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História da formação de professores

História da formação de professores

Leonor Maria Tanuri


Universidade Estadual de São Paulo

O debate sobre a formação de professores para os locus de formação de professores (Universidades versus
anos iniciais da escolaridade intensificou-se nas duas Institutos Superiores de Educação) e em que se questio-
últimas décadas, em concomitância com o movimento nam o projeto pedagógico e os saberes que estão impli-
de revitalização da escola normal, com a criação dos cados nessa formação, são de suma importância o res-
CEFAMs, com as iniciativas de reestruturação curricu- gate e a construção da informação histórica, na expectativa
lar das escolas normais e dos cursos de pedagogia, com de que ela possa oferecer subsídios que possibilitem a me-
as experiências de novos cursos de formação em nível lhor compreensão da problemática da escola normal e das
superior e também com a produção acadêmica intensa questões atuais sobre a formação do professor.1
sobre o assunto (Silva, 1991), principalmente uma lite- Cumpre ressaltar que o presente artigo procurará
ratura crítica de autores portugueses e espanhóis acerca apresentar uma síntese da evolução do ensino normal da
da tradição acadêmica de formação docente. Tal debate perspectiva da ação do Estado e da política educacional
acentua-se com a aprovação da nova LDB (Lei 9.394/ por ele desenvolvida. Isso não significa que se subesti-
96), que, superando a polêmica relativa ao nível de for- mem as novas abordagens, objetos e temáticas que hoje
mação – médio ou superior –, elevou a formação do pro- estão sendo ensaiados. Entretanto, esta é a síntese que
fessor das séries iniciais ao nível superior, estabelecen- nos foi possível – e que acreditamos poder esclarecer a
do que ela se daria em universidades e em institutos discussão atual sobre a questão da formação de profes-
superiores de educação, nas licenciaturas e em cursos sores – tendo em vista o conhecimento acumulado pela
normais superiores. Os tradicionais cursos normais de historiografia e as grandes lacunas ainda existentes no
nível médio foram apenas admitidos como formação campo. O esforço que hoje se desenvolve no sentido de
mínima (art. 62) e por um período transitório, até o final
da década da educação (ano de 2007) (Titulo IX, art.
87, parágrafo 4). Assim, num momento em que a escola 1
Para a elaboração do presente artigo a autora utilizou-se lar-
normal é elevada a nível superior, em que se discute o gamente de textos de sua autoria já publicados (Tanuri, 1970, 1979).

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contemplar novos objetos – os processos e práticas pe- cientes, quer numericamente, quer pela incapacidade de
dagógicos, os saberes escolares, a profissionalização do atrair candidatos, para preparar o pessoal docente das
professor, as representações dos atores envolvidos no escolas primárias. Mencione-se, por exemplo, o Alvará
processo educativo, a produção da imprensa pedagógi- de 6/11/1772, que regulamenta os exames a que deviam
ca, as questões de classe e de gênero na profissão do- ser submetidos os professores do ensino elementar em
cente (Catani et al. 1997; Assunção, 1996; Catani & Portugal e nos domínios:
Bastos, 1997; Conti, 1995; Lelis, 1997) – certamente
I. Ordeno: que os exames dos mestres que forem feitos em
possibilitará novas sínteses futuras. Ressalte-se ainda
Lisboa; quando não assistir o presidente se façam na presença
que a estadualização dos sistemas de formação de do-
de um deputado, com dois examinadores nomeados pelo dito
centes desde a sua origem dificultou sobremaneira o pre-
presidente, dando os seus votos por escrito que o mesmo depu-
sente resgate e a reconstrução minuciosa da trajetória
tado assistente entregará com a informação do tribunal. Em
da escola normal. Não foi possível ter acesso a muitos
Coimbra, Porto e Évora (onde só poderá haver exames) serão
dos trabalhos e sobretudo das teses e dissertações le-
feitos na mesma conformidade por um comissário e dois exami-
vantadas em bases de dados, devido às dificuldades dos
nadores, também nomeados pelo presidente da mesa; os quais
serviços de empréstimos interbibliotecas e, sobretudo,
remeterão a ela os seus pareceres, na sobredita forma; nas Capi-
ao tempo reduzido disponível para a redação do presen-
tanias do Ultramar se farão exames na mesma conformidade.
te artigo.
Sempre de tudo será livre aos opositores virem examinar-se em
Lisboa, quando declararem que assim lhes convém. II. Ordeno:
As primeiras iniciativas
que o sobredito provimento de mestres se mandem afixar editais
nos reinos e seus domínios para a convocação dos opositores
O estabelecimento das escolas destinadas ao pre-
aos magistérios. E que assim se fique praticando no futuro em
paro específico dos professores para o exercício de suas
todos os casos de cadeiras. (Moacyr, 1936, p. 24)2
funções está ligado à institucionalização da instrução
pública no mundo moderno, ou seja, à implementação A Lei de 15/10/1827, que “manda criar escolas de
das idéias liberais de secularização e extensão do ensi- primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais
no primário a todas as camadas da população. É verda- populosos do Império”, também estabelece exames de
de que os movimentos da Reforma e Contra-Reforma, seleção para mestres e mestras, embora num movimen-
ao darem os primeiros passos para a posterior publici- tado debate na Câmara muitos parlamentares tenham
zação da educação, também contemplaram iniciativas solicitado dispensa das mulheres dos referidos exames.
pertinentes à formação de professores. Mas somente com Os arts. 7o e 12 assim dispõem, respectivamente: “Os
a Revolução Francesa concretiza-se a idéia de uma es- que pretenderem ser providos nas cadeiras serão exami-
cola normal a cargo do Estado, destinada a formar pro- nados publicamente perante os Presidentes em conse-
fessores leigos, idéia essa que encontraria condições lho; e estes proverão o que for julgado mais digno e da-
favoráveis no século XIX quando, paralelamente à con- rão parte ao governo para sua legal nomeação.” “[...]
solidação dos Estados Nacionais e à implantação dos
sistemas públicos de ensino, multiplicaram-se as esco-
las normais. 2
A escassez de pessoal habilitado, disposto a exercer o magis-
Antes porém que se fundassem as primeiras insti-
tério, certamente dificultaria a aplicação do citado Alvará. A propósi-
tuições destinadas a formar professores para as escolas
to do final do século XVIII, Moreira D’Azevedo assim se manifesta:
primárias, já existiam preocupações no sentido de “Era então deplorável o estado das escolas primárias em todas as
selecioná-los. Iniciativas pertinentes à seleção não so- capitanias do Brasil, poucas existiam e estas exercidas por homens
mente antecedem as de formação, mas permanecem ignorantes. Não havia sistema nem norma para a escolha de profes-
concomitantemente com estas, uma vez que, criadas as sores, e o subsídio literário não bastava para pagar o professorado”
escolas normais, estas seriam por muito tempo insufi- (D’Azevedo, 1893, p. 148).

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serão nomeadas pelos Presidentes em conselho aquelas belecimentos próprios a promovê-la” (art. 10, item 2),
mulheres que sendo brasileiras e de reconhecida hones- com exclusão das escolas superiores então já existentes
tidade se mostrarem com mais conhecimento nos exa- e de outros estabelecimentos de qualquer tipo ou nível
mes feitos na forma do art. 7o.” que, para o futuro, fossem criados por lei geral.
Também antes que se fundassem escolas especifi- Muito embora a competência concorrente – central
camente destinadas à formação de pessoal docente, en- e provincial – na organização e no desenvolvimento do
contra-se nas primeiras escolas de ensino mútuo – ins- ensino em todo o país tivesse sido admitida por vários
taladas a partir de 1820 (Bastos, 1997) – a preocupação juristas e políticos da época como perfeitamente compa-
não somente de ensinar as primeiras letras, mas de pre- tível com o espírito e a letra do Ato Adicional, na práti-
parar docentes, instruindo-os no domínio do método. Essa ca não foi essa a interpretação que se concretizou. O
foi realmente a primeira forma de preparação de profes- Governo Central passou a ocupar-se apenas do ensino
sores, forma exclusivamente prática, sem qualquer base de todos os graus na capital do Império e do superior em
teórica, que aliás seria retomada pelo estabelecimento todo o país, ficando as províncias responsáveis pela ins-
de “professores adjuntos”. Em 1º de março de 1823, um trução primária e secundária nos respectivos territórios.
Decreto “cria uma escola de primeiras letras pelo méto- Entretanto, o Poder Central, detendo o monopólio do
do de ensino mútuo para instrução das corporações mi- ensino superior, manteve durante o regime imperial –
litares”. Algumas decisões posteriores indicam que a como bem o demonstrou Haidar (1972) – uma superin-
referida escola funcionou também com o objetivo de ins- tendência indireta sobre os estudos secundários, que pro-
truir pessoas acerca do método de Lancaster.3 Ademais, curaram conformar-se aos requisitos exigidos para o in-
a Lei de 15/10/1827 consagra a instituição do ensino gresso nos cursos superiores. Mas, no setor do ensino
mútuo no Brasil, dispondo, em seu art. 5º, que “os pro- popular, primário e normal, fora do Município da Corte,
fessores que não tiverem a necessária instrução deste verificou-se total abstenção daquele poder, apesar dos
ensino irão instruir-se em curto prazo e à custa de seus inúmeros reclamos e projetos apresentados, sobretudo a
ordenados nas escolas da Capital”. partir de l870, propugnando pela participação do Cen-
Pouco resultou das providências do Governo cen- tro na criação de estabelecimentos de ensino primário,
tral referentes ao ensino de primeiras letras e preparo de normal e secundário nas províncias.
seus docentes de conformidade com a Lei geral de l827. Em tais circunstâncias, desde a sua criação as es-
As primeiras escolas normais brasileiras só seriam colas normais brasileiras fizeram parte dos sistemas pro-
estabelecidas, por iniciativa das Províncias, logo após a vinciais. O modelo que se implantou foi o europeu, mais
reforma constitucional de 12/8/1834, que, atendendo ao especificamente o francês, resultante de nossa tradição
movimento descentralista, conferiu às Assembléias Le- colonial e do fato de que o projeto nacional era empres-
gislativas Provinciais, então criadas, entre outras atri- tado às elites, de formação cultural européia. Embora
buições, a de legislar “sobre a instrução pública e esta- não haja como negar o caráter transplantado de nossas
instituições – sobre o qual tanto se tem insistido – a his-
toriografia mais recente tem procurado mostrar também
3
Cite-se, por exemplo, que a 29/4/1823 uma Decisão do Gover-
sua articulação com o contexto nacional e com as con-
no exige que cada Província envie à Corte “um ou dois indivíduos tira-
tradições internas de nossa sociedade. Assim, as primei-
dos da Tropa de Linha, sejam da classe dos Oficiais Inferiores, sejam
ras iniciativas pertinentes à criação de escolas normais
dos soldados, que tenham a necessária e conveniente aptidão para apren-
coincidem com a hegemonia do grupo conservador, re-
derem o mencionado método, e poderem, voltando à sua Província,
dar lições não só aos seus irmãos d’armas, mas ainda às outras classes
sultando das ações por ele desenvolvidas para consoli-
de cidadãos” (Decisão no 69 – Guerra), E, a 22/8/1823, outra Decisão dar sua supremacia e impor seu projeto político. Como
“manda abonar aos oficiais inferiores e cadetes que vierem das Provín- observa Villela (1992, p. 28), “somente pela compreen-
cias aprender o método de ensino mútuo uma gratificação mensal, en- são desse projeto político mais amplo, de direção da so-
quanto freqüentarem a dita aula” (Decisão no 129 – Guerra). ciedade, é que foi possível entender que a criação da

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Escola Normal da Província do Rio de Janeiro não re- Provincial 1.127 determinou a criação de outra Escola
presentou apenas a transplantação de um modelo euro- Normal na Capital da Província, cujo curso teria a dura-
peu mas, que pelo seu potencial organizativo e ção de três anos, compreendendo o seguinte programa:
civilizatório, ela se transformava numa das principais língua nacional, caligrafia, doutrina cristã e pedagogia
instituições destinadas a consolidar e expandir a supre- (primeira cadeira); aritmética, inclusive metrologia, ál-
macia daquele segmento da classe senhorial que se en- gebra até equações do segundo grau, noções gerais de
contrava no poder”. geometria teórica e prática (segunda cadeira); elemen-
A primeira escola normal brasileira foi criada na tos de cosmografia e noções de geografia e história, prin-
Província do Rio de Janeiro, pela Lei n° 10, de 1835, cipalmente do Brasil (terceira cadeira) (Moacyr, 1939a,
que determinava: “Haverá na capital da Província uma p. 232)
escola normal para nela se habilitarem as pessoas que Na verdade, em todas as províncias as escolas nor-
se destinarem ao magistério da instrução primária e os mais tiveram uma trajetória incerta e atribulada, sub-
professores atualmente existentes que não tiverem ad- metidas a um processo contínuo de criação e extinção,
quirido necessária instrução nas escolas de ensino mú- para só lograram algum êxito a partir de 1870, quando
tuo, na conformidade da Lei de 15/10/1827.” A escola se consolidam as idéias liberais de democratização e
seria regida por um diretor, que exerceria também a fun- obrigatoriedade da instrução primária, bem como de li-
ção de professor, e contemplaria o seguinte currículo: berdade de ensino. Antes disso, as escolas normais não
ler e escrever pelo método lancasteriano; as quatro ope- foram mais que um projeto irrealizado, ou, como as de-
rações e proporções; a língua nacional; elementos de finiu o presidente da Província do Paraná em 1876: “plan-
geografia; princípios de moral cristã. Os pré-requisitos tas exóticas: nascem e morrem quase no mesmo dia”
para ingresso limitavam-se a: “ser cidadão brasileiro, (Moacyr, 1940, p. 239)
ter 18 anos de idade, boa morigeração e saber ler e es- Nos anos que se seguiram à criação da primeira
crever” (apud Moacyr, 1939b, p. 191). Devido à consa- escola normal, a experiência se repetiu em outras pro-
gração do método do ensino mútuo na Lei de 1827 e à víncias, sendo criadas instituições semelhantes: em Mi-
sua conseqüente divulgação, as primeiras escolas nor- nas Gerais, em 1835 (instalada em 1840); na Bahia, em
mais brasileiras reduziam o preparo didático e profis- 1836 (instalada em 1841); em São Paulo, em 1846; em
sional do mestre à compreensão do referido método. Pernambuco e no Piauí, em 1864 (ambas instaladas em
(Bastos, 1998) 1865); em Alagoas, em 1864 (instalada em 1869); em
Depreende-se do currículo, bem como das exigên- São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1869; no Pará, em
cias para ingresso, que em nível primário realizou-se o 1870 (instalada em 1871); em Sergipe, em 1870 (insta-
primeiro ensaio de uma instituição destinada especifi- lada em 1871); no Amazonas, em 1872, embora já em
camente à formação do pessoal docente para as escolas 1871 tivesse sido criada uma aula de Pedagogia no Li-
primárias no Brasil. Essa característica de um ensino ceu; no Espírito Santo, em 1873; no Rio Grande do Norte,
apoucado, estreitamente limitado em conteúdo ao plano em 1873 (instalada em 1874); no Maranhão, em 1874,
de estudos das escolas primárias, não foi exclusiva da com a criação de uma escola normal particular, subven-
Província do Rio de Janeiro, mas marcou o início do cionada pelo governo; na Corte, em 1874, também com
desenvolvimento das escolas normais em outros países a criação de uma escola normal particular, subvencio-
e estava presente na organização imprimida às primei- nada pelo governo, e em 1876 com a criação de uma
ras instituições congêneres aqui instaladas. escola normal pública (instalada apenas em 1880); no
A primeira escola normal do Brasil teve duração Paraná, em 1876; em Santa Catarina, em 1880; no Cea-
efêmera, sendo suprimida em 1849. Aliás, em 1840, após rá, em 1880 (instalada em 1884) (Moacyr, 1939a, 1939b,
quatro anos de funcionamento, ela havia formado ape- 1940); no Mato Grosso, em 1874 (Siqueira, 1999,
nas 14 alunos, dos quais 11 se dedicaram ao magistério p. 210); em Goiás, em 1882 (instalada em 1884)
(Moacyr, 1939b, p. 199). Somente a 4/2/1859, a Lei (Canezin & Loureiro, 1994, p. 28-35; Brzezinski, l987,

