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GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ

SECRETARIA DE ESTADO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR – SETI


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ – UNESPAR
CAMPUS APUCARANA

ANÁLISE DE WIDE SARGASSO SEA

Ana Carolina Guerreiro Piacentini


Daianna Ariane de Souza de Andrade
Diego Neotel Piedade
*
Natalia Aparecida da Silva Santos

Resumo:
Wide Sargasso Sea, romance de Jean Rhys, nasceu para dar vida à personagem
esquecida do romance Jane Eyre de Charlotte Brontë. Como uma forma de expor
corretamente os fatos apresentados no primeiro romance, Rhys reconstroi a história da
protagonista, desde sua infância até a vida adulta, onde já está louca e presa no sótão.

Abstract:
Wide Sargasso Sea, a novel by Jean Rhys, was born to give life to the character
forgotten the novel Jane Eyre by Charlotte Brontë. As a way to correctly state the facts
presented in the first novel, Rhys reconstructs the story of the protagonist, from his
childhood to adulthood, where it is already crazy and stuck in the attic.

Introdução:
Jean Rhys nasceu em Dominica, no Caribe, em 1890. A filha de um médico galês e
mãe branca, incorporou o pluralismo racial dos valores das Índias Ocidentais. Rhys foi
ainda influenciada pelos empregados negros que a criaram e apresentaram-na a língua,
costumes e crenças religiosas dos caribenhos nativos. Aos dezesseis anos, Rhys deixou
sua casa em Dominica e se mudou para a Inglaterra, quando leu pela primeira vez Jane
Eyre de Charlotte Brontë. Em 1920 Rhys viajou na Europa, onde ela começou a
questionar os códigos e as tradições do ambiente urbano dominado por homens.
Atormentada pela pobreza, doenças e alcoolismo, ela sentiu em primeira mão o pedágio
físico e psicológico de ser uma única mulher em uma cultura patriarcal, tema que ela
*
Acadêmicos de Letras Inglês da Universidade Estadual do Paraná – campus Fecea – Apucarana, Paraná.
explora em grande parte da sua escrita.
Após um longo silêncio Rhys ressurgiu em 1966 com um romance chamado Wide
Sargasso Sea, virou a história de Brontë da "louca no sótão" em um romance de longa-
metragem mas, Wide Sargasso Sea acontece quase trinta anos mais tarde que Jane
Eyre. Rhys fez isso afim de tirar proveito de um momento fundamental na história da
Jamaica, a abolição da escravatura em 1834.
Wide Sargasso Sea conta a história de Antoinette Cosway (Bertha) que mora com
a mãe Annete e o irmão Pierre no Coulibri, propriedade de sua família perto de Spanish
Town, Jamaica. Com a aprovação da Lei de Emancipação e a morte de seu pai, a família
vai a ruína, além disso, eles estão condenados ao ostracismo por ambas as comunidades
negras e brancas na ilha, com tudo isso Annete vai se afundando em uma depressão.
Algum tempo depois ela casa-se com Mr. Mason, um fazendeiro rico. Este casamento, no
entanto, só parece agravar as tensões raciais em sua vizinhança.
Após um incêndio, o irmão de Antoinette morre devido a exposição à fumaça,
enquanto Antoinette é enviada para viver com sua tia Cora em Spanish Town e descobre
que sua mãe teve um colapso mental, permanecendo sob os cuidados de um casal.
Quando Antoinette completa dezessete anos Mr. Mason arranja o casamento dela
com Sr Rochester, mas durante a lua de mel ele recebe uma carta que o deixa pertubado.
Com a ajuda de Christophine, Antoinette coloca uma droga na bebida do marido após
uma briga e Sr. Rochester chama - lá de Bertha ele bebe o vinho com a droga, a partir daí
gera-se uma confusão e Sr. Rochester prende Antoinette no sótão. Certo dia ela sonha
que escapa de seu quarto e causa um incêndio.
Neste trabalho, apresentaremos uma análise do romance de Jean Rhys.
Primeiramente a análise gramatical, identificando o narrador e os principais personagens,
seguindo para a análise interpretativa da trama de Rhys. Outro ponto a ser destacado
neste trabalho é o diálogo do romance com outras artes, como cinema e outras obras
literárias.

