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Gambito de dama

O livro que vou apresentar hoje é “The Queen’s Gambit”, ou


“Gambito de Dama” em português, que foi escrito por Walter
Stone Tevis.

Tevis, foi um escritor e contista norte-americano. Nasceu a 28 de


fevereiro de 1928, em São Francisco, na Califórnia e faleceu a 9
de agosto de 1984, em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

É também autor de seis outros romances, dos quais se destacam


3, que deram origem a filmes de grande sucesso.

“The Queen’s Gambit” foi publicado pela primeira vez em inglês


no ano de 1983, e é considerado um romance semi-biográfico
uma vez que a obra foi baseada na vida do autor que aprendeu a
jogar xadrez aos 7 anos e que dois anos depois lhe foi
diagnosticada febre reumática, ficando internado durante um
ano. Nesse período de tempo passou a tomar doses de um
barbitúrico que lhe causava dependência, tal como, em Gambito
de Dama, Elizabeth Harmon fica viciada nos calmantes que lhe
são dados no orfanato. Depois da saída do hospital, os pais de
Tevis mantiveram-se ausentes na vida do autor, fazendo assim
com que ele procurasse um refúgio, neste caso o bilhar, no caso
de Beth, o xadrez.

Este livro foi também lançado pela Netflix, como minissérie, a 23


de outubro de 2020.

Eu li a primeira edição portuguesa publicada em fevereiro de


2021, cuja editora é “Suma de Letras”.
Seguindo uma lógica cronológica, após um acidente de viação
fatal que causou a morte da mãe, e com o pai fora de cena, aos 8
anos Beth vai viver para um orfanato, ambientado nos anos 50,
no qual ganha não só o vício pelo xadrez, como pelos
tranquilizantes (dados às crianças para as manter calmas e bem-
comportadas).

A correlação entre ambos não é uma mera casualidade.


Atormentada pelos demónios de uma infância traumática e de
um espírito singular, Beth vê no xadrez um mundo onde
consegue manter o controlo e dominar o que lhe acontece, e nos
comprimidos um escape para esse domínio.

Durante a sua estadia no orfanato conhece o solitário Senhor


Shaibel, que depois de lhe ensinar as bases do jogo depressa
reconhece que Beth é um pequeno génio do xadrez.

Mais tarde, após ser adotada, cria uma relação de amizade e


companheirismo com a mãe adotiva, que se apercebe do seu
potencial enquanto jogadora e dos benefícios de enveredar por
entre um mundo de vitórias, encorajando-a assim na sua paixão.

Juntas viajam para os mais variados destinos em torneios de


xadrez, através dos quais Beth ganha reputação, quebrando
estereótipos e tornando-se uma das adversárias mais temidas
pelos seus oponentes.

Paralelamente à evolução do jogo de Beth, dá-se uma jornada


pessoal, como jogadora e como jovem mulher, através da qual
cria amizades e rivalidades, deparando-se com desafios muito
maiores do que aqueles que enfrenta no jogo e caminhando em
direção a um desfecho que tanto pode ser o seu triunfo, como o
seu declínio.
A obra tem uma escrita brilhante, onde o autor descreve cada
jogada, cada movimento de peças… de uma forma tão incrível e
inexplicável que mesmo quem nunca jogou xadrez consegue se
imaginar a jogar, porém uma escrita simples, com frases curtas e
vocabulário acessível, não sendo necessário ser-se perito em
xadrez para que se desfrute da beleza da prosa.

O título é bastante alusivo à obra dado o facto de que se intitula


de “The Queen’s Gambit”, o nome de uma abertura de xadrez,
uma das primeiras jogadas que Beth aprendeu e a que recorreu
num dos jogos mais importantes.

A história é contagiante, que imerge o leitor nas suas intrigas e o


deixa curiosíssimo em relação aos acontecimentos futuros.

O livro é focado na personagem Elizabeth Harmon (a minha


personagem favorita), uma menina inteligente e com uma
memória visual apuradíssima, na qual podemos encontrar um
feminismo subtil, que encara a posição de igualdade da mulher
com a naturalidade que lhe deveria ser reconhecida.

Apesar de toda a alusão ao jogo, o livro aborda também vários


outros temas como: o luto, a institucionalização de crianças, o
abuso de substâncias, a adoção, enfim um leque de assuntos
importantes e que fizeram todo o sentido nesta narrativa, que
considero bastante relevantes e chamativos.

Considerando o facto de vivermos numa época ainda fortemente


marcada por diferenças de género, a inclusividade está de certa
forma bastante vincada no xadrez.

No momento/ instante do jogo gera-se um mundo num tabuleiro


onde todos cabem e no qual importa apenas a capacidade de
jogar. De fora fica o que não tem relevância perante o poder de
cada uma daquelas peças, barreiras como: género, raça, idade,
estatuto social, entre outros privilégios.

Em comum existe apenas a paixão pelo jogo e a vontade de


vencer, que é algo bastante admirável para a sociedade da
época.

“The Queen’s Gambit” funciona também como um aviso para


não nos tornarmos escravos da nossa própria paixão e do nosso
próprio cérebro.

Recomendo não só a leitura da obra, como a visualização da


aclamada minissérie, que traz uma nova vida a esta narrativa por
si só incrível.

Aqui temos uma citação de Alice Harmon: “A pessoa mais forte


de todas não tem medo de ficar sozinha.”, uma frase que Alice
usa para mostrar a Beth que apesar de o ser humano viver em
sociedade, apreciar e até precisar da companhia dos outros, é
independente e não precisa da muleta de terceiros para
encontrar paz, felicidade e força.

FIM.

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