princípio do poluidor pagador visa
sinteticamente à internalização dos custos externos de deterioração ambiental. Tal
situação resultaria em uma maior prevenção e precaução, em virtude de um
conseqüente maior cuidado com situações de potencial poluição. 52

Verifica-se que no Brasil referido princípio pode ser identificado segundo o


disposto na lei 6.938 de 1981, vez que se refere à contribuição pela utilização dos recursos
naturais com fins econômicos:
Art. 4º. A política do meio ambiente visará à imposição, ao usuário, da contribuição
pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos e à imposição ao
poluidor e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos
causados.53

Neste mesmo sentido o princípio 16 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o


Meio ambiente assim adota o Princípio do Poluidor-pagador:
As autoridades nacionais devem procurar assegurar a internalização dos custos
ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta o critério de que
quem contamina deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação, levando-
se em conta o interesse público e sem distorcer o comércio e os investimentos
internacionais.54

É importante se ressaltar que este princípio não vem garantir o direito de


55
poluir, objetiva sim a prevenção ao dano ambiental , e a “diminuição do desperdício dos
recursos naturais, acabando com a utilização gratuita do meio ambiente como receptáculo de
poluição, uma vez que os custos dos bens e serviços refletirão a raridade relativa dos recursos
naturais utilizados em sua produção”. 56

1.3.5 Princípio da responsabilidade

Este princípio pode ser traduzido como sendo aquele que implica em sanção ao
responsável pela violação ao ambiente, ou seja “busca impedir que a sociedade arque com os
custos da recuperação de um ato lesivo ao meio ambiente causado por poluidor perfeitamente
identificado”. 57
Morato Leite afirma que “não há Estado Democrático de Direito se não é
52
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José Rubens
Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.33/34.
53
Art. 4º da lei 6.938/81 In: MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.p.51.
54
ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental.p.31.
55
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.143.
56
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.169/170.
57
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.31.
28

oferecida a possibilidade de buscar uma imputação daquele que ameace ou lese o meio
ambiente”. 58
Associado ao princípio do poluidor pagador está o princípio da reparação,
significando quem polui, paga e repara. Assim, em termos de ressarcimento do dano
ambiental, devem existir outros mecanismos que visem à responsabilização dos
danos ambientais, pois quem degrada o ambiente tem que responder e pagar por sua
lesão ou ameaça.59

Assim, por dano ambiental pode-se entender como sendo “qualquer lesão ao
meio ambiente causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de direito
público ou de direito privado”. 60
Verifica-se que a Constituição Brasileira de 1988 em seu artigo 225, §3º prevê
três tipos de responsabilidade, quais sejam: Administrativa, civil e criminal. Importante
esclarecer, que são independentes entre si e, portanto, não se excluem.61
O instituto da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente associado aos
instrumentos jurídico-administrativos e à responsabilidade penal ambiental, assim,
têm importante missão no cenário do princípio da responsabilização. Esta tríplice
responsabilização deve ser articulada conjuntamente, coerentemente e
sistematicamente, em verdadeiro sistema múltiplo de imputação ao degradador
ambiental.62

Desta forma, o princípio da responsabilidade há de ser adotado e efetivamente


exigido, pois não há mais que se conceber que determinada pessoa, física ou jurídica, possa se
eximir de responder por seus atos lesivos ao meio ambiente e também de reparar os prejuízos
causados.

1.3.6 Princípio da natureza pública da proteção ambiental

Este princípio é decorrente do princípio da primazia do interesse público, vez


que “o interesse na proteção do ambiente, por ser de natureza pública, deve prevalecer sobre
os direitos individuais privados, de sorte que, sempre que houver dúvida sobre a norma a ser
aplicada a um caso concreto, deve prevalecer aquela que privilegie os interesses da

58
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José Rubens
Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.32.
59
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José Rubens
Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.32.
60
FERRAZ, Sérgio. Responsabilidade Civil por dano Ecológico. RDP 49/50. Apud SILVA, José Afonso da.
Direito Ambiental Constitucional.p.207.
61
Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.p.207.
62
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José Rubens
Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.36.
29

sociedade”. 63
Como corolário do principio anteriormente descrito64 a natureza pública da proteção
ambiental, ligada ao caráter de bem de uso comum do povo, a que o meio ambiente é
elevado no texto constitucional. Isso significa que o meio ambiente é um bem que
pertence à coletividade e não integra o patrimônio disponível do Estado.65

Édis Milaré explicita que este princípio está inserto no ordenamento jurídico
Brasileiro, na medida em que a Constituição prevê o meio ambiente como bem de uso comum
do povo e ainda a responsabilidade do Poder público e da Coletividade pela sua proteção
(caput do artigo 225 da CF/1988).66

1.3.7 Princípio da participação comunitária

Assim como em outros ramos do direito, o direito ambiental e os instrumentos


de sua implementação necessitam de ampla participação e engajamento dos cidadãos.
É fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e implementação da
política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas as categorias da
população e todas as forças sociais, conscientes de suas responsabilidades,
contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que, afinal, é bem e direito de
todos.67

Referido Princípio está esculpido no caput do artigo 225 da CF, bem como no
princípio 10 da declaração do Rio de Janeiro de 1992, o qual assim dispõe:
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível
apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá
acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as
autoridades pública, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em
suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios.
Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular,
colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado acesso efetivo a
mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e
reparação de danos.68

Verifica-se, assim, que o principio da participação pressupõe a existência do


efetivo exercício do direito de informação, Paulo Affonso Leme Machado, afirma que ambos

63
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.139.
64
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.175. A autora trata
do principio da primazia do interesse público em ponto anterior a este Princípio da Natureza pública da proteção
ambiental.
65
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.173.
66
Cf.MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.138/139.
67
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.141.
68
MILARÉ, Édis. Direito Do Ambiente. p.141.
30

são indissociáveis.69
Édis Milaré, em mesma linha, prescreve:
O direito à participação pressupõe o direito de informação e está a ele intimamente
ligado. É que os cidadãos com acesso á informação têm melhores condições de atuar
sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias e de tomar parte
ativa nas decisões que lhes interessam diretamente.70

O efetivo exercício deste princípio no direito ambiental faz com que os


cidadãos saiam de uma posição de beneficiários dos recursos naturais para uma posição de
responsabilidade para com a conservação dos mesmos.71
Como mecanismos de participação pode-se citar a iniciativa popular nos
procedimentos legislativos, realização de referendos sobre leis, atuação de representantes da
sociedade civil em órgãos colegiados como o CONAMA, participação em audiências públicas
de discussão sobre os estudos de impacto ambiental, utilização de instrumentos judiciais como
a ação popular e ação civil pública.72
Cumpre ressaltar, ainda, que além da participação e informação, a educação
ambiental, também prevista no artigo 225 da CF, constitui-se em importante pressuposto de
efetivação da participação social pela preservação ambiental, na medida em que gera
consciência e desperta para a problemática ambiental.73

1.3.8 Princípio da cooperação entre os povos

Sabe-se que a preocupação dos Estados com a questão ambiental ganhou vulto
a partir da década de setenta quando se realizou a Conferência Mundial sobre meio Ambiente
em Estocolmo, na qual fora produzida a Declaração Sobre o Meio Ambiente Humano.74
O princípio 20 dessa supracitada declaração estabeleceu a “necessidade de
intercâmbio de experiências científicas e o mútuo auxilio tecnológico e financeiro entre os
países, a fim de facilitar a solução dos problemas ambientais”. 75

69
Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.p.78.
70
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.141.
71
Cf. KISS, Alexandre-Charles. La mise en oeuvre du Droit de L’Environnement. Problématique et
moyens, in 2º Conférence Européenne “Environnement et Droits de l’Homme”. Salzbourg. Apud MACHADO,
Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.p.78.
72
Cf. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios Fundamentais de direito ambiental. Revista de Direito
Ambiental, vol.2, ano 1, São Paulo: RT, 1996. p.57. Apud TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito
Ambiental e seus Princípios Informativos. p.174.
73
Cf. TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.174.
74
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.151.
75
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente.p.151.
31

Durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio


Ambiente, em 1992 na cidade do Rio de Janeiro, a questão do inter-relacionamento dos
Estados para o problema ambiental, também fora muito discutido, haja vista a questão da
soberania dos estados para que tenham a sua própria política ambiental, na medida em que
tenham, também responsabilidade ambiental para com demais Estados.76
Neste sentido tem-se que o princípio da cooperação dos Estados visa o
compartilhamento dos Países na gestão dos recursos ambientais e na preservação do mesmo,
uma vez que os problemas ambientais ocorrem além das fronteiras e geram efeitos “no
patrimônio ambiental comum”da humanidade. 77
José Rubens Morato Leite cita alguns elementos integrantes da cooperação
internacional para com o Meio Ambiente, assim colacionados:
a) o dever de informação de um Estado aos outros Estados, nas situações criticas
capazes de causar prejuízos transfronteiriços;
b) o dever de informação e consultas prévias dos Estados a respeito de projetos que
possam trazer prejuízos aos países vizinhos;
c) o dever de assistência e auxílio entre os países nas hipóteses de degradações
importantes e catástrofes ecológicas;
d) o dever de impedir a transferência para outros Estados de atividades ou
substâncias que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à
saúde humana – é o problema da exportação de poluição.78

A União dos Estados visando a “disseminação do conhecimento e das políticas


ambientais bem sucedidas, de modo a proporcionar a cooperação mundial em prol do bem
comum” 79, só trará benefícios a todos.
Neste sentido, José Rubens Morato Leite faz referência a necessidade de
adoção de políticas estatais mais solidárias:
A cooperação deve ser entendida como política solidária dos Estados, tendo em tela
a necessidade intergeracional de proteção ambiental. Por isso, importa em uma
soberania menos egoísta dos Estados e mais solidária no aspecto ambiental, com a
incorporação de sistemas mais efetivos de cooperação entre os Estados, em face das
exigências de preservação ambiental. Implica em uma política mínima de
cooperação solidária entre Estados, em busca de combater efeitos devastadores da
degradação ambiental. A cooperação pressupõe ajuda, acordo, troca de informações
e transigência no que atine a um objetivo macro de toda a coletividade. Mais do que
isto, aponta para uma atmosfera política democrática entre os Estados, visando a um
combate eficaz à crise ambiental global.80

76
Cf. TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.176; e Cf.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.151.
77
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN: LEITE, José
Rubens Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.31.
78
LEITE, José Rubens Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.31.
79
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.176.
80
LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma Difícil Tarefa. IN LEITE, José Rubens
Morato (ORG). Inovações em Direito Ambiental. p.31.
32

Assim, reconhecida a importância da preservação de todas as formas vida, os


Estados, cada vez mais, devem buscar o aprimoramento dos tratados e acordos Internacionais
que visam a implementação de cooperação global na defesa do Meio Ambiente.

1.3.9 Princípio da função socioambiental da propriedade

O direito a propriedade não é mais considerado àquele direito supremo e


estruturado de forma individual, pois com a ênfase dada aos direitos sociais, coletivos e
difusos esta passou a sofrer limitações, eis que necessário é conciliar propriedade,
desenvolvimento e conservação de recursos naturais.81
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro veio contemplar a função social e
ambiental da propriedade, haja vista o disposto nos artigos Constitucionais 5º inciso XXIII,
170 inciso III, 182 caput, 184, e 186 inciso II82, a fim de promover o bem estar de todos e
atingir o equilíbrio ecológico. Deste modo, Lise Vieira da Costa Tupiassu esclarece que “a
função social da propriedade, com a harmonização pela do sistema constitucional, só pode ser
alcançada se respeitado o meio ambiente”. 83
Neste sentido manifesta-se Fernanda de Salles Cavedon:
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao qualificar a
Propriedade como portadora de uma função Social e de uma Função ambiental, visa
à solução dos Conflitos entre interesses individual do proprietário e os interesses da
coletividade. Dentre estes, destaca-se o interesse em gozar de um ambiente saudável,
e alcançar as finalidades sociais que almeja a sociedade brasileira, como o
desenvolvimento econômico individual que traga, concomitantemente, vantagens
para a coletividade.84

O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 integra os conceitos de


Propriedade privada, função social e meio Ambiente, passando estes elementos da ordem
econômica também a integrar o conceito de direito de propriedade.85
Importante esclarecer que a Constituição Federal deixou claro que tanto a
propriedade urbana quanto a rural devem atender à sua função socioambiental.
Deste modo esclarece Cristiane Derani:

81
Cf. FERREIRA, Fábio Félix. Limites ao direito de propriedade: possibilidades de conservação dos
recursos naturais. Disponível em: http://www.datavenia.net/artigos/1999/ferreira.html. Acesso em: 23/03/04.
82
Cf. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada.p.1840.
83
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.174.
84
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. Florianópolis: Visualbooks,
2003. p.65.
85
Cf. CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade.p.67.
33

Cabe ao detentor de direito de propriedade sobre parcela do meio ambiente torná-lo


ou mantê-lo ecologicamente equilibrado, orientando sua ação na otimização desses
princípios (função social da propriedade e meio ambiente ecologicamente
equilibrado). Em outras palavras, impõem-se ao detentor dos recursos ambientais –
parcela do meio ambiente – o atendimento à função ambiental da propriedade, posto
que esses bens apropriados e a manutenção de suas características ecológicas são
indispensáveis à realização do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.86

Assim, tem-se que a respeito da limitação à propriedade verifica-se que esta


não se restringe a deixar de fazer o que prejudique a coletividade, eis que implica em uma
atitude positiva, pois o proprietário poderá ser obrigado a adequar a sua propriedade aos
padrões ambientais estabelecidos87, “para respeitar o princípio da função social deve o
proprietário atender ao requisito da preservação ambiental e, se não o fizer, de nada vale o seu
direito real”. 88
Com base nos princípios da função socioambiental e do Meio Ambiente
equilibrado é que existem as restrições ao direito de propriedade89, em especial àquelas áreas
que restringem a ocupação humana e exploração econômica, como bem demonstra Lise
Vieira da Costa Tupiassu ao afirmar que “a função social e ambiental da propriedade funciona
como uma baliza ao exercício do direito de propriedade, devendo ser imposto, até mesmo
coativamente, o respeito a este princípio” 90.
Todavia, sabe-se que é utopia imaginar que supracitados princípios, inclusive o
princípio da função social da propriedade, estão sendo exercidos da forma como previstos
Constitucionalmente. Necessário, pois, a incorporação desses princípios pela sociedade, para
que se possa, enfim, haver desenvolvimento sustentável e falar em “Estado Ambiental de
Direito”.
Destaca-se, que a expressão “função social e ambiental da propriedade” será
melhor abordada no decorrer do 2º (segundo) capítulo, na medida em que se discutirá o direito
de propriedade e sua evolução no ordenamento Jurídico Brasileiro. Sendo que, no 3º (terceiro)
capítulo pretende-se demonstrar que a realização dos princípios ambientais enseja a realização
do Estado de Direito do Ambiente.

86
DERANI, Cristiane. A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo da “Função Social”. IN:
Revista de Direito Ambiental nº.27, ano 07. São Paulo: Revista dos Tribunais. Julho/setembro de 2002. p.67.
87
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.147.
88
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.175.
89
Cf. LEUZINGUER, Márcia Diegues. FIGUEREDO, Guilherme José Purvin. Desapropriações Ambientais
na Lei 9.985/2000. IN: BENJAMIN, Antônio Herman V. (ORG). Direito Ambiental das áreas protegidas. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p.469.
90
TUPIASSU, Lise Vieira da costa. O Direito Ambiental e seus Princípios Informativos. p.175.
2 DIREITO À PROPRIEDADE

O direito à propriedade passou ao longo dos anos por diversas mudanças.


Domínios que antes eram utilizados de forma indiscriminada e ilimitada, hoje, somente se
justificam se preenchidos os conteúdos sociais e ambientais, motivo pelo qual existem as
limitações ao exercício do direito à propriedade, principalmente às relativas à preservação e
manutenção de um ambiente sadio e equilibrado para todos.

