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Coordenação editorial

BÁRBARA PRINCE

Editorial
ROBERTO JANNARELLI, VICTORIA REBELLO
&
ISABEL RODRIGUES
Comunicação
MAYRA MEDEIROS, PEDRO FRACCHETTA &
GABRIELA BENEVIDES
Preparação
GIOVANA BOMENTRE

Revisão
TÁSSIA CARVALHO & KARINA NOVAIS

Diagramação & produção gráfica


DESENHO EDITORIAL

Projeto gráfico & capa


GIOVANNA CIANELLI

Textos de
SOPHIA ABRAHÃO
LORENA PORTELA
MARCELA SOALHEIRO
RENATA COLASANTE

Nunca vão ao correio quando chove


DANIEL LAMEIRA
LUCIANA FRACCHETTA
RAFAEL DRUMMOND
&
SERGIO DRUMMOND
SUMÁRIO

FOLHA DE ROSTO
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
PRIMEIRA PARTE
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
SEGUNDA PARTE
Í
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
TERCEIRA PARTE
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
Í
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
AS TANTAS – E NEM TANTAS – EMMAS ENTRE NÓS
O REENCONTRO COM EMMA ATRAVÉS DAS PÁGINAS E DAS
TELAS
A COMICIDADE EM EMMA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PÁGINA DE DIREITOS AUTORAIS
APRESENTAÇÃO
por
Sophia Abrahão

Sou muito grata a Jane Austen e à obra que nos deixou. Estamos falando
de uma britânica que, em pleno século XIX, defendeu através de seus livros a
independência e emancipação das mulheres. Irônica e sagaz, a autora sempre
encontrou maneiras de criticar as estruturas sociais vigentes, ao mesmo
tempo que produziu obras que até hoje influenciam o mundo literário.
Em seus livros, Austen nos mostra que mesmo as personagens mais
empoderadas estavam submetidas a uma estrutura de dominação masculina e
a um sistema repleto de crenças patriarcais. Ao mesmo tempo, é um deleite
observar como elas sempre encontram jeitos de transformar a própria
realidade. São mulheres com vontades, desejos e opiniões que desafiam os
padrões impostos da época.
Se ainda hoje nos parece disruptivo ver mulheres como protagonistas da
própria história, se isso ainda nos atinge e inspira, podemos imaginar como
essas abordagens foram revolucionárias na época em que foram escritas!
Emma não foge à linha, é uma protagonista forte e que evolui com suas
falhas. Mas, diferente de outras heroínas da autora, é uma menina rica e
privilegiada, e o universo do livro evidencia como essa superioridade social
atinge todos ao redor dela. A nossa protagonista é repleta de controvérsias,
mas são justamente essas imperfeições que a tornam tão cativante.
O livro ironiza e critica a divisão e o contraste entre as camadas da
sociedade presentes naquele contexto, e reafirma a quase nula possibilidade
de mobilidade social dos personagens, com exceção do matrimônio. Mas
Emma não precisa de um casamento para se estruturar ou para conquistar
segurança e estabilidade: ela é rica, bela, dona de si e admirada pelos que
estão ao redor. Emma é, portanto, livre

não está acostumada com regras ou
restrições.
Paralelo a isso, ela genuinamente quer ajudar aqueles que julga
precisarem de sua atenção, mas acaba por tutelá-los, chegando a atuar na vida
afetiva deles como uma espécie de cupido. Essas atitudes nos revelam o
quanto aquela burguesia encara o mundo sob uma ótica completamente
destacada da realidade, e como essa influência que exercem sobre seus
“inferiores” pode tornar as relações extremamente nocivas a quem não goza
de riquezas e regalias. Vislumbramos, então, uma sociedade em que pessoas
de uma classe social mais elevada se sentem aptas a protagonizar não só sua
própria história, como a de todos ao seu redor.
E esta foi a ousadia de Austen: criar uma personagem com defeitos e com
quem por vezes é difícil se identificar. A autora inclusive achava que Emma
não seria carismática aos olhos dos leitores, ledo engano. Emma, com todas as
suas complexidades, se tornou alguém real, uma personagem deliciosa de
acompanhar e muito interessante de analisar. Nossa heroína evolui durante a
história e é delicioso vê-la amadurecer.
Espero que, ao ler o romance, você torça para que Emma se torne a
protagonista também da sua vida, leitor. Tenho certeza de que vai se
surpreender com o quanto ela, com todas suas questões e
desacertos, é capaz
de encantar.

SOPHIA ABRAHÃO
é atriz, apresentadora e cantora. Nascida em São Paulo,
estreou na TV aos 16 anos e desde então não parou mais. Sophia tem diversas
novelas, filmes e peças no currículo, além de uma série internacional.
Apresentou o Vídeo Show por dois anos na Rede Globo e teve seu primeiro
álbum indicado ao Grammy Latino. Sophia Abrahão também tem três livros
publicados em parceria com as escritoras Carolina Munhoz e Camila Fremder.
A sua alteza real
o príncipe regente,
esta obra é,
por permissão de sua alteza real,
muito respeitosamente
dedicada,
pela humilde,
devotada
e zelosa súdita
de sua alteza real,

A autora.
CAPÍTULO I

Emma Woodhouse, bela, inteligente e rica, com um lar


confortável e um temperamento alegre, parecia combinar algumas
das melhores bênçãos da existência, e vivera quase vinte e um anos
no mundo com muito pouco que a angustiasse ou aborrecesse.
Era a mais nova de duas filhas de um pai profundamente
afetuoso e indulgente, e, por conta do casamento da irmã, se tornara
senhora da casa em uma tenra idade. A mãe morrera já fazia tempo
demais para que ela guardasse mais que recordações vagas de seus
toques; seu lugar tinha sido ocupado por uma excelente governanta,
cujo afeto não deixava muito a desejar em relação ao de uma mãe.
Por dezesseis anos, a srta. Taylor fizera parte da família do sr.
Woodhouse, mais amiga do que governanta, e muito afeiçoada às
duas filhas, mas especialmente a Emma. Entre elas
, havia mais
uma intimidade de irmãs. Mesmo antes de a srta. Taylor abandonar
o cargo nominal de governanta, seu temperamento brando jamais
lhe permitira impor quaisquer restrições; e agora, tanto tempo
depois de a sombra de autoridade haver passado, elas viviam juntas
como amigas muito apegadas uma à outra, enquanto Emma fazia o
que bem lhe aprazia — tendo em alta conta o juízo da srta. Taylor,
mas se orientando sobretudo pelo próprio.
De fato, as verdadeiras desvantagens da situação de Emma eram
o excesso de liberdade para seguir os próprios desígnios e uma
tendência a pensar bem demais de si mesma — eram esses os riscos
que ameaçavam temperar seus muitos prazeres. No momento,
entretanto, o perigo passava tão despercebido que de forma alguma
ela via tais circunstâncias como infortúnios.
Sobreveio uma tristeza — uma tristeza branda —, mas não por
conta de qualquer evento desagradável. A srta. Taylor se casou. Foi
a perda da srta. Taylor que causou o primeiro sofrimento. No
casamento da adorada amiga, Emma sentou-se em contemplação
pesarosa por um longo momento pela primeira vez. Quando a
cerimônia terminou e os convidados partiram, o pai e ela foram
deixados para jantar sozinhos, sem a perspectiva de uma terceira
companhia para animar a longa noite. O pai se retirou para a cama
após o jantar, como de costume, e então restou a Emma ficar
pensando no que tinha perdido.
O evento prometia toda felicidade possível para a amiga. O sr.
Weston era um homem de caráter irrepreensível, com uma fortuna
sólida, de idade apropriada e modos agradáveis, e havia certa
satisfação em considerar a amizade altruísta e generosa com que
Emma sempre desejara e promovera aquele matrimônio, mas ainda
assim a circunstância era penosa. A falta da srta. Taylor seria
sentida a cada hora de cada dia. Ela recordou as gentilezas
recebidas — dezesseis anos de gentilezas e de afeto, como a srta.
Taylor a instruíra e brincara com ela desde os cinco anos, como
tinha devotado todas as suas faculdades a encantá-la e entretê-la na
saúde e como cuidara dela ao longo das várias enfermidades da
infância. Tinha uma grande dívida de gratidão nesse sentido, mas a
conexão entre elas nos últimos sete anos, a igualdade e a total
franqueza que se seguiram ao casamento de Isabella, quando
passaram a ter apenas uma à outra, era uma recordação ainda mais
querida e terna. Ela fora uma amiga e companheira como poucas:
inteligente, bem-informada, prestativa e gentil; conhecia todos os
hábitos da família e interessava-se por todas as suas preocupações,
particularmente pela própria Emma, por cada um de seus prazeres e
projetos — uma amiga a quem ela podia comunicar cada
pensamento assim que emergia, e que lhe tinha uma afeição
inabalável.
Como suportar a mudança? Era verdade que a amiga moraria a
menos de um quilômetro deles, mas Emma sabia que haveria
grande diferença entre uma sra. Weston a menos de um quilômetro
deles e uma srta. Taylor em casa. E, apesar de todas as vantagens,
naturais e domésticas, agora ela corria o grande risco de padecer de
solidão intelectual. Amava o pai profundamente, mas ele não era um
companheiro. Não se equiparava a ela em conversas, racionais ou
bem-humoradas.
O problema da diferença de idade entre eles (o sr. Woodhouse
não tinha se casado cedo) era ainda realçado pela constituição e
pelos hábitos dele, pois, tendo sido hipocondríaco a vida toda,
nunca exercitando a mente ou o corpo, era muito mais idoso em
hábitos do que em anos — e, embora em todo lugar fosse querido
pelo coração generoso e pelo temperamento amável, seus talentos
jamais o teriam favorecido.
A irmã, embora comparativamente menos distante, após casar-
se e fixar residência em Londres, estava muito além do alcance
diário de Emma, mesmo que a apenas vinte e cinco quilômetros
dali, e muitas noites longas de outubro e novembro teriam de ser
superadas em Hartfield antes que o Natal trouxesse a próxima visita
de Isabella e do marido, com as crianças, para encher a casa e
novamente oferecer a ela uma companhia agradável.
Highbury — a vila grande e populosa que quase constituía uma
cidade e à qual pertencia Hartfield, apesar de a propriedade ter
terras, jardins e um nome separados — não lhe oferecia ninguém de
seu nível. Os Woodhouse eram a família de maior importância e
respeitados por todos. Emma tinha muitos conhecidos, pois o pai
era cordial com todos, mas nenhum poderia ser admitido no lugar
da srta. Taylor por sequer uma tarde. Era uma mudança
melancólica, e Emma só fazia suspirar e ansiar por coisas
impossíveis, até que o pai acordava e era preciso demonstrar
alegria. Os ânimos dele exigiam apoio. Era um homem ansioso e que
se deprimia com facilidade; afeito a todos a quem estava
acostumado; odiava se separar deles e detestava mudanças de todo
tipo. O matrimônio, como causador de mudanças, era sempre
indesejável. Ele ainda não estava de forma alguma conformado com
o casamento da própria filha, nem era capaz de, quando obrigado a
se separar também da srta. Taylor, falar desta com algo além de
compaixão, ainda que o casamento tivesse nascido de um afeto
verdadeiro; devido a seu egoísmo amável, era incapaz de supor que
os outros pudessem ter sentimentos diferentes dos dele, e estava
inclinado a pensar que a srta. Taylor tomara uma decisão tão
lamentável para si quanto para eles, e que ela teria sido muito mais
feliz se tivesse passado o resto da vida em Hartfield. Emma sorria e
conversava com a maior animação possível, para distraí-lo de tais
pensamentos, mas, quando chegava a hora do chá, era impossível
para ele não repetir o que dissera no jantar:
— Pobre srta. Taylor! Gostaria que ainda estivesse aqui. Que
pena o sr. Weston ter pensado nela!
— Não posso concordar com o senhor, papai, sabe que não. O sr.
Weston é um homem excelente, agradável e bem-humorado, e
merece uma boa esposa. E o senhor não poderia esperar que a srta.
Taylor morasse conosco para sempre, suportando meus humores
instáveis, quando poderia se tornar senhora de sua própria casa.
— Senhora de sua própria casa! Mas onde está a vantagem de ter
uma casa só dela? Esta é três vezes maior. E você nunca tem
humores instáveis, minha querida.
— E pense em quantas vezes vamos visitá-los, e eles visitar a
nós! Vamos nos encontrar sempre! Nós
temos de dar o primeiro
passo, em breve precisamos cumprimentá-los pelo casamento.
— Minha querida, como espera que eu vá tão longe? Randalls
fica tão distante. Eu não poderia andar nem metade do caminho.
— É claro, papai, ninguém sonharia em fazê-lo andar. Usaremos
a carruagem, é claro.
— A carruagem! Mas James não vai querer atrelar os cavalos
para um percurso tão curto. E onde os pobres animais vão ficar
durante a nossa visita?
— Serão acomodados no estábulo do sr. Weston, papai. O senhor
sabe que já resolvemos tudo isso. Discutimos os detalhes com o sr.
Weston ontem à noite. Quanto a James, pode ficar tranquilo; ele
sempre estará disposto a ir a Randalls, porque a filha trabalha como
criada lá. Só me pergunto se nos levaria a qualquer outro lugar. E
isso é culpa sua, papai. Foi o senhor que arranjou o emprego para
Hannah naquela boa casa. Ninguém tinha pensado em Hannah antes
de o senhor mencioná-la. James é tão grato por isso!
— Muito me alegro por ter pensado nela. Foi muita sorte, pois eu
não desejaria que o pobre James se considerasse esnobado de
qualquer forma, e tenho certeza de que será uma ótima criada. É
uma garota educada, que se expressa bem; tenho uma ótima opinião
dela. Sempre que a vejo, ela faz uma mesura e pergunta da minha
saúde de um jeito muito simpático, e quando você a chama aqui
para ajudar com a costura, notei que ela sempre gira a fechadura da
porta do jeito certo e nunca a bate. Tenho certeza de que será uma
excelente criada e que a pobre srta. Taylor ficará reconfortada tendo
por perto alguém com quem está acostumada. Sempre que James
for visitar a filha, sabe, ela vai ouvir sobre nós. Ele vai poder contar
como estamos.
Emma não poupou esforços para manter esse fluxo mais feliz de
pensamentos, e esperava, com a ajuda do gamão, conduzir o pai ao
longo da noite de um modo tolerável e não ser acometida por
quaisquer tristezas exceto as próprias. O tabuleiro já estava aberto,
mas um visitante logo chegou e o tornou desnecessário.

O sr. Knightley, um homem sensato de 37 ou 38 anos, era não


apenas um amigo antigo e íntimo da família, mas também
estreitamente conectado a eles, uma vez que era o irmão mais velho
do marido de Isabella. Morava a cerca de um quilômetro e meio de
Highbury e era um visitante frequente e sempre bem-vindo —
daquela vez ainda mais que de costume, dado que vinha
diretamente da casa de seus parentes em comum em Londres.
Tinha retornado à própria casa para um jantar tardio,
1
após alguns
dias de ausência, e agora ia a Hartfield para informar que todos
estavam bem em Brunswick Square. Foi uma ocasião feliz, que
animou o sr. Woodhouse por um tempo. O sr. Knightley tinha modos
alegres, que sempre lhe faziam bem, e as muitas perguntas sobre “a
pobre Isabella” e os filhos dela foram respondidas de modo
plenamente satisfatório. Findado o interrogatório, o sr. Woodhouse
comentou com gratidão:
— É muito gentil da sua parte, sr. Knightley, vir nos visitar tão
tarde. Creio que tenha feito uma caminhada muito desagradável.
— De forma alguma, senhor. É uma bela noite de luar, e tão
quente que preciso me afastar de sua bela lareira.
— Mas deve ter achado o trajeto úmido e enlameado. Espero que
não fique doente.
— Enlameado, senhor? Veja meus sapatos. Não há neles uma
mancha sequer.
— Bem! Que surpreendente, pois vem chovendo muito aqui.
Caiu uma chuva terrível por meia hora durante o desjejum. Gostaria
que tivessem adiado o casamento.
— A propósito, ainda não os cumprimentei. Sabendo bem como
ambos devem estar contentes, não tive pressa em apresentar meus
parabéns, mas espero que tudo tenha corrido tão bem quanto
possível. Como todos se comportaram? Quem chorou mais?
— Ah, pobre srta. Taylor! É muito triste.
— Pobres sr. e srta. Woodhouse, se o senhor fizer questão, mas
não, eu não poderia dizer “pobre srta. Taylor”. Tenho a maior
estima pelo senhor e por Emma, mas quando se trata de
dependência ou independência…! De toda forma, deve ser melhor
precisar agradar apenas uma pessoa em vez de duas.
— Especialmente quando uma
das duas é uma criatura
caprichosa e aborrecida! — disse Emma, em tom brincalhão. — É
isso que o senhor está pensando, eu sei, e o que certamente diria se
meu pai não estivesse presente.
— Creio que seja verdade, querida — afirmou o sr. Woodhouse
com um suspiro. — Receio que às vezes sou muito caprichoso e
aborrecido.
— Querido papai! Não pode pensar que estou falando do senhor,
ou que o sr. Knightley falaria. Que ideia horrível! Não, não! Eu me
referia apenas a mim mesma. O sr. Knightley adora encontrar
defeitos em mim, sabe. Como uma brincadeira, apenas de
brincadeira. Sempre falamos abertamente um com o outro.
O sr. Knightley, de fato, era uma das poucas pessoas capazes de
encontrar defeitos em Emma Woodhouse, e o único que a informava
deles — e, embora isso não fosse especialmente agradável para a
própria Emma, ela sabia que seria ainda menos para o pai, e não
gostaria que ele suspeitasse que nem todos a consideravam perfeita.
— Emma sabe que nunca a lisonjeio — disse o sr. Knightley —,
mas não pretendia criticar ninguém. A srta. Taylor estava
acostumada a ter de agradar duas pessoas e agora terá apenas uma.
O mais provável é que saia ganhando.
— Bem — disse Emma, disposta a relevar o comentário —, você
quer ouvir sobre o casamento, e ficarei feliz em contar, pois nos
comportamos de modo encantador. Todos foram pontuais e vieram
em seus melhores trajes; não caiu uma lágrima sequer, e ninguém
ficou de cara fechada. Ah, não; sabíamos que estaríamos apenas a
menos de quilômetro de distância um do outro e estamos confiantes
de que nos encontraremos todo dia.
— A querida Emma suporta tudo tão bem — disse o pai. — Mas,
sr. Knightley, a verdade é que está desconsolada por perder a pobre
srta. Taylor, e tenho certeza de que vai sentir mais
saudades do que
imagina.
Emma virou a cabeça, dividida entre lágrimas e sorrisos.
— Seria impossível para Emma não sentir falta de uma
companheira como ela — disse o sr. Knightley. — Não gostaríamos
tanto dela quanto gostamos, senhor, se a supuséssemos capaz disso.
Mas ela sabe como esse casamento é vantajoso à srta. Taylor, sabe
como deve ser um prazer, nesta etapa da vida, estar acomodada em
seu próprio lar, e quão importante deve ser a segurança de um
futuro confortável, portanto não pode se entregar mais à tristeza do
que à alegria. Todos os amigos da srta. Taylor devem se alegrar ao
vê-la em um casamento tão feliz.
— E você esqueceu um dos meus motivos de alegria —
acrescentou Emma —, um motivo muito considerável: o fato de que
arranjei a união pessoalmente. Eu os juntei, sabe, quatro anos atrás,
e ver o casamento se concretizar e provar que eu estava certa,
quando tantas pessoas diziam que o sr. Weston jamais se casaria
novamente, pode me reconfortar por qualquer perda.
O sr. Knightley balançou a cabeça. O pai replicou
carinhosamente:
— Ah! Minha querida, eu gostaria que não planejasse uniões e
previsse acontecimentos, pois tudo que diz sempre acaba
acontecendo. Imploro que não arranje mais casamentos.
— Prometo que não arranjarei nenhum para mim mesma, papai,
mas de fato preciso planejar para os outros. Não há nada mais
divertido no mundo! E depois desse sucesso, ainda por cima! Todos
diziam que o sr. Weston nunca se casaria de novo. Ah, não! O sr.
Weston, que ficou viúvo por tanto tempo e parecia tão
perfeitamente confortável sem uma esposa, constantemente
ocupado, fosse com seus negócios na cidade ou entre os amigos
aqui, sempre benquisto aonde quer que fosse, sempre contente… O
sr. Weston não precisaria passar uma única noite no ano sozinho se
não quisesse. Ah, não! O sr. Weston certamente nunca se casaria de
novo. Alguns até comentavam sobre uma promessa que teria feito à
esposa em seu leito de morte, outros diziam que o filho e o tio não o
deixariam se casar. Todo tipo de bobagem solene foi dita sobre o
assunto, mas eu não acreditei em nenhuma delas.
“Desde o dia, cerca de quatro anos atrás, em que a srta. Taylor e
eu o encontramos na Broadway Lane durante uma chuva leve, e ele
foi com tanta galanteria nos emprestar dois guarda-chuvas do
fazendeiro, eu tomei minha decisão. Planejei a união desde aquele
instante e, considerando o sucesso com que fui abençoada nesse
caso, querido papai, o senhor não pode imaginar que deixarei de
promover casamentos.”
— Não entendo o que quer dizer com “sucesso” — interpôs o sr.
Knightley. — Sucesso implica esforço. Você passou seu tempo de
um modo muito adequado e sensato, se vem se esforçando há
quatro anos para concretizar o casamento. Que emprego digno para
a mente de uma jovem senhorita! Mas se, o que eu imagino ser o
caso, o fato de ter realizado a união, como você diz, significa apenas
que a concebeu, tendo dito a si mesma em um belo dia de ócio:
“acho que seria muito bom para a srta. Taylor se o sr. Weston se
casasse com ela”, e repetiu o desejo a si mesma de vez em quando,
por que fala em sucesso? Onde está o seu mérito? De que se
orgulha? Fez um palpite de sorte, e isso
é tudo que pode ser dito.
— E você nunca experimentou o prazer e o triunfo de ter feito
um palpite de sorte? Que pena. Achei que fosse mais sagaz, pois,
confie em mim, um palpite de sorte nunca é mera sorte. Há sempre
talento envolvido. Quanto à minha palavra equivocada, “sucesso”, à
qual você se opõe, não concordo inteiramente que não tenha
nenhum direito a ela. Você pintou duas belas imagens, mas creio
que possa haver uma terceira, algo entre o não fazer nada e o fazer
tudo. Se eu não tivesse promovido as visitas do sr. Weston aqui,
dado muitos pequenos incentivos e aliviado muito pequenos
empecilhos, talvez nada tivesse ocorrido, no fim das contas. Acho
que você conhece Hartfield bem o suficiente para compreender isso.
— Um homem franco e generoso como Weston e uma mulher
racional e despretensiosa como a srta. Taylor poderiam
tranquilamente ser deixados em paz para cuidar de suas próprias
vidas. Era mais provável você causar danos a si mesma do que
qualquer benefício a eles com a sua interferência.
— Emma nunca pensa em si mesma, se pode fazer o bem aos
outros — afirmou o sr. Woodhouse, captando apenas parte da
observação. — Mas, minha querida, imploro que não promova mais
casamentos; são uma insensatez que rompe o círculo familiar.
— Só mais um, papai, só para o sr. Elton. Pobre sr. Elton! O
senhor gosta do sr. Elton, papai. Preciso encontrar uma esposa para
ele. Não há ninguém em Highbury que o mereça, e ele já está aqui
faz um ano, e mobiliou sua casa tão confortavelmente que seria uma
pena continuar solteiro por muito tempo. E pensei hoje, quando ele
realizou a cerimônia deles, que parecia desejar profundamente que
alguém prestasse a ele um serviço similar! Eu estimo muito o sr.
Elton e esse é meu único jeito de ajudá-lo.
— O sr. Elton é um jovem bem-apessoado, certamente, e um
rapaz muito bom, e eu o tenho em alta conta. Mas se quer dispensar
qualquer atenção a ele, minha querida, convide-o para jantar
conosco algum dia. Será muito melhor. Ouso dizer que o sr.
Knightley fará a gentileza de se juntar a ele.
— Com muito prazer, senhor, quando desejarem — confirmou o
sr. Knightley, rindo. — E concordo inteiramente com o senhor que
seria muito melhor assim. Convide-o para jantar, Emma, e ajude-o a
se servir das melhores partes do peixe e do frango, mas deixe-o
escolher a própria esposa. Acredite em mim, um homem de vinte e
sete anos é capaz de cuidar de si mesmo.

1
.  As refeições das classes mais altas na época consistiam em um desjejum
às 9 ou 10 horas, uma refeição leve no meio do dia, o jantar por volta das 16
ou 17 horas e uma ceia mais tardia. No entanto, começava uma moda entre as
classes mais refinadas, especialmente em Londres, de jantar mais tarde.
CAPÍTULO II

O sr. Weston era natural de Highbury e nascera em uma família


respeitável que, ao longo das últimas duas ou três gerações, vinha
crescendo em posição social e em número de propriedades.
Recebera uma boa educação, mas, por ter alcançado sua
independência relativamente cedo na vida, tornara-se pouco
inclinado às atividades mais domésticas em que os irmãos se
engajavam, e tinha satisfeito sua mente ativa e alegre e seu
temperamento sociável alistando-se na milícia que se formava em
seu condado.
O capitão Weston era um favorito de todos e, quando as
circunstâncias de sua vida militar o apresentaram à srta. Churchill,
de uma família de elevada posição social de Yorkshire, e a srta.
Churchill se apaixonou por ele, ninguém ficou surpreso — exceto o
irmão dela e a esposa deste, que nunca tinham visto o capitão e cujo
enorme orgulho e importância seriam ofendidos pela união. A srta.
Churchill, entretanto, tendo atingido a maioridade e encontrando-se
em total controle de sua fortuna — embora esta não se comparasse
à propriedade da família — não foi dissuadida do matrimônio, e ele
ocorreu, para a mortificação infinita do sr. e da sra. Churchill, que a
deserdaram como o decoro exigia. Foi uma união imprópria e não
resultou em muita alegria. A sra. Weston deveria ter ficado mais
contente, pois tinha um marido cujo coração afetuoso e
temperamento doce o faziam pensar em tudo que devia em troca da
grande bondade de ela ter se apaixonado por ele, mas, embora ela
tivesse algum caráter, não era dos melhores. Tinha determinação
suficiente para seguir sua própria vontade a despeito do irmão, mas
não o bastante para abster-se de arrependimentos insensatos diante
da raiva insensata desse irmão, nem de sentir falta dos confortos do
antigo lar. Seu estilo de vida ultrapassava sua renda, mas ainda não
era nada em comparação à vida que levava em Enscombe. Ela não
deixou de amar o marido, mas queria ao mesmo tempo ser a esposa
do capitão Weston e a srta. Churchill de Enscombe.
O capitão Weston, que todos, em especial os Churchill, julgavam
ter feito uma união muito vantajosa, acabou ficando com a pior
parte da barganha — pois quando a esposa morreu, após três anos
de casamento, ele era um homem mais pobre do que quando se
casara e tinha um filho para sustentar. Dos gastos com a criança,
porém, ele logo foi poupado. O garoto, com o atenuante de uma
doença crônica herdada da mãe, serviu como meio de reconciliação;
e o sr. e a sra. Churchill, que não tinham filhos nem qualquer outra
jovem criatura de parentesco de quem cuidar, ofereceram-se para
ocupar-se inteiramente do jovem Frank logo após o falecimento da
filha. Pode-se supor que o pai viúvo teve alguns escrúpulos e alguma
relutância, mas, quando estes foram superados por outras
considerações, o menino foi entregue aos cuidados e à riqueza dos
Churchill, e a ele coube apenas providenciar seu próprio conforto e
melhorar sua situação como pudesse.
Uma completa mudança de vida tornou-se desejável. Ele deixou
a milícia e se dedicou ao comércio, uma vez que os irmãos já
estavam bem estabelecidos em Londres, o que lhe propiciou uma
abertura favorável. A empreitada o mantinha suficientemente
ocupado. Ele ainda possuía uma casa modesta em Highbury, onde
passava a maior parte de seus dias de folga, e entre a ocupação
diligente e os prazeres da sociedade, os dezoito ou vinte anos
seguintes de sua vida se passaram alegremente. Àquela altura, havia
assegurado uma renda confortável — o suficiente para garantir a
compra de uma pequena propriedade vizinha a Highbury que
sempre cobiçara, e também para casar-se com uma mulher sem
dote nem renda como a srta. Taylor e viver conforme os desejos de
seu próprio temperamento amistoso e sociável.
Já fazia um tempo que a srta. Taylor começara a influenciar seus
desígnios, mas, não sendo a influência tirânica de um jovem sobre
outro, ela não abalou sua determinação de não se casar até ser
capaz de comprar Randalls, cuja venda era esperada havia muito.
Ele manteve-se firme, com esses objetivos à vista, até que foram
realizados. Tinha garantido sua fortuna, comprado sua casa e se
unido com sua esposa, e agora começava um novo período de sua
existência, com todas as chances de uma felicidade maior do que
qualquer uma que já experimentara. Nunca fora um homem infeliz
— seu próprio temperamento o protegera desse mal, mesmo
durante o primeiro casamento —, mas o segundo lhe mostraria
como uma mulher de juízo e delicadeza podia ser encantadora, e
forneceria as provas mais aprazíveis de que era muito melhor
escolher a ser escolhido, e inspirar gratidão a senti-la.
Ele só tinha de agradar a si mesmo nesta escolha: era
proprietário de sua fortuna, e quanto a Frank, não só fora
tacitamente educado para tornar-se o herdeiro do tio, como a
adoção se oficializara a ponto de ele assumir o nome Churchill ao se
tornar maior de idade. Era muito improvável, portanto, que algum
dia necessitasse da assistência do pai, e este não nutria qualquer
apreensão nesse sentido. A tia do rapaz era uma mulher caprichosa,
que oprimia completamente o marido, mas não estava na natureza
do sr. Weston imaginar que qualquer capricho seria forte o bastante
para afetar alguém tão querido — e, como ele acreditava, tão
merecidamente querido. Via o filho todo ano em Londres e se
orgulhava dele, e suas descrições afetuosas dele como um jovem
excelente faziam Highbury sentir uma espécie de orgulho do rapaz
também. Considerava-se que ele pertencia suficientemente ao local
para que seus méritos e perspectivas fossem de interesse comum.
O sr. Frank Churchill era um dos orgulhos de Highbury, e
predominava na vila uma curiosidade intensa de conhecê-lo, ainda
que o elogio fosse tão pouco retribuído que ele nunca estivera no
local em toda a vida. Uma visita ao pai era muito discutida, mas
nunca se concretizara.
Agora, com o casamento do pai, era suposto por todos, como
uma cortesia necessária, que a visita ocorreria. Não havia qualquer
voz dissidente quanto a isso, fosse quando a sra. Perry tomava chá
com a sra. e a srta. Bates, ou quando a sra. e a srta. Bates retribuíam
a visita. Era a hora de o sr. Frank Churchill aparecer entre eles, e a
esperança se fortaleceu quando se ficou sabendo que ele escrevera à
nova mãe por ocasião do casamento. Por alguns dias, toda visita
matinal em Highbury incluía alguma menção à bela carta que a sra.
Weston recebera.
— Imagino que ouviram sobre a bela carta que o sr. Frank
Churchill escreveu para a sra. Weston. Pelo que soube, foi uma carta
realmente muito bela. O sr. Woodhouse me contou a respeito. O sr.
Woodhouse viu a carta e disse que nunca leu uma mensagem tão
bela em toda a vida.
De fato, era uma carta altamente prezada. A sra. Weston, como
era natural, formara uma ideia muito positiva do rapaz. E uma
cortesia tão gentil era prova incontestável de seu ótimo juízo e um
complemento muito bem-vindo a todas as fontes e expressões de
felicitação que o casamento já havia proporcionado. Ela se sentia
uma mulher muito afortunada, e vivera o bastante para perceber
como poderia ser vista dessa forma, dado que sua única tristeza
constituía na separação parcial de amigos cuja amizade por ela
nunca arrefecera e que se afastaram com a maior relutância.
Ela sabia que às vezes deveriam sentir sua falta; e não conseguia
pensar sem sofrimento na possibilidade de Emma perder qualquer
prazer ou sofrer mesmo uma hora de aborrecimento devido à
ausência de sua companheira — mas a querida Emma não tinha um
caráter fraco; estava mais à altura da situação do que a maioria das
moças, e tinha tanto bom senso, energia e ânimo que era razoável
supor que superaria com tranquilidade as pequenas dificuldades e
privações. Também era muito reconfortante pensar na curta
distância entre Randalls e Hartfield, tão conveniente até para uma
mulher caminhar sozinha, e no temperamento e circunstâncias do
sr. Weston, que não criariam qualquer empecilho para que elas
passassem metade das noites da semana juntas na próxima estação.
A situação da sra. Weston, de forma geral, era a causa de horas
de gratidão e de poucos momentos de tristeza; sua satisfação — sua
satisfação mais do que evidente — e seu contentamento eram tão
justos e aparentes que Emma, por mais que conhecesse bem o pai,
ainda se surpreendia ocasionalmente ao vê-lo capaz de sentir pena
da “pobre srta. Taylor”, quando eles a deixavam em Randalls,
rodeada por todos os confortos domésticos, ou quando a viam se
despedir de noite, acompanhada pelo marido cordial em uma
carruagem própria. Mas ela nunca partiu sem que o sr. Woodhouse
suspirasse suavemente e dissesse:
— Ah, pobre srta. Taylor! Ela teria gostado tanto de ficar aqui.
Não havia modo de recuperar a srta. Taylor — nem muita
probabilidade de que ele deixasse de se compadecer dela —, mas
após algumas semanas o sr. Woodhouse experimentou algum alívio.
Os cumprimentos dos vizinhos enfim cessaram, ele não era mais
provocado com votos de felicidade por um evento tão desolador, e o
bolo de casamento, que fora um grande motivo de perturbação para
ele, tinha sido inteiramente consumido. Seu próprio estômago não
suportava qualquer alimento pesado, e ele nunca conseguia
acreditar que outras pessoas fossem diferentes. O que era nocivo a
ele, via como inadequado para todos; por consequência, tentara
genuinamente dissuadir o casal de sequer providenciar um bolo de
casamento e, quando o pedido se provou em vão, com o mesmo
empenho tentou evitar que qualquer um o comesse. Chegara ao
ponto de consultar o sr. Perry, o boticário, sobre o assunto. O sr.
Perry era um homem inteligente e cavalheiresco, cujas visitas
frequentes eram um dos confortos da vida do sr. Woodhouse, e, ao
ser consultado, foi obrigado a reconhecer (embora, ao que parecia,
um tanto contra sua própria inclinação) que o bolo de casamento
poderia, decerto, não fazer bem a muitas pessoas — talvez à maioria
—, exceto se consumido com moderação. Com essa opinião
corroborando a própria, o sr. Woodhouse esperara influenciar todos
os visitantes dos recém-casados, mas ainda assim o bolo foi comido,
e seus nervos benevolentes não tiveram trégua até que fosse
consumido por completo.
Correu um boato estranho em Highbury de que todos os filhos
dos Perry foram vistos com uma fatia do bolo de casamento da sra.
Weston em mãos, mas o sr. Woodhouse se recusou terminantemente
a acreditar.
CAPÍTULO III

O sr. Woodhouse apreciava companhia à sua própria maneira.


Gostava muito de receber a visita de amigos e, graças a uma
combinação de várias causas, como a longa residência em Hartfield,
a boa índole, a fortuna, a casa e a filha, conseguia organizar as
visitas do seu círculo restrito, em geral, da forma como preferia. Não
tinha muito contato com quaisquer famílias fora desse círculo; seu
horror de ficar acordado até tarde e participar de grandes jantares
impossibilitava o convívio com qualquer conhecido que não o
visitasse em seus próprios termos. Felizmente para ele, Highbury,
que continha Randalls na mesma paróquia e, na paróquia vizinha, a
Abadia de Donwell, lar do sr. Knightley, compreendia muitas pessoas
que atendiam a esses critérios. Não raro, graças à persuasão de
Emma, ele recebia alguns dos habitantes mais seletos e distintos do
local para o jantar, mas reuniões no fim da tarde, após o jantar,
eram as suas preferidas — e, a não ser que se sentisse por algum
motivo indisposto a receber visitas, quase não havia uma tarde na
semana em que Emma não conseguisse montar uma mesa de
carteado para ele.
Uma estima real e de longa data trazia os Weston e o sr.
Knightley; e quanto ao sr. Elton, um jovem que não gostava de
morar sozinho, não havia qualquer risco que o faria desperdiçar o
privilégio de trocar qualquer noite desocupada, às voltas com a
própria solidão, pela elegância e a companhia da sala de visitas do
sr. Woodhouse e os sorrisos de sua bela filha.
Depois deles, vinha outro conjunto de visitantes, entre os quais
as mais disponíveis eram a sra. e a srta. Bates e a sra. Goddard, três
damas quase sempre à espera de um convite de Hartfield, e que
eram buscadas e levadas de casa com tanta frequência que o sr.
Woodhouse nem sequer considerava um incômodo para James ou
para os cavalos. Se ocorresse apenas uma vez por ano, teria sido
considerado um transtorno maior.
A sra. Bates, viúva de um antigo pároco de Highbury, era muito
avançada em idade e já abandonara todos os interesses exceto o chá
e a quadrille
2
. Morava com a filha solteira em uma casa modesta, e
era vista com toda a estima e o respeito que uma senhora
inofensiva, em circunstâncias tão adversas, é capaz de inspirar. A
filha desfrutava uma popularidade incomum para uma mulher que
não era jovem, bonita, rica nem casada. A srta. Bates tinha uma
situação profundamente desfavorável como motivo de tanta
consideração, e não possuía superioridade intelectual para se
redimir ou induzir aqueles que poderiam desprezá-la a demonstrar-
lhe um mínimo de respeito. Nunca pudera ostentar beleza ou
inteligência. Sua juventude se passara sem distinções, e sua meia-
idade era dedicada aos cuidados de uma mãe enferma e a esforços
para empregar uma pequena renda da melhor forma possível. No
entanto, era uma mulher feliz e sempre mencionada com
benevolência. Eram sua própria benevolência para com os outros e
seu temperamento humilde que criavam tal fenômeno. Ela gostava
de todos, e se interessava pela felicidade de todos, atentando para os
méritos de todos; acreditava-se uma criatura muito afortunada e
cercada de bênçãos, com uma mãe excelente, muitos bons vizinhos
e amigos, e um lar em que nada faltava. Sua natureza alegre e sem
afetações, seu espírito contente e agradecido, eram motivos para
seu favorecimento e uma mina de felicidade para si mesma. Gostava
muito de discutir questões de pouca importância, o que se adequava
perfeitamente ao sr. Woodhouse, cheio de notícias triviais e fofocas
inofensivas.
A sra. Goddard era a diretora de uma escola — não um
seminário ou instituição ou qualquer outro local que professasse,
em longas frases de disparates refinados, conciliar realizações
sofisticadas com uma moralidade elegante, seguindo novos
princípios e novas doutrinas, e onde jovens senhoritas, em troca de
uma taxa exorbitante, podiam ser privadas da saúde e seduzidas à
vaidade — mas um internato genuíno, honesto e tradicional, onde
uma quantidade razoável de realizações eram vendidas a um preço
justo, e onde as garotas eram enviadas para não atrapalharem em
casa e obterem uma educação módica, sem correr o risco de
retornar como prodígios. A escola da sra. Goddard era tida em alta
conta — com justiça, pois Highbury era considerada um lugar
especialmente benéfico. Ela tinha uma casa e um jardim amplos,
fornecia às garotas uma alimentação saudável, e deixava-as livres
para correr no verão, enquanto no inverno cuidava das frieiras com
as próprias mãos. Não era à toa que uma fila de vinte jovens a seguia
a caminho da igreja. Era uma mulher simples e maternal, que
trabalhara com afinco na juventude e agora se via no direito de tirar
uma folga ocasional para tomar chá com conhecidos; e por dever
muito à gentileza do sr. Woodhouse, sentia uma obrigação particular
de sair de sua própria sala de visitas bem-arrumada e decorada com
papéis e estampas sempre que podia, e ganhar ou perder alguns
trocados junto à lareira dele.
Essas eram as senhoras que Emma frequentemente conseguia
reunir, e ela se alegrava, pelo bem do pai, por lograr fazê-lo, embora
para si mesma não fosse nenhum alívio à ausência da sra. Weston.
Ficava encantada por ver o pai confortável, e muito satisfeita
consigo por ter organizado as coisas tão bem, mas a conversa
enfadonha das três mulheres a fazia sentir que toda noite passada
em sua companhia era uma daquelas longas noites que havia
antecipado com receio.
Uma manhã, quando estava sentada e esperava que aquele dia
tivesse uma conclusão parecida, recebeu um recado da sra. Goddard
perguntando, com toda a educação, se poderia levar a srta. Smith
consigo naquela noite — um pedido muito bem-vindo, pois a srta.
Smith era uma moça de dezessete anos que Emma conhecia de vista
e por quem se interessava havia tempos, por conta da beleza. Um
convite muito cortês foi enviado de volta, e a noite deixou de ser
temida pela bela senhora da mansão.
Harriet Smith era a filha natural
3
de alguém. Anos antes, alguém
a matriculara na escola da sra. Goddard, e alguém recentemente a
promovera da condição de estudante para a de residente. Isso era
tudo que se sabia da história dela. Parecia não ter amigos exceto os
que conhecera em Highbury, e acabava de voltar de uma longa visita
ao interior a algumas senhoritas que tinham estudado com ela.
Era uma moça muito bonita, e sua beleza por acaso era do tipo
que Emma particularmente admirava. Baixa, rechonchuda e de pele
clara, tinha um rosto corado, olhos azuis, cabelo loiro, feições
regulares e um olhar muito doce, e, antes que a noite terminasse,
Emma ficou muito satisfeita com sua conduta em relação a ela e
determinada a mantê-la em seu círculo social.
Não encontrou nada particularmente inteligente na conversa da
srta. Smith, mas a achou de modo geral muito simpática — nem
aborrecidamente acanhada, nem indisposta a conversar — e ao
mesmo tempo longe de ser inconveniente, mostrando uma
deferência tão adequada e charmosa, parecendo tão grata e
contente por ser recebida em Hartfield, e tão genuinamente
impressionada com o aspecto de cada coisa em um estilo tão
superior ao que estava acostumada, que só podia ter bom senso, e
merecia ser encorajada. Era preciso incentivá-la. Aqueles olhos
azuis suaves e todas aquelas graças naturais não deveriam ser
desperdiçadas na sociedade inferior de Highbury e suas conexões.
Os vínculos que a srta. Smith já formara não eram dignos dela. Os
amigos de quem se despedira, embora fossem pessoas muito boas,
certamente a prejudicavam. Eram uma família de nome Martin, que
Emma conhecia bem de reputação, uma vez que alugavam uma
grande fazenda do sr. Knightley e que residiam na paróquia de
Donwell — um sinal de seu valor, ela acreditava, e sabia que o sr.
Knightley tinha uma boa opinião sobre eles —, mas deviam ser
grosseiros e incultos, e não eram uma companhia íntima apropriada
para uma jovem que precisava apenas de um pouco mais de
instrução e elegância para ser perfeita. Ela
prestaria atenção à
jovem; ela a aperfeiçoaria; ela a afastaria de companhias
inadequadas e a apresentaria à boa sociedade; ela moldaria suas
opiniões e modos. Seria um projeto muito interessante e certamente
muito gentil, além de convir à sua própria situação na vida, seu
tempo livre e suas habilidades.
Emma ficou tão entretida admirando aqueles olhos azuis gentis,
conversando e escutando, e formulando todos esses projetos nas
pausas da conversa, que a noite voou a uma velocidade muito
incomum; e a mesa de jantar, onde sempre se concluíam aquelas
reuniões e que ela atentava para pedir que fosse disposta na hora
certa, foi trazida e arrumada, e eles se transferiram para junto ao
fogo antes que ela se desse conta. Com uma animação que ia além
do impulso comum de um espírito que nunca desprezava o valor de
fazer cada tarefa bem e atentamente, e com a verdadeira boa
vontade de uma mente encantada com as próprias ideias, Emma fez
todas as honras da refeição, e serviu e recomendou o frango fatiado
e as ostras cozidas em molho com uma insistência adequada à hora
da refeição e aos escrúpulos polidos das convidadas.
Nessas ocasiões, os sentimentos do sr. Woodhouse entravam em
uma triste guerra. Ele adorava ver a toalha estendida, como era o
costume em sua juventude, mas devido à sua convicção de que
jantares eram muito prejudiciais, perturbava-se ao ver qualquer
coisa servida sobre ela; e ainda que, em nome da hospitalidade,
tivesse oferecido às visitantes de bom grado tudo ao seu alcance,
sua preocupação com a saúde delas o fazia lamentar o fato de que
comeriam.
Uma pequena tigela de mingau aguado como a sua era tudo que
ele poderia recomendar com a consciência tranquila, mas se
obrigou, enquanto as moças tranquilamente consumiam os
alimentos mais apetitosos, a dizer:
— Sra. Bates, permita-me propor que experimente um desses
ovos. Um ovo muito bem cozido não é nocivo. Serle sabe cozinhar
um ovo melhor que ninguém. Eu não recomendaria um ovo cozido
por qualquer outra pessoa, mas não precisa temer; são muito
pequenos, como a senhora pode ver; um dos nossos pequenos ovos
não lhe fará mal. Srta. Bates, deixe que Emma sirva-lhe uma fatia de
torta… uma fatia bem
pequena. As nossas tortas são de maçã; não
tema encontrar quaisquer conservas aqui. Não aconselho a
ambrosia. Sra. Goddard, o que acha de meia
taça de vinho? Meia
tacinha…
diluída com um pouco de água? Acho que não cairia mal.
Emma sempre deixava o pai falar — mas servia as visitantes em
um estilo muito mais satisfatório e, naquela noite específica, sentiu
um prazer especial quando elas partiram. A felicidade da srta. Smith
estava à altura de suas intenções. A srta. Woodhouse era uma figura
tão ilustre em Highbury que a perspectiva de ser apresentada a ela
tinha inspirado tanto pânico quanto prazer — mas a garota humilde
e agradecida partira muito grata, deliciada com a afabilidade com
que a srta. Woodhouse a tratara a noite toda, a ponto de apertar a
mão dela ao despedir-se!
2
.  Jogo de cartas para quatro pessoas, que na época começava a ser superado
em popularidade pelo uíste.
3
.  Filha ilegítima. Supõe-se que o pai se manteve anônimo e pagava pela
educação da moça a distância.
CAPÍTULO IV

A intimidade de Harriet Smith em Hartfield logo se tornou um


fato consumado. Com seu jeito rápido e decidido, Emma não perdeu
tempo em convidar, incentivar e repetir a ela que viesse sempre que
desejasse; e à medida que a amizade crescia, a satisfação que
sentiam na companhia uma da outra também. Como companheira
de caminhadas, Emma previra rapidamente como a outra poderia
ser útil. Nesse sentido, a perda da sra. Weston fora impactante. O
pai nunca ia além das trilhas entre os arbustos, onde duas divisões
dos gramados eram suficientes para sua caminhada longa ou curta,
a depender da época do ano, e desde o casamento da sra. Weston os
exercícios de Emma tinham sido muito limitados. Uma vez se
aventurara sozinha até Randalls, mas não fora agradável; portanto,
ter uma Harriet Smith que ela poderia chamar a qualquer hora para
caminhar seria um acréscimo valioso a seus prazeres. Mas, em todos
os aspectos, quanto mais a conhecia, mais a aprovava e aumentava
sua determinação em seguir com seus planos generosos.
Harriet decerto não era inteligente, mas tinha um temperamento
doce, manso e humilde; era inteiramente livre de arrogância e
desejava apenas ser guiada por alguém que admirava. Seu apego
inicial a Emma foi muito sincero, e sua inclinação por boa
companhia, bem como a capacidade de apreciar a elegância e a
inteligência, mostravam que não carecia de bom gosto, embora não
se devesse esperar uma grande perspicácia. De modo geral, Emma
estava convencida de que Harriet Smith era exatamente a jovem
amiga que ela queria — exatamente o que faltava em seu convívio.
Uma amiga como a sra. Weston estava fora de questão. Duas como
essa jamais lhe seriam concedidas — e nem ela as desejaria. Era
algo completamente diferente, um sentimento distinto e
independente. A sra. Weston era o objeto de uma consideração que
se baseava na gratidão e na estima. Harriet seria amada como
alguém a quem Emma poderia ser útil. Para a sra. Weston, não havia
nada que ela pudesse fazer; para Harriet, tudo.
Sua primeira tentativa de mostrar-se útil foi um esforço para
descobrir quem eram os pais dela, mas Harriet não sabia dizer.
Dispunha-se a contar tudo que estivesse ao seu alcance, mas quanto
a isso as perguntas eram em vão. Emma foi obrigada a imaginar o
que preferia — mas sempre achou que, se estivesse na mesma
situação, ela
teria descoberto a verdade. Harriet não tinha
discernimento. Satisfazia-se em ouvir e acreditar no que a sra.
Goddard escolhia lhe contar e não procurava além.
A sra. Goddard, as professoras, as alunas e as circunstâncias da
escola, de forma geral, constituíam naturalmente uma boa parte dos
assuntos de Harriet — e, não fossem suas relações com a família
Martin da Fazenda do Moinho da Abadia, teriam sido a totalidade.
Mas os Martin ocupavam muitos de seus pensamentos; ela tinha
passado dois meses muito felizes com eles e adorava falar sobre os
prazeres da visita e descrever os muitos confortos e fascínios do
lugar. Emma incentivou sua loquacidade — divertindo-se com
aquela imagem de um conjunto de seres diferentes e desfrutando a
simplicidade juvenil com que Harriet falava, com tanta exultação,
sobre como a sra. Martin tinha duas
salas de visita, duas salas muito
bonitas, de fato; uma delas tão grande quanto a da sra. Goddard, e
tinha uma criada-chefe que morava com ela havia vinte e cinco
anos, e oito vacas, duas delas Alderneys, e uma Welch, uma
vaquinha muito bonita, de fato; e a sra. Martin dizia que, como
Harriet gostava tanto dessa, devia ser considerada a vaca dela
; e
eles tinham um caramanchão muito agradável no jardim, onde
algum dia no ano seguinte todos iriam beber chá — um
caramanchão muito agradável, capaz de abrigar uma dúzia de
pessoas.
Por algum tempo, Emma ficou entretida e não pensou em
nenhuma causa mais profunda, mas, quando passou a entender
melhor a família, outros sentimentos emergiram. Ela criara uma
ideia equivocada, imaginando serem uma mãe e uma filha, um filho
e a esposa deste, morando todos juntos, mas, quando ficou evidente
que o sr. Martin — que era parte da narrativa e sempre mencionado
com aprovação por sua enorme boa vontade ao fazer isto ou aquilo
— era um homem solteiro, que não havia nenhuma jovem sra.
Martin, nenhuma esposa na história, Emma suspeitou que houvesse
um perigo à sua inocente amiga diante de toda essa hospitalidade e
gentileza — e que, se ninguém cuidasse dela, correria o risco de
arruinar-se para sempre.
Impelida por essa revelação, suas perguntas aumentaram em
número e significado, e em especial ela incitou Harriet a falar sobre
o sr. Martin — o que, era evidente, ela não relutava em fazer. Harriet
estava muito disposta a falar da participação dele em caminhadas
noturnas e em alegres tardes de jogos, e se demorou descrevendo
como ele era bem-humorado e prestativo. Ele caminhara quase
cinco quilômetros, no outro dia, para trazer algumas nozes a ela,
porque Harriet tinha dito que gostava muito — e em tudo o mais era
igualmente cortês! Chamou o filho do pastor à casa uma noite a fim
de cantar para ela. Ela gostava muito de cantar. Ele mesmo cantava
bem. Ela o considerava um homem muito inteligente, que sabia um
pouco de tudo. Tinha um belo rebanho e, enquanto Harriet estava
com eles, ele recebera ofertas maiores pela sua lã do que qualquer
outra no condado. Ela acreditava que todos falavam bem dele. A
mãe e as irmãs o adoravam. A sra. Martin tinha contado um dia (e
ela corou ao relatar essa parte) que era impossível alguém ter um
filho melhor e, portanto, tinha certeza de que, quando ele se
casasse, seria um bom marido. Não que ela quisesse
vê-lo casado,
ela não estava com a menor pressa.
Muito bem, sra. Martin
, pensou Emma. Sabe com o que está
lidando.
E quando Harriet foi embora, a sra. Martin teve a gentileza de
mandar um lindo ganso à sra. Goddard — o ganso mais bonito que a
sra. Goddard já vira. A sra. Goddard o tinha preparado no domingo,
e convidado as três professoras, a srta. Nash, a srta. Prince e a srta.
Richardson, para jantar com ela.
— Suponho que o sr. Martin não tenha muitos conhecimentos
que não se refiram a seu próprio ofício. Ele lê?
— Ah, é claro! Isto é, não; não sei; acredito que ele leia muito,
mas nada que a senhorita apreciaria. Ele lê os Relatórios de
agricultura
e alguns outros livros que ficam na alcova de uma das
janelas, mas lê só para si mesmo. Às vezes, à noite, antes de
jogarmos cartas, ele lia em voz alta algo dos Excertos elegantes
, que
era muito interessante. E sei que leu O vigário de Wakefield
. Ele
nunca leu O romance da floresta
, nem Os filhos da abadia
.
4
Nunca tinha ouvido falar deles antes que eu os mencionasse, mas
está determinado a obtê-los assim que possível.
A pergunta seguinte foi:
— Como é a aparência do sr. Martin?
— Ah! Ele não é bonito, nem um pouco. Eu o achei muito sem
graça, no começo, mas não acho mais. Pode acontecer, sabe, com o
tempo. Mas a senhorita nunca o viu? Ele passa em Highbury de vez
em quando, e toda semana atravessa a vila a cavalo, a caminho de
Kingston. Passou pela senhorita muitas vezes.
— Talvez esteja certa, e eu posso tê-lo visto cinquenta vezes sem
fazer ideia do seu nome. Um jovem fazendeiro, montado ou a pé, é o
último tipo de pessoa que despertaria minha curiosidade. Os
pequenos proprietários são precisamente o grupo de pessoas com
quem sinto não ter nenhuma relação. Se estivessem um ou dois
graus abaixo e fossem de confiança, poderiam me interessar, uma
vez que eu poderia ajudar suas famílias de alguma forma. Mas um
fazendeiro não precisa de minha ajuda e, portanto, por um lado,
está acima da minha atenção, ao mesmo tempo que, por outro,
encontra-se abaixo dela.
— Ah, é claro! Sim, é improvável que a senhorita o tivesse
notado… mas ele a conhece muito bem. Quer dizer, de vista.
— Não tenho dúvida de que é um jovem muito respeitável. Na
verdade, sei que é e desejo-lhe bem. Quantos anos imagina que ele
tenha?
— Completou vinte e quatro no último 8 de junho, e meu
aniversário é no dia 23, só uma quinzena de diferença! Não é
estranho?
— Só vinte e quatro. Ainda é jovem demais para se casar. A mãe
tem razão em não ter pressa. Eles parecem levar uma vida
confortável e, se ela se esforçasse para casá-lo, provavelmente se
arrependeria. Daqui a seis anos, seria muito desejável se ele
encontrasse uma boa mulher do mesmo nível social, com uma
modesta fortuna.
— Seis anos! Cara srta. Woodhouse, ele teria trinta!
— Bem, é a partir dessa idade que a maioria dos homens que
não nasceram com sua independência garantida conseguem se
casar. O sr. Martin, imagino, ainda precisa fazer a sua fortuna e não
deve estar numa situação confortável para casar. Qualquer quantia
que tenha herdado quando o pai faleceu, qualquer que seja sua
parcela da propriedade familiar, deve estar, ouso dizer, em
circulação, sendo empregada no rebanho e em outras necessidades.
E embora, com diligência e sorte, ele possa se tornar rico com o
tempo, é praticamente impossível que tenha realizado muita coisa
até agora.
— Claro, é verdade. Mas eles levam uma vida muito confortável.
Não têm um criado dentro de casa, mas fora isso não lhes falta nada,
e a sra. Martin comentou que planeja contratar um rapaz no ano
que vem.
— Espero que você não fique numa situação complicada,
Harriet, quando ele por fim se casar. Refiro-me a conhecer a esposa
dele, pois embora as irmãs, graças a uma educação superior, não
precisem ser completamente evitadas, não é certo que ele se casará
com uma mulher digna de sua atenção. A circunstância
desafortunada de seu nascimento deve torná-la particularmente
cautelosa em relação às conexões que forma. Não há dúvidas de que
você é filha de um cavalheiro, e deve sustentar seu direito a essa
posição com tudo que estiver a seu alcance ou encontrará muitas
pessoas que se comprazeriam em desrespeitá-la.
— Sim, certamente, imagino que encontrarei. Mas enquanto
visitar Hartfield e a senhorita for tão gentil comigo, não temo as
opiniões de qualquer outra pessoa.
— Você compreende bem a força da influência, Harriet, mas
desejo vê-la tão firmemente estabelecida na boa sociedade a ponto
de se tornar independente de Hartfield e da srta. Woodhouse. Quero
vê-la formar conexões boas e duradouras, e para esse fim seria
aconselhável reduzir os conhecidos indesejáveis; portanto, sugiro
que, se você ainda estiver no condado quando o sr. Martin se casar,
não se permita ser levada, devido a sua intimidade com as irmãs, a
relacionar-se com a esposa dele, que provavelmente será a filha de
um fazendeiro e sem qualquer instrução.
— Certamente. Sim. Não que eu pense que o sr. Martin aceitaria
se casar com uma mulher que não tivesse ao menos um pouco de
instrução… e uma criação excelente. Porém, não desejo opor minha
opinião à sua, e tenho certeza de que não desejarei ser amiga da
esposa dele. Sempre terei as senhoritas Martin em alta estima,
especialmente Elizabeth, e ficaria imensamente triste de perder a
companhia delas, pois receberam a mesma instrução que eu. Mas se
ele se casar com uma mulher muito ignorante e vulgar, com certeza
é melhor que eu não a visite, se puder evitar.
Emma a observou durante as flutuações desse discurso e não viu
nenhum sinal alarmante de amor. O rapaz tinha sido seu primeiro
admirador, mas ela confiava que não havia nenhum outro vínculo
entre eles e que não enfrentaria nenhuma resistência de Harriet a
qualquer providência bem-intencionada que tomasse.
Elas encontraram o sr. Martin no dia seguinte, enquanto desciam
a rua Donwell. Ele estava a pé e, após um olhar muito respeitoso
para Emma, virou-se com satisfação escancarada para a
companheira dela. Emma ficou contente por ter uma oportunidade
de examiná-lo e, caminhando alguns passos à frente enquanto os
dois conversavam, logo fez uma avaliação minuciosa do sr. Robert
Martin. Estava bem-vestido e parecia um jovem sensato, mas sua
pessoa não possuía nenhuma outra vantagem; e, em comparação a
outros cavalheiros, Emma pensou que ele perdia toda a vantagem
que tinha ganhado na opinião de Harriet. Esta não era insensível a
bons modos; tinha voluntariamente notado a gentileza do pai de
Emma, com admiração e encanto. O sr. Martin parecia não saber o
que significava ter bons modos.
Eles permaneceram poucos minutos juntos, pois não deveriam
fazer a srta. Woodhouse esperar, e logo Harriet foi correndo até ela,
com um sorriso no rosto e um espírito agitado, que a srta.
Woodhouse esperava recompor muito em breve.
— Imagine só, encontrá-lo assim! Não é estranho? E foi um
completo acaso, ele disse, não ter passado por Randalls. Ele não
achava que passeássemos por este caminho. Achou que
caminhássemos em direção a Randalls, na maioria dos dias. Ainda
não conseguiu providenciar O romance da floresta
. Estava tão
ocupado da última vez que esteve em Kingston que esqueceu
completamente, mas vai de novo amanhã. Não é estranho nos
encontrarmos? Bem, srta. Woodhouse, ele atendeu às suas
expectativas? O que acha dele? Achou-o muito sem graça?
— Ele é bastante comum, sem dúvidas, bem comum; o que não é
nada comparado à sua falta de nobreza. Eu não tinha motivos para
esperar demais, e não esperei, de fato, mas não fazia ideia de que
seria tão rústico, tão inteiramente sem garbo. Eu o imaginava,
confesso, um ou dois graus mais próximo de um cavalheiro.
— Certamente — disse Harriet, parecendo mortificada —, ele
não é tão nobre quanto cavalheiros de verdade.
— Acredito, Harriet, que graças à sua amizade conosco, esteve
várias vezes na companhia de alguns verdadeiros cavalheiros e
também deve se impressionar com a diferença entre eles e o sr.
Martin. Em Hartfield, você conheceu ótimos espécimes de homens
de boa educação e criação. Eu ficaria surpresa se, após os conhecer,
fosse capaz de ficar na companhia do sr. Martin novamente sem vê-
lo como uma criatura inferior… e sem se surpreender consigo
mesma por tê-lo achado tão aprazível antes. Não começa a sentir-se
assim agora? Não ficou impressionada? Tenho certeza de que deve
ter reparado na falta de jeito e nas maneiras abruptas dele, e na
rispidez de sua voz, completamente sem modulação, pelo que eu
ouvi enquanto vocês conversavam.
— Certamente, ele não é como o sr. Knightley. Não tem um ar e
uma postura tão finos como os do sr. Knightley. Vejo claramente a
diferença. Mas o sr. Knightley é um homem tão elegante!
— A postura do sr. Knightley é tão excelente que não é justo
comparar o sr. Martin com ele.
Entre cem homens, talvez você não
encontre outro que, como o sr. Knightley, traga a palavra
“cavalheiro” estampada em sua pessoa. Mas não é o único
cavalheiro que você conhece. O que me diz do sr. Weston e do sr.
Elton? Compare o sr. Martin com qualquer um deles.
Compare o
modo de se portar, de caminhar, de falar, de manter silêncio. Sem
dúvida verá a diferença.
— Ah, sim! Há uma grande diferença. Mas o sr. Weston já está
numa idade avançada, deve ter entre quarenta e cinquenta anos.
— O que torna suas boas maneiras ainda mais valiosas. Quanto
mais alguém envelhece, Harriet, mais importante é que seus modos
não sejam maus, e mais chocante e repulsiva se torna uma pessoa
chamativa, grosseira ou desajeitada. O que é aceitável na juventude
é detestável na velhice. O sr. Martin já é hoje tão rude e abrupto,
como será na idade do sr. Weston?
— Não há como dizer, de fato! — replicou Harriet, com um tom
um tanto solene.
— Mas temos boas bases para imaginar. Ele será um fazendeiro
completamente repulsivo e vulgar, inteiramente alheio às
aparências, que não pensará em nada exceto lucros e perdas.
— Será mesmo? Que terrível…
— Quanto os seus negócios já o absorvem fica evidente pelo fato
de ter se esquecido do livro que você recomendou. Estava
preocupado demais com o mercado para pensar em qualquer outra
coisa; o que é justo, para um homem que se esforça para subir na
vida. O que ele faria com livros? E não tenho dúvidas de que vai
prosperar e enriquecer com o tempo, e o fato de ser iletrado e
grosseiro não é nada que deva nos
preocupar.
— Fiquei surpresa por ele ter se esquecido do livro — foi tudo
que Harriet disse, e com um ar de tão grave desgosto que Emma
concluiu que dispensava mais comentários. Portanto, por um tempo
não falou mais nada. Sua próxima abordagem foi:
— Em um sentido, talvez, os modos do sr. Elton sejam
superiores aos do sr. Knightley ou do sr. Weston. Possuem mais
gentileza. Podem ser tomados como base de comparação com mais
solidez. O sr. Weston tem uma atitude franca, expansiva, quase
abrupta, que todos apreciam nele
porque é acompanhada por muito
bom humor, mas não é algo que deva ser imitado. Assim como não
seria possível imitar o jeito direto, resoluto e impositivo do sr.
Knightley, embora caia a ele
muito bem; sua figura e aparência,
assim como situação na vida, permitem tal postura, e se qualquer
outro jovem tentasse imitá-lo, seria insuportável. Por outro lado,
acho que um rapaz poderia tomar com segurança o sr. Elton como
modelo. Ele é bem-humorado, alegre, prestativo e delicado. Parece-
me ter se tornado especialmente sensível nos últimos tempos. Não
sei se ele tem alguma intenção de conquistar o afeto de uma de nós,
Harriet, com essa suavidade excepcional, mas me parece que seus
modos são mais gentis do que costumavam ser. Não lhe contei o que
ele comentou sobre você no outro dia?
E em seguida repetiu alguns elogios entusiasmados que tinha
extraído do sr. Elton, fazendo máximo jus a eles. Harriet corou e
sorriu, e disse que sempre achara o sr. Elton muito amável.
O sr. Elton era o cavalheiro que Emma escolhera para afastar o
fazendeiro dos pensamentos de Harriet. Pensou que seria uma união
formidável, e tão palpavelmente desejável, natural e provável que
ela mal mereceria crédito por planejá-la. Receava que todos já
pensassem e previssem o mesmo. Não era provável, entretanto, que
qualquer outra pessoa tivesse concebido o plano na mesma data: a
primeira visita de Harriet a Hartfield. Quanto mais refletia, mais
admirava-se com a conveniência da união. A situação do sr. Elton
era ideal — era um cavalheiro sem conexões inferiores; ao mesmo
tempo, não pertencia a uma família que pudesse fazer objeções ao
parentesco desconhecido de Harriet. Tinha um lar confortável para
ela e, Emma imaginava, uma renda suficiente, pois, embora a casa
paroquial de Highbury não fosse grande, sabia-se que ele possuía
algumas propriedades independentes. Além disso, ela tinha uma
ótima opinião sobre ele, como um jovem bem-humorado, bem-
intencionado e digno de respeito, a quem não faltava sabedoria em
questões práticas nem conhecimento do mundo.
Ela já tinha certeza de que ele achava Harriet uma bela moça, e
confiava que, combinado com encontros frequentes em Hartfield,
isso seria alicerce suficiente da parte dele; da parte de Harriet, sem
dúvidas a ideia de receber o apreço dele teria o peso e a eficácia
esperados. E ele era um jovem muito simpático, um jovem que seria
apreciado por qualquer mulher que não fosse tão exigente. Era tido
como muito bonito e sua figura era bastante admirada de forma
geral, ainda que não por Emma, devido a uma falta de elegância em
suas feições que ela não conseguia relevar — mas uma moça capaz
de se contentar com um Robert Martin vagando pelo condado em
busca de nozes para ela poderia tranquilamente ser conquistada
pela admiração do sr. Elton.

4
.  Os Relatórios de agricultura
eram pesquisas promovidas pelo British
Board of Agriculture, associação fundada em 1793, sobre o estado da
agricultura em cada condado; os Excertos elegantes
eram uma antologia de
escritos de autores renomados (um volume em prosa saiu em 1783 e um de
poesia, em 1789); O vigário de Wakefield
(1766), de Oliver Goldsmith, era
um dos romances mais populares à época e retratava a vida rural; e O
romance da floresta
(1791), de Ann Radcliffe, e Os filhos da abadia
(1796),
de Regina Maria Roche, eram romances góticos.
CAPÍTULO V

— Não sei qual é a sua opinião, sra. Weston — começou o sr.


Knightley — quanto a essa grande intimidade entre Emma e Harriet
Smith, mas eu acho uma má ideia.
— Uma má ideia! Acha mesmo que é uma má ideia? Por quê?
— Não creio que nenhuma das duas fará bem à outra.
— O senhor me surpreende! Emma certamente fará bem a
Harriet e, por apresentar a ela um novo objeto de interesse,
podemos supor que Harriet fará bem a Emma. Tenho acompanhado
a crescente intimidade delas com o maior prazer. Como temos
opiniões diferentes! Acreditar que não farão bem uma à outra! Isso
decerto será o estopim de uma de nossas discussões sobre Emma,
sr. Knightley.
— Talvez a senhora ache que vim com o propósito de discutir,
sabendo que Weston não está em casa para apoiar seus argumentos.
— O sr. Weston sem dúvida me apoiaria, se estivesse aqui, pois
ele pensa exatamente como eu sobre esse tema. Estávamos falando
disso ontem mesmo, e concordamos que era uma grande sorte para
Emma ter uma garota dessas em Highbury com quem se associar.
Sr. Knightley, não acredito que o senhor seja um juiz adequado
neste caso. Está acostumado demais a viver sozinho para conhecer
o valor de uma companhia, e talvez nenhum homem possa ser um
bom juiz do conforto que uma mulher sente com a companhia de
alguém do seu sexo, após estar acostumada com isso a vida toda.
Consigo imaginar suas objeções a Harriet Smith. Ela não é o tipo de
moça superior que Emma deveria ter como amiga. Por outro lado,
uma vez que Emma quer vê-la bem instruída, será um incentivo
para que ela mesma leia mais. Elas vão ler juntas. Ela está sendo
sincera, eu sei.
— Emma pretende ler mais desde que tinha doze anos. Já vi
uma série de listas que ela organizou em vários momentos com
livros que pretendia ler do começo ao fim, e eram listas muito boas,
muito bem selecionadas e muito bem ordenadas; às vezes,
alfabeticamente, outras, por algum outro critério. A lista que
compilou aos catorze anos… lembro de ter pensado que dava
crédito ao seu julgamento, e até a guardei por algum tempo. E
arrisco dizer que ela fez outra ótima lista agora. Mas já parei de
esperar qualquer esforço de leitura regular da parte de Emma. Ela
nunca vai se submeter a nada que exija diligência e paciência, ou
uma sujeição da fantasia ao intelecto. Se a srta. Taylor não foi capaz
de estimulá-la nesse sentido, afirmo com segurança que Harriet
Smith não fará nada. A senhora nunca conseguiu persuadi-la a ler
sequer metade do que desejava, sabe que não.
— Ouso dizer — replicou a sra. Weston com um sorriso — que
eu pensava assim na época,
mas desde que nos separamos não
consigo me lembrar de Emma jamais ter deixado de fazer algo que
eu quisesse.
— Não desejo refrescar uma lembrança como essa
— disse o sr.
Knightley calorosamente, e por um momento ou dois se calou. —
Mas eu — logo acrescentou —, que não tive um encantamento
lançado sobre meus sentidos, ainda vejo, ouço e me lembro. Emma
é mal-acostumada porque é a pessoa mais inteligente da família. Aos
dez anos, tinha a infelicidade de ser capaz de responder perguntas
que confundiam sua irmã aos dezessete. Sempre foi esperta e
confiante; Isabella era mais lenta e acanhada. E desde os doze anos,
Emma tem sido a senhora da casa e de todos vocês. Quando a mãe
as deixou, Emma perdeu a única pessoa capaz de lidar com ela.
Herdou os talentos da mãe e a teria obedecido.
— Eu não teria gostado, sr. Knightley, de depender da sua
recomendação, se tivesse deixado a família do sr. Woodhouse e
procurasse outro posto; não creio que o senhor teria falado uma boa
palavra sobre mim a qualquer pessoa. Tenho certeza de que sempre
me considerou inadequada à posição que eu ocupava.
— Sim — confirmou ele, sorrindo. — A senhora está em uma
posição bem melhor aqui
; muito bem adaptada ao papel de esposa,
mas nem um pouco ao de governanta. Porém, estava se preparando
para ser uma excelente esposa todo o tempo que passou em
Hartfield. Pode não ter dado a Emma uma educação tão completa
quanto suas capacidades pareciam prometer, mas recebeu uma
ótima educação dela
, quanto à questão matrimonial muito
importante de submeter a própria vontade e obedecer a ordens, e se
Weston tivesse me pedido que recomendasse uma esposa, eu
certamente teria mencionado a srta. Taylor.
— Obrigada, mas há muito pouco mérito em ser uma boa esposa
para um homem como o sr. Weston.
— Ora, para ser sincero, receio que a senhora será um tanto
desperdiçada aqui, e que, apesar de sua determinação de suportar
tudo, não haverá nada a ser suportado. Não nos desesperemos,
porém. Weston pode se aborrecer com os excessos de conforto ou o
filho pode lhe causar transtornos.
— Espero que isso
não aconteça. Não é provável. Não, sr.
Knightley, não preveja nenhum aborrecimento por esse lado.
— Certo que não. Apenas cito possibilidades. Não finjo ter o
talento de Emma para previsões e palpites. Espero, com todo o
coração, que o jovem seja um Weston em mérito e um Churchill em
fortuna. Mas Harriet Smith… eu ainda não tinha acabado de falar
sobre Harriet Smith. Acredito que seja o pior tipo de companheira
que Emma poderia ter. Não sabe nada e acredita que Emma saiba
tudo. É uma bajuladora consumada, e o pior é que não é
intencional. Sua ignorância é uma lisonja constante. Como Emma
pode imaginar que tem algo a aprender quando Harriet apresenta
uma inferioridade tão prazerosa? Quanto a Harriet, arrisco dizer
que ela
também não se beneficiará com a conexão. Hartfield só a
deixará insatisfeita com todos os outros locais a que pertence. Ela se
tornará refinada o bastante apenas para ficar desconfortável entre
aqueles cujo nascimento e demais circunstâncias a tornaram seus
iguais. Duvido muito que as doutrinas de Emma fortaleçam sua
mente ou a auxiliem em uma adaptação racional às variadas
tribulações de sua situação na vida. Apenas lhe darão certo
polimento.
— Ou eu confio mais no bom senso de Emma que o senhor, ou
estou mais ansiosa quanto ao seu conforto atual, pois não consigo
lamentar a conexão. Pense em como estava bem-apessoada ontem à
noite!
— Ah! Prefere discutir sua aparência do que sua mente, então?
Muito bem, não tentarei negar que Emma estava bonita.
— Bonita? Eu diria linda! Consegue imaginar algo mais próximo
da beleza absoluta do que Emma, considerando seu rosto e
silhueta?
— Não sei o que poderia imaginar, mas confesso que raramente
vi um rosto ou silhueta que mais me agradassem que os dela. Mas
sou um velho amigo parcial.
— Que olhos! Verdadeiramente castanhos, e tão brilhantes!
Feições regulares, um semblante franco, e aquela compleição! Ah!
Tanto frescor e viço, e que bela altura e proporções; tem uma figura
tão firme e aprumada. Há saúde não apenas em seu corpo, mas em
seus ares, sua cabeça, seu olhar. Às vezes se ouve dizer que uma
criança é um “retrato da saúde”; Emma me passa a impressão de ser
o retrato da saúde amadurecida. Ela é a própria beleza. Não acha, sr.
Knightley?
— Não tenho qualquer crítica a sua figura — respondeu ele. —
Acho que Emma é tudo que a senhora descreveu. Adoro olhá-la, e
acrescentarei este elogio: não acho que seja especialmente vaidosa.
Considerando como é bonita, parece se preocupar muito pouco com
isso; sua vaidade pende para outro lado. Sra. Weston, não vou deixar
que me distraia de meu desprazer quanto à amizade com Harriet
Smith, ou meu temor de que faça mal a ambas.
— E eu, sr. Knightley, permaneço igualmente confiante de que
não está fazendo mal a nenhuma das duas. Apesar de todos os
pequenos defeitos da querida Emma, ela é uma criatura excelente.
Onde se encontraria uma filha melhor, ou uma irmã mais gentil, ou
uma amiga mais fiel? Não, não, ela tem qualidades em que podemos
confiar; nunca conduzirá alguém por um caminho demasiado
errado; não cometerá nenhum equívoco duradouro; para cada vez
que Emma erra, ela acerta cem.
— Muito bem, não vou mais amolar a senhora. Emma será um
anjo, e eu conterei meu mau humor até o Natal trazer John e
Isabella. Ele tem por Emma um afeto sensato e, portanto, não cego,
e Isabella sempre pensa como John, exceto quando ele não teme o
suficiente pelas crianças. Tenho certeza de que terei o apoio deles.
— Sei que todos vocês a amam demais para serem injustos ou
cruéis, mas perdoe-me, sr. Knightley, se tomo a liberdade (eu
considero, o senhor sabe, que tenho o privilégio de falar como a
mãe de Emma poderia ter falado), se tomo a liberdade de sugerir
que não haverá qualquer vantagem em transformar a amizade de
Harriet Smith um ponto de contenda entre vocês. Perdoe-me, mas
mesmo supondo que algum inconveniente menor possa resultar da
intimidade, não podemos esperar que Emma, que não responde a
ninguém exceto o pai, o qual aprova perfeitamente a conexão, vá
pôr fim à amizade enquanto for aprazível para ela. Há tantos anos
meu papel é dar conselhos que o senhor não pode se surpreender,
sr. Knightley, com esses resquícios do meu ofício.
— Nem um pouco — exclamou ele. — Sou muito grato à
senhora pelo conselho. É excelente e terá um destino melhor do que
os seus conselhos muitas vezes tiveram, pois será acatado.
— A sra. John Knightley é facilmente alarmada, e pode acabar se
preocupando com a irmã.
— Não se aflija — disse ele —, não farei nenhum protesto.
Manterei meu desagrado para mim mesmo. Tenho um interesse
muito sincero por Emma. Isabella não parece ser minha irmã tanto
quanto ela, e nunca estimulou um grande interesse e talvez nenhum
tão significativo. Emma inspira nos outros uma ansiedade, uma
curiosidade. Pergunto-me o que será dela!
— Eu também — disse a sra. Weston gentilmente. — Muito.
— Ela declara que nunca vai se casar, o que, é claro, não
significa nada. Mas não faço ideia se já se afeiçoou por algum
homem. Não seria ruim para ela se apaixonar profundamente por
um sujeito adequado. Eu gostaria de ver Emma apaixonada, sem
certeza se o sentimento é retribuído; faria bem a ela. Mas não há
ninguém aqui para inspirar um apego, e é raro ela se afastar de casa.
— De fato, até onde posso ver, parece haver poucos motivos para
tentá-la a romper com sua resolução no presente — disse a sra.
Weston. — E, enquanto ela for feliz em Hartfield, não posso desejar
a formação de qualquer apego que crie tantas dificuldades para o sr.
Woodhouse. Não recomendo o matrimônio no momento para
Emma, embora não tenha qualquer intenção de desprezar a vida de
casada.
Em parte, seu discurso tinha a intenção de ocultar o máximo
possível algumas ideias que ela e o sr. Weston favoreciam quanto ao
assunto. Havia expectativas em Randalls em relação ao futuro de
Emma, mas não seria desejável que transparecessem, e a transição
tranquila que o sr. Knightley logo fez em seguida para “O que
Weston pensa do tempo, teremos chuva?” a convenceu de que ele
não tinha nada mais a dizer ou conjecturar sobre Hartfield.
CAPÍTULO VI

Emma não tinha dúvidas de que dera às fantasias de Harriet uma


direção adequada e que estimulara a sua jovem vaidade para um
propósito muito digno, pois a achou muito mais sensível quanto ao
fato de o sr. Elton ser um homem notavelmente bem-apessoado,
com modos muito aprazíveis. E da mesma forma que pretendia
consolidar a admiração dele por Harriet, por meio de sugestões
agradáveis, estava confiante de que logo cultivaria uma afeição tão
grande da parte de Harriet sempre que a ocasião permitisse. Estava
inteiramente convencida de que o sr. Elton tinha a maior
probabilidade de se apaixonar, se é que já não estava apaixonado.
Não tinha incertezas quanto a ele. Ele falava tanto sobre Harriet e a
elogiava tão calorosamente que Emma não conseguia imaginar
qualquer coisa faltando que um pouco de tempo não resolvesse. A
maneira como ele percebia a evolução impressionante nos modos de
Harriet desde que a conhecera em Hartfield era uma das provas
mais agradáveis de seu interesse crescente.
— A senhorita deu à srta. Smith tudo que ela precisava — ele
disse —, tornou-a graciosa e desenvolta. Ela era uma bela criatura
quando conheceu a senhorita, mas, na minha opinião, os atrativos
que acrescentou a ela são infinitamente superiores aos que ela
recebeu da natureza.
— Fico feliz que o senhor pense que eu fui útil, mas Harriet só
tinha necessidade de ser incentivada, e recebeu poucas,
pouquíssimas sugestões. Já possuía toda a graciosidade natural de
um temperamento doce e honesto. Eu fiz muito pouco.
— Se fosse admissível contradizer uma dama… — começou o
galante sr. Elton.
— Talvez eu tenha tornado seu caráter um pouco mais firme,
ensinando-a a pensar sobre questões que não tinham lhe ocorrido
antes.
— É exatamente isso, e foi o que mais me impressionou. Como
seu caráter se tornou mais firme! A mão que a conduziu foi
habilidosa.
— E o prazer foi enorme, eu lhe garanto. Nunca conheci alguém
mais verdadeiramente amável.
— Não tenho dúvidas. — E isso foi dito com um suspiro
encantado que muito fazia pensar em um homem apaixonado.
Emma ficou igualmente satisfeita outro dia ao ver como ele
concordou com um capricho súbito de ter um retrato de Harriet.
— Já fizeram um retrato seu, Harriet? — perguntou ela. — Já
posou para um pintor?
Harriet estava prestes a sair da sala e só parou para dizer, com
uma inocência encantadora:
— Ah, poxa! Não, nunca.
Assim que ela saiu de vista, Emma exclamou:
— Que item esplêndido seria um bom retrato dela! Daria
qualquer fortuna por um. Quase tenho vontade de pintá-la
pessoalmente. O senhor não sabe, imagino, mas dois ou três anos
atrás eu tinha uma grande paixão pela pintura de retratos e tentei
representar diversos amigos, que julgavam que eu tinha um olho
razoavelmente aguçado, de forma geral. Devido a um motivo ou
outro, eu me cansei e abandonei a prática. Mas até poderia me
aventurar novamente, se Harriet posasse para mim. Seria tão
agradável ter um retrato dela!
— Permita-me rogar à senhorita — exclamou o sr. Elton —, pois
seria realmente um prazer! Permita-me rogar-lhe, srta. Woodhouse,
que exercite um talento tão magnífico em prol de sua amiga.
Conheço os seus desenhos, como pode me supor ignorante? Esta
sala não está repleta de exemplos de suas paisagens e flores, e a sra.
Weston não tem alguns de seus inimitáveis retratos na sala de
visitas de Randalls?
Sim, bom homem!
, pensou Emma, mas o que isso tem a ver
com desenhar retratos? O senhor não entende nada de desenhos,
não finja estar extasiado com os meus. Guarde seu entusiasmo
para o rosto de Harriet.
— Bem, se o senhor me incentiva tão gentilmente, sr. Elton,
farei o meu melhor. As feições de Harriet são muito delicadas, o que
dificultaria retratá-la, e há algo distinto no formato dos olhos e nas
linhas da boca que é preciso capturar.
— É exatamente isso; o formato dos olhos e as linhas da boca!
Não tenho dúvidas do seu sucesso. Por favor, rogo que tente. Uma
vez que a senhorita o fará, será de fato, para usar suas próprias
palavras, um item esplêndido.
— Mas receio, sr. Elton, que Harriet não gostará de posar. Ela
não acredita muito na própria beleza. Não viu o modo como me
respondeu? Como se quisesse perguntar: “por que alguém faria um
retrato meu”?
— Ah, sim! Eu observei, garanto à senhorita. Não deixei de
notar. Mesmo assim, não consigo imaginar que ela não seria
persuadida.
Harriet logo estava de volta e a proposta foi feita de imediato. E
não havia vigor que pudesse resistir por muitos minutos à
insistência genuína dos outros dois. Emma queria começar o
trabalho imediatamente, e para isso trouxe o portfólio que continha
suas várias tentativas de retratos — pois nenhum fora concluído —
para escolher o melhor tamanho para o de Harriet. Seus muitos
inícios foram exibidos. Miniaturas, bustos, figuras de corpo inteiro,
lápis, giz e aquarelas tinham sido todos experimentados. Ela sempre
quisera fazer de tudo, e progredira mais, tanto em desenho como
em música, do que muitas teriam feito com o pouco esforço que
aceitava despender. Ela tocava e cantava, e desenhava em quase
todos os estilos, mas sempre lhe faltara constância e em nada ela se
aproximara do grau de excelência que teria gostado de dominar e do
qual não deveria ter ficado aquém. Não estava enganada quanto à
própria habilidade, tanto na arte como na música, mas não lhe
incomodava que os outros se enganassem nem se lamentava ao
saber que sua reputação como uma jovem prendada era muito mais
alta do que o merecido.
Havia mérito em todos os desenhos — nos menos polidos, talvez
mais ainda — e seu estilo era enérgico, mas, ainda que houvesse
muito menos, ou dez vezes mais, o deleite e a admiração de seus
dois companheiros teriam sido idênticos. Estavam ambos em
êxtase. Era impossível não apreciar um retrato, e as obras da srta.
Woodhouse eram as melhores do mundo.
— Não há uma grande variedade de rostos — disse Emma. — Só
tive minha própria família como objeto de estudo. Aqui está papai…
outro dele… mas a ideia de sentar-se para ser pintado o deixava
nervoso, então só consegui desenhá-lo furtivamente e nenhum dos
dois ficou muito parecido. Aqui temos a sra. Weston de novo, e de
novo, e de novo, como podem ver. A querida sra. Weston sempre foi
minha amiga mais gentil em todas as ocasiões. Posava sempre que
eu pedia. Aqui está minha irmã, e este capta bem sua figura
elegante! E o rosto não está tão diferente. Gostaria de ter feito um
belo retrato dela, se tivesse aceitado posar por mais tempo, mas ela
estava com tanta pressa para que eu desenhasse seus quatro filhos
que se recusava a ficar parada. E aqui estão minhas tentativas de
retratar três das quatro crianças; cá estão elas, Henry e John e
Bella, de uma ponta da folha à outra, e qualquer desenho poderia
ser de qualquer uma das crianças. Ela insistiu tanto que eu os
desenhasse que não pude recusar, mas não há como convencer
crianças de três ou quatro anos a ficarem sentadas, sabem, nem é
muito fácil retratá-las de modo preciso, além dos ares e da tez, a não
ser que tenham feições mais grosseiras do que seria de esperar dos
filhos de qualquer mãe. Aqui está meu rascunho do quarto filho, que
era um bebê. Eu o desenhei enquanto dormia no sofá, e não poderia
desejar uma representação mais precisa dos laços da sua touca. Ele
tinha descansado a cabeça de um jeito muito conveniente. Ficou
bem parecido. Tenho bastante orgulho do pequeno George. O canto
do sofá ficou muito bom. E aqui está meu último — e revelou um
rascunho bonito de pequenas dimensões, mostrando um cavalheiro
de corpo inteiro —, meu último e o meu melhor, meu cunhado, o sr.
John Knightley. Não faltava muito para acabá-lo quando o guardei
num momento de irritação e jurei nunca mais desenhar um retrato.
Não consegui me controlar, pois, apesar de todos os meus esforços e
depois de fazer um retrato muito parecido com ele (a sra. Weston e
eu concordamos que estava muito
parecido), exceto por ser bonito
demais, lisonjeiro demais, mas essa foi uma falha no lado direito…
depois de tudo isso, recebi o julgamento frio da querida Isabella:
“Sim, é um pouco parecido, mas decerto não fez jus a ele”. Tivemos
muita dificuldade em persuadi-lo a posar. Ele agiu como se me
fizesse um grande favor, e no fim foi demais para eu suportar, então
nunca o terminei só para que fosse apresentado com desculpas
como um retrato desfavorável a cada visitante que passasse em
Brunswick Square pela manhã. E, como disse, jurei então nunca
desenhar mais ninguém. Mas por Harriet, ou melhor, por mim
mesma, e como não há maridos ou esposas envolvidos neste caso,
vou romper com minha resolução agora.
O sr. Elton pareceu apropriadamente impressionado e deliciado
com a ideia, e ficou repetindo:
— Nenhum marido ou esposa envolvido no presente
, de fato,
como a senhorita observou. Exatamente. Nenhum marido ou esposa
— disse com um tom tão sugestivo que Emma começou a cogitar se
não seria melhor deixá-los a sós de uma vez. Porém, como queria
começar o desenho, a declaração precisaria esperar mais um pouco.
Ela logo se decidiu pelo tamanho e tipo do retrato. Seria de
corpo inteiro, em aquarela, como o do sr. John Knightley, e estava
destinado, se o resultado lhe agradasse, a ocupar um lugar de honra
sobre a lareira.
Ela começou o trabalho, e Harriet, sorridente e corada, e
temendo não conseguir segurar sua postura e semblante, apresentou
aos olhos firmes da artista uma mistura muito doce de expressão
jovem. Mas não havia como trabalhar com o sr. Elton movendo-se
impaciente atrás de si e observando cada toque do lápis. Ela lhe deu
crédito por posicionar-se onde poderia olhar à vontade sem ofender,
mas foi obrigada a pôr fim às andanças dele e pedir que se
transferisse a outro lugar. Logo em seguida, ocorreu-lhe que podia
ocupá-lo com uma leitura.
Se ele pudesse ler para elas, seria uma enorme gentileza, de fato!
Isso a distrairia das dificuldades do trabalho e reduziria o incômodo
da postura da srta. Smith.
O sr. Elton aceitou de bom grado. Harriet escutou e Emma
desenhou em paz. Ela ainda permitia que ele viesse olhar — menos
que isso certamente teria sido pouco demais para um homem
apaixonado — e ele estava pronto, a cada mínima interrupção do
pincel, a erguer-se de um pulo, examinar o progresso e expressar
seu deleite. Era impossível desagradar-se com tal incentivo, pois a
admiração dele o fez discernir a semelhança da retratada antes que
isso sequer fosse possível. Emma não podia respeitar o olhar dele, o
amor e a civilidade que ele demonstrava eram excepcionais.
A sessão em geral foi muito satisfatória, e ela ficou contente o
bastante com o rascunho do primeiro dia para querer continuar. A
semelhança era notável, ela tivera sorte com a postura e, como
pretendia fazer alguns aperfeiçoamentos à figura — dar-lhe mais
altura e consideravelmente mais elegância —, estava confiante de
que seria um desenho muito bonito, em todos os aspectos, e tomaria
seu lugar pretendido com crédito a ambas — um memorial
duradouro à beleza de uma, à habilidade da outra, e à amizade das
duas, com muitas outras associações agradáveis que o apreço do sr.
Elton certamente conferiria.
Harriet posaria novamente no dia seguinte, e o sr. Elton, como
era devido, implorou pela permissão para observar e ler para elas de
novo.
— Certamente. Ficaremos muito contentes em recebê-lo.
As mesmas civilidades e cortesias, o mesmo sucesso e satisfação,
se passaram na manhã seguinte e acompanharam todo o progresso
do trabalho, que foi rápido e feliz. Todos que viram o retrato ficaram
admirados, mas o sr. Elton estava em êxtase constante e o defendia
de qualquer crítica.
— A sra. Woodhouse concedeu à amiga o pouco de beleza que
ainda lhe faltava — observou a sra. Weston para ele, sem sequer
suspeitar que se dirigia a um homem apaixonado. — A expressão
dos olhos está correta, mas a srta. Smith não tem essas
sobrancelhas e cílios. É um defeito do rosto não os ter.
— A senhora acha? — ele replicou. — Não posso concordar.
Parece-me um retrato idêntico, em cada feição. Nunca vi um melhor
em toda a minha vida. Devemos considerar o efeito das sombras, é
claro.
— Você a fez alta demais, Emma — disse o sr. Knightley.
Emma sabia que era verdade, mas se recusava a admitir, e o sr.
Elton protestou calorosamente:
— Ah, não! Certamente não está alta demais, nem um pouco.
Considere que ela estava sentada, o que naturalmente apresenta
uma diferença… o que, em suma, passa exatamente a ideia… e as
proporções devem ser preservadas, sabe. Proporções, encurtamento.
Ah, não! Passa exatamente a ideia da altura da srta. Smith. É
exatamente isso, de fato!
— Está muito bonito — julgou o sr. Woodhouse. — Um belo
trabalho! Como todos os seus desenhos, minha querida. Não
conheço ninguém que desenhe tão bem quanto você. A única coisa
que não aprecio inteiramente é que ela parece estar sentada ao ar
livre, com apenas um xale sobre os ombros, e dá a impressão de que
vai pegar um resfriado.
— Mas, querido papai, é um retrato de verão, um dia quente de
verão. Veja a árvore.
— Mas nunca é seguro sentar-se ao ar livre, minha querida.
— O senhor pode falar como quiser — exclamou o sr. Elton —,
mas devo confessar que penso ser muito conveniente situar a srta.
Smith ao ar livre, e a árvore é tocada por um espírito tão inimitável!
Qualquer outra situação teria sido muito menos adequada ao seu
caráter. A inocência dos modos da srta. Smith… e de forma geral…
ah, é muito admirável! Não consigo desviar os olhos. Nunca vi um
retrato tão preciso.
O próximo desejo manifesto foi emoldurar o retrato, e nisso
encontraram-se algumas dificuldades. Teria de ser feito de imediato,
teria de ser feito em Londres e a encomenda deveria ficar a cargo de
uma pessoa inteligente e de gosto confiável — e não poderiam
contatar Isabella, que geralmente executava todas as incumbências,
porque era dezembro e o sr. Woodhouse não suportava a ideia de
que ela saísse de casa nas névoas do inverno. Entretanto, assim que
essa dificuldade foi transmitida ao sr. Elton, foi também resolvida.
Ele estava sempre de prontidão para uma chance de ser galante. Se
fosse encarregado da encomenda, que deleite infinito sentiria em
executá-la! Poderia ir a Londres a qualquer hora. Seria impossível
expressar sua gratificação ao ser despachado nessa tarefa.
Ele era gentil demais! Ela não poderia sequer cogitar a ideia —
não lhe daria uma incumbência tão trabalhosa de forma alguma!
Mas isso só inspirou a repetição esperada de súplicas e garantias, e
em alguns minutos a questão estava resolvida.
O sr. Elton levaria o desenho a Londres, escolheria a moldura e
transmitiria as orientações necessárias, e Emma pensou que poderia
embalá-la para garantir sua segurança sem que o pacote o
importunasse, enquanto ele parecia temer profundamente não ser
importunado o bastante.
— Que precioso tesouro! — disse ele com um suspiro terno ao
recebê-lo.
Esse homem é quase galante demais para estar apaixonado,
pensou Emma. Ao menos é o que penso, mas suponho que haja
centenas de modos diferentes de estar apaixonado. Ele é um
cavalheiro excelente e vai se adequar com perfeição a Harriet; “é
exatamente isso”, como ele costuma dizer. Exceto que suspira e
sofre e ensaia elogios um tanto mais do que eu conseguiria
suportar se fosse o alvo deles. Já recebo uma boa dose só por
acompanhá-la — mas é apenas a gratidão dele por conta de
Harriet.
CAPÍTULO VII

O dia em que o sr. Elton foi a Londres gerou uma nova


oportunidade para Emma empregar seus serviços em prol da amiga.
Harriet passara em Hartfield, como de costume, logo após o
desjejum, e após um tempo tinha voltado para casa antes de
retornar para o jantar — mas em pouco tempo estava de volta a
Hartfield, antes do previsto, com uma expressão agitada e urgente
que pressagiava algum acontecimento extraordinário que ela
ansiava por contar. Em meio minuto, tudo foi revelado. Ela tinha
ouvido, assim que voltara à escola da sra. Goddard, que o sr. Martin
estivera lá uma hora antes e, ao descobrir que ela não estava em
casa e que não sabiam quando voltaria, tinha deixado um pequeno
embrulho para Harriet como presente de uma das irmãs; e então, ao
abrir esse embrulho, ela tinha encontrado, além das duas canções
que tinha emprestado para Elizabeth copiar, uma carta para si
mesma — e essa carta era dele, do sr. Martin, e continha uma
proposta direta de casamento. Quem teria imaginado? Ela ficou tão
surpresa que não sabia o que fazer. Sim, era uma proposta de
casamento, e uma carta muito boa, ao menos na opinião dela. E ele
escrevia como se a amasse muito — mas ela não tinha certeza — e,
portanto, viera o mais rápido possível perguntar à srta. Woodhouse
o que fazer. Emma ficou quase encabulada pela amiga, ao vê-la tão
contente e com tantas dúvidas.
— Palavra de honra — ela exclamou —, o rapaz está
determinado a não perder nada por falta de pedir. Vai criar boas
conexões, se puder.
— A senhorita pode ler a carta? — perguntou Harriet. — Por
favor, eu gostaria que lesse.
Emma não lamentou o pedido. Ela leu — e ficou surpresa. O
estilo superava suas expectativas. Não só não continha erros
gramaticais, mas a composição também não teria envergonhado um
cavalheiro; e o estilo, embora simples, era forte e sem afetações, e
os sentimentos que transmitia davam muito crédito ao autor. Era
curta, mas expressava sensatez, um afeto verdadeiro, generosidade,
decência e até delicadeza de sentimentos. Ela examinou a carta com
calma, enquanto Harriet esperava em pé, ansiosamente aguardando
sua opinião enquanto murmurava “Então, então”, até que
finalmente foi obrigada a acrescentar:
— É uma boa carta? Ou curta demais?
— De fato, é uma carta muito boa — respondeu Emma, um
pouco devagar. — Tão boa que, considerando as circunstâncias,
acho que uma das irmãs deve tê-lo ajudado. Não consigo imaginar
que o jovem com quem a vi conversar no outro dia poderia se
expressar tão bem, deixado à própria conta; no entanto, não está no
estilo de uma mulher. Certamente não, é forte e concisa demais,
não é difusa o suficiente para ser de uma mulher. Sem dúvida é um
homem sensato, e suponho que possa ter um talento natural para…
ele pensa com força e clareza e… quando toma a caneta em mãos,
seus pensamentos naturalmente encontram as palavras apropriadas.
É assim com alguns homens. Sim, compreendo esse tipo de mente.
Vigorosa, decidida, com sentimentos que, até certo ponto, não são
grosseiros. É uma carta mais bem escrita, Harriet — e ela a
devolveu —, do que eu esperava.
— Bem — disse Harriet, ainda na expectativa —, e o que devo
fazer?
— O que deve fazer? Em que sentido? Quer dizer o que fazer
quanto a essa carta?
— Sim.
— Mas qual é a dúvida? Deve responder, é claro, e rapidamente.
— Sim. Mas o que devo dizer? Cara srta. Woodhouse, por favor,
aconselhe-me.
— Ah, não, não! A carta deve ser toda sua. Você vai se expressar
muito adequadamente, tenho certeza. Não há perigo de não ser
compreendida, que é o principal. O significado de suas palavras
deve ser inequívoco, sem deixar espaço para dúvidas ou objeções: e
as expressões de gratidão e preocupação pelo sofrimento que vai
infligir, como a decência exige, vão se apresentar naturalmente à
sua
mente, estou confiante disso. Você
não precisa ser incentivada a
escrever como se sentisse muito pela decepção dele.
— A senhorita acha que devo rejeitá-lo, então — disse Harriet,
baixando os olhos.
— Rejeitá-lo! Minha cara Harriet, do que está falando? Tinha
qualquer dúvida quanto a isso? Eu pensei… mas, perdoe-me, talvez
tenha me enganado. Certamente não a compreendi, se você está em
dúvida quanto ao conteúdo
de sua resposta. Tinha imaginado que
me consultava apenas sobre como expressá-lo.
Harriet ficou em silêncio. Com um jeito um pouco mais
reservado, Emma prosseguiu:
— Você quer dar uma resposta favorável, presumo.
— Não, não quero, isto é, não pretendo… O que devo fazer? O
que a senhorita me aconselharia a fazer? Por favor, cara srta.
Woodhouse, me diga o que devo fazer!
— Não lhe darei qualquer conselho, Harriet. Não me envolverei
de forma alguma. Essa é uma questão que deve resolver com base
em seus próprios sentimentos.
— Eu não imaginava que ele gostasse tanto de mim — disse
Harriet, contemplando a carta.
Por um tempo, Emma ainda perseverou no silêncio, mas,
começando a recear a potência da lisonja cativante da carta, pensou
que era melhor dizer:
— Como regra geral, Harriet, acredito que, se uma mulher
questiona
se deve aceitar ou não um homem, certamente deve
rejeitá-lo. Se ela hesita quanto ao “sim”, deveria dar o “não” sem
hesitar. Não é uma situação em que sentimentos conflituosos, um
coração dividido, possam trazer segurança. Penso que é meu dever,
enquanto uma amiga mais velha, dizer ao menos isso a você. Mas
não imagine que desejo influenciá-la.
— Ah! Não, tenho certeza de que a senhorita é gentil demais
para… Mas, se pudesse me aconselhar o que seria melhor… Não,
não, não quis dizer que… Como diz a senhorita, a pessoa tem de
estar decidida… não deveria hesitar… É uma coisa muito séria.
Será mais seguro dizer “não”, talvez. Acha melhor eu dizer “não”?
— Eu — disse Emma, sorrindo graciosamente — jamais a
aconselharia por uma resposta ou pela outra. Só você pode julgar o
que a fará feliz. Se prefere o sr. Martin a qualquer outra pessoa, se
pensa que ele é o homem mais agradável que já conheceu, por que
deveria hesitar? Você está corando, Harriet. Ocorre a você mais
alguém que se adequaria a essa definição? Harriet, Harriet, não se
engane, não se deixe ser levada pela gratidão e a compaixão. Nesse
momento, em quem está pensando?
Os sintomas eram favoráveis. Em vez de responder, Harriet se
virou, confusa, e parou pensativa junto à lareira; e, embora a carta
ainda estivesse em sua mão, agora era mecanicamente retorcida
sem qualquer escrúpulo. Emma esperou o resultado com
impaciência, mas também com fortes esperanças. Por fim, um
pouco hesitante, Harriet disse:
— Srta. Woodhouse, como não quer me dar sua opinião, devo
fazer o melhor possível sozinha, e agora estou muito determinada e
praticamente já me decidi a… rejeitar o sr. Martin. Acha que estou
certa?
— Perfeitamente, perfeitamente, minha querida Harriet! Você
está fazendo exatamente o que deveria. Enquanto havia dúvida,
guardei meus sentimentos para mim mesma, mas, agora que tomou
sua decisão, não hesito em aprová-la. Cara Harriet, isso muito me
alegra. Teria lamentado a perda da sua amizade, que teria sido a
consequência do seu casamento com o sr. Martin. Enquanto você
ainda oscilava minimamente, eu não disse nada porque não queria
influenciá-la, mas teria significado a perda de uma amiga para mim.
Eu não poderia visitar a sra. Robert Martin, da Fazenda do Moinho
da Abadia. Agora estou confiante de que a terei sempre por perto.
Harriet não tinha compreendido o perigo para si mesma, mas a
ideia a impactou fortemente.
— Não poderia ter me visitado! — ela exclamou, parecendo
horrorizada. — Não, certo que não, mas eu não tinha pensado nisso.
Teria sido terrível! E escapei por pouco! Querida srta. Woodhouse,
eu não abriria mão do prazer e da honra da intimidade com a
senhorita por nada no mundo.
— De fato, Harriet, eu sofreria profundamente por perdê-la, mas
seria necessário. Você teria se excluído da boa sociedade e eu seria
forçada a abdicar de você.
— Ai de mim! Como eu teria suportado? Eu morreria se nunca
mais pudesse vir a Hartfield!
— Minha cara criatura afetuosa! Imagine só, você
, banida à
Fazenda do Moinho da Abadia! Você,
confinada à sociedade de gente
iletrada e vulgar pelo resto da vida! Pergunto-me como o rapaz teve
a presunção de fazer o pedido. Deve ter uma opinião muito boa de si
mesmo.
— Não acho que ele seja arrogante, de forma geral — disse
Harriet, sua consciência opondo-se à censura. — Pelo menos tem
um ótimo temperamento, e sempre me senti muito grata a ele e
tenho uma grande consideração por… mas isso é uma questão
completamente diferente… E sabe, mesmo que ele goste de mim,
não significa que eu deva… e preciso confessar que, desde que
comecei a visitar a senhorita, conheci pessoas… e se começarmos a
compará-las e seus modos, não há comparação, quando um
deles é
tão belo e agradável. Mas acho que o sr. Martin é um jovem muito
amável, e tenho uma ótima opinião dele, e o fato de ser tão apegado
a mim… e ter escrito uma carta dessas… Mas, quanto a deixar a
senhorita, é algo que eu não faria sob nenhuma hipótese.
— Obrigada, obrigada, minha querida amiga. Não vamos nos
separar. Uma mulher não deve casar-se com um homem apenas
porque recebeu uma proposta ou porque ele é afeiçoado a ela e
capaz de escrever uma carta tolerável.
— Ah, não! E é uma carta curta também.
Emma notou o mau gosto da amiga, mas relevou e apenas
comentou que era bem verdade, e que seria um parco consolo para
ela, em troca de modos rudes que poderiam ofendê-la a toda hora do
dia, conhecer a capacidade do marido para escrever uma carta
decente.
— Ah, sim, muito. Ninguém se importa com uma carta; o
principal é sempre estar feliz, com companheiros agradáveis. Estou
determinada a rejeitá-lo. Mas como devo fazê-lo? O que direi?
Emma garantiu-lhe que não haveria dificuldade em compor a
resposta, e aconselhou que a escrevesse imediatamente — o que foi
aceito na esperança de receber a assistência da amiga. E, embora
Emma continuasse a protestar, afirmando que Harriet não tinha
necessidade alguma de ajuda, na realidade a ofereceu na
composição de cada frase. O ato de reler a carta para compor a
resposta teve o efeito de suavizar os sentimentos, de modo que foi
particularmente necessário escorá-la com algumas declarações
incisivas, e Harriet estava tão preocupada com a ideia de deixá-lo
infeliz, e pensava tanto no que a mãe e as irmãs dele diriam, e
estava tão ansiosa com a possibilidade de que elas a achassem
ingrata, que Emma suspeitou que, se o rapaz tivesse cruzado o
caminho dela naquele momento, teria sido aceito, no fim das
contas.
A carta, entretanto, foi escrita, selada e enviada. A questão
estava resolvida e Harriet estava a salvo. Ficou um pouco
melancólica a noite toda, mas Emma podia atribuir seu estado de
espírito ao arrependimento pela dor causada, e às vezes o aliviava
falando de seu próprio afeto por Harriet, às vezes evocando a
lembrança do sr. Elton.
— Eu nunca serei convidada à fazenda de novo — disse Harriet
em um tom muito pesaroso.
— Mesmo se fosse, eu não suportaria separar-me de você, minha
cara Harriet. É necessária demais em Hartfield para a cedermos à
Fazenda do Moinho da Abadia.
— E tenho certeza que jamais desejaria voltar para lá, pois estou
muito contente em Hartfield.
Algum tempo depois:
— Acho que a sra. Goddard ficaria muito surpresa se soubesse o
que aconteceu. Tenho certeza que a srta. Nash também… pois a
srta. Nash tem uma irmã muito bem casada, e é só uma vendedora
de tecidos.
— Seria uma pena ver orgulho ou refinamento em excesso numa
professora, Harriet. Arrisco dizer que a srta. Nash invejaria a sua
oportunidade de se casar… até essa conquista pareceria valiosa aos
olhos dela. Quanto a uma opção superior para você, suponho que
ela ignore tudo a respeito. As atenções de certo indivíduo
dificilmente já terão alcançado os tagarelas de Highbury. Por
enquanto, acredito que você e eu somos as únicas a quem os olhares
e modos dele se revelaram.
Harriet corou e sorriu, comentando que era surpreendente que
as pessoas gostassem tanto dela. A ideia do sr. Elton era decerto
encorajadora; mesmo assim, após um tempo, ela estava novamente
sensível à rejeição do sr. Martin.
— A essa altura ele já estará com a minha carta — ela disse
suavemente. — Pergunto-me o que eles estão fazendo… se as irmãs
sabem… se ele ficar triste, elas ficarão muito tristes também. Espero
que ele não sofra muito.
— Vamos pensar em nossos amigos ausentes que estão engajados
em atividades mais alegres — exclamou Emma. — Talvez nesse
exato momento o sr. Elton esteja mostrando seu retrato à mãe e às
irmãs, contando como a modelo é muito mais bela e, após deixá-las
perguntarem cinco ou seis vezes, permitindo que elas ouçam o seu
nome, seu nome querido.
— Meu retrato! Mas ele o deixou na rua Bond.
— Será que deixou? Então eu não sei nada do sr. Elton. Não,
minha cara e modesta Harriet, acredite em mim: esse retrato só será
deixado na rua Bond logo antes de ele montar no cavalo amanhã.
Será a companhia dele ao longo da noite, seu consolo, seu deleite. O
retrato revela os desígnios dele à família, apresenta você a eles,
difunde aqueles sentimentos tão agradáveis da nossa natureza, a
curiosidade aguçada e a predisposição afetuosa. Como a imaginação
delas deve estar contente, animada, desconfiada e ativa!
Harriet sorriu de novo, e seus sorrisos se tornaram mais largos.
CAPÍTULO VIII

Harriet dormiu em Hartfield naquela noite. Nas últimas semanas,


vinha passando mais de metade do seu tempo lá, e gradualmente lhe
atribuíram um quarto. Emma julgou ser melhor, mais seguro e mais
gentil, em todos os aspectos, mantê-la junto a eles ao máximo.
Harriet precisaria passar uma hora ou duas na escola no dia
seguinte, mas ficou combinado que retornaria a Hartfield para ficar
alguns dias.
Enquanto estava fora, o sr. Knightley fez uma visita e sentou-se
por um tempo com o sr. Woodhouse e Emma, até que o sr.
Woodhouse, que tinha decidido fazer uma caminhada, foi
persuadido pela filha a não a adiar e induzido pela insistência de
ambos, embora contra os escrúpulos de sua própria civilidade, a
fazê-lo, deixando a companhia do sr. Knightley. O sr. Knightley, que
não exibia nenhum ar de cerimônia, oferecia, com suas respostas
breves e decididas, um contraste divertido às prolongadas desculpas
e hesitações corteses do outro.
— Bem, acredito, se o senhor me der licença, sr. Knightley, se
não considerar uma enorme grosseria, que vou acatar o conselho de
Emma e sair por um quarto de hora. Como está fazendo sol,
acredito que seja melhor completar minhas três voltas enquanto
posso. Trato-o sem formalidades, sr. Knightley. Nós, inválidos,
pensamos que somos pessoas privilegiadas.
— Meu caro senhor, não me trate como um desconhecido.
— Deixo uma excelente substituta na minha filha. Emma ficará
contente em entretê-lo. Portanto, pedirei sua licença para dar
minhas três voltas, minha caminhada de inverno.
— Não poderia fazer uma escolha melhor, senhor.
— Eu pediria o prazer de sua companhia, sr. Knightley, mas
caminho muito lentamente e meu ritmo lhe seria tedioso; além
disso, o senhor ainda tem uma longa caminhada de volta à Abadia
de Donwell.
— Eu agradeço, senhor, sinceramente; eu mesmo já estou de
partida e penso que, quanto antes o senhor for, melhor. Deixe-me
pegar seu sobretudo e abrir a porta do jardim.
O sr. Woodhouse enfim saiu, mas o sr. Knightley, em vez de
imediatamente seguir o seu exemplo, sentou-se de novo, parecendo
propenso a continuar a conversa. Começou falando de Harriet, com
elogios mais voluntários do que Emma já ouvira da parte dele.
— Não posso prezar a beleza dela tanto quanto você — disse ele
—, mas é uma bela criatura, e estou inclinado a pensar muito bem
de sua disposição. O caráter dela depende das pessoas ao seu redor,
mas em boas mãos se tornará uma mulher de valor.
— Fico feliz que pense assim, e espero que não faltem boas
mãos.
— Vamos — disse ele —, você está ansiosa para ouvir um elogio,
então lhe direi que a aperfeiçoou. Livrou-a daquela risadinha de
estudante e pode se orgulhar do seu trabalho com ela.
— Obrigada. Eu ficaria envergonhada se pensasse que não fui
útil de alguma forma, mas nem todos dispensam elogios quando
podem. Você
não me enche deles com frequência.
— Disse que a está esperando de novo esta manhã?
— A qualquer momento. Ela já está fora há mais tempo do que
pretendia.
— Algo a atrasou, talvez algum visitante.
— Os alcoviteiros de Highbury! Que gente cansativa!
— Harriet pode não considerar alguém cansativo só porque você
considera.
Emma sabia que era verdade demais para contradizê-lo,
portanto não disse nada. Logo ele acrescentou com um sorriso:
— Não alego saber horas ou locais, mas devo dizer que tenho
bons motivos para crer que sua amiga logo ouvirá algo que muito a
favorecerá.
— É mesmo? Como? Que tipo de coisa?
— De um tipo muito sério, eu lhe garanto. — Ainda sorria.
— Muito sério! Só consigo pensar em uma coisa. Quem está
apaixonado por ela? Quem o tornou confidente?
Emma nutria esperanças de que o sr. Elton houvesse sugerido
algo. O sr. Knightley era uma espécie de amigo e conselheiro geral, e
ela sabia que o sr. Elton o admirava.
— Tenho motivos para crer — ele respondeu — que Harriet
Smith logo receberá uma proposta de casamento, e vinda de um
excelente cavalheiro: falo de Robert Martin. A visita dela à Fazenda
do Moinho da Abadia, neste verão, parece ter sido a ruína dele. Está
desesperadamente apaixonado e quer se casar com ela.
— Ele é muito amável — disse Emma —, mas tem certeza de
que Harriet quer casar com ele?
— Bem, bem, ele pretende fazer a proposta, ao menos. Melhor
assim? Ele foi à Abadia duas noites atrás, a fim de me consultar. Ele
sabe que tenho muita consideração por ele e toda sua família e,
acredito, me considera um dos seus amigos mais íntimos. Veio
perguntar se eu achava imprudente que ele se casasse tão cedo; se
eu a achava jovem demais; em suma, se aprovava sua escolha, tendo
algumas apreensões, quem sabe, de que ela fosse considerada
(especialmente com você
a elevando tanto) pertencente a um
estrato da sociedade acima dele. Fiquei muito satisfeito com tudo
que ele disse. Nunca ouvi um homem mais sensato do que Robert
Martin. Ele sempre fala com propósito; é sincero, direto ao ponto e
muito ajuizado. Contou-me tudo, suas circunstâncias e planos, e o
que toda a família propôs fazer na eventualidade do seu casamento.
É um rapaz excelente, tanto como filho quanto como irmão. Não
hesitei em aconselhá-lo a se casar. Ele provou para mim que pode
sustentar uma família, e assim fiquei convencido de que era a
melhor escolha. Também elogiei a jovem, e ele foi embora muito
contente. Se nunca tivesse estimado minha opinião antes, teria
pensado muito bem de mim a partir de então; e, arrisco dizer,
deixou a casa pensando que eu era o melhor amigo e conselheiro
que um homem já teve. Isso aconteceu há duas noites. Agora,
podemos supor com segurança que ele não deixaria passar muito
tempo antes de falar com a senhorita e, como não parece ter falado
ontem, não é improvável que esteja na escola da sra. Goddard hoje,
e ela pode estar detida por um visitante e não o considerará nem
um pouco cansativo.
— Diga-me, sr. Knightley — disse Emma, que tinha sorrido ao
longo de boa parte desse discurso —, como sabe que o sr. Martin
não falou com ela ontem?
— Decerto — replicou ele, surpreso — que não sei com certeza
absoluta, mas inferi que não tenha falado. Ela não esteve com você
o dia todo?
— Bem — disse ela —, vou contar algo em troca do que me
contou. Ele falou ontem mesmo. Isso é, ele escreveu, e ela o
rejeitou.
Isso teve de ser repetido antes de ser acreditado, e o sr.
Knightley pareceu corar de surpresa e desgosto. Levantou-se
indignado e disse:
— Então ela é mais simplória do que eu pensava. O que essa
garota tola está pensando?
— Ah! Certamente — exclamou Emma —, é sempre
incompreensível para um homem que uma mulher rejeite qualquer
proposta de casamento. Os homens sempre imaginam que uma
mulher estará preparada a aceitar o primeiro que pedir sua mão.
— Bobagem! Os homens não imaginam tais coisas. Mas o que
está acontecendo? Harriet Smith recusando Robert Martin? É
sandice, se for verdade, mas espero que esteja enganada.
— Eu vi a resposta dela, nada poderia ser mais claro.
— Viu a resposta! Você escreveu
a resposta. Emma, isso é obra
sua. Você a persuadiu a rejeitá-lo.
— E se a persuadi (o que, entretanto, estou longe de admitir), eu
não sentiria que fiz nada errado. O sr. Martin é muito respeitável,
mas não admito que esteja à altura de Harriet, e fiquei bastante
surpresa que ele tenha se atrevido a falar com ela. Pelo que você
contou, ele parece ter alguns escrúpulos. É uma pena que não o
tenham contido.
— Não está à altura de Harriet! — exclamou o sr. Knightley, em
tom alto e colérico, e acrescentou, alguns momentos depois, com
uma aspereza mais calma: — Não, ele não está à altura dela, de fato,
pois é muito superior a ela em juízo e em circunstâncias. Emma,
seu encantamento com a garota a deixou cega. Que direito tem
Harriet Smith, seja por nascimento, natureza ou educação, a
reivindicar qualquer conexão mais elevada que Robert Martin? Ela é
a filha natural de ninguém sabe quem, provavelmente não possui
dote algum, e certamente não tem relações respeitáveis. É
conhecida apenas como pensionista de uma escola comum. Não é
uma garota sensata, nem instruída. Não lhe ensinaram nada útil, e é
jovem e simples demais para ter obtido qualquer conhecimento por
conta própria. Na sua idade, não pode ter tido muita experiência e,
com seu pouco discernimento, não tem grandes chances de se valer
dela. É bonita e amável, mas isso é tudo. Minha única ressalva em
aconselhar a união foi pelo bem dele, uma vez que ela estaria abaixo
do que ele merece e seria uma conexão ruim. Senti que, quanto à
fortuna, ele muito provavelmente conseguiria algo melhor; e quanto
a encontrar uma companheira racional ou útil, não encontraria pior.
Mas não consegui argumentar com um homem tão apaixonado, e
estava disposto a confiar que ela não o prejudicaria, por ter o tipo de
temperamento, que, em boas mãos, como as dele, facilmente
poderia ser conduzido a um bom resultado. Senti que a vantagem da
união estava inteiramente do lado dela, e não tinha a menor dúvida
(nem tenho agora) de que haveria um clamor geral de que ela foi
profundamente sortuda. Até da sua
satisfação, eu estava seguro.
Imediatamente me ocorreu que você não lamentaria ver a amiga
partir de Highbury, no caso de um matrimônio tão vantajoso.
Lembro de ter pensado: “Até Emma, com toda sua parcialidade por
Harriet, pensará que é uma boa união”.
— Só posso me surpreender que você conheça Emma tão pouco
a ponto de dizer uma coisa dessas. Quê! Pensar que um fazendeiro
(e apesar de todo o seu juízo e méritos, o sr. Martin não é nada mais
que isso) seria um bom par para minha amiga íntima! Que não
lamentaria vê-la deixar Highbury para casar-se com um homem que
eu nunca poderia admitir em meu círculo social! Surpreendo-me
que tenha pensado ser possível eu ter tais sentimentos. Garanto-lhe
que são muito diferentes. Penso que sua avaliação não é de forma
alguma justa. Você não apreciou devidamente as qualidades de
Harriet. Elas poderiam ser estimadas de maneira muito diversa por
outros, além de mim mesma; o sr. Martin pode ser o mais rico dos
dois, mas sem dúvida tem uma posição inferior na sociedade. A
esfera na qual ela se move está muito acima dele. Seria uma
degradação.
— Uma degradação, para uma filha ilegítima e ignorante, casar-
se com um fazendeiro-cavalheiro respeitável e inteligente?
— Quanto às circunstâncias do nascimento dela, embora em
sentido legal possa ser chamada de Ninguém, isso não se sustentará
no senso comum. Ela não deve pagar pelas ofensas de outros, sendo
mantida tão abaixo do nível daqueles entre os quais foi criada. Não
pode haver dúvidas de que o seu pai é um cavalheiro… e um
cavalheiro de fortuna. Sua pensão é muito generosa e nada jamais
lhe foi negado para aperfeiçoamento ou conforto. Que ela seja a
filha de um cavalheiro é inegável para mim; que se associe com
filhas de cavalheiros, ninguém, imagino, vai negar. Ela é superior ao
sr. Robert Martin.
— Quem quer que sejam os pais dela — disse o sr. Knightley —,
quem quer que esteja encarregado de seus cuidados, não parece ter
incluído no plano uma introdução no que você chamaria de boa
sociedade. Depois de receber uma educação indiferente, ela foi
deixada nas mãos da sra. Goddard, para progredir o quanto possível;
para se mover, em suma, no mesmo estrato da sociedade que a sra.
Goddard e ter os conhecidos da sra. Goddard. Os amigos dela
evidentemente pensaram que era o bastante, e era
o bastante. Ela
mesma não desejava nada melhor. Até você decidir transformá-la
em amiga, ela não desgostava da sua condição nem acalentava
qualquer ambição mais elevada. Não podia ter ficado mais feliz com
os Martin no verão. Não tinha qualquer senso de superioridade,
naquele momento. Se o tem agora, é porque você o incutiu nela.
Você não foi amiga de Harriet Smith, Emma. Robert Martin nunca
teria chegado a esse ponto se não estivesse persuadido de que ela
iria aceitá-lo. Eu o conheço bem. Ele é prudente demais para dirigir-
se a qualquer mulher sob o capricho de uma paixão egoísta. Quanto
a atrevimento, nunca conheci um homem mais distante disso.
Confie em mim, ele foi incentivado.
Era mais conveniente para Emma não responder diretamente à
última declaração; em vez disso, escolheu retomar sua própria linha
argumentativa.
— Você é um amigo muito gentil para o sr. Martin, mas, como eu
disse antes, é injusto com Harriet. As esperanças dela para um
casamento vantajoso não são tão desprezíveis quanto você
apresenta. Não é uma garota inteligente, mas tem mais bom senso
do que você imagina, e não merece ter seu discernimento discutido
em termos tão depreciativos. Deixando de lado essa questão,
entretanto, e supondo que ela seja, como você a descreve, apenas
bonita e amável, deixe-me dizer que, no grau em que as possui,
essas não são qualidades triviais no mundo em geral, pois ela é, de
fato, uma bela garota, e deve ser vista assim por noventa e nove a
cada cem pessoas, e, até que os homens se tornem muito mais
filosóficos quanto ao tema da beleza do que se supõe em geral, até
que se apaixonem por mentes bem-informadas em vez de rostos
bonitos, uma garota tão adorável quanto Harriet pode estar segura
de ser admirada e cortejada, de poder escolher entre muitos e,
consequentemente, de ter o direito de ser seletiva. Sua amabilidade
também não é tão desprezível, uma vez que compreende um
temperamento e maneiras doces, uma opinião muito humilde de si
mesma, e uma grande disposição a apreciar as pessoas. Estou muito
enganada se o seu sexo em geral não pensa que tamanha beleza, e
um tal temperamento, não são as maiores qualidades que uma
mulher pode ter.
— Palavra de honra, Emma, ouvi-la abusar da sua inteligência
quase é suficiente para me fazer pensar assim. Seria melhor não ter
inteligência do que empregá-la como você faz.
— Decerto! — ela exclamou, com um ar brincalhão. — Sei que
esse
é o sentimento comum entre vocês. Uma garota como Harriet é
exatamente o que encanta todo homem, o que logo enfeitiça seus
sentidos e satisfaz seu juízo. Ah! Harriet pode escolher à vontade.
Se você mesmo fosse se casar um dia, ela seria a mulher ideal. E é
de surpreender que ela, aos dezessete anos, apenas no início da
vida, apenas começando a ser conhecida, não aceite a primeira
proposta que recebe? Não, por favor, dê-lhe um pouco de tempo
para olhar ao redor.
— Sempre pensei que a intimidade entre vocês fosse uma tolice
— retrucou o sr. Knightley —, embora tenha mantido meus
pensamentos para mim mesmo, mas agora percebo que será muito
nociva para Harriet. Você vai inflá-la com tantas ideias sobre a
própria beleza e o que ela tem direito a esperar que, em pouco
tempo, ninguém ao alcance dela será bom o suficiente. A vaidade
produz todo tipo de dano sobre uma mente fraca. Nada é mais fácil
para uma jovem senhorita do que nutrir expectativas altas demais.
A srta. Harriet Smith pode não ver propostas de casamento
chegarem tão rápido, embora seja uma garota muito bonita.
Homens de juízo, não importa o que você diga, não querem esposas
tolas. Homens de boas famílias não ficarão contentes em se conectar
com uma garota de origens obscuras. E homens prudentes terão
medo da inconveniência e da desgraça em que podem se envolver,
quando o mistério do parentesco dela se tornar conhecido. Se ela se
casar com Robert Martin, será protegida, respeitável e feliz para
sempre, mas, se você a incentivar a esperar um grande casamento, e
a não se contentar com nada menos que um homem de alta posição
e grande fortuna, ela pode permanecer como pensionista da sra.
Goddard pelo resto da vida. Ou, pelo menos (pois Harriet Smith é
uma garota que vai se casar com um ou outro), até ficar desesperada
e se contentar com o filho do velho professor de caligrafia.
— Pensamos tão diferente nessa questão, sr. Knightley, que não
há por que debatê-la. Só enfureceremos mais um ao outro. Quanto a
eu permitir
que se case com Robert Martin, é impossível; ela o
rejeitou, e de modo tão incisivo, imagino, que deve evitar uma
segunda proposta. Ela terá de lidar com as consequências da
rejeição, quaisquer que sejam, e quanto à recusa em si, não vou
fingir que não a influenciei um pouco, mas garanto que havia muito
pouco que eu ou qualquer outra pessoa precisasse fazer. A aparência
dele é tão desfavorável e seus modos tão desagradáveis que, se ela já
esteve inclinada a favorecê-lo, não está mais. Posso imaginar que,
antes de ter conhecido alguém superior, ela o tolerasse. Ele é irmão
das amigas dela e se esforçava para agradá-la; e de modo geral, não
conhecendo ninguém melhor (o que deve ter sido a grande
vantagem dele), ela poderia, enquanto estava hospedada na Fazenda
da Abadia, não o achar desagradável. Mas agora é diferente: ela sabe
como são cavalheiros genuínos, e ninguém além de um cavalheiro,
em educação e modos, tem uma chance com Harriet.
— Bobagem, a maior bobagem que já ouvi! — exclamou o sr.
Knightley. — A conduta de Robert Martin tem bom senso,
sinceridade e bom humor a seu favor, e seu caráter é mais
verdadeiramente nobre do que Harriet Smith seria capaz de
entender.
Emma não respondeu e tentou parecer alegre e despreocupada,
mas na verdade estava muito desconfortável e desejava
intensamente que ele fosse embora. Não se arrependia do que tinha
feito; ainda pensava que tinha mais aptidão para julgar tais questões
de direito feminino e refinamento do que ele, mas nutria uma
espécie de respeito habitual pelas opiniões do sr. Knightley e ficava
aborrecida ao vê-lo contrariar as suas tão enfaticamente, de modo
que o ver tão altivo e furioso era muito desagradável. Alguns
minutos se passaram nesse silêncio desconfortável, interrompido
apenas por uma tentativa de Emma de comentar sobre o tempo,
mas ele não respondeu. Estava pensando. O resultado de suas
considerações apareceu enfim nestas palavras:
— Robert Martin não sofreu uma grande perda. Não sei se ele
consegue ver dessa forma, mas espero que não demore muito para
fazê-lo. As perspectivas que você imaginou para Harriet são
conhecidas apenas por você mesma, mas, como não encobre seu
amor por promover casamentos, é justo supor que tenha
expectativas, planos e projetos. Como um amigo, vou apenas sugerir
que, se Elton é o homem, acredito que todo seu trabalho será em
vão.
Emma riu e negou. Ele continuou:
— Acredite, Elton não se casará com ela. É um bom homem, e
um vigário muito respeitável para Highbury, mas de forma alguma
está inclinado a fazer uma união imprudente. Conhece o valor de
uma renda confiável melhor do que todos. Ele pode falar de modo
sentimental, mas agirá de forma racional. Está tão ciente de seus
próprios direitos a um bom casamento quanto você está dos de
Harriet. Sabe que é um jovem muito bonito e um grande favorito
aonde quer que vá, e pelo seu modo de falar em momentos de maior
franqueza, quando só há homens presentes, estou convencido de
que ele não pretende se desperdiçar. Eu o ouvi comentar muito
animadamente sobre uma grande família de moças de quem suas
irmãs são íntimas, cada uma das quais possui vinte mil libras.
— Agradeço-o muito — disse Emma, rindo de novo. — Se eu
estivesse decidida a casar Harriet com o sr. Elton, teria sido gentil
abrir meus olhos, mas no momento só quero mantê-la como minha
companheira. Abandonei o ofício de casamenteira. Nunca poderia
superar meu trabalho em Randalls. É melhor desistir após esse
grande sucesso.
— Tenha um bom dia — ele disse, erguendo-se e saindo
abruptamente. Estava muito aborrecido. Sentia a decepção do outro
rapaz e estava mortificado por ter ajudado a promovê-la, por meio
de sua sanção da ideia, assim como perturbado demais pelo papel
que estava convencido de que Emma tivera no caso.
Emma permaneceu num estado de aborrecimento também, mas
as causas para o seu humor eram mais vagas. Nem sempre se sentia
absolutamente satisfeita consigo mesma, tão convencida de que
suas opiniões estavam certas e as do seu adversário erradas, quanto
o sr. Knightley. Ele saiu da discussão muito mais satisfeito consigo
mesmo do que ela. Entretanto, não estava tão desanimada que um
pouco de tempo e o retorno de Harriet não agissem como
restauradores adequados. A ausência de Harriet por tanto tempo a
estava inquietando. A possibilidade de que o rapaz visitasse a sra.
Goddard naquela manhã e encontrasse Harriet para renovar sua
proposta lhe inspirou ideias alarmantes. Por fim, o medo de um
fracasso como esse se tornou uma ansiedade profunda, e quando
Harriet apareceu, em ótimo estado de espírito, sem dar nenhum
motivo para sua longa ausência, Emma sentiu uma satisfação que a
reconciliou com a própria mente e a convenceu de que, apesar do
que o sr. Knightley pudesse pensar ou dizer, ela não fizera nada que
a amizade e os sentimentos de uma mulher não justificassem.
Ele a tinha assustado um pouco em relação ao sr. Elton, mas ao
considerar que o sr. Knightley não poderia tê-lo observado como ela,
nem com o interesse, nem (era lícito admitir para si mesma, apesar
das críticas do sr. Knightley) com a habilidade de uma observadora
tão perspicaz em tais questões quanto ela; e que ele tinha falado
com pressa e raiva, então Emma chegou à conclusão de que a fala
dele representava um desejo, um tanto rancoroso, do que ele queria
que fosse a verdade, e não os fatos que não tinha como saber.
Certamente poderia ter ouvido o sr. Elton falar com mais franqueza
do que ela ouvira, e o sr. Elton poderia não ter um temperamento
imprudente e irrefletido quanto a questões financeiras — era mais
provável, na verdade, que estivesse atento a elas; por outro lado, o
sr. Knightley não atribuía o devido peso à influência de uma forte
paixão numa guerra contra todos os motivos de interesse. O sr.
Knightley não enxergava essa paixão, e é claro que não pensava em
seus efeitos, mas Emma a enxergava bem demais para sentir
qualquer dúvida de que essa paixão superaria quaisquer hesitações
que uma prudência razoável pudesse a princípio sugerir — e ela
estava segura de que o sr. Elton não possuía um grau de prudência
acima do razoável e apropriado.
A expressão e os modos alegres de Harriet restauraram os de
Emma: a amiga voltara não para pensar no sr. Martin, mas para falar
sobre o sr. Elton. A srta. Nash tinha lhe contado algo que Harriet
repetiu imediatamente, com muita empolgação. O sr. Perry passara
na escola para cuidar de uma garota doente, e a srta. Nash o
encontrara; e ele tinha dito à srta. Nash que, enquanto voltava
ontem de Clayter Park, encontrara o sr. Elton e descobrira, para sua
grande surpresa, que o sr. Elton estava a caminho de Londres e não
pretendia voltar até a manhã seguinte, embora fosse a noite do
clube de uíste e ele nunca tivesse perdido uma partida; e o sr. Perry
o censurou por isso e comentou como era infame que ele, o melhor
jogador do clube, se abstivesse, e tentou persuadi-lo a adiar a
jornada em apenas um dia, mas foi impossível — o sr. Elton estava
determinado a seguir viagem, e tinha dito, de um modo muito
particular
, de fato, que cuidava de uma incumbência que não
podia ser adiada por nenhum motivo no mundo, e falou algo sobre
realizar uma tarefa muito invejável e ser o portador de um objeto
extremamente precioso. O sr. Perry não conseguiu entendê-lo, mas
imaginava que uma dama estivesse envolvida, e foi isso que disse; e
o sr. Elton apenas deu um sorriso deliberado, seguindo em frente em
um ótimo estado de espírito. A srta. Nash tinha lhe contado tudo
isso, e elas haviam conversado muito mais sobre o sr. Elton, e ela
dissera, olhando-a de modo significativo, que “não tinha a pretensão
de entender qual poderia ser o encargo dele, mas só conhecia uma
mulher que o sr. Elton poderia favorecer, e que ela pensava ser a
mulher mais sortuda no mundo, pois, sem dúvida, o sr. Elton não
tinha igual em beleza ou amabilidade”.
CAPÍTULO IX

O sr. Knightley podia repreendê-la, mas Emma não conseguia


repreender a si mesma. Ele ficou tão aborrecido que se ausentou de
Hartfield por mais tempo que de costume e, quando eles se
encontraram, seus olhares severos mostraram que Emma não estava
perdoada. Ela sentia muito, mas não conseguia se arrepender. Pelo
contrário, seus planos e procedimentos pareciam cada vez mais
justificados, e se tornaram ainda mais caros a ela devido aos
acontecimentos dos dias seguintes.
O retrato, emoldurado com elegância, voltou em segurança às
suas mãos após o retorno do sr. Elton e, uma vez pendurado sobre a
lareira na sala de visitas, ele se levantava para olhá-lo e suspirava
frases entrecortadas de admiração, exatamente como deveria.
Quanto aos sentimentos de Harriet, estavam se tornando o apego
mais forte e constante que sua juventude e tipo de mente
permitiam. Emma logo ficou bastante convencida de que o sr.
Martin não era mais lembrado, a não ser para criar um contraste
com o sr. Elton, em que a vantagem nítida residia com o segundo.
A meta de aperfeiçoar a mente de sua jovem amiga, por meio de
muitas leituras e conversas úteis, não tinha até o momento ido além
de alguns capítulos e da intenção de prosseguir no dia seguinte. Era
muito mais fácil conversar do que estudar; muito mais agradável
permitir que sua imaginação divagasse e trabalhar pela sorte de
Harriet do que se esforçar para desenvolver a compreensão dela ou
exercitar seu raciocínio com fatos sóbrios; e a única atividade
literária que envolvia Harriet no momento, as únicas providências
mentais que ela tomava para o crepúsculo da vida, era a coleção e
transcrição de todas as adivinhas de todos os tipos que pudesse
encontrar, em um papel quarto fino prensado a quente,
encadernado pela amiga e ornamentado com cifras e troféus.
5
Naquela era de literatura, tais compilações em grande escala não
eram incomuns. A srta. Nash, a principal professora da escola da
sra. Goddard, tinha transcrito ao menos trezentas adivinhas; e
Harriet, que estava dando continuidade ao trabalho dela, esperava,
com a ajuda da srta. Woodhouse, obter várias outras. Emma a
auxiliou com sua engenhosidade, memória e bom gosto; e, como
Harriet tinha uma caligrafia muito bonita, provavelmente o
resultado seria de primeira ordem, tanto em forma como em
quantidade.
O sr. Woodhouse estava quase tão interessado no assunto quanto
as moças e tentava com frequência relembrar algo que valeria a
pena inserir. Havia tantas charadas inteligentes quando ele era
jovem — era uma surpresa não conseguir recordá-las! Mas esperava
conseguir, com o tempo. E elas sempre terminavam com “Kitty, uma
criada bela, mas fria”
6
.
Além disso, seu bom amigo Perry, com quem já tinha falado
sobre o assunto, não lembrava no momento qualquer espécie de
charada, mas ele pediu a Perry que ficasse alerta e, uma vez que ele
estava sempre zanzando por aí, pensou que algo poderia vir da parte
dele.
Não era de forma alguma o desejo da filha que os intelectos de
Highbury fossem mobilizados para a tarefa. O sr. Elton foi o único a
quem pediu assistência. Ele foi convidado para contribuir com
quaisquer enigmas, charadas ou adivinhas de que conseguisse se
lembrar; e ela teve o prazer de vê-lo forçar a memória com muito
afinco. Ao mesmo tempo, pelo que podia perceber, sinceramente
tomava o cuidado para que não saísse de seus lábios nada que não
fosse galante, nada que não exalasse um elogio ao sexo oposto.
Deviam a ele dois ou três de seus enigmas mais distintos; e a alegria
e exultação com a qual ele por fim se recordou, e recitou com uma
boa dose de sentimentalismo, aquela charada bem conhecida...
Minha primeira denota ternura,
Que a segunda há de experimentar;
E meu todo é a melhor cura,
Para a aflição aliviar e sarar.
7

... a fez lamentar ter de o informar que elas já a tinham transcrito


algumas páginas antes.
— Não quer compor você mesmo uma para nós, sr. Elton? —
perguntou ela. — Essa é a única garantia de frescor, e nada poderia
ser mais simples para o senhor.
Ah, não! Ele nunca tinha escrito, quase nunca, qualquer coisa
do tipo em sua vida. Era o sujeito mais obtuso do mundo! Receava
que nem a srta. Woodhouse — e nesse ponto parou um momento —
ou a srta. Smith poderiam inspirá-lo.
No dia seguinte, entretanto, chegou uma prova de inspiração. Ele
prestou uma visita breve, só para deixar na mesa um papel que
continha, como explicou, uma charada que um amigo dele tinha
escrito a uma jovem que era objeto de sua admiração, mas, com
base em seus modos, Emma ficou imediatamente convencida de que
deveria ser de composição própria.
— Eu não a ofereço para a compilação da srta. Smith — disse
ele. — Sendo do meu amigo, não tenho o direito de o expor, a
qualquer grau, aos olhos do público, mas talvez não desagrade às
senhoritas.
O discurso foi feito mais para Emma do que a Harriet, o que era
compreensível. Ele estava profundamente encabulado e achava mais
fácil encontrar o seu olhar do que o da amiga. Partiu no momento
seguinte e, após uma pausa breve:
— Tome — disse Emma, sorrindo, e empurrou o papel para
Harriet. — É para você. Pegue o que é seu.
Mas Harriet estava tão trêmula que não conseguia tocá-lo, e
Emma, que nunca hesitava em assumir a liderança, foi obrigada a
examiná-lo pessoalmente.
À srta. ———.