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p. 39); na Paraíba, em 1884 (instalada em 1885) (Mello, cias lançaram mão de instrumento economicamente mais
1956, p. 61). interessante para recrutamento de docentes: os exames
Algumas características comuns podem ser obser- ou concursos. Estes, limitados às matérias do ensino pri-
vadas nas primeiras escolas normais aqui instaladas. A mário e aos “métodos principais de ensino”, submetidos
organização didática do curso era extremamente sim- a uma política partidária de protecionismo e desprovi-
ples, apresentando, via de regra, um ou dois professores dos de rigor, só puderam carrear para o magistério um
para todas as disciplinas e um curso de dois anos, o que pessoal de baixo nível e exíguas habilitações. A propó-
se ampliou ligeiramente até o final do Império. O currí- sito, assim se manifestava o inspetor-geral da Instrução
culo era bastante rudimentar, não ultrapassando o nível Pública da Província de São Paulo, em 1864:
e o conteúdo dos estudos primários, acrescido de rudi-
Os concursos de ordinário consistem num exame quase
mentar formação pedagógica, esta limitada a uma única
sem publicidade; ninguém comparece a presenciá-los; o can-
disciplina (Pedagogia ou Métodos de Ensino) e de cará-
didato não tem já mais competidor, propõe-se a contender por
ter essencialmente prescritivo. A infra-estrutura dispo-
um lugar que ninguém lhe disputa. Em regra ele lê corrente-
nível, tanto no que se refere ao prédio, como a instala-
mente, escreve com maior ou menor apuro caligráfico, efetua
ção e equipamento, é objeto de constantes críticas nos
as quatro operações fundamentais da aritmética, às vezes com
documentos da época. A freqüência foi reduzidíssima,
dificuldade e alguns erros; a parte teórica não é devidamente
muito embora a legislação das diversas províncias pro-
aprofundada. Em Religião, recita de cor as orações principais
porcionasse provimento nas cadeiras do ensino primá-
da Igreja; responde a uma ou outra pergunta, sem contudo dar
rio aos egressos das escolas normais independentemen-
provas de que cabalmente compreende os princípios e a dou-
te de concurso. Nessas condições, tais escolas foram
trina. (apud Tanuri, 1979, p. 21)
freqüentemente fechadas por falta de alunos ou por des-
continuidade administrativa e submetidas a constantes O insucesso das primeiras escolas normais e os par-
medidas de criação e extinção, só conseguindo subsistir cos resultados por elas produzidos granjearam-lhes tal
a partir dos anos finais do Império (Bauab, 1972; Canezin desprestígio que alguns presidentes de Província e ins-
& Loureiro, 1994; Monarcha, 1999; Schneider, 1993; petores de Instrução chegaram a rejeitá-las como instru-
Siqueira, 1999; Tanuri, 1970 e 1979; Villela, 1990, mento para qualificação de pessoal docente, indicando
Wachowicz, 1984). como mais econômico e mais aconselhável o sistema de
Provavelmente, a reduzida capacidade de absorção inspiração austríaca e holandesa dos “professores ad-
das primeiras escolas normais foi devida não apenas às juntos”. Tal sistema consistia em empregar aprendizes
suas deficiências didáticas, mas sobretudo à falta de in- como auxiliares de professores em exercício, de modo a
teresse da população pela profissão docente, acarretada prepará-los para o desempenho da profissão docente, de
pelos minguados atrativos financeiros que o magistério maneira estritamente prática, sem qualquer base teóri-
primário oferecia e pelo pouco apreço de que gozava, a ca. Introduzidos na Província do Rio de Janeiro pelo
julgar pelos depoimentos da época. Acrescente-se ainda Regulamento de 14/12/1849, em vista do fechamento
a ausência de compreensão acerca da necessidade de da escola normal que ali existira, os professores adjun-
formação específica dos docentes de primeiras letras. tos foram posteriormente adotados na Corte, pelo decre-
Tais fatores, ao mesmo tempo causas e conseqüências to 1331-A, de 17/2/1854, baixado pelo ministro Couto
do insucesso das primeiras escolas normais, refletiam o Ferraz, e a seguir instituídos em outras províncias, onde
estado pouco animador da instrução pública provincial. persistiram, por muito tempo, mesmo após a instalação
A sociedade de economia agrária e dependente do tra- das escolas normais.
balho escravo não apresentava condições capazes de Pode-se pois dizer que nos primeiros 50 anos do
exigir maior desenvolvimento da educação escolar. Império, as poucas escolas normais do Brasil, pautadas
Nos períodos de inexistência da escola normal e nos moldes de medíocres escolas primárias, não foram
mesmo durante o seu funcionamento, as várias provín- além de ensaios rudimentares e mal sucedidos. Em 1867,

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Liberato Barroso, registrando a existência de apenas qua- ra (18/9/1882), Rui Barbosa (12/9/1882) e Cunha Lei-
tro instituições desse gênero no país – no Piauí, em Per- tão (24/8/1886) concediam ao poder central a faculdade
nambuco, na Bahia e no Rio –, lamentava o fato de que, de subsidiar escolas normais nas províncias. Apesar de
em virtude de suas deficiências, “nenhum aproveitamen- malogrados, esses projetos evidenciam que o papel das
to notável tinham elas produzido até então”, de forma escolas normais no desenvolvimento quantitativo e qua-
que a escola normal era ainda uma instituição “quase litativo do ensino primário começava a ser reconhecido,
completamente desconhecida” (apud Tanuri, 1979, p. 22) o que também se depreende do empenho de praticamen-
A partir de 1868/70, transformações de ordem ideo- te todas as províncias na criação de estabelecimentos
lógica, política e cultural seriam acompanhadas de in- desse tipo, em flagrante contraste com o descaso de que
tensa movimentação de idéias, com profundas repercus- foram alvo anteriormente.
sões no setor educacional, que passava a assumir uma Paralelamente à valorização das escolas normais,
importância até então não vislumbrada. A crença de que ocorre também enriquecimento de seu currículo, amplia-
“um país é o que a sua educação o faz ser” generaliza- ção dos requisitos para ingresso e sua abertura ao ele-
va-se entre os homens de diferentes partidos e posições mento feminino. As primeiras escolas normais – de
ideológicas e a difusão do ensino ou das “ luzes”, como Niterói, Bahia, São Paulo, Pernambuco, entre outras –
se dizia freqüentemente nesse período, era encarada foram destinadas exclusivamente aos elementos do sexo
como indispensável ao desenvolvimento social e econô- masculino, simplesmente excluindo-se as mulheres ou
mico da nação (Barros, 1959, p. 23) Com vistas a maior prevendo-se a futura criação de escolas normais femi-
disseminação do ensino, tornam-se objeto de freqüentes ninas. Aliás, mecanismos de exclusão refletiam-se mes-
cogitações algumas teses, entre elas: a obrigatoriedade mo na escola primária, onde o currículo para o sexo
da instrução elementar, a liberdade de ensino em todos feminino era mais reduzido e diferenciado, contemplando
os níveis e a cooperação do Poder Central no âmbito da o domínio de trabalhos domésticos. Nos anos finais do
instrução primária e secundária nas províncias. É no Império, as escolas normais foram sendo abertas às
contexto desse ideário de popularização do ensino que mulheres, nelas predominando progressivamente a fre-
as escolas normais passam a ser reclamadas com maior qüência feminina e introduzindo-se em algumas a co-
constância e coroadas de algum êxito. Se em 1867 o educação. Já se delineava nos últimos anos do regime
país contava apenas com quatro estabelecimentos dessa monárquico a participação que a mulher iria ter no en-
modalidade, conforme a já citada informação de Liberato sino brasileiro. A idéia de que a educação da infância
Barroso, em 1883 o relatório do ministro do Império deveria ser-lhe atribuída, uma vez que era o prolonga-
registra a existência de 22 (apud Tanuri, 1979, p. 24). mento de seu papel de mãe e da atividade educadora
Também a organização e o nível dessas escolas, embora que já exercia em casa, começava a ser defendida por
não chegassem a atingir a complexidade dos estudos pensadores e políticos (Tanuri, 1979, p. 41; Siqueira,
secundários, apresentavam modestos mas evidentes si- 1999, p. 220-221). De um lado, o magistério era a úni-
nais de progresso. ca profissão que conciliava as funções domésticas da
A idéia da ação central, seja de criação e manuten- mulher, tradicionalmente cultivadas, os preconceitos que
ção de estabelecimentos de ensino, seja simplesmente bloqueavam a sua profissionalização, com o movimen-
de concessão de auxílios, tantas vezes postulada nas duas to em favor de sua ilustração, já iniciado nos anos 70.
décadas finais do Império, consubstanciou-se em diver- De outra parte, o magistério feminino apresentava-se
sos projetos, vários dos quais estendiam tal ação ao como solução para o problema de mão-de-obra para a
âmbito da escola normal. Aliás, já o Decreto 7.247, de escola primária, pouco procurada pelo elemento mas-
19/4/1879 (Reforma Leôncio de Carvalho), autorizava culino em vista da reduzida remuneração. Em várias pro-
o Governo Central a criar ou subsidiar escolas normais víncias, a destinação de órfãs institucionalizadas para o
nas províncias, o que, entretanto, não chegou a ser exe- magistério visava ao seu encaminhamento profissional –
cutado. Posteriormente, os projetos Almeida de Olivei- como alternativa para o casamento ou para o serviço

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doméstico – bem como o preenchimento de cargos no assemelhavam às escolas primárias superiores, constan-
ensino primário a custo de parcos salários (Schneider, tes da legislação de muitas províncias. A formação pe-
1993; Tanuri, 1979). A feminização precoce do magis- dagógica era reduzida, limitando-se a uma ou duas dis-
tério tem sido responsabilizada pelo desprestígio social ciplinas: pedagogia (e/ou metodologia), acrescida às
e pelos baixos salários da profissão (Tambara, 1998). vezes de legislação e administração educacional. Men-
A maior complexidade que os currículos começa- cione-se, a título de exemplo, o currículo da Escola Nor-
vam a apresentar ficava evidente no Decreto 7.247, de mal de São Paulo, fixado pelo Regulamento de 3/1/1887:
19/4/1879 (Reforma Leôncio de Carvalho), o qual, con- 1o ano: gramática e língua nacional, aritmética, gramá-
tendo a primeira proposta do Poder Central relativamente tica e língua francesa, doutrina cristã; 2o ano: gramática
às escolas de formação de professores, serviu de modelo e língua nacional, geometria física, gramática e língua
a algumas províncias e mesmo à primeira escola normal francesa; 3o ano: geografia e história, pedagogia e
pública que se instalou na Corte, em 1880. O currículo metodologia, química (art. 3o).
deveria abranger as seguintes matérias: língua nacio- A escassez da bibliografia pedagógica brasileira no
nal; língua francesa; aritmética, álgebra e geometria; século passado, quando até mesmo as traduções eram
metrologia e escrituração mercantil; geografia e cosmo- raras, contribui para explicar a reduzida formação pro-
grafia; história universal; história e geografia do Brasil; fissional das escolas normais nesse período.4 Pode-se di-
elementos de ciências físicas e naturais e de fisiologia e zer que ao menos no nível das aspirações e nas proposi-
higiene; filosofia; princípios de direito natural e de di- ções teóricas efervescentes na fase final do regime
reito público, com explicação da Constituição Política monárquico, já encontrara o seu lugar a tese de que o
do Império; princípios de economia política; noções de professorado merecia preparo regular. À República ca-
economia doméstica (para as alunas); pedagogia e prá- beria a tarefa de desenvolver qualitativa e, sobretudo,
tica do ensino primário em geral; prática do ensino in- quantitativamente as escolas normais e de efetivar a sua
tuitivo ou lição de coisas; princípios de lavoura e implantação como instituição responsável pela qualifi-
horticultura; caligrafia e desenho linear; música vocal; cação do magistério primário.
ginástica; prática manual de ofícios (para os alunos);
trabalhos de agulha (para as alunas); instrução religiosa Expansão e consolidação
(não obrigatória para os acatólicos). Como a Reforma
Leôncio de Carvalho acolheu a freqüência e os exames Apesar das modificações no plano formal-jurídico,
livres, a duração do curso não foi fixada em anos, mas o advento do novo regime não trouxe alterações signifi-
em séries de matérias nas quais os alunos se submeteri- cativas para a instrução pública, nem inaugurou uma
am a exames (art. 9o e parágrafos). nova corrente de idéias educacionais, tendo significado
No final do Império, a maioria das províncias não
tinha mais do que uma escola normal pública, ou quan-
4
do muito duas, uma para o sexo feminino e uma para o Apenas depois dos pareceres de Rui Barbosa, a bibliografia

masculino, organizadas com dois a quatro anos de estu- pedagógica brasileira entra numa fase mais fértil. Assim, em 1882
surgem os pareceres sobre as diversas questões do temário do não-
dos, geralmente três. Em algumas províncias, como é o
realizado Congresso de Instrução do Rio de Janeiro. Em 1884, edita-
caso de Goiás (Canezin & Loureiro, 1994, p. 33), ape-
se o volume Lições de Coisas, de Saffray, e, em 1886, Primeiras
nas a Cadeira de Pedagogia, junto às disciplinas do li-
Lições de Coisas, de Calkins, traduzido por Rui Barbosa, difundindo
ceu, fazia as vezes de curso de preparação de professo-
no Brasil as idéias de Pestalozzi e Froebel acerca do ensino intuitivo
res. Via de regra, as escolas normais não alcançavam e da educação pelos sentidos, em oposição aos processos verbalistas
ainda o nível do curso secundário, sendo inferiores a este da escola tradicional. Em 1887, é lançada a obra Pedagogia e
quer no conteúdo, quer na duração dos estudos. Já então Metodologia, do professor da Escola Normal de São Paulo Camilo
com um currículo mais amplo do que o inicial, compos- Passalacqua e, no ano seguinte, o Tratado de Metodologia Coorde-
to sobretudo pelas matérias do ensino primário, elas se nada, de Felisberto Rodrigues Pereira de Carvalho.