2.1 ORIGEM HISTÓRICA DA PROPRIEDADE

Muitos teóricos já se dedicaram ao estudo das origens e fundamentos da


propriedade privada, sendo que alguns fundamentavam a propriedade como um direito natural
não sujeita a limitações, outros como sendo invenção do Estado e, ainda, os adeptos da teoria
abolicionista da propriedade, os quais a contestavam.91
Mesmo diante das controvérsias acerca da origem e fundamento da
propriedade privada, sabe-se que sua concepção atual é reflexo de várias culturas, como
denota Venosa ao afirmar que o “conceito e a compreensão, at é atingir a concepção moderna
de propriedade privada, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários povos,
desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência direta da organização política”. 92
No início dos tempos a propriedade imóvel era utilizada de forma comunitária,
meramente exploratória e temporária visto que os povos que nela habitavam retiravam
alimentos necessários à subsistência, migrando, após, para outras terras93, sendo que somente
existia propriedade sobre coisas móveis.
Neste sentido:
Nas sociedades primitivas somente existia propriedade para as coisas móveis,
exclusivamente para objetos de uso pessoal, tais como peças de vestuário, utensílios
de caça e pesca. O solo pertencia a toda a coletividade, todos os membros da tribo,
da família, não havendo o sentido da senhoria, de poder de determinada pessoa.94

91
CF. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.7.
92
VENOSA, Sílvio de Sávio.Direito Civil: Direitos Reais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.p.169.
93
Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro v. 4: Direito das Coisas. 17. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2002.p.99.
94
VENOSA, Sílvio de Sávio.Direito Civil: Direitos Reais.p.170.
35

Em sua evolução, o homem ao fixar-se na atividade agrícola e domesticação de


animais, começa a separar terras públicas das particulares, entretanto estas terras particulares
eram, no início, comuns a grupos e famílias95, destaca-se, ainda, a importância da religião na
origem da propriedade privada, pois, no início dos tempos, as famílias possuíam deuses
próprios que eram por elas somente cultuados e estes, por sua vez, também, somente, a elas
protegiam, assim como a terra que habitavam e cultivavam.96
Coulanges esclarece que estas famílias possuíam uma religião doméstica a qual
garantiu o direito de propriedade, estabelecendo que “De todas essas crenças, de todas essas
leis, resulta claramente que foi a religião doméstica que ensinou o homem a apropriar-se da
terra e assegurar-lhe seu direito sobre a mesma”. 97
Foi perante o direito Romano que se constituíram as principais regras jurídicas
atinentes ao direito de propriedade98. Neste sentido, Maria Helena Diniz enfatiza que “é no
Direito Romano que vamos encontrar a raiz histórica da propriedade”. 99
Pode-se dizer que o Direito Romano adotou como espécies de propriedade, a
quiritária, a pretoriana e a provincial.100
A propriedade quiritária “recaía sobre bens imóveis situados em solo itálico
cujos titulares fossem cidadãos romanos. Transmitia-se por atos solenes, como a mancipatio e
a in iure cessio(...)”. 101
A propriedade Pretoriana possui como fundamento a eqüidade aplicada pelos
magistrados102, uma vez que fora instituída para garantir o direito dos que possuíam
expectativa de Propriedade quiritária, eis que transferidas sem as devidas solenidades. Assim,
trata-se de espécie criada pelos pretores para conceder propriedade aos que estavam na
verdadeira situação de proprietários.103
Existiam, também, as propriedades localizadas nas Províncias, as quais foram
incorporadas ao Senado, que instituiu uma espécie de enfiteuse, vez que o que existia era uma

95
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. 10. ed. São Paulo: Revista dos
tribunais, 1995. p. 102.
96
Cf. GASSEN, Valcir. A Natureza Histórica da Instituição do Direito de Propriedade. IN WOLKMER,
Antônio Carlos. Fundamentos de História de Direito.Belo Horizonte: Del Rey, 1996.p.76.
97
COULANGES, Fustel de. Apud GASSEN, Valcir. A Natureza Histórica da Instituição do Direito de
Propriedade. IN WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História de Direito. p.76.
98
CF. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.8.
99
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro v.4: Direito das Coisas.p.99.
100
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. p. 102.
101
WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. . p. 102.
102
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. p. 103.
103
CF. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.11.
36

concessão de uso e gozo da terra104.


Com Justiniano todas as formas de propriedade foram unificadas, passando a
ter um sentido mais social, restando claro a evolução do Direito de Propriedade para os
romanos – de direito ilimitado e individualista ao direito de cunho mais social.105
A crise do Império Romano do Ocidente gerada por fatores militares,
religiosos e econômicos aliados às invasões bárbaras foram responsáveis pelo surgimento de
um novo conceito de propriedade, marcando o sistema feudal que vigorou durante a idade
média.
Na idade média, com as invasões bárbaras e o declínio do império Romano do
Ocidente, ocorreram mudanças profundas no direito de propriedade vigente, isto é, a
propriedade das terras volta a ser coletiva, quase que de forma semelhante às de tipo
gentílico, pertencentes à totalidade de um determinado grupo.106

O sistema feudal caracteriza-se pela interdependência entre o senhor Feudal


(Suserano) e o Vassalo, ou seja, “o senhor possuía a terra e o servo e detinha o poder militar,
político e judiciário; o servo tinha a posse útil da terra, devia obrigações e tinha o direito de
ser protegido pelo senhor”. 107
A propriedade durante o sistema feudal não era exclusiva e unitária, baseava-se
na relação de solidariedade, fidelidade e de encargos fiscais e militares entre servos e
senhores.108
A concepção individualista da propriedade voltou a ter forças durante o Estado
Moderno, cujo marco histórico e ideológico é a Revolução Francesa de 1789. Caracterizava-
se por ser um Estado Liberal, ou seja, garantidor das liberdades individuais com a mínima
intervenção Estatal nas relações sociais.
A propriedade foi um dos núcleos essenciais das reformas trazidas pela Revolução
Francesa, sendo profundamente marcada pela ideologia liberal disseminada pela
Revolução. Dois traços no regime da Propriedade pós-Revolução são marcantes: a
extinção do regime feudal e dos encargos sobre a terra e a exaltação da concepção
individualista da Propriedade.109

O direito de propriedade em sua concepção individualista foi recepcionado


pelos ordenamentos jurídicos, sendo normatizado pelo Código de Napoleão, artigo 544,

104
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das coisas. p. 103.
105
CF. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.13.
106
Cf. GASSEN, Valcir. A Natureza Histórica da Instituição do Direito de Propriedade. p.92.
107
ARRUDA, José Jobson de A. PILETTI, Nelson. Toda a História: História Geral e do Brasil. 6. ed. São
Paulo: Ática, 1996.p.98.
108
VENOSA, Sílvio de Sávio.Direito Civil: Direitos Reais. p.171.
109
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.19.
37

como: “a propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas de modo mais absoluto, desde
que não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”. 110
A concepção absoluta e o exagerado individualismo do direito de propriedade
perderam força no século XIX, com o desenvolvimento industrial e os movimentos sindicais
que buscavam garantias sociais ao proletariado111, trazendo, por conseqüência, alterações no
entendimento do direito de propriedade, o qual passa a ser marcado pelo cunho social e,
também, ambiental, configura-se, desta forma, o Estado Contemporâneo, marcado pelo
intervencionismo do Estado na ordem econômica e social.
Assim, o direito à propriedade perante o Direito Contemporâneo adquire, em
primeiro momento, uma função social e com o advento dos “novos direitos”, os chamados
direitos difusos, ela passa a ser marcada pela função ambiental, eis que seu exercício está
vinculado à preservação do ambiente.
Neste sentido, a propriedade além de atender sua função social também deve
estar condicionada a proteção ao meio ambiente, sendo que as funções social e ambiental
passam a integrar o conceito contemporâneo de propriedade.112

2.2 CONCEITO E EVOLUÇÃO DA PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO

2.2.1 Conceito

O direito de propriedade, segundo a concepção clássica, é aquele direito


subjetivo do proprietário de usar, gozar e dispor da propriedade de forma absoluta.113
Leon Duguit, constitucionalista e administrativista francês, deu origem a teoria
da função social da propriedade, a qual contestava o direito de propriedade como sendo um
direito subjetivo de dispor das coisas de forma mais absoluta e defendia a propriedade como
sendo uma função social.114
Assim, a Constituição Federal de 1988 ao tratar da propriedade como sendo

110
VENOSA, Sílvio de Sávio.Direito Civil: Direitos Reais.p.171.
111
Cf. VENOSA, Sílvio de Sávio.Direito Civil: Direitos Reais.p.171.
112
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.26.
113
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.69.
114
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.73/74.
38

direito fundamental e elemento da ordem econômica115, procurou conciliar interesses


individuais e interesses sociais. Desta forma, adota o conceito contemporâneo do Direito à
propriedade, ou seja, constitui-se em direito subjetivo e função social.116
O direito de Propriedade, na sua acepção contemporânea, conjuga poder e dever.
Nele estão integrados os poderes atribuídos ao proprietário pelo Código Civil e os
deveres impostos constitucionalmente através da função social da propriedade
(...).117

Cumpre esclarecer, que a Constituição Federal de 1988 ao estabelecer a função


social, também estabeleceu a função ambiental, na medida em que aquela “compreende a
função socioambiental, que impõe ao proprietário urbano ou rural, a preservação do ambiente
natural, nos termos legalmente estabelecidos”. 118
Diante do acima exposto, verifica-se que o direito brasileiro também conheceu
da evolução do direito à propriedade, na medida em abarcou em seu ordenamento jurídico
dispositivos que visam a proteção do direito à propriedade desde que esta atenda à sua função
social e também ambiental, para os casos em que existirem limitações ambientais, trata-se,
portanto, de um direito de usar, gozar e dispor desde que vinculado a uma função Social e
ambiental.
Deste modo, percebe-se que função socioambiental passou a fazer parte do
conceito atual de propriedade, conforme caracterizado por Fernanda Cavedon:
Considerando-se estes novos elementos caracterizadores do Direito de Propriedade,
passa-se a entendê-lo como o poder do titular do domínio sobre um bem de fazer uso
do mesmo dentro dos limites impostos pelo seu dever de atender a uma Função
Social, correspondente ao uso de acordo com os interesses da coletividade, e uma
Função Ambiental, para o cumprimento da qual o proprietário deverá promover o
uso ordenado e ecológico da Propriedade, que vise a proteção dos bens ambientais
nela existentes.119

Há que se citar, ainda, importante consideração de José Afonso da Silva acerca


do tema:
(...) o constituinte desejou, inserir, na estrutura mesma da concepção e do conceito
de propriedade, um elemento de transformação positiva que a ponha ao serviço do
desenvolvimento social. A atual Constituição, como se verá, no texto, é ainda mais
enfática nesse sentido, de tal sorte que a propriedade não se concebe senão como
função social. 120

115
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.65.
116
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.81.
117
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. 1999.p.82.
118
LEUZINGER, Márcia Dieguez. Criação dos Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e
Indenização. IN Revista de Direito Ambiental. n. 25, ano 07. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro/março
de 2002. p.109.
119
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.174.
120
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.p.276.
39

Destaca-se que o direito de propriedade com sua a acepção função social e


ambiental, aqui demonstrada, possui cunho eminentemente constitucional, eis que conforme
assinalado por José Afonso da Silva é a Constituição que vem assegurar o direito de
propriedade bem como seu regime fundamental, sendo que ao Código Civil cabe o
disciplinamento das relações civis decorrentes da propriedade.121
Da mesma maneira, por estar o direito à propriedade impregnado por
elementos socializantes e vinculado a realização da função socioambiental, Maria Helena
Diniz segue o mesmo entendimento de José Afonso da Silva, ao dispor que “a propriedade
pertence, portanto, mais à seara do direito público do que a do direito privado, visto ser a
Carta Magna que traça seu perfil jurídico”. 122

2.2.2 Evolução do direito à propriedade no Brasil

A Constituição Imperial Brasileira de 1824, influenciada pelas orientações


liberais e individuais, garantia o direito de propriedade em toda sua plenitude, nos mesmos
moldes delineados na Declaração dos Direitos do Homem de 1789 e no código de
Napoleão.123
Esta Concepção individual e garantidora da plenitude do direito à propriedade
também esteve presente na Constituição de 1891, a qual no ano de 1926 estabeleceu um
regime especial para a exploração de minas e jazidas.124
A Constituição de 1934, influenciada pela Constituição Mexicana e
Constituição de Weimar, que preconizavam a intervenção do Estado na ordem Social, adotou
o caráter social da propriedade, não sendo permitido o exercício deste direito contra interesse
social e coletivo.125
A Constituição de 1937 limitou-se a garantir o direito de propriedade, salvo os
casos de desapropriação. Todavia, com a Constituição de 1946 o conteúdo previsto na
Constituição de 1934 foi resgatado, eis que condicionou o uso da propriedade ao bem-estar
social.126

121
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.p.276.
122
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro v.4: Direito das Coisas.p.102.
123
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.62.
124
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. p.104
125
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. p.105.
126
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.63.
40

Com a Constituição de 1967 o Termo “Função Social da Propriedade” passa a


integrar o ordenamento Jurídico brasileiro, ao fixá-lo como uma das metas da ordem
econômica.127
Por fim, a Constituição de 1988 vem a preconizar o direito à propriedade cujo
conteúdo deve ser marcado pela função social e ambiental, ou seja, concilia direito de
primeira geração (propriedade privada), segunda geração (função social) e terceira geração
(função ambiental).
Neste sentido, Fernanda Cavedon aduz que os traços inovadores da
Constituição de 1988 são a “inserção da função social como qualificadora do direito de
propriedade, garantido no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, e a
vinculação do cumprimento da Função Social a obrigações de ordem Ambiental, atribuindo,
assim, uma Função Ambiental à Propriedade”. 128
Destaca-se, ainda, que a propriedade perante o código Civil de 1916, vigente
até o ano de 2002, apresentava uma concepção individualista baseada no poder exclusivo,
absoluto e ilimitado do proprietário sobre o bem. Todavia, o Código Civil vigente a partir de
2003 adotou tendências de caráter social e ambiental, na medida em que afasta o
individualismo e condiciona seu uso à finalidades sociais e equilíbrio ecológico.129
Assim, colaciona-se o seguinte dispositivo incerto no Código Civil Brasileiro:
Art. 1.228 (...)
§ 1º- Direito de Propriedade deve ser exercido em consonância com as suas
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade
com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas.130

2.3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Ao tempo que a propriedade é concebida como direito fundamental ela


também é parte integrante da ordem econômica, segundo dispositivos constitucionais abaixo
citados:
Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

127
Cf. WALD, Arnold. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. p.105.
128
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.64.
129
Cf. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. p.101.
130
BRASIL, Código Civil e Legislação Civil em vigor. Org. Theotônio Negrão e José Roberto Freire Gouvêa.
22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 220.
41

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos


seguintes:
(...);
XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.
(...).131

Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos vida digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
(...);
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade.
(...). 132

Verifica-se, assim, o cunho social garantidor do reconhecimento do direito de


propriedade, vez que somente merece proteção na medida em que atende a sua função social,
conforme salientado por Cristiane Derani:
A norma que dispõe sobre a função social da propriedade cria o ônus do proprietário
privado perante a sociedade. Essa norma institui um ônus que recaí sobre o
desenvolvimento da relação de poder entre sujeito e objeto, que configura a
propriedade privada. O ônus imposto sobre o sujeito proprietário significa que sua
atuação deve trazer um resultado vantajoso para a sociedade, a fim de que este poder
individualizado seja reconhecido legalmente.133