CHARADA

A primeira traz dos reis a pompa e riqueza,


Os senhores da terra! Seu conforto sem pares.
A segunda é dos homens uma proeza,
Contemplem-no, o monarca dos mares!

Mas, ah! Unidas, temos o contrário!


A liberdade ostentada do homem definha;
Senhor da terra e do mar, agora subjugado,
E a mulher, adorável mulher, reina sozinha.

Tua mente sagaz logo entenderá minha aposta,


Que teus olhos suaves reluzam à resposta!
Ela correu os olhos pela charada, ponderou, captou o sentido,
leu-a uma segunda vez para ter certeza e, apropriando-se dos versos
e passando-os para Harriet, sentou-se com um sorriso satisfeito,
dizendo a si mesma, enquanto Harriet se debruçava sobre o papel
com toda a confusão da esperança e da incompreensão: Muito bem,
sr. Elton, muito
bem, de fato. Já li charadas piores. Cortejo
8

uma mensagem muito boa
. Dou-lhe crédito por ela. Está
sondando para ver como ela reage. Dizendo abertamente: imploro-
lhe, srta. Smith, que me permita cortejar a senhorita. Aprove
minha charada e minhas intenções no mesmo olhar.
“Que teus olhos suaves reluzam à resposta!”
É precisamente Harriet. Suave é a palavra exata para os olhos
dela — de todos os epítetos, o mais justo que poderia ser dado.
“Tua mente sagaz logo entenderá minha aposta.”
Hummm… a sagacidade de Harriet! Ainda melhor. Seria
preciso estar muito apaixonado, de fato, para descrevê-la assim.
Ah, sr. Knightley, queria que tivesse o benefício desta leitura, acho
que o convenceria. Pela primeira vez na vida, seria obrigado a
reconhecer que se enganou. É mesmo uma excelente charada! E
atende muito
bem ao seu propósito. As coisas devem atingir o
ápice em breve.
Ela foi obrigada a interromper essas observações agradáveis, que
caso contrário se alongariam muito, pelas perguntas agitadas e
confusas de Harriet.
— O que pode ser, srta. Woodhouse? O que pode ser? Não faço
ideia, não consigo adivinhar de nenhuma forma. O que pode ser?
Tente descobrir, srta. Woodhouse. Ajude-me. Nunca vi nada tão
difícil. É um reino? Pergunto-me quem era a amiga… e quem
poderia ser a jovem! Acha que é uma boa charada? Pode ser uma
mulher? “E a mulher, adorável mulher, reina sozinha.” Pode ser
Netuno? “Contemplem-no, o monarca dos mares!” Ou um tridente?
Ou uma sereia? Ou um tubarão? Ah, não! Tubarão tem três sílabas.
A charada deve ser muito inteligente ou ele não a teria trazido. Ah,
srta. Woodhouse, acha que entenderemos um dia?
— Sereias e tubarões, que bobagem! Minha cara Harriet, o que
está pensando? Por que motivo ele nos traria uma charada feita por
um amigo sobre sereias ou tubarões? Me dê o papel e escute. “Para
a srta. ——”, leia-se srta. Smith. “A primeira traz dos reis a pompa e
riqueza,/ Os senhores da terra! Seu conforto sem pares.” Isso é a
court
. “A segunda é dos homens uma proeza,/ Contemplem-no, o
monarca dos mares!” Isso é ship
, evidentemente, está claro. Agora,
para a melhor parte. “Mas, ah! Unidas, temos o contrário!/ A
liberdade ostentada do homem definha;/ Senhor da terra e do mar,
agora subjugado,/ E a mulher, adorável mulher, reina sozinha.” É
então courtship
, o cortejo. Um elogio muito elegante! E então se
segue o apelo, que penso, minha cara Harriet, que você não terá
dificuldade em compreender. Leia-o com calma para si mesma. Não
há qualquer dúvida de que foi escrito para você e apenas para você.
Harriet não pôde resistir a uma persuasão tão prazerosa. Leu as
frases finais e ficou toda feliz e alvoroçada. Não conseguia falar, mas
não era preciso. Bastava que sentisse. Emma falou por ela.
— Há um sentido tão claro e tão particular nesse elogio — ela
disse — que eu não tenho uma dúvida sequer das intenções do sr.
Elton. Você é o objeto da afeição dele, e logo receberá a prova mais
completa do fato. Pensei que seria assim. Pensei que não poderia
estar tão enganada, mas agora está claro; os pensamentos dele estão
tão claros e decididos como os meus desejos quanto ao assunto
desde que a conheci. Sim, Harriet, faz todo esse tempo que aguardo
a circunstância exata que ocorreu aqui. Nunca soube dizer se a
afeição entre você e o sr. Elton seria mais desejável ou mais natural.
Sua probabilidade e conveniência se equivalem completamente!
Estou muito feliz. Parabenizo-a, minha cara Harriet, de todo o
coração. Esse é um apego que uma mulher deve se orgulhar por ter
criado. É uma conexão que promete apenas vantagens. Dará a você
tudo que deseja, prestígio, independência, um lar verdadeiro, e a
fixará em meio a seus amigos reais, perto de Hartfield e de mim,
confirmando nossa amizade para sempre. Essa, Harriet, é uma união
que jamais fará uma de nós corar.
— Querida srta. Woodhouse, querida srta. Woodhouse — foi
tudo que Harriet, com muitos abraços ternos, conseguiu articular a
princípio, mas, quando elas entabularam algo mais próximo de uma
conversa, ficou suficientemente claro à amiga que ela via,
antecipava e recordava como era devido. A superioridade do sr.
Elton estava amplamente reconhecida.
— O que quer que diga está sempre certo — exclamou Harriet
—, então suponho que seja verdade, e acredito e espero que venha a
ser assim, mas se não fosse pela senhorita eu jamais teria
imaginado. Está tão além de qualquer coisa que mereço. O sr. Elton,
que poderia se casar com quem quisesse! Não pode haver opiniões
conflitantes sobre ele.
É tão superior. Pense naqueles versos doces
escritos “À srta. ——”. Ai de mim, tão inteligentes! Realmente
podem se dirigir a mim?
— Não posso duvidar nem aceitar qualquer dúvida quanto a isso.
É uma certeza. Acredite em meu julgamento. É uma espécie de
prólogo à peça, uma citação no início do capítulo, e logo será
seguido por uma prosa explícita.
— É o tipo de coisa que ninguém teria esperado. Tenho certeza
de que, um mês atrás, eu mesma não fazia ideia! Que coisas
estranhas podem ocorrer!
— Quando senhoritas Smith e senhores Elton se conhecem… se
conhecem de verdade… é muito estranho de fato. Está fora do curso
comum que o que é tão evidente e palpavelmente desejável, o que
requer os arranjos prévios de outras pessoas, consiga assumir tão
imediatamente a forma apropriada. Você e o sr. Elton foram atraídos
um ao outro pelas circunstâncias, pertencem um ao outro por todas
as circunstâncias de seus respectivos lares. Seu casamento estará à
altura da união em Randalls. Parece haver algo em Hartfield que
conduz o amor exatamente na direção correta e o faz fluir pelo
canal preciso em que deveria correr. “O curso do amor verdadeiro
nunca fluiu suavemente…”
9
Uma edição de Shakespeare feita em
Hartfield traria uma longa nota nessa passagem.
— Que o sr. Elton esteja realmente apaixonado por mim! Por
mim, de todas as pessoas, que nem o conhecia, que nem falei com
ele na festa de são Miguel!
10
E ele sendo o homem mais bonito
deste mundo, e um homem que todos admiram, como o sr.
Knightley! Sua companhia é tão cobiçada que todos dizem que não
precisa fazer uma única refeição sozinho se não quiser, que recebe
mais convites do que há dias na semana. E é tão magnífico na
igreja! A srta. Nash copia todos os textos que ele já pregou desde
que chegou a Highbury. Ai de mim! Quando penso na primeira vez
que o vi! Como eu nem sequer imaginava! As duas Abbots e eu
corremos para a sala da frente e espiamos pela cortina ao saber que
ele ia passar, e a srta. Nash veio nos repreender e nos mandar
embora, mas ficou para olhar e logo me chamou de volta e me
deixou olhar também, o que foi muito gentil da parte dela. E como o
achamos bonito! Ele estava de braços dados com o sr. Cole.
— Essa é uma união que deverá agradar seus amigos, quem quer
que sejam, se forem pessoas de juízo, e não devemos justificar nossa
conduta a tolos. Se eles estão ansiosos para vê-la feliz
no
casamento, cá está um homem cujo caráter amável fornece toda
garantia para isso; se desejam vê-la estabelecida no mesmo condado
e círculo social em que escolheram posicioná-la, aqui isso será
realizado; e se seu único objetivo é que você esteja, para usar o
termo corrente, bem
casada, cá está uma fortuna confortável, uma
posição respeitável e uma ascensão no mundo que deve satisfazê-
los.
— Sim, é bem verdade. Como a senhorita se expressa bem, eu
adoro ouvi-la. A senhorita entende tudo. A senhorita e o sr. Elton
são um mais inteligente do que o outro. Essa charada! Mesmo se eu
a estudasse um ano todo, nunca a teria desvendado.
— Bem pensei que ele pretendia testar a própria habilidade,
considerando o modo como se recusou a falar ontem.
— Acho que é, sem exceções, a melhor charada que já li.
— Certamente nunca li uma mais certeira em seu propósito.
— É tão longa quanto quase todas que vimos antes.
— Não considero a extensão particularmente em seu favor. Tais
coisas, em geral, não podem ser muito curtas.
Harriet estava absorta demais nos versos para ouvir. As
comparações mais satisfatórias surgiam em sua mente.
— Uma coisa — comentou ela em seguida, com a face radiante
— é ter bom senso de um jeito comum, como todos os outros, e,
quando houver algo a se dizer, sentar-se e escrever uma carta e falar
apenas o que se deve falar, de um jeito breve; outra coisa é escrever
versos e charadas como essa.
Emma não poderia ter desejado uma rejeição mais enfática da
prosa do sr. Martin.
— Que versos doces — continuou Harriet —, esses dois últimos!
Mas como poderei devolver o papel ou dizer que desvendei a
charada? Ah, srta. Woodhouse, o que podemos fazer quanto a isso?
— Deixe comigo. Você não fará nada. Ele virá aqui esta noite,
ouso dizer, e então devolverei o papel e trocaremos algumas
palavras sobre assuntos insignificantes, e você não será envolvida.
Seus olhos suaves escolherão o próprio momento para reluzir.
Confie em mim.
— Ah! Srta. Woodhouse, que pena que eu não possa escrever
essa bela charada no meu livro! Estou segura de que não tenho
nenhuma outra que chegue aos pés dela.
— Tire os últimos dois versos e não há motivo para não poder
inseri-la no livro.
— Ah, mas esses dois versos são…
— Os melhores, é verdade, mas destinados a uma apreciação
privada, então guarde-os para isso. Eles não ficam menos escritos,
sabe, só porque você os isola. O dístico não deixa de existir nem seu
significado muda. Mas tire-o e toda a apropriação
deixa de existir,
restando apenas uma charada muito galante, adequada a qualquer
coleção. Garanto a você, ele gostaria de ter sua charada desprezada
tanto quanto a sua paixão. Um poeta apaixonado deve receber
incentivo nos dois âmbitos ou em nenhum. Dê-me o livro e eu a
escreverei para que não possa refletir mal em você de qualquer
forma.
Harriet aceitou, embora sua mente mal fosse capaz de separar as
partes e assegurar-se de que a amiga não estava transcrevendo uma
declaração de amor. Aquelas palavras pareciam uma oferta preciosa
demais para ser disseminada a qualquer grau.
— Nunca deixarei esse livro sair das minhas mãos — jurou ela.
— Muito bem — respondeu Emma —, é um sentimento muito
natural e, quanto mais durar, mais me alegrarei. Mas aqui vem meu
pai, e não deve objetar que eu leia a charada para ele. Vai achá-la
tão prazerosa! Adora toda coisa do tipo, especialmente quando se
elogia uma mulher. Tem o espírito mais terno e galante por todas
nós! Deve permitir que eu a leia para ele.
Harriet pareceu preocupada.
— Minha cara Harriet, você não deve se deixar afetar demais por
essa charada. Vai trair seus sentimentos de maneira inoportuna se
ficar consciente demais dela e do seu objetivo, e parecer atribuir
mais significado, ou mesmo todo o significado, que pode estar
afixado a ela. Não se deixe levar por um tributo tão pequeno de
admiração. Se ele estivesse ansioso por manter segredo, não teria
deixado o papel enquanto eu estava presente, mas ele o empurrou
para mim mais do que para você. Não sejamos solenes demais sobre
isso. Ele tem incentivos suficientes para prosseguir sem que
suspiremos do fundo da alma por uma charada.
— Ah, não! Espero não agir de forma ridícula. Faça como a
senhorita achar melhor.
O sr. Woodhouse entrou e muito em breve levantou o assunto de
novo com seus questionamentos recorrentes.
— Bem, minhas queridas, como vai o livro? Encontraram algo
novo?
— Sim, papai, temos algo para ler ao senhor, algo novinho. Um
pedaço de papel foi encontrado na mesa esta manhã (jogado,
supomos, por uma fada) e continha uma charada muito bonita, que
acabamos de copiar para o livro.
Ela o leu como ele gostava que as coisas fossem lidas: lenta e
distintamente, e duas ou três vezes, com explicações para cada
parte enquanto prosseguia — e ele ficou muito contente e, como
Emma tinha previsto, especialmente impressionado com a
conclusão lisonjeira.
— Ah, é muito boa, de fato, está expressa de modo muito
apropriado. É verdade. “Mulher, adorável mulher.” É uma charada
tão bonita, minha querida, que posso facilmente imaginar qual fada
a trouxe. Ninguém poderia escrever tão bem além de você, Emma.
Emma só assentiu e sorriu. Depois de pensar um pouco, e com
um suspiro muito terno, ele acrescentou:
— Ah! Não é difícil ver quem você puxou! Sua querida mãe era
tão esperta com todas essas coisas! Quisera eu ter a memória dela!
Mas não consigo me lembrar de nada, nem daquela charada
específica que você me ouviu mencionar, só recordo a primeira
estrofe e são várias.

Kitty, uma criada bela, mas fria,


Acendeu uma chama detestável,
Chamei o garoto de chapéu em correria,
E vi sua aproximação sem alegria,
A meu terno tão fatal o imprestável.
11

— E isso é tudo de que me recordo, mas é espirituosa até o final.


Creio, porém, minha querida, que você disse tê-la encontrado.
— Sim, papai, está na nossa segunda página. Copiamos dos
Extratos elegantes
. Era de Garrick, sabe?
— Sim, é verdade. Queria conseguir lembrar mais dela. “Kitty,
uma criada bela, mas fria.” O nome me faz pensar na pobre Isabella;
pois ela quase foi batizada de Catherine, em homenagem à avó.
Espero a ter conosco na semana que vem. Você pensou, querida,
onde vai acomodá-la e qual quarto ficará para as crianças?
— Ah, sim! Ela terá seu próprio quarto, é claro, aquele que
sempre ocupa, e acomodaremos os garotos no quarto das crianças,
como de costume. Por que haveria qualquer mudança?
— Não sei, minha querida… mas faz tanto tempo que ela esteve
aqui! Não nos visita desde a última Páscoa, e só ficou por alguns
dias. O sr. John Knightley ser um advogado é muito inconveniente.
Pobre Isabella! Foi lamentavelmente afastada de todos nós! E como
ficará triste ao vir e não encontrar a srta. Taylor!
— No mínimo não ficará surpresa, papai.
— Não sei, minha querida. Garanto-lhe que fiquei muito
surpreso ao saber que ela ia se casar.
— Precisamos chamar o sr. e a sra. Weston para jantar conosco
enquanto Isabella estiver aqui.
— Sim, minha querida, se houver tempo. Mas — acrescentou em
um tom muito deprimido — ela fica apenas uma semana. Não
haverá tempo para nada.
— É uma pena não poderem ficar mais, mas parece ser
necessário. O sr. John Knightley precisa estar na cidade novamente
no dia 28, e devemos ficar gratos, papai, por eles nos concederem
todo o seu tempo no condado em vez de dedicarem dois ou três dias
à Abadia. O sr. Knightley prometeu ceder seu direito neste Natal…
embora o senhor saiba que faz mais tempo que não ficam na Abadia
do que conosco.
— Seria muito difícil, minha querida, se a pobre Isabella se
hospedasse em outro lugar além de Hartfield.
O sr. Woodhouse nunca reconhecera o direito do sr. Knightley
sobre o irmão ou o de qualquer outra pessoa, além de si mesmo,
sobre Isabella. Refletiu por um tempo, então disse:
— Mas não entendo por que a pobre Isabella é obrigada a voltar
tão cedo, ainda que ele seja. Acho que tentarei persuadi-la a ficar
mais tempo conosco, Emma. Ela e as crianças ficariam muito bem
acomodadas aqui.
— Ah, papai! Isso é algo que o senhor nunca foi capaz de
realizar e acho que jamais será. Isabella não suporta se separar do
marido.
Isso era verdadeiro demais para ser contestado. Por mais
indesejável que fosse o fato, o sr. Woodhouse só pôde soltar um
suspiro resignado e, quando Emma viu o humor dele prejudicado
pela lembrança do apego da filha ao marido, ela imediatamente
desviou a conversa para um assunto que deveria alentá-lo.
— Harriet nos fará companhia o máximo possível enquanto meu
irmão e minha irmã estão aqui. Tenho certeza de que vai gostar das
crianças. Temos muito orgulho das crianças, não temos, papai?
Pergunto-me quem ela vai achar mais bonito, Henry ou John?
— Hm, eu me pergunto… coitadinhos, fico feliz que possam vir.
Eles gostam muito de ficar em Hartfield, Harriet.
— Posso imaginar, senhor. Não conheço ninguém que não
ficaria.
— Henry é um bom garoto, mas John é muito parecido com a
mãe. Henry é o mais velho e recebeu o meu nome, não o do pai.
John, o segundo, recebeu o nome do pai. Algumas pessoas se
surpreenderam, creio, por o mais velho não ter o nome do pai, mas
Isabella estava decidida a chamá-lo de Henry e achei muito meigo
da parte dela. E ele é um rapazinho muito inteligente. São todos
muitíssimo inteligentes e têm modos tão refinados. Vêm até a minha
cadeira e dizem: “Vovô, pode me dar um pouco de barbante?”, e
uma vez Henry pediu uma faca, mas eu disse a ele que facas são
feitas só para avôs. Acho que o pai é rígido demais com eles às
vezes.
— Ele parece rígido para o senhor — apontou Emma —, porque
o senhor é muito gentil, mas, se o comparasse com outros pais, não
acharia isso. Ele quer que os garotos sejam ativos e vigorosos, e,
quando se comportam mal, diz uma ou outra palavra dura, mas é
um pai muito afetuoso. Certamente o sr. John Knightley é um pai
afetuoso. Todas as crianças o adoram.
— E então vem o tio e as joga para o teto de um jeito tão
assustador!
— Mas elas gostam, papai; não há nada de que gostem mais.
Acham tão divertido que, se o tio não estabelecesse a regra de
revezamento, o que começasse jamais cederia a vez.
— Bem, eu não consigo entender.
— É assim com todos nós, papai. Uma metade do mundo não
consegue entender os prazeres da outra.
Mais tarde naquela manhã, quando as moças estavam prestes a
se separar para os preparativos do jantar regular às quatro, o herói
da inimitável charada retornou. Harriet se virou de lado, mas Emma
o recebeu com o sorriso de sempre, e seu olhar astuto logo discerniu
nele a consciência de ter feito uma investida — de ter lançado os
dados — e ela imaginou que veio conferir a recepção. Seu motivo
alardeado, entretanto, era perguntar se a mesa do sr. Woodhouse
ficaria completa naquela tarde sem ele ou se ele seria necessário,
mesmo minimamente, em Hartfield. Se fosse, todo o resto teria de
esperar, mas caso contrário seu amigo Cole o convidara para jantar
com ele — e insistira a tal ponto que ele prometera ir, se não
houvesse impedimentos.
Emma agradeceu, mas não podia permitir que ele decepcionasse
o amigo por conta deles; o pai já tinha uma mesa de jogo completa.
Ele rogou novamente — ela recusou — e então pareceu prestes a se
despedir, quando ela tomou o papel da mesa e o devolveu.
— Ah! Aqui está a charada que o senhor foi tão gentil de deixar
conosco; agradecemos pela chance de lê-la. Ficamos tão admiradas
que tomei a liberdade de escrevê-la na coleção da srta. Smith. Seu
amigo não se ofenderá, espero. É claro que não transcrevi nada
além dos oito primeiros versos.
O sr. Elton certamente não sabia o que dizer. Pareceu um tanto
em dúvida — um tanto confuso —, disse algo sobre ser “uma
honra”, olhou de relance para Emma e Harriet e, vendo o livro
aberto na mesa, examinou-o com muita atenção. Para dissipar o
constrangimento, Emma disse com um sorriso:
— O senhor deve transmitir nossas desculpas a seu amigo, mas
uma charada tão boa não deve ficar restrita a uma ou duas moças.
Ele pode ficar seguro da aprovação de todas as mulheres enquanto
escrever em termos tão galantes.
— Não hesito em dizer — respondeu o sr. Elton, embora
hesitasse consideravelmente enquanto falava —, não hesito em
dizer que, ao menos se meu amigo se sente como eu
em qualquer
medida, não tenho a menor dúvida de que, se ele pudesse ver sua
pequena efusão ao receber tais honras, como eu
a vejo — olhando o
livro de novo e devolvendo-o à mesa —, consideraria este o
momento mais orgulhoso de sua vida.
Depois desse discurso, ele partiu assim que possível. Emma
achou que foi tarde, pois, apesar de todas as suas qualidades e
amabilidade, havia uma espécie de afetação em seus discursos que a
deixava inclinada a rir. Ela escapuliu para entregar-se a essa
inclinação, deixando para Harriet o deleite terno e sublime.

5
.  Adivinhas eram um passatempo popular, e se publicavam livros com
enigmas de diversos tipos. Havia quatro tamanhos de livros; o quarto era o
segundo maior deles. Na época, a encadernação de livros ocorria
separadamente da impressão, de modo que alguém poderia levar seus
próprios papéis para serem encadernados. Cifras eram letras entrelaçadas,
enquanto troféus consistiam em figuras ornamentais ou simbólicas; ambas
apareciam como decoração em papéis.
6
.  Alusão ao poema “Written by a lady, whose maid had set her chimney on
fire”, do dramaturgo David Garrick (1717–1779), que será citado novamente
mais adiante.
7
.  Trata-se das partes de uma palavra em inglês. A primeira é “woe” (pesar),
a segunda é “man” (homem) e a resposta é “woman” (mulher).
8
.  A charada se refere às palavras “court” (corte) e “ship” (navio), que juntas
formam “courtship” (cortejo).
9
.  Referência a Sonho de uma noite de verão
, do dramaturgo inglês William
Shakespeare (1564–1616).
10
.  Celebrada no dia 29 de setembro, era uma das datas usadas como ponto
de referência do ano. Neste momento do romance, é meio de dezembro.
11
.  A resposta oficial da charada é “limpador de chaminés”, mas outra
interpretação a via como uma piada sobre sífilis e prostituição.
CAPÍTULO X

Embora fossem então meados de dezembro, o tempo ainda não


impedira as moças de exercitar-se o suficiente, e pela manhã Emma
tinha uma visita caridosa a fazer a uma família pobre e enferma que
vivia a uma curta distância de Highbury.
O caminho até o chalé isolado em questão seguia pela alameda
da casa paroquial, que emergia em um ângulo reto a partir da ampla
— embora irregular — rua principal da área, e, como pode ser
inferido, abrigava a moradia abençoada do sr. Elton. Passava-se
primeiro por algumas casas inferiores até que, cerca de meio
quilômetro após o início da alameda, erguia-se a casa paroquial —
uma casa antiga e não muito boa, quase tão próxima à estrada
quanto possível. Não tinha uma localização privilegiada, mas fora
muito aprimorada pelo proprietário atual e, considerando as
circunstâncias, não havia como as duas amigas passarem por ela
sem um passo reduzido e olhos observadores. O comentário de
Emma foi:
— Cá está. Para cá virão você e seu livro de charadas um desses
dias.
O de Harriet foi:
— Ah! Que casa adorável! Como é bonita! Lá estão as cortinas
amarelas que a srta. Nash tanto admira!
— Eu não venho com muita frequência para esses lados agora

disse Emma enquanto seguiam caminho —, mas no
futuro
terei um
incentivo e aos poucos me tornarei intimamente familiarizada com
todas as sebes, portões, lagoas e árvores bem-cuidadas desta parte
de Highbury.
Harriet, ela descobriu, nunca tinha entrado na casa paroquial, e
sua curiosidade para vê-la era tão extrema que, considerando todas
as aparências e probabilidades, Emma só podia classificá-la como
uma prova de amor, equivalente ao fato de o sr. Elton ver nela uma
mente sagaz.
— Eu queria poder entrar — disse Emma —, mas não consigo
pensar em nenhum pretexto aceitável. Não há nenhum criado sobre
quem gostaria de perguntar à governanta… nem qualquer
mensagem do meu pai.
Ela ponderou, mas não conseguiu pensar em nada. Após um
silêncio mútuo de alguns minutos, Harriet começou a falar da
seguinte forma:
— Eu me surpreendo, srta. Woodhouse, que não seja casada nem
prestes a se casar, encantadora como é!
Emma riu e respondeu:
— O fato de ser encantadora, Harriet, não é motivo suficiente
para me induzir a casar; antes preciso encontrar outras pessoas
encantadoras… uma outra pessoa, ao menos. E não só não estou
prestes a casar no momento como tenho poucas intenções de algum
dia me casar.
— Ah! A senhorita diz isso, mas não consigo acreditar.
— Eu teria de conhecer um homem muito superior a qualquer
outro que já conheci, para ficar tentada; o sr. Elton, você sabe —
acrescentou, recordando-se das circunstâncias —, está fora de
cogitação. E não
desejo conhecer alguém assim. Preferiria não ficar
tentada. Não posso mudar para o melhor. Se me casasse, imagino
que me arrependeria.
— Ora! É tão estranho ouvir uma mulher falar assim!
— Eu não tenho nenhum dos incentivos que as mulheres
comumente têm para casar. Se me apaixonasse de fato, seria outra
história! Mas nunca me apaixonei; não é do meu feitio, nem está na
minha natureza, e não acho que vá acontecer. E, sem amor,
certamente seria tola em mudar uma situação como a minha. Não
preciso de fortuna; não preciso de ocupação; não preciso elevar
minha posição: acredito que poucas mulheres casadas tenham na
casa do marido metade da autonomia que eu tenho em Hartfield, e
nunca, nunca poderia esperar ser tão verdadeiramente amada e
importante, sempre vir primeiro e estar sempre certa aos olhos de
qualquer homem, quanto aos de meu pai.
— Mas imagine tornar-se uma solteirona, como a srta. Bates!
— Essa é a imagem mais formidável que você poderia
apresentar, Harriet; e se eu pensasse que me tornaria como a srta.
Bates, tão boba, tão satisfeita, tão sorridente e enfadonha… tão
dócil e facilmente satisfeita… e tão pronta a falar qualquer coisa
relativa a mim mesma a qualquer um, eu me casaria amanhã. Mas,
cá entre
nós
, estou convencida de que não poderia haver qualquer
semelhança entre nós exceto o fato de não sermos casadas.
— Ainda assim, a senhorita seria uma solteirona! É terrível!
— Não importa, Harriet, pois não serei uma solteirona pobre, e é
apenas a pobreza que torna o celibato desprezível a um público
generoso. Uma mulher solteira, com uma renda ínfima, é
necessariamente uma solteirona ridícula e desagradável, motivo de
chacota para rapazes e moças! Mas uma mulher solteira com uma
boa fortuna é sempre respeitável, e pode ser tão sensata e agradável
quanto qualquer outra pessoa. E a distinção não é tão contrária à
justiça e ao bom senso do mundo quanto parece a princípio, pois
uma renda muito limitada tem a tendência a contrair a mente e
azedar o temperamento. Aqueles que mal conseguem sobreviver, e
que vivem forçosamente em uma sociedade muito restrita e
geralmente muito inferior, podem ficar muito avaros e coléricos.
Isso não se aplica, entretanto, à srta. Bates; ela é apenas gentil e
boba demais para o meu gosto; mas, em geral, agrada a todos, ainda
que solteira e pobre. A pobreza não encolheu a mente dela:
realmente acredito que, se tivesse apenas um xelim no mundo,
estaria inclinada a dar seis pence
;
12
e ninguém tem medo dela, o
que é um grande charme.
— Céus! Mas o que a senhorita fará? O que vai fazer quando
envelhecer?
— Se eu me conheço bem, Harriet, tenho uma mente ativa e
ocupada, com muitos recursos autônomos, e não vejo por que eu
teria menos afazeres aos quarenta ou cinquenta anos do que aos
vinte e um. As ocupações comuns de uma mulher, de olho e mão e
mente, estarão tão disponíveis a mim então quanto estão agora, ou
ao menos não terão qualquer variação importante. Se desenhar
menos, lerei mais; se largar a música, começarei a tecer. E quanto a
objetos de interesse, objetos de afeição, que são na verdade o grande
ponto negativo, cuja falta é realmente o grande mal a ser evitado ao
não
se casar, eu estarei muito bem, com todos os filhos de uma irmã
tão amada para cuidar. É muito provável que haja um número
suficiente de sobrinhos para propiciar todo tipo de sensação que o
crepúsculo da vida pode exigir. Serão suficientes para todas as
esperanças e todos os temores e, embora meu apego não possa se
equiparar ao de um pai ou uma mãe, condiz às minhas ideias de
conforto muito melhor do que um sentimento mais caloroso e mais
cego. Meus sobrinhos e sobrinhas! Eu manterei uma sobrinha ao
meu lado com frequência.
— A senhorita conhece a sobrinha da srta. Bates? Isto é, deve tê-
la visto centenas de vezes, mas já foram apresentadas?
— Ah, sim! Sempre somos obrigadas a nos ver quando ela vem a
Highbury. Inclusive, isso
é quase o bastante para fazer alguém
desprezar a ideia de ter uma sobrinha. Deus me livre! Espero jamais
entediar as pessoas falando sobre os Knightley metade do que ela
fala discorrendo sobre Jane Fairfax. Não suporto mais ouvir o nome
de Jane Fairfax. Cada carta é lida quarenta vezes; seus elogios a
todos os amigos são passados de mão em mão; e, se ela envia à tia o
padrão de uma estomaqueira
13
, ou tricota um par de jarreteiras
para a avó, não ouvimos falar de mais nada por um mês. Desejo
tudo de bom a Jane Fairfax, mas ela me entedia profundamente.
Agora elas se aproximavam do chalé e todas as conversas triviais
foram suspensas. Emma era muito solidária, e a gente pobre e
sofredora tinha a certeza de receber alívio tanto de sua atenção
pessoal, gentileza, conselhos e paciência como de sua bolsa. Ela
entendia os modos deles, conseguia relevar sua ignorância e
tentações, e não tinha expectativas românticas de virtude
extraordinária da parte de pessoas a quem a instrução ajudara tão
pouco. Ouvia seus problemas com compaixão genuína e sempre
fornecia auxílio com inteligência, além de boa vontade. No caso
atual, era a doença e a pobreza juntas que ela vinha visitar, e após
permanecer lá enquanto ainda podia oferecer conforto ou
conselhos, saiu do chalé tão impressionada com a cena que
comentou com Harriet, enquanto se afastava:
— Essas são cenas, Harriet, que nos faz bem testemunhar. Como
fazem tudo o mais parecer insignificante! Sinto agora que não vou
conseguir pensar em nada além dessas pobres criaturas pelo resto
do dia; no entanto, quem pode dizer quão cedo tudo vai esvanecer
da minha mente?
— É bem verdade — disse Harriet. — Pobres criaturas! Não
conseguimos pensar em mais nada.
— Realmente, não acho que a impressão vá passar tão cedo —
prosseguiu Emma, enquanto cruzava a sebe baixa e o degrau bambo
que demarcava o fim do caminho estreito e escorregadio através do
jardim do chalé, levando-as à alameda outra vez. — Não acho que
vá. — E parou para olhar novamente o exterior miserável do lugar e
recordar-se da miséria ainda maior no interior.
— Ah, céus! Não mesmo! — concordou sua companheira.
E seguiram em frente. A alameda fazia uma leve curva e, quando
a concluíram, o sr. Elton imediatamente entrou à vista. Estava tão
perto que Emma só teve tempo de acrescentar:
— Ah! Harriet, aqui vem um teste muito súbito da estabilidade
de nossos pensamentos. Bem — sorrindo —, espero que seja
aceitável dizer que, se a compaixão exigiu empenho e trouxe alívio
aos aflitos, realizou tudo que é verdadeiramente importante. Se
sentimos pelos infelizes o suficiente para fazer por eles tudo ao
nosso alcance, o resto é compaixão vazia, que só vai nos afligir.
Harriet só pôde responder: “Ah, céus, é mesmo!”, antes que o
cavalheiro se juntasse a elas. As necessidades e sofrimentos da
família pobre, entretanto, foram o primeiro assunto levantado. Ele
ia visitar aquela família. Adiaria a visita, agora que se encontraram,
mas entabularam uma conversa muito interessante sobre o que
poderia e deveria ser feito. O sr. Elton então se virou para
acompanhá-las.
Encontrar-se por acaso em meio a uma tarefa como essa,
pensou Emma, encontrar-se em uma missão caridosa, vai
aumentar muito o amor de ambos os lados. Eu não me
surpreenderia se inspirasse a declaração. Seria inevitável, se eu
não estivesse aqui. Queria estar em qualquer outro lugar!
Ansiosa para se separar deles o máximo possível, ela logo seguiu
por uma trilha estreita, um pouco elevada, que margeava a alameda,
deixando-os a sós na rua principal. Mas não estava ali nem por dois
minutos quando descobriu que os hábitos de dependência e
imitação de Harriet a faziam segui-la, e que, em suma, ambos logo
estariam atrás dela. Isso não seria bom, e ela imediatamente parou,
sob o pretexto de arrumar alguma coisa no laço de sua botinha.
Inclinou-se, bloqueando completamente o caminho estreito, e
implorou-lhes que tivessem a gentileza de seguirem na frente,
garantindo que os alcançaria em meio minuto. Eles atenderam ao
seu desejo e, quando ela julgou ter transcorrido um tempo razoável
para ter arrumado a bota, teve o conforto de mais um motivo para
demora, ao ser abordada por uma criança do chalé, que partira com
um jarro, de acordo com as ordens recebidas, para pegar caldo em
Hartfield. Caminhar ao lado dessa criança, conversar e interrogá-la
era a coisa mais natural do mundo — ou teria sido a mais natural,
se ela estivesse agindo naquele momento sem outros desígnios — e
dessa forma os outros dois puderam permanecer na frente, sem
qualquer obrigação de esperar por ela. Emma os alcançou, no
entanto, involuntariamente; o ritmo da criança era veloz, e o deles,
bastante lento. Emma ficou ainda mais preocupada ao ver que
estavam evidentemente engajados em uma conversa que os
interessava. O sr. Elton falava com animação e Harriet escutava
atenta e alegre; e Emma, ao mandar a criança seguir caminho,
estava começando a pensar em como poderia recuar mais um pouco
quando ambos se viraram e ela foi obrigada a juntar-se a eles.
O sr. Elton ainda estava falando, absorto em algum detalhe
interessante, e Emma ficou um pouco decepcionada quando
descobriu que ele só vinha contando à sua bela companheira sobre
a reunião do dia anterior na casa de seu amigo Cole, e que tinha
chegado a tempo de ouvir sobre o queijo Stilton, o Wiltshire do
norte, a manteiga, o aipo, a beterraba e toda a sobremesa.
O assunto teria levado a algo melhor, é claro,
foi sua reflexão
consoladora. Qualquer tema é interessante para quem está
apaixonado, e qualquer coisa é capaz de apresentar o que está
próximo ao coração. Pena que não pude ficar longe mais tempo!
Eles caminharam juntos em silêncio até avistar a cerca da casa
paroquial, quando a resolução súbita de ao menos levar Harriet para
dentro da casa a fez encontrar algo muito errado com a sua bota
outra vez e ficar para trás arrumando-a. Emma partiu o cadarço e,
habilidosamente jogando-o numa valeta, foi logo obrigada a pedir-
lhes que parassem, admitindo sua incapacidade de caminhar para
casa em conforto tolerável.
— Parte do meu cadarço se foi — ela disse — e não sei o que
fazer. Realmente, sou uma companhia muito incômoda a vocês dois,
mas espero não ficar assim sem recursos com frequência. Sr. Elton,
devo implorar sua licença para parar em sua casa e pedir à
governanta um pouco de fita ou cordão, ou qualquer coisa para
prender minha bota.
O sr. Elton pareceu a felicidade em pessoa com essa proposta, e
nada poderia exceder sua celeridade e atenção ao conduzi-las para
sua casa e tentar apresentar tudo à melhor luz possível. A sala a que
foram levadas, voltada para a frente da casa, era principalmente
ocupada por ele; atrás havia outra com a qual se conectava. A porta
entre elas estava aberta, e Emma entrou com a governanta para ser
auxiliada do modo mais solícito possível. Foi obrigada a deixar a
porta entreaberta, como a encontrou, mas contava que o sr. Elton a
fecharia. Entretanto, a porta não foi fechada, permanecendo
entreaberta, mas, ao entabular uma conversa incessante com a
governanta, ela esperava permitir a ele escolher o próprio assunto
na sala adjacente. Por dez minutos, não conseguiu ouvir nada além
de si mesma. Mas não podia mais protelar, então foi obrigada a
concluir o serviço e fazer sua aparição.
Os enamorados estavam parados junto a uma das janelas. A cena
tinha uma aparência muito favorável e, por meio minuto, Emma
sentiu a glória de engendrar um plano de sucesso. No entanto, não
adiantou; ele não tinha chegado ao ponto. Fora muito amável, muito
encantador, contara a Harriet que as vira passar e as seguira de
propósito, além de soltar outros comentários e alusões galantes, mas
não dissera nada sério.
Cuidadoso, muito cuidadoso,
pensou Emma. Ele avança
centímetro a centímetro, e não arrisca nada até acreditar que está
seguro.
Ainda assim, embora nem tudo tivesse sido realizado por
intermédio de seus truques engenhosos, ela podia se vangloriar que
a ocasião proporcionara um grande deleite a ambos e certamente os
conduziria ao grande evento.

12
.  Um xelim equivalia a doze pence
.
13
.  Peça pequena que cobria a parte inferior do corpete de um vestido e
podia ter padrões e bordados elaborados.
CAPÍTULO XI

O sr. Elton agora devia ser deixado por conta própria. Não estava
mais ao alcance de Emma supervisionar a felicidade dele ou
apressar as suas atitudes. A vinda da família da irmã estava tão
próxima que, primeiro em expectativa e depois na realidade,
tornou-se o principal objeto de seu interesse; e durante os dez dias
da estadia deles em Hartfield, não podia ser esperado — ela mesma
não esperava — que pudesse realizar qualquer coisa além de uma
assistência ocasional e fortuita aos enamorados. Eles poderiam
avançar rapidamente, se quisessem; entretanto, teriam de avançar,
de um jeito ou de jeito, quisessem ou não. Ela nem sequer desejava
ter mais tempo livre para dedicar a eles. Há pessoas que, quanto
mais se faz por elas, menos fazem por si mesmas.
O sr. e a sra. John Knightley, por terem se ausentado de Surry
durante mais tempo que o habitual, estavam despertando, é claro,
um interesse maior que o costumeiro. Até aquele ano, todas as
longas férias desde seu casamento foram divididas entre Hartfield e
a Abadia de Donwell, mas todos os dias festivos daquele outono
foram ocupados com banhos de mar para as crianças, e portanto
fazia muitos meses que não eram vistos regularmente por seus
parentes de Surry, ou vistos de qualquer forma pelo sr. Woodhouse,
que não podia ser persuadido a ir até Londres, mesmo em prol da
pobre Isabella, e que, consequentemente, agora antecipava com
alegria e ansiedade aquela visita excessivamente curta.
Ele pensou muito nos males da jornada para ela e contemplou
longamente a fadiga de seus próprios cavalos e do cocheiro, que
trariam parte do grupo na segunda metade do caminho. Porém, suas
preocupações eram desnecessárias — os vinte e cinco quilômetros
foram alegremente percorridos, o sr. e a sra. John Knightley, seus
cinco filhos e um número apropriado de babás chegaram todos a
Hartfield em segurança. A alegria e agitação de uma chegada como
essa, os muitos indivíduos a serem cumprimentados, recebidos,
encorajados, dispersados e acomodados de formas variadas,
produziram um barulho e confusão que os nervos dele não teriam
suportado por nenhuma outra causa, nem suportariam muito mais
mesmo por esta. Mas os hábitos de Hartfield e os sentimentos do pai
eram tão respeitados pela sra. John Knightley que, apesar da
solicitude materna que a levava a desejar ver seus pequenos
entretidos, e garantir-lhes sem qualquer atraso todas as liberdades e
cuidados, todas as comidas e bebidas e qualquer tempo para dormir
e brincar que pudessem desejar, as crianças nunca tinham
permissão de incomodar muito o avô, fosse pessoalmente, fosse por
qualquer agitação causada por aqueles encarregados de seus
cuidados.
A sra. John Knightley era uma mulher delicada, bonita e
elegante, com modos gentis e discretos e uma disposição
notavelmente amável e afetuosa; dedicada à família, era uma esposa
devota, uma mãe protetora, e tão ternamente afeiçoada ao pai e à
irmã que, se não fossem aqueles laços mais elevados, um amor mais
caloroso poderia ter parecido impossível. Ela não conseguia
enxergar defeitos em nenhum deles. Não era uma mulher de
raciocínio forte ou qualquer rapidez e, tendo essa semelhança com
o pai, herdara muito da constituição dele — sua saúde era delicada,
tomava cuidados excessivos com os filhos, tinha muitos temores e
nervos sensíveis, e era tão apegada ao seu próprio sr. Wingfield na
cidade quanto o pai era ao sr. Perry. Eles eram parecidos também
no temperamento benevolente e no hábito enraizado de ter
profunda consideração por todos os velhos conhecidos.
O sr. John Knightley era um homem alto, cavalheiresco e muito
inteligente. Estava subindo na carreira e era doméstico e respeitável
em seu caráter privado, mas tinha modos reservados que impediam
que fosse sempre agradável, e às vezes cedia ao mau humor. Não era
um homem de mau temperamento, nem se irritava em demasia com
frequência que justificasse uma reprimenda, mas o temperamento
não era seu ponto forte — e, com uma esposa tão reverente, era
impossível que quaisquer defeitos naturais não fossem exacerbados.
A doçura extrema do temperamento dela prejudicava o dele. Ele
possuía toda a clareza e a agilidade mental que faltavam a ela, e
podia às vezes agir de modo descortês ou falar uma palavra ríspida.
Não era um grande favorito de sua bela cunhada. Nada errado nele
escapava a ela. Emma se revoltava rapidamente contra as pequenas
ofensas cometidas em relação a Isabella, que a própria Isabella
nunca sentia. Talvez tivesse relevado mais se os modos dele fossem
lisonjeiros à irmã de Isabella, mas ele a tratava como um irmão ou
amigo, calmo e gentil, sem elogios e sem cegueira, mas de forma
alguma oferecendo elogios a ponto de fazê-la ignorar o que era, aos
seus olhos, o maior defeito de todos: a falta de tolerância respeitosa
para com o pai dela. Nesse quesito, ele nem sempre tinha a
paciência que se poderia desejar. As idiossincrasias e inquietações
do sr. Woodhouse às vezes o provocavam a ponto de expor uma
objeção racional ou uma réplica mordaz igualmente imprópria. Não
acontecia com frequência, pois o sr. John Knightley tinha uma
grande consideração pelo sogro, e em geral uma forte noção do
respeito que lhe devia, mas para o gosto de Emma já eram vezes
demais, especialmente porque precisava suportar a dor da
expectativa, ainda que a ofensa não ocorresse. Entretanto, no início
de cada visita ele não demonstrava nada exceto os sentimentos mais
adequados, e, aquela estadia precisando ser tão curta, era possível
esperar que transcorresse com cordialidade imaculada. Não fazia
muito tempo que eles tinham se sentado e se acomodado quando o
sr. Woodhouse, com um balançar melancólico da cabeça e um
suspiro, chamou a atenção da filha para a triste mudança ocorrida
em Hartfield desde que ela visitara pela última vez.
— Ah, minha querida! — disse ele. — A pobre srta. Taylor! É tão
doloroso!
— Ah, decerto, senhor — exclamou ela com simpatia imediata
—, como deve sentir a falta dela! E a querida Emma também! Que
terrível perda aos dois! Eu senti tanto por vocês dois. Não consigo
É
imaginar como aguentam viver sem ela. É uma mudança triste, de
fato. Mas espero que ela esteja bem, senhor.
— Até que bem, minha querida… espero… até que bem. Sei
apenas que o local é toleravelmente adequado a ela.
Nesse ponto, o sr. Knightley perguntou discretamente a Emma se
havia quaisquer dúvidas quanto aos ares de Randalls.
— Ah! Não, nenhuma. Eu nunca vi a sra. Weston melhor em
minha vida, nunca a vi tão sadia. Papai só está expressando a
própria tristeza.
— O que honra muito a ambos — foi a elegante resposta.
— E o senhor a vê com uma frequência suficiente? — perguntou
Isabella no tom lamentoso de que o pai gostava especialmente.

O sr. Woodhouse hesitou.


— Não tanto, minha querida, quanto eu gostaria.
— Ah, papai! Nós só não os vimos por um dia inteiro uma
vez
desde que eles se casaram. Seja pela manhã ou à tarde, todo dia,
exceto por um, nós vimos ou o sr. ou a sra. Weston, e geralmente
ambos, ou em Randalls, ou aqui. E como você pode imaginar,
Isabella, mais frequentemente aqui. Eles são muito, muito gentis em
suas visitas. O sr. Weston é tão gentil quanto ela. Papai, falando
desse jeito melancólico, vai passar a ideia errada sobre todos nós a
Isabella. Todos devem estar cientes de que sentimos saudades da
srta. Taylor, mas devemos assegurar-lhes que o sr. e a sra. Weston
evitam por quaisquer meios que sintamos a falta dela ao grau que
antecipávamos, o que é a mais pura verdade.
— Assim como deveria ser — disse o sr. John Knightley — e
como eu esperava que fosse, pelas suas cartas. Não se pode duvidar
da vontade dela de lhes dedicar atenção, e o fato de o sr. Weston ser
um homem desimpedido e sociável torna tudo fácil. Sempre digo a
você, meu amor, que não achava que a mudança seria tão
significativa em Hartfield quanto você temia, e, agora que tem o
relato de Emma, espero que fique satisfeita.
— Ora, certamente — disse o sr. Woodhouse —, sim,
certamente, não posso negar que a sra. Weston, a pobre sra. Weston,
vem nos visitar com muita frequência. Mas depois é obrigada a
partir de novo.
— Seria muito difícil para a sra. Weston se não partisse, papai. O
senhor esquece do pobre sr. Weston.
— De fato — disse John Knightley amavelmente —, creio que o
sr. Weston tem algum direito ao tempo dela. Você e eu, Emma,
vamos tentar defender o pobre marido; por eu ser um marido e você
não ser uma esposa, os direitos deste homem podem muito bem nos
impactar com a mesma força. Quanto a Isabella, ela já está casada
há tempo suficiente para ver a conveniência de deixar todos os
senhores Weston de lado o máximo possível.
— Eu, meu amor? — exclamou a esposa, ouvindo e entendendo
apenas em parte. — Está falando de mim? Tenho certeza de que
ninguém poderia, ou deveria, ser uma defensora maior do
matrimônio do que eu, e, não fosse pela tristeza de vê-la partir de
Hartfield, eu nunca teria pensado na srta. Taylor de qualquer forma
exceto como a mulher mais bem-aventurada do mundo. Quanto a
negligenciar o sr. Weston, o excelente sr. Weston, acho que não há
nada que ele não mereça. Creio que é o homem com o melhor
temperamento que já existiu. Exceto você mesmo e seu irmão, não
conheço ninguém com um temperamento igual. Nunca esqueço que
ele empinou a pipa de Henry por ele naquele dia de ventania na
última Páscoa… e desde sua gentileza especial, em setembro
passado, ao escrever aquele bilhete à meia-noite a fim de me
tranquilizar, garantindo que não havia escarlatina em Cobham,
estou convencida de que não existe um coração mais terno nem um
homem melhor na terra. Se alguém pode merecê-lo, é a srta. Taylor.
— E onde está o rapaz? — perguntou John Knightley. — Veio
aqui para a ocasião ou não?
— Ele ainda não veio — respondeu Emma. — Havia uma forte
expectativa de uma visita sua logo após o casamento, mas acabou
não resultando em nada, e não ouço menção dele há algum tempo.
— Mas você deveria contar a eles da carta, minha querida —
disse o pai. — Ele escreveu uma carta à pobre sra. Weston, para
parabenizá-la, e foi uma carta muito bela e apropriada. Ela a
mostrou para mim. Achei que foi um ótimo gesto, de fato. Se foi
ideia dele mesmo, não temos como dizer. Ele ainda é jovem, e o tio
talvez…
— Querido papai, ele tem vinte e três anos. O senhor esquece
como o tempo passa.
— Vinte e três! É mesmo? Bem, eu não teria imaginado… e ele
tinha apenas dois anos quando perdeu a pobre mãe! Bem, o tempo
voa, de fato! E minha memória é muito ruim. Entretanto, era uma
carta extremamente bonita e bem escrita, e agradou muito ao sr. e à
sra. Weston. Lembro que foi escrita de Weymouth, e estava datada
de 28 de setembro, e começava com “Minha cara senhora”, mas
esqueço como continuava, e estava assinada “F. C. Weston
Churchill”. Disso me lembro perfeitamente.
— Que simpático e correto da parte dele! — exclamou a amável
sra. John Knightley. — Não tenho dúvidas de que é um rapaz muito
agradável. Mas é tão triste que não more com o pai! Há algo tão
chocante em ver uma criança tirada dos pais e de seu lar natural!
Nunca consegui compreender como o sr. Weston pôde se separar
dele. Ceder um filho! Eu nunca poderia pensar bem de alguém que
propusesse tal coisa a qualquer outra pessoa.
— Ninguém jamais pensou bem dos Churchill, imagino —
observou o sr. John Knightley friamente. — Mas não imagine que o
sr. Weston se sentiu como você se sentiria ao se separar de Henry
ou de John. O sr. Weston é mais um homem tranquilo, de
temperamento alegre, que um sujeito de sentimentos fortes; aceita
as coisas como são e se compraz com elas de uma forma ou de
outra, e suspeito que seus confortos dependem muito mais do que
se chama de sociedade
… isto é, da possibilidade de comer e beber,
e jogar uíste com os vizinhos cinco vezes por semana… do que da
afeição familiar ou qualquer coisa que o lar ofereça.
Emma não gostou do comentário, que beirava uma reflexão
crítica sobre o sr. Weston, e estava quase decidida a contestá-lo —
mas se conteve e deixou passar. Ela preservaria a paz, se possível, e
havia algo de honrado e valioso em hábitos domésticos fortes e na
autossuficiência do lar de onde provinha a inclinação do cunhado a
desprezar o valor das interações sociais e aqueles para quem elas
eram importantes. Era sinal de um temperamento tolerante.
CAPÍTULO XII

O sr. Knightley jantaria com eles — um tanto contra a inclinação


do sr. Woodhouse, que não gostava de compartilhar o primeiro dia
de Isabella na casa com qualquer outra pessoa. No entanto, o senso
de justiça de Emma tinha decidido a questão; além da consideração
do que era devido a cada irmão, ela sentiu um prazer particular,
após a desavença recente entre o sr. Knightley e ela, em enviar-lhe o
oportuno convite.
Ela esperava que pudessem se tornar amigos novamente. Pensou
que estava na hora de fazer as pazes. Desculpas, de fato, não
ocorreriam. Ela
certamente não estava errada, e ele
jamais
admitiria que estivera. Concessões estavam fora de questão, mas era
hora de fingir esquecer que tinham discutido, e ela imaginava que
auxiliaria muito a restauração da amizade se, quando ele entrasse
na sala, ela tivesse uma das crianças consigo — a mais nova, uma
menininha de cerca de oito meses, que fazia sua primeira visita a
Hartfield e estava muito contente em dançar nos braços da tia. E
ajudou mesmo, pois, embora ele tenha chegado com olhares severos
e perguntas breves, logo passou a falar sobre toda a família da forma
usual e tirou a criança dos braços de Emma com toda a falta de
cerimônia da perfeita amizade. Ela sentiu que eram amigos de novo,
e como a convicção inspirou-lhe primeiro grande satisfação e, em
seguida, um pouco de despudor, não conseguiu evitar comentar,
enquanto ele admirava o bebê:
— Que reconfortante saber que pensamos da mesma forma
sobre nossos sobrinhos e sobrinhas. Quanto a homens e mulheres,
nossas opiniões às vezes diferem, mas, quanto a essas crianças,
reparei que nunca discordamos.
— Se você fosse tão guiada pela natureza dos fatos em suas
opiniões sobre homens e mulheres, e tão pouco pelo poder da
fantasia e dos caprichos em suas relações com eles, quanto é no que
se refere a essas crianças, poderíamos pensar da mesma forma.
— É claro, nossas discordâncias forçosamente devem surgir por
eu estar sempre errada.
— Sim — disse ele, sorrindo —, e por um bom motivo. Eu já
tinha dezesseis anos quando você nasceu.
— Uma diferença significativa, então — ela retrucou —, e sem
dúvida você era muito superior a mim em julgamento naquele
período de nossas vidas, mas o lapso de vinte e um anos não
aproximou bastante nosso discernimento?
— Sim… aproximou
bastante.
— No entanto, não o suficiente para me dar uma chance de estar
certa, se divergirmos em opinião.
— Ainda tenho a vantagem de dezesseis anos de experiência, e
de não ser uma jovem bonita e uma criança mimada. Vamos, minha
querida Emma, sejamos amigos e não falemos mais sobre isso. Diga
a sua tia, pequena Emma, que ela deveria ser um exemplo melhor
para você e não renovar velhas contendas e que, se não estava
errada antes, está agora.
— Isso é verdade — ela exclamou —, é a pura verdade! Pequena
Emma, cresça e se torne uma mulher melhor que sua tia. Seja
infinitamente mais esperta e não tenha nem metade de sua
arrogância. Agora, sr. Knightley, só mais uma ou duas palavras e eu
não falarei mais nisso. Quanto a boas intenções, nós
dois
estávamos
certos, e devo dizer que nenhum argumento do meu lado ainda se
mostrou errado. Só gostaria de saber que o sr. Martin não está
terrível e amargamente decepcionado.
— Nenhum homem poderia estar mais — foi sua resposta curta
e completa.
— Ah! Eu sinto muito, de verdade. Venha, vamos apertar as
mãos.
Isso tinha acabado de acontecer, e com muita cordialidade,
quando John Knightley apareceu e um “Como vai, George?” e
“John, como está?” se sucederam no verdadeiro estilo inglês,
enterrando sob uma calma que quase parecia indiferença o real
apego que teria levado qualquer um dos dois, se necessário, a fazer
qualquer coisa pelo bem do outro.
A noite prosseguiu tranquila e ocupada por conversas, uma vez
que o sr. Woodhouse rejeitou o jogo de cartas a fim de conversar
confortavelmente com sua querida Isabella, e o grupo se separou de
forma natural em dois: de um lado, ele e a filha; do outro, os dois
srs. Knightley. Seus assuntos eram completamente distintos ou
raramente se misturavam — e Emma só se juntava a uma ou outra
conversa de vez em quando.
Os irmãos discutiam suas próprias preocupações e interesses,
mas principalmente aqueles do mais velho, cujo temperamento era
muito mais comunicativo e que sempre fora o mais falante. Como
magistrado, geralmente tinha alguma questão de jurisprudência
sobre a qual queria consultar John, ou, pelo menos, alguma anedota
curiosa a contar; e como o administrador da propriedade da família
em Donwell, ele contava qual cultivo seria plantado em cada campo
no ano seguinte e dava todas as informações locais que não podiam
deixar de interessar a um irmão que também passara a maior parte
da vida naquela casa e era fortemente apegado a ela. Um plano de
drenagem do solo, a mudança de uma cerca, a poda de uma árvore e
o destino de cada acre para trigo, nabos ou grãos semeados na
primavera foram discutidos com tanto interesse por John quanto
seus modos mais reservados permitiam; e se o irmão tão prestimoso
deixava qualquer abertura a perguntas, estas chegavam a adquirir
um tom quase ávido.
Enquanto estavam confortavelmente ocupados dessa forma, o sr.
Woodhouse e a filha desfrutavam um fluxo livre de tristezas felizes e
afetos temerosos.
— Minha pobre e querida Isabella — disse ele, tomando a mão
dela com carinho e interrompendo, por alguns momentos, os
cuidados atenciosos dela com algum dos cinco filhos. — Como faz
tempo, um tempo terrivelmente longo, desde que esteve aqui! E
como deve estar cansada após a viagem! Precisa se deitar cedo,
minha querida, e recomendo um pouco de mingau antes de dormir.
Você e eu tomaremos uma boa tigela de mingau juntos. Minha
querida Emma, imagine se todos comêssemos um pouco de mingau!
Emma não podia imaginar nada do gênero, sabendo que ambos
os senhores Knightley eram tão intransigentes em relação a esse
alimento quanto ela — e só duas tigelas foram providenciadas. Após
falar mais um pouco sobre os benefícios do mingau e questionar por
que não era comido por cada um todas as noites, o sr. Woodhouse
começou a dizer, com um ar de grave reflexão:
— Foi uma decisão imprudente, minha querida, passar o outono
em South End
14
em vez de vir para cá. Eu nunca gostei muito do ar
marítimo.
— O sr. Wingfield recomendou categoricamente, senhor, ou não
teríamos ido. Disse que faria bem a todas as crianças, especialmente
para a fraqueza na garganta da pequena Bella, tanto o ar marítimo
como banhos de mar.
— Ah, minha querida! Mas Perry tinha muitas dúvidas de que o
mar faria bem a ela. E quanto a mim mesmo, estou há muito
convencido, embora talvez já tenha dito a você, que o mar
raramente é útil a qualquer pessoa. Tenho certeza de que quase me
matou em uma ocasião.
— Vamos, vamos — instou Emma, sentindo que o assunto era
perigoso —, devo pedir a vocês para não falarem sobre o mar. Fico
invejosa e infeliz, pois nunca o vi! South End é um assunto
proibido, por gentileza. Minha cara Isabella, ainda não a ouvi
perguntar como vai o sr. Perry, e ele nunca a esquece.
— Ah, o bom sr. Perry! Como ele está, senhor?
— Ora, até que bem, mas não muito. O pobre Perry é bilioso e
não tem tempo para cuidar de si mesmo. Ele me diz que não tem
tempo para cuidar de si, o que é muito triste, mas ele é
requisitadíssimo no condado. Suponho que não haja um homem de
sua profissão à sua altura em qualquer lugar. Mas, é claro, não há
um homem mais inteligente em qualquer lugar.
— E a sra. Perry e as crianças, como estão? Cresceram muito?
Eu tenho o sr. Perry em grande estima. Espero que ele visite logo.
Vai ficar tão satisfeito ao ver meus pequenos.
— Espero que venha aqui amanhã, pois tenho uma ou duas
perguntas de certa importância para fazer a ele. E, minha querida,
quando ele vier, é melhor deixá-lo examinar a garganta da pequena
Bella.
— Ah! Mas, meu caro senhor, a garganta dela melhorou tanto
que eu quase não me inquieto mais a esse respeito. Ou o banho de
mar prestou um grande serviço a ela ou então a melhora deve ser
atribuída ao unguento excelente do sr. Wingfield, que estamos
aplicando desde agosto.
— Não é muito provável, minha querida, que o banho de mar
tenha sido útil. E se eu soubesse que você precisava de um
unguento, teria falado com…
— Você parece ter esquecido a sra. e a srta. Bates — interveio
Emma. — Não ouvi uma única pergunta sobre elas.
— Ah, as queridas Bates! Estou muito envergonhada, mas você
as menciona na maioria de suas cartas. Espero que estejam muito
bem. A boa sra. Bates… vou visitá-la amanhã e levar as crianças,
elas sempre ficam tão felizes de ver as crianças. E a excelente srta.
Bates! São pessoas tão louváveis! Como vão elas, senhor?
— Ora, até que bem, minha querida, considerando tudo. Mas a
pobre sra. Bates teve um resfriado grave cerca de um mês atrás.
— Sinto muito! Mas os resfriados nunca foram tão prevalentes
quanto neste outono. O sr. Wingfield me contou que nunca os viu
tão disseminados ou severos, exceto quando há um surto de gripe.
— Esse tem sido o caso, minha querida, mas não no grau que
você menciona. Perry diz que os resfriados estão muito
disseminados, mas não tão severos quanto ele viu em novembro.
Perry julga que, em geral, a estação não trouxe tantas doenças.
— Não, não acho que o sr. Wingfield considere que trouxe
muitas
doenças, exceto…
— Ah! Minha pobre menina, a verdade é que em Londres toda
estação traz doenças. Ninguém é saudável em Londres, ninguém
pode ser. É terrível que seja forçada a morar lá! Tão longe! E com
ares tão ruins!
— Na verdade, nós
não respiramos maus ares. Nossa parte de
Londres é muito superior à maioria das outras! O senhor não deve
nos confundir com Londres de forma geral. A região de Brunswick
Square é muito diferente de quase todo o resto. Temos ares tão
puros! Creio que eu não estaria disposta a morar em qualquer outra
parte da cidade, praticamente não há outra em que ficaria satisfeita
de criar meus filhos, mas a nossa
região tem ares tão bons! O sr.
Wingfield pensa que a vizinhança de Brunswick Square
decididamente tem ares muito favoráveis.
— Ah, minha querida, mas não é como Hartfield. Você faz o
melhor que pode, mas, depois que passam uma semana em
Hartfield, todos vocês se tornam criaturas diferentes, não parecem
os mesmos. No momento, não posso dizer que ache que qualquer
um de vocês pareça muito sadio.
— Sinto muito em ouvi-lo dizer isso, mas garanto ao senhor que,
exceto por aquelas dores de cabeça e palpitações nervosas das quais
nunca me livro inteiramente em nenhum lugar, sinto-me
perfeitamente bem; e ainda que as crianças parecessem bastante
pálidas antes de ir deitar, era só porque estavam um pouco mais
cansadas que o normal, por conta da viagem e da alegria de vir.
Espero que o senhor ache a aparência delas melhor amanhã, e
garanto que o sr. Wingfield me disse, ao se despedir de nós, que
nunca nos viu tão sadios. Confio, ao menos, que o senhor não ache
que o sr. Knightley pareça enfermo. — E voltou os olhos com
ansiedade afetuosa em direção ao marido.
— Parece regular, minha querida, não posso elogiar a aparência
dele. Acho que o sr. John Knightley está muito longe de parecer
bem.
— O que foi, senhor? Falou comigo? — perguntou o sr. John
Knightley, ouvindo o próprio nome.
— Sinto muito ao informar, meu amor, que meu pai não acha
que você esteja com um bom aspecto, mas espero que seja apenas
por estar um pouco fatigado. Porém, como você sabe, eu preferiria
que tivesse consultado o sr. Wingfield antes de sairmos de casa.
— Minha querida Isabella — disparou ele —, imploro que não se
preocupe com a minha aparência. Contente-se em consultar
médicos e mimar a você mesma e as crianças, e me permita agir
como prefiro.
— Eu não entendi inteiramente o que o senhor contava ao seu
irmão — exclamou Emma —, sobre o seu amigo, sr. Graham, querer
chamar um oficial de justiça da Escócia para cuidar da nova
propriedade dele. Mas qual será a resposta? Os preconceitos antigos
não serão fortes demais?
E ela prosseguiu dessa forma, discorrendo longamente e com
tanto sucesso que, quando forçada a voltar sua atenção outra vez ao
pai e à irmã, não ouviu nada pior do que Isabella gentilmente
perguntando sobre Jane Fairfax — e, embora Jane Fairfax não fosse
uma grande favorita de forma geral, Emma ficou muito feliz em
fazer coro aos elogios.
— A doce, amável Jane Fairfax! — disse a sra. John Knightley.
— Faz tanto tempo que não a vejo, exceto por acaso, uma ou outra
vez na cidade, só por um momento! Que felicidade deve ser para a
avó idosa e a excelente tia quando ela vem visitá-las! Eu sempre
senti muito, por Emma, que ela não passasse mais tempo em
Highbury, mas, agora que a filha deles está casada, suponho que o
coronel e a sra. Campbell não suportarão se separar dela de forma
alguma. Seria uma companheira tão agradável para Emma!
O sr. Woodhouse concordou com tudo, mas acrescentou:
— Nossa amiguinha Harriet Smith, no entanto, é outra jovem
bonita como ela. Você vai gostar de Harriet. Emma não poderia ter
uma companheira melhor.
— Fico feliz em ouvir, mas não conheço ninguém tão talentosa e
superior quanto Jane Fairfax! E ela tem exatamente a idade de
Emma.
O tópico foi discutido muito alegremente e outros se seguiram de
maneira parecida, abordados com harmonia similar; mas a noite
não se concluiu sem mais uma breve agitação. O mingau foi trazido
e inspirou muito debate — muitos elogios e muitos comentários, a
afirmação incontestável de seus efeitos benéficos para todas as
constituições, e filípicas
15
muito severas sobre as muitas casas onde
nunca era preparado de maneira satisfatória. Porém, infelizmente,
entre os fracassos que a filha citou, o mais recente, e portanto mais
proeminente, era o de sua própria cozinheira em South End, uma
jovem contratada por tempo limitado que nunca conseguira
entender o que ela queria dizer com uma tigela de mingau leve e
fino, mas não fino demais. Nas muitas vezes que ela sentiu vontade
e o pediu, não recebeu nada tolerável. Esta foi uma abertura
perigosa.
— Ah! — suspirou o sr. Woodhouse, balançando a cabeça e
fitando-a com terna preocupação. A exclamação, ao ouvido de
Emma, expressava: “Ah! Não há fim para as tristes consequências
de sua ida a South End. Não suporto falar sobre isso”. E por um
momento ela esperou que o pai não falasse sobre isso, de fato, e que
uma ruminação silenciosa fosse o bastante para devolvê-lo ao prazer
de seu próprio mingau leve. Depois de um intervalo de alguns
minutos, entretanto, ele recomeçou: — Sempre lamentarei você ter
ido ao mar este outono, em vez de vir para cá.
— Mas por que lamentaria, senhor? Garanto que fez muito bem
às crianças.
— Além disso, se precisa ir ao mar, seria melhor não ter ido a
South End. South End é um lugar insalubre. Perry ficou surpreso ao
ouvir que você tinha se decidido por South End.
— Sei que muitas pessoas têm essa impressão, mas na verdade é
um equívoco, senhor. Todos ficamos perfeitamente bem lá, não
vivenciamos qualquer inconveniente com a lama, e o sr. Wingfield
diz que é um completo equívoco supor que o lugar é insalubre. E
tenho certeza de que podemos confiar nele, pois entende
perfeitamente a natureza dos ares, e seu próprio irmão e a família
dele estiveram lá muitas vezes.
— Vocês deviam ter ido a Cromer, minha querida, se tivessem de
ir para algum lugar. Perry passou uma semana em Cromer uma vez
e considera o melhor de todos os locais de banho. Um belo mar
aberto, diz ele, e um ar muito puro. E, pelo que entendo, você
poderia ter encontrado acomodações muito longe do mar… a cerca
de quatrocentos metros… muito confortáveis. Deveria ter
consultado Perry.
— Mas, meu caro senhor, a diferença no tempo de viagem!
Apenas considere como teria sido grande. Cento e sessenta
quilômetros, talvez, em vez de sessenta.
— Ah! Minha querida, como Perry diz, quando a saúde está em
jogo, nada mais deve ser considerado; e se alguém precisa viajar,
não muda muito escolher entre sessenta e cento e sessenta
quilômetros. O melhor é não viajar de forma alguma, melhor ficar
em Londres, do que viajar sessenta quilômetros até ares piores. Foi
exatamente isso que Perry disse. Pareceu a ele uma decisão muito
mal ponderada.
As tentativas de Emma de impedir o pai foram em vão e, quando
ele chegou àquele ponto, ela não se surpreendeu com a intervenção
do cunhado.
— O sr. Perry — ele disse, em uma voz de intenso desprazer —
faria bem ao guardar suas opiniões para si até ser consultado. Que
direito teria de questionar o que eu faço? De dizer se levo minha
família a uma parte do litoral ou outra? Terei a liberdade, espero, de
usar meu próprio julgamento tão bem quanto o sr. Perry. Não quero
as orientações dele assim como não quero suas drogas. — Então fez
uma pausa e, ficando mais calmo em um momento, acrescentou
com sarcasmo seco: — Se o sr. Perry conseguir me dizer como
transportar uma esposa e cinco crianças a uma distância de cento e
sessenta quilômetros sem mais gastos ou inconveniências do que a
uma distância de sessenta, eu preferiria Cromer a South End tanto
quanto ele mesmo.
— Verdade, verdade — exclamou o sr. Knightley, intervindo de
imediato. — É a pura verdade. Essa é uma consideração a ser feita,
de fato. Mas, John, quanto ao que eu lhe dizia sobre minha ideia de
mudar o caminho para Langham e desviá-lo para a direita de modo
que não atravesse os nossos campos, não consigo ver nenhuma
dificuldade. Eu não tentaria, se representasse alguma
inconveniência ao povo de Highbury, mas se você recordar
exatamente a linha atual da estrada… o único jeito de provar,
entretanto, será consultar os mapas. Eu o verei na Abadia amanhã
de manhã, espero, e então vamos examiná-los e você deve me dar
sua opinião.
O sr. Woodhouse ficou bastante agitado com as reflexões duras
sobre o amigo Perry, a quem, verdade seja dita, vinha atribuindo
muitos de seus próprios sentimentos e expressões, embora
inconscientemente; mas as atenções apaziguadoras das filhas aos
poucos amainaram o aborrecimento, e a presteza de um irmão e as
reminiscências mais agradáveis do outro evitaram mais
perturbações.

14
.  Cidade em Essex, ao nordeste de Londres, na época um balneário
famoso.
15
.  Discursos ardentes de denúncia. A palavra vem dos discursos do grego
Demóstenes contra Filipe da Macedônia, no século IV a.C.
CAPÍTULO XIII

Não poderia haver uma criatura mais feliz no mundo do que a


sra. John Knightley, naquela breve estadia em Hartfield. Saía toda
manhã para visitar seus velhos amigos com os cinco filhos e passava
toda a noite conversando com o pai e a irmã. Não tinha qualquer
desejo exceto que os dias passassem devagar. Era uma visita muito
prazerosa; perfeita, ainda que tão curta.
Em geral, as noites eram menos ocupadas com amigos do que as
manhãs, mas não houve como evitar um jantar completo, e fora de
casa, ainda que fosse a época de Natal. O sr. Weston não aceitou
recusas; todos eles deveriam jantar em Randalls uma noite, e até o
sr. Woodhouse foi persuadido de que era uma coisa possível e mais
preferível a separar a família.
Quanto ao transporte de todos, ele teria criado empecilhos se
pudesse, mas, como a carruagem e os cavalos do genro e da filha
estavam em Hartfield, não pôde fazer mais do que esboçar uma
questão nesse sentido — mal chegava a ser uma dúvida — e Emma
não demorou muito a convencê-lo de que poderiam encontrar
espaço para Harriet em uma das carruagens também.
Harriet, o sr. Elton e o sr. Knightley, um grupo seleto, foram as
únicas pessoas convidadas para encontrá-los; o jantar seria servido
cedo e o número de convidados, reduzido; e os hábitos e inclinações
do sr. Woodhouse foram consultados antes de todos os arranjos.
Na véspera deste grande evento (pois era um grande evento que
o sr. Woodhouse jantasse fora de casa no dia 24 de dezembro),
Harriet passara a tarde em Hartfield, e voltou para casa tão
indisposta com um resfriado que, se não fosse seu desejo genuíno de
receber os cuidados da sra. Goddard, Emma não teria permitido sua
partida. Visitou-a no dia seguinte e encontrou seu destino já traçado
em relação a Randalls. Ela estava febril e tinha a garganta inflamada.
A sra. Goddard dedicava-se aos seus cuidados com carinho, o sr.
Perry foi mencionado, e a própria Harriet estava doente e
enfraquecida demais para resistir à autoridade que a excluía
daquele compromisso prazeroso, embora não conseguisse discutir
sua perda sem muitas lágrimas.
Emma ficou com ela o máximo possível, para atendê-la nas
ausências inevitáveis da sra. Goddard e animá-la ao mencionar
como o sr. Elton ficaria deprimido quando soubesse da condição
dela — e a deixou ao menos toleravelmente confortável, na
expectativa doce de que ele teria um jantar sem qualquer conforto e
de que todos sentiriam muito a sua falta. Emma não tinha avançado
muitos passos da porta da sra. Goddard quando encontrou o próprio
sr. Elton, evidentemente seguindo na direção da escola, e enquanto
caminhavam juntos devagar, conversando sobre a enferma — sobre
a qual ele, ouvindo o boato de uma doença séria, tinha vindo
perguntar, para levar notícias dela a Hartfield —, foram alcançados
pelo sr. John Knightley, que retornava de sua visita diária a Donwell,
com os dois garotos mais velhos, cujos rostos sadios e corados
demonstravam todo o benefício de uma caminhada pelo campo e
pareciam prometer que a carne de carneiro assada e o pudim de
arroz pelos quais corriam de volta para casa seriam rapidamente
despachados. Todos prosseguiram juntos. Emma estava descrevendo
os sintomas da amiga — garganta muito inflamada, temperatura
alta, o pulso rápido e fraco etc. — e como sentira muito ao ouvir da
sra. Goddard que Harriet tinha uma propensão a sofrer de dores de
garganta muito sérias, alarmando a todas com frequência. O sr.
Elton pareceu muito assustado e exclamou:
— Uma dor de garganta! Espero que não seja infecciosa. Espero
que não seja de um tipo infeccioso e pútrido. Perry já a examinou?
Realmente, a senhorita deveria cuidar tanto de si mesma quanto de
sua amiga. Permita-me encorajá-la a não correr riscos. Por que
Perry não foi visitá-la?
Emma, que pessoalmente não estava nem um pouco assustada,
tranquilizou esse excesso de apreensão com garantias da
experiência e dos cuidados da sra. Goddard; mas, como seria
melhor restar um grau de inquietude que ela não desejava apaziguar
com argumentos racionais — inquietude que preferiria incentivar e
auxiliar —, ela logo acrescentou, como se falasse de outro assunto:
— Está tão frio, tão frio… e tudo indica que vai nevar… se fosse
qualquer outro lugar, ou quaisquer outros amigos, eu não sairia hoje
e dissuadiria meu pai de fazê-lo, mas, como ele está decidido e não
parece sentir o frio, eu não quis intervir, pois sei que seria uma
enorme decepção ao sr. e à sra. Weston. Mas, sinceramente, sr.
Elton, se eu fosse o senhor certamente me desculparia pela
ausência. Parece-me já estar um pouco rouco e, considerando as
exigências de voz e as fadigas que a manhã lhe trará, acho que seria
prudente ficar em casa e cuidar de si esta noite.
O sr. Elton pareceu não saber bem como responder, o que era
exatamente o caso — pois, embora estivesse muito grato pelos
cuidados gentis de uma senhorita tão bela, e não quisesse contrariar
qualquer de seus conselhos, não tinha a menor inclinação a desistir
da visita. Mas Emma, empolgada e ocupada demais com suas
concepções e visões prévias para escutá-lo imparcialmente, ou vê-lo
com clareza, ficou muito satisfeita com a aquiescência murmurada
de que estava “muito frio, certamente muito frio”, e seguiu
caminho, comemorando por tê-lo removido de Randalls e garantido
a oportunidade de ele visitar e perguntar sobre Harriet a cada hora
da noite.
— O senhor faz muito bem — ela disse. — Transmitiremos suas
desculpas ao sr. e à sra. Weston.
No entanto, mal tinha falado isso quando descobriu que seu
cunhado estava educadamente oferecendo um assento em sua
carruagem, se o tempo fosse a única objeção do sr. Elton, e o sr.
Elton aceitou a oferta com satisfação imediata. Estava feito; o sr.
Elton iria, e seu rosto bonito e largo nunca expressou mais prazer
do que naquele momento — nunca seu sorriso foi mais forte, nem
seus olhos mais exultantes do que quando a olhou de novo.
Ora,
pensou ela, isso é muito estranho! Depois que eu lhe
arranjei uma desculpa tão boa, escolher a companhia de outros e
deixar uma Harriet doente para trás! Muito estranho, de fato! Mas
creio que haja em muitos homens, especialmente os solteiros, uma
inclinação — uma paixão — por jantar fora, de forma que um
jantar agendado está tão alto na lista de seus prazeres, suas
ocupações, suas dignidades, quase seus deveres, que tudo cede
diante dele — e esse deve ser o caso do sr. Elton; é um homem
muito estimado, amável e agradável, sem dúvidas, e muito
apaixonado por Harriet, mas ainda não consegue recusar um
convite e deve jantar fora sempre que o convidam. Que coisa
estranha é o amor! Ele consegue ver uma mente sagaz em Harriet,
mas se recusa a jantar sozinho por ela.
Logo em seguida, o sr. Elton os deixou e ela não pôde deixar de
reconhecer que havia muita emoção em seu modo de falar de
Harriet na partida, no tom de sua voz enquanto garantia que
visitaria a escola da sra. Goddard para obter notícias de sua bela
amiga, que seria a última coisa que faria em preparação para a
alegria de encontrá-la novamente, quando esperava poder trazer
notícias melhores; e ele suspirou e sorriu ao se despedir, de um
modo que deixou o balanço da aprovação pendendo muito a seu
favor.
Depois de alguns minutos de silêncio completo, John Knightley
começou com:
— Nunca na vida vi um homem mais determinado em ser cortês
do que o sr. Elton. É praticamente uma obrigação para ele, no que
se trata de damas. Com os homens, consegue ser racional e
espontâneo, mas quando há damas para agradar, ele emprega todos
os recursos possíveis.
— Os modos do sr. Elton não são perfeitos — respondeu Emma
—, mas onde há um desejo de agradar, é preciso relevar, e
relevamos muita coisa. Se um homem faz seu melhor com
capacidades moderadas, terá vantagem sobre a superioridade
negligente. O sr. Elton possui um temperamento tão bom e tamanha
boa vontade que não podemos deixar de valorizá-los.
— É verdade — concordou o sr. John Knightley depressa, com
um tom levemente malicioso —, e ele parece ter muita boa vontade
em relação a você.
— Eu! — ela respondeu com um sorriso perplexo. — Imagina
que eu sou o alvo dos afetos do sr. Elton?
— A possibilidade cruzou minha mente, admito, Emma; e se
nunca lhe ocorreu antes, seria bom levá-la em consideração agora.
— O sr. Elton, apaixonado por mim! Que ideia!
— Não digo que é o caso, mas seria bom você considerar se é ou
não e regular seu comportamento com base nisso. Acho que seus
modos o incentivam. Falo como amigo, Emma. Seria bom olhar ao
redor e avaliar o que está de fato fazendo e o que pretende fazer.
— Eu lhe agradeço, mas garanto que está muito enganado. O sr.
Elton e eu somos ótimos amigos e nada mais. — E ela seguiu em
frente, divertindo-se ao considerar os equívocos que muitas vezes
decorrem de um conhecimento parcial das circunstâncias, dos erros
que as pessoas com altas pretensões a um discernimento penetrante
cometem o tempo todo, e não muito feliz com o cunhado por
imaginá-la cega e ignorante e carente de conselhos. Ele não falou
mais nada.
O sr. Woodhouse estava tão determinado a prestar a visita que,
apesar do frio crescente, pareceu nem considerar esquivar-se dela, e
partiu com total pontualidade em sua própria carruagem com a filha
mais velha, aparentemente menos atento ao clima do que qualquer
um dos outros; maravilhado demais com sua própria saída e o
prazer que causaria em Randalls para perceber que estava frio, e
agasalhado demais para senti-lo. O frio, entretanto, era severo, e
quando a segunda carruagem se pôs em movimento, alguns flocos
de neve já caíam sobre o chão, e o céu parecia tão carregado que
um ar um pouco mais gelado produziria um mundo muito branco
em um tempo muito curto.
Emma logo viu que seu companheiro não estava no melhor dos
humores. Os preparativos e a saída de casa naquele tempo,
sacrificando a companhia dos filhos após o jantar, eram males, ou ao
menos inconvenientes, que o sr. John Knightley não apreciava de
forma alguma; ele não antecipava nada na visita que valesse o
esforço e durante todo o trajeto até a casa paroquial expressou seu
descontentamento.
— Um homem — disse ele — deve ter uma opinião muito boa de
si mesmo se pede que as pessoas deixem a própria lareira e o
encontrem em um dia como esse, apenas pelo benefício de vê-lo.
Deve-se imaginar um sujeito muito agradável. Eu não conseguiria
fazer algo assim. É o maior dos absurdos… está nevando neste exato
momento! A sandice de não permitir que as pessoas fiquem
confortáveis em casa… e a sandice das pessoas por não ficarem
confortavelmente em casa, quando podem! Se fôssemos obrigados a
sair em uma noite como esta, por qualquer chamado do dever ou
dos negócios, consideraríamos um transtorno. Mas cá estamos nós,
provavelmente com roupas mais finas que de costume, partindo
voluntariamente, sem justificativas, desafiando a voz da natureza,
que diz ao homem, por meio de cada aspecto oferecido à sua vista
ou aos seus sentimentos, para ficar em casa e manter-se abrigado de
toda forma possível. Cá estamos nós, indo passar cinco horas
enfadonhas na casa de outro homem, sem nada para falar ou ouvir
que não tenha sido falado ou ouvido ontem, e que não poderia ser
falado e ouvido novamente amanhã; saindo em um tempo
abominável, para retornar provavelmente em um pior. Quatro
cavalos e quatro criados tirados da casa sem nenhum motivo,
exceto para transportar cinco criaturas ociosas e trêmulas para
salas ainda mais frias e uma companhia ainda pior do que teriam
em casa.
Emma não se achava à altura da concordância deferente que
sem dúvida ele tinha o hábito de receber, de emular o “É verdade,
meu amor” que geralmente devia ser dito por sua companheira de
viagens, mas tinha resolução suficiente para evitar qualquer
resposta. Não podendo concordar, detestava se opor, e seu heroísmo
se estendia apenas até o silêncio. Permitiu que ele falasse e conferiu
as janelas e agasalhou-se sem abrir os lábios.
Eles chegaram, a carruagem manobrou, os degraus foram
baixados, e o sr. Elton, bem-vestido de preto e sorridente, estava
com eles em um instante. Ela antecipou com prazer uma mudança
de assunto. O sr. Elton era todo gentileza e alegria; estava de fato
tão animado ao oferecer seus cumprimentos corteses, que ela
começou a pensar que deveria ter recebido notícias diferentes sobre
Harriet do que as que chegaram a ela. Emma tinha mandado alguém
conferir o estado da amiga enquanto se vestia e a resposta fora:
“Continua igual — não melhor”.
— As minhas
notícias da sra. Goddard — disse ela — não foram
tão positivas quanto eu esperava. “Não melhorou” foi a minha
resposta.
A expressão dele se agravou imediatamente, e sua voz
transbordava de emoção quando respondeu.
— Ah, não! Sinto informar que… estava prestes a contar à
senhorita que, quando bati na porta da sra. Goddard, que foi a
última coisa que fiz antes de voltar para me vestir, fui informado de
que a srta. Smith não está melhor, de forma alguma, e até piorou um
pouco. Muito aflito e preocupado… eu havia me tranquilizado
pensando que teria melhorado depois do tônico revigorante que
bebeu pela manhã.
Emma sorriu e respondeu:
— Minha visita foi útil para apaziguar a parte nervosa da
enfermidade, espero, mas nem eu consigo curar uma dor de
garganta com charme. É um resfriado muito sério, de fato. O sr.
Perry foi visitá-la, como o senhor provavelmente ouviu.
— Sim, eu… imaginei… isto é, não…
— Ele está habituado a visitá-la quando sofre destas queixas, e
espero que a manhã traga a nós dois um relato mais encorajador.
Mas é impossível não se afligir. Que triste perda ao nosso grupo
hoje!
— Terrível! É exatamente isso, de fato. Sentiremos a falta dela
em cada momento.
Isso foi dito de modo muito correto, e o suspiro que
acompanhou as palavras foi muito respeitável — mas deveria ter
durado mais. Emma ficou um tanto abismada quando, apenas meio
minuto depois, ele começou a falar de outros assuntos, com todo
prazer e vivacidade.
— Que recurso excelente — comentou ele — é o uso da pele de
carneiro em carruagens. Como as torna confortáveis; é impossível
sentir frio com essas precauções. Os engenhos dos tempos
modernos de fato tornaram a carruagem de um cavalheiro
perfeitamente completa. Fica-se tão protegido e resguardado do
tempo que nem sequer um sopro de ar consegue entrar sem
permissão. O tempo deixa de ter qualquer consequência. É uma
tarde muito fria, mas nesta carruagem nem ficamos cientes disso.
Rá! Vejo que está nevando um pouco.
— Sim — disse John Knightley —, e creio que veremos muita
neve ainda.

É
— É o tempo de Natal — observou o sr. Elton. — Apropriado à
estação, e podemos nos considerar extremamente afortunados por
não ter começado ontem e impedido o jantar de hoje, o que seria
muito provável, pois o sr. Woodhouse dificilmente se aventuraria a
sair se houvesse muita neve no chão. Mas agora não importa. Esta é
a estação ideal, de fato, para encontrar os amigos. No Natal, todos
convidam os amigos, e as pessoas não se incomodam nem mesmo
com o tempo mais inclemente. Uma vez, devido à neve, fiquei preso
na casa de um amigo por uma semana. Nada poderia ter sido mais
agradável. Fui apenas por uma noite, e só consegui sair sete noites
depois.
O sr. John Knightley parecia não compreender onde estava o
prazer nisso, mas apenas disse em um tom frio:
— Não tenho qualquer desejo de ficar preso uma semana em
Randalls devido à neve.
Em outro momento, Emma poderia ter se divertido com a
conversa, mas ficara pasma demais com o bom humor do sr. Elton
para ter outros sentimentos. Harriet parecia ter sido praticamente
esquecida diante da expectativa de uma reunião agradável.
— Podemos contar com uma lareira excelente — continuou ele
— e com o máximo de conforto. Pessoas encantadoras, como o sr. e
a sra. Weston… A sra. Weston está, de fato, além de qualquer elogio
possível, e ele é exatamente o tipo mais valorizado de homem, tão
hospitaleiro e um grande apreciador da companhia dos amigos…
Será um grupo pequeno, mas os grupos seletos talvez sejam os mais
agradáveis. A sala de jantar do sr. Weston não acomoda
confortavelmente mais do que dez pessoas; de minha parte, eu
preferiria, sob tais circunstâncias, ter dois a menos do que dois a
mais. Acho que a senhorita concordará comigo — virando-se com
um ar suave para Emma —, acho que certamente terei a sua
aprovação, embora o sr. Knightley, talvez por estar acostumado às
grandes festas de Londres, possa não compartilhar de nossos
sentimentos.
— Não sei nada sobre grandes festas de Londres, senhor. Nunca
janto fora.

É
— É mesmo? — perguntou o sr. Elton, em um tom de surpresa e
pena. — Eu não fazia ideia de que trabalhar com a lei implicava
uma escravidão tão cruel. Bem, senhor, chegará a hora em que será
recompensado por tudo isso, quando terá pouco trabalho e muitos
divertimentos.
— O primeiro deles — respondeu John Knightley, enquanto
percorriam o caminho que levava à casa — será encontrar-me a
salvo de volta em Hartfield.
CAPÍTULO XIV

Alguma alteração no semblante foi necessária a cada um dos


cavalheiros ao entrar na sala de visitas da sra. Weston — o sr. Elton
precisou conter seu olhar jubiloso, e o sr. John Knightley, dispersar
seu mau humor; o sr. Elton teve de sorrir menos, e o sr. John
Knightley, mais, para adequar-se ao ambiente. Emma pôde seguir
sua natureza e mostrar-se tão contente quanto estava. Para ela, era
um verdadeiro prazer ficar com os Weston. O sr. Weston era um
grande favorito dela, e não havia qualquer criatura no mundo com
quem ela falasse com tanta franqueza quanto a esposa dele, nem
ninguém a quem relatava, com tanta confiança de ser ouvida e
entendida, de ser sempre interessante e sempre compreensível, os
pequenos acontecimentos, arranjos, perplexidades e prazeres
relativos ao pai e a si mesma. Não havia nada que ela pudesse
contar sobre Hartfield que não despertasse na sra. Weston um vivo
interesse, e uma conversa ininterrupta de meia hora sobre aquelas
pequenas questões sobre as quais dependia a felicidade diária da
vida privada era uma das maiores satisfações para ambas.
Esse era um prazer que a visita de um dia inteiro talvez não
conseguisse propiciar, e que certamente não seria abarcado pela
meia hora inicial, mas a mera visão da sra. Weston, o seu sorriso,
seu toque e sua voz eram motivos de gratidão para Emma, e ela
decidiu pensar o mínimo possível nas esquisitices do sr. Elton ou em
qualquer outro assunto desagradável, e apreciar ao máximo tudo
que era apreciável.
O infortúnio do resfriado de Harriet tinha sido minuciosamente
relatado antes da chegada dela. O sr. Woodhouse já estava
confortavelmente acomodado por tempo suficiente para contar toda
a história, assim como descrever seu trajeto com Isabella e discutir
a chegada iminente de Emma, e estava demonstrando sua satisfação
com o fato de James ter a chance de ver sua filha, quando os outros
apareceram — e a sra. Weston, que até então concentrara suas
atenções quase inteiramente nele, pôde virar-se e receber a querida
Emma.

O plano de Emma de esquecer o sr. Elton por um tempo a fez


lamentar ao descobrir, quando todos tomaram seus lugares, que ele
estava sentado junto a ela. Foi grande a dificuldade de afastar da
mente a estranha insensibilidade dele em relação a Harriet
enquanto não apenas estava ao seu lado, mas continuamente
impunha-lhe o semblante feliz e a abordava prestimoso a cada
chance possível. Em vez de esquecê-lo, o comportamento dele era
tal que ela não pôde evitar um questionamento interno. Pode ser
como meu cunhado imaginou? É possível que esse homem esteja
começando a transferir seu afeto de Harriet para mim? Absurdo e
intolerável!
No entanto, ele estava tão ansioso para que Emma
ficasse perfeitamente aquecida, interessava-se tanto pelo pai dela,
encantava-se tanto com a sra. Weston e, por fim, começou a admirar
os desenhos dela com tanto zelo e tão pouco discernimento que
começou a parecer terrivelmente com um possível enamorado, que
ela precisou se empenhar para preservar os bons modos. Por seu
próprio bem, não podia ser grosseira; e pelo de Harriet, na
esperança de que tudo ainda transcorresse da melhor forma, ela foi
até bastante civil, mas foi um esforço — em especial porque, no
período de tagarelice mais intensa do sr. Elton, os outros
começaram a discutir algo que ela particularmente queria escutar.
Emma tinha ouvido o suficiente para entender que o sr. Weston
estava dando algumas informações sobre o filho; ouviu as palavras
“meu filho” e “Frank” e “meu filho” repetidas várias vezes e, por
algumas outras meias-sílabas, suspeitou fortemente que ele estava
anunciando uma visita antecipada do jovem. Contudo, antes que
pudesse silenciar o sr. Elton, o assunto tinha passado tão
completamente que tentar reavivá-lo com qualquer pergunta teria
sido embaraçoso.
Ora, a questão era que, apesar de sua resolução de nunca se
casar, havia algo no nome, na ideia do sr. Frank Churchill, que
sempre a interessara. Muitas vezes tinha pensado — em especial
desde o casamento do pai dele com a srta. Taylor — que, se ela fosse
se casar, ele seria o seu par ideal em idade, caráter e circunstâncias.
Ele parecia, por conta da conexão entre as famílias, pertencer a ela
de certa forma. Emma só podia supor que fosse uma união
imaginada por todos que os conheciam. De que o sr. e a sra. Weston
a imaginavam, ela estava fortemente persuadida e, embora não
quisesse ser induzida por ele, ou qualquer outro, a abandonar uma
situação que ela acreditava ser mais repleta de vantagens que
qualquer uma que pudesse tomar o seu lugar, sentia grande
curiosidade de vê-lo, estava determinada a achá-lo agradável e a
agradar a ele até certo ponto, e sentia uma espécie de prazer com a
ideia de que estivessem unidos na imaginação de seus amigos em
comum.
Em meio a tais sensações, as cortesias do sr. Elton chegavam no
momento mais inoportuno, mas ela tinha o consolo de parecer
muito educada quando se sentia muito irritada — e de pensar que o
resto da visita não poderia passar sem que a mesma informação, ou
um resumo dela, fosse expressa pelo sincero sr. Weston. E assim se
deu, pois, quando ela finalmente foi liberada do sr. Elton e sentou-se
ao lado do sr. Weston durante o jantar, ele aproveitou o primeiro
intervalo de suas obrigações de anfitrião, o primeiro momento livre
do lombo de carneiro, para dizer a ela:
— Só faltam mais dois para estarmos com o número certo.
Gostaria de ver mais duas pessoas aqui: sua bela amiga, a srta.
Smith, e o meu filho, e então o grupo ficará completo. Acredito que
não me ouviu contar aos outros, na sala, que estamos esperando
Frank? Recebi uma carta dele esta manhã e ele chegará dentro de
uma quinzena.
Emma respondeu com um grau muito apropriado de prazer, e
concordou inteiramente com a proposição dele de que o sr. Frank
Churchill e a srta. Smith completariam o grupo.
— Ele quer nos visitar — continuou o sr. Weston — desde
setembro. Toda carta exprimia a sua mais profunda vontade, mas
ele não está no comando do próprio tempo. Tem de agradar àqueles
que devem ser agradados, e que (cá entre nós) às vezes só é possível
agradar com muitos sacrifícios. Mas agora não tenho dúvidas de que
o verei aqui por volta da segunda semana de janeiro.
— Que grande prazer será ao senhor! E a sra. Weston está tão
ansiosa para conhecê-lo que a imagino ficando quase igualmente
feliz.
— Ela estaria, de fato, exceto que pensa que haverá mais algum
atraso. Não confia na chegada dele tanto quanto eu, mas também
não conhece as partes envolvidas tão bem. A questão, entende, é
que… Mas isso fica entre nós; não mencionei uma sílaba a respeito
na outra sala; há segredos em todas as famílias, sabe… A questão é
que um grupo de amigos foi convidado para visitar Enscombe em
janeiro, e a vinda de Frank depende da partida deles. Se não forem
incentivados a partir, ele não pode se mexer. Mas eu sei que serão,
porque é uma família por quem certa dama distinta, em Enscombe,
sente uma aversão particular; e, embora pensem ser necessário
recebê-los uma vez a cada dois ou três anos, no fim eles sempre
partem depressa. Não tenho a menor dúvida sobre a questão. Estou
tão confiante de ver Frank aqui antes de meados de janeiro quanto
de estar aqui pessoalmente, mas a sua boa amiga ali — assentindo
com a cabeça para a ponta da mesa — tem tão poucas exigências, e
está tão pouco acostumada a ver caprichos sendo exigidos em
Hartfield, que não consegue calcular os efeitos deles, como eu tenho
o hábito de fazer há muito tempo.
— Sinto muito que haja qualquer dúvida sobre a questão —
respondeu Emma —, mas estou inclinada a concordar com o
senhor. Se pensa que ele virá, pensarei assim também, pois o senhor
conhece Enscombe.
— Sim, e tenho algum direito a reivindicar esse conhecimento…
embora nunca tenha pisado no lugar em toda a vida. A sra.
Churchill é uma mulher estranha! Mas nunca me permito falar mal
dela, pelo bem de Frank, pois acredito que ela é de fato muito
afeiçoada a ele. Eu costumava pensar que ela não era capaz de
afeiçoar-se a ninguém exceto a si mesma, mas sempre foi gentil com
ele (a seu próprio modo, relevando-se certos caprichos e
extravagâncias, e contanto que tudo corra conforme seus desejos). E
é um grande crédito a ele, na minha opinião, suscitar essa afeição;
pois, ainda que eu jamais diga isso a qualquer outra pessoa, ela não
tem mais sentimentos do que uma pedra em relação às pessoas em
geral, e um temperamento dos diabos.
Emma se interessou tanto pelo assunto que o retomou com a
sra. Weston, logo que voltaram à sala de visitas, parabenizando-a
pela felicidade, observando, porém, que o primeiro encontro deveria
ser bastante inquietante. A sra. Weston concordou, mas acrescentou
que ficaria muito contente com a certeza de sofrer a ansiedade de
um primeiro encontro no momento combinado.
— Pois não posso confiar que ele venha. Não posso ser
esperançosa como o sr. Weston. Receio profundamente que tudo
isso não resulte em nada. O sr. Weston, arrisco dizer, contou-lhe
exatamente como está a situação no momento.
— Sim. Parece não depender de nada exceto do mau humor da
sra. Churchill, que eu imagino ser a coisa mais assegurada do
mundo.
— Minha Emma! — respondeu a sra. Weston, sorrindo. — Qual
é a certeza dos caprichos? — E virando-se para Isabella, que não
estivera ouvindo: — Você deve saber, minha cara sra. Knightley, que
não estamos de forma alguma confiantes de ver o sr. Frank
Churchill, na minha opinião, quanto pensa o pai dele. A visita
depende inteiramente dos humores e dos prazeres da tia do rapaz;
em suma, do temperamento dela. A vocês… a minhas duas filhas…
eu arrisco dizer a verdade. A sra. Churchill governa em Enscombe e
é uma mulher de temperamento muito estranho, e a vinda de Frank
agora está sujeita à sua disposição de separar-se dele.
— Ah, a sra. Churchill, todos conhecem a sra. Churchill —
respondeu Isabella. — E digo a vocês que nunca pensei naquele
pobre rapaz sem a maior compaixão. Viver constantemente com
uma pessoa de mau temperamento deve ser terrível. É algo que nós,
por sorte, nunca experimentamos, mas deve ser uma vida de
pesares. Que bênção, ela nunca ter tido filhos! Pobres criaturinhas,
como os teria tornado infelizes!
Emma gostaria de estar a sós com a sra. Weston. Nesse caso,
ouviria mais: a sra. Weston falaria com ela com um grau de
franqueza que não arriscaria com Isabella e, ela acreditava
sinceramente, não tentaria ocultar nada relacionado aos Churchill,
exceto aquelas esperanças que alimentava para o rapaz, das quais a
própria imaginação de Emma já tinha lhe dado um conhecimento
tão intuitivo. No momento, entretanto, não havia nada mais a ser
dito. O sr. Woodhouse logo as seguiu para a sala. Ficar sentado
muito tempo após o jantar era um confinamento que ele não
suportava. Nem vinho nem conversas significavam nada para ele, e
se transferiu alegremente para junto daquelas com as quais sempre
ficava confortável.
Enquanto falava com Isabella, porém, Emma encontrou uma
oportunidade de dizer:
— Então você não tem certeza alguma desta visita do seu filho.
Sinto muito. A apresentação deve ser desagradável, quando quer
que ocorra, e, quanto antes puder acabar, melhor.
— Sim, e cada atraso nos deixa mais apreensivos quanto a
atrasos futuros. Mesmo que essa família, os Braithwaite, se retire
depressa, receio que ainda possam encontrar alguma desculpa para
nos decepcionar. Não consigo imaginar qualquer relutância da parte
dele, mas tenho certeza de que há um grande desejo da parte dos
Churchill de mantê-lo consigo. Eles sentem ciúmes. São
enciumados até da consideração que ele tem pelo pai. Em suma,
não consigo confiar que Frank venha e gostaria que o sr. Weston
nutrisse menos esperanças.
— Ele deveria vir — sentenciou Emma. — Mesmo que para ficar
apenas um ou dois dias, deveria vir, e é difícil imaginar que um
rapaz não tenha a possibilidade de fazer ao menos isso. Uma jovem
mulher
, se cair em mãos erradas, pode ser controlada e mantida à
distância daqueles com quem deseja estar, mas é incompreensível
que um jovem rapaz
esteja sob tamanhas restrições que lhe
impeçam de passar uma semana com o pai, se assim o desejar.
— Seria preciso estar em Enscombe, e conhecer os hábitos da
família, antes de decidir o que alguém pode ou não pode fazer —
respondeu a sra. Weston. — Seria bom usar a mesma cautela,
talvez, ao julgar a conduta de qualquer indivíduo de qualquer
família. Mas Enscombe, acredito, certamente não deve ser julgada
por regras gerais: ela
é muito irracional, e tudo cede às suas
vontades.
— Mas é tão afeiçoada ao sobrinho, ele é o favorito absoluto!
Conforme a ideia que faço da sra. Churchill, seria a coisa mais
natural se, ainda que não faça sacrifícios pelo conforto do marido, a
quem deve tudo, ainda que despeje seus caprichos incessantes
sobre ele
, fosse frequentemente governada pelo sobrinho, a quem
ela não deve nada.
— Minha querida Emma, não pretenda, com seu temperamento
doce, entender um mau temperamento ou estabelecer regras para
É
ele. É preciso deixá-lo seguir seu próprio caminho. Não tenho
dúvidas de que ele exerça, por vezes, uma influência considerável,
mas pode ser-lhe inteiramente impossível saber antes quando
isso
ocorrerá.
Emma ouviu e respondeu serenamente:
— Não ficarei satisfeita até ele vir.
— Ele pode ter uma grande influência em alguns pontos —
insistiu a sra. Weston — e muito pouca em outros; e entre estes, nos
quais o sucesso está além do seu alcance, é muito provável que
considere a possibilidade de separar-se deles para nos visitar.
CAPÍTULO XV