Características estruturais do romance:

O romance Wide Sargasso Sea é considerado um romance épico, composto de


três narradores personagens. A primeira parte do romance é narrada pela protagonista
Antoniette, a segunda parte pelo seu esposo Rochester e a terceira parte é narrada por
Grace Poole, a cuidadora de Antoneitte, e finaliza novamente com a narração da
protagonista. “A narrativa de Antoinette é, no início, intensa e lírica, depois, ao perceber o
distanciamento de Rochester, torna-se fragmentada, vacilante” (Monteiro, 2010, p.5). O
resultado desta mistura de narração possibilitou diferentes perspectivas para os mesmo
acontecimentos, engrandecendo ainda mais o romance. Desta forma, “é constituído por
narrativas tecidas pelas vozes dos protagonistas, que contam sua histórias tendo como
eixo central experiências relacionadas a desejo e poder” (Monteiro, 2010, p.2).
A história se inicia com Antoinette ainda uma pequena jovem e seu enredo
perpetua até a fase adulta quando já está casada. Neste longo período de tempo
encontramos vários núcleos dramáticos como a pequena cidade de Martique (uma colônia
francesa situada na Jamaica), passando por um convento em Spanish Town, onde
Antoinette passou sua adolescência. Casou-se na Jamaica e foi para as ilhas Windward,
propriedade de sua mãe, voltou pra Jamaica e por fim a Inglaterra.
Os personagens principais do romance de Rhys são Antoinette, sua mãe Anette,
seu esposo Rochester, Christophine e Grace Pool, as empregadas. Antoinette,
protagonista da história, deriva da personagem Bertha do romance Jane Eyre de
Charlotte Brontë. É uma personagem redonda pois apresenta uma complexidade que se
desenvolve no decorrer da narrativa. A jovem solitária da Jamaica, “discriminada, junto
com a sua família, por ex-escravos” (Marques, 2010, p.225), sofre várias mudanças
emocionais, amorosas, financeiras e familiares ao longo da trama. Seu casamento
arranjado a aflige, sentindo que vai se machucar. De fato, o casamento é uma
incompatibilidade de cultura e costumes. Ela se sente exilada dentro de sua própria
família, é vista com estranheza pelo seu esposo e seus servos a chamam de “barata
branca”. Assim, Antoinette não consegue encontrar um lugar para si mesma, o que a leva
a buscar socorro à magia, levando-a à loucura.
Rochester, o marido de Antoinette, é um personagem plano/ linear, pois é
constituído de uma única qualidade ou ideia o romance todo, não deixando passar
despercebido seu fascínio pelo território (Moteiro, 2010). Ele não sente nada por sua
esposa, rejeita-a totalmente e a vicia em sexo para ela pensar que está apaixonada e
controlá-la através do vício. Narra mais de um terço da trama e nos mostra a autoridade
implícita que possui por ser um homem inglês branco. Ele decide renomear sua esposa,
chamando-a de “Bertha” em uma tentativa de distanciá-la de sua mãe louca, mas na
verdade acabou fragmentando sua identidade pessoal. “Os nomes são importantes; como
ele não me chamava mais Antoinette, vi Antoinette flutuar pela janela com o seu perfume,
suas lindas roupas e o seu espelho” (Rhys, 1977, p. 147). Rochester procura algo em
Antoinette que ela não possui, “nada em Antoinette lembra a ele os padrões de
comportamento femininos vitorianos” (Marques, 2010, p.229), ele
“encontra em Antoinette uma figura com uma autoestima bastante abalada,
atacada pelos mais diversos fatores que compuseram a sua história de vida, e
uma identidade estilhaçada, o que a torna vulnerável diante de seu caráter
orgulhoso e inteiriço” (Marques, 2010, p.227).