Revista Brasileira de Educação 67


Leonor Maria Tanuri

simplesmente o coroamento e, portanto, a continuidade movimento este que incluía especificamente as escolas
do movimento de idéias que se iniciara no Império, mais normais. Assim, a Primeira República é fértil em projetos
precisamente nas suas últimas décadas. Na verdade, de lei que prevêem a cooperação da União nesse setor,
como observa Nagle, o fervor ideológico do final do bem como em discussões acerca da constitucionalidade
Império só em parte continua. “Passada a fase de luta da mencionada medida. A criação e a manutenção de es-
em prol do novo Estado, arrefecem-se os ânimos; há, na colas normais a expensas do Governo Federal, advogadas
verdade, uma diminuição de tentativas de análise e de como meios de influir no desenvolvimento do ensino pri-
programação educacionais” (Nagle, 1977). Ademais, o mário em todo o país, ganham força com o movimento
quadro social, político e econômico da Primeira Repú- nacionalista que se desenvolve a partir da Primeira Guer-
blica pouco favoreceu a difusão do ensino. A República ra, chegando-se mesmo a postular a centralização de todo
democrático-representativa e federativa, segundo o mo- o sistema de formação de professores ou a criação de es-
delo constitucional, acabou por assumir a forma de um colas normais-modelo nos estados. Teses pertinentes à
Estado oligárquico, subordinado aos interesses políti- “Organização e Uniformização do Ensino Normal no
cos e econômicos dos grupos dominantes das regiões País” foram discutidas na “Conferência Interestadual de
produtoras e exportadoras de café. Nesse quadro e em Ensino Primário” – convocada pelo Governo Federal em
função do deslocamento do eixo econômico da região l921 –, em inúmeros projetos no Congresso Nacional e
nordeste para a sudeste – já observado desde o final do nas Conferências Nacionais de Educação promovidas
Império –, o desenvolvimento da educação na Repúbli- pela Associação Brasileira de Educação no final dos anos
ca foi marcado por grandes discrepâncias entre os esta- 20, especialmente na II Conferência (Tanuri, 1979).
dos, mesmo porque, nos quadros do federalismo vigen- Mas a atividade normativa ou financiadora do Go-
te, a União nada fez no terreno da educação popular. verno Federal no âmbito do ensino normal e primário
A Constituição Republicana de 24/2/91 não trouxe não chegou a se concretizar na Primeira República, de
qualquer modificação da competência para legislar so- modo que os estados organizaram independentemente,
bre o ensino normal, conservando a descentralização ao sabor de seus reformadores, os seus respectivos sis-
proveniente do Adendo Constitucional de 1834. Asse- temas. Não obstante a ausência de participação federal,
gurou à União a competência para legislar sobre o ensi- registram-se alguns avanços no que diz respeito ao de-
no superior na Capital da República (art. 34, no 30) dan- senvolvimento qualitativo e quantitativo das escolas de
do-lhe, não privativamente, a atribuição de criar formação de professores, sob a liderança dos estados
instituições de ensino superior e secundário nos esta- mais progressistas, especialmente de São Paulo, que se
dos, bem como prover a instrução secundária no Distri- convertera no principal pólo econômico do país. A atua-
to Federal (art. 35, no 3 e 4). Em decorrência do art. 62, ção dos reformadores paulistas nos anos iniciais do novo
no 2, que facultava aos estados todo e qualquer direito regime permitiu que se consolidasse uma estrutura que
que não lhes fosse negado por cláusulas expressas da permaneceu quase que intacta em suas linhas essenciais
Constituição, a instrução primária e a profissional, in- nos primeiros 30 anos da República e que seria apresen-
clusive o ensino normal, ficaram sob a responsabilidade tada como paradigma aos demais estados, muitos dos
dos estados e municípios, uma vez que, além do já men- quais reorganizaram seus sistemas a partir do modelo
cionado, apenas se atribuía à União a função um tanto paulista: Mato Grosso, Espírito Santo, Santa Catarina,
vaga de “animar no país o desenvolvimento das letras, Sergipe, Alagoas, Ceará, Goiás e outros.5
artes e ciências” (art. 35, no 2). Digna de nota nesses primeiros anos foi, de um lado,
A ausência do governo central quer na manutenção a influência das filosofias cientificistas, consubstancia-
quer na organização da educação popular e o desequilí-
brio financeiro entre os estados acabaram por propiciar
um movimento de chamada de participação do governo 5
A partir de 1910, comissões de diferentes estados vieram es-
central já desde a primeira década do presente século, tudar a organização do serviço de instrução pública de São Paulo e

68 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

da sobretudo no papel disciplinar, metodológico atribu- tanto, ela permaneceu na legislação até 1920, como que
ído às ciências e na importância que elas passaram a a registrar os ambiciosos propósitos de seus idealizado-
ganhar nos currículos. De outro, a introdução dos pri- res. Também os cursos complementares não se instala-
meiros ensaios de renovação pedagógica no ensino pú- ram com o objetivo de integralizar o primário, mas com
blico, ressaltando-se o valor da observação, da expe- o objetivo adicional que lhes foi dado de preparar pro-
riência sensorial, da educação dos sentidos, das “lições fessores para as escolas preliminares, mediante apenas
de coisas”, do método intuitivo de Pestalozzi. Assim, a o acréscimo de um ano de prática de ensino nas escolas
reforma paulista realizada já a 12/03/1890, sob a dire- modelo. (Lei n. 374, de 03/09/1895) Com isso iniciava-
ção de Caetano de Campos, ampliou a parte propedêutica se uma dualidade de escolas de formação de professo-
do currículo da escola normal e contemplou as suas es- res, o que foi de fundamental importância para que se
colas-modelo anexas, bem como a prática de ensino que pudesse expandir o sistema de formação de docentes em
os alunos aí deveriam realizar. Nessas escolas foram proporções significativas para a época e prover o ensino
introduzidas as idéias de Pestalozzi acerca dos proces- primário de pessoal habilitado. Transformadas as esco-
sos intuitivos de ensino e contratadas professoras-dire- las complementares em escolas normais primárias
toras de formação norte-americana. A reforma, iniciada (1911), e denominadas as de padrão mais elevado de
na Escola Normal, foi estendida a todo o ensino público “normais secundárias”, consolidou-se um dualismo que,
pela Lei n. 88, de 08/09/92, alterada pela Lei n. 169, de embora adotado em outras unidades da federação, já em
07/08/1893, as quais consubstanciam as principais idéias 1920 (Lei n. 175, de 8/12/1920) seria abolido em São
das elites republicanas paulistas para a instrução públi- Paulo, com a unificação de todas as escolas normais,
ca. Merecem especial destaque: a criação de um ensino pelo padrão das mais elevadas. Mesmo posteriormente,
primário de longa duração (8 anos), dividido em dois quando a Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) esta-
cursos (elementar e complementar); a criação dos “gru- beleceu a existência de dois níveis diferentes de escolas
pos escolares”, mediante a reunião de escolas isoladas, de formação, São Paulo continuou com seu ensino de
com o ensino graduado e classes organizadas segundo o tipo único, o que só foi alcançado pela maioria dos esta-
nível de adiantamento dos alunos; a criação de um curso dos com a Lei 5.692/72. Com a unificação, já em 1920
superior, anexo à Escola Normal, destinado a formar o Estado passou a contar com dez escolas normais pú-
professores para as escolas normais e os ginásios. Na blicas, o que foi de fundamental importância para satis-
Escola Normal, as alterações foram significativas: em- fazer às exigências apresentadas pela expansão do ensi-
bora uma única cadeira continuasse responsável pela no primário da época. Evidenciava-se assim a tendência
formação pedagógica do professor – Pedagogia e Dire- de progressiva elevação do nível do curso normal den-
ção de Escolas – destacam-se a amplitude do currículo, tro da estrutura vertical do sistema de ensino. Dentro
com ênfase nas matérias científicas, o prolongamento dessa tendência situam-se, além da unificação, o aumento
de seu curso para quatro anos, e a exigência de uma do número de anos de formação, com a criação dos cur-
cultura enciclopédica, a ser avaliada através de exames, sos complementares como intermediários entre o primá-
para ingresso na referida instituição. (Tanuri, 1979; rio e o normal, em l917, com dois anos de duração, ele-
Monarcha, 1999) vados para três em 1920.
Nem todas as ambiciosas metas dos primeiros O Distrito Federal já se encaminhara para solu-
reformadores republicanos paulistas puderam ser atin- ção semelhante desde 1917, quando a reforma realiza-
gidas. Não se instalou a Escola Normal Superior; entre- da por Afrânio Peixoto separou o curso da antiga esco-
la normal em dois ciclos: um preparatório e outro
profissional.
“missões” de professores paulistas partiram para reorganizar o ensino A propósito dos cursos complementares, apesar das
em diversos estados do Brasil: Mato Grosso, Espírito Santo, Santa Catarina, tentativas realizadas no início da República para a im-
Sergipe, Alagoas, Ceará e outros. Veja-se, a respeito: Fleury, 1946. plantação de um ensino primário de longa duração (8

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Leonor Maria Tanuri

séries), dividido em dois ciclos – elementar e comple- reformas estaduais do ensino primário e normal, forne-
mentar ou superior –, e calcado em modelos europeus, cendo elementos para uma revisão crítica dos padrões
foi somente a partir da segunda década do presente sé- de escola normal existentes. Na expressão de Jorge Nagle
culo que os estados brasileiros começaram a instalar (1977, 264), ao “entusiasmo pela educação” sucede o
cursos complementares em continuação ao primário, “otimismo pedagógico”. Já “não importa muito qual-
destinados a funcionar como curso geral básico, de pre- quer esforço para difundir a escola (entusiasmo), pois o
paração para a escola normal, justapondo-se paralela- que mais importa é difundir a escola que reproduz um
mente ao secundário. Nestas condições, introduzia-se novo modelo (otimismo)”. As críticas já antigas sobre o
em nosso sistema de ensino uma bifurcação nos estudos reduzido caráter profissional das escolas normais e a
gerais imediatamente após a escola primária: o curso predominância dos estudos de cultura geral em seu cur-
complementar, espécie de primário superior, propedêu- rículo ganhavam maior ênfase, num momento em que a
tico à escola normal, de duração, conteúdo e regime de “nova” orientação do ensino requeria conhecimentos
ensino interiores ao secundário, e este último, de caráter sobre o desenvolvimento e a natureza da criança, os
elitizante, objeto de procura dos que se destinavam ao métodos e técnicas de ensino a ela adaptados e os am-
ensino superior. A criação do curso complementar esta- plos fins do processo educativo.
belecia um elo de ligação entre a escola primária e a Em tais condições, consolida-se nesse período a
normal e o ingresso na última passava a exigir maiores idéia de desdobramento dos estudos propedêuticos e pro-
requisitos de formação. fissionais, em dois cursos distintos, quando então são
Com o mesmo objetivo de preparar para a escola dados dois importantes passos nesse sentido: a criação
normal, o curso complementar foi introduzido, com dois ou ampliação dos estudos complementares, preparató-
anos de duração, no Ceará, quando da reforma ali reali- rios ao normal, acima mencionados, e, em alguns esta-
zada por Lourenço Filho (Decreto 474, de 2/1/1923); dos, a divisão do curso normal em dois ciclos: um geral
na Bahia, quando da reforma realizada por Anísio ou propedêutico e outro especial ou profissional, ainda
Teixeira (Lei 1.846, de 14/8/1925); em Pernambuco, na que nem sempre completamente diferenciados. Isso ocor-
reforma ali realizada por Carneiro Leão (Ato 1.239, de reu, por exemplo, já na reforma realizada em 1923 no
27/12/1928 e Ato 238, de 8/2/1929); no Distrito Fede- estado do Paraná, por Lysimaco Ferreira da Costa, que
ral, na reforma realizada por Fernando de Azevedo (De- separava o plano de estudos da Escola Normal em dois
cretos 3.281, de 23/1/1928, e 2.940, de 22/11/1928); cursos: o fundamental ou geral, com três anos, e o pro-
em Minas Gerais, na reforma ali realizada por Francis- fissional ou especial, com três semestres. A preocupa-
co de Campos e Mário Casassanta (Decreto 7.970-A, ção dessa reforma com a formação técnico-profissional
de 15/10/1927) (Nagle, 1974). Em Goiás, a primeira fica evidente na diferenciação da disciplina Metodologia
escola complementar como preparatória para a normal de Ensino, que se distribui pelas várias especialidades:
seria criada em 1929 (Canezin & Loureiro, 1979) e re- metodologia da leitura e da escrita, do vernáculo, da arit-
gulamentada na reforma realizada, sob orientação da mética, do ensino intuitivo, das ciências naturais, do
Missão Pedagógica Paulista, pela Lei 908, de 29/7/1930 desenho, da geografia, da música, dos exercícios físi-
(Brzezinski, 1987). cos, dos trabalhos manuais (Wachowicz, 1984, p. 319).
A fase que se segue à Primeira Guerra e se prolon- A divisão em ciclos ocorreu também nas mencionadas
ga por toda a década de 1920 é de preocupação e entu- reformas do Distrito Federal (l928), de Pernambuco
siasmo pela problemática educacional em âmbito inter- (1928) e de Minas Gerais (l927). Em tais reformas, além
nacional e nacional, sendo caracterizada por esforços da exigência do curso complementar como condição para
da iniciativa estadual pela difusão e remodelação do en- ingresso, a escola normal passou a ter um curso de cinco
sino. A divulgação dos princípios e fundamentos do mo- anos, dividido num ciclo geral ou propedêutico de três
vimento escolanovista que se processa nesse decênio anos e num ciclo profissional de dois. Neste ciclo, idéias
fundamenta, em maior ou menor grau, as mencionadas e princípios escolanovistas norteiam o estabelecimento