O sr. Woodhouse logo ficou pronto para o seu chá e, após tomá-
lo, estava bastante pronto para voltar para casa, de modo que suas
três companheiras precisaram se esforçar ao máximo para distraí-lo
da hora tardia antes que os outros cavalheiros aparecessem. O sr.
Weston era loquaz e sociável, e nada propenso a separações
precoces de qualquer espécie, mas por fim o grupo na sala recebeu
um acréscimo. O sr. Elton, com um humor excelente, foi um dos
primeiros a entrar. A sra. Weston e Emma estavam sentadas em um
sofá. Ele foi até elas de imediato, praticamente sem qualquer
convite, e sentou-se entre as duas.
Emma, que também se sentia de bom humor graças à atividade
mental propiciada pela expectativa da chegada do sr. Frank
Churchill, estava disposta a relevar o comportamento impróprio
recente e ficar tão satisfeita com ele quanto antes. E quando o
primeiro assunto que ele abordou foi Harriet, dispôs-se a ouvir com
os sorrisos mais amigáveis.
Ele professou estar extremamente ansioso quanto à bela amiga
dela — a bela, adorável, amável amiga dela. Emma recebera mais
notícias? Tinha ouvido algo sobre ela desde que chegaram a
Randalls? Ele estava muito ansioso; precisava confessar que a
natureza da enfermidade o alarmava consideravelmente. E
prosseguiu neste estilo por algum tempo, de modo muito correto,
sem ouvir as respostas, mas muito alerta ao terror de uma dor de
garganta, e Emma se solidarizou com ele.
Contudo, por fim pareceu ocorrer uma guinada perversa;
pareceu, de repente, que ele temia a dor de garganta mais por conta
dela
do que de Harriet — que estava mais ansioso para que ela
escapasse da infecção do que para que não houvesse infecção
alguma. Começou, com muita franqueza, a insistir que ela evitasse
visitar o quarto da enferma por enquanto — a insistir que
prometesse a ele
não se pôr em tamanho perigo até que ele tivesse
falado com o sr. Perry e ouvido a opinião dele. E embora Emma
tentasse rir das preocupações e conduzir o assunto de volta ao rumo
apropriado, não havia fim à extrema solicitude dele. Ela se
aborreceu. A aparência — não havia como se enganar — era
exatamente a de alguém enamorado por ela, em vez de por Harriet;
uma inconstância, se verdadeira, das mais desprezíveis e
abomináveis! E ela teve dificuldade em controlar sua irritação. Ele
virou-se à sra. Weston para implorar sua assistência. Ela não o
apoiaria? Não acrescentaria sua voz à dele, para induzir a srta.
Woodhouse a não visitar a escola da sra. Goddard até estarem
seguros de que a doença da srta. Smith não era infecciosa? Ele não
ficaria satisfeito sem uma promessa — ela não lhe emprestaria sua
influência para extraí-la?
— Tão escrupulosa com os outros — continuou ele — e tão
descuidada consigo mesma! Ela queria que eu ficasse em casa hoje,
cuidando do meu resfriado, mas não promete evitar o perigo de uma
garganta ulcerada para si mesma! Isso é justo, sra. Weston? Julgue
por nós. Eu não tenho direito a protestar? Sei que terei seu gentil
apoio e auxílio.
Emma viu a surpresa da sra. Weston — e sentiu que deveria ser
grande — com um discurso que, em palavras e modos, outorgava a
ele o direito de tomar um interesse especial por ela; quanto à
própria Emma, estava irritada e ofendida demais para pensar em
qualquer resposta imediata. Só conseguiu lançar-lhe um olhar, mas
foi um olhar que ela pensou que restauraria o juízo dele — e então
deixou o sofá, sentando-se ao lado da irmã e dedicando a ela toda
sua atenção.
Ela não teve tempo para descobrir como o sr. Elton encarou a
reprimenda, tão rapidamente outro assunto surgiu, pois o sr. John
Knightley entrou na sala após examinar o tempo lá fora e relatou
que o chão estava coberto de neve, e que ela caía depressa, impelida
por um vento forte, concluindo com as seguintes palavras para o sr.
Woodhouse:
— Este se provará um começo emocionante de seus
compromissos invernais, senhor. É algo novo para o seu cocheiro e
cavalos, abrir caminho através de uma nevasca.
O pobre sr. Woodhouse ficou calado de consternação, mas todos
os outros tinham algo a dizer: todos estavam ou surpresos ou não
surpresos, e tinham perguntas a fazer ou conforto a oferecer. A sra.
Weston e Emma tentaram sinceramente apaziguá-lo e desviar sua
atenção do genro, que perseguia seu triunfo sem muita
consideração.
— Muito admirei sua resolução, senhor — disse ele —, de
aventurar-se num tempo desses, pois é claro que viu que logo
nevaria. Todos devem ter antecipado a neve. Eu admirei o seu
espírito, e ouso dizer que chegaremos muito bem em casa. Mais
uma ou duas horas de neve não vão deixar a estrada intransponível,
e há duas carruagens; se uma
empacar na parte erma das terras
comunitárias, haverá outra à mão. Arrisco dizer que estaremos
seguros em Hartfield antes da meia-noite.
O sr. Weston, com um triunfo de outro tipo, confessava que
sempre soube que nevaria em algum momento, mas não dissera
uma palavra para não deixar o sr. Woodhouse desconfortável e
oferecer um pretexto para a partida dele. Quanto ao fato de haver
alguma quantidade de neve caída ou que provavelmente cairia e
poderia impedir o retorno deles, era só uma brincadeira; ele receava
que não encontrariam nenhuma dificuldade. Desejava que a estrada
estivesse intransponível para que pudesse manter todos eles em
Randalls, e com a maior boa vontade garantiu que cada um poderia
ser acomodado e pediu à esposa que concordasse com ele — quanto
a poderem, com um pouco de engenhosidade, alojar todos —, o que
ela mal conseguiu fazer, consciente de que havia apenas dois
quartos livres na casa.
— O que fazer, minha querida Emma? O que fazer? — foi a
primeira exclamação do sr. Woodhouse, e tudo que conseguiu falar
por um tempo. Era para ela que se voltava em busca de conforto, e
as garantias que ela ofereceu de segurança, sua exposição da
excelência dos cavalos e de James e do fato de estarem cercados de
amigos, o reanimaram um pouco.
O alarme da filha mais velha era equiparável ao seu. O horror de
estar presa em Randalls enquanto os filhos estavam em Hartfield
desenrolava-se vivamente em sua imaginação, e, considerando que a
estrada agora seria percorrível para pessoas aventureiras, mas em
uma condição que não admitia atrasos, estava ansiosa para que
decidissem se o pai e Emma permaneceriam em Randalls enquanto
ela e o marido partiriam imediatamente, através de todos os
possíveis acúmulos de neve que poderiam impedi-los.
— É melhor chamar a carruagem imediatamente, meu amor —
disse ela. — Arrisco dizer que conseguiremos chegar, se partirmos
agora; e, se encontrarmos uma situação muito ruim, eu posso sair e
andar. Não tenho medo algum. Eu não me importaria em caminhar
metade do caminho. Posso trocar os sapatos, sabe, assim que chegar
em casa, e não é o tipo de coisa que me deixa resfriada.
— É mesmo? — respondeu ele. — Então, minha cara Isabella, é
a coisa mais extraordinária do mundo, pois em geral tudo lhe deixa
resfriada. Voltar a pé para casa! Está usando belos sapatos para
caminhar, ouso dizer. Já será ruim o bastante para os cavalos.
Isabella se virou para a sra. Weston em busca de aprovação do
plano. A sra. Weston só pôde aprovar. Isabella então consultou
Emma, mas Emma não podia abandonar inteiramente sua
esperança de que todos conseguiriam partir, e eles ainda estavam
discutindo a questão quando o sr. Knightley, que tinha deixado a
sala logo após o primeiro anúncio de neve feito pelo irmão, voltou e
disse a eles que saíra de casa para examinar e podia garantir que
não haveria a menor dificuldade em voltar para casa quando
quisessem, fosse naquele momento ou dali a uma hora. Ele tinha
ultrapassado o portão — avançado um pouco na estrada de
Highbury — e a neve não excedera um ou dois centímetros, em
muitos lugares mal sendo suficiente para embranquecer o chão.
Alguns flocos caíam no momento, mas as nuvens se dispersavam e
tudo indicava que logo pararia de nevar. Ele tinha falado com os
cocheiros e ambos concordaram que não havia nada a temer.
Para Isabella, o alívio desse anúncio foi grande, e não foi menos
bem-vindo a Emma, por conta do pai, que imediatamente se
tranquilizou o máximo que sua constituição nervosa permitia.
Entretanto, o alarme criado não poderia ser aliviado de modo a
permitir-lhe qualquer conforto enquanto continuasse em Randalls.
Estava convencido de que não havia perigo atual em voltar para
casa, mas nenhuma garantia o persuadia de que era seguro
permanecer e, enquanto os outros se alternavam entre argumentos
e sugestões, o sr. Knightley e Emma resolveram a questão em
algumas frases breves:
— Seu pai não ficará tranquilo, por que você não vai?
— Estou pronta, se os outros estiverem.
— Devo tocar o sino?
— Sim, por favor.
Então o sino foi tocado e as carruagens, solicitadas. Mais alguns
minutos e Emma esperava ver um companheiro inconveniente ser
deixado em sua própria casa, onde recuperaria a sobriedade e o
juízo, e o outro recobrar o bom humor e a felicidade com o final
daquela difícil visita.
As carruagens vieram, e o sr. Woodhouse, sempre o foco de
atenção nestas ocasiões, foi cuidadosamente acompanhado pelo sr.
Knightley e o sr. Weston, mas nada que eles dissessem podia evitar
uma renovação de seu alarme à vista da neve que tinha caído de
fato, e a descoberta de uma noite muito mais escura do que ele se
preparara para enfrentar. Receava que teriam uma péssima jornada.
Receava que a pobre Isabella não gostaria dela. E a pobre Emma
estaria na carruagem de trás. Ele não sabia o que era melhor fazer;
eles deveriam se manter juntos o máximo possível. James foi
consultado e recebeu ordens de seguir muito devagar e esperar a
outra carruagem.
Isabella entrou atrás do pai, e John Knightley, esquecendo que
não pertencia ao grupo, seguiu a esposa com muita naturalidade, de
modo que Emma descobriu, ao ser acompanhada até a segunda
carruagem e seguida para dentro pelo sr. Elton, que a porta seria
fechada atrás deles sem objeções e que fariam o trajeto tête-à-tête
.
Não teria sido nada além de um momento desconfortável e, antes
das suspeitas do dia, seria até um prazer; ela teria falado com ele
sobre Harriet, e a distância de pouco mais de um quilômetro teria
parecido metade disso. Agora, porém, ela preferiria que não tivesse
acontecido. Acreditava que ele tinha bebido demais do bom vinho
do sr. Weston, e tinha certeza de que iria querer falar disparates.
Para contê-lo o melhor possível com seus próprios modos, ela se
preparou imediatamente para falar com calma e gravidade
calculadas sobre o tempo e a noite, mas mal tinha começado — mal
tinham eles passado pelo portão e começado a seguir a outra
carruagem — quando ela viu seu assunto ser interrompido, sua mão
tomada e sua atenção exigida, e o sr. Elton declarando um amor
apaixonado por ela: valendo-se da preciosa oportunidade para
declarar sentimentos que já deveriam ser bem conhecidos,
esperando — temendo — adorando — pronto para morrer se ela o
recusasse, mas lisonjeando-se ao pensar que seu apego ardoroso,
seu amor inigualável e sua paixão sem paralelos não poderiam
deixar de exercer algum efeito e, em suma, muito determinado a ser
seriamente aceito assim que possível. Era mesmo verdade. Sem
escrúpulos — sem desculpas — sem qualquer reserva aparente, o sr.
Elton, apaixonado por Harriet, professava seu amor a ela.
Emma
tentou impedi-lo, mas foi em vão; ele estava determinado a
continuar e dizer tudo. Por mais furiosa que estivesse, o momento
da declaração a levou à decisão de conter-se quando respondesse.
Ela sentia que metade daquela sandice deveria ser por conta da
embriaguez e esperava que só pertencesse àquela hora. Assim, com
uma mistura de seriedade e jocosidade que esperava se adequar
melhor ao estado meio embriagado dele, ela respondeu:
— Estou estupefata, sr. Elton. Isso, a mim
! O senhor esquece o
seu lugar. Toma-me pela minha amiga. Ficarei muito feliz em
entregar qualquer mensagem à srta. Smith, mas não fale nada mais
do gênero para mim,
eu lhe peço.
— Srta. Smith! Uma mensagem à srta. Smith! O que ela pode
querer dizer com isso? — E ele repetiu as palavras dela com um
tom tão seguro e uma aparência de espanto tão soberba, que ela
logo foi obrigada a responder:
— Sr. Elton, essa conduta é muito extraordinária! E só posso
justificá-la de uma forma: o senhor não está no controle de si ou não
conseguiria falar nem comigo, ou sobre Harriet, dessa forma.
Recobre-se o suficiente para calar quanto ao assunto e farei o meu
melhor para esquecer.
Mas o sr. Elton só tinha bebido vinho suficiente para animar-se,
não para confundir seu intelecto. Sabia perfeitamente o que estava
dizendo e, após protestar contra a suspeita dela declarando-a muito
insultuosa, e mencionar brevemente seu respeito pela srta. Smith
como sua amiga, mas reconhecendo sua surpresa com o fato de esta
senhorita sequer ser mencionada naquela conversa, retomou o
assunto de sua própria paixão e estava muito ansioso por uma
resposta favorável.
À medida que atribuía menos daquilo à embriaguez, Emma
pensava mais na inconstância e na audácia dele e, com menos
esforços para manter a educação, respondeu:
— É impossível para mim continuar duvidando. O senhor se
exprimiu muito claramente. Sr. Elton, minha perplexidade está
além de qualquer coisa que eu possa expressar. Após presenciar seu
comportamento com a srta. Smith no último mês, as atenções que
eu tive o hábito diário de observar, dirigir-se a mim desta maneira…
é uma volubilidade de caráter, de fato, que eu não julgava possível!
Creia, senhor, estou muito, muito longe de sentir-me contente por
ser o objeto de tais declarações.
— Céus! — exclamou o sr. Elton. — O que está dizendo? A srta.
Smith! Eu nunca pensei na srta. Smith em toda a minha existência,
nunca dei qualquer atenção a ela exceto como sua amiga, e nunca
me importei se estava viva ou morta, exceto como sua amiga. Se ela
imaginou o contrário, seus próprios desejos a enganaram, e sinto
muito… profundamente… mas a srta. Smith, de fato! Ah, srta.
Woodhouse! Quem pode pensar na srta. Smith quando a senhorita
está por perto! Não, palavra de honra, não houve nenhuma
volubilidade de caráter. Sempre pensei apenas na senhorita.
Protesto contra a acusação de que dediquei qualquer atenção a
outra pessoa. Tudo que falei ou fiz, nas últimas semanas, tinha como
único objetivo indicar minha adoração à senhorita. Não pode
duvidar seriamente dela! Não — em um tom que pretendia ser
insinuante —, tenho certeza de que viu e me compreendeu.
Seria impossível dizer o que Emma sentiu ao ouvir isso — de
todas as sensações desagradáveis que já tivera, foi a maior. Ela
estava completamente atônita e não conseguiu dar uma resposta
imediata; e como dois momentos de silêncio foram amplo
encorajamento para o humor otimista do sr. Elton, ele tentou tomar
a mão dela de novo enquanto exclamava jubilosamente:
— Encantadora srta. Woodhouse, permita-me interpretar esse
silêncio significativo. Ele revela que a senhorita me compreendeu há
muito tempo.
— Não, senhor — exclamou Emma —, não revela nada do tipo!
Muito longe de tê-lo entendido há tempos, eu estive completamente
enganada a respeito de seus sentimentos até este momento. Quanto
a mim, sinto muito que o senhor tenha nutrido quaisquer
sentimentos; nada poderia estar mais distante dos meus desejos; o
seu apego a minha amiga Harriet, sua corte a ela, pois corte parecia
a mim, me deu o maior prazer, e venho muito sinceramente
desejando-lhe sucesso, mas se supusesse que não era ela o motivo
que o atraía a Hartfield, certamente teria pensado que era um
equívoco tornar suas visitas tão constantes. Eu devo acreditar que o
senhor nunca buscou se recomendar particularmente à srta. Smith?
Que nunca pensou seriamente sobre ela?
— Nunca, madame — exclamou ele, afrontado por sua vez. —
Nunca, eu lhe garanto! Eu
, pensar seriamente sobre a srta. Smith!
A srta. Smith é uma garota muito boa, e eu ficaria feliz de vê-la em
um casamento respeitável. Desejo-lhe muito bem e, sem dúvida, há
homens que não objetariam a… todos têm o seu nível, mas quanto a
mim, não estou, creio, desesperado a esse ponto. Não preciso
recorrer à srta. Smith por medo de não realizar uma aliança à
minha altura! Não, minhas visitas a Hartfield foram apenas pela
senhorita, e o incentivo que recebi…
— Incentivo! Eu, incentivar o senhor! Enganou-se inteiramente
se supôs que agi assim. Eu o via apenas como o admirador de minha
amiga. Em nenhuma outra luz poderia ser para mim mais do que
um conhecido. Sinto muitíssimo, mas é bom que o engano termine
aqui. Se o mesmo comportamento continuasse, a srta. Smith
poderia ter criado uma ideia incorreta de suas expectativas,
provavelmente não estando ciente, mais do que eu estava, da grande
desigualdade da qual o senhor fala. Mas, desta forma, a decepção é
apenas do senhor e, confio, não será duradora. Não tenho quaisquer
planos de me casar no momento.
Ela estava furiosa demais para falar outra palavra, e o modo
como se expressou foi decidido demais para convidar uma súplica;
e, neste estado de ressentimento crescente e mortificação mútua
profunda, eles tiveram de continuar juntos por mais alguns minutos,
temendo que o sr. Woodhouse os tivesse confinado ao ritmo de uma
caminhada. Se não houvesse tanta raiva, sentiriam um desconforto
extremo, mas emoções tão francas não deixaram espaço para os
pequenos zigue-zagues de embaraço. Sem saber quando a
carruagem virou na alameda da casa paroquial ou quando parou,
eles se encontraram, subitamente, na porta da casa dele, e o sr.
Elton saiu antes que trocassem outra sílaba. Emma sentiu então que
era indispensável desejar-lhe boa noite. O cumprimento foi
retribuído, fria e orgulhosamente, e, tomada por uma irritação
indescritível, ela foi então levada a Hartfield.
Lá foi recebida, com o maior prazer, pelo pai, que tremia ao
pensar nos perigos de uma jornada solitária saindo da alameda da
casa paroquial — virando uma esquina em que ele não suportava
pensar, e em mãos estranhas, um cocheiro comum qualquer, em vez
de James. Mas o retorno dela era aparentemente só o que faltava
para fazer tudo correr bem, pois o sr. John Knightley, agora
envergonhado de seu mau humor, era todo gentilezas e atenções, e
tão particularmente solícito em garantir o conforto do pai dela, que
— ainda que não disposto a acompanhá-lo em uma tigela de mingau
— admitiu estar ciente de ser um alimento muito benéfico, e o dia
se concluiu em paz e conforto para todos do pequeno grupo, exceto
ela mesma. Sua mente nunca experimentara tamanha perturbação,
e precisou esforçar-se muito para parecer atenciosa e alegre até que
a hora de separação usual permitiu-lhe o alívio de uma reflexão
solitária.
CAPÍTULO XVI

Os cachos foram enrolados, a criada foi dispensada e Emma


sentou-se para pensar e amargurar-se. Era uma conjuntura
deplorável, sem dúvida! A destruição de tudo que ela vinha
desejando! Um desenvolvimento completamente inoportuno! Um
golpe tão forte para Harriet! Essa era a pior parte. Todos os aspectos
envolviam dor e humilhação, de um tipo ou outro, mas, comparado
ao mal feito a Harriet, nada mais importava, e ela teria alegremente
se submetido a sentir-se ainda mais equivocada — ainda mais
enganada e mais desacreditada por um julgamento errôneo do que
já estava — se as consequências de seus erros pudessem afetar
apenas a si mesma.
Se eu não tivesse persuadido Harriet a gostar do homem, teria
suportado qualquer coisa. Eu aceitaria o dobro de suas
presunções comigo — mas pobre Harriet!
Como ela podia ter se enganado tanto? Ele afirmou que nunca
tinha pensado seriamente em Harriet — nunca! Ela examinou suas
memórias o melhor que pôde, mas tudo era confusão. Supôs que
tinha adotado a ideia e obrigado tudo a se curvar a ela. Os modos
dele, entretanto, deviam ter sido vagos, vacilantes ou dúbios, caso
contrário ela não teria se equivocado de tal forma.
O retrato! Como ele tinha se empolgado com o retrato! E a
charada! E uma centena de outras circunstâncias — quão
claramente todas pareciam apontar para Harriet. Era verdade que a
charada, com sua “mente sagaz”… por outro lado, os “olhos
suaves”… na verdade, não se adequava a nenhuma das duas, era
uma mixórdia destituída de bom gosto e veracidade. Quem teria
enxergado a verdade em meio a tantos disparates?
Decerto Emma tinha, em especial nos últimos tempos, pensado
muitas vezes que os modos dele para com ela eram
desnecessariamente galantes, mas tinha considerado que era apenas
o jeito dele, um mero erro de julgamento, de conhecimento, de
gosto, como uma prova entre outras de que o rapaz nem sempre
tinha vivido entre a melhor sociedade, de que, apesar de toda a
delicadeza de suas maneiras, ainda lhe faltava a verdadeira
elegância. Mas, até aquele dia, ela nunca — nem por um instante —
suspeitara que indicassem qualquer coisa exceto um grato respeito
por ela, como amiga de Harriet.
Ao sr. John Knightley ela devia a primeira vez que pensou no
assunto, a primeira suspeita da possibilidade. Não havia como negar
que os irmãos tinham discernimento. Ela lembrou-se do que o sr.
Knightley dissera a ela uma vez sobre o sr. Elton, o alerta que fizera,
a convicção professada de que o sr. Elton nunca realizaria um
casamento imprudente, e corou ao pensar em como ele
demonstrara uma compreensão maior do que a dela sobre o caráter
do outro. Era terrivelmente humilhante, mas o sr. Elton estava se
provando, de muitas formas, o exato oposto do que ela acreditara:
orgulhoso, presunçoso, arrogante, alguém que pensava muito em
seus próprios interesses e preocupava-se pouco com os sentimentos
dos outros.
Contrariamente ao andamento usual das coisas, as atenções do
sr. Elton o tinham feito afundar na opinião de Emma. Suas
declarações e propostas não o ajudaram em nada. Ela não levava a
sério o apego dele e sentia-se ultrajada pelas suas esperanças. Ele
queria fazer um casamento vantajoso e, tendo a arrogância de
erguer os olhos para ela, fingiu estar apaixonado; mas ela estava
perfeitamente confiante de que não sofreria nenhuma decepção que
precisasse afligi-la. Não houvera afeto real, nem em seus discursos
nem em seus modos. Houvera suspiros e belas palavras em
abundância, mas Emma mal conseguia imaginar um conjunto de
expressões ou um tom de voz menos associados ao amor verdadeiro.
Ela não precisava se dar ao trabalho de compadecer-se. O sr. Elton
queria apenas melhorar sua posição social e enriquecer; e se a srta.
Woodhouse de Hartfield, herdeira de trinta mil libras, não fosse tão
facilmente obtida quanto ele esperava, ele logo faria uma proposta a
uma srta. Qualquer, com vinte ou dez.
Mas que ele falasse de incentivo, que a considerasse ciente de
suas expectativas, tolerante a suas atenções, pretendendo (em
suma) casar-se com ele! Que se supusesse igual de Emma em
conexões ou intelecto! Que desprezasse a amiga dela, entendendo
tão bem as gradações de posição abaixo dele, e sendo tão cego às
mais elevadas, a ponto de considerar que não mostrava nenhuma
presunção ao dirigir-se a ela! Era uma afronta.
Talvez não fosse justo esperar que ele percebesse sua
inferioridade em relação a ela em talentos e nas sutilezas da mente.
Essa própria disparidade poderia impedir tal percepção, mas ele
devia saber que, em fortuna e posição, ela era muito superior. Devia
saber que os Woodhouse estavam estabelecidos em Hartfield havia
gerações, o ramo mais jovem de uma família muito antiga — e que
os Elton não eram ninguém. As terras de Hartfield certamente eram
insignificantes, sendo apenas uma espécie de anexo da propriedade
da Abadia de Donwell, à qual todo o resto de Highbury pertencia,
mas a fortuna deles, oriunda de outras fontes, era tal que mal os
tornava secundários à própria Abadia de Donwell, em todos os
outros critérios que importavam, e os Woodhouse havia muito
gozavam de uma alta estima na vizinhança na qual o sr. Elton tinha
entrado meros dois anos antes, para abrir caminho como pudesse,
sem alianças fora do comércio nem nada que o recomendasse
exceto sua situação e cortesia. Ainda assim, ele imaginava que
Emma estava apaixonada por ele; evidentemente, era o motivo de
sua confiança, e, após enfurecer-se um pouco com a aparente
incongruência entre modos gentis e uma mente presunçosa, Emma
foi obrigada, em nome da honestidade, a parar e admitir que seu
próprio comportamento em relação a ele tinha sido tão complacente
e obsequioso, tão cheio de cortesia e atenção, que poderia
(supondo-se que o motivo real dela não fosse reconhecido) levar um
homem de observação e sensibilidade comuns, como o sr. Elton, a
se imaginar um favorito com grandes chances. Se ela
tinha
interpretado erroneamente os sentimentos dele, tinha pouco direito
a surpreender-se com o fato de que ele
, com interesses próprios
para cegá-lo, se enganasse quanto aos dela.
O primeiro e o pior dos erros jazia à sua porta. Era uma tolice,
era um equívoco, assumir um papel tão ativo na união de duas
pessoas. Era ir longe demais, presumir em excesso, encarar
levianamente o que deveria ser levado a sério, transformar em um
truque o que deveria ocorrer com naturalidade. Emma estava
profundamente consternada e envergonhada, e decidiu não se
ocupar com tais projetos de novo.
Eis que eu
, pensou ela, convenci a pobre Harriet a se apegar
com intensidade a esse homem. Ela talvez nunca tivesse pensado
nele se não fosse por mim, e certamente nunca teria nutrido
esperanças se eu não lhe tivesse assegurado da afeição dele, pois é
tão modesta e
humilde quanto eu costumava pensar que ele era.
Ah! Se ao menos eu tivesse ficado satisfeita em persuadi-la a não
aceitar o jovem Martin. Nisso, eu estava muito certa. Nisso, agi
corretamente, mas devia ter parado por aí e deixado o resto nas
mãos do tempo e do acaso. Eu a apresentei a boas companhias e
lhe dei a oportunidade de agradar alguém que valeria a pena
aceitar, e não deveria ter tentado nada mais. Mas agora, pobre
garota, sua paz será arruinada por algum tempo. Eu fui apenas
meia amiga e, se ela
não sofresse uma grande decepção desta vez,
não faço ideia de outra pessoa que seria interessante para ela.
William Cox — mas, ah, não! Eu não suportaria William Cox,
aquele advogado atrevido.
Ela parou para corar e rir do próprio lapso, então retomou uma
contemplação mais séria e desanimadora sobre o que tinha ocorrido
e o que poderia e deveria ocorrer. A explicação angustiante que
teria de dar a Harriet, o modo como a pobre Harriet sofreria com o
desconforto de futuros encontros, as dificuldades de continuar ou
descontinuar a intimidade, de subjugar sentimentos, de ocultar o
ressentimento e de evitar despertar as suspeitas dos outros foram
suficientes para ocupar a mente dela em reflexões desanimadoras
por mais algum tempo, e ela deitou-se enfim sem resolver nada e
com a convicção de que cometera um erro terrível.
A uma juventude e uma alegria natural como as de Emma, ainda
que encobertas por uma escuridão temporária à noite, o retorno do
dia não deixará de devolver o ânimo. A juventude e alegria da
manhã estão em analogia feliz e em operação poderosa, e, se a
angústia não for pungente o bastante para manter os olhos abertos,
eles certamente se abrirão para sensações de dor suavizada e a
esperança de dias melhores.
Emma levantou-se pela manhã mais disposta a consolar-se do
que tinha ido dormir, mais propensa a ver à frente um alívio dos
problemas e a confiar que encontraria uma saída tolerável deles.
Foi um grande consolo que o sr. Elton não estivesse realmente
apaixonado por ela ou fosse gentil a ponto de ser doloroso
decepcioná-lo; que a natureza de Harriet não fosse daquele tipo
superior na qual os sentimentos são mais agudos e tenazes; e que
não houvesse necessidade de qualquer pessoa saber o que havia se
passado além dos três principais envolvidos, e especialmente que
não houvesse motivos para o pai dela se afligir por um momento
sequer com aquela história.
Esses eram pensamentos muito animadores, e encontrar uma
boa camada de neve sobre o chão ajudou ainda mais, pois tudo que
pudesse justificar a separação dos três no momento era muito bem-
vindo.
O clima era muito favorável a ela. Embora fosse Natal, ela não
podia ir à igreja. O sr. Woodhouse teria ficado desolado se a filha
tentasse sair, e portanto ela estava a salvo de inspirar ou ouvir
sentimentos desagradáveis e muito inapropriados. Com o chão
coberto de neve, e a atmosfera naquele estado instável entre a geada
e o degelo, de todas a mais adversa a exercícios, e com toda manhã
começando com chuva ou neve e toda noite terminando gélida, ela
passou diversos dias como uma prisioneira muito confortável.
Nenhuma comunicação com Harriet era possível exceto por
recados; não haveria visita à igreja para ela no domingo, nem no
Natal; e não havia necessidade alguma de encontrar desculpas para
a ausência do sr. Elton.
Era um tempo que teria confinado qualquer um ao próprio lar e,
embora ela esperasse e acreditasse que o pai desfrutaria a
companhia de um ou outro amigo, era muito agradável vê-lo tão
satisfeito em estar a sós na própria casa, sábio demais para sair, e
ouvi-lo dizer ao sr. Knightley, a quem tempo algum podia afastar
completamente deles:
— Ah! Sr. Knightley, não vai ficar em casa como o pobre sr.
Elton?
Aqueles dias de confinamento teriam sido — não fossem suas
perplexidades privadas — muito confortáveis, uma vez que o
isolamento se adequava perfeitamente ao cunhado dela, cujos
sentimentos eram sempre da maior importância aos seus
companheiros; ele tinha, ademais, abandonado tão completamente
o mau humor exibido em Randalls que sua amabilidade nunca mais
vacilou durante o resto da estadia em Hartfield. Era sempre gentil e
atencioso, e falava de modo agradável sobre todos. No entanto,
apesar de todas as esperanças de alegria e todo o conforto advindo
da protelação, ainda havia um mal pairando sobre ela na forma da
explicação a Harriet, que impossibilitava a Emma sentir-se
perfeitamente à vontade.
CAPÍTULO XVII

O sr. e a sra. Knightley não foram detidos por muito tempo em


Hartfield. O tempo logo melhorou o suficiente para aqueles que
precisavam se deslocar, e ainda que o sr. Woodhouse, como era
hábito, tentasse persuadir a primogênita a ficar para trás com todos
os filhos, foi obrigado a ver o grupo todo partir e retornou a seus
lamentos sobre o destino da pobre Isabella — a qual, passando a
vida entre aqueles que adorava, vendo apenas os seus méritos, cega
às suas falhas e sempre diligentemente ocupada, poderia ter sido um
modelo de felicidade feminina.
A noite do dia em que partiram trouxe um recado do sr. Elton ao
sr. Woodhouse, uma nota longa, polida e cerimoniosa, para
informar, com os melhores votos, que ele pretendia deixar Highbury
na manhã seguinte rumo a Bath, onde, em conformidade com as
súplicas prementes de alguns amigos, tinha se comprometido a
passar algumas semanas. Ele arrependia-se amargamente da
impossibilidade, devido a circunstâncias diversas de tempo e
negócios, de se despedir pessoalmente do sr. Woodhouse, de cujas
civilidades amistosas ele guardaria lembranças gratas — e, se o sr.
Woodhouse tivesse quaisquer solicitações, ficaria feliz em cumpri-
las.
Emma ficou agradavelmente surpresa. A ausência do sr. Elton no
momento era a melhor coisa que poderia acontecer. Ela o admirou
pela providência, embora não pudesse dar-lhe muito crédito pela
maneira como a anunciou. Seu ressentimento não podia ter sido
expresso de maneira mais clara do que naquelas cortesias com o
pai, das quais Emma foi evidentemente excluída. Ela não recebeu
qualquer parte dos cumprimentos iniciais dele. Seu nome nem
sequer foi mencionado, e havia uma mudança tão evidente nesse
tratamento, e uma solenidade tão desnecessária naqueles
agradecimentos, que ela pensou, a princípio, que o fato não deixaria
de inspirar suspeitas ao pai.
Mas não inspirou. O sr. Woodhouse estava preocupado demais
com a surpresa de uma viagem tão repentina e seus receios de que o
sr. Elton jamais chegasse a salvo ao fim dela, de modo que não viu
nada extraordinário em sua linguagem. Também foi uma carta
muito útil, pois forneceu um novo tópico para contemplação e
conversas durante o resto da noite solitária dos dois. O sr.
Woodhouse discorreu sobre seus temores, e Emma animadamente
os combateu com argumentos, com toda a sua prontidão usual.
E também decidiu tirar Harriet da ignorância. Tinha motivos
para acreditar que a amiga estava quase recuperada do resfriado, e
seria desejável que tivesse o maior tempo possível para sarar de sua
outra enfermidade antes do retorno do cavalheiro. Com isso em
mente, ela foi à escola da sra. Goddard no dia seguinte para
submeter-se à penitência necessária da revelação — que seria muito
severa. Ela destruiria todas as esperanças que tinha nutrido de
forma diligente; apareceria na posição deselegante daquela que
tinha sido preferida; e reconheceria seu julgamento como
severamente equivocado em todas as suas noções, todas as suas
observações, todas as suas convicções e todas as suas profecias das
seis semanas anteriores.
A confissão renovou completamente sua vergonha inicial — e a
visão de Harriet em lágrimas a fez recear que nunca faria as pazes
consigo mesma.
Harriet lidou muito bem com a notícia, sem culpar ninguém, e
em todos os aspectos demonstrou tamanha humildade de caráter e
uma opinião tão baixa de si mesma que, naquele momento, não
podia ter causado uma impressão melhor na amiga.
O estado de espírito de Emma a inclinava a valorizar a
simplicidade e a modéstia ao máximo; e tudo que era amável, tudo
que deveria inspirar afeição, parecia estar do lado de Harriet e não
do seu. Harriet considerava que não tinha qualquer motivo para
reclamar. O afeto de um homem como o sr. Elton teria sido uma
distinção grande demais. Ela nunca poderia tê-lo merecido — e
ninguém exceto uma amiga tão parcial e gentil como a srta.
Woodhouse imaginaria que tal coisa fosse possível.
Verteu lágrimas abundantes, mas sua dor era tão genuína que
nenhuma dignidade a teria tornado mais respeitável aos olhos de
Emma — que ouviu e tentou consolá-la com todo seu coração e
intelecto, sinceramente convencida, naquele momento, de que
Harriet era a criatura superior entre as duas, e que se assemelhar a
ela seria mais útil ao próprio bem-estar e felicidade do que qualquer
talento ou inteligência.
Era um pouco tarde demais para começar a ser simplória e
ignorante, mas ela separou-se da amiga decidida a se ater a suas
resoluções prévias de ser humilde e discreta e reprimir a
imaginação pelo resto da vida. Seu segundo dever agora, inferior
apenas às necessidades do pai, era promover o conforto de Harriet e
esforçar-se para demonstrar seu afeto por algum método melhor do
que lhe encontrar um marido. Ela a levou a Hartfield e a tratou com
gentileza inabalável, esforçando-se para mantê-la ocupada e
entretida e, por meio de livros e conversas, afastar o sr. Elton dos
pensamentos dela.
O tempo, Emma sabia, seria necessário para que isso se
realizasse por completo; e ainda que não se considerasse apta a
julgar bem tais questões em geral, e muito inadequada para
simpatizar com um apego ao sr. Elton em particular, parecia
razoável que, na idade de Harriet, e com uma anulação completa de
todas as esperanças, poderia ocorrer um progresso rumo a um
estado de serenidade até o retorno do sr. Elton, permitindo a todos
eles se encontrarem novamente na rotina comum da sociedade, sem
qualquer perigo de trair ou aumentar sentimentos.
Harriet o via como a perfeição em pessoa, e insistia que homem
algum era o seu igual em figura ou bondade — na verdade, provou-
se mais resolutamente apaixonada do que Emma previra. No
entanto, parecia a ela tão natural e inevitável que se resistisse
contra uma inclinação do tipo não correspondido
, que não
conseguia imaginar que aquele sentimento continuaria por muito
tempo com a mesma intensidade.
Se o sr. Elton, ao voltar, tornasse a própria indiferença tão
evidente e indubitável quanto ela não duvidava que ele
ansiosamente faria, Emma não considerava que Harriet persistiria
em depositar sua felicidade nele ou nas recordações que o
envolviam.
O fato de estarem fixados, absolutamente fixados, no mesmo
lugar era ruim para os três. Nenhum tinha o poder de se retirar dali
ou de realizar qualquer mudança significativa de companhia.
Estavam fadados a encontrarem-se, e deveriam fazer o melhor
possível com as circunstâncias.
Harriet era ainda mais desafortunada no tom de suas
companheiras de escola, uma vez que o sr. Elton era adorado por
todas as professoras e muitas das alunas, e só em Hartfield ela teria
a chance de ouvi-lo ser mencionado com moderação racional ou
verdades repelentes. Se havia uma cura a ser encontrada, seria onde
o ferimento fora desferido — e Emma sentiu que, até vê-la a
caminho da cura, não encontraria paz verdadeira para si.
CAPÍTULO XVIII

O sr. Frank Churchill não veio. Quando o dia combinado estava


próximo, os receios da sra. Weston foram confirmados pela chegada
de uma carta de desculpas. No momento, ele não podia ser
dispensado, para a sua “enorme mortificação e tristeza, mas ainda
tinha esperanças de visitar Randalls em uma data não muito
distante”.
A sra. Weston ficou profundamente decepcionada — muito mais,
na verdade, que o marido, embora sua expectativa de ver o jovem
tivesse sido muito mais sóbria. Mas um temperamento otimista,
ainda que espere mais benesses do que ocorrem de fato, nem
sempre retribui as esperanças com uma depressão proporcional.
Logo supera o fracasso da vez e volta a ter esperanças. Por meia
hora, o sr. Weston ficou surpreso e pesaroso, mas então começou a
perceber que a vinda de Frank dois ou três meses mais tarde seria
muito melhor — a época do ano seria melhor, o tempo estaria
melhor, e ele poderia, sem a menor dúvida, ficar consideravelmente
mais tempo com eles do que se tivesse vindo antes.
Esses sentimentos rapidamente restauraram o seu conforto,
enquanto a sra. Weston, que tinha uma disposição mais apreensiva,
não previa nada além de uma repetição de desculpas e atrasos, e,
além de toda sua preocupação com os sofrimentos que aguardavam
o marido, sofreu muito mais ela mesma.
O estado de espírito de Emma, nessa época, não lhe permitiu se
importar com a visita cancelada do sr. Frank Churchill, exceto para
lamentar a decepção sofrida em Randalls. Conhecê-lo, no momento,
não lhe oferecia nenhum atrativo. Em vez disso, queria ficar
tranquila e longe de tentações; ainda assim, como era desejável que
aparentasse, em geral, seu humor costumeiro, tomou o cuidado de
demonstrar tanto interesse pelo caso e compadecer-se tão
calorosamente da decepção do sr. e da sra. Weston quanto seria
natural dada a amizade deles.
Ela foi a primeira pessoa a anunciar a notícia ao sr. Knightley, e
protestou tanto quanto era necessário (ou, uma vez que
interpretava um papel, talvez um pouco mais) contra a conduta dos
Churchill ao manter o filho longe do pai. Em seguida, passou a falar
muito mais do que sentia vontade sobre a vantagem de um tal
acréscimo à sociedade limitada que eles tinham em Surry; sobre o
prazer de olhar para alguém novo; a celebração que a chegada dele
ocasionaria em toda Highbury; e, concluindo com reflexões sobre os
Churchill novamente, encontrou-se diretamente envolvida em uma
discussão com o sr. Knightley — na qual, para o seu grande
divertimento, percebeu que estava defendendo o lado oposto de sua
opinião real e fazendo uso dos argumentos da sra. Weston contra si
mesma.
— Os Churchill têm uma boa parcela de culpa — disse o sr.
Knightley friamente —, mas ouso dizer que ele poderia vir, se
quisesse.
— Não sei por que diria isso. Ele deseja muitíssimo vir, mas o tio
e a tia se recusam a dispensá-lo.
— Não posso crer que ele não tenha o poder de vir, se fizesse
questão. É duvidoso demais para que eu acredite sem provas.
— Como você é estranho! O que o sr. Frank Churchill fez para
que o suponha uma criatura tão desnaturada?
— Não suponho de forma alguma que ele seja uma criatura
desnaturada ao suspeitar que possa ter descoberto estar acima de
suas conexões e importar-se muito pouco com qualquer coisa
exceto os próprios prazeres, após viver entre aqueles que sempre
lhe deram esse exemplo. É muito natural, muito mais do que
desejaríamos, que um jovem criado por pessoas orgulhosas,
autoindulgentes e egoístas seja também orgulhoso, autoindulgente e
egoísta. Se Frank Churchill quisesse visitar o pai, poderia ter
encontrado um modo entre setembro e janeiro. Um homem da
idade dele… quantos anos tem, vinte e três ou vinte e quatro?…
não pode não ter os meios de fazer ao menos isso. É impossível.
— É fácil falar, e fácil sentir, para você, que sempre foi mestre de
si. Você é o pior juiz do mundo, sr. Knightley, das dificuldades de ser
dependente. Não sabe como é ter de conciliar temperamentos
difíceis.
— É inconcebível que um jovem de vinte e três ou vinte e quatro
anos não tenha liberdade de mente ou corpo a esse ponto. Não pode
lhe faltar dinheiro; não pode lhe faltar lazer. Sabemos, pelo
contrário, que ele tem tanto de ambos que fica feliz em desperdiçá-
los nos locais mais frívolos do reino. Ouvimos sempre falar que
esteve em um ou outro balneário. Pouco tempo atrás, ele estava em
Weymouth. Isso prova que pode deixar os Churchill.
— Sim, às vezes.
— E essas vezes são sempre as que ele pensa valerem a pena,
sempre que há qualquer tentação de prazeres.
— É muito injusto julgar a conduta de qualquer pessoa sem um
conhecimento íntimo de sua situação. Ninguém que nunca esteve
no seio de uma família pode saber as dificuldades de qualquer
membro daquela família. Teríamos de estar familiarizados com
Enscombe, e com o temperamento da sra. Churchill, antes de
querer determinar o que o sobrinho pode fazer. Talvez ele possa
fazer muito mais em certas ocasiões do que em outras.
— Há uma coisa, Emma, que um homem sempre pode escolher
fazer: o seu dever. Não por meio de manobras e estratagemas, mas
com vigor e resolução. É o dever de Frank Churchill oferecer seus
cumprimentos ao pai. Ele sabe disso, julgando por suas promessas e
mensagens, mas, se desejasse, já poderia ter agido. Um homem que
sentisse estar fazendo a coisa certa diria de uma vez, simples e
resolutamente, à sra. Churchill: “A senhora me encontrará sempre
pronto a sacrificar meros prazeres em prol da sua conveniência,
mas devo visitar meu pai imediatamente. Sei que ele ficaria
chateado se eu deixasse de demonstrar-lhe esse respeito na ocasião
presente. Portanto, partirei amanhã”. Se falasse assim com ela,
imediatamente, no tom decisivo apropriado a um homem, não
haveria oposição à sua partida.
— Não — disse Emma, rindo —, mas talvez houvesse alguma ao
seu retorno. Que termos para um homem tão dependente usar!
Ninguém exceto você, sr. Knightley, imaginaria tal coisa. Mas você
não faz ideia do que é necessário em situações completamente
opostas às suas próprias. Imagine só, o sr. Frank Churchill fazer um
discurso desses ao tio e à tia que o criaram e que o sustentam!
Parando no meio da sala, suponho, e falando o mais alto possível!
Como pode imaginar que essa conduta seria praticável?
— Confie em mim, Emma, um homem sensato não encontraria
dificuldades. Ele se sentiria no direito, e a declaração (feita, é claro,
como um homem sensato a faria, do modo apropriado) faria muito
bem a ele, elevando seu patamar e consolidando seus interesses
mais fortemente com as pessoas de quem ele depende do que toda
uma série de evasões e expedientes seria capaz. O respeito se
somaria à afeição. Eles sentiriam que podem confiar nele, que o
sobrinho que agiu corretamente em relação ao pai agiria
corretamente com eles; pois sabem, tão bem quanto ele sabe, tão
bem quanto o mundo deve saber, que ele tem a obrigação de prestar
essa visita ao pai, e por mais que mesquinhamente exerçam seu
poder para adiá-la, no fundo não estão o respeitando mais por
submeter-se aos seus caprichos. O respeito pela conduta correta é
sentido por todos. Se ele agisse dessa maneira, guiado por
princípios, de modo consistente e regular, a mente pequena deles se
curvaria à sua vontade.
— Duvido seriamente disso. Você gosta de curvar mentes
pequenas, mas, quando mentes pequenas pertencem a pessoas ricas
em posições autoritárias, creio que são propensas a inchar-se até se
tornarem tão intratáveis quanto as grandes. Posso imaginar que, se
você, como é, sr. Knightley, fosse transportado e colocado
imediatamente no lugar do sr. Frank Churchill, diria e faria
exatamente como recomenda a ele, e isso surtiria um ótimo efeito.
Os Churchill talvez não dissessem uma palavra em resposta, mas, é
claro, você não tem de romper com hábitos de obediência precoce e
longa submissão. Para ele, que os possui, pode não ser tão fácil
rebentar de imediato na perfeita independência e desconsiderar
todos os direitos deles à sua gratidão e consideração. Ele pode ter
uma noção do que é correto tão forte quanto a sua, sem ter meios
de agir sob circunstâncias particulares para remediar a situação.
— Então não seria uma noção tão forte. Se deixasse de produzir
um esforço equivalente, não seria uma convicção equivalente.
— Ah, a diferença de situações e hábitos! Queria que tentasse
entender como um homem amável poderia se sentir ao opor-se
diretamente àqueles que, como criança e garoto, ele sempre
respeitou.
— O seu jovem amável é muito fraco se essa for a primeira
ocasião em que precisa defender uma resolução para fazer a coisa
certa contra a vontade dos outros. Deveria ser um hábito, a essa
altura, cumprir o seu dever em vez de apoiar-se na conveniência.
Posso relevar os medos de um garoto, mas não de um homem.
Quando se tornou racional, ele deveria ter despertado e se libertado
de tudo que era indigno na autoridade deles. Deveria ter se oposto à
primeira tentativa deles de fazê-lo insultar o pai. Se tivesse
começado como deveria, não haveria dificuldades agora.
— Nunca concordaremos sobre ele — exclamou Emma —, mas
isso não é nada extraordinário. Não acho de modo algum que ele
seja um jovem fraco, sinto que certamente não é. O sr. Weston não
estaria cego à tolice, mesmo no próprio filho, mas é provável que o
rapaz tenha um temperamento mais dócil, obediente e doce do que
atenderia às suas noções da perfeição de um homem. Ouso dizer
que tem e, embora isso lhe possa privar de certas vantagens,
assegurará muitas outras.
— Sim, todas as vantagens de ficar sentado quando deveria se
mover, levando uma vida de meros prazeres ociosos e imaginando-
se extremamente hábil em encontrar justificativas para ela. Ele
pode se sentar e escrever uma bela carta floreada, cheia de
declarações e falsidades, e persuadir-se de que encontrou o melhor
método do mundo para preservar a paz em casa e impedir que o pai
tenha qualquer direito de reclamar. As cartas dele não me agradam.
— Seus sentimentos são únicos. Elas parecem satisfazer a todos
os outros.
— Suspeito que não satisfaçam à sra. Weston. Dificilmente
poderiam satisfazer uma mulher do bom senso e da sensibilidade
dela, que ocupa o lugar de uma mãe, mas não tem a afeição de uma
mãe para cegá-la. É por conta dela que a cortesia de uma visita a
Randalls é duplamente devida, e ela deve sentir a omissão. Se fosse
uma pessoa de importância, arrisco dizer que ele teria vindo,
podendo ou não. Você imagina que sua amiga ainda não fez esse
tipo de consideração? Supõe que ela não diz tudo isso a si mesma
com frequência? Não, Emma, o seu amável jovem só é capaz de ser
amável em francês, não em inglês. Ele pode ser aimable
16
, ter
ótimos modos e ser muito cortês, mas não tem a delicadeza inglesa
em relação aos sentimentos dos outros. Não há nada
verdadeiramente amável nele.
— O senhor parece determinado a pensar mal dele.
— Eu? De forma alguma — respondeu o sr. Knightley, um tanto
aborrecido. — Não quero pensar mal dele. Estaria igualmente
disposto a reconhecer os méritos dele quanto os de qualquer outro
homem, mas nunca ouvi falar de nenhum, exceto quanto a
qualidades meramente pessoais: que ele se tornou um jovem bem-
apessoado, com modos agradáveis e obsequiosos.
— Bem, mesmo que não tenha mais nada a recomendá-lo, será
um tesouro em Highbury. Nós não contemplamos jovens belos,
refinados e agradáveis. Não devemos ser exigentes demais e esperar
todas as virtudes na barganha. Não consegue imaginar, sr. Knightley,
a sensação
que a vinda dele vai provocar? Haverá apenas um
assunto nas paróquias de Donwell e Highbury, apenas um interesse,
um objeto de curiosidade, e será o sr. Frank Churchill. Não
pensaremos ou falaremos sobre mais ninguém.
— Perdoe-me se não fico arrebatado. Se eu o achar digno para
conversar, ficarei feliz em conhecê-lo melhor, mas se ele for apenas
um janota tagarela, não vai ocupar meu tempo ou pensamentos em
demasia.
— Tenho a impressão de que ele sabe adaptar a conversa ao
gosto de todos e tem a capacidade, além do desejo, de ser
universalmente agradável. Com você, ele falará sobre agricultura;
comigo, sobre música; e assim por diante, com todos, tendo
conhecimentos gerais sobre todos os assuntos que lhe permitirão
seguir ou conduzir uma conversa conforme exige a etiqueta, assim
como falar extremamente bem sobre cada assunto. Essa é a imagem
que tenho dele.
— E a minha — disse o sr. Knightley enfaticamente — é que, se
ele se aproximar mesmo um pouco disso, será o sujeito mais
intolerável que já viveu! Quê? Aos vinte e três, ser o rei entre seus
companheiros, o grande homem, o político experiente, capaz de ler
o caráter de todos e fazer os talentos de todos proporcionarem uma
exibição da sua própria superioridade, dispensando as bajulações de
modo que todos pareçamos tolos comparados com ele! Minha cara
Emma, seu bom senso não suportaria tamanho cabeça de vento, se
chegasse a esse ponto.
— Não direi mais nada sobre ele — declarou Emma —, pois você
vê maldade em tudo. Somos ambos parciais, você contra ele e eu a
seu favor, e não há chance de concordarmos até ele de fato chegar.
— Parciais! Eu não sou parcial.
— Mas eu sou, muito, e não me envergonho de forma alguma.
Meu amor pelo sr. e a sra. Weston me deixa decididamente
predisposta em favor dele.
— Ele é uma pessoa sobre quem nunca penso entre um mês e
outro — disse o sr. Knightley, com certo grau de irritação que fez
Emma mudar de assunto de imediato, embora não pudesse
compreender por que ele estaria zangado.
Antipatizar com um jovem só porque ele parecia ter um caráter
diferente do dele era indigno da postura verdadeiramente generosa
que ela estava acostumada a reconhecer no sr. Knightley; pois,
apesar de sua alta opinião de si mesmo — de que ela
frequentemente o acusava —, Emma nunca supôs por um momento
que pudesse ser injusto quanto aos méritos de outra pessoa.

16
.  O termo aimable
, em francês, com o sentido de gentil, encantador ou
charmoso, é contrastado com a palavra amiable
em inglês, que, além de se
referir a um comportamento agradável, também trazia o sentido histórico de
gentileza e benevolência.
CAPÍTULO I

Emma e Harriet caminhavam juntas uma manhã e, na opinião


de Emma, já tinham discutido o sr. Elton o suficiente por um dia.
Ela não podia imaginar que o consolo de Harriet ou seus próprios
pecados exigissem mais discussão, de forma que estava
diligentemente mudando de assunto enquanto elas retornavam. No
entanto, ele surgiu mais uma vez quando ela achava que tinha
conseguido e, após falar por algum tempo sobre como os pobres
sofreriam no inverno e não receber outra resposta além de um
queixoso “O sr. Elton é tão bom aos pobres!”, Emma percebeu que
algo deveria ser feito.
Neste instante, estavam se aproximando da casa onde moravam
a sra. e a srta. Bates. Emma decidiu visitá-las e procurar a segurança
em números. Havia sempre motivos suficientes para fazer uma
cortesia como essa; a sra. e a srta. Bates adoravam receber visitas, e
ela sabia que era considerada, pelos poucos que jamais presumiam
encontrar imperfeições nela, um tanto negligente neste quesito, não
contribuindo o tanto que devia ao parco repertório de confortos das
duas.
Ela recebera muitas indiretas do sr. Knightley, e algumas do
próprio coração, quanto a essa carência — mas nenhuma era
suficiente para contrapor-se ao fato de que era muito desagradável,
uma perda de tempo; aquelas mulheres eram enfadonhas e havia
todo o horror de correr o risco de se associar com a segunda e a
terceira classes de Highbury, que estavam sempre visitando as duas.
Portanto, raramente se aproximava. Mas naquele momento tomou a
decisão súbita de não passar pela porta sem entrar — observando,
como propôs a Harriet, que, na medida em que podia calcular,
naquele dia elas estariam a salvo de qualquer carta de Jane Fairfax.
A casa pertencia a pessoas do comércio. A sra. e a srta. Bates
ocupavam o andar da sala de visitas; e ali, no apartamento de
dimensões muito modestas que era tudo que tinham, as visitantes
foram recebidas com muita cordialidade e até gratidão. A senhora
idosa, quieta e arrumada, que se sentava com seu tricô no canto
mais aquecido, até quis ceder seu lugar à srta. Woodhouse, e sua
filha, mais ativa e tagarela, estava pronta para arrebatá-las com
cuidados e gentilezas, agradecimentos pela visita, atenções com os
sapatos, perguntas ansiosas sobre a saúde do sr. Woodhouse, relatos
alegres sobre a da mãe dela e bolos do aparador. A sra. Cole tinha
acabado de sair dali; passara apenas por dez minutos e tivera a
gentileza de ficar uma hora com elas, e ela
tinha levado uma fatia de
bolo e dito muito gentilmente que gostou muito dele, e portanto ela
esperava que a srta. Woodhouse e a srta. Smith fizessem o favor de
comer uma fatia também.
A menção aos Cole sem dúvida seria seguida por uma ao sr.
Elton. Eles eram íntimos, e o sr. Cole tinha recebido notícias desde
que o sr. Elton partira. Emma sabia o que estava por vir; elas seriam
obrigadas a discutir a carta de novo e determinar por quanto tempo
ele já estava ausente, e quantos compromissos sociais teria, e como
ele devia ser um favorito aonde quer que fosse, e como o baile do
mestre de cerimônias
17
estivera cheio, e ela suportou tudo isso
muito bem, demonstrando todo o interesse e louvores que
pudessem ser necessários, e sempre intervindo para evitar que
Harriet fosse obrigada a falar uma palavra sequer.
Ela estava preparada para tanto quando entrou na casa, mas
pretendia, uma vez que ele fosse discutido às minúcias, não ser mais
incomodada por qualquer assunto inconveniente, de modo que
poderiam vagar com liberdade entre todas as senhoras e senhoritas
de Highbury e seus grupos de carteado. Não estava preparada para
que Jane Fairfax se seguisse ao sr. Elton, mas sua saída chegou a ser
apressada pela srta. Bates, que saltou dele abruptamente e passou
aos Cole, a fim de introduzir uma carta da sobrinha.
— Ah, sim! O sr. Elton, pelo que entendo… certamente, quanto
às danças… a sra. Cole estava me contando que as danças nos
salões de Bath são… A sra. Cole foi muito gentil de passar um
tempo conosco, falando sobre Jane; assim que entrou, começou
perguntando sobre ela, pois Jane é uma grande favorita lá. Sempre
que está conosco, a sra. Cole não sabe impor limites à sua gentileza,
e devo dizer que Jane a merece mais do que qualquer um. E então
começou a perguntar diretamente sobre ela, dizendo: “Sei que a
senhorita não deve ter ouvido de Jane recentemente, porque não é
o dia em que ela escreve”, e quando eu logo respondi: “Não, na
verdade, recebemos uma carta esta manhã”, não sei se já vi alguém
mais surpreso. “Uma carta, que coisa!”, disse ela. “Bem, isso é
muito inesperado. Deixe-me ouvir o que ela disse.”
A educação de Emma estava a postos e ela respondeu, com um
sorriso interessado:
— A senhorita teve notícias da srta. Fairfax tão recentemente?
Fico muito feliz. Espero que ela esteja bem.
— Obrigada, a senhorita é tão gentil! — respondeu a tia,
alegremente enganada, enquanto remexia com entusiasmo em
busca da carta. — Ah, cá está. Eu tinha certeza de que não podia
estar longe, mas apoiei meu estojinho de costura nela, entende, sem
perceber, então estava bem escondida, mas a tive em mãos tão
recentemente que tinha quase certeza de que estaria na mesa. Eu a
estava lendo para a sra. Cole e, desde que ela saiu, a li novamente
para minha mãe, pois é um prazer tão grande para ela, uma carta de
Jane, e nunca se cansa de ouvi-las, então eu sabia que não podia
estar muito longe, e cá está, logo abaixo do meu estojo, e como a
senhorita tem a gentileza de desejar ouvir o que ela diz… Mas,
primeiro, realmente preciso, em defesa de Jane, desculpar-me pela
brevidade da carta; só duas páginas, entende, ela mal completou
duas páginas, mas em geral preenche a folha inteira e cruza metade.
18
Minha mãe sempre se surpreende por eu conseguir entendê-las

tão bem. Ela sempre diz, quando a carta é aberta pela primeira vez:
“Ora, Hetty, acho que agora você vai ter trabalho para desvendar
todo esse riscado”. Não é, mãe? E então eu respondo que tenho
certeza de que ela conseguiria ler sozinha, se não tivesse ninguém
para ler cada palavra para ela; tenho certeza de que se debruçaria
sobre a carta até compreender cada uma delas. E de fato, embora os
olhos da minha mãe não estejam tão bons quanto já foram, ela
ainda consegue enxergar incrivelmente bem, graças a Deus!, com a
ajuda de óculos. É uma bênção tão grande! Os olhos da minha mãe
são muito bons, de fato. Jane sempre diz, quando está aqui: “Tenho
certeza, vovó, de que deve ter tido olhos muito fortes para enxergar
desse jeito, e depois de fazer tantos bordados também! Só posso
esperar que meus olhos resistam tão bem”.
Tudo isso, falado extremamente depressa, obrigou a srta. Bates a
parar para tomar um fôlego, e Emma comentou algo muito educado
sobre a excelência da caligrafia da srta. Fairfax.
— A senhorita é muitíssimo gentil — respondeu a srta. Bates,
com profunda satisfação —, a senhorita, que é tão escrupulosa e que
escreve de maneira tão bonita também. Tenho certeza de que os
elogios de mais ninguém poderiam nos dar tanto prazer quanto os
da srta. Woodhouse. Minha mãe não escuta bem, está um pouco
surda, sabe. Mãe — dirigindo-se a ela —, a senhora escutou o
comentário gentil que a srta. Woodhouse fez sobre a caligrafia de
Jane?
E Emma teve a chance de ouvir seu próprio elogio tolo repetido
mais duas vezes antes que a idosa conseguisse entendê-lo. No meio-
tempo, ela ponderava a possibilidade de, sem parecer muito rude,
escapar da carta de Jane Fairfax, e estava quase decidida a se retirar
imediatamente sob alguma desculpa improvisada quando a srta.
Bates se virou novamente para ela e capturou sua atenção.
— A surdez da minha mãe é muito leve, entende, não atrapalha
quase nada. Só de erguer a voz e falar alguma coisa duas ou três
vezes, ela já consegue me ouvir, mas, é claro, está acostumada com
a minha voz. Mas é sempre impressionante como ela ouve Jane
melhor do que eu. Jane fala de um jeito tão distinto! Mas ela não vai
encontrar vovó mais surda do que dois anos atrás, o que não é
pouca coisa na idade da minha mãe, e, de fato, já se passaram dois
anos, sabe, desde que ela esteve aqui. Nunca passamos tanto tempo
sem vê-la e, como eu comentei com a sra. Cole, mal saberemos
como aproveitar sua presença o bastante agora.
— Estão esperando a srta. Fairfax em breve?
— Ah, sim, semana que vem.
— É mesmo? Deve ser um enorme prazer.
— Obrigada, a senhorita é muito gentil. Sim, semana que vem.
Todos ficaram tão surpresos, e todos dizem as mesmas coisas
amáveis. Tenho certeza de que ela ficará tão contente de ver seus
amigos em Highbury quanto eles ficarão de vê-la. Sim, sexta ou
sábado; ela não pôde confirmar qual porque o coronel Campbell vai
querer a carruagem para si em um dos dois dias. Foi tão gentil da
parte deles providenciar transporte para o trajeto todo! Mas eles são
sempre assim, sabe. Sim, sim, na próxima sexta ou sábado. Foi isso
que ela escreveu. É o motivo de ela ter escrito fora de época, como
dizemos, pois, no curso comum das coisas, não teríamos recebido
notícias dela antes da próxima terça ou quarta-feira.
— Sim, imaginei. Receava que haveria poucas chances de ouvir
qualquer novidade da srta. Fairfax hoje.
— A senhorita é tão amável! Não, não teríamos ouvido nada, se
não fosse pela circunstância particular desta visita iminente. Minha
mãe está encantada! Pois ela deve ficar conosco por três meses, pelo
menos. Três meses, ela diz, definitivamente, como terei o prazer de
ler para a senhorita. A questão é que, entende, os Campbell vão
para a Irlanda. A sra. Dixon persuadiu o pai e a mãe a visitá-la
imediatamente. Eles não pretendiam viajar antes do verão, mas ela
está muito impaciente para vê-los de novo, pois, até se casar,
outubro passado, nunca ficou longe deles por mais de uma semana,
de modo que deve ser muito estranho estar em… reinos diferentes,
eu ia dizer, mas na verdade são países diferentes,
19
e por isso ela
escreveu uma carta muito urgente para a mãe (ou o pai, não lembro
qual, mas veremos logo mais na carta de Jane)… e escreveu em
nome do sr. Dixon assim como no dela para insistir que fossem
imediatamente, e os dois os encontrariam em Dublin e os levariam
de volta para sua propriedade no campo, Baly-craig, um lugar lindo,
eu imagino. Jane ouviu falar muito sobre a beleza do lugar pelo sr.
Dixon, quer dizer, não sei se ouviu de outras pessoas também, mas
era muito natural, sabe, que ele gostasse de falar do próprio lar
enquanto cortejava a futura esposa, e como Jane sempre caminhava
com eles, pois o coronel e a sra. Campbell eram muito rígidos e não
deixavam a filha caminhar apenas com o sr. Dixon, e eu não os
culpo de forma alguma, é claro que ela ouviu tudo que ele poderia
ter contado à srta. Campbell sobre seu próprio lar na Inglaterra. E
acho que ela nos escreveu que ele tinha mostrado a elas alguns
esboços do lugar, paisagens que ele mesmo desenhou. Creio que é
um rapaz muito amável e charmoso. Jane estava animada para ir à
Irlanda, após ouvir a sua descrição do lugar.
Neste momento, uma suspeita inventiva e empolgante surgiu na
cabeça de Emma em relação a Jane Fairfax, este charmoso sr.
Dixon, e o cancelamento da visita à Irlanda, e ela disse, com o
propósito insidioso de descobrir mais:
— A senhorita deve se sentir muito afortunada por a srta. Fairfax
poder visitá-las em tal época. Considerando a amizade estreita entre
ela e a sra. Dixon, não poderiam ter esperado que ela fosse escusada
de acompanhar o coronel e a sra. Campbell.
— É verdade, é verdade, de fato. Era exatamente isso que
sempre tememos, pois não teríamos gostado de tê-la tão longe de
nós, por meses a fio, sem poder nos visitar se algo acontecesse. Mas,
a senhorita entende, tudo acabou da melhor forma. Eles (o sr. e a
sra. Dixon) querem excessivamente que ela vá com o coronel e a
sra. Campbell, garanto à senhorita, nada poderia ser mais gentil ou
insistente do que o convite conjunto
deles, diz Jane, como a
senhorita vai ouvir logo mais; o sr. Dixon não parece de forma
alguma relutante em suas atenções. Ele é um rapaz muito
charmoso. Desde o serviço que prestou a Jane em Weymouth,
quando estavam em uma festa à beira da água e, por um giro súbito
de alguma coisa entre as velas, ela teria caído ao mar
imediatamente, e praticamente já estava caindo, se ele não tivesse,
com a maior presença de espírito, agarrado o seu vestido (não
consigo nem pensar nisso sem tremer!), desde que ouvimos a
história desse dia, sempre tive a maior afeição pelo sr. Dixon!
— Mas, apesar de toda a urgência da amiga e seu próprio desejo
de conhecer a Irlanda, a srta. Fairfax prefere devotar seu tempo à
senhorita e à sra. Bates?
— Sim, e inteiramente por vontade própria, por escolha própria;
e o coronel e a sra. Campbell pensam que ela está certa em agir
assim, é o que recomendariam; e, na verdade, particularmente
desejam
que ela inspire o seu ar natal, dado que não tem estado tão
bem nos últimos tempos.
— Fico preocupada em ouvir. Creio que eles julgaram com
sabedoria. Mas a sra. Dixon deve estar muito decepcionada. A sra.
Dixon, até onde sei, não tem nenhum grau notável de beleza
pessoal; não pode, de forma alguma, ser comparada à srta. Fairfax.
— Ah, não! A senhorita é muito gentil por dizer tais coisas, mas
certamente não. Não há como compará-las. A srta. Campbell
sempre foi muito comum, mas extremamente elegante e amável.
— É claro.
— Jane pegou um resfriado forte, coitadinha!, no dia 7 de
novembro (como vou ler para a senhorita), e não melhorou desde
É
então. É muito tempo, não é, para um resfriado persistir? Ela não
mencionou antes porque não queria nos alarmar. Tão típico dela!
Tão atenciosa! Porém, ela está tão mal que seus gentis amigos, os
Campbell, pensam que é melhor vir para cá e inspirar um ar que
sempre lhe faz bem, e não têm dúvidas de que três ou quatro meses
em Highbury vão curá-la por completo. E é certamente muito
melhor que ela venha para cá em vez de ir para a Irlanda, se não
está bem. Ninguém poderia cuidar dela como nós.
— Parece-me o arranjo mais desejável do mundo.
— Então ela deve chegar na próxima sexta-feira ou sábado, e os
Campbell deixam a cidade a caminho de Holyhead na segunda-feira
seguinte, como a senhorita descobrirá pela carta de Jane. Tão
repentino! A senhorita poderá imaginar, srta. Woodhouse, como
fiquei alvoroçada com tudo isso! Se não fosse pelo infortúnio da
doença dela… mas receio que a veremos mais magra e muito
indisposta. Devo contar à senhorita que circunstância mais
desafortunada aconteceu em relação a isso. Sempre faço questão de
ler as cartas de Jane para mim mesma primeiro, antes de as ler em
voz alta para minha mãe, sabe, por medo de que haja qualquer coisa
que possa aborrecê-la. Jane deseja que eu faça assim, e sempre faço;
então comecei hoje com minha cautela usual, mas, tão logo cheguei
à menção de que ela estava mal, exclamei muito assustada: “Céus!
A pobre Jane está doente!”, e minha mãe, estando alerta,
compreendeu tudo, ficando infelizmente muito alarmada.
Entretanto, quando continuei lendo, descobri que não era tão ruim
quanto tinha imaginado a princípio, e agora eu faço pouco caso da
doença para ela não se preocupar muito. Mas não sei como pude
abaixar a guarda desse jeito! Se Jane não melhorar logo,
chamaremos o sr. Perry. Nem pensaremos na despesa; ele é muito
generoso e gosta tanto de Jane que, ouso dizer, nem iria querer
cobrar nada pela visita, mas não podemos aceitar uma coisa dessas,
sabe. Ele tem uma esposa e uma família para sustentar, e não pode
ficar cedendo o seu tempo. Bem, agora que lhe dei um indício do
que Jane escreveu, vamos passar para a carta dela e tenho certeza
de que ela contará a própria história muito melhor do que posso
contar por ela.
— Receio que estejamos com pressa — disse Emma, olhando
para Harriet e começando a se levantar. — Meu pai nos espera. Eu
não tinha intenção de me demorar; pensei que não poderia ficar
mais de cinco minutos, quando entrei na casa. Só entrei porque não
podia passar pela porta sem perguntar sobre a saúde da sra. Bates,
mas fui tão agradavelmente detida! Agora, porém, devemos desejar
um bom-dia à senhorita e à sra. Bates.
E nenhuma tentativa de detê-la foi bem-sucedida. Ela voltou à
rua — feliz porque, embora muito tivesse sido imposto sobre si
contra sua vontade, embora ela tivesse de fato ouvido todo o
conteúdo da carta de Jane Fairfax, tinha conseguido escapar da
carta em si.

17
.  Os bailes e outros entretenimentos em Bath eram organizados e
presididos por um mestre de cerimônias.
18
.  Como o valor de postagem de cartas era calculado pelo número de folhas,
as pessoas procuravam aproveitar ao máximo o espaço de cada folha.
Frequentemente faziam isso escrevendo duas vezes na mesma página —
primeiro escreviam na horizontal e depois viravam a folha e sobrepunham as
linhas anteriores com novas linhas perpendiculares.
19
.  Até 1801, formou-se o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, mas os
países ainda eram considerados separados. O lapso pode indicar que a obra se
passa logo no início do século ou só retratar a idade da srta. Bates ou sua
lentidão em absorver as mudanças políticas.
CAPÍTULO II

Jane Fairfax era órfã, a filha única da filha mais nova da sra.
Bates.
O casamento do tenente Fairfax, do … regimento de infantaria,
com a srta. Jane Bates tivera seus dias de fama e prazer, esperança e
interesse, mas agora nada restava exceto a recordação melancólica
da morte dele em combate no exterior, sua viúva soçobrando logo
em seguida à tuberculose e ao luto, e aquela garota.
Por nascimento, ela pertencia a Highbury, e quando, aos três
anos, após perder a mãe, tornou-se a propriedade, a
responsabilidade, o consolo e a queridinha da avó e da tia, parecia
ter tudo para se estabelecer ali, aprendendo apenas o que os meios
muito limitados poderiam propiciar e crescendo sem vantagens de
conexão ou aperfeiçoamentos ao que a natureza lhe dera: uma
figura agradável, um bom discernimento, e parentes gentis e bem-
intencionadas.
Mas os sentimentos solidários de um amigo do pai mudaram o
seu destino. Este homem era o coronel Campbell, que por muito
tempo havia estimado Fairfax como um excelente oficial e um rapaz
muito merecedor, e que, ademais, tinha com ele uma dívida pelas
atenções que lhe dispensou durante uma febre tifoide severa e que
acreditava terem salvado a sua vida. Ele jamais esqueceu esses
favores, ainda que alguns anos tivessem se passado da morte do
pobre Fairfax, antes que seu próprio retorno à Inglaterra lhe
permitisse tomar qualquer providência. Quando retornou, procurou
a criança e passou a cuidar dela. Era um homem casado, com uma
única filha viva, uma garota de idade próxima à de Jane, e Jane
tornou-se convidada deles, fazendo-lhes longas visitas e se tornando
uma favorita de todos. Antes de completar nove anos, a grande
afeição da filha por ela e seu próprio desejo de ser um verdadeiro
amigo se uniram para inspirar a oferta do coronel Campbell de
encarregar-se de toda a educação dela. A proposta foi aceita, e desde
então Jane pertencia à família do coronel Campbell e morava com
eles o ano todo, visitando a avó apenas de vez em quando.
O plano era que ela fosse criada para educar os outros, uma vez
que as poucas centenas de libras que ela herdara do pai tornavam a
independência impossível. Mais do que isso estava além das
capacidades do coronel Campbell, pois, embora sua renda, entre o
estipêndio do exército e outras ocupações, fosse considerável, esta
fortuna era moderada e seria inteiramente herdada pela filha. No
entanto, ao fornecer uma educação a Jane, ele esperava propiciar os
meios para uma subsistência respeitável no futuro.
Tal era a história de Jane. Ela tinha caído em boas mãos, sempre
recebera toda a gentileza dos Campbell e tivera uma educação
excelente. Em constante contato com pessoas sensatas e bem-
informadas, seu coração e discernimento tinham recebido todas as
vantagens da disciplina e do aperfeiçoamento, e uma vez que a
residência do coronel Campbell ficava em Londres, todas as outras
habilidades tinham sido perfeitamente desenvolvidas com tutores de
primeira classe. Suas propensões e capacidades eram em igual
medida merecedoras de tudo que aquela amizade poderia
proporcionar, e aos dezoito ou dezenove anos ela era, na medida em
que alguém tão jovem pode ser considerada para o cuidado de
crianças, inteiramente apta ao ofício de instrução, exceto que era
amada demais para ser separada da família. Nem o pai nem a mãe
promoveriam tal separação, nem a filha a suportaria. O dia terrível
foi adiado. Foi uma decisão fácil quando ela ainda era muito jovem,
e assim Jane permaneceu com eles, partilhando, como uma segunda
filha, de todos os prazeres racionais da sociedade elegante e de uma
mistura judiciosa de domesticidade e divertimentos, com o único
infortúnio sendo o futuro e as sugestões sóbrias de seu próprio
discernimento sagaz, que a lembravam que tudo aquilo logo
chegaria ao fim.

O afeto de toda a família e a amizade calorosa da srta. Campbell,


em particular, faziam ainda mais jus a todos devido à notável
superioridade de Jane tanto em beleza como em habilidades. Que a
natureza a abençoara em feições não poderia deixar de ser notado
pela filha, nem suas capacidades mentais mais elevadas passaram
despercebidas pelos pais. Entretanto, continuaram vivendo juntos
com uma estima inabalável até o casamento da srta. Campbell, que
— graças a um daqueles acasos em que a sorte frequentemente
desafia a expectativa em questões matrimoniais, promovendo a
atração pelo que é moderado em vez do que é superior —
conquistou o afeto do sr. Dixon, um rapaz rico e agradável, quase
tão logo se conheceram, e viu-se adequada e alegremente casada
enquanto Jane Fairfax ainda precisava ganhar o seu sustento.
Esse evento era muito recente, recente demais para qualquer
tentativa, da amiga menos afortunada, de entrar no caminho do
dever, embora agora tivesse alcançado a idade que seu próprio juízo
tinha fixado para começar. Havia muito, ela determinara que aos
vinte e um anos procuraria uma posição. Com a coragem de uma
noviça devotada, tinha decidido que, nessa idade, completaria o
sacrifício e se removeria de todos os prazeres da vida, das conversas
racionais, do convívio entre iguais, da paz e da esperança, para
dedicar-se à penitência e mortificação eternas.
O bom senso do coronel e da sra. Campbell não podiam se opor
a tal resolução, embora seus sentimentos o fizessem. Enquanto
vivessem, nenhum esforço seria necessário, pois seu lar seria dela
para sempre e, em nome de seu próprio conforto, eles a teriam
mantido junto de si. Mas isso seria egoísmo — o que deveria ocorrer
por fim, era melhor que ocorresse logo. Talvez tivessem começado a
sentir que poderia ser mais gentil e sábio resistir à tentação de
qualquer adiamento e poupá-la de provar os prazeres de ócio e lazer
que agora deveriam ser abandonados. Ainda assim, porém, tamanha
era sua afeição que ficavam felizes ao encontrar qualquer desculpa
para não apressar o momento nefasto. Ela não estava muito bem
desde a época do casamento da filha deles e, até recuperar
completamente sua força usual, eles a proibiram de se comprometer
com deveres que, longe de serem compatíveis com um corpo
enfraquecido e ânimos titubeantes, pareciam, mesmo sob as
circunstâncias mais favoráveis, exigir algo mais do que a perfeição
humana de corpo e mente para serem executados com algum
conforto.
Quanto a não os acompanhar até a Irlanda, o relato dela para a
tia não continha nada além da verdade, embora pudesse haver
algumas verdades não contadas. Foi sua própria escolha passar o
tempo da ausência deles em Highbury, talvez seus últimos meses de
perfeita liberdade, com aquelas parentes gentis a quem ela era tão
cara — e os Campbell, quaisquer que pudessem ter sido seu motivo
ou motivos, fossem eles únicos, duplos ou triplos, sancionaram
prontamente o arranjo e disseram que confiavam em alguns meses
passados em seu ar natal, para a recuperação da saúde, mais do que
em qualquer outra coisa. Era certo que ela viria, e que Highbury, em
vez de recepcionar aquela novidade completa prometida havia tanto
tempo — o sr. Frank Churchill —, por enquanto deveria se
contentar com Jane Fairfax, que só podia trazer o frescor de uma
ausência de dois anos.
Emma ficou muito aborrecida — ter de ser cortês com uma
pessoa de quem não gostava, e por três longos meses! Sempre fazer
mais do que desejava e menos do que deveria! O motivo de não
gostar de Jane Fairfax era difícil de explicar. O sr. Knightley uma vez
comentara que era porque Emma via nela a jovem realmente
talentosa que ela mesma queria ser considerada e, embora a
acusação tivesse sido enfaticamente refutada, houvera momentos de
introspecção em que a consciência de Emma não conseguira
absolvê-la por inteiro. Ela jamais poderia fazer amizade com Jane
Fairfax: não sabia por quê, mas a outra tinha uma frieza, uma
reserva, uma aparente indiferença quanto ao fato de agradar ou não
— e ainda por cima, a tia era uma tagarela eterna, sempre fazendo
um alvoroço em relação a todos! E todo mundo sempre imaginara
que as duas seriam muito íntimas só porque tinham a mesma idade.
Todos sempre acharam que elas deveriam gostar muito uma da
outra. Esses eram os motivos — ela não tinha melhores.
Era uma antipatia tão injustificada — todo defeito imputado era
tão ampliado pela fantasia — que ela nunca via Jane Fairfax pela
primeira vez após qualquer ausência considerável sem sentir que
fora injusta; e agora, quando a visita devida foi prestada após a
chegada de Jane pela primeira vez em dois anos, Emma ficou
particularmente impressionada com o aspecto e os modos como a
outra tinha depreciado por dois anos inteiros. Jane Fairfax era
muito elegante, notavelmente elegante; e a própria Emma prezava
muito pela elegância. Sua altura era ideal, de modo que quase todos
a considerariam alta e ninguém a julgaria alta demais; sua figura era
particularmente graciosa; suas proporções medianas de um jeito
muito bonito, entre gorda e magra, embora uma leve aparência de
saúde debilitada parecesse apontar para o mal mais provável dos
dois. Emma não pôde evitar perceber tudo isso e, além do mais, o
rosto dela, suas feições… Havia mais beleza no conjunto do que ela
se lembrava; não era regular, mas tinha uma beleza muito agradável.
A seus olhos, de um cinza profundo, com cílios e sobrancelhas
escuras, nunca faltaram elogios, mas a pele, à qual ela costumava
objetar por conta da palidez, exibia uma clareza e delicadeza que
não exigia um rubor maior. Era um estilo de beleza no qual a
elegância era a qualidade imperante, e, como tal, ela não tinha
escolha, em nome da honra, e por todos os seus princípios, exceto
admirar essa elegância que, fosse de figura ou de mente, era tão rara
em Highbury. Ali, não ser vulgar era uma distinção e um mérito.
Em suma, Emma ficou sentada, durante a primeira visita,
contemplando Jane Fairfax com uma dupla satisfação — um senso
de prazer e um senso de justiça prestada, e decidiu deixar de
antipatizar com a outra. Quando pensava em sua história e, de fato,
em sua situação, assim como em sua beleza; quando considerava o
que toda essa elegância estava destinada a se tornar, a altura da qual
Jane afundaria e como iria viver, parecia impossível sentir algo além
de compaixão e respeito — em especial se, a cada detalhe
amplamente conhecido que inspirava interesse, se acrescentasse a
circunstância muito provável de um apego ao sr. Dixon, o qual ela
teria tão naturalmente cultivado. Neste caso, nada poderia ser mais
digno de pena ou mais honrado do que os sacrifícios que ela
escolhera fazer. Emma estava muito disposta a absolvê-la por ter
desviado o afeto do sr. Dixon da esposa ou de qualquer outro ato
malicioso que sua imaginação tinha sugerido a princípio. Se fosse
amor, poderia ser um amor simples, não correspondido,
malsucedido. Ela poderia ter inconscientemente absorvido o triste
veneno enquanto partilhava das conversas dele com a amiga; e,
pelos melhores e mais puros motivos, poderia estar agora abstendo-
se da visita à Irlanda, resolvendo separar-se em absoluto dele e de
suas conexões para começar sua carreira de dever laborioso.
No geral, Emma partiu com sentimentos tão suavizados e
caridosos que olhou ao redor, enquanto voltava para casa, e
lamentou que Highbury não abrigasse nenhum jovem digno de
conceder-lhe independência, ninguém com quem ela desejaria
planejar uma união para Jane.
Esses sentimentos eram graciosos — mas não duraram muito.
Antes que ela tivesse se comprometido com qualquer declaração
pública de amizade eterna com Jane Fairfax, ou feito mais no
sentido de se retratar de antigos preconceitos e erros do que dizer
ao sr. Knightley: “Ela é certamente bonita, linda!”, Jane passou uma
noite em Hartfield com a avó e a tia, e tudo começou a recair para o
estado usual das coisas. Antigas provocações reapareceram. A tia
estava enfadonha como sempre; mais ainda, porque a ansiedade
pela saúde da sobrinha agora somava-se à admiração de suas
habilidades; e eles tiveram de ouvir uma descrição minuciosa de
quanto pão e manteiga ela comera no café da manhã, e que fina
fatia de carneiro no jantar, assim como suportar exibições de novas
toucas e bolsas de costura feitas para a mãe e si mesma; e as ofensas
de Jane se impuseram de novo. Eles ouviram música; pediram que
Emma tocasse, e os agradecimentos e elogios que
imprescindivelmente se seguiram pareceram a ela ter uma afetação
de sinceridade, um ar de magnanimidade que tinha como único
propósito realçar a sua própria apresentação superior. E, o pior de
tudo, Jane era tão fria e tão cautelosa! Não havia como obter sua
opinião verdadeira. Embrulhada em uma capa de educação, parecia
determinada a jamais deixar nada transparecer. Era desagradável e
reservada de maneira suspeita.
Se fosse possível exacerbar o que já estava em seu grau máximo,
Jane era ainda mais reservada quanto ao assunto de Weymouth e os
Dixon. Parecia determinada a não fornecer nenhuma informação
quanto ao caráter do sr. Dixon, ou seu próprio valor enquanto
companhia dele, ou uma opinião sobre a adequação do casamento.
Era tudo aprovação e doçura gerais; nada era delineado ou distinto.
Entretanto, a reserva não a ajudou de forma alguma. A cautela era
vã. Emma percebeu o artifício e retornou a suas opiniões iniciais.
Provavelmente havia
algo a mais a esconder do que sua própria
preferência; talvez o sr. Dixon tivesse se aproximado de trocar uma
amiga por outra, ou se decidira pela srta. Campbell em nome das
futuras doze mil libras.
Uma reticência similar prevalecia em outros assuntos. Ela e o sr.
Frank Churchill estiveram em Weymouth ao mesmo tempo. Sabia-
se que eram conhecidos, mas Emma não conseguiu extrair uma
sílaba de informações reais sobre como ele era de fato. Era bonito?
Ela acreditava que era um belo rapaz. Era agradável? Geralmente se
pensava que sim. Parecia um jovem sensato e bem-informado? Em
um balneário, ou na residência londrina de um conhecido em
comum, era difícil julgar tais questões. A educação dele era tudo
que se podia determinar com segurança, sem um conhecimento
muito maior do que eles tiveram do sr. Churchill. Ela acreditava que
todos achavam os modos dele agradáveis. Emma não conseguia
perdoá-la.
CAPÍTULO III

Emma não conseguia perdoá-la — porém, nem provocações nem


ressentimentos foram percebidos pelo sr. Knightley, que estivera
com eles e só vira atenções apropriadas e um comportamento cortês
dos dois lados. Assim, na manhã seguinte, passando em Hartfield
novamente para cuidar de negócios com o sr. Woodhouse, ele
começou a expressar sua aprovação geral, não tão abertamente
quanto poderia ter feito se o pai não estivesse na sala, mas com
clareza suficiente para ser compreendido por Emma. Ele costumava
pensar que ela era injusta com Jane e agora estava muito contente
em notar um avanço.
— Tivemos uma noite muito agradável — ele começou assim que
o sr. Woodhouse foi inteirado do que era necessário, disse que
entendia e os documentos foram removidos —, particularmente
agradável. Você e a srta. Fairfax tocaram boas músicas para nós.
Não conheço nada mais aprazível, senhor, do que sentar-se
confortavelmente e ser entretido por toda a noite por duas jovens
como essas, às vezes com música, às vezes com conversas. Tenho
certeza de que a srta. Fairfax deve ter achado a noite agradável,
Emma. Você não deixou nada a desejar. Fiquei contente por tê-la
feito tocar tanto, pois, não tendo um instrumento na casa da avó,
deve ter apreciado a situação como um grande luxo.
— Fico feliz que aprove — disse Emma, sorrindo —, mas espero
não ser relapsa quanto ao que é devido aos convidados de Hartfield.
— Não, minha querida — disse o pai imediatamente —, isso,
eu
tenho certeza de que não é. Não há ninguém tão atenciosa e cortês
quanto você. Na verdade, é atenciosa até demais. Os pães ontem à
noite… se tivessem sido oferecidos uma vez, acho que teria sido
suficiente.
— Não — disse o sr. Knightley, quase ao mesmo tempo —, você
não é relapsa com frequência, nem em modos nem em
compreensão. Acho que me entende, portanto.
Um olhar irritado expressou “Eu o entendo bem o bastante”,
mas ela disse apenas:
— A srta. Fairfax é reservada.
— Eu sempre lhe disse que ela era… um pouco. Mas você vai
logo superar a parte reticente dela que precisa ser superada, tudo
que tem origem na timidez. O que se deve à discrição deve ser
respeitado.
— Você acha que ela é tímida, mas não é assim que vejo.
— Minha querida Emma — disse ele, deslocando-se de sua
poltrona para uma mais próxima à dela —, você não vai me dizer,
espero, que não teve uma noite agradável.
— Ah, não! Eu fiquei satisfeita com minha própria perseverança
em fazer perguntas e entretida ao pensar em quão poucas respostas
obtive.
— Estou decepcionado — foi a única resposta dele.
— Espero que todos tenham tido uma noite agradável — disse o
sr. Woodhouse, do seu jeito tranquilo. — Eu tive. Em um momento,
senti o fogo um pouco quente demais, mas levei a cadeira para trás
um pouco, um pouquinho, e não me perturbou mais. A srta. Bates
estava muito falante e bem-humorada, como sempre, ainda que ela
fale rápido demais. Contudo, é muito amável, e a sra. Bates
também, de um jeito diferente. Eu gosto de velhos amigos, e a srta.
Jane Fairfax é uma moça muito bonita, muito bonita e muito bem-
comportada, de fato. Ela deve ter achado a noite agradável, sr.
Knightley, por ter tido a companhia de Emma.
— É verdade, senhor, e Emma também, porque teve a da srta.
Fairfax.
Emma viu a ansiedade dele e, desejando apaziguá-la, pelo menos
momentaneamente, disse com uma sinceridade que ninguém
poderia questionar:
— Ela é o tipo de criatura elegante de que não se consegue tirar
os olhos. Estou sempre observando-a com admiração, e sinto pena
dela do fundo do coração.
O sr. Knightley pareceu estar mais gratificado do que seria capaz
de expressar e, antes que pudesse responder qualquer coisa, o sr.
Woodhouse, cujos pensamentos residiam com as Bates, comentou:
— É uma grande pena que as circunstâncias delas sejam tão
limitadas! Uma grande pena, de fato! E tantas vezes eu desejei…
mas é tão pouco que se pode fazer… presentinhos insignificantes,
qualquer coisa fora do normal… acabamos de matar um porco e
Emma está pensando em enviar um lombo ou pernil para elas. Ele é
muito pequeno e delicado (os porcos de Hartfield não são como
quaisquer outros), mas ainda é carne de porco e, minha querida
Emma, se não pudermos ter certeza de que elas vão cortar em bifes
e fritá-los direito, como fazemos os nossos, sem qualquer gordura,
em vez de assá-los, porque não há estômago que suporte porco
assado, acho melhor enviar o pernil. Não concorda, querida?
— Querido papai, enviei a parte traseira inteira. Sabia que o
senhor desejaria assim. Elas poderão salgar o pernil, o senhor sabe,
que é tão saboroso, e o lombo pode ser preparado de imediato da
maneira como elas preferirem.
— É verdade, minha querida, é verdade. Não pensei nisso antes,
mas foi melhor assim. Elas não devem salgar o pernil em excesso; e
então, se não for salgado demais, e se for cozido por um longo
tempo, assim como a nossa Serle cozinha as nossas, e comido com
muita moderação, junto de um pouco de nabo cozido e um pouco de
cenoura ou pastinaca, não considero um alimento nocivo.
— Emma — disse o sr. Knightley pouco tempo depois —, tenho
uma novidade para você. Como gosta de novidades, e ouvi uma a
caminho daqui, acho que vai interessá-la.
— Uma novidade! Ah, sim, sempre gosto delas. O que é? Por que
sorri assim? Onde a ouviu? Em Randalls?
Ele só teve tempo para dizer:
— Não, não foi em Randalls, não estive perto de Randalls. — E
então a porta foi escancarada e a srta. Bates e a srta. Fairfax
entraram na sala. Cheia de agradecimentos e novidades, a srta.
Bates não sabia qual oferecer primeiro. O sr. Knightley logo viu que
tinha perdido sua chance e nenhuma outra sílaba de informação
seria deixada a seu encargo.
— Ah! Meu caro senhor, como está nesta manhã? Minha cara
srta. Woodhouse, estou desnorteada. Que belíssima traseira de
porco! Vocês são generosos demais! Ouviram a notícia? O sr. Elton
vai se casar!
Emma não tivera tempo sequer para pensar no sr. Elton e ficou
tão surpresa que não conseguiu evitar um pequeno sobressalto, e
um leve rubor, ao ouvir o nome dele.
— Esta era a novidade que achei que lhe interessaria — disse o
sr. Knightley, com um sorriso que sugeria convicção de alguma parte
do que se passara entre Emma e o sr. Elton.
— Mas onde o
senhor
ouviu sobre isso? — exclamou a srta.
Bates. — Onde pode ter ouvido, sr. Knightley? Não faz nem cinco
minutos que recebi o recado da srta. Cole; não, não pode fazer mais
do que cinco, ou no máximo dez, pois eu tinha acabado de pegar
minha touca e casaco e estava prestes a sair, e só desci para falar
com Patty de novo sobre a carne, e Jane estava parada no corredor,
não estava, Jane? Pois minha mãe receava que não tínhamos uma
frigideira grande o suficiente. Então eu disse que desceria para ver e
Jane disse: “Quer que eu vá no seu lugar? Acho que a senhora está
com um resfriado, e Patty estava lavando a cozinha”. “Oh, minha
querida”, disse eu, e, bem, então chegou o recado. Uma srta.
Hawkins, é tudo que sei. Uma srta. Hawkins, de Bath. Mas, sr.
Knightley, como o senhor pode ter ouvido a novidade? Pois no exato
momento em que o sr. Cole contou à sra. Cole, ela sentou-se para
escrever para mim. Uma srta. Hawkins…
— Eu estava com o sr. Cole tratando de negócios uma hora e
meia atrás. Ele tinha acabado de ler a carta de Elton quando entrei,
e a mostrou imediatamente.
— Bem! Isso é muito… suponho que nunca houve uma notícia
mais interessante a todos. Meu caro sr. Woodhouse, o senhor é
realmente generoso demais. Minha mãe queria que eu lhe
transmitisse seus melhores cumprimentos e mil agradecimentos, e
diz que o senhor a oprime de tanta gentileza.
— Consideramos os porcos de Hartfield muito superiores a todos
os outros — respondeu o sr. Woodhouse —, e de fato o são, e não há
prazer maior para Emma e eu do que…
— Ah! Meu caro senhor, como diz minha mãe, nossos amigos
são bons demais conosco. Se já houve pessoas que, sem possuir
grande riqueza elas mesmas, tinham tudo que poderiam desejar,
tenho certeza de que somos nós. Podemos muito bem dizer que
“nossa sorte está lançada em formosa herança”.
20
Bem, sr.
Knightley, e o senhor chegou a ver a carta em si, bem…
— Era curta, apenas para anunciar a novidade. Mas alegre,
exultante, é claro. — Ele deu um olhar de soslaio para Emma. — Ele
se considerava muito afortunado por… esqueço as palavras exatas,
não há motivo para recordá-las. A informação era, como a senhorita
afirmou, que ele vai se casar com uma srta. Hawkins. Pelo modo
como se exprimiu, imagino que a questão foi decidida há pouco.
— O sr. Elton vai se casar! — exclamou Emma assim que
conseguiu falar. — Ele terá os votos de todos por sua felicidade.
— Ele é jovem demais para se casar — foi a observação do sr.
Woodhouse. — Seria melhor não ter pressa. Parecia-me muito bem
como estava. Sempre ficávamos contentes de vê-lo em Hartfield.
— Uma nova vizinha para todos nós, srta. Woodhouse! —
exclamou a srta. Bates alegremente. — Minha mãe está tão
contente! Diz que não suporta ver a pobre casa paroquial sem uma
senhora. É uma ótima notícia, de fato. Jane, você nunca viu o sr.
Elton! Não é à toa que está tão curiosa para vê-lo!
A curiosidade de Jane não parecia ser tão profunda a ponto de
ocupar inteiramente seus pensamentos.
— Não, eu nunca vi o sr. Elton — ela respondeu, assustando-se
com a exclamação da tia. — Ele… ele é um homem alto?
— Quem vai responder a essa pergunta? — exclamou Emma. —
Meu pai diria “sim”, o sr. Knightley, “não”, e a srta. Bates e eu
diríamos que ele está numa média feliz. Quando tiver passado mais
tempo aqui, srta. Fairfax, vai entender que o sr. Elton é o padrão de
perfeição em Highbury, tanto em aparência como em caráter.
— É verdade, srta. Woodhouse, ela vai mesmo. Ele é o melhor
dos jovens… Mas, minha querida Jane, você deve lembrar, eu lhe
contei ontem que ele tinha precisamente a altura do sr. Perry. A
srta. Hawkins, arrisco dizer, será uma excelente moça. A atenção
extrema que ele dedica à minha mãe, pedindo que se sente no
banco reservado à família do pároco, para escutar melhor, pois
minha mãe é um pouquinho surda, como vocês sabem… não muito,
mas ela não entende rápido. Jane diz que o coronel Campbell é um
pouco surdo. Ele pensou que as termas poderiam ajudar com isso,
os banhos quentes, mas ela disse que não teve nenhum benefício
duradouro. O coronel Campbell, vocês sabem, é o nosso anjo. O sr.
Dixon parece ser um rapaz muito charmoso, muito digno dele. É
uma felicidade tão grande quando pessoas boas se juntam, e elas
sempre se juntam. Agora, teremos o sr. Elton e a srta. Hawkins; e
temos os Cole, que são pessoas tão boas, e os Perry; creio que nunca
houve um casal mais feliz ou melhor do que o sr. e a sra. Perry. Eu
lhe digo, senhor — virando-se para o sr. Woodhouse —, acredito que
haja poucos lugares com uma sociedade como a de Highbury.
Sempre digo que somos muito abençoados em termos de vizinhos.
Meu caro senhor, se há uma coisa que minha mãe ama mais do que
tudo, é carne de porco, um lombo de porco assado.
— Quanto a quem ou como é a srta. Hawkins, ou há quanto
tempo ele a conhece — disse Emma —, suponho que ninguém saiba
de nada. Imagino que não possam ser conhecidos de longa data. Ele
partiu há apenas quatro semanas.
Ninguém tinha informações para oferecer e, após mais algumas
reflexões, Emma comentou:
— A senhorita está calada, srta. Fairfax, mas espero que tenha
intenção de se interessar pela novidade. Tem ouvido e visto tanto
ultimamente sobre esse assunto, deve ter ficado tão envolvida na
questão por conta da srta. Campbell… não poderemos desculpar sua
indiferença quanto ao sr. Elton e a srta. Hawkins.
— Quando eu tiver visto o sr. Elton — respondeu Jane —,
arrisco dizer que ficarei interessada, mas acredito que isso
será
necessário para mim. E, como já faz alguns meses que a srta.
Campbell se casou, a impressão pode ter esmaecido um pouco.
— Sim, ele partiu há apenas quatro semanas, como a senhorita
observa, srta. Woodhouse — disse a srta. Bates —, quatro semanas
completas ontem. Uma srta. Hawkins. Bem, eu sempre imaginei que
seria alguma moça dos arredores, não que eu já… a sra. Cole uma
vez confidenciou a mim que… mas imediatamente eu disse: “Não, o
sr. Elton é um jovem muito digno, mas…”. Em suma, não acho que
sou particularmente ágil nesse tipo de descoberta. E não tenho a
pretensão de ser. O que está à minha frente, eu vejo. Ao mesmo
tempo, ninguém se surpreenderia se o sr. Elton tivesse aspirado a…
A srta. Woodhouse me deixa tagarelar com tanto bom humor. Ela
sabe que eu jamais causaria ofensa. Como vai a srta. Smith? Ela
parece ter se recuperado agora. Ouviu notícias da sra. John
Knightley ultimamente? Ah, aquelas lindas crianças! Jane, você
sabia que eu sempre imaginei o sr. Dixon como o sr. John
Knightley? Quero dizer em aparência, alto e com aquele tipo de
olhar, e não muito falante.
— A senhora está completamente errada, minha querida tia, eles
não são nem um pouco parecidos.
— Que estranho! Mas a gente nunca estabelece uma ideia justa
de ninguém antes de conhecer a pessoa. Criamos uma ideia e nos
deixamos levar por ela. Você disse que o sr. Dixon não é,
estritamente falando, bonito.
— Bonito! Ah! Não, longe disso, certamente é comum. Eu disse
à senhora que ele é comum.
— Minha querida, você disse que a srta. Campbell não admitiria
que ele era comum, e que você mesma…
— Ah! Quanto a mim, meu juízo não vale nada. Se eu estimo
alguém, sempre penso que a pessoa é bonita. Mas dei o que acredito
ser a opinião geral quando o chamei de comum.
— Bem, minha querida Jane, acredito que tenhamos de correr.
O tempo não está bom e vovó ficará preocupada. A senhorita é
muito gentil, minha cara srta. Woodhouse, mas precisamos sair
mesmo. Foi uma notícia muito agradável, de fato. Vou só passar na
casa da sra. Cole, mas não vou ficar nem três minutos, e você, Jane,
é melhor voltar para casa imediatamente, não quero que pegue
chuva! Já achamos que ela já está melhor, graças a Highbury.
Obrigada, achamos mesmo. Não vou tentar visitar a sra. Goddard,
porque acho que ela não gosta de nada exceto porco cozido
;
quando prepararmos o pernil, vai ser outra história. Bom dia ao
senhor. Ah! O sr. Knightley vem também. Ora, isso é muito… tenho
certeza de que, se Jane estiver cansada, o senhor fará a gentileza de
tomar o braço dela. O sr. Elton e a srta. Hawkins… bom dia a todos.
Emma, a sós com o pai, teve metade de sua atenção reivindicada
por ele com seus lamentos de que os jovens sempre estavam com
pressa de se casar — e se casar com estranhos, além de tudo —,
enquanto a outra metade pôde dedicar-se à própria opinião do
assunto. Para Emma, era uma notícia interessante e muito bem-
vinda, provando que o sr. Elton não podia ter sofrido muito tempo,
mas ela lamentava por Harriet — Harriet ficaria profundamente
sentida, e Emma só podia esperar que, comunicando a novidade em
pessoa, evitaria que ela a ouvisse de terceiros. Estava chegando a
hora em que ela costumava visitar. E se encontrasse a srta. Bates no
caminho? Quando começou a chover, Emma receou que o tempo a
detivesse na escola e que a informação sem dúvida seria lançada
sobre ela sem qualquer preparação.
A pancada de chuva foi pesada, mas breve; e não tinham se
passado nem cinco minutos quando Harriet entrou, com o olhar
afogueado e agitado de alguém que correra até ali com um coração
pesado — e o “Ah, srta. Woodhouse, não sabe o que aconteceu!”
que imediatamente irrompeu dela apresentava todos os sinais de
uma perturbação correspondente. Uma vez que o golpe já fora
deferido, Emma sentiu que a maior gentileza que poderia
demonstrar seria escutando, e Harriet, sem restrições, contou
apressadamente sua história. Ela tinha partido da escola da sra.
Goddard meia hora antes — com medo de que começaria a chover,
com medo de um temporal a qualquer momento —, mas pensou que
chegaria a Hartfield antes, e se apressou o máximo possível, mas
então, enquanto passava pela casa onde uma moça estava fazendo
um vestido para ela, pensou que entraria rapidinho e veria como
andava o trabalho, e, embora sentisse que não tinha ficado nem
meio momento ali, logo que saiu começou a chover e, como não
sabia o que fazer, ela correu de imediato, o mais rápido possível, e
se abrigou na Ford’s (a Ford’s era a principal loja de itens de lã,
linho e acessórios, a melhor em tamanho e estilo na região). E,
assim, lá ficou ela sentada, sem pensar em nada no mundo, talvez
por dez minutos inteiros, quando, de repente, quem entrou —
certamente era muito estranho! — mas eles sempre compravam na
Ford’s! — quem entrou senão Elizabeth Martin e seu irmão!
— Querida srta. Woodhouse, imagine só! Achei que iria
desmaiar. Não sabia o que fazer. Eu estava sentada perto da porta;
Elizabeth me viu imediatamente, mas ele não, estava ocupado com
o guarda-chuva. Eu estava certa de que ela tinha me visto, mas
afastou o olhar imediatamente e não falou comigo, e ambos foram
até os fundos da loja, e eu continuei sentada perto da porta! Ah!
Céus! Eu estava tão infeliz. Com certeza eu devia estar tão branca
quanto meu vestido. Não podia sair, sabe, por causa da chuva, mas
queria estar em qualquer lugar no mundo menos ali. Ah! Querida
srta. Woodhouse… Bem, por fim, acho que ele olhou ao redor e me
viu, pois, em vez de continuar com suas compras, eles começaram a
sussurrar um com o outro. Tenho certeza de que estavam falando de
mim, e só posso pensar que ele a estava persuadindo a falar comigo
(a senhorita não acha?), porque ela logo veio até mim e perguntou
como eu estava e parecia disposta a apertar minha mão, se eu
estivesse. Ela não fez nada disso do jeito que costumava fazer, eu
pude ver que ela estava mudada, mas, apesar disso, ela pareceu
tentar
ser muito simpática, e nós apertamos as mãos e ficamos em
pé conversando por um tempo, mas eu nem sei mais o que falei, de
tão agitada que estava! Lembro que ela disse que era uma pena
nunca mais nos encontrarmos agora, o que eu achei muito gentil!
Querida srta. Woodhouse, eu estava tão infeliz! Naquela hora, a
chuva ia parando e eu havia me decidido de que nada me impediria
de ir embora… e então… imagine só! Vi que ele estava vindo em
minha direção, devagar, sabe, como se não soubesse bem o que
fazer, e então ele veio e falou comigo e eu respondi, e fiquei um
minuto parada, sentindo-me terrivelmente, sabe, é impossível
descrever, e então reuni minha coragem e disse que não chovia mais
e eu precisava ir, e em seguida fui embora, e não tinha me afastado
nem três metros da porta quando ele veio atrás de mim só para
dizer que, se eu ia para Hartfield, ele achava muito melhor se eu
passasse pelos estábulos do sr. Cole, pois o caminho mais curto
estaria inundado pela chuva. Ah, céus! Achei que ia morrer! Então
eu disse que estava muito agradecida a ele, a senhorita sabe que eu
não podia fazer menos que isso, e ele voltou para Elizabeth e eu vim
pelos estábulos, pelo menos acredito que vim, mas mal sabia onde
estava ou qualquer outra coisa. Ah! Srta. Woodhouse, eu preferiria
qualquer outra situação do que passar por aquilo, mas, sabe, senti
uma certa satisfação ao vê-lo se comportar de modo tão amável e
gentil. E Elizabeth também! Ah, srta. Woodhouse, converse comigo
e me tranquilize.
Emma desejava fazê-lo muito sinceramente, mas não estava em
seu poder imediato. Ela foi obrigada a parar e pensar. Ela mesma
não estava muito tranquila. A conduta do jovem e da irmã parecia
resultar de sentimentos reais e ela só podia compadecer-se deles. Do
jeito como Harriet descrevia, havia uma mescla interessante de
afeto ferido e delicadeza genuína no comportamento que
apresentaram. Mas ela já acreditava que eram pessoas bem-
intencionadas e dignas antes, e que diferença isso fazia quanto às
desvantagens da união? Seria inútil perturbar-se por isso. É claro
que ele sentiria muito por perdê-la — todos eles deviam sentir. A
ambição, assim como o amor, devia ter ficado mortificada. Todos
teriam esperado ascender graças à amizade com Harriet; além disso,
qual era o valor da descrição de Harriet? Ela se satisfazia com tanta
facilidade, tinha tão pouco discernimento — o que significavam seus
elogios?
Emma se esforçou genuinamente para apaziguar a amiga,
fazendo pouco caso do ocorrido e julgando que não valia a pena
afligir-se.
— Pode ser angustiante no momento — ela disse —, mas você
parece ter se comportado extremamente bem, e agora acabou. Um
primeiro encontro nunca mais pode ocorrer, portanto você não
precisa mais pensar sobre isso.
Harriet disse “É verdade” e que “não pensaria mais no assunto”,
mas não parou de comentar o ocorrido. Não conseguia falar sobre
mais nada, e Emma, por fim, para tirar os Martin da cabeça dela, foi
obrigada a apressar a notícia que pretendia comunicar com tanto
cuidado e delicadeza, mal sabendo se deveria comemorar ou se
enfurecer, envergonhar-se ou só entreter-se, com o estado de
espírito da pobre Harriet — que fim para a importância que ela dava
ao sr. Elton!
As qualidades do sr. Elton, entretanto, gradualmente se
reavivaram. Embora não tivesse recebido a notícia como teria feito
no dia anterior, ou mesmo uma hora antes, o interesse de Harriet
logo aumentou e, antes que a conversa terminasse, ela tinha
expressado todas as sensações de curiosidade, espanto e
arrependimento, dor e prazer, em relação à afortunada srta.
Hawkins que poderiam deixar os Martin em uma posição
adequadamente subordinada em seus pensamentos.
Emma acabou ficando muito satisfeita por esse encontro ter
ocorrido. Tinha sido útil para suavizar o choque inicial, sem reter
qualquer influência alarmante. Do modo como Harriet vivia agora,
os Martin não podiam alcançá-la sem procurá-la, e até então lhes
faltara a coragem ou a cortesia para fazê-lo, pois, desde a rejeição ao
irmão, as irmãs nunca tinham passado na escola da sra. Goddard, e
um ano todo talvez transcorresse sem que eles se encontrassem no
mesmo local, sem que houvesse qualquer necessidade, ou mesmo
oportunidades, para entabular uma conversa.

20
.  Referência, não inteiramente precisa, ao Salmo 16.
CAPÍTULO IV

A natureza humana é tão generosa em relação àqueles que se


encontram em situações interessantes, que uma pessoa jovem que
se case ou faleça certamente será discutida nos termos mais
lisonjeiros.
Nem uma semana se passara desde que o nome da srta. Hawkins
fora mencionado pela primeira vez em Highbury antes que se
descobrisse, de uma forma ou de outra, que ela possuía todas as
qualidades possíveis de aparência e caráter; que era bela, elegante,
muito talentosa e perfeitamente amável — e quando o próprio sr.
Elton chegou para expor em triunfo suas perspectivas felizes e
circular a fama dos méritos dela, teve pouco mais a fazer do que
revelar o nome de batismo de sua noiva e contar quais compositores
ela costumava tocar.
O sr. Elton voltou como um homem muito feliz. Partira rejeitado
e mortificado — decepcionado de uma esperança muito
entusiasmada, após uma série do que lhe pareceram ser incentivos
fortes, e não apenas perdera a dama correta como se encontrara
rebaixado ao nível de uma muito errada. Partira profundamente
ofendido — e voltara noivo de alguém, e, é claro, alguém muito
superior à primeira, como, nestas circunstâncias, o que se ganhou
sempre é comparado ao que se perdeu. Retornou contente e
satisfeito consigo mesmo, ansioso e ocupado, não se importando
nem um pouco com a srta. Woodhouse e agindo em desafio à srta.
Smith.
A charmosa Augusta Hawkins, além das qualidades usuais de
beleza e méritos perfeitos, estava em posse de uma fortuna
independente de alguns milhares que seriam sempre arredondados
para dez — uma questão de certa dignidade, assim como de
conveniência, ao sr. Elton. Era uma bela história; ele não tinha se
desperdiçado; conquistara uma mulher de dez mil libras ou algo
próximo, e a conquistara com encantadora rapidez. O momento de
apresentação fora logo seguido por atenções distintas; a história que
ele pôde apresentar à sra. Cole, sobre a ascensão e o progresso do
relacionamento, era gloriosa — os passos tão velozes, desde o
encontro fortuito até o jantar na casa do sr. Green e a festa na da
sra. Brown; sorrisos e rubores em crescente importância, com uma
boa dose de consciência e agitação; a dama se impressionara com
tanta facilidade e tinha uma disposição tão doce; em suma, para
usar uma expressão de uso corrente, estivera tão disposta a aceitá-lo
que a vaidade e a prudência ficaram igualmente satisfeitas.
Ele havia conquistado tanto substância como sombra — tanto
fortuna como afeto — e estava tão feliz quanto seria esperado,
falando apenas sobre si mesmo e seus próprios interesses,
esperando ser parabenizado, pronto para ouvir risos, e, com sorrisos
cordiais e destemidos, dirigindo-se a todas as jovens da região que,
algumas semanas antes, ele teria tratado com a galanteria mais
cautelosa.
O casamento não estava longe, uma vez que as partes envolvidas
só tinham a si mesmas para agradar e nada a esperar exceto os
preparativos necessários; e, quando ele partiu para Bath de novo, a
expectativa geral, que certo olhar da sra. Cole parecia não
contradizer, era de que, da próxima vez que voltasse a Highbury,
traria sua noiva.
Durante a curta estadia inicial, Emma mal o vira, mas fora o
bastante para sentir que o primeiro encontro tinha terminado e ter
a impressão de que o sr. Elton não melhorara, pela mistura de
despeito e pretensão em seus ares. Na verdade, começava a se
espantar que jamais tivesse pensado que fosse um homem
agradável, e estava tão inseparavelmente conectado com alguns
sentimentos muito desagradáveis que, exceto sob uma luz moral,
como uma penitência, uma lição, uma fonte de humilhação
vantajosa para a própria mente, ela teria ficado grata pela garantia
de nunca o ver outra vez. Desejava-lhe muito bem, mas ele lhe
causava sofrimento, e seu bem-estar a trinta quilômetros de
distância seria a circunstância mais satisfatória.
O aborrecimento da residência contínua dele em Highbury,
entretanto, deveria ser reduzido pelo casamento. Muitas atenções
vãs seriam evitadas — muitos desconfortos, aliviados. Uma sra.
Elton
seria a justificativa para qualquer mudança na amizade deles;
a antiga intimidade poderia esvanecer sem chamar atenção. Seria
quase um novo começo de sua vida de civilidade.
Quanto à dama em si, Emma não a tinha em alta conta. Era boa
o bastante para o sr. Elton, sem dúvida; talentosa o bastante para
Highbury; bonita o bastante — ainda que provavelmente parecesse
comum ao lado de Harriet. Quanto a conexões, Emma ficou
bastante tranquilizada e persuadida de que, após todas as alegações
e o desdém dele por Harriet, não realizara nada demais. Neste
ponto, parecia possível chegar à verdade. O que
ela era seria
incerto, mas quem
ela era poderia ser descoberto e, deixando de
lado as dez mil libras, não parecia ser superior a Harriet. Não trazia
nomes, sangue, laços. A srta. Hawkins era a mais jovem de duas
filhas de um… mercador de Bristol, certamente ele devia ser
chamado assim, mas, como o total de lucros de sua vida mercantil
parecia muito modesto, não era injusto supor que a dignidade de
sua linhagem mercantil fosse muito moderada também. Ela
costumava passar parte do inverno em Bath, mas Bristol era seu lar,
o coração de Bristol, pois, embora o pai e a mãe tivessem morrido
alguns anos antes, restava um tio — no campo da lei, e nada mais
distintamente honrado era sabido dele exceto que trabalhava no
campo da lei — e com ele a srta. Hawkins vivia. Emma supôs que
fosse o assistente de algum advogado, obtuso demais para ascender.
E toda a grandiosidade da união parecia depender da irmã mais
velha, que era muito bem-casada
com um cavalheiro de elevada
posição
perto de Bristol, que mantinha duas carruagens! Esse era o
resumo da história; essa era a glória da srta. Hawkins.
Se ao menos ela pudesse expressar seus sentimentos sobre tudo
isso a Harriet! Emma a tinha introduzido ao amor, mas infelizmente
sua amiga não seria demovida dele com igual facilidade. O charme
de um objeto para ocupar as grandes lacunas da mente de Harriet
não podia ser afastado com palavras. Ele seria suplantado por outro
— e certamente seria, nada poderia estar mais claro. Até um Robert
Martin teria sido suficiente, mas Emma receava que nada mais a
curaria. Harriet era uma daquelas moças que, uma vez que
começavam a amar, sempre estariam apaixonadas. E agora — pobre
garota! — estava consideravelmente pior após o reaparecimento do
sr. Elton. Sempre pegava um vislumbre dele em um lugar ou outro.
Emma o viu só uma vez, mas duas ou três vezes por dia era certo
que Harriet quase
o encontraria ou quase
deixaria de encontrá-lo,
quase
ouviria sua voz ou quase
veria seus ombros — alguma
circunstância sempre o manteria nos pensamentos dela, com todo o
afeto favorável da surpresa e da conjectura. Além disso, não parava
de ouvir falar dele, pois, exceto quando estava em Hartfield,
encontrava-se sempre na companhia daqueles que não viam
qualquer defeito no sr. Elton e não tinham nada mais interessante
para discutir do que a vida dele, e, portanto, todo relato e todo
palpite — tudo que já acontecera e tudo que poderia acontecer no
arranjo do matrimônio, compreendendo renda, criados e posses —
estavam em contínua discussão à sua volta. Sua estima era
fortalecida pelos invariáveis elogios feitos a ele; seus
arrependimentos eram avivados e seus sentimentos irritados por
repetições incessantes da felicidade da srta. Hawkins e observações
contínuas sobre como ele parecia apegado a ela — como o seu ar
quando passava na frente da casa e até a posição de seu chapéu
comprovavam o quanto estava apaixonado!
Se o divertimento fosse admissível, se a situação não magoasse
sua amiga ou gerasse recriminação contra si mesma, Emma teria se
entretido com essas oscilações da mente de Harriet. Às vezes o sr.
Elton predominava, às vezes os Martin, e cada um era
ocasionalmente útil para manter o outro sob controle. O noivado do
sr. Elton fora a cura da agitação de encontrar o sr. Martin. A
infelicidade de saber sobre seu noivado foi um pouco amainada pela
visita de Elizabeth Martin à escola da sra. Goddard alguns dias
depois. Harriet não estava em casa, mas um bilhete foi deixado para
ela, escrito no estilo perfeito para comover: uma mistura de
censuras com muita gentileza. E, até o próprio sr. Elton aparecer,
ela ficara muito preocupada com ele, ponderando continuamente
como responder e desejando fazer mais do que ousava confessar.
Mas ver o sr. Elton em pessoa bastou para afastar todas essas
preocupações. Quando ele estava presente, os Martin eram
esquecidos, e na manhã em que ele partiu para Bath outra vez,
Emma, para dissipar um pouco da aflição ocasionada, julgou que era
melhor que ela retribuísse a visita de Elizabeth Martin.
Como essa visita seria recebida, o que seria necessário e o que
seria mais seguro foram tema de reflexão e dúvidas. Negligenciar a
mãe e as irmãs absolutamente, após receber um convite, seria
ingratidão. Ela não devia fazer isso — no entanto, havia o perigo de
renovar a amizade!
Após muito pensar, ela não chegou a solução melhor do que
fazer Harriet retribuir a visita, mas de tal modo que, se eles
tivessem bom senso, ficariam convencidos de que era apenas uma
cortesia. Emma pretendia levá-la na carruagem, deixá-la na Fazenda
da Abadia enquanto seguia um pouco à frente e pegá-la de novo tão
depressa que não haveria tempo para apelos insidiosos ou
recorrências perigosas do passado, fornecendo a prova mais
definitiva do grau de intimidade escolhido para o futuro.
Não conseguiu pensar em nada melhor: e, embora houvesse algo
ali que seu próprio coração desaprovava — um toque de ingratidão,
meramente desconsiderada —, deveria ser assim. Caso contrário, o
que seria de Harriet?
CAPÍTULO V

Harriet não estava muito animada para a visita. Só meia hora


antes que a amiga a buscasse na escola, seu destino malfadado a
tinha levado ao local exato no qual, naquele momento, um baú
destinado ao reverendo Philip Elton, White-Hart, Bath
estava sendo
erguido à carroça de um açougueiro, que o transportaria até onde as
diligências passavam, e tudo no mundo, excetuando aquele baú e o
seu destino, tornou-se consequentemente um vazio.
Ainda assim ela foi e, quando chegaram à fazenda e ela estava
para descer, no fim do caminho largo de cascalho que se estendia
entre macieiras em espaldeiras até a porta da frente, a visão de tudo
que tinha lhe dado tanto prazer no outono anterior começou a
reanimá-la um pouco e, quando se separaram, Emma notou que ela
olhava ao redor com uma espécie de curiosidade temerosa, que a
deixou determinada a não permitir que a visita excedesse o quarto
de hora proposto. Ela mesma seguiu em frente, para dedicar essa
porção de tempo a uma velha criada que tinha se casado e se
estabelecido em Donwell.
Após o quarto de hora, ela estava pontualmente no portão
branco outra vez, e a srta. Smith, ao ser chamada, veio até ela sem
atraso e desacompanhada de qualquer rapaz alarmante. Percorreu o
caminho de cascalho sozinha — apenas uma srta. Martin apareceu
na porta e despediu-se dela com aparente formalidade.
Harriet não conseguiu fornecer um relato inteligível de imediato;
estava sentindo demais. Por fim, porém, Emma foi capaz de extrair
o suficiente dela para entender o tipo de encontro que tiveram e o
tipo de dor que ocasionou. Ela vira apenas a sra. Martin e as duas
moças. Elas a tinham recebido com hesitação, se não frieza, e nada
exceto os assuntos mais corriqueiros haviam sido discutidos o
tempo todo — até que, por fim, a sra. Martin comentou, de repente,
que a srta. Smith parecia ter crescido, introduzindo dessa forma um
assunto mais interessante e modos mais afetuosos. Naquela mesma
sala, ela tinha sido medida no último mês de setembro, com as duas
amigas. As marcas de lápis e anotações estavam no lambri ao lado
da janela. Ele
tinha tomado as medidas. Todas pareciam se lembrar
do dia, da hora, do grupo, da ocasião — sentir a mesma consciência,
os mesmos arrependimentos — e estar prontas para retomar
aquelas boas relações, apenas começando a se sentir confortáveis de
novo (Harriet, como Emma suspeitava, tão disposta quanto as
outras a ser cordial e alegre) quando a carruagem retornou e tudo
chegou ao fim. O estilo da visita e sua brevidade foram sentidos
como decisivos. Catorze minutos dedicados àqueles com quem ela
agradecidamente tinha morado por seis semanas, meros seis meses
antes! Emma imaginou a cena e sentiu que elas teriam bons
motivos para se ressentir, e que seria natural que Harriet sofresse.
Era uma situação infeliz de todos os lados. Ela teria dado muito, ou
suportado muito, para que os Martin pertencessem a uma sociedade
mais elevada. Eles eram tão merecedores, e um pouco
mais elevada
teria sido suficiente: mas, nas atuais circunstâncias, como ela
poderia ter agido de outra forma? Impossível! Ela não podia se
arrepender. Eles tinham de ser separados, mas o processo envolvia
muita dor — e tanta para ela, daquela vez, que logo sentiu a
necessidade de consolo e resolveu passar em Randalls a caminho de
casa para obtê-lo. Sua mente estava farta do sr. Elton e dos Martin.
O frescor de Randalls era absolutamente necessário.
Era um bom plano, mas ao parar à porta elas ouviram que “nem
o senhor nem a senhora estavam em casa”. Ambos tinham saído há
certo tempo e o criado acreditava que tivessem ido a Hartfield.
— Ah, não! — exclamou Emma, enquanto se afastavam. — E
agora vou perdê-los por pouco, que aborrecido! Não sei se já estive
tão decepcionada. — E reclinou-se num canto, para entregar-se a
resmungos ou afastá-los com reflexões; provavelmente um pouco de
ambos, sendo este o processo mais comum para uma mente bem-
disposta. Mas logo a carruagem parou; ela ergueu os olhos e viu que
fora interpelada pelo sr. e a sra. Weston, que estavam se
aproximando para falar com ela. Emma sentiu um prazer imediato
ao vê-los, e ainda maior ao ouvi-los, pois o sr. Weston
imediatamente a abordou.
— Como vai? Como vai? Estávamos com o seu pai, ficamos
contentes de vê-lo tão bem. Frank chega amanhã, recebi uma carta
hoje! Nós o veremos amanhã, no jantar, sem falta; ele está em
Oxford hoje e vai ficar uma quinzena inteira, como eu sabia que
ficaria. Se tivesse vindo no Natal não poderia ter ficado nem três
dias; sempre estive contente por ele não ter vindo no Natal. Agora o
tempo vai estar perfeito para ele, belo, seco, agradável. Vamos
desfrutar sua presença ao máximo, tudo se resolveu da melhor
forma possível.
Não havia como resistir a essa notícia, nenhuma chance de
evitar a influência de um rosto tão alegre quanto o do sr. Weston,
corroborado pelas palavras e o semblante da esposa — mais
concisas e contidas, mas não menos confiantes. Saber que ela
pensava que a vinda era certa foi suficiente para fazer Emma
acreditar nisso, e ela sinceramente se regozijou com a alegria deles.
Foi um delicioso refresco para seus ânimos exauridos. O passado
cansativo afundou no frescor do que estava por vir e, na rapidez de
um pensamento de meio segundo, ela torceu para que o sr. Elton
não fosse mais discutido.
O sr. Weston contou-lhe a história dos compromissos em
Enscombe, que permitiram ao filho ter uma quinzena inteira à sua
disposição, assim como decidir a rota e o método de sua jornada, e
ela escutou e sorriu e o parabenizou.
— Logo o levarei a Hartfield — concluiu ele.
Emma pensou ver a esposa tocar o braço dele durante esse
discurso.
— É melhor seguirmos, sr. Weston — disse ela. — Estamos
segurando as moças.
— Bem, bem, estou pronto. — E virando-se novamente para
Emma: — Mas não espere um jovem muito
elegante; ouviu apenas a
minha
opinião,
sabe, e ouso dizer que ele não é nada
extraordinário. — Mas seus olhos cintilantes transmitiam uma
convicção muito diferente.
Emma agiu com perfeita naturalidade e inocência, respondendo
de um modo que não revelava nenhum interesse particular.
— Pense em mim amanhã, minha querida, por volta das quatro
— foi o pedido derradeiro da sra. Weston, dito com certa ansiedade
e destinado apenas a ela.
— Às quatro? Confie em mim, ele chegará às três! — foi a
emenda veloz do sr. Weston.
E assim concluiu-se um encontro muito satisfatório. O humor de
Emma tinha se elevado quase ao ponto da felicidade; tudo assumira
um ar diferente, e James e seus cavalos não pareciam mais tão
vagarosos quanto antes. Quando olhou para as sebes, pensou que os
sabugueiros, ao menos, logo iriam desabrochar, e quando voltou o
olhar para Harriet viu algo como um olhar primaveril, um sorriso
terno mesmo ali.
— O sr. Frank Churchill vai passar por Bath, além de Oxford? —
foi uma pergunta, entretanto, que não agourava boa coisa.
Mas nem a geografia nem a tranquilidade poderiam vir de uma
vez, e em seu atual estado de espírito ela decidiu que ambos viriam
com o tempo.
A manhã do interessante dia chegou, e a pupila fiel da sra.
Weston não esqueceu, nem às dez, às onze ou ao meio-dia, que
deveria pensar nela às quatro.
Minha cara amiga ansiosa
, pensou ela, em solilóquio,
enquanto descia as escadas do próprio quarto. Sempre cuida tanto
do conforto de todos exceto o seu; imagino você agora, tão
irrequieta, entrando e saindo do quarto dele para certificar-se de
que tudo está certo.
O relógio bateu o meio-dia quando ela passou
no corredor. É meio-dia, e não me esquecerei de pensar em você
daqui a quatro horas, e a esta hora, amanhã, talvez, ou um pouco
mais tarde, estarei pensando na possibilidade de que todos
venham nos visitar. Tenho certeza de que o trarão em breve.
Ela abriu a porta da sala de visitas e viu dois cavalheiros
sentados com o pai — o sr. Weston e o filho. Eles tinham chegado
apenas alguns minutos antes, e o sr. Weston mal tinha terminado de
explicar que Frank se adiantara em um dia, e o pai dela ainda estava
no meio das boas-vindas e parabenizações muito corteses, quando
Emma apareceu para receber sua cota de surpresas, apresentações e
deleite.
O tão discutido Frank Churchill, que despertava tanto interesse,
estava enfim diante dela. Foi-lhe apresentado e Emma pensou que
não o tinham elogiado em excesso: era
um rapaz muito bem-
apessoado; altura, ares e modos eram todos excepcionais, e seu
semblante tinha uma boa parte do ânimo e do vigor do pai. Ele
parecia inteligente e sensato. Ela sentiu de imediato que gostaria do
rapaz, e ele possuía maneiras tão naturais e refinadas, e estava tão
disposto a conversar, que ela ficou convencida de que viera com a
intenção de conhecê-la — e que logo seriam amigos.
Ele tinha chegado em Randalls na noite anterior. Ela ficou
contente ao ver que a ansiedade para chegar o fizera alterar seu
plano e viajar mais cedo, por mais tempo e mais rápido a fim de
ganhar meio dia.
— Eu disse ontem — exclamou o sr. Weston, exultante —, eu
disse ontem que ele estaria aqui antes da hora mencionada. Lembro
como eu mesmo costumava ser. Não se pode fazer uma viagem a
passo de tartaruga, não se pode evitar ir mais rápido do que se
planejou, e o prazer de encontrar os amigos antes do previsto vale
muito mais do que qualquer pequeno esforço despendido.
— É um grande prazer, quando a pessoa pode se entregar a ele
— disse o jovem —, embora não haja muitos lares em que eu me
permitiria chegar desta forma. Mas, ao voltar para o meu lar
, senti
que podia me dar essa liberdade.
A palavra lar
fez o pai olhar para ele com complacência
renovada. Emma ficou imediatamente convencida de que ele sabia
ser agradável; a convicção foi fortalecida pelo que se seguiu. Ele
estava muito satisfeito com Randalls, pensava que era uma casa
admiravelmente organizada, não admitiria que era pequena,
admirava a localização, a caminhada até Highbury, a própria
Highbury, Hartfield ainda mais, e declarou sempre nutrir o tipo de
interesse por aquela terra que apenas sua terra natal
poderia
suscitar, e a maior curiosidade para visitá-la. Que nunca antes
tivesse tido a possibilidade de cultivar esse sentimento tão aprazível
cruzou a mente desconfiada de Emma, mas, ainda que fosse uma
mentira, era uma mentira agradável e agradavelmente declarada.
Seus modos não tinham um ar de premeditação ou exagero. Ele
realmente soava e falava como se sentisse um raro entusiasmo.
Os assuntos, em geral, foram aqueles apropriados a um primeiro
encontro. Do lado dele vieram as perguntas: Ela gostava de
cavalgar? De passeios de carruagem? De caminhadas agradáveis? A
vizinhança era grande? Ou talvez Highbury proporcionasse
companhia suficiente? Havia várias casas elegantes nos arredores.
Bailes — eles tinham bailes? Era uma sociedade que apreciava
música?
Porém, quando estava satisfeito com todos esses pontos e a
intimidade tinha avançado proporcionalmente, ele conseguiu
encontrar uma oportunidade, enquanto os pais discutiam entre si,
de introduzir a madrasta na conversa, falando dela de forma tão
elogiosa, com tanta admiração e afeto, tanta gratidão pela felicidade
que ela proporcionava ao pai e pela recepção tão gentil que dera a si
mesmo, que foi uma prova adicional de que sabia agradar — e que
certamente pensava que valia a pena tentar agradar a ela. Não
ofereceu nenhuma palavra elogiosa além do que Emma sabia ser
devidamente merecido pela sra. Weston, mas sem dúvida ele não
podia saber muito sobre isso. Entendia que as palavras seriam bem-
recebidas, mas não podia ter certeza de muito mais. O casamento
do pai, disse ele, tinha sido uma sábia decisão; todos os amigos se
regozijavam por ele; e ele sempre consideraria que tinha a maior
dívida com a família de quem recebera tamanha benção.
Ele chegou até a agradecê-la pelos méritos da srta. Taylor, sem
parecer esquecer inteiramente que, no curso comum das coisas, era
mais provável que a srta. Taylor tivesse formado o caráter da srta.
Woodhouse, e não o contrário. E, por fim, como se estivesse
determinado a qualificar a própria opinião a fim de que chegasse
enfim aos ouvidos aos quais era destinada, ele concluiu expressando
seu espanto com a juventude e beleza da madrasta.
— Para modos elegantes e agradáveis, eu estava preparado —
disse ele —, mas confesso que, considerando as circunstâncias, não
tinha esperado mais do que uma mulher toleravelmente bonita de
certa idade; não sabia que estava para encontrar uma jovem muito
bela.
— O senhor não pode ver perfeição excessiva na sra. Weston
para o meu gosto — disse Emma. — Se supusesse que ela tem
dezoito
anos, eu ouviria com prazer, mas ela
estaria pronta a brigar
com o senhor por essas palavras. Não a deixe suspeitar que falou
dela como uma bela jovem.
— Espero ter mais juízo que isso — ele respondeu. — Não,
confie em mim — acrescentou com uma mesura galante —, ao me
dirigir à sra. Weston, entendo quem posso elogiar sem qualquer
perigo de parecer extravagante.
Emma se perguntou se a mesma suspeita que tinha se
estabelecido fortemente em sua cabeça, quanto ao que poderia
resultar da intimidade deles, tinha cruzado a dele; e se os elogios de
ambos deveriam ser considerados marcas de aquiescência ou provas
de oposição. Ela precisaria conhecê-lo melhor para entender seus
modos; no momento, só sentia que eram agradáveis.
Ela não tinha dúvidas do que o sr. Weston pensava com
frequência sobre a possibilidade. Detectou diversas vezes o seu
olhar sagaz olhando de relance para eles com contentamento e,
mesmo quando ele decidia não olhar, ela tinha certeza de que
muitas vezes estava entreouvindo.
A própria isenção de qualquer pensamento do tipo da parte do
pai dela, a completa ausência nele de qualquer conhecimento ou
suspeita, era uma circunstância muito benéfica. Felizmente, ele não
estava mais distante de aprovar matrimônios do que de prevê-los.
Embora sempre objetasse a qualquer casamento, nunca sofria
antecipadamente de apreensão; era como se não pudesse pensar tão
mal do juízo de duas pessoas a ponto de supor que pretendiam se
casar até que isso fosse comprovado. Ela estava grata pela cegueira
parcial dele. No momento ele podia, sem a desvantagem de qualquer
conjectura desagradável, sem olhar para o futuro e ver qualquer
deslealdade em seu convidado, entregar-se a toda a sua cortesia
natural e generosa e perguntar sobre as acomodações do sr. Frank
Churchill durante sua jornada, sobre os tristes desconfortos de
dormir duas noites na estrada, e expressar uma ansiedade muito
genuína ao saber que ele com certeza tinha escapado de um
resfriado — do que, porém, ele não ficaria inteiramente seguro até
que mais uma noite se passasse.
Com uma visita razoável concluída, o sr. Weston começou a se
erguer. Ele precisava partir. Tinha negócios a revolver no Crown a
respeito do seu feno, e muitas incumbências a realizar para a sra.
Weston na Ford’s, mas não queria apressar mais ninguém. O filho,
educado demais para acatar a indireta, também se ergueu
imediatamente, dizendo:
— Como o senhor vai tratar de negócios por um tempo, vou
aproveitar a oportunidade e me dedicar a uma visita que deve ser
feita um dia ou outro, e portanto pode muito bem ocorrer agora.
Tenho a honra de ser conhecido de uma vizinha sua — virando-se
para Emma —, uma dama que reside em ou perto de Highbury, de
uma família de nome Fairfax. Não terei dificuldade, imagino, em
encontrar a casa dela, mas acredito que Fairfax não seja o nome
certo. Devo dizer Barnes ou Bates. Conhecem alguma família com
esse nome?
— Certamente — exclamou o pai dele —, a sra. Bates…
Passamos pela casa dela, e eu vi a srta. Bates na janela. É verdade, é
verdade, você conhece a srta. Fairfax; lembro que a viu em
Weymouth. Ela é uma ótima jovem. Visite-a, fique à vontade.
— Não há necessidade de passar lá hoje mesmo — disse o rapaz
—, qualquer outro dia serviria, mas tínhamos um grau de
intimidade em Weymouth que…
— Ah! Vá hoje, vá hoje. Não adie. O que é correto nunca pode
ser feito cedo demais. Além disso, permita-me acautelá-lo, Frank:
qualquer falta de atenção a ela aqui
deve ser cuidadosamente
evitada. Você a viu entre os Campbell, onde ela era igual a todos
com quem se relacionava, mas aqui ela vive com uma pobre avó
idosa, que mal tem o suficiente para sobreviver. Se não visitar logo,
será considerado uma ofensa.
O filho pareceu convencido.
— Eu a ouvi mencionar que o conhecia — disse Emma. — Ela é
uma jovem muito elegante.
Ele concordou, mas com um “Sim” tão baixo que a deixou
inclinada a quase duvidar de sua real concordância. No entanto,
devia haver uma grande distinção na sociedade refinada se Jane
Fairfax pudesse ser julgada apenas comum.
— Se o senhor nunca ficou particularmente impressionado com
os modos dela antes — acrescentou Emma —, acho que ficará hoje.
Irá vê-la em seu melhor, vê-la e ouvi-la… Não, temo que não
chegará a ouvi-la, pois ela tem uma tia que nunca segura a língua.
— O senhor conhece a srta. Jane Fairfax, então? — perguntou o
sr. Woodhouse, sempre o último a entrar na conversa. — Pois me
permita garantir que a julgará uma moça muito simpática. Ela está
ficando aqui com a avó e a tia, pessoas muito boas que conheço a
vida toda. Elas ficarão extremamente felizes de vê-lo, tenho certeza,
e um dos meus criados o acompanhará para mostrar o caminho.
— Meu caro senhor, de forma alguma. Meu pai pode me orientar.
— Mas o seu pai não vai longe; ele só segue até o Crown, que fica
do outro lado da rua, e há muitas casas; o senhor ficaria
completamente perdido, e é um caminho muito sujo, a não ser que
se mantenha na calçada, mas meu cocheiro pode indicar onde é
melhor cruzar a rua.
O sr. Frank Churchill ainda recusou a oferta, parecendo o mais
sério possível, e o seu pai deu um apoio categórico.
— Meu bom amigo, isso é completamente desnecessário; Frank
sabe identificar uma poça d’água. E quanto à casa da sra. Bates, ele
consegue chegar até lá a partir do Crown em um pulo.
Eles tiveram anuência para ir sozinhos e, com um aceno cordial
de um e uma mesura graciosa do outro, os dois cavalheiros se
retiraram. Emma ficou muito contente com esse início da amizade,
e podia agora imaginar todos em Randalls a qualquer hora do dia,
com completa confiança no conforto deles.
CAPÍTULO VI