Desta forma, a propriedade ao adquirir uma função social, passa a contemplar


interesses coletivos e sociais, garantindo, por fim, a promoção do bem comum. Segundo
Fernanda Cavedon “Esta função social determina que o proprietário, além de um poder sobre
a propriedade, tem um dever correspondente para com toda a Sociedade de usar esta
propriedade de forma a lhe dar a melhor destinação sob o ponto de vista dos interesses
sociais”. 134
Ao condicionar proteção e reconhecimento do direito à propriedade ao
preenchimento da função social, reconhece-se esta como parte da estrutura do direito de
propriedade, sendo assim, entende-se que o proprietário é portador de um poder quando
direciona seu direito à satisfação da função social, esta, então, entendida como um dever para
com a sociedade.135
A função social da propriedade é a obrigação que o proprietário tem de dar
destinação à sua propriedade de forma que, além de atender aos seus interesses, este
exercício promova os interesses da sociedade. A função social e parte da estrutura do

131
BRASIL, Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG).p.20 e 23.
132
BRASIL, Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG). p.112/113.
133
DERANI, Cristiane. A propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da “Função Social”.p.59.
134
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.83.
135
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p 84.
42

direito de propriedade. Assim, os interesses da sociedade passam a ser deveres do


proprietário.136

Portanto, o cumprimento do princípio da Função Social da propriedade ao


garantir a propriedade privada e as vantagens econômicas advindas desta, torna possível a
compatibilização do interesse privado com interesse público “buscando um equilíbrio entre
lucro privado e proveito social”. 137

2.4 FUNÇÃO AMBIENTAL DA PROPRIEDADE

Com a evolução do conceito de direitos fundamentais, impulsionada por


transformações sociais, econômicas e políticas, surgiram os chamados direitos de terceira
geração, ou seja, direitos difusos cuja categoria estão inseridos os direitos ao meio Ambiente
138
sadio e equilibrado para todos, os quais foram recepcionados pela Constituição Federal de
1988.139
Assim, a partir da proteção conferida ao meio ambiente, conforme previsões
Constitucionais dos artigos 170 inciso VI, 186 inciso II e 225, verificou-se a existência de
uma função ambiental, esta inerente ao conceito de propriedade e de função social, eis que,
“se a Função Social é um dos elementos intrínsecos à Propriedade, certamente traz em seu
bojo uma vinculação de ordem ambiental, que pode ser caracterizada como uma Função
Ambiental”. 140
A Função Ambiental da Propriedade pode ser entendida como os deveres
atribuídos ao proprietário para que utilize de maneira adequada os recursos naturais e preserve
o meio ambiente. 141
A Função Ambiental da Propriedade impõe limitações ao uso da Propriedade,
requerendo do proprietário a adequação deste uso às exigências de ordem ambiental,
em nome da proteção do patrimônio ambiental comum. (...) Entende-se que a
incorporação de uma Função Ambiental à Propriedade estimulará o proprietário a
promover a proteção dos bens ambientais sob o seu domínio o que, de forma geral,
levará à preservação do meio ambiente em sua integralidade. 142

Destaca-se, ainda, que a Constituição ao prescrever a obrigatoriedade do Poder

136
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 96.
137
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.250.
138
Cf. LEUZINGER, Márcia Dieguez. Criação de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e
Indenização.p. 126.
139
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p 59.
140
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p 123.
141
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 109.
142
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p 124.
43

Público e da coletividade em proteger e preservar o Meio Ambiente obrigou todos os


proprietários a cumprirem uma função ambiental.143
Neste sentido, Antônio Herman Benjamim defende que tanto o Estado quanto
os cidadãos, possuem uma Função Ambiental.
A função ambiental não é exclusivamente pública. Ou seja, seu exercício é
outorgado a outros sujeitos além do Estado. Por conseguinte, o múnus ambiental (ou
ofício ambiental) manifesta-se pelo comportamento do Estado e/ou do cidadão,
agindo este coletiva (associações ambientais, por exemplo) ou isoladamente.144

Tem-se, portanto, que o ordenamento jurídico brasileiro ao condicionar o


direito de propriedade ao atendimento da proteção e preservação do meio ambiente, acaba por
gerar a função Ambiental da Propriedade, eis que seu exercício estará condicionado às
limitações impostas pelo dever de garantir a integridade ambiental.

2.5 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE URBANA

A função social da propriedade vincula-se ao conceito próprio de Propriedade,


estando presente no ordenamento jurídico Brasileiro desde a Constituição de 1934. Todavia,
somente a Constituição de 1988 veio fixar o conteúdo da Função Social da Propriedade
Urbana145, na medida em que estabeleceu em seu artigo 182 § 2º que: “A propriedade urbana
cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor”. 146
A função ambiental da propriedade, da mesma maneira, está prevista
Constitucionalmente, haja vista os disposto nos artigos 225 e 170, inciso VI.
Assim, o artigo 182 caput da Constituição de 1988 ao dispor que “a política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais
fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” 147, abarcou o princípio da função

143
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 109.
144
BENJAMIN, Antônio Herman V. Função Ambiental. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.(ORG). Dano
Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.p.50/51. Apud
CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p 60.
145
Cf. BOTREL, Karla. O Direito Urbanístico. In MUKAI, Toshio. Temas Atuais de Direito Urbanístico e
Ambiental. Belo Horizonte: Forum, 2004. p.20.
146
BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG).p.117.
147
BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG).p. 117.
44

socioambiental da propriedade.148
Neste passo, esclarece Fernanda Cavedon:
É preciso considerar que a Política de Desenvolvimento Urbano e a preservação e
uso racional dos recursos ambientais do município são indissociáveis. Assim, o
Plano Diretor deverá considerar as características e as limitações ambientais do
espaço urbano ao determinar o seu uso e ocupação, bem como se adequar às
disposições legais de proteção ao Meio Ambiente. 149

Roxana Cardoso Brasileiro Borges também considera a função ambiental como


componente da função social da propriedade urbana ao dispor:
A propriedade urbana cumpre sua função social, segundo o § 2º do art. 182 da
Constituição, quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor. Também aí é necessário falar-se em função ambiental
como sendo um componente da função social da propriedade territorial urbana, pois
o plano diretor contém normas ambientais que devem ser obedecidas pelo
proprietário, uma vez que compõem a cidade e o meio ambiente natural, ou o que
resta dele, e o meio ambiente artificial ao mesmo tempo.150

Verifica-se, então, que Plano Diretor é o instrumento básico da política de


desenvolvimento urbano que deve ser executada pelo Município, cujos objetivos são de
ordenar as funções sociais e, por conseguinte, ambientais da cidade151, é, portanto, o resultado
do planejamento urbano, que “com força executiva e coercitiva de lei, que conterá as
152
diretrizes pelas quais se definirá o conteúdo da Função Social da Propriedade urbana”
Salienta-se que a lei que veio regulamentar os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal de 1988, referentes à Política Urbana, a qual fixou as diretrizes
urbanísticas que devem estar previstas no plano diretor, a fim de garantir o bem-estar da
população é a lei nº 10.257/2001, também conhecida como “Estatuto da Cidade” 153, cuja
finalidade pode ser vislumbrada no contido no artigo 1º, parágrafo único que assim
estabelece:
Art. 1º
(...).
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta lei, denominada Estatuto da Cidade,
estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos

148
Cf. BOTREL, Karla. O Direito Urbanístico. In MUKAI, Toshio. Temas Atuais de Direito Urbanístico e
Ambiental. p.21.
149
CAVEDON, Fernanda. Função Social e Ambiental da Propriedade.p.70.
150
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 110.
151
Cf. MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade, o Plano Diretor e o Desenvolvimento Urbano. In MUKAI,
Toshio. Temas Atuais de Direito Urbanístico e Ambiental. p.29.
152
CAVEDON, Fernanda. Função Social e Ambiental da Propriedade.p.70.
153
Cf. BOTREL, Karla. O Direito Urbanístico. In MUKAI, Toshio. Temas Atuais de Direito Urbanístico e
Ambiental. p.21.
45

cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.154

Frisa-se, deste modo, a relevância do Estatuto da Cidade, uma vez que


permitirá a concretização das funções Sociais e Ambientais da propriedade urbana, cujas
diretrizes estão estampadas em seu artigo 2º, alcançadas através dos instrumentos da política
de desenvolvimento urbano previstos no artigo 4º da lei, podendo-se citar, entre outros, o
Plano Diretor, zoneamento ambiental, o parcelamento e edificação compulsórios, IPTU
progressivo no tempo, desapropriação com pagamento em títulos.155

2.6 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE RURAL

Trabalhar-se-á função social e ambiental da propriedade rural, também em


único tópico, pois, conforme já exposto, entende-se que o direito a propriedade é legitimado
pelo cumprimento de sua função social, a qual pressupõe também o atendimento de sua
função ambiental.156
O conteúdo da função social da propriedade rural, assim como o da
propriedade urbana, encontra previsão legal na Constituição Federal, notadamente no artigo
186 e incisos, que assim preceitua:
Art. 186. A Função Social é cumprida quando a propriedade rural atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos
seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do Meio
Ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.157

Vislumbra-se, então, que para se configurar a função social da propriedade


rural não basta que esta seja produtiva e que não utilize mão-de-obra escrava ou infantil,
respeitando as relações trabalhistas, seu conteúdo é amplo e se sustenta sobre o
preenchimento da função ambiental, na medida em que deve utilizar de maneira adequada os
recursos naturais, preservando-se o meio ambiente.

154
BRASIL. Lei 10.257 de 10 de julho de 2001 – Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais e dá outras providências. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de
legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.487.
155
Cf. MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade, o Plano Diretor e o Desenvolvimento Urbano. In MUKAI,
Toshio. Temas Atuais de Direito Urbanístico e Ambiental. p.40.
156
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 110.
157
BRASIL, Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG).p.118.
46

Deste modo, verifica-se que os incisos do artigo 186 informam os quatros


elementos que compõem a função social da propriedade Rural, os quais devem ser atendidos
simultaneamente(caput do artigo 186), sob pena de ensejar a perda da propriedade.158
A função ambiental da propriedade configurada como dever do proprietário de
preservar o ambiente para presentes e futuras gerações, pressuposto a realização da função
social da propriedade, autoriza as limitações ao uso desta159, uma vez que “é através das
restrições que se consegue fazer cumprir a função ambiental da propriedade” 160, sendo estas
limitações previstas na legislação ambiental infraconstitucional, eis que são diversos os bens
ambientais protegidos, sendo necessário, portanto, critérios mais específicos para se averiguar
o cumprimento da função ambiental e social.161
Neste sentido, necessário se faz o estudo das limitações ao direito do
proprietário, principalmente aquelas advindas da instituição de espaços ambientais,
destinando-se, para tanto, tópico próprio a esta análise.

2.7 LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE DECORRENTES DOS ESPAÇOS AMBIENTAIS

2.7.1 Aspectos gerais sobre as limitações ao direito de propriedade

A passagem do conceito de propriedade como direito subjetivo, de cunho


eminentemente individual, para o conceito contemporâneo que alberga em seu conteúdo a
função social e ambiental traz como conseqüência, além das limitações da esfera privada
(interesses individuais opostos ao do proprietário), as limitações que visam o atendimento dos
interesses sociais, em especial às referentes a preservação ambiental.162
Conforme já explicitado em item anterior, função ambiental e restrições à
propriedade são afetações diferentes sobre o direito de propriedade.163 Em verdade, função
social e ambiental da propriedade são atributos que vêm legitimar o direito de propriedade,
não sendo limitações, uma vez que estas “dizem respeito ao exercício do direito ao
proprietário”. 164

158
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 92.
159
Cf. CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.124.
160
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 111.
161
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 111.
162
Cf. CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.84.
163
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p. 111.
164
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.p.284.
47

Todavia são as limitações e restrições de ordem social e ambiental que irão


demonstrar se a propriedade atende ou não a sua função socioambiental.
Neste ponto é que surgem as controvérsias a cerca do direito a percepção de
indenizações pela existência de limitações, sendo que referido questionamento poderá ser
sanado após se conceituar limitações e classificá-las.
José Afonso da Silva conceitua limitações ao direito de propriedade como
sendo os “condicionamentos que atingem os caracteres tradicionais deste direito, pelo que era
tido como direito absoluto, exclusivo e perpétuo” 165, sendo, então, gênero das quais são
espécies as restrições, servidões e desapropriações, classificando-se, portanto, em limitações
de direito privado (direito de vizinhança) e limitações de direito público (urbanísticas e
administrativas).
Vislumbra-se que este conceito genérico de limitação tratado por José Afonso
da Silva pode ser tido como o conceito de Intervenção na Propriedade Privada, sendo a
desapropriação, servidão administrativa e limitação administrativa instrumentos desta
intervenção, conceituação adotada por Hely Lopes Meirelles, que disciplina Intervenção na
Propriedade Privada como sendo “todo ato do Poder Público que compulsoriamente retira ou
restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de
interesse público”. 166
As limitações administrativas são limites e parâmetros estabelecidos sobre o
direito de propriedade a fim de beneficiar toda a coletividade, cumprindo-se, em
conseqüência, a sua função social e ambiental, sendo que as mesmas não aniquilam o direito
de propriedade, 167 desta forma, só geram o dever de indenizar se inviabilizada a propriedade.
Neste sentido, percebe-se que o dever de indenizar está condicionado a
identificação da existência ou não do esvaziamento do conteúdo da propriedade.
Herman Benjamin adota os critérios de limites internos e externos do direito de
propriedade para se verificar o esvaziamento do conteúdo deste direito, onde são internos
aqueles limites decorrentes da preservação ambiental, aplicáveis a todas as propriedades que
possuam as mesmas características, e, por conseqüência, cumpridores da função
socioambiental da propriedade; já os externos são aqueles advindos de um ato discricionário

165
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 282.
166
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 19. Ed. São Paulo: Malheiros, 1994. Apud
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.115.
167
Cf. SANTOS, Saint-Clair Honorato. Direito Ambiental: Unidades de Conservação e Limitações
Administrativas. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2003.p.143.
48

do Poder Público que gera restrições à (s) faculdade (s) do domínio individualizado168, eis que
se a “proibição se dá em relação a uma propriedade, deixan do de fora outras que se acham no
mesmo estado, ou seja, que igualmente representam certo ecossistema, não se estará diante de
limites internos ao direito, mas de limites externos e, portanto, indenizáveis”. 169
Assim, para Herman Benjamin são limites internos da propriedade:
(...) de natureza intrínseca e contemporânea à formação da relação de domínio; isto
é, indissociáveis do próprio direito de propriedade, verdadeiros elementos de um
todo, daí moldando-se como um ônus inerente à garantia. Na ausência deles, como
se fossem o ar e a água que propiciam a vida, não se consolida o direito de
propriedade, não é ele reconhecido e protegido pela ordem jurídica, pelo menos em
sua plenitude.170

E por limites externos entende como sendo aqueles que “pressupõem uma
dominialidade que opere sua plenitude, totalmente consolidada por respeitar os limites
primordiais”. 171
Assim, pode-se entender que não há direito a propriedade ilimitado (em seu
sentindo amplo), uma vez que a proteção do meio ambiente constitui-se um dever de toda a
coletividade e do Poder Público, não sendo possível, por sorte, gerar indenização qualquer
limitação a este direito, mas, somente, quando estas esvaziarem o conteúdo essencial do
direito a propriedade, condicionado, entretanto, como delineado por Márcia Diegues
Leuzinguer, a verificação de “existência ou não de violação a regras ambientais pelo
proprietário”. 172
Verifica-se que várias são as limitações ao direito de propriedade, todavia
somente se analisarão, no presente estudo, as fundadas na proteção ao meio ambiente,
decorrentes dos espaços ambientais, os quais compreendem os espaços territoriais
especialmente protegidos e zoneamento ambiental.
Destaca-se que referidas limitações são impostas por leis infraconstitucionais,
a exemplo a lei que cria as unidades de conservação – Lei 9.985/2000 e regulamenta o artigo
225, § 1º, III da Constituição Federal.