70 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

de um conjunto de normas didático-pedagógicas e inspi- rio e o de aplicação – e 15 eram de primeiro grau, com a
ram a introdução de novas disciplinas de formação pro- duração de cinco anos (Peixoto, 1983, p. 154).
fissional – além da pedagogia, da psicologia e da didáti- Também importante para a expansão do Ensino
ca –, como a história da educação, a sociologia, a biologia Normal foi a introdução de escolas normais de iniciati-
e higiene, o desenho e os trabalhos manuais (Nagle, 1974, va privada e municipal, qualificadas de livres ou equi-
p. 221). Também é interessante notar uma diferencia- paradas, com o que se procurava compensar a escassez
ção nas modalidades de escola, com a previsão de uma de estabelecimentos oficiais na maioria dos estados. Já
Escola Normal Rural, no Distrito Federal, e a especifi- vitoriosa no período imperial na maioria das províncias,
cação de três níveis de instituição na reforma mineira: a liberdade de ensino permanecia na Carta Magna repu-
1) Escolas Normais de Segundo Grau (somente ofi- blicana em decorrência do art. 72, parágrafo 24, que
ciais), oferecendo a seguinte formação: Curso de Adap- assegurava a todos o “livre exercício de qualquer pro-
tação, complementar ao primário (dois anos); Curso Pre- fissão moral, intelectual e industrial”. Na verdade, es-
paratório, de cultura geral (três anos) e Curso de colas normais particulares existiram desde o Império,
Aplicação, de caráter essencialmente profissional (dois como as instaladas na Província do Maranhão e no Mu-
anos); 2) Escolas Normais de Primeiro Grau (oficiais nicípio da Corte, em 1874, e aquela criada pela Socie-
e particulares), oferecendo o Curso de Adaptação (dois dade Propagadora de Instrução Pública, no Recife, em
anos) e Curso Normal com três anos de duração, sendo 1872, mais tarde denominada “Escola Normal Pinto
três de cultura geral e um de formação profissional; 3) Júnior”, em homenagem a seu principal fundador (Bello,
Cursos Normais Rurais, com a duração de apenas dois 1978, p. 125). Na Estatística da Instrução, relativa ao
anos, funcionando junto aos grupos escolares, e ofere- ano de 1907, consta que os estados de Pernambuco, Rio
cendo apenas um aprofundamento das matérias do ensi- Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais tinham
no primário, acrescido de atividades de prática de ensi- escolas normais dependentes da iniciativa privada, con-
no. Destaque-se ainda que na reforma mineira criava-se tando com escolas municipais dessa modalidade o Dis-
uma Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, com dois trito Federal e Minas Gerais. Aliás, neste último estado
anos de continuação de estudos profissionais, para pro- a iniciativa particular encontrava-se em franco desen-
fessores já em exercício. Para a instalação de tal escola volvimento, mantendo 12 escolas, ao lado de duas mu-
muito contribuíram os trabalhos desenvolvidos por uma nicipais e apenas uma estadual (Tanuri, 1979, p. 201).
missão de pedagogos europeus trazida por Francisco Em Goiás, a equiparação de escolas normais particula-
Campos bem como os estudos realizados por um grupo res teve início em 1907, de modo que em 1929 o estado
de professores enviado ao “Teacher’s College” da Uni- mantinha, ao lado de uma única escola normal oficial –
versidade de Columbia (Peixoto, 1983, p. 146) que fazia as vezes de estabelecimento modelar –, sete
Essa diferenciação de cursos acabaria por consa- equiparadas (Canezim & Loureiro, 1994, p. 61). Dife-
grar a dualidade de escolas de formação na maior parte rentemente dessa situação, no estado de São Paulo a equi-
dos estados brasileiros, possibilitando, por um lado, uma paração de escolas de iniciativa municipal e particular
certa expansão de escolas normais de nível menos ele- somente ocorreria a partir da Lei 2.269, de 31/12/1927.
vado mas compatível com as possibilidades da época e Preocupados em preservar a organização do ensino nor-
as peculiaridades regionais e, por outro, a consolidação mal traçada nos primórdios do novo regime e temerosos
das escolas normais como responsáveis pela preparação de que a regalia da equiparação viesse deteriorar essa
do pessoal docente para o ensino primário. Destaque- organização, os legisladores paulistas resistiram em fran-
se, por exemplo, que em Minas Gerais, de duas escolas quear o ensino normal à iniciativa privada, só vindo a
normais, com 222 alunos matriculados, passou-se, em fazê-lo em 1927, quando tal solução foi defendida como
1930, para 21 escolas, com 3.892 alunos, das quais 6 necessária à expansão do ensino primário na zona rural.
eram de segundo grau – ou seja, ofereciam o curso nor- A medida tardia certamente veio atender a solicitações
mal de 7 anos, com os cursos de adaptação, o preparató- represadas de inúmeros municípios que pressionavam o

Revista Brasileira de Educação 71


Leonor Maria Tanuri

poder público pelo direito de terem uma escola normal, A definição do modelo
de modo que já em 1928 funcionaram 26 escolas nor-
mais livres no estado de São Paulo, as quais atingiram Apesar da separação do curso normal em ciclos de
49 unidades em 1930, com 4.017 matrículas, ao lado formação geral e profissional, introduzida em algumas
das dez oficiais já existentes (Tanuri, 1979, p. 209). Já reformas, e da considerável ampliação dos estudos pe-
estava claro que a iniciativa privada constituiria, cada dagógicos, a escola normal chegou ao final da Primeira
vez mais, a principal mantenedora de escolas normais e República com um curso híbrido, que oferecia, ao lado
que o controle do crescimento e da qualidade dessa rede de um exíguo currículo profissional, um ensino de hu-
privada demandaria preocupação. manidades e ciências quantitativamente mais significa-
Por volta do final dos anos 20, as escolas normais tivo. Críticas a esse perfil, que fazia das escolas nor-
já haviam ampliado bastante a duração e o nível de seus mais uma espécie de “ginásios mal aparelhados” para
estudos, possibilitando, via de regra, articulação com o moças, aparecem com freqüência nos anos 20. A medi-
curso secundário e alargando a formação profissional da que visava a transformar a escola normal numa insti-
propriamente dita, graças à introdução de disciplinas, tuição de caráter estritamente profissional, excluindo de
princípios e práticas inspirados no escolanovismo, e a seu currículo o conteúdo propedêutico e exigindo como
atenção dada às escolas-modelo ou escolas de aplicação condição para ingresso o secundário fundamental, seria
anexas. A pedagogia que as embasava fundamentava- adotada pelos diversos estados depois de 1930.
se principalmente numa psicologia experimental – esta Para essa transformação, concorreria a continuida-
já então libertada dos estritos limites da psicofísica e de do movimento de renovação desenvolvido na década
das medições cefalométricas – preocupada com a aferi- anterior. Graças à atuação dos profissionais da educa-
ção da inteligência e das aptidões, ou seja, com os “ins- ção, mediante publicações, conferências, cursos, deba-
trumentos de medida” e com seu valor de prognóstico tes e inquéritos, divulgavam-se idéias da escola renova-
para a aprendizagem (Monarcha, 1999, p. 289-336). Es- da e formava-se uma nova consciência educacional,
cola nova, ensino ativo, método analítico, testes e medi- relativa ao papel do Estado na educação, à necessidade
das são palavras-chave da época. A literatura pedagógi- de expansão da escola pública, ao direito de todos à edu-
ca, até então voltada quase que exclusivamente para uma cação, tendo em vista seu alcance político e social, à
abordagem ampla dos problemas educacionais, de uma importância da racionalização da administração esco-
perspectiva social e política, passa a tratar os problemas lar, à necessidade de implantação de uma política nacio-
educacionais de um ponto de vista técnico, “científico”, nal de educação. O movimento da Escola Nova conti-
e a contemplar, desde questões teóricas e práticas do nuava a centrar-se na revisão dos padrões tradicionais
âmbito intra-escolar, até abordagens pedagógicas mais de ensino: não mais programas rígidos, mas flexíveis,
amplas, da perspectiva da escola renovada.6 Essa deli- adaptados ao desenvolvimento e à individualidade das
mitação dos problemas educacionais a uma abordagem crianças; inversão dos papéis do professor e do aluno,
estritamente técnica tem sido apontada como responsá- ou seja, educação como resultado das experiências e ati-
vel por uma visão ingênua e tecnicista da educação, iso- vidades deste, sob o acompanhamento do professor; en-
lada de seu contexto histórico-social, que faria carreira sino ativo em oposição a um criticado “verbalismo” da
na educação brasileira a partir de então e da qual resul- escola tradicional.
taria uma ampliação da ênfase nos conteúdos pedagógi- A tentativa de introdução de tais idéias na legisla-
cos, no caráter “científico” da educação e na suposta ção escolar levou a novas e significativas remodelações
“neutralidade” dos procedimentos didáticos (Nagle, no âmbito da escola normal, destacando-se a reforma
1974, p. 274; Saviani, 1985). realizada por Anísio Teixeira no Distrito Federal, pelo
Decreto 3.810, de 19/3/1932. Na exposição de motivos
que acompanhou o Decreto, fica claro o intento de abo-
6
Para uma síntese da literatura da época, veja-se: Nagle, 1974. lir o “vício de constituição” das escolas normais: “pre-

72 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

tendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral anos, precedido pelo complementar de três, passa a ser
e de cultura profissional, falhavam lamentavelmente nos constituído por um curso de formação profissional de
dois objetivos.” Em outro texto Anísio esclarece melhor duas séries e a exigir para ingresso a integralização do
sua proposta: “Se a escola normal for realmente uma ins- curso secundário fundamental, organizado de conformi-
tituição de preparo profissional do mestre, todos os seus dade com a legislação federal. Da mesma forma que no
cursos deverão possuir o caráter específico que lhes de- Distrito Federal, a Escola Normal da Capital, com a
terminará a profissão do magistério” (Vidal, 1995, p. 65). denominação de Instituto de Educação “Caetano de Cam-
Com esse objetivo, o antigo ciclo preparatório da pos”, passa a ministrar em sua Escola de Professores:
escola normal é ampliado e equiparado ao ensino se- cursos de formação de professores primários, cursos de
cundário federal – curso fundamental, de cinco anos –, formação pedagógica para professores secundários, bem
enquanto o curso profissional, totalmente reformulado, como cursos de especialização para diretores e inspeto-
veio a constituir a Escola de Professores. A reforma res. Todas as demais escolas normais do estado, inclusi-
transforma a Escola Normal do Distrito Federal em Ins- ve as denominadas “livres” (ou equiparadas), ofereciam
tituto de Educação, constituído de quatro escolas: Esco- apenas o curso de formação profissional do professor,
la de Professores, Escola Secundária (com dois cursos, de dois anos, além do curso primário de quatro anos e
um fundamental, com cinco anos, e um preparatório, com do secundário fundamental, de dois. A preocupação pela
um), Escola Primária e Jardim-da-Infância. As três últi- remodelação do ensino continuava a se fazer presente,
mas eram utilizadas como campo de experimentação, traduzindo-se em dispositivos diversos consagrados na
demonstração e prática de ensino, dada a importância legislação.7 À semelhança de seu congênere do Distrito
das atividades de pesquisa e experimentação no âmbito Federal, o Instituto de Educação de São Paulo, pela sua
das diversas disciplinas (Vidal, 1995). Escola de Professores, foi incorporado em 1934 à Uni-
O curso regular de formação do professor primário versidade de São Paulo, passando a responsabilizar-se
era feito em dois anos, comportando as seguintes disci- pela formação pedagógica dos alunos das diversas se-
plinas: 1o ano: biologia educacional, psicologia educa- ções da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que
cional, sociologia educacional, história da educação, pretendessem licença para o magistério. A desvinculação
música, desenho e educação física, recreação e jogos; 2o só se dá em l938, com a criação da Secção de Educação
ano: introdução ao ensino – princípios e técnicas, maté- da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, trans-
rias de ensino (cálculo, leitura e linguagem, literatura ferindo-se os catedráticos do Instituto para a nova seção.8
infantil, estudos sociais, ciências naturais) e prática de O currículo do curso de formação de professores
ensino (observação, experimentação e participação). A primários, da mesma forma que no Distrito Federal,
Escola de Professores oferecia ainda cursos de especia- centrava-se exclusivamente nas disciplinas pedagógicas,
lização, aperfeiçoamento, extensão e extraordinários distribuídas em três seções: Educação (1a seção): psi-
(Vidal, 1995, p. 67). cologia, pedagogia, prática de ensino, história da edu-
Em l935, a Escola de Professores foi incorporada à cação; Biologia Aplicada à Educação (2a seção): fisio-
então criada Universidade do Distrito Federal, com o nome
de Faculdade de Educação, passando a conceder a “li- 7
Veja-se, a propósito, o art. 788 do Código de Educação do
cença magistral” àqueles que obtivessem na universida-
Estado de São Paulo: “O ensino, que será intensivo no curso de for-
de a “licença cultural”. Em 1939, com a extinção da UDF mação profissional, além das aulas teóricas deverá constar de aulas
e a anexação de seus cursos à Universidade do Brasil, a práticas de laboratório ou de investigações, de seminários (círculos
Escola voltava a ser integrada ao Instituto de Educação. de debate) e excursões, com o fim de estimular e desenvolver a inicia-
Movimento semelhante ocorreu em São Paulo com tiva individual dos alunos, o espírito e o gosto de observação pessoal
a reforma realizada por Fernando de Azevedo e con- e o hábito de leitura.”
substanciada no Decreto 5.884, de 21/4/1933 (Código 8
Em tais circunstâncias, nas antigas escolas normais, depois
de Educação). O curso normal, que então era de quatro Institutos de Educação, tiveram origem os estudos pedagógicos de