Na manhã seguinte, o sr. Frank Churchill apareceu de novo. Veio


com a sra. Weston, a quem parecia tão afeiçoado quanto era por
Highbury. Tinha feito companhia a ela em casa, pelo visto, até a
hora em que ela geralmente se exercitava, e quando a sra. Weston
lhe pediu que escolhesse a rota para a sua caminhada,
imediatamente decidiu-se por Highbury. Ele não duvidava que
houvesse paisagens agradáveis em todas as direções, mas, se
coubesse a ele, sempre escolheria a mesma. Highbury, aquela
Highbury tão espaçosa, alegre e animada, exerceria uma atração
constante. Highbury, para a sra. Weston, representava Hartfield; e
ela confiava que era o mesmo para ele. Seguiram até lá
imediatamente.
Emma não os esperava de forma alguma, pois o sr. Weston, que
tinha passado ali por meio minuto, a fim de ouvir que o filho era
muito bonito, não sabia nada dos seus planos, e foi uma surpresa
agradável para ela, portanto, vê-los se aproximar da casa de braços
dados. Ela queria vê-lo de novo, especialmente na companhia da
sra. Weston, uma vez que o modo como a tratava determinaria sua
própria opinião sobre ele. Se ele falhasse ali, nada o redimiria.
Contudo, ao vê-los juntos, Emma ficou perfeitamente satisfeita.
Suas devidas cortesias não eram apenas belas palavras ou elogios
hiperbólicos; nada podia ser mais adequado ou amável do que o
modo como ele a tratava de forma geral — nada podia demonstrar,
mais agradavelmente, o seu desejo de considerá-la uma amiga e
conquistar o seu afeto. E houve tempo suficiente para Emma formar
um juízo razoável, uma vez que a visita ocupou boa parte do dia.
Todos caminharam juntos por uma hora ou duas — primeiro pelos
jardins de Hartfield, depois em Highbury. Ele encantou-se com tudo,
admirando Hartfield o suficiente para os ouvidos do sr. Woodhouse,
e, quando resolveram seguir em frente, confessou seu desejo de
conhecer todo o vilarejo, e encontrou motivos para apreço e
interesse muito mais vezes do que Emma teria imaginado possível.
Alguns dos objetos de sua curiosidade revelavam sentimentos
muito amáveis. Ele pediu para ver a casa em que o pai tinha morado
por tanto tempo, que fora a casa do pai do pai dele, e, ao recordar
de uma senhora idosa que cuidara dele quando criança e que ainda
vivia, procurou o chalé dela de uma ponta da rua até a outra. E,
embora em alguns pontos de interesse ou observação não houvesse
mérito, eles demonstravam nele, de forma geral, uma boa vontade
em relação a Highbury que se assemelhava muito ao mérito àquelas
que o acompanhavam.
Emma observou e decidiu que, considerando os sentimentos
revelados, não se podia supor que o rapaz estivesse mantendo
distância voluntariamente, representando um papel ou desfiando
declarações insinceras, e que o sr. Knightley certamente não fora
justo com ele.
A primeira parada deles foi no Crown, uma construção modesta,
ainda que fosse a principal pousada do vilarejo, onde um par de
cavalos de aluguel era mantido, mais para a conveniência da
vizinhança do que qualquer demanda extensa nas estradas. As
companheiras dele não esperavam ser detidas por qualquer
interesse ali, mas, ao passar, contaram a história do grande salão
que fora claramente acrescentado mais tarde ao prédio. Fora
construído muitos anos antes como um salão de baile e, enquanto a
vizinhança era bastante populosa e facilitava tais reuniões, era
ocasionalmente usado com esse propósito — mas esses dias
brilhantes eram passado, e agora o propósito mais elevado para o
qual se empregava o lugar era acomodar um clube de uíste dos
cavalheiros e quase cavalheiros do lugar. O sr. Frank Churchill ficou
interessado de imediato. O caráter do local como salão de baile o
deixou fascinado e, em vez de passar direto por ele, parou por vários
minutos nas duas janelas de guilhotina que estavam abertas e olhou
lá dentro, contemplando a capacidade do lugar e lamentando que
seu propósito original tivesse sido abandonado. Não via defeitos no
salão, e não admitiu nenhum que elas apontaram. Não — era
comprido o bastante, largo o bastante, bonito o bastante. Abrigaria o
número exato de pessoas para uma reunião confortável. Eles
deveriam ter bailes ali toda quinzena ao longo do inverno. Por que a
srta. Woodhouse não tinha avivado os gloriosos dias de outrora? Ela,
capaz de fazer qualquer coisa em Highbury! Mencionaram-se a falta
de famílias adequadas na vizinhança e a convicção de que ninguém
fora do local e de seus arredores imediatos seria convencido a
comparecer, mas ele não ficou satisfeito. Não admitia que as muitas
casas bonitas que via ao seu redor não pudessem fornecer números
suficientes para um baile e, mesmo quando os detalhes foram
fornecidos e as famílias descritas, recusou-se a aceitar que a
inconveniência de uma mistura de classes poderia ser um problema
ou que haveria a menor dificuldade para todos retornarem ao seu
lugar apropriado na manhã seguinte. Debateu como um homem
inclinado a dançar, e Emma ficou um tanto surpresa ao ver a
constituição dos Weston prevalecer tão decididamente contra os
hábitos dos Churchill. Ele parecia ter toda a vida e o vigor, todos os
sentimentos joviais e as inclinações sociais do pai, e nada do
orgulho ou da reticência de Enscombe. Do orgulho, na verdade,
talvez mal houvesse suficiente; a indiferença dele quanto à mistura
de hierarquias beirava a deselegância de pensamento. Ele não
conseguia julgar, entretanto, os perigos que encarava tão
levianamente. Sentia apenas as efusões de um espírito
entusiasmado.
Por fim, ele foi persuadido a seguir em frente e, estando agora
quase diante da casa onde se alojavam as Bates, Emma lembrou-se
da visita pretendida no dia anterior e perguntou se ele a tinha feito.
— Ah, sim! — respondeu ele. — Eu estava prestes a mencionar.
Foi uma visita muito bem-sucedida; vi as três damas e me senti em
dívida com a senhorita pela dica que me deu ontem. Se a tia
tagarela tivesse me pegado de surpresa, teria sido o meu fim. Dessa
forma, só fui obrigado a realizar uma visita muito irracional. Dez
minutos teriam cumprido tudo que era necessário, talvez tudo que
era apropriado, e eu tinha dito ao meu pai que certamente chegaria
em casa antes dele. Mas não tive como escapar, não houve pausa, e,
para o meu completo espanto, quando ele, ao não me ver em lugar
nenhum, foi encontrar-me lá, descobri que eu ficara sentado com
elas por quase três quartos de hora. A boa senhorita não me deu
uma chance de escapar antes disso.
— E o que achou da srta. Fairfax?
— Doente, muito doente; isto é, se é que uma senhorita jamais
está livre para parecer doente. Mas a expressão quase não é
admissível, não é, sra. Weston? As damas nunca podem parecer
doentes. Falando sério, porém, a srta. Fairfax é naturalmente tão
pálida que quase passa a impressão de ter uma saúde frágil. Tem
uma compleição deplorável.
Emma recusou-se a concordar com isso e encetou uma defesa
acalorada da compleição da srta. Fairfax. Certamente nunca fora
radiante, mas ela não admitiria que possuía um matiz enfermiço, e
havia uma suavidade e uma delicadeza em sua pele que concediam
uma elegância peculiar ao rosto. Ele escutou com toda a deferência
devida, reconheceu que tinha ouvido muitas pessoas falarem o
mesmo, mas devia confessar que, para ele, nada podia compensar a
falta do belo brilho da saúde. Se as feições eram indiferentes, uma
bela compleição as tornava bonitas, e se eram boas, o efeito era…
felizmente, ele não precisava tentar descrever qual era o efeito.
— Bem — disse Emma —, gosto não se discute. Mas pelo menos
o senhor a admira, excetuando sua compleição.
Ele balançou a cabeça e riu.
— Não consigo separar a srta. Fairfax da sua compleição.
— Viu-a com frequência em Weymouth? Passaram muito tempo
na companhia um do outro?
Neste momento, eles se aproximavam da Ford’s e ele
rapidamente exclamou:
— Rá! Essa deve ser a loja que todos visitam todos os dias de
suas vidas, segundo meu pai me informou. Ele mesmo vem a
Highbury, me disse, seis vezes por semana, e sempre tem algo a
comprar na Ford’s. Se não for muito inconveniente às duas, peço
que entremos para que eu possa provar que pertenço a este lugar,
como um verdadeiro cidadão de Highbury. Preciso comprar algo na
Ford’s. Assim obterei minha cidadania. Imagino que vendam luvas.
— Ah, sim! Luvas e tudo o mais. Admiro seu patriotismo. O
senhor será adorado em Highbury. Já era muito popular antes de vir,
por ser o filho do sr. Weston, mas gaste meio-guinéu na Ford’s e sua
popularidade se sustentará sobre suas virtudes.
Eles entraram e, enquanto os pacotes lustrosos e bem-amarrados
de “Pele de castor masculinas” e “Couro claro de cordeiro” eram
tirados das prateleiras e dispostos no balcão, ele disse:
— Perdoe-me, srta. Woodhouse, a senhorita estava falando
comigo e dizia algo no momento exato em que tive um arroubo de
amor patriæ
21
.
Não me deixe perder sua questão. Garanto-lhe que
a maior notoriedade pública possível não compensaria a perda de
qualquer felicidade na vida privada.
— Só perguntei se o senhor tinha passado muito tempo com a
srta. Fairfax e os companheiros dela em Weymouth.
— E agora que entendo sua pergunta, devo dizer que é muito
injusta. É sempre direito da dama determinar o grau de intimidade
de uma relação. A srta. Fairfax já deve ter feito a sua declaração.
Não posso me comprometer a dizer mais do que ela escolheu
revelar.
— Juro, o senhor responde tão discretamente quanto ela
mesma! Mas tudo que ela disse deixa tanto à imaginação, uma vez
que é tão reservada e relutante a dar qualquer informação sobre
qualquer pessoa, que acho que o senhor pode dizer o que desejar
sobre sua intimidade com ela.
— Posso mesmo? Então falarei a verdade, e nada me agrada
mais. Eu a encontrava com frequência em Weymouth. Passei algum
tempo com os Campbell na cidade, e em Weymouth eles estavam
juntos. O coronel Campbell é um homem muito amável, e a sra.
Campbell é uma mulher simpática e generosa. Gosto de todos eles.
— O senhor conhece a situação da srta. Fairfax, imagino. O que
ela está destinada a se tornar.
— Sim — um pouco hesitante —, acredito que conheço.
— Você toca em assuntos delicados, Emma — disse a sra.
Weston com um sorriso. — Lembre-se de que estou aqui. O sr.
Frank Churchill mal sabe o que dizer quando você menciona a
situação da srta. Fairfax. Vou me afastar um pouco.
— Certamente me esqueço de pensar nela
— disse Emma —
como qualquer coisa exceto minha amiga, e minha amiga mais
querida.
Ele pareceu entender perfeitamente e honrar tal sentimento.
Depois que as luvas foram trazidas e eles saíram da loja, Frank
Churchill perguntou:
— Já ouviu a moça de que falávamos tocar?
— Se já a ouvi! — repetiu Emma. — O senhor esquece o quanto
ela pertence a Highbury. Eu a ouvi tocar todo ano de nossas vidas
desde que ambas começamos. Ela toca muito bem.
— Acha mesmo? Eu queria a opinião de alguém que realmente
pudesse julgar. Pareceu-me que tocava bem, isto é, com gosto
considerável, mas eu mesmo não entendo nada do assunto. Gosto
muito de música, mas não tenho a menor habilidade ou direito de
julgar o desempenho alheio. Estou acostumado a ouvir que ela é
admirada, e lembro de uma prova de que outras pessoas
consideravam que ela tocava bem: um homem, um homem muito
musical e apaixonado por outra mulher… noivo dela, inclusive,
prestes a se casar… nunca pedia à noiva que se sentasse ao piano se
a dama em questão pudesse fazê-lo no lugar dela; nunca parecia
preferir ouvir uma, se pudesse ouvir a outra. Isso, eu pensei, em um
homem de talento musical renomado, era uma prova certeira.
— Uma prova, de fato! — disse Emma, divertindo-se muito. — O
sr. Dixon é muito musical, então? Saberei mais sobre todos eles em
meia hora, graças ao senhor, do que extrairia da srta. Fairfax em
meio ano.
— Sim, o sr. Dixon e a srta. Campbell eram as partes envolvidas,
e pensei que era uma prova muito contundente.
— Decerto, muito contundente; para dizer a verdade, muito
mais contundente do que eu
, se fosse a srta. Campbell, acharia
agradável. Não perdoaria um homem que atentasse mais para a
música do que para o amor, que prezasse mais os ouvidos que os
olhos, que possuísse uma sensibilidade mais afinada aos belos sons
do que aos meus sentimentos. Como a srta. Campbell parecia
encarar a situação?
— Era a amiga íntima dela, sabe.
— Um conforto parco! — exclamou Emma, rindo. — Acho que
seria preferível ver uma desconhecida favorecida dessa forma do
que uma amiga íntima; com uma desconhecida, a circunstância
poderia não se repetir. Mas a infelicidade de ter uma amiga muito
íntima sempre próxima, fazendo tudo melhor do que ela mesma!
Pobre sra. Dixon! Bem, fico feliz que ela se estabeleceu na Irlanda.
— A senhorita tem razão. Não foi muito lisonjeiro à srta.
Campbell, mas ela realmente parecia não se incomodar.
— Melhor para ela; ou muito pior, não sei qual. Mas seja doçura
ou indiferença, uma amizade genuína ou sentimentos embotados,
há uma pessoa, creio, que deve ter se incomodado: a própria srta.
Fairfax. Ela
deve ter percebido a inadequação e o perigo de tal
distinção.
— Quanto a isso… eu não…
— Ah! Não imagine que desejo um relato dos sentimentos da
srta. Fairfax da parte do senhor ou de mais alguém. Eles não são
conhecidos por nenhuma outra pessoa, imagino, exceto ela mesma.
Mas se ela continuava a tocar sempre que o sr. Dixon pedia, somos
livres para imaginar o que preferirmos.
— Parecia haver um entendimento perfeito entre todos eles —
começou ele, um tanto depressa, mas logo parou e acrescentou: —
Entretanto, é impossível para mim dizer em quais termos realmente
estavam, como poderia ser a relação nos bastidores. Só posso dizer
que havia uma aparência de harmonia. Mas a senhorita, que
conhece a srta. Fairfax desde criança, pode julgar melhor do que eu
o caráter dela e como se comporta em situações críticas.
— De fato, eu a conheço desde criança; fomos meninas e
mulheres juntas, e seria natural supor que seríamos íntimas,
tornando-nos mais apegadas nas visitas dela às parentes. Mas isso
nunca aconteceu. Nem sei dizer o motivo. Talvez, em parte, deva-se
a um lado meu maldoso, propenso a antipatizar com uma garota tão
idealizada e tão elogiada quanto ela era, pela tia e pela avó e por
todos os amigos das duas. E a reticência dela… eu nunca
conseguiria me apegar a uma pessoa tão reservada.
— É uma característica repelente, de fato — concordou ele. —
Com frequência muito conveniente, sem dúvidas, mas nunca
agradável. Há segurança na reticência, mas nada de atração. Não se
pode amar uma pessoa reservada.
— Não até que a reticência cesse em relação a si mesmo, e nesse
caso a atração pode ser maior. Mas eu precisaria sentir mais falta de
uma amiga ou companheira aprazível do que já experimentei para
me dar ao trabalho de superar a reticência de alguém. Uma
intimidade entre a srta. Fairfax e mim está fora de cogitação. Não
tenho motivos para pensar mal dela, exceto o fato de que uma
cautela extrema e perpétua de palavras e modos, e um pavor tão
intenso de oferecer uma impressão distinta de qualquer pessoa,
tendem a inspirar suspeitas de que há algo a esconder.
Ele concordou inteiramente com ela e, após caminharem juntos
por tanto tempo, e pensar de forma tão parecida, Emma sentia-se
tão íntima dele que mal acreditava ser apenas a segunda vez que se
encontravam. Ele não era exatamente o que ela tinha esperado;
menos um homem da alta sociedade em algumas de suas noções,
menos um herdeiro mimado da fortuna, e portanto melhor do que o
previsto. Suas ideias pareciam mais moderadas, seus sentimentos
mais calorosos. Ela ficou particularmente impressionada com os
comentários dele a respeito da casa do sr. Elton, que, assim como a
igreja, ele quis ir conhecer, e na qual não encontrou muitos defeitos.
Não, ele não acreditava que era uma casa ruim, de forma alguma
uma casa que inspiraria a compaixão alheia. Se fosse compartilhada
com a mulher que ele amava, o rapaz não imaginava que qualquer
homem seria considerado desventurado por ter tal casa. Deveria
haver espaço mais do que suficiente para um conforto real. O
homem que quisesse mais do que isso seria um palerma.
A sra. Weston riu e disse que ele não sabia do que estava falando.
Por estar acostumado a viver numa casa grande, sem jamais pensar
em quantas vantagens e confortos estavam associados ao tamanho,
ele não podia avaliar as privações que inevitavelmente decorriam de
morar numa casa pequena. Mas Emma, em seu íntimo, decidiu que
ele sabia, sim,
do que falava, e que demonstrava uma propensão
muito amável de se acomodar cedo na vida e de se casar por
motivos dignos. Ele podia não saber muito dos obstáculos à paz
doméstica ocasionados pela falta de um cômodo para a governanta
ou uma antecozinha de tamanho insuficiente, mas sem dúvida
sentia perfeitamente que Enscombe não o tornaria feliz e que,
quando se afeiçoasse a alguém, estaria disposto a abrir mão de
muitos luxos para casar-se cedo.

21
.  Do latim “patriotismo”, aqui indicando a devoção à terra natal.
CAPÍTULO VII

A opinião muito positiva de Emma a respeito de Frank Churchill


ficou um pouco abalada no dia seguinte, quando ouviu que ele tinha
partido para Londres apenas para cortar o cabelo. Um capricho
súbito o tomara ao desjejum, e ele tinha alugado uma carruagem e
partido, pretendendo voltar antes do jantar, mas ao que parecia sem
nenhum propósito mais importante. Certamente não havia
problemas em se deslocar por vinte e cinco quilômetros, ida e volta,
em uma tarefa daquelas, mas havia um ar de janotismo e uma
leviandade no ato que ela não podia aprovar. Não combinava com a
racionalidade de planos, a moderação de gastos ou mesmo o coração
generoso que Emma acreditava ter identificado nele no dia anterior.
Vaidade, extravagâncias, amor por mudanças e um temperamento
inquieto, que precisava estar sempre fazendo algo, bom ou mau;
negligência em relação ao conforto do pai e da sra. Weston,
indiferença ao modo como sua conduta poderia parecer de forma
geral: ele ficou sujeito a todas essas acusações. O pai apenas o
chamou de faceiro e achou a história divertida, mas era evidente
que a sra. Weston não ficara feliz, uma vez que mencionou o
assunto apenas por cima, não fazendo qualquer comentário exceto
que “todas as pessoas jovens têm seus pequenos caprichos”.
Com a exceção desta pequena nódoa, Emma percebeu que até
então a visita tinha dado a sua amiga somente boas impressões dele.
A sra. Weston estava sempre pronta a contar como ele se tornara
um companheiro atencioso e agradável, quanto de aprazível ela
encontrara em seu caráter. Ele parecia ter um temperamento muito
franco, certamente muito alegre e vivaz; ela não conseguira notar
nada de equivocado em suas opiniões, e muito de correto; ele falava
do tio com estima afetuosa, e gostava do assunto (disse que seria o
melhor homem no mundo se deixado por sua própria conta); e
embora não houvesse modo de afeiçoar-se à tia, reconhecia a
gentileza dela com gratidão e parecia determinado a sempre falar
dela com respeito. Tudo isso era muito promissor, e, exceto pelo
capricho tão infeliz de cortar o cabelo, não havia nada que
apontasse que o rapaz seria indigno da honra distinta que a
imaginação dela lhe tinha concedido: a honra de, ainda que não
estivesse realmente apaixonado por ela, estar ao menos próximo
disso, sendo salvo apenas pela própria indiferença de Emma (que
ainda se aferrava à sua resolução de jamais se casar) — a honra, em
suma, de ser escolhido para ela por todos os seus amigos em
comum.
O sr. Weston, da sua parte, acrescentou uma virtude que tinha
certo peso. Ele deu a entender que Frank a admirava
profundamente, que a achava bela e charmosa — e, com tantas
coisas ditas em favor dele de forma geral, ela resolveu não o julgar
com severidade. Como a sra. Weston observara, “todas as pessoas
jovens têm os seus caprichos”.
Havia alguém entre os novos conhecidos dele em Surry que não
era tão leniente. De forma geral ele era julgado, nas paróquias de
Donwell e Highbury, com grande generosidade; muitas ressalvas
eram feitas aos pequenos excessos de um rapaz tão bonito, que
sorria tanto e fazia mesuras tão refinadas. Mas havia um espírito
entre eles cuja censura não se suavizaria por mesuras ou sorrisos —
o sr. Knightley. O caso do corte de cabelo foi contado a ele em
Hartfield; ele ficou em silêncio por um momento, mas logo em
seguida Emma o ouviu murmurar consigo mesmo, por trás do jornal
que segurava:
— Hm! Bem o sujeito tolo e frívolo que eu o considerava.
Ela estava a ponto de protestar, mas, após um momento de
observação, ficou convencida de que o comentário era destinado a
aliviar os próprios sentimentos do sr. Knightley, não a provocá-la, e
decidiu não comentar.
Embora em uma instância não fosse a portadora de boas novas, a
visita do sr. e da sra. Weston naquela manhã foi por outro lado
particularmente oportuna. Algo aconteceu enquanto eles estavam
em Hartfield que fez Emma desejar seu conselho e, o que foi uma
sorte ainda maior, ela esperava exatamente pelo conselho que eles
deram.
A circunstância era a seguinte: os Cole estavam estabelecidos
havia alguns anos em Highbury, e eram pessoas muito boas:
amáveis, generosas e despretensiosas; por outro lado, eram de
origem humilde, gente do comércio, e só moderadamente distintos.
Quando chegaram ao condado pela primeira vez, tinham vivido de
acordo com sua renda, modesta e frugalmente, relacionando-se com
poucas pessoas; mas nos últimos dois anos tinham visto um
aumento considerável de meios — a casa na cidade passara a render
mais, e a sorte em geral sorrira para eles. Com a riqueza, suas
aspirações aumentaram — seu desejo por uma casa maior, sua
inclinação a socializar mais. Ampliaram a casa, o número de criados
e todos os tipos de despesa; e àquela altura, em fortuna e estilo de
vida, ficavam atrás apenas da família de Hartfield. Seu amor por
companhia e sua nova sala de jantar fizeram todos esperar que
promovessem jantares; e algumas reuniões, principalmente entre os
homens solteiros, já tinham ocorrido. Emma não imaginava que
teriam a presunção de convidar as melhores e mais elevadas
famílias — nem de Donwell, nem de Hartfield, nem de Randalls.
Nada poderia tentá-la a ir, se fosse convidada, e ela lamentava que
os hábitos conhecidos do pai dariam à sua recusa menos sentido do
que ela desejaria imprimir. Os Cole eram muito respeitáveis, a seu
próprio modo, mas deviam aprender que não cabia a eles decidir os
termos nos quais as famílias superiores os visitariam. Essa lição, ela
receava fortemente que eles só receberiam dela mesma. Nutria
poucas esperanças de que viesse do sr. Knightley, e nenhuma do sr.
Weston.
Mas tinha decidido o modo como enfrentaria esse atrevimento
tantas semanas antes que ocorresse que, quando o insulto por fim
veio, ela se viu afetada de forma muito diversa. Donwell e Randalls
receberam convites, mas nenhum chegara para o pai e para ela, e a
explicação da sra. Weston de que “suponho que eles não tomarão
essa liberdade com vocês, sabendo que não jantam fora de casa”
não foi suficiente. Ela sentia que devia ter tido o poder de recusar e,
mais tarde, à medida que pensava sem parar no grupo que se
reuniria ali, consistindo precisamente naqueles cuja companhia lhe
era mais cara, não sabia se não teria ficado tentada a aceitar o
convite. Harriet estaria lá de noite, assim como as Bates. Elas
tinham falado disso enquanto caminhavam em Highbury no dia
anterior, e Frank Churchill tinha lamentado a ausência dela muito
sinceramente. Será que a noite não terminaria com dança?, ele
perguntara. A mera possibilidade a irritou ainda mais, e o fato de ser
deixada sozinha, em superioridade solitária, mesmo supondo que a
omissão fora pretendida como um elogio, era um conforto parco.
Foi a chegada deste exato convite enquanto os Weston estavam
em Hartfield que tornava a presença deles tão bem-vinda, pois
embora o primeiro comentário dela, após ler, fosse que
“naturalmente deveria ser recusado”, ela tão logo perguntou a eles o
que a orientavam que o conselho para que comparecesse foi acatado
de imediato.
Ela admitiu que, apesar de tudo, não estava totalmente
desinclinada a ir à festa. Os Cole se expressaram de modo bastante
apropriado — sua linguagem era muito atenciosa e demonstrava
grande consideração pelo pai dela. Eles teriam solicitado a honra
antes, mas vinham esperando a chegada de um anteparo de Londres
que esperavam que mantivesse o sr. Woodhouse protegido de
qualquer corrente de ar, deixando-o mais propenso a conceder-lhes
a honra de sua companhia. De modo geral, ela foi persuadida com
facilidade, e após rapidamente acordarem como isso poderia ocorrer
sem negligenciar o conforto dele — como podiam decerto contar
com a sra. Goddard, se não a sra. Bates, para lhe fazer companhia
—, o sr. Woodhouse passou a ser convencido a aquiescer à saída da
filha em um dia tão próximo, passando a noite toda longe dele.
Quanto à ida dele
, Emma não queria que cogitasse a possibilidade;
a festa terminaria tarde demais, e o grupo seria numeroso demais.
Ele logo ficou resignado.
— Não aprecio visitas no jantar — disse ele. — Nunca apreciei.
Emma também não. Horas tardias não combinam conosco. Lamento
que o sr. e a sra. Cole tenham feito isso. Acho que teria sido muito
melhor se tivessem vindo de tarde, no próximo verão, e tomado chá
conosco… levar-nos para sua caminhada ao fim da tarde, o que seria
simples dado que jantamos a uma hora tão razoável, e ainda voltar
para casa sem precisar passar pela umidade da noite. O orvalho de
uma noite de verão é algo a que eu não exporia nenhum corpo.
Entretanto, como querem tanto que a querida Emma jante com
eles, como vocês dois estarão lá, e o sr. Knightley também, para
cuidar dela, não posso impedi-la, contanto que o tempo esteja
apropriado, nem úmido, nem frio, nem ventoso. — Então, virando-
se para a sra. Weston, com um olhar de censura gentil: — Ah, srta.
Taylor! Se não tivesse se casado, teria ficado em casa comigo.
— Bem, senhor — exclamou o sr. Weston —, uma vez que eu
tirei a srta. Taylor de vocês, é meu dever garantir que o lugar dela
seja ocupado, e vou passar na escola da sra. Goddard agora mesmo,
se o senhor desejar.
Mas a ideia de qualquer coisa ser feita agora mesmo

aumentou, em vez de reduzir, a agitação do sr. Woodhouse. As
damas sabiam como aliviá-la. O sr. Weston devia se calar e tudo
seria apropriadamente arranjado.
Com esse tratamento, o sr. Woodhouse logo se recobrou o
suficiente para conversar como de costume. Ele ficaria feliz em ver
a sra. Goddard. Tinha uma grande estima pela sra. Goddard, e
Emma deveria escrever um convite para ela. James podia levar o
recado. Mas, antes de tudo, ela deveria preparar uma resposta à sra.
Cole.
— Você se desculpará por mim, minha querida, o mais
educadamente possível. Diga que sou um inválido e não vou a lugar
algum, portanto devo recusar o convite tão amável deles,
começando com os meus cumprimentos,
é claro. Mas você vai fazer
tudo certo. Não preciso lhe dizer o que deve ser feito. Precisamos
lembrar de avisar James de que precisaremos da carruagem na
terça-feira. Não vou temer por você, se estiver com ele. Não subimos
até a casa deles desde que a nova entrada foi feita, mas ainda assim
não tenho dúvidas de que James a levará em segurança. E, quando
chegar lá, avise que horas ele deve retornar para buscá-la, e é
melhor ser cedo. Não vai gostar de ficar fora até tarde. Vai se cansar
após o chá.
— Mas o senhor não gostaria que eu viesse antes de estar
cansada, não é, papai?
— Ah, não, meu amor, mas logo você vai se cansar. Haverá
tantas pessoas falando ao mesmo tempo. Você não vai gostar do
barulho.
— Mas, meu caro senhor — exclamou o sr. Weston —, se Emma
voltar cedo, a festa vai acabar.
— E não há problema se isso acontecer — replicou o sr.
Woodhouse. — Quanto antes a festa acabar, melhor.
— Mas o senhor não está pensando em como os Cole se
sentiriam. Se Emma voltar logo após o chá, pode parecer uma
ofensa. Eles são pessoas modestas, sem grandes pretensões, mas
ainda sentirão que alguém sair cedo não é um grande elogio, e se for
a srta. Woodhouse, será pior que qualquer outra pessoa na sala. O
senhor não deseja decepcionar e insultar os Cole, tenho certeza; são
tão amáveis, pessoas do melhor tipo, e são seus vizinhos há dez
anos
.
— Não, de forma alguma. Sr. Weston, agradeço-o muito por me
lembrar. Eu lamentaria muito se lhes causasse qualquer dor. Sei
como são pessoas dignas. Perry me diz que o sr. Cole nunca toca em
licor de malte. Não se pensaria isso só de olhar para ele, mas ele é
bilioso, o sr. Cole é muito bilioso. Não, eu não gostaria de ser a
causa de qualquer dor para eles. Minha querida Emma, devemos
levar isso em consideração. Tenho certeza de que, em vez de
arriscar magoar o sr. e a sra. Cole, você preferiria ficar um pouco
mais do que desejaria. Não vai reparar no cansaço. Estará
perfeitamente a salvo, sabe, entre seus amigos.
— Ah, sim, papai. Não sinto nenhum temor por mim mesma,
nem escrúpulos por ficar tão tarde quanto a sra. Weston, só penso
no seu bem. Receio que o senhor me espere acordado. Não me
preocupo com o seu conforto com a sra. Goddard. Ela adora piquet
22
, sabe, mas, quando ela voltar para a casa dela, não quero que o

senhor fique sentado sozinho em vez de deitar-se na sua hora de


sempre, e pensar nisso destruiria completamente a minha paz de
espírito. O senhor precisa me prometer que não vai esperar
acordado.
Ele prometeu, sob a condição de que Emma também fizesse
algumas promessas: que, se voltasse para casa com frio, se
aqueceria plenamente; se voltasse com fome, pegaria algo para
comer; que sua criada esperaria por ela; e que Serle e o mordomo
cuidassem para que tudo na casa estivesse seguro, como sempre.

22
.  Jogo de cartas para duas pessoas.
CAPÍTULO VIII

Frank Churchill retornou e, se obrigou o pai a adiar o seu jantar,


a notícia não chegou em Hartfield, pois a sra. Weston estava ansiosa
demais para que ele fosse benquisto pelo sr. Woodhouse para trair
qualquer imperfeição que pudesse ser disfarçada.
Ele voltou, tinha cortado o cabelo, e riu de si mesmo com muito
bom humor, mas sem parecer realmente envergonhado do que
fizera. Não tinha motivo para desejar que o cabelo crescesse, a fim
de ocultar qualquer confusão em seu rosto; nenhum motivo para se
arrepender do gasto, a fim de melhorar seu ânimo. Estava tão
intrépido e brincalhão quanto sempre e, após vê-lo, Emma
moralizou da seguinte forma consigo mesma: Não sei se é certo,
mas certamente atos tolos deixam de ser tolos se feitos por pessoas
sensatas de um modo franco. A maldade é sempre maldade, mas a
insensatez nem sempre é insensatez. Depende do caráter dos que a
realizam. Sr. Knightley, ele
não é um jovem tolo e frívolo. Se fosse,
teria feito isso de outra forma. Ou teria se regozijado com o feito
ou se envergonhado dele. Teríamos visto ou a ostentação de um
janota ou as evasões de uma mente fraca demais para defender as
próprias vaidades. Não, tenho certeza de que ele não é tolo nem
frívolo.
Na terça-feira, houve uma chance agradável de revê-lo, e por um
período maior do que até então; de julgar seus modos gerais e, por
inferência, o sentido destes modos em relação a Emma; de estimar
quão cedo seria necessário que ela infundisse frieza em seus ares, e
de imaginar quais seriam as observações de todos aqueles que agora
os viam juntos pela primeira vez.
Ela estava determinada a ficar muito contente, apesar de a festa
ser na casa do sr. Cole; ainda que não conseguisse esquecer que,
entre os defeitos do sr. Elton, mesmo na época em que era um
favorito, nenhum a tinha perturbado mais do que sua inclinação a
jantar com o sr. Cole.
O conforto do pai estava plenamente assegurado, uma vez que a
sra. Bates e a sra. Goddard ambas conseguiram vir; e o último dever
de Emma, antes de sair de casa, foi prestar as devidas cortesias às
duas quando se sentaram após o jantar, e, enquanto o pai
afetuosamente comentava sobre a beleza de seus trajes, compensar
as duas damas de todas as formas à sua disposição, ajudando-as a
servirem-se de fatias grandes de bolo e taças de vinho fartas para
compensar qualquer autonegação relutante que os cuidados dele
com a constituição delas poderiam tê-las obrigado a praticar
durante a refeição. Ela providenciara um jantar abundante, e
gostaria de saber que elas tiveram a chance de desfrutá-lo.
Ela seguiu outra carruagem até a porta do sr. Cole, e ficou feliz
ao ver que era a do sr. Knightley — pois este, não mantendo cavalos
próprios e possuindo pouco dinheiro extra e muita saúde, vigor e
independência, era propenso demais, na opinião de Emma, a
deslocar-se de qualquer outra forma e não usar sua carruagem tanto
quanto seria apropriado ao senhor da Abadia de Donwell. Agora ela
tinha uma oportunidade de expressar sua aprovação de todo
coração, pois ele parou para estender-lhe a mão.
— Hoje você veio da maneira adequada — disse ela —, como um
cavalheiro. Estou muito feliz por vê-lo.
Ele agradeceu e observou:
— É uma sorte termos chegado no mesmo momento, pois, se eu
tivesse entrado primeiro na sala de visitas, duvido que teria me
distinguido como mais cavalheiresco que de costume. Poderia não
ter percebido de que modo eu vim, por meu aspecto ou maneiras.
— Teria, sim, tenho certeza. Há sempre um ar de consciência ou
agitação quando as pessoas chegam de uma forma que sabem estar
abaixo de si. Você considera se portar muito bem, ouso dizer, mas
com você é uma espécie de bravata, um ar de indiferença afetada
que sempre observo quando o encontro sob essas circunstâncias.
Agora
, não deixa nada a desejar. Não receia que alguém o suponha
encabulado. Não está tentando parecer mais alto que qualquer outra
pessoa. Agora,
eu ficarei muito feliz de entrar na sala com você.
— Garota absurda! — foi a resposta dele, mas dita sem qualquer
raiva.
Emma tinha tantos motivos para ficar satisfeita com o resto do
grupo quanto com o sr. Knightley. Foi cumprimentada com um
respeito cordial que haveria de agradar a ela, e recebida com toda a
pompa e cerimônia que poderia desejar. Quando os Weston
chegaram, os olhares mais amorosos e a admiração mais forte se
dirigiram a ela da parte do marido e da esposa; o filho se aproximou
dela com uma alegria entusiasmada que a sinalizou como seu objeto
de atenção particular, e no jantar ela o encontrou sentado ao seu
lado — não sem certa destreza da parte dele, conforme Emma
acreditava firmemente.
O grupo era bastante grande, uma vez que incluía mais uma
família — uma família distinta do interior a que não se podia fazer
objeção e que os Cole tinham a vantagem de contar entre seus
amigos — e o lado masculino da família do sr. Cox, o advogado de
Highbury. As mulheres mais humildes chegariam à noite, com a
srta. Bates, a srta. Fairfax e a srta. Smith, mas já ao jantar havia
companhia demais para que qualquer assunto de conversa chegasse
a todos; e enquanto política e o sr. Elton eram discutidos, Emma
pôde dedicar tranquilamente toda sua atenção à amabilidade do seu
vizinho. O primeiro som remoto ao qual ela se sentiu obrigada a
atentar foi o nome de Jane Fairfax. A sra. Cole parecia estar
relatando algo sobre ela que prometia ser muito interessante. Emma
escutou e descobriu que valia muito a pena. Aquela parte muito
cara a Emma — sua imaginação — recebeu subsídios divertidos. A
sra. Cole estava contando que tinha ido visitar a srta. Bates e, assim
que entrou na sala, ficou impressionada ao ver um piano — um
instrumento muito elegante; não um piano de cauda, mas um
grande piano retangular — e o resumo da história, a conclusão que
resultou em surpresa e questionamentos e parabenizações da parte
dela e explicações da parte da srta. Bates, era que este piano tinha
chegado da Broadwood’s
23
no dia anterior, para o grande espanto da
tia e da sobrinha. Era inteiramente inesperado, de forma que, a
princípio, segundo contou a srta. Bates, a própria Jane ficou
perplexa e desnorteada, sem saber quem poderia tê-lo
encomendado. No momento, entretanto, ambas estavam bastante
convencidas de que podia ter vindo apenas de uma pessoa.
Naturalmente, devia ser um presente do coronel Campbell.
— Não se pode supor outra coisa — acrescentou a sra. Cole — e
eu só fiquei surpresa que pudesse haver qualquer dúvida. Mas
parece que Jane tinha recebido uma carta deles muito
recentemente e nela não foi dita uma palavra sequer a esse respeito.
Ela conhece o jeito deles melhor que qualquer um, mas eu não
consideraria o seu silêncio como prova de que não pretendiam dar o
presente. Podem ter escolhido surpreendê-la.
Muitos estavam de acordo com a sra. Cole, e todos que falaram
sobre o assunto ficaram igualmente convencidos de que devia ter
vindo do coronel Campbell e se alegraram com o presente, e havia
convidados suficientes dispostos a falar para permitir que Emma
pensasse a seu próprio modo, ao mesmo tempo que escutava a sra.
Cole.
— Juro, não sei se já ouvi qualquer coisa que me deixasse mais
satisfeita! Sempre lamentei que Jane Fairfax, que toca tão
lindamente, não tivesse um instrumento. Parecia uma pena, em
especial considerando em quantas casas belos instrumentos são
absolutamente desperdiçados. Foi um tapa em nossa cara, com
certeza! Justo ontem eu estava dizendo ao sr. Cole que ficava
envergonhada de olhar nosso novo piano de cauda na sala de visitas
quando não sei diferenciar uma nota da outra e as nossas meninas,
que estão apenas começando a aprender, talvez nunca se tornem
proficientes; e lá está a pobre Jane Fairfax, tão habilidosa, sem
nenhum instrumento, nem uma pequena espineta, para se entreter.
Eu estava dizendo isso ao sr. Cole ontem mesmo e ele concordou
comigo, exceto que ele gosta tanto de música que não conseguiu
resistir e o comprou, esperando que algum dos nossos bons vizinhos
fizesse o favor de ocasionalmente empregá-lo melhor do que nós
poderíamos. E é esse o verdadeiro motivo de o ter comprado, caso
contrário deveríamos nos envergonhar. Temos grandes esperanças
de que a srta. Woodhouse possa ser persuadida a tocá-lo esta noite.
A srta. Woodhouse aquiesceu apropriadamente e, vendo que
mais nada seria extraído da sra. Cole, virou-se para Frank Churchill.
— Por que você está sorrindo? — perguntou ela.
— Por que você
está sorrindo?
— Eu! Suponho que sorrio de prazer com a ideia de que o
coronel Campbell é tão rico e tão generoso. É um belo presente.
— Muito.
— Só acho estranho não ter sido dado antes.
— Talvez a srta. Fairfax nunca tenha passado tanto tempo aqui
antes.
— Ou ele não quis conceder a ela o uso do próprio piano, que
agora deve estar trancado em Londres, intocado por qualquer
pessoa.
— Aquele é um piano de cauda, e ele pode ter pensado que seria
grande demais para a casa da sra. Bates.
— Você pode
dizer
o que quiser, mas o seu semblante prova que
suas ideias
sobre o assunto são muito parecidas com as minhas.
— Não sei. Acredito que me está dando mais crédito pela minha
perspicácia do que eu mereço. Eu sorrio porque você sorri, e
provavelmente suspeito do que quer que suspeite, mas no momento
não vejo o que há para ser questionado. Se não foi o coronel
Campbell quem a presenteou, quem pode ser?
— Que tal a sra. Dixon?
— A sra. Dixon! É mesmo, é verdade. Não tinha pensado na sra.
Dixon. Ela deve saber, assim como o pai, como um instrumento
seria bem-vindo, e talvez o modo de presenteá-lo, o mistério, a
surpresa, esteja mais próximo ao plano de uma jovem mulher do
que de um idoso. Foi a sra. Dixon, eu arriscaria dizer. Eu disse a
você que suas suspeitas guiariam as minhas.
— Se é o caso, deve estender as suas suspeitas e abranger o sr.
Dixon também.
— O sr. Dixon. Muito bem. Sim, logo vejo que deve ter sido um
presente conjunto do sr. e da sra. Dixon. Estávamos justamente
falando, no outro dia, sabe, sobre como ele era um admirador tão
efusivo das habilidades dela.
— Sim, e o que me contou quanto a isso confirmou uma ideia
que eu já considerara antes. Não pretendo tecer reflexões sobre as
boas intenções do sr. Dixon nem da srta. Fairfax, mas não posso
deixar de suspeitar que, depois de fazer sua proposta de casamento
à amiga dela, ele teve o infortúnio de se apaixonar por
ela
, ou se
tornou ciente de uma afeição da parte dela. Poderíamos conjecturar
vinte possibilidades sem acertar exatamente a correta, mas tenho
certeza de que deve haver uma causa particular para ela ter
escolhido vir a Highbury em vez de acompanhar os Campbell à
Irlanda. Aqui, ela precisa levar uma vida de privações e penitência;
lá, vivenciaria só prazeres. Quanto ao pretexto de experimentar os
ares de sua terra natal, vejo como uma simples desculpa. No verão
até teria sido razoável, mas o que os ares natais podem fazer a
alguém nos meses de janeiro, fevereiro e março? Boas lareiras e
carruagens seriam muito mais úteis na maioria dos casos de saúde
delicada e, arrisco dizer, no dela. Não exijo que adote todas as
minhas suspeitas, embora declare adotá-las com tanta nobreza,
apenas conto sinceramente quais são elas.
— E, palavra, elas têm um ar de grande probabilidade. Quanto
ao sr. Dixon preferir ouvi-la tocar, em vez da amiga, eu posso
confirmar definitivamente.
— E ele ainda salvou a vida dela. Ouviu falar disso? Era uma
festa na água e, por algum acidente, ela quase caiu no mar. Ele a
segurou.
— Segurou mesmo. Eu estava lá, era um dos convidados.
— Era mesmo? Ora… mas não observou nada, é claro, pois
parece-lhe ser novidade. Se eu estivesse lá, acho que teria feito
algumas descobertas.
— Ouso dizer que teria, mas eu, como um homem simples, não
vi nada além do fato de que a srta. Fairfax quase foi lançada da
embarcação até que o sr. Dixon a segurou. Tudo se deu em um
segundo. E embora o choque e o alarme consequentes tenham sido
grandes e muito mais duradouros… de fato, creio que se passou
meia hora até qualquer um de nós ficar tranquilo de novo… a
sensação foi generalizada demais para que qualquer sinal de uma
ansiedade particular fosse observável. Não pretendo dizer, no
entanto, que a senhorita não poderia ter descoberto algo.
A conversa foi interrompida neste ponto. Eles foram convocados
a compartilhar do desconforto de um intervalo um tanto longo entre
os pratos, e obrigados a ser tão formais e contidos quanto os outros
convidados, mas, quando a mesa foi coberta mais uma vez e cada
prato disposto exatamente no seu lugar preciso nos cantos da mesa,
e as conversas e a tranquilidade geral foram recuperadas, Emma
disse:
— A chegada desse piano é decisiva para mim. Estava querendo
saber um pouco mais, e isso me diz o bastante. Confie em mim, logo
ficaremos sabendo que foi um presente do sr. e da sra. Dixon.
— E se os Dixon negarem todo conhecimento do caso, devemos
concluir que veio dos Campbell.
— Não, tenho certeza de que não veio dos Campbell. A srta.
Fairfax sabe que não foi deles ou teria sido seu primeiro palpite. Ela
não teria ficado perplexa se pensasse que havia qualquer chance de
ser deles. Posso não ter convencido você, talvez, mas eu mesma
estou perfeitamente convencida de que o sr. Dixon é o principal
suspeito no caso.
— Você me ofende se supõe que não estou convencido. Seu
raciocínio convenceu-me inteiramente. A princípio, enquanto eu a
supunha satisfeita com a hipótese de que o coronel Campbell tinha
dado o presente, vi-o apenas como uma gentileza paternal e pensei
que seria a coisa mais natural do mundo. Mas, quando você
mencionou a sra. Dixon, senti que era mais provável que fosse o
tributo de uma amizade feminina afetuosa. E agora não o vejo sob
nenhuma outra luz exceto a de uma oferenda amorosa.
Não houve chance de discutir a questão mais a fundo. A
convicção pareceu real; ele parecia senti-la. Ela não disse mais
nada. Outros assuntos foram levantados, e o resto do jantar se
passou assim; a sobremesa se seguiu, as crianças entraram e foram
discutidas e admiradas em meio às conversas usuais; foram ditas
algumas coisas espirituosas, algumas completamente tolas, mas, em
uma proporção muito maior, nem uma nem outra — nada pior que
observações corriqueiras, repetições enfadonhas, novidades antigas
e piadas sem graça.
As damas não estavam na sala de visitas havia muito tempo
quando chegaram as outras, em seus diferentes grupos. Emma
observou a entrada de sua amiga particular; e, se não podia deleitar-
se com a dignidade e a graça dela, podia não apenas apreciar sua
doçura florescente e seus modos sinceros, mas também se regozijar
do fundo do coração com aquela disposição leve, alegre e sensata
que lhe propiciou um alívio prazeroso em meio às dores da afeição
frustrada. Lá estava ela — e quem teria adivinhado quantas lágrimas
tinha derramado ultimamente? Estar entre pessoas, ela mesma
bem-vestida e vendo os outros bem-vestidos, sentar-se e sorrir e
exibir sua beleza, sem dizer nada, era suficiente para a felicidade
momentânea. Jane Fairfax de fato tinha uma aparência e modos
superiores, mas Emma suspeitava que ela teria ficado feliz de trocar
sentimentos com Harriet, muito contente por ter sofrido a
mortificação de ter amado — sim, de ter amado até o sr. Elton em
vão — em troca de todo o prazer arriscado de saber-se amada pelo
marido da amiga.
Em um grupo tão grande, não era necessário que Emma se
aproximasse dela. Não queria abordar o assunto do piano, sentindo
que sabia demais sobre o segredo para que a aparência de
curiosidade ou interesse fosse justa, portanto manteve uma
distância proposital. Contudo, por meio dos outros, o assunto foi
quase imediatamente introduzido, e ela viu o rubor de embaraço
com que os cumprimentos foram recebidos e o rubor de culpa que
acompanhou o nome do “meu excelente amigo, o coronel
Campbell”.
A sra. Weston, gentil e musical, estava particularmente
interessada na história, e Emma não conseguiu conter seu
divertimento com a perseverança dela em discutir o assunto: tinha
tanto a perguntar e dizer quanto a tom, teclas e pedais que estava
em absoluto alheia ao sentimento que Emma lia claramente no
semblante da bela heroína, que parecia querer falar o mínimo
possível sobre o assunto.
Logo alguns dos cavalheiros se juntaram a elas, e o primeiro
entre os primeiros foi Frank Churchill. Lá veio ele, o mais adiantado
e elegante, e, logo após prestar as devidas cortesias en passant
à
srta. Bates e à sobrinha dela, seguiu diretamente até o lado oposto
do círculo, onde a srta. Woodhouse estava acomodada, e recusou-se
a sentar até conseguir um lugar ao lado dela. Emma adivinhava o
que todos os presentes deviam estar pensando. Ela era o alvo das
atenções dele, e todos deviam ter notado. Ela o apresentou à sua
amiga, a srta. Smith, e, mais tarde, em momentos convenientes,
ouviu o que cada um pensava do outro. Ele nunca tinha visto um
rosto tão adorável, e ficou encantado com a inocência dela. E ela,
com a certeza de estar fazendo um elogio exagerado, achava que
havia algo nos ares dele que recordava o sr. Elton. Emma conteve
sua indignação e apenas se virou em silêncio.
Sorrisos cúmplices foram trocados entre ela e o cavalheiro
quando olharam para a srta. Fairfax pela primeira vez, mas era mais
sensato evitar discuti-la. Ele contou que estivera impaciente para
deixar a sala de jantar — odiava ficar sentado por muito tempo, e
era sempre o primeiro a levantar-se assim que possível — e que
tinha deixado o pai dele, o sr. Knightley, o sr. Cox e o sr. Cole
compenetrados na discussão de assuntos da paróquia; entretanto,
enquanto permanecera lá, tinha sido razoavelmente agradável, e ele
os achava em geral um conjunto de homens cavalheirescos e
razoáveis, e falou em termos tão elogiosos de Highbury de forma
geral — achava-a tão rica em famílias amáveis — que Emma
começou a sentir que estava acostumada demais a desprezar o local.
Ela perguntou sobre a sociedade em Yorkshire, a extensão da
vizinhança ao redor de Enscombe e questões afins — e pôde
concluir, com base nas respostas dele, que não havia muito
movimento em Enscombe; que suas visitas incluíam certo número
de famílias de elevada posição social, nenhuma muito próxima; que,
mesmo quando um dia era decidido e o convite aceito, havia uma
grande chance de que a sra. Churchill não estivesse com saúde ou
ânimo para sair; que eles faziam questão de nunca visitar novos
residentes; e que, embora ele tivesse seus próprios compromissos,
não era sem dificuldade, sem uma habilidade considerável, às vezes
, que conseguia se ausentar ou trazer um conhecido para casa à
noite.
Emma viu que Enscombe não o satisfazia, e que Highbury,
tomada em seus melhores aspectos, poderia razoavelmente agradar
a um jovem que vivia mais isolado do que gostaria em seu lar. A
importância dele em Enscombe era evidente. Ele não se vangloriou,
mas o fato se revelou de forma natural quando contou que por vezes
persuadia a tia embora o tio não conseguisse fazê-lo, e, quando
Emma riu e apontou esse fato, ele admitiu que acreditava poder,
com o tempo
, convencê-la a aceitar qualquer coisa (excetuando um
ou dois pontos). Então mencionou um desses pontos nos quais sua
influência falhava. Quisera muito viajar ao exterior — estivera
muito ansioso para partir —, mas ela se recusava a cogitar a
possibilidade. Isso tinha acontecido no ano anterior. Agora,
ele
disse, começava a não ter mais o mesmo desejo.
Emma supôs que outro ponto em que a tia não era persuadível e
que ele não mencionou seria um bom comportamento em relação
ao pai.
— Fiz uma descoberta desoladora — disse ele após uma breve
pausa. — Amanhã, estarei aqui há uma semana, metade do meu
tempo. Nunca soube que os dias podiam passar tão depressa. Uma
semana, amanhã! E mal comecei a desfrutar minha estadia. Acabei
de conhecer a sra. Weston e os outros! Odeio pensar nisso.
— Talvez o senhor agora se arrependa de ter passado um dia
inteiro, entre tão poucos, cortando o cabelo.
— Não — disse ele, sorrindo —, isso não é nenhum motivo de
arrependimento. Não sinto prazer em ver meus amigos se não me
acreditar digno de ser visto.
Como o resto dos cavalheiros agora estava na sala, Emma se viu
obrigada a dar as costas a ele por alguns minutos e ouvir o sr. Cole.
Quando o sr. Cole se afastou e ela pôde voltar sua atenção ao foco
anterior, viu Frank Churchill olhando atentamente para a srta.
Fairfax, que estava sentada do outro lado da sala.
— O que foi? — perguntou ela.
Ele se sobressaltou.
— Agradeço por me despertar — respondeu. — Creio que estou
sendo muito indelicado, mas a srta. Fairfax arrumou o cabelo de um
jeito estranho… tão estranho… que não consigo afastar os olhos
dela. Nunca vi nada tão outrée
24
! Aqueles cachos! Deve ser uma
preferência dela; não vejo mais nenhuma dama assim! Devo ir
perguntar se é uma moda irlandesa. O que acha? Sim, eu vou, vou
mesmo, e a senhorita julgará como ela leva o questionamento e se
enrubesce.
Ele foi imediatamente, e Emma logo o viu parado diante da srta.
Fairfax e falando com ela. No entanto, quanto ao efeito que isso teve
na jovem, uma vez que ele tinha se posicionado bem entre elas,
diante da srta. Fairfax, ela não conseguiu distinguir nada.
Antes que ele pudesse retornar, seu assento foi tomado pela sra.
Weston.
— Esse é o luxo de uma festa grande — disse ela. — Podemos
nos aproximar de todos e dizer tudo que desejamos. Minha querida
Emma, eu estava ansiosa para falar com você. Tenho feito
descobertas e planos, assim como você, e devo contá-los enquanto
as ideias estão frescas. Você sabe como a srta. Bates e sua sobrinha
chegaram aqui?
— Como? Elas foram convidadas, não foram?
— Ah, sim! Mas a maneira como chegaram?
— Imagino que caminharam. De que outra maneira viriam?
— É verdade. Bem, um tempinho atrás me ocorreu que seria
uma pena fazer Jane Fairfax voltar para casa a pé, tão tarde, com as
noites frias como estão agora. E enquanto olhava para ela, pensando
que nunca a vi parecer tão bela, ocorreu-me que parecia um pouco
afogueada e ficaria particularmente sujeita a pegar um resfriado.
Pobre garota! Não conseguia suportar a ideia; então, assim que o sr.
Weston entrou na sala e pude ir até ele, falei sobre a carruagem.
Você pode adivinhar como ele logo partilhou do meu desejo e, tendo
a sua aprovação, eu segui diretamente até a srta. Bates, para
garantir a ela que a carruagem estaria a seu serviço antes de nos
levar para casa, pois pensei que isso a tranquilizaria. Aquela boa
alma! Ela ficou o mais grata possível, sem dúvida. Nunca houve uma
pessoa tão afortunada quanto ela! Mas, com muitos e muitos
agradecimentos, disse que não havia motivo para nos
preocuparmos, pois a carruagem do sr. Knightley as tinha trazido e
as levaria de volta. Eu fiquei muito surpresa; muito feliz, decerto,
mas realmente muito surpresa. Uma cortesia tão gentil, e tão
atenciosa, é o tipo de coisa que poucos homens pensariam em fazer.
Em suma, conhecendo os hábitos dele, estou muito inclinada a
pensar que foi só pelo conforto delas que sequer usou a carruagem.
Suspeito que ele não teria atrelado um par de cavalos para si e que
foi só um pretexto para ajudar.
— É muito provável — disse Emma —, não há nada mais
provável. Não conheço nenhum homem mais propenso a fazer algo
do tipo, a realizar qualquer ato realmente amável, útil, atencioso ou
benevolente, do que o sr. Knightley. Ele não é um homem galante,
mas é muito compassivo e, considerando a saúde frágil de Jane
Fairfax, isso pareceria a ele uma questão de compaixão… e, para
um ato de gentileza sem ostentação, não há ninguém em que eu
apostaria mais do que no sr. Knightley. Sei que ele veio de
carruagem hoje, pois chegamos juntos, e eu ri por conta disso, mas
ele não disse uma palavra sequer para trair a verdade.
— Bem — disse a sra. Weston, sorrindo —, você lhe dá crédito
por uma benevolência mais simples e desinteressada neste caso do
que eu, pois, enquanto a srta. Bates estava falando, uma suspeita
entrou em minha cabeça e eu não consigo mais afastá-la. Quanto
mais penso, mais provável me parece. Em suma, estou pensando
numa união entre o sr. Knightley e a srta. Fairfax. Veja as
consequências de fazer companhia a você! O que diz da minha
ideia?
— O sr. Knightley e a srta. Fairfax! — exclamou Emma. —
Querida sra. Weston, como pôde pensar numa coisa dessas? O sr.
Knightley! O sr. Knightley não pode se casar! Você não gostaria que
o pequeno Henry perdesse Donwell, não é? Ah! Não, não, Henry
deve ficar com Donwell. Não posso consentir que o sr. Knightley se
case, e tenho certeza de que não é nada provável. Estou espantada
que tenha sequer considerado.
— Minha querida, eu lhe disse o que me levou a pensar nisso.
Não desejo o casamento nem quero prejudicar o querido Henry, mas
a ideia me foi sugerida pelas circunstâncias e, se o sr. Knightley
realmente desejar se casar, você gostaria que ele se contivesse por
conta de Henry, um garoto de seis anos que não sabe nada sobre a
questão?
— Gostaria, sim. Não suportaria ver Henry suplantado. O sr.
Knightley, se casar! Não, nunca pensei na possibilidade, e não posso
aceitá-la agora. E com Jane Fairfax, de todas as mulheres!
— Ela sempre foi uma favorita dele, como você bem sabe.
— Mas a imprudência dessa união!
— Não falo da prudência, apenas da probabilidade.
— Não vejo qualquer probabilidade, a não ser que você tenha
alguma base mais sólida do que mencionou. A gentileza e
compaixão dele, eu lhe garanto, seriam suficientes para justificar o
uso da carruagem. Ele tem uma grande consideração pelas Bates,
sabe, independentemente de Jane Fairfax, e está sempre disposto a
ser cordial com elas. Minha querida sra. Weston, não se torne
casamenteira. Não é boa nisso. Jane Fairfax, senhora da Abadia! Ah,
não, não! Todos os sentimentos se rebelam com essa ideia. Pelo
bem dele, eu não gostaria que fizesse algo tão insensato.
— Imprudente, talvez, mas não insensato. Excetuando uma
desigualdade de fortuna, e talvez certo desnível de idade, não vejo
nada inadequado na união.
— Mas o sr. Knightley não deseja se casar. Tenho certeza de que
não tem qualquer intenção de fazer isso. Não coloque a ideia na
cabeça dele. E por que deveria se casar? É tão feliz quanto possível
sozinho; com sua fazenda, e suas ovelhas, e sua biblioteca, e todas
as questões da paróquia para administrar, e é muito afeiçoado aos
filhos do irmão. Não tem por que se casar, seja para preencher seu
tempo ou seu coração.
— Querida Emma, contanto que ele pense assim, nada mudará.
Mas se ele de fato amar Jane Fairfax…
— Que bobagem! Ele não se importa com Jane Fairfax. Não com
essas intenções, tenho certeza. Faria qualquer gentileza a ela ou à
família dela, mas…
— Bem — disse a sra. Weston, rindo —, talvez a maior gentileza
que poderia fazer a elas seria oferecer a Jane um lar respeitável.
— Se seria benéfico para ela, tenho certeza de que seria
prejudicial para ele, uma associação vergonhosa e degradante.
Como ele suportaria ter a srta. Bates como parente? Vê-la
assombrando a Abadia, e agradecendo-lhe o dia todo por sua grande
gentileza ao se casar com Jane? “Ele é tão gentil e prestativo! Mas,
também, sempre foi um vizinho tão gentil!” E então sair voando, em
meio a uma frase entrecortada, para as anáguas da mãe idosa. “Não
que fossem anáguas tão velhas, pois ainda durariam muito tempo, e,
de fato, devo dizer que as anáguas de todas nós são muito
resistentes.”
— Que vergonha, Emma! Não a imite. Assim me faz rir contra a
minha consciência. Mas, palavra, não acho que o sr. Knightley
ficaria muito incomodado com a srta. Bates. Pequenos
inconvenientes não o aborrecem. Ela poderia falar à vontade, e, se
ele quisesse dizer algo, só falaria mais alto e abafaria a voz dela. Mas
a questão não é se seria uma associação prejudicial para ele, mas se
ele a deseja, e acho que sim. Eu o ouvi falar muito bem de Jane
Fairfax, assim como você deve ter ouvido! O interesse que ele tem
na moça, sua ansiedade sobre a saúde dela e sua preocupação por
ela não ter melhores perspectivas na vida! Eu o ouvi se expressar
tão calorosamente quanto a esses pontos! Ele admira tanto as
habilidades dela no piano, e a sua voz! Já o ouvi dizer que poderia
escutá-la para sempre. Ah, e tinha quase esquecido uma ideia que
me ocorreu: aquele piano foi enviado a ela por alguém e, embora
todos estivéssemos satisfeitos a considerá-lo um presente dos
Campbell, não poderia ser do sr. Knightley? Não posso evitar uma
suspeita. Acho que ele é bem o tipo de pessoa que faria algo assim,
mesmo sem estar apaixonado.
— Então não pode ser um argumento para defender que esteja
apaixonado. Mas não acho que seja provável. O sr. Knightley não faz
nada de maneira misteriosa.
— Eu o ouvi lamentar muitas vezes o fato de ela não ter um
instrumento, mais vezes do que suponho que uma circunstância
como essas ocorreria a ele normalmente.
— Muito bem, mas, se tivesse a intenção de lhe dar o piano, ele
teria dito a ela.
— Pode ter tido escrúpulos por delicadeza, minha querida
Emma. Tenho um pressentimento muito forte de que veio dele. Ele
ficou particularmente calado quando a sra. Cole nos contou sobre o
presente no jantar.
— Você teve uma ideia, sra. Weston, e deu asas à imaginação,
como muitas vezes me repreendeu por fazer. Não vejo qualquer
sinal de afeto, não acredito nem um pouco na teoria sobre o piano e
só provas concretas poderiam me convencer de que o sr. Knightley
tem qualquer intenção de se casar com Jane Fairfax.
Elas discutiram por mais um tempo da mesma forma, com
Emma ganhando terreno sobre a mente da amiga, pois das duas a
sra. Weston era a mais acostumada a ceder — até que certa
comoção na sala indicou que o chá tinha terminado e que o piano
estava sendo preparado, e no mesmo momento o sr. Cole
aproximou-se para perguntar se a srta. Woodhouse lhes faria a
honra de experimentá-lo. Frank Churchill — do qual, enquanto
conversava atentamente com a sra. Weston, ela não tinha visto nada
exceto que se sentara ao lado da srta. Fairfax — veio atrás do sr.
Cole e acrescentou suas súplicas insistentes; e como, em todos os
aspectos, Emma era mais inclinada a liderar, ela aceitou com
educação.
Conhecia as limitações de suas próprias capacidades bem
demais para arriscar-se com algo além do que poderia tocar com
proficiência; não lhe faltava nem gosto nem alma nas pequenas
peças que são geralmente aceitáveis, e sabia acompanhar bem a
própria voz. Um outro acompanhamento à canção foi uma surpresa
agradável — uma segunda voz, cantada com leveza mas
corretamente por Frank Churchill. Ele pediu seu perdão pela
liberdade ao final da música, e todos os elogios comuns se seguiram.
Ele foi acusado de ter uma bela voz e um conhecimento perfeito de
música, o que foi inteiramente negado, com firmes asserções de que
não sabia nada do assunto e não cantava bem. Eles cantaram juntos
mais uma vez, e então Emma cedeu seu lugar à srta. Fairfax, cujo
desempenho, tanto vocal como instrumental — ela nunca pôde
esconder o fato de si mesma — era infinitamente superior ao seu.
Com sentimentos conflitantes, ela se sentou um pouco longe da
plateia que se reunira ao redor do instrumento e escutou. Frank
Churchill cantou de novo. Aparentemente já tinham cantado juntos,
uma ou duas vezes, em Weymouth. Mas ver o sr. Knightley entre os
ouvintes mais atentos logo ocupou metade da mente de Emma, e ela
caiu em uma série de reflexões sobre as suspeitas da sra. Weston, às
quais os doces sons das vozes unidas só propiciaram interrupções
momentâneas. Suas objeções ao casamento do sr. Knightley não
tinham se abrandado nem um pouco. Ela não via nada de positivo
na possibilidade. Seria uma grande decepção ao sr. John Knightley,
e consequentemente a Isabella. Causaria um real prejuízo às
crianças — seria uma mudança humilhante e uma perda material a
todos eles, além de reduzir enormemente o conforto diário do pai
dela. Quanto a si mesma, não suportava a ideia de ter Jane Fairfax
na Abadia de Donwell. Uma sra. Knightley a quem todos eles
deveriam ceder a primazia! Não, o sr. Knightley não podia se casar.
O pequeno Henry deveria continuar como herdeiro de Donwell.
Pouco depois, o sr. Knightley olhou para trás e veio sentar-se
com ela. A princípio, falaram apenas da apresentação. Certamente
ele estava muito admirado, mas ela pensou que, se não fosse a sra.
Weston, não teria reparado. A fim de sondá-lo, começou a falar da
gentileza dele ao transportar a tia e a sobrinha, e embora a resposta
dele indicasse o desejo de abreviar a discussão, ela acreditava que
isso fosse apenas um sinal de sua aversão de se demorar no assunto
de qualquer gentileza de sua parte.
— Muitas vezes eu me preocupo — disse ela — por não poder
tornar a nossa
carruagem mais útil em tais ocasiões. Não é que eu
não deseje fazê-lo, mas você sabe como é impossível para meu pai
pensar em empregar James para um propósito desses.
— Decerto está fora de questão — ele respondeu —, mas você
deve desejar muitas vezes. — E a convicção o fez sorrir com tanto
prazer que ela se sentiu impelida a dar mais um passo.
— Esse presente dos Campbell — começou ela —, esse piano, foi
uma grande gentileza.
— Sim — ele respondeu, sem o menor embaraço. — Mas teria
sido melhor se a tivessem avisado antes. Surpresas são uma tolice.
O prazer não é aumentado, e a inconveniência é muitas vezes
considerável. Eu imaginava que o coronel Campbell teria mais juízo.
A partir daquele momento, Emma juraria que o sr. Knightley não
tinha qualquer participação no presente. Mas se ele estava ou não
inteiramente livre de qualquer afeição particular — se não havia
uma preferência de fato — permanecia ainda em aberto. Ao final da
segunda canção de Jane, a voz dela foi ficando rouca.
— Já é o bastante — disse ele quando acabou, pensando em voz
alta. — Cantou o suficiente por uma noite, agora descanse.
Logo imploraram, porém, por outra música. Só mais uma; eles
não queriam fatigar a srta. Fairfax de forma alguma, só pediriam
mais esta. E ouviu-se Frank Churchill dizer:
— Acho que consegue esta sem muito esforço; a primeira voz
não cansa nada. A força da canção depende da segunda.
O sr. Knightley ficou furioso.
— Aquele sujeito — disse ele, indignado — não pensa em nada
além de exibir a própria voz. Isso é inaceitável. — E com um toque
na srta. Bates, que passava ali naquele momento: — Srta. Bates,
perdeu a cabeça para deixar sua sobrinha ficar rouca desse jeito? Vá
e interfira. Eles não têm dó dela.
A srta. Bates, sentindo uma ansiedade genuína por Jane, mal
conseguiu ficar o bastante para expressar sua gratidão antes de ir
pôr fim à cantoria. Ali encerrou-se o concerto daquela noite, pois a
srta. Woodhouse e a srta. Fairfax eram as únicas jovens que
tocavam, mas logo (dentro de cinco minutos) a proposta de dançar,
originando-se ninguém soube bem de onde, foi promovida com
tanta eficácia pelo sr. e a sra. Cole que tudo foi rapidamente
afastado para abrir um espaço adequado. A sra. Weston, proficiente
nas danças do campo, sentou-se ao piano e começou uma valsa
irresistível, e Frank Churchill, aproximando-se de Emma de modo
muito galante, tomou a mão dela e a levou para o início da fila.
Enquanto esperavam os outros jovens formarem pares, Emma
encontrou um tempo, apesar dos elogios que recebia sobre sua voz e
bom gosto, para olhar ao redor e ver o que acontecia com o sr.
Knightley. Essa seria a prova. Ele não gostava de dançar, de forma
geral. Se estivesse muito ansioso para convidar Jane Fairfax, poderia
indicar alguma coisa. Mas não houve sinal disso. Não — ele estava
conversando com a sra. Cole, com aparente indiferença. Jane foi
tirada para dançar por outra pessoa, e ele continuou falando com a
sra. Cole.
Emma não estava mais preocupada por Henry; os interesses dele
ainda estavam assegurados, e ela começou a dançar com ânimo e
entusiasmo genuínos. Não cabiam mais de cinco duplas na sala, mas
a raridade e a espontaneidade da dança tornaram a ocasião
encantadora, e ela se viu com um parceiro à sua altura. Eles
formavam um casal que valia a pena assistir.
Duas danças, infelizmente, foi tudo que o tempo permitiu.
Estava ficando tarde e a srta. Bates estava ansiosa para voltar para
casa por conta da mãe. Após algumas tentativas de convencer os
outros a recomeçar, eles foram obrigados a agradecer a sra. Weston,
expressar sua tristeza e ir embora.
— Talvez seja melhor — disse Frank Churchill, enquanto
acompanhava Emma até sua carruagem. — Eu precisaria ter
chamado a srta. Fairfax para dançar em seguida, e os movimentos
lânguidos dela não teriam me agradado após os seus.

23
.  A principal fabricante de pianos da época, onde foi inventado o piano de
cauda.
24
.  Do francês, “exagerado, excessivo”.
CAPÍTULO IX

Emma não se arrependeu da cortesia de ir à festa dos Cole. A


visita forneceu-lhe muitas recordações agradáveis no dia seguinte, e
tudo que ela poderia ter perdido de isolamento respeitável seria
amplamente compensado pelo esplendor da popularidade. Ela devia
ter encantado os Cole — pessoas dignas, que mereciam a gentileza!
— e deixado para trás um nome que não morreria tão cedo.
A felicidade perfeita, mesmo na memória, não é comum, e havia
dois pontos sobre os quais ela não estava plenamente sossegada.
Questionava se não tinha transgredido o dever de uma mulher para
com outra ao contar a Frank Churchill suas suspeitas sobre os
sentimentos de Jane Fairfax. Não fora exatamente correto, mas a
percepção tinha sido tão forte que escapara dela, e a aceitação dele
a tudo que Emma dizia era um elogio a sua perspicácia que tornava
difícil para ela ter certeza de que deveria ter segurado a língua.
O outro motivo de arrependimento também se relacionava a
Jane Fairfax, e nesse âmbito ela tinha dúvidas. Lamentava, sincera e
inequivocadamente, a inferioridade de suas habilidades no piano e
no canto. Lamentava profundamente a ociosidade de sua infância —
e sentou-se para praticar com afinco por uma hora e meia.
Então foi interrompida pela chegada de Harriet e, se os elogios
de Harriet pudessem tê-la satisfeito, ela logo teria se reconfortado.
— Ah! Quisera eu tocar tão bem quanto a senhorita e a srta.
Fairfax!
— Não nos agrupe, Harriet. Minhas habilidades estão tão
distantes das dela quanto uma lâmpada do sol.
— Ah, céus! Mas acho que a senhorita toca melhor do que ela.
Acho que toca tão bem quanto ela. Certamente preferiria ouvir a
senhorita. Ontem à noite, todo mundo comentou sobre como tocou
bem.
— Os que conhecem algo de música devem ter sentido a
diferença. A verdade, Harriet, é que minhas habilidades são boas o
bastante só para serem elogiadas, mas as de Jane Fairfax estão
muito além disso.
— Bem, sempre pensarei que a senhorita toca tão bem quanto
ela ou que, se há alguma diferença, ninguém perceberia. O sr. Cole
disse que a senhorita tinha muito gosto, e o sr. Frank Churchill
também falou muito sobre isso, e disse que valorizava o gosto mais
do que a execução.
— Ah! Mas Jane Fairfax tem ambos, Harriet.
— Tem certeza? Eu vi que a execução dela era boa, mas não sei
se tinha gosto. Ninguém comentou. E odeio canções italianas. Não
dá para entender uma palavra. Além disso, se ela toca tão bem,
sabe, não faz mais do que a obrigação, porque ela vai ter de ensinar.
Os Cox estavam se perguntando, ontem à noite, se vai ser
contratada por uma família distinta. O que a senhorita achou dos
Cox?
— Que estavam, como sempre, muito vulgares.
— Eles me contaram uma coisa — disse Harriet, com grande
hesitação —, mas não é nada importante.
Emma foi obrigada a perguntar o que eles tinham contado,
temendo que a resposta se referisse ao sr. Elton.
— Eles me contaram… que o sr. Martin jantou com eles no
sábado passado.
— Ah!
— Ele foi visitar o pai deles para tratar de negócios, e eles o
convidaram para o jantar.
— Ah!
— Falaram muito sobre ele, especialmente Anne Cox. Não sei o
que ela pretendia com isso, mas me perguntou se eu ficaria com os
Martin novamente no próximo verão.
— Ela pretendia ser impertinentemente curiosa, como é típico
de uma Anne Cox.
— Ela disse que o sr. Martin foi muito simpático no dia que
visitou eles e sentou-se ao lado dela no jantar. A srta. Nash acha que
qualquer uma das Cox ficaria feliz de casar-se com ele.
— É bem provável. Acho que elas são, sem exceção, as garotas
mais vulgares de Highbury.
Harriet precisava passar na Ford’s, e Emma pensou que seria
prudente acompanhá-la. Outro encontro acidental com os Martin
era possível e, no seu atual estado, seria perigoso.
Harriet, tentada por tudo e influenciada por meia palavra,
sempre demorava para realizar uma compra; e, enquanto ela se
debruçava sobre musselina e mudava de ideia, Emma foi à porta em
busca de entretenimento. Não podia esperar muito, mesmo da área
mais movimentada de Highbury — o sr. Perry passando depressa, o
sr. William Cox entrando no seu escritório, a carruagem do sr. Cole
voltando do seu passeio e um garoto de recados em uma mula
obstinada eram as visões mais empolgantes que ela podia esperar, e
quando seus olhos pousaram apenas no açougueiro com sua
bandeja, em uma senhora bem-vestida voltando das lojas com uma
cesta cheia, dois vira-latas brigando por um osso sujo e um roda de
crianças à toa ao redor da vitrine do padeiro espiando os pães de
mel, ela soube que não tinha motivos para reclamar e ficou
razoavelmente entretida, o bastante para continuar ali. Uma mente
vivaz e curiosa pode nada ver, e nada vê que não a interesse.
Ela olhou para a via que levava a Randalls. A cena ampliou-se e
duas pessoas apareceram: a sra. Weston e o seu enteado. Eles
estavam caminhando até Highbury — para Hartfield, naturalmente.
Pararam, entretanto, primeiro na casa da sra. Bates, que ficava um
pouco mais perto de Randalls que a Ford’s, e estavam prestes a
bater quando avistaram Emma. De imediato, cruzaram a rua e
vieram até ela, e o prazer da reunião do dia anterior pareceu
aumentar o prazer do atual encontro. A sra. Weston informou-a de
que ia visitar as Bates para ouvir o novo instrumento.
— Pois meu companheiro me diz — disse ela — que eu prometi
à srta. Bates que iria sem falta, que iria esta manhã. Eu mesma não
estava ciente disso. Não lembrava que tinha fixado um dia, mas,
como ele diz que o fiz, estou a caminho agora.
— E, enquanto a sra. Weston faz sua visita — disse Frank
Churchill —, peço permissão para me juntar ao seu grupo e esperar
por ela em Hartfield, se estiver indo para casa.
A sra. Weston ficou decepcionada.
— Pensei que pretendia vir comigo. Elas ficariam muito
contentes.
— Eu! Eu só atrapalharia. Mas, talvez… esteja atrapalhando
igualmente aqui. A srta. Woodhouse parece não querer a minha
companhia. Minha tia sempre me despacha quando está fazendo
compras. Diz que eu a deixo terrivelmente ansiosa, e a srta.
Woodhouse parece que poderia dizer o mesmo. O que farei?
— Não estou aqui para fazer compras — disse Emma —, só
esperando minha amiga. Ela logo deve acabar e então voltaremos
para casa. Mas seria melhor você ir com a sra. Weston e ouvir o
piano.
— Bem, se é o que me aconselha. Mas — com um sorriso — se o
coronel Campbell tiver empregado um amigo desatento, e se o som
se provar mediano, o que direi? Não serei apoio algum para a sra.
Weston. Ela ficaria muito bem sozinha. Uma verdade incômoda
seria palatável através dos seus lábios, mas eu sou a pior criatura do
mundo quando se trata de emitir uma falsidade cortês.
— Não acredito nisso — replicou Emma. — Tenho certeza de
que é capaz de ser tão insincero quanto seus vizinhos, quando
necessário, mas não há motivos para supor que o instrumento seja
medíocre. Pelo contrário, na verdade, se entendi corretamente a
opinião da srta. Fairfax ontem à noite.
— Venha comigo — pediu a sra. Weston. — Se não for um
grande incômodo. Não precisamos ficar muito tempo, e iremos a
Hartfield em seguida. Seguiremos Emma e sua amiga até Hartfield.
Realmente queria que viesse comigo. Seria visto como uma
gentileza tão grande! E sempre pensei que pretendia vir.
Ele não podia mais argumentar e, com a esperança de Hartfield
para recompensá-lo, voltou com a sra. Weston até a porta da sra.
Bates. Emma os observou, então foi até Harriet no interessante
balcão — tentando, com toda a força de sua própria mente,
convencê-la de que, se quisesse musselina lisa, não adiantava olhar
para as estampadas; e que uma fita azul, ainda que bela, nunca
combinaria com a estampa amarela. Por fim, tudo foi resolvido, até
o destino do embrulho.
— Devo enviar à sra. Goddard, madame? — perguntou a sra.
Ford.
— Sim… não… Sim, à sra. Goddard. Só meu vestido estampado
para Hartfield. Não, envie tudo para Hartfield, por favor. Por outro
lado, a sra. Goddard vai querer ver… e eu posso levar o vestido
estampado para casa qualquer dia. Mas quero a fita imediatamente,
então é melhor enviar para Hartfield, pelo menos a fita. A senhora
consegue fazer dois pacotes, sra. Ford, não consegue?
— Não vale a pena, Harriet, fazer a sra. Ford passar pelo
transtorno de embalar dois pacotes.
— Então não precisa.
— Não é transtorno nenhum, madame — disse a solícita sra.
Ford.
— Ah! Mas, de fato, seria muito melhor ter apenas um. Então,
por favor, envie tudo à sra. Goddard… não sei… Não, eu acho, srta.
Woodhouse, que vou só mandar para Hartfield e levá-lo comigo de
noite. O que me aconselha?
— Que você não pense mais nisso por um segundo. Para
Hartfield, por favor, sra. Ford.
— Sim, vai ser melhor — disse Harriet, satisfeita. — Eu não
gostaria de enviá-lo à sra. Goddard.
Vozes se aproximaram da loja — ou melhor, uma voz e duas
damas, e a sra. Weston e a srta. Bates as encontraram na porta.
— Minha cara srta. Woodhouse — disse a última —, só vim do
outro lado da rua para pedir-lhe o obséquio de ficar conosco por um
tempinho e nos dar sua opinião do novo instrumento, a senhorita e
a srta. Smith. Como vai, srta. Smith? Muito bem, obrigada. E
implorei à sra. Weston que viesse comigo, para ter certeza de
sucesso.
— Espero que a sra. Bates e a srta. Fairfax estejam…
— Muito bem, muito obrigada. Minha mãe está em excelente
forma, e Jane não pegou um resfriado ontem à noite. Como está o
sr. Woodhouse? Fico feliz de ouvir notícias tão boas. A sra. Weston
me contou que a senhorita estava aqui. Ah, então, disse eu,
devemos correr até ela; tenho certeza que a srta. Woodhouse me
permitirá ir até ela e implorar que entre; minha mãe ficará tão feliz
de vê-la, e agora formamos um grupo tão agradável que ela não pode
recusar. “Sim, por favor”, disse o sr. Frank Churchill, “valerá a pena
ter a opinião da srta. Woodhouse sobre o instrumento.” Mas, disse
eu, o sucesso será mais garantido se o senhor vier comigo. “Ah”,
disse ele, “espere só meio minuto até eu terminar o meu serviço.”
Pois, a senhorita não vai acreditar, lá está ele, com a maior gentileza
do mundo, apertando a charneira dos óculos da minha mãe. A
charneira caiu hoje de manhã, sabe. Tão gentil! Pois minha mãe não
conseguia mais usar os óculos, não conseguia colocá-los. Aliás,
todos deviam ter dois pares de óculos, deviam mesmo, Jane disse
isso. Eu queria levá-los até John Saunders o quanto antes, mas
alguma coisa estava sempre me impedindo, a manhã inteira;
primeiro uma coisa, depois outra, não há fim, sabe. Uma hora Patty
veio dizer que achava que a chaminé da cozinha precisava ser
limpa. Ah, eu disse, Patty, não venha me trazendo más notícias, logo
agora que a charneira dos óculos da sua senhora caiu. Então as
maçãs assadas chegaram em casa; a sra. Wallis mandou o garoto
dela trazê-las; eles são muito civis e solícitos conosco, os Wallis,
sempre foram; ouvi dizer que alguns pensam que a sra. Wallis pode
ser descortês e dar respostas atravessadas, mas eles sempre me
trataram com a maior consideração. E não pode ser pelo nosso valor
como clientes, pois do que vale o nosso consumo de pães? Só
estamos em três, além da querida Jane, no momento, e ela não
come nada, faz um desjejum chocante, a senhorita ficaria assustada
se visse. Eu não ouso deixar minha mãe saber quão pouco ela come,
então falo uma coisa ou outra e logo passa. Mas no meio do dia ela
fica com fome, e não há nada de que goste mais do que aquelas
maçãs assadas, e elas fazem muito bem, pois aproveitei a
oportunidade, no outro dia, de perguntar ao sr. Perry quando o
encontrei por acaso na rua. Não que eu tivesse qualquer dúvida
antes; muitas vezes ouvi o sr. Woodhouse recomendar uma maçã
assada. Acredito que é o único jeito que o sr. Woodhouse pensa que
a fruta seja realmente saudável, mas comemos tortinhas de maçã
com frequência. Patty faz uma tortinha de maçã excelente. Bem,
sra. Weston, a senhora persuadiu, espero, essas senhoritas a fazer-
nos o favor de uma visita.
Emma ficaria “muito feliz de ver a sra. Bates etc.”, e elas enfim
se afastaram da loja, sem outros atrasos da srta. Bates, exceto:
— Como vai, sra. Ford? Perdoe-me, não a vi antes. Ouvi que
recebeu uma coleção encantadora de fitas novas da cidade. Jane
voltou encantada ontem. Obrigada, as luvas serviram muito bem, só
estão um pouco largas no pulso, mas Jane já está ajustando. Do que
eu estava falando mesmo? — disse ela, recomeçando quando
estavam todas na rua.
Emma perguntou-se em que parte, de toda a miscelânia, ela
deveria se concentrar.
— Juro que não consigo me lembrar do que estava falando. Ah!
Os óculos da minha mãe. Foi tão gentil do sr. Frank Churchill!
“Ah”, disse ele, “creio que consiga apertar a charneira; gosto demais
de trabalhos como esse.” O que mostra como ele é muito… De fato,
devo dizer que, por mais que eu tivesse ouvido falar dele antes e
tivesse grandes expectativas, ele excede qualquer coisa que… Eu a
parabenizo, sra. Weston, do fundo do coração. Ele parece ser tudo
que uma mãe afetuosa poderia… “Ah!”, disse ele, “eu posso apertar
a charneira. Gosto demais de trabalhos como esse.” Nunca me
esquecerei do jeito dele. E quando eu trouxe as maçãs assadas da
despensa, esperando que nossos amigos fizessem o favor de prová-
las, ele disse imediatamente: “Oh! Não há nenhuma fruta de que eu
goste tanto, e essas são as maçãs assadas mais apetitosas que já vi.”
Isso, sabe, foi tão… e tenho certeza, pelo jeito dele, que não foi só
um elogio. De fato, são maçãs apetitosas, e a sra. Wallis faz jus a
elas; só que não as assamos mais de duas vezes, e o sr. Woodhouse
nos fez prometer assar três vezes, mas a srta. Woodhouse nos fará o
favor de não mencionar a ele. As maçãs em si são do melhor tipo
possível para assar, sem qualquer dúvida; todas vêm de Donwell,
algumas do farto suprimento do sr. Knightley. Ele nos manda uma
saca todo ano, e com certeza nunca houve maçãs que se
conservassem tão bem quanto as das árvores dele; acredito que ele
tenha duas. Minha mãe diz que o pomar era muito famoso quando
ela era jovem, mas eu fiquei chocada no outro dia, pois o sr.
Knightley veio visitar, uma manhã, e Jane estava comendo aquelas
maçãs, e falamos sobre elas e dissemos como ela gostava das maçãs,
e ele perguntou se elas não estavam acabando. “Com certeza devem
estar”, disse ele, “e eu enviarei outro cesto, pois tenho muito mais
do que consigo consumir. William Larkins me deixou ficar com uma
quantidade maior que o normal este ano. Enviarei mais algumas a
vocês, antes que elas não sirvam para mais nada.” Então eu implorei
que ele não fizesse isso, porque, na verdade, quanto às nossas
estarem acabando, eu não poderia afirmar definitivamente que
restavam muitas, não haveria mais que meia dúzia, e todas deviam
ser guardadas para Jane, e eu não poderia aceitar que ele nos
enviasse mais, depois de ter sido tão generoso, e Jane disse o
mesmo. E quando ele partiu ela quase brigou comigo… não, eu não
deveria dizer brigar, pois nunca brigamos na vida, mas ela estava
muito aflita por eu ter admitido que as maçãs tinham quase
acabado, e queria que eu o tivesse feito crer que ainda sobravam
muitas. “Ah!”, eu disse, “minha querida, eu não sabia mais o que
dizer.” Só que na mesma noite William Larkins chegou com um
cesto grande de maçãs, do mesmo tipo, um cesto inteiro, e fiquei
muito agradecida, e desci para falar com William Larkins e o
agradeci muito sinceramente, como a senhorita pode imaginar.
William Larkins é um amigo tão antigo! Sempre fico feliz de vê-lo.
Só que, mais tarde, descobri com Patty que William disse que eram
todas as maçãs daquele
tipo que o senhor dele tinha, ele tinha
trazido todas, e agora o patrão dele não tinha uma sequer para assar
ou ferver. O próprio William não parecia se importar, estava feliz
pelo patrão ter vendido tantas; pois William, sabe, pensa mais nos
lucros do patrão do que em qualquer outra coisa, mas a sra. Hodges,
ele disse, não estava nem um pouco feliz por todas terem sido
dadas. Não suportava a ideia de que o senhor dela não teria outra
torta de maçã nesta primavera. Ele contou isso a Patty, mas disse
para ela não se incomodar e não falar nada sobre isso conosco, pois
a sra. Hodges ficava, sim,
aborrecida, às vezes, e contanto que certa
quantia de sacas fosse vendida, não importava quem comia o
restante. E Patty contou para mim, e eu fiquei excessivamente
chocada, de fato! Não desejaria que o sr. Knightley soubesse nada
disso, de forma alguma! Ele ficaria tão… eu queria esconder de
Jane, mas, infelizmente, já tinha mencionado antes de perceber.
A srta. Bates tinha concluído quando Patty abriu a porta, e suas
visitantes subiram as escadas sem qualquer narração constante para
ouvir, seguidas apenas pelos sons da desconexa boa vontade de sua
anfitriã.
— Por favor, tome cuidado, sra. Weston, há um degrau na curva.
Tome cuidado, srta. Woodhouse, nossa escada é um pouco escura,
mais escura e estreita do que gostaríamos. Srta. Smith, preste
atenção. Srta. Woodhouse, cuidado, receio que bateu o pé. Srta.
Smith, cuidado com o degrau na curva.
CAPÍTULO X

Quando entraram, a pequena sala de visitas era o retrato da


tranquilidade. A sra. Bates, destituída de sua ocupação usual,
cochilava ao lado da lareira; Frank Churchill, em uma mesa perto
dela, trabalhava muito diligentemente nos óculos; e Jane Fairfax, de
costas para eles, olhava para o seu piano.
Entretanto, por mais ocupado que estivesse, o jovem abriu um
sorriso radiante ao ver Emma outra vez.
— Isto é um prazer — disse ele, em voz baixa — que chega pelo
menos dez minutos antes do que eu tinha calculado. A senhorita me
encontra tentando ser útil, e diga-me se acha que terei sucesso.
— Quê? — exclamou a sra. Weston. — Ainda não terminou?
Não ganharia seu sustento como prateiro, nesse ritmo.
— Não trabalhei sem interrupções — ele replicou. — Estive
auxiliando a srta. Fairfax a estabilizar seu instrumento, pois não
estava muito firme; há um desnível no assoalho, acredito. Vejam,
estávamos calçando uma perna com papel. Foi muito gentil de sua
parte vir. Receava que já estivessem voltando para casa.
Ele deu um jeito de fazê-la sentar-se ao seu lado e manteve-se
bastante ocupado em procurar a melhor maçã assada para ela e
tentar obter sua ajuda ou seus conselhos com o trabalho, até que
Jane Fairfax estivesse pronta para sentar-se ao piano de novo. O fato
de que ela não estava imediatamente pronta, Emma suspeitou que
se devesse a seu estado de nervos: ela não possuía o instrumento
por tempo suficiente para tocá-lo sem ser tomada pela emoção;
precisava entrar no estado de espírito apropriado a uma
apresentação; e Emma só podia compadecer-se de tais sentimentos,
quaisquer que fossem suas origens, e decidir nunca mais os expor
ao vizinho novamente.
Por fim, Jane começou e, embora os primeiros compassos
soassem fracos, ela gradualmente fez jus à qualidade do
instrumento. A sra. Weston tinha ficado encantada antes, e ficou
encantada de novo; Emma acrescentou seus elogios aos dela; e o
piano, com todo o devido discernimento, foi declarado muito
promissor.
— Quem quer que o coronel Campbell tenha empregado na
missão — disse Frank Churchill, com um sorriso para Emma — não
escolheu mal. Ouvi muito sobre o gosto do coronel em Weymouth, e
tenho certeza de que a suavidade das notas superiores é algo que ele
e todo o seu grupo
prezariam em particular. Eu arriscaria dizer,
srta. Fairfax, que ele deu orientações muito detalhadas ao seu amigo
ou escreveu para Broadwood pessoalmente. Não acha?
Jane não se virou. Não foi obrigada a ouvir, pois a sra. Weston
tinha falado com ela ao mesmo tempo.
— Não é justo — disse Emma num sussurro —, eu só fiz um
palpite aleatório. Não a aborreça.
Ele balançou a cabeça com um sorriso, parecendo ter
pouquíssima dúvida e pouquíssima piedade. Pouco tempo depois,
recomeçou:
— Como seus amigos na Irlanda devem estar contentes com o
deleite desta ocasião, srta. Fairfax. Arrisco dizer que pensam em
você com frequência, e se perguntam qual será o dia, o dia exato,
em que o instrumento chegará a suas mãos. A senhorita acha que o
coronel Campbell sabe que isso está acontecendo agora mesmo?
Imagina que seja a consequência de uma encomenda imediata, ou
que ele tenha enviado só uma orientação geral, uma ordem sem
tempo definido, a depender de contingências e conveniências?
Ele fez uma pausa. Ela não teve escolha exceto ouvir, e não
poderia evitar uma resposta.
— Até receber uma carta do coronel — disse ela, em um tom de
calma forçada —, não posso imaginar nada com confiança. Só
podemos conjecturar.
— Conjecturar, sim… às vezes, conjecturamos certo, e às vezes
errado. Queria poder conjeturar quando conseguirei deixar essa
charneira firme. Quanta bobagem um sujeito fala, srta. Woodhouse,
quando está focado no trabalho, se é que chega a falar; os
verdadeiros trabalhadores, suponho, seguram a língua, mas nós,
cavalheiros trabalhadores, se começamos a falar… a srta. Fairfax
disse algo sobre conjecturar. Pronto, feito. Tenho o prazer, madame
— para a sra. Bates — de devolver seus óculos, consertados por
enquanto.

Ele recebeu os agradecimentos calorosos tanto da mãe como da


filha; para escapar um pouco da segunda, seguiu até o piano e
implorou à srta. Fairfax, que estava sentada diante dele, que tocasse
mais alguma coisa.
— Por gentileza — disse ele —, toque uma das valsas que
dançamos ontem à noite e me permita revivê-la. A senhorita não as
desfrutou tanto quanto eu, pareceu cansada o tempo todo. Acredito
que estava feliz por não dançarmos mais, mas eu teria dado
mundos, todos os mundos que alguém tenha para dar, por mais
meia hora.
Ela tocou.
— Que felicidade é ouvir novamente uma melodia que nos
deixou felizes
! Se não me engano, foi essa que dançamos em
Weymouth.
Ela o olhou por um momento, enrubesceu de leve e tocou mais
uma peça. Ele pegou algumas partituras de uma cadeira perto do
piano e, virando-se para Emma, disse:
— Cá está algo novo para mim. Conhece? Cramer. E aqui uma
nova coleção de melodias irlandesas.
25
Isso, vindo de onde veio,
seria esperado. Foi tudo enviado com o instrumento. Muito amável
do coronel Campbell, não acha? Ele sabia que a srta. Fairfax não
teria partituras aqui. Acho essa parte da cortesia particularmente
digna, mostra que foi um presente dado de coração aberto. Nada foi
feito às presas; nada ficou incompleto. Só a verdadeira afeição
poderia tê-lo inspirado.
Emma preferiria que ele fosse menos direto, mas não conseguiu
conter o divertimento; e quando, ao olhar de relance para Jane
Fairfax, captou os resquícios de um sorriso, quando viu que, apesar
de todo o rubor profundo da autoconsciência, ela abrira um sorriso
de deleite secreto, teve menos escrúpulos em entreter-se e sentiu
muito menos remorso em relação a ela. A amável, honesta e perfeita
Jane Fairfax aparentemente nutria sentimentos muito censuráveis.
Ele levou as partituras até ela e eles a examinaram juntos. Emma
aproveitou a oportunidade para sussurrar:
— Você fala com clareza demais. Ela deve entendê-lo.
— Espero que entenda. Quero que entenda. Não estou nem um
pouco envergonhado do que digo.
— Já eu estou um pouco envergonhada, e queria nunca ter
levantado a ideia.
— Fico feliz que tenha levantado e que foi a mim que a
comunicou. Agora tenho uma chave para entender todos os olhares
e modos estranhos dela. Deixe a vergonha para ela. Se agiu errado,
deve senti-la.
— Creio que ela não esteja completamente imune.
— Não vejo muitos sinais disso. Ela está tocando “Robin Adair”
26
agora mesmo, a preferida dele.

Pouco tempo depois, a srta. Bates, passando próxima à janela,


avistou o sr. Knightley a cavalo a uma curta distância.
— O sr. Knightley, vejam só! Preciso falar com ele, se possível,
só para agradecer. Não abrirei a janela aqui, todos sentiriam frio,
mas posso ir no quarto de mamãe, sabe. Arrisco dizer que ele vai
entrar, quando souber quem está aqui. Que encantador, encontrar
todos vocês assim! Nossa salinha, receber uma honra dessas!
Ela já estava na sala adjacente quando terminou de falar e,
erguendo a janela ali, chamou a atenção imediata do sr. Knightley, e
cada sílaba da conversa deles foi distintamente ouvida pelos outros,
como se estivesse ocorrendo na mesma sala.
— Como vai? Como vai? Muito bem, obrigada. Agradeço tanto
ao senhor pela carruagem, ontem à noite. Chegamos bem a tempo,
minha mãe estava pronta para nos receber. Por favor, entre. Vai
encontrar alguns amigos aqui.
Assim começou a srta. Bates, e o sr. Knightley parecia
determinado a ser ouvido, por sua vez, pois falou em um tom muito
resoluto e impositivo:
— Como vai a sua sobrinha, srta. Bates? Quero perguntar sobre
todas vocês, mas especialmente sobre sua sobrinha. Como vai a
srta. Fairfax? Espero que não tenha pegado um resfriado ontem à
noite. Como está hoje? Diga-me como está a srta. Fairfax.
E a srta. Bates foi obrigada a dar uma resposta direta antes que
ele a ouvisse sobre qualquer outra questão. Os ouvintes se
divertiram, e a sra. Weston deu a Emma um olhar repleto de
significado. Mas Emma ainda sacudiu a cabeça, com firme
ceticismo.
— Estou muito agradecida ao senhor, muito agradecida pela
carruagem — retomou a srta. Bates.
Ele a interrompeu com:
— Estou a caminho de Kingston. Posso fazer algo pela senhorita?
— Ah, céus! Kingston? É mesmo? A sra. Cole estava dizendo
outro dia como queria algo de Kingston.
— A sra. Cole tem criados para mandar até lá. Posso fazer algo
pela senhorita?
— Não, obrigada, mas entre. O senhor não sabe quem está aqui:
a srta. Woodhouse e a srta. Smith, que fizeram a gentileza de vir ver
o piano. Deixe seu cavalo no Crown e entre.
— Bem — disse ele, deliberativo —, talvez por cinco minutos.
— E a sra. Weston e o sr. Frank Churchill também! Como é
encantador estar entre tantos amigos!
— Não, agora não posso, obrigado. Eu não poderia ficar nem
cinco minutos. Preciso chegar a Kingston o quanto antes.
— Ah, mas entre. Eles ficarão tão felizes de vê-lo.
— Não, não, a sua sala já está cheia o bastante. Virei outro dia
para ouvir o piano.
— Bem, que pena! Ah, sr. Knightley, que festa encantadora
tivemos ontem à noite, como foi agradável! O senhor já viu danças
como aquelas? Não foi encantador? A srta. Woodhouse e o sr. Frank
Churchill, eu nunca vi nada igual!
— Ah! Foi encantador, de fato; não posso dizer menos, pois
suponho que a srta. Woodhouse e o sr. Frank Churchill estejam
escutando cada palavra. E — erguendo a voz ainda mais — não vejo
por que a srta. Fairfax não deveria ser mencionada também. Acho
que dança muito bem, e a sra. Weston toca as danças do campo
melhor que qualquer outra pessoa na Inglaterra, sem exceção.
Agora, se os seus amigos têm qualquer gratidão, dirão algo em alto e
bom tom sobre a senhorita e eu em troca, mas não posso ficar para
ouvir.
— Ah! Sr. Knightley, só mais um momento, uma coisa
importante… fiquei tão chocada! Jane e eu estamos tão chocadas
quanto às maçãs!
— O que foi agora?
— Imagine só, o senhor nos mandar todas as maçãs do seu
pomar. Disse que tinha muitas e agora não restou nem uma.
Ficamos realmente tão chocadas. A sra. Hodges tem razão em ficar
furiosa. William Larkins mencionou quando esteve aqui. O senhor
não deveria ter feito isso, realmente não deveria. Ah! Ele partiu.
Não suporta receber agradecimentos. Mas pensei que teria ficado, e
teria sido uma pena não mencionar. Bem — voltando à sala —, não
tive sucesso. O sr. Knightley não pode parar. Ele vai para Kingston.
Perguntou se podia fazer algo por mim…
— Sim — disse Jane —, ouvimos as ofertas gentis dele, ouvimos
tudo.
— Ah, sim, minha querida, arrisco dizer que sim, porque, sabe, a
porta estava aberta, e o sr. Knightley falou alto. Devem ter ouvido
tudo, certamente. “Posso fazer algo pela senhorita em Kingston?”,
ele perguntou, como eu mencionei. Ah, srta. Woodhouse! Já tem de
ir? Parece que acabou de chegar. Foi tão gentil da sua parte vir.
Emma achou que era hora de voltar para casa; a visita tinha se
prolongado o suficiente e, quando consultaram os relógios, a sra.
Weston e seu companheiro constataram que uma parte tão grande
da manhã tinha se passado, que partiram também e só puderem
caminhar com as duas jovens até os portões de Hartfield antes de
seguir para Randalls.

25
.  Johann Baptist Cramer (1771–1858) era um compositor popular. As
músicas irlandesas seriam da série Moore’s Irish Melodies, publicada entre
1807 e 1815 pelo poeta Thomas Moore (1779–1852).
26
.  Canção irlandesa tradicional escrita por lady Caroline Keppel (c. 1734–
1769), que se casou com o coronel Robert Adair apesar da desaprovação da
família.
CAPÍTULO XI

É possível viver sem jamais dançar. Sabe-se de ocasiões em que


jovens passaram muitos, muitos meses sucessivos sem comparecer
a nenhum baile de qualquer tipo, sem sofrerem qualquer dano
significativo para o corpo ou a mente — mas uma vez que se
começa, uma vez que as felicidades do movimento acelerado
tenham sido sentidas, mesmo que de leve, alguém que não pede por
mais deve ser profundamente insensível.
Frank Churchill dançou uma vez em Highbury e ansiava por
dançar novamente; e, na última meia hora de uma tarde que o sr.
Woodhouse foi persuadido a passar com a filha em Randalls, os dois
jovens fizeram planos para isso. A ideia inicial foi de Frank, e era
dele o maior zelo em executá-la, pois a dama julgava melhor as
dificuldades e era mais atenta às necessidades de acomodação e
decoro. Ainda assim, estava suficientemente inclinada a mostrar às
pessoas outra vez como o sr. Frank Churchill e a srta. Woodhouse
dançavam bem, a fazer algo em que ela não fosse obrigada a
enrubescer quando fosse comparada a Jane Fairfax, e mesmo pelo
simples ato de dançar, sem nenhum dos incentivos nocivos da
vaidade, de modo que o auxiliou primeiro a medir o cômodo em que
estavam para estimar quantos pares poderia conter, e então a
avaliar as dimensões da outra sala, na esperança de descobrir,
apesar de todas as afirmações do sr. Weston de que o tamanho era
exatamente igual, que era ligeiramente maior.
A primeira proposta e pedido dele, de que o baile começado na
casa do sr. Cole fosse concluído ali — que o mesmo grupo deveria
ser reunido, e a mesma pianista empregada — foi recebida com
aquiescência imediata. O sr. Weston adotou a ideia com enorme
prazer, e a sra. Weston prontamente se comprometeu a tocar por
quanto tempo desejassem dançar, e seguiu-se a tarefa divertida de
listar exatamente quem estaria presente e realizar a divisão
indispensável do espaço para cada par.
— A senhorita e a srta. Smith, e a srta. Fairfax, são três, e com
as duas srta. Cox são cinco — tinha sido repetido muitas vezes. — E
haverá os dois Gilbert, o jovem Cox, meu pai e eu mesmo, além do
sr. Knightley. A senhorita e a srta. Smith, e a srta. Fairfax são três, e
com as duas srta. Cox seremos cinco, e para cinco casais haverá
espaço mais que suficiente.
Mas logo, de um lado, veio:
— Mas haverá espaço suficiente para cinco casais? Não acho que
há.
De outro:
— E, afinal, cinco pares não são o bastante para fazer valer a
pena dançar. Cinco pares não são nada, pensando bem. Não
podemos convidar
cinco pares. Só foi admissível como uma ideia
momentânea.
Alguém disse que esperavam a srta.
Gilbert na casa do irmão, e
que ela deveria ser convidada com os outros. Outra pessoa
acreditava que a sra.
Gilbert teria dançado, na outra noite, se
tivesse sido convidada. Mencionou-se o segundo Cox mais jovem, e,
por fim, o sr. Weston citou uma família de primos que deveria ser
incluída, e outro conhecido de longa data que não poderia ser
deixado de fora, e tornou-se uma certeza que os cinco casais seriam
ao menos dez, e deram início a conjecturas muito interessantes
sobre de que maneira eles poderiam ser distribuídos.
As portas das duas salas ficavam uma diante da outra. Será que
não poderiam usar as duas salas, e dançar ao longo da passagem?
Parecia o melhor plano; no entanto, não era tão bom a ponto de que
muitos deles não quisessem um melhor. Emma disse que seria
desconfortável; a sra. Weston estava preocupada com onde serviria
o jantar; e o sr. Woodhouse se opôs veementemente por conta da
saúde. Ficou tão desolado, de fato, que não puderam insistir na
ideia.
— Oh, não! — disse ele. — Seria o auge da imprudência. Eu não
suportaria, por Emma! Emma não é forte. Ela pegaria um resfriado
terrível. A pobre Harriet também. Todos vocês também. Sra.
Weston, a senhora ficaria de cama; não deixe que eles pensem em
uma ideia tão irresponsável. Por favor, não deixe que sequer pensem
nisso. Aquele jovem — abaixando a voz — é muito desatencioso.
Não conte ao pai dele, mas aquele jovem não age muito
corretamente. Abriu as portas muitas vezes esta noite, e as manteve
abertas sem qualquer consideração. Ele não pensa nas correntes de
ar. Não pretendo colocar a senhora contra ele, mas, de fato, ele não
age muito corretamente!
A sra. Weston lamentava aquela acusação. Sabia o peso que ela
tinha e disse tudo que pôde para refutá-la. Todas as portas foram
então fechadas, a ideia de dançar na passagem foi abandonada, e a
primeira proposta de dançar só na sala em que estavam foi
retomada — e com tanta boa vontade da parte de Frank Churchill,
que o espaço em que um quarto de hora antes se julgava
insuficiente para cinco pares agora era proposto para conter dez.
— Fomos extravagantes demais — disse ele. — Não é necessário
ter tanto espaço. Dez pares caberão perfeitamente bem aqui.
Emma objetou.
— Seria um grande grupo, e um grupo triste, pois o que seria
pior que dançar sem espaço para se virar?
— É verdade — ele respondeu gravemente —, foi um erro da
minha parte. — Mas ainda continuou medindo a sala e concluiu
com: — Acho que haverá espaço tolerável para dez pares.
— Não, não — disse ela —, você está sendo insensato. Seria
terrível ficar tão próximos! Nada pode ser menos prazeroso que
dançar num grupo apertado… e um grupo apertado em uma sala
pequena!
— Não há como negar — ele respondeu. — Concordo
inteiramente com você. Um grupo apertado numa sala pequena… A
srta. Woodhouse tem o talento de criar imagens com poucas
palavras. Esplêndido, de verdade! Ainda assim, porém, uma vez que
chegamos tão longe, não estou disposto a abandonar a ideia. Seria
uma decepção para o meu pai… E de forma geral, não acho que…
Sou da opinião de que dez casais caberiam aqui muito bem.
Emma percebeu que os galanteios dele eram um tanto
obstinados e que o rapaz preferiria objetar a perder o prazer de
dançar com ela, mas aceitou o elogio e perdoou o resto. Se tivesse a
intenção de se
casar
com ele um dia, teria valido a pena parar e
ponderar, tentar entender o valor dessa sua preferência e o seu
temperamento, mas, para os propósitos de uma amizade, ele era
simpático o suficiente.
Antes da metade do dia seguinte, ele estava em Hartfield, e
entrou na sala com um sorriso tão radiante que anunciava o
prosseguimento do plano. Logo revelou que vinha anunciar uma
ideia melhor.
— Bem, srta. Woodhouse — ele começou quase imediatamente
—, espero que sua inclinação para a dança não tenha enfraquecido
devido ao terror das salas apertadas do meu pai. Trago uma nova
proposta: uma ideia do meu pai, que aguarda apenas a sua
aprovação para ser implementada. Posso contar com a honra de sua
mão pelas duas primeiras danças do nosso baile planejado, a ser
realizado não em Randalls, mas no Crown Inn?
— No Crown!
— Sim, e se a senhorita e o sr. Woodhouse não tiverem objeções,
e confio que não terão, meu pai espera que seus amigos façam a
gentileza de visitá-lo lá. Ele pode prometer acomodações melhores e
uma recepção tão grata quanto daria em Randalls. A ideia foi dele
mesmo. A sra. Weston não vê obstáculos, contanto que a senhorita
fique satisfeita. É assim que todos nos sentimos. Ah! A senhorita
estava perfeitamente certa. Dez casais, em qualquer dos cômodos de
Randalls, teria sido insuportável. Terrível! Eu senti que estava certa
o tempo todo, mas não admiti pois estava por demais ansioso para
ter alguma
garantia do baile. Não é uma boa troca? Consente?
Espero que sim!
— Parece-me um plano a que ninguém poderia objetar, se o sr. e
a sra. Weston não se opõem. Acho que é uma ideia admirável e, na
medida em que posso responder por mim mesma, ficaria muito
feliz. Parece uma ideia muito melhor. Papai, não acha que é uma
excelente ideia?
Ela foi obrigada a repetir e explicar a proposta até que fosse
inteiramente compreendida, e então, por ser uma ideia muito nova,
mais argumentos foram necessários para torná-la aceitável.
Não, ele achava que estava longe de ser uma ideia melhor, que
era um plano péssimo, muito pior que o outro. Um salão de hotel
era sempre úmido e perigoso; nunca arejado o suficiente ou
adequado para uso. Se tivessem que dançar, seria melhor dançar em
Randalls. Ele nunca estivera no salão do Crown em toda a vida —
não conhecia nem de vista as pessoas que o geriam. Ah, não! Era
um plano péssimo. Eles pegariam resfriados piores no Crown do que
em qualquer outro lugar.
— Eu ia observar, senhor — disse Frank Churchill —, que uma
das grandes vantagens desta mudança seria o risco mínimo de que
alguém pegasse um resfriado; há muito menos perigo no Crown do
que em Randalls! O sr. Perry pode ter motivos para lamentar a
alteração, mas ninguém mais terá.
— O senhor — disse o sr. Woodhouse, um tanto exaltado — está
muito enganado se supõe que o sr. Perry tenha esse tipo de caráter.
O sr. Perry fica extremamente preocupado quando qualquer um de
nós adoece. Mas eu não compreendo como o salão do Crown
poderia ser mais seguro do que a casa do seu pai.
— Devido ao fato de ser maior, senhor. Não teremos motivos
para sequer abrir as janelas, em nenhum momento durante a noite;
e é esse terrível hábito de abrir janelas, deixando o ar frio atingir os
corpos aquecidos, que, como o senhor bem sabe, causa os
resfriados.
— Abrir a janelas! Mas, certamente, sr. Churchill, ninguém
pensaria em abrir janelas em Randalls. Ninguém poderia ser tão
imprudente! Nunca ouvi tal coisa. Dançar com janelas abertas!
Tenho certeza de que nem o seu pai nem a sra. Weston, isto é, a
pobre srta. Taylor, toleraria tal coisa.
— Ah, senhor, mas um jovem sem consideração às vezes entra
atrás de uma cortina e ergue a janela sem que ninguém repare. Eu
mesmo já fiz tal coisa muitas vezes.
— É mesmo, senhor? Céus! Eu nunca teria imaginado. Mas vivo
fora do mundo e muitas vezes me espanto com as coisas que escuto.
Porém, este fato faz uma diferença, e talvez, depois que discutirmos
a questão… Mas esse tipo de coisa exige muita deliberação. Não se
pode resolvê-las com pressa. Se o sr. e a sra. Weston fizerem a
gentileza de visitar-nos amanhã, vamos conversar e ver o que pode
ser feito.
— Infelizmente, senhor, meu tempo é tão limitado…
— Ah! — interrompeu Emma. — Haverá muito tempo para
discutir tudo com calma. Não há qualquer pressa. Se puder
acontecer no Crown, papai, será muito conveniente para os cavalos.
Ficarão muito perto do próprio estábulo.
— É verdade, minha querida. Isso seria bom. Não que James
reclame, mas é sábio poupar nossos cavalos quando possível. Se eu
pudesse ter certeza de que as salas serão plenamente arejadas…
Mas podemos confiar na sra. Stokes? Duvido. Eu não a conheço,
nem de vista.
— Eu posso assegurar-lhe de tudo nesse sentido, senhor, porque
os preparativos estarão sob os cuidados da sra. Weston. Ela se
encarregou de organizar tudo.
— Pronto, papai! Agora o senhor deve estar satisfeito. Nossa cara
sra. Weston, que é o cuidado em pessoa. Lembra-se do que o sr.
Perry disse, tantos anos atrás, quando eu tive sarampo? “Se a srta.
Taylor
agasalhar a srta. Emma, o senhor não precisa temer coisa
alguma.” Quantas vezes eu já não o ouvi falar disso como um elogio
a ela?
— Sim, é verdade. O sr. Perry disse isso mesmo. Eu nunca
esquecerei. Pobrezinha! Ficou muito doente quando teve sarampo,
isto é, teria ficado, se não fossem as atenções de Perry. Ele veio
quatro vezes ao dia, por uma semana. Disse desde o começo que era
do tipo mais brando, o que foi nosso grande conforto, mas o
sarampo é uma doença terrível. Espero que, quando as crianças de
Isabella tiverem sarampo, ela chame Perry.
— Meu pai e a sra. Weston estão no Crown neste exato momento
— disse Frank Churchill —, avaliando o potencial da casa. Eu os
deixei lá e vim a Hartfield, impaciente para ouvir sua opinião e
esperando que a senhorita pudesse ser persuadida a se juntar a eles
e dar sua opinião imediata. Ambos pediram que eu lhe dissesse isso.
Seria o maior prazer a eles, se a senhorita me permitisse
acompanhá-la até lá. Eles não podem decidir nada satisfatoriamente
sem a sua presença.
Emma ficou muito feliz ao ter seu conselho requisitado e, depois
que o pai prometeu que consideraria a questão enquanto ela estava
fora, os dois jovens partiram juntos, sem atraso, para o Crown. Lá
encontraram o sr. e a sra. Weston, que ficaram encantados por vê-la
e receber sua aprovação, muito agitados e muito contentes, cada um
a seu próprio modo: ela, um pouco preocupada; e ele, achando tudo
perfeito.
— Emma — ela disse —, o papel de parede é pior do que
esperado. Veja! Em alguns pontos está terrivelmente sujo, e o
lambri está mais amarelado e maltratado do que eu poderia ter
imaginado.
— Minha querida, você é exigente demais — disse o marido. —
O que importa tudo isso? Não se poderá enxergar nada à luz das
velas. Parecerá tão limpo quanto Randalls, à luz das velas. Nunca
enxergamos o papel nas nossas reuniões do clube.
As damas trocaram olhares que provavelmente significavam “Os
homens nunca sabem quando as coisas estão sujas ou não”, e os
cavalheiros talvez tenham pensado consigo mesmos: “As mulheres
têm seus caprichos e cuidados desnecessários”.
Havia uma dificuldade, entretanto, de que os homens não
desdenharam. Referia-se a uma sala para o jantar. Na época em que
o salão de baile fora construído, não se costumava jantar tão tarde,
e a única adição foi uma pequena sala de jogos adjacente. O que
fazer? Será que podiam empregar essa sala de jogos como uma sala
de jogos, ou, ainda que as cartas fossem convenientemente julgadas
desnecessárias por eles quatro, ela não seria pequena demais para
um jantar confortável? Outra sala de tamanho mais adequado
poderia ser usada para esse propósito, mas ficava do outro lado da
casa, depois de uma passagem longa e desconfortável. Isso criava
uma dificuldade. A sra. Weston temia que as correntes de ar naquela
passagem alcançassem os jovens; e nem Emma nem os cavalheiros
tolerariam a ideia de ficar horrivelmente espremidos no jantar.
A sra. Weston propôs que não houvesse um jantar regular,
apenas sanduíches e outros petiscos dispostos na sala, mas foi
considerada uma péssima sugestão. Um baile privado em que não se
sentava para jantar seria uma violação infame dos direitos dos
homens e das mulheres, e a sra. Weston não deveria mencionar a
ideia outra vez. Então ela adotou outro expediente e, olhando para a
sala questionável, observou:
— Não acho que seja tão
pequena. Não seremos em tantos,
sabem.
E o sr. Weston, ao mesmo tempo, caminhando com passos largos
e ligeiros pela passagem, disse:
— Você falou muito sobre a extensão dessa passagem, querida,
mas não é nada demais. E não sobe qualquer corrente de ar pelas
escadas.
— Seria tão bom — disse a sra. Weston — saber qual arranjo a
maioria dos nossos convidados preferiria. Fazer o que seria mais
agradável de forma geral deve ser o nosso objetivo… se apenas
pudéssemos saber em que isso consistiria!
— Sim, é verdade — exclamou Frank —, é verdade. A senhora
quer as opiniões dos vizinhos. Isso não me surpreende. Se
pudéssemos saber a da maior parte deles… os Cole, por exemplo.
Eles não estão longe. Devo chamá-los? Ou a srta. Bates? Ela está
ainda mais perto. E creio que a srta. Bates tem mais chances de
entender as inclinações dos outros do que qualquer um. Penso que
precisamos mesmo de mais opiniões. E se eu convidar a srta. Bates
a se juntar a nós?
— Bem… faça isso, por favor — disse a sra. Weston, com certa
hesitação. — Se achar que ela pode ser útil.
— Você não vai conseguir nada útil da srta. Bates — disse
Emma. — Ela ficará toda encantada e agradecida, mas não lhe dirá
nada. Nem ouvirá suas perguntas. Não vejo vantagem em consultar a
srta. Bates.
— Mas ela é tão divertida, tão divertida! Eu adoro ouvir a srta.
Bates falar. E não preciso trazer a família toda, sabe.
Neste ponto, o sr. Weston voltou e, ao ouvir a proposta, deu sua
aprovação categórica.
— Sim, faça isso, Frank. Vá chamar a srta. Bates, e vamos
resolver essa questão de uma vez. Ela vai gostar da ideia, tenho
certeza, e não conheço ninguém mais apropriado para nos mostrar
como resolver dificuldades. Chame a srta. Bates. Estamos ficando
um tanto meticulosos demais. Ela é um exemplo perfeito de como
ser feliz. Mas chame as duas. Convide as duas.
— As duas, senhor! A senhora…?
— A senhora! Não, a moça, é claro. Eu pensaria que você é um
grande cabeça-dura, Frank, se trouxesse a tia sem a sobrinha.
— Ah! Perdão, senhor, não me lembrei de imediato. Sem dúvida,
se o senhor deseja, vou tentar persuadir a ambas. — E ele saiu às
pressas.
Muito antes de ele reaparecer, acompanhado da tia baixa, bem-
arrumada e enérgica e de sua sobrinha elegante, a sra. Weston,
sendo uma mulher de temperamento doce e uma boa esposa, tinha
examinado a passagem mais uma vez e constatado que seus
inconvenientes eram bem menores do que tinha suposto antes — de
fato, quase desprezíveis — e ali se concluíram as dificuldades de
decisão. Todo o resto, ao menos em teoria, correria perfeitamente
bem. Todos os arranjos menores de mesas e cadeiras, luzes e
música, chá e jantares, foram decididos ou eram meros detalhes a
serem acordados a qualquer momento entre a sra. Weston e a sra.
Stokes. Todos os convidados certamente viriam; Frank já escrevera
a Enscombe para propor estender sua estadia em alguns dias além
da quinzena original, o que não poderia ser-lhe recusado. Seria um
baile encantador.
Com toda a cordialidade, a srta. Bates ao chegar concordou que
seria mesmo. Como conselheira não era necessária, mas como
aprovadora (um papel a que era muito mais apta) era
verdadeiramente bem-vinda. Sua aprovação, ao mesmo tempo geral
e detalhada, afetuosa e incessante, não pôde deixar de agradar, e por
mais meia hora todos ficaram andando de um lado a outro entre as
diferentes salas, alguns sugerindo, outros escutando, todos com
perspectivas felizes do futuro. O grupo não se separou até que
Emma estivesse definitivamente reservada para as duas primeiras
danças pelo herói da noite, nem antes que ela ouvisse o sr. Weston
sussurrar à esposa:
— Ele a convidou, minha querida. É isso mesmo. Eu sabia que
convidaria!
CAPÍTULO XII

Faltava apenas uma coisa para tornar a ideia do baile


completamente satisfatória a Emma — o fato de ser marcado
durante a estadia já concedida a Frank Churchill em Surry, pois,
apesar da confiança do sr. Weston, ela não achava tão impossível
que os Churchill proibissem o sobrinho de permanecer mesmo um
dia além da quinzena original. Entretanto, isso não foi considerado
viável. Os preparativos levariam um tempo, nada poderia ficar
devidamente pronto por ao menos três semanas, e por alguns dias
eles deveriam planejar, prosseguir e esperar na incerteza —
correndo o risco, na opinião dela o grande risco, de que tudo fosse
em vão.
Enscombe, entretanto, foi indulgente; indulgente em atos, se não
em palavras. Estava explícito que o desejo de ficar mais tempo não
agradou, mas eles não se opuseram. Tudo estava acertado e
favorável, e, como o término de uma preocupação geralmente abre
caminho para outra, Emma, agora assegurada do baile, começou a
adotar como sua próxima irritação a indiferença provocadora do sr.
Knightley a respeito do evento. Fosse porque ele mesmo não
dançava, fosse porque o plano se formara sem que fosse consultado,
ele parecia determinado a não se interessar pelo baile, convencido
de que não instigaria qualquer curiosidade no presente nem
propiciaria qualquer divertimento futuro. Às informações que
oferecia voluntariamente, Emma não obtinha nenhuma resposta
mais aprovadora que:
— Muito bem. Se os Weston pensam que vale a pena todo esse
transtorno por algumas horas de diversão barulhenta, não tenho
nada a dizer contra isso, exceto que não escolherão os meus
prazeres por mim. Ah, por certo! Devo comparecer, não poderia
recusar, e ficarei acordado o máximo possível, mas confesso que
preferiria muito mais ficar em casa, examinando as contas da
semana de William Larkins. Prazer em assistir às danças! Eu não, de
fato. Nunca faço isso… e não sei quem faria. Acredito que uma boa
dança, como a virtude, deve ser sua própria recompensa. As pessoas
ao redor em geral estão pensando em assuntos muito diferentes.
Emma sentiu que esse último comentário foi direcionado a ela, o
que a enfureceu. Não era em nome de Jane Fairfax, porém, que o sr.
Knightley estava tão indiferente ou tão indignado — ele não era
guiado pelos sentimentos dela
ao reprovar o baile, pois ela
desfrutava a ideia a um grau extraordinário. Ficou animada e franca,
comentando voluntariamente:
— Ah, srta. Woodhouse! Espero que nada impeça o baile. Que
decepção seria! Admito que aguardo a ocasião com muito
prazer.
Portanto, não era para concordar com Jane Fairfax que ele teria
preferido a companhia de William Larkins. Não! Ela estava cada vez
mais convencida de que a sra. Weston se enganava muito sobre
aquele assunto. Existia ali um afeto muito amigável e compassivo da
parte dele — mas não era amor.
Infelizmente, não houve tempo para brigar com o sr. Knightley.
Dois dias de segurança alegre foram imediatamente seguidos pelo
colapso dos planos. Chegou uma carta do sr. Churchill requisitando
a volta imediata do sobrinho. A sra. Churchill estava doente, doente
demais para privar-se dele; pois já estava sofrendo muito (disse o
marido) quando escrevera ao sobrinho dois dias antes, embora,
devido à sua relutância usual a aborrecer os outros e seu hábito
constante de nunca pensar em si mesma, não o tivesse mencionado.
No entanto, agora estava debilitada demais para menosprezar sua
condição e pedia que ele partisse para Enscombe sem atrasos.
O conteúdo dessa carta foi imediatamente relatado a Emma em
um recado da sra. Weston. Quanto à partida dele, era inevitável.
Frank iria em poucas horas, mas sem qualquer alarme verdadeiro
pela tia para reduzir o desgosto. Conhecia as doenças da mulher, e
elas só advinham para a conveniência dela.
A sra. Weston acrescentou que ele só teria tempo para correr até
Highbury, após o desjejum, e despedir-se dos poucos amigos que
supunha se interessarem por ele, e que poderiam esperá-lo em
Hartfield muito em breve.
Esse recado devastador concluiu o café da manhã de Emma.
Depois de ler, não havia o que fazer exceto lamentar e reclamar. A
perda do baile — a perda do rapaz — e tudo que aquele rapaz
deveria estar sentindo! Era muito horrível! Que noite deliciosa teria
sido! Todos tão felizes! E ela e seu par, os mais alegres de todos! O
único consolo era saber que ela já havia previsto aquele desfecho.
Os sentimentos do pai eram muito distintos. Ele pensava
principalmente na doença da sra. Churchill, e queria saber como ela
estava sendo tratada; quanto ao baile, era uma pena decepcionar a
querida Emma, mas todos ficariam mais seguros em casa.
Emma estava pronta para receber seu visitante já fazia certo
tempo quando ele apareceu, mas se isso não sugeria uma grande
impaciência por vê-la, o olhar pesaroso e a completa falta de ânimo
o redimiram. Ele sentia tão profundamente a partida que quase não
suportava falar do assunto. Seu desalento estava claro. Por alguns
minutos ficou sentado, perdido em pensamentos, e quando se
recobrou disse apenas:
— De todas as coisas horríveis, as despedidas são as piores.
— Mas o senhor virá de novo — disse Emma. — Não será sua
única visita a Randalls.
— Ah! — disse ele, balançando a cabeça. — Sabe-se lá quando
poderei retornar! Insistirei por isso zelosamente! Será o objeto de
todos os meus pensamentos e preocupações! E se meu tio e minha
tia forem à cidade nesta primavera… mas receio que… Eles não se
transferiram na última primavera… Receio que este hábito se
perdeu para sempre.
— Teremos de desistir do nosso pobre baile.
— Ah, aquele baile! Por que esperamos? Por que não agarramos
a chance de uma vez? Quantas vezes a felicidade não é destruída
pelos preparativos, por tolos preparativos? Você nos avisou que
seria assim. Ah, srta. Woodhouse, por que está sempre certa?
— Lamento muito ter estado certa neste caso. Teria preferido
estar alegre a estar certa.
— Se eu puder voltar, ainda teremos nosso baile. Meu pai está
confiando nisso. Não se esqueça do seu compromisso.
Emma assentiu graciosamente.
— Que quinzena tivemos! — ele continuou. — Cada dia mais
precioso e encantador que o anterior! Cada dia me tornei menos
apto a suportar qualquer outro lugar! Felizes são aqueles que podem
permanecer em Highbury!
— Já que pensa tão bem de nós agora — disse Emma, rindo —,
arriscarei perguntar se não chegou com algumas dúvidas.
Superamos as suas expectativas, não? Tenho certeza de que sim.
Estou certa de que não esperava gostar de nós. Não teria demorado
tanto para vir, se fizesse uma ideia agradável de Highbury.
Ele riu, um pouco encabulado, e embora negasse o sentimento,
Emma estava convencida de que era o caso.
— E precisa partir já esta manhã?
— Sim, meu pai vem me encontrar aqui. Voltaremos juntos e
devo partir imediatamente. Receio que ele vá chegar a qualquer
momento.
— Não tem nem cinco minutos para dedicar às suas amigas srta.
Fairfax e srta. Bates? Que azar! A mente poderosa e argumentativa
da srta. Bates poderia ter fortalecido a sua.
— Sim, eu já estive
lá, na verdade. Quando passei pela porta,
achei que era melhor entrar. Era a coisa certa a fazer. Entrei por
três minutos e fui detido porque a srta. Bates estava ausente. Ela
tinha saído, e achei que não poderia sair antes que ela voltasse. É
uma mulher de quem se pode, de quem é
preciso
rir, mas que não
desejaríamos ofender. Era melhor fazer a minha visita, então…
Ele hesitou, ergueu-se e foi até uma janela.
— Em suma, talvez, srta. Woodhouse … creio que já deve ter
suas suspeitas…
Ele olhou para ela, como se quisesse ler seus pensamentos. Ela
mal sabia o que dizer. Parecia o prenúncio de algo muito sério que
ela não desejava ouvir. Forçando-se a falar, na esperança de evitar o
discurso, Emma disse calmamente:
— Tem razão, era muito natural fazer uma visita, então…
Ele ficou em silêncio; ela acreditava que o sr. Churchill estava
olhando para ela, provavelmente refletindo sobre o que ela dissera e
tentando entender seus modos. Ela o ouviu suspirar. Era natural
para ele sentir que tinha motivo
para suspirar. Não podia acreditar
que ela o estivesse incentivando. Alguns momentos desconfortáveis
se passaram, e ele sentou-se de novo e disse, de forma mais
resoluta:
— Ao menos pude passar o resto de meu tempo em Hartfield.
Sinto a estima mais calorosa por Hartfield…
Ele parou novamente, levantou-se novamente, e pareceu muito
acanhado. Estava mais apaixonado do que Emma imaginava, e
quem poderia dizer qual seria o final da conversa se o pai dele não
tivesse chegado? O sr. Woodhouse logo seguiu-se a ele, e a
necessidade de conversar ajudou-o a se recompor.
Alguns minutos a mais, entretanto, puseram fim à provação. O
sr. Weston, sempre diligente quando havia uma tarefa a cumprir, e
tão incapaz de procrastinar qualquer mal inevitável quanto de
prever qualquer um que fosse incerto, disse que era hora de ir, e o
jovem, embora pudesse suspirar — e tivesse de fato suspirado —, só
pôde concordar e se levantar.
— Receberei notícias de todos vocês — disse ele —, esse é o
meu maior consolo. Ficarei sabendo de tudo que acontece entre
vocês. Pedi à sra. Weston que se correspondesse comigo. Ela teve a
gentileza de me prometer. Ah! A bênção de ter uma correspondente
feminina, quando se está realmente interessado nos amigos
distantes! Ela vai me contar tudo. Em suas cartas, eu estarei mais
uma vez na querida Highbury.
Um aperto de mãos muito afetuoso e um “Adeus” muito sentido
concluíram o discurso, e a porta logo se fechou atrás de Frank
Churchill. O tempo para se preparar para a partida fora curto —
curto, também, o encontro deles. Ele se foi, e Emma lamentou tanto
a separação, e pressentia uma perda tão grande à sua sociedade
limitada devido à ausência dele, que começou a recear que estivesse
se lamentando e sentindo demais.
Era uma mudança triste. Eles tinham se visto quase todo dia
desde a chegada dele. Certamente, sua presença em Randalls tinha
infundido as duas semanas anteriores de grande animação — uma
animação indescritível, toda manhã trazia a ideia e a expectativa de
vê-lo, a garantia de suas atenções, sua vivacidade, suas maneiras!
Tinha sido uma quinzena muito feliz, e seria lastimável passar dela
para os dias corriqueiros em Hartfield. Para complementar todas as
suas outras qualidades, ele tinha quase
confessado que a amava. A
força ou constância de sua afeição era outra questão; mas no
momento ela não podia duvidar que ele sentisse uma admiração
muito calorosa, uma preferência consciente por ela, e essa certeza,
junto a todo o resto, fazia-a pensar que deveria
estar um pouco
apaixonada por ele, apesar de toda a resolução anterior contra isso.
Devo estar,
pensou ela. Essa sensação de apatia, fadiga,
estupidez, essa relutância a me sentar e me ocupar, esse
sentimento de que tudo é enfadonho e insípido na casa! Devo estar
apaixonada; seria a criatura mais estranha do mundo se não
estivesse… por algumas semanas, ao menos. Bem! O mal de uns é
o bem de outros. Terei muitos companheiros lamentando a perda
do baile, se não do próprio Frank Churchill, mas o sr. Knightley
ficará contente. Poderá passar a noite com o seu querido William
Larkins agora, se desejar.
O sr. Knightley, entretanto, não demonstrou nenhuma felicidade
triunfante. Não podia dizer que estivesse triste por si mesmo — sua
expressão alegre o teria contradito, se tentasse —, mas expressou
com sinceridade que sentia muito pela decepção dos demais, e com
gentileza considerável acrescentou:
— Você, Emma, que desfruta tão poucas oportunidades para
dançar, realmente teve azar, teve muito azar!
Passaram-se alguns dias antes que ela visse Jane Fairfax e
pudesse julgar a sinceridade de sua tristeza quanto a essa mudança
lamentável, mas, ao se encontrarem, Emma achou a serenidade dela
abominável. No entanto, a moça vinha se sentindo especialmente
mal, sofrendo de enxaquecas tão fortes que a tia declarou que, se o
baile tivesse ocorrido, não achava que Jane poderia ter
comparecido, de modo que seria generoso atribuir um pouco de sua
indiferença desagradável à languidez da saúde debilitada.
CAPÍTULO XIII

Emma continuou a não ter dúvidas de que estava apaixonada.