168
Cf.LEUZINGUER, Márcia Diegues. FIGUEREDO, Guilherme José Purvin. Desapropriações Ambientais
na Lei 9.985/2000. IN BENJAMIN, Antônio Herman. Direito Ambiental das áreas protegidas. p.472.
169
LEUZINGER, Márcia Dieguez. Criação de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e
Indenização.p. 122.
170
BENJAMIN, Antônio Herman V. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação
permanente. Disponível em http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br, acesso em: 21.09.2004.p.4.
171
BENJAMIN, Antônio Herman V. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação
permanente.p.4.
172
LEUZINGER, Márcia Dieguez. Criação de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e
Indenização. p. 121.
49

2.7.2 Espaços Ambientais

Os espaços ambientais são limitadores ao exercício do direito à propriedade na


medida em que se configuram como instrumentos jurídicos de proteção ao meio ambiente,
haja vista previsão constitucional e, ainda, previstos no rol dos instrumentos da Política
Nacional do Meio Ambiente.
Configuram-se espaços ambientais os espaços territoriais especialmente
protegidos e o zoneamento ambiental, segundo José Afonso a Silva que assim estabelece:
A expressão espaços ambientais é tomada aqui em sentido amplo. Pretende-se com
ela definir toda e qualquer delimitação geográfica, toda e qualquer porção do
território nacional, estabelecida com o objetivo de proteção ambiental, integral ou
não, e assim submetida a um regime especialmente protecionista. No conceito,
entrarão dois grupos de espaços ambientais: os espaços territoriais especialmente
protegidos e o zoneamento ambiental.173

Assim, vislumbra-se que os espaços ambientais abrangem tanto áreas públicas


ou privadas, sendo “sujeitas a regimes especiais de proteção, ou seja, sobre as quais incidam
limitações objetivando a proteção, integral ou parcial, de seus atributos naturais”. 174

2.7.2.1 Zoneamento Ambiental


O Zoneamento Ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente, nos termos da Lei 6.938/81, destinado além da ordenação do uso e ocupação do
solo a preservação do meio ambiente. Constitui-se, portanto, “de um procedime nto por meio
do qual se instituem zonas de atuação especial com vista à preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental”. 175
O zoneamento ambiental, também conhecido como Zoneamento Ecológico-
Econômico (ZEE)176 encontra-se regulamentado pelo Decreto 4.297/2002, que o definiu no
artigo 2º e traçou seus objetivos no artigo 3º.
Art. 2º O ZEE, instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente
seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece
medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade
ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade,
garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da
população.

173
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p.158.
174
LEUZINGER, Márcia Dieguez. Criação de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e
Indenização. p. 113.
175
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p.184.
176
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente.p.420.
50

Art. 3º O ZEE tem por objetivo geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos
agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que,
direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção
do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas.
Parágrafo único. O ZEE, na distribuição espacial das atividades econômicas, levará
em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas,
estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território e
determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades
incompatíveis com suas diretrizes gerais. 177

Paulo Affonso Leme Machado esclarece que as finalidades do zoneamento


ambiental são garantir a salubridade, tranqüilidade, paz, saúde e bem-estar do povo,
representando uma limitação dos cidadãos ao discriminar usos.178

2.7.2.2 Espaços Territoriais Especialmente Protegidos


O espaço territorial especialmente protegido consta do rol dos instrumentos da
Política Nacional do Meio Ambiente, haja vista o disposto no artigo 9º, VI da lei 6.938/81179,
constituindo-se em um dos instrumentos jurídicos utilizados na implementação do Direito
Constitucional ao meio ambiente sadio e equilibrado.
Desta forma, a Constituição Federal de 1988, como meio de assegurar a
efetividade da proteção ao ambiente, impôs ao Poder Público, no artigo 225, § 1º, III, definir
espaços territoriais e seus componentes para serem especialmente protegidos, vedado
qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem a proteção.180
Édis Milaré, ao analisar o supracitado dispositivo, apresenta o conceito de
espaços especialmente protegidos como sendo:
(...) espaços geográficos, públicos ou privados, dotados de atributos ambientais
relevantes, que, por desempenharem papel estratégico na proteção da diversidade
biológica existente no território nacional, requerem sua sujeição, pela lei, a um
regime de interesse público, através da limitação ou vedação o uso dos recursos
ambientais da natureza pelas atividades econômicas. 181

Destaca-se que, estes espaços, sendo de propriedade privada ou pública,


possuem regime jurídico especial, ou seja, de interesse público, haja vista a importância dos

177
BRASIL. Decreto 4.297 de 10.07.2002. Regulamenta o art. 9, inciso II, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981, estabelecendo critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil - ZEE, e dá outras
providências. Senado Federal. Disponível em: www.senado.gov.br. Acesso em 20.09.2004.
178
Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.p.178.
179
A lei 7.804/89 modificou o art.9º da lei 6.938/81, na medida em que incluiu os espaços protegidos no rol dos
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, com a finalidade de o adequar à Constituição de 1988, que
já estabelecia a criação desses espaços. Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.p.159.
180
Cf. BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete.
(ORG).p.134.
181
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente.p.233.
51

atributos naturais de que se revestem, eis que, “em sentido ecoló gico, referem-se, na verdade,
a ecossistemas” 182, cuja proteção genérica foi estabelecida no artigo 225, § 4º da CF.
Édis Milaré explicita que ao se instituírem os espaços especialmente
protegidos, vislumbrou-se a preocupação com a manutenção e preservação dos ecossistemas
de maior significado para as ordens social e econômica da nação; estabelecendo quatro
categorias de espaços territoriais especialmente protegidos, quais sejam: Áreas de Proteção
Especial, Áreas de Proteção Permanente, Reserva Legal e Unidades de conservação.183
Percebe-se, desta maneira, que unidades de conservação e espaços protegidos
não se confundem, uma vez que estes constituem o gênero e àquelas espécies.
A impropriedade da lei 9.985/2000, que estabeleceu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, ao apresentar em sua ementa que regulamentaria o § 1º, incisos I,
II, III e IV dado Art. 225 da Constituição Federal, quando, em verdade, tratou apenas das
unidades de conservação, deixando de abarcar, então, os demais espaços protegidos, é
ressaltada por Herman Benjamin, que assim esclarece:
A técnica deficiente da lei fica evidente já na sua ementa, na qual o legislador
ordinário, afirmando regulamentar o art. 225, § 1º, incis. I, II, III e IV, da
Constituição Federal, institui “o Sistema Na cional de Unidades de Conservação da
Natureza”.(...), em nenhum momento o texto constitucional alude à expressão
unidades de conservação usando, isso sim, de forma correta, o termo espaços
territoriais especialmente protegidos. Não se trata de uma opção vernacular aleatória
ou acidental do legislador de 1988, que, nesse ponto, seguiu o standart científico
apropriado, segundo o qual “conservação” não é gênero, muito menos gênero do
qual “preservação” seria espécie. Muito ao contrário, “conservação” é ela pró pria
modalidade (= espécie) de proteção especial da natureza, contrapondo-se à
“preservação”: esta como garantia integral da biota; aquela, mais flexível,
contentando-se em impor certos requisitos à exploração, dita sustentável, dos
recursos naturais.184

Adotar-se-á, no presente estudo, a classificação de espaços protegidos


estabelecida por Édis Milaré, já citada.

2.7.2.2.1 Áreas de Proteção Especial, Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal


As áreas de proteção especial são espaços regulados pelo artigo 13, I da lei de
Parcelamento do solo 185– lei 6.766/79, que assim prescreve:

182
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.p.159.
183
Cf. MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente.p.559.
184
BENJAMIN, Antônio Herman V. Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. IN
BENJAMIN, Antônio Herman V. (Org). Direito Ambiental das Áreas Protegidas: O regime jurídico das
unidades de conservação. p.287/288.
185
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.235.
52

Art. 13. Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de


loteamentos e desmembramentos nas seguintes condições:
I – quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos
mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim
definidas por legislação Estadual ou Federal.186

Assim, são importantes espaços a serem considerados nos processos de


urbanização, eis que a proteção a estes “tem por objetivo prevenir a lesão a bens e valores
ambientais estratégicos” 187, e, por este motivo, são implementados pelo Estatuto da Cidade,
especialmente pelo Plano Diretor, o qual estabelece a s exigências fundamentais da ordenação
das cidades.188
O Código Florestal de 1965 é percussor na implementação do meio ambiente
como direito difuso, ao conceituar meio ambiente como bem de uso comum do povo189, e ao
prever que os direitos de propriedade serão exercitados com as limitações previstas na
legislação, estabelecendo como instrumentos de proteção ao ambiente a criação de reserva
legal e das áreas de preservação permanente.
Área de Preservação Permanente é, segundo Art. 1º, § 2º, II do Código
Florestal, “área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º190 desta lei, coberta ou não por

186
BRASIL. Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras
providências. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental.
MEDAUAR, Odete. (ORG).p.610.
187
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.235.
188
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.235.
189
Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.p.685.
190
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de
vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura:
2 - igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros de distancia entre as
margens;
3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros.
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d'água", seja qual for a sua situação topográfica;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos taboleiros ou chapadas;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos naturais ou artificiais, as florestas nativas e
as vegetações campestres.
Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as
florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
53

vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a


estabilidade ecológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e
assegurar o bem estar das populações humanas”. 191
De acordo com o presente conceito extraído do Código Florestal, tem-se que as
áreas de preservação permanente são as estabelecidas em seus artigos 2º e 3º, constituindo-se,
portanto, em dois grupos, quais sejam: De preservação permanente por imposição legal
(art.2º) e de preservação permanente por ato do Poder Público (art.3º).192
Herman Benjamin, da seguinte maneira conceitua as duas espécies de Área de
Proteção Permanente:

APPs ope legis (ou legais), chamadas como tal porque sua delimitação ocorre no
próprio Código Florestal). Vêm previstas no art. 2º, do Código Florestal, incluindo,
p. ex., a mata ciliar, o topo de morros, as restingas, os terrenos em altitude superior a
1.800m; e, APPs administrativas, assim denominadas porque sua concreção final
depende da expedição de ato administrativo da autoridade ambiental competente.
Têm assento no art. 3º, do Código Florestal, e visam, entre outras hipóteses, evitar a
erosão das terras, fixar dunas, formar faixas de proteção ao longo de rodovias e
ferrovias. 193

Assim, referidas áreas foram instituídas com o intuito de manter a vegetação


que a recobre, eis que, conforme salientado por Herman Benjamin, “a Área de Preservação
Permanente (APP) que, como sua própria denominação demonstra – é área de “preser vação” e
não de “conservação” – não permite a exploração econômica direta (madeireira, agricultura
ou pecuária), mesmo que com manejo”. 194
A Reserva Legal, ou Reserva Florestal Legal, conforme já salientado, está
prevista no Código Florestal que a considera uma modalidade de regulação e proteção das
florestas e demais áreas vegetadas, possuindo o seguinte conceito normativo:

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;


h) a assegurar condições de bem-estar público.
§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização
do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de
utilidade pública ou interesse social.
§ 2º As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime de preservação permanente (letra
g ) pelo só efeito desta Lei. (BRASIL. Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965. Institui o Código Florestal. In:
BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).
p.508/509).
191
BRASIL. Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965. Institui o Código Florestal. In: BRASIL. Constituição
Federal - Coletânea de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.507.
192
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.276 e 282.
193
BENJAMIN, Antônio Herman V.. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação
permanente.p.8
194
BENJAMIN, Antônio Herman V. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação
permanente..p.8
54

Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,


excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos
naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da
biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.195

Assim, a reserva Florestal Legal compõem-se de “uma área, cujo percentual da


propriedade total é definida em lei, variando conforme as peculiares condições ecológicas, em
cada uma das regiões geopolíticas do País e que não pode ser utilizada economicamente de
forma tradicional, isto é, destinar-se à produção de madeira ou outra comodity que dependa da
derrubada das árvores em pé”. 196
A Reserva legal constitui-se em uma obrigação do proprietário do imóvel,
ligando-se, todavia, a propriedade, eis que se assemelha a ônus real sobre o imóvel. Assim,
referida limitação acompanha a propriedade, razão pela qual, muito embora não tenha sido
registrada no Registro de Imóveis, o proprietário deve respeitar a Reserva Florestal Legal,
uma vez que não é constituída pela averbação, a qual somente a declara.197
A Reserva Florestal Legal, assim como as Áreas de Preservação Permanente,
limitam o direito de propriedade, todavia a Reserva Florestal Legal, instituída nos arts.16 e 44
do Código Florestal, só incide sobre a propriedade privada, enquanto as áreas de preservação
permanente incidem tanto sobre propriedade privada quanto pública.198 Referidas áreas se
distinguem também quanto a sua destinação, eis que Reserva Florestal Legal se caracteriza
pelo uso sustentável dos recursos naturais.199
A Reserva Florestal Legal e a Área de Preservação Permanente legal (art.2º)
apenas limitam internamente o direito de propriedade, em razão da tutela ao meio ambiente,
sendo assim, não ensejam qualquer indenização.

(...) nenhum dos dispositivos do Código Florestal consagra, "aprioristicamente",


restrição que vá além dos limites internos do domínio, estando todos
constitucionalmente legitimados e recepcionados; demais disso, não atingem, na
substância, ou aniquilam o direito de propriedade. Em ponto algum as APPs e a
Reserva Legal reduzem a nada os direitos do proprietário, em termos de utilização
do capital representado pelos imóveis atingidos. Diante dos vínculos que sobre elas
incidem, tanto aquelas como esta aproximam-se muito de modalidade moderna de
propriedade restrita, restrita, sim, mas nem por isso menos propriedade. Tanto as
APPs ope legis, como a Reserva Legal são, sempre, limites internos ao direito de

195
BRASIL. Lei 4.771 de 15 de setembro de 1965. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de
legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.507.
196
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.288.
197
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.289 e 293.
198
Cf. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p.703.
199
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.289.
55

propriedade e, por isso, em nenhuma hipótese são indenizáveis. Integram a essência


do domínio, sendo com o título transmitidas.200

A indenização que pode ser gerada é aquela referente a criação de área de


preservação permanente administrativa (art. 3º)201, eis que limite externo ao direito de
propriedade, especialmente quando estas limitações incidirem sobre poucas propriedades, não
beneficiarem, direta ou indiretamente, o proprietário; e sua efetivação inviabilizar, os
possíveis usos da propriedade.202

2.7.2.2.2 Unidades de Conservação


Já se destacou, em ponto anterior, que as unidades de conservação constituem
uma das categorias de espaços territoriais especialmente protegidos delineados na
Constituição Federal e com estes não se confundindo.
A criação e gestão das unidades de conservação estão regulamentadas pela lei
9.985 de 2000, a qual instituiu o Sistema Nacional da Unidades de Conservação (SNUC),
assim referida lei não cria as unidades de conservação mas estabelece as medidas para a sua
criação.203
O conceito de unidade de conservação é retirado da lei que instituiu o já citado
Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que em seu artigo 2º, inciso I dispõe:
Art. 2º. (...);
I – unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo
as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime
especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.204