Revista Brasileira de Educação 73


Leonor Maria Tanuri

logia e higiene da criança, estudo do crescimento da tenha sido responsável pelo sucesso na implementação
criança, higiene da escola; Sociologia (3a seção): fun- das novas idéias, como ocorreu, por exemplo, com Lou-
damentos da sociologia, sociologia educacional, inves- renço Filho, quando diretor do Instituto de Educação do
tigações sociais em nosso meio. Distrito Federal, de 1932 a l937 (Vidal, 1995). Obser-
Estava definido o modelo a ser adotado progressi- vações de alguns pesquisadores sugerem discrepância
vamente por outras unidades da Federação, configuran- entre a prescrição legal e aquilo que foi realmente
do-se as grandes linhas que informariam a organização implementado (Brzezinski, 1987, p. 114-117; Canezin
dos cursos de formação de professores até a Lei 5.692/ & Loureiro, 1994, p. 90).
72. A medida adotada inicialmente pelo Distrito Fede- À medida que a educação ganhava importância
ral e por São Paulo, no sentido de excluir o conteúdo de como área técnica, diversificavam-se as funções educa-
formação geral das escolas normais, substituindo-o pela tivas, surgindo cursos especificamente destinados à pre-
exigência do curso secundário fundamental como con- paração de pessoal para desempenhá-las. Cursos regu-
dição para ingresso, já estava instituída, por volta de lares de aperfeiçoamento do magistério e de formação
1940, nos estados de: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito de administradores escolares apareceram, nos primei-
Santo, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná, ros anos da década de 1930, no estado de São Paulo e
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio no Distrito Federal e, posteriormente, em outras unida-
Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe, conforme des da Federação, como no Rio Grande do Sul, em Per-
levantamento feito por Iris Barbieri (1973, p. 93). Com nambuco, na Bahia, em Minas Gerais, em Sergipe, no
isso, a preocupação central do currículo da escola nor- Ceará, no Maranhão, no Rio de Janeiro (Barbieri, 1973,
mal deslocava-se dos “conteúdos” a serem ensinados – p. 97-100). Na Paraíba, Mello (l956, p. 132) registra a
o que caracterizou os primórdios da instituição – para criação de um curso de aperfeiçoamento para adminis-
os métodos e processos de ensino, valorizando-se as cha- tradores escolares e outro para professores (Decreto-
madas “Ciências da Educação”, especialmente as con- Lei de 11/8/1942), ambos com grande freqüência de edu-
tribuições da Psicologia e da Biologia. Encontra-se nos cadores de todo o estado, diretores de grupos escolares
documentos legais dessas reformas a presença de dispo- e inspetores técnicos de ensino. Com a criação do Insti-
sitivos indicadores de idéias da escola renovada, relati- tuto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) em 1938,
vas ao atendimento às possibilidades biopsicológicas da esse órgão passou a contemplar as necessidades de qua-
criança, à adequação do currículo às características do lificação de pessoal para a administração escolar, ofe-
meio social, ao tratamento das matérias escolares como recendo cursos para diretores e inspetores comissionados
instrumentos de ação e não como fins em si mesmas, à pelos estados.
importância dos processos intuitivos, da observação di- Ademais, em 1939 surgia o curso de Pedagogia,
reta, da atividade do aluno, do método analítico para o inicialmente criado na Faculdade Nacional de Filosofia
ensino da leitura. Entretanto, parece questionável a pe- da Universidade do Brasil (Decreto 1.190, de 4/4/1939),
netração intensiva dessas idéias na prática pedagógica visando à dupla função de formar bacharéis, para atuar
cotidiana, o que só poderia ser evidenciado por pesqui- como técnicos de educação, e licenciados, destinados à
sas específicas, como a realizada por Vidal (l995). É docência nos cursos normais. Iniciava-se um esquema
possível que a presença atuante de importantes repre- de licenciatura que passou a ser conhecido como “3 + 1”,
sentantes do movimento renovador em alguns sistemas ou seja, três anos dedicados às disciplinas de conteúdo –
no caso da Pedagogia, os próprios “fundamentos da edu-
nível superior no Brasil. Alguns autores (Antunha, 1974, p. 105) re-
cação” – e um ano do curso de Didática, para a forma-
lacionam a essa origem o desprestígio dos estudos superiores de edu- ção do licenciado (Silva, 1999).
cação, ou seja, o fato de que seus primeiros docentes eram antigos Uma tendência importante nas décadas de 1930 e
professores do curso normal, elevados, com as respectivas cadeiras, 1940 atingiu particularmente o ensino normal. Trata-se
ao nível superior. do movimento ruralista – oriundo já do final da segunda

74 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

década –, com propostas e iniciativas no sentido de ajus- bora assinada logo após o final da ditadura Vargas, havia
tar os currículos da escola primária e normal às peculia- sido gestada sob a mesma inspiração anterior, apresen-
ridades do meio. Buscava-se utilizar a escola para re- tando, entretanto, uma orientação menos centralizadora
forçar os valores rurais da civilização brasileira, para do que aquela que havia presidido à elaboração dos ante-
criar uma consciência agrícola e assim se constituir num projetos originais.9 Na avaliação de Mascaro (1956,
instrumento de fixação do homem ao campo. Com vis- p. 16), “de orgânico para o ensino normal (ela) trouxe
tas à preparação de professores especializados para o exclusivamente o sentido que ao termo foi emprestado
magistério na zona rural, defendeu-se a criação de “es- pelo longo período ditatorial, durante o qual organicidade
colas normais rurais”, cuja denominação expressava não foi, bastas vezes, confundida com uniformidade”.
apenas a localização da escola em zonas agrícolas e Aliás, já a I Conferência Nacional de Educação,
pastoris, mas sobretudo o objetivo de transmitir conhe- convocada pelo governo federal em 1941, evidenciou
cimentos de agronomia e higiene rural. Em 1934, insta- preocupações relativas à ausência de normas centrais
lava-se a primeira escola normal rural em Juazeiro, no que garantissem uma base comum aos sistemas estaduais
Ceará, por atuação de Moreira de Souza, iniciativa essa de formação de professores. Num Parecer apresentado
adotada posteriormente em outros estados, como Ala- pela Comissão do Ensino Normal, propunha-se o esta-
goas, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Rio Grande do Sul. belecimento de normas que, mediante a exigência de
Contribuíram para inspirar tais iniciativas as idéias provas complementares ou estágios, garantissem: “a) a
divulgadas por Sud Menucci no estado de São Paulo, transferência de alunos entre os estabelecimentos ofi-
das quais resultou, já em 1933, o decreto de criação de ciais de ensino normal do mesmo tipo ou de tipo equiva-
uma escola normal rural em Piracicaba, escola esta que lente; b) o registro no Ministério de Educação dos di-
não logrou instalação na época. As escolas normais ru- plomas dos atuais professores normalistas por escolas
rais seriam acolhidas pela Lei Orgânica do Ensino Nor- oficiais ou reconhecidas a fim de adquirirem tais diplo-
mal, vindo a atingir considerável desenvolvimento quan- mas validade para o exercício da profissão em qualquer
titativo. Conforme informação de Lourenço Filho (1953, parte do território nacional.” O mesmo Parecer continha
p. 61), em 1951 funcionavam no país 121 “cursos nor- vários itens relativos à política de remuneração do magis-
mais regionais”, de par com as escolas normais comuns, tério, pedindo regime salarial uniforme, concessão de
então em número de 434. gratificações,“aumento razoável de vencimentos”, em fun-
O ensino normal sofreu a primeira regulamentação ção da “precária situação” (Brasil, 1946, p. 67-68).
do governo central em decorrência da orientação A Lei Orgânica do Ensino Normal não introduziu
centralizadora da administração estadonovista. A Carta grandes inovações, apenas acabando por consagrar um
outorgada em 1937 não conferia aos estados atribuição padrão de ensino normal que já vinha sendo adotado em
expressa quanto à organização de seus sistemas de ensi- vários estados. Em simetria com as demais modalidades
no – atribuição essa consagrada pela Carta de 1934 – de ensino de segundo grau, o Normal foi dividido em
mas incumbia à União a competência de “fixar as bases e dois ciclos: o primeiro fornecia o curso de formação de
determinar os quadros da educação nacional, traçando as “regentes” do ensino primário, em quatro anos, e fun-
diretrizes a que deve obedecer a formação física, intelec- cionaria em Escolas Normais Regionais; o curso de se-
tual e moral da infância e da juventude” (art. 15, inciso gundo ciclo, em dois anos, formaria o professor primá-
IX). Em consonância com essa orientação, a política edu- rio e era ministrado nas Escolas Normais e nos Institutos
cacional centralizadora traduziu-se na tentativa de regu-
lamentar minuciosamente em âmbito federal a organiza- 9
Os anteprojetos de organização do ensino primário e normal
ção e o funcionamento de todos os tipos de ensino no país, foram elaborados pela Comissão Nacional de Ensino Primário – ins-
mediante “Leis Orgânicas do Ensino”, decretos-leis fe- tituída em 1938, com o objetivo de assessorar o governo em sua ação
derais promulgados de 1942 a l946. A Lei Orgânica do centralizadora – e submetidos à I Conferência Nacional de Educa-
Ensino Normal (Decreto-Lei n. 8.530, de 2/1/1946), em- ção, convocada pelo governo federal em 1941.

Revista Brasileira de Educação 75


Leonor Maria Tanuri

de Educação. Além dos referidos cursos, os Institutos O Decreto-Lei em apreço evidencia o intento de
de Educação deveriam ministrar os cursos de especiali- dar uniformidade à formação de professores nos vários
zação de professores – para a educação especial, curso estados, especificando as condições para ingresso, re-
complementar primário, ensino supletivo, desenho e ar- gulamentando a “outorga de mandatos”, ou seja, o reco-
tes aplicadas, música e canto – bem como cursos de ad- nhecimento oficial para cursos municipais e particula-
ministradores escolares, para habilitar diretores, orien- res, a transferência de alunos e até os trabalhos escolares
tadores e inspetores. e as práticas pedagógicas. Intenção contenedora revela-
A propósito da dualidade de cursos, a “Exposição se no dispositivo que proíbe o ingresso de maiores de 25
de Motivos” da Lei Orgânica esclarecia: anos aos dois tipos de escolas normais, com o que se
impediria a qualificação do numeroso professorado lei-
Dois níveis são julgados necessários na formação do-
go que certamente excedia a esse limite de idade. A for-
cente de grau primário, em virtude das diferenças de ordem
mação de professores é encarada como objeto de uma
econômica e cultural existentes entre as várias regiões do país,
“escola profissional” e não apenas de um curso, uma
e, ainda, dentro dessas regiões, em zonas claramente determi-
vez que se exigia que cada escola normal mantivesse
nadas por essas condições. O primeiro desses níveis corres-
um grupo escolar, um jardim-de-infância e um ginásio
ponde ao ciclo inicial dos cursos de segundo grau, em quatro
oficialmente reconhecido; quanto às escolas normais
anos de estudos, e habilitará regentes do ensino primário; o
regionais, elas deveriam manter duas escolas isoladas.
outro, correspondente ao segundo ciclo desse mesmo grau, e a
As Leis Orgânicas ampliaram a reduzida articula-
fazer-se em três anos, após a conclusão do primeiro (ou após a
ção existente no ensino brasileiro, na medida em que
conclusão do ginásio), formará mestres primários. O projeto
articularam o primeiro ciclo da escola secundária com
adota essa estrutura, que é a de todas as leis orgânicas do se-
todas as modalidades de escolas de segundo ciclo, in-
gundo grau, a fim de não manter o isolamento do ensino nor-
clusive a normal. Quanto ao segundo ciclo, apenas o
mal, em relação ao plano geral de estudos vigorante no país,
secundário, como via privilegiada, possibilitava o ingres-
como até agora tem acontecido. Neste particular, deve ser ob-
so em qualquer dos cursos superiores; os segundos ci-
servado que, havendo sentido o problema dessa diferenciação
clos dos ramos profissionalizantes só se articulavam com
necessária na preparação do magistério, alguns educadores
cursos superiores a eles diretamente relacionados. No
têm propugnado pelo estabelecimento de escolas normais ru-
caso do curso normal, a articulação somente ocorria com
rais. O projeto não repudia essa maneira de ver, antes a am-
alguns cursos das Faculdades de Filosofia, sendo “pos-
plia, admitindo o estabelecimento de cursos normais regionais,
sível admitir que do ponto de vista do legislador haveria
de estrutura flexível, segundo as zonas a que devam servir, e
um caminho ‘natural’ oferecido ao professor primário:
que tanto poderão ser de sentido nitidamente agrícola como de
do ensino das crianças ao ensino dos adolescentes”
economia extrativa, ou ainda de atividades peculiares às zonas
(Mello, 1985, p. 29). As chamadas “leis da equivalên-
do litoral. (apud Lourenço Filho, 1953, p. 68-69)
cia” – Lei n. 1.076 de 31/3/1950 e Lei n. 1.821, de 12/3/
O currículo do curso de primeiro ciclo incorria nas 1953 –, atendendo a pressões no sentido de democrati-
velhas falhas que motivaram críticas às escolas normais,
ou seja, contemplava predominantemente disciplinas de
10
Conforme o art. 8o do Dec.-Lei 8.530, de 2/1/1946, era o
cultura geral, restringindo a formação profissional tão-
seguinte o currículo do curso normal de 2o ciclo: Português (1a), Ma-
somente à presença de duas disciplinas na série final:
temática (1a), Física e Química (1a), Anatomia e Fisiologia Humanas
psicologia e pedagogia, bem como didática e prática de
(1a), Música e Canto Orfeônico (1a, 2a, 3a), Desenho e Artes Aplica-
ensino. Já a escola normal de segundo ciclo, de par com das (1a, 2a, 3a), Educação Física, Recreação e Jogos (1a, 2a, 3a), Biolo-
algumas disciplinas de formação geral, introduzidas na gia Educacional (2a), Psicologia Educacional (2a, 3a), Higiene e Edu-
série inicial, contemplava todos os “fundamentos da edu- cação Sanitária (2a), Higiene e Puericultura (3a), Metodologia do En-
cação” que já haviam conquistado um lugar no currícu- sino Primário (2a, 3a), Sociologia Educacional (3a), História e Filoso-
lo, acrescidos da metodologia e da prática de ensino.10 fia da Educação (3a), Prática de Ensino (3a).