Ela só questionava o quanto. A princípio, pensou que muito; mais
tarde, só um pouco. Sentia muito prazer quando ouvia os outros
discutirem Frank Churchill; e, por ele, comprazia-se ainda mais que
de costume ao encontrar o sr. e a sra. Weston; via-se pensando nele
muitas vezes e impaciente para receber uma carta a fim de saber
como ele estava, se andava mais animado, qual era o estado da tia e
quais as chances de que viesse a Randalls de novo na primavera. Por
outro lado, não podia se declarar infeliz, nem, depois da primeira
manhã, menos disposta que de costume para suas ocupações —
continuava ativa e alegre, e, por mais agradável que ele fosse,
conseguia ver que tinha defeitos. Além disso, ainda que pensasse
muito nele e, enquanto se sentava para desenhar ou bordar,
engendrasse milhares de planos divertidos para o progresso e o
estreitamento de sua intimidade, concebendo diálogos interessantes
e inventando cartas elegantes, a conclusão de cada declaração
imaginária da parte dele era que ela o recusava.
O afeto deles
sempre recaía para a amizade. A despedida era marcada pelas
declarações mais ternas e encantadoras, mas sempre seria uma
despedida. Quando percebeu isso, ocorreu-lhe que não podia estar
muito apaixonada, pois, apesar de sua resolução inabalável de
nunca abandonar o pai e nunca se casar, um apego forte certamente
deveria inspirar um conflito maior do que ela sentia em seus
próprios sentimentos.
Não me vejo fazendo qualquer uso da palavra “sacrifício”
,
pensou ela. Em nenhuma de todas as minhas respostas
espirituosas ou recusas delicadas, faço qualquer alusão a um
sacrifício. Suspeito que ele não seja de fato necessário à minha
felicidade. Melhor assim. Certamente não me convencerei a sentir
mais do que sinto. Estou apaixonada o suficiente; lamentaria
estar mais.
De forma geral, ela estava igualmente satisfeita com sua visão
dos sentimentos dele.
Sem dúvida,
ele está muito apaixonado — tudo aponta para
isso —, muito apaixonado, de fato! E quando voltar, se sua afeição
persistir, devo tomar cuidado para não a encorajar. Seria
imperdoável, uma vez que já tomei minha decisão. Não que
imagine que ele tenha se sentido encorajado até agora. Não, se
acreditasse que eu partilhasse desses sentimentos de qualquer
forma, não teria parecido tão desolado. Se tivesse achado que
recebia qualquer incentivo, seu semblante e suas palavras ao
partir teriam sido diferentes. Ainda assim, preciso ficar alerta.
Isso supondo que o apego dele continue como agora, mas não sei
se vai, não o considero esse tipo de homem; não confio
inteiramente na sua firmeza ou constância. Seus sentimentos são
ternos, mas imagino que possam ser volúveis. Em suma, toda
consideração sobre o assunto me deixa grata por minha felicidade
não estar mais profundamente em risco. Ficarei muito bem daqui
a um tempo — e, depois, será bom ter passado por isso, pois
dizem que todos se apaixonam uma vez na vida, e eu terei
escapado ilesa.
Quando a carta dele à sra. Weston chegou, Emma a analisou com
calma e a leu com um grau de prazer e admiração que a fez, a
princípio, sacudir a cabeça para seus próprios sentimentos e achar
que tinha subestimado a intensidade deles. Era uma carta longa e
bem-escrita, detalhando os pormenores do percurso e dos
sentimentos dele, expressando todo o afeto, a gratidão e o respeito
que seriam naturais e honrados, e descrevendo tudo no exterior e
no local que poderia ser suposto interessante, com bom-humor e
precisão. Não havia mais floreios suspeitos de pedidos de desculpa
ou preocupação. Sua linguagem exprimia sentimentos genuínos em
relação à sra. Weston, e a transição de Highbury para Enscombe, o
contraste entre os lugares no que tratava das principais bênçãos da
vida em sociedade, eram abordados apenas o suficiente para
mostrar como eram sentidos com intensidade e quanto mais
poderia ter sido dito se não fossem as restrições do decoro. O
encanto de seu próprio nome não faltava. A srta. Woodhouse
era
mencionada mais de uma vez, e nunca sem algum tipo de
comentário amável, fosse um elogio ao seu bom gosto ou uma
lembrança do que ela dissera em algum momento; e a última vez
que avistou seu nome, sem os adornos de qualquer galanteria, ela
pôde discernir o efeito de sua própria influência e encontrar talvez o
maior elogio de todos. Espremido num canto livre na base da folha
estavam as palavras: Eu não
tive um momento livre na terça-feira,
como sabem, para ver a bela amiga da srta. Woodhouse. Por favor,
transmita minhas desculpas e despedidas a ela.
Isso, Emma não
podia duvidar que tivesse sido dito só por ela. Harriet era lembrada
apenas como a amiga dela.
As informações e expectativas dele
quanto a Enscombe não eram nem piores nem melhores do que o
esperado; a sra. Churchill estava se recuperando, e ele ainda não
ousava, nem em imaginação, fixar uma data para outra visita a
Randalls.
Entretanto, por mais gratificante e estimulante que fosse a carta
em seu conteúdo, nos sentimentos que expressava, ela ainda
descobriu, quando a dobrou e devolveu à sra. Weston, que não tinha
aumentado sua afeição, que ela ainda podia viver sem o autor e que
ele deveria aprender a viver sem ela. Suas intenções não tinham
mudado. Sua resolução de rejeitá-lo só ficou mais obstinada com o
surgimento de um plano para o consolo e a felicidade subsequentes
dele. A menção a Harriet e as palavras que a acompanharam — “a
bela amiga dela” — sugeriram-lhe que Harriet poderia suceder-se a
ela mesma nas afeições dele. Seria impossível? Não. Harriet sem
dúvida era muito inferior a ele em intelecto, mas o rapaz tinha
ficado muito impressionado com a beleza do seu rosto e a
simplicidade calorosa de seus modos, e todas as probabilidades de
circunstância e conexões estavam a favor dela. Para Harriet, seria
de fato muito vantajoso e atraente.
Não posso pensar nisso
, refletiu ela. Não posso pensar nisso.
Conheço o perigo de me entregar a tais especulações. Só que
coisas mais estranhas já aconteceram e, quando deixarmos de nos
importar um com o outro como nos importamos agora, será o
modo de confirmar o tipo de amizade desinteressada que eu já
prevejo com prazer.
Embora fosse sábio só deixar a imaginação tocar a ideia
raramente, seria bom ter um consolo reservado para Harriet, pois
uma perturbação se aproximava. Assim como a chegada de Frank
Churchill tinha tomado o lugar do noivado do sr. Elton nas
conversas em Highbury, à medida que o ponto de interesse mais
recente completamente suplantava o anterior, da mesma maneira,
com a partida de Frank Churchill, as notícias sobre o sr. Elton
assumiram uma forma irresistível. O dia do casamento foi
anunciado. O sr. Elton logo estaria entre eles outra vez, assim como
sua esposa. Quase não houve tempo para discutir a primeira carta
de Enscombe antes que “o sr. Elton e a sua esposa” estivessem na
boca de todos e Frank Churchill fosse esquecido. Emma estava farta
de ouvir o nome dele. Tivera três semanas de alegre esquecimento
do sr. Elton e esperava que a mente de Harriet viesse ganhando
força nesse período. Pelo menos, com o baile do sr. Weston à vista,
ela estivera insensível a outros assuntos, mas agora ficava evidente
que não tinha alcançado uma serenidade que pudesse resistir à
chegada do casal — com uma nova carruagem, os sinos da igreja
badalando e tudo o mais.
A pobre Harriet ficou tão agitada que foram necessários todos os
tipos de argumento, consolo e atenção ao alcance de Emma. Ela
sentiu que nenhum esforço de sua parte seria um excesso, que
Harriet tinha direito a toda a sua engenhosidade e paciência, mas
era uma sina pesada estar sempre tentando convencer sem produzir
qualquer feito, sempre ouvindo concordâncias sem conseguir fazer a
outra acatar suas opiniões. Harriet escutava submissa e dizia que
era verdade, era bem como a srta. Woodhouse descrevia, não valia a
pena pensar sobre eles e ela não pensaria mais — mas não ocorria
nenhuma mudança substancial, e meia hora depois ela estava tão
ansiosa e inquieta por causa dos Elton quanto antes. Por fim, Emma
atacou por outro ângulo.
— Permitir-se tanta preocupação e infelicidade com o casamento
do sr. Elton, Harriet, é a reprimenda mais forte que poderia fazer a
mim.
Não poderia me fazer uma censura maior pelo erro que
cometi. Foi tudo culpa minha, eu sei. Eu não esqueci, garanto a
você. Enganando-me, eu a enganei terrivelmente, e será
eternamente uma reflexão dolorosa para mim. Não imagine que
corro o risco de esquecer.
Harriet ficou abalada demais para emitir mais que algumas
exclamações atrapalhadas. Emma prosseguiu:
— Quando digo que pare de se preocupar, Harriet, que pense
menos e fale menos sobre o sr. Elton, não é pelo meu próprio bem.
É por você que eu gostaria que isso acontecesse, é pelo bem do que
é mais importante do que o meu conforto: criar um hábito de
autocontrole em você, uma consideração do seu dever, uma atenção
para o que é correto, um esforço para evitar as suspeitas dos outros,
para preservar sua saúde e reputação, para restaurar sua
tranquilidade. São esses os motivos pelos quais tenho sido
persistente com você. Eles são muito importantes, e sinto muito que
você não perceba isso o suficiente para almejá-los. Poupar-me de
sofrimento é uma consideração secundária. Quero que salve a si
mesma de um sofrimento maior. Talvez, às vezes, eu tenha sentido
que você não esqueceria o que era devido… ou o que seria gentil
comigo.
Esse apelo aos sentimentos de Harriet foi mais eficaz que todo os
outros argumentos. A ideia de faltar com gratidão e consideração
para com a srta. Woodhouse, que Harriet amava profundamente,
deixou-a desolada por um tempo. Porém, mesmo quando o
sofrimento mais intenso esmaeceu, ainda permaneceu potente o
suficiente para impeli-la a fazer o que era correto e sustentá-la nessa
resolução de modo tolerável.
— A senhorita, que tem sido a melhor amiga que eu já tive na
vida. Faltar com gratidão para com a senhorita! Ninguém chega aos
seus pés! Eu não me importo com ninguém tanto quanto com a
senhorita! Ah, srta. Woodhouse, como tenho sido ingrata!
Tais declarações, acompanhadas por tudo que os olhares e
modos podiam fazer, levaram Emma a sentir que nunca tinha
amado tanto Harriet, nem valorizado tanto sua amizade.
Não há charme que equivalha à ternura do coração
, pensou
ela mais tarde. Não há nada que se compare. Carinho e ternura,
modos afetuosos e sinceros, superam qualquer agudeza de
intelecto no mundo em termos da atração que exercem. Tenho
certeza. É a ternura de seu coração que torna o querido papai tão
amado, que concede a Isabella toda a sua popularidade. Eu não a
tenho, mas sei prezá-la e respeitá-la. Harriet é superior a mim, em
todo o charme e felicidade que inspira. Querida Harriet! Eu não a
trocaria pela mulher mais lúcida, perspicaz e ajuizada hoje viva.
Ah! A frieza de uma Jane Fairfax! Harriet vale cem dela. E para
uma esposa, a esposa de um homem sensato, isso é inestimável.
Não mencionarei nomes, mas feliz seria o homem que trocasse
Emma por Harriet!
CAPÍTULO XIV

A sra. Elton foi vista pela primeira vez na igreja: contudo, ainda
que a devoção pudesse ser interrompida, a curiosidade não seria
satisfeita apenas por ver uma esposa num banco de igreja, e teria
que ser saciada nas visitas de cortesia que deveriam ser feitas, nas
quais se decidiria se ela era mesmo muito bonita, um pouco bonita,
ou se não era nada bonita.
Emma sentiu, menos por curiosidade do que por orgulho e
decoro, que não deveria ser a última a oferecer seus cumprimentos,
e fez questão de que Harriet fosse consigo, para que o pior acabasse
o quanto antes.
Ela não poderia entrar naquela casa de novo ou estar na mesma
sala que, três meses antes, lograra acessar com um ardil astuto para
amarrar as botas, sem recordar.
Mil pensamentos irritantes
acorreriam à memória — elogios, charadas e terríveis gafes. E só
podia supor que a pobre Harriet também estivesse recordando.
Contudo, ela se comportou muito bem; estava só um pouco pálida e
calada. Naturalmente, a visita foi breve, e reduzida por tanto
constrangimento e preocupação que Emma não se permitiu formar
uma opinião conclusiva sobre a dama, e de forma alguma pôde
expressar sua impressão, além de comentar vagamente que ela “se
vestia com elegância e era muito agradável”.
A verdade era que não gostou dela. Não estava com pressa de
encontrar defeitos, mas suspeitava que não tivesse elegância —
havia desinibição, mas não elegância. Emma tinha quase certeza de
que, para uma jovem, uma desconhecida, uma mulher recém-
casada, ela estava à vontade demais. Sua figura era bela, o rosto não
era feio, mas nem feições, nem ares, nem voz, nem modos eram
elegantes. Emma esperara que teria ao menos tais qualidades.
Quanto ao sr. Elton, os modos dele não pareceram… mas não,
ela não proferiria qualquer palavra precipitada ou espirituosa
quanto aos modos dele. Já era uma cerimônia desconfortável
receber visitas após o casamento, e um homem precisava de muita
graça para superá-la. A mulher tinha uma vantagem, com a
assistência de belas roupas e o privilégio da timidez, mas o homem
só podia se apoiar em seu bom senso e, quando ela considerava
como o pobre sr. Elton era peculiarmente azarado por estar na
mesma sala com a mulher com que tinha acabado de se casar, a
mulher com quem desejara se casar e a mulher com quem fora
esperado que se casasse, precisava estender-lhe o direito de ser tão
pouco espirituoso, tão afetado e tão constrangido quanto quisesse.
— Bem, srta. Woodhouse — disse Harriet, quando elas saíram da
casa. E depois de esperar em vão que a amiga dissesse algo, com um
suspiro suave: — Bem, srta. Woodhouse, o que achou? Ela não é
encantadora?
Houve pouca hesitação na resposta de Emma.
— Ah, sim. Muito. É uma mulher muito simpática.
— Acho que é bonita, muito bonita.
— Muito bem-vestida, de fato; seu vestido era de uma elegância
impressionante.
— Não fico nem um pouco surpresa por ele ter se apaixonado.
— Ah, não! Não há motivo para surpresa. Ela tem uma fortuna
considerável, foi uma sorte ele a ter conhecido.
— Eu arriscaria dizer — retomou Harriet, suspirando de novo —
que ela é muito afeiçoada a ele.
— Talvez seja, mas não é o destino de todo homem casar-se com
a mulher que mais o ama. A srta. Hawkins talvez desejasse um lar
próprio e pode ter pensado que essa seria a melhor proposta que
receberia.
— Sim — concordou Harriet ardorosamente —, a senhorita tem
razão, ninguém poderia receber uma proposta melhor. Bem, desejo-
lhes a felicidade, de todo o coração. E agora, srta. Woodhouse, acho
que não vou mais me incomodar por vê-los. Ele é tão superior
quanto sempre, mas, estando casado, sabe, é diferente. Não, de fato,
a senhorita não precisa temer, agora posso sentar-me e admirá-lo
sem grandes sofrimentos. Saber que ele não se desperdiçou é um
conforto tão grande! Ela parece uma mulher tão agradável,
exatamente o que ele merece. Que criatura feliz! Ele a chama de
“Augusta”. Que encantador!
Quando a visita foi retribuída, Emma formou uma opinião mais
decisiva. Nessa ocasião, pôde ver mais e julgar melhor. Como
Harriet não estava em Hartfield e o pai estava presente para
conversar com o sr. Elton, ela teve um quarto de hora para falar
com a dama, e pôde dedicar toda sua atenção a ela — e aquele
quarto de hora a convenceu por completo de que a sra. Elton era
uma mulher vaidosa, extremamente satisfeita consigo mesma e que
superestimava sua própria importância; que pretendia brilhar e ser
muito superior, mas com modos adquiridos em uma má escola,
atrevidos e presunçosos; que todas as suas ideias se originavam de
um único conjunto de pessoas e um único estilo de vida; e que, se
não era tola, era ignorante, e sua companhia certamente não faria
bem algum ao sr. Elton.
Harriet teria sido uma esposa melhor. Ainda que não fosse sábia
ou refinada, ela o teria conectado com pessoas que eram. Mas a srta.
Hawkins — como era lícito supor com base em sua arrogância
confiante — era a mais refinada em sua família. O grande orgulho
da aliança era o cunhado rico que morava perto de Bristol, e sua
casa e carruagens que por sua vez eram o orgulho dele.
O primeiro assunto após se sentarem foi Maple Grove — “a
propriedade do meu cunhado, o sr. Suckling” — e uma comparação
entre Hartfield e o local. Os gramados de Hartfield eram pequenos,
mas bonitos e bem-cuidados, e a casa era moderna e bem-
construída. A sra. Elton pareceu muito favoravelmente
impressionada pelo tamanho da sala, a entrada e tudo que podia ver
ou imaginar. Era muito parecida com Maple Grove, de fato! Ela ficou
impressionada com a semelhança! Aquela sala tinha o mesmo
formato e dimensões que a sala de estar matinal em Maple Grove, o
cômodo preferido da irmã dela. A opinião do sr. Elton foi
requisitada. Não era extraordinariamente semelhante? Ela quase
podia imaginar que estava em Maple Grove.
— E a escadaria… sabe, quando entrei, observei como a
escadaria era parecida, situada exatamente na mesma parte da casa.
Não consegui evitar uma exclamação de surpresa! Eu lhe garanto,
srta. Woodhouse, que me é um grande prazer recordar de um local a
que sou tão extremamente parcial quanto Maple Grove. Passei
muitos meses felizes lá! — exclamou com um leve suspiro sentido.
— Um lugar charmoso, sem dúvida. Todos que o veem ficam
impressionados com sua beleza, mas, para mim, foi mais que um lar.
Quando você se mudar, como eu, vai entender como é encantador
encontrar qualquer coisa parecida com o que foi deixado para trás.
Eu sempre digo que é um dos males do matrimônio.
Emma deu a resposta mais curta possível, mas foi o suficiente
para a sra. Elton, que só queria falar ela mesma.
— É tão parecido com Maple Grove! E não só a casa; os
gramados, eu lhe asseguro, pelo que pude observar, são muito
semelhantes. Os louros de Maple Grove crescem na mesma profusão
que os daqui, e estão posicionados da mesma forma, logo atrás do
jardim. E peguei um vislumbre de uma árvore grande e bonita, com
um banco próximo, que me recordou imediatamente uma de lá!
Meu cunhado e minha irmã ficarão encantados com este lugar. As
pessoas que têm jardins extensos sempre ficam satisfeitas com
qualquer lugar no mesmo estilo.
Emma questionava a veracidade desse sentimento. Tinha a
impressão de que pessoas com jardins extensos se importavam
muito pouco com os jardins alheios, mas não valia a pena contestar
uma crença tão arraigada, e portanto ela respondeu apenas:
— Quando vir mais do condado, receio que a senhora vá pensar
que superestimou Hartfield. O Surry é cheio de belezas.
— Ah, sim! Estou bem ciente disso. É o jardim da Inglaterra,
sabe. O Surry é o jardim da Inglaterra.
— Sim, mas não podemos confiar apenas nessa distinção. Muitos
condados, eu acredito, são chamados de jardim da Inglaterra, assim
como Surry.
— Não, creio que não — retrucou a sra. Elton, com um sorriso
muito satisfeito. — Nunca ouvi nenhum outro condado além deste
ser chamado assim.
Emma calou-se.
— Meu cunhado e minha irmã nos prometeram fazer uma visita
na primavera ou, no mais tardar, no verão — continuou a sra. Elton.
— Será nossa chance de explorar. Enquanto estiverem conosco,
arrisco dizer que vamos explorar muito. Eles terão a sua barouche-
landau
27
, é claro, que carrega quatro pessoas perfeitamente, e
contando ainda a nossa
carruagem, poderemos explorar as
diferentes belezas muito bem. Eles não viriam de cabriolé, creio,
nesta época do ano. De fato, quando a hora se aproximar, vou
recomendar enfaticamente que venham com a barouche-landau
,
será muito preferível. Quando as pessoas visitam um belo condado
como este, sabe, srta. Woodhouse, é natural que desejem conhecer
o máximo possível dele, e o sr. Suckling gosta muito de explorar.
Exploramos King’s-Weston duas vezes no verão passado, desse jeito,
com muito prazer, logo que eles adquiriram sua primeira barouche-
landau
. Imagino que vocês façam muitas excursões desse tipo aqui,
srta. Woodhouse, todo verão.
— Não, não na região. Estamos a uma distância considerável das
belezas mais marcantes que inspiram o tipo de excursões de que a
senhora fala, e somos um grupo muito tranquilo, mais inclinado a
ficar em casa do que a fazer passeios de lazer.
— Ah! Não há nada como ficar em casa para experimentar o
verdadeiro conforto. Ninguém poderia ser mais dedicada ao lar do
que eu. Meu nome era quase um sinônimo para domesticidade em
Maple Grove. Selina sempre dizia quando ia a Bristol: “Não consigo
tirar essa moça de casa. Terei de ir sozinha, embora odeie ficar
presa na barouche-landau
sem uma companheira, mas acredito que
Augusta, por vontade própria, jamais iria além da cerca do parque”.
Ela disse isso muitas vezes, mas eu não defendo o isolamento
completo. Pelo contrário, creio que é muito ruim se isolar por
completo da sociedade, e que é muito mais aconselhável se envolver
com o mundo a um grau adequado, sem viver nele muito ou pouco.
Entendo perfeitamente sua situação, entretanto, srta. Woodhouse —
acrescentou, com um olhar para o sr. Woodhouse. — A saúde do seu
pai deve ser um grande empecilho. Por que ele não visita Bath? Sim,
deveria ir. Permita-me recomendar Bath à senhorita, garanto-lhe
que fará bem ao sr. Woodhouse.
— Meu pai já tentou mais de uma vez, mas não viu nenhum
benefício, e o sr. Perry, cujo nome imagino ser desconhecido à
senhora, não acredita que seria mais proveitoso agora.
— Ah! Que pena, pois eu lhe garanto, srta. Woodhouse, as águas
propiciam um alívio esplêndido. Em minha vida em Bath, vi muitas
provas disso! E é um lugar tão animado que não poderia deixar de
melhorar o humor do sr. Woodhouse, que, pelo que entendo, às
vezes fica um pouco deprimido. Quanto aos benefícios a você
,
acredito que não preciso me demorar neles. As vantagens de Bath
para os jovens são reconhecidas por todos. Seria uma apresentação
charmosa para você, que viveu uma vida tão reclusa, e eu poderia
imediatamente garantir-lhe algumas das melhores companhias do
lugar. Uma palavra minha lhe asseguraria uma multidão de contatos,
e minha amiga íntima, a sra. Partridge, a dama com quem sempre
me hospedo em Bath, ficaria encantada em prestar-lhe todas as
atenções e seria a melhor pessoa possível com quem sair em
público.
Era quase mais do que Emma podia suportar sem ser descortês.
Ficar em dívida com a sra. Elton pelo que ela chamava de
apresentação
— sair em público sob a tutela de uma amiga da sra.
Elton, provavelmente alguma viúva vulgar e espalhafatosa que, com
a ajuda de um pensionista, talvez conseguisse se sustentar! A
dignidade da srta. Woodhouse de Hartfield tinha realmente
afundado!
Contudo, conteve as censuras que poderia fazer e só agradeceu a
sra. Elton com frieza, explicando que uma viagem a Bath estava fora
de questão e que ela não estava perfeitamente convencida de que o
lugar seria mais benéfico a ela do que ao pai. E então, para evitar
mais revolta e indignação, mudou de assunto por completo.
— Eu não perguntei se a senhora gosta de música pois nessas
ocasiões a reputação de uma dama geralmente a precede, e
Highbury a conhece há muito tempo como uma extraordinária
pianista.
— Ah, não! Devo protestar contra essa ideia. Uma pianista
extraordinária! Estou muito longe disso, eu lhe asseguro. Considere
que a informação vem de uma fonte muito parcial. Eu aprecio a
música profundamente, apaixonadamente, e meus amigos dizem
que não sou destituída de gosto, mas de resto, palavra de honra,
meu desempenho é medíocre
no máximo. Você, eu bem sei, toca
encantadoramente. Asseguro-lhe que foi a maior satisfação, conforto
e prazer para mim saber que estava para entrar em uma sociedade
musical. Não posso viver sem música de jeito nenhum. É uma
necessidade absoluta para mim e, tendo sempre estado acostumada
a uma sociedade muito musical, tanto em Maple Grove como em
Bath, seria um sacrifício enorme privar-me dela. Falei isso
abertamente ao sr. E. quando ele estava me contando sobre meu
futuro lar e expressando seu receio de que o isolamento seria
desagradável. Sabendo com o que eu estava acostumada, a
inferioridade da casa também foi, é claro, motivo de apreensão.
Quando ele falou dessa forma, eu disse sinceramente que estava
disposta a abandonar o mundo
, festas, bailes, peças, pois não tinha
medo da reclusão. Abençoada com tantos recursos internos, o
mundo não era necessário para mim. Eu poderia viver muito bem
sem nada disso. Para aqueles que não têm recursos, é outra história,
mas os meus me tornam muito independente. Quanto a cômodos
menores do que eu estava acostumada, nem cheguei a pensar nisso.
Esperava estar à altura de qualquer sacrifício desse tipo.
Certamente estava acostumada a todos os luxos em Maple Grove,
mas garanti a ele que duas carruagens ou cômodos espaçosos não
eram necessários à minha felicidade. “Porém”, eu disse, “para ser
sincera, não acho que consigo viver sem uma sociedade um pouco
musical. Não exijo mais nada, mas sem a música a vida seria
insuportável para mim.”
— Não podemos supor — disse Emma, sorrindo — que o sr.
Elton hesitaria em garantir à senhora que há uma sociedade muito
musical em Highbury, e espero que não pense que ele exageraria a
verdade mais do que poderia ser perdoado, considerando-se o
motivo.
— Não, de fato, não tenho quaisquer dúvidas nesse sentido.
Estou encantada em me encontrar numa vizinhança como esta.
Espero que façamos muitos concertos juntas. Eu estava pensando,
srta. Woodhouse, que nós duas deveríamos fundar um clube de
música e promover encontros semanais regulares na sua casa, ou na
nossa. Não seria um bom plano? Se nós
tomarmos a iniciativa, creio
que não faltarão apoiadores. Algo dessa natureza seria
particularmente desejável para
mim
, como um incentivo para
continuar praticando, pois mulheres casadas, sabe… Há um triste
histórico contra elas, de forma geral. Têm uma grande tendência a
abandonar a música.
— Mas a senhora, que tanto a aprecia, certamente não vai correr
esse risco.
— Espero que não, mas quando olho ao redor estremeço. Selina
abandonou a música por completo, nem encosta mais no
instrumento, embora tocasse tão belamente. E o mesmo pode ser
dito da sra. Jeffereys… Clara Partridge, quero dizer, e as duas
Milman, agora a sra. Bird e a sra. James Cooper, e muitas outras que
nem consigo contar. Palavra, é suficiente para nos assustar. Antes eu
ficava brava com Selina, mas agora começo a entender que a
atenção de uma mulher casada tem muitas demandas. Acredito que
passei meia hora esta manhã só falando com a governanta.
— Mas todas as exigências desse tipo — disse Emma — logo
serão tão corriqueiras que…
— Bem — disse a sra. Elton, rindo. — Veremos.
Emma, vendo-a tão determinada a negligenciar a música, não
tinha mais o que dizer, e após uma breve pausa a sra. Elton
escolheu outro assunto.
— Nós passamos em Randalls para fazer uma visita — disse ela
— e encontramos os dois em casa. Parecem ser pessoas muito
simpáticas. Gostei muito deles. O sr. Weston parece uma criatura
excelente; já é um favorito comigo, eu lhe garanto. E ela
parece tão
boa, realmente… tem algo de tão maternal e gentil, que nos
conquista de imediato. Foi sua preceptora, acredito, não?
Emma estava quase perplexa demais para responder, mas a sra.
Elton mal aguardou a confirmação antes de continuar.
— Sabendo disso, fiquei espantada ao ver como ela é elegante!
Mas é realmente uma dama.
— Os modos da sra. Weston — disse Emma — sempre foram
particularmente refinados. Seu decoro, simplicidade e elegância
seriam o melhor exemplo possível para qualquer moça.
— E quem você acha que apareceu enquanto estávamos lá?
Emma não fazia ideia. O tom dela sugeria algum conhecido de
longa data, mas como poderia adivinhar?
— Knightley! — continuou a sra. Elton. — Knightley em pessoa!
Não foi uma sorte? Pois, como ele não estava em casa quando
passamos no outro dia, eu nunca o tinha visto antes, e, é claro, por
ser um amigo tão íntimo do sr. E., eu estava muito curiosa a seu
respeito. “Meu amigo Knightley” foi mencionado tantas vezes que eu
estava muito impaciente para conhecê-lo, e preciso fazer justiça ao
meu cara sposo
28
ao dizer que ele não precisa ter vergonha do seu
amigo. Knightley é um perfeito cavalheiro. Gostei muito dele. Creio
que é um homem muito distinto, de fato.
Por sorte, era hora das despedidas. Eles se retiraram e Emma
conseguiu respirar de novo.
Que mulher insuportável!
, foi sua reação imediata. Pior do que
eu imaginava. Absolutamente insuportável! Knightley!
Inacreditável! Knightley! Nunca o viu antes na vida e o chama de
Knightley! E descobriu que ele é um cavalheiro! Uma arrivista
vulgar, com o seu “sr. E.” e o seu “
cara sposo”, e todos os seus
recursos, e os seus ares de presunção grosseira e refinamento
barato.
Descobrir que o sr. Knightley
de fato é um cavalheiro!
Duvido que ele retribuirá o elogio e que julgará que ela é uma
dama. Inacreditável! E propor que nós duas fundássemos um
clube musical! Seria de imaginar que somos amigas do peito! E a
sra. Weston! Espantada que a pessoa que me criou seja uma
dama! Só fica pior. Nunca vi tamanho atrevimento. Muito pior do
que eu esperava. Harriet seria insultada por qualquer
comparação. Ah! O que Frank Churchill diria, se estivesse aqui?
Como ficaria furioso e entretido! E cá estou eu, pensando nele de
novo. É sempre a primeira pessoa em que penso! Como eu me
pego em flagrante! Frank Churchill entra constantemente em
meus pensamentos!
Esse discurso loquaz correu por seus pensamentos e, quando o
pai enfim se recuperou da agitação da partida dos Elton e ficou
pronto para falar, ela estava razoavelmente capaz de prestar
atenção.
— Bem, minha querida — ele começou deliberadamente —,
considerando que nunca a vimos antes, ela parece uma dama muito
bonita e arrisco dizer que gostou muito de você. Fala depressa
demais… tem uma pressa que fere um pouco os ouvidos. Mas
acredito que sou melindroso nesse sentido; não gosto de vozes
estranhas, e ninguém fala como você e a srta. Taylor. No entanto,
ela parece ser uma moça muito atenciosa e bem-comportada, e não
tenho dúvidas de que será uma boa esposa para ele. Embora ache
que o sr. Elton não devesse ter se casado. Eu me desculpei o melhor
que pude por não ter feito uma visita a ele e à sra. Elton na feliz
ocasião e disse que esperava que seria
possível no verão. Mas devia
ter ido antes. Não visitar uma noiva é muito negligente. Ah, só
mostra como sou um triste inválido! Mas não gosto daquela curva
antes da alameda da casa paroquial.
— Eu diria que suas desculpas foram aceitas, senhor. O sr. Elton
o conhece.
— Sim, mas uma moça… uma nova esposa… Eu devia ter
oferecido meus cumprimentos, se possível. Foi muito relapso.
— Mas, querido papai, se o senhor não aprova matrimônios, por
que estaria tão ansioso em oferecer cumprimentos a uma
noiva
?
Não deveria ser uma preocupação para o senhor.
Se der tanta
atenção a eles, vai incentivar as pessoas a se casarem.
— Não, minha querida, eu nunca incentivei ninguém a se casar,
mas sempre gosto de demonstrar a consideração devida a uma
dama. Uma noiva, em especial, não deve ser esnobada.
Reconhecidamente, deve-se mais a ela.
Uma noiva, como você sabe,
minha querida, sempre tem a precedência, quem quer que sejam os
outros.
— Bem, papai, se isso não é um incentivo para o casamento, não
sei o que seria. E nunca teria esperado que o senhor sancionasse
tamanhas tentações para a vaidade de pobres moças como nós.
— Minha querida, você não está me compreendendo. É mera
questão de educação e boas maneiras, não se trata de incentivar as
pessoas a se casarem.
Emma calou-se. O pai estava ficando nervoso e não conseguia
entendê-la.
Sua mente retornou às ofensas da sra. Elton, que
ocuparam seus pensamentos por um longo, longo tempo.

27
.  Um tipo de carruagem novo à época, para quatro pessoas com um teto
que podia ser dobrado para que os passageiros observassem a paisagem.
28
.  A sra. Elton pretende dizer “caro esposo”, em italiano, mas erra o gênero
do adjetivo.
CAPÍTULO XV

Nenhuma descoberta subsequente obrigou Emma a reconsiderar


sua opinião negativa da sra. Elton. Suas observações tinham sido
muito acertadas. A impressão que a sra. Elton tinha lhe passado
naquele segundo encontro continuou igual sempre que se
encontravam de novo: convencida, presunçosa, excessivamente
informal, ignorante e mal-educada. Tinha um pouco de beleza e um
pouco de talento, mas tão pouco juízo que pensava ter chegado com
conhecimentos superiores de mundo para inspirar e refinar a
vizinhança, imaginando que a srta. Hawkins ocupava uma posição
na sociedade que apenas a importância da sra. Elton poderia
superar.
Não havia motivos para supor que o sr. Elton pensasse diferente
da esposa. Ele parecia não apenas feliz, mas também orgulhoso dela.
Aparentava se parabenizar por ter trazido a Highbury uma mulher
que estava acima até mesmo da srta. Woodhouse, e a maior parte
dos novos conhecidos dela, inclinados a elogiar e não tendo o hábito
de criticar, seguindo o exemplo da boa vontade da srta. Bates ou
aceitando sem questionar que a dama deveria ser tão inteligente e
amável quanto se professava, ficou muito satisfeita com ela, de
modo que os elogios à sra. Elton passavam de uma boca a outra
como seria esperado — sem qualquer impedimento da srta.
Woodhouse, que continuou expondo sua opinião inicial e
comentava graciosamente que ela era “muito simpática e se vestia
de forma muito elegante”.
Em um sentido, a sra. Elton piorou ainda mais a impressão
inicial: seus sentimentos em relação a Emma mudaram.
Provavelmente ofendida pelo parco incentivo com que suas ofertas
de intimidade eram recebidas, ela também se afastou e aos poucos
se tornou mais fria e distante; e, embora o resultado fosse bem-
vindo, a animosidade que resultava só fazia aumentar a aversão de
Emma. Além disso, os modos dela — e do sr. Elton — em relação a
Harriet eram desagradáveis, irônicos e negligentes. Emma esperava
que isso apressasse a cura de Harriet, mas as suspeitas do que podia
ter inspirado esse comportamento deixou ambas muito abaladas.
Não se podia duvidar de que relatos sobre a afeição da pobre Harriet
tivessem sido feitos, em uma oferta de franqueza conjugal, e a
participação da própria Emma no caso, sob a luz menos favorável a
ela e mais conveniente a ele, provavelmente também tinha sido
comentada. Ela era, é claro, o alvo da aversão comum deles.
Quando não tinham nada para dizer, devia ser fácil começar a
insultar a srta. Woodhouse, e a inimizade que não ousavam
demonstrar a ela em público encontrava vazão mais ampla no
tratamento desdenhoso para com Harriet.
No entanto, desde o início a sra. Elton se apegou muito a Jane
Fairfax. Não apenas porque uma guerra com uma dama poderia
levá-la a favorecer outra, mas desde o primeiro encontro. E ela não
se satisfazia em expressar uma admiração natural e sensata; sem
qualquer solicitação, pedido ou direito, decidiu auxiliá-la e tornar-se
amiga dela. Antes que Emma perdesse o posto de confidente, por
volta da terceira vez que se encontraram, ouviu as intenções nobres
da sra. Elton quanto a esse assunto:
— Jane Fairfax é absolutamente encantadora, srta. Woodhouse.
Eu não consigo parar de elogiá-la. É uma criatura doce e
interessante. Tão dócil e com tanto bom gosto, e tão talentosa! Eu
lhe garanto, ela tem talentos muito extraordinários. Não hesito em
dizer que toca extremamente bem. Meu conhecimento de música
me permite falar de maneira categórica neste ponto. Ah! Ela é tão
encantadora! Você vai rir do meu entusiasmo, mas juro que não falo
de mais nada exceto Jane Fairfax. E a situação dela só pode inspirar
compaixão! Srta. Woodhouse, devemos nos esforçar para fazer algo
por ela. Devemos ajudá-la a encontrar seu caminho. Talentos como
os dela não podem permanecer ocultos. Ouso dizer que já ouviu
aqueles versos charmosos do poeta: “Tantas flores nascem para
corar sem ser vistas,/ E desperdiçar sua fragrância no ar do
deserto.”
29
Não podemos permitir que isso se aplique à doce Jane
Fairfax.
— Não acho que haja qualquer perigo — foi a resposta calma de
Emma — e, quando a senhora estiver mais familiarizada com a
situação da srta. Fairfax e entender o tipo de lar que encontrou com
o coronel e a sra. Campbell, acho que não vai considerar os talentos
dela desconhecidos.
— Ah! Mas minha cara srta. Woodhouse, agora ela está em tal
isolamento e obscuridade, tão desperdiçada. Quaisquer vantagens
de que pudesse ter gozado com os Campbell estão palpavelmente
chegando ao fim! E acho que ela sente isso. Tenho certeza de que
sente. É muito tímida e calada. Dá para ver que lhe falta incentivo.
E gosto mais dela por isso, devo confessar que é uma qualidade para
mim. Sou uma grande defensora da timidez… e tenho certeza de
que não é encontrada com frequência. Em pessoas de posição
inferior, é uma qualidade muito atraente. Ah! Eu lhe garanto, Jane
Fairfax é uma moça encantadora, e me interessa mais do que
consigo expressar.
— Seus sentimentos parecem ser fervorosos, mas não vejo como
a senhora ou qualquer um dos amigos da srta. Fairfax daqui, que a
conhecem há muito mais tempo, poderiam demonstrar-lhe qualquer
outra cortesia que não…
— Minha cara srta. Woodhouse, muito pode ser feito por aqueles
que ousam agir. Você e eu não precisamos temer. Se nós
dermos o
exemplo, muitos seguirão até onde puderem, embora não estejam
na nossa posição. Nós
temos carruagens para buscá-la e levá-la para
casa, e nós
temos um estilo de vida no qual o acréscimo de Jane
Fairfax não representaria o menor incômodo em qualquer
momento. Eu ficaria extremamente contrariada se Wright nos
mandasse um jantar que me deixasse arrependida de convidar mais
pessoas
do que Jane Fairfax para partilhar. Nem imagino uma coisa
dessas. Não tenho por que
imaginar,
considerando a vida com a qual
estou acostumada. Talvez meu maior perigo na gestão do lar esteja
em outra direção: fazer demais e ser descuidada com as despesas.
Maple Grove provavelmente será mais meu modelo do que deveria,
pois nós não temos de forma alguma uma renda equiparável à do
meu cunhado, o sr. Suckling. Entretanto, estou determinada a
demonstrar atenção para com Jane Fairfax. Certamente a
convidarei muitas vezes à minha casa, a apresentarei sempre que
puder, promoverei festas musicais para exibir os seus talentos, e
estarei sempre em alerta para um emprego apropriado para ela.
Tenho tantos amigos que não duvido que ficarei sabendo de alguma
posição adequada muito em breve. Precisarei apresentá-la, é claro,
particularmente ao meu cunhado e à minha irmã, quando vierem
nos visitar. Tenho certeza de que vão gostar muito dela e que,
quando Jane se familiarizar um pouco com eles, seus receios vão
desaparecer completamente, pois os modos dos dois deixam a
pessoa muito à vontade. Vou convidá-la muitas vezes, enquanto eles
estiverem aqui, e arrisco dizer que encontrarão um lugar para ela na
barouche-landau
em algumas de nossas explorações.
Pobre Jane Fairfax!
, pensou Emma. Não merece isso. Pode ter
agido errado em relação ao sr. Dixon, mas essa punição está além
do que seria justo! A gentileza e proteção da sra. Elton! “Jane
Fairfax e Jane Fairfax.” Céus! Não quero nem pensar nela saindo
por aí me chamando de “Emma Woodhouse” para os outros! Mas,
palavra de honra, parece não haver limites à irreverência da
língua dessa mulher!
Emma não precisou ouvir tais declarações mais uma vez — ao
menos nenhuma tão exclusivamente dirigida a ela, e tão
desagradavelmente iniciada com um “cara srta. Woodhouse”. Logo
adveio a mudança de atitude da sra. Elton, e ela foi deixada em paz
— nem obrigada a ser a amiga íntima da sra. Elton, nem, sob a
tutela da sra. Elton, a ser uma benfeitora muito ativa de Jane
Fairfax. Só compartilhava com os outros, de forma geral, o que era
sentido, o que era planejado, o que era feito.
Ela observava com certo divertimento. A gratidão da srta. Bates
pelas atenções da sra. Elton a Jane eram expressas com toda a
simplicidade e uma afeição sincera. A sra. Elton era sem dúvida
uma pessoa admirável — a mulher mais amável, simpática,
encantadora do mundo — e ela a considerava tão talentosa e
generosa quanto a própria sra. Elton gostaria de ser considerada. A
única surpresa para Emma era que Jane Fairfax aceitasse aquelas
atenções e tolerasse a sra. Elton como parecia fazer. Ficou sabendo
que ela caminhava com os Elton, visitava os Elton, passava o dia
com os Elton! Era espantoso! Emma não podia acreditar que o gosto
ou o orgulho da srta. Fairfax suportassem a companhia e a amizade
que a casa paroquial tinha a oferecer.
Ela é um enigma, um grande enigma!,
pensou Emma. Escolher
ficar aqui, mês após mês, sob privações de todo tipo! E agora
escolher a mortificação das atenções da sra. Elton, e a penúria de
suas conversas, em vez de retornar aos companheiros superiores
que sempre a amaram com um afeto tão real e generoso.
Jane supostamente ficaria em Highbury por três meses, pois os
Campbell permaneceriam na Irlanda por esse período, mas os pais
agora tinham prometido para a filha que ficariam pelo menos até o
final de junho, e novos convites chegaram para que Jane os
encontrasse lá. De acordo com a srta. Bates — todas as informações
provinham dela —, a sra. Dixon escrevia insistentemente. Se Jane
quisesse, meios seriam encontrados, criadas seriam enviadas,
amigos contatados — nenhuma dificuldade de viagem poderia
impedi-la. E mesmo assim ela tinha recusado!
Ela deve ter algum motivo mais forte do que parece para
recusar o convite,
foi a conclusão de Emma. Deve estar sob algum
tipo de penitência, infligida pelos Campbell ou por si mesma. Há
um grande medo, grande cautela, grande determinação em algum
lugar. Ela
não pode ficar com os Dixon. O decreto foi emitido por
alguém. Mas por que ela consentiria em passar tanto tempo com
os Elton? Este é um enigma à parte.
Quando ela expressou seu assombro quanto a essa parte do
mistério, ante os poucos que conheciam sua opinião da sra. Elton, a
sra. Weston sugeriu a seguinte justificativa para Jane:
— Não podemos supor que ela se divirta muito na casa
paroquial, minha querida, mas é melhor do que estar sempre na
própria casa. A tia é uma boa pessoa, mas como companheira
constante deve ser muito cansativa. Devemos considerar o que a
srta. Fairfax deixa para trás antes de condenar sua preferência de
companhia.
— A senhora tem completa razão — disse o sr. Knightley
ardorosamente. — A srta. Fairfax é tão capaz quanto qualquer um
de nós de formar uma opinião justa da sra. Elton. Se pudesse
escolher com quem se associar, não a teria escolhido. No entanto —
acrescentou com um sorriso recriminador para Emma —, ela recebe
da sra. Elton atenções que ninguém mais lhe oferece.
Emma sentiu que a sra. Weston lhe dava um olhar de soslaio, e
ficou impressionada com o fervor dele. Com um leve rubor, ela
respondeu:
— Eu teria imaginado que atenções como as da sra. Elton teriam
repelido em vez de gratificado a srta. Fairfax. Imagino que os
convites da sra. Elton seriam tudo exceto tentadores.
— Eu não me surpreenderia — disse a sra. Weston — se a srta.
Fairfax tivesse sido impelida pela ansiedade da tia, apesar de suas
próprias inclinações, para aceitar as civilidades da sra. Elton. A
pobre srta. Bates pode ter comprometido a sobrinha e a forçado a
entrar numa intimidade maior do que o próprio bom senso da moça
teria ditado, apesar de um desejo muito natural por uma mudança
de ares.
Ambas estavam ansiosas para ouvir o sr. Knightley falar de novo
e, após alguns minutos de silêncio, ele comentou:
— Outro fator também deve ser levado em consideração. A sra.
Elton não fala tanto com
a srta. Fairfax como fala dela.
Todos
sabemos a diferença entre os pronomes ele, ela e tu, os mais
comuns entre nós, e todos sentimos a influência de algo além da
civilidade comum em nossas relações uns com os outros, algo que
foi implantado mais cedo. Não somos capazes de dizer a alguém as
indiretas desagradáveis que talvez ocupassem nossa mente uma
hora antes. Sentimos as coisas de um modo diferente. Além disso,
como um princípio geral, não tenham dúvida de que a srta. Fairfax
deixa a sra. Elton espantada com sua superioridade tanto de mente
como de modos, e que, cara a cara, a sra. Elton a trata com todo o
respeito a que tem direito. Uma mulher como Jane Fairfax
provavelmente nunca cruzou o caminho da sra. Elton, e nenhum
grau de vaidade pode impedi-la de reconhecer sua pequenez
comparativa em atos, mesmo que não em consciência.
— Eu sei como sua opinião de Jane Fairfax é elevada — disse
Emma. Estava pensando no pequeno Henry, e um misto de alarme e
delicadeza a deixou na dúvida quanto ao que dizer.
— Sim — ele respondeu. — Todos sabem como tenho uma
opinião elevada dela.
— Mesmo assim — começou Emma sem pensar e com um olhar
astuto, mas logo parou. Porém, preferiria saber o pior de uma vez,
então prosseguiu depressa: — Mesmo assim, talvez, talvez nem você
esteja ciente de quão elevada ela é. O grau de sua admiração pode
tomá-lo de surpresa um dia desses.
O sr. Knightley estava compenetrado mexendo nos botões de
suas polainas de couro grossas e, fosse pelo esforço de fechá-los ou
alguma outra razão, enrubesceu enquanto respondia:
— Ah! É nisso que está pensando? Mas está terrivelmente
atrasada. O sr. Cole me sugeriu a possibilidade seis semanas atrás.
Ele parou. Emma sentiu seu pé ser apertado pela sra. Weston, e
ela mesma não sabia o que pensar. Logo ele continuou:
— Nunca vai acontecer, entretanto, posso garantir-lhes. A srta.
Fairfax, ouso dizer, nem sequer aceitaria uma proposta minha, e
estou muito seguro de que jamais a farei.
Emma retribuiu o aperto da amiga com força, e ficou satisfeita o
bastante para exclamar:
— Você não é vaidoso, ao menos isso devo admitir.
Ele mal pareceu ouvi-la; estava perdido em pensamentos e, de
um modo que demonstrava desagrado, logo disse:
— Então você estava decidindo que eu deveria me casar com
Jane Fairfax.
— De forma alguma. O senhor me repreendeu demais por meus
hábitos casamenteiros para que eu tomasse tamanha liberdade. O
que falei agora não significa nada. As pessoas dizem esse tipo de
coisa, é claro, sem qualquer intenção real. Não! Palavra, não tenho
qualquer desejo de que o senhor se case com Jane Fairfax ou
nenhuma outra Jane. Não viria ficar conosco deste jeito tão
agradável se fosse casado.
O sr. Knightley ficou pensativo de novo. O resultado de suas
reflexões foi:
— Não, Emma, não acho que o grau de minha admiração por ela
jamais me tomará de surpresa. Nunca pensei nela dessa forma,
garanto a você. — E logo em seguida: — Jane Fairfax é uma mulher
muito charmosa, mas nem ela é perfeita. Tem um defeito. Não tem o
temperamento franco que um homem desejaria numa esposa.
Emma só pôde se regozijar ao ouvir que ela possuía um defeito.
— Bem — disse ela —, e você logo silenciou o sr. Cole, imagino?
— Sim, imediatamente. Ele me fez uma sugestão discreta, eu lhe
respondi que estava enganado, ao que me pediu desculpas e não
abordou mais a questão. Cole não deseja ser mais sábio ou
espirituoso que seus vizinhos.
— Nesse sentido, como ele é diferente da querida sra. Elton, que
deseja ser mais sábia e espirituosa que todo mundo! Eu me
pergunto como ela fala dos Cole, como os chama! Como ela
encontraria um apelido para eles para satisfazer a sua irreverência
vulgar? Ela o chama de “Knightley”, o que poderia fazer com o sr.
Cole? Então, não me surpreende que Jane Fairfax aceite suas
civilidades e consinta em passar o tempo com ela. Sra. Weston, seu
argumento é o mais convincente para mim. Consigo acreditar com
maior facilidade na tentação de estar longe da srta. Bates do que no
triunfo da mente da srta. Fairfax sobre a da sra. Elton. Não tenho fé
de que a sra. Elton se reconheça inferior em pensamentos, palavras
ou atos, nem de que esteja sob quaisquer limitações além dos
ditames escassos de sua própria educação. Imagino que ela
continuamente ofenda sua visitante com elogios, incentivos e
ofertas de trabalho, que continuamente discorra em detalhes sobre
suas magnânimas intenções, desde encontrar para ela uma posição
permanente até incluí-la naqueles grupos encantadores que vão sair
em explorações na barouche-landau.
— Jane Fairfax é uma moça sensível — disse o sr. Knightley. —
Não a acuso de falta de sentimentos. Suspeito que sejam fortes. E
tem índole excelente no que se trata de tolerância, paciência e
autocontrole. Apenas lhe falta franqueza. Ela é reservada, mais do
que costumava ser, creio, e eu gosto de um temperamento sincero.
Não, até Cole aludir ao meu suposto afeto, a possibilidade nunca
tinha me ocorrido. Eu via Jane Fairfax e conversava com ela,
sempre com admiração e prazer, mas sem nenhuma ideia além
disso.
— Bem, sra. Weston — disse Emma em triunfo quando ele as
deixou —, o que diz agora sobre as chances de o sr. Knightley se
casar com Jane Fairfax?
— Ora, francamente, minha querida, digo que ele está tão focado
na ideia de não
estar apaixonado por ela, que não me surpreenderia
se terminasse se tornando verdade. Não me condene.

29
.  Citação de um poema popular do século XVIII, “Elegia escrita em um
cemitério rural”, de Thomas Gray (1716–1771), que trata de pessoas de
talento condenadas à obscuridade em função de sua posição humilde.
CAPÍTULO XVI

Todos em Highbury e nos arredores que já tinham visitado o sr.


Elton em algum momento estavam dispostos a oferecer seus
cumprimentos pelo casamento. Jantares e festas noturnas foram
oferecidos a ele e à esposa, e os convites chegavam tão depressa que
ela logo se deu conta, com prazer, de que jamais passaria um dia
sem compromisso.
— Estou vendo como é — disse ela. — Estou vendo a vida que
devo levar entre vocês. Palavra, não teremos um segundo de
repouso. Parecemos estar na moda. Se viver no campo é assim, não
é nada difícil. Da próxima segunda-feira até o sábado, juro que não
tenho um único dia livre! Mesmo uma mulher com menos recursos
que eu não precisaria se entediar.
Nenhum convite era indesejado. Os hábitos que guardava em
Bath faziam com que festas noturnas parecessem perfeitamente
naturais, e Maple Grove lhe fizera adquirir um gosto por jantares.
Ela ficou um pouco chocada que as casas tivessem apenas uma sala
de visitas, as fracas tentativas de fazer bolos adequados e o fato de
não haver gelo nas reuniões para jogos de Highbury. A sra. Bates, a
sra. Perry, a sra. Goddard e as outras estavam muito atrasadas em
seu conhecimento de mundo, mas ela
logo mostraria como as coisas
deveriam ser organizadas. Ao longo da primavera, precisaria
retribuir as gentilezas promovendo uma festa muito superior — na
qual suas mesas de cartas seriam providas com velas individuais e
baralhos novos, no melhor estilo — e mais criados seriam trazidos
para a noite do que a própria casa poderia fornecer, a fim de servir
os refrescos na hora exata e na ordem exata.
Emma, no ínterim, não ficaria satisfeita se não oferecesse um
jantar em Hartfield para os Elton. Sua família não podia fazer menos
que os outros, ou ela seria exposta a suspeitas odiosas e poderiam
imaginá-la capaz de um ressentimento lamentável. Assim, era
preciso dar um jantar. Depois que ela explicou a questão por dez
minutos, o sr. Woodhouse perdeu toda a relutância, e só estipulou
que, como sempre, não se sentaria na cabeceira da mesa, e seguiu-
se a dificuldade costumeira de decidir quem deveria fazer isso por
ele.

A lista de convidados apresentava poucas dificuldades. Além dos


Elton, incluiria os Weston e o sr. Knightley; até aqui, não havia
surpresas — e não era menos inevitável que a pobre Harriet fosse
convidada para ser a oitava pessoa, mas esse convite não foi feito
com igual alegria, e por vários motivos Emma ficou particularmente
satisfeita quando Harriet implorou sua permissão para recusá-lo. Ela
preferiria não estar na companhia dele,
se pudesse evitar. Ainda não
era capaz de vê-lo com sua bela esposa sem desconforto. Se a srta.
Woodhouse não se incomodasse, ela preferiria ficar em casa. Era
exatamente o que Emma teria desejado, se tivesse considerado que
havia esperanças. Ficou encantada com a coragem de sua gentil
amiga — pois sabia que era corajoso abrir mão de companhia e
permanecer em casa. E agora ela poderia convidar a pessoa que
realmente desejava para ocupar o oitavo lugar: Jane Fairfax. Desde
sua última conversa com a sra. Weston e o sr. Knightley, sua
consciência vinha pesando mais em relação a Jane Fairfax do que
de costume. As palavras do sr. Knightley permaneceram com ela.
Ele tinha dito que Jane Fairfax recebia atenções da sra. Elton que
ninguém mais lhe demonstrava.
Isso é verdade
, pensou ela, pelo menos no que se refere a mim,
o que foi a intenção dele, e é uma vergonha. Temos a mesma
idade, e eu a conheço desde sempre e deveria ter sido uma amiga
melhor. É tarde demais para ela gostar de mim; eu a negligenciei
por tempo demais. Mas vou dedicar-lhe mais atenção do que fiz
até agora.
Todos os convites foram aceitos. Todos estavam livres e felizes
em comparecer. Os problemas, entretanto, ainda não tinham sido
todos resolvidos. Ocorreu uma circunstância um tanto infeliz. Os
dois meninos Knightley mais velhos viriam passar algumas semanas
com o avô e a tia na primavera, e o pai tinha proposto trazê-los e
passar um dia todo em Hartfield — exatamente o dia da festa. Seus
compromissos profissionais não permitiriam que adiasse a vinda,
mas tanto o pai como a filha ficaram transtornados. O sr.
Woodhouse considerava oito convidados no jantar o máximo que
seus nervos conseguiam suportar, e lá estava a caminho um nono —
e Emma temia que seria um nono mal-humorado por não poder
passar sequer quarenta e oito horas em Hartfield sem ser obrigado a
participar de um jantar.
Ela consolou o pai melhor do que a si mesma, apontando que,
embora com ele fossem nove pessoas, sempre falava tão pouco que
o aumento de barulho seria desprezível. Mas achava que era uma
triste troca para si mesma: teria os olhares graves e a conversa
relutante dele à sua frente, em vez do irmão.
O evento foi mais favorável ao sr. Woodhouse do que a Emma.
John Knightley veio, mas o sr. Weston foi inesperadamente chamado
para a cidade e precisou se ausentar no dia. Talvez pudesse vê-los
no final da tarde, mas não poderia ficar para o jantar. O sr.
Woodhouse se tranquilizou, e vê-lo em paz, assim como a chegada
dos meninos e a resignação filosófica do cunhado ao descobrir seu
destino, foram fatores que eliminaram boa parte da preocupação de
Emma.
Chegou o dia, o grupo foi pontualmente reunido e o sr. John
Knightley logo se dedicou à tarefa de fazer-se agradável. Em vez de
puxar o irmão para perto de uma janela enquanto esperavam o
jantar, entabulou uma conversa com a srta. Fairfax. A sra. Elton, tão
elegante quanto rendas e pérolas podiam torná-la, ele fitou em
silêncio — desejando apenas observar o suficiente para contar a
Isabella mais tarde —, mas a srta. Fairfax era uma antiga conhecida
e uma garota tímida com quem ele podia falar. Ele a encontrara
antes do desjejum na volta de uma caminhada com os filhos,
quando estava apenas começando a chover. Era natural trocar
algumas esperanças polidas sobre o assunto, e ele comentou:
— Espero que não tenha se aventurado muito longe esta manhã,
srta. Fairfax, ou certamente teria ficado encharcada. Nós
mal
chegamos em casa a tempo. Espero que tenha voltado de imediato.
— Eu só fui ao correio — disse ela — e cheguei em casa antes
que a chuva piorasse. É minha tarefa diária. Sempre busco a
correspondência quando estou aqui. Poupa trabalho, e é uma
desculpa para sair de casa. Uma caminhada antes do desjejum me
faz bem.
— Não na chuva, imagino.
— Não, mas não chovia tanto quando saí.
O sr. John Knightley sorriu e respondeu:
— Isto é, a senhorita escolheu fazer sua caminhada, pois não
estava a seis metros da própria porta quando tive o prazer de
encontrá-la, e muito antes Henry e John tinham visto mais gotas do
que conseguiam contar. O correio exerce um grande charme em
certo período de nossas vidas. Quando a senhorita tiver a minha
idade, vai começar a pensar que não vale a pena andar na chuva
para buscar cartas.
Ela enrubesceu de leve e então replicou:
— Eu não posso esperar que estarei na posição do senhor, em
meio a todos que me são mais queridos, e portanto não imagino que
envelhecer por si só me tornará indiferente às cartas.
— Indiferente! Ah, não, jamais imaginei que pudesse ser
indiferente. Cartas não são uma questão de indiferença; em geral,
são uma praga muito positiva.
— O senhor fala de cartas de negócios; as minhas são de
amizade.
— Sempre pensei que eram as piores, entre as duas — ele
respondeu, irônico. — Os negócios, sabe, podem trazer dinheiro,
mas a amizade raramente o traz.
— Ah! O senhor não está falando sério. Eu conheço o sr. John
Knightley bem demais para ter certeza de que ele entende o valor da
amizade tão bem quanto todos nós. Posso acreditar facilmente que
cartas significam pouco ao senhor, muito menos do que a mim, mas
não é o fato de ser dez anos mais velho que causa a diferença, e sim
as nossas situações. O senhor tem todos os que lhe são mais caros
sempre ao seu alcance; eu, provavelmente, jamais os terei de novo,
e portanto, até ter superado todos os meus afetos, creio que o
correio sempre terá o poder de me atrair, em chuvas ainda piores do
que a de hoje.
— Quando falei que a senhorita mudaria com o tempo, pelo
avanço dos anos — disse John Knightley —, quis sugerir a mudança
de situação que o tempo geralmente traz. Considero que uma coisa
implica a outra. O tempo geralmente reduz o interesse de cada
apego fora do nosso círculo diário, mas não é essa a mudança que
eu tinha em vista para a senhorita. Como um velho amigo, permita-
me esperar, srta. Fairfax, que em dez anos terá tantos objetos de
afeição reunidos ao seu redor quanto eu.
As palavras foram gentis e de forma alguma causaram ofensa.
Um “obrigada” educado pareceu querer dissipar a tensão, mas um
rubor, um lábio trêmulo, uma lágrima mostraram que o comentário
foi sentido mais profundamente. A atenção dela foi em seguida
exigida pelo sr. Woodhouse, que, como era seu costume, estava
fazendo a ronda dos convidados e oferecendo seus cumprimentos
especiais às damas, terminando por ela — e com todo o seu
requinte mais brando disse:
— Sinto muito ao ouvir que a senhorita estava fora de casa na
chuva esta manhã. As moças deveriam se cuidar. São plantas
delicadas que deveriam cuidar de sua saúde e compleição. Minha
querida, trocou as meias?
— Sim, senhor, e fico muito agradecida pela sua gentil
preocupação.
— Minha cara srta. Fairfax, as moças devem ser bem cuidadas.
Espero que sua avó e tia estejam bem. Elas figuram entre minhas
amigas mais antigas. Gostaria que minha saúde me permitisse ser
um vizinho melhor. A senhorita nos faz uma grande honra hoje,
certamente. Minha filha e eu estamos muito cientes de sua bondade
e muito satisfeitos por tê-la em Hartfield.
O senhor generoso e educado poderia então ter se sentado,
sentindo que tinha cumprido seu dever e deixado todas as damas à
vontade.
Mas nesse ponto a caminhada na chuva alcançou a sra. Elton, e
seus protestos caíram sobre Jane.
— Minha querida Jane, o que é isso que estou ouvindo? Ir ao
correio na chuva! Não deve fazer isso, escute o que digo. Pobre
garota, como pôde fazer algo assim? É sinal de que eu não estava
presente para cuidar de você.
Jane muito pacientemente lhe assegurou de que não pegara um
resfriado.
— Ah! Não diga isso a
mim.
Você é uma garota muito triste e
não sabe como cuidar de si. Ir ao correio! Sra. Weston, já ouviu algo
parecido? Nós duas devemos exercer nossa autoridade com firmeza.
— Certamente — disse a sra. Weston, gentil e persuasiva —, me
sinto tentada a dar um conselho. Srta. Fairfax, é melhor não correr
tais riscos. Do jeito como esteve sujeita a resfriados severos, deve
tomar um cuidado especial, particularmente nesta época do ano.
Creio que a primavera sempre exige um cuidado maior que o
normal. Seria melhor esperar por suas cartas uma ou duas horas, ou
mesmo metade do dia, do que arriscar pegar outra tosse. Não sente
agora que isso teria sido melhor? Sim, estou certa de que é sensata
demais para não ver. Parece-me que não vai fazer algo assim
novamente.
— Ah, ela não fará
nada do tipo novamente! — interrompeu
com avidez a sra. Elton. — Não permitiremos. — E assentindo de
modo significativo: — Devemos tomar algumas medidas, sem falta.
Eu falarei com o sr. E. O homem que coleta nossas cartas toda
manhã… um dos nossos criados, esqueci o nome dele… vai solicitar
as suas também e levá-las à sua casa. Isso vai resolver todas as
dificuldades, sabe, e creio que de nós
, cara Jane, você não pode ter
escrúpulos quanto a aceitar um arranjo desses.
— A senhora é extremamente gentil — disse Jane —, mas não
posso abandonar minha caminhada matinal. Fui aconselhada a ficar
fora de casa o máximo possível, preciso andar para algum lugar, e o
correio é uma meta. E garanto que quase nunca me deparei com um
tempo ruim antes.
— Minha cara Jane, não diga mais nada. O assunto está
resolvido… Isto é — rindo afetadamente —, na medida em que
posso determinar qualquer coisa sem a concordância do meu
senhor e mestre. Sabe, sra. Weston, devemos tomar cuidado quando
nos expressamos. Mas gosto de pensar, minha querida Jane, que
minha influência não se esgotou inteiramente. Se eu não encontrar
dificuldades insuperáveis, portanto, considere a questão resolvida.
— Perdoe-me — disse Jane enfaticamente —, mas não posso
consentir de forma alguma em incomodar seu criado de maneira tão
desnecessária. Se a tarefa não fosse um prazer para mim, ela
poderia ser cumprida, como sempre é quando não estou aqui, pela
criada da minha avó.
— Ah! Minha querida, mas Patty tem tantos afazeres! E é uma
gentileza empregar os nossos criados.
Jane parecia obstinada a não ceder, mas, em vez de responder,
voltou a falar com o sr. John Knightley.
— O correio é um estabelecimento tão extraordinário! — disse
ela. — A regularidade dos despachos! Se pensarmos em tudo que
precisa fazer, e tudo que faz tão bem, é de fato espantoso!
— Certamente é bem regulado.
— É tão raro ocorrer qualquer negligência ou erro! Tão raro uma
carta entre as milhares que constantemente cruzam o reino ser
levada para o destino errado, e nem uma em um milhão, suponho,
se perde de fato! E quando consideramos a variedade de caligrafias,
e de más caligrafias, que devem ser decifradas, só fica mais
espantoso!
— Os funcionários ficam experientes com a prática. Precisam
começar já com olhos e mãos hábeis, e o treino os aguça ainda mais.
Se quiser mais um motivo — continuou ele, sorrindo —, eles são
pagos. Essa é a chave para um alto grau de capacidade. O público
paga e deve ser bem servido.
A variedade de caligrafias foi então discutida e as observações
usuais foram feitas.
— Ouvi dizer — comentou John Knightley — que o mesmo tipo
de caligrafia prevalece em uma família e quando o mesmo tutor
ensina as crianças, o que é natural. Mas, por esse motivo, imagino
que a semelhança deva ficar mais restrita às damas, pois os meninos
recebem pouca educação após a tenra idade e usam a melhor
caligrafia que aprenderam pelo resto da vida. Isabella e Emma,
penso, têm uma letra muito parecida. Nem sempre consigo
distingui-las.
— Sim — disse o irmão dele, hesitante —, há uma semelhança.
Entendo o que quer dizer. Mas a letra de Emma é mais forte.
— Isabella e Emma ambas têm uma letra belíssima — disse o sr.
Woodhouse — e sempre tiveram. Assim como a sra. Weston —
acrescentou, com meio suspiro e meio sorriso para ela.
— Nunca vi a letra de qualquer cavalheiro… — começou Emma,
olhando também para a sra. Weston, mas parou ao perceber que ela
falava com outra pessoa, e a pausa lhe deu tempo para refletir. Bem,
como vou introduzi-lo? Não estou apta a dizer o nome dele diante
de todas essas pessoas? É necessário fazer rodeios? Seu amigo de
Yorkshire, seu correspondente em Yorkshire… seria assim,
suponho, se eu estivesse muito apaixonada. Não; posso
pronunciar o nome dele sem qualquer aborrecimento. Certamente
estou cada vez melhor. Vamos, então.
A sra. Weston concluiu sua conversa e Emma recomeçou:
— O sr. Frank Churchill tem uma das melhores caligrafias que já
vi entre cavalheiros.

É
— Não me admira — disse o sr. Knightley. — É pequena demais,
falta-lhe força. Parece a letra de uma mulher.
A declaração não foi aceita por nenhuma das damas, que o
defenderam contra a difamação vil. Não, não lhe faltava força de
forma alguma. Não era uma caligrafia larga, mas muito nítida e
muito forte. A sra. Weston não teria uma carta para apresentar?
Não; ela tinha recebido uma carta muito recentemente, mas após
responder a guardara.
— Se estivéssemos na outra sala — disse Emma —, onde fica a
minha escrivaninha, tenho certeza de que poderia encontrar um
exemplo. Tenho um bilhete dele. Não se lembra, sra. Weston, de
encarregá-lo de escrever em seu nome um dia?
— Ele escolheu dizer que tinha sido encarregado…
— Bem, bem, eu tenho esse bilhete, e posso mostrá-lo após o
jantar para convencer o sr. Knightley.
— Ah! Quando um jovem galante como o sr. Frank Churchill
escreve para uma bela dama como a srta. Woodhouse — disse o sr.
Knightley secamente —, é natural que ele faça o seu melhor.
O jantar foi servido. Antes de ser chamada, a sra. Elton já estava
a postos e, antes que o sr. Woodhouse a alcançasse para pedir a
honra de acompanhá-la à sala de jantar, já ia dizendo:
— Devo ir primeiro? Fico muito envergonhada de sempre ter a
precedência.
A insistência de Jane em coletar suas próprias cartas não tinha
passado despercebida a Emma. Ela ouvira e vira tudo, e sentia certa
curiosidade para saber se a caminhada úmida da manhã tinha
rendido uma carta. Suspeitava que sim
, que não teria sido tão
resolutamente realizada sem a total expectativa de notícias de
alguém muito querido, e que não tinha sido em vão. Pensou que
Jane tinha um ar de felicidade maior que o usual — um brilho tanto
em compleição como em humor.
Ela poderia ter feito alguma pergunta quanto à expedição e o
custo das correspondências com a Irlanda — estava na ponta da
língua —, mas se conteve. Estava decidida a não proferir qualquer
palavra que ferisse os sentimentos de Jane Fairfax, e elas seguiram
as outras damas para fora da sala, de braços dados, com uma
aparência de afeição altamente apropriada à beleza e graça de cada
uma.
CAPÍTULO XVII

Quando as damas voltaram à sala de visitas após o jantar, Emma


achou quase impossível evitar a formação de duplas separadas, dada
a perseverança da sra. Elton em comportar-se mal e falar apenas
com Jane Fairfax, ignorando ela própria. Emma e a sra. Weston
eram obrigadas a sempre falar uma com a outra ou calarem-se
juntas. A sra. Elton não lhes deu escolha. Se Jane a refreasse por um
tempo, ela logo recomeçava; e embora muito do que dissessem
saísse num meio-sussurro, em especial da parte da sra. Elton, não
havia como evitar ouvir os principais tópicos: o correio, resfriados, a
coleta de cartas e a amizade foram longamente discutidos, e a eles
seguiu-se um tema que devia ser igualmente desagradável a Jane: a
sra. Elton queria saber se ela já tinha ouvido falar de alguma posição
adequada a ela e declarou sua intenção de auxiliá-la.
— Já estamos em abril! — exclamou ela. — Eu fico ansiosa por
sua conta. Logo vai chegar junho.
— Mas eu nunca escolhi junho nem qualquer outro mês, só
pensei no verão de forma geral.
— Mas não ficou sabendo de nada?
— Não comecei a procurar, e ainda não pretendo começar.
— Ah, minha querida, nunca é cedo demais para começar! Você
não imagina a dificuldade de encontrar um posto desejável.
— Eu, não imaginar! — disse Jane, balançando a cabeça. —
Cara sra. Elton, quem pode pensar mais sobre isso do que eu?
— Mas você não conhece tanto do mundo quanto eu. Não sabe
quantas candidatas sempre há para as melhores
posições. Vi muito
disso na vizinhança de Maple Grove. Uma prima do sr. Suckling, a
sra. Bragge, recebeu uma infinidade de inscrições, e todas estavam
ansiosas para fazer parte da família, pois ela se relaciona com a
sociedade mais elevada. Tinha velas de cera na sala de estudos!
Imagine como seria desejável! De todas as casas no reino, é na da
sra. Bragge que eu mais gostaria de vê-la.
— O coronel e a sra. Campbell voltarão para a cidade no meio do
verão — disse Jane. — Precisarei passar um tempo com eles; estou
certa de que desejarão que eu o faça. Depois eu ficarei feliz em
encontrar uma posição, mas gostaria que a senhora não se desse ao
trabalho de sondar no momento.
— Me dar ao trabalho! Sim, conheço os seus escrúpulos. Você
tem medo de causar incômodos, mas eu lhe garanto, minha cara
Jane, os Campbell não podem ter mais interesse em você do que eu.
Escreverei à sra. Partridge daqui a um ou dois dias, e a incumbirei
seriamente de atentar para qualquer posição apropriada.
— Obrigada, mas preferiria que a senhora não mencionasse a
questão a ela; até a hora se aproximar, não quero incomodar
ninguém.
— Mas, minha cara criança, a hora está
se aproximando!
Estamos em abril, e junho, ou mesmo julho, está muito próximo,
com uma tarefa dessas para cumprir à nossa frente. Sua
inexperiência realmente me faz rir! Uma situação como você
merece e que seus amigos iriam desejar para você não é algo que se
encontre todo dia, não é encontrada de última hora; na verdade,
precisamos começar a procurar de pronto.
— Perdoe-me, madame, mas essa não é de forma alguma a
minha intenção. Eu mesma não vou começar no momento, e
lamentaria se meus amigos o fizessem. Quando decidir a hora de
partir, não tenho qualquer receio de que ficarei desempregada por
muito tempo. Há lugares na cidade, escritórios que se pode
consultar, e onde logo aparecerá algo… escritórios onde se vende
não exatamente o corpo humano, mas o intelecto humano.
— Ah, minha querida, o corpo humano! Você me choca; se está
se referindo ao comércio de escravos, eu lhe garanto que o sr.
Suckling sempre foi favorável à abolição.
30
— Eu não quis dizer… não estava pensando no comércio de
escravos — respondeu Jane. — Apenas me referia ao comércio de
governantas, eu lhe asseguro; muito diverso, certamente, quanto à
culpa daqueles que o conduzem, mas, quanto à infelicidade das
vítimas, não sei onde se encontra a maior. Só quis dizer que há
escritórios de anúncios e que, ao recorrer a eles, não tenho dúvidas
de que logo encontrarei uma situação aceitável.
— Uma situação aceitável! — repetiu a sra. Elton. — Sim, isso
pode se adequar a suas ideias humildes de si mesma; sei como é
uma criatura modesta, mas seus amigos não ficarão satisfeitos ao vê-
la aceitar qualquer oferta para uma situação inferior e vulgar, em
uma família que não circule em determinada sociedade ou não seja
capaz de propiciar certos confortos.
— A senhora é muito gentil, mas, quanto a isso, sou muito
indiferente. Não tenho como objetivo estar entre pessoas de fortuna;
minha mortificação, creio, seria ainda maior, pois eu sofreria mais
em comparação. A família de um cavalheiro é tudo que busco.
— Eu conheço você, conheço sim. Aceitaria qualquer coisa, mas
eu serei mais rigorosa e tenho certeza de que os Campbell
concordarão comigo. Com os seus talentos superiores, você tem
direito de avançar para a mais alta sociedade. Só o seu
conhecimento musical já lhe permitiria ditar seus próprios termos,
exigir quantos cômodos quisesse, e interagir com a família o quanto
desejasse. Isto é, não sei… se tocasse harpa, poderia fazer tudo isso,
sem dúvidas, mas você canta além de tocar… Sim, acredito que
poderia, mesmo sem a harpa, estipular os termos que quiser. E deve
se acomodar, e será acomodada, em um lugar encantador,
respeitável e confortável, para que os Campbell e eu tenhamos paz.
— A senhora pode muito bem considerar o encanto, a
respeitabilidade e o conforto de uma situação como essa
equivalentes — disse Jane. — Certamente seriam equiparáveis.
Entretanto, estou sendo sincera quando digo que não desejo
ninguém saindo em busca de uma situação para mim no momento.
Sou excessivamente grata à senhora, sra. Elton, e a qualquer pessoa
que se compadeça de mim, mas falo muito a sério quando digo que
não desejo que nada seja feito até o verão. Por mais dois ou três
meses, ficarei onde estou, e como estou.
— E eu também estou sendo sincera — respondeu a sra. Elton
alegremente — em minha determinação de ficar sempre alerta, e
empregar meus amigos para que não percamos qualquer
oportunidade excepcional.
Ela prosseguiu dessa forma, não parando por nada até que o sr.
Woodhouse entrou na sala. Sua vaidade mudou de alvo, e Emma a
ouviu dizer para Jane, no mesmo meio-sussurro:
— Eis o meu querido admirador! Veja como ele é galante e vem
antes dos outros homens! Que criatura amável. Juro, eu gosto muito
dele. Admiro a sua educação singular e antiquada, combina muito
mais com o meu gosto do que a falta moderna de cerimônia. Não
gosto nem um pouco da falta moderna de cerimônia. Mas o bom e
velho sr. Woodhouse! Queria que tivesse ouvido os discursos
galantes que me fez no jantar. Ah! Eu lhe garanto, comecei a pensar
que meu cara sposa
ficaria terrivelmente enciumado. Creio que ele
se afeiçoou muito a mim, até reparou no meu vestido. Você gostou?
Foi escolha de Selina; bem bonito, eu acho, mas não sei se tem
adornos excessivos. Tenho horror a adornos excessivos, um
completo horror a roupas exageradas. Preciso usar alguns
ornamentos agora
, porque isso é esperado de mim. Uma mulher
recém-casada, sabe, deve estar à altura do papel, mas meu gosto
natural é pela simplicidade, um estilo simples é infinitamente
preferível a um excesso de refinamento. Mas acredito que
componho uma minoria; poucas pessoas parecem valorizar a
simplicidade de vestimentas, e ostentação e refinamento são tudo.
Pensei em colocar umas fitas como essa no meu vestido de popelina
branco e prata. Acha que vai ficar bom?
O grupo todo tinha acabado de se reunir na sala de estar quando
o sr. Weston surgiu entre eles. Retornava após um jantar tardio, e
caminhara até Hartfield assim que ele se concluíra. Sua vinda já era
esperada demais por aqueles que o conheciam para haver surpresa
— mas houve muita alegria. O sr. Woodhouse ficou quase tão feliz
ao vê-lo agora quanto teria lamentado vê-lo antes. John Knightley,
por outro lado, calou-se de espanto. Que um homem tivesse a opção
de passar uma noite tranquila em casa após um dia de negócios em
Londres, mas partisse de novo, caminhasse quase um quilômetro
até a casa de outro homem para passar um tempo em companhia
mista até a hora de dormir, e terminasse seu dia nos esforços da
civilidade e em meio ao barulho de um grupo, era uma
circunstância que o impressionava profundamente. Um homem que
estava em movimento desde as oito da manhã e que poderia parar,
que tinha falado tanto e poderia calar-se, que se juntara a mais de
um grupo e poderia agora ficar sozinho! Que tal homem
abandonasse a tranquilidade e independência de seu próprio lar e,
em uma noite fria e chuvosa de abril, saísse correndo de novo em
direção ao mundo! Se ele pudesse, com um toque dos dedos,
rapidamente conduzir a esposa para casa, teria havido um motivo,
mas sua vinda provavelmente prolongaria a reunião em vez de
interrompê-la. John Knightley o olhou com espanto, então encolheu
os ombros e disse:
— Não julgaria nem
ele
capaz disso.
O sr. Weston, no meio-tempo, sem suspeitar da indignação que
estava inspirando, contente e animado como sempre, e com o
direito de ser o principal interlocutor de todos após ter passado o
dia longe de casa, estava cumprimentando o resto do grupo com
amabilidade. Tendo satisfeito as perguntas da esposa sobre o seu
jantar e a convencido de que não esquecera nenhuma de suas
orientações cuidadosas aos criados, e tendo compartilhado com a
sala as notícias de interesse geral que escutara, tratou de comunicar
uma novidade familiar que, embora principalmente dirigida à sra.
Weston, ele não tinha dúvidas de que seria altamente interessante a
todos. Estendeu a ela uma carta — era de Frank, e dirigida à sra.
Weston; ele a tinha encontrado no caminho e tomara a liberdade de
abri-la.
— Leia, leia — urgiu ele —, vai ficar muito feliz, são só algumas
frases, não vai demorar muito, leia para Emma.
As duas damas a leram juntas, e ele ficou sentado, sorrindo e
conversando com elas o tempo todo, numa voz um pouco contida,
mas perfeitamente audível à sala toda.
— Bem, ele está vindo, não é uma boa notícia? O que dizem? Eu
sempre disse que ele voltaria logo, não disse? Anne, minha querida,
eu não disse, e você não acreditou em mim? Ele estará na cidade
semana que vem, ao mais tardar, ouso dizer, porque ela
é tão
impaciente quanto o diabo quando algo tem de ser feito, e eles
provavelmente chegarão lá amanhã ou no sábado. Quanto à doença
dela, não é nada, claro. Mas é excelente ter Frank tão perto de nós
mais uma vez, na cidade. Eles ficarão bastante por lá, e ele passará
metade do tempo conosco. É exatamente o que eu queria. Bem,
ótimas notícias, não acham? Terminou de ler? Emma leu tudo? Dê-
me cá, dê-me cá, vamos discuti-la com calma em outro momento,
mas agora não seria correto. Só resumirei a circunstância aos
outros.
A sra. Weston ficou muito satisfeita com a novidade. Seu
semblante e suas palavras não demonstraram qualquer
circunspecção. Ela estava feliz, sabia que estava feliz, e sabia que
tinha motivos para estar feliz. Suas felicitações foram calorosas e
sinceras, mas Emma não pôde se expressar de forma tão fluente.
Ela
estava um pouco preocupada com seus próprios sentimentos,
tentando avaliar o grau da própria agitação, que pensava ser
considerável.
Mas o sr. Weston, ansioso demais para ser consciencioso,
comunicativo demais para desejar que os outros falassem, ficou
muito satisfeito com a reação dela e logo se afastou para fazer ao
resto dos amigos um relato parcial do que a sala toda já devia ter
ouvido.
Por sorte ele estava seguro da alegria de todos, caso contrário
poderia ter considerado que o sr. Knightley e o sr. Woodhouse não
pareciam particularmente encantados. Eles foram os primeiros a ter
a honra, após a sra. Weston e Emma, de ouvir a feliz notícia; em
seguida ele passou à srta. Fairfax, mas ela estava tão envolvida em
uma conversa com John Knightley que o sr. Weston não quis
interromper, e, encontrando-se próximo da sra. Elton, cuja atenção
não era exigida por ninguém, não teve escolha exceto abordar o
assunto com ela.
30
.  A abolição do tráfico de escravizados na Grã-Bretanha ocorreu em 1807,
oito anos antes da publicação de Emma
, e lutas políticas para esse fim
ganhavam força desde a década de 1780.
CAPÍTULO XVIII

— Espero logo ter o prazer de apresentar meu filho à senhora —


disse o sr. Weston.
A sra. Elton, inclinada a supor que um elogio pessoal estava
implícito nessa esperança, sorriu muito graciosamente.
— Presumo que a senhora já deve ter ouvido falar de certo Frank
Churchill — continuou ele —, e deve saber que é meu filho, embora
não porte meu nome.
— Ah, sim! E ficarei muito feliz em conhecê-lo. Tenho certeza
de que o sr. Elton não vai demorar a convidá-lo, e ambos ficaremos
muito felizes em vê-lo na casa paroquial.
— A senhora é muito amável; Frank ficará muito feliz, não tenho
dúvidas. Ele deve chegar na cidade semana que vem, senão antes.
Recebemos a notícia hoje, por carta. Eu coletei as cartas quando
estava saindo de manhã e, vendo a letra do meu filho, abri a dele
embora não estivesse dirigida a mim, mas à sra. Weston. Ela é a
principal correspondente dele, garanto à senhora. Eu quase nunca
recebo uma carta.
— E o senhor abriu a que estava dirigida a ela! Ah, sr. Weston!
— Ela riu com afetação. — Devo protestar. É um precedente
perigoso, sem dúvida! Imploro que não deixe seus vizinhos
seguirem seu exemplo. Palavra, se é isso que tenho a esperar, nós,
mulheres casadas, devemos começar a nos impor! Ah, sr. Weston,
eu não teria acreditado que o senhor seria capaz disso!
— Sim, nós, homens, somos lamentáveis. A senhora deve tomar
cuidado. A carta nos conta… É uma carta curta, escrita com pressa,
simplesmente para nos avisar que muito em breve todos eles vêm à
cidade, por conta da sra. Churchill. Ela não passou bem o inverno e
acredita que Enscombe é fria demais, então todos vêm para o sul
sem demora.
— Entendo! De Yorkshire, creio. Enscombe não fica em
Yorkshire?
— Sim, eles estão a cerca de trezentos quilômetros de Londres.
Um trajeto considerável.
— Sim, palavra, muito considerável. Cento e cinco quilômetros
mais longe de Londres que Maple Grove. Mas o que é a distância, sr.
Weston, para pessoas de grande fortuna? O senhor ficaria espantado
ao saber como o meu cunhado, o sr. Suckling, se desloca de um lado
para o outro. Talvez não acredite, mas duas vezes por semana ele e
o sr. Bragge vão a Londres e voltam, com quatro cavalos.
— O problema da distância de Enscombe — disse o sr. Weston
— é que a sra. Churchill, até onde sabemos,
não conseguiu se
levantar da cama por uma semana inteira. Na última carta de Frank,
ela estava reclamando, segundo ele disse, que estava fraca demais
para entrar em sua estufa sem segurar o braço dele e do tio dele! O
que, sabe, aponta para um grau de fraqueza extremo. Mas agora ela
está tão impaciente para chegar à cidade que pretende dormir só
duas noites na estrada. É o que Frank conta. Por certo, damas
delicadas têm constituições muito extraordinárias, sra. Elton. A
senhora precisa admitir.
— De forma alguma, não admito nada. Sempre tomo partido do
meu próprio sexo. É verdade. Alerto o senhor de que vai descobrir
em mim uma antagonista formidável nesse ponto. Sempre defendo
as mulheres, e eu lhe garanto, se o senhor soubesse como Selina se
sente em relação a dormir em um hotel, não se surpreenderia que a
sra. Churchill esteja fazendo esforços incríveis para evitar um
pernoite. Selina diz que é um horror, e acredito que adquiri um
pouco de sua sensibilidade. Ela sempre viaja com seus próprios
lençóis, uma excelente precaução. A sra. Churchill faz o mesmo?
— Não tenha dúvidas de que a sra. Churchill faz tudo que
qualquer outra dama distinta faça. A sra. Churchill não fica atrás de
ninguém no reino em termos de…
A sra. Elton ansiosamente interrompeu com:
— Ah, sr. Weston! Não me compreenda mal. Selina não é
nenhuma dama distinta, garanto ao senhor. Não fique com essa
impressão.
— Não? Então ela não pode ser comparada à sra. Churchill, que
é a dama mais distinta que já se viu.
A sra. Elton começou a pensar que cometera um erro ao objetar
de forma tão veemente. Não queria de forma alguma fazê-lo
acreditar que a irmã não era
uma dama distinta; talvez faltasse
assertividade nessa postura, e estava contemplando qual seria o
melhor modo de se retratar, quando o sr. Weston continuou:
— A sra. Churchill e eu não mantemos as melhores relações,
como a senhora pode suspeitar, mas isso é assunto nosso. Ela é
muito afeiçoada a Frank, por isso não falarei mal dela. Além disso,
está com a saúde debilitada; mas isso
, de fato, de acordo com ela
mesma, sempre foi o caso. Eu não diria isso a qualquer um, sra.
Elton, mas não creio muito na enfermidade da sra. Churchill.
— Se ela está realmente enferma, por que não vai a Bath, sr.
Weston? A Bath ou a Clifton?
— Ela está cismada que Enscombe é frio demais para ela. A
verdade, imagino, é que está cansada de Enscombe. Passou mais
tempo lá do que jamais tinha ficado e está desejando uma mudança.
É um lugar isolado. Muito belo, mas isolado.
— Sim. Como Maple Grove, eu diria. Nada poderia ser mais
afastado da estrada que Maple Grove. Há bosques imensos por todos
os lados! Parece que estamos apartados de tudo, no isolamento mais
completo. E a sra. Churchill provavelmente não tem a saúde ou o
humor de Selina para desfrutar esse tipo de isolamento. Ou talvez
não tenha recursos internos suficientes para qualificar-se para uma
vida no interior. Sempre digo que uma mulher não pode ter recursos
suficientes, e sou muito grata por ser tão bem suprida deles a ponto
de ser perfeitamente independente da companhia dos outros.
— Frank esteve aqui em fevereiro por uma quinzena.
— Lembro de ter ouvido. Quando voltar, vai encontrar um
acréscimo
à sociedade de Highbury; isto é, se é que posso chamar-
me assim. Mas talvez nem sequer tenha ouvido que existe tal
criatura no mundo.
Era um apelo óbvio demais por um elogio para ser ignorado, e o
sr. Weston, com muita educação, imediatamente exclamou:
— Minha cara madame! Ninguém além da senhora imaginaria tal
coisa. Não ter ouvido falar da senhora! Acredito que as cartas da
sra. Weston ultimamente discutem pouco mais além da sra. Elton.
Dever cumprido; ele pôde retornar ao filho.
— Quando Frank nos deixou — continuou —, não sabíamos
quando o veríamos de novo, o que torna a notícia de hoje
duplamente bem-vinda. Foi muito inesperado. Quer dizer, eu
sempre tive uma forte convicção de que ele voltaria em breve,
estava certo de que algo favorável aconteceria, mas ninguém
acreditava em mim. Ele e a sra. Weston estavam ambos
terrivelmente deprimidos. Como ele encontraria um jeito de vir? E
como imaginar que o tio e a tia aceitariam abrir mão dele outra vez?
E assim por diante. Eu sempre senti que algo aconteceria em nosso
favor, e aconteceu mesmo, como a senhora pode ver. Tenho
observado, sra. Elton, no curso da minha vida, que se as coisas estão
correndo de maneira desfavorável em um mês, é certo que vão se
ajeitar no seguinte.
— É verdade, sr. Weston, perfeitamente verdade. É exatamente o
que eu costumava dizer a certo cavalheiro em nossos tempos de
corte, quando as coisas não corriam tão bem ou não avançavam
com a rapidez que seria conveniente aos seus sentimentos, e ele
tendia a entrar em desespero e exclamar que, naquele ritmo,
estaríamos em maio
antes que o manto cor de açafrão de Himeneu
nos cobrisse!
31
Ah! O esforço que tive de fazer para dissipar aquelas
ideias desoladoras e oferecer perspectivas mais otimistas! A
carruagem; tivemos problemas com a carruagem e uma manhã, eu
me lembro, ele veio falar comigo desesperado.
Ela foi interrompida por um leve acesso de tosse, e o sr. Weston
imediatamente aproveitou a oportunidade para retomar seu
discurso.
— A senhora mencionou maio. Maio é exatamente o mês que a
sra. Churchill recebeu ordens, ou deu-as a si mesma, de passar em
algum lugar mais quente que Enscombe; em suma, de ir a Londres,
de modo que temos a perspectiva agradável de receber visitas
constantes de Frank durante toda a primavera. É precisamente a
estação do ano que teríamos escolhido: os dias são quase os mais
longos, o tempo é ameno e agradável, sempre convidativo a uma
caminhada e nunca quente demais para se exercitar. Quando ele
esteve aqui antes, fizemos o nosso melhor, mas enfrentamos muitos
dias de tempo úmido, frio e desanimador; não tem jeito, sabe, em
fevereiro, e não conseguimos fazer metade do que queríamos. Agora
será o momento. Será um grande prazer; e eu questiono, sra. Elton,
se a incerteza de nosso reencontro, o tipo de expectativa constante
da vinda dele, hoje ou amanhã, a qualquer hora, não pode ser mais
propícia à felicidade do que de fato tê-lo em casa. Creio que sim.
Creio que é o estado de espírito que mais inspira bom humor e
prazer. Espero que ache meu filho agradável, mas não deve pensar
que é um prodígio. Em geral, é julgado um belo rapaz, mas não
espere um prodígio. A sra. Weston é muito parcial a ele, o que, como
a senhora pode supor, é muito gratificante para mim. Ela acha que
ninguém se compara a ele.
— E eu garanto ao senhor, tenho poucas dúvidas de que minha
opinião estará decididamente a favor dele. Ouvi muitos elogios
sobre o sr. Frank Churchill. Por outro lado, devo observar que sou
uma daquelas pessoas que sempre julga por si mesma, e não são de
forma alguma implicitamente influenciadas pelos outros. Aviso o
senhor que, assim que conhecer o seu filho, formarei meu próprio
juízo dele. Não sou nenhuma bajuladora.
O sr. Weston ficou reflexivo.
— Espero — disse ele logo — que eu não tenha sido severo
demais quanto à sra. Churchill. Se ela está enferma, eu não gostaria
de ser injusto, mas há alguns aspectos de seu caráter que tornam
difícil para mim falar dela com a tolerância que eu gostaria. A
senhora não pode ignorar a minha conexão com a família, nem o
modo como fui tratado por eles; e, cá entre nós, a culpa é toda dela.
Foi ela que instigou o marido; a mãe de Frank jamais teria sido
esnobada se não fosse por ela. O sr. Churchill é orgulhoso, mas seu
orgulho não é nada comparado com o da esposa; o dele é um
orgulho discreto, indolente, cavalheiresco, que não fere ninguém e
só o torna um pouco incapaz e cansativo, mas o orgulho dela é pura
arrogância e insolência! E o que nos deixa menos predispostos a
suportá-lo é que ela não tem nenhum direito por família ou sangue.
Não era ninguém quando o sr. Churchill se casou com ela, mal a
filha de um cavalheiro, mas, desde que se transformou em uma
Churchill, se tornou mais Churchill que todos eles, cheia de
reivindicações altivas. Mas ela mesma, eu lhe asseguro, é uma
oportunista.
— Imagine só! Ora, deve ser infinitamente ultrajante! Eu tenho
horror a oportunistas. Maple Grove me imbuiu com uma imensa
aversão a pessoas desse tipo, pois há uma família na vizinhança que
é um aborrecimento enorme ao meu cunhado e minha irmã, com os
ares que eles se dão! Sua descrição da sra. Churchill me fez pensar
neles de imediato. Pessoas de sobrenome Tupman, que se
estabeleceram lá há pouco tempo e carregam o fardo de muitos
parentes vulgares, mas se dão ares elevados e esperam ser tratados
como famílias antigas e estabelecidas. No máximo moram há um
ano e meio em West Hall, e ninguém sabe como obtiveram sua
fortuna. Vieram de Birmingham, que não é um lugar que prometa
muito, sabe, sr. Weston. Não se pode esperar muito de Birmingham.
32
Sempre digo que há algo odioso no nome. Mas não se sabe

absolutamente mais nada dos Tupman, embora, eu lhe garanto, haja


muitas suspeitas; mas pelos modos deles seria de pensar que se
acham iguais até ao meu cunhado, o sr. Suckling, que por acaso é
um dos vizinhos mais próximos a eles em posição social. É
infinitamente humilhante. O sr. Suckling, que reside há onze anos
em Maple Grove, onde o pai também residia! Pelo menos creio que
sim; tenho quase certeza de que o sr. Suckling completou a compra
antes da sua morte.
Eles foram interrompidos. O chá estava sendo servido na sala, e
o sr. Weston, tendo dito tudo que desejava, logo aproveitou a chance
de se afastar.
Após o chá, o sr. e a sra. Weston e o sr. Elton se sentaram com o
sr. Woodhouse para jogar cartas. Os cinco remanescentes foram
deixados por conta própria, e Emma duvidava que ficariam muito à
vontade, pois o sr. Knightley parecia pouco disposto a conversar, a
sra. Elton queria atenções que ninguém estava inclinado a prestar, e
ela mesma estava com um espírito tumultuoso e teria preferido ficar
em silêncio.
O sr. John Knightley se provou mais falante que o irmão. Ele os
deixaria na manhã seguinte, bem cedo, e logo abriu com:
— Bem, Emma, creio que não tenho nada mais a dizer sobre os
meninos, mas você recebeu a carta de sua irmã e lá tudo está
descrito em detalhes, sem dúvida. Minhas recomendações seriam
muito mais concisas que as dela, e provavelmente não seguiriam a
mesma linha. Tudo que tenho para recomendar é que não os
paparique e não os encha de remédios.
— Espero satisfazer a ambos — disse Emma —, pois farei tudo
ao meu alcance para deixá-los felizes, o que será suficiente para
Isabella, e a felicidade não deve implicar falsas indulgências e
cuidados excessivos.
— E se os achar cansativos, deve enviá-los de volta para casa.
— Muito provável mesmo. É o que o senhor acha?
— O que eu acho é que eles podem ser barulhentos demais para
o seu pai, ou mesmo um incômodo para você, se os seus
compromissos sociais continuarem a aumentar, como têm feito
ultimamente.
— Aumentar!
— Certamente. Você deve ter reparado que nos últimos seis
meses operou-se uma grande diferença no seu estilo de vida.
— Diferença! Não, devo dizer que não notei.
— Não há dúvida de que você passa muito mais tempo
acompanhada do que costumava passar. Veja esta ocasião, por
exemplo. Eu venho para cá por apenas um dia e você está
organizando um jantar! Quando isso já aconteceu, ou qualquer
coisa do tipo? Seu círculo social está aumentando e você se
relaciona mais com os vizinhos. Pouco tempo atrás, cada carta para
Isabella trazia notícias de novos divertimentos: jantares na casa dos
Cole ou bailes no Crown. É muito grande a diferença que Randalls,
só Randalls, já faz em sua rotina.
— Sim — disse o irmão dele, depressa —, é Randalls que faz
toda a diferença.
— Pois bem, e como Randalls, suponho, não deve exercer menos
influência no futuro do que agora, ocorre-me que é possível, Emma,
que Henry e John às vezes possam atrapalhá-la. E se o fizerem, só
imploro que os mande para casa.
— Não — exclamou o sr. Knightley. — Não precisa fazer isso.
Que sejam enviados a Donwell. Eu terei tempo de sobra para eles.
— Palavra — exclamou Emma —, o senhor me diverte! Eu
gostaria de saber quantos dos meus numerosos compromissos
ocorrem sem a sua presença, e por que vocês supõem que corro o
risco de ficar sem tempo para cuidar dos meninos. Esses incríveis
compromissos meus, quais foram? Jantei uma vez com os Cole e
planejei um baile que nunca chegou a acontecer. Entendo o senhor
— assentindo para o sr. John Knightley —, pois a sua sorte em
encontrar tantos amigos aqui de uma vez o alegrou demais para
passar despercebida. Mas que o senhor — virando-se ao sr.
Knightley —, que sabe como é raríssimo eu me afastar mesmo duas
horas de Hartfield, imagine uma série de prazeres desregrados para
mim, não consigo entender. Quanto aos meus queridos meninos,
devo dizer que, se a tia Emma não tiver tempo para eles, não acho
que ficariam mais bem acomodados com o tio Knightley, que se
ausenta cinco vezes mais, e que, quando em casa, ou lê para si
mesmo ou cuida de seus negócios.
O sr. Knightley parecia estar tentando não sorrir, e obteve
sucesso com facilidade quando a sra. Elton entabulou uma conversa
com ele.