Paulo de Bessa Antunes salienta que “o estabelecimento de unidades de


conservação foi o primeiro passo concreto em direção à preservação ambiental” 205, haja vista
serem espaços territoriais criados pelo Poder Público, destinados ao estudo e preservação da
flora e fauna.
A criação de unidades de conservação apresenta muitos objetivos, os quais
200
BENJAMIN, Antônio Herman V. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação
permanente.p.9.
201
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.127.
202
Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. Desapropriação, reserva florestal legal e áreas de preservação
permanente.p.9.
203
Cf. DERANI, Cristiane. A estrutura do Sistema Nacional de unidades de Conservação – Lei 9.985/2000.
In: BENJAMIN, Antônio Herman V. (ORG) Direito Ambiental das áreas protegidas. p.236.
204
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.873.
205
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.312.
56

estão elencados no artigo 4º da referida lei206, resumindo-se, todavia, na preservação do meio


ambiente, através da preservação e restauração de ecossistemas, aplicação de princípios
ecológicos no processo de desenvolvimento e na recuperação de ecossistemas degradados,
incentivo a educação ambiental e turismo ecológico, subsistência das populações tradicionais.
Antônio Herman Benjamin partilha do entendimento que reconhece quatro
finalidades principais das unidades de conservação, ao expor:
A experiência internacional reconhece quatro finalidades principais às unidades de
conservação: conservação da natureza, aproveitamento (=gozo) público, pesquisa
científica e uso econômico sustentável de seus componentes. Cada modalidade de
área protegida realça, em menor ou maior escala, um ou vários desses objetivos,
respeitada a primazia absoluta da finalidade conservacionista, pois sem ela, já
notamos, não há como se falar em unidade de conservação.207

Vislumbra-se, portanto, que além das preocupações ecológicas, o Sistema


Nacional de Unidades de Conservação orienta-se, também, à questão econômica, uma vez que
pretende aliar proteção ambiental e desenvolvimento.208
As unidades de conservação possuem características próprias como, por
exemplo, a possibilidade ou não da interferência humana, e por este motivo estão divididas
em dois grupos, quais sejam: unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável.
Os dois grupos de unidades de conservação apresentam, no total, doze
categorias (previstas na lei 9.985/2000) de unidades de conservação, todavia, outras unidades
podem ser criadas, consoante o disposto no artigo 6º da lei que instituiu o SNUC.209

2.7.2.2.2.1 Unidades de Conservação de uso Sustentável


As unidades de uso sustentável são assim denominadas, pois “destinam -se à
compatibilização entre a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus
recursos naturais” 210, segundo o disposto no artigo 7º, § 2º da lei 9.985/2000.
Salienta-se que a expressão uso sustentável vem definida também no rol de
definições introduzidas pelo Sistema Nacional de Unidades de conservação em seu artigo 2º,
que assim conceitua: “exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos
recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo-se a biodiversidade e

206
Cf. BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de
legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.874/875.
207
BENJAMIN, Antônio Herman V. Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação In:
BENJAMIN, Antônio Herman V. (ORG) Direito Ambiental das Áreas Protegidas. p.298.
208
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.241.
209
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.246.
210
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.318.
57

demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável”. 211


Estas unidades de uso sustentável são constituídas por sete categorias de
unidades de conservação, quais sejam: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante
Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de
Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) são as mais comuns dentre as
unidades de conservação uma vez que tanto é constituída em área pública como em área
privada, sendo que as restrições impostas às propriedades privadas não importam em
desapropriação, neste sentido a lei do SNUC assim definiu área de proteção ambiental:
Art. 15. A Área de proteção ambiental é uma área em geral extensa, com um certo
grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou
culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das
populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica,
disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais.212

As Áreas de relevante interesse ecológico, ao contrário das Áreas de


Preservação Permanente, são em geral áreas de pequena extensão e com pouca ou nenhuma
ocupação humana, todavia, merecem proteção especial em virtude de possuírem
características naturais extraordinárias ou possuir exemplares raros da biota regional.213
Elas também podem ser constituídas em áreas públicas ou privadas e as
limitações à propriedade não ensejam a desapropriação.
A Floresta Nacional é a unidade de conservação que se caracteriza por ser
“área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo
básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase
em métodos para exploração sustentável de florestas nativas”. 214
A Floresta Nacional, consoante o disposto no § 1º do artigo 17 do SNUC, é de
posse e de domínio público, portanto, quando existirem terras particulares em seus limites
devem estas serem desapropriadas. Esta unidade de conservação admite a permanência de
populações tradicionais, deste que já habitassem no momento da criação e em conformidade

211
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.874/875.
212
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.878.
213
Cf. Artigo 16 da lei 9.985/2000 In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito
Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.878.
214
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.879.
58

com o disposto em regulamento e em seu plano de manejo. O plano de manejo também


disciplinará a pesquisa e a visitação pública.215
Reserva extrativista é unidade de conservação que surgiu por conseqüência das
lutas dos seringueiros da Amazônia pela preservação e defesa do Meio ambiente e de seu
modo de vida.216 Foi definida como “espaços territoriais destinados à exploração auto -
sustentável e conservação dos recursos naturais renováveis por populações extrativistas” 217,
pelo decreto 98.897/1990.
A Reserva Extrativista recebeu novo regime jurídico, podendo ser definida,
segundo o artigo 18 da lei 9.985/2000, como sendo:
(...) área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-
se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação
de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de
vida e cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais
da unidade. 218

A Reserva Extrativista é de domínio público, sendo que as populações


tradicionais possuem uma concessão de uso, consoante se depreende do artigo 18, § 1º da Lei
9.985/2000, o qual prevê, ainda, a desapropriação das áreas privadas incluídas em seus
limites.219
A Reserva de Fauna é constituída por “área natural com populações animais de
espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos
técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos” 220. É
também unidade de posse e domínio público, devendo a propriedade particular ser
desapropriada, quando inserta em seus limites.221
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável caracteriza-se por ser uma área
que abriga populações tradicionais que sobrevivem em sistemas sustentáveis de exploração
dos recursos naturais de acordo com condições ecológicas locais e que desempenham papel
fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.222

215
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.253.
216
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.329.
217
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.254.
218
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.879.
219
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.254.
220
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.880.
221
Cf. Artigo 19, § 1º da lei 9.985/2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de
Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.880.
222
Cf. Artigo 20 da lei 9.985/2000 In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de Direito
59

O objetivo da reserva de desenvolvimento sustentável está delineado no § 1º


do artigo 20 da Lei 9.985/2000, resumindo-se na exploração sustentável dos recursos naturais
preservando-se a natureza e melhorando qualidade de vida das populações tradicionais.
A reserva de uso sustentável é unidade de conservação criada em domínio
público, sendo que as áreas particulares serão desapropriadas somente quando necessário,
possuindo as populações tradicionais apenas a posse e uso das terras.223
Destaca-se que o conceito de Reserva extrativista e de Reserva de
Desenvolvimento sustentável podem se confundir, motivo pelo qual, Édis Milaré salienta suas
diferenças:
Muitas vezes os conceitos de Reserva Extrativista e de Reserva de Desenvolvimento
Sustentável se confundem. Com efeito, a diferença básica entre uma e outra é que na
primeira a atividade é mais restrita, baseada na coleta e extração sustentável de
recursos naturais renováveis, enquanto na segunda o escopo é ampliado para outras
atividades presumidamente sustentáveis.224

A Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é “área privada, gravada


com perpetuidade pelo proprietário, com o objetivo de conservar a diversidade biológica” 225,
sendo permitida somente atividades consistentes em pesquisa científica e visitação com
objetivos turísticos, recreativos e educacionais, consoante disposição do artigo 21,§ 2º incisos
I e II da lei 9.985/2000.

2.7.2.2.2.2 Unidades de Conservação de Proteção Integral


As unidades de proteção integral são aquelas que “tê m por objetivo básico a
preservação da natureza, sendo admitidos apenas o uso indireto dos seus recursos naturais,
com exceção dos casos previstos na própria Lei que estabeleceu o SNUC”. 226
Estas unidades de proteção integral são constituídas por cinco categorias, quais
sejam: Estações ecológicas, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e
Refúgio da Vida Silvestre.
As estações ecológicas já estão previstas desde a Lei 6.513/1977 tendo seu
conceito sido modificado pela Lei 6.902/1981 e pelas Resoluções do CONAMA 010 de

Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG). p.880.


223
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.333.
224
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente.p.256.
225
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.881.
226
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.318.
60
227
03.12.1987 e 002 de 18.04.1996 . A Lei do SNUC (9.985/2000) veio ampliar sua base
228
jurídica e fortalecer atribuições.
O objetivo das estações ecológicas estão determinados no artigo 9º da lei do
SNUC, consistente na preservação da natureza e realização de pesquisas científicas. É de
posse e domínio público, assim, se instituída em domínio privado deve ser desapropriada (art.
9º, § 1º). A visitação pública é permitida somente para fins educacionais, respeitados,
entretanto, o disposto no plano de manejo.
A reserva biológica é unidade de conservação que nos termos do artigo 10 da
Lei 9.985/2000 tem por objetivo a:
(...) preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus
limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se
as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo
necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e
os processos ecológicos naturais.229

A reserva biológica é de posse e domínio público, pelo que se instituídas em


limites particulares devem ser desapropriadas (art. 10, § 1º). A visitação pública é permitida
somente para fins educacionais, de acordo com seu regulamento (art. 10, § 2º) e a pesquisa
científica depende da autorização do órgão responsável pela administração da unidade.
Édis Milaré esclarece que a diferença entre Reserva Biológica e Estação
Ecológica refere-se “ à porcentagem da área a ser preservada: enquanto a primeira deve ser
cem por cento, a segunda pode ter até três por cento de sua área modificada para fins de
pesquisa científica” 230.
O Parque Nacional é a unidade de conservação mais conhecida pela
231
população , tendo por objetivo “a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância
ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o
desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em
contato com a natureza e de turismo ecológico”. 232
O regime de visitação dos parques é mais amplo e liberal que o das outras

227
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.247.
228
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.319.
229
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.877.
230
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.248.
231
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.322.
232
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.877.
61

unidades de proteção integral233, sendo que o mesmo deve ser estabelecido em áreas publicas,
devendo ser desapropriadas as áreas particulares incluídas em seus limites.
O monumento natural, segundo o artigo 12 da Lei 9.985/2000, “tem por
objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica”. 234É
uma unidade de proteção integral que pode ser instituída em área particular quando for
possível a compatibilização dos objetivos da unidade com a utilização dos recursos pelo
proprietário.235
O Refúgio da Vida silvestre é uma nova categoria de unidade de conservação,
cujo objetivo é “proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência
ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou
migratória” 236. Podem ser instituídos em áreas particulares, sendo que a desapropriação é
autorizada quando houver “ incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades
privadas ou de não aquiescência do proprietário às condições propostas pelo órgão
responsável pela administração da unidade”. 237
Analisados os espaços territoriais especialmente protegidos, observa-se que a
retirada do domínio privado destes espaços deve ser refletida contemplando-se o princípio da
função social da propriedade, ou seja, “não basta a simples instituição de espaços
especialmente protegidos sob o domínio privado para ser o proprietário privado carecedor de
indenização. É indispensável que dele se retirem todos os elementos inerentes ao domínio”. 238

233
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.323.
234
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.877.
235
Cf. Artigo 12, § 1º da lei 9.985/2000 In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação de
Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.877.
236
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.878.
237
BRASIL. Lei 9.985 de 18 de julho de 2000. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de legislação
de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.878
238
DERANI, Cristiane. A estrutura do Sistema Nacional de unidades de conservação – lei nº9.985/2000.
p.243.
3 O ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO COMPATIBILIZADORES DO DIREITO A PROPRIEDADE
E PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Analisada as questões referentes ao direito de propriedade, principalmente a


imposição ao proprietário de preservar o meio ambiente, tendo-se, por conseqüência, a função
socioambiental como o próprio conteúdo deste direito, urge identificar os elementos
compatibilizadores dos direitos à propriedade privada e a um meio ambiente sadio e
equilibrado para as presentes e futuras gerações, ambos princípios garantidores do
desenvolvimento.

3.1 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO


NORTEADOR DOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA

Se existe a necessidade de se compatibilizar direitos, pressupõem-se, por certo,


a existência de conflitos, e, dessa maneira, os conflitos entre o direito de propriedade e o
direito a um ambiente saudável para presentes e futuras gerações, como qualquer embate,
existe em decorrência das relações sociais, as quais são marcadas pela diversidade, uma vez
que cada indivíduo apresenta sua concepção de justiça, assim como cada grupo social possui
culturas, valores e ideologias diversos. 239
A existência de um “aparente” conflito entre o direito de propriedade e o
direito a um ambiente saudável surge, principalmente, da dicotomia público/privado.
Esta dicotomia, no decorrer da história, foi tratada de forma diversa, ou seja,
em diferentes momentos históricos um direito se subordinou ao outro.240
A harmonização entre os interesses público e privado se dá com o surgimento
dos novos direitos, inclusos, então, o direito de se gozar de um ambiente saudável.
Importa, desta forma, afirmar que referida harmonização se efetiva através da
co-existência e implementação de ambos os princípios (propriedade privada respeitada a sua
função social e defesa do meio ambiente), pois o exercício do direito à propriedade se

239
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e ambiental da Propriedade. p.127.
240
Cf. CAVEDON, Fernanda Salles. Função Social e ambiental da Propriedade. p.128/131.
63

submete a preservação ambiental, visto que os elementos naturais sob o domínio privado são
de interesse de um sujeito difuso, ou seja, a qualidade ambiental.241
Os compatibilizadores destes direitos são, portanto, a função social e ambiental
da propriedade, haja vista, que, uma vez satisfeitas importam na não existência do conflito,
pois o direito de propriedade é exercido em consonância com estas funções, preservando-se o
meio ambiente (interesse público preponderante).
Neste termos, Roxana Cardoso Brasileiro Borges apresenta a inexistência do
conflito entre o direito de propriedade e a proteção ao meio ambiente, uma vez ser o conteúdo
da função ambiental da propriedade a utilização dos recursos naturais disponíveis e a
preservação destes.
Não existe um conflito entre direito de propriedade e a proteção jurídica do meio
ambiente. Os direitos de propriedade e do meio ambiente, desde que se tenha uma
compreensão sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, são compatíveis. Mais
do que isso, pode-se dizer que a proteção ambiental é necessária para a garantia
futura da utilidade do próprio direito de propriedade.242

Desta forma, se afastadas as diversidades que poderiam surgir entre a


dicotomia publico e privado, em primeiro momento, poder-se-ia dizer que a criação dos
espaços protegidos seria um elemento a compatibilizar o direito a propriedade privada e o
direito ao meio ambiente equilibrado, uma vez que a proteção ao meio ambiente é dogma e
princípio constitucional que visa a preservação da qualidade de vida para as presentes e
futuras gerações, sendo, nos termos já delineados no primeiro capítulo, um direito humano
fundamental.
A legislação ambiental ao prever, então, os casos de admissibilidade de
desapropriação e conseqüentemente indenização aos proprietários dos espaços criados, que
não admitem a exploração e que esvaziam o conteúdo econômico da propriedade, afasta o
conflito, pois se protege o meio ambiente e indeniza-se o proprietário, conforme salienta
Cristiane Derani ao dispor que “o dever de indenizar o proprietário privado surge no momento
em que este proprietário, para destinar seu bem ao proveito da sociedade, perde a capacidade
de destiná-lo a seu próprio proveito”. 243
Todavia, grande parte das discussões assenta-se sobre as áreas que não

241
Cf. FIORRILLO, Celso Antônio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e
Legislação Aplicável. p.94/102.
242
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.204.
243
DERANI, Cristiane. A estrutura do Sistema Nacional de unidades de conservação – lei nº9.985/2000.
p.243.
64

prevêem possibilidade de indenização, uma vez que “os recursos naturais são bens da
coletividade que podem estar circunscritos em propriedades privadas. Os direitos de
propriedade individualizados sobre estes bens não excluem os direitos da coletividade em
relação a eles” 244.
Para estas áreas, então, torna-se imperioso a aplicação do princípio da
qualidade do meio ambiente e de sua proteção sobre o princípio da propriedade privada, uma
vez que sopesados estes princípios, o princípio da qualidade do meio ambiente e de sua
proteção inserto no próprio conteúdo do princípio da dignidade da vida humana não retirará a
validade do princípio da propriedade privada, mas irá se sobrepor a este245, até porque a
propriedade só merece proteção, nos termos já vistos, ao cumprir sua função
socioambiental246, respeitando-se, portanto, ao bem maior que é a vida.
Nestes exatos termos José Afonso da Silva se manifesta:
As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como
matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem, é que há de orientar
todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que
ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações
como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as
da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a
toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em
jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumento no
sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade
da vida humana. 247