76 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

zar o sistema, estabeleceram a equivalência de todas as A reorganização dos sistemas estaduais no sentido
modalidades de cursos de nível médio, inclusive o nor- de adequá-los à Lei Orgânica deu-se paralelamente ao
mal, ainda dependente da prestação de exames de com- considerável surto de crescimento das escolas normais, que
plementação do ensino secundário. A equivalência com- acompanha a política expansionista da rede escolar
pleta só viria com a Lei de Diretrizes e Bases, mas já implementada no período desenvolvimentista em decor-
estava, no dizer de Anísio Teixeira (1966, p. 282), “dado rência da ampliação da demanda. Tal crescimento era de-
o passo para a sua descaracterização como curso vido sobretudo à iniciativa privada, além do que distri-
vocacional de habilitação ao magistério primário”. buía-se desigualmente pelo país. Observe-se, por exemplo,
Poucos meses depois de aprovada a Lei Orgânica que das 546 escolas normais (de primeiro e segundo ci-
do Ensino Normal, a Constituição promulgada em 1946 clos) arroladas em publicação oficial do INEP em 1951,
retomava a orientação descentralista e liberal da Carta 258 estavam concentradas em apenas dois estados: São
de 1934, atribuindo aos estados e ao Distrito Federal a Paulo e Minas Gerais, enquanto alguns estados como
competência expressa de “organizar os seus respectivos Maranhão, Sergipe e Rio Grande do Norte possuíam ape-
sistemas de ensino”, respeitadas as “diretrizes e bases” nas duas escolas normais cada um. Dessas 546 escolas,
fixadas pela União. Em tais circunstâncias, dada a tra- apenas 168 eram públicas estaduais, sendo 378 particula-
dicional descentralização dos ensinos primário e nor- res ou municipais (Brasil, 1951). As 125 escolas existen-
mal, os estados conservaram, como sempre ocorrera, li- tes em São Paulo, em 1951, elevaram-se para 272 já em
berdade de atuação para regulamentar essas modalidades 1956, sendo 147 particulares e 17 municipais (Mascaro,
de ensino. Entretanto, a grande maioria dos estados to- 1956, p. 38). Quanto às matrículas em todo o país, das
mou a referida Lei Orgânica como modelo para reorga- 27.148 registradas em 1945, elas cresceram para 70.628
nização de suas escolas normais, o que contribuiu para em 1955, 220.272 em 1965, atingindo 347.873 em 1970
que se consolidasse em todo o país um padrão seme- (Brzezinski, 1987, p. 123). Não obstante, tais números
lhante de formação, ainda que diversificado em dois ní- encontravam-se muito aquém das necessidades reais do
veis de escolas. Apenas São Paulo e Bahia fugiriam ao país. O Censo Escolar de 1964 iria revelar que dos 289.865
modelo federal e constituiriam sistemas que, em reali- professores primários em regência de classe em 1964, ape-
dade, não possuíam diferenças marcantes em relação à nas 161.996, ou seja, 56%, tinham realizado curso de for-
referida Lei (Brasil, 1951, p. 32). Também é importante mação profissional. Dos 44% de professores leigos,
destacar que a dualidade de instituições formadoras foi 71,60% tinham apenas curso primário (completo ou in-
mantida pela maioria dos estados, com exceção de Ala- completo); 13,7%, ginasial (completo ou incompleto);
goas, São Paulo, Sergipe e do Amazonas, e também do 14,6%, curso colegial (completo ou incompleto) (Brasil,
Distrito Federal, neste último caso por imposição do 1967). Os dados evidenciavam que o problema não pode-
próprio Decreto-Lei 8.530 (Brasil, 1951, p. 34). ria ser tratado em termos nacionais, já que os vários esta-
Uma iniciativa original e pioneira deve ser regis- dos apresentavam situação diversa quanto à questão.
trada com a reforma goiana de l959, quando se cria, ao Nos estados onde o crescimento das escolas nor-
lado dos cursos normais primários e secundários, um mais foi mais acentuado apareceram críticas contunden-
curso normal superior no Instituto de Educação da capi- tes ao seu funcionamento. Em São Paulo, por exemplo,
tal do estado, com duas séries, para formar professores Mascaro aponta o despreparo dos ingressantes, oriun-
primários. Tal curso – com o currículo praticamente idên- dos de quaisquer dos cursos técnicos ou secundário de
tico ao dos cursos de Pedagogia da época – chegou a primeiro ciclo; o regime didático pouco exigente com
funcionar por dois anos, quando a lei que o criou foi relação à avaliação do aproveitamento e à promoção; a
declarada inconstitucional, com base no argumento de falta de articulação entre as “cadeiras”; a facilidade na
que era exclusiva competência das Faculdades de Filo- concessão de equiparações e o controle ineficiente da
sofia a formação de professores em nível superior rede privada; a criação de cursos normais noturnos, com
(Brzezinski, 1987; Canezin & Loureiro, 1994). o mesmo modelo pedagógico dos diurnos; o desvirtua-

Revista Brasileira de Educação 77


Leonor Maria Tanuri

mento das finalidades profissionais das escolas normais, so país. Os multiplicadores considerados adequados a
resultante em parte das medidas recentes relativas à equi- disseminar as inovações seriam os professores que atu-
valência dos cursos médios e do “excesso de escolas”, avam nas escolas incumbidas da formação do professor
que levava o autor a criticar a “maior rede mundial de primário: as Escolas Normais”. Instalado o Centro Pilo-
escolas normais” e o “chômage” de professores (Mas- to em Belo Horizonte, cursos para professores de esco-
caro, 1956). Aliás, o desvirtuamento das finalidades pro- las normais oficiais de todo o país constituíram, segun-
fissionais das escolas normais, ao lado do reconheci- do informam as autoras mencionadas, uma das atividades
mento das funções “paradomésticas” – na expressão de sistemáticas mais importantes do Programa. Procuran-
Luiz Pereira – e da ampliação da função preparatória, do respostas para os problemas do ensino primário no
foi objeto não apenas de críticas de estudiosos e políti- âmbito das questões técnicas e metodológicas, o
cos da educação, como também de diversas pesquisas PABAEE contribuiu para o estabelecimento da perspec-
na época.11 tiva tecnicista que faria carreira nos anos 60 e 70.
A preocupação com a metodologia do ensino – her- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
dada do ideário escolanovista – continuava a se fazer (Lei 4.024, de 20/12/1961) não trouxe soluções inovado-
presente. Na euforia desenvolvimentista dos anos 50, as ras para o ensino normal, conservando as grandes linhas
tentativas de “modernização” do ensino, que ocorriam da organização anterior, seja em termos de duração dos
na escola média e na superior, atingem também o ensino estudos ou de divisão em ciclos. Registre-se apenas a equi-
primário e a formação de seus professores. Assim, me- valência legal de todas as modalidades de ensino médio,
rece referência a atuação desenvolvida pelo Programa bem como a descentralização administrativa e a flexibili-
de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elemen- dade curricular, que possibilitariam o rompimento da uni-
tar (PABAEE), de 1957 a l965 – resultante de acordo formidade curricular das escolas normais.
entre o MEC/INEP e a USAID –, cujo objetivo prioritário As reformas estaduais das escolas normais, com
foi inicialmente a instrução de professores das escolas vistas a ajustá-las à nova Lei, limitaram-se principal-
normais, no âmbito das metodologias de ensino, e com mente a alterações curriculares. A maioria dos estados
base na psicologia, objetivo esse que se estendeu tam- conservou o sistema dual, com escolas normais de nível
bém ao campo da supervisão e do currículo, com vistas ginasial, com quatro séries no mínimo, e as de nível co-
a atingir ocupantes de postos de liderança, que pudes- legial, com três séries no mínimo, certamente em face
sem ter uma ação multiplicadora de maior abrangência. da insuficiente quantidade de candidatos qualificados
Conforme ressaltam Paiva e Paixão (1997, p. 43), “mo- para a docência no ensino primário. Apenas Sergipe,
dernizar o ensino primário é, na perspectiva do Progra- Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Guanabara e
ma, trazer para o Brasil as inovações no campo da Distrito Federal utilizaram-se somente de escolas de se-
metodologia das áreas de ensino existentes nos Estados gundo ciclo de grau médio para preparação de seus pro-
Unidos e procurar adaptá-las às especificidades de nos- fessores primários (Tanuri, 1970).
Como a Lei de Diretrizes e Bases fixou apenas pa-
drões mínimos de duração para os dois tipos de cursos,
11
Pesquisa realizada em 1960 por Aparecida Joly Gouveia, nos
aos Conselhos Estaduais caberia a iniciativa de esten-
estados de São Paulo e Minas, indicava as seguintes expectativas das
der esse mínimo, nas proporções desejadas. Com refe-
normalistas para o ano seguinte ao da formatura: 38% pretendiam
rência ao curso ginasial, a grande maioria dos estados
lecionar; 29%, continuar os estudos; 12%, lecionar e continuar os
manteve-se nos estritos limites da duração mínima, com
estudos; 7%, dedicar-se exclusivamente ao lar; 6%, seguir outra pro-
fissão; 8% apresentaram a resposta “não sei” (Gouveia, 1965). Da-
exceção apenas dos estados de Pernambuco, Minas e
dos semelhantes foram obtidos por Luiz Pereira (1963) em pesquisa Paraíba, que ampliaram a duração de seus cursos para
realizada em 1960 no município de São Paulo, e pela pesquisadora cinco anos, dedicando o quinto à preparação pedagógi-
Lúcia Marques Pinheiro (1967), em 1965, em pesquisa que contem- ca mais específica. Quanto ao curso normal de nível co-
plou oito estados da Federação. legial, apesar de iniciativas de algumas unidades da Fe-

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História da formação de professores

deração no sentido de estendê-lo para quatro séries, ape- esta encarregada de oferecer as oportunidades para que
nas o estado de São Paulo logrou fazê-lo ainda antes da o aluno “vivenciasse os conhecimentos e as técnicas
Lei 5.692/71, como será especificado mais adiante. adquiridos durante o curso” (São Paulo, 1977). Da mes-
Aliás, no que diz respeito ao aumento dos estudos e ma forma que nos currículos anteriores, continuava a
à elevação do nível de formação, começam a aparecer haver um certo distanciamento em relação à realidade
iniciativas favoráveis à formação do professor primário social e educacional, resultante não somente da ausên-
em nível superior. Neste sentido, é importante destacar cia de disciplinas voltadas para a análise das questões
que o primeiro Parecer do Conselho Federal de Educa- educacionais brasileiras, como também do tratamento
ção referente ao currículo mínimo do Curso de Pedago- científico, universal, “neutro” dos demais componentes.
gia (Parecer CFE 251/62) deixa entrever que “nele se Na conjuntura histórica pós-64, as preocupações
apoiarão os primeiros ensaios de formação superior do da literatura educacional, dos conteúdos curriculares e
professor primário”, prevendo a superação próxima do dos treinamentos dos professores deslocam-se principal-
modelo de formação em nível médio nas regiões mais mente para os aspectos internos da escola, para os
desenvolvidas do país. Já o Parecer CFE 252/69, que “meios” destinados a “modernizar” a prática docente,
modifica o referido currículo mínimo, retoma essa posi- para a “operacionalização” dos objetivos – instrucionais
ção e vai mais além, procurando garantir a possibilida- e comportamentais –, para o “planejamento, e coorde-
de de exercício do magistério primário pelos formados nação e o controle” das atividades, para os “métodos e
em Pedagogia, mesmo em cursos de menor duração, que técnicas” de avaliação, para a utilização de novas tec-
realizarem estudos de Metodologia e Prática do Ensino nologias de ensino, então referentes sobretudo a “recur-
Primário. Tal medida acabou por embasar legalmente o sos audiovisuais”. Tratava-se de tornar a escola “efici-
movimento de remodelação curricular dos cursos de Pe- ente e produtiva”, ou seja, de torná-la operacional com
dagogia que viria a ocorrer nos anos 80 e 90, no sentido vistas à preparação para o trabalho, para o desenvolvi-
de ajustá-los à tarefa de preparar o professor para os mento econômico do país, para a segurança nacional. O
anos iniciais da escolaridade. referencial teórico que passa a embasar parte significa-
Em decorrência dos dispositivos da LDB pertinen- tiva da produção pedagógica, principalmente durante os
tes ao núcleo comum de currículo, obrigatório a todos anos 70 (Silva, 1991), é o da Teoria do Capital Huma-
os cursos médios, disciplinas de formação geral volta- no. Dentro dessa visão tecnicista, acentua-se a divisão
ram a ser introduzidas no curso normal, de modo a con- do trabalho pedagógico, desenvolvem-se os serviços de
tinuar o processo de elevação do nível de formação do Supervisão, iniciando-se nos cursos de Pedagogia, a par-
futuro professor. Ademais, com a atribuição aos Conse- tir da implementação do Parecer 252/1969, a formação
lhos Estaduais de fixar disciplinas complementares e dos especialistas.
arrolar optativas a serem escolhidas pelos estabeleci- Dentre as principais preocupações do período no
mentos de ensino, há um crescimento do número de dis- âmbito da escola normal, situam-se, de um lado, uma
ciplinas de formação técnico-pedagógica nos currículos alegada “descaracterização” profissional dessas esco-
das escolas normais. Relativamente ao currículo ante- las e desperdício de recursos, tendo em vista o desinte-
rior, notam-se uma diversificação das metodologias e resse de seus egressos pelo exercício do magistério (Pi-
práticas de ensino e o aparecimento de algumas discipli- nheiro, 1967 e 1969). De outro, a falta de preparo
nas novas em alguns currículos, como administração e adequado do professor da escola normal, já que as Me-
organização escolar. De um modo geral, além dos “Fun- todologias e a Prática do Ensino Primário não estavam
damentos da Educação” (psicologia, biologia, sociolo- geralmente incluídas nos currículos dos cursos de Peda-
gia, história e filosofia da educação), estavam presentes gogia até 1969 e nem mesmo se exigia dos professores
a didática e a prática de ensino, numa visão geralmente dessas disciplinas, em muitos estados, a prática docente
dicotomizada, aquela destinada a oferecer “os princí- nas várias séries do ensino primário (Pinheiro, 1967 e
pios teóricos que fundamentam a prática de ensino” e 1969). Ademais, já se começava a notar a perda da rele-

Revista Brasileira de Educação 79


Leonor Maria Tanuri

vância dos cursos normais no âmbito das instituições todos os ingressantes do segundo grau, talvez “desvian-
que levavam seu nome e dos Institutos de Educação. Na do” do curso normal os melhores alunos (Gatti &
pesquisa realizada por Lúcia Marques Pinheiro em 1965, Bernardes, 1977; Gatti et al., 1977).
em oito estados da Federação, a autora observa: “As O curso normal então disponível começava a se
escolas normais, e com freqüência os próprios Institutos descaracterizar como instância adequada para forma-
de Educação, vêm funcionando como simples curso a ção do professor das séries iniciais, processo esse que
mais, sem maior significação, dentro de um conjunto de se acentuaria progressivamente com as mudanças de-
cursos médios. Assim, de 84 escolas normais de nossa correntes da legislação do regime militar e com a dete-
amostra só duas funcionam em condições administrati- rioração das condições de trabalho e de remuneração
vas gerais para constituir uma escola profissional, com que acompanharam o processo de expansão do ensino
a necessária autonomia e condições mínimas de instala- de primeiro grau.
ções” (Pinheiro, 1967, p. 158).
Ainda durante o período de vigência da Lei 4.024/ A descaracterização do modelo
61, cumpre destacar a reforma do ensino secundário e
normal realizada no estado de São Paulo em 1968, du- Entre as reformas do regime militar, a reordenação
rante a administração Ulhoa Cintra (Decreto 50.133, de do ensino superior, decorrente da Lei 5.540/68, teve como
20/8/68). Com vistas a adiar o momento da opção pelo conseqüência a modificação do currículo do curso de
curso normal e possibilitar a ampliação dos estudos de Pedagogia, fracionando-o em habilitações técnicas, para
formação geral, a reforma unificou os dois primeiros anos formação de especialistas, e orientando-o tendencialmen-
do curso secundário e normal, organizou uma terceira te não apenas para a formação do professor do curso
série diversificada por áreas (artes, ciências adminis- normal, mas também do professor primário em nível
trativas, ciências humanas, ciências físicas e biológi- superior, mediante o estudo da Metodologia e Prática de
cas, letras e educação) e criou uma quarta série dedicada Ensino de 1o Grau.
especificamente às disciplinas profissionalizantes da A Lei 5.692/71, que estabeleceu diretrizes e bases
educação, elevando a duração dos estudos para o prepa- para o primeiro e o segundo graus, contemplou a escola
ro do professor (Azanha, s.d.; Campos, 1987). normal e, no bojo da profissionalização obrigatória ado-
Com isso, pretendia o reformador sustar o cresci- tada para o segundo grau, transformou-a numa das ha-
mento da procura pelo curso normal bem como a expan- bilitações desse nível de ensino, abolindo de vez a pro-
são desordenada de sua rede de escolas, com conseqüente fissionalização antes ministrada em escola de nível
deterioração do nível e da qualidade do ensino. Preten- ginasial. Assim, a já tradicional escola normal perdia o
dia, ainda, resolver o problema da opção precoce e for- status de “escola” e, mesmo, de “curso”, diluindo-se
necer uma sólida cultura geral que aumentasse a matu- numa das muitas habilitações profissionais do ensino de
ridade e o discernimento para o estudo das ciências segundo grau, a chamada Habilitação Específica para o
humanas e pedagógicas. A reforma parece ter atingido Magistério (HEM). Desapareciam os Institutos de Edu-
seus objetivos quantitativos, no que diz respeito à dimi- cação e a formação de especialistas e professores para o
nuição da procura pelo curso normal, cujas matrículas curso normal passou a ser feita exclusivamente nos cur-
caíram drasticamente, de 93.762 em 1968, para 12.856 sos de Pedagogia.
em 1971 (Campos, 1987, p. 88). Entretanto, apesar dos A nova Lei adotava, pela primeira vez, um esquema
intentos do reformador pertinentes à valorização do curso integrado, flexível e progressivo de formação de profes-
normal, pesquisas realizadas poucos anos depois indi- sores. Assim, o artigo 29 estabelecia: “a formação de
cavam o agravamento das deficiências referentes à for- professores e especialistas para o ensino de 1o e 2o graus
mação profissional do professor e o baixo nível cultural será feita em níveis que se elevem progressivamente,
e intelectual de sua clientela, para o que a reforma pode ajustando-se às diferenças culturais de cada região do
ter concorrido ao encaminhar para o colegial integrado país e com orientação que atenda aos objetivos específi-