31
.  Himeneu era o deus grego dos casamentos, e “vestir seu manto cor de
açafrão” era um modo poético de referir-se ao matrimônio.
32
.  Birmingham era uma das maiores cidades da Inglaterra no período, em
função da expansão da indústria. No entanto, a atividade industrial não era
tão respeitada quanto áreas como o comércio ou a atividade bancária.
CAPÍTULO I

Alguns momentos de reflexão silenciosa foram suficientes para


tranquilizar Emma quanto à natureza de sua agitação ao ouvir a
novidade sobre Frank Churchill. Ela logo ficou convencida de que
não era por si mesma que se sentia apreensiva ou encabulada, mas
sim por ele. Seu próprio apego reduzira-se a quase nada; nem valia a
pena pensar sobre isso — mas se ele, que sem dúvida sempre fora o
mais apaixonado dos dois, retornasse com tantos sentimentos
ardorosos quanto tinha partido, seria muito angustiante. Se uma
separação de dois meses não tivesse suavizado seus sentimentos,
havia perigos e problemas adiante: seria necessário ter cautela, por
ele e por si mesma. Emma não queria envolver suas próprias
afeições novamente, e caberia a ela não incentivar as dele.
Ela gostaria de impedi-lo de fazer uma declaração definitiva.
Seria uma conclusão muito dolorosa para a amizade deles! No
entanto, antecipava que algo decisivo seria inevitável. Sentia que a
primavera não poderia passar sem trazer uma crise, um evento, algo
para alterar a sua serenidade e tranquilidade atuais.
Não demorou muito, embora mais do que o sr. Weston tinha
previsto, para que ela tivesse a chance de formar uma opinião sobre
os sentimentos de Frank Churchill. A família de Enscombe não
chegou à cidade tão cedo quanto se imaginava, mas ele logo passou
em Highbury. Veio a cavalo, para ficar só algumas horas; ainda não
podia fazer mais que isso, mas, como foi de Randalls imediatamente
para Hartfield, Emma pôde exercitar toda a sua capacidade de
observação e rapidamente determinar como o rapaz se sentia e
como ela deveria agir. Eles se reencontraram com a maior
cordialidade. O prazer que ele sentiu ao vê-la era inquestionável,
mas Emma suspeitou quase imediatamente que ele não estava tão
apegado quanto antes, que sua ternura não tinha a mesma força.
Observou-o com atenção. Era nítido que estava menos apaixonado
que antes. A separação, junto à provável convicção da indiferença
dela, tinha produzido aquele efeito muito natural e desejável.
Ele estava muito bem-humorado, disposto como sempre a
conversar e rir, e parecia encantado enquanto discutiam sua visita
anterior e relembravam velhas histórias. No entanto, também estava
um pouco agitado. Não era em sua calma que ela viu indiferença.
Ele não estava calmo; seu espírito estava evidentemente
transtornado, seus modos, um tanto inquietos. Ainda que estivesse
animado, parecia uma animação insatisfatória – mas o que
confirmou as suspeitas dela foi o fato de que ele ficou apenas um
quarto de hora e partiu depressa para fazer outras visitas em
Highbury. Ele tinha visto um grupo de conhecidos na rua enquanto
passava; não tinha parado, pois não poderia trocar mais que
algumas palavras, mas gostava de pensar que ficariam
decepcionados se não os visitasse e, por mais que desejasse ficar em
Hartfield, precisava correr.
Ela não teve dúvidas de que ele estava menos apaixonado, mas
nem sua agitação nem sua partida apressada pareciam indicar uma
cura perfeita. Emma chegou a pensar que sugeriam um temor de
que os sentimentos retornassem e uma discreta decisão de não
confiar em si mesmo na companhia dela por muito tempo.
Essa foi a única visita de Frank Churchill por dez dias. Ele
sempre tinha a esperança e a intenção de vir — mas era
continuamente impedido. A tia não suportava separar-se dele. Tal
foi sua explicação em Randalls. Se isso fosse sincero, se ele
realmente tentava vir, estava claro que a transferência da sra.
Churchill para Londres não tinha suavizado seu caráter caprichoso
nem a natureza nervosa de sua enfermidade. Que ela realmente
estava doente era um fato; ele se declarou convencido disso em
Randalls. Embora parte da enfermidade pudesse ser fantasia,
olhando em retrospecto era inegável que a saúde dela andava mais
debilitada do que meio ano antes. Ele não acreditava que fosse
qualquer coisa que certos cuidados e a medicina não curariam, nem
que ela ainda não teria muitos anos à sua frente, mas recusou-se, ao
ser confrontado pelo ceticismo do pai, a afirmar que as queixas dela
eram simplesmente imaginárias ou que a sra. Churchill estava tão
forte quanto sempre.
Logo ficou claro que Londres não era o lugar ideal para ela. Não
suportava o alvoroço. Seus nervos estavam sob contínua irritação e
sofrimento e, ao final de dez dias, uma carta do sobrinho a Randalls
comunicou uma mudança de planos. Eles fariam uma transferência
imediata para Richmond. Foi recomendado à sra. Churchill que
consultasse as habilidades médicas de um personagem eminente de
lá, e ela também tinha apego ao lugar. Uma casa já mobiliada em sua
área favorita da cidade foi alugada, e esperavam-se muitos
benefícios graças à mudança.
Emma ficou sabendo que Frank escrevia sobre esse arranjo com
a maior empolgação, e parecia apreciar sinceramente a bênção de
passar dois meses tão próximo a tantos amigos queridos — pois a
casa foi alugada para os meses de maio e junho. Ela foi informada
que ele escrevia agora com total confiança de estar entre eles com
frequência, quase tanto quanto teria desejado.
Emma viu como o sr. Weston interpretava aquelas perspectivas
entusiasmantes: ele a considerava a fonte de toda a felicidade que
prometiam. Ela esperava que não fosse o caso, e em dois meses teria
a prova.
A felicidade do próprio sr. Weston era inquestionável. Ele estava
encantado. Era exatamente a circunstância que teria desejado.
Agora, seria como ter realmente Frank entre eles. O que eram
quinze quilômetros para um jovem? Uma hora de cavalgada. Ele
viria sempre. A diferença entre Richmond e Londres, nesse sentido,
era a diferença entre vê-lo sempre ou nunca. Vinte e cinco
quilômetros — não, vinte e oito, deveriam ser vinte e oito
quilômetros completos até a rua Manchester — eram um obstáculo
sério. Se ele conseguisse sair, passaria o dia todo indo e voltando.
Não havia consolo em tê-lo em Londres — seria o mesmo que tê-lo
em Enscombe —, mas Richmond estava à distância perfeita para vir
com facilidade. Melhor impossível!
Houve uma consequência positiva e imediata dessa mudança —
o baile no Crown. Não tinha sido esquecido, mas logo se reconheceu
que era inútil tentar estabelecer um dia. Agora, contudo,
aconteceria sem falta; todos os preparativos foram retomados e,
pouco tempo depois de os Churchill chegarem a Richmond,
chegaram algumas linhas de Frank informando que a tia já se sentia
muito melhor com a mudança e que ele certamente poderia passar
vinte e quatro horas com eles a qualquer momento, urgindo-os a
fixar uma data o quanto antes.
O baile do sr. Weston se tornaria uma realidade. Poucos
amanhãs se interpunham entre os jovens de Highbury e a felicidade.
O sr. Woodhouse estava resignado. A época do ano aliviava os
seus temores; maio era sempre melhor que fevereiro para tudo. A
sra. Bates se comprometeu a passar a noite em Hartfield, James foi
avisado com antecedência, e ele estava otimista de que nem o
querido Henry nem o querido John teriam qualquer problema
enquanto a querida Emma estivesse fora.
CAPÍTULO II

Não ocorreu nenhum outro infortúnio para impedir o baile. O


dia se aproximou e enfim chegou; e, após uma manhã um tanto
ansiosa de espera, Frank Churchill, perfeitamente confiante em si
mesmo, chegou a Randalls antes do jantar, e tudo estava
confirmado.
Ainda não ocorrera um segundo encontro entre ele e Emma. O
salão do Crown o testemunharia, mas seria melhor do que um
encontro comum em meio à multidão. O sr. Weston tinha pedido,
muito genuína e insistentemente, que ela chegasse mais cedo, logo
depois deles e antes dos outros, a fim de dar sua opinião quanto à
adequação e ao conforto das salas, de modo que Emma não pôde
recusar. Portanto, passaria algum tempo na companhia do rapaz. Ela
levaria Harriet, e assim foram de carruagem até o Crown e
chegaram bem na hora, com o grupo de Randalls só um pouco na
frente.
Frank Churchill parecia estar em alerta e, embora não dissesse
muito, seus olhos declaravam que o rapaz pretendia ter uma noite
esplêndida. Eles andaram juntos pelo salão, para conferir se tudo
estava nos conformes, e em poucos minutos os ocupantes de outra
carruagem se juntaram a eles, o que Emma não ouviu sem grande
surpresa. “Tão absurdamente cedo!”, ela ia exclamar, mas logo
descobriu que era uma família de velhos amigos, que vinham, assim
como ela, atender ao pedido particular do sr. Weston para ajudá-lo a
julgar os preparativos — e foram tão logo seguidos por outra
carruagem de primos, que receberam o pedido de chegar cedo com
a mesma sinceridade lisonjeira, e para o mesmo fim, que parecia
que metade dos convidados logo estaria reunida com o objetivo de
inspecionar a organização da festa.
Emma reparou que o sr. Weston não dependia apenas da sua
opinião, e sentiu que ser a favorita e amiga íntima de um homem
que tinha tantos amigos íntimos e favoritos não era a maior das
distinções na escala da vaidade. Ela gostava de seus modos francos,
mas um pouco menos de estima generalizada teria aperfeiçoado o
caráter dele. Benevolência com todos, mas não amizade com todos,
tornava um homem como deveria ser. Ela apreciaria um homem
assim.
Todo o grupo caminhou, observou e elogiou novamente. E então,
sem mais o que fazer, formaram um semicírculo ao redor da lareira
para comentar, cada um a seu modo até que outros assuntos fossem
levantados, que, embora estivessem em maio,
um fogo na lareira
ainda era muito agradável.
Emma descobriu que, se dependesse do sr. Weston, o número de
conselheiros seria ainda maior. Eles tinham parado à porta da sra.
Bates para oferecer sua carruagem, mas a tia e a sobrinha seriam
trazidas pelos Elton.
Frank estava ao lado dela, mas não conseguia ficar parado; sua
inquietude revelava uma mente ansiosa. Ele olhava ao redor, ia até a
porta, atentava para o som de outras carruagens — impaciente para
começar o baile ou temendo estar sempre perto dela.
A sra. Elton foi mencionada.
— Acho que ela deve chegar logo — comentou ele. — Tenho
uma grande curiosidade sobre a sra. Elton, ouvi falar muito dela.
Não deve demorar muito, creio, até ela chegar.
Uma carruagem foi ouvida. Ele deu um passo à frente, mas então
voltou e disse:
— Esqueci que não fui apresentado a ela. Nunca vi o sr. ou a sra.
Elton. Não posso recebê-los.
O sr. e a sra. Elton apareceram, e todos os sorrisos e cortesias
foram trocados.
— Mas a srta. Bates e a srta. Fairfax! — exclamou o sr. Weston,
olhando ao redor. — Pensamos que as trariam!
Ocorrera um pequeno engano. A carruagem foi então enviada
para elas. Emma queria muito saber a primeira impressão de Frank
sobre a sra. Elton, sua opinião quanto à elegância afetada de suas
roupas e seus sorrisos condescendentes. Ele se qualificou sem
demora para formar uma opinião após dedicar à sra. Elton as
atenções devidas depois de serem apresentados.
Em poucos minutos, a carruagem retornou. Alguém mencionou
a chuva.
— Vou conferir se há guarda-chuvas, senhor — disse Frank ao
pai. — Não podemos descuidar da srta. Bates. — E partiu.
O sr. Weston ia segui-lo, mas a sra. Elton o deteve para gratificá-
lo com a sua opinião sobre o filho — e começou tão bruscamente
que o próprio jovem, embora não caminhasse devagar de forma
alguma, não poderia ter deixado de ouvir.
— Um excelente rapaz, de fato, sr. Weston. O senhor deve
lembrar que eu lhe disse que formaria minha própria opinião, e fico
feliz em afirmar que estou muito satisfeita com ele. Acredite em
mim. Nunca faço elogios vazios. Acho que é um rapaz muito bem-
apessoado, e seus modos são exatamente os que eu aprecio e
aprovo; um verdadeiro cavalheiro, sem qualquer presunção ou
atrevimento. O senhor deve saber que desgosto imensamente de
pessoas atrevidas; tenho horror a elas. Nunca são toleradas em
Maple Grove. Nem o sr. Suckling nem eu temos qualquer paciência
com elas, e às vezes dizíamos algumas coisas muito incisivas!
Selina, que é meiga até demais, suportava-as muito melhor.
Enquanto ela falava do filho, a atenção do sr. Weston ficou
acorrentada, mas quando ela passou para Maple Grove ele recordou
que chegavam damas que precisavam ser recebidas, e com um
sorriso alegre foi obrigado a se afastar.
A sra. Elton se virou para a sra. Weston.
— Sem dúvidas, é a nossa carruagem com a srta. Bates e Jane.
Nosso cocheiro e cavalos são tão eficientes! Acredito que nos
deslocamos mais rápido que qualquer um. Que prazer é enviar a
nossa carruagem para uma amiga! Entendo que teve a gentileza de
oferecer a sua, mas será inteiramente desnecessário a partir de
agora. Pode ter certeza de que eu sempre
cuidarei delas.
Escoltadas pelos dois cavalheiros, a srta. Bates e a srta. Fairfax
entraram na sala, e a sra. Elton pareceu pensar que era seu dever —
tanto quanto da sra. Weston — recepcioná-las. Os gestos e
movimentos dela poderiam ter sido compreendidos por qualquer
um que a observasse, como Emma a observava, mas suas palavras, e
as palavras de todos, logo foram afogadas sob o fluxo incessante da
srta. Bates, que entrou falando e só concluiu o seu discurso muitos
minutos depois de ser admitida ao círculo junto ao fogo. Assim que
a porta se abriu, ouviram-na dizer:
— Tão atencioso da sua parte! Não pegamos chuva alguma. Pelo
menos não pesada. E eu não me incomodo no que se refere a mim
mesma. Sapatos bem grossos. E Jane diz que… ora! — Assim que
atravessou a porta. — Ora! É esplêndido, de fato! Admirável! Que
organização excelente, palavra. Não falta nada. Não poderia ter
imaginado. Tão bem iluminado. Jane, Jane, olhe, já viu algo
parecido? Ah! Sr. Weston, o senhor deve ter encontrado a lâmpada
de Aladim. A cara sra. Stokes não reconheceria o próprio salão. Eu a
vi quando entrávamos, ela estava à porta. “Ah, sra. Stokes!”, eu
disse, mas não tive tempo para mais. — Nesse momento, ela foi
cumprimentada pela sra. Weston. — Muito bem, obrigada, madame.
Espero que esteja bem. Fico feliz em saber. Receava que tivesse uma
dor de cabeça, quando a vi passar tantas vezes, e sabendo como
deve ter tido trabalho! Fico encantada de ouvir, fico mesmo. Ah!
Cara sra. Elton, agradeço imensamente pela carruagem! Bem na
hora. Jane e eu estávamos prontas. Não fizemos os cavalos esperar
um momento. Uma carruagem muito confortável. Ah! E tenho
certeza de que devemos estender nossos agradecimentos à senhora,
sra. Weston. A sra. Elton fez a gentileza de mandar um recado a
Jane, senão teríamos aceitado. Mas duas ofertas em um dia! Nunca
vi vizinhos como esses. Eu disse à minha mãe, “Palavra,
madame…”. Obrigada, minha mãe está muito bem. Foi visitar o sr.
Woodhouse. Eu a fiz levar o xale, pois a noite não está quente, o
novo xale grande dela, presente de casamento da sra. Dixon. Tão
gentil da parte dela pensar na minha mãe! Foi comprado em
Weymouth, sabe, escolha do sr. Dixon. Jane disse que havia outros
três, e eles hesitaram um tempo antes de decidir. O coronel
Campbell preferia um cor de oliva. Jane, minha querida, tem
certeza de que não molhou os pés? Foi só uma gota ou duas, mas eu
tenho tanto medo que… mas o sr. Frank Churchill foi tão
extremamente… e havia um tapete onde pisar. Ah, nunca me
esquecerei da profunda educação dele. Ah! Sr. Frank Churchill,
preciso dizer-lhe que os óculos da minha mãe não quebraram mais
desde então, a charneira nunca mais se soltou. Minha mãe sempre
fala da sua gentileza. Não fala, Jane? Não falamos sempre do sr.
Frank Churchill? Ah! Cá está a srta. Woodhouse. Cara srta.
Woodhouse, como vai? Muito bem, obrigada, muito bem. Esse é um
encontro no reino das fadas! Que transformação! Eu não devo
elogiar, eu sei — com um olhar satisfeito para Emma —, seria rude,
mas, palavra de honra, srta. Woodhouse, a senhorita está… gostou
do cabelo de Jane? A senhorita entende dessas coisas. Ela arrumou
sozinha. É maravilhoso como arruma o cabelo! Acredito que
nenhum cabeleireiro de Londres faria igual. Ah! Dr. Hughes, ora, e a
sra. Hughes. Preciso ir falar com o doutor e a sra. Hughes por um
momento. Como estão? Como estão? Muito bem, obrigada. É
maravilhoso, não é? Onde está o querido sr. Richard? Ah! Lá está
ele. Não o perturbem. Melhor que se ocupe em falar com as moças.
Como vai, sr. Richard? Eu o vi no outro dia, enquanto passava na
cidade a cavalo… Sra. Otway, eu protesto! E o bom sr. Otway, e a
srta. Otway, e a srta. Caroline. Que grupo de amigos! E o sr. George
e o sr. Arthur! Como vão? Como vão todos? Muito bem, muito
agradecida. Nunca estive melhor. Não estou escutando outra
carruagem? Quem pode ser? Provável que sejam os queridos Cole.
Palavra de honra, é encantador estar entre amigos como esses! E
uma lareira tão esplêndida! Estou perfeitamente aquecida. Não,
obrigada, não quero café, nunca bebo café. Um pouco de chá, por
favor, senhor, mas não há pressa… Ah! Cá está! Tudo é tão bom!
Frank Churchill voltou ao seu posto junto a Emma e, assim que
a srta. Bates se calou, a jovem se viu necessariamente entreouvindo
a conversa da sra. Elton e da srta. Fairfax, que estavam um pouco
atrás dele. Frank estava pensativo, mas ela não conseguia
determinar se também estava escutando. Depois de muitos elogios
sobre a roupa e a aparência de Jane, recebidos com muita modéstia
e decoro, a sra. Elton evidentemente desejava ouvir elogios por sua
vez, e logo começou com: “Gostou do meu vestido? Gostou dos
laços? Viu como Wright arrumou o meu cabelo?” e muitas outras
perguntas do gênero, todas respondidas com educação e paciência.
A sra. Elton então disse:
— Em geral, ninguém pensa menos em roupas do que eu, mas
em uma ocasião como esta, quando os olhos de todos estarão
voltados para mim, e por educação aos Weston, que sem dúvida
estão promovendo este baile principalmente como um sinal de seu
respeito por mim, eu não queria estar inferior aos outros. E vejo
muito poucas pérolas no salão além das minhas. Então, pelo que
entendo, o sr. Frank Churchill é um excelente dançarino. Veremos
se nossos estilos combinam. Um rapaz muito elegante, certamente,
Frank Churchill. Gostei muito dele.
Neste momento, Frank começou a falar com tanta animação que
Emma só pôde supor que ele tinha ouvido os elogios à sua pessoa e
não desejava ouvir mais, e as vozes das damas ficaram abafadas por
um tempo, até que outra pausa na conversa fez os tons da sra. Elton
emergirem distintamente. O sr. Elton tinha acabado de juntar-se a
elas, e a esposa estava exclamando:
— Ah! Encontrou-nos enfim, não é, em nosso esconderijo? Eu
estava agora mesmo contanto a Jane que achava que você
começaria a ficar impaciente por notícias nossas.
— Jane! — repetiu Frank Churchill, com uma expressão de
surpresa e desagrado. — Quanta familiaridade. Mas suponho que a
srta. Fairfax não desaprove.
— O que pensa da sra. Elton? — perguntou Emma em um
sussurro.
— Prefiro não pensar.
— Que ingrato!
— Ingrato! Em que sentido? — Então, passando de uma careta
para um sorriso: — Não, não me diga, não quero saber do que está
falando. Onde está meu pai? Quando vamos começar a dançar?
Emma não conseguia compreendê-lo; ele parecia estar num
humor estranho. O rapaz afastou-se para encontrar o pai, mas logo
voltou com tanto o sr. como a sra. Weston. Eles estavam às voltas
com um dilema, que foi então explicado a Emma. Tinha acabado de
ocorrer à sra. Weston que deveriam convidar a sra. Elton para
iniciar o baile, pois ela esperaria ser chamada, o que interferia com
todos os desejos dele de conceder essa distinção a Emma. Emma
ouviu a triste verdade com bravura.
— E como acharemos um parceiro apropriado para ela? —
perguntou o sr. Weston. — Ela vai achar que Frank tem de convidá-
la.
Frank virou-se imediatamente para Emma, para exigir que
mantivesse sua promessa anterior, e declarou ser um homem
comprometido, o que o pai pareceu aprovar inteiramente — e então
a sra. Weston sugeriu que ele
dançasse com a sra. Elton
pessoalmente, e a missão deles foi ajudá-la a persuadi-lo, o que logo
fizeram. O sr. Weston e a sra. Elton iniciaram a dança, e o sr. Frank
Churchill e a srta. Woodhouse seguiram. Emma deveria se submeter
a uma posição inferior, embora sempre tivesse considerado o baile
como sendo particularmente seu. Era quase o bastante para fazê-la
cogitar casar-se.
Dessa vez a sra. Elton sentiria o prazer da vaidade plenamente
agraciado, pois, embora pretendesse começar com Frank Churchill,
não perderia com a troca. O sr. Weston talvez fosse superior ao
filho. Apesar desse pequeno aborrecimento, Emma sorria com
prazer, encantada ao ver a fileira respeitável que se formava para a
dança e sentir que tinha muitas horas de rara festividade à sua
frente. O que mais a perturbou foi ver que o sr. Knightley não
dançava. Lá estava ele, entre os observadores, onde não deveria
estar; deveria estar dançando, não junto dos maridos e pais e
jogadores de uíste, que fingiam interesse na dança até a partida
estar pronta. Ele parecia tão jovem! Não poderia ter escolhido um
ponto mais vantajoso para se posicionar. Emma sentia que sua
figura alta, firme e aprumada, entre as formas robustas e os ombros
curvados dos homens mais velhos, atrairia os olhos de todos; e,
excetuando seu próprio par, não havia ninguém entre os jovens que
se comparasse a ele. Ele se aproximou alguns passos, que foram o
bastante para provar como ele teria dançado de modo
cavalheiresco, com uma elegância natural, se ao menos se desse ao
trabalho. Sempre que ela capturava seu olhar, ele era obrigado a
sorrir, mas em geral parecia sério. Ela queria que ele gostasse mais
de bailes, assim como de Frank Churchill. Parecia observá-la com
frequência. Ela não deveria pensar que era um elogio à sua maneira
de dançar, mas não temia que ele estivesse criticando seu
comportamento. Não havia nenhum tipo de flerte entre ela e seu
par. Eles aparentavam ser mais amigos alegres, confortáveis na
presença um do outro, do que enamorados. Não havia dúvidas de
que Frank Churchill pensava menos nela do que antes.
O baile prosseguiu agradavelmente. Os cuidados ansiosos e as
atenções incessantes da sra. Weston não foram desperdiçados.
Todos pareciam felizes, e o fato de ser um baile encantador, um
elogio raras vezes concedido antes de seu final, foi muitas vezes
proferido desde o início. Quanto a acontecimentos muito
importantes ou muito memoráveis, não foi mais produtivo do que
tais reuniões em geral são. Porém, uma coisa incomodou Emma. As
últimas duas danças antes do jantar começaram e Harriet ainda não
tinha um par — era a única dama sentada, e até então o número de
dançarinos tinha sido tão equilibrado que era surpreendente haver
qualquer moça sentada! Mas o espanto de Emma logo diminuiu
quando viu o sr. Elton caminhando pelo salão. Ela tinha certeza de
que ele não convidaria Harriet para dançar se pudesse evitar, e
imaginava que o veria fugir para o salão de jogos a qualquer
momento.
No entanto, ele não pensava em fuga. Foi até a parte do salão
onde as pessoas estavam sentadas, falou com algumas e perambulou
na frente delas, como se quisesse ostentar sua liberdade e sua
resolução de preservá-la. Não se omitiu a passar ocasionalmente
bem na frente da srta. Smith, nem de falar com aqueles próximos a
ela. Emma viu tudo isso. Ainda não estava dançando; aguardava sua
vez, tendo a liberdade de olhar ao redor, e bastou virar um pouco a
cabeça para testemunhar tudo. Quando estava na metade da fileira,
o grupo em questão se encontrava exatamente atrás dela, e ela não
os observaria mais, mas o sr. Elton estava tão próximo que ela ouviu
cada sílaba do diálogo que se passou entre ele e a sra. Weston — e
percebeu que a esposa dele, que estava imediatamente na frente
dela na dança, não só também estava escutando como também o
encorajava com olhares carregados de significado. A gentil e
generosa sra. Weston tinha se levantado para falar com ele e
perguntou:
— O senhor não vai dançar, sr. Elton?
Ao que a resposta imediata dele foi:
— Eu adoraria, sra. Weston, se aceitar dançar comigo.
— Eu! Ah, não, gostaria de encontrar uma parceira melhor para
o senhor que eu mesma. Não danço nada bem.
— Se a sra. Gilbert deseja dançar — disse ele —, terei muito
prazer, sem dúvidas, pois, embora comece a me sentir um velho
homem casado, cujos dias de dança chegam ao fim, teria grande
prazer em dançar com uma velha amiga como a sra. Gilbert.
— A sra. Gilbert não pretende dançar, mas há uma moça livre
que eu gostaria muito de ver dançando: a srta. Smith.
— A srta. Smith! Ah! Eu não tinha notado. A senhora é muito
gentil… e se apenas eu não fosse um velho homem casado. Mas
meus dias de dança chegaram ao fim, sra. Weston. Peço que me
perdoe. Ficarei feliz em atender ao seu comando quanto a qualquer
outra coisa, mas meus dias de dança chegaram ao fim.
A sra. Weston não disse mais nada, e Emma podia imaginar com
que surpresa e mortificação ela estaria voltando ao seu assento. Este
era o sr. Elton! O amável, atencioso e gentil sr. Elton. Ela olhou ao
redor brevemente; ele tinha ido falar com o sr. Knightley, a certa
distância, e estava se sentando para conversar, enquanto trocava
sorrisos exultantes com a esposa.
Ela não olharia de novo. Seu coração estava inflamado, e receava
que o rosto estivesse igualmente afogueado.
No momento seguinte, uma vista mais feliz captou sua atenção:
o sr. Knightley conduzia Harriet à dança! Ela nunca ficou tão
surpresa e raramente mais encantada do que naquele instante.
Encheu-se de prazer e gratidão, tanto por Harriet como por si
mesma, e não via a hora de agradecê-lo. E, embora estivesse longe
demais para falar, seu semblante transmitiu muito, assim que
capturou o olhar dele outra vez.
Ele dançava como ela suspeitara — extremamente bem — e
Harriet quase teria parecido sortuda demais, não fosse a crueldade
de sua situação anterior e o completo júbilo e a consciência aguda
da honra conferida que sua expressão feliz revelava. A gentileza não
foi desperdiçada nela; ela voava mais alto que nunca, passando
entre as duas fileiras, e estava continuamente sorrindo.
O sr. Elton tinha se retirado para a sala de jogos, parecendo
(confiava Emma) muito tolo. Ela não pensou que fosse tão
insensível quanto a esposa, embora ficasse cada vez mais parecido
com ela — ela
falou um pouco dos seus sentimentos, observando
em voz alta para o seu par:
— Knightley teve pena da pobre srta. Smith! Muito amável da
parte dele, eu diria.
O jantar foi anunciado. Os convidados começaram a se dirigir à
outra sala, e a srta. Bates pôde ser ouvida, a partir daquele
momento, sem interrupção, até se acomodar na mesa e pegar sua
colher.
— Jane, Jane, minha querida, onde está você? Aqui está a sua
estola. A sra. Weston pediu que você a vista. Ela receia que haja
correntes de ar na passagem, ainda que tudo tenha sido feito… uma
porta foi pregada… as frestas foram cobertas… Jane, minha querida,
você precisa vesti-la. Sr. Churchill, ah! O senhor é tão atencioso!
Como a põe bem nela! Eu lhe agradeço tanto! Danças excelentes, de
fato! Sim, minha querida, eu corri para casa, como disse que faria,
para ajudar vovó a ir para a cama, e voltei de novo, e ninguém
percebeu a minha falta. Parti sem dizer nada, como lhe contei. Vovó
estava muito bem, teve uma noite encantadora com o sr.
Woodhouse. Eles conversaram muito e jogaram gamão. O chá foi
servido no andar de baixo, biscoitos e maçãs assadas e vinho, antes
que ela chegasse; ela teve muita sorte nas suas jogadas; e perguntou
muito sobre você, se estava se divertindo, e quem eram seus
parceiros de dança. “Ah”, disse eu, “não vou me antecipar a Jane;
eu a deixei dançando com o sr. George Otway, ela vai adorar contar
tudo à senhora amanhã. O primeiro parceiro dela foi o sr. Elton,
mas não sei quem será o próximo, talvez o sr. William Cox.” O
senhor é atencioso demais. Não há outra pessoa que preferiria…?
Eu não preciso de ajuda; o senhor é muito gentil. Palavra, Jane em
um braço e eu no outro! Pare, pare, deixe-nos ir um pouco para
trás, a sra. Elton está seguindo na frente; a querida sra. Elton, como
ela está elegante! Que bela renda! Agora todos seguimos atrás dela.
É
É a rainha da noite! Bem, aqui estamos na passagem. Dois degraus,
Jane, tome cuidado com os dois degraus. Ah, não, há só um. Bem,
eu tinha certeza de que havia dois, mas há só um. Nunca vi nada
igual em termos de conforto e estilo… velas em todo canto. Eu
estava contando da sua vó, Jane… houve uma leve decepção. As
maçãs assadas e os biscoitos estavam excelentes, sabe, mas um
fricassê delicado de moleja e aspargos foi trazido primeiro, e o
querido sr. Woodhouse, não achando que os aspargos estavam
cozidos o suficiente, mandou tudo de volta. Não há nada que vovó
adore mais do que moleja e aspargos, então ela ficou um pouco
decepcionada, mas concordamos que não falaríamos disso a
ninguém por medo de que chegasse à querida srta. Woodhouse, que
ficaria tão preocupada! Bem, que maravilha! Estou embasbacada!
Não poderia ter imaginado nada assim! Que elegância e profusão!
Não vejo nada assim desde… bem, onde nos sentamos? Onde nos
sentamos? Em qualquer lugar, contanto que Jane não pegue
friagem. O meu
lugar não importa. Ah! O senhor recomenda esse
lado? Bem, tenho certeza, sr. Churchill, só que parece bom demais,
mas como o senhor desejar. O que o senhor orientar nesta casa não
pode estar errado. Jane, querida, como vamos lembrar de metade
desses pratos para contar a vovó? Sopa também! Que beleza! Eu
não aceitaria tão depressa, mas o aroma é excelente, e não consigo
evitar.
Emma não teve uma chance de falar com o sr. Knightley durante
o jantar, mas, quando voltaram ao salão de baile, os olhos dela o
convidaram irresistivelmente para receber agradecimentos. Ele foi
enfático em sua reprovação da conduta do sr. Elton; tinha sido uma
grosseria imperdoável, e os olhares da sra. Elton também receberam
a devida cota de censura.
— Eles pretendiam ferir mais do que Harriet — disse ele. —
Emma, por que são seus inimigos?
Ele a olhou com perspicácia bem-humorada e, ao não receber
resposta, acrescentou:
— Ela
não deveria ter raiva de você, suspeito, ainda que ele
tenha. Quanto a isso, você não dirá nada, é claro, mas confesse,
Emma, que queria que ele tivesse se casado com Harriet.
— Queria — admitiu Emma —, e eles não podem me perdoar
por isso.
Ele balançou a cabeça, mas havia um sorriso indulgente em seu
rosto e ele disse apenas:
— Não vou repreendê-la. Deixo-a com suas próprias reflexões.
— Pode confiar em mim em meio a tantos aduladores? Com
meu espírito vaidoso que jamais diz que estou errada?
— Seu espírito vaidoso não, mas o seu espírito sério. Se um a
levar pelo caminho errado, estou seguro de que o outro a afastará
dele.
— Admito que eu estava completamente enganada quanto ao sr.
Elton. Há uma mesquinhez nele que você descobriu e eu não, e
fiquei completamente convencida de que ele estava apaixonado por
Harriet. Foi uma série de equívocos tão estranhos!
— E, em troca por ter admitido tanta coisa, eu serei justo e direi
que você teria escolhido melhor para ele do que ele escolheu para si
mesmo. Harriet Smith tem qualidades de primeira classe que faltam
completamente à sra. Elton. É uma moça despretensiosa, honesta,
sem afetações, infinitamente preferível para qualquer homem de
gosto e bom senso do que uma mulher como a sra. Elton. Gostei
mais de conversar com ela do que esperava.
Emma ficou imensamente satisfeita. Então eles foram
interrompidos pelo sr. Weston, que estava convocando todos para
recomeçar o baile.
— Venham, srta. Woodhouse, srta. Otway, srta. Fairfax, o que
estão fazendo? Venha, Emma, dê o exemplo a suas companheiras.
Todos estão preguiçosos! Todos estão dormindo!
— Estou pronta — disse Emma. — Quando quiserem.
— Com quem vai dançar? — perguntou o sr. Knightley.
Ela hesitou por um momento, então respondeu:
— Com você, se me convidar.
— É mesmo? — disse ele, oferecendo-lhe a mão.
— Sim. Mostrou que sabe dançar, e sabe que não somos
realmente irmão e irmã, a ponto de ser impróprio.
— Irmão e irmã! Não, de fato.
CAPÍTULO III

Emma obteve um prazer considerável da sua breve conversa


com o sr. Knightley. Foi uma das lembranças mais agradáveis do
baile, e ela a evocou enquanto caminhava no jardim na manhã
seguinte. Estava muito contente por terem chegado a um
entendimento tão bom em relação aos Elton, ao ver que suas
opiniões, sobre o marido e também sobre a esposa, eram tão
parecidas; os elogios dele a Harriet e sua concessão em favor dela
foram particularmente gratificantes. A impertinência dos Elton, que
por alguns minutos ameaçara arruinar o resto da noite, tinha
causado algumas de suas maiores satisfações, e ela tinha esperanças
de ver outro resultado benéfico — a cura da paixão de Harriet. Pelo
seu modo de falar do ocorrido antes que deixassem o baile, Emma
tinha grandes esperanças. Parecia que os olhos da amiga tinham se
aberto subitamente, e agora ela podia ver que o sr. Elton não era a
criatura superior que o tinha acreditado. A febre tinha passado, e
Emma não temia que a pulsação se acelerasse outra vez devido a
cortesias perniciosas. Ela confiava nos sentimentos mesquinhos dos
Elton para fornecer toda a disciplina da negligência intencional que
poderia ser necessária no futuro. Harriet racional, Frank Churchill
nem um pouco apaixonado, e o sr. Knightley não querendo brigar
com ela — que verão feliz ela tinha à sua frente!
Não veria Frank Churchill naquela manhã. Ele tinha dito que
não se daria o prazer de passar em Hartfield, uma vez que precisava
estar em casa no meio do dia. Emma não lamentou o fato.
Tendo resolvido, examinado e restaurado ao devido lugar todas
essas questões, ela começou a voltar para a casa com ânimo
renovado para atender às necessidades dos dois garotos, assim como
do seu avô, quando o grande portão de ferro se abriu e entraram
duas pessoas que ela nunca esperara ver juntas — Frank Churchill,
com Harriet no braço. Harriet! Um momento foi suficiente para
convencer Emma de que algo extraordinário tinha acontecido.
Harriet parecia pálida e assustada, e ele tentava reavivá-la. Os
portões de ferro e a porta da frente não estavam separados nem por
vinte metros; logo os três estavam na sala, e Harriet imediatamente
desabou em uma cadeira e desfaleceu.
Uma jovem que desfalece precisa ser reanimada; perguntas
devem ser respondidas, e surpresas, explicadas. Tais eventos são
muito interessantes, mas o suspense não pode durar muito. Em
alguns minutos, Emma estava a par de toda a história.
A srta. Smith e a srta. Bickerton, outra pensionista da sra.
Goddard que também comparecera ao baile, tinham saído para
caminhar e tomaram a estrada de Richmond, a qual, embora
aparentemente pública o bastante para ser segura, tinha sido causa
de certo alarme. A cerca de um quilômetro de Highbury, fazendo
uma curva repentina, profundamente sombreada por elmos de
ambos os lados, tornou-se muito isolada por um trecho
considerável; e quando as moças avançaram um pouco mais,
subitamente perceberam, a uma curta distância, em um trecho mais
amplo de relva, um grupo de ciganos. Uma criança que estava
vigiando veio até elas mendigar; e a srta. Bickerton, profundamente
assustada, deu um grito alto e, convocando Harriet para segui-la,
subiu correndo uma ribanceira íngreme, superou uma sebe baixa no
topo, e tratou de pegar um atalho de volta a Highbury. Mas a pobre
Harriet não conseguiu segui-la. Tinha sofrido muitas cãibras após as
danças, e sua primeira tentativa de superar a ribanceira causou uma
renovação tão forte da dor que a deixou impotente — e nesse
estado, completamente aterrorizada, ela fora obrigada a
permanecer.
Como os errantes poderiam ter se comportado se as moças
tivessem sido mais corajosas, não se sabe, mas tal convite para uma
investida não podia ser ignorado, e Harriet logo foi rodeada por meia
dúzia de crianças, lideradas por uma mulher robusta e um garoto
alto, todos impertinentes em atitude, embora não em palavras. Cada
vez mais assustada, ela imediatamente prometeu-lhes dinheiro e,
pegando sua bolsinha, deu-lhes um xelim e implorou que não
pedissem mais ou lhe fizessem mal. A essa altura conseguia
caminhar, ainda que devagar, e estava se afastando — mas o seu
terror e sua bolsinha eram tentadores demais, e ela foi seguida, ou
melhor, cercada, por toda a gangue, que exigia mais.
Essa foi a situação em que Frank Churchill a encontrou, ainda
tremendo e suplicando, e eles ruidosos e insolentes. Por um feliz
acaso, ele tinha saído atrasado de Highbury e chegara bem na hora
de auxiliá-la naquele momento crítico. A manhã agradável o
induzira a caminhar, deixando o cavalo com um criado para
encontrá-lo em outra estrada, dois ou três quilômetros além de
Highbury — e como tinha emprestado uma tesoura na noite
anterior da srta. Bates e esquecera de devolvê-la, foi obrigado a
parar na porta dela e entrar por alguns minutos. Ficou lá por mais
tempo do que pretendia e, estando a pé, não foi visto pelos ciganos
até chegar muito perto. O terror que a mulher e o garoto tinham
inspirado em Harriet então se voltou contra eles. Frank os deixou
em completo pavor; e com Harriet agarrando-se nervosamente a ele,
e mal capaz de falar, ela apenas teve forças suficientes para alcançar
Hartfield antes que se exaurissem. Foi ideia dele trazê-la para
Hartfield; não pensou em nenhum outro lugar.
Esse era o resumo da história — pelo relato dele e o de Harriet,
dado assim que ela recobrou os sentidos e a fala. Ele não ousou ficar
mais do que o necessário para vê-la bem; todos aqueles atrasos não
permitiam que perdesse mais um minuto sequer; e depois que
Emma lhe pediu que avisasse a sra. Goddard que Harriet estava
segura e alertasse o sr. Knightley de que havia tais pessoas na
vizinhança, ele partiu com toda a gratidão que ela podia expressar
pela amiga e por si.
Uma aventura dessas — um belo rapaz e uma adorável moça
unidos de tal forma — não podia deixar de sugerir certas ideias
mesmo ao coração mais frio e ao cérebro mais firme. Ao menos foi o
que Emma pensou. Será que um linguista, um gramático, até um
matemático seria capaz de ver o que ela viu, testemunhar a aparição
conjunta deles, ouvir o seu relato e não sentir que as circunstâncias
tinham conspirado para torná-los especialmente interessantes um
ao outro? Uma imaginista
33
, como ela própria, não se exaltaria
ainda mais com especulações e previsões? Especialmente depois de
todo o trabalho prévio que sua mente já tinha realizado sobre a
questão.
Era um acontecimento tão extraordinário! Nada parecido já
tinha acontecido com qualquer dama da vizinhança, pelo que ela se
lembrava; nenhum confronto hostil, nenhum alarme de qualquer
tipo — e agora tinha ocorrido justo com a pessoa certa, justo na
hora em que o outro indivíduo certo por acaso passava para resgatá-
la! Certamente era extraordinário! E conhecendo, como ela
conhecia, o estado de espírito favorável de ambos no momento,
Emma ficou ainda mais impressionada. Ele desejava superar sua
afeição por ela própria, e Harriet se recuperava de sua obsessão com
o sr. Elton. Parecia que tudo prometia as consequências mais
favoráveis. Não era possível que o ocorrido não recomendasse os
dois fortemente um ao outro.
Nos poucos minutos de conversa que ela tivera com o rapaz,
enquanto Harriet estava parcialmente inconsciente, ele tinha falado,
divertido e encantado, do terror dela, de sua ingenuidade e de seu
fervor enquanto agarrava-se e aferrava-se ao seu braço; e ao final,
após o relato de Harriet, tinha expressado nos tons mais calorosos
sua indignação com a insensatez abominável da srta. Bickerton.
Tudo deveria seguir seu curso natural, entretanto, sem ser impelido
nem assistido. Ela não daria qualquer passo, não faria qualquer
sugestão. Não, já interferira o suficiente. Não podia haver perigo em
um projeto — um projeto meramente passivo. Não era mais do que
um desejo. Mais do que isso, ela não faria.
A primeira decisão de Emma foi esconder o ocorrido do pai,
ciente da ansiedade e do alarme que causaria, mas logo sentiu que
seria impossível. Dentro de meia hora, o caso era conhecido por
toda Highbury. Foi o evento perfeito para atiçar aqueles que mais
falam, os jovens e as classes baixas; e todos os jovens e criados da
região logo discutiam animadamente a história assustadora. O baile
da noite anterior parecia ter perdido para os ciganos. O pobre sr.
Woodhouse tremia em sua poltrona e, como Emma tinha previsto,
não ficou satisfeito até que as jovens prometessem jamais ir além
dos jardins de Hartfield. Foram algum conforto para ele as diversas
mensagens que chegaram durante o resto do dia inquirindo quanto
ao seu bem-estar e o da srta. Woodhouse (pois seus vizinhos sabiam
que ele apreciava recebê-las), assim como da srta. Smith, e ele teve
o prazer de responder que estavam todos muito abalados — o que,
embora não fosse uma verdade exata, pois ela mesma estava
perfeitamente bem e Harriet não muito longe disso, Emma não
questionou. Sua saúde em geral não era apropriada à filha de tal
cavalheiro, pois mal sabia o que era sentir-se indisposta e, se ele não
inventasse enfermidades para ela, não haveria nada a contar a seu
respeito em uma carta.
Os ciganos não esperaram as operações da justiça; retiraram-se
às pressas. As moças de Highbury poderiam caminhar novamente
em segurança antes que seu pânico tivesse começado, e a história
teria logo se tornado uma questão de pouca importância a todos,
exceto para Emma e seus sobrinhos: continuou presente na
imaginação dela, e Henry e John pediam todo dia para ouvir a
história de Harriet e dos ciganos, e teimosamente a corrigiam se ela
mudasse qualquer detalhe mínimo da versão original.

33
.  Termo cunhado pela autora.
CAPÍTULO IV

Alguns dias tinham se passado após essa aventura quando


Harriet veio visitar Emma com um pequeno pacote nas mãos e,
depois de sentar-se e hesitar um pouco, começou da seguinte forma:
— Srta. Woodhouse, se estiver livre… tenho algo que gostaria de
contar à senhorita… uma espécie de confissão… E então, prometo,
não falarei mais nisso.
Emma ficou bastante surpresa, mas pediu que continuasse.
Havia uma seriedade nos modos de Harriet que a prepararam, tanto
quanto as suas palavras, para um pronunciamento fora do comum.
— É o meu dever, e certamente meu desejo — ela continuou —,
não ter reservas com a senhorita neste assunto. Como sou, ainda
bem, uma pessoa mudada em um aspecto
, é justo que a senhorita
tenha a satisfação de saber. Eu não quero dizer mais que o
necessário… estou envergonhada demais por ter cedido aos
sentimentos como fiz, e ouso dizer que a senhorita me compreende.
— Sim — disse Emma —, creio que a compreendo.
— Como eu pude me imaginar, por tanto tempo…! — exclamou
Harriet, fervorosamente. — Parece loucura! Não consigo ver nada
extraordinário nele agora. Não me importo se vou encontrá-lo ou
não, exceto que, entre os dois, preferiria não o ver, e, de fato, faria
tudo para evitá-lo… Mas não invejo sua esposa nem um pouco; nem
a admiro, nem a invejo, como costumava fazer. Ela é muito
encantadora e tudo o mais, mas creio que muito mal-humorada e
desagradável também. Nunca esquecerei o olhar dela, na outra
noite! Mas garanto à senhorita que não desejo mal a ela. Não, que
eles sejam felizes juntos, isso não me causará mais qualquer dor, e
para convencer a senhorita de que estou falando a verdade, agora
vou destruir… o que deveria ter destruído há muito tempo… o que
eu nunca deveria ter guardado… sei muito bem disso — ela
concluiu, ruborizando. — Porém, agora vou destruir tudo, e é meu
desejo particular fazê-lo na sua presença, para a senhorita ver como
me tornei racional. A senhorita consegue adivinhar o que este
pacote contém? — perguntou ela, com um olhar constrangido.
— De forma alguma. Ele deu alguma coisa para você?
— Não; eu não posso chamá-los de presentes, mas são coisas que
eu valorizava muito.
Harriet estendeu o pacote para ela, e Emma leu as palavras
Tesouros mais preciosos
no topo. Sua curiosidade estava muito
atiçada. Harriet o desembrulhou e ela olhou com impaciência.
Dentro de uma abundância de papel prateado, havia uma caixinha
de Tunbridge
34
, que Harriet abriu: estava forrada com algodão
muito macio, mas, salvo o algodão, Emma viu apenas um pedaço de
emplastro.
— Agora — disse Harriet — a senhorita deve recordar.
— Não, realmente não recordo.
— Ai de mim! Eu não acharia possível a senhorita esquecer o
que ocorreu nesta exata sala com o emplastro, uma das últimas
vezes que eu e ele nos encontramos aqui! Foi alguns dias antes que
começasse minha dor de garganta, logo antes de o sr. e a sra. John
Knightley chegarem, acho que naquela mesma noite. Não se lembra
que ele cortou o dedo com seu novo canivete, e de recomendar um
emplastro? A senhorita não tinha, mas sabia que eu tinha, e pediu
que eu o fornecesse, então peguei o meu e cortei um pedaço, mas
era grande demais, e ele cortou um pedaço menor e ficou brincando
por um tempo com o que sobrou antes de o devolver para mim. E
então, em minha tolice, não consegui deixar de transformá-lo em
um tesouro, e o guardei para nunca ser usado, e olhava para ele de
vez em quando como uma deliciosa recordação.
— Minha querida Harriet! — exclamou Emma, cobrindo o rosto
e se erguendo com um pulo. — Você me deixa mais envergonhada
do que consigo suportar. Se me lembro? Sim, agora me lembro de
tudo, tudo exceto você ter guardado essa relíquia. Eu não sabia nada
sobre isso até este momento… Mas o corte, e minha recomendação
de usar o emplastro, e dizer que eu não tinha comigo! Ah! Os meus
pecados! E, o tempo todo, eu tinha um monte no bolso! Um dos
meus truques vãos! Eu mereço ruborizar constantemente pelo resto
da vida. Bem — sentando-se novamente —, continue. O que mais?
— E a senhorita realmente tinha no bolso? Eu nunca suspeitei,
agiu de forma tão natural!
— Então você ofereceu esse pedaço de emplastro para ele! —
disse Emma, recobrando-se da vergonha e sentindo-se dividida
entre assombro e divertimento. Secretamente, acrescentou a si
mesma: Céus! Quando eu teria pensado em guardar em algodão
um pedaço de emplastro com que Frank Churchill brincou?
Nunca cheguei a esse ponto.
— Aqui — continuou Harriet, voltando à caixa —, aqui há algo
ainda mais valioso, ou que tem sido
mais valioso, porque realmente
pertenceu a ele, ao contrário do emplastro.
Emma estava ansiosa para ver aquele tesouro superior. Era um
pedaço de um velho lápis, a parte sem grafite.
— Isso realmente pertenceu a ele — disse Harriet. — A
senhorita não se lembra de uma manhã em que… Não, arrisco dizer
que não. Mas uma manhã, esqueço o dia exato, mas talvez tenha
sido a terça ou quarta antes daquela noite
, ele queria fazer uma
anotação no caderno, algo sobre cerveja de abeto. O sr. Knightley
estava falando alguma coisa sobre cerveja de abeto, e ele queria
anotar, mas quando pegou o lápis havia tão pouco grafite que ele
logo cortou tudo e não servia mais, então a senhorita emprestou
outro para ele, e o que restou na mesa não servia mais para nada.
Mas eu fiquei de olho nele e, assim que ousei, o peguei e nunca mais
me separei dele até este momento.
— Eu me lembro — exclamou Emma. — Eu me lembro
perfeitamente. Eles falavam de cerveja de abeto. Ah, sim, o sr.
Knightley e eu ambos dizíamos que gostávamos, e o sr. Elton estava
determinado a gostar também. Eu me lembro. Espere, o sr.
Knightley estava parado bem ali, não estava? Tenho a impressão de
que sim.
— Ah! Não sei. Não consigo me lembrar. É muito estranho, mas
não consigo me lembrar. O sr. Elton estava sentado aqui, eu lembro,
onde eu estou agora.
— Bem, continue.
— Ah, é só isso! Não tenho mais nada para mostrar ou contar à
senhorita, exceto que agora vou jogar ambos no fogo e desejo que
me assista.
— Minha pobre Harriet! E você realmente ficou feliz guardando
esses tesouros?
— Fiquei, como uma boba! Mas me sinto muito envergonhada
disso agora, e gostaria de poder esquecer com a mesma facilidade
com que posso queimá-los. Foi muito errado da minha parte, sabe,
guardar quaisquer lembrancinhas depois que ele se casou. Eu sabia
que era errado, mas não tinha coragem de separar-me delas.
— Mas, Harriet, é necessário queimar o emplastro? Não tenho
nada a dizer pelo lápis velho, mas o emplastro pode ser útil.
— Eu ficarei mais feliz se o queimar — respondeu Harriet. —
Tem um aspecto desagradável para mim. Preciso me livrar de tudo.
Aqui vai, e este é o fim, graças aos céus, do sr. Elton!
E quando
, pensou Emma, veremos o início do sr. Churchill?
Pouco tempo depois, ela teve motivos para crer que o início já
estava em curso, e só pôde torcer para que a cigana, embora não
tivesse previsto
a sorte de Harriet, a tivesse proporcionado. Cerca
de uma quinzena após o susto, elas entenderam uma à outra,
completamente por acaso. Emma nem estava pensando na questão,
o que tornou a informação ainda mais valiosa. Ela tinha apenas dito,
em meio a uma conversa trivial: “Bem, Harriet, quando se casar eu
a aconselho a fazer isso e isso”, e não pensou mais no assunto até
que Harriet disse, em um tom muito sério:
— Eu nunca me casarei.
Emma ergueu os olhos e imediatamente compreendeu o que
acontecia; e, após deliberar por um momento se deveria reagir ou
não, respondeu:
— Nunca se casar! Essa é uma resolução nova.
— Entretanto, não vou mudar de ideia.
Após outra breve hesitação:
— Espero que não proceda de… Espero que não seja por conta
do sr. Elton!
— O sr. Elton! — exclamou Harriet, indignada. — Ah, não! — E
Emma mal conseguiu ouvir as palavras: — Tão superior ao sr. Elton!
Então ela tirou mais um tempo para refletir. Deveria parar por
ali? Seria melhor não reagir ao comentário e fingir não suspeitar de
nada? Talvez Harriet a achasse fria ou irritada se o fizesse, ou
talvez, se ela permanecesse em total silêncio, Harriet pediria que
ouvisse demais, e ela estava determinada a opor-se a uma total
abertura como a que já houvera entre elas, a qualquer discussão
franca e frequente de esperanças e possibilidades. Acreditava que
seria mais sábio dizer e saber de imediato tudo que deveria ser dito
e sabido. A honestidade era sempre o melhor caminho. Ela tinha
previamente determinado até onde avançaria, se houvesse qualquer
apelo do tipo, e seria mais seguro para ambas ter a lei judiciosa de
sua própria mente exposta de pronto. Tomou sua decisão e falou da
seguinte forma:
— Harriet, não fingirei estar em dúvida quanto ao sentido de
suas palavras. Sua resolução, ou melhor, sua expectativa de nunca
se casar, resulta da ideia de que a pessoa de sua preferência tem
uma posição muito superior à sua para considerar você. Não é?
— Ah! Srta. Woodhouse, acredite em mim, eu não tenho a
presunção de pensar… de fato, não sou louca a esse ponto. Mas
tenho prazer em admirá-lo de longe e pensar na superioridade
infinita dele em relação ao resto do mundo, com a gratidão, o
assombro e a veneração que são tão apropriados, especialmente a
mim.
— Você não me surpreende nem um pouco, Harriet. O serviço
que ele lhe prestou foi suficiente para tocar seu coração.
— Serviço! Ah! Tenho uma dívida inexprimível com ele! Só de
lembrar como me senti no momento, quando vi a aproximação
dele… seu olhar nobre… e a minha infelicidade anterior. Que
mudança! Em um momento, que mudança! Da total infelicidade à
perfeita alegria!
É
— É muito natural. Natural e respeitável. Sim, respeitável,
acredito, escolher tão bem e com tanta gratidão. Mas se será uma
escolha afortunada é mais do que eu posso prometer. Não a
aconselho a entregar-se a esses sentimentos, Harriet. Não prometo,
de forma alguma, que serão retribuídos. Considere sua situação.
Talvez seja mais sábio controlar seus sentimentos enquanto é
possível; de toda forma, não os deixe levá-la longe demais, a não ser
que esteja persuadida de que ele gosta de você. Observe-o
atentamente. Deixe o comportamento dele guiar as suas sensações.
Eu a aconselho agora dessa forma porque nunca mais abordarei o
assunto. Estou determinada a abandonar toda interferência. A partir
de agora, não quero saber mais nada sobre isso. Não deixemos
nenhum nome escapar de nossos lábios. Estávamos enganadas
antes, então seremos cautelosas agora. Ele é superior a você, sem
dúvida, e parece haver objeções e obstáculos de uma natureza
muito séria, mas coisas mais espantosas já aconteceram, Harriet, e
já houve uniões mais desiguais. Só cuide de si mesma. Eu não quero
que fique muito otimista; entretanto, independentemente de como
termine, tenha certeza de que voltar seus pensamentos a ele
é uma
marca de bom gosto que eu sempre saberei valorizar.
Harriet beijou a mão dela em gratidão silenciosa e submissa.
Emma decidiu que uma afeição como aquela não seria prejudicial à
amiga. A tendência seria elevar e refinar a mente dela — e salvá-la
do perigo da degradação.

34
.  Produzidas na cidade balneária de Tunbridge Wells, ao sul de Londres, as
caixas podiam ser feitas de madeira envernizada ou pintadas de cores vívidas
com decorações.
CAPÍTULO V

Em meio a tais artifícios, esperanças e conivências, junho


chegou a Hartfield. Para Highbury em geral, não trouxe nenhuma
mudança significativa. Os Elton ainda falavam de uma visita dos
Suckling e o uso a ser feito de sua barouche-landau
, e Jane Fairfax
ainda morava com a avó — e, como o retorno dos Campbell da
Irlanda foi novamente adiado, e agosto, em vez do final de junho,
escolhido para a sua partida, ela provavelmente permaneceria em
Highbury por mais dois meses inteiros, contanto que conseguisse
esquivar-se dos serviços da sra. Elton e evitar entrar às pressas em
uma situação vantajosa contra a própria vontade.
O sr. Knightley — que, por algum motivo conhecido apenas por
si mesmo, desenvolvera uma aversão imediata a Frank Churchill —
parecia antipatizar cada vez mais com ele. Começou a suspeitar de
certa falsidade em sua relação com Emma. Que ela fosse o alvo de
seu interesse parecia inquestionável. Tudo apontava para isso: as
atenções dele, as sugestões do pai, o silêncio discreto da madrasta.
Tudo estava em uníssono: palavras, conduta, discrição e indiscrição
contavam a mesma história. Contudo, enquanto tantos o prometiam
a Emma e a própria Emma tentava empurrá-lo para Harriet, o sr.
Knightley começou a suspeitar que o rapaz estivesse brincando com
Jane Fairfax. Não conseguia entender, mas havia sinais de certa
cumplicidade entre eles — pelo menos, na sua opinião —, sinais de
admiração da parte dele que, uma vez observados, ele não
conseguiu se persuadir de serem insignificantes, por mais que
desejasse evitar quaisquer equívocos fantasiosos típicos de Emma.
Ela
não estava presente quando a suspeita surgiu pela primeira vez.
O sr. Knightley jantava com os Weston e Jane na casa dos Elton; e
tinha captado um olhar, mais do que um olhar, para a srta. Fairfax,
que, vindo do admirador da srta. Woodhouse, parecia um tanto
despropositado. Quando esteve novamente na companhia deles, não
pôde evitar a lembrança do que vira, nem observações que, a não
ser que fossem como Cowper e sua fogueira ao crepúsculo — “Eu
mesmo criando o que vi”
35
— inspiraram uma suspeita ainda mais
forte de que havia alguma espécie de afeto privado, até um
entendimento privado, entre Frank Churchill e Jane.
Um dia, após o jantar, ele foi passar a noite em Hartfield como
frequentemente fazia. Emma e Harriet estavam saindo para
caminhar e ele se juntou a elas; e, ao retornar, elas encontraram um
grupo maior que, como eles mesmos, julgara mais sábio se exercitar
cedo, uma vez que o céu prometia chuva. Eram o sr. e a sra. Weston
e o filho deles, a srta. Bates e a sobrinha dela, que tinham se
encontrado por acaso. Todos seguiram juntos e, ao alcançar os
portões de Hartfield, Emma, que sabia ser aquele exatamente o tipo
de visita que agradaria ao pai, pediu a todos que entrassem e
tomassem chá. O grupo de Randalls concordou imediatamente e,
após um discurso bastante prolixo da srta. Bates, que poucas
pessoas ouviram, ela também achou possível aceitar o convite tão
atencioso da srta. Woodhouse.
Enquanto eles se viravam para os jardins, o sr. Perry passou a
cavalo. O cavalheiro falou a respeito de sua montaria.
— Aliás — logo disse Frank Churchill para a sra. Weston —, o
que foi feito do plano do sr. Perry de comprar uma carruagem?
A sra. Weston pareceu surpresa.
— Eu não sabia que ele tinha tal plano.
— Mas foi a senhora que me contou, quando me escreveu três
meses atrás.
— Eu! Impossível!
— Foi, sim. Eu me lembro perfeitamente. A senhora mencionou
que sem dúvida ocorreria muito em breve. A sra. Perry tinha
contado para alguém, e estava muito feliz. Devia-se à persuasão dela
, uma vez que acreditava ser muito prejudicial para ele ficar
cavalgando em mau tempo. Lembra-se agora?
— Palavra, nunca ouvi nada a respeito até este momento.
— Nunca! Nunca mesmo! Céus! Como pode ser? Então eu devo
ter sonhado… Mas estava completamente persuadido… Srta. Smith,
a senhorita caminha como se estivesse cansada. Não vai lamentar
chegar em casa.
— Como é? O que estão dizendo sobre Perry e uma carruagem?
— exclamou o sr. Weston. — Perry vai comprar uma carruagem,
Frank? Fico feliz que ele possa arcar com os custos. Você ouviu dele
mesmo, foi?
— Não, senhor — respondeu o filho, rindo. — Pareço não ter
ouvido de ninguém. Muito estranho! Eu estava realmente
persuadido de que a sra. Weston havia mencionado o fato em uma
de suas cartas para Enscombe, muitas semanas atrás, com todos os
detalhes, mas como ela declara nunca ter ouvido uma sílaba disso
até agora, é claro que deve ter sido um sonho. Eu sonho muito.
Sonho com todos em Highbury quando estou ausente e, quando já
passei por todos os meus amigos íntimos, começo a sonhar com o sr.
e a sra. Perry.
— Mas é esquisito — observou o pai — que você tenha tido um
sonho tão realista sobre pessoas em que não deveria estar pensando
em Enscombe. Perry querendo uma carruagem! E a esposa o
convencendo a adquiri-la por estar preocupada com a saúde dele! É
exatamente o que vai acontecer, sem dúvida, uma hora ou outra, só
um pouco prematuro. Que ar de probabilidade às vezes perpassa os
sonhos! E, em outros, quantas coisas absurdas acontecem! Bem,
Frank, seu sonho certamente demonstra que Highbury continua em
seus pensamentos quando vai embora. Emma também sonha muito,
não é?
Emma estava longe demais para ouvir. Tinha se adiantado aos
convidados a fim de preparar o pai para a chegada do grupo e não
pôde ouvir a indireta do sr. Weston.
— Ora, para falar a verdade — exclamou a srta. Bates, que tinha
passado os últimos dois minutos tentando em vão ser ouvida —, se
devo abordar o assunto, não há como negar que o sr. Frank
Churchill poderia ter… Não quero dizer que ele não sonhou…
Tenho certeza de que às vezes os sonhos mais estranhos no
mundo… Mas, se querem saber, devo reconhecer que a ideia existia
mesmo na primavera, pois a própria sra. Perry a mencionou para a
minha mãe, e os Cole também a conheciam, mas era um segredo,
guardado de todos, e que só fora considerado três dias antes. A sra.
Perry estava muito ansiosa para que ele tivesse uma carruagem, e
veio visitar a minha mãe num humor excelente certa manhã porque
achou que tinha convencido o marido. Jane, não lembra que vovó
nos contou quando chegamos em casa? Esqueci para onde
estávamos indo, provavelmente Randalls, sim, acho que era para
Randalls. A sra. Perry sempre foi particularmente afeiçoada à minha
mãe… é claro, não conheço ninguém que não seja… e tinha
mencionado a ela em confidência. Naturalmente ela não tinha
reservas conosco, mas não deveria ir além, e daquele dia até hoje eu
nunca mencionei o fato a qualquer alma, que me lembre. Ao mesmo
tempo, não posso afirmar categoricamente que nunca deixei escapar
alguma coisa, porque sei que às vezes digo algo antes de me dar
conta. Eu falo muito, sabem, eu falo muito mesmo, e vez ou outra
deixo escapar alguma coisa que não deveria. Não sou como Jane,
bem que queria ser. Garanto que ela
nunca revelou nada. Onde ela
está? Ah! Logo ali atrás. Lembro perfeitamente da vinda da sra.
Perry. Um sonho extraordinário, de fato!
Eles entravam no hall. Os olhos do sr. Knightley tinham
precedido os da srta. Bates em direção a Jane. Da expressão de
Frank Churchill, onde ele achou ver confusão suprimida ou uma
risada encabulada, ele tinha involuntariamente se voltado para a
dela, mas ela estava mais para trás e ajeitava o xale. O sr. Weston
entrou e os dois outros cavalheiros esperaram na porta para deixá-la
passar. O sr. Knightley suspeitava que Frank Churchill estava
determinado a encontrar o olhar dela — parecia observá-la
atentamente —, mas, se fosse o caso, não adiantou, pois Jane
passou entre eles e entrou sem olhar para nenhum dos dois.
Não houve tempo para mais comentários ou explicações. O
sonho deveria ser aceito, e o sr. Knightley precisou se acomodar
com os outros ao redor de uma grande e moderna mesa circular que
Emma tinha trazido a Hartfield, e que ninguém além dela teria
conseguido instalar e persuadir o pai a usar, em vez da mesa
pequena e retangular nas quais duas das refeições diárias dele
vinham sendo servidas nos últimos quarenta anos. O chá
transcorreu agradavelmente e ninguém parecia ter pressa de se
levantar.
— Srta. Woodhouse — disse Frank Churchill, depois de
examinar uma mesa logo atrás dele enquanto sentava —, seus
sobrinhos levaram embora os seus alfabetos? As caixas de letras?
Costumavam ficar aqui. Onde estão? Esse é o tipo de noite
enfadonha que deveria ser considerada de inverno em vez de verão.
Nós nos divertimos muito com aquelas letras, uma manhã. Quero
desafiá-la com adivinhas de novo.
Emma gostou da ideia, pegou a caixa e a mesa rapidamente ficou
coberta com alfabetos que ninguém exceto os dois pareciam muito
interessados em usar. Logo começaram a formar palavras um para o
outro, ou para qualquer um disposto a brincar. O silêncio do jogo o
tornava particularmente bem-vindo ao sr. Woodhouse, que muitas
vezes se angustiava com brincadeiras mais animadas que o sr.
Weston ocasionalmente introduzia e que agora se ocupava em
lamentar-se alegremente, com terna melancolia, da partida dos
“pobres meninos”, ou em apontar com afeição, enquanto pegava
qualquer letra solta perto dele, como Emma a escrevera com
esmero.
Frank Churchill colocou uma palavra diante da srta. Fairfax. Ela
circulou a mesa com um olhar rápido e começou a tentar adivinhá-
la. Frank estava ao lado de Emma, Jane na frente deles — e o sr.
Knightley posicionado de forma a ver a todos, e era seu objetivo ver
o máximo que pudesse, aparentando notar o mínimo possível. A
palavra foi descoberta e, com um leve sorriso, empurrada para
longe. Se quisesse misturar as letras com as outras para esconder a
palavra, ela deveria ter olhado para a mesa em vez de ao redor, pois
a palavra não se perdera entre as outras — e Harriet, empolgada
com todas as palavras, ainda que não desvendasse nenhuma,
imediatamente a pegou e começou a trabalhar nela. Estava sentada
ao lado do sr. Knightley, e virou-se para pedir ajuda a ele. A palavra
era LAPSO
e, quando Harriet a proclamou, exultante, um rubor no
rosto de Jane lhe atribuiu um significado que não teria sido óbvio. O
sr. Knightley a conectou com o sonho, mas como tudo se
relacionava estava além de sua compreensão. Como o decoro e a
discrição da sua favorita poderiam estar tão dormentes? Ele receava
que existisse de fato algum envolvimento entre eles. Dissimulação e
desonestidade pareciam espreitar de toda parte. Aquelas letras eram
apenas um veículo para galanteios e truques. Era uma brincadeira
de criança, escolhida para mascarar um jogo mais profundo da parte
de Frank Churchill.
Com grande indignação, ele continuou a observá-lo — e, com
grande alarme e desconfiança, observar também suas duas
companheiras alheias. Viu uma palavra curta ser preparada para
Emma e entregue a ela com um discreto olhar malicioso. Emma
logo a adivinhou e a achou muito divertida, embora fosse algo que
ela julgasse sujeito a censura, pois disse:
— Que bobagem! Que vergonha!
E ouviu Frank Churchill dizer em seguida, com um olhar para
Jane:
— Vou passar para ela, o que acha?
E claramente ouviu Emma opor-se com uma risada divertida.
— Não, não, você não deve fazer isso, não deve!
Mas ele fez. Aquele jovem galante, que parecia amar sem
sentimentos e recomendar-se sem deferência, imediatamente
empurrou a palavra para a srta. Fairfax e com uma espécie de
civilidade serena pediu-lhe que a examinasse. A curiosidade atiçada
do sr. Knightley para descobrir qual seria a palavra o fez aproveitar
cada oportunidade de voltar-se em direção a ela, e não demorou
muito para distinguir que era DIXON
. O entendimento de Jane
Fairfax pareceu acompanhar o dele; e sua compreensão certamente
estava mais à altura do significado oculto, da indireta pretendida por
aquelas cinco letras arranjadas daquela forma. Ela ficou
evidentemente aborrecida; ergueu os olhos e, ao ver-se observada,
corou com mais intensidade do que ele jamais vira, dizendo apenas:
— Eu não sabia que nomes próprios eram permitidos. — E
empurrou as letras com irritação, parecendo determinada a não
examinar nenhuma outra palavra que lhe fosse oferecida. Desviou o
rosto daqueles que fizeram o ataque e virou-se para a tia.
— Sim, é verdade, minha querida — exclamou esta, embora
Jane não tivesse dito nada. — Eu ia dizer a mesma coisa. É hora de
irmos, de fato. A noite está caindo e vovó estará nos procurando.
Meu caro senhor, agradecemos a gentileza, mas realmente
precisamos desejar-lhe boa noite.
A presteza de Jane provou que ela estava tão pronta para partir
quanto a tia havia imaginado. Ela se ergueu imediatamente,
parecendo querer se afastar da mesa, mas tantas pessoas fizeram o
mesmo que não conseguiu, e o sr. Knightley achou que tinha visto
outra série de letras ansiosamente empurradas na direção dela e
resolutamente varridas sem ser examinadas. Em seguida, ela foi
procurar o xale — e Frank Churchill foi atrás. Caía a noite, a sala
estava em confusão e o sr. Knightley não conseguiu ver como eles se
despediram.
Ele ficou em Hartfield depois que todos partiram, os
pensamentos cheios do que vira; tão cheios que, quando as velas
chegaram para auxiliar suas observações, ele se viu obrigado — sim,
certamente era obrigado, como um amigo, um amigo angustiado —
a fazer alguma observação a Emma, alguma pergunta. Não podia vê-
la em uma situação tão perigosa sem tentar resguardá-la. Era seu
dever.
— Escute, Emma — disse ele. — Posso perguntar onde estava a
grande diversão, a indireta penetrante da última palavra dada a você
e à srta. Fairfax? Eu vi qual era e estou curioso para saber como
poderia ser tão divertida para uma e tão aflitiva para a outra.
Emma ficou extremamente atrapalhada. Não suportava a ideia
de dar a explicação verdadeira, pois, embora suas suspeitas não
tivessem de forma alguma sumido, estava envergonhada por tê-las
exposto.
— Ah! — exclamou, com constrangimento evidente. — Não
significava nada, era só uma piada entre nós.
— A piada — ele respondeu com seriedade — parecia estar
restrita a você e ao sr. Churchill.
Ele esperava que ela falasse mais, mas ela não falou. Ocupou-se
com qualquer outra coisa. Ele ficou um tempo sentado, acalentando
suas dúvidas. Uma série de males cruzou sua mente. Interferência
— interferência infrutífera. A confusão de Emma, e a intimidade
evidente entre eles, parecia indicar sua afeição por ele. Ainda assim,
ele falaria. Devia a Emma, pelo bem dela, arriscar as possíveis
consequências de uma interferência indesejada, de enfrentar
qualquer conflito em vez de recordar-se mais tarde de ter sido
negligente.
— Minha querida Emma — disse por fim, com gentileza sincera
—, você acha que entende perfeitamente o grau de intimidade entre
o cavalheiro e a dama de que estávamos falando?
— Entre o sr. Frank Churchill e a srta. Fairfax? Ah, sim!
Perfeitamente. Por que pensa que há qualquer dúvida?
— Nunca teve motivos para pensar que ele a admirava ou que
ela o admirava?
— Nunca, jamais! — ela exclamou com total franqueza. —
Nunca, nem pela vigésima parte de um momento, essa ideia me
ocorreu. Como pôde lhe ocorrer?
— Nos últimos tempos, tenho imaginado ver sinais de afeição
entre eles. Certos olhares expressivos que acredito que não
deveriam ser públicos.
— Ah, você me diverte imensamente! Fico encantada ao ver que
condescende em deixar sua imaginação vagar, mas está enganado.
Sinto muito em corrigi-lo em sua primeira tentativa, mas está
enganado. Não há admiração alguma entre eles, eu lhe garanto, e os
sinais que chamaram sua atenção decorrem de algumas
circunstâncias peculiares, sentimentos de uma natureza totalmente
distinta. É impossível explicar completamente… envolve uma série
de disparates… Mas a parte que posso expressar, a verdade, é que
eles estão tão distantes de qualquer afeição ou admiração mútua
quanto duas pessoas podem estar. Isto é, presumo
que é o caso da
parte dela, e posso afirmar
que é da parte dele. Posso garantir a
indiferença do cavalheiro.
Ela falava com uma segurança espantosa e com uma satisfação
que calou o sr. Knightley. Emma estava num humor excelente e
gostaria de ter prolongado a conversa, querendo ouvir mais sobre as
suspeitas dele, a descrição de cada olhar e cada motivo para uma
suspeita que a divertiu muitíssimo — mas a alegria dele não se
igualava à dela. Ele viu que não poderia ajudar e ficou irritado
demais para conversar. Para não passar da irritação à febre, devido à
lareira que os hábitos cautelosos do sr. Woodhouse mantinham
acesa quase todas as noites do ano, ele se despediu às pressas e
caminhou para o frio e a solidão da Abadia de Donwell.

35
.  Referência ao poema “The Task”, de William Cowper (1731–1800). Nessa
passagem, ele fala sobre visões imaginadas ao encarar o fogo.
CAPÍTULO VI

Após empolgar-se por tanto tempo com a esperança de uma


visita iminente do sr. e da sra. Suckling, a sociedade de Highbury foi
obrigada a suportar a mortificação de ouvir que eles não poderiam
vir antes do outono. Nenhuma novidade importada viria a
enriquecer os seus estoques intelectuais no momento. Na troca
diária de notícias, eles precisariam novamente restringir-se a outros
tópicos com os quais a vinda dos Suckling tinha sido acompanhada,
como as últimas novas da sra. Churchill, cuja saúde parecia
fornecer todo dia um relatório diferente, e a situação da sra.
Weston, cuja felicidade deveria crescer muito graças à chegada de
uma criança, assim como a de todos os seus vizinhos quando o dia
viesse.
A sra. Elton ficou muito decepcionada. Representava o
adiamento de muito prazer e ostentação. Suas apresentações e
recomendações precisariam todas aguardar, e todos os passeios
continuariam apenas sendo discutidos. Pelo menos, foi o que ela
pensou a princípio, mas um pouco de reflexão a convenceu de que
não precisaria adiar tudo. Por que não explorar Box Hill
36
, ainda
que os Suckling não viessem? Poderiam ir novamente com eles no
outono. Ficou decidido que iriam a Box Hill. Que essa excursão
aconteceria já era um fato conhecido, e tinha até inspirado outros a
fazer planos semelhantes. Emma nunca estivera em Box Hill; queria
ver o que todos achavam tão digno de observar, e ela e o sr. Weston
tinham combinado de escolher uma bela manhã e levar uma
carruagem até lá. Mais dois ou três companheiros seletos poderiam
ir com eles, e seria um passeio discreto, despretensioso e elegante,
infinitamente superior à agitação e aos preparativos, aos comes e
bebes formais, ao piquenique suntuoso dos Elton e dos Suckling.
O arranjo estava tão firmemente consolidado entre eles que
Emma não conseguiu evitar certa surpresa e um pouco de desagrado
ao ouvir do sr. Weston que ele tinha proposto à sra. Elton, dado que
o cunhado e a irmã a tinham decepcionado, que os dois grupos
fossem juntos, e que a sra. Elton concordara de imediato — então,
se ela não tivesse objeções, a excursão ocorreria. Uma vez que a
única objeção de Emma era sua profunda repulsa à sra. Elton, da
qual o sr. Weston já devia estar perfeitamente ciente, não valia a
pena mencioná-la — não poderia fazê-lo sem o censurar, o que
afligiria a sua esposa, e ela se viu portanto obrigada a consentir com
um arranjo que teria feito muito para evitar, um arranjo que
provavelmente a exporia até à degradação de ser considerada parte
do grupo da sra. Elton! Todos os seus sentimentos se revoltavam
com a ideia, e sua aparente submissão mascarava reflexões secretas
e severas sobre a generosidade incontrolável do sr. Weston.
— Fico feliz que aprove minhas providências — disse ele, com
muita serenidade. — Mas logo pensei que aprovaria. Planos como
esses não são nada se não estivermos em muitos. Um grupo nunca
pode ser grande demais. Um grupo grande assegura seu próprio
divertimento. E ela é uma mulher amável, afinal das contas, não
poderíamos deixá-la de fora.
Emma não negou nada em voz alta e no íntimo discordou de
tudo.
Eram agora meados de junho. O tempo estava aprazível e a sra.
Elton ia ficando impaciente para escolher um dia e entrar em
acordo com o sr. Weston sobre as tortas de pombo e o cordeiro frio,
mas então um de seus cavalos ficou manco e lançou todos os planos
na incerteza. Talvez levasse semanas, talvez só alguns dias, até que
o animal se recuperasse, mas nenhum preparativo podia ser feito e
tudo caiu em uma estagnação melancólica. Os recursos da sra. Elton
não estavam à altura de tamanho ataque.
— Não é um grande aborrecimento, Knightley? — ela exclamou.
— E com o tempo tão bom para explorações! Esses atrasos e
decepções são odiosos. O que faremos? O ano inteiro vai passar,
nesse ritmo, e não teremos feito nada. Antes dessa época, no ano
passado, juro que já havíamos organizado uma exploração
encantadora de Maple Grove até King’s Weston.
— A senhora teria mais sorte explorando Donwell — respondeu
o sr. Knightley. — Pode fazer isso sem cavalos. Venha e prove os
meus morangos. Estão amadurecendo depressa.
Se o sr. Knightley não tinha falado a sério, logo foi obrigado a
proceder dessa forma. Sua proposta foi aceita com prazer, e o “Ah,
eu gostaria disso mais que tudo!” ficou tão evidente em palavras
quanto em expressão. Donwell era famosa por seus canteiros de
morangos, que pareciam um bom pretexto para o passeio, mas
nenhum motivo era necessário; canteiros de repolho teriam sido
suficientes para atrair a dama, que só queria ir a algum lugar. Ela
prometeu visitá-lo repetidamente — muito mais do que o necessário
para convencê-lo — e ficou extremamente satisfeita com essa prova
de intimidade, que escolheu ver como um elogio muito distinto.
— Pode confiar em mim — disse ela. — Certamente irei.
Escolha um dia e eu irei. Permite que eu traga Jane Fairfax?
— Não posso escolher um dia — disse ele — antes de falar com
alguns outros que eu desejaria que se juntassem à senhora.
— Ah, deixe tudo isso comigo! Basta me dar carte-blanche
. Eu
presido uma sociedade voluntária, sabe. A excursão é minha. Vou
trazer amigos.
— Espero que traga Elton — disse ele —, mas não a incomodarei
com outros convites.
— Ah, agora o senhor está parecendo muito reservado! Mas
considere que não precisa ter medo de delegar poderes a mim.
Não
sou uma moça em busca de marido. Mulheres casadas, sabe, podem
ser confiadas com tais funções. A excursão é minha. Deixe tudo em
minhas mãos. Farei os convites em seu nome.
— Não — ele respondeu com tranquilidade. — Há apenas uma
mulher casada no mundo que eu permitiria convidar quem quer que
desejasse a Donwell, e ela é…
— A sra. Weston, imagino — interrompeu a sra. Elton, um tanto
mortificada.
— Não, a sra. Knightley. E até que ela exista, eu cuidarei
pessoalmente dessas questões.
— Ah, o senhor é uma criatura estranha! — ela exclamou,
satisfeita por não ter sido preterida. — É muito espirituoso, e fala o
que quer. Muito espirituoso mesmo. Bem, trarei Jane, Jane e a tia. O
resto, deixo em suas mãos. Não tenho quaisquer objeções a
encontrar a família de Hartfield. Não hesite. Sei que é apegado a
eles.
— A senhora certamente os encontrará, se eu conseguir
convencê-los, e eu convidarei a srta. Bates quando estiver a
caminho de casa.
— Isso é completamente desnecessário, pois vejo Jane todo dia,
mas faça como preferir. Deve ser uma excursão matinal, sabe,
Knightley, uma coisa simples. Usarei uma touca grande e trarei uma
das minhas cestinhas no braço. Aquela, provavelmente aquela, com
uma fita rosa. Nada poderia ser mais simples, entende. E Jane trará
outra. Não teremos formalidade nem ostentação, será uma espécie
de reunião cigana. Caminharemos nos seus jardins, colheremos os
morangos, nos sentaremos sob as árvores e faremos o que mais você
oferecer. Tudo ao ar livre, com uma mesa disposta na sombra. Tudo
o mais natural e simples possível. Não era assim que estava
pensando?
— Não inteiramente. Minha noção de simples e natural inclui a
mesa servida na sala de jantar. Acredito que a natureza e a
simplicidade de cavalheiros e damas, com seus criados e móveis, é
mais bem observada em refeições dentro de casa. Quando a senhora
se cansar de comer morangos no jardim, haverá carnes frias lá
dentro.
— Bem. Como preferir, só não exagere. Aliás, será que eu ou a
minha governanta podemos oferecer alguma opinião útil? Seja
sincero, Knightley, eu lhe imploro. Se deseja que eu fale com a sra.
Hodges, ou inspecione alguma coisa…
— Agradeço, mas não há qualquer necessidade.
— Bem… mas, se surgirem quaisquer dificuldades, minha
governanta é muito experiente.
— Não tenho dúvidas, já que a minha também se crê experiente
e rejeitaria a assistência de qualquer pessoa.
— Queria que tivéssemos um burro. O ideal seria todos virmos
em burros, Jane, a srta. Bates e eu, e o meu caro sposo
a pé.
Realmente preciso falar com ele sobre adquirir um burro. Para a
vida no campo, penso que seja um tanto necessário, pois, por mais
recursos que uma mulher tenha, não é possível ficar sempre
trancada em casa, e caminhadas muito longas, sabe… no verão há
poeira, e no inverno, lama.
— A senhora não encontrará nenhum dos dois entre Donwell e
Highbury. O caminho até Donwell nunca fica empoeirado e no
momento está perfeitamente seco. Venha num burro, porém, se
preferir. Pode pegar o da sra. Cole emprestado. Quero que tudo se
adeque ao máximo ao seu gosto.
— Com certeza. De fato, devo lhe fazer justiça, meu bom amigo.
Sob esses seus modos secos e diretos, sei que tem um coração muito
afetuoso. Como eu digo ao sr. E., é um homem espirituoso. Sim,
acredite, Knightley, estou perfeitamente ciente de sua consideração
para comigo em todo esse plano. Descobriu exatamente o que mais
me agradaria.
O sr. Knightley tinha outro motivo para evitar uma mesa na
sombra: queria persuadir o sr. Woodhouse, além de Emma, a juntar-
se ao grupo, e sabia que fazer qualquer um deles comer ao ar livre
inevitavelmente o deixaria transtornado. O sr. Woodhouse não
deveria, sob o pretexto enganoso de um passeio de carruagem
matinal e uma ou duas horas passadas em Donwell, sofrer qualquer
incômodo.
Ele foi convidado em boa-fé. Nenhum horror jazia à espreita
para recriminá-lo por sua credulidade, e ele consentiu. Fazia dois
anos que não visitava Donwell. Em uma bela manhã, ele, e Emma, e
Harriet, poderiam muito bem ir, e ele ficaria sentado com a sra.
Weston enquanto as garotas caminhavam pelos jardins. Não achava
que o tempo estaria úmido demais nessa época, no meio do dia.
Gostaria muito de rever a velha casa, e ficaria contente de
encontrar o sr. e a sra. Elton, e quaisquer outros vizinhos. Não podia
ver qualquer objeção a que ele, Emma e Harriet fizessem tal visita
em uma manhã de tempo bom. Pensava que era muito atencioso do
sr. Knightley convidá-los, muito gentil e sensato, e muito melhor
que jantar fora. Ele não gostava de jantar fora.
O sr. Knightley teve a sorte de receber a concordância imediata
de todos. O convite foi tão bem recebido que, como a sra. Elton,
parecia que viam o plano como um elogio particular a si mesmos.
Emma e Harriet declararam esperar um passeio muito prazeroso; e
o sr. Weston, sem que lhe fosse pedido, prometeu fazer Frank se
juntar a eles, se possível, uma prova de aprovação e gratidão que
não poderia ser recusada. O sr. Knightley então se viu obrigado a
dizer que ficaria feliz em vê-lo, e o sr. Weston não perdeu tempo em
escrever e não poupou argumentos para induzir o filho a vir.
No ínterim, o cavalo manco se recuperou tão depressa que a
excursão para Box Hill voltou a ser considerada, com muita alegria,
e por fim, quando o tempo parecia perfeito, fixou-se uma data para a
visita a Donwell e o dia seguinte para Box Hill.
Sob o sol forte do meio-dia, quase no auge do verão, o sr.
Woodhouse foi seguramente conduzido em sua carruagem, com uma
janela aberta, para participar da festa al fresco
, e em uma das salas
mais confortáveis da casa, especialmente preparada para ele e com
uma lareira que permanecera acesa toda a manhã, foi acomodado
com alegria e ficou muito confortável, pronto para conversar com
prazer sobre tudo que fora organizado e aconselhar todos a se
sentarem e não ficarem muito tempo ao sol. A sra. Weston, que
parecia ter ido até lá a pé de propósito, a fim de se cansar e passar o
tempo todo com ele, permaneceu quando todos os outros foram
convidados ou persuadidos a sair, sua ouvinte e companheira
paciente.
Fazia tanto tempo que Emma não ia à Abadia que, após se
certificar de que o pai estava confortável, ficou feliz em deixá-lo e
olhar ao redor. Estava ansiosa para renovar e corrigir sua memória
com observações mais detalhadas e um entendimento mais exato de
uma casa e de um terreno que eram motivo de tanto interesse para
ela e toda sua família.
Ela sentiu todo o orgulho e a satisfação sinceras que sua conexão
com o presente e o futuro proprietários poderiam justificar,
enquanto contemplava as dimensões e o estilo respeitáveis da
construção, sua localização adequada e bonita, em um terreno baixo
e protegido. Jardins vastos estendiam-se até prados banhados por
um riacho, os quais mal eram visíveis da Abadia, por conta da antiga
negligência com as vistas,
37
e havia uma abundância de árvores em
fileiras e alamedas que nem a moda nem a extravagância tinham
desenraizado. A casa era maior que a de Hartfield, e diferia
completamente desta, cobrindo uma boa parte do terreno,
labiríntica e irregular, com muitos cômodos confortáveis e um ou
outro elegante. Era exatamente o que deveria ser, e não tentava ser
nada diferente — e Emma sentiu um crescente respeito por ela,
como a residência de uma família de verdadeira distinção, sem
quaisquer máculas de sangue ou intelecto. John Knightley tinha
alguns defeitos de temperamento, mas Isabella fizera uma união
excepcional. Ela não os tinha conectado nem a homens, nem a
nomes, nem a lugares que pudessem fazê-los corar. Esses
sentimentos eram agradáveis, e ela caminhou e os desfrutou até que
foi necessário seguir os outros ao redor dos canteiros de morangos.
O grupo todo estava presente, com a exceção de Frank Churchill,
cuja chegada de Richmond era esperada a qualquer momento, e a
sra. Elton, com todo o seu aparato de felicidade, sua grande touca e
sua cestinha, estava pronta a ser a primeira a colher, aceitar ou falar
— morangos, e só morangos, poderiam agora estar nos pensamentos
e nas conversas de todos. Era a melhor fruta da Inglaterra… a
favorita de todos… sempre sadia… aqueles canteiros e variedades
eram os melhores. Era encantador colher pessoalmente; o único
modo de realmente aproveitá-los. A manhã era sem dúvida o melhor
momento… nunca se cansava… toda variedade era boa… a hautboy
infinitamente superior… sem comparação… as outras mal eram
comestíveis… hautboys
andavam muito em falta… os chili
eram
seus preferidos… o white wood
era o mais saboroso de todos… o
preço dos morangos em Londres… a abundância deles em Bristol…
Maple Grove… o cultivo… os canteiros tinham de ser renovados…
jardineiros discordavam… não havia regra… os jardineiros nunca
queriam se dar ao trabalho… uma fruta deliciosa… só um pouco
enjoativa para comer sempre… inferior a cerejas… groselhas eram
mais refrescantes… o único incômodo de colher morangos era
curvar-se… o sol escaldante… morta de cansada… ela não
aguentava mais… precisava se sentar na sombra.
Por meia hora, ela falou dessa forma — interrompida apenas
uma vez pela sra. Weston, que, preocupada com o enteado, saíra
para perguntar da chegada dele. Estava um pouco inquieta; receava
que algo tivesse acontecido com o cavalo.
Encontraram-se lugares toleráveis à sombra, e Emma foi
obrigada a ouvir a conversa da sra. Elton com Jane Fairfax. Uma
posição muito desejável estava sendo discutida. A sra. Elton tinha
sido avisada naquela manhã e estava extasiada. Não era com a sra.
Suckling, não era com a sra. Bragge, mas em felicidade e esplendor
só ficava atrás delas: era com uma prima da sra. Bragge, uma
conhecida da sra. Suckling, uma dama conhecida em Maple Grove.
Encantadora, charmosa, superior, ela frequentava os mais altos
círculos, esferas, linhagens, fileiras, tudo — e a sra. Elton estava
impaciente para responder à proposta de imediato. Da sua parte,
tudo era afeto, energia e triunfo — e ela se recusava
terminantemente a aceitar a recusa da amiga, embora a srta. Fairfax
continuasse assegurando que não se comprometeria com nenhuma
posição no momento, repetindo os mesmos motivos que já
apresentara antes. Ainda assim, a sra. Elton insistiu em ser
autorizada a escrever uma aquiescência e enviá-la pelo correio
matinal. Como Jane suportava aquilo era incompreensível para
Emma. De fato, ela parecia irritada e falava enfaticamente, até que
por fim, com uma firmeza de resolução rara, sugeriu uma mudança
de local. Elas não podiam caminhar um pouco? O sr. Knightley não
podia mostrar os jardins para elas, para todos? Ela desejava ver a
sua extensão. A persistência da amiga parecia ser mais do que ela
conseguia suportar.
Estava quente e, depois de caminhar um tempo pelos jardins,
espalhados e dispersos, em grupos de no máximo três pessoas, eles
aos poucos seguiram até a sombra revigorante de uma larga alameda
de limoeiros, que se estendia além do jardim a uma distância igual
do rio e parecia delimitar a área planejada dos gramados. A alameda
não levava a lugar nenhum, mas descortinava uma vista sobre um
muro baixo de pedra com pilares altos, que pareciam ter sido
construídos para sugerir a aproximação de uma casa que nunca
existiu. Entretanto, por mais questionável que fosse o bom gosto da
construção, a caminhada era agradável e a vista que se abria ao
final, muito bela. O declive considerável, quase aos pés do qual
ficava a Abadia, gradualmente se tornava mais íngreme além dos
gramados, e a quase um quilômetro erguia-se uma inclinação súbita
e grandiosa, coberta de árvores, e aos seus pés, favoravelmente
situada e abrigada, via-se a Fazenda do Moinho da Abadia, com
campos na frente e o rio fazendo uma curva próxima e bela ao
redor.
Era uma vista doce — doce ao olhar e à mente. A vegetação
inglesa, o cultivo inglês, o conforto inglês, vistos sob um sol forte,
mas não opressivo.
Nessa alameda, Emma e o sr. Weston encontraram todos os
outros reunidos e, enquanto seguiam rumo ao ponto de observação,
ela imediatamente notou o sr. Knightley e Harriet apartados do
resto, silenciosamente liderando o grupo. O sr. Knightley e Harriet!
Era um tête-à-tête
inesperado, mas ela ficou feliz. Houvera um
tempo em que ele a teria desprezado como companheira e se virado
para outros com pouca cerimônia. Agora pareciam engajados em
uma conversa amigável. Também houvera um tempo em que Emma
recearia ver Harriet tão próxima da Fazenda do Moinho da Abadia,
mas agora não temia mais. A propriedade poderia ser vista, com
todos seus apêndices de beleza e prosperidade, seus ricos pastos,
rebanhos extensos, pomares florescentes e uma fina coluna de
fumaça em ascensão. Ela os encontrou junto ao muro, e os viu mais
interessados na conversa do que na vista. Ele falava com Harriet
sobre técnicas de agricultura e assuntos afins, e Emma recebeu um
sorriso que parecia dizer: Esses são os assuntos que me
interessam. Tenho direito de falar sobre eles sem suspeitarem que
quero mencionar Robert Martin
. Ela não suspeitava disso; era uma
velha história. Robert Martin provavelmente tinha parado de pensar
em Harriet. Eles caminharam juntos pela alameda — a sombra era
muito refrescante — e Emma achou que foi a parte mais agradável
do dia.
O deslocamento seguinte foi rumo à casa. Eles precisavam entrar
e comer, então todos se sentaram com esse propósito, mas Frank
Churchill ainda não chegara. A sra. Weston procurou e procurou em
vão. O pai não admitia que estava preocupado e riu dos temores da
esposa, mas ela não conseguia deixar de desejar que ele se separasse
de sua égua preta. Frank tinha anunciado que viria com uma
certeza maior que a usual. A tia havia melhorado tanto que ele não
tinha dúvidas de que conseguiria encontrá-los. O estado da sra.
Churchill, porém, como muitos a lembraram prontamente, era
sujeito a variações tão súbitas que poderia frustrar as maiores
expectativas do sobrinho — e a sra. Weston foi enfim convencida a
acreditar, ou a dizer, que Frank fora impedido de vir devido a
alguma queixa da sra. Churchill. Emma olhou para Harriet
enquanto a questão era discutida; ela se comportou muito bem e
não traiu qualquer emoção.
A refeição fria se concluiu, e o grupo saiu novamente para ver o
que ainda não fora visto — as velhas lagoas da Abadia e talvez o
campo de trevos, que começaria a ser cortado pela manhã — ou, ao
menos, pelo prazer de sentir calor e se refrescar de novo. O sr.
Woodhouse, que já tinha feito sua caminhada na parte mais alta dos
jardins, onde nenhuma umidade vinda do rio foi imaginada mesmo
por ele, não se mexeu mais, e a filha resolveu fazer-lhe companhia
para que a sra. Weston pudesse aceitar os convites do marido e
dedicar-se à variedade de atividades que seu humor parecia pedir.
O sr. Knightley tinha feito tudo ao seu alcance para manter o sr.
Woodhouse entretido. Livros com gravuras, gavetas de medalhas,
camafeus, corais, conchas e toda coleção familiar em seus gabinetes
foram dispostos para o velho amigo examinar ao longo da manhã, e
a gentileza recebera uma resposta à altura: o sr. Woodhouse
demonstrou muito interesse. A sra. Weston vinha mostrando tudo a
ele, e agora ele mostraria tudo a Emma — tendo a sorte de não
parecer com uma criança exceto na falta total de discernimento
quanto ao que via, pois era vagaroso, constante e metódico. Antes
que seu segundo exame começasse, entretanto, Emma saiu no hall
para observar a entrada e a frente da casa por alguns momentos, e
mal chegara lá quando Jane Fairfax apareceu, chegando veloz do
jardim com uma expressão que sugeria uma fuga. Não esperava
encontrar a srta. Woodhouse tão cedo e sobressaltou-se, ainda que a
srta. Woodhouse fosse exatamente quem ela procurava.
— Quando sentirem a minha falta — disse ela —, a senhorita
pode fazer a gentileza de dizer que eu fui para casa? Estou a
caminho agora mesmo. Minha tia não sabe que horas são, nem há
quanto tempo estamos fora, mas tenho certeza de que seremos
necessárias e estou determinada a partir imediatamente. Eu não
disse nada a ninguém. Só causaria transtorno e preocupação. Alguns
foram às lagoas, e alguns à alameda de limoeiros. Até todos
entrarem, não sentirão a minha falta; e quando sentirem, a
senhorita faria a gentileza de informar que eu já fui?
— Certamente, se é o que deseja. Mas não vai caminhar até
Highbury sozinha, vai?
— Vou, que mal pode fazer? Eu caminho depressa. Estarei em
casa em vinte minutos.
— Mas com certeza é longe demais para ir sozinha. Deixe o
criado do meu pai acompanhá-la. Deixe-me chamar a carruagem.
Ela pode chegar em cinco minutos.
— Obrigada, obrigada, mas não é preciso. Eu prefiro andar. E eu
, ter medo de caminhar sozinha! Eu, que logo precisarei cuidar de
outros!
Ela falava com grande agitação, e Emma respondeu com muita
delicadeza:
— Mas não há motivos para se expor ao perigo agora. Permita
que eu chame a carruagem. O calor seria ainda mais perigoso; você
já está fatigada.
— Estou — ela respondeu. — Estou fatigada, mas não é o tipo de
fadiga que… Uma breve caminhada será revigorante. Srta.
Woodhouse, todos sabemos às vezes como é estar sem ânimo.
Confesso que o meu está exaurido. A maior gentileza que a
senhorita poderia me fazer seria atender à minha vontade e só falar
que eu parti quando for necessário.
Emma não podia mais se opor. Ela vira tudo e, após aquele
vislumbre dos sentimentos da outra, permitiu sua saída imediata da
casa, observando-a partir com o zelo de uma amiga. O último olhar
de Jane foi grato, e suas palavras de despedida:
— Ah, srta. Woodhouse, o conforto de estar a sós! — pareceram
explodir de um coração sobrecarregado e descrever parte da
paciência contínua praticada por ela, mesmo em relação a alguns
daqueles que mais a amavam.
Que casa, de fato! Com uma tia daquelas!
, pensou Emma
enquanto se virava para o hall novamente. Tenho mesmo pena de
você. E quanto mais demonstra ter sensibilidade aos verdadeiros
horrores que enfrenta, mais a aprecio.
Jane partira não havia nem um quarto de hora e eles tinham
apenas visto algumas representações da praça de São Marcos, em
Veneza, quando Frank Churchill entrou na sala. Emma não estava
pensando nele, tinha se esquecido de pensar nele, mas ficou feliz
em vê-lo. A sra. Weston se tranquilizaria. A égua preta era inocente;
aqueles que tinham nomeado a sra. Churchill como a causa do
atraso tiveram razão. Ele fora detido por uma crise temporária da
enfermidade dela, um acesso nervoso que durara algumas horas — e
tinha praticamente abandonado a ideia de vir, sabendo como
passaria calor no caminho e como chegaria atrasado, apesar de toda
a pressa, e acreditava que não devia ter vindo de forma alguma. O
calor era excessivo, ele nunca sofrera nada parecido; quase desejava
ter ficado em casa; nada o esgotava tanto quanto o calor; ele podia
suportar qualquer frio et cera
, mas o calor era intolerável. E
sentou-se, na maior distância possível das brasas remanescentes da
lareira do sr. Woodhouse, com um semblante deplorável.
— O senhor logo vai se refrescar, se ficar sentado — disse
Emma.
— Assim que me refrescar, terei de retornar. Não aceitarão que
eu me ausente. Mas fizeram tanta questão que eu viesse! Vocês logo
vão partir, imagino, o grupo inteiro vai se dispersar. Eu encontrei
uma
no caminho… Que loucura, nesse tempo! Pura loucura!
Emma ouviu, observou e logo percebeu que o estado de Frank
Churchill poderia ser definido com o preciso termo “mal-
humorado”. Algumas pessoas sempre ficavam irritadiças quando
estavam com calor. A constituição dele poderia ser assim; e, como
ela sabia que comer e beber muitas vezes era a cura dessas
pequenas queixas, recomendou que o rapaz fizesse uma refeição
ligeira. Ele encontraria uma abundância de opções na sala de jantar,
e ela prestativamente apontou a porta.
Mas não. Ele não comeria. Não tinha fome; comer só o deixaria
com mais calor. Em dois minutos, entretanto, ele cedeu e,
resmungando algo sobre cerveja de abeto, se afastou. Emma voltou a
atenção ao pai, pensando no íntimo: Fico feliz de não estar mais
apaixonada por ele. Eu não gostaria de um homem que fica tão
transtornado com uma manhã quente, mas Harriet, com seu
temperamento doce e meigo, não vai se incomodar.
Ele se ausentou por tempo suficiente para fazer uma refeição
confortável, e voltou bem melhor — mais refrescado e com bons
modos, mais parecido consigo mesmo. Foi capaz de puxar uma
cadeira para perto deles e se interessar pelo que os ocupava, e de
lamentar, de um modo sensato, ter chegado tão tarde. Não estava no
melhor dos humores, mas parecia fazer um esforço para se animar.
Por fim, obrigou-se a falar sobre assuntos triviais com muita
cordialidade. Eles examinavam paisagens da Suíça.
— Assim que minha tia melhorar, eu vou para o exterior —
anunciou ele. — Não terei paz até ter visto alguns desses lugares.
Você receberá meus rascunhos, vez ou outra, para contemplar, ou
um relato da minha viagem para ler, ou um poema. Farei algo para
expor meu nome.
— Talvez, mas não com esboços da Suíça. Você nunca irá à
Suíça. Seu tio e sua tia não permitirão que deixe a Inglaterra.
— Posso convencê-los a ir também. Um clima quente pode ser
recomendável para ela. Eu tenho uma expectativa razoável de que
iremos todos ao exterior. Garanto-lhe, tenho mesmo. Senti uma
forte convicção, mais cedo, de que logo estarei no exterior. Eu
deveria viajar. Estou farto de não fazer nada, quero uma mudança.
Estou falando sério, srta. Woodhouse, o que quer que seus olhos
penetrantes possam estar imaginando. Estou farto da Inglaterra e
partiria amanhã, se pudesse.
— Você está farto de prosperidade e gratificação. Não pode
inventar algumas dificuldades para si mesmo e contentar-se em
ficar?
— Eu,
farto de prosperidade e gratificação! Você está enganada.
Não me vejo como próspero ou gratificado. Sou contrariado em tudo
que importa. Não me considero uma pessoa afortunada de forma
alguma.
— Mas não está tão infeliz quanto estava ao chegar. Coma e beba
um pouco mais, e ficará muito bem. Outra fatia de frios, outro copo
de vinho Madeira com água, isso o deixará como o resto de nós.
— Não, não vou me mover. Ficarei sentado ao seu lado. Será a
minha melhor cura.
— Nós vamos a Box Hill amanhã, você precisa ir conosco. Não é
a Suíça, mas já será uma ajuda a um rapaz com tamanha
necessidade de mudança. Vai conosco?
— Não, de jeito nenhum, voltarei para casa quando esfriar um
pouco.
— Mas pode vir de novo no frescor da manhã.
— Não, não vale a pena. Se eu vier, ficarei irritado.
— Então peço que permaneça em Richmond.
— Mas, se permanecer, ficarei ainda mais irritado. Não vou
suportar pensar em todos vocês lá sem mim.
— Essas são dificuldades que deve resolver por si mesmo.
Escolha seu próprio nível de irritação. Não vou mais pressioná-lo.
O resto do grupo começou a retornar e logo estavam todos
reunidos. Alguns ficaram muito contentes ao ver Frank Churchill,
outros o receberam com muita serenidade, mas houve um tumulto e
perturbação geral quando o desaparecimento da srta. Fairfax foi
explicado. Concluiu-se que era hora de todos partirem e, após
combinarem os últimos detalhes do passeio do dia seguinte, cada
um seguiu seu caminho. A pouca inclinação de Frank Churchill a se
ausentar da excursão aumentou tanto que as últimas palavras dele a
Emma foram:
— Bem, se você
deseja que eu fique e me junte ao grupo, eu
ficarei.
Ela sorriu em concordância, e nada exceto uma convocação de
Richmond poderia afastá-lo deles até a noite seguinte.
36
.  Ponto de observação famoso em Surrey, com vistas excelentes.
37
.  No século XVIII, as vistas passaram a ser uma prioridade na construção
das casas.
CAPÍTULO VII

Estava um dia excelente para ir a Box Hill, e todas as


circunstâncias externas de organização, acomodação e pontualidade
favoreciam um passeio agradável. O sr. Weston conduziu o grupo,
presidindo com confiança entre Hartfield e a casa paroquial, e todos
estavam prontos. Emma e Harriet foram juntas; a srta. Bates e a
sobrinha, com os Elton; os homens, a cavalo. A sra. Weston ficou
com o sr. Woodhouse. Só o que lhes faltava era alegrar-se ao chegar
lá. Onze quilômetros foram percorridos na expectativa de
divertimento, e todos irromperam em exclamações admiradas ao
chegar, mas o resultado geral do dia deixou a desejar. Pairava uma
languidez, uma falta de ânimo e de união, que não conseguiu ser
superada. Eles se separaram em pequenos grupos. Os Elton
caminharam juntos; o sr. Knightley ocupou-se da srta. Bates e de
Jane; e Emma e Harriet pertenciam a Frank Churchill. O sr. Weston
tentou, em vão, melhorar a harmonia geral. Parecia a princípio uma
divisão acidental, mas nunca variou significativamente. O sr. e a sra.
Elton, na verdade, não mostravam qualquer relutância a se misturar
com os outros ou ser tão amáveis quanto possível — no entanto,
durante as duas horas inteiras passadas na colina, parecia haver
uma necessidade de separação entre os grupos forte demais para ser
anulada por qualquer vista bonita, refeição leve ou um alegre sr.
Weston.
No começo, foi puro tédio para Emma. Ela nunca vira Frank
Churchill tão calado e enfadonho. Ele não disse nada que valesse a
pena ouvir; olhava sem ver, admirava sem inteligência e ouvia sem
saber o que ela tinha dito. Com o rapaz tão desanimado, não era
surpreendente que Harriet ficasse igualmente desanimada, e ambos
estavam insuportáveis.
Quando todos se sentaram juntos, foi melhor; muito melhor, na
opinião dela, pois Frank Churchill ficou mais falante e alegre,
tornando-a seu primeiro alvo de solicitude. Cada atenção lisonjeira
possível foi prestada a ela. Entretê-la e ser agradável aos seus olhos
parecia ser tudo com que ele se importava — e Emma, feliz por ter
algum estímulo e sem lamentar os elogios, também ficou alegre e
confortável, e deu-lhe todo o incentivo amigável e toda a permissão
para ser galante que lhe concedera no período inicial e mais
empolgante da amizade deles, mas que agora, por sua própria
estimativa, não significava nada, embora no juízo da maioria dos
observadores provavelmente só pudesse ser descrito com a palavra
“flerte”. “O sr. Frank Churchill e a srta. Woodhouse flertaram
excessivamente.” Eles estavam se expondo àquele comentário — e a
fazê-lo ser escrito em uma carta para Maple Grove por uma dama, e
para a Irlanda por outra. Não que Emma estivesse animada e
descontraída por conta de qualquer felicidade real; pelo contrário,
era porque se sentia menos feliz do que esperava. Ela ria porque
estava decepcionada e, embora apreciasse as atenções dele e
pensasse que todas — fossem por amizade, admiração ou
brincadeira — eram extremamente judiciosas, seu coração não
podia ser reconquistado. Ela ainda estava decidida a manter Frank
Churchill apenas como amigo.
— Como fico grato — disse ele — por me ter feito vir hoje! Se
não fosse você, eu teria perdido toda a felicidade deste passeio. Eu
estava determinado a partir outra vez.
— Sim, você estava muito irritado. E não sei por que motivo,
exceto que chegou tarde demais para colher morangos. Eu fui uma
amiga mais gentil do que você merecia. Mas então foi humilde e
implorou que eu o ordenasse a vir.
— Não diga que eu estava irritado. Eu estava fatigado. O calor
me derrubou.
— Está ainda mais quente hoje.
— Não a meu ver. Hoje, estou perfeitamente confortável.
— Está confortável porque está sob controle.
— O seu controle? Certamente.
— Talvez eu tenha provocado essa resposta, mas eu quis dizer
autocontrole. Ontem, por algum motivo, você tinha ultrapassado os
limites e evadido sua própria disciplina, mas hoje está de volta, e
como não posso sempre estar com você, é melhor acreditar que o
seu temperamento está sob o seu controle e não sob o meu.
— No fim, é o mesmo. Eu não posso ter autocontrole sem uma
motivação. Você me dá ordens, quer fale ou não. E pode sempre
estar comigo. Está
sempre comigo.
— A partir das três da tarde de ontem. Minha influência
perpétua não poderia ter começado antes, ou você não teria estado
tão mal-humorado.
— Ontem, três da tarde! Essa é a sua datação. Achei que a
tivesse visto pela primeira vez em fevereiro.
— Seus galanteios realmente não admitem resposta. Porém —
abaixando a voz — ninguém fala exceto nós dois, e é um tanto
desagradável dizer bobagens para o divertimento de sete pessoas
silenciosas.
— Eu não digo nada de que me envergonhe — respondeu ele,
com alegria despudorada. — Eu a vi pela primeira vez em fevereiro.
Que todos na colina ouçam, se puderem! Que minha voz alcance
Mickleham, de um lado, e Dorking, do outro: eu a vi pela primeira
vez em fevereiro! — E então, num sussurro: — Nossos
companheiros estão terrivelmente aborrecidos. O que faremos para
despertá-los? Qualquer bobagem vai servir. Nós os faremos
falar.
Senhoras e senhores, recebi ordens da srta. Woodhouse, que sempre
preside, onde quer que esteja, para informar que ela deseja saber no
que todos estão pensando.
Alguns riram e responderam bem-humorados. A srta. Bates falou
bastante, a sra. Elton inflamou-se com a ideia de que a srta.
Woodhouse presidia a reunião, mas a resposta do sr. Knightley foi a
mais nítida.
— A srta. Woodhouse tem certeza de que deseja ouvir o que
todos estamos pensando?
— Ah, não, não! — exclamou Emma, rindo o mais
tranquilamente possível. — De forma alguma. É a última coisa que
eu suportaria agora. Deixem-me ouvir qualquer coisa menos o que
todos estão pensando. Ou não todos. Talvez haja um ou outro —
com um olhar para o sr. Weston e Harriet — cujos pensamentos eu
não recearia conhecer.
— É o tipo de coisa — exclamou a sra. Elton enfaticamente —
que eu
não me sentiria no direito de perguntar. No entanto, quem
sabe, como a acompanhante
do grupo… eu
nunca estive em
qualquer companhia que… passeios de exploração… moças…
mulheres casadas…
Seus murmúrios eram dirigidos em especial ao marido, e ele
murmurou em resposta:
— É verdade, meu amor, é a pura verdade. De fato, realmente
nunca se viu nada assim, mas algumas damas dizem qualquer coisa.
Melhor encarar como uma brincadeira. Todos sabem o que é devido
a você
.
— Não adianta — sussurrou Frank para Emma —, a maioria
deles está insultada. Vou atacá-los com mais destreza. Damas e
cavalheiros, fui ordenado pela srta. Woodhouse a dizer que ela
abdica do seu direito de saber exatamente o que todos estão
pensando e só requer uma coisa muito interessante de cada um de
vocês, de forma geral. Cá estamos em sete, além de mim mesmo…
que, como ela tem muito prazer em afirmar, já sou muito
interessante… e ela só exige de cada um de vocês uma coisa muito
sagaz, seja em prosa ou verso, original ou repetida, ou duas coisas
moderadamente sagazes, ou três coisas muito enfadonhas, e ela
promete rir com sinceridade de todas elas.
— Ah, pois bem! — disse a srta. Bates. — Então não ficarei
preocupada. “Três coisas muito enfadonhas.” Será a melhor escolha
para mim, sabem. Sem dúvida vou dizer três coisas enfadonhas
assim que abrir a boca, não é? — Ela olhou ao redor com uma
confiança bem-humorada na concordância de todos. — Não acham?
Emma não conseguiu resistir.
— Ah, mas pode haver uma dificuldade! Perdoe-me, mas a
senhorita estará limitada quanto ao número. Só três por vez.
A srta. Bates, confundida pelo ar solene dela, não apreendeu o
significado das palavras de imediato. Quando enfim compreendeu,
não se enfureceu, mas um leve rubor demonstrou sua mágoa.
— Ah! Bem! Certamente. Sim, entendo o que ela quer dizer —
acrescentou, virando-se para o sr. Knightley — e tentarei segurar a
língua. Devo ser muito aborrecida, ou ela não diria uma coisa dessas
a uma velha amiga.
— Gosto deste plano — exclamou o sr. Weston. — Concordo,
concordo. Farei o meu melhor. Estou pensando em uma charada.
Vale uma charada?
— Pouco, receio, senhor, muito pouco — respondeu o filho. —
Mas seremos indulgentes, especialmente se alguém der o exemplo.
— Não, não — disse Emma. — Vale, sim. Uma charada do sr.
Weston vai valer por ele e pela pessoa ao seu lado. Vamos, senhor,
por favor, deixe-me ouvi-la.
— Duvido que eu esteja sendo muito esperto — disse o sr.
Weston. — É apenas um fato, mas aqui vai. Quais são as duas letras
do alfabeto que expressam a perfeição?
— As duas letras que expressam a perfeição! Certamente não
sei.
— Ah! Você nunca vai adivinhar. Você — disse para Emma —,
estou certo de que nunca vai adivinhar. Vou contar: M e A. Em-ma.
Entende?
A compreensão e a gratificação vieram juntas. Poderia não ser a
charada mais sofisticada, mas Emma viu motivo para riso e
apreciação, assim como Frank e Harriet. O resto do grupo não
pareceu desfrutá-la igualmente; alguns pareceram muito
indiferentes, e o sr. Knightley comentou, com seriedade:
— Isso explica o tipo de coisa espirituosa desejada, e o sr.
Weston se saiu muito bem, mas acabou com as chances dos outros.
A perfeição
não devia ter chegado tão cedo.
— Bem, quanto a mim, peço que me perdoem — disse a sra.
Elton. — Eu
não poderia tentar… Não aprecio muito esse tipo de
coisa. Uma vez, recebi um acróstico do meu próprio nome com o
qual não fiquei nem um pouco satisfeita. Eu sabia de quem vinha.
Um cabeça-oca abominável! Você sabe de quem eu falo —
acrescentou com um aceno para o marido. — Esse tipo de coisa é
aceitável no Natal, quando todos estão sentados ao redor da lareira,
mas muito inapropriada, na minha opinião, para explorações de
verão. A srta. Woodhouse deve me perdoar. Eu não sou uma
daquelas pessoas com ditos espirituosos ao serviço de todos. Não
tenho pretensões de um grande intelecto. Sou muito vivaz, à minha
própria maneira, mas peço que me permitam julgar quando falar e
quando segurar a língua. Faça o favor de nos pular, por favor, sr.
Churchill. Pule o sr. E., Knightley, Jane e eu mesma. Não temos
nada inteligente a dizer, nenhum de nós.
— Sim, sim, pule a mim
— acrescentou o marido, com uma
espécie de consciência irônica. — Eu
não tenho nada a dizer que
possa entreter a srta. Woodhouse ou qualquer outra jovem. Sou um
velho homem casado, que não serve para mais nada. Vamos dar
uma volta, Augusta?
— Ótima ideia. Estou cansada de explorar o mesmo lugar por
tanto tempo. Venha, Jane, pegue meu outro braço.
Jane recusou, entretanto, e o marido e a esposa se afastaram.
— Que casal feliz! — comentou Frank Churchill, assim que
estavam fora de alcance. — Como são adequados um ao outro! É
uma sorte casar como eles fizeram, após se verem apenas em um
lugar público! Eles só se conheceram, creio, por algumas semanas
em Bath! Uma sorte peculiar! Pois obter um conhecimento real do
caráter de uma pessoa em Bath ou qualquer outro lugar público
pode ser… Não é nada, não se pode conhecer alguém assim. Só
vendo as mulheres em seu próprio lar, entre sua própria gente,
como sempre estão, se pode formar um juízo sobre elas. Caso
contrário, é tudo palpite e sorte, e geralmente será azar. Quantos
homens já se comprometeram após uma curta intimidade e
arrependeram-se por toda vida!
A srta. Fairfax, que mal tinha falado até então, exceto entre seu
próprio grupo, comentou:
— Tais coisas ocorrem, sem dúvida. — E foi interrompida por
um acesso de tosse. Frank Churchill virou-se para ouvi-la.
— O que a senhorita estava falando? — perguntou ele,
gravemente.
Ela recobrou a voz.
— Eu só ia observar que, embora tais circunstâncias infelizes às
vezes ocorram tanto com homens como com mulheres, não imagino
que sejam muito frequentes. Um apego precipitado e imprudente
pode surgir, mas geralmente há tempo para se recuperar. Quero
dizer que apenas indivíduos fracos e irresolutos, cuja felicidade deve
estar sempre à mercê do acaso, aceitarão que uma afeição
inapropriada se transforme em uma inconveniência, uma opressão
para o resto da vida.
Ele não respondeu, apenas a olhou e fez uma mesura submissa, e
em seguida disse em um tom vivaz:
— Bem, tenho tão pouca confiança em meu próprio julgamento
que, quando quer que me case, espero que alguém escolha minha
esposa por mim. Você o fará? — perguntou, virando-se para Emma.
— Escolherá uma esposa para mim? Certamente gostaria de
qualquer uma que selecionar. Você é a responsável pela família, sabe
— acrescentou, com um sorriso para o pai. — Encontre alguém para
mim. Não estou com pressa. Adote-a e eduque-a.
— E a torne igual a mim mesma.
— Claro, se conseguir.
— Muito bem, vou aceitar o encargo. O senhor terá uma esposa
encantadora.
— Ela deve ser muito animada e ter olhos castanhos. Não me
importo com mais nada. Vou ficar no exterior por alguns anos e,
quando voltar, eu a procurarei para saber da minha esposa. Lembre-
se disso.
Emma não corria o risco de esquecer. Era uma incumbência que
apelava a seus desejos mais íntimos. Harriet não seria a criatura
descrita? Exceto pelos olhos castanhos, dois anos a mais poderiam
torná-la tudo que ele desejava. Ele poderia até já considerá-la no
momento, quem sabe? A referência à instrução de Emma parecia
sugeri-lo.
— Agora, tia — disse Jane —, que tal nos juntarmos à sra.
Elton?
— Por favor, minha querida. De todo coração. Estou
inteiramente pronta. Estava disposta a ir com ela antes, mas pode
ser agora também. Logo vamos alcançá-la. Lá está ela… Não, é outra
pessoa. É uma das damas da carruagem irlandesa, não se parece
nada com ela. Ora, eu podia jurar que…
Elas se afastaram, seguidas meio minuto depois pelo sr.
Knightley. Só restaram o sr. Weston, seu filho, Emma e Harriet, e o
humor do jovem ficou quase desagradável. Até Emma se cansou das
suas lisonjas e contentamento, e desejou estar caminhando em
silêncio com qualquer um dos outros ou sentada quase sozinha, sem
as atenções de ninguém, observando tranquilamente as belas vistas
abaixo. A chegada dos criados que vinham avisar das carruagens foi
uma visão bem-vinda, e até a agitação de arrumar as coisas e
preparar-se para partir, e a insistência da sra. Elton para que
trouxessem a carruagem dela
primeiro, foram suportadas
alegremente, com a perspectiva de um percurso que concluiria as
diversões muito questionáveis do dia. Ela esperava nunca mais ser
levada a planejar outro passeio com um grupo tão desigual.
Enquanto esperava pela carruagem, viu o sr. Knightley ao seu
lado. Ele olhou ao redor, como se conferisse que não havia ninguém
por perto, e então disse:
— Emma, preciso falar com você outra vez como fazia
antigamente: um privilégio talvez mais suportado do que permitido,
mas ainda preciso aproveitá-lo. Não posso vê-la agindo
incorretamente sem objetar. Como pôde ser tão insensível com a
srta. Bates? Como pôde empregar seu intelecto de forma tão
petulante contra uma mulher do caráter, da idade e da situação
dela? Eu não teria achado possível.
Emma recordou-se, corou e sentiu muito, mas tentou dispensar
a reprimenda com uma risada.
— Mas como eu poderia evitar o que disse? Ninguém teria se
controlado. Não foi tão ruim. Talvez ela nem tenha me
compreendido.
— Garanto a você que compreendeu. Ela captou perfeitamente o
que quis dizer. Só falou disso desde então. Queria que a tivesse
ouvido, com quanto candor e generosidade ela se expressou. Queria
que a tivesse escutado elogiar a sua paciência ao prestar todas as
cortesias que ela sempre recebeu de você e do seu pai, quando a
companhia dela deve ser tão enfadonha.
— Ah! — exclamou Emma. — Sei que não há criatura melhor no
mundo, mas você precisa admitir que o bom e o ridículo estão
muito misturados nela.
— Estão — disse ele —, eu reconheço. E se ela fosse uma
mulher próspera, eu admitiria uma prevalência ocasional do
ridículo. Se ela fosse uma mulher de fortuna, eu deixaria cada
absurdo inofensivo à própria sorte, e não discutiria com você por
quaisquer liberdades de modos. Se fosse sua igual em situação…
mas, Emma, considere como está longe de ser o caso. Ela é pobre;
perdeu os confortos com que nasceu e, se viver até uma idade
avançada, provavelmente perderá ainda mais. A situação dela deve
inspirar sua compaixão. Foi muito cruel, sem dúvida! Você, que ela
conhece desde criança, que viu crescer desde uma época em que
suas atenções eram uma honra, ver você agora, sem qualquer
consideração, no orgulho do momento, rir dela e humilhá-la na
frente da sobrinha, e na frente de outros, muitos dos quais… alguns
certamente… seriam muito influenciados pelo seu
exemplo. Essa
conversa não é agradável para você, Emma, e está longe de ser para
mim, mas devo e vou dizer-lhe a verdade enquanto puder,
contentando-me em me provar seu amigo com conselhos muito
sinceros, e confiando que você, em um momento ou outro, me fará
mais justiça do que pode fazer agora.
Enquanto conversavam, os dois seguiam na direção da
carruagem. O veículo estava pronto e, antes que Emma pudesse
responder, ele a tinha ajudado a subir. O sr. Knightley interpretara
erroneamente os sentimentos que mantiveram o rosto dela virado e
sua língua imóvel. Eram uma mescla de raiva apenas contra si
mesma, mortificação e preocupação profunda. Ela não conseguira
falar e, ao entrar na carruagem, recostou-se por um momento,
atordoada — e então se repreendeu por não ter se despedido, não
ter falado nada, partindo em aparente mau humor, e virou-se para a
janela ansiosa para esclarecer as coisas com palavras e gestos, mas
era tarde demais. Ele tinha se virado e os cavalos estavam em
movimento. Ela continuou olhando para trás, mas foi em vão, e
logo, com o que pareceu ser velocidade incomum, eles tinham
descido metade da colina e tudo ficara muito para trás. Ela estava
mais aflita do que podia expressar, mais do que conseguiria
esconder. Nunca ficara tão agitada, mortificada e arrependida de
qualquer circunstância em sua vida. Estava profundamente abalada.
Não havia como negar a verdade das palavras dele; Emma a sentia
no coração. Como podia ter sido tão brutal, tão cruel com a srta.
Bates? Como podia ter se exposto a uma opinião tão desvantajosa
de alguém que valorizava tanto? E como pôde deixá-lo partir sem
dizer uma palavra de gratidão, de concordância, de gentileza?
O trajeto não a ajudou a se recompor. Quanto mais refletia, mais
aflita ficava. Nunca estivera tão deprimida. Por sorte, não era
necessário falar. Só dividia a carruagem com Harriet, que também
não parecia muito animada — estava cansada e disposta a manter
silêncio — e Emma sentiu lágrimas escorrerem pela face quase até
chegar em casa, sem se dar ao trabalho de enxugá-las, por mais
extraordinárias que fossem.
CAPÍTULO VIII

A excursão deplorável a Box Hill ocupou os pensamentos de


Emma a noite toda. Como o resto do grupo julgaria o passeio, ela
não sabia dizer. Cada um, em seu próprio lar e a seu próprio modo,
poderia estar recordando o dia com prazer, mas a seu ver tinha sido
uma manhã completamente desperdiçada, mais destituída de
satisfação racional na hora e mais detestável em recordações do que
qualquer outra que ela já tivesse vivido. Em comparação, passar a
noite toda jogando gamão com o pai fora uma felicidade. Ali
, de
fato, encontrava-se um verdadeiro deleite, pois ela dedicava as
horas mais doces das vinte e quatro ao conforto dele, e sentia que,
por mais desmerecido que fosse o seu grau de afeto carinhoso e
estima confiante, ela não poderia, em sua conduta geral, abrir-se a
nenhuma censura severa. Como filha, esperava não ser desalmada.
Esperava que ninguém pudesse dizer a ela: “Como pôde ser tão
cruel com o seu pai? Devo e vou dizer-lhe verdades enquanto
posso”. A srta. Bates nunca mais iria… não, nunca! Se atenções
futuras pudessem anular o passado, ela esperava ser perdoada. Sua
consciência apontava que tinha sido negligente com frequência;
negligente, talvez, mais em pensamentos que em atos, desdenhosa e
descortês. Mas não seria mais assim. No ardor da verdadeira
contrição, ela decidiu que a visitaria na manhã seguinte, e que seria
o começo, da sua parte, de uma amizade constante, igualitária e
generosa.
Ela estava igualmente determinada ao amanhecer e partiu cedo,
para que nada pudesse impedi-la. Pensou que não era improvável
encontrar o sr. Knightley no caminho ou durante a visita. Ela não
tinha objeções. Não se envergonharia de sua expressão penitente,
que lhe cabia de maneira tão justa e verdadeira. Seus olhos se
voltaram para Donwell enquanto caminhava, mas ela não o viu.
“As damas estavam todas em casa.” Ela nunca havia se
regozijado tanto com tais palavras, nem entrado no corredor ou
subido as escadas com tanto desejo de conferir prazer; em geral,
apenas pensava em cumprir o seu dever ou divertir-se mais tarde
com gracejos.
Houve um alvoroço à sua chegada, muito movimento e
discussão. Ela ouviu a srta. Bates dizendo que algo deveria ser feito
às pressas; a criada pareceu assustada e desconfortável, esperou que
a senhorita pudesse esperar um momento e então a introduziu ao
cômodo cedo demais. A tia e a sobrinha pareciam ambas estar
escapando para o quarto adjacente. Ela teve um vislumbre distinto
de Jane, que parecia muito enferma, e antes que a porta se fechasse
ouviu a srta. Bates dizendo:
— Bem, minha querida, eu vou dizer
que você está de cama, e
tenho certeza que está mal mesmo.
A pobre sra. Bates, educada e humilde como sempre, parecia
não entender muito bem o que estava acontecendo.
— Receio que Jane não esteja muito bem — disse ela —, mas
não sei, elas me dizem
que ela está bem. Imagino que minha filha
logo estará aqui, srta. Woodhouse. Espero que encontre uma
cadeira. Queria que Hetty não tivesse ido embora. Eu não consigo…
encontrou uma cadeira, srta. Woodhouse? Sentou-se onde gosta de
ficar? Tenho certeza de que ela chegará logo.
Emma sinceramente esperava que sim. Receou por um momento
que a srta. Bates mantivesse distância dela, mas a outra logo voltou
— muito contente e agradecida, mas a consciência de Emma
apontou que ela não tinha a loquacidade alegre de sempre; sua
expressão e modos eram menos naturais. Ela esperava que algumas
perguntas amáveis sobre a srta. Fairfax conduzissem a um retorno
dos antigos sentimentos. O efeito foi imediato.
— Ah, srta. Woodhouse, como é gentil! Suponho que ouviu e… e
veio nos animar. Não parece que estamos muito felizes, eu sei — e
enxugou uma ou duas lágrimas —, mas será muito difícil para nós
nos despedirmos dela, depois de tê-la aqui por tanto tempo, e ela
está com uma dor de cabeça terrível agora, passou a manhã inteira
escrevendo; cartas muito longas, sabe, para o coronel e a sra. Dixon.
“Minha querida”, disse eu, “você vai ficar cega”, pois sempre havia
lágrimas em seus olhos. Não é de surpreender, não é de surpreender.
É uma grande mudança e, embora ela seja incrivelmente
afortunada… uma posição, suponho, que nenhuma moça já
encontrou ao sair de casa pela primeira vez… E não pense que
somos ingratas, srta. Woodhouse, pois uma sorte inesperada
dessas… — Novamente enxugou algumas lágrimas. — Mas
pobrezinha! Se a senhorita visse a dor de cabeça que ela tem.
Quando estamos com muita dor, não conseguimos sentir qualquer
bênção como seria justo. Ela está profundamente desanimada.
Olhando-a, ninguém saberia como está encantada por ter garantido
uma posição. A senhorita perdoará se ela não vier recebê-la; ela não
consegue; voltou para o próprio quarto; eu queria que deitasse na
cama. “Minha querida”, eu disse, “vou falar que você está de cama”,
só que ela não está, está dando voltas no quarto. Mas agora que
escreveu as cartas, ela diz que logo estará bem. Ficará muito triste
de não a ter visto, srta. Woodhouse, mas a senhorita fará a gentileza
de perdoá-la. Nós a deixamos esperando na porta, estou tão
envergonhada, mas houve certa confusão, pois não tínhamos ouvido
as batidas e, até que a senhorita estivesse nas escadas, não sabíamos
que alguém estava vindo. “É só a sra. Cole”, eu disse, “sem dúvida.
Ninguém mais viria tão cedo.” “Bem”, disse ela, “devemos recebê-la
uma hora ou outra, então pode ser agora.” Mas aí Patty entrou e
disse que era a senhorita. “Ah!”, eu disse, “é a srta. Woodhouse,
com certeza você vai gostar de vê-la.” “Eu não estou em condições
de ver ninguém”, ela disse e se levantou, querendo ir embora, e foi
por isso que a fizemos esperar, e sentimos muito, e estamos muito
envergonhadas. “Se precisar ir, minha querida”, disse eu, “você
deve ir, e eu vou dizer que está de cama.”
Emma ficou sinceramente comovida. Seu coração vinha se
suavizando em relação a Jane, e aquela descrição de seus
sofrimentos a curou de qualquer suspeita mesquinha até que ela
não sentia nada além de pena. A lembrança das sensações menos
justas e menos doces do passado a obrigaram a admitir que era
natural Jane conformar-se em receber a sra. Cole ou qualquer outra
amiga fiel e não ela mesma. Emma expressou seus sentimentos com
arrependimento sincero e solicitude — desejando que as
circunstâncias que agora concluía, pelo discurso da srta. Bates,
estarem decididas, fossem o mais vantajosas e confortáveis possíveis
para a srta. Fairfax. Devia ser uma provação severa para todas elas.
Ela pensara que a partida seria adiada até o retorno do coronel
Campbell.
— Tão gentil! — respondeu a srta. Bates. — Mas a senhorita é
sempre gentil.
Não havia como suportar aquele “sempre” e, para interromper
aquela gratidão terrível, Emma fez uma pergunta direta.
— Para onde a srta. Fairfax está indo, se me permite perguntar?
— Para a casa de uma sra. Smallridge, uma mulher muito
charmosa, muito superior, para cuidar das três meninas dela,
crianças encantadoras. É impossível uma situação ser mais
confortável, exceto, talvez, pela própria casa da sra. Suckling e da
sra. Bragge, mas a sra. Smallridge é amiga íntima de ambas e mora
na mesma vizinhança, a apenas seis quilômetros de Maple Grove.
Jane estará a meros seis quilômetros de Maple Grove.
— É a sra. Elton, suponho, que a srta. Fairfax deve…
— Sim, a nossa gentil sra. Elton. A amiga mais incansável e
verdadeira. Ela não aceitou uma recusa. Não deixou Jane dizer
“não”, pois, quando Jane ouviu a proposta pela primeira vez… foi
antes de ontem, na manhã em que estávamos em Donwell…
Quando Jane a ouviu pela primeira vez, estava determinada a não
aceitar, pelos motivos que a senhorita mencionou; foi como a
senhorita disse, ela tinha decidido não aceitar nada até o retorno do
coronel Campbell, e nada a induziria a se comprometer com
qualquer proposta no momento. Pelo menos foi o que ela disse à sra.
Elton, de novo e de novo, e eu mesma nunca imaginei que ela
mudaria de ideia! Mas a boa sra. Elton, cujo julgamento nunca falha,
enxergou mais longe que eu. Não é qualquer pessoa que teria se
prontificado com tanta gentileza e se recusado a aceitar a resposta
de Jane, mas ela declarou categoricamente que não
escreveria
nenhuma recusa ontem, como Jane desejava, e que esperaria. E,
como ela imaginou, ontem à noite Jane decidiu partir. Foi uma
grande surpresa para mim! Eu não fazia ideia! Jane puxou a sra.
Elton de lado e logo disse a ela que, ao pensar sobre as vantagens da
situação da sra. Suckling
38
, tinha resolvido aceitar a proposta. Eu
não fiquei sabendo de nada até estar resolvido.
— Vocês passaram a noite com a sra. Elton?
— Sim, todas nós; a sra. Elton insistiu que fôssemos. Foi
decidido na colina, quando estávamos caminhando com o sr.
Knightley. “Vocês todos devem
passar a noite conosco”, ela disse,
“quero que todos
venham, sem falta.”
— O sr. Knightley também foi, então?
— Não, o sr. Knightley não veio. Ele recusou e, embora eu
achasse que viria, porque a sra. Elton declarou que não o deixaria se
esquivar, ele não veio. Mas minha mãe e Jane e eu estávamos todas
lá, e passamos uma noite muito agradável. Eles são amigos tão
gentis, sabe, srta. Woodhouse, não há como não achar os Elton
amáveis, embora todos parecessem um pouco esgotados depois do
passeio da manhã. Até o prazer, sabe, é fatigante, e não posso dizer
que algum deles parecia ter aproveitado muito a excursão. Contudo,
eu
sempre acharei que foi muito aprazível, e sou extremamente
grata aos amigos gentis que me incluíram.
— Imagino que a srta. Fairfax, embora a senhorita não estivesse
ciente disso, tenha passado o dia tomando a sua decisão.
— Eu diria que sim.
— Quando quer que chegue a hora, será indesejada a ela e a
todos os seus amigos, mas espero que a posição proporcione todos
os alívios possíveis. Isto é, quanto ao caráter e aos modos da família.
— Obrigada, querida srta. Woodhouse. Sim, as circunstâncias
têm tudo para deixá-la feliz. Excetuando os Suckling e os Bragge,
não há outro lar tão organizado, generoso e refinado entre os
conhecidos da sra. Elton. A sra. Smallridge é uma mulher
encantadora! Tem um estilo de vida quase igual ao de Maple Grove
e, quanto às crianças, tirando os pequenos Suckling e os pequenos
Bragge, não há nenhuma tão doce e elegante em qualquer lugar.
Jane será tratada com tanta consideração e gentileza! Só terá
prazeres, uma vida de prazeres. E o salário! Não ouso nem
mencionar o salário dela à senhorita. Mesmo a senhorita,
acostumada como está a grandes somas, mal acreditaria que
tamanha fortuna poderia ser dada a uma moça como Jane.
— Ah, madame! — exclamou Emma. — Se as outras crianças
são remotamente como eu lembro de ter sido, eu acharia merecida
cinco vezes a quantia que já ouvi citada como salário.
— A senhorita tem ideias tão nobres!
— E quando a srta. Fairfax vai deixá-las?
— Muito em breve, muito em breve mesmo, essa é a pior parte.
Dentro de uma quinzena. A sra. Smallridge está com muita pressa.
Minha pobre mãe não sabe como suportar. Então, tento distraí-la e
digo: vamos, mamãe, não pensemos mais nisso.
— Os amigos devem estar tristes por perdê-la. O coronel e a sra.
Campbell não ficarão chateados ao saber que ela se comprometeu
antes que eles voltassem?
— Jane tem certeza de que vão, mas sentiu que não havia
justificativa para recusar uma posição dessas. Eu fiquei pasma
quando ela me contou o que tinha dito para a sra. Elton, e quando a
sra. Elton, no mesmo momento, veio me parabenizar! Foi antes do
chá… espere, não, não pode ter sido antes do chá, porque
estávamos indo jogar… mas foi mesmo antes do chá, porque lembro
de ter pensado… Ah, não! Agora eu lembro, lembrei, uma coisa
aconteceu antes do chá, mas não isso. O sr. Elton foi chamado antes
do chá porque o filho do velho John Abdy queria falar com ele.
Pobre John, tenho muito carinho por ele, trabalhou com o meu
pobre pai por vinte e sete anos, e agora, o coitado não sai da cama e
sofre muito com a gota reumática nas articulações… Preciso visitá-
lo hoje, e Jane também irá, certamente, se conseguir sair de casa. E
o filho do pobre John veio falar com o sr. Elton sobre obter ajuda da
paróquia; ele mesmo é muito próspero, sabe, trabalha no Crown,
cuida da estrebaria e tudo o mais, mas ainda assim não consegue
sustentar o pai sem ajuda; então, quando o sr. Elton voltou, ele nos
contou o que o John, da estrebaria, tinha contado para ele, e então
ficamos sabendo que uma carruagem fora mandada a Randalls para
trazer o sr. Frank Churchill de volta a Richmond. Foi isso que
aconteceu antes do chá. Foi depois do chá que Jane falou com a sra.
Elton.
A srta. Bates mal deu tempo a Emma para expressar como
aquela era uma novidade completa para ela, mas não teve
importância uma vez que, mesmo não supondo ser possível que ela
ignorasse quaisquer detalhes sobre a partida do sr. Frank Churchill,
fez um relato minucioso do caso.
O que o sr. Elton tinha descoberto com o cavalariço quanto ao
assunto, uma mistura do relato do rapaz e do relato dos criados de
Randalls, era que um mensageiro chegara de Richmond logo após o
retorno do grupo de Box Hill — um mensageiro que, entretanto, já
era esperado. O sr. Churchill tinha escrito uma carta breve ao
sobrinho que continha, de forma geral, notícias razoáveis quanto à
saúde da sra. Churchill, e desejava apenas que ele retornasse no
máximo na manhã seguinte, bem cedo. Entretanto, como o sr.
Frank Churchill resolveu voltar para casa naquela hora, sem
qualquer espera, e seu cavalo parecia estar doente, Tom tinha sido
enviado imediatamente para buscar a carruagem do Crown, e o
cavalariço estava lá fora e a vira passar, conduzida pelo garoto que
trabalhava no hotel a um bom ritmo e com muita confiança.
Não havia nada nisso que espantasse ou interessasse, e só captou
a atenção de Emma pois unia-se com um assunto que já ocupava
sua mente. O contraste entre a importância da sra. Churchill e de
Jane Fairfax no mundo a impressionou; uma era tudo, a outra nada
— e ela ficou sentada, refletindo sobre a diferença no destino das
mulheres, quase inconsciente do que seus olhos encaravam, até que
foi despertada pela srta. Bates:
— Sim, vejo no que está pensando, o piano. O que será feito
dele? É verdade. A pobre Jane estava pensando nisso agora mesmo.
“Você precisa ir embora”, disse ela. “Você e eu devemos nos separar,
e você não tem lugar aqui. Mas fique um pouco”, disse ela, “fique até
o coronel Campbell voltar. Eu falarei com ele e ele vai resolver a
questão por mim, vai me ajudar com todas as dificuldades.” E até
hoje acredito que ela não sabe se foi presente dele ou da filha.
Emma foi então obrigada a pensar no piano, e a lembrança de
suas antigas conjecturas fantasiosas e injustas foi tão desagradável
que ela logo se permitiu acreditar que a visita tinha sido longa o
suficiente, e, com uma repetição de todos os seus desejos sinceros
de felicidade, despediu-se.