Outro personagem plano é Anette, mãe da protagonista da história. Desde o


começo da trama apresenta sinais de loucura. Por causa da emancipação dos escravos
ela faliu e teve que cuidar da propriedade sozinha, uma vez que seu esposo havida
morrido. Busca por uma acensão na sociedade se casando novamente com Mr. Mason.
Este casamento foi um forma que ela encontrou de fugir de Martique e esquecer toda
aquela situação em que vivia com os escravos, já que as pessoas na Jamaica a
desprezavam pois ela era bonita e francesa. Mãe e filha se “submetem a casamentos por
interesse, sendo transformadas em moedas de troca por identidade social” (Monteiro,
2010, p.9).
Christophine é considerada como uma mãe para Antoneitte, é a única que cuida
verdadeiramente dela pois manteve-se fiel à família Cosway quando os escravos foram
emancipados e deixaram a propriedade da família. Christophine acredita na
independência da mulher e influência Antoinette a deixar Rochester, o que de fato nunca
aconteceu. Ela parece onisciente, intimamente ligada com o mundo natural e tropical,
prepara a poção do amor que Antoinette dá para seu esposo. Sempre em sintonia com o
comportamento animal e humano, ela pratica Obeah, uma forma de religião ou culto de
ancestrais africanos.
Outra serva de grande importância foi Grace Pool. Na Inglaterra, quando Antoinette
é presa no sótão, é Grace quem cuida dela. Porém Grace tem um certo vício com a
bebida em que ela sempre acaba desmaiada na porta do sótão. Antoinette aproveita
destes momentos para roubar a chave do sótão e dar passeios pela casa durante a noite.
Em um desses passeios é que ela ateia fogo em Thornfield Hall.
Há também alguns personagens secundários que merecem destaque. No âmbito
familiar temos Mr. Mason, o marido de Anette e padrasto de Antoinette, que as abandonou
depois que a casa em Martique pegou fogo. Seu filho Sandi, meio-irmão de Antoinette
merece destaque pois há evidências de que ele e Antoinette eram sexualmente
envolvidos na infância, fato que fez Rochester desprezar ainda mais sua esposa.
Pierre, foi o irmão de Antoinette, personagem com deficiência que morreu no início
da trama. E também há Daniel Cosway, irmão de Antointte por parte de pai que se
destacou pois foi através de uma carta que ele escreveu a Rochester que este teve a
plena certeza da loucura de Antoinette. Nesta carta Daniel afirma que a loucura foi e será
a ruína desta família.
Já enquanto aos servos, temos as já mencionadas Christophine e Grace Pool,
como também Godfrey e Sass, servos que ficaram com a família Cosway por anos,
ambos desprezados por Antoinette.

Características estilísticas do romance:

Assim como Jane Eyre, Wide Sargasso Sea utiliza-se de aspectos góticos e cheios
de simbolismo no decorrer da trama. Há três temas que se interligam no romance: a
escravidão, a complexidade de identidade pessoal e a loucura.
Por serem franceses e ex-donos de escravos, a família Cosway não se enquadrava
na população jamaicana que eram constituídos de escravos e negros. Isto gerou em
Antoinette um complexo de identidade, ela não se sentia segura, não conseguia se
encontrar naquele lugar. “Antoinette vive entre duas culturas, mas não pertence a lugar
algum” (Monteiro, 2010, p.5). Quando ela se casa, seu marido busca nela características
femininas que ela não possui. Seu passado conturbado a leva à loucura, assim como sua
mãe e seu irmão. Rhys apresenta a loucura associada às condições de vida em que
estavam sujeitos e/ou a uma consequência genética.
Antoinette tem sonhos no decorrer da trama que simbolizam as situações em que
ela passou na vida e que ainda vão passar, são como presságios ou premonições, é um
divisor de fazes da vida da personagem. “Os sonhos ocupam o espaço entre os eventos
públicos e os privados, que se configuram verdadeiros no final dramático do romance”
(Monteiro, 2010, p.11). No primeiro sonho ela é perseguida na floresta. Aqui ela acredita
que suas vidas irão ter uma grande mudança. Enquanto no segundo sonho, na floresta
novamente, embora desta vez ela persiga um homem sem rosto ao invés de fugir dele.
Este homem a guia por um jardim mas ela resiste e chora. Quando ela acorda do sonho,
está tremendo de medo e diz para a freira que sonhou sobre o inferno. Ela estava
pensando sobre o funeral de sua mãe que havia acontecido a um ano atrás com
pensamento misturados com seu pesadelo.
Outros símbolos apresentados são importantes para entender o romance. Jean
Rhys descreve a terra caribenha com grande intensidade de cores e calor, uma
abundância tropical. Estas cores remetem à alegria pois era o lugar onde Antoniette era
feliz. Já Thornfield Hall, a casa da Inglaterra, é retratada como uma casa escura e gélida,
pois aqui Antoinette era trancafiada no sótão, era um lugar infeliz e sombrio. Antoinette
associa também o jardim onde passava a maior parte do tempo quando era criança, ao
Jardim do Éden, um lugar lindo onde ela poderia encontrar paz.
O fogo é visto como um sinal de destruição e danos. Na primeira parte do romance,
Antoinette descreve o fogo queimando sua casa, o que faz sua família fugir, ápice da
loucura de sua mãe. Na segunda parte, Rochester descreve seu quarto pegando fogo e
no final do romance Antoniette coloca fogo na casa inteira e “ao destruir-se, liberta o
marido para casar-se com a preceptora órfã, Jane Eyre” (Monteiro, 2010, p.5). Este foi o
ápice de sua loucura, onde ela acaba com a casa em que era aprisionada. A cor vermelha
das chamas a faz lembrar do calor da Jamaica. “O céu estava vermelho e a minha vida
estava aí” (Rhys, 1977, p.155).