A jurisprudência pátria não destoa deste entendimento que tem o princípio da


qualidade ambiental como orientador dos demais princípios da ordem econômica, e, para
corroborar tal afirmativa colaciona-se:
Na forma preconizada pelo art. 225 da Constituição Federal, é assegurado a todos os
brasileiros o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerado o
meio ambiente como bem de uso comum. Ao Judiciário incumbe, como a todos em
geral, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Nesse
panorama, fortalecendo-se a consciência, dia a dia mais presente, de que a proteção
ao meio ambiente deve sobrepor-se aos interesses econômicos meramente
particulares, há que se respaldar decisum que, objetivando a preservação da natureza
em todos os elementos essenciais à vida humana e à asseguração de um perfeito
equilíbrio ecológico, reprimem a impetuosidade predatória das ações civilizadas que,
albergadas em pseudo exigências do desenvolvimento, devastam as florestas,

244
DERANI, Cristiane. A estrutura do Sistema Nacional de unidades de conservação – lei nº 9.985/2000.
p.243.
245
Cf. SANTOS, Gustavo Ferreira. Direito de propriedade e direito a um ambiente ecologicamente
equilibrado: colisão de direitos fundamentais? p.20.
246
Cf. CYRILLO, Rose Meire. A função socioambiental da propriedade e o novo código Civil. In: Boletim
Científico – Escola Superior do Ministério Público da União. Brasília: ESMPU, Ano II, n. 09.
Outubro/dezembro de 2003.p.184. Disponível em: http://www.esmpu.gov.br . Acesso em: 01/10/2004.
247
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.p.822.
65

exaurem o solo, eliminam a fauna, empobrecem a flora, poluem as águas e o ar,


furtando dos que aqui habitam o mínimo de qualidade de vida.248

Colhe-se, em semelhante manifestação do Tribunal de Justiça do Paraná, o


entendimento de que o respeito ao meio ambiente não implica, necessariamente, desrespeito
ao direito da propriedade:
Considerando-se a função social da propriedade privada, o respeito às normas
erigidas para a defesa do meio ambiente não fere o direito de propriedade - o
instrumento de que se vale o poder público para alcançar o bem comum é o direito, e
a proteção só é possível com a relativa limitação da propriedade particular,
conciliando o direito real e absoluto de livremente usar e gozar, com o de proteção
do meio ambiente e à sadia qualidade de vida. 249

Esclarece-se que não há a pretensão de afirmar que existe hierarquia entre os


princípios constitucionais de garantia da propriedade privada e de proteção ambiental, ao
contrário, os mesmos devem se harmonizar e se compatibilizar, pois ordem econômica e meio
ambiente estão interligados.
Esta compatibilização entre os Princípios da ordem econômica é assim citada
por Fernanda Cavedom:
(...) Livre iniciativa, Propriedade Privada dotada de função social, e Meio Ambiente
foram consagrados como Princípios Jurídicos Constitucionais, hierarquicamente
iguais, ou seja, as necessidades do mercado, o desenvolvimento econômico, a
apropriação privada de bens, não podem se sobrepor à defesa do Meio Ambiente.
Devem, sim, ser compatibilizados através da construção de um novo modelo de
desenvolvimento ecológico-econômico-social, transpondo-se o modelo liberal de
máxima expressão da liberdade econômica insuscetível de limitações. 250

Neste sentido também expõe Antônio Carlos Brasil Pinto:


O princípio da propriedade privada, quando invocado por legitimo e constitucional,
somente o será na medida em que os usos daí derivados apresentarem conformação
com os demais princípios da ordem econômica e social, nomeadamente aquele
pertinente à sua função social. A tarefa, árdua, aliás, que se apresenta ao interprete é
justamente aquela pertinente à compatibilização dos aludidos princípios enunciados
no art.170 da Constituição Federal de 1988, haja vista o cumprimento do princípio
da democracia econômica e social, especialmente considerando não haver, na
hipótese, princípio hierarquicamente prevalente. De fato, todos os princípio da
ordem econômica situam-se no mesmo nível, em idêntico pé de igualdade, embora
possam parecer antagônicos, a exemplo da livre iniciativa, em relação à defesa do
meio ambiente.251

248
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ação Civil Pública. Agravo de Instrumento
n.10.088 de Criciúma. Relator Des. Trindade dos Santos. Decisão em: 28/05/1996. Disponível em:
http://www.tj.sc.gov.br, acesso em: 07/10/2004.
249
PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Ação Civil Pública. Apelação Civil n. 118.454-5, de Nova
Esperança. Relator: Des. Hirosê Zeni. Decisão em: 29/05/2002. Disponível em: http://www.tj.pr.gov.br, acesso
em: 07/10/2004.
250
CAVEDON, Fernada de Salles. Função Social e Ambiental da Propriedade. p.98.
251
PINTO, Antônio Carlos Brasil. Turismo e meio ambiente: Aspectos Jurídicos. Campinas: Papirus, 1998.
66

Assim, a proteção ambiental sem ser hierarquicamente superior aos demais


princípios constitucionais, uma vez que inserida no próprio direito à vida, norteia a
interpretação dos princípios da ordem econômica e também integra o conceito de função
social da propriedade, conforme já salientado anteriormente e demonstrado por Luís Roberto
Gomes, nos seguintes termos:
Considerando que referidos princípios devem ser interpretados harmonicamente,
com o escopo de sempre atingir a máxima efetividade dos valores constitucionais,
depreende-se que a proteção ambiental, porque intimamente ligada ao direito
fundamental da vida, que daquela depende, tem importância decisiva na
hermenêutica e integração do texto constitucional, e deve preponderar no conceito de
função social da propriedade, integrando indefectivelmente.252

Todavia, a sociedade ainda não atingiu um grau de amadurecimento suficiente


para entender e compreender que não há direito de propriedade se esta contraria as normas de
preservação ambiental, sendo assim, há a necessidade de que sejam os princípios da ordem
econômica (artigo 170 da Constituição Federal) respeitados e compatibilizados, através de um
modelo de desenvolvimento que alberga proteção ambiental e desenvolvimento econômico,
uma vez que “inexiste proteção constitucio nal à ordem econômica que sacrifique o meio
ambiente” 253, sendo a coletividade e o Poder Público responsáveis pela implementação deste
modelo de desenvolvimento, conforme citação que abaixo se colaciona:
Se a legislação, constitucional e infra-constitucional, disciplina e limita a
propriedade à satisfação de fins sócio ambientais, numa crescente configuração de
uma teoria das limitações, necessário que a Coletividade co-responsabilize-se pela
implementação e consolidação dos institutos jurídicos-políticos já existentes,
estimulando uma ordem cidadã, onde os direitos e garantias transindividuais, dos
quais o direito ambiental faz parte, (re)concilie propriedade, desenvolvimento e
conservação de recursos naturais. 254

Assim, preservação ambiental e desenvolvimento econômico, mais


especificadamente o direito a propriedade privada, são princípios da ordem econômica e,
portanto, necessários para assegurar existência e vida digna255, ou seja, qualidade de vida, eis

p.67.
252
GOMES, Luís Roberto. O Princípio da Função Social da Propriedade e a exigência Constitucional de
Proteção Ambiental. Revista de Direito Ambiental. n. 17, ano 05. São Paulo: Revista dos Tribunais, janeiro-
março 2000.p.175.
253
GRAU, Eros Roberto. Proteção do Meio ambiente (Caso do Parque do Povo). São Paulo: Revista dos
Tribunais. Abril/1984.251. Apud DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.238.
254
FERREIRA, Fábio Félix. Limites ao direito de propriedade: possibilidades de conservação dos recursos
naturais. Disponível em: http://www.datavenia.net/artigos/1999/ferreira.html. Acesso em: 23/03/2004.
255
Art. 170. A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
67

que não “não é possível conceber, tanto na realização d as normas de direito econômico como
nas normas de direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compõe a
expressão “ qualidade de vida”.256
A declaração da ONU já previa ser indissociáveis o desenvolvimento
econômico e a proteção ambiental, ao dispor:
Art. 1º - 1. O direito ao desenvolvimento é um inalienável direito humano, em
virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos têm reconhecido o seu direito
de participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele
contribuir e dele desfrutar; e no qual todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais possam ser plenamente realizados. 2. O direito humano ao
desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos à
autodeterminação, que inclui o exercício de seu direito inalienável de soberania
plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais.257

Desta forma, o desenvolvimento econômico e social, capaz de assegurar vida


digna a todos os cidadãos, da presente e futuras gerações, se realizará em justaposição com o
princípio da defesa do meio ambiente, através de uma política de uso sustentável dos recursos
naturais.258
Assim, entende-se que a compatibilização a ambos os direitos será alcançada
através de “mecanismos de equilíbrio”, fala -se em equilíbrio, pois se procura alcançar a
justiça social e conservação dos recursos naturais.
Pode-se observar que a proteção do meio ambiente e a promoção do
desenvolvimento têm sido consideradas desafios interligados. Essa relação é
necessária porque o desenvolvimento não se pode manter se a base de recursos que o
sustenta deteriorar-se. Para a manutenção desse equilíbrio é preciso que o
crescimento econômico leve em conta as conseqüências advindas da destruição do
meio ambiente e do dano ao equilíbrio ecológico. 259

Estes mecanismos consistem na adoção de um modelo de desenvolvimento


sustentável e no alcance de um Estado Ambiental de Direito, os quais poderão ser atingidos
com o efetivo exercício e aplicação dos princípios ambientais (já descritos no 1º capítulo),
pois estes, além de garantir o cumprimento da função socioambiental da propriedade, se
voltam à preservação da vida humana:
Os princípios constitucionais de proteção ambiental constituem as estruturas
nucleares, os verdadeiros pilares da função social da propriedade, que se irradiam

princípios:(...). Artigo 170 da Constituição Federal de 1988. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea de
legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.112.
256
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.77.
257
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e
legislação aplicável. p.35.
258
Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.238.
259
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.24.
68

sobre ela e a fundamentam, compondo-lhe o espírito e servindo-lhe de critério para a


sua exata compreensão e inteligência. Tal se opera em razão de definirem a lógica e
a racionalidade do sistema normativo voltadas para a preservação da vida humana.260

Estes princípios serão efetivados e implementados através da mudança


paradigmática, a qual pressupõe a tomada de consciência dos valores ambientais e da crise
ecológica vivenciada através da educação ambiental.

3.2 CONSTRUÇÃO DE UM ESTADO DE DIREITO DO AMBIENTE

3.2.1 Crise Ambiental

Diante do quadro da crise ambiental vivenciada, caracterizada pela “escassez


de recursos naturais e as diversas catástrofes em nível planetário, surgidas a partir das ações
degradadoras do ser humano” 261, busca-se a construção de um novo Estado que seja marcado
pela participação e solidariedade de toda a sociedade para com as questões ambientais.
Antônio Herman Benjamin, assim dispõe sobre crise ambiental:
A crise ambiental – o sítio ao planeta Terra -, que hoje ocupa a agenda dos políticos,
dos economistas, dos juristas, dos meios de comunicação e principalmente da
opinião pública, é fruto da revolução industrial, revolução esta que surgiu com a
promessa de unidade universal, de paz e de bem estar para todos, sem se preocupar,
contudo, com os seus efeitos no meio ambiente. De um lado, apesar de inegável
crescimento econômico (desigual) e do progresso tecnológico que trouxe, não
cumpriu aquilo que prometeu; do outro, nos deixou um débito ambiental que
dificilmente conseguiremos resgatar.262

Portanto, a crise ambiental é marcada pela atitude da sociedade que concebe


ser a atividade econômica inconciliável com a preservação do meio ambiente263.
Mediante a tomada de consciência desta crise, a sociedade procura reformular
as diretrizes estatais patrocinando uma economia baseada na racionalidade de uso dos
recursos ambientais.264

260
CYRILLO, Rose Meire. A função socioambiental da propriedade e o novo código Civil..p.184.
261
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed.
rev.atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.21.
262
BENJAMIN, Antônio Herman V. A Proteção do meio ambiente nos países menos desenvolvidos: O caso
da América Latina. p.83/84.
263
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.23.
264
A consciência ecológica, em seu nível mais profundo, é o reconhecimento intuitivo da unicidade da vida, da
interdependência de suas múltiplas manifestações e de seus ciclos de mudança e transformação. In: CAPRA,
Fritjof. Sabedoria Incomum: Conversas com pessoas notáveis. Trad. Carlos Afonso Malferrari. São Paulo:
Cultrix, 1998.p.89.
69

Fala-se sociedade, pois esta tem a função de repartir com o Estado as


responsabilidades para com a proteção ambiental. Roxana Cardoso Brasileiro Borges elucida
que esta é em verdade a função ambiental, eis que consistente no dever do Poder público e
dos indivíduos de cuidarem do meio ambiente.265
Desta forma, diante do quadro de incertezas vivenciadas, que tanto os sistemas
capitalista como o socialista geraram e não souberam solucionar, mediante crescimento e
desenvolvimento econômico alicerçados sobre o acúmulo de capital e produção de riquezas
atingidos pelo uso agressivo e ilimitado aos recursos naturais, necessita-se da aplicação de um
modelo de Estado que faça uso de uma espécie de desenvolvimento que leve em consideração
presentes e futuras gerações, bem como uma política que tenha por sustentáculos a
preservação do ambiente.266
Sabe-se que o princípio norteador da busca pela qualidade ambiental é o
Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa
humana, todavia, este se concretiza mediante o concurso e efetivação dos demais princípios
ambientais, os quais já foram identificados no primeiro capítulo.
Estes princípios, se realmente concretizados, em especial o da função
socioambiental da propriedade, serão os responsáveis pela construção do Estado de Direito do
Ambiente, eis que serão implementados através de uma cidadania participativa e solidária,
conforme citação abaixo colacionada:
A emancipação ética dos indivíduos na sociedade pós-moderna; a formulação de
uma sociedade pluralista, democrática e participativa no discurso jurídico; a própria
função do Direito Ambiental, enquanto técnica de libertação; a estrutura normativa
das normas ambientais; a consciência e a educação por uma ecologia que seja
interdisciplinar e multidisciplinar e a elaboração de um estatuto autônomo do
ambiente são instrumentos necessários para se alcançar o estado do bem-estar
social.267

Estes instrumentos são necessários, pois as discussões em torno da ocupação e


ordenamento dos espaços referem-se ao uso da propriedade e também alteração dos valores
éticos vigentes, uma vez que o alcance da finalidade do Estado - desenvolvimento - não mais
admite o descompasso entre crescimento econômico com preservação e recuperação dos
recursos naturais, o qual se dará, por exemplo, mediante a penalização de práticas agrárias

265
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.25.
266
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.22/25.
267
MENEZES, Paulo Roberto Brasil Teles de. O direito ambiental na era do risco: perspectivas de
mudanças sob a ótica emancipatória. In: Revista de Direito Ambiental n. 32, ano 8. São Paulo: Revista dos
Tribunais, outubro/dezembro de 2003.p.13.
70

tradicionais como as queimadas e desmatamentos, questionamentos sobre a estrutura


latifundiária propugnando-se pela reforma agrária como meio de se ordenar a ocupação
territorial com zoneamento ambiental.268