38
.  Na verdade, Jane trabalharia para a sra. Smallridge, não para a sra.
Suckling. Esta troca é provavelmente uma confusão da parte da srta. Bates.
CAPÍTULO IX

As reflexões de Emma não foram interrompidas enquanto


voltava para casa a pé, mas ao entrar na sala de visitas encontrou
pessoas que a despertaram. O sr. Knightley e Harriet tinham
chegado na sua ausência e estavam com o seu pai. O sr. Knightley se
levantou de imediato e, com modos definitivamente mais sérios que
os habituais, disse:
— Eu não podia partir sem vê-la, mas não tenho tempo a perder
e agora vou me pôr a caminho. Vou a Londres passar alguns dias
com John e Isabella. Você tem algo a enviar ou dizer, além dos
“beijos” que ninguém lembra de transmitir?
— Nada. Mas não é uma ideia um pouco repentina?
— Sim. Ou melhor, venho pensando nisso há algum tempo.
Emma tinha certeza de que ele não a perdoara; não parecia
consigo mesmo. Ela acreditava que o tempo, entretanto, o
convenceria de que deviam ser amigos outra vez. Enquanto ele
estava em pé, como se pretendesse partir, mas sem dar um passo, o
pai dela começou suas perguntas usuais.
— Bem, minha querida, chegou bem lá? E como estavam minha
velha amiga e a filha dela? Arrisco dizer que devem ter ficado muito
agradecidas pela sua visita. A querida Emma foi visitar a sra. e a
srta. Bates, sr. Knightley, como eu lhe contei antes. Minha filha é tão
atenciosa com elas!
Emma enrubesceu com esse elogio imerecido e olhou para o sr.
Knightley com um sorriso e um balançar de cabeça muito
expressivos. Sentiu que ele recebia uma impressão mais favorável
dela, como se seus olhos recebessem a verdade dos dela, e todos os
seus bons sentimentos fossem reconhecidos e apreciados. Ele a
olhou com estima. Emma ficou profundamente gratificada, e ainda
mais, no instante seguinte, devido a um pequeno gesto da parte dele
de uma cordialidade maior que a usual. Ele tomou a mão dela — se
ela tinha feito o primeiro movimento, não sabia dizer; talvez a
tivesse oferecido —, mas ele tomou a mão dela, apertou-a, e
certamente estava a ponto de levá-la aos lábios quando, por um
motivo ou outro, subitamente a soltou. Por que sentiria tal
escrúpulo, por que mudaria de ideia quando o ato estava
praticamente completo, ela não conseguia entender. Teria sido
melhor, pensou ela, se não tivesse se interrompido. A intenção,
contudo, era indubitável. E fosse porque as maneiras dele em geral
tinham tão pouca galanteria ou por tudo o mais que tinha
acontecido, ocorreu a Emma que o sr. Knightley nunca parecera tão
cavalheiresco. Com ele, o movimento fora ao mesmo tempo muito
simples e muito digno, e ela pensou com grande satisfação no gesto
interrompido, pois sugeria uma perfeita amizade entre eles. Ele
partiu logo em seguida. Sempre se movia com a agilidade de uma
mente que não admitia indecisões ou atrasos, mas dessa vez
pareceu sumir de forma mais abrupta que de costume.
Emma não se arrependia de ter visitado a srta. Bates, mas queria
ter saído dez minutos mais cedo — teria sido muito prazeroso
discutir a situação de Jane Fairfax com o sr. Knightley. Também não
lamentava a ida dele a Brunswick Square, pois sabia como a visita
seria apreciada, mas poderia ter acontecido em um momento
melhor — e teria sido mais agradável saber com antecedência.
Entretanto, eles se despediram como grandes amigos. Ela não podia
se enganar quanto ao significado do semblante dele, nem de seu
galanteio contido; tudo a assegurava de que tinha recuperado
inteiramente a boa opinião dele. Ela descobriu que ele tinha ficado
meia hora com os outros. Era uma pena não ter voltado antes!
Na esperança de distrair o pai da lamentável partida do sr.
Knightley para Londres, uma partida tão súbita, e a cavalo, o que ela
sabia que seria muito perturbador para ele, Emma contou as
novidades sobre Jane Fairfax, e sua confiança no efeito que a notícia
teria foi justificada. Ela forneceu um contrapeso útil; era
interessante sem ser perturbadora. Ele aceitara havia muito que
Jane Fairfax assumiria uma posição de governanta, e conseguia falar
sobre o assunto com alegria, enquanto a partida do sr. Knightley
para Londres tinha sido um golpe inesperado.
— Estou mesmo muito feliz, minha querida, ao ouvir que ela
estará estabelecida em um lugar tão confortável. A sra. Elton é
muito amável e generosa, e arrisco dizer que seus conhecidos são
exatamente como deveriam ser. Espero que o local seja seco e que
cuidem bem da saúde dela. Deve ser uma prioridade, como a da
pobre srta. Taylor sempre foi para mim. Sabe, minha querida, ela
será para essa dama o que a srta. Taylor era para nós. E espero que
sua situação seja melhor em um sentido e ela não seja induzida a
partir após chamar a casa de lar por tanto tempo.
No dia seguinte vieram notícias de Richmond que lançaram todo
o resto para o segundo plano: uma mensagem expressa chegou a
Randalls para anunciar a morte da sra. Churchill! Embora o
sobrinho não tivesse nenhum motivo particular para se apressar por
conta da saúde dela, a tia não tinha vivido mais de trinta e seis
horas após o seu retorno. Um ataque de uma natureza diferente de
tudo que era pressagiado pelo seu estado geral a levara após uma
curta batalha. A grande sra. Churchill se fora.
A notícia foi sentida como tais coisas devem ser. Todos
demonstraram o grau apropriado de solenidade e tristeza,
expressando ternura para com a falecida, solicitude aos amigos e, no
devido tempo, curiosidade para saber onde ela seria enterrada.
Goldsmith nos conta que, quando uma bela mulher se entrega à
loucura, nada lhe resta exceto morrer e, quando se dedica a ser
desagradável, a morte é igualmente recomendável para amenizar
uma má reputação.
39
A sra. Churchill, após ser malquista por ao
menos vinte e cinco anos, era agora discutida com generosidade e
compaixão. Em um ponto, ela estava plenamente justificada. Nunca
se admitira antes que estivesse enferma de verdade, mas o evento a
absolveu de toda acusação de fantasia e de egoístas queixas
imaginárias.
Pobre sra. Churchill! Sem dúvida ela vinha sofrendo muito;
muito mais do que qualquer um supunha, e a dor constante inflama
o temperamento. Era um triste acontecimento, um grande choque…
Apesar de todos os seus defeitos, o que o sr. Churchill faria sem ela?
A perda seria terrível, de fato. O sr. Churchill nunca se recuperaria.
Até o sr. Weston balançou a cabeça, e pareceu solene ao comentar:
— Ah! Pobre mulher, quem teria imaginado?
E decidiu vestir suas melhores roupas de luto, e sua esposa
suspirava e moralizava, usando bainhas largas, com comiseração e
sensatez genuínas. Como a mudança afetaria Frank foi um dos
primeiros pensamentos de ambos, assim como uma especulação de
Emma. O caráter da sra. Churchill, o luto do marido — sua mente
passou por ambos com reverência e compaixão, e então pousou com
alívio em como Frank poderia ser afetado pelo acontecimento, como
se beneficiaria e como se veria livre. Em um momento, ela
apreendeu todo o bem que poderia resultar do ocorrido. Agora, um
apego a Harriet Smith não enfrentaria nenhuma objeção. O sr.
Churchill, independente da esposa, não era temido por ninguém;
era um homem tranquilo e influenciável, que podia ser persuadido
de qualquer coisa pelo sobrinho. Tudo que restava a desejar era que
o sobrinho se afeiçoasse a Harriet, uma vez que, apesar de toda a
sua boa vontade na causa, Emma não tinha certeza de que já o
tivesse feito.
Harriet comportou-se extremamente bem na ocasião,
demonstrando grande controle sobre suas emoções. Se sentia
qualquer esperança maior, não traiu nada. Emma ficou satisfeita ao
observar essa prova do fortalecimento do seu caráter, e absteve-se
de fazer qualquer alusão que pudesse arriscar esse estado. Elas
falaram da morte da sra. Churchill, portanto, com mútua
circunspecção.
Cartas breves de Frank foram recebidas em Randalls anunciando
tudo que era imediatamente relevante quanto à situação e aos
planos deles. O sr. Churchill estava melhor do que se podia esperar,
e o primeiro deslocamento deles, após o cortejo fúnebre partir para
Yorkshire, seria rumo à casa de um velho amigo em Windsor que o
sr. Churchill vinha prometendo visitar nos últimos dez anos. No
momento, não havia o que fazer por Harriet; desejar-lhe bem era
tudo que estava ao alcance de Emma.
Uma preocupação mais premente era demonstrar sua
consideração a Jane Fairfax, cujas perspectivas estavam se fechando
enquanto as de Harriet se abriam, e cujos compromissos agora não
permitiam nenhum atraso a qualquer pessoa em Highbury que
desejasse fazer-lhe uma gentileza — o que, para Emma, se tornara
uma prioridade. Sua frieza anterior era um de seus maiores
arrependimentos, e a pessoa que passara tantos meses
negligenciando agora era exatamente a pessoa que ela gostaria de
agraciar com todas as distinções de estima e simpatia. Queria ser-
lhe útil; queria demonstrar o valor de sua companhia e provar seu
respeito e consideração. Resolveu convidá-la para passar um dia em
Hartfield e escreveu um recado para instá-la a vir. Mas o convite foi
recusado, e por mensagem verbal. “A srta. Fairfax não estava bem o
suficiente para escrever” — e, quando o sr. Perry passou em
Hartfield, naquela mesma manhã, foi revelado que ela estava tão
indisposta a ponto de receber uma visita dele, embora sem seu
consentimento. Sofria de enxaquecas severas e tinha uma febre
nervosa tão forte que ele duvidava de que fosse para a casa da sra.
Smallridge na data proposta. Sua saúde parecia, no momento,
completamente desregulada. Perdera o apetite e, embora não
apresentasse sintomas muito alarmantes — nenhuma queixa
pulmonar, que era a maior apreensão da família —, o sr. Perry
estava preocupado. Pensava que ela tinha se comprometido com
mais do que estava apta a realizar, e suspeitava que ela mesma o
sentisse, embora não quisesse demonstrar. Parecia extenuada. Seu
lar atual, ele não pôde deixar de notar, não era favorável a um
transtorno nervoso: ela estava sempre confinada a um quarto. Ele
teria preferido outro arranjo e precisava reconhecer que a querida
tia dela, embora fosse sua velha amiga, não era a melhor
companheira para uma inválida nessas condições. Os cuidados e
atenções dela não podiam ser questionados; eram, antes, excessivos.
Ele temia que a srta. Fairfax fosse mais prejudicada que beneficiada
por eles. Emma ouviu com a maior preocupação; compadecia-se
dela cada vez mais, e procurou ansiosamente um modo de ajudar.
Afastá-la da companhia da tia, ainda que por uma ou duas horas,
propiciando uma mudança de ares e paisagens e uma conversa
tranquila e racional, poderia fazer-lhe bem. Assim, na manhã
seguinte ela escreveu de novo para dizer, nos termos mais afetuosos
possíveis, que a visitaria de carruagem na hora mais conveniente a
Jane — mencionando que tinha o apoio categórico do sr. Perry em
favor de um tal exercício para a paciente. A resposta foi um recado
breve:
“A srta. Fairfax envia seus cumprimentos e agradecimentos, mas
não está apta a fazer qualquer exercício.”
Emma sentiu que sua carta merecia uma resposta melhor, mas
era impossível discutir com palavras cuja concisão trêmula revelava
tão claramente a relutância da autora, e ela pensou apenas em como
poderia vencer essa relutância em ser vista ou auxiliada. Apesar da
resposta, portanto, chamou a carruagem e foi até a casa da sra.
Bates, esperando que Jane pudesse ser convencida a juntar-se a ela.
Mas não adiantou. A srta. Bates foi até a porta da carruagem,
transbordando de gratidão, concordou de coração que um passeio
faria o maior bem à enferma e tentou convencê-la de todas as
formas, mas foi em vão. Voltou sem sucesso; Jane estava inflexível, e
a mera ideia de sair pareceu piorar seu estado. Emma gostaria de tê-
la visto e resolveu empregar seus próprios poderes de persuasão,
mas, quase antes que pudesse lançar uma indireta, a srta. Bates
revelou que tinha prometido à sobrinha não deixar a srta.
Woodhouse entrar sob hipótese alguma. De fato, a verdade era que a
pobre Jane não suportava ver ninguém, absolutamente ninguém; a
sra. Elton, claro, não poderia ser rejeitada, e a sra. Cole tinha feito
tanta questão… e a sra. Perry tinha falado tanto… mas, exceto por
elas, Jane não estava recebendo ninguém.
Emma não queria ser agrupada com as senhoras Elton, as
senhoras Perry e as senhoras Cole, que forçavam sua entrada em
qualquer lugar, nem sentia ter qualquer direito a preferência.
Submeteu-se, portanto, e só questionou a srta. Bates sobre o apetite
e a dieta da sobrinha, com os quais ela gostaria muito de ajudar.
Quanto a esse assunto, a pobre srta. Bates estava muito infeliz e
muito comunicativa. Jane quase não comia nada. O sr. Perry
recomendava alimentos nutritivos, mas tudo que conseguiam
oferecer (e nunca existiram vizinhos tão bons!) era desagradável a
ela.
Ao chegar em casa, Emma chamou a governanta imediatamente
para examinar a despensa, e um pouco de araruta de alta qualidade
foi rapidamente despachada para a srta. Bates com um bilhete
muito amigável. Meia hora depois a araruta foi devolvida, com mil
agradecimentos da srta. Bates, “mas a querida Jane não ficou
satisfeita até que a devolvesse, pois não podia consumi-la, e além
disso insistiu em dizer que não lhe faltava nada”.
Quando Emma ouviu mais tarde que Jane Fairfax fora vista a
certa distância de Highbury, perambulando pelos campos na tarde
do mesmo dia em que tinha, sob o pretexto de não estar apta a
qualquer exercício, tão peremptoriamente se recusado a sair com
ela na carruagem, não teve mais dúvidas — considerando todas as
evidências — de que Jane estava determinada a não aceitar
qualquer gentileza dela.
Sentiu muito, de coração. Compadecia-se
de um contexto que parecia ainda mais deplorável devido àquela
aparente irritação de ânimos, inconsistência de atos e insuficiência
de faculdades mentais, e ficou mortificada por receber tão pouco
crédito por seus sentimentos e ser tão pouco estimada como amiga.
No entanto, teve o consolo de saber que suas intenções eram boas e
de poder afirmar a si mesma que, se o sr. Knightley tivesse visto
suas tentativas de ajudar Jane Fairfax, se tivesse perscrutado o seu
coração, não teria, nesta ocasião, encontrado nada digno de
censura.

39
.  Referência a um poema na obra O vigário de Wakefield
, já mencionada
anteriormente.
CAPÍTULO X

Uma manhã, cerca de dez dias após o falecimento da sra.


Churchill, Emma foi convocada a descer pelo sr. Weston, “que só
podia ficar cinco minutinhos e desejava falar com ela em especial”.
Ele a encontrou na porta da sala de visitas e, quase sem nem
perguntar como estava, abaixou seu tom de voz imediatamente para
dizer, sem que fosse ouvido pelo pai dela:
— Pode ir a Randalls em algum momento esta manhã? Vá, se
puder. A sra. Weston quer falar com você. Precisa vê-la.
— Ela está se sentindo mal?
— Não, não, de forma alguma. Só está um pouco agitada. Ela
teria preparado a carruagem e vindo até aqui, mas precisa falar com
você a sós
e, sabe… — Ele fez um aceno para o pai dela. — Humph!
Pode ir?
— Certamente. Agora mesmo, se quiser. É impossível recusar o
que me pede dessa forma. Mas o que aconteceu? Ela não está
doente mesmo?
— Não, confie em mim. Mas não pergunte mais nada. Logo
saberá de tudo. É a história mais inacreditável! Mas xiu, xiu!
Adivinhar do que se tratava era impossível até para Emma.
Algum evento muito importante parecia prenunciado pelo
semblante dele, mas, como sua amiga estava bem, ela tentou não se
afligir e, avisando ao pai que daria sua volta agora, ela e o sr. Weston
deixaram a casa e começaram a andar rapidamente até Randalls.
— Agora — disse Emma, quando estavam a uma boa distância
dos portões da propriedade —, agora, sr. Weston, conte-me o que
aconteceu.
— Não, não — ele respondeu gravemente. — Não me pergunte.
Eu prometi a minha esposa que deixaria a seu encargo. Ela saberá
amenizar o golpe melhor do que eu. Não seja impaciente, Emma,
logo vai saber de tudo.
— O golpe! — exclamou Emma, imobilizada de terror. — Por
Deus, sr. Weston, conte-me agora mesmo. Alguma coisa aconteceu
em Brunswick Square, eu sei. Conte-me, exijo que me conte
imediatamente o que foi.
— Não, você está enganada.
— Sr. Weston, não brinque comigo. Considere quantos dos meus
amigos mais queridos estão agora em Brunswick Square. Qual deles
foi? Por tudo que é sagrado, não tente dissimular!
— Dou-lhe minha palavra, Emma.
— Sua palavra! Por que não jura pela sua honra? Por que não
diz, pela sua honra, que isso não tem nada a ver com nenhum
deles? Céus! O que pode ser um golpe
para mim que não esteja
relacionado à minha família?
— Pela minha honra — disse ele, com muita seriedade —, não
tem a ver com eles. Não está em qualquer grau conectado a nenhum
ser humano de nome Knightley.
A coragem de Emma retornou e ela retomou o passo.
— Foi um equívoco — ele continuou — falar em golpe
. Eu não
deveria ter usado esse termo. Na verdade, a notícia não está
relacionada a você… afeta apenas a mim mesmo… isso é,
esperamos que sim. Humph! Em suma, querida Emma, não há por
que se afligir. Não digo que não seja uma história desagradável, mas
as coisas poderiam ser muito piores.
Emma viu que precisaria esperar, mas agora o esforço excessivo
era desnecessário. Portanto, não fez mais perguntas e apenas
empregou a própria imaginação, que logo apontou-lhe a
probabilidade de que fosse alguma preocupação financeira — algo
de uma natureza desagradável que tivesse acabado de emergir,
relacionado às circunstâncias da família, que eventos recentes em
Richmond deveriam ter trazido à luz. Sua imaginação estava muito
ativa. Meia dúzia de filhos ilegítimos, talvez, e o pobre Frank
deserdado! Isso, embora muito indesejável, não lhe causaria agonia.
Inspirava pouco mais que uma viva curiosidade.
— Quem é aquele cavalheiro a cavalo? — perguntou ela
enquanto caminhavam, falando mais para ajudar o sr. Weston a
guardar o segredo do que por qualquer outro motivo.
— Não sei. Um dos Otway. Não é Frank, não é Frank, asseguro-
lhe. Você não o verá. Ele está a meio caminho de Windsor, a esta
altura.
— Seu filho veio visitá-lo, então?
— Ah, sim! Não sabia? Bem, bem, não importa.
Por um momento ele ficou em silêncio, e então acrescentou, em
um tom muito mais reservado e hesitante:
— Sim, Frank veio hoje de manhã, só para ver como estávamos.
Eles se apressaram e logo chegaram a Randalls.
— Bem, minha querida — disse ele à esposa quando entraram
na sala. — Cá está ela e espero que logo se sinta melhor. Deixarei
vocês a sós. Não há motivos para adiar. Eu não estarei longe, se
precisar de mim. — E Emma distintamente o ouviu acrescentar,
numa voz mais baixa, antes de sair da sala: — Fiz como prometi. Ela
não faz ideia.
A sra. Weston parecia tão pálida e tinha um ar tão perturbado
que a inquietação de Emma aumentou. Assim que estavam
sozinhas, ela falou com urgência:
— O que houve, querida amiga? Vejo que algo de uma natureza
desagradável ocorreu; conte-me o que foi imediatamente. Vim até
aqui em completo suspense. Ambas abominamos suspense, então
não deixe o meu se alongar ainda mais. Será bom para você falar
sobre o que a aflige, o que quer que possa ser.
— Você não faz mesmo ideia? — perguntou a sra. Weston em
uma voz trêmula. — Não consegue, minha querida Emma, não
consegue arriscar um palpite sobre o que está prestes a ouvir?
— Suponho que esteja relacionado ao sr. Frank Churchill.
— Tem razão. Refere-se a ele, e vou contar sem mais delongas —
disse ela, retomando seu bordado e parecendo determinada a não
erguer os olhos. — Ele esteve aqui esta manhã para cumprir uma

É
missão extraordinária. É impossível exprimir a nossa surpresa. Ele
veio falar com o pai sobre um assunto… Para anunciar sua afeição…
Ela parou para respirar. Emma pensou primeiro em si mesma,
depois em Harriet.
— Mais do que uma afeição, na realidade — continuou a sra.
Weston. — Um noivado. Um noivado definitivo. O que você dirá,
Emma… o que dirão todos quando ficarem sabendo que Frank
Churchill e a srta. Fairfax ficaram noivos, ou, melhor dizendo, que
estão noivos há muito tempo!
Emma até se sobressaltou e exclamou, horrorizada:
— Jane Fairfax! Por Deus! Você está brincando! Não pode estar
falando sério!
— Sua surpresa é justificada — replicou a sra. Weston, com os
olhos ainda afastados, falando depressa para que Emma tivesse
tempo para se recobrar. — Sua surpresa é justificada. Mas é
verdade. Existe um acordo solene entre eles desde outubro, firmado
em Weymouth e mantido em segredo de todos. Alma alguma sabia
disso exceto eles mesmos, nem os Campbell, nem a família dela,
nem a dele. É tão surpreendente que, embora eu esteja convencida
por completo do fato, ainda me parece impossível. Mal consigo
acreditar. Achei que o conhecesse.
Emma mal ouviu o que ela falava. Sua própria mente estava
dividida entre duas ideias: suas próprias conversas anteriores com
ele sobre a srta. Fairfax e a pobre Harriet, e por um tempo ela só
conseguiu exprimir sua surpresa e pedir repetidas confirmações.
— Bem — disse ela por fim, tentando se acalmar —, essa é uma
circunstância sobre a qual precisarei refletir por ao menos meio dia
antes de conseguir compreender. Quê? Noivos durante todo o
inverno, antes que qualquer um dos dois viesse a Highbury?
— Noivos desde outubro, em segredo. Eu fiquei profundamente
magoada, Emma. O pai dele também. Há uma parte
da conduta dele
que não podemos perdoar.
Emma ponderou por um momento e então respondeu:
— Não fingirei que não
a compreendo e, para conceder-lhe todo
o alívio ao meu alcance, asseguro que as atenções dele comigo não
tiveram o efeito que você teme.
A sra. Weston ergueu os olhos, com medo de acreditar, mas o
semblante de Emma estava tão firme quanto suas palavras.
— Para que tenha menos dificuldade em crer na minha alegação
de total indiferença presente — continuou ela —, eu confessarei,
além disso, que houve um período, logo quando nos conhecemos,
em que eu gostava dele e estava muito disposta a apegar-me; não,
até já tinha me apegado, e como o sentimento veio a cessar talvez
seja um mistério. Mas, por sorte, acabou. Já há algum tempo, pelo
menos três meses, eu não tenho mais sentimentos por ele. Pode
acreditar em mim, sra. Weston. Essa é a pura verdade.
A sra. Weston a beijou com lágrimas de alegria e, quando
recuperou a fala, garantiu que essa declaração lhe fazia mais bem do
que qualquer outra coisa no mundo poderia.
— O sr. Weston ficará tão aliviado quanto eu — disse ela. —
Nesse ponto, estávamos profundamente infelizes. Era o nosso maior
desejo que vocês se afeiçoassem um ao outro, e estávamos
persuadidos de que era o caso. Imagine como nos sentimos por sua
conta.
— Eu escapei, e o fato de ter escapado pode ser motivo de grata
surpresa para você e para mim mesma. Mas isso não absolve a ele,
sra. Weston, e devo dizer que o acho muito culpado. Que direito
tinha ele de chegar entre nós, com afeições e confiança
comprometidas e modos tão
descomprometidos? Que direito tinha
de se esforçar para agradar, como certamente se esforçou, para
distinguir uma moça com atenções insistentes, como decerto fez,
enquanto pertencia a outra? Como ele poderia, sabendo os danos
que poderia causar? Como poderia saber que não fazia com que eu
me apaixonasse por ele? Foi muito impróprio, muito impróprio
mesmo.
— Considerando algo que ele disse, minha querida, eu imagino
que…
— E como ela
pôde suportar esse comportamento! Quanta
compostura! Ver atenções recorrentes prestadas a outra mulher,
bem na frente dela, e não se ressentir… É um grau de placidez que
não consigo nem compreender nem respeitar.
— Houve mal-entendidos entre eles, Emma, ele contou tudo a
nós. Não teve tempo para entrar em detalhes; ficou só por um
quarto de hora, e num estado de tamanha agitação que nem sequer
aproveitou todo o seu tempo aqui, mas disse especificamente que
houve mal-entendidos. A crise atual, de fato, parece ter sido
causada por mal-entendidos, que possivelmente decorreram da
conduta imprópria dele.
— Conduta imprópria! Ah, sra. Weston, essa é uma censura
muito branda! Sua conduta passou muito, muito além da
impropriedade! Isso o rebaixou… Não sei nem dizer quanto o
rebaixou em minha opinião. É tão diverso de como um homem
deveria ser! Não há nada daquela integridade honesta, da lealdade
estrita à verdade e aos princípios, do desdém a engodos e a
mesquinharias que um homem deveria demonstrar em todas as
instâncias da vida.
— Não, querida Emma, agora eu devo tomar a parte dele, pois,
embora tenha errado neste caso, eu o conheço há tempo suficiente
para confirmar que tem muitas, muitas qualidades e…
— Céus! — exclamou Emma, sem ouvir. — E a sra. Smallridge!
Jane estava prestes a assumir um posto de governanta! Como ele se
pôde permitir essa indelicadeza terrível? Como pôde deixá-la se
comprometer, sequer deixá-la cogitar tal medida?
— Ele não sabia nada sobre isso, Emma. Desse ponto, posso
absolvê-lo completamente. Foi uma resolução privada dela, que não
comunicou a ele, pelo menos não de forma a aparentar convicção.
Ele disse que, até ontem, ignorava os planos dela. Eles lhe foram
revelados subitamente, não sei como, creio que por alguma carta ou
mensagem, e quando descobriu o que ela estava fazendo, que
pretendia ir embora, ele decidiu agir de imediato, admitiu tudo ao
tio, jogou-se à mercê da generosidade dele e, em suma, pôs fim a
essa dissimulação abominável que vem se estendendo há tanto
tempo.
Emma começou a escutar com mais atenção.
— Eu devo receber notícias dele em breve — continuou a sra.
Weston. — Ele me disse, ao partir, que escreveria logo, e falou de
um jeito que parecia prometer muitos detalhes que não teve tempo
de dar. Vamos esperar, portanto, por essa carta. Talvez traga fatores
extenuantes. Pode tornar muitas coisas inteligíveis e perdoáveis que
agora não conseguimos entender. Não sejamos severas, não
tenhamos pressa em condená-lo. Sejamos pacientes. Devo continuar
a amá-lo e, agora que estou satisfeita quanto a um ponto, o mais
importante, espero sinceramente que tudo termine bem e estou
disposta a acreditar que será o caso. Ambos devem ter sofrido muito
sob todo esse sigilo e dissimulação.
— Os sofrimentos dele
— respondeu Emma secamente — não
parecem ter-lhe causado muita dor. Bem, e como o sr. Churchill
encarou a revelação?
— De modo muito favorável ao sobrinho; deu seu consentimento
sem grandes protestos. Considere o efeito que uma semana teve
naquela família! Enquanto a pobre sra. Churchill estava viva,
imagino que não havia qualquer esperança, uma chance sequer, mas
assim que os restos mortais dela foram enterrados na cripta familiar
o marido foi persuadido a agir da forma oposta à que ela teria
exigido. Que benção, quando a influência indevida não sobrevive ao
túmulo! Foi preciso muito pouco para obter seu consentimento.
Ah!
, pensou Emma. Então ele teria feito o mesmo por Harriet.
— Foi tudo resolvido ontem à noite, e Frank partiu logo ao
amanhecer. Parou em Highbury, na casa das Bates, imagino, por um
tempo, e então veio para cá, mas estava com tanta pressa de voltar
para junto do tio, a quem agora é mais necessário do que nunca,
que, como eu lhe disse, só pôde ficar conosco por um quarto de
hora. Estava muito agitado, muito mesmo, tanto que parecia uma
criatura completamente diferente do normal. Não bastasse todo o
resto, sofreu um choque ao encontrá-la tão enferma, pois não tinha
qualquer suspeita de sua condição e nos pareceu muito abalado.
— E você acredita mesmo que o noivado foi levado adiante em
completo segredo? Os Campbell, os Dixon, nenhum deles sabia?
Emma não conseguiu falar o nome Dixon sem corar de leve.
— Não, ninguém. Ele afirmou categoricamente que nenhuma
alma viva além dos dois sabia.
— Bem — disse Emma —, imagino que aos poucos vamos nos
reconciliar com a ideia, e desejo felicidade a eles. Mas sempre
pensarei que foi uma conduta abominável. O que foi, exceto um
sistema de hipocrisia e enganos, espionagem e traições? Chegar
entre nós com declarações de franqueza e sinceridade, enquanto
estavam mancomunados em segredo e julgando a todos! Cá ficamos
nós o inverno e a primavera toda, completamente enganados,
imaginando tratar com igual verdade e honra duas pessoas em nosso
meio que estavam se comportando, comparando e julgando
sentimentos e palavras que nunca deveriam ter sido ouvidos por
ambos. Eles terão de lidar com as consequências, se ouviram falar
um do outro de uma forma não inteiramente amável!
— Quanto a isso estou muito tranquila — respondeu a sra.
Weston. — Tenho certeza de que nunca falei nada sobre um ao
outro que ambos não poderiam ter escutado.
— Você tem sorte. Seu único lapso ficou confinado aos meus
ouvidos, quando imaginou que certo amigo nosso poderia estar
apaixonado pela dama.
— É verdade. Mas, como sempre tive uma opinião muito positiva
da srta. Fairfax, não poderia, devido a qualquer lapso, ter falado mal
dela. E quanto a falar mal dele, creio que estou a salvo disso.
Nesse momento, o sr. Weston apareceu a uma curta distância da
janela, claramente espiando. A esposa lhe lançou um olhar que o
convidou a entrar e, enquanto ele se aproximava, acrescentou:
— Agora, minha querida Emma, peço-lhe que fale e se comporte
de modo a apaziguar o coração dele e deixá-lo satisfeito com a
união. Vamos tirar o melhor proveito da situação, e, de fato, quase
tudo pode ser dito em favor dela. Não é uma união que trará
vantagens, mas se o sr. Churchill não se incomoda com isso, por que
nós deveríamos? E pode ser uma circunstância muito afortunada
para ele, para Frank, isto é, ter se apegado a uma garota com a
abundante firmeza de caráter e de bom senso que sempre lhe
atribuí, e ainda estou disposta a atribuir, apesar desse grande desvio
do decoro. E como a situação dela pode amenizar mesmo um erro
desses!
— Muito, de fato! — exclamou Emma, com sinceridade. — Se
uma mulher pode ser desculpada por pensar apenas em si mesma, é
em uma situação como a de Jane Fairfax. Quanto a isso, quase
podemos dizer que o “mundo não é seu, nem as leis do mundo”.
40
Ela foi sorridente ao encontro do sr. Weston quando ele entrou,
exclamando:
— Palavra, o senhor me pregou uma bela peça! Foi uma
estratégia, suponho, para atiçar a minha curiosidade e exercitar o
meu talento de adivinhação. Mas realmente me assustou. Pensei que
tinham perdido metade de sua propriedade, no mínimo, e eis que
descubro que, em vez de ser uma questão de condolências,
demanda felicitações. Eu o parabenizo, sr. Weston, de todo coração,
pela perspectiva de ter como nora uma das moças mais adoráveis e
talentosas da Inglaterra.
Um ou dois olhares trocados com a esposa o convenceram de
que tudo estava bem, como esse discurso proclamava, e o efeito
benéfico no humor do sr. Weston foi imediato. Seus ares e voz
recobraram a efervescência usual; ele apertou a mão dela com
entusiasmo e gratidão, e começou a discutir o assunto de tal forma
que ficou evidente que só lhe faltavam tempo e persuasão para
julgar que o noivado não era uma má notícia. Suas companheiras
sugeriram apenas o que poderia aliviar a imprudência ou suavizar as
objeções e, depois que tinham discutido a questão juntos e que ele a
discutiu novamente com Emma, no caminho de volta a Hartfield, o
sr. Weston estava perfeitamente reconciliado com a situação e quase
pensava que era a melhor coisa que Frank poderia ter feito.

40
.  Referência a uma citação de Romeu e Julieta
, de William Shakespeare.
O verso original diz: “Não é teu amigo o mundo, nem as leis do mundo”.
CAPÍTULO XI

Harriet, pobre Harriet!


Eram essas as palavras que resumiam os
pensamentos angustiados dos quais Emma não conseguia se livrar, e
que para ela representavam o verdadeiro pesar da história toda.
Frank Churchill se comportara muito mal para com a própria Emma
— muito mal, de muitas formas —, mas não era tanto o
comportamento dele
, quanto o dela, que a deixou tão furiosa com
ele. Era na medida em que ele a envolvera com Harriet que ela
sentia mais profundamente a ofensa. Pobre Harriet! Pela segunda
vez, ser a vítima das ideias equivocadas e lisonjas de Emma. O sr.
Knightley tinha sido profético ao dizer: “Você não foi amiga de
Harriet Smith, Emma”. Ela receava só ter feito um desserviço à
amiga. Era verdade que não precisava se culpar, neste caso, como
no anterior, por ser a única e original autora do mal causado, por ter
sugerido sentimentos que, caso contrário, poderiam jamais ter
ocorrido à imaginação de Harriet, pois a amiga tinha admitido sua
admiração e preferência por Frank Churchill antes que ela fizesse
qualquer sugestão, mas Emma se sentia profundamente culpada por
ter encorajado o que poderia ter reprimido. Poderia ter evitado que
Harriet se entregasse a tais sentimentos e os deixasse crescer. A
influência de Emma teria sido suficiente. E agora estava muito
consciente do fato de que deveria tê-los coibido. Sentia que tinha
apostado a felicidade da amiga por indícios muito insuficientes. O
bom senso ditava que dissesse a Harriet que não deveria pensar nele
e que a chance de ele a amar era uma em quinhentas. Mas receio
,
ela acrescentou, não ter exercitado muito o bom senso.
Emma estava furiosa consigo mesma. Se não pudesse se
enfurecer com Frank Churchill também, teria sido terrível. Ao
menos quanto a Jane Fairfax ela poderia poupar-se de qualquer
solicitude. Harriet já causaria ansiedade suficiente; Emma não
precisava se afligir mais por Jane, uma vez que seus problemas e sua
saúde debilitada, tendo naturalmente a mesma causa, seriam
igualmente sanados. Seus dias de insignificância e infortúnios
chegavam ao fim. Logo ela seria saudável, feliz e próspera. Emma
também podia imaginar por que suas próprias cortesias foram
esnobadas. A descoberta explicava muitas questões menores. Sem
dúvida, o motivo era inveja. Aos olhos de Jane, ela fora uma rival, e
era compreensível que qualquer oferta sua de assistência ou estima
fossem rejeitadas. Um passeio na carruagem de Hartfield teria sido
uma tortura; a araruta dos estoques de Hartfield, veneno. Agora
Emma entendia tudo e, na medida que sua mente conseguia se
desvincular das injustiças e do egoísmo de sentimentos inflamados,
reconhecia que Jane Fairfax não obteria nem elevação social nem
felicidade além do merecido. E a pobre Harriet pesava-lhe tanto na
consciência! Sobrava pouca condolência para outra pessoa. Emma
temia que a segunda decepção seria mais severa que a primeira.
Considerando as qualidades muito superiores do alvo de suas
afeições e o efeito aparentemente mais forte que exerceu sobre
Harriet, inspirando discrição e autocontrole, seria assim.
Entretanto, ela precisava transmitir a notícia dolorosa — e o quanto
antes. Uma ordem de sigilo estivera entre as palavras de despedida
do sr. Weston. Por enquanto, o caso deveria ser mantido em total
segredo. O sr. Churchill fizera questão, como um sinal de respeito à
esposa recém-falecida, e todos concordaram que não era mais que o
decoro devido. Emma tinha prometido, mas Harriet seria a exceção.
Era seu maior dever.
Apesar do aborrecimento, ela não pôde deixar de sentir que era
quase ridículo ter de executar a mesma tarefa angustiante e delicada
com Harriet que o sr. Weston precisara cumprir com ela mesma. A
informação tão ansiosamente anunciada a ela agora seria
ansiosamente anunciada a outra pessoa. Seu coração acelerou-se ao
ouvir os passos e a voz de Harriet; da mesma forma, supôs, a pobre
sra. Weston teria se sentido quando ela
se aproximara de Randalls.
Se ao menos a revelação pudesse evocar uma reação parecida! Mas
disso, infelizmente, não havia chance.
— Bem, srta. Woodhouse! — exclamou Harriet, entrando
apressada na sala. — Não é a notícia mais estranha que já se ouviu?
— De que notícia você fala? — respondeu Emma, sem conseguir
adivinhar, pela sua expressão ou voz, se Harriet poderia mesmo ter
alguma ideia do ocorrido.
— Sobre Jane Fairfax. Já ouviu algo tão estranho? Ah! A
senhorita não precisa temer discutir o assunto comigo, pois o sr.
Weston me contou pessoalmente. Acabei de encontrá-lo. Ele avisou
que era um grande segredo, de forma que eu não mencionaria a
mais ninguém, mas ele disse que a senhorita já sabia.
— O que o sr. Weston lhe contou? — perguntou Emma, ainda
perplexa.
— Ah! Tudo sobre como Jane Fairfax e o sr. Frank Churchill vão
se casar, e que estavam secretamente noivos todo esse tempo. Que
história mais estranha!
Era, de fato, muito estranho; o comportamento de Harriet era
tão estranho que Emma não sabia como compreendê-lo. Seu caráter
parecia completamente mudado. Ela não dava sinais de qualquer
agitação, decepção ou preocupação especial quanto à notícia. Emma
a observou sem conseguir falar.
— A senhorita fazia alguma ideia — exclamou Harriet — de que
ele estava apaixonado por ela? Talvez fizesse. A senhorita —
acrescentou, enrubescendo — consegue ver o coração de todos, mas
ninguém mais…
— Palavra — exclamou Emma —, começo a duvidar de que já
tive tal talento. Como pode me perguntar, Harriet, se imaginei que
ele era afeiçoado por outra mulher no momento em que…
tacitamente, mesmo que não abertamente… a incentivei a se
entregar a seus sentimentos? Até meia hora atrás, nunca desconfiei
que o sr. Frank Churchill tivesse qualquer consideração por Jane
Fairfax. Asseguro-lhe que, se soubesse, eu a teria aconselhado de
acordo.
— Eu! — surpreendeu-se Harriet, corando e chocada. — Por que
deveria me advertir? Não pode pensar que tenho sentimentos pelo
sr. Frank Churchill.
— Fico contente ao vê-la falar tão estoicamente sobre o assunto
— respondeu Emma, sorrindo —, mas não pode negar que houve
uma época, não muito distante, em que me deu motivos para crer
que era o caso.
— Ele! Não, nunca. Cara srta. Woodhouse, como pôde me
entender tão mal? — E ela se virou, aflita.
— Harriet! — exclamou Emma, após uma pausa. — Como
assim? Céus! O que quer dizer com… entender mal? Devo crer
que…?
Ela não conseguiu proferir outra palavra. Perdeu a voz e sentou-
se, esperando em imenso terror até que Harriet respondesse.
Harriet, que estava parada a certa distância, com o rosto virado,
não disse nada a princípio. Quando falou, sua voz estava quase tão
agitada quanto a de Emma.
— Eu não acharia possível — começou ela — a senhorita não ter
me compreendido! Sei que concordamos em nunca o nomear, mas
uma vez que ele é infinitamente superior a qualquer outro homem,
não pensaria possível a senhorita ter pensado que eu estivesse
falando de outra pessoa. O sr. Frank Churchill, céus! Não sei quem
jamais olharia para ele na companhia do outro. Espero ter bom
gosto suficiente para não pensar no sr. Frank Churchill, que é como
um ninguém ao lado dele. E é espantoso que a senhorita possa ter se
enganado tanto! Eu juro que, se eu não acreditasse que aprovava
inteiramente e queria me incentivar em minha afeição, teria
considerado uma presunção quase grande demais sequer pensar
nele. A princípio, se a senhorita não tivesse me dito que coisas mais
espantosas já tinham acontecido, que já houvera uniões mais
desiguais, essas foram as suas palavras… eu jamais teria ousado me
entregar a… eu não teria achado possível que… mas se a
senhorita
,
que o conhece há tanto tempo…
— Harriet! — exclamou Emma, controlando-se resolutamente.
— Falemos com clareza para não admitir mais equívocos. Você está
se referindo ao… ao sr. Knightley?
É
— É claro. Nunca poderia ter pensado em outra pessoa, e achei
que a senhorita sabia. Quando falamos sobre ele, ficou o mais claro
possível.
— Não inteiramente — replicou Emma, com uma calma forçada
—, pois tudo que você me disse na ocasião pareceu se referir a outra
pessoa. Eu poderia quase jurar que você mencionou
o sr. Frank
Churchill. Tenho certeza de que citou o serviço que ele prestou a
você, protegendo-a dos ciganos.
— Ah, srta. Woodhouse! Como pôde ter esquecido!
— Minha querida Harriet, eu me lembro perfeitamente da
substância do que foi dito na ocasião. Comentei que não me
surpreendia com a sua afeição, pois, considerando o serviço que ele
lhe prestara, era bastante natural, e você concordou, se expressando
muito enfaticamente sobre esse serviço e mencionando até suas
sensações ao vê-lo se aproximar em seu resgate. A impressão ficou
forte na minha memória.
— Ah, céus! — exclamou Harriet. — Agora me lembro do que
está falando, mas eu estava pensando em algo completamente
diferente. Não eram os ciganos, não era Frank Churchill de quem eu
falava. Não! — exclamou, um pouco acalorada. — Eu estava
pensando em uma ocasião muito mais preciosa: quando o sr.
Knightley veio me chamar para dançar, depois que o sr. Elton
recusou-se a me convidar, e quando não havia nenhum outro
parceiro disponível. Foi esse o ato gentil, foi essa a nobre
benevolência e generosidade, o serviço que me levou a perceber
como ele é superior a qualquer outro ser na terra.
— Por Deus! — exclamou Emma. — Foi um engano muito
lamentável… muito deplorável! O que faremos?
— Quer dizer que a senhorita não teria me incentivado, se
tivesse me compreendido. Porém, pelo menos, eu não posso estar
em uma situação pior do que estaria se tivesse falado do outro, e
agora… é
possível que…
Ela se calou por alguns momentos. Emma não conseguia falar.
— Eu não me surpreendo, srta. Woodhouse — retomou ela —,
que sinta uma grande diferença entre os dois, no que se refere a
mim ou a qualquer outra mulher. Deve pensar que um está
quinhentos milhões de vezes mais acima de mim que o outro. Mas
espero, srta. Woodhouse, que se… que se… Por mais estranho que
possa parecer… Mas, sabe, foram suas próprias palavras, que coisas
mais
espantosas já aconteceram, uniões mais
desiguais já
ocorreram do que entre o sr. Frank Churchill e eu, e, portanto,
parece que mesmo algo assim já deve ter acontecido antes, e se eu
fosse afortunada, mais do que poderia expressar, a ponto de… Se o
sr. Knightley realmente… Se ele
não se importar com a disparidade,
espero, querida srta. Woodhouse, que não se oponha nem tente
apresentar obstáculos. Mas a senhorita é boa demais para isso,
tenho certeza.
Harriet estava parada diante de uma das janelas. Emma se virou
para ela, consternada, e perguntou depressa:
— Você tem alguma suspeita de que o sr. Knightley retribua sua
afeição?
— Sim — disse Harriet, modestamente mas sem medo. — Devo
dizer que sim.
Os olhos de Emma se voltaram de imediato para dentro, e ela
ficou sentada em meditação silenciosa, em uma posição fixa, por
alguns minutos. Esses minutos foram suficientes para familiarizá-la
com seu próprio coração. Uma mente como a dela, uma vez aberta à
suspeita, fazia progresso rápido. Ela tocou… admitiu… reconheceu
toda a verdade. Por que era tão pior que Harriet estivesse
apaixonada pelo sr. Knightley do que por Frank Churchill? Por que
era tão mais terrível que a amiga nutrisse esperanças de ter seus
sentimentos retribuídos? A resposta a perpassou com a rapidez de
uma flecha: porque o sr. Knightley não deveria se casar com
ninguém além dela mesma!
Sua própria conduta, assim como seu próprio coração, foram
revelados à sua frente nesses minutos. Ela enxergou tudo com uma
clareza que nunca a abençoara antes. Como tinha se comportado de
modo inadequado com Harriet! Como sua conduta fora descortês,
indelicada, irracional e insensível! Que cegueira — que loucura — a
impelira? A consciência de sua conduta a atingiu com uma força
terrível, e ela estava disposta a dar-lhe os piores nomes possíveis.
Algum respeito por si mesma, porém, apesar de todos esses
deméritos — alguma preocupação com as aparências, e uma forte
noção do que devia a Harriet (não seria necessário sentir
compaixão
pela moça que se acreditava amada pelo sr. Knightley,
mas Emma não devia deixá-la infeliz com qualquer frieza de sua
parte agora), deu a Emma a coragem para permanecer sentada e
prosseguir com calma, até com aparente gentileza. Para seu próprio
bem, de fato, seria útil que as esperanças da amiga fossem
investigadas, e Harriet não fizera nada para merecer a perda de uma
estima e um interesse tão voluntariamente formados e preservados
— ou para merecer o desprezo da pessoa cujos conselhos jamais a
levaram pelo caminho certo. Despertando de sua reflexão, portanto,
e controlando suas emoções, ela se virou de novo para Harriet e, em
um tom mais convidativo, retomou a conversa — pois o assunto que
a introduzira a princípio, a incrível história de Jane Fairfax, fora
completamente abandonado. Nenhuma delas pensava em mais nada
exceto no sr. Knightley e em si mesmas.
Harriet, que estava quieta em feliz reflexão, ainda assim se
alegrou ao ser distraída dela pelos modos encorajadores de uma
conselheira e amiga como a srta. Woodhouse, e só precisou de um
convite para relatar toda a história de suas esperanças com grande
— ainda que trêmulo — deleite. Os estremecimentos de Emma
enquanto perguntava e escutava foram mais bem disfarçados que os
dela, mas não eram menores. Sua voz não falhou, mas sua mente
estava tomada pela perturbação que uma descoberta sobre si
mesma, o surgimento de uma ameaça tão terrível e um nó de
emoções súbitas e desconcertantes necessariamente criavam. Ela
ouviu o relato detalhado de Harriet com muito sofrimento interno,
mas grande paciência externa. Não podia esperar que fosse
metódico ou organizado ou muito bem articulado, mas apresentava,
quando separado de toda a debilidade e tautologia da narrativa, uma
substância que a desanimou — especialmente dadas as
circunstâncias corroborantes que sua própria memória evocou em
favor da opinião muito mais favorável do sr. Knightley quanto a
Harriet.
A amiga estava consciente de uma mudança no comportamento
dele desde aquelas duas danças decisivas. Emma sabia que, na
ocasião, o sr. Knightley descobrira que Harriet era muito superior à
sua expectativa. Desde aquela noite, ou pelo menos desde a época
em que a srta. Woodhouse a incentivou a pensar nele, Harriet
começara a notar que ele falava muito mais com ela do que antes, e
que seus modos, de fato, eram diferentes com ela, gentis e doces!
Ultimamente, ela se tornava cada vez mais ciente disso. Quando
todos estavam caminhando juntos, muitas vezes ele fora andar com
ela, e tinha conversado de maneira tão agradável! Parecia querer
conhecê-la melhor. Emma sabia que era verdade. Ela tinha
observado a mudança muitas vezes, quase no mesmo grau. Harriet
repetiu expressões de aprovação e elogios que ele lhe fizera — e
Emma sentiu que estavam em total concordância com o que
conhecia da opinião dele sobre Harriet. Ele a elogiava por não
empregar artifícios nem afetações, por ter sentimentos simples,
honestos e generosos. Emma sabia que ele via tais qualidades em
Harriet, pois tinha falado a respeito mais de uma vez. Muito do que
vivia na memória de Harriet, muitas minúcias da atenção que
recebera dele, olhares, discursos, a transferência de um assento a
outro, um elogio implícito, uma preferência implícita, tinham
passado despercebidos porque Emma não suspeitava deles.
Circunstâncias que resultaram num relato de meia hora e
continham múltiplas provas para aquela que as presenciara não
tinham sido notadas por aquela que agora as ouvia, mas as duas
últimas ocorrências mencionadas — as duas mais promissoras, na
opinião de Harriet — tinham sido testemunhadas pela própria
Emma. A primeira foi quando ele caminhou com Harriet, apartado
dos outros, na alameda de limoeiros em Donwell, que eles vinham
percorrendo havia algum tempo antes de Emma chegar, e ele tinha
se esforçado (ao menos Harriet estava convencida disso) para
afastá-la do resto do grupo a fim de falar com ela a sós — e, no
começo, tinha falado de um modo mais particular do que já fizera
antes, de um modo muito particular, de fato! (Harriet não conseguia
recordar sem enrubescer.) Ele quase parecera estar perguntando se
as afeições dela já tinham um objeto. Mas assim que ela (a srta.
Woodhouse) pareceu indicar que se juntaria a eles, o sr. Knightley
mudou de assunto e passou a falar de agricultura. A segunda ocasião
foi quando ele se sentou para conversar com ela por quase meia
hora antes de Emma voltar para casa, naquela última manhã em
que ele esteve em Hartfield — embora, quando entrou, tivesse dito
que não poderia ficar nem cinco minutos — e o fato de ter dito a
ela, durante a conversa, que, embora devesse ir a Londres, saía de
casa contra suas próprias inclinações, o que era muito mais (sentiu
Emma) do que ele tinha admitido a ela.
A confiança superior em
Harriet que esse detalhe sugeria causou-lhe uma dor profunda.
Quanto à primeira das duas circunstâncias, após certa reflexão,
ela arriscou a seguinte pergunta:
— Será que ele não… Não seria possível que, quando ele
perguntou, como você pensou, sobre suas afeições, ele poderia estar
aludindo ao sr. Martin, tendo o sr. Martin em mente?
Mas Harriet rejeitou a suspeita com vigor.
— O sr. Martin! Não, de forma alguma! Não houve qualquer
menção ao sr. Martin. Espero ter superado qualquer afeição pelo sr.
Martin ou suspeita disso.
Quando Harriet tinha terminado de apresentar suas evidências,
suplicou à querida srta. Woodhouse que dissesse se ela tinha
motivos para nutrir esperanças.
— Eu nunca teria presumido, no começo — disse ela —, se não
fosse a senhorita. A senhorita me disse para observá-lo
cuidadosamente e deixar o comportamento dele ditar o meu, e fiz
isso. Mas agora sinto que talvez o mereça, e que, se ele me escolher
mesmo, não haveria nada mais maravilhoso no mundo.
Os sentimentos amargos inspirados por esse discurso, os muitos
sentimentos amargos, exigiram de Emma um enorme esforço para
responder.
— Harriet, arriscarei apenas declarar que o sr. Knightley é o
último homem no mundo que intencionalmente daria a qualquer
mulher a impressão de que sente mais por ela do que sente de fato.
Harriet pareceu pronta para venerar a amiga após uma sentença
tão satisfatória, e Emma só foi salva de suas declarações de êxtase e
ternura, que no momento teriam sido uma terrível penitência, pelo
som dos passos do pai. Ele se aproximava pelo corredor. Harriet
estava agitada demais para encontrá-lo. Não conseguiria se
recompor e o sr. Woodhouse ficaria alarmado; era melhor ir embora
— e com quase imediata aquiescência da amiga, portanto, ela
passou por outra porta. No momento em que partiu, os sentimentos
de Emma irromperam espontaneamente:
— Ah, Deus! Se ao menos eu não a tivesse visto!
O resto do dia e da noite seguinte mal foram suficientes para
organizar seus pensamentos. Ela estava desnorteada em meio à
confusão de tudo que a tomara de assalto nas últimas horas. Cada
momento trouxera uma nova surpresa, e cada surpresa fora um
motivo de humilhação para ela. Como entender tudo aquilo? Como
entender as mentiras que ela estivera dizendo a si mesma, sob as
quais vivia? Os enganos, a cegueira de sua própria mente e coração!
Ela sentava-se imóvel, caminhava, tentava ficar no próprio quarto,
tentava caminhar nos jardins — em cada lugar, em cada postura,
percebia que tinha agido sem firmeza, que tinha sido enganada
pelos outros de um modo mortificante, que tinha enganado a si
mesma de um modo ainda mais mortificante, e que estava infeliz e
provavelmente descobriria que aquele dia era apenas o começo de
sua infelicidade.
Entender, verdadeiramente entender o seu próprio coração era a
prioridade. Para esse propósito, dedicou cada momento de lazer que
as exigências do pai lhe concediam e cada momento de ausência
involuntária da mente.
Havia quanto tempo o sr. Knightley era tão querido a ela, como
todos os sentimentos agora apontavam? Quando a influência dele
sobre Emma, uma influência tão grande, tinha começado? Quando
ele tinha passado a ocupar nos afetos dela o lugar que um breve
período fora de Frank Churchill? Ela examinou o passado e
comparou os dois — comparou a posição que sempre ocuparam em
sua estima, desde a época em que o segundo se tornou seu
conhecido, e como eles sempre teriam sido comparados por ela se…
Ah! Se, por algum acaso abençoado, tivesse lhe ocorrido fazer a
comparação. Ela percebeu que jamais houve uma época em que não
considerou o sr. Knightley infinitamente superior, ou em que sua
estima por ele não tivesse sido infinitamente maior. Viu que, ao se
persuadir, ao fantasiar, ao agir como se não fosse o caso, ela estivera
se iludindo, ignorando por completo o próprio coração — e que, em
suma, ela nunca tinha amado Frank Churchill de verdade!
Foi essa a conclusão da primeira série de reflexões. Foi esse o
conhecimento de si mesma que atingiu após seu primeiro
questionamento, e não demorou muito para obtê-lo. Ficou
tristemente indignada e envergonhada de cada sensação exceto a
recém-revelada a ela: seu afeto pelo sr. Knightley. Todas as outras
partes de sua mente eram desagradáveis.
Com vaidade insuportável, ela se acreditara secretamente alvo
dos sentimentos de todos; com arrogância imperdoável, havia se
disposto a ordenar o destino de todos. Ficou claro que estivera
universalmente enganada, mas não era como se não tivesse feito
nada — pois tinha causado estragos. Tinha prejudicado Harriet, a si
mesma e, também receava, o sr. Knightley. Se aquela união de
profunda desigualdade ocorresse, a culpa por iniciá-la caberia a ela;
pois ela acreditava que o afeto dele tivesse surgido apenas devido à
consciência dos sentimentos de Harriet, e, mesmo se não fosse o
caso, ele nunca teria conhecido Harriet exceto pela interferência
despropositada de Emma.
O sr. Knightley e Harriet Smith! Seria a união mais espantosa
que ela já vira. Em comparação, o noivado de Frank Churchill e
Jane Fairfax se tornava corriqueiro, ordinário, trivial, incapaz de
provocar surpresa, não apresentando nenhuma disparidade, não
permitindo que nada fosse dito ou pensado. O sr. Knightley e
Harriet Smith! Que ascensão da parte dela! Que rebaixamento da
dele! Era horrível para Emma pensar em como isso o diminuiria na
opinião geral; prever os risinhos, o desdém e o divertimento que
seria inspirado à custa dele, a mortificação e o desprezo do irmão, e
as mil inconveniências para ele próprio. Poderia mesmo acontecer?
Não, era impossível. No entanto, estava muito, muito longe de ser
impossível. Seria uma circunstância extraordinária que um homem
de faculdades elevadas fosse conquistado por faculdades muito
inferiores? Seria extraordinário que um homem talvez ocupado
demais para procurar uma noiva se tornasse o prêmio de uma
garota que o procurasse? Seria extraordinário que algo no mundo
fosse desigual, inconsistente, incongruente — ou que o acaso e as
circunstâncias (como causas secundárias) dirigissem o destino
humano?
Ah! Se ao menos ela não tivesse elevado Harriet! Se a tivesse
deixado onde ela devia ficar, e onde ele lhe dissera que ela deveria
ficar! Se Emma não tivesse, com um despropósito que nenhuma
língua seria capaz de expressar, impedido Harriet de se casar com
um rapaz excelente que a teria tornado feliz e respeitável na posição
social à qual ela deveria pertencer… tudo estaria a salvo, e
nenhuma daquelas consequências terríveis estaria acontecendo.
Como Harriet teve a presunção de erguer seus pensamentos ao
sr. Knightley? Como ousara se imaginar a escolhida de tal homem
até ter certeza absoluta? Mas Harriet estava menos humilde e tinha
menos escrúpulos do que antes. Parecia sentir pouco a sua
inferioridade, fosse de intelecto ou de posição social. Ela parecera
mais sensível ao fato de que o sr. Elton se rebaixaria caso se casasse
com ela do que demonstrava estar agora, ao imaginar a mesma
situação com o sr. Knightley. Mas isso também não era culpa de
Emma? Quem tinha se esforçado para dar a Harriet noções de sua
própria importância, exceto ela mesma? Quem, exceto ela mesma,
tinha ensinado a Harriet que deveria ascender, se possível, e que
tinha direito a um casamento superior? Se Harriet tinha passado da
humildade para a vaidade, também era culpa de Emma.
CAPÍTULO XII

Até correr o risco de perdê-la, Emma nunca percebera quanto de


sua felicidade dependia de ocupar o primeiro
lugar nos interesses e
nas afeições do sr. Knightley. Satisfeita por ser o caso, e sentindo
que era o seu direito, ela tinha desfrutado esse privilégio sem
reflexão, e só no horror de ser substituída descobriu como isso lhe
era inexprimivelmente importante. Por muito, muito tempo, sentira
que era sempre a primeira com ele, pois, como ele não tinha
parentes mulheres, apenas Isabella tinha direitos que podiam ser
comparados aos seus, e ela sempre soubera exatamente até que
ponto ele amava e estimava Isabella. Emma tinha sido a primeira
com ele por muitos anos. Não tinha merecido; muitas vezes, fora
negligente ou cruel, desprezando seus conselhos ou até se opondo a
ele com teimosia, insensível a metade dos seus méritos, e discutindo
porque ele se recusava a aceitar sua avaliação falsa e insolente de si
mesma — mas ainda assim, por apego familiar e hábito, e na
excelência de sua mente, ele a amara e cuidara dela desde menina,
com a intenção de aprimorá-la e uma ansiedade para que ela agisse
corretamente que nenhuma outra criatura no mundo
compartilhara. Apesar de todos os defeitos dela, Emma sabia que
lhe era querida; talvez pudesse até dizer muito querida? Entretanto,
quando as esperanças que poderiam se seguir a essa conclusão se
apresentaram, ela não pôde entregar-se a elas. Harriet Smith
poderia pensar não ser indigna de ser especial, exclusiva e
apaixonadamente amada pelo sr. Knightley. Emma
não podia fazer
isso. Não podia se lisonjear com qualquer cegueira quanto ao apego
que ele tinha por ela.
Tinha recebido uma prova muito recente de
sua imparcialidade. Como ele ficara chocado com o comportamento
dela em relação à srta. Bates! Como tinha se expressado direta e
enfaticamente quanto ao assunto! Não tanto a ponto de ofender —
mas muito, demais para que a reprimenda se originasse de qualquer
sentimento mais brando do que um severo senso de justiça e uma
perspicaz boa vontade. Emma não tinha esperança, nem nada que
merecesse tal nome, de que ele pudesse nutrir por ela o tipo de
afeto que agora estava em questão, mas sentia uma esperança (às
vezes muito leve, às vezes bem mais forte) de que Harriet tivesse se
enganado e estivesse superestimando a estima dele por ela.
Precisava desejar que fosse o caso, pelo bem dele — ainda que isso
não significasse nada para si mesma e que ele permanecesse solteiro
a vida toda. De fato, se pudesse ter certeza de que ele jamais se
casaria, acreditava que ficaria perfeitamente satisfeita. Se ele
continuasse sendo o mesmo sr. Knightley para ela e para o pai, o
mesmo sr. Knightley para o mundo, e Donwell e Hartfield não
perdessem seus preciosos elos de amizade e confiança, a paz dela
estaria assegurada. Na verdade, ela nem sequer poderia se casar.
Seria incompatível com o que devia ao pai e com o que sentia por
ele. Nada poderia separá-la do pai. Ela não se casaria, mesmo se o
sr. Knightley pedisse.
Seu desejo mais fervoroso era que Harriet se frustrasse, e ela
esperava, quando os visse juntos de novo, poder ao menos avaliar
quais eram as chances de isso acontecer. Ela passaria a observá-los
com a maior atenção e, por mais terrivelmente errada que tivesse
estado sobre o que observava até agora, não sabia como admitir que
poderia se enganar agora. Era esperado que o sr. Knightley voltasse
a qualquer dia. Logo se apresentaria a possibilidade de observar —
cedo demais, parecia-lhe, quando seus pensamentos se dirigiam em
certa direção. No ínterim, ela determinou que não veria Harriet.
Não ajudaria a nenhuma das duas, tampouco à questão, falar mais a
respeito. Ela estava decidida a não se convencer enquanto houvesse
espaço para dúvidas, mas não tinha autoridade para se opor à
confiança de Harriet. Conversar sobre o assunto só a irritaria.
Assim, ela escreveu à outra, com palavras gentis mas firmes, para
implorar que não viesse a Hartfield por um tempo, alegando sua
convicção de que era melhor evitar qualquer discussão subsequente
de certo
tópico, e esperando que, se elas permitissem que alguns
dias se passassem antes do próximo encontro, exceto na companhia
de outros — ela só objetava a um tête-à-tête
— poderiam agir como
se tivessem esquecido a conversa do dia anterior. Harriet cedeu,
aquiesceu e sentiu-se grata por isso.
Essa questão tinha apenas sido resolvida quando uma visitante
chegou para desviar um pouco os pensamentos de Emma do único
assunto que os tinha dominado, adormecida ou desperta, nas
últimas vinte e quatro horas: a sra. Weston, que acabara de visitar
sua futura nora e decidira passar por Hartfield a caminho de casa,
quase tanto por um dever com Emma como para seu próprio prazer,
a fim de relatar todos os detalhes de uma conversa muito
interessante.
O sr. Weston a tinha acompanhado até a casa da sra. Bates e
dispensado as cortesias necessárias com toda a elegância, mas, uma
vez que havia convencido a srta. Fairfax a juntar-se a ela para um
passeio, retornava agora com muito mais a contar, e muito mais a
contar com satisfação, do que teria permitido um quarto de hora
passado na sala de visitas da sra. Bates, com todo o embaraço de
sentimentos constrangedores.
Emma estava de fato um pouco curiosa e desfrutou ao máximo o
relato da amiga. A sra. Weston tinha partido para a visita com certo
grau de agitação; na verdade, teria preferido não ir no momento,
apenas escrever à srta. Fairfax e adiar aquela visita formal até que
certo tempo tivesse se passado e o sr. Churchill pudesse ser
reconciliado com o fato de o noivado ser de conhecimento geral —
e, acima de tudo, pensou que uma visita dessas não podia ser feita
sem que a notícia se espalhasse. Mas o sr. Weston pensara de outra
forma: estava extremamente ansioso para demonstrar sua
aprovação à srta. Fairfax e à família dela, e não imaginava que
qualquer suspeita pudesse ser suscitada pela visita; ou, se fosse, que
não importaria, pois “tais coisas”, observou ele, “sempre
escapavam”. Emma sorriu e sentiu que o sr. Weston tinha bons
motivos para pensar assim. Em suma, eles tinham ido — e a aflição
e confusão evidentes da dama tinham sido consideráveis. Ela mal
conseguira falar uma palavra, e cada olhar e ação revelaram seu
profundo constrangimento. A satisfação silenciosa e sincera da
senhora e o deleite extasiado da filha dela — que estava feliz demais
até para falar como de costume — criaram uma cena gratificante,
quase comovente. Ambas foram muito respeitáveis em sua
felicidade, completamente desinteressadas em qualquer vantagem
própria; pensavam tanto em Jane, tanto em todos e tão pouco em si
mesmas, que suscitavam os sentimentos mais amáveis. A
enfermidade recente da srta. Fairfax fornecera um pretexto razoável
para que a sra. Weston a convidasse para um passeio. Jane ficara
acuada e recusara a princípio, mas, ao ser pressionada, cedeu, e ao
longo do trajeto de carruagem, a sra. Weston, com incentivos gentis,
superara muito do constrangimento dela, levando-a a discutir o
importante assunto. Desculpas pelo silêncio aparentemente ingrato
na ocasião da chegada deles e as expressões mais calorosas de
gratidão em relação a ela mesma e ao sr. Weston abriram a conversa
com naturalidade, mas, quando essas efusões foram postas de lado,
elas falaram bastante da situação presente e futura do noivado. A
sra. Weston estava convencida de que uma conversa dessas
propiciaria um enorme alívio à sua companheira, que passara tanto
tempo confinada na própria mente, e ficou muito satisfeita com
tudo que ela dissera sobre o tema.
— Sobre os sofrimentos que suportou durante tantos meses de
sigilo — continuou a sra. Weston —, ela falou muito energicamente.
Em certo momento, expressou-se assim: “Eu não direi que, desde
que fiquei noiva, não tive alguns momentos felizes, mas posso
afirmar que desde então não vivenciei a bênção de uma hora de
tranquilidade”. E os lábios trêmulos que professaram essas palavras,
Emma, foram um testemunho que senti no fundo do coração.
— Pobre moça! — disse Emma. — Ela acha que estava errada,
então, em ter consentido com um noivado privado?
— Errada! Creio que ninguém poderia incriminá-la mais do que
ela está disposta a incriminar a si mesma. “A consequência”, disse
ela, “tem sido um estado de perpétuo sofrimento para mim, o que é
apenas justo. Entretanto, apesar de todas as punições que uma
conduta imprópria pode trazer, ela continua sendo imprópria. A dor
não é expiação. Nunca estarei livre da culpa. Estive agindo
contrariamente ao que acreditava ser correto, e minha consciência
agora diz que não mereço a guinada afortunada que ocorreu e as
gentilezas que recebo. Não imagine, senhora”, continuou ela, “que
eu fui mal instruída. Não permita que qualquer reflexo recaia sobre
os princípios ou os cuidados dos amigos que me criaram. O erro foi
todo meu, e lhe garanto que, apesar de todas as atenuações que as
circunstâncias presentes parecem dar à situação, estou muito
apreensiva com a perspectiva de informar tudo ao coronel
Campbell.”
— Pobre moça! — repetiu Emma. — Imagino que o ame
profundamente. Apenas um apego forte a poderia ter levado a
aceitar o noivado. A afeição deve ter superado seu juízo.
— Sim, não tenho dúvidas de que seja muito apegada a ele.
— Receio — continuou Emma, suspirando — que devo ter
contribuído muitas vezes para a infelicidade dela.
— Da sua parte, meu amor, foi tudo muito inocente. Mas é
provável que ela tenha pensado um pouco nisso quando aludiu aos
mal-entendidos que ele mencionara anteriormente. Uma
consequência natural do perigo em que se envolveu foi que a tornou
irracional
. A consciência de estar agindo errado a expôs a milhares
de inquietações e a tornou crítica e irritável a um grau que deve ter
sido… que tem sido… difícil para ele suportar. “Eu não fiz as
concessões”, disse ela, “como deveria ter feito, à disposição e ao
humor dele; seu humor maravilhoso, e aquela alegria, aquela
disposição jovial que, sob quaisquer outras circunstâncias, tenho
certeza, teriam sido constantemente encantadoras para mim, como
foram a princípio.” Então ela começou a falar de você, e da grande
gentileza que demonstrou quando ela estava enferma, e, com um
rubor que me mostrou como tudo estava conectado, pediu que eu,
quando tivesse uma oportunidade, a agradecesse, e disse que não
poderia agradecer o suficiente, por todo desejo de melhoria e toda
tentativa de ajudá-la. Ela estava sensível ao fato de que você nunca
recebeu um agradecimento adequado dela mesma.
— Se eu não soubesse que ela está feliz agora — disse Emma
com seriedade —, como ela deve estar apesar de toda objeção de
sua consciência escrupulosa, não suportaria esses agradecimentos,
pois, ah… sra. Weston, se houvesse um cômputo do mal e do bem
que eu fiz à srta. Fairfax! Bem — acrescentou, recobrando-se e
tentando se animar —, tudo isso deve ser esquecido. Você é muito
gentil por me trazer esses detalhes interessantes. Eles passam uma
impressão muito favorável da srta. Fairfax. Tenho certeza de que ela
está muito bem; espero que seja muito feliz. É justo que a sorte
esteja do lado dele, pois creio que o mérito estará todo do dela.
Essa conclusão não podia passar sem uma resposta da sra.
Weston. Ela pensava bem de Frank em quase todos os aspectos,
além de o amar muito, de modo que sua defesa foi sincera. Ela falou
de modo muito racional e com afeto quase equivalente — mas
exigiu demais da atenção de Emma, que logo se deslocou a
Brunswick Square e Donwell. Ela esqueceu de tentar ouvir, e
quando a sra. Weston concluiu com: “Ainda não recebemos a carta
pela qual estávamos tão ansiosos, sabe, mas espero que venha em
breve”, ela foi obrigada a fazer uma pausa antes de responder, e
enfim obrigada a responder aleatoriamente, sem conseguir recordar
qual era a carta que estavam ansiosos para receber.
— Você está bem, minha querida? — foi a última pergunta da
sra. Weston.
— Ah! Perfeitamente. Sempre estou bem, sabe. Não se esqueça
de me contar sobre a carta assim que possível.
As novidades da sra. Weston forneceram a Emma mais alimento
para reflexões desagradáveis, aumentando sua estima e compaixão e
sua consciência das injustiças cometidas contra a srta. Fairfax.
Arrependia-se amargamente por não ter tentado estabelecer uma
amizade mais estreita com ela, e ruborizava ao pensar nos
sentimentos invejosos que certamente estavam na raiz disso. Se
tivesse seguido os desejos do sr. Knightley e demonstrado a devida
consideração à srta. Fairfax, se tivesse tentado conhecê-la melhor,
se tivesse feito sua parte para estabelecer uma intimidade, se tivesse
tentado tornar-se amiga dela em vez de amiga de Harriet Smith,
com toda a probabilidade teria sido poupada dos sofrimentos que a
afligiam no momento. Berço, capacidade e educação marcavam uma
como uma companheira adequada, a ser recebida com gratidão,
enquanto a outra… o que era? E ainda que nunca tivessem se
tornado amigas íntimas, que ela nunca tivesse entrado na confiança
da srta. Fairfax sobre essa questão importante — o que era muito
provável —, mesmo assim, conhecendo-a como deveria, e como
poderia, Jane teria sido poupada das suspeitas abomináveis de um
apego impróprio ao sr. Dixon, que Emma tinha não só inventado e
nutrido ela mesma, mas imperdoavelmente debatido com outras
pessoas — uma ideia que, receava ela, fora uma fonte de angústia
considerável à delicadeza de sentimentos de Jane, devido à
leviandade ou ao descuido de Frank Churchill. De todas as fontes de
tormento que cercavam Jane desde que chegara a Highbury, Emma
estava convencida que ela mesma devia ter sido a pior. Teria sido
uma inimiga constante. Os três nunca teriam estado juntos sem que
ela tivesse apunhalado a paz de Jane Fairfax milhares de vezes, e em
Box Hill, talvez Emma tivesse causado a agonia de uma mente que
não suportava mais.
A noite foi muito longa e melancólica em Hartfield. O tempo
contribuiu com a tristeza. Caiu uma tempestade fria, e não havia
nenhum indício de julho, exceto nas árvores e arbustos que o vento
despojava e na duração do dia, que tornava aquela paisagem cruel
visível por mais tempo.
O tempo afetou o sr. Woodhouse, e ele só conseguiu sentir um
conforto tolerável graças às atenções quase incessantes da filha e a
esforços que nunca antes tinham custado tanto a ela. Ela lembrou-
se daquele primeiro tête-à-tête
desanimado,
na noite do casamento
da sra. Weston, mas na ocasião o sr. Knightley tinha entrado logo
após o chá e dissipado todas as fantasias melancólicas. Ai! Tais
provas encantadoras da atração de Hartfield, que essas visitas
evidenciavam, poderiam logo acabar. A imagem que ela evocara na
época das privações do inverno iminente tinham se provado
errôneas: nenhum amigo os abandonara, nenhum prazer fora
perdido. Mas ela receava que seus maus pressentimentos atuais não
seriam similarmente desmentidos. A perspectiva à sua frente agora
era tão ameaçadora que não podia ser inteiramente dissipada — não
podia sequer ser parcialmente aliviada. Se tudo que poderia ocorrer
no seu círculo de amigos de fato acontecesse, Hartfield ficaria
comparativamente deserta, e a ela restaria animar o pai apenas com
o ânimo de alguém cuja própria felicidade fora arruinada.
A criança nascida em Randalls certamente seria até mais
querida que ela mesma, e o coração e o tempo da sra. Weston
seriam tomados por ela. Eles a perderiam, e provavelmente, em
grande medida, o marido também. Frank Churchill não retornaria
mais ao seu meio, e a srta. Fairfax — era razoável supor — logo
deixaria de pertencer a Highbury. Eles se casariam e se
estabeleceriam em Enscombe ou nos arredores. Tudo que era bom
seria afastado, e se a essas perdas se acrescentasse a de Donwell, o
que restaria de convívio alegre ou racional ao alcance deles? Se o sr.
Knightley não viesse mais confortá-los à noite! Se parasse de entrar
a qualquer hora, como se sempre estivesse disposto a trocar o
próprio lar pelo deles! Como suportariam? E se o perdessem por
conta de Harriet, se ele encontrasse, a partir de então, tudo que
precisava na companhia de Harriet, se Harriet fosse a escolhida, a
primeira, a mais querida, a amiga, a esposa a quem ele se voltaria
para todas as maiores bênçãos da existência — como a infelicidade
de Emma não poderia ser piorada pela reflexão, que nunca estava
distante de sua mente, de que tinha sido tudo obra sua?
Quando chegava a esse ponto, ela não conseguia refrear um
sobressalto, um suspiro pesaroso ou até uma caminhada de poucos
segundos pela sala — e a única fonte de algo similar a um consolo
ou compostura era a resolução de se comportar melhor e a
esperança de que, por mais inferior em ânimo e alegria que pudesse
ser o inverno futuro e todos os subsequentes, em comparação aos
anteriores, ela seria mais racional, estaria mais familiarizada
consigo mesma, e deixaria menos motivos de arrependimentos em
sua passagem.
CAPÍTULO XIII

O tempo continuou igual na manhã seguinte, e a mesma solidão


e melancolia pareciam reinar em Hartfield. Contudo, à tarde, o céu
clareou, o vento abrandou-se, as nuvens foram sopradas para longe
e o sol apareceu — era verão outra vez. Com todo o entusiasmo que
tal transição inspirava, Emma decidiu sair de casa assim que
possível. Nunca antes a visão, o aroma e a sensação maravilhosa da
natureza, serena, cálida e brilhante após uma tempestade, fora-lhe
tão atrativa. Ela ansiava pela serenidade que poderiam
gradualmente induzir e, quando o sr. Perry visitou logo após o
jantar, com uma hora livre para dedicar ao pai dela, Emma não
perdeu tempo e correu para os jardins. Lá, com o humor revigorado
e os pensamentos um pouco aliviados, já tinha dado algumas voltas
quando viu o sr. Knightley atravessando o portão e vindo em sua
direção. Era o primeiro indício de que ele voltara de Londres. Um
instante antes, ela estava pensando nele, imaginando-o sem dúvida
a vinte e cinco quilômetros de distância. Só houve tempo para um
veloz rearranjo mental. Ela precisava de calma e compostura. Em
meio minuto, eles se encontraram. Os “Como vai?” de cada lado
foram suaves e contidos. Ela perguntou sobre os amigos em comum;
todos estavam bem. Quando ele os tinha deixado? Naquela manhã.
Ele devia ter feito uma cavalgada chuvosa. Tinha. Emma descobriu
que ele pretendia caminhar com ela. O sr. Knightley tinha acabado
de espiar a sala de jantar e, como não precisavam dele, preferia ficar
ao ar livre. Ela achou que a aparência e o tom dele não estavam
alegres, e a primeira causa possível, sugerida pelos temores de
Emma, era que talvez tivesse comunicado seus planos para o irmão
e estivesse sofrendo devido à maneira como foram recebidos.
Eles caminharam juntos. Ele manteve silêncio. Emma achou que
a olhava com frequência, tentando obter um ângulo mais direto do
seu rosto do que ela estava disposta a dar. E essa suspeita inspirou
outro temor: talvez ele quisesse falar sobre o apego a Harriet e
estivesse procurando um incentivo para começar. Ela não se sentia,
não conseguia se sentir, à altura de abordar tal assunto; ele
precisaria dar o primeiro passo. Mas também não suportava aquele
silêncio. Com ele, era muito atípico. Ela considerou, tomou sua
decisão e, tentando sorrir, começou:
— Você vai ouvir uma notícia, agora que voltou, que pode
surpreendê-lo.
— Vou? — perguntou ele em voz baixa, e então, olhando para
ela: — Que tipo de notícia?
— Ah, do melhor tipo do mundo: um casamento.
Após esperar um momento, como se quisesse ver se ela falaria
algo mais, ele respondeu:
— Se você se refere à srta. Fairfax e Frank Churchill, eu já estou
sabendo.
— Como é possível? — exclamou Emma, virando as faces
coradas para ele, pois, enquanto falava, ocorreu-lhe que ele poderia
ter passado na escola da sra. Goddard a caminho dali.
— Recebi uma breve carta sobre questões da paróquia do sr.
Weston esta manhã, e no final ele me deu um resumo do caso.
Emma ficou muito aliviada, e logo conseguiu dizer, com um
pouco mais de tranquilidade:
— Você
provavelmente ficou menos surpreso que qualquer um
de nós, pois tinha as suas suspeitas. Eu não esqueço que uma vez
tentou me alertar. Queria ter ouvido, mas — com uma voz
desanimada e um suspiro pesado — parece que estive condenada à
cegueira.
Por um ou dois momentos, nada foi dito, e ela não suspeitava
que havia suscitado qualquer interesse particular até que o sr.
Knightley encaixou seu braço no dele e o levou ao coração, e então
o ouviu falar, numa voz baixa, em um tom da maior empatia:
— O tempo, minha querida Emma, vai tratar da ferida. Seu
próprio excelente discernimento… os cuidados ao seu pai… sei que
não vai se entregar a… — O braço dela foi apertado mais uma vez,
enquanto ele acrescentava, em um tom mais entrecortado e
abafado: — Sentimentos da amizade mais sincera… indignação…
aquele patife abominável! — E em um tom mais alto e firme,
concluiu com: — Logo ele vai partir. Logo estarão em Yorkshire.
Sinto muito por
ela.
Merecia um destino melhor.
Emma o compreendeu e, assim que pôde se recuperar da
agitação prazerosa suscitada por uma consideração tão terna,
respondeu:
É
— É muito gentil da sua parte, mas está enganado e devo corrigi-
lo. Não preciso dessa espécie de compaixão. Minha cegueira quanto
ao que ocorria me levou a agir com eles de uma forma da qual
sempre me envergonharei, e fiquei tentada a dizer e fazer muitas
coisas tolas que podem ter me deixado sujeita a conjecturas
desagradáveis, mas não tenho outro motivo para me arrepender por
não conhecer antes o segredo.
— Emma! — exclamou ele, olhando-a com avidez. — Isso é
verdade? — Em seguida, controlando-se: — Não, não, eu entendo,
perdoe-me, fico feliz que possa falar assim. Ele não vale seu
arrependimento, de fato! E não vai demorar muito, espero, para que
reconheça o fato não só com seu juízo racional. É uma sorte que
seus afetos não tenham ficado mais comprometidos! Confesso que,
pelos seus modos, nunca consegui me assegurar da intensidade dos
seus sentimentos… Só tinha certeza de que havia uma
preferência… e uma preferência que eu jamais acreditei que ele
merecesse. Ele desonra todos os homens. E será recompensado com
aquela doce mulher? Jane, Jane, você será uma criatura infeliz.
— Sr. Knightley — interveio Emma, tentando soar bem-
humorada, mas sentindo-se confusa —, estou numa situação
extraordinária. Não posso deixá-lo persistir no equívoco; contudo,
uma vez que meus modos passaram tal impressão, tenho tantos
motivos para me envergonhar de confessar que nunca fui apegada à
pessoa de que falamos quanto seria natural para uma mulher sentir
ao confessar exatamente o contrário. Mas é a verdade.
Ele ouviu em completo silêncio. Ela queria que falasse, mas ele
não disse nada. Emma imaginou que precisaria dizer mais antes de
ter direito à clemência, mas era difícil ser obrigada a piorar ainda
mais a opinião dele sobre si. No entanto, prosseguiu:
— Tenho muito pouco a dizer em defesa de minha própria
conduta. Fiquei lisonjeada pelas atenções dele e demonstrei estar
satisfeita com elas. É uma história antiga, provavelmente um caso
comum, nada diferente do que já aconteceu a centenas de membros
do meu sexo antes; mesmo assim, imperdoável em alguém que,
como eu, se orgulha do próprio discernimento. Muitas
circunstâncias contribuíram para a tentação. Ele era filho do sr.
Weston, estava constantemente aqui, eu sempre o achei muito
simpático e, acima de tudo — com um suspiro —, por mais que eu
tente somar causas tão engenhosamente, todas se resumem a esta
última: minha vaidade foi adulada, e eu recebi de bom grado suas
atenções. Ultimamente, entretanto… por algum tempo, na
verdade… eu me dei conta de que não significavam nada. Achei que
eram um hábito, um gracejo, nada que exigisse seriedade da minha
parte. Ele se aproveitou de mim, mas não me prejudicou. Nunca fui
afeiçoada a ele. E agora consigo compreender seu comportamento
razoavelmente bem. Ele jamais desejou o meu afeto. Era
simplesmente um modo de esconder sua situação real com outra
pessoa. Seu objetivo era enganar todos ao redor, e ninguém, creio,
poderia ter sido mais enganada do que eu mesma. Exceto que eu
não
fui enganada, pois tive a sorte de… Em suma, de alguma forma
eu me safei.
Àquela altura ela esperava uma resposta — algumas palavras que
apontassem que sua conduta fora ao menos compreensível. Mas ele
manteve silêncio e, até onde ela podia julgar, estava perdido em
pensamentos. Por fim, e em um tom mais próximo do habitual,
disse:
— Eu nunca tive uma opinião elevada de Frank Churchill.
Suponho, porém, que possa não o ter considerado o bastante.
Minhas interações com ele foram muito superficiais. E mesmo que
não o tivesse considerado muito até agora, talvez ele se torne um
bom homem. Acompanhado de uma mulher como aquela, ele tem
uma chance. Não tenho motivos para desejar-lhe mal, e pelo bem
dela, cuja felicidade depende do bom caráter e conduta dele,
certamente lhe desejo bem.
— Não tenho dúvidas de que serão felizes — disse Emma. —
Acredito que são mútua e muito sinceramente apegados.
— Ele é um homem muito afortunado! — replicou o sr.
Knightley, energicamente. — Tão cedo na vida, aos vinte e três
anos, um período em que, se um homem escolhe uma esposa,
geralmente escolhe mal… Aos vinte e três anos, ter logrado tal
prêmio! Quantos anos de felicidade aquele homem, segundo todos
os cálculos humanos, tem diante de si! Sentir a segurança do amor
de tal mulher, do amor desinteressado, pois o caráter de Jane
Fairfax atesta o seu desprendimento… Tudo está a favor dele, a
igualdade de situação, ao menos no que se refere à posição social, e
de todos os hábitos e modos que são importantes, a igualdade em
todos os quesitos exceto um, e esse, como a pureza do coração dela
não deve ser questionada, só pode aumentar a felicidade dele, pois
estará em seu alcance conceder a ela a única vantagem que deseja.
Um homem sempre deseja oferecer a uma mulher uma casa melhor
que aquela da qual a tirou, e aquele que é capaz de fazê-lo, se não
tem dúvidas da estima dela,
será, creio, o mais feliz dos mortais.
Frank Churchill é, de fato, um favorito da fortuna. Tudo conspira
para o seu bem. Ele conhece uma moça num balneário, conquista o
afeto dela, não consegue exauri-la nem com um tratamento
negligente, e, mesmo se ele e a família tivessem percorrido o mundo
em busca da esposa perfeita, não poderiam ter encontrado uma
superior. A tia está no caminho deles; a tia morre. Basta falar e seus
amigos ficam ansiosos para promover sua felicidade. Ele agiu mal
com todos, e todos ficam encantados em perdoá-lo. É um homem
afortunado, de fato!
— Você fala como se o invejasse.
— E eu o invejo, Emma. Em um sentido, ele é alvo da minha
inveja.
Emma não podia mais falar. Eles pareciam estar a meia frase de
Harriet, e seu instinto imediato era desviar do assunto, se possível.
Ela decidiu que falaria de algo totalmente diferente — as crianças
em Brunswick Square — e só esperou recuperar o fôlego para
começar, quando o sr. Knightley a surpreendeu ao dizer:
— Você não me pergunta que sentido é esse. Vejo que está
determinada a evitar a curiosidade. É sábia, mas eu
não consigo ser
sábio. Emma, devo dizer-lhe o que não quer perguntar, ainda que
deseje retirar as palavras logo em seguida.
— Ah! Então não diga, não diga — ela suplicou com urgência. —
Reflita um momento, considere, não se comprometa.
— Obrigado — disse ele, em um tom de profunda mortificação, e
nenhuma outra sílaba se seguiu.
Emma não suportava a ideia de causar-lhe dor. Ele desejava
confiar nela, talvez consultá-la — e, por mais que lhe custasse, ela
ouviria. Poderia auxiliá-lo em sua resolução ou reconciliá-lo com
ela; poderia fazer os justos elogios a Harriet ou, ao recordá-lo de sua
própria independência, aliviá-lo daquele estado de indecisão que
devia ser mais intolerável que qualquer outro a uma mente como a
sua. Eles chegaram à casa.
— Imagino que você vá entrar — disse ele.
— Não — respondeu Emma, ainda mais resoluta ao ouvir seu
tom deprimido. — Gostaria de dar mais uma volta. O sr. Perry ainda
não partiu. — E, depois de alguns passos, acrescentou: — Pouco
antes, eu o interrompi rudemente, sr. Knightley, e temo que o tenha
magoado. Mas se tem qualquer desejo de falar com franqueza
comigo, como uma amiga, ou pedir minha opinião de algo que está
contemplando, como uma amiga, de fato, diga-me o que desejar.
Ouvirei tudo que quiser e direi exatamente o que penso.
— Como uma amiga! — repetiu o sr. Knightley. — Emma, temo
que essa seja uma palavra… Não, não quero… Espere, sim, por que
hesitar? Já fui longe demais para segredos. Emma, aceito sua oferta;
por mais extraordinário que pareça, aceito sua oferta e me dirijo a
você como uma amiga. Diga-me, então, tenho alguma chance de
sucesso?
Ele parou em sua ansiedade para ouvir a resposta, e o olhar dele
a enfeitiçou.
— Minha querida Emma — disse ele —, pois a mais querida de
todas você sempre será, qualquer que seja o resultado desta
conversa, minha querida, amada Emma, diga-me de uma vez. Diga
“não”, se tiver de ser dito. — Ela não conseguia dizer nada, na
verdade. — Você fica em silêncio — ele exclamou, muito aflito —,
absolutamente calada! Não direi mais nada.
Emma estava prestes a desfalecer sob a agitação do momento. O
terror de ser despertada do sonho mais feliz era talvez a sensação
mais proeminente.
— Eu não sei fazer discursos, Emma — ele logo prosseguiu, com
uma ternura tão sincera, incontestável e reconhecível que bastou
para convencê-la. — Se a amasse menos, conseguiria falar mais
sobre isso. Mas você sabe como eu sou. Nunca ouvirá de mim nada
além da verdade. Eu a culpei e recriminei, e você tolerou tudo como
nenhuma outra mulher na Inglaterra teria feito. Tolere as verdades
que lhe digo agora, minha querida Emma, tão bem quanto tolerou
todo o resto. Os modos, talvez, não tenham muito a me recomendar.
Deus sabe que fui um enamorado indiferente. Mas você me
compreende. Sim, você entende, entende meus sentimentos, e
responderá a eles, se puder. No momento, peço apenas para ouvir
sua voz uma vez.
Enquanto ele falava, a mente de Emma estava profundamente
ocupada e, com maravilhosa agilidade de pensamento, fora capaz —
e sem perder qualquer palavra — de captar e compreender a
verdade exata, de ver que as esperanças de Harriet eram
completamente infundadas, um engano, uma ilusão tão completa
quanto qualquer uma criada por ela mesma — que Harriet não era
nada, e que ela era tudo; que o que Emma vinha respondendo ao sr.
Knightley, pensando em Harriet, tinha sido tomado como expressão
de seus próprios sentimentos; e que sua agitação, suas dúvidas, sua
relutância, seu desincentivo foram todos recebidos como uma falta
de incentivo dela própria. Não apenas houve tempo para todas essas
convicções, com todo o brilho de felicidade que as acompanhou,
mas ela também teve tempo para se alegrar que o segredo de Harriet
não tivesse sido revelado e decidir que isso não era necessário nem
devido. Era todo o serviço que ela podia agora prestar à pobre
amiga, pois não tinha qualquer sentimento heroico para pedir a ele
que transferisse seu afeto a Harriet, por ela ser infinitamente a mais
digna das duas, ou mesmo a mais simples sublimidade de decidir
rejeitá-lo de uma vez por todas, sem se dignar a apresentar qualquer
motivo, uma vez que ele não podia se casar com ambas. Emma
compadecia-se de Harriet, com dor e com contrição, mas nenhum
voo de generosidade excessiva, opondo-se a tudo que era provável
ou razoável, passou por sua cabeça. Ela tinha conduzido a amiga
pelo caminho errado e eternamente se censuraria por isso, mas seu
discernimento era tão forte quanto seus sentimentos, e tão
convencido quanto jamais fora em rejeitar para o sr. Knightley uma
aliança com Harriet, por ser muito desigual e degradante. O
caminho era claro, embora não livre de dificuldades. Então, ao ouvir
o apelo dele, ela falou. O que disse? Exatamente o que deveria dizer,
é claro. Uma dama sempre diz. Falou o suficiente para mostrar que
não havia necessidade de desespero — e para convidá-lo a falar
mais também. Ele tinha
se desesperado por um momento. Recebera
uma ordem tão enfática para ter cautela e guardar silêncio que
esmagara todas as suas esperanças — ela tinha começado
recusando-se a ouvi-lo. A mudança fora talvez um tanto súbita,
quando ela propôs dar mais uma volta; sua retomada da conversa
que tinha acabado de interromper, um tanto extraordinária! Ela
percebia a inconsistência, mas o sr. Knightley teve a gentileza de
suportá-la e não buscar qualquer outra explicação.
É raro, muito raro, que a verdade completa pertença a qualquer
confissão humana; é raro que nada seja um pouco disfarçado ou
incompreendido. Mas em casos como este, nos quais, embora a
conduta seja enganadora, os sentimentos não são, isso não importa.
O sr. Knightley não podia imputar a Emma um coração mais
devotado do que ela possuía ou mais disposto a aceitar o seu.
Na realidade, ele não tivera qualquer suspeita de sua própria
influência. Ele a tinha seguido até os jardins sem qualquer ideia de
abordá-la. Viera cheio de ansiedade para ver como Emma estava
encarando o noivado de Frank Churchill, sem qualquer perspectiva
egoísta, sem qualquer perspectiva exceto a de tentar, se ela
concedesse uma abertura, confortá-la ou aconselhá-la. O resto tinha
sido inspirado pelo momento, o efeito imediato do que ele ouvira
sobre os sentimentos dela. A garantia encantadora da total
indiferença dela quanto a Frank Churchill, de que seu coração era
completamente apartado do dele, tinha dado luz à esperança de
que, com o tempo, ele poderia ganhar o afeto dela — mas ele não
tinha esperanças de que já fosse o caso; tinha apenas, na vitória
momentânea da ansiedade sobre o julgamento, aspirado a ouvir que
ela não o proibia de tentar conquistar esse afeto. As esperanças
superiores que gradualmente se abriram foram muito mais
encantadoras. A afeição que ele pedia permissão de criar, se
possível, já pertencia a ele! No intervalo de meia hora, ele passou da
mais completa aflição mental a algo próximo da perfeita felicidade,
que não podia portar qualquer outro nome.
A mudança dela
foi igual. Aquela meia hora dera a cada um a
mesma certeza preciosa de ser amado, libertando-os do mesmo grau
de ignorância, ciúme e desconfiança. Da parte dele, havia um ciúme
de longa data, que remontava à chegada ou mesmo à expectativa da
chegada de Frank Churchill. Ele se vira apaixonado por Emma e
enciumado de Frank Churchill no mesmo período, um sentimento
provavelmente iluminando o outro. Fora o seu ciúme que o levara a
sair do condado. O passeio a Box Hill confirmara sua decisão de
partir. Ele se pouparia de testemunhar mais uma vez tais atenções
permitidas e encorajadas. Tinha partido para aprender a ser
indiferente. No entanto, fora ao lugar errado. Havia uma felicidade
doméstica excessiva na casa do irmão, uma mulher ocupando o
espaço de forma agradável demais: Isabella era muito parecida com
Emma — diferindo apenas naquelas inferioridades marcantes que
sempre faziam a outra destacar-se esplendorosamente diante dele —
para que sua missão fosse muito bem-sucedida, mesmo se tivesse
passado mais tempo em Brunswick Square. Entretanto ele tinha
permanecido lá, arduamente, dia após dia, até que o correio daquela
manhã trouxera a história de Jane Fairfax. Então, apesar da alegria
que não conseguiu conter — ou, antes, que sequer relutou em
sentir, nunca tendo acreditado que Frank Churchill fosse digno de
Emma —, sentiu tanta solicitude terna, tanta ansiedade sincera por
ela, que não pôde mais ficar. Viera a cavalo, sob a chuva, e seguira
imediatamente após o jantar para ver como aquela criatura mais
doce, a melhor de todas as criaturas, sem defeitos apesar de todos
os defeitos, estava lidando com a revelação.
Ele a encontrara agitada e desanimada. Frank Churchill era um
vilão. Então a ouvira declarar que nunca o amara, e o caráter de
Frank Churchill deixara de ser tão irremediável. Quando voltaram à
casa, ela era a sua Emma, e suas eram a mão e a palavra dela, e, se
ele pudesse ter pensado em Frank Churchill naquele momento,
talvez o tivesse declarado um sujeito muito bom.
CAPÍTULO XIV

Emma entrou em casa com sentimentos completamente diversos


daqueles com que saíra. Antes, ousara esperar apenas por uma
breve trégua do sofrimento; agora, estava em um maravilhoso
alvoroço de felicidade; uma felicidade, ademais, que ela acreditava
que seria ainda maior quando o alvoroço passasse.
Eles se sentaram para tomar chá — o mesmo grupo ao redor da
mesma mesa. Quantas vezes tinham se reunido assim, e quantas
vezes os olhos dela pousaram sobre os mesmos arbustos no jardim e
observaram o mesmo belo efeito do sol ocidental! Nunca naquele
estado de ânimo, porém; nunca sentindo nada parecido com isso, e
só com dificuldade ela conseguiu evocar sua disposição usual para
ser a atenciosa senhora da casa — ou mesmo a filha atenciosa.
O pobre sr. Woodhouse mal suspeitava o que se tramava contra
ele no seio daquele homem que recebia tão cordialmente,
esperando, com muita ansiedade, que não tivesse pegado um
resfriado na sua cavalgada. Se pudesse ter visto o coração dele, teria
se importado pouco com os pulmões, mas, longe de imaginar o mal
iminente, sem o menor pressentimento de algo extraordinário pela
expressão dos dois, repetiu, muito serenamente, todas as notícias
que recebera do sr. Perry, falando com muito contentamento, sem
nutrir qualquer suspeita do que eles poderiam lhe contar em troca.
Enquanto o sr. Knightley permaneceu com eles, o estado febril
de Emma persistiu, mas, quando ele partiu, ela começou a se
tranquilizar e se acalmar. Além disso, no curso de uma noite insone,
que era o custo de um dia como aquele, descobriu que havia uma ou
duas questões muito sérias a considerar, que a fizeram sentir que
mesmo sua alegria encontraria algum impedimento: seu pai e
Harriet. Ela não podia ficar sozinha sem sentir o peso enorme do
que devia a ambos, e a questão era como resguardar ao máximo o
conforto deles. No que se referia ao pai, foi uma pergunta logo
respondida. Ela ainda não sabia o que o sr. Knightley proporia, mas
um breve debate com o próprio coração produziu a resolução solene
de jamais abandonar o pai. Ela até chorou com a mera ideia, como
um pensamento pecaminoso. Enquanto o pai vivesse, eles só
poderiam ficar noivos, mas ela gostava de pensar que, tranquilizado
quanto ao perigo do seu afastamento, a circunstância poderia se
tornar uma fonte de conforto maior para ele. O que fazer por
Harriet era uma decisão mais difícil: como poupá-la de qualquer dor
desnecessária, como fazer qualquer reparação possível, como não
parecer uma inimiga? Nesses pontos, sua perplexidade e angústia
eram muito grandes — e sua mente repassou novamente, vez após
vez, cada censura amarga e arrependimento profundo que já cercara
a questão. Ela só conseguiu decidir, no fim, que por ora evitaria
encontrá-la e que transmitiria tudo que fosse necessário por carta;
que seria inexprimivelmente desejável que ela se afastasse por um
tempo de Highbury, e — entregando-se a um último plano — quase
decidiu que seria conveniente conseguir para ela um convite para
visitar Brunswick Square. Isabella tinha simpatizado com Harriet, e
algumas semanas em Londres lhe proporcionariam divertimentos.
Ela não achava que a natureza de Harriet fosse imune aos benefícios
da novidade e da variedade, das ruas, lojas e crianças. De qualquer
forma, seria uma prova de atenção e gentileza da parte dela, que
tinha uma grande dívida; uma separação temporária e um
adiamento do dia terrível em que todos deveriam estar juntos outra
vez.
Ela acordou cedo e escreveu sua carta a Harriet, uma tarefa que
a deixou muito séria, até triste, de modo que o sr. Knightley, ao
chegar em Hartfield para o café da manhã, foi muito bem-vindo, e
foi necessária meia hora roubada para percorrer o mesmo terreno
com ele, literal e figurativamente, para restituir a ela uma parte
considerável da felicidade do dia anterior.
Ele não tinha partido havia muito tempo, de forma alguma o
suficiente para que ela tivesse a menor inclinação em pensar em
qualquer outra pessoa, quando uma carta chegou de Randalls. Era
uma carta espessa, e ela adivinhou o que devia conter, lamentando a
necessidade de lê-la. Agora estava perfeitamente reconciliada com
Frank Churchill; não queria explicações, só desejava ficar a sós com
seus pensamentos. Quanto a entender qualquer coisa que ele
escrevesse, era garantido que estivesse incapaz no momento.
Entretanto, não havia como evitar. Ela abriu o envelope; de fato, era
como imaginava, e uma nota da sra. Weston introduzia uma carta de
Frank à sra. Weston.
Tenho o maior prazer, minha querida Emma, em encaminhar-
lhe o que segue. Sei que fará plena justiça ao que ler, e não tenho a
menor dúvida do efeito positivo que esta carta surtirá. Acho que
nunca mais discordaremos significativamente sobre o autor, mas
eu não atrasarei sua leitura com um longo prefácio. Nós estamos
perfeitamente bem. Essa carta aquietou todas as pequenas
ansiedades que estive sentindo ultimamente. Eu não gostei do seu
aspecto na terça, mas foi uma manhã lúgubre e, embora você
nunca admita ser afetada pelo tempo, acho que todos sentem um
vento nordeste. Senti muito pelo seu querido pai na tempestade de
terça à tarde e ontem de manhã, mas tive o consolo de ouvir na
noite passada, pelo sr. Perry, que ele não adoeceu.
Eternamente sua,
A. W.

[À sra. Weston.]
Minha cara senhora,
Windsor — julho

Se não me fiz compreender ontem, esta carta será esperada,


mas, esperada ou não, sei que será lida com candura e
generosidade. A senhora é pura bondade, e acredito que precisará
de toda essa bondade para fazer concessões a algumas partes de
minha conduta recente. Entretanto, fui perdoado por alguém que
tem ainda mais motivos para se ressentir. Minha coragem aumenta
enquanto escrevo. É muito difícil para os afortunados serem
humildes. Já tive sucesso em dois apelos por perdão, de modo que
corro o risco de pensar que o seu está garantido, e o daqueles, entre
seus amigos, que têm motivos para sentirem-se ofendidos. Peço que
tentem compreender a exata natureza da minha situação quando
cheguei em Randalls pela primeira vez; devem considerar que eu
tinha um segredo que precisava ser mantido a qualquer custo. Esse
era o fato. Meu direito de me colocar em uma situação que exigia
tamanho sigilo é outra história, e não a discutirei aqui. Quanto a
minha tentação de considerá-lo
um direito, refiro os queixosos a
uma casa de tijolos com janelas de guilhotina no primeiro andar e
de caixilho no segundo, em Highbury. Eu não ousava me dirigir a ela
abertamente; as dificuldades de minha posição em Enscombe na
época são conhecidas demais para exigir definição, e tive sorte
suficiente para triunfar, antes de nos separarmos em Weymouth, e
induzir a mente feminina mais correta neste mundo a
caridosamente consentir com um noivado secreto. Se ela tivesse
recusado, eu teria enlouquecido. Mas a senhora estará dizendo: qual
era sua esperança ao fazer isso? Com que estaria contando?
Qualquer coisa, tudo — o tempo, o acaso, as circunstâncias, efeitos
lentos, acessos súbitos, perseverança e exaustão, saúde e doença.
Toda possibilidade benéfica estava diante de mim e a primeira das
bençãos assegurada, ao obter as promessas de fé da dama e ter meus
sentimentos retribuídos. Se precisar de mais explicações, tenho a
honra, minha cara senhora, de ser o filho do seu marido, e a
vantagem de herdar uma propensão a esperar pelo melhor, à qual
nenhuma herança de casas ou propriedades jamais equivalerá em
valor. Imagine-me, portanto, sob essas circunstâncias, chegando
para minha primeira visita a Randalls, e aqui estou consciente de
estar em falta, pois poderia ter vindo antes. A senhora examinará o
passado e perceberá que eu não vim até a srta. Fairfax estar em
Highbury. Como a senhora
foi a parte negligenciada, me perdoará
imediatamente, mas devo me esforçar para obter a compaixão do
meu pai, lembrando-o de que, enquanto me ausentava da casa dele
por tanto tempo, perdi a bênção da sua companhia. Meu
comportamento, durante a quinzena muito feliz que passei com
vocês, não me deixará sujeito a repreensões, espero, exceto em um
ponto. E agora chego ao principal, a única parte da minha conduta
enquanto desfrutava sua hospitalidade que inspira minha própria
ansiedade ou exige uma explanação minuciosa. Com o maior
respeito, e a amizade mais afetuosa, menciono a srta. Woodhouse —
e, meu pai talvez pense que devo acrescentar, com a maior
contrição. Algumas palavras dele ontem revelaram a sua opinião, e
reconheço que mereço certa censura. Meu comportamento para
com a srta. Woodhouse sugeria, acredito, mais do que deveria. A fim
de proteger um segredo tão essencial para mim, permiti-me fazer
um uso além do permissível do tipo de intimidade ao qual fomos
imediatamente lançados. Não posso negar que a srta. Woodhouse foi
o alvo aparente das minhas atenções — mas confio que a senhora
acreditará quando afirmo que, se não estivesse convencido da
indiferença dela, não teria sido induzido a continuar por quaisquer
metas egoístas. Por mais amável e encantadora que seja a srta.
Woodhouse, ela nunca me pareceu uma moça propensa a se apegar,
e o fato de estar perfeitamente livre de qualquer tendência a
afeiçoar-se a mim era tanto minha convicção como meu desejo. Ela
reagia a minhas atenções com naturalidade, simpatia e bom-humor,
o que me era ideal. Parecíamos entender um ao outro.
Considerando nossas relações, essas atenções lhe eram devidas, e
ela as sentia dessa forma. Se a srta. Woodhouse começou a
realmente me compreender antes do fim daquela quinzena, não sei
dizer; quando a visitei para despedir-me, lembro que estava a um
passo de confessar a verdade, e então imaginei que ela nutria certas
suspeitas e não tenho dúvida de que pressentiu a verdade, pelo
menos em certo grau. Pode não ter adivinhado tudo, mas sua
perspicácia deve ter discernido uma parte. Não posso duvidar disso.
A senhora descobrirá, quando o assunto estiver livre de suas
restrições atuais, que a notícia não a tomará completamente de
surpresa. Ela me deu indícios frequentes disso. Lembro que me
disse, no baile, que eu devia gratidão à sra. Elton por suas atenções
para com a srta. Fairfax. Espero que esse relato da minha conduta
em relação a ela seja encarado pela senhora e pelo meu pai como
uma grande atenuação do que viram como impropriedade.
Enquanto considerarem que pequei contra Emma Woodhouse, não
posso merecer nada de qualquer um dos dois. Absolva-me e obtenha
para mim, quando puder, o perdão e os bons votos dessa mesma
Emma Woodhouse, a quem vejo com tamanha afeição fraternal e
desejo ver tão profunda e felizmente enamorada quanto eu mesmo.
Quaisquer coisas estranhas que eu tenha dito ou feito durante
aquela quinzena, a senhora agora tem a chave para compreendê-las.
Meu coração estava em Highbury, e meu objetivo era levar meu
corpo para o mesmo lugar o máximo possível, suscitando o mínimo
de suspeitas possível. Se a senhora se lembrar de qualquer
estranheza, atribua todas à causa certa. Quanto ao piano tão
discutido, sinto que é só necessário dizer que a encomenda era
inteiramente desconhecida à srta. F., que nunca me teria permitido
enviá-lo se tivesse tido escolha. Não sou capaz de fazer jus à
delicadeza de sua mente ao longo de todo o noivado. A senhora,
espero de coração, logo a conhecerá também com intimidade.
Nenhuma descrição seria suficiente e ela mesma deve mostrar-lhe o
que é — e não através de palavras, pois nunca existiu uma criatura
humana que suprimisse tanto os próprios méritos. Desde que
comecei esta carta, que será mais longa do que eu previ, recebi
notícias dela. Ela faz um relato positivo da própria saúde, mas,
como nunca reclama, não posso confiar em sua palavra. Gostaria de
ter a opinião da senhora sobre a aparência dela. Sei que logo a
visitará; ela vive em terror dessa visita. Talvez já tenha ocorrido.
Deixe-me ouvir da senhora sem delongas, estou impaciente por mil
detalhes. Lembre-se por quão poucos minutos eu estive em
Randalls, e como estava desnorteado e ensandecido; e ainda não
estou muito melhor, ainda desvairado, seja de felicidade, seja de
infelicidade. Quando penso na gentileza e na generosidade com que
fui recebido, na excelência e paciência dela e na generosidade do
meu tio, fico louco de alegria; mas quando recordo toda a
inquietação que causei a ela e quão pouco mereço seu perdão,
enfureço-me. Se pudesse ao menos vê-la de novo! Mas ainda não
posso propor tal ideia. Meu tio tem sido bom demais para eu insistir.
E preciso ainda acrescentar algo a esta longa carta. A senhora não
ouviu tudo que deveria. Eu não pude dar nenhum detalhe preciso
ontem, mas o modo repentino (e, sob certa luz, incompreensível)
como o caso emergiu requer explicação. Pois, embora o evento do
último dia 26, como a senhora concluirá, imediatamente tenha me
aberto as perspectivas mais felizes, eu não teria ousado tomar
medidas tão imediatas não fosse uma circunstância muito particular
que não permitiu que eu perdesse sequer uma hora. Eu teria evitado
qualquer ação tão precipitada, e ela teria sentido cada escrúpulo
meu com força e refinamento amplificados. Porém, não tive escolha.
O compromisso precipitado em que ela entrou com aquela
mulher… Aqui, minha cara senhora, sou obrigado a interromper-me
abruptamente, refletir e me recompor.
Fiz uma caminhada por todo o condado, e estou agora, espero,
racional o suficiente para escrever o resto da carta como deve ser
feito. É, na verdade, uma recordação mortificante para mim. Eu me
comportei vergonhosamente. E aqui posso admitir que meus modos
em relação à srta. W., na medida em que eram desagradáveis à srta.
F., foram altamente condenáveis. Ela
desaprovava, o que devia ter
sido o bastante. Meu pretexto de ocultar a verdade não lhe pareceu
suficiente. Ela estava descontente; de forma irracional, eu pensei, e
a julguei, em mil ocasiões, desnecessariamente escrupulosa e
cautelosa, até fria. Mas ela sempre teve razão. Se eu tivesse
respeitado seu julgamento e subjugado meus ânimos ao nível que
ela julgava apropriado, teria me poupado a maior infelicidade que já
se abateu sobre mim. Nós brigamos. A senhora se lembra da manhã
passada em Donwell? Nela,
todas as pequenas insatisfações
chegaram a uma crise. Eu estava atrasado; encontrei-a voltando
para casa sozinha e quis conversar, mas ela não permitiu.
Absolutamente se recusou a me deixar falar, o que achei, na
ocasião, muito despropositado. Agora, entretanto, não vejo nada
nisso além de um grau natural e consistente de discrição. Enquanto
eu, para ofuscar o mundo quanto ao nosso noivado, em um
momento oferecia atenções objetáveis a outra mulher, ela deveria
consentir no seguinte a uma proposta que poderia invalidar cada
cautela anterior? Se tivéssemos sido vistos caminhando juntos entre
Donwell e Highbury, poderiam suspeitar da verdade. Eu me enfureci
tanto, porém, que fiquei ressabiado. Duvidei da afeição dela. Duvidei
ainda mais dela no dia seguinte, em Box Hill, quando, provocada por
minha conduta, uma falta de atenção vergonhosa e insolente em
relação a ela e uma devoção tão aparente à srta. W. que teria sido
insuportável a qualquer mulher de juízo, ela expressou seu
ressentimento por meio de palavras perfeitamente inteligíveis a
mim. Em suma, minha cara senhora, foi uma briga na qual ela foi
irrepreensível e eu, abominável, e voltei na mesma noite a
Richmond, embora pudesse ter ficado com vocês até a manhã
seguinte, apenas porque estava determinado a permanecer tão
furioso com ela quanto possível. Mesmo então, não seria tão tolo a
ponto de não desejar uma reconciliação posterior, mas me
considerei a parte insultada, insultada pela frieza dela, e parti
decidido de que seria ela a dar o primeiro passo para a
reaproximação. Eu sempre me alegrarei por a senhora não estar
presente no passeio a Box Hill. Se tivesse testemunhado meu
comportamento lá, creio que nunca mais teria pensado bem de
mim. O efeito que a ocasião teve sobre ela aparece na decisão
imediata que tomou: assim que ela descobriu que eu partira mesmo
de Randalls, aceitou a oferta da oficiosa sra. Elton, cujo tratamento
para com Jane, aliás, sempre me encheu de indignação e ódio. Não
posso objetar a um espírito paciente que sempre foi generoso
comigo, caso contrário, protestaria em alto e bom som contra a
parte dele que aquela mulher conheceu. “Jane”, céus! A senhora
observará que eu ainda não ouso chamá-la dessa forma, mesmo
aqui. Imagine, então, o que suportei ao ouvir tal nome lançado entre
os Elton com a vulgaridade da repetição desnecessária e toda a
insolência da superioridade imaginária. Seja paciente comigo, logo
concluirei. Ela aceitou essa oferta, decidindo romper
completamente comigo, e escreveu-me no dia seguinte para dizer
que nunca mais deveríamos nos encontrar. Ela sentia que o
noivado seria uma fonte de arrependimento e infelicidade a
ambos, portanto o dissolvia.
Essa carta me alcançou na manhã da
morte da minha pobre tia. Eu a respondi dentro de uma hora, mas,
devido à minha confusão mental e à multiplicidade de incumbências
simultâneas que me soterraram, minha resposta, em vez de ser
enviada com tantas outras cartas naquele dia, ficou trancada em
minha escrivaninha, e eu, confiando que tinha escrito o suficiente
para satisfazê-la, ainda que em poucas linhas, permaneci tranquilo.
Fiquei um pouco decepcionado por não ter notícias dela em
seguida, mas apresentei justificativas para ela e estava ocupado
demais e — posso acrescentar? — contente demais com minhas
perspectivas para implicar. Nós nos transferimos a Windsor, e dois
dias depois recebi um pacote dela: minhas próprias cartas,
devolvidas! E algumas linhas, acompanhando o pacote, que
atestavam sua extrema surpresa por não ter recebido resposta
alguma à sua última mensagem. E acrescentava que, como o
silêncio em tal questão não podia ser incompreendido e uma vez
que seria igualmente desejável a ambos que todo arranjo
subordinado fosse concluído o quanto antes, ela agora me enviava,
postadas de forma segura, todas as minhas cartas, e pedia que, se eu
não pudesse recusar as delas e enviá-las a Highbury dentro de uma
semana, as encaminhasse mais tarde para… em suma, o endereço
do sr. Smallridge, próximo a Bristol, estava à minha frente. Eu
conhecia o nome, o local, sabia tudo a respeito, e de imediato
entendi o que ela fizera. Estava perfeitamente alinhado com a
resolução de caráter dela, e o sigilo que ela mantivera quanto ao
plano, na sua carta anterior, foi igualmente descritivo de sua
preocupação e delicadeza. De forma alguma ela parecia me ameaçar.
Imagine meu choque; imagine como, até eu ter detectado meu
próprio erro, enfureci-me com as falhas do correio. O que podia ser
feito? Apenas uma coisa. Eu precisava falar com meu tio. Sem a
sanção dele, não poderia esperar ser ouvido de novo. Eu falei; as
circunstâncias estavam a meu favor, o evento recente tinha
suavizado seu orgulho, e ele, mais depressa do que eu antecipava,
ficou inteiramente conformado com a ideia e deu sua permissão; e
disse por fim, pobre homem!, com um suspiro profundo, que
esperava que eu encontrasse tanta felicidade no matrimônio quanto
ele. Senti que seria um casamento muito diferente. Será que a
senhora estará inclinada a se compadecer de mim pelo que sofri ao
expor a questão para ele, por todo o suspense que enfrentei
enquanto tudo estava em jogo? Não, não se compadeça até eu
chegar a Highbury e ver como eu a fiz adoecer. Não se compadeça
até eu ver sua compleição pálida e enfermiça. Cheguei a Highbury
na hora do dia em que, pelo que sabia do hábito dela de tomar o
desjejum tarde, confiava que teria uma boa chance de encontrá-la a
sós. Não fiquei decepcionado; e por fim não me decepcionei também
com o objetivo de minha jornada. Precisei suavizar um desprazer
muito razoável e justo. Mas está feito; estamos reconciliados, mais
enamorados do que nunca, e nenhuma inquietação momentânea
ocorrerá entre nós de novo. Agora, minha cara senhora, eu a
libertarei, mas não pude concluir antes. Envio-lhe mil
agradecimentos pela gentileza que sempre me demonstrou, e dez
mil pelas atenções que seu coração ditará que demonstre a ela. Se
pensar que sou mais feliz do que mereço, concordo com sua
opinião. A srta. W. me chama de filho da fortuna; espero que ela
tenha razão. Em um sentido, minha fortuna é inquestionável, na
medida em que posso despedir-me como
Seu filho grato e afetuoso,
F. C. Weston Churchill.
CAPÍTULO XV

Essa carta não podia deixar de tocar Emma. Ela foi levada,
apesar de toda sua determinação ao contrário, a fazê-la toda a
justiça que a sra. Weston tinha previsto. Assim que chegou ao seu
próprio nome, a leitura tornou-se irresistível; cada linha relacionada
a si mesma era interessante, e quase todas agradáveis; e quando
esse charme cessou, o interesse ainda se manteve devido ao retorno
natural de sua antiga estima pelo autor e uma atração muito forte
que todo retrato do amor teria para Emma naquele momento. Ela
não parou até terminar e, embora fosse impossível não sentir que o
rapaz se comportara mal, tinha errado menos do que ela supunha —
e havia sofrido, e sentia muito, e estava tão grato à sra. Weston e tão
apaixonado pela srta. Fairfax, e ela mesma estava tão feliz, que não
conseguiu ser severa e, se ele tivesse entrado na sala, ela teria
tomado suas mãos com a cordialidade de sempre.
Ela ficou com uma impressão tão boa da carta que, quando o sr.
Knightley veio de novo, pediu que ele a lesse. Tinha certeza de que a
sra. Weston desejava que seu conteúdo fosse divulgado,
especialmente a alguém que, como o sr. Knightley, tinha visto tantos
motivos de culpa na conduta dele.
— Ficarei feliz de examiná-la — disse ele —, mas parece longa,
então a levarei comigo esta noite.
Isso seria impossível. O sr. Weston visitaria no fim da tarde e ela
precisaria devolvê-la.
— Eu preferiria conversar com você — respondeu ele —, mas,
como parece ser uma questão de justiça, vou ler.
Ele começou — e parou quase imediatamente para dizer:
— Se me tivessem apresentado uma das cartas desse cavalheiro
para a sogra alguns meses atrás, Emma, eu não a aceitaria com
tamanha indiferença.
Ele leu mais um pouco, em silêncio, e então, com um sorriso,
observou:
— Humph! Uma abertura muito elogiosa. Mas é o jeito dele. O
estilo de um homem não deve ser a regra para outro. Não seremos
severos. — Um pouco depois, acrescentou: — Será natural para
mim falar minha opinião em voz alta enquanto leio. Ao fazê-lo,
sentirei que estou próximo a você. Assim não será uma perda de
tempo tão grande, mas se você não gostar da…
— De forma alguma. Fale abertamente.
O sr. Knightley voltou à leitura com muita alegria.
— Ele brinca aqui sobre a tentação — disse ele. — Sabe que está
errado e não apresenta nenhum argumento racional. Péssimo. Ele
não deveria ter ficado noivo. “A propensão do pai.” Ele é injusto
com o sr. Weston. O otimismo dele foi uma bênção em todos os seus
esforços corretos e honrados, mas o sr. Weston mereceu cada
conforto atual antes de tentar obtê-los… É verdade, o rapaz não
veio até a srta. Fairfax estar aqui.
— E eu não esqueci — disse Emma — como você tinha certeza
de que ele poderia ter vindo antes, se quisesse. Você se abstém
generosamente de mencionar, mas estava coberto de razão.
— Não fui inteiramente imparcial em meu julgamento, Emma.
Ainda assim, creio que, mesmo se você
não estivesse envolvida no
caso, eu ainda teria desconfiado dele.
Quando alcançou a menção à srta. Woodhouse, foi obrigado a ler
tudo em voz alta: tudo que se relacionava a ela, com um sorriso, um
olhar, um balançar de cabeça, uma ou duas palavras de
concordância ou desaprovação, ou simplesmente de amor, conforme
o exigido. Concluiu, porém, com seriedade e após um momento de
reflexão:
— Foi muito ruim, mas podia ter sido pior. Ele fez um jogo muito
perigoso. Deve muito à sorte pela sua absolvição. Não considerou
racionalmente os próprios modos em relação a você. Sempre foi
enganado pelos próprios desejos e atentou a pouco mais que sua
própria conveniência. Chegar a pensar que você tinha descoberto o
segredo dele! É natural, com a própria mente cheia de intrigas, que
ele suspeite disso nos outros. Mistério, sutileza… como eles
pervertem a mente! Minha Emma, tudo isso não prova cada vez
mais a beleza da verdade e da sinceridade que empregamos um com
o outro?
Emma concordou, mas ruborizou por conta de Harriet, uma
questão para a qual ela não podia dar uma explicação honesta.
— É melhor continuar — sugeriu ela.
Ele prosseguiu, mas logo parou de novo para dizer:
— O piano! Ah! Foi um ato de um rapaz muito, muito jovem,
jovem demais para considerar se a inconveniência do presente não
poderia exceder o prazer propiciado por ele. Um plano juvenil, de
fato! Não compreendo que um homem deseje dar qualquer prova de
afeto a uma mulher sabendo que ela preferiria não a receber, e ele
sabia que a srta. Fairfax teria impedido o envio do instrumento, se
pudesse.
Depois disso, ele prosseguiu sem parar por um tempo. A
confissão de Frank Churchill sobre ter se comportado de maneira
vergonhosa foi a primeira coisa que inspirou mais que uma breve
palavra.
— Concordo perfeitamente com o senhor — foi o comentário
dele. — Comportou-se de maneira muito vergonhosa. Nunca
escreveu uma frase mais verdadeira. — E após ler o que se seguia
imediatamente, sobre a base do desentendimento deles e a
persistência dele em agir em oposição direta ao senso de decoro de
Jane Fairfax, ele fez uma pausa mais longa para comentar. — Ele
agiu terrivelmente. Levou-a a se colocar, por ele, em uma situação
de extrema dificuldade e desconforto, e seu principal objetivo
deveria ter sido evitar que ela sofresse desnecessariamente. Ela deve
ter precisado lidar com muito mais do que ele, ao envolver-se num
relacionamento secreto. Ele deveria ter respeitado até escrúpulos
irracionais, se houvesse algum, mas os dela eram todos razoáveis.
Devemos pensar na única falha dela e lembrar que tomou uma
decisão errada ao consentir com o noivado, e assim poderemos
aguentar a ideia de que tenha sofrido tamanha punição.
Emma sabia que ele estaria chegando ao passeio a Box Hill e
ficou desconfortável. Seu próprio comportamento fora tão
impróprio! Ela estava profundamente envergonhada e um pouco
receosa do próximo olhar dele. Tudo foi lido, porém, com firmeza e
atenção, sem o menor comentário. E exceto por um olhar breve,
desviado de imediato por medo de magoá-la, ele não parecia ter
nenhuma lembrança de Box Hill.
— Não se pode dizer muito quanto à delicadeza dos nossos caros
amigos, os Elton — foi a próxima observação dele. — Os
sentimentos dele são naturais. Quê! Resolveu romper com o sr.
Churchill por completo! Sentiu que o noivado seria uma fonte de
arrependimento e infelicidade para ambos… e o dissolveu. O quanto
isso revela sobre o modo como ela encarou o comportamento dele!
Bem, ele deve ser extraordinariamente…
— Não, não, continue. Você verá como ele sofre.
— Espero que sim — respondeu o sr. Knightley friamente,
retomando a leitura. — Smallridge! Do que se trata isso? Do que ele
está falando?
— Ela havia aceitado uma posição de governanta para os filhos
da sra. Smallridge, uma querida amiga da sra. Elton e vizinha de
Maple Grove. Aliás, me pergunto como a sra. Elton está suportando
a decepção.
— Não diga nada, minha querida Emma, enquanto me instiga a
ler, nem sobre a sra. Elton. Só mais uma página. Logo concluirei.
Que carta longa o homem escreve!
— Gostaria que estivesse mais disposto a ser gentil com ele.
— Bem, ele de fato demonstra muitos sentimentos. Parece ter
sofrido ao encontrá-la doente e não tenho dúvidas de que é
afeiçoado a ela. “Mais enamorados do que nunca.” Espero que ele
continue a sentir o valor dessa reconciliação por um longo tempo.
Seus agradecimentos são muito abundantes, mil e dez mil… “mais
feliz do que eu mereço”. Bem, aqui ele admite a verdade. “A srta.
Woodhouse me chama de filho da fortuna.” Foram essas as palavras
da srta. Woodhouse, é mesmo? É uma bela conclusão. E cá está a
carta. O filho da fortuna! Esse era o seu nome para ele, então?
— Você não parece tão satisfeito com a carta quanto eu fiquei,
mas ainda assim, ao menos espero, deve pensar melhor dele agora.
Faço votos para que isso o ajude a subir em sua estima.
— Sim, certamente. Ele tem grandes defeitos, defeitos de
imprudência e falta de consideração, e estou tentado a concordar
com a opinião de que é provável que ele esteja mais feliz do que
merece. No entanto, sem dúvida é apegado à srta. Fairfax, e como
logo, esperamos, terá a vantagem de estar constantemente com ela,
estou disposto a crer que seu caráter vai melhorar e adquirir do dela
a firmeza e delicadeza de princípios que lhe faltam. Agora, deixe-me
falar com você sobre outro assunto. Tenho os interesses de outra
pessoa no coração e não consigo mais pensar em Frank Churchill.
Desde que a deixei esta manhã, Emma, minha mente está ocupada
com uma questão.
O assunto se seguiu; na linguagem direta, cavalheiresca e sem
afetações que o sr. Knightley usava até com a mulher por quem
estava apaixonado, expôs o dilema de como pedir-lhe em casamento
sem prejudicar a felicidade do pai dela. A resposta de Emma estava
na ponta da língua desde a primeira palavra. Enquanto o querido pai
vivesse, qualquer mudança de situação seria impossível para ela. Ela
nunca o deixaria. Só parte dessa resposta, entretanto, foi admitida.
A impossibilidade de abandonar o pai, o sr. Knightley sentia com a
mesma intensidade que ela, mas com a inadmissibilidade da outra
mudança não podia concordar. Ele vinha refletindo profunda e
atentamente; primeiro esperara convencer o sr. Woodhouse a se
mudar com ela para Donwell; quisera acreditar que seria factível,
mas tudo que sabia sobre o sr. Woodhouse não permitiu que se
enganasse por muito tempo, e admitiu que essa transferência
certamente seria um risco que não deveriam correr em relação ao
conforto do pai dela, quem sabe até à vida. O sr. Woodhouse, tirado
de Hartfield! Não, ele sentiu que não deveriam tentar. Já o plano
que tinha surgido ao sacrificar o anterior, ele confiava que a querida
Emma não acharia objetável em nenhum sentido: era que ele
mesmo fosse recebido em Hartfield; enquanto a felicidade do pai —
em outras palavras, a sua vida — exigisse que Hartfield continuasse
sendo o lar dela, seria também o dele.
A ideia de todos se transferirem a Donwell já cruzara fugazmente
a mente de Emma. Como ele, ela cogitou e rejeitou o plano, mas
aquela alternativa não lhe ocorrera. Ela estava ciente da imensa
afeição que a proposta evidenciava. Sentia que, ao deixar Donwell, o
sr. Knightley sacrificaria boa parte de sua independência de horas e
hábitos; ao viver constantemente com o pai, e numa casa que não
era a sua própria, haveria muito, muito a ser tolerado. Prometeu
pensar a respeito e o aconselhou a não pensar mais nisso, mas ele
estava convencido de que nenhuma reflexão alteraria seus desejos
ou sua opinião. Assegurou-lhe que tinha deliberado longa e
calmamente; tinha se esquivado de William Larkins a manhã toda
para manter seus pensamentos para si.
— Ah, há uma dificuldade que não resolvemos! — exclamou
Emma. — Tenho certeza de que William Larkins não vai gostar nada
disso. Você precisa obter o consentimento dele antes de pedir o
meu.
Ela prometeu, porém, pensar na proposta, e praticamente
prometeu pensar com a intenção de julgá-la uma boa ideia.
É digno de nota que Emma, sob os muitos pontos de vista pelos
quais começava agora a considerar a Abadia de Donwell, em
nenhum momento tenha se preocupado com qualquer prejuízo para
o seu sobrinho Henry, cujos direitos como herdeiro tinham sido
antes tenazmente considerados. Ela deveria ter pensado na possível
diferença que isso faria ao pobre garoto, mas só deu um sorrisinho
descarado e consciente, e divertiu-se ao detectar a real causa da
aversão violenta à ideia de o sr. Knightley se casar com Jane Fairfax,
ou qualquer outra mulher, e que na época ela tinha imputado
completamente a uma amável solicitude de irmã e tia.
Quanto à proposta de se casarem e continuarem em Hartfield,
quanto mais a contemplava, mais agradável se tornava. As
desvantagens pareceram diminuir e as vantagens para ela própria,
aumentar. O bem mútuo compensaria cada prejuízo. Que
companheiro ela teria nos tempos de ansiedade e tristeza à sua
frente! Que parceiro para realizar todos aqueles deveres e cuidados
que o tempo tornaria mais melancólicos!
Ela teria ficado perfeitamente contente não fosse pela pobre
Harriet, mas cada benção para si mesma parecia envolver e
aumentar os sofrimentos da amiga, que agora seria excluída até de
Hartfield. Da família encantadora que Emma assegurava para si, a
pobre Harriet deveria, por mera cautela caridosa, ser mantida a
distância. De qualquer forma, ela sairia perdendo. Emma não podia
lastimar a ausência futura dela por imaginar qualquer redução ao
seu próprio conforto. Nesse grupo, Harriet seria mais um peso
morto, mas à moça desafortunada parecia uma necessidade cruel
ela ser constringida a tal punição desmerecida.
Com o tempo, é claro, o sr. Knightley seria esquecido pela amiga
— isto é, suplantado —, mas não se podia esperar que isso
acontecesse muito rápido. O sr. Knightley em si não faria nada para
auxiliar a cura, não como o sr. Elton fizera. Sempre tão gentil e
sensível, tão verdadeiramente atencioso com todos, nunca
mereceria ser menos adorado do que no momento, e era demais
esperar que mesmo Harriet pudesse se apaixonar por mais de três
homens em um mesmo ano.
CAPÍTULO XVI

Foi um enorme alívio para Emma constatar que Harriet desejava


evitar um encontro tanto quanto ela. Suas conversas já eram
dolorosas o bastante por carta. Quão pior seria se precisassem se
ver!
Harriet expressou-se, como seria de esperar, sem reprimendas
nem qualquer senso aparente de injúria; no entanto, Emma
imaginou sentir em seu estilo uma nota de ressentimento, ou algo
que o beirava, e que aumentava a desejabilidade de uma separação.
Talvez fosse só a própria consciência, mas lhe parecia que apenas
um anjo poderia estar livre de rancor após tamanho golpe.
Ela não teve dificuldades em providenciar um convite de
Isabella, e teve a sorte de ter motivo suficiente para pedi-lo sem
precisar recorrer a invenções: Harriet tinha um problema com um
dente e havia algum tempo queria consultar um dentista. A sra.
John Knightley ficou encantada em ajudar; qualquer questão de
saúde era-lhe interessante — e embora não fosse tão afeiçoada a
qualquer dentista quanto era ao sr. Wingfield, estava animada para
ter Harriet sob seus cuidados. Quando o caso foi assim resolvido, da
parte da irmã, Emma fez a proposta à amiga e a encontrou muito
persuadível. Foi decidido que Harriet iria; ela foi convidada a ficar
ao menos uma quinzena e seria levada na carruagem do sr.
Woodhouse. Tudo foi combinado, tudo foi arranjado, e Harriet logo
estava hospedada em Brunswick Square.
Agora Emma podia realmente desfrutar as visitas do sr.
Knightley; agora podia falar e ouvir com verdadeira felicidade, sem
ser contida por um senso de injustiça, de culpa, algo muito doloroso
que a assombrava quando lembrava como decepcionara um coração
tão próximo ao seu ou quanto sofrimento poderia, naquele
momento, e a uma curta distância, estar sendo suportado pelos
sentimentos que ela mesma havia guiado erroneamente.
A diferença entre ter Harriet na escola da sra. Goddard e em
Londres exerceu talvez uma diferença despropositada nas sensações
de Emma, mas ela não podia imaginar a amiga em Londres sem
fontes de curiosidade e ocupação, que afastariam o passado de sua
mente e a distrairiam de si mesma.