Wide Sargasso Sea e outras artes:

A primeira adaptação de Wide Sargasso Sea para o cinema foi em 1993, dirigido
por John Duigan e produzido pela Fine Line Features. A classificação indicativa foi para
maiores de 17 anos devido ao seu conteúdo sexual. Os personagens principais,
Antoinette Cosway e Edward Rochester foram representados pelos atores Karina
Lombard e Nathaniel Parker.
Em 2006, Wide Sargasso Sea foi novamente adaptado, desta vez para a televisão
britânica. A adaptação foi escrita pelo dramaturgo Stephen Greenhorn, produzido por
Elwen Rowlands e dirigido por Brendan Maher. Ele estrelou Rebecca Hall como Antoinette
Cosway e Rafe Spall como Edward Rochester.
O maior destaque da obra de Jean Rhys é que ela é um prequel 1 à obra de
Charlotte Brontë, Jane Eyre. Em Wide Sargasso Sea, a personagem Bertha, a louca do
sótão do romance Jane Eyre, ganha vida. Rhys conta sua história desde a infância de
Bertha até chegar ao sótão em que ficava presa na trama de Jane Eyre.
Em uma entrevista dada em 1979, Jean Rhys explica que em sua infância leu Jane
Eyre e sentiu-se afetada pela forma como as mulheres foram retratadas nesta obra,
inspirando-a a escrever de forma mais completa a história de Bertha. Mais do que um
diálogo entre as duas obras, Rhys tentou questionar e expor de um outro ponto de vista a
situação da “louca do sótão”. O romance de Charlotte Brontë associa a loucura da mulher
com seu lugar de origem, como se uma coisa explicasse a outra. A intenção de Jean Rhys
foi corrigir essa percepção passada por Brontë, mostrando uma nova visão aos
Caribenhos e sua cultura. Jean Rhys restaura a bondade de Bertha de diversas maneiras,
questionando a natureza de sua loucura, escrevendo sua vida condicionada a isolamento,
senso frágil de personalidade e identidade cultural. Rhys restaura também seu nome

1
Prequel: um filme, livro ou o jogo que se desenvolve a história de um filme anterior, etc.,
dizendo-lhe o que aconteceu antes dos eventos do primeiro filme, etc .:
verdadeiro (Antoinette) e sua conexão com a família. “A loucura de Bertha,
descontextualizada e criminalizada em Jane Eyre, toma outras formas, adquire novos
contornos no romance de Rhys” (Marques, 2010, p.224).

Conclusão:
Este trabalho consiste no estudo do romance Wide Sargasso Sea baseado no texto
e não numa leitura suportada por relações de intertextualidade com o romance Jane Eyre.
A leitura que fizemos sublinha os elementos de resistência e de subversão contidos na
obra. Mostramos que este romance é um texto de resistência do literário inglês, do género
do romance de aventura, do discurso colonial e da norma linguística. Como também
mostramos, as opções temáticas da autora levaram alguns críticos a inscrever este
romance numa estética diferente. Neste romance, o outro ganha voz. O texto não
apresenta um lugar deserto pronto a ser habitado, ou um espaço a conquistar. Estes
lugares já são habitados por uma comunidade negra com uma matriz cultural própria. Não
são espaços para heróis, mas, sim, para uma pessoa na qual podemos nos espelhar.
Esta heroína apresenta o seu ponto de vista na narração da sua própria história. É ela
quem vai superar uma nova história, de modo a recuperar a sua identidade.
Referências

BRONTË, Charlotte. Jane Eyre. Oxford. 2002.

MARQUES, Danielle. Loucura e diferença feminina em Wide Sargasso Sea. Revista


Interdisciplinar, 10, 223- 232.

MONTEIRO, Maria Conceição Monteiro. Wide Sargasso Sea: uma relação de poder e
desejo. Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2010.

“PREQUEL.” Cambridge Advanced Learner's Dictionary & Thesaurus. Londres:


Cambridge University Press. Inc., 2016. Dictionary.cambridge.org.

RHYS, Jean. Wide sargasso sea. Middlesex: Penguin, 1977.

Sites consultados:

www.crossref-it.info.com.br

www.sparknotes.com.br

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