80 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

cos de cada grau, às características das disciplinas, áreas e 4a séries, em 5a e 6a, entre outras, com conteúdos cor-
de estudo e às fases de desenvolvimento dos educandos”. respondentes a cada uma delas. No estado de São Paulo,
Em tais circunstâncias, a Lei determinava como forma- por exemplo, o tipo de estrutura adotada – com a 4a sé-
ção mínima para o exercício do magistério: a) no ensino rie destinada ao aprofundamento de estudos para o ma-
de 1o grau, da 1a à 4a séries, habilitação específica de 2o gistério na pré-escola, na 1a e 2a séries, ou na 3a e 4a –
grau, realizada no mínimo em três séries; b) no ensino de favoreceu a procura quase exclusiva da opção relativa
1o grau, da 1a à 8a séries, habilitação específica de grau ao magistério na pré-escola, então em expansão, já que
superior, representada por licenciatura de curta duração; essa opção conferia também o direito de exercer o ma-
c) em todo o ensino de 1o e 2o graus, habilitação específi- gistério nas quatro primeiras séries do primeiro grau.
ca de nível superior, correspondente à licenciatura plena. Tal situação acabou por excluir, de fato, do currículo,
Estudos adicionais de um ano, realizados em instituições componentes instrumentais importantes, relativos à
de ensino superior, poderiam qualificar os habilitados em metodologia da alfabetização e da matemática, os quais
2o grau ao exercício do magistério até a 6a série. Da mes- não integravam a opção magistério na pré-escola. A re-
ma forma, os portadores de licenciatura curta, mediante ferida estrutura foi severamente criticada, vindo a ser
estudos adicionais, poderiam exercer o magistério até a alterada a partir de 1987 (Del. CEE 15/87 e Res. SE 15/
2a série do segundo grau (art. 30). Admitiam-se ainda, 88) (Tanuri, 1988).
em caráter suplementar e a título precário, outras possi- Essa fragmentação do curso refletia a tendência
bilidades para se atender às necessidades de professores tecnicista, que acabou por conduzir a uma grande diver-
legalmente habilitados. Entretanto, apesar do caráter fle- sificação de disciplinas, específicas de cada habilitação –
xível e progressivo das soluções propostas, ressalta Gatti por exemplo, Psicologia da Criança, Psicologia do De-
(1997, p. 10) que “pouco disto se concretizou e muito se senvolvimento do Pré-Escolar, Problemas da Aprendi-
burocratizou pelas normatizações subseqüentes, quer em zagem –, e a um evidente prejuízo no que diz respeito às
nível federal, quer em nível estadual”. questões concretas da escola de 1o grau. Como o ingres-
No que diz respeito ao currículo da HEM, este de- so na HEM passou a dar-se, via de regra, na segunda
veria apresentar um núcleo comum de formação geral, série, reduziu-se a carga horária destinada às discipli-
obrigatório em âmbito nacional – composto de discipli- nas pedagógicas, esvaziando-se a habilitação em termos
nas da área de comunicação e expressão, estudos so- de conteúdo pedagógico consistente (Mello et al. 1983,
ciais e ciências – e uma parte de formação especial. Esta, 1985; Pimenta & Gonçalves, 1990, p. 108). Inúmeros
conforme explicita o Parecer CFE 349/72, seria consti- trabalhos sobre o assunto são unânimes em apontar o
tuída de fundamentos de educação (aspectos biológicos, “esvaziamento”, a “desmontagem”, a “desestruturação”,
psicológicos, sociológicos, históricos e filosóficos da a “perda de identidade” ou a “descaracterização” sofri-
educação), estrutura e funcionamento do ensino de 1o da pela escola normal no período, tendo-se vislumbrado
grau, bem como didática, incluindo prática de ensino. inclusive sua “desativação” nos anos imediatamente pos-
Assim, com exceção de estrutura e funcionamento do teriores à reforma, devido à queda considerável da pro-
ensino de 1o grau, que acrescentava ao conjunto o co- cura, ao fechamento de inúmeros cursos, paralelamente
nhecimento das questões pertinentes ao ensino de pri- ao descaso de políticas nacionais e estaduais (Mello et
meiro grau no contexto da realidade educacional brasi- al. 1983; Mello et al. 1985; Gatti, 1987; Lelis, 1989,
leira, as demais matérias não trouxeram praticamente Santiago, 1994). Na pesquisa realizada por Mello et al.
qualquer alteração em termos de conteúdo a ser con- (1985) em escolas de 2o grau e superiores do estado de
templado no currículo. Entretanto, muito ao gosto do São Paulo, as autoras mostram que nas escolas públicas
período, previa-se a possibilidade do fracionamento do o curso normal “descaracterizou-se”, passando a HEM
curso em habilitações específicas, em três ou quatro sé- a ser uma opção “menor”, com classes maiores no pe-
ries, ou seja, a habilitação para o magistério em escolas ríodo noturno, redução do número de disciplinas de
maternais e jardins-de-infância; em 1a e 2a séries; em 3a instrumentação pedagógica para o primeiro grau, empo-

Revista Brasileira de Educação 81


Leonor Maria Tanuri

brecimento e desarticulação de conteúdos, grande dis- delos escolares não é analisado mais em função de abor-
persão de disciplinas e fragmentação do currículo. dagens psicológicas ou tecnicistas, ou de aspectos ex-
Trabalho publicado pelo antigo CENAFOR em clusivamente legislativos ou técnicos. Muitos dos tra-
1986 sintetiza bem o teor das críticas que a HEM rece- balhos já buscam situar a formação do professor no
bia no período: contexto sócio-histórico onde ela se insere, no intento
de destacar os determinantes dessa formação e de
Dispersa no meio de tantas outras, a habilitação ao ma-
adequá-la à função da escola, de formação de cidadãos
gistério assumiu caráter propedêutico e descaracterizou-se: se
críticos e competentes (Silva, 1991).
antes de 1971 o curso era acusado de hipertrofiar os aspectos
O agravamento nas condições de formação do pro-
instrumentais, em detrimento do conteúdo básico, geral e es-
fessor em âmbito nacional, a queda nas matrículas da
pecífico, hoje ele não trata adequadamente qualquer desses
HEM e o descontentamento relativamente à desvalori-
aspectos. O magistério continua entre as habilitações fracas
zação da profissão levariam a um movimento em âmbi-
em conteúdo científico, ao mesmo tempo que abriu mão de
to federal e estadual, com discussão de projetos de estu-
suas antigas exigências em relação aos aspectos instrumen-
do, pesquisas e propostas de ação freqüentemente
tais. A antiga sistemática de formação do magistério primário
denominados de “revitalização do ensino normal”, pro-
em escolas normais foi destruída e, em seu lugar, nasceu um
piciando iniciativas por parte do Ministério de Educa-
padrão em quase tudo incompetente. A habilitação para o
ção e de Secretarias Estaduais no sentido de propor me-
magistério não forma nem para aquilo que seria minimamente
didas para reverter o quadro instalado.
necessário ao professor da escola elementar: a capacidade de
Entre as propostas do MEC, destaque-se primeira-
ensinar a ler, escrever e calcular. (CENAFOR, 1986, p. 25)
mente a referente ao projeto dos Centros de Formação e
Além do já mencionado, outras críticas contunden- Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), elaborado em
tes que as HEMs receberam no período diziam respeito: 1982 pela antiga Coordenadoria do Ensino Regular de
à dicotomia entre teoria e prática, entre conteúdo e mé- Segundo Grau do MEC e divulgado junto às Secretarias
todo, entre núcleo comum e parte profissionalizante; à de Educação. O projeto tinha por objetivo redimensionar
inexistência de articulação entre o processo de forma- as escolas normais, dotá-las de condições adequadas à
ção e a realidade do ensino de 1o grau; ao desprestígio formação de profissionais com competência técnica e
social do curso e à sua inconsistência em matéria de con- política e ampliar-lhes as funções de modo a torná-las
teúdo; à inadequação dos docentes ao curso, em termos um centro de formação inicial e continuada para profes-
de formação, tendo em vista a inexperiência de muitos sores de educação pré-escolar e para o ensino das séries
deles no ensino de 1o grau e a necessidade de assumirem iniciais (Cavalcante, 1994; São Paulo, 1992).
várias disciplinas; à insuficiência e à inadequação dos O projeto foi implantado inicialmente em 1983, com
livros didáticos; aos problemas pertinentes à realização apoio técnico e financeiro do Ministério, em seis unidades
do estágio de Prática de Ensino. A esse respeito, apesar da Federação: Rio Grande do Sul, Minas, Alagoas, Piauí,
de toda a proclamação a respeito da função integradora Pernambuco e Bahia, num total de 55 Centros. Em l987,
da Prática de Ensino e das prescrições legais no sentido por intermédio do projeto “Consolidação e Expansão dos
de que ela incluísse a observação, a participação e a CEFAMs”, os Centros foram estendidos a mais nove es-
regência, eram comuns as referências de que os estágios tados: Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
em geral se restringiam à observação e de que vinham Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pará, Goiás e São
sendo cumpridos apenas formalmente. Paulo, de modo a atingir 120 unidades em 1987. Em 1991
Parte significativa dessas críticas resultava numa já existiam 199 Centros em todo o país, com 72.914 ma-
produção acadêmica que, a partir dos anos 80, já se ba- trículas. Mediante o projeto “Bolsas de Trabalho para o
seia cada vez mais numa análise de cunho sociológico, Magistério”, foram asseguradas bolsas para garantir o
principalmente no quadro das teorias do conflito e teo- tempo integral dos alunos e seu trabalho de monitoria nas
rias críticas em geral, de modo que o fracasso dos mo- séries iniciais do ensino fundamental. Com a descontinui-

82 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

dade desse projeto no âmbito do MEC, as bolsas passa- não chegou a ser completada. Certamente a descontinui-
ram a ser financiadas, em alguns estados, com recursos dade administrativa no Ministério de Educação – onde
dos respectivos governos (Cavalcante, 1994). cinco titulares ocuparam a pasta de 1985 a 1989 – difi-
Baseando-se em relatórios das Secretarias da Edu- cultou a implementação contínua e efetiva de programas
cação envolvidas no projeto CEFAM e em observação adequados à melhoria da formação docente.
participante, Cavalcante (l994) identifica ações que con- Entre as ações desencadeadas pelo MEC, por meio
sidera avanços no sentido da melhoria da qualidade do de sua Coordenadoria de Ensino de Segundo Grau, tam-
ensino, como: enriquecimento curricular; articulação bém merece menção o convênio firmado com o CENAFOR
entre as disciplinas; exame seletivo para ingresso ao para desenvolvimento do Projeto “Habilitação ao Ma-
curso de formação, com início da habilitação já a partir gistério: implementação de nova organização curricu-
da 1a série do segundo grau; trabalho co-participativo lar”, que previa:
com as universidades e com o ensino pré-escolar e de 1o
a) proposta de reformulação curricular da Habilitação
grau; desenvolvimento de pesquisa-ação nas áreas de
Magistério; b) conjunto de documentos que explicitassem a
alfabetização e matemática; trabalho coletivo no plane-
proposta curricular e subsidiassem as Secretarias Estaduais
jamento e na execução do currículo; funcionamento em
para a implantação da mesma; c) materiais técnico-pedagógi-
tempo integral, com um período dedicado às atividades
cos para a orientação dos professores na implantação da pro-
regulares do currículo e outro às de enriquecimento e
posta. (Libâneo & Pimenta, 1987, p. 1)
estágio; recuperação ou criação de escolas de aplica-
ção; remodelação dos estágios, de modo a funcionarem Com a extinção do CENAFOR, o referido projeto
como atividade integradora. Muitas dessas característi- ficou inconcluso, sendo retomado mediante novo convê-
cas são apontadas também no CEFAM de Pernambuco, nio com a PUC/SP, que englobou também o currículo do
conforme registro de Santiago (1994), e nos CEFAMs núcleo comum. O novo projeto – sob a denominação de
de São Paulo, segundo avaliação conduzida pela Secre- “Revisão Curricular da Habilitação Magistério: núcleo
taria Estadual de Educação (São Paulo, 1992; Silveira, comum e disciplinas da habilitação” – foi desenvolvido
1996). Por outro lado, os referidos trabalhos apontam sob a coordenação dos professores José Carlos Libâneo e
que muitos centros não haviam conseguido ampliar suas Selma Garrido Pimenta, do qual resultou a produção de
funções para contemplar ações de aperfeiçoamento dos 25 livros didáticos para as disciplinas do núcleo comum
professores e de educação continuada em geral. Tam- do ensino de segundo grau e da Habilitação Magistério.
bém não houve qualquer política com vistas ao aprovei- Essa variedade de ações no âmbito da formação de
tamento dos egressos nas redes públicas (São Paulo, professores não foi exclusiva da esfera federal. No âm-
1992; Naoum, 1998). Esses parecem ser os aspectos mais bito das Secretarias Estaduais de Educação uma série
prejudicados do projeto. de esforços foram feitos tanto no que diz respeito a “trei-
Projetos complementares e paralelos ao CEFAM, namentos em serviço”, quanto à adequação da legisla-
com o objetivo de dar continuidade às suas ações e ção, procurando corrigir as falhas apontadas a partir da
fortalecê-las, foram iniciados pelo MEC mas não tive- prática. Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria de-
ram continuidade.12 Mesmo uma avaliação geral adequa- senvolveu uma série de ações de 1982 a 1988 (São Pau-
da do projeto CEFAM, iniciada pelo antigo CENAFOR, lo, 1987), que culminou com a reforma da HEM (Del.
CEE 30/87 e Res. SE 5/88), modificando-se a sua es-
12
trutura básica de conformidade com algumas medidas
Mencionem-se, por exemplo, os projetos “Normalista” e “Aju-
dando a Vencer”. O primeiro visava a apoiar financeiramente os alu-
consensuais entre os educadores. Assim, eliminou-se a
nos do CEFAM para a realização de estágios nas escolas de 1o grau. compartimentação no interior do curso, organizando-o
O segundo visava a preparar estudantes do CEFAM para a prática da em um só bloco, com vistas à preparação do professor
alfabetização, através de sistema monitorado de estágio nas 1as e 2as da pré-escola à 4a série do 1o grau; procurou-se resgatar
séries das escolas públicas (São Paulo, 1992; Cavalcante, 1994). a especificidade do curso, definindo-se seu início já a