Ela não permitiria que qualquer outra ansiedade ocupasse em


sua mente o lugar que Harriet ocupara. Havia uma revelação diante
de si que só ela
seria apta a fazer — a confissão do noivado ao pai
—, mas ela não faria nada a esse respeito por ora. Decidira adiar até
a sra. Weston estar segura e recuperada. Não deveria causar
nenhuma agitação adicional nesse período entre seus entes queridos
— nem deixar o nervosismo tomá-la por antecipação antes da hora
designada. Ela teria ao menos uma quinzena de lazer e paz de
espírito para dedicar-se a pensamentos mais calorosos, ainda que
fossem causa de inquietação.
Ela também resolveu — o que seria um dever e um prazer em
igual medida — empregar meia hora desse período para visitar a
srta. Fairfax. Seria o certo a fazer e Emma ansiava por vê-la; a
semelhança da situação atual delas somava-se à sua boa vontade.
Seria uma satisfação secreta,
mas a consciência de uma
similaridade de perspectivas certamente aumentaria o interesse
com que ela ouviria qualquer novidade de Jane.
Ela foi. Havia parado uma vez de carruagem na porta, sem
sucesso, mas não entrara na casa desde a manhã seguinte à
excursão a Box Hill, quando a pobre Jane estivera tão perturbada
que inspirara sua compaixão, embora Emma não suspeitasse de
seus maiores sofrimentos na época. O temor de ainda não ser bem-
vinda a fez decidir, embora tivesse certeza de que estariam em casa,
a esperar na passagem e pedir que anunciassem seu nome no andar
de cima. Ela ouviu Patty falando, mas nenhum rebuliço se seguiu,
como o que a pobre srta. Bates havia deixado evidente na outra
ocasião. Não, ela não ouviu nada exceto um imediato “Peça-lhe que
suba”, e um momento depois foi recebida nas escadas pela própria
Jane, que avançou com avidez, como se recebê-la de outra forma
não parecesse suficiente. Emma nunca a vira tão sadia, tão
adorável, tão sociável. Ela demonstrava consciência, animação e
afeto; tudo que seu semblante ou seus modos poderiam precisar.
Encontrou-a com uma mão estendida e disse, em um tom baixo mas
muito sincero:
— Que gentileza! Srta. Woodhouse, é impossível expressar…
Espero que acredite que… Perdoe-me por estar completamente sem
palavras.
Emma ficou satisfeita, e logo teria demonstrado que a ela não
faltavam palavras se a voz da sra. Elton, vinda da sala acima, não a
tivesse contido e exigido que resumisse todas as suas sensações
amistosas e congratulatórias em um aperto de mão muito sincero.
A sra. Bates e a sra. Elton estavam juntas. A srta. Bates tinha
saído, o que explicava a tranquilidade anterior. Emma gostaria que a
sra. Elton estivesse em outro lugar, mas seu bom humor a deixava
propensa a ser paciente com todos e, como a sra. Elton a recebeu
com elegância incomum, ela esperava que o encontro não fosse
desagradável.
Logo acreditou que conseguiu penetrar os pensamentos da sra.
Elton e entender por que esta estava, como ela mesma, em um
ótimo humor: graças à confiança da srta. Fairfax, acreditava-se
conhecedora de algo que ainda era segredo a outras pessoas. Emma
de imediato viu os sintomas em sua expressão e, enquanto estendia
seus cumprimentos à sra. Bates e parecia atentar às respostas da
boa senhora, observou a outra dobrar, com uma espécie de afetação
de ansiedade mal disfarçada, uma carta que aparentemente estivera
lendo à srta. Fairfax, e devolvê-la à bolsinha roxa e dourada ao seu
lado, dizendo, com acenos significativos:
— Podemos terminar outra hora, sabe. Não nos faltarão
oportunidades. E, na verdade, você já ouviu o essencial. Só queria
provar que a sra. S. aceita suas desculpas e não ficou ofendida. Você
viu como ela escreve bem. Ah, é uma criatura doce! Você a teria
adorado, se tivesse ido. Mas não digamos mais nada. Vamos ser
discretas e nos comportar bem. Xiu! Você se lembra daqueles
versos… esqueço o poema no momento… “Pois se uma dama está
envolvida/ Todas as outras coisas são preteridas.”
41
Agora, minha
querida, no nosso
caso, para dama
, leia-se… Nada! Meia palavra
basta. Estou muito espirituosa hoje, não é? Mas queria apaziguar
seu coração quanto à sra. S. A minha
representação dos fatos,
entende, a acalmou.
E novamente, quando Emma apenas virou a cabeça para
examinar o tricô da sra. Bates, ela acrescentou em um sussurro:
— Você vai notar que eu não mencionei nenhum nome.
Ah, não,
sou cuidadosa como um ministro do Estado. Eu me portei
extremamente bem.
Emma não duvidava. A demonstração era palpável, repetida a
cada oportunidade. Quando todas tinham conversado um pouco, em
harmonia, sobre o tempo e a sra. Weston, ela se viu subitamente
abordada.
— Srta. Woodhouse, não acha que nossa amiguinha atrevida
aqui está perfeitamente recuperada? Não acha que a cura dela é um
grande elogio a Perry? — Ela mandou um olhar de soslaio muito
significativo para Jane. — Palavra, Perry a curou em um tempo
maravilhosamente curto! Ah, se a tivesse visto, como eu, quando ela
estava mais debilitada! — E enquanto a sra. Bates dizia algo a
Emma, sussurrou mais uma vez: — Não diremos nada sobre
qualquer assistência
que Perry possa ter tido; nem uma palavra
sobre certo jovem médico de Windsor. Ah, não! Perry ficará com
todo o crédito.
— Eu mal tive o prazer de vê-la, srta. Woodhouse — retomou ela
logo em seguida —, desde o passeio a Box Hill. Foi uma excursão
muito agradável, mas penso que faltava alguma coisa. As coisas não
pareciam… Isto é, era como se uma nuvem pairasse sobre os
ânimos de alguns. Pelo menos foi o que me pareceu, mas posso estar
enganada. Entretanto, creio que foi agradável a ponto de nos tentar
a repetir o passeio. O que acha de nós duas reunirmos o mesmo
grupo para explorar Box Hill de novo, enquanto dura esse belo
tempo? Deve ser o mesmo grupo, sabe, exatamente o mesmo grupo,
sem qualquer
exceção.
Um momento depois, a srta. Bates entrou e Emma ficou
distraída com a confusão da primeira resposta que lhe deu,
resultado, supôs, da dúvida quanto ao que podia ser dito e da
impaciência para tudo dizer.
— Obrigada, srta. Woodhouse, a senhorita é toda gentileza. É
impossível dizer… sim, de fato, eu entendo que… As perspectivas
da querida Jane… isso é, não quero dizer que… mas ela está se
recuperando muito bem. Como vai o sr. Woodhouse? Fico tão
contente. Está fora do meu alcance. A senhorita nos encontra num
grupinho tão feliz. Sim, de fato. Um jovem charmoso! Isto é, tão
amigável; quer dizer, o bom sr. Perry! Tão atencioso com Jane! — E
pelo seu enorme deleite e sua gratidão maior que a comum em
relação à sra. Elton por estar presente, Emma supôs que houvera
alguma leve demonstração de ressentimento em relação a Jane da
parte da casa paroquial que agora tinha sido graciosamente
superada.
Após alguns sussurros que confirmaram a hipótese, a sra. Elton
ergueu a voz:
— Sim, cá estou, minha boa amiga, e cá estive tanto tempo que
em qualquer outro lugar eu pensaria necessário me desculpar, mas a
verdade é que estou esperando meu senhor e mestre. Ele prometeu
encontrar-me aqui e oferecer seus cumprimentos a vocês.
— O quê? Teremos o prazer de uma visita do sr. Elton? Será
uma grande honra, de fato! Sei que cavalheiros não apreciam visitas
matinais, e o sr. Elton é tão ocupado.
— Palavra, srta. Bates, é mesmo. Ele realmente fica ocupado da
manhã à noite. Não há fim às pessoas que vêm visitá-lo por um
motivo ou outro. Os magistrados e supervisores da paróquia e
administradores da igreja estão sempre querendo a opinião dele.
Não parecem capazes de fazer nada sozinhos. “Palavra, sr. E.”,
sempre digo, “melhor o senhor do que eu. Não sei o que aconteceria
com meus lápis e meu piano se tivesse tantos requerentes.” A
situação já é dramática, pois os negligencio a um grau imperdoável.
Acredito que não toquei um único compasso nesta última quinzena.
Porém, ele está a caminho, eu lhe garanto, e vem com o propósito
de visitar a todas. — E erguendo a mão para esconder as palavras de
Emma: — Uma visita congratulatória, sabem. Ah, sim!
Indispensável!
A srta. Bates olhou ao redor, muito contente.
— Ele prometeu vir assim que se separasse de Knightley, mas ele
e Knightley estão fechados em profunda deliberação. O sr. E. é a
mão direita de Knightley.
Emma jamais teria sorrido, de forma que disse apenas:
— O sr. Elton foi a pé até Donwell? Será uma caminhada quente.
— Ah, não! Vão se encontrar no Crown, como fazem
regularmente. Weston e Cole estarão lá também, mas tendemos a
falar apenas dos líderes. Imagino que o sr. E. e Knightley façam tudo
conforme sua vontade.
— A senhora não se enganou quanto ao dia? — perguntou
Emma. — Tenho quase certeza de que a reunião no Crown é apenas
amanhã. O sr. Knightley estava em Hartfield ontem e mencionou
que seria no sábado.
— Ah, não, a reunião é hoje, sem dúvida! — foi a resposta
abrupta, que denotava a impossibilidade de qualquer engano da
parte da sra. Elton. — Acredito — continuou ela — que essa é a
paróquia com mais problemas que já existiu. Nunca ouvimos tais
coisas em Maple Grove.
— A paróquia de lá era pequena — apontou Jane.
— Palavra, minha querida, não sei, pois nunca ouvi o assunto
discutido.
— Mas isso é comprovado pela dimensão da escola, que já ouvi a
senhora mencionar, pois está sob a proteção de sua irmã e da sra.
Bragge, é a única escola e tem menos de vinte e cinco crianças.
— Ah! Sua criatura esperta, é verdade. Que cérebro
raciocinador você tem! Escute, Jane, que pessoa perfeita você e eu
criaríamos, se pudéssemos ser combinadas. Minha vivacidade e sua
solidez resultariam na perfeição. Não que eu presuma insinuar, é
claro, que algumas
pessoas já não pensem que você é
perfeita. Mas
xiu! Nem uma palavra, por favor.
Parecia uma cautela desnecessária; Jane queria conceder suas
palavras não à sra. Elton, mas à srta. Woodhouse, como esta
claramente viu. O desejo de distingui-la, na medida em que a
civilidade permitia, era muito evidente, embora muitas vezes não
pudesse ir além de um olhar.
O sr. Elton apareceu como previsto. A esposa o recebeu com sua
vivacidade efervescente.
— Que maravilha, senhor, palavra; mandar-me aqui para ser um
estorvo a minhas amigas por tanto tempo! Mas o senhor sabia estar
lidando com uma criatura obediente. Sabia que eu não me moveria
até meu senhor e mestre aparecer. Cá estive, sentada há uma hora,
dando a essas moças uma amostra da verdadeira obediência
conjugal, pois quem pode dizer quão cedo ela será necessária?
O sr. Elton estava afogueado e cansado, e toda essa animação
parecia desperdiçada nele. Suas cortesias às outras damas deviam
ser prestadas, mas seu tópico seguinte foi lamentar o calor que
sentia e a caminhada que fizera à toa.
— Quando cheguei em Donwell — disse ele —, não se via
Knightley em lugar algum. Muito estranho! Inexplicável! Depois do
recado que lhe enviei esta manhã, e da resposta que recebi dele
dizendo que estaria em casa até a uma.
— Donwell! — exclamou a esposa. — Meu caro sr. E., o senhor
não poderia estar em Donwell! Quis dizer o Crown, o senhor veio do
encontro no Crown!
— Não, o Crown é amanhã, e eu desejava ver Knightley hoje
especificamente por conta disso. Que manhã quente e horrenda! E
eu ainda fui pelos campos — acrescentou em um tom de profunda
injúria —, então foi ainda pior. E depois de tudo isso, não o
encontrar em casa! Garanto-lhe que não estou nada contente. E ele
não deixou nenhuma desculpa, nenhuma mensagem. A governanta
declarou não saber que eu era esperado. Extraordinário! E ninguém
sabia aonde ele tinha ido. Talvez a Hartfield, talvez à Fazenda do
Moinho da Abadia, talvez aos bosques. Srta. Woodhouse, isso não é
típico do nosso amigo Knightley. Consegue explicar o
comportamento dele?
Emma se divertiu protestando que era de fato muito
extraordinário e não tinha uma sílaba a dizer em defesa dele.
— Não consigo imaginar — exclamou a sra. Elton, com a
indignação apropriada a uma esposa —, não consigo imaginar como
ele pôde fazer isso com você, entre todas as pessoas no mundo! A
última pessoa que esperaríamos ser esquecida! Meu caro sr. E., ele
deve ter deixado uma mensagem, tenho certeza. Nem Knightley
poderia ser tão excêntrico. Os criados dele esqueceram. Confie em
mim, foi o caso, e é muito provável com os criados de Donwell, que
são todos, tenho observado com frequência, extremamente
desorganizados e relapsos. Eu certamente não teria uma criatura
como o Harry dele junto ao nosso aparador sob hipótese alguma.
Quanto à sra. Hodges, Wright a tem em pouca conta. Ela prometeu
uma receita a Wright e nunca a enviou.
— Encontrei William Larkins quando me aproximava da casa —
continuou o sr. Elton — e ele me avisou que eu não encontraria seu
patrão em casa, mas não acreditei. William pareceu um tanto mal-
humorado. Não sabe o que vem acontecendo com o patrão
ultimamente, mas disse que mal consegue tempo para falar com ele.
Os problemas de William não me interessam, mas é da maior
importância que eu
veja Knightley hoje, e se torna, portanto, um
inconveniente muito sério que eu tenha feito essa caminhada
exaustiva sem qualquer motivo.
Emma sentiu que a melhor opção seria voltar imediatamente
para casa. Era muito provável que ela fosse aguardada lá naquele
exato momento, e o sr. Knightley seria poupado de ainda mais
agressões do sr. Elton, se não de William Larkins.
Ela ficou satisfeita, quando se despediu, ao ver que a srta. Fairfax
estava determinada a acompanhá-la escada abaixo. Assim que teve a
chance, imediatamente aproveitou para dizer:
— Talvez seja bom eu não ter tido a possibilidade… Se você não
estivesse cercada por outros amigos, eu teria ficado tentada a
introduzir um assunto, fazer perguntas, falar com maior abertura do
que teria sido estritamente correto. Sinto que teria sido inoportuno.
— Ah! — exclamou Jane, com um rubor e uma hesitação que
Emma achou infinitamente mais atraentes que toda a elegância de
sua compostura usual. — Não haveria perigo. O perigo seria que eu
a fatigasse. A senhorita não poderia ter me gratificado mais do que
expressando um interesse que… De fato, srta. Woodhouse —
falando com mais calma —, com a consciência que tenho de um
comportamento impróprio, muito impróprio, é um consolo
particular para mim saber que aqueles amigos cuja boa opinião
tanto vale preservar não ficaram repelidos a tal grau que… Não
tenho tempo para dizer metade do que gostaria. Estou ansiosa para
desculpar-me, justificar-me, apresentar algo em minha defesa. Sinto
que é o devido. No entanto, infelizmente… Isto é, se sua compaixão
puder resistir a…
— Ah! Você é escrupulosa demais, francamente! — exclamou
Emma, tomando a mão dela. — Não me deve desculpas, e todos a
quem poderia dever estão tão perfeitamente satisfeitos, eu diria até
encantados.
— É muito gentil da sua parte, mas sei como me comportei com
a senhorita. Fui tão fria e artificial! Mas eu tinha sempre um papel a
interpretar. Foi uma vida de mentiras, e sei que devo tê-la
indignado.
— Peço que não diga mais nada. Sinto que todas as desculpas
deveriam vir de minha parte. Vamos nos perdoar imediatamente;
devemos fazer o necessário o quanto antes, e creio que nossos
sentimentos não perderão tempo aí. Espero que tenha recebido
notícias agradáveis de Windsor.
— Muito.
— E a próxima novidade, imagino, será que vamos perdê-la. Bem
quando eu começava a conhecê-la!
— Ah! Ainda não se deve pensar nisso. Por enquanto continuo
às ordens do coronel e da sra. Campbell.
— Nada pode ser concretizado, talvez — respondeu Emma,
sorrindo —, mas, perdoe-me, já se deve pensar no assunto.
O sorriso foi retribuído, e Jane respondeu:
— A senhorita tem razão, e foi pensado. E admito… decerto é
seguro dizer que… quanto a morarmos com o sr. Churchill em
Enscombe, a questão está decidida. Devemos manter três meses, ao
menos, de luto profundo, mas quando acabarem imagino que não
haverá mais razão para esperar.
— Obrigada, obrigada. Era exatamente a garantia que eu queria
ouvir. Ah, se soubesse como eu amo tudo que é aberto e decidido!
Até mais, até mais!

41
.  Referência a “A lebre e muitos amigos”, fábula de John Gay (1685–
1732).
CAPÍTULO XVII

Os amigos da sra. Weston foram assegurados de sua saúde e, se a


satisfação de Emma com o bem-estar dela pudesse aumentar, seria
ao saber que ela era a mãe de uma menininha. Ela sempre desejara
uma srta. Weston. Não admitiria nutrir qualquer ideia de arranjar
uma união para ela, no futuro, com algum dos filhos de Isabella, mas
estava convencida de que uma filha seria mais adequada tanto ao
pai quanto à mãe. Seria um grande conforto ao sr. Weston, conforme
envelhecia — e até o sr. Weston poderia envelhecer, com mais uns
dez anos — ter a casa animada pelos divertimentos e as
brincadeiras, as extravagâncias e os caprichos de uma criança que
nunca seria banida do lar. Quanto à sra. Weston, ninguém poderia
duvidar que uma filha seria profundamente querida, e seria uma
pena se uma instrutora tão boa não tivesse a chance de exercitar
suas capacidades novamente.
— Ela teve a vantagem, sabe, de praticar comigo — continuou
ela —, como La Batonne d’Almane com a condessa d’Ostalis, em
Adelaide e Theodore
de Madame de Genlis, e veremos agora sua
pequena Adelaide educada com um plano ainda mais perfeito.
42
— Isto é — respondeu o sr. Knightley —, ela vai mimá-la ainda
mais do que mimou você, e acreditar que não a mima de forma
alguma. Será a única diferença.
— Pobre criança! — exclamou Emma. — Nesse ritmo, o que
acontecerá com ela?
— Nada muito terrível. O destino de milhares. Ela será
desagradável na infância e se corrigirá conforme ficar mais velha.
Estou perdendo toda a amargura contra crianças mimadas, minha
querida Emma. Eu, que devo toda a minha felicidade a você
, não
seria terrivelmente ingrato ao ser severo com elas?
Emma riu e respondeu:
— Mas eu tive a assistência de todos os seus esforços para
contrapor-se à indulgência dos outros. Duvido que meu próprio
juízo teria me corrigido sozinho.
— É mesmo? Eu não tenho dúvidas. A natureza lhe concedeu
discernimento; a srta. Taylor lhe incutiu princípios. Você tinha tudo
de que precisava. Minha interferência tinha tantas chances de fazer
mal quanto bem. Teria sido muito natural se você dissesse: que
direito ele tem de me passar um sermão? E receio que teria sido
muito natural sentir que foi feito de um modo desagradável. Não
acredito que tenha feito qualquer bem a você. O bem recebi todo
eu, quando lhe tornei um objeto da mais tenra afeição. Não podia
pensar tanto em você sem querê-la bem, apesar de quaisquer
defeitos, e, imaginando tantos erros, senti por você um enorme
afeto desde que você tinha treze anos.
— Tenho certeza de que me ajudou — exclamou Emma. —
Muitas vezes, fui influenciada corretamente por você, mais do que
eu admitia na época. Tenho certeza de que me fez bem. E se a pobre
Anna Weston for mimada, a maior gentileza que pode fazer por ela é
o mesmo que fez por mim, exceto começar a amá-la só aos treze
anos.
— Quantas vezes, quando era menina, me disse com um dos
seus olhares atrevidos: “Sr. Knightley, vou fazer assim e assado;
papai diz que posso, ou tenho a permissão da srta. Taylor”, em
relação a algo que sabia que eu não aprovava? Em tais casos, minha
interferência estava inspirando dois sentimentos ruins, em vez de
um.
— Que criatura adorável eu era! Não me surpreende que você se
lembre de meus discursos com tanto afeto.
— “Sr. Knightley”, você sempre me chamava, “sr. Knightley”, e,
graças ao hábito, não era um som tão formal. No entanto, é. Quero
que me chame de outra forma, mas não sei como.
— Lembro que uma vez lhe chamei de “George”, em uma das
minhas adoráveis birras, cerca de dez anos atrás. Achei que o
ofenderia, mas, como você não objetou, nunca usei de novo.
— E não pode chamar-me de George agora?
— Jamais! Nunca conseguirei chamá-lo de qualquer forma que
não “sr. Knightley”. Não posso sequer prometer o laconismo
elegante da sra. Elton, chamando-o de “sr. K.”. Mas prometerei —
acrescentou, rindo e enrubescendo —, prometerei chamá-lo uma
vez pelo seu nome de batismo. Não digo quando, mas talvez você
possa adivinhar onde, no local em que o marido aceita sua esposa,
na alegria e na tristeza.
Emma lamentou não poder reconhecer mais um serviço
importante que o juízo superior dele lhe teria prestado, o conselho
que a teria salvado da pior de todas as tolices femininas — sua
teimosia em criar uma intimidade com Harriet Smith —, mas era
um assunto delicado demais e não conseguiu abordá-lo. Harriet
raramente era mencionada entre eles. Da parte dele, talvez só
porque não pensasse na moça, mas Emma estava inclinada a
atribuir sua delicadeza a uma suspeita, com base em certos indícios,
de que a amizade delas entrava em declínio. Ela mesma percebia
que, separadas sob quaisquer outras circunstâncias, teriam se
comunicado mais, e para saber notícias de Harriet ela não teria
dependido, como agora fazia quase inteiramente, das cartas de
Isabella. Talvez ele tivesse notado. A dor de ser obrigada a ocultar
algo dele era pouco inferior àquela por ter causado sofrimento a
Harriet.
Isabella enviou um relatório da visitante tão bom quanto podia
ser esperado; à sua chegada, pensou que estava um pouco
desanimada, o que pareceu perfeitamente natural, uma vez que
deveria consultar um dentista; contudo, uma vez que a visita foi
concluída, ela não pareceu achar Harriet diferente de antes. Isabella
certamente não era uma observadora sagaz, mas não teria deixado
de notar se Harriet não estivesse apta a brincar com as crianças. Os
confortos e esperanças de Emma foram agradavelmente atendidos
quando a estadia se prolongou — era provável que a quinzena se
tornasse um mês. O sr. e a sra. John Knightley viriam visitá-los em
agosto, e Harriet foi convidada a permanecer até que pudessem
trazê-la de volta.
— John nem sequer menciona a sua amiga — disse o sr.
Knightley. — Aqui está a resposta dele, se quiser vê-la.
Era a resposta ao anúncio de seu matrimônio pretendido. Emma
a tomou avidamente, com uma impaciência viva para saber o que
ele diria a respeito que não diminuiu em nada ao ouvir que a amiga
não fora mencionada.
— John partilha da minha felicidade como um irmão —
continuou o sr. Knightley —, mas não é dado a elogios e, embora eu
bem saiba que sinta também uma afeição fraternal por você, sua
falta de floreios levaria qualquer outra moça a pensar que a trata
friamente… Mas não temo que você leia o que ele escreveu.
— Ele escreve como um homem sensato — comentou Emma
após ler a carta. — Eu admiro sua sinceridade. É evidente que
considera a sorte do noivado toda minha, mas tem esperanças de
que eu me torne, com o tempo, tão digna de sua afeição quanto você
já me considera. Se tivesse dito qualquer coisa que pudesse levar a
outra interpretação, eu não teria acreditado.
— Minha querida Emma, ele não quis dizer isso. Só está dizendo
que…
— Ele e eu diferimos muito pouco em nossa avaliação —
interrompeu ela, com um sorriso sério —, muito menos, talvez, do
que ele imaginasse, se pudéssemos entrar sem cerimônia ou
reservas no assunto.
— Emma, minha querida Emma…
— Ah! — exclamou ela, com uma alegria sincera. — Se acha que
seu irmão não me faz jus, só espere até meu querido pai estar
inteirado do segredo e ouça a opinião dele. Confie em mim, não
chegará nem perto de fazer jus a você.
Pensará que toda a
felicidade, toda a vantagem, estará do seu lado da questão, e todo o
mérito do meu. Gostaria de não me tornar “a pobre Emma” para ele
tão cedo. É infinita a sua compaixão terna pelos sofrimentos dos
justos.
— Ah! — exclamou ele. — Queria que seu pai pudesse ser tão
facilmente convencido quanto John de que teremos toda a
felicidade que uma união de iguais pode conceder. Achei divertida
uma parte da carta de John… você reparou? Onde ele diz que
minha novidade não o tomou inteiramente de surpresa, pois tinha
certa expectativa de ouvir algo do tipo.
— Se o entendi corretamente, ele só estava falando quanto a
você ter ideias de se casar. Não imaginava que seria comigo. Pareceu
bastante surpreso com isso
.
— Sim, sim, mas estou impressionado por ele ter visto tão fundo
em meus sentimentos. Em que se baseou? Eu não estava consciente
de qualquer diferença em meu humor ou qualquer conversa que
pudesse prepará-lo para o meu casamento agora, mais do que em
qualquer outro momento. Contudo, imagino que houve alguma.
Arrisco dizer que estava diferente quando fiquei com eles, um
tempo atrás. Acredito que não brinquei tanto com as crianças como
de costume. Lembro que, uma noite, os coitadinhos disseram: “O
tio parece sempre cansado agora”.
A hora se aproximava em que a notícia deveria ser divulgada
além e a reação de outras pessoas seria testada. Assim que a sra.
Weston estava suficientemente recuperada para admitir as visitas do
sr. Woodhouse, Emma, esperando que seus argumentos pacientes
fossem empregados na causa, resolveu primeiro anunciar o noivado
em casa, depois em Randalls. Mas como contar enfim ao pai? Ela
tinha decidido que o faria pessoalmente, numa hora em que o sr.
Knightley estivesse ausente, caso contrário seu coração lhe teria
falhado e ela precisaria adiar; no entanto, o sr. Knightley deveria vir
em seguida e dar sequência à sua introdução. Então ela foi obrigada
a falar, e falou alegremente. Não devia aumentar o pesar dele com
um tom melancólico. Não devia passar a impressão de que seria
uma infelicidade. Com todo o ânimo que conseguiu evocar, ela
primeiro o preparou para algo estranho, e então, em poucas
palavras, disse que, se o seu consentimento e aprovação pudessem
ser obtidos — o que, ela confiava, aconteceria sem dificuldades, já
que era um plano para promover a felicidade de todos —, ela e o sr.
Knightley pretendiam se casar, o que significava que Hartfield
receberia o acréscimo constante da companhia da pessoa que ela
sabia que ele mais amava no mundo, ao lado das filhas e da sra.
Weston.
Pobre homem! O choque foi considerável a princípio, e ele
sinceramente tentou dissuadi-la. Ela foi lembrada, mais de uma vez,
de que sempre disse que nunca se casaria, e recebeu garantias de
que seria muito melhor permanecer solteira, e recordada da pobre
Isabella e da pobre srta. Taylor. Mas não funcionou. Emma o
abraçou com muito afeto, sorriu e disse que devia ser assim, e que
ele não devia compará-la a Isabella e à sra. Weston, cujos
casamentos as tinham afastado de Hartfield e, de fato, ocasionado
uma mudança melancólica. Ela não sairia de Hartfield, sempre
estaria ali; a ocasião não introduzia nenhuma mudança aos
números ou confortos dele que não fossem para o melhor, e ela
tinha certeza de que o pai seria muito mais feliz tendo o sr.
Knightley sempre próximo, uma vez que se acostumasse à ideia. Ele
não amava o sr. Knightley profundamente? Com certeza não
negaria. Quem ele sempre queria consultar em questões de
negócios, exceto o sr. Knightley? Quem era tão prestativo, sempre
disposto a escrever suas cartas, sempre tão feliz em auxiliá-lo?
Quem era tão alegre, tão atencioso, tão apegado a ele? Ele não
gostaria de tê-lo sempre por perto? Sim. Tudo isso era verdade. O sr.
Knightley era sempre bem-vindo e ele ficaria feliz de vê-lo todos os
dias, mas eles já o viam todos os dias. Por que não podiam
continuar como sempre?
O sr. Woodhouse não foi rapidamente reconciliado à ideia, mas o
pior estava superado: a ideia fora apresentada, e tempo e repetição
contínua se encarregariam do resto. Aos rogos e garantias de Emma
seguiram-se os do sr. Knightley, cujos elogios carinhosos a Emma
até tornaram o assunto mais bem-vindo, e ele logo se acostumou a
ouvir ambos mencionarem-no a toda oportunidade favorável. Eles
receberam toda a assistência que Isabella podia fornecer, por cartas
da mais enfática aprovação, e a sra. Weston se dispôs, no primeiro
encontro, a considerar a questão sob a luz mais favorável —
primeiro, como uma questão decidida e, segundo, como uma
decisão positiva, muito ciente da importância quase igual dos dois
aspectos à mente do sr. Woodhouse. Ficou concordado que o
casamento ocorreria, e todos por quem ele estava acostumado a ser
guiado garantiram-lhe que o evento contribuiria para a sua
felicidade. E com alguns sentimentos quase resignados, ele mesmo
começou a pensar que uma hora ou outra — em um ano ou dois,
talvez — poderia não ser tão ruim se o casamento ocorresse.
A sra. Weston não interpretava um papel nem falseava
sentimentos no que disse em favor do matrimônio. Ficou
extremamente surpresa, mais do que nunca, quando Emma revelou
a novidade, mas só antecipava a maior felicidade a todos e não
hesitou em instar o sr. Woodhouse ao máximo. Tinha o sr. Knightley
em tão alta conta a ponto de pensar que ele merecia até a sua
querida Emma, e era uma união tão correta, adequada e
excepcional em todos os aspectos — e, em um sentido, um sentido
muito importante, tão peculiarmente vantajosa — que agora parecia
que Emma não poderia ter se conectado com segurança a qualquer
outra criatura, e que ela mesma era o ser mais estúpido do mundo
por não ter pensado nisso e desejado a união havia muito tempo.
Quão poucos homens de uma posição social apropriada para
abordar Emma teriam renunciado ao próprio lar por Hartfield! E
quem exceto o sr. Knightley conhecia e sabia lidar com o sr.
Woodhouse a ponto de tornar tal arranjo desejável? O que fazer
quanto ao pobre sr. Woodhouse sempre fora uma dificuldade nos
planos dela e do marido para um casamento entre Frank e Emma.
Conciliar os direitos de Enscombe e Hartfield fora um contínuo
impedimento — menos admitido pelo sr. Weston do que por ela
mesma —, mas mesmo ele nunca fora capaz de solucionar melhor o
assunto do que dizendo: “Essas questões vão se resolver sozinhas;
os jovens encontrarão um jeito”. Ali, entretanto, não havia nada que
devesse ser adiado em especulações fantasiosas sobre o futuro. Tudo
era correto, franco e estava em pé de igualdade. Nenhum sacrifício
que merecesse tal nome seria feito por qualquer uma das partes. Era
uma união com a maior promessa de felicidade, sem qualquer
dificuldade real ou racional para antagonizá-la ou atrasá-la.
Com o bebê no joelho, a sra. Weston entregava-se a reflexões
como essas e era uma das mulheres mais felizes do mundo. Se
alguma coisa poderia aumentar seu deleite, teria sido perceber que
a filha logo ficaria grande demais para o primeiro conjunto de
toucas.
A notícia foi recebida com surpresa universal onde quer que se
espalhasse, e o sr. Weston ficou em choque por cinco minutos —
mas cinco minutos foram o bastante para familiarizar sua mente ágil
com a ideia. Ele reconheceu as vantagens da união e regozijou-se
com toda a constância da esposa, mas a surpresa logo esvaneceu e,
ao final de uma hora, ele não estava longe de crer que sempre
previra esse casamento.
— Imagino que seja um segredo — disse ele. — Essas questões
sempre são um segredo, até ser revelado que todos já sabiam do
fato. Só me avise quando eu puder falar a respeito. Pergunto-me se
Jane suspeita de alguma coisa.
Ele foi a Highbury na manhã seguinte e satisfez-se nesse ponto,
contando a novidade a ela. Ela não era praticamente uma filha, a
sua filha mais velha? Ele devia contar-lhe. E como a srta. Bates
estava presente, a novidade foi transmitida, é claro, à sra. Cole, à
sra. Perry e à sra. Elton logo em seguida. Não era nada para que os
envolvidos não estivessem preparados, pois estimaram que, assim
que o fato fosse conhecido em Randalls, logo seria em Highbury, e
com grande divertimento imaginavam a si mesmos como motivo de
grande espanto em muitos círculos familiares.
Em geral, foi uma união muito aprovada. Alguns pensavam que a
sorte maior era dele; outros, dela. Um recomendava que todos se
transferissem a Donwell e deixassem Hartfield para os John
Knightley, e outro poderia prever discordâncias entre os criados; no
entanto, de forma geral, não houve sérias objeções exceto em uma
residência: a casa paroquial. Lá a surpresa não foi suavizada por
qualquer satisfação. O sr. Elton se importou pouco, comparado com
a esposa — só esperava que “o orgulho da dama ficasse enfim
satisfeito”, supôs que “ela sempre pretendera conquistar Knightley,
se pudesse” e, quanto à questão de morar em Hartfield,
audaciosamente exclamou: “Melhor ele que eu!”. Mas a sra. Elton
ficou muito desconcertada. Pobre Knightley! Pobre sujeito! Que
mudança triste para ele. Ela estava muito preocupada, pois, embora
excêntrico, ele possuía mil boas qualidades. Como pudera ser
enganado dessa forma? Ela não acreditava que estivesse
apaixonado, de forma alguma. Pobre Knightley! Seria o fim de toda
agradável intimidade com ele. Como ele gostava de jantar em sua
companhia, sempre que o convidavam. Mas tudo isso acabaria
agora. Pobre sujeito! Não haveria mais passeios de exploração a
Donwell organizados para ela.
Ah, não! Agora uma sra. Knightley
jogaria um balde de água fria em tudo. Era extremamente
desagradável! Contudo, ela não lamentava de forma alguma ter
criticado a governanta, no outro dia. Era um plano chocante, morar
juntos. Nunca funcionaria. Ela conhecia uma família perto de Maple
Grove que tentara e fora obrigada a se separar em menos de um
trimestre.

42
.  Referência ao romance Adelaide e Theodore
(1783), da escritora
francesa Madame de Genlis (1746–1830). A baronesa adota sua sobrinha, a
condessa d’Ostalis, e a educa. Depois, se aproveita dessa experiência para
educar a filha Adelaide.
CAPÍTULO XVIII

O tempo passou. Mais alguns amanhãs e o grupo de Londres


chegaria. Era uma mudança alarmante, e Emma estava pensando,
uma manhã, que traria muitos motivos de agitação e sofrimento,
quando o sr. Knightley entrou e os pensamentos aflitivos foram
deixados de lado. Depois de algumas palavras corriqueiras, ele se
calou e, então, em um tom mais sério, começou com:
— Tenho algo a contar, Emma. Uma novidade.
— Boa ou ruim? — perguntou ela, erguendo os olhos
rapidamente para fitá-lo.
— Não sei como classificá-la.
— Ah, é boa, certamente. Posso ver em seu semblante. Está
tentando não sorrir.
— Receio — disse ele, controlando suas feições —, receio muito,
minha querida Emma, que você não vá sorrir quando ouvi-la.
— É mesmo? Mas por quê? Não consigo imaginar algo que lhe
agrade ou divirta que não me agradaria ou divertiria também.
— Há um assunto — respondeu ele —, e espero que apenas um,
em que não pensamos da mesma maneira. — Ele fez uma pausa e
sorriu de novo, com os olhos fixos no rosto dela. — Não consegue
adivinhar? Não se lembra? Harriet Smith.
As faces dela coraram. Emma temeu alguma coisa, embora não
soubesse o quê.
— Já ouviu notícias dela esta manhã? — questionou ele. —
Creio que sim e sabe de tudo!
— Não, não ouvi; não sei nada, por favor, conte-me.
— Você está preparada para o pior, eu vejo… e é muito grave.
Harriet Smith vai se casar com Robert Martin.
Emma se sobressaltou, o que não parecia sugerir qualquer
preparo, e os olhos ávidos diziam: “Não, é impossível”. Porém seus
lábios permaneceram selados.
— É verdade — continuou o sr. Knightley. — Eu ouvi do próprio
Robert Martin, que me deixou há menos de meia hora.
Ela ainda o encarava com assombro evidente.
— Você gostou da novidade, minha Emma, tão pouco quanto eu
temia. Queria que nossas opiniões fossem iguais, mas com o tempo
serão. O tempo, tenha certeza, levará um de nós a mudar de ideia, e
por enquanto não precisamos discutir muito o assunto.
— Não é isso, não é isso — respondeu ela, com esforço. — Não é
que essa circunstância me deixaria infeliz agora, só não consigo
acreditar. Parece uma impossibilidade! Não pode estar dizendo que
Harriet Smith aceitou Robert Martin, ou que ele fez outra proposta a
ela… apesar de tudo. Quer me dizer que ele pretende fazê-la.
— Quero dizer que já a fez — respondeu o sr. Knightley,
sorridente mas resoluto. — E foi aceito.
— Por Deus! — exclamou ela. — Bem! — Então, recorrendo à
sua cesta de bordado como uma desculpa para abaixar o rosto e
ocultar todos os sentimentos extasiantes de prazer e divertimento
que ele devia estar expressando, acrescentou: — Bem, então me
conte tudo, explique para mim. Como, onde, quando? Deixe-me
saber cada detalhe. Nunca fiquei tão surpresa, mas não estou infeliz,
prometo. Como… como é possível?
— É uma história muito simples. Ele foi à cidade a negócios três
dias atrás, e pedi que levasse alguns documentos que queria
entregar a John. Ele os entregou no escritório de John e foi
convidado a se juntar à família naquela mesma noite no Astley’s
43
.
Eles iam levar os dois garotos mais velhos ao Astley’s. O grupo seria
composto pelo nosso irmão e irmã, Henry, John… e a srta. Smith.
Meu amigo Robert não resistiu. Eles o pegaram no caminho, ficaram
todos muito entretidos com o espetáculo, então meu irmão pediu
que ele jantasse com a família no dia seguinte, o que ele fez, e no
curso dessa visita (pelo que entendo), ele encontrou uma
oportunidade de falar com Harriet, e certamente não falou em vão.
A aquiescência dela o deixa tão feliz quanto ele merece ser. Robert
voltou ontem, de diligência pública, e veio me encontrar esta manhã
logo após o desjejum para contar da viagem, falando primeiro sobre
os meus assuntos e então sobre os seus próprios. Isso é tudo que
posso reportar quanto a como, onde e quando. Sua amiga Harriet
contará uma história bem mais longa, quando a vir. Ela lhe dará os
detalhes que só a linguagem de uma mulher pode tornar
interessantes. Em nossas comunicações, só falamos a grandes
pinceladas. Entretanto, devo dizer que o coração de Robert Martin
parecia, para ele
, e para mim
, estar transbordando. E ele
mencionou, sem um motivo aparente, que, ao deixar o camarote do
Astley’s, meu irmão se encarregou da sra. John Knightley e do
pequeno John, e ele seguiu com a srta. Smith e Henry, e que, em um
momento, encontraram-se em meio a tamanha multidão que a srta.
Smith ficou um tanto desconfortável.
Ele fez uma pausa. Emma não ousou responder imediatamente.
Falar seria trair um grau de felicidade inexplicável. Precisava
esperar ou ele pensaria que ela tinha perdido a razão. Seu silêncio o
perturbou e, após observá-la por certo tempo, ele acrescentou:
— Emma, meu amor, você disse que essa circunstância não a
deixaria infeliz, mas receio que a faz sofrer mais do que esperava. A
situação dele é uma desvantagem, mas você deve considerar que
satisfaz a sua amiga, e prometo que formará uma opinião melhor
dele conforme o conhecer mais profundamente. Vai encantar-se
com o seu bom senso e princípios. Quanto ao homem em si, não
poderia desejar que sua amiga estivesse em melhores mãos. Eu
alteraria a posição social dele, se pudesse, o que não é dizer pouco,
tenha certeza. Você ri de mim por causa de William Larkins, mas eu
também não poderia abrir mão de Robert Martin.
Ele queria que ela erguesse os olhos e sorrisse e, conseguindo
agora não dar um sorriso grande demais, ela o fez e respondeu
alegremente:
— Você não precisa se esforçar para me reconciliar com a união.
Acho que Harriet fez muitíssimo bem. As conexões dela
podem ser
piores que as dele
. Quanto à respeitabilidade de caráter, sem
dúvida são. Estive calada apenas devido à surpresa, uma surpresa
excessiva. Não pode imaginar como a notícia foi inesperada para
mim! Como eu estava particularmente despreparada para ela! Pois
tinha motivos para crer que ela estava, muito recentemente, ainda
mais do que antes, determinada a não o aceitar.
— Você conhece a sua amiga melhor que eu — respondeu o sr.
Knightley —, mas devo dizer que ela é uma garota amável e
generosa, que não parece propensa a recusar um jovem que professe
amá-la.
Emma não conseguiu conter uma risada.
— Palavra, acredito que você a conheça tão bem quanto eu. Mas,
sr. Knightley, tem certeza absoluta de que ela o aceitou
, sem
sombra de dúvida? Eu imaginaria possível, com o tempo, mas ela já
o aceitou? Você não teria entendido errado? Vocês estavam falando
de outros assuntos; negócios, uma exposição de gado ou novas
máquinas agrícolas… Não seria possível, na confusão de tantos
assuntos, ter se enganado? Não era da mão de Harriet que ele estava
confiante, e sim das dimensões de algum boi famoso.
O contraste entre o semblante e os ares do sr. Knightley e de
Robert Martin eram, naquele momento, tão fortes aos sentimentos
de Emma, e tão forte era a lembrança de tudo que se passara
recentemente com Harriet, tão nítido o som das palavras ditas com
ênfase — “Espero ter superado qualquer afeição pelo sr. Martin” —
que ela de fato imaginava que a informação se provaria, em certa
medida, prematura. Não podia ser diferente.
— Como pode dizer isso? — questionou o sr. Knightley. — É
capaz de me supor tão tolo que não sei do que um homem está
falando? O que você merece?
— Ah! Eu sempre mereço o melhor tratamento, porque nunca
tolero nada diferente, e portanto você deve me dar uma resposta
simples e direta. Tem certeza absoluta de que compreende a
situação atual entre o sr. Martin e Harriet?
— Tenho total certeza — respondeu ele, enfático — de que ele
me contou que ela o tinha aceitado, e não houve nada obscuro ou
duvidoso nas palavras que usou. E creio que possa lhe dar uma
prova adicional. Ele pediu minha opinião quanto ao próximo passo.
Não conhecia ninguém, exceto a sra. Goddard, a quem poderia se
dirigir para obter informações sobre os parentes ou amigos de
Harriet. Será que eu não poderia mencionar algo mais apropriado do
que falar com a sra. Goddard? Eu lhe garanti que não. Então, ele
disse que tentaria visitá-la hoje mesmo.
— Estou perfeitamente satisfeita — respondeu Emma, com o
maior dos sorrisos — e desejo-lhes felicidade de todo o coração.
— Você mudou muito desde a última vez que discutimos o
assunto.
— Espero que sim, pois naquela época era uma tola.
— E eu também mudei, porque agora estou disposto a
reconhecer todas as qualidades de Harriet. Por você e por Robert
Martin, o qual sempre acreditei tão apaixonado quanto sempre,
tenho me esforçado para conhecê-la melhor. Falei muito com ela
ultimamente. Você deve ter visto. Às vezes, inclusive, pensei que
você quase suspeitava que eu defendesse a causa do pobre Martin, o
que nunca foi o caso; no entanto, com base em todas as minhas
observações, estou convencido de que ela é uma garota genuína e
amável, com ideias sólidas, princípios muito bons, e que confia sua
felicidade aos afetos e utilidades da vida doméstica. E grande parte
disso, não tenho dúvidas, ela deve a você.
— Eu! — exclamou Emma, balançando a cabeça. — Ah, pobre
Harriet!
Ela se controlou, entretanto, e submeteu-se em silêncio a mais
elogios do que merecia.
A conversa logo foi interrompida pela entrada do seu pai. Ela não
lamentou. Queria ficar a sós. Sua mente estava em tal alvoroço e
assombro que não lhe permitia recompor-se. Seus ânimos
dançavam, cantavam, celebravam, e até que conseguisse se
movimentar e falar consigo mesma, e rir e refletir, não estaria apta a
nenhuma ocupação racional.
O pai viera anunciar que James estava atrelando os cavalos,
preparando-se agora para o passeio diário a Randalls, e ela teve,
portanto, uma desculpa imediata para desaparecer.
A alegria, a gratidão, o deleite extasiante de suas sensações pode
ser imaginado. Com o único motivo de infelicidade assim removido
das perspectivas para o bem-estar de Harriet, ela corria o risco de
ficar feliz demais para assegurar-se da permanência do sentimento.
O que lhe faltava desejar? Nada, exceto tornar-se mais digna
daquele cujas intenções e julgamento sempre foram tão superiores
aos seus próprios. Nada, exceto que as lições de sua imprudência
passada pudessem ensinar-lhe humildade e circunspecção no
futuro.
Ela estava muito determinada a manter sua gratidão e suas
resoluções; no entanto, não havia como evitar uma risada, às vezes,
em meio a elas. Tinha de rir de tal desfecho! De tal fim para uma
decepção amarga de apenas cinco semanas antes! Que coração —
que Harriet!
Agora haveria prazer em recebê-la de volta. Tudo seria um
prazer. Seria um enorme prazer conhecer Robert Martin.
Bem no alto na lista das suas felicidades mais profundas e
sinceras, estava a reflexão de que toda necessidade de ocultar fatos
do sr. Knightley logo chegaria ao fim. O encobrimento, subterfúgio e
mistério, tão detestáveis de praticar, logo poderiam ser dispensados.
Ela não via a hora de oferecer aquela confiança completa e perfeita
que seu temperamento estava muito disposto a ver como um dever.
Em um humor jubiloso, ela partiu com o pai; nem sempre
escutando, mas sempre concordando com o que ele dizia; e, fosse
em fala ou silêncio, sendo conivente com o seu argumento oportuno
de que ele era obrigado a ir a Randalls todo dia para não
decepcionar a pobre sra. Weston.
Eles chegaram. A sra. Weston estava sozinha na sala de visitas,
mas eles mal ouviram sobre o bebê e o sr. Woodhouse ainda recebia
agradecimentos pela visita, após pedir por eles, quando um
vislumbre foi captado através das cortinas — duas figuras passeando
perto da janela.
— Frank e a srta. Fairfax — disse a sra. Weston. — Eu estava
prestes a contar a vocês da surpresa agradável que tivemos ao vê-lo
chegar esta manhã. Ele fica até amanhã, e convencemos a srta.
Fairfax a passar o dia conosco. Eles logo vão entrar, espero.
Em meio minuto, estavam todos na sala. Emma ficou
extremamente feliz ao vê-lo, mas houve certa confusão — uma série
de lembranças constrangedoras dos dois lados. Eles se
cumprimentaram com prontidão e sorrisos, mas com um embaraço
que, a princípio, não permitiu que muito fosse dito. E quando todos
se acomodaram de novo, havia tamanho constrangimento no grupo
que Emma começou a questionar se, ao ter atendido ao desejo de
longa data de rever Frank Churchill, e de vê-lo com Jane, a ocasião
propiciaria o prazer imaginado. Quando o sr. Weston se juntou ao
grupo e o bebê foi trazido, porém, não faltaram mais assunto ou
animação — nem coragem e oportunidade para Frank Churchill
puxá-la de lado e dizer:
— Tenho de agradecer-lhe, srta. Woodhouse, por uma mensagem
sua muito magnânima em uma das cartas da sra. Weston. Espero
que o tempo não a tenha tornado menos disposta a perdoar. Espero
que não retire o que disse na ocasião.
— De forma alguma — exclamou Emma, muito feliz em falar do
assunto. — De forma alguma. Estou particularmente feliz de vê-lo e
apertar a sua mão, e desejar-lhe felicidade em pessoa.
Ele agradeceu de todo coração, e continuou falando por algum
tempo, muito sinceramente, sobre sua gratidão e felicidade.
— Ela não está com uma aparência ótima? — perguntou,
voltando os olhos para Jane. — Melhor do que jamais esteve? Veja
como meu pai e a sra. Weston a adoram.
Mas seu bom humor logo emergiu e, com olhos sorridentes,
depois de mencionar o retorno esperado dos Campbells, ele
mencionou os Dixon. Emma enrubesceu e proibiu que o nome fosse
dito na sua presença.
— Nunca poderei pensar nisso — declarou ela — sem extrema
vergonha.
— A vergonha é toda minha — respondeu Frank Churchill —, ou
deveria ser. Mas é possível que você não suspeitasse de nada? Quer
dizer, ultimamente. No início, sei que não fazia ideia.
— Nunca tive a menor suspeita, eu lhe garanto.
— Parece-me inacreditável. Uma vez, estive muito perto de
contar… e queria ter contado. Teria sido melhor. Mas, embora eu
estivesse sempre fazendo coisas erradas, eram coisas erradas muito
ruins
, e que não me ajudavam em nada. Teria sido uma
transgressão muito melhor se eu tivesse rompido o sigilo e lhe
contado tudo.
— Agora não vale a pena arrepender-se disso — disse Emma.
— Tenho certa esperança — continuou ele — de convencer meu
tio a prestar uma visita a Randalls; ele quer ser apresentado a ela.
Quando os Campbell voltarem, nós os encontraremos em Londres, e
permaneceremos lá, confio, até podermos levá-la para o norte. Mas,
no momento, estou tão longe dela que… Não é difícil, srta.
Woodhouse? Até esta manhã, não tínhamos nos encontrado uma
única vez desde o dia da reconciliação. Não se compadece de mim?
Emma expressou sua compaixão tão gentilmente que, com uma
ascensão súbita de pensamentos alegres, ele exclamou:
— Ah! Aliás — abaixando a voz e parecendo acanhado por um
momento —, espero que o sr. Knightley esteja bem. — Ele esperou,
e ela corou e riu. — Sei que viu minha carta e acho que se lembra
dos meus votos. Permita-me retribuir seus cumprimentos. Garanto
que ouvi a notícia com o maior interesse e grande satisfação. Ele é
um homem que não ouso ter a presunção de elogiar.
Emma ficou encantada e queria que ele prosseguisse no mesmo
estilo, mas no instante seguinte a mente dele retornou às próprias
preocupações e sua própria Jane, e as palavras seguintes foram:
— Já viu uma pele como a dela? Tão macia! Tão delicada! E sem
ser loira. Não se poderia chamá-la de loira. É uma compleição muito
incomum, com seus cílios e cabelos escuros… uma compleição
muito distinta! E a dama que a possui é tão singular. Só tem cor
suficiente para ser bela.
— Eu sempre admirei a compleição dela — provocou Emma —,
mas não houve ocasião em que você criticou a palidez dela?
Quando falamos dela pela primeira vez. Esqueceu disso?
— Ah, não! Que cão impudente eu fui! Como pude…?
Mas ele riu tão sinceramente da lembrança que Emma só pôde
responder:
— Suspeito que, em meio a suas dificuldades na época, se
divertiu muito em enganar todos nós! Estou certa disso. Estou certa
de que foi um consolo para você.
— Ah, não, não, não! Como pode suspeitar isso de mim? Eu era
o mais infeliz dos homens!
— Não tão infeliz a ponto de ser incapaz de rir. Tenho certeza de
que foi uma fonte de grande entretenimento sentir que estava
enganando a todos. Talvez eu seja mais propensa a suspeitar disso
porque, para ser sincera, acho que teria me divertido, se
estivéssemos na mesma situação. Acredito que há uma semelhança
entre nós.
Ele fez uma mesura.
— Se não em temperamento — logo acrescentou ela, com um
olhar de verdadeira consciência —, há uma semelhança em nosso
destino, o destino que julga justo nos conectar a dois caráteres tão
superiores ao nosso.
— É verdade, a pura verdade — respondeu ele, calorosamente.
— Isto é, não da sua parte. Não há ninguém que seja seu superior,
mas é verdade quanto a mim. Ela é um verdadeiro anjo. Veja. Não é
um anjo, em cada gesto? Observe a curva do pescoço. Observe seus
olhos enquanto fita meu pai. Você ficará feliz em ouvir —
acrescentou, inclinando a cabeça e sussurrando com seriedade —
que meu tio pretende dar a ela todas as joias da minha tia. Serão
seu novo conjunto. Resolvi que vou reunir algumas numa tiara. Não
ficará bonito no cabelo escuro dela?
— Muito bonito, de fato — respondeu Emma.
E seu tom foi tão gentil que ele irrompeu, transbordando de
gratidão:
— Como estou feliz por vê-la outra vez! E encontrá-la tão bem!
Não queria perder esse encontro por nada. Certamente teria
passado em Hartfield, se você não tivesse vindo.
Os outros estavam falando da criança; a sra. Weston contava
sobre um pequeno susto que teve, na noite anterior, quando o bebê
não parecia muito bem. Acreditava que tinha sido tolice sua, mas se
preocupara e estivera a meio minuto de chamar o sr. Perry. Talvez
devesse se envergonhar, mas o sr. Weston tinha ficado quase tão
inquieto quanto ela mesma. Em dez minutos, porém, a criança
estava perfeitamente bem de novo. Essa era a história, que
despertou interesse em especial do sr. Woodhouse, que a elogiou
muito por pensar em chamar Perry e só lamentava que não o tivesse
feito. Ela sempre deveria chamar Perry, se a criança parecesse ter
qualquer desarranjo, mesmo que por um só momento. Nunca era
muito cedo para se alarmar, e recorrer a Perry nunca era demais.
Era uma pena, quem sabe, que ele não tivesse vindo na noite
anterior, pois, embora a criança parecesse bem agora, considerando
todos os fatores, teria sido melhor se Perry a tivesse visto.
Frank Churchill ouviu o nome.
— Perry! — disse ele a Emma, tentando, enquanto falava, captar
o olhar de Jane. — Meu amigo sr. Perry! O que estão dizendo sobre
o sr. Perry? Ele esteve aqui esta manhã? E como se desloca agora,
arranjou sua carruagem?
Emma logo recordou e compreendeu; e enquanto juntava-se à
risada, era evidente, pelo semblante de Jane, que ela também o
escutava, embora fingisse que não.
— Que sonho extraordinário eu tive! — exclamou ele. — Nunca
consigo pensar nele sem rir. Ela nos ouve, ela nos ouve, srta.
Woodhouse. Eu vejo em seu rosto, seu sorriso, sua tentativa vã de
franzir o cenho. Observe-a. Não vê que, neste instante, o trecho da
própria carta, que me enviou a notícia, está correndo sob seus
olhos, que aquele lapso todo está exposto à sua frente, que ela não
consegue atentar a mais nada, embora finja ouvir os outros?
Jane foi obrigada a sorrir abertamente, por um momento, e o
sorriso permaneceu em parte enquanto ela se virava para ele e dizia
em uma voz consciente, baixa mas firme:
— Como você consegue suportar tais lembranças é um mistério
para mim! Às vezes, elas vão surgir
… mas como você as corteja
!
Ele teve muito a dizer em resposta, com muito bom humor, mas
os sentimentos de Emma estavam mais alinhados com os de Jane,
neste ponto, e ao deixar Randalls e naturalmente iniciar uma
comparação entre os dois homens, ela sentiu que, por mais
contente que estivesse em rever Frank Churchill e por mais que o
considerasse um amigo, nunca esteve mais sensível à enorme
superioridade de caráter do sr. Knightley. A felicidade daquele dia
tão feliz completou-se na contemplação prazerosa do valor dele que
foi produzida por essa comparação.

43
.  O anfiteatro Astley’s, fundado em 1768, é considerado o primeiro circo
moderno e seus atos incluíam acrobacias em cavalos, palhaços, equilibristas,
animais treinados, entre outros.
CAPÍTULO XIX

Se Emma ainda sentia, em certos momentos, uma ansiedade por


Harriet, uma dúvida momentânea de que fosse possível ela se curar
de sua afeição pelo sr. Knightley e realmente aceitar outro homem
com uma inclinação imparcial, não teve de sofrer pela recorrência
dessa incerteza por muito tempo. Dali a poucos dias, o grupo de
Londres voltou e, assim que teve a chance de passar uma hora a sós
com Harriet, ela ficou perfeitamente convencida — por mais
inexplicável que fosse! — de que Robert Martin tinha suplantado
completamente o sr. Knightley e agora respondia por todas as suas
expectativas de felicidade.
Harriet estava um pouco aflita, e pareceu um pouco tola a
princípio. No entanto, uma vez que admitiu ter sido tola e
presunçosa, e se enganado sozinha, sua dor e confusão pareceram
morrer com as palavras e deixá-la livre de preocupações com o
passado e com a maior exultação quanto ao presente e futuro —
pois, quanto à aprovação da amiga, Emma imediatamente a livrou
de todo temor ao recebê-la com as felicitações mais sinceras.
Harriet ficou muito satisfeita em fornecer cada detalhe da noite no
Astley’s e do jantar no dia seguinte; recordava-se deles com o maior
prazer. Mas o que tais detalhes explicavam? O fato era que, pelo que
Emma agora podia reconhecer, Harriet sempre tinha gostado de
Robert Martin, e que o amor persistente dele fora irresistível. Fora
isso, a questão sempre seria incompreensível para ela.
O evento, porém, seria uma grande alegria, e todo dia lhe dava
mais um motivo para pensar assim. A ascendência de Harriet se
tornou conhecida. Ela era a filha de um comerciante, rico o
bastante para prover-lhe a vida confortável que sempre fora seu
direito e decente o bastante para sempre ter se mantido oculto. Tal
era o sangue distinto pelo qual Emma já estivera tão pronta a jurar!
Era provavelmente tão puro, talvez, quanto o sangue de muitos
cavalheiros, mas que conexão ela estava preparando para o sr.
Knightley, ou para os Churchill, ou mesmo para o sr. Elton! A nódoa
da ilegitimidade, sem a mitigação de nobreza ou fortuna, teria sido
uma mancha de fato.
Nenhuma objeção foi levantada da parte do pai, o jovem foi
tratado com generosidade e tudo ocorreu como deveria; e, conforme
Emma conhecia melhor Robert Martin, que agora fora apresentado
em Hartfield, reconheceu nele todos os sinais de juízo e valor que
prometiam a maior felicidade à sua amiga. Não tinha dúvidas de que
Harriet seria feliz com qualquer homem amável, mas com ele, e no
lar que ele oferecia, haveria a esperança de mais: segurança,
estabilidade e aperfeiçoamento. Ela estaria em meio àqueles que a
amavam e que tinham mais juízo que si mesma; isolada o suficiente
para a segurança e ocupada o suficiente para a alegria. Nunca cairia
em tentação, nem estaria sujeita a encontrá-la. Seria respeitável e
feliz, e Emma a via como a criatura mais sortuda do mundo por ter
inspirado uma afeição tão firme e perseverante em tal homem — ou
talvez a segunda mais sortuda, apenas atrás de si mesma.
Harriet, afastada por seus compromissos com os Martin, passava
cada vez menos tempo em Hartfield, o que não foi lamentado. A
intimidade entre ela e Emma forçosamente arrefeceria, e a amizade
se transformaria em um carinho mais gentil. Felizmente, o que
estava fadado a acontecer parecia já estar começando da forma mais
gradual e natural possível.
Antes do final de setembro, Emma acompanhou Harriet à igreja
e viu sua mão entregue a Robert Martin com uma satisfação tão
completa que nenhuma memória, sequer as conectadas ao sr. Elton,
ali diante deles, poderia prejudicar. Na verdade, naquele momento,
talvez ela sequer visse o sr. Elton, apenas o clérigo cuja benção no
altar recairia em seguida sobre si mesma. Robert Martin e Harriet
Smith, o último dos três casais a noivar, foram os primeiros a se
casar.

Jane Fairfax já tinha deixado Highbury e retornado aos confortos


de seu amado lar com os Campbell. Os Churchill também estavam
na cidade, e esperavam apenas a chegada de novembro.
O mês intermediário foi o escolhido por Emma e o sr. Knightley,
na medida em que ousavam. Eles concluíram que o casamento
deveria ocorrer enquanto John e Isabella ainda estivessem em
Hartfield, para permitir uma ausência de uma quinzena para um
passeio pela costa, que era seu plano. John e Isabella, e todos os
outros amigos, concordaram com a ideia. Mas o sr. Woodhouse…
como se poderia induzi-lo a consentir? Ele ainda não aludia ao
casamento exceto como um evento distante.
Quando primeiro o sondaram, ele soou tão desolado que quase
perderam as esperanças. No entanto, uma segunda alusão causou
menos sofrimento. Ele começou a pensar que era inevitável e que
não poderia impedir o matrimônio — um passo muito promissor de
uma mente a caminho da resignação. Ainda assim, não estava feliz.
Não, seu sentimento parecia tão contrário que a coragem da filha
titubeou. Não suportava ver o seu sofrimento e saber que ele se
imaginava negligenciado. E, embora sua mente quase aquiescesse às
garantias dos dois sr. Knightley de que, quando o evento acabasse, o
sofrimento também acabaria, ela hesitava — não conseguia seguir
em frente.
Em meio a essa incerteza, eles receberam uma ajuda — não de
qualquer iluminação súbita da mente do sr. Woodhouse, nem
qualquer mudança milagrosa do seu sistema nervoso, mas pela
operação do mesmo sistema de outra forma. Uma noite, todos os
perus foram roubados do viveiro da sra. Weston, evidentemente pela
engenhosidade humana. Outros viveiros na vizinhança também
foram atacados. Furto era equivalente a um assalto
aos temores do
sr. Woodhouse. Ele ficou muito agitado e, se não fosse pela sensação
da proteção do genro, teria ficado sob imensa angústia cada noite de
sua vida. A força, resolução e presença de espírito dos senhores
Knightley inspiravam sua maior confiança. Enquanto um deles
protegesse ele e sua família, Hartfield estaria a salvo. Mas o sr. John
Knightley voltaria para Londres de novo no fim da primeira semana
de novembro.
O resultado dessa preocupação foi que, com um consentimento
muito mais voluntário e alegre do que a filha ousara esperar no
momento, ela foi capaz de estabelecer o dia de seu casamento — e o
sr. Elton, menos de um mês após o casamento do sr. e da sra. Robert
Martin, foi chamado a unir as mãos do sr. Knightley e da srta.
Woodhouse.
O casamento foi muito parecido com outros nos quais os
envolvidos não tinham um pendor por refinamento ou ostentação, e
a sra. Elton, após ouvir os detalhes fornecidos pelo marido, pensou
que tinha sido muito pobre e inferior ao deles. Tão pouco cetim
branco, tão poucos véus de renda, que coisa mais deplorável! Selina
ficaria chocada. No entanto, apesar dessas deficiências, os desejos,
as esperanças, a confiança e as previsões do pequeno grupo de
amigos verdadeiros que testemunharam a cerimônia foram
inteiramente atendidos pela perfeita felicidade da união.
AS TANTAS – E NEM TANTAS – EMMAS ENTRE NÓS
por
Lorena Portela

Bonita, inteligente, rica, vivendo numa mansão ao lado de um pai


amoroso. Assim Jane Austen define sua personagem já no início da história; e
podemos acrescentar, sem culpa e com alguma convicção:
mi
mada,
arrogante, inconsequente, classicista. Soa um pouco intragável, é
verdade,
mas o resultado é contrário. A mágica que Jane Austen realizou aqui é
tamanha que Emma é uma de suas heroínas mais celebradas, ainda que
controversa. A srta. Woodhouse é daquelas garotas que nos soam tão
familiares que parece que já a conhecemos, que ela circula por aí, e essa
sensação não é de todo enganosa. Se olharmos ao nosso redor, a protagonista
carrega nuances de outras personagens da ficção de nosso tempo, como Cher
(de
As patricinhas de Beverly Hills
) — o filme foi, inclusive, inspirado em
Emma
—, Carrie
Bradshaw (
Sex and The City
), Emily (
Emily em Paris
) e
Blair Waldorf, de
Gossip Girl
, com quem vejo as maiores semelhanças,
apesar das óbvias divergências.
Há um berço de frivolidades onde dormem serenamente apenas os muito
privilegiados, e é justamente aqui que algumas dessas protagonistas se
encontram: a característica que sustenta os demais traços de suas
personalidades e que conduz suas narrativas
é
o fato de serem ricas. E o
maior dos luxos que as muito afortunadas possuem
é
a disposição para usar e
abusar do tempo que possuem.
Assim como Blair, por exemplo, Emma goza de tempo livre para, achando-
se muito esperta, tentar resolver problemas que não são seus – o que culmina,
muitas vezes, em uma divertida cascata de desastres. Além disso, essas
personagens se d
ão
a importância devida para interferir no futuro dos amigos
e dos inimigos, costurando relações sociais de acordo com sua própria visão
de mundo. Uma em Manhattan, Nova York, e outra na pequena Highbury,
Inglaterra: duas mulheres da ficção com tanto em comum, separadas apenas
por dois séculos, o que nos leva a pensar na atemporalidade
da personagem
que Austen criou. Hoje, uma megalópole e uma cidade inglesa do interior
parecem distantes, mas vale destacar que, naquele início de século XIX, a
Inglaterra
não era bem um cenário qualquer.
Nos tempos de Emma, o país fervia e parecia ser o centro dos
acontecimentos mais importantes do mundo. A Revolução Industrial estava
em
polvorosa, as mulheres ocupavam novos espaços no mercado de trabalho
e a conquista desses espaços incentivava a querer mais: direitos, conforto,
participação política, poder de decisão. Na cola da Revolução Industrial e na
onda de mulheres ocupando cargos de liderança vieram os movimentos
feministas, como o sufrágio, com fortes motivações eleitorais. Mas tudo isso
era só uma porta: quem está disposta a brigar pelo direito ao voto acaba
entendendo que pode mais — muito mais.
Foi na Inglaterra de Emma, embora não no tempo da personagem, que o
sufrágio nasceu, inspirando mulheres em grandes cidades, como Londres e
Manchester, mas não seria de se estranhar que aqui e ali algumas ideias
respingassem nas pequenas cidades e nos campos. Ou seja, já pairava no ar
britânico um leve frescor e um anúncio: as mulheres poderiam desempenhar
pap
é
is mais dinâmicos e aspirar a um pouco mais do que apenas o papel de
moças casadoiras, boas esposas e mães devotas. N
ão acho arriscado supor
que esse refresco social e político, esse aceno de modernidade, soprou
antes
no ouvido de Jane Austen.
Parte do sucesso de
Emma
, traduzido para tantos idiomas e com bem-
sucedidas adaptações audiovisuais,
é a ausência de um drama de dimensões
shakespearianas. Na contramão de grandes

e consagradas

histórias, a
autora não condenou Emma a perturbações dolorosas, doenças, maldições,
traições, amores impossíveis ou pobreza extrema, narrativas comuns n
ão

então, mas ainda hoje. Austen preferiu dar a Emma a graça de outras
narrativas, de um novo enredo, abençoando-a com dinheiro, capital social,
inteligência, amizade, poder de decisão e desastres, sim, mas desimportantes.
Conta a favor de sua heroína o cotidiano, a futilidade de seus dias, uma
fresta aberta para nos convertermos em
voyeurs
da vida de uma mulher
jovem e rica do século XIX. De novo, soa familiar com o que nos deparamos
hoje em dia, não? Neste agora em que podemos, ao alcance de um simples
deslizar de telas, acompanhar a vida aparentemente perfeita e banal de
alguém que nem mesmo faria parte do nosso rol de amigos: blogueiras,
influencers, atrizes, cantoras, celebridades, suas casas, seus relacionamentos,
a ausência de grandes dramas e, aparentemente, uma vida de sonhos.
É
aqui
que
nós, leitores, nos tornamos agentes d
essas histórias ao querer participar,
desvendar o que existe por trás dessa vida cor-de-rosa, deleitando-nos com as
descobertas, como acontece nas centenas de páginas deste livro.
De sua cadeira macia e confortável, Emma se mostra uma exímia
observadora do entorno: ao contrário das mulheres
à sua volta
, não está
focada em conhecer ou encantar rapazes para então conseguir um casamento,
mas em se aproximar das pessoas adequadas para costurar os cenários que
considera ideais. Isso inclui dar uma mãozinha para que
suas amigas — bem
retratadas na figura de Harriet, menos abastada que Emma em praticamente
tudo — casem e alcancem segurança financeira, algo que não falta para
Emma, mas que ela reconhece ser fundamental para as mulheres de sua
época. A heroína encara essa tarefa autoimposta com seriedade e
compromete-se com o resultado, construindo ela mesma uma verdadeira teia
de causas e consequências políticas.
As relações que Emma costura não são baseadas em amor quando não
precisam ser. Harriet, por exemplo, se apaixona pelo sr. Martin e considera
casar-se com ele. Emma, pragmática, interfere de forma categórica, elaborada
e, exercendo seu poder — social e emocional —, tenta ajustar os sonhos da
amiga. Nem sempre é bem-sucedida em suas empreitadas, mas tem clareza de
propósitos e põe suas habilidades a serviço da sociedade que idealiza,
valendo-se de características que, hoje, seriam largamente apreciadas em
contextos até profissionais: capital social, senso de propósito, senso de
comunidade e influência. Emma bailaria tranquilamente entre nós, nestes
nossos tempos – o século XXI a vestiria bem. Me divirto pensando em quantas
separações ela ajudaria a concretizar ao ver que o casamento ali da mansão
ao lado é uma furada e já não serve para a esposa em questão. Ou quantas
mudanças de cargo aconteceriam em grandes empresas com sua mente
mexendo os pauzinhos.
Outro traço muito familiar de Emma é esse quê de moça que adoramos
odiar. Por não ser sempre movida a sentimentos benevolentes

como na
cena em que humilha a srta. Bates

, a protagonista de Austen é
certeiramente temperada com uma arrogância que, ao mesmo tempo que nos
faz torcer o nariz, nos intriga e nos alivia. Caridosa, sim; boazinha, não.
Por mais moderna que a história pareça, no entanto, é preciso lembrar
que estamos falando do século XIX e o casamento é tema central. No caso de
Emma
, é o assunto que conduz a narrativa, sim, mas de um jeitinho um
tanto diferente. Explico: imagino aqui a paz de espírito com que Emma
desfilava no auge de seus 22 anos, desobrigada do arranjo de casar com um
homem para salvar os pais, livre da condenação de viver com um tipo mais
velho, sofrer violências, calar sua voz, pacificar sua inquietude

tudo porque
recairia sobre ela a esperança de garantir seu futuro ou, como em tantos
casos, o de sua família. Desobrigada de buscar salvação no matrimônio, Emma
encontra o amor, e esse é o maior privilégio que poderia ostentar: a liberdade
de fazer escolhas baseadas no que quer e no que sente. Mais do que a riqueza,
a família, o conforto, Emma tem a b
ê
nção da escolha. A coroação máxima de
seu status social é poder amar o homem com quem vai se casar.
Amor… essa grande modernidade. O casamento da própria Emma entra
nessa conta, tudo bem, mas nem hoje nem nos idos do século XIX
amar
representa tudo que importa. Um casamento, por mais
bem-intencionado que
seja, raramente está deslocado de algum interesse socioeconômico: ainda
vemos a união civil como um dos pilares de estabilidade social e financeira. É
um acordo em que, no geral, somamos proventos, buscamos a segurança de
construir um futuro amparados pela parceria a dois, somos mais bem-aceitos
na sociedade. E existem ainda tantos casos em que, embora nem sempre
bem-visto, o casamento atua como fator de mobilidade social, um contrato em
que a ascensão de uma das partes é o real objetivo.
Diferenças
à
mesa, a semelhança: assim como acontece com
Emma
ali no
início do século XIX, o tema do matrimônio ainda nos é recorrente, parte
importante da história que contamos, claro, com gostosas distinções. Hoje
namoramos, testamos parceiros e parceiras, questionamos os rituais, exigimos
amar e ser amadas, queremos sexo bom e bem-feito, queremos tesão, paixão,
desejo e, por que não?, quando tudo isso deixar de ser bom, queremos dar no
pé. E podemos fazer isso. A separação já não nos causa tanto ônus, já não é
um fantasma tão feio quanto foi para nossas mães e avós ou tão impensável
quanto para as mulheres dos tempos de Austen. Para além de escolhermos
quem queremos ao nosso lado, podemos também escolher até quando
ficaremos ali, até quando o acordo funciona, até onde nos traz felicidade e
satisfação. Agora, o relógio está na mesa: a relação pode ser questionada,
interrompida — até mesmo extinta. Podemos arrumar as malas e apagar a luz
ao sair, o que sem dúvidas acaba tornando a decisão de casar menos
definitiva.
Criar uma protagonista que não apenas capitaneia seu próprio destino,
como também o dos demais,
é um traço feminista
desta história. O poder de
decisão é uma das graças da protagonista, é o que a torna um tantinho assim
mais parecida com a gente. Emma não nos é estranha em suas questões e em
sua banalidade. E, ao dar vida a uma mulher com problemas primários, a
escritora inglesa caprichou no carisma e, talvez sem saber, garantiu que sua
heroína permanecesse não só viva, mas querida, mesmo séculos depois.
É
uma alegria ler sobre uma mulher que ousava se mexer

errando e
acertando

num mundo em movimento. Protegida por seus muitos
privilégios, foi poupada de tantos sofrimentos que afligiam suas
contemporâneas. Mas se para Emma seu escudo foi o privilégio financeiro,
para nós, isso se traduziria no consolo de viver num mundo um pouco mais
livre, que nos permite dirigir a própria vida e sermos nossas próprias
Emmas.
LORENA PORTELA
é jornalista, escritora, autora do livro
Primeiro eu tive
que morrer
e colunista na revista
Cláudia
.
O REENCONTRO COM EMMA ATRAVÉS DAS PÁGINAS E
DAS TELAS
por
Marcela Soalheiro

Quando reencontramos histórias como a de Emma Woodhouse em


edições como esta, percebemos a dimensão da familiaridade que temos com
textos clássicos, mesmo que não saibamos exatamente em que momento e em
quais circunstâncias aconteceu nosso primeiro encontro. Esse resgate de
memória é curioso, e pode ser desafiador definir o nosso ponto de entrada
nesse universo, mas sabemos que há algo de confortável naquilo e que nos
preenche afetivamente diante da oportunidade de encontrar algo
(re)conhecido.
Essa familiaridade, de acordo com a autora Linda Hutcheon, em
Uma
teoria da adaptação
(2013), é um dos principais elementos para explicar o
apelo de adaptações audiovisuais de textos literários amplamente circulados
culturalmente, tanto pela perspectiva comercial, como pelas relações que
leitores e espectadores
têm com essas obras
.
É j
ustamente essa aposta na
existência de um público conhecedor, cujo afeto e memória são impactados
pelo reencontro, que nos permite compreender a frequência com que essas
narrativas são retomadas nos mais diversos espaços de consumo e de
entretenimento.
Como disse Italo Calvino em seu livro
Por que ler os clássicos
(2007):
“Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se
impõem como inesquecíveis e, também, quando se ocultam nas dobras da
memória, mimetizando-se com o inconsciente coletivo ou individual”. Textos
clássicos, então,
são aqueles
que ocupam de forma perene um espaço na
memória cultural de uma sociedade. Essa presença cultural
é tão significativa
que, em certos círculos sociais, podemos sentir dificuldade de admitir que os
estamos “lendo”, pois entende-se que já os deveríamos ter lido em um tempo
passado hipotético – com a possível exceção de um público mais jovem,
perdoado pela idade. A nossa relação com esses textos é, portanto, sempre de
resgate, de retorno: dizemos que estamos “relendo”, usando do prefixo de
repetição para indicar que aquele é um reencontro, uma renovação dos
nossos laços com tais narrativas.
O conhecimento difuso que temos dos clássicos é produto da memória
cultural desses textos, uma memória que, ela também, é produto da repetição:
leituras, releituras, reinterpretações em novos contextos político-culturais,
adaptações para o teatro, cinema, televisão, e tantas outras estruturas
artísticas e midiáticas que fazem essa memória se acumular
em um fio
contínuo, uma espiral de citações e referências que é operacionalizada no
momento em que nos tornamos espectadores e leitores. Os textos ocultos nas
dobras da memória coletiva são, portanto, aqueles que compartilhamos
culturalmente.
Assim sendo, somos capazes de contar histórias que nunca lemos, falar
com propriedade de personagens que não conhecemos, descrever cenas
inteiras e repetir diálogos que estão em páginas que nossos olhos nunca
tocaram.
É possível
que aquela seja a nossa história predileta em um universo
de outras histórias que dizemos adorar. Isso ocorre porque essas são
narrativas que participam de forma estrutural da nossa formação intelectual,
afetiva e subjetiva. Parte da memória que compartilhamos cultural e
socialmente dessas obras é costurada também pelos múltiplos deslizamentos
que essas narrativas fazem,
há décadas
, das páginas para as telas, assim como
pelo movimento incessante de apropriações e reciclagens das narrativas para
outras mídias. A esse respeito, Linda Hutcheon diz, ainda, que: “Parte tanto
do prazer quanto da frustração de experienciar uma adaptação está na
familiaridade criada através da repetição e da memória”. Essas adaptações
desencadeiam afetos que entram em disputa no instante em que nos
tornamos espectadores de uma nova versão de um universo ficcional
(re)conhecido.

Uma repetição incessante de Jane Austen


É
um fenômeno bastante específico do contemporâneo
q
ue se
multipliquem determinadas obras clássicas de maneira recorrente,
produzindo inúmeras versões audiovisuais. Jane Austen (1775–1817) é uma
das autoras cuja obra se encaixa nessa dinâmica. As narrativas ficcionais e
suas versões para as telas

sejam longas-metragens, séries de televisão ou
streaming
, assim como tantas outras instâncias de produção no audiovisual

estabelecem relações mais amplas e complexas do que um simples diálogo
linear entre um texto literário e sua versão adaptada. Isso porque são tantas
as produções baseadas nos romances austenianos que, a cada nova adaptação
a que assistimos, imediatamente nos inserimos em uma rede intertextual de
referências e citações, em uma lógica que se perpetua a perder de vista.
Quatro dos seis romances escritos por Jane Austen foram publicados em
vida:
Razão e sensibilidade
(1811),
Orgulho e preconceito
(1813),
Mansfield
Park
(1814) e
Emma
(1815), todos anonimamente. Consciente
do risco que
correria caso fosse reconhecida como autora em uma sociedade patriarcal
pré-vitoriana, Austen não autorizou que seu nome fosse publicado. Buscava,
contudo, formas de sustentar seu núcleo familiar após a morte
do pai,
deixando evidente, em alguns relatos, o incômodo que lhe gerava a
dependência financeira a que foram submetidas ela, a mãe e a irmã, a ponto
de não poderem decidir onde morariam.
Razão e sensibilidade
foi, então,
publicado com a autoria suprimida, e apenas a indicação: “
By a Lady”,
ou
“por uma senhora”, e
Orgulho e preconceito,
posteriormente, “
pela mesma
autora de Razão e sensibilidade
”, escolha que demonstra a consciência de
que existia um público reconhecedor desses textos. Uma breve nota biográfica
acompanha as primeiras edições de
A Abadia de Northanger
e de
Persuasão,
ambos publicados em 1917, após a sua morte.
Quando seu sobrinho publicou uma biografia de Austen postumamente,
afirmou que a autora escrevia os romances consciente do risco de ser
descoberta: sua mesa de trabalho ficava ao lado de uma janela e tinha vista
para a frente da casa, para que assim ela pudesse ver com antecedência caso
alguém estivesse chegando para uma visita. Virginia Woolf cita esse trecho
biográfico em
Um teto todo seu
(1929),
comentando que: “Austen gostava
quando uma dobradiça rangia, pois assim podia esconder seu manuscrito
antes que alguém entrasse. Para Jane Austen, havia algo de vergonhoso em
escrever
Orgulho e preconceito”
. O museu da última casa em que morou, em
Chawton, no interior da Inglaterra, mantém o posicionamento da mesa para
que os visitantes consigam colocar-se na perspectiva que Austen assumia
enquanto escrevia.
A falta de informações sobre a trajetória da escritora, contrastada com o
desejo curioso de seus leitores, leva a um fenômeno de transformar a vida de
Jane Austen em ficção. Ela torna-se, assim, também um personagem, o que
cria mais uma rede de intertextualidade entre as personalidades, narrativas e
diálogos de suas protagonistas (principalmente Elizabeth Bennet, protagonista
de
Orgulho e preconceito
) e as (poucas) cartas íntimas de Jane para
Cassandra, sua irmã. O acúmulo de suposições é alimentado há mais de dois
séculos e as variadas hipóteses são retomadas no final do século XX e início
do XXI.
Virginia Woolf, em
O leitor comum
(1925–1932), diz que: “Tudo o que
sabemos sobre Jane Austen foi extraído de alguns boatos, de poucas cartas e
de seus livros. Mas os boatos que sobrevivem à própria época nunca são
desprezíveis; basta rearranjá-los um pouco e eles se adequam bem aos nossos
propósitos”. Ao se referir às especulações sobre a vida íntima de Austen,
debruçando-se sobre as zonas de sombras que existem nas biografias e nas
informações sobre a vida de mulheres autoras, Woolf talvez não imaginasse
que a própria vida seria alvo de suposições de mesma natureza. Muito do que
sabemos sobre autoras mulheres e suas dificuldades de ser e produzir em seu
tempo são rumores que sobrevivem à vida dessas mulheres, e são resgatados
com suas obras por curiosidade da
crítica literária, de biógrafos e de
admiradores. É justamente nas lacunas dos fatos que nascem as especulações
e os boatos que se tornam objetos da indústria cultural, desdobrados em
livros, filmes, séries e outros produtos.
O interesse pela ficção austeniana transborda no final do século XX. Da
metade da década de 1990 até aqui, os textos de Austen têm sido retomados
pelo cinema e pela televisão em ritmo sem precedentes. Dos seus seis
romances completos, três são os que mais acumulam adaptações:
Razão e
sensibilidade
,
Orgulho e preconceito
e
Emma.
Eles se tornaram fonte para
inúmeras versões, realizadas tanto para o cinema, como para a televisão, o
YouTube, plataformas de streaming e tantos outros ambientes midiáticos.
Orgulho e preconceito
(1995), a série televisiva de seis episódios
produzida e exibida pela BBC britânica, é uma das versões que dá início
ao
momento mais recente de retomada da obra de Austen em diversos espaços
da indústria cultural. Estrelada por Colin Firth, que interpreta sr. Darcy, ela
marca também o ponto inicial de um fenômeno de reencontro com as obras
da autora, conhecido como Austen Mania. Isso porque essa versão contém
uma das cenas mais conhecidas de todas as adaptações do romance: o
mergulho ansioso de sr. Darcy no lago para, posteriormente, ser encontrado
por Elizabeth Bennet.
Se, em um primeiro momento, a surpresa estava na própria existência da
camisa branca molhada em uma versão audiovisual de
Orgulho e preconceito
, hoje, quase três décadas após o lançamento, a surpresa é reversa. Deborah
Cartmell, pesquisadora e professora de estudos de adaptação, diz que “a cena
praticamente usurpou o romance original da mente do público. Eu usei a cena
do lago nas minhas aulas inúmeras vezes e, quando meus alunos leem o
romance pela primeira vez, eles ficam absolutamente chocados de a cena não
estar nele”. O que a cena da camisa molhada de sr. Darcy faz é dar início a
um fenômeno de reencontros com a ficção austeniana. Sem dúvida, é nesse
contexto que Austen se torna protagonista da cultura pop.
Na esteira da síndrome da camisa molhada, em 1995 são lançadas quatro
produções audiovisuais que adaptam ou se apropriam de Austen:
Razão e
sensibilidade
(Ang Lee),
Orgulho e preconceito
(BBC),
Persua
são
(Nick
Dear) e
As
patricinhas de Beverly Hills
(Amy Heckerling). No
ano seguinte,
surpreendentemente, duas novas versões de
Emma
foram realizadas, uma nos
Estados Unidos, dirigida por Douglas McGrath, e outra no Reino Unido,
dirigida por Andrew Davies.
São características dessa fase de retomadas, além das adaptações
cinematográficas e sequências, as reescrituras dos romances, as apropriações
de seus personagens, os curtas experimentais e as produções literárias que
são fruto da criatividade expansiva dos fãs. Essa intensa produção recente
aponta
não só para o surgimento de um público consumidor de Jane Austen,
mas também para um mercado interessado em suprir os desejos de tal
público.
Esse fenômeno tem ponto inicial, mas, até o presente, não dá indicação
de perda de vitalidade. É nesse intervalo, então, que reencontraremos as
narrativas escritas por Jane Austen ocupando novos espaços e novos tempos,
já que suas personagens passeiam pela Los Angeles dos anos noventa em
As
patricinhas de Beverly Hills
e pela Londres dos anos 2000 em
Lost in Austen
(Andrews, 2008). Elas lutam contra zumbis e lagostas assassinas gigantes em
Orgulho e preconceito e zumbis
(Grahame-Smith e Austen, 2009) e
Razão e
sensibilidade e monstros marinhos
(Winters e Austen, 2009), e há mais de
duas décadas mergulham em lagos com camisas brancas para serem
encontrados com cabelos rebeldes e roupas transparentes por nós, os ávidos
espectadores.
O que se altera significativamente no período da Austen Mania é a rapidez
da proliferação de conteúdos que são fruto de diferentes processos
intertextuais e versões audiovisuais, que inundam os espaços de recepção e
consumo. Culturalmente, é algo nunca antes visto na própria
história da
circulação das obras da autora, assim como do reconhecimento de elementos
das suas narrativas e das suas protagonistas. Esse momento ímpar produz as
mais diversas opções de imagens e de referências que estarão à disposição em
uma diversidade de superfícies consumíveis e colecionáveis. Por todos os
cantos podemos comprar camisetas, canecas ou bolsas que estampam as
cenas desta, daquela ou da última versão audiovisual do seu romance favorito,
passando pela possibilidade de escolha específica do ator predileto que
estrelou o papel de sr. Darcy, ou, ainda, um trecho de diálogo mais marcante,
seja ele oriundo das páginas do romance ou da sua versão audiovisual favorita.
Austen tomou a cultura pop de assalto na contemporaneidade, o que lhe
garantiu o título de “mulher mais poderosa de Hollywood nos anos 1990”,
como afirmou a professora e editora estadunidense Elsa Solender em um
texto publicado em 2002.
Essa estrutura de consumo de produtos da indústria cultural é alimentada
e revitalizada a cada novo lançamento, gerando diferentes oportunidades para
que os fãs renovem seus laços tanto com Austen, como com seus pares. A
cada nova experiência como espectador, surge também o desejo de articular o
reencontro com as possibilidades atualizadoras de afeto e de repertório
referencial.
Em
Everybody’s Jane: Austen in the popular imagination
(2012), Juliette
Wells afirma que:

O constante crescimento da popularidade de Austen e do seu valor de


mercado encorajam escritores, dramaturgos e compositores
a criar novas
versões dos seus romances; editores a lançar novos livros; produtores a
autorizar novas versões para as telas e para os palcos; museus e outros
destinos culturais a inaugurar novas exposições; e operadores de viagens a
programar novos passeios.

Os mercados publicitário, turístico, audiovisual e editorial


reconhecem a
potência de produzir conteúdo associado ao universo de Jane Austen já que,
desde a marca deixada pela versão de 1995, todo investimento feito pela
indústria cultural em produtos que carregam referências a Jane Austen recebe
retorno do público espectador e leitor.

Adaptações de Emma
– retornando e reencontrando
Recentemente, os intervalos entre novas versões deste romance, e, por
consequência, de novas adaptações audiovisuais de
Emma
se encurtam
progressivamente. Dentre as novas versões de
Emma
, estão algumas das
produções que mais impactaram toda uma geração de adoradores da
personagem. Logo após o sucesso de
As patricinhas
, mais dois longas foram
lançados: aquele estrelado por Gwyneth Paltrow
(1996) e a versão estrelada
por Kate Beckinsale (1996). Mais recentemente, há uma versão em que Emma
é interpretada por Romola Garai na minissérie televisiva realizada pela BBC
(2009), uma versão brasileira, na qual “Ema” é interpretada por Agatha
Moreira em uma telenovela (2018) e, finalmente, o longa-metragem estrelado
por Anya Taylor-Joy, lançado em 2020.
As diferentes versões de um repertório ficcional, da narrativa de uma
mesma personagem, por exemplo, podem construir intertextualidades em
uma mesma geração de espectadores, complexificando o debate sobre
alterações e reconhecimentos. Esse é o caso de quando Emma é reencontrada
como uma adolescente privilegiada em
As patricinhas de Beverly Hills
. O
filme oferece uma oportunidade de reencontro com uma Emma Woodhouse
contemporânea, e os efeitos dessa adaptação na cultura pop são complexos e
duradouros.
As patricinhas
integra o coletivo de adaptações que atravessa a
memória cultural de Austen dos limites do fim do século XX diretamente para
o século XXI. A protagonista, Cher, é uma jovem adolescente rica, moradora
de Beverly Hills, bairro luxuoso de Los Angeles. É, portanto, uma Emma
transposta para o contemporâneo, cujas preocupações giram em torno da
sociabilidade de uma juventude privilegiada e superficial, temas que espelham
questões abordadas por Austen no romance, mas de outra perspectiva.
Um sucesso de público e crítica, o filme se torna referência da cultura pop
e da estética da década de 1990, além de se firmar como sátira bem-
humorada dos filmes adolescentes e de comédias românticas da época. Trinta
anos após seu lançamento,
As patricinhas
se tornou um dos mais importantes
pontos de entrada na memória espiralada de Austen – isto é, um primeiro
encontro com a autora e sua obra, deixando uma marca fundamental tanto na
forma como faz uma apropriação leve de uma das heroínas mais polêmicas de
Austen, como nas escolhas de trilha sonora, de arte e figurino que fazem
referências à estética dos videoclipes que estavam nas telas da MTV na
mesma época.
Para entender a circulação sinérgica de
As patricinhas
e de
Emma
no
cenário do entretenimento, é interessante mencionar que a atriz que fez Cher
no filme, Alicia Silverstone, estrelou também uma série de clipes narrativos
da banda Aerosmith, das músicas “Crying” e “Amazing”, ambas de 1993, e
“Crazy”, de 1994, trabalhos pelos quais ficou conhecida e que,
posteriormente, motivariam a escalação dela como protagonista em
As
patricinhas
. Parte do figurino usado por Alicia nos clipes, como as saias
plissadas de cintura alta de colegial, as roupas quadriculadas e as camisas
brancas masculinas de botão, foi incorporado ao filme, em referência aos
clipes, conforme afirmam os autores Linda Troost e Sayre Greenfield no
capítulo “Watching ourselves watching”, no livro
Jane Austen in Hollywood
(2001). O público jovem que assistiu ao surgimento de Alicia na MTV também
era o público-alvo da adaptação da narrativa de
Emma
para o
contemporâneo, tornando-se reconhecedores das referências de figurino que,
posteriormente, teriam influência na moda e na memória cultural de Austen.
Dois exemplos, mais recentes, ilustram essas permanências da adaptação:
o primeiro, o fato de alguns estilistas terem retomado os figurinos de
As
patricinhas
em desfiles e coleções, quase duas décadas depois, como
Alexander Wang, em 2014, e Dolce & Gabbana, em 2015. O segundo exemplo
é o clipe da música “Fancy”
da cantora de rap Iggy Azalea, que dialoga com as
referências articuladas por
As patricinhas
e com a estética videoclipada e o
ambiente televisivo jovem. O clipe não só se apropria do figurino, mas
também reencena diversas sequências que sobrevivem na memória cultural e
nas repetições do ambiente digital. Os conhecedores e reconhecedores da
adaptação, suas cenas e seus figurinos, hoje já não fazem parte do público
jovem, mas seguem participando da cultura pop e estabelecendo os laços
intertextuais importantes para a recepção dessas apropriações recentes da
obra de Austen. Já o público jovem, aquele que não necessariamente conhece
o filme de 1995, ou ainda o seu texto fonte, tem a oferta de uma nova
experiência que, talvez, funcione para eles como um ponto de entrada.
Emma
se tornou parte da cultura pop, desafiando as fronteiras do tempo e
dos espaços da narrativa ficcional. Sua travessia por diversas gerações pode
ser compreendida, justamente, pelo engajamento e pela identificação que ela
promove ao costurar certas narrativas com os dilemas atuais dos seus leitores
e espectadores, o que garante energia renovada a cada versão. As
protagonistas de romances literários clássicos atuam como alicerces na
memória cultural que vêm ao auxílio de cada nova geração de leitores e
espectadores como referências para questões típicas do amadurecimento, dos
desafios dos amores românticos e das amarguras da vida adulta. Cada geração,
entretanto, tem contextos sociopolíticos e culturais que atravessam seu
tempo, o que significa que cada ciclo de retomadas dessas protagonistas pelos
produtos da mídia deve se atualizar para contemplá-los nos seus processos de
criação.
Os diálogos intertextuais que os produtos do audiovisual comercial
realizam ao adaptar essas narrativas clássicas em movimentos repetidos,
portanto, fazem parte de estratégias de fidelização de um certo público
conhecedor e (re)conhecedor. Emma ganha novos contornos, tem um carisma
renovado, atualiza suas questões à luz dos tempos nos quais vai caminhar.
Suas novas conquistas vão se acumulando e ela, a cada nova incursão por
nossa memória, explora mais uma camada afetiva.
A esse circuito incessante, podemos adicionar este livro. Ele nos dá, mais
uma vez, a oportunidade de retornar, de reencontrar e de colocar os prefixos
de repetição no campo do afeto e da articulação de memória de
Emma.
Seja
nas telas, pelas ruas de Beverly Hills, pelo interior do Brasil, pelos lagos do
interior da Inglaterra ou pelas páginas
deste livro, Emma e sua autora
permanecem relevantes no cenário contemporâneo. Elas nos inspiram, nos
geram as mais profundas angústias e intensas paixões, nos fazem viajar,
imaginar e sonhar.
São mulheres que resistem à passagem implacável do
tempo, seja na nossa memória, nas páginas escritas e lidas ou em suas tantas
versões nas telas. São elas que nos fazem retornar ao prazer de cada
reencontro e ansiar
pelo próximo.
MARCELA SOALHEIRO
é doutora em Comunicação Social pela PUC-Rio
(2022) com a pesquisa:
Adaptação literária na cultura da convergência:
clássicos e a memória cultural
. É professora do curso de Cinema e
Audiovisual da ESPM-Rio.
A COMICIDADE EM EMMA
por
Renata Colasante

Três ou quatro famílias em um vilarejo rural


Em 1
o
de abril de 1816, Jane Austen escreve uma carta a James Stanier
Clarke, Chapelão do Príncipe Regente, em resposta a uma sugestão que ele
lhe haveria dado na missiva de 27 de março do mesmo ano para que
escrevesse um romance histórico sobre a Casa Real de Coburgo, certamente
como modo de agradar ao Príncipe Regente, a quem o romance
Emma
foi
dedicado. Austen refuta completamente a ideia, dizendo:

Eu não conseguiria seriamente permanecer sentada para escrever um


romance sério por qualquer outro motivo que não fosse salvar minha
própria vida, e se fosse indispensável assim permanecer e nunca relaxar e
rir de mim mesma ou de outras pessoas, estou certa de que me enforcaria
antes de ter terminado o primeiro capítulo.

Não

devo persistir no
meu próprio estilo e seguir no meu próprio caminho; e ainda que nele eu
possa nunca vir a ter sucesso, estou convencida de que falharia
absolutamente em qualquer outro.
1

Ninguém além da própria autora poderia ter definido tão bem seu estilo,
que viria a torná-la uma das mais famosas escritoras de todos os tempos.
Entretanto, sua recusa em escrever romances sérios não se aplicava aos temas
tratados pela autora em sua obra, mas sim à forma de abordá-los.
Por muito tempo, Jane Austen foi acusada pela crítica de ter ignorado os
grandes eventos históricos de seu tempo, tais como a ascensão da burguesia,
as revoluções liberais que ocorreram na segunda metade do século XVIII,
entre as quais estão a Revolução Francesa, as Guerras Napoleônicas
e a
Revolução Industrial. Contudo, conforme argumenta o sociólogo galês
Raymond Williams (1984)
, os assuntos sobre os quais Austen escreve são tão
ou até mais importantes do que retratar essa grande corrente da história. O
que ela nos oferece é a história social das famílias proprietárias de terras na
virada do século XVIII na Inglaterra, fazendo desse tópico o foco principal e a
estrutura de seus romances. Portanto, as pessoas de quem ela ri, como afirma
na carta, pertencem à mesma classe social em que ela se insere: os
proprietários de terras cultivadas, um dos setores da complexa classe média
inglesa. E essa escolha das personagens é cuidadosamente planejada: “três ou
quatro famílias em um vilarejo rural é a coisa exata a se trabalhar”
2
, disse
Austen à sobrinha em carta enviada em 18 de setembro de 1814. É
importante compreender aqui, como explica o crítico literário britânico Terry
Eagleton (2005)
, que Jane Austen não escreveu sobre a família em vez da
sociedade. Em sua época, a família era a sociedade ou, ao menos, um dos
principais setores dela. Eagleton afirma ainda que no século XVIII poucas
centenas de famílias concentravam um quarto das terras cultivadas na
Inglaterra.
Em seus romances, Austen não se ocupa tanto dos processos emocionais e
psicológicos envolvidos nas relações humanas. Como argumenta Williams, ela
está mais preocupada em explorar de que maneira as condutas dos indivíduos
se adequam às normas sociais. Podemos acrescentar a isso uma preocupação
com as rendas advindas do cultivo da terra e a posição
social do indivíduo,
elementos essenciais de todas as relações projetadas e desenvolvidas em seus
romances. Williams
explica que muito do interesse e da ação contidos nos
romances de
Austen
residem nas mudanças provocadas pelo aumento ou
diminuição nas fortunas das famílias proprietárias de terras

tanto de modo
geral, quanto na forma como isso afeta a mobilidade social.
Encontramos exemplos disso em todas as obras de Austen, e a descrição
desse aspecto da história social inglesa não é uma tarefa fácil. As personagens
de Austen não vivem em um ambiente social estático, e sim em um momento
da história em que o dinheiro está mudando de mãos, sobretudo nessa
camada da sociedade. Propriedades e fortunas não são apenas herdadas, mas
também vêm do comércio, das colônias, dos lucros de ações militares, e essas
novas rendas são transformadas em casas, propriedades rurais e posição
social. O capitalismo agrário mistura-se com as camadas médias da sociedade,
e essa mudança traz consigo diversas contradições,
transformando-se na fonte
de muitos dos problemas nas condutas humanas que os romances
dramatizam.
Jane Austen é precisa em suas descrições do melhoramento da terra, um
processo criado por essas mudanças na sociedade e que fez parte da
Revolução Agrária. De acordo com Williams, o melhoramento ocorreu de duas
formas diferentes, ambas refletidas nos romances. Há o melhoramento do
solo, das plantações e da produção numa agricultura com base no trabalho.
Por outro lado, há o melhoramento das residências, dos jardins, do paisagismo
construído artificialmente, no qual muita da fortuna crescente foi empregada.
Dessa forma, consolidou-se também o melhoramento e a expansão de uma
classe social existente.
Em seus romances, podemos identificar uma associação direta entre o
melhoramento das terras e o melhoramento da sociedade.
O narrador
distante, frio e objetivo nos mostra como uma grande fortuna não se
transforma automaticamente em boas condutas, e utiliza um tom um tanto
crítico numa tentativa de moralização da sociedade.
Eagleton afirma que, para Austen, a base de toda conduta correta é o
discernimento verdadeiro, que, por sua vez, depende de conseguir ver as
coisas da forma como são, e a autora de modo algum subestima a dificuldade
de conseguir esse intento. Uma prova desse desafio é que quase todas as
heroínas de Austen, e esse grupo inclui Emma, iniciam o romance falhando e
aprendem através das experiências, adquirindo discernimento e aprimorando
sua visão do mundo e da vida em sociedade. A visão da autora sobre essa
sociedade é aquela de alguém que a analisa de dentro, uma vez que ela
mesma fazia parte dessa camada social.

Breves notas sobre a autora e a obra


Em 16 de dezembro de 1775, nasceu em Steventon, no condado de
Hampshire, Jane Austen, a sétima filha de George Austen e Cassandra Leigh
Austen. A criatividade e o gosto pela escrita desabrocharam muito cedo. Ávida
leitora e com acesso à excelente biblioteca de seu pai em casa, para Jane,
escrever era tudo: um hobby, um passatempo, um hábito familiar, uma
necessidade. Durante a adolescência escreveu textos mais curtos nos quais
experimenta diversos gêneros literários e que viriam a ser posteriormente
chamados de
Juvenilia.
Entre esses, encontram-se
Lady Susan
(1794)
3
,
Elinor and Marianne
(1795) e
First Impressions
(1796).
Elinor and
Marianne
foi mais tarde reescrito pela autora, dando origem a
Razão e
Sensibilidade
, em 1797, e
Lady Susan
transformou-se em
Susan
, em 1798.
Em 1801, a família muda-se para Bath, onde
Susan
foi revisado e
oferecido para publicação em 1803. Apesar de o editor londrino
Benjamin
Crosby ter adquirido os direitos sobre o romance por £10, ele jamais chegou
às prensas e, seis anos mais tarde, em 5 de abril de 1809, Austen escreve uma
carta ao editor, tentando forçar a publicação da obra.
A resposta de Crosby, infelizmente, não foi a que a autora desejava. Em
carta de 8 de abril de 1809, Crosby afirma que não há nenhuma intenção de
que a obra seja publicada. Além disso, o editor ameaçou impedir a venda,
caso ela ou outra editora fizesse a publicação a sua revelia. A alternativa
ofereci
da por ele foi a recompra do manuscrito pelas dez libras pagas no
momento da
negociação. Estando Jane naquele momento impossibilitada de
reaver ou publicar
Susan
, o romance permaneceu sob a custódia de Crosby
até que o irmão dela, Henry, o readquiriu em 1816, sem que, no entanto,
Austen tivesse a oportunidade de vê-lo publicado em vida.
Em 1809, Jane muda-se para um chalé em Chawton com a mãe e a irmã,
Cassandra. Foi apenas em 1810 que a autora viu acender outra esperança de
publicação. O editor Thomas Egerton comprou os direitos de
Razão e
sensibilidade
, que chegou ao mercado no ano seguinte, em 1811. Não
tardaria muito para que a editora de Egerton lançasse o segundo romance de
Austen, aquele que viria a se tornar sua obra mais popular e conhecida. Em
1813, chega ao mercado
Orgulho e preconceito
. Pouco tempo depois, em
1814, Egerton publica também
Mansfield Park
. Porém, em 1815, Austen
negocia com outro editor, John Murray, a publicação de
Emma
e, no bojo das
negociações, tenta fazer com que Murray lance também a segunda edição
tanto de
Razão e sensibilidade
como de
Mansfield Park.
Finalmente, em 1816, Austen conclui a escrita de
Persuasão

seu
último romance completo

e, em janeiro de 1817, inicia a composição de
Sanditon
, obra que abandonou em março do mesmo ano. Jane Austen
faleceu em 18 de julho de 1817 em Winchester, deixando
Sanditon
inacabado. Em 1817, após o falecimento
da irmã, Henry Austen organizou
uma publicação póstuma contendo os dois únicos romances completos ainda
inéditos:
Persuasão
e
Susan
,
cujo título foi alterado para
A Abadia de
Northanger
, conforme acredita-se, pelo próprio Henry.
Jane Austen nunca se casou e não deixou filhos. Tendo tido uma vida com
recursos financeiros limitados, seus poucos pertences foram deixados para a
irmã Cassandra. Para a humanidade, porém, o legado de Austen é inestimável:
suas obras fizeram dela uma das maiores expressões da literatura mundial.

“Retratos de perfeição, como sabe, me deixam enojada”


Como afirma o professor e crítico literário D. C. Muecke (1982), toda
literatura é essencialmente irônica. Mas a compreensão da ironia nas obras de
Jane Austen não é uma tarefa fácil: a autora introduz esse recurso de modo
sutil e delicado, e seu tom difere daquele empregado por seus
contemporâneos, como Henry Fielding ou Jonathan Swift, mais satíricos e
subversivos.
Assim, para que pudesse expor as mazelas das camadas médias da
sociedade inglesa, Austen criou um narrador, objetivo e neutro, e deu o tom
com aquilo que seria a base de seu estilo narrativo: a ironia. De acordo com
Eagleton, a ironia é o tom daqueles que são suficientemente argutos para
serem bons conhecedores dos erros e tolices humanas, mas que não se
deixam ser ingenuamente escandalizados por eles. O irônico ri e tolera ao
mesmo tempo.
Para uma melhor compreensão da ironia austeniana, é importante
investigar seus mecanismos. A definição de ironia não pode ser reduzida ao
conceito de dizer uma coisa querendo dizer outra. É algo muito mais
complexo do que o suposto contraste entre aparência e realidade, uma vez
que depende do contexto, das relações entre uma palavra, expressão ou ação
com o texto integral ou com dada situação.
Para Muecke (1982), a ironia é, antes de tudo, um jogo para dois
jogadores: autor e leitor. Ao propor um texto irônico, o autor faz com que o
leitor ignore o sentido literal e passe a observar o sentido transliteral, isto é, o
sentido implícito da ironia. O jogo não ocorre apenas quando a ironia é
interpretada pelo leitor, mas também quando o ironista é reconhecido, bem
como o real objetivo por trás de seu desejo. Assim, a troca entre leitor e autor
ocorre de tal forma que se torna a essência por trás da história. Muecke
argumenta ainda que o alvo da ironia, isto é, aquilo ou aquele que o autor
ironiza, não é colocado em evidência, mas sim refletido na narrativa por meio
do próprio texto e de seu contexto.
Assim, o observador da ironia exerce mais do que uma simples leitura
passiva, sendo dotado de um papel mais ativo e criativo. Essencialmente, a
ironia é um processo de decodificação, que ocorre quando o autor enche o
texto de marcas que guiarão o leitor ao sentido real da mensagem. A
interpretação inverte o trabalho da ironia. Com a motivação dos sinais ou
conflitos entre a mensagem e o contexto, o leitor abandona a plausibilidade e
transforma um elogio numa reprimenda, por exemplo, assim chegando à
intenção do ironista.
Além dos sinais deixados no texto, o talento do autor, e a percepção do
observador, a interpretação da ironia coloca em jogo a competência
linguística, cultural e ideológica do autor e do público leitor. O crítico literário
estadunidense Wayne C. Booth (1973)
afirma que, ao ler qualquer ironia que
valha a pena, lemos sobre a própria vida, e podemos, a partir daí, trabalhar
em nossas relações com os outros. Lemos caráter e valor. Consultamos nossas
convicções mais profundas.
Desse modo, podemos concluir que a ironia não é um mero jogo de
palavras que refletem algum tipo de sentido e crítica. A percepção de algo
como irônico depende do discernimento e da experiência do leitor e, ao
mesmo tempo, sua compreensão está intrinsecamente relacionada ao
repertório cultural que o autor e o leitor têm em comum. Por esse motivo,
pode ter sido mais fácil para os leitores ingleses do início do século XIX
compreender a ironia bem-humorada empregada por Jane Austen. Sua escrita
perspicaz expôs a crise histórica na moralidade, que era um dos sintomas das
mudanças econômicas, políticas e socais de sua época. Para a escritora, não é
ao consultar os outros que compreendemos nossos deveres e princípios, e sim
quando examinamos nossa própria consciência. Assim, Austen coloca suas
heroínas e heróis na condição de aprendizes: eles deverão desenvolver seu
bom senso e agir de acordo com as condutas que devem ser valorizadas pela
sociedade, além de abandonar o egoísmo em suas ações individuais, e passar a
considerar o bem-estar do outro.

“Uma heroína de que ninguém além de mim mesma vai gostar muito.”
Nenhuma personagem de Jane Austen suscita opiniões tão diversas por
parte do público leitor quanto Emma. Amada por uns e odiada por outros,
Emma é indubitavelmente uma das mais complexas personagens do universo
austeniano, e o romance que leva o nome da personagem, uma das maiores
criações da literatura inglesa.
É essencial ressaltar, contudo, que a
ambiguidade de sentimentos que o leitor experimenta ao percorrer a obra e
acompanhar a trajetória de sua heroína não se dá ao acaso. Ao contrário, foi
cuidadosamente lapidada por Jane Austen para que assim o fosse. Em
A
Memoir of Jane Austen
(1870), seu sobrinho James Edward revela ao público
uma célebre declaração
atribuída à autora sobre o romance que acabara de
iniciar: “Vou criar uma heroína de que ninguém além de mim mesma vai
gostar muito”
4
. O plano pode parecer um tanto cruel
para a pobre Emma,
que estava ainda em concepção. Entretanto, em se tratando de Austen, a
ironia está presente até mesmo em suas declarações pessoais, e o plano
perverso para com sua nova personagem só se concretiza se o leitor
descuidar-se e esquecer-se de seu papel no jogo da ironia. Sim, é um
mecanismo um tanto complexo.
Emma
exige, talvez mais que qualquer outro
romance de Austen, que o leitor esteja sempre atento e aprecie a sutil, cômica
e complexa ironia tecida nas tramas da obra.
O escritor inglês Reginald Farrer (2000)
argumenta que, devido à
complexidade em sua leitura, o leitor iniciante no universo de Jane Austen
não deve tomar
Emma
como seu primeiro romance. Ele acrescenta que esta é
uma obra que pode ser apreciada de forma ainda mais plena após diversas
leituras: somente depois de ter assimilado o enredo é que o leitor poderá
apreciar mais profundamente o encanto e as sutilezas do romance. Ele
poderá, então, perceber as múltiplas complexidades da trama e descobrir que
cada frase estabelece sutis referências a pontos passados ou futuros na
narrativa. Logo,
Emma
é uma obra cuja compreensão é renovada a cada nova
leitura. E cada nova leitura traz consigo novas percepções de sua genialidade.
Ainda que o leitor não tenha conhecimento da dedicação e cuidado que
Jane Austen devotava à escrita de seus romances, é necessário desconfiar se é
real seu desejo de criar uma heroína antipática ao público leitor. Não gostar
de Emma é acreditar na galhofa da escritora, é cair em uma armadilha, é não
perceber a comicidade do texto. Finalmente, não gostar de Emma é perder-se
em meio à intricada ironia da obra. E o grande desafio de Austen foi criar uma
personagem que se afasta, mais do que qualquer outra de suas protagonistas,
das imagens de perfeição que a autora tanto rejeitava, e ao mesmo tempo
fazê-la ser tão adorada quanto suas outras heroínas.
Austen cumpre o objetivo de forma magistral, e os três parágrafos iniciais
do romance não nos deixam dúvidas quanto ao que encontraremos mais
adiante. Segundo Farrer, acompanhamos em
Emma
a gradual humilhação da
soberba da heroína, que acontece através de uma sucessão de desastres
provocados por ela mesma, todos graves em efeito, mas apresentados pelo
viés da comicidade. Diz ele que a própria Emma jamais deve ser levada a
sério, e portanto o absurdo de suas ações, seu esnobismo e sua falta de
discernimento causarão indignação somente àqueles que não perceberem
isso. Emma é uma personagem divertida. Conservar afeição por uma
personagem, não devido a seu charme, mas ao desafio de seus defeitos, é o
objetivo do desafio cômico.
Litz (1965)
afirma que o movimento básico de
Emma
parte da alienação e
chega ao autoconhecimento, indo da ilusão à realidade. Ao longo da
narrativa,
Emma será exposta às demais personagens, incluindo Frank Churchill e o sr.
Knightley. Para tanto, a personagem terá de passar por uma série de
adversidades que farão com que conheça a verdade, num caminho muito
semelhante ao que percorreu Elizabeth Bennet, em
Orgulho e preconceito
.
Esse processo da reforma íntima das personagens principais está presente
em quase todas as obras de Austen, e evidencia um problema que a autora
resolve com maestria através de sua técnica. Se falhasse, o leitor poderia não
torcer por um final feliz, tampouco se interessar pela regeneração da
personagem, ou ainda a narrativa poderia tornar-se inaceitável ou
inverossímil.
Para que o leitor possa compreender e perceber os erros da
heroína, ele deve manter uma distância emocional sem se voltar contra ela.
Além disso, caso não consiga ver suas falhas através da tessitura irônica
presente em todas as linhas, não conseguirá aproveitar a comédia da forma
como foi escrita. Jane Auste
n precisa tratar sua criação com objetividade e
subjetividade, entrar no íntimo do leitor para inspirar simpatia e ainda assim
permanecer distante para dirigir o riso e os aspectos cômicos.
Apesar de Emma ter tudo para ser feliz — inteligência, beleza, dinheiro,
amor —, seu orgulho e falta de limites são uma ameaça a sua própria
felicidade. Mas, quando compreendemos que cada plano dela é um fio na
trama inconscientemente construída por ela mesma e que o fim será
desastroso, retoma-se o equilíbrio e a reprovação dissolve-se novamente em
riso. Assim, a cada momento, alternamo-nos entre a indignação e o
encantamento para com a protagonista, até que finalmente vejamos sua
altivez ser desconstruída e chegar a um fim. Contudo, a reforma da
personagem ocorre a tempo de salvá-la de um final trágico, o que destoaria do
tom de comédia da obra. Com o desabrochar de suas boas qualidades, Emma
está finalmente pronta para unir-se ao seu verdadeiro amor.

RENATA COLASANTE
é graduada em Letras pela Universidade Metodista de
Piracicaba (2000). Possui mestrado e doutorado em Estudos Linguísticos e
Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo, tendo dedicado suas
pesquisas na pós-graduação aos romances e cartas de Jane Austen. Foi
professora universitária de Literatura Inglesa por 20 anos e hoje atua
profissionalmente como tradutora.

1
.  Tradução livre nossa do original em inglês: “I could not sit seriously down
to write a serious Romance under any other motive than to save my Life, & if
it were indispensable for me to keep it up & never relax into laughing at
myself or other people, I am sure I should be hung before I had finished the
first Chapter. — No — I must keep to my own style & go on in my own Way;
And though I may never succeed again in that, I am convinced that I should
totally fail in any other.” (AUSTEN; LE FAYE, 2011, p. 326).
2
.  Tradução livre nossa do original em inglês: “three or four Families in a
Country Village is the very thing to work on” (AUSTEN; LE FAYE, 2011, p.
287).
3
.  As datas dessas obras são aproximadas.
4
.  Tradução livre nossa do original em inglês: “I am going to take a heroine
whom no one but myself will much like.” (AUSTEN-LEIGH, J. E., 1882
)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUSTEN, Jane; CHAPMAN, R. W. (ed.)


Jane Austen: Letters 1796–1817.
2. ed.
Londres, Nova York e Toronto: Oxford University Press, 1956.
AUSTEN-LEIGH, James Edward.
A memoir of Jane Austen and Lady Su
san.
2. ed. Londres: Richard Bentley And Son, 1882.
BOOTH, Wayne C.
The rhetoric of fiction.
Chicago: The University of Chicago
Press, 1973.
_______.
A rhetoric of irony.
Chicago: The University of Chicago Press, 1974.
DUCKWORTH, Alistair.
The improvement of the estate.
Baltimore e Londres:
John Hopkins University Press, 1971.
EAGLETON, Terry.
The English novel: an introduction.
Oxford: Blackwell
Publishing Ltd, 2005.
FARRER, Reginald. “Jane Austen, ob. July 18, 1917.” In: AUSTEN, Jane.
Emma.
Nova York e Londres: Norton & Co., 2000.
LITZ, A. Walton.
Emma: a casebook
.
Londres: Chatto and Windus, 1965.
MUDRICK
, Marvin.
Irony as defense and discovery.
Berkeley: University
of
California Press, 1974.
MUECKE, D. C.
Ironia e o irônico.
Tradução: Geraldo Gerson de Souza.
São
Paulo: Perspectiva, 1995.
WILLIAMS, Raymond.
The English novel from Dickens to Lawrence.
Londres: The Hogarth Press, 1984.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A933e
Austen, Jane
Emma / Jane Austen ; ilustrações por Brunna Mancuso ; tradução por Isadora
Prospero. – Rio de Janeiro : Antofágica, 2022.
Formato: e-book

ISBN: 978-65-86490-75-6

1. Literatura inglesa. I. Mancuso, Brunna. II. Prospero, Isadora. III. Título.

CDD: 823       CDU: 821.111

André Queiroz – CRB 4/2242

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