3.2.2 Estado de Direito do Ambiente

As formas de Estado até então propostas e utilizadas (Estado Liberal e Social –


do sistema capitalista - e Estado Socialista) não se mostraram suficientes ao atendimento dos
fins ecológicos que tanto a coletividade anseia e precisa para que se garanta a vida das
presentes e futuras gerações.
Neste sentido, há a necessidade de que seja implantado o Estado de direito do
ambiente, pois pressupõe mais sociedade em detrimento do individual, não somente direitos
sociais, mas estes e aqueles de caráter difuso.
Deste modo, sua construção parece ser algo intangível, conforme salienta
Morato Leite ao citar o entendimento de utopia democrática defendida por Boaventura de
Souza Santos, pois esta requer uma nova forma de pensar a realidade e uma nova maneira de
exercer a cidadania, requer a transformação dos modos de produção, dos conhecimentos
científicos, das formas de sociabilidade, pressupondo uma nova relação paradigmática com a
natureza.269
O Estado de Direito do Ambiente é possível na medida em que cada vez mais
presentes os valores inerentes ao Estado Democrático e, ainda, a importância dada às questões
ambientais.270
Morato Leite defende que “um paradigma de desenvolvimento duradouro,
fundado em eqüidade intergeracional e em uma visão radical menos antropocentrista271,
parece melhor condizente para a construção do Estado de direito do ambiente”. 272

268
Cf. CARVALHO, Carlos Gomes de. Direito Ambiental: Perspectivas no mundo contemporâneo. In:
Revista de Direito Ambiental n. 19, ano 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/setembro 2000.p.207.
269
Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O Social e o Político na Pós-Modernidade.
Afrontamento, Porto, 1994.p.42. Apud LEITE, José Rubens Morato. Estado de Direito do Ambiente: Uma
Difícil Tarefa. p.14.
270
Cf. LEITE, José Rubens Morato. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. p.27/29.
271
Por visão menos antropocentrista pode-se entender aquela que procura não somente ver o homem como
sujeito de direitos, busca o reconhecimento de ser o ser humano parte integrante da natureza, com a qual não
deve competir. Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.20/21.
272
LEITE, José Rubens Morato. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. p.29.
71

Esta mudança paradigmática como pressuposto da manutenção e existência


sustentável dos recursos naturais para as futuras gerações é defendido por Fritjof Capra, que
assim dispõe:
Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo
simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções, no nosso
pensamento e nos nossos valores. E, de fato, estamos agora no princípio desta
mudança fundamental de visão do mundo na ciência e na sociedade, uma mudança
de paradigma tão radical como foi a revolução copernicana. Porém, essa
compreensão ainda não despontou entre a maioria dos nossos líderes políticos. O
reconhecimento de que é necessária uma profunda mudança de percepção e de
pensamento para garantir a nossa sobrevivência ainda não atingiu a maioria dos
líderes das nossas corporações, nem os administradores e os professores das nossas
universidades.273

A mudança paradigmática, que se opõe àquele antigo paradigma fundado na


competição pela existência e pelo crescimento econômico baseado no progresso material
obtido pela exploração ilimitada dos recursos ambientais e de tecnologias, consiste em uma
visão de mundo holística, também denominada visão ecológica, que tem por valores a Terra e
a vida.274
Para que implementado este modelo de Estado pressupõe mudanças na
estrutura da sociedade, na medida em que requer um modelo de cidadania mais responsável e
solidária com os destinos da coletividade.
Nestes termos esclarece Morato Leite:
A consecução do Estado de Direito Ambiental passa obrigatoriamente pela tomada
de consciência global da crise ambiental e exige uma cidadania participativa, que
compreende uma ação conjunta do Estado e da coletividade na proteção ambiental.
Trata-se efetivamente de uma responsabilidade solidária e participativa, unindo de
forma indissociável, Estado e cidadãos, na preservação do meio ambiente.275

Para que a cidadania seja exercida, portanto, requer-se, além da configuração


de um Estado Ambiental, a existência dos valores do Estado Social e do regime Democrático,
uma vez que esta nova cidadania ecológica que emerge busca exercer seus direitos e deveres
para o alcance de mais qualidade de vida, portanto, incluindo-se ambiente saudável e
garantidor do direito fundamental à vida, e não apenas uma cidadania em busca de emprego e
bem-estar.276

273
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. (Trad.) Newton
Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.p.23/24.
274
Cf. CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. p.25/29.
275
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.22/25.
276
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.27.
72

Morato Leite aponta a necessidades dos valores do estado social nesta nova
ordem que deve emergir:
(...) mudanças exigem tarefas fundamentais do Estado na proteção ambiental e uma
política intercomunitária, significando que as transformações não abandonam por
completo o Estado Social, mas trazem um perfil modificado a este. Lembre-se que
os valores ambientais exigem do Estado e da Coletividade preservar o que ainda
existe e recuperar o que deixou de existir, consubstanciando em ação, modificada de
outros direitos sociais, que tratem de realizar o que não existe, tais como serviço de
saúde, habitação. Desta forma, em sua dimensão social, cabe ao Estado de Direito do
Ambiente, indiscutivelmente, entre outras funções, proteger e defender o meio
ambiente, promover educação ambiental, criar espaços de proteção ambiental,
executar o planejamento ambiental.277

Rogério Portanova também compartilha deste entendimento ao dispor que esta


cidadania ecológica tem em seu bojo incluídas as cidadanias civil, política e social, além
daquelas exigidas para a satisfação dos novos direitos (meio ambiente equilibrado,
consumidor) e, por conseqüência, ensejadoras da qualidade ambiental e asseguradora de boas
condições de vida.278
Esta nova cidadania, aliada a soberania e a dignidade da pessoa humana, está
diretamente ligada à efetivação do Princípio Democrático, na medida em que os cidadãos
estarão efetivamente engajados nos processos de tomada de decisões, ou seja, o exercício do
poder estará sendo compartilhado entre todos os cidadãos, constituindo-se, portanto, em uma
cidadania participativa.279
Para que se alcance o Estado de Direito Ambiental, o disposto no artigo 225 da
Constituição há de ser efetivamente aplicado, ou seja, as ações de proteção ambiental devem
ser exercidas pelo Estado e por toda a coletividade de forma conjugada, que nada mais é que a
gestão participativa no Estado através de uma democracia ambiental, realizada pelos mais
diversos segmentos sociais (associações, ONGs, grupos de cidadãos).280
Cristiane Derani reconhece a importância do disposto constitucional que prevê
a participação de todos, sociedade civil e Poder Público, na defesa do Meio Ambiente:
É esta Constituição extremamente inovadora porque traz ao direito o prudente
equilíbrio. Rechaça o liberalismo puro e recusa o simplismo de uma centralização no
Estado de decisões e programas de ação. O que há de mais vibrante neste texto é o
reconhecimento da indissolubilidade do Estado e Sociedade Civil. Todo Problema de

277
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.33/34.
278
Cf. PORTANOVA, Rogério. Exigências para uma cidadania ecológica. Alter agora. Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina, n. 2, nov.1994. p. 85. Apud. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro.
Função Ambiental da Propriedade Rural. p.28.
279
Cf. OLIVEIRA, Flávia de Paiva Medeiros de. GUIMARÃES, Flávio Romero. Direito, Meio Ambiente e
Cidadania. São Paulo: Madras, 2004. p.87/89.
280
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.34/35.
73

política econômica, social e ambiental só pode ser trabalhado quando reconhecida


esta unidade e garantidos os instrumentos de atuação conjunta.281

Salienta-se, desta forma, que esta cooperação entre sociedade e poder público
na preservação ambiental é possível de se concretizar, pois a própria Constituição esclareceu
que o meio ambiente é “bem de uso comum do povo”, de onde se depreende que estes bens
não são públicos e nem privados, são de interesse público282, ou seja, são bens que não podem
ser de apropriação privada, mesmo quando pertençam a particulares, pois o proprietário,
pessoa pública ou particular, não pode dispor como quiser da qualidade ambiental, eis que
esta é de interesse de toda a coletividade.283
Do contrário, seu uso poderia ser autoritário e ilimitado, executado tanto pelo
poder público quanto pelo proprietário privado284, pois não haveria a finalidade de se buscar a
proteção ambiental quando, por certo, os interesses do proprietário iriam prevalecer.
A construção deste Estado de Direito do Ambiente, nos termos já delineados,
importa na efetivação dos princípios ambientais e também nos princípios democráticos, pois
“o Estado de Ambiente é um Estado democrático do Ambiente, quando a política do ambiente
tem um suporte social generalizado e é dinamizado por iniciativas do cidadão” 285, na medida
em que a participação da coletividade seja disseminada.
Destaca-se a importância dos princípios, pois estes são a estrutura de uma
coerente política ambiental que visa uma melhor orientação ao direito ambiental286, os quais
servem para “balizar a a tuação do Estado e as exigências da sociedade em relação à tutela do
ambiente, dão ao sistema jurídico um sentido harmônico, lógico, racional e coerente” 287.
Referidos princípios serão viabilizados concretizados quando se der relevância
à Educação Ambiental288, pois esta é a responsável pela conscientização dos cidadãos para a
problemática ambiental, e, portanto, uma forma de atuação que visa à preservação do meio

281
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.226.
282
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.36.
283
Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p.56.
284
Cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.36.
285
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Público do Ambiente. Coimbra: Faculdade de Direito de
Coimbra, 1995.p.33. Apud LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo
extrapatrimonial. p.41.
286
Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.155.
287
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.43.
288
A Constituição Federal estabelece, no artigo 225, § 1º, VI, a promoção da educação ambiental e da
conscientização pública para a preservação do meio ambiente. In: BRASIL. Constituição Federal - Coletânea
de legislação de Direito Ambiental. MEDAUAR, Odete. (ORG).p.134.
74

ambiente289, sendo esta atuação indispensável, visto ser interesse difuso garantidor da
existência e manutenção da vida humana.
Destaca-se que esta conscientização não está direcionada apenas ao cidadão
comum, ela deverá atingir a todos os membros da sociedade, incluindo-se os Magistrados, os
Representantes do Ministério Público, os Representantes dos poderes executivo e legislativo.
Pessoas que, por obrigação, devem, inserir os princípios ambientais na realização de ações ou
na resolução dos conflitos, para que sejam atendidos os interesses da sociedade em gozar de
um meio ambiente equilibrado, pois do contrário, estarão admitindo que os “princípios
constitucionais se tornem parte de um discurso retórico-ornamental” 290, ou seja, estão
previstos mas são efetivados.
A adoção de uma política de Educação Ambiental aplicada verdadeiramente
produzirá uma coletividade mais consciente, a qual fará uso dos mecanismos postos a sua
disposição na busca de um ambiente preservado e garantidor da qualidade de vida.
Este processo de educação na formação de uma consciência pública para a
necessidade de preservação do meio ambiente já estava previsto pela Lei 6.938/81 (Política
Nacional do Meio Ambiente) como um dos objetivos a serem alcançados.
A Constituição Federal em seu artigo 225, §1º, VI foi mais além ao incumbir
ao Poder Público o dever de promover a educação ambiental e a conscientização ecológica,
sendo que a Lei 9.795/1999 dispôs sobre Educação Ambiental instituindo a Política Nacional
de Educação Ambiental.
Paulo Bessa Antunes, ao tratar da educação ambiental e da lei 9.795/1999 que
a regulamentou, assim estabelece:
É uma ferramenta absolutamente imprescindível para a objetivação do princípio
democrático. Com efeito, a participação em audiências públicas, o exame dos
relatórios de impacto ambiental e todos os outros atos que decorrem do princípio
democrático somente podem ser considerados de acordo com a sua finalidade se as
populações interessadas tiverem a necessária informação ambiental, que é o produto
final do processo de educação ambiental.291

A participação social ocorrerá, então, após um processo de conscientização,


que acontecerá através da publicidade dada aos Estudos de Impacto Ambiental e
licenciamentos ambientais, pois proporcionará o engajamento da população nas decisões

289
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.175.
290
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Do Direito Ambiental – Reflexões sobre seu sentido e aplicação. In: Revista
de Direito Ambiental n. 19, ano 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/setembro 2000.p.63.
291
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. p.176.
75

executivas para autorizar ou não o licenciamento de determinado empreendimento, haja vista


poder ser potencialmente degradante.292
A participação também ocorrerá através da iniciativa popular e mediante
instrumentos judiciais como ação popular, ação civil pública, Mandado de Segurança
Coletivo.
Esta atuação de todos os cidadãos pela preservação ambiental se dará, portanto,
mediante informação e educação, que ensejarão a ampla participação social em todos os
poderes (executivo, legislativo e judiciário), ou seja, nas decisões ambientais e na definição
das diretrizes políticas e ambientais através dos mecanismos já conhecidos como a ação
popular, ação civil pública, audiências públicas, iniciativa popular, consultas públicas.

3.3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Desenvolvimento sustentável é um novo modelo de desenvolvimento que visa


conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico, tendo por fim a garantia de
condições de vida mais digna e humana para uma infinidade de pessoas.
O modelo de desenvolvimento denominado sustentável foi proposto pelo
relatório Brundtland293, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que salientou que o modelo de desenvolvimento econômico comumente
realizado propicia um número cada vez maior de pessoas pobres e vulneráveis, além de
causarem danos ao meio ambiente.294
O termo Desenvolvimento Sustentável criado pela Comissão, aliando
tendências ao desenvolvimento com a proteção ao Meio Ambiente, foi oficializado com a
“Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” a qual ocorreu na
cidade do Rio de Janeiro em 1992.
Nesta Conferência muitos documentos foram elaborados, sendo a Agenda 21 o
mais importante. Referido documento nasceu desta necessidade de se concretizar o

292
Cf. OLIVEIRA, Flávia de Paiva Medeiros de. GUIMARÃES, Flávio Romero. Direito, Meio Ambiente e
Cidadania: uma abordagem interdisciplinar. p.106 e 111.
293
Relatório “Nosso Futuro Comum”, estabelecido pela Comissã o Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, presidido pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlen Brundtland, publicado em 1987.In:
BRASIL. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e desenvolvimento: Relatório da
Delegação Brasileira. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão; Instituto de Pesquisa de Relações
Internacionais, 1993.p.13.
294
Cf. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito Ambiental Internacional. Rio de Janeiro: Thex
Editora: Biblioteca Estácio de Sá, 1995.p.46.
76

compromisso político dos Estados em harmonizar desenvolvimento econômico e proteção


ambiental, compromisso este que requereu “um documento programático a ser implementado
pelos Governos, pelas agências de desenvolvimento, pelas Organizações das nações Unidas e
por grupos setoriais independentes” .295
A agenda 21 é um programa de ação baseado em um documento com 40
capítulos, que quando constituído tinha por finalidade preparar o mundo para os desafios do
novo século (Século XXI).296 É uma tentativa de promover, em escala planetária, um novo
padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e
eficiência econômica. Trata-se de um documento consensual para o qual contribuíram
governos e instituições da sociedade civil de 179 países.297
A finalidade da agenda 21 é o de traduzir em verdadeiras ações o conceito de
desenvolvimento sustentável298, seu documento prevê compromissos para a mudança do
padrão de desenvolvimento para este século, sendo, portanto, uma agenda de
desenvolvimento, ou seja, não é restrito às questões ligadas a preservação da natureza,
procura assim, romper com o desenvolvimento ligado apenas ao crescimento econômico,
buscando, portanto, o desenvolvimento sustentável.
Desta forma, a Agenda 21 estabelece uma base sólida para a promoção do
desenvolvimento sustentável em matéria de progresso social, econômico e ambiental, sendo
suas recomendações divididas em dimensões sociais econômicas, conservação e gestão dos
recursos para o desenvolvimento, fortalecimento do papel de grupos principais, como
mulheres, crianças e jovens.
O novo tipo de desenvolvimento proposto é, então, aquele capaz de manter o
progresso humano não apenas em alguns lugares em alguns anos, mas em todo o planeta.299
O presente modelo de desenvolvimento propugna a adoção de diversos
princípios para uma vida sustentável, são eles: Respeitar e cuidar das comunidades dos seres
vivos; melhorar a qualidade de vida; conservar a diversidade do planeta através da
conservação dos processos ecológicos, da biodiversidade e do uso sustentável dos recursos
renováveis; alteração de valores (paradigma econômico para o ecológico); Gerar uma

295
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p. 934.
296
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.67
297
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente - O que é Agenda 21? Disponível em: http://www.mma.gov.br,
Acesso em: 23/04/04.
298
Cf. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente - O que é Agenda 21?Disponível em: http://www.mma.gov.br,
Acesso em: 23/04/04.
299
Cf. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Direito Ambiental Internacional. p. 46
77

estrutura nacional de integração do desenvolvimento e conservação dos recursos.300


No Brasil o desenvolvimento sustentável está preconizado no art. 225 da
Constituição Federal de 1988, todavia a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
6.938/1981) já o previa, pois tratou como um dos seus objetivos a compatibilização do
desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente e do equilíbrio
ecológico necessário a assegurar qualidade de vida.301
Relacionando este modelo de desenvolvimento a problemática enfrentada, ou
seja, harmonização do direito à propriedade com a preservação ambiental, pode-se afirmar
que é o modelo que além de estar inserido no artigo 225 da Constituição Federal, ao prever a
preservação ambiental com garantia de vida para as presentes e futuras gerações –
sustentabilidade ambiental - está previsto, também, nos dispositivos referentes à ordem
econômica, pois preservação ambiental e propriedade fazem parte de seus princípios
informadores (art. 170), e, portanto, devem conviver harmonicamente através do atendimento,
do também princípio da ordem econômica, da função social da propriedade.
Plauto Faraco de Azevedo ao apresentar os dispositivos constitucionais
referentes à preservação ambiental, propriedade e função social, assim dispõe sobre a
sustentabilidade ambiental:
Como se percebe destes dispositivos, os princípios ou valores fundamentais que
consagram são correlativos, isto é, constituem uma estrutura cujas partes são
indissociáveis: não pode haver promoção do bem de todos ou da justiça social sem o
respeito da dignidade da pessoa humana, o que, à sua vez, não se dá sem
reconhecimento da função social da propriedade e sem que a utilização dos recursos
do ambiente seja sustentável. A agressão egoística ou irresponsável deste,
beneficiando apenas os predadores incapazes de antecipar o futuro, torna impossível
cogitar da justiça social ou do bem comum, apontando para o “fim do futuro”. Os
que assim procedem, sendo moralmente indignos, são mensageiros da morte, sem
qualquer consideração com a vida das gerações futuras.302

O modelo de desenvolvimento sustentável é importante e deve ser aplicado, eis


que, para superar a miséria e a pobreza de milhões de brasileiros é necessário gerar riquezas,
todavia, esta não pode ser feita sobre bases de crescimento a qualquer preço.
Os modelos de desenvolvimento que não levam em consideração a questão
ambiental são impulsionados para que através de tecnologias se possa substituir o que a
natureza oferece.

300
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. p.54/56.
301
Cf. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. p.7.
302
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Do Direito Ambiental – Reflexões sobre seu sentido e aplicação. p.62.
78

Neste sentido são modelos de desenvolvimento fundados no paradigma


tecnológico e de crescimento, pois ao invés de investir na prevenção procura “remediar” os
danos.
É preciso crescer, todavia de maneira planejada e sustentável, sendo, então,
finalidade deste modelo de desenvolvimento assegurar a compatibilização do
desenvolvimento econômico-social com a proteção da qualidade ambiental.
Sem esta compatibilização não há como se falar em progresso, pois este se
concretiza quando realizados de forma harmônica os princípios da ordem econômica, os quais
ocorrem em função de esforços de todos os homens e não a custa do mundo natural, pondo-se
em risco o futuro da própria humanidade.303
Compatibilizar o meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os
problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-
se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações
particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de
uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política
ambiental não deve erigir-se em obstáculo ao desenvolvimento, mais sim em um de
seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais
constituem sua base material.304

Quando proposto este modelo de desenvolvimento, partiu-se da premissa de


que é falso o dilema ou desenvolvimento ou meio ambiente, eis que devem harmonizar-se e
complementar-se305, conforme o disposto inclusive no artigo 170 da Constituição Federal.
É falso, pois desenvolvimento não se confunde com crescimento, sendo nesta
ordem defendido por Eros Roberto Grau:
Importando a consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas
também qualitativa, não pode o desenvolvimento ser confundido com a idéia de
crescimento. Este, meramente quantitativo, compreende uma parcela da noção de
desenvolvimento, deixando de fora, evidentemente, qualquer preocupação com o
meio ambiente. 306

Vislumbra-se, entretanto, que este novo modelo de desenvolvimento, para ser


realmente posto em prática, pressupõe, como já explanado, uma mudança do paradigma
econômico, ou seja, aquele que tem o fator econômico como sendo “crescimento”, para o
paradigma ecológico da sustentabilidade, pois entende o direito ambiental como possuidor de

303
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.52,2004.
304
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.51.
305
Cf. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente.p.51.
306
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1991. Apud PINTO, Antônio Carlos Brasil. Turismo e meio ambiente: Aspectos
Jurídicos. p.68.
79

natureza econômica, dirigido à preservação e sustentabilidade racional dos recursos


ambientais, com a finalidade de garantir qualidade de vida, uma vez que, nos termos já
salientados, fator econômico deve ser encarado como desenvolvimento e não crescimento já
que desenvolvimento pressupõe harmonia entre os diferentes elementos constitutivos da
ordem econômica. 307
Cristiane Derani após apresentar o conceito de desenvolvimento sustentável
trazido pelo Relatório “Nosso Futuro Comum” a sua vinculação com sustentabilidade
econômica e ecológica, apresentou que não é um modelo ideal, mas se implementado
contribuirá na preservação ambiental.
Desenvolvimento sustentável implica, então, no ideal de um desenvolvimento
harmônico da economia e da ecologia que devem ser ajustados numa correlação de
valores onde o máximo econômico reflita igualmente um máximo ecológico. Na
tentativa de conciliar a limitação dos recursos naturais com o ilimitado crescimento
econômico, são condicionadas à consecução do desenvolvimento sustentável
mudanças no estado da técnica e na organização social.308

A preservação ambiental como principio da ordem econômica que é, deve ser


efetivado para que a coletividade consiga se desenvolver sustentavelmente, afastando-se, por
conseguinte a antiga concepção de antagonismo entre desenvolvimento econômico e proteção
ambiental, defendida pelo Brasil durante a Conferência de Estocolmo.
Este falso antagonismo é demonstrado por Antônio Herman Benjamin:
A primeira fratura desmontou o falso antagonismo defesa do meio ambiente e
desenvolvimento, que caracterizou originalmente o movimento ambiental na década
de 70 (...). Tal antagonismo mostrou-se, no decorrer nos anos 80, incorreto, já que as
relações entre economia meio ambiente não têm, necessariamente, que ser
conflitivas. (...) O segundo rompimento – diretamente relacionado com o primeiro –
atuou sobre o binômio desenvolvimento econômico X crescimento econômico a
qualquer custo. Este último parâmetro, como é notório, embora totalmente insensível
à questão ambiental, balizou por séculos a evolução da humanidade. (...)
Atualmente, já se fala em ecodesenvolvimento ou em desenvolvimento sustentado
(sustentável), como síntese não apenas conveniente, mas necessária, entre meio
ambiente e economia.309

Paulo de Bessa Antunes também esclarece a importância do princípio de


proteção ambiental para se alcançar um padrão sustentável de desenvolvimento afastando-se a
visão meramente econômica do acumulo de capital, o que por conseqüência afasta qualquer
possibilidade de antagonismo:
307
Cf. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.19.
308
DERANI, Cristiane, Direito Ambiental Econômico. p,128.
309
BENJAMIN, Antônio Herman V. Dano Ambiental: Prevenção, Reparação e Repressão. São Paulo: RT, 1992.
p.12 e 13. Apud FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito
Ambiental e Legislação Aplicável. p.117.
80

A efetivação do Princípio de proteção ao meio ambiente como princípio econômico


implica, obrigatoriamente, a mudança de todo o padrão e do conceito de
desenvolvimento econômico. É na busca de tais modificações que temos visto o
surgimento de um imenso movimento de massas que se organiza em escala
planetária na defesa do meio ambiente e da qualidade de vida.310

Para que posto em prática o desenvolvimento sustentável, propugnado


inclusive pela Constituição Federal, é necessário, assim como para a construção de um Estado
de Direito do Ambiente, estar a sociedade sob um regime político de democracia participativa
e solidária que garanta criatividade e gestão autônoma da sociedade311, além da
implementação e efetivação dos princípios ambientais.
Frisa-se que referida implementação não se dará através da edição de mais leis,
haja vista o aparato normativo já existente. Necessário sim, o reconhecimento destes
princípios por toda a coletividade, através da conscientização da problemática ecológica e
pela adoção de políticas econômicas e ambientais sustentáveis por parte do poder executivo,
e, ainda, a adoção dos princípios pelo judiciário, na resolução dos conflitos suscitados,
notadamente aqueles oriundos da exploração da propriedade privada.
Desta forma, pode-se afirmar que são princípios de ação ao alcance de um
desenvolvimento sustentável, a conscientização e mobilização da sociedade por meio da
educação ambiental, a melhoria do padrão de vida da população, integração de ações
governamentais e do setor privado na consecução de políticas sociais e ambientais.
Cristiane Derani, ao abordar o tema do desenvolvimento sustentável traduzido
pelo uso parcimonioso dos recursos naturais considera-o um idealismo pouco factível, pois a
sociedade confunde necessitar e querer, sendo desta forma, marcada pelo crescente
consumismo.312
Todavia, nos termos anteriormente expostos e defendidos por Cristiane Derani,
o desenvolvimento sustentável pode ser alcançado através de mudança de paradigma (do
consumismo para o necessário) e desde que tenha por base os princípios ambientais.
(...) a teoria do desenvolvimento sustentável como tradução do ideal de uso
parcimonioso dos recursos naturais esgota-se num idealismo pouco factível.
Entretanto, um trabalho de discussão política de prioridades, calcado em valores e
princípios menos auto-destrutivo do homem com o homem e com a natureza. (...) O
que existe é, dentro de uma mediação política comunicativa, a possibilidade de
compor, atentando à inerente multidisciplinariedade, um conjunto complexo de
fatores que resultariam, para uma determinada sociedade, o econômica-ambiental-

310
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.p.16.
311
Cf. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da Propriedade Rural. p.25.
312
Cf. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.135/154.
81

socialmente equilibrado. 313

Desta forma, o desenvolvimento sustentável que na prática ainda não tem a


314
“aplicação significante e homogênea de desenvolvimento duradouro” , é o modelo que deve
ser aplicado, mas encontra óbice a sua existência no fato de a sociedade ainda viver com base
no antigo paradigma consumista, e, portanto, será viabilizado mediante mudanças de
comportamento no plano social e pessoal, além de transformações no modo de produção e
hábitos de consumo.
Verifica-se, assim, que muitas são as dificuldades e desafios na consecução
deste modelo de desenvolvimento que terá por fim a garantia da sustentabilidade ecológica,
ambiental, social, política, econômica, demográfica, cultural, institucional, espacial.315
Entretanto, mesmo diante das dificuldades de implementação é o modelo que
deve ser aplicado, pois é aquele que acaba por envolver as normas (regras e princípios)
previstas nos artigo 225 e 170 da Constituição, além de ser o modelo que se efetivado poderá
garantir o futuro das demais gerações.

313
DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. p.154.
314
LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p.25.
315
Cf. NOVAES, Waschinton. (Coord).Agenda 21 Brasileira: Bases para discussão. Brasília: Ministério do
Meio Ambiente / PNUD, 2000. p.40/41.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O meio ambiente ecologicamente equilibrado apresenta-se como um novo


direito, estatuído à categoria de Direito humano fundamental, sendo um dos direitos de
terceira geração, pois nada mais é do que um direito de solidariedade e fraternidade, eis que
toda a coletividade é responsável pela manutenção de uma vida saudável e pacífica, ou seja,
qualidade de vida.
Deste modo, ao se conceber o Bem ambiental como bem pertencente à todos e
indispensável à existência da vida, em todas as suas formas, é que diante de confrontos deste
com os direitos individuais (privados), aí, então, inclusos o direito à propriedade privada, há
que se prevalecer a defesa do meio ambiente, até porque o direito à propriedade só será
reconhecido se atendido a sua função sócio ambiental.
Todavia, esta afirmação não importa na não indenização, ou seja, há casos que
em virtude do esvaziamento econômico da propriedade, o proprietário deve ser ressarcido,
como por exemplo, no caso de possuidor e dono de área em que foi instituído um parque
nacional (unidade de conservação de proteção integral).
A proteção ambiental, ao inserir-se como princípio da garantia da manutenção
da vida humana prevalece sobre interesses econômicos meramente particulares sem ser um
princípio superior ao da propriedade, pois em verdade, estes devem estar compatibilizados
para a consecução de uma existência digna.
Deste modo, o exercício do direito à propriedade função social e ambiental
resguarda os interesses do proprietário (direito individual a explorar economicamente a
propriedade) e da coletividade (direito difuso de possuir um meio ambiente sadio e
equilibrado).
Assim, verificou-se que a propriedade somente é legitimada quando seu
exercício não atentar contra interesses sociais, como, por exemplo, não fazer uso de formas de
trabalhos degradantes, não desrespeitar normas de vizinhança e não atentar contra interesses
ambientais.
O proprietário deve, portanto, tanto manter produtiva a sua propriedade como
respeitar as regras de construção utilizando-se adequadamente dos recursos naturais
disponíveis e preservando, por conseqüência, o meio ambiente.
83

A proteção ambiental incluída como um dos princípios da ordem econômica a


ser alcançado para se garantir a vida digna, ao lado do direito de propriedade que atenda a sua
função social, pretende dar início a um novo tipo de desenvolvimento, dito sustentável,
baseado na utilização válida da propriedade que utiliza racionalmente os recursos disponíveis,
na medida em que o proprietário toma consciência de que os recursos oferecidos pela natureza
são finitos.
A Constituição Federal ao dispor sobre a criação dos espaços territoriais
especialmente protegidos é considerada marco importante no ordenamento jurídico brasileiro,
na medida em que ao serem definidos e criados, dispõem sobre a maneira de serem os
recursos utilizados, exercendo papel fundamental na preservação do ambiente.
Todavia, como visto, necessário muito mais do que a criação de espaços
protegidos, a sociedade deve compreender que as normas de proteção ambiental, aí inclusas as
regras e os princípios, devem ser atendidas, pois, do contrário, o futuro da vida humana
restará seriamente prejudicado.
Desta forma, há que se buscar a configuração de um novo Estado, um Estado
de Direito do Ambiente, baseado em uma democracia ambiental que proclame a cidadania
participativa e solidária, que tenha por fundamento o uso racional dos recursos naturais e que
saiba conjugar crescimento econômico e preservação da natureza, constituindo-se, por certo,
no modelo válido de desenvolvimento, aquele que visa a sustentabilidade ambiental e
econômica.
Esta construção é difícil, mas será efetivada a partir da mudança do paradigma
econômico – tecnológico baseado no consumo sem fronteiras, para o paradigma ecológico
que tem por fim prevenção e preservação, que sabe distinguir o “querer” do “necessitar”, visto
que desenvolvimento sustentável é aquele que requer um consumo sustentável, ou seja, saber
usar os recursos naturais para satisfazer as necessidades sem comprometer as necessidades
das futuras gerações.
A mudança paradigmática ocorrerá pela conscientização da sociedade através
da educação ambiental, que fomentará a importância dos princípios ambientais na formulação
de políticas econômicas, sociais e ambientais e, por conseqüência, formará indivíduos
conscientes e preparados para enfrentarem a crise ecológica pela qual passa a humanidade.
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