Revista Brasileira de Educação 83


Leonor Maria Tanuri

partir da 1a série do 2o grau; recuperou-se a unidade de da identidade profissional de todo profissional da edu-
alguns componentes curriculares, antes fragmentados em cação”, ou seja, de que o curso de Pedagogia deve se
função dos “aprofundamentos”; ampliou-se o conteúdo encarregar da formação para a docência nos anos ini-
destinado à instrumentação pedagógica. Ademais, fixa- ciais da escolaridade e da formação unitária do pedagogo
ram-se instruções minuciosas explicitando-se a neces- (Silva, C.S.B., 1999; ANFOPE, 1999). Aliás, bem ou
sidade de contextualizar o ensino, de articular o conteú- mal, essa é a prática que vem ocorrendo na maioria das
do das diversas disciplinas, de tornar efetiva a prática instituições de ensino superior do país.
de ensino. Tais medidas foram incorporadas também aos Acrescente-se, finalmente, que experiências relati-
cursos dos CEFAMs, iniciados em 1988, acrescentan- vas à formação, em nível superior, de professores para o
do-se a elas “medidas especiais” já historicamente início da escolaridade vêm-se desenvolvendo pontual-
reivindicadas: a presença de um coordenador pedagógi- mente na última década, em alguns estados do país, em
co em cada unidade; o pagamento de horas-atividade e Institutos Superiores de Formação de Professores. Em-
horas de trabalho pedagógico aos docentes; a disponibi- bora em escala reduzida, tais experiências devem ser
lidade de maiores recursos materiais e didáticos. registradas como reflexo das preocupações pertinentes
Finalmente, ao esforço desenvolvido para melho- à melhoria da qualidade da formação e como tendência
rar a formação dos professores para as séries iniciais cada vez mais destacada de elevar essa formação ao ní-
deve ser acrescentada a progressiva remodelação pela vel superior. Aliás o Programa de Valorização do Ma-
qual passou o Curso de Pedagogia a partir dos anos 80, gistério implementado durante a gestão Murilo Hingel,
de modo a procurar adequar-se também à preparação do pela Secretaria do Ensino Fundamental do MEC, teve
professor para as séries iniciais, tarefa essa que vinha uma de suas linhas de ação – no âmbito do Programa de
desempenhando sem estar devidamente instrumentado. Cooperação Educativa Brasil-França – dedicada a apoiar
Antes centrados sobretudo nas ciências básicas da edu- a implantação de Institutos Superiores de Formação de
cação, tais cursos vieram a incorporar, depois de 1969, Professores para a educação infantil e séries iniciais do
a Teoria e Prática do Ensino Primário, na Habilitação ensino fundamental, vinculados ou não a universidades
Magistério para o ensino de 2o grau. Entretanto, essa estaduais ou federais, prioritariamente para professores
habilitação passou a visar também ao preparo dos pro- em exercício. Experiências nesse sentido foram inicia-
fessores para as séries iniciais – conforme aliás possibi- das no Rio Grande do Norte, com a transformação da
litava o próprio Parecer CFE 252/69 – e, em alguns ca- mais tradicional Escola Normal de Natal em Instituto
sos, criaram-se habilitações específicas para esse fim, o Superior de Formação de Professores que, em convênio
que motivou um esforço para ampliação das disciplinas com a Universidade Regional do Rio Grande do Norte,
de instrumentação, diversificando-as de modo a cobrir passou a oferecer Curso de Pedagogia com a habilita-
os diversos componentes curriculares dos anos iniciais ção Magistério (Guerreiro, 1994). Mencionem-se tam-
da escolaridade (metodologia do ensino da matemática, bém a criação do Instituto de Educação na Universida-
dos estudos sociais, da alfabetização, das artes). À me- de Federal do Mato Grosso, em 1992, e o oferecimento
dida que os educadores passaram a se insurgir contra a da Licenciatura Plena em Pedagogia com a Habilitação
“concepção tecnicista” que informava o currículo míni- Magistério das séries iniciais, de Cursos de Licenciatu-
mo do curso de Pedagogia, questionando a excessiva ra Plena Parcelada em Pedagogia e da Licenciatura em
divisão do trabalho escolar e o parcelamento da Peda- Educação Básica através da metodologia da educação à
gogia em habilitações, acirrava-se a discussão acerca distância (Speller et al., 1994).13
da função do referido curso. Na longa trajetória percor-
rida pelo movimento de educadores que se aglutinaram 13
Tais Institutos de Formação de Professores foram objeto de
em torno da Associação Nacional pela Formação dos discussão e crítica no VIII Encontro Nacional da ANFOPE, cujo Docu-
Profissionais da Educação (ANFOPE), acabou por se mento Final registrou a apreciação de que eles significavam “uma rede
consolidar a posição de que “a docência constitui a base paralela que tenta suprir essa formação, sobretudo fora do âmbito da

84 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
História da formação de professores

Apesar de todas as iniciativas registradas nas duas parecia que se desconsiderava a trajetória recente dos
últimas décadas, o esforço ainda se configurava bastan- cursos de Pedagogia e a sua progressiva orientação com
te pequeno no sentido de investir de modo consistente e vistas ao preparo do pessoal docente para a educação in-
efetivo na qualidade da formação docente. O mais grave fantil e para os anos iniciais da escolaridade. De confor-
é que as falhas na política de formação se faziam acompa- midade com o art. 63 da nova LDB, os Institutos Superio-
nhar de ausência de ações governamentais adequadas res de Educação (ISE) deverão manter “cursos formadores
pertinentes à carreira e à remuneração do professor, o de profissionais para a educação básica, inclusive o curso
que acabava por se refletir na desvalorização social da normal superior, destinados à formação de docentes para
profissão docente, com conseqüências drásticas para a a educação infantil e para as primeiras séries do ensino
qualidade do ensino em todos os níveis. fundamental”. Apesar de estabelecer como norma a for-
xxx mação em nível superior, a Lei admite como formação
A nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96) mínima a oferecida em nível médio, nos cursos normais,
veio encontrar o quadro acima delineado no âmbito da o que faz supor, dada a realidade existente, que tais cur-
formação de professores para os anos iniciais da escola- sos deverão subsistir ainda por muito tempo, embora fi-
ridade: diversidade de instituições formadoras, seja em que estipulado nas disposições transitórias um prazo de
nível médio, seja em nível superior, com predominância apenas dez anos para essa formação.
das de nível médio, sobretudo as de iniciativa pública. Não havendo possibilidade de discutir, nos estritos
Assim, em 1996, havia 5.276 Habilitações Magistério limites deste trabalho, os desdobramentos das medidas
em estabelecimentos de ensino médio, das quais 3.420 em apreço no âmbito das instâncias responsáveis pela
em escolas estaduais, 1.152 em escolas particulares, 761 formulação das políticas educacionais (MEC, CNE,
em municipais e 3 federais. Quanto aos cursos de Peda- CEEs), cumpre destacar apenas que a evidente
gogia, dados de 1994 indicavam a existência de apenas superposição entre o Curso de Pedagogia e o Curso Nor-
337 em todo o país, 239 dos quais de iniciativa particu- mal Superior e entre as Universidades/Faculdades de
lar, 35 federais, 35 estaduais e 28 municipais. Além da Educação e os Institutos Superiores de Educação vem
vinculação predominante desses cursos à iniciativa pri- causando grande polêmica e radicalização de posições,
vada, observa-se também a sua grande concentração na quanto ao local e quanto à natureza da formação a ser
região sudeste, onde se localizavam 197 cursos, 165 deles ministrada (Freitas, 1999; Silva, W.C., 1999).
Tudo indica que, apesar da conquista legal, a for-
pertencentes à iniciativa particular (Brasil, 1997). As-
mação em nível superior continua a ser um desafio para
sim, tais dados não reforçavam a idéia de adoção do
os educadores, até porque a recente regulamentação dos
modelo único de formação em nível superior.
Institutos Superiores de Educação (Res. CNE 1/99) tem
Nesse quadro referencial, a nova Lei de Diretrizes e
trazido incertezas acerca de suas conseqüências para a
Bases (Lei 9.394/96) estabelece que “a formação de do-
qualificação de docentes. Por parte de educadores, de
centes para atuar na educação básica far-se-á em nível
instituições de ensino superior e de associações de do-
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena,
centes, embora se reconheça que eles podem ser um avan-
em universidades e institutos superiores de educação [...]”
ço nos locais onde inexistem cursos superiores de for-
(art. 62). Assim, o legislador optava por inserir uma nova
mação, teme-se um nivelamento por baixo em face da
instituição no panorama educacional, provavelmente por
ênfase numa formação eminentemente prática,
inspiração dos Institutos Universitários de Formação de
desvinculada da possibilidade de pesquisa, e devido aos
Mestres (IUFM) franceses, que forneceram referencial
padrões de qualificação docente inferiores àqueles exi-
para a experiência realizada no país. Ao mesmo tempo,
gidos nas universidades. Por outro lado, tendo em vista
as conquistas positivas dos CEFAMs, a longa tradição
Universidade, implantando uma formação aligeirada, centrada no en- das escolas normais e a extensa rede de habilitações de
sino e desvinculada da pesquisa e da extensão, rompendo assim com o nível médio em estabelecimentos públicos, também se
princípio da indissociabilidade entre essas funções” (Aguiar, 1997). teme o simples desmonte de um sistema público e o en-

Revista Brasileira de Educação 85


Leonor Maria Tanuri

fraquecimento do compromisso do Estado para com a D’AZEVEDO, M.D. Moreira, (1893). Instrução pública nos tempos
formação de professores, em favor de instituições ape- coloniaes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-
nas existentes no plano legal. De qualquer forma, e ape- ro, tomo LV, parte II, p. 141-158.
sar das medidas legais já tomadas, como o Decreto 3.276, BARBIERI, Iris, (l973). A educação no governo de Vargas (1930-
de 6/12/99 – que reserva exclusivamente aos cursos 1945) : com ênfase no ensino normal e na escola primária. Douto-
normais superiores a tarefa de preparar professores para ramento em Educação. Faculdade Municipal de Ciências Econô-
a educação infantil e para as séries iniciais da escola micas e Administrativas de Osasco.
fundamental –, é grande o movimento de resistência, tudo BARROS, Roque Spencer M. de, (1959). A ilustração brasileira e a
indicando que só se poderá chegar a algum consenso se idéia de universidade. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciên-
a introdução das novas instituições não implicar a cias e Letras da USP.
desmobilização pura e simples das atualmente existen-
BASTOS, Maria Helena C., (1997). A instrução pública e o ensino
tes e na medida em que os ganhos já assegurados e a mútuo no Brasil: uma história pouco conhecida (1808-1827).
experiência já acumulada tanto pelos Cursos de Peda- História da educação. Pelotas, no 1, v. 1, p. 115-133.
gogia como pela imensa rede pública de cursos médios
., (l998). A formação de professores para o ensino mú-
de formação puderem ser capitalizados e aproveitados.
tuo no Brasil: o “curso normal para professores de primeiras le-
tras do Barão de Gérando (l839)”. História da educação. Pelotas,
LEONOR MARIA TANURI é mestre e doutora em Educação, no 3, v. 2, p. 95-119.
Professora da disciplina História da Educação Brasileira, na Pós-Gra-
BAUAB, Maria Aparecida Rocha, (1972). O ensino normal na Pro-
duação em Educação da UNESP/Câmpus de Marília e Assessora da
víncia de São Paulo : 1846-1889. Doutoramento em Filosofia. Fa-
Pró-reitoria de Graduação da UNESP. É autora do livro O Ensino
culdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Preto.
Normal no Estado de São Paulo: 1890-1930 (São Paulo: Faculdade
de Educação da USP, 1979) e de vários artigos e trabalhos especiali- BELLO, Ruy, (1978). Subsídios para a história da educação em
zados em História e Política da Educação no Brasil. E-mail: Pernambuco. Recife: Secretaria da Educação e Cultura.
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88 Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14
Resumos/Abstracts

component of the Elementary School historiographical works on elementary for manufactures and factories in
system. It gives a special emphasis to school teacher’s training colleges of Brazil, since eighteenth century. Its
those decisive moments in that several States. Founded in 19th. central thesis is that the prejudices
transformation which mark conflicts century those institutions initially against manual work represent the main
among projects for a society, formative showed a rather modest feature of determinant of the underevaluation of
concepts and innovative pedagogical elementary schools themselves with the professional schools, as well as the
alternatives. The principal objective is emphasis on the content to be taught. dual educational system within the
to understand the meaning assigned to With time, however, they progressively country. Since 1942, SENAI performed
it by different groups and/or classes in incorporated a didatic-pedagogical a new role in the brazilian industrial
the quest for democratizing education content. New School movement ideas labor force training, in terms of
in our society, meanings which were influenced them decisively changing the students recruitment, pedagogy,
translated into public policies or in emphasis of their curricula to the management and financing.
their absence. “sciences of education”. The article Nevertheless, in the recent years, that
examines questions related to: institution has lost the hegemony
consolidation and expansion of that acquired in educational field, and pre-
Leonor Maria Tanuri College, evolution of its general and pares a package of importants
curricular organization which has decisions in order to prevent conflicts
História da formação de professores
reached the secondary level from the with State and labores syndicates.
Tomando por base trabalhos
1930’s onwards until the National
historiográficos produzidos sobre a Es-
Education Law 9.394/96 when a higher
cola Normal em diversos estados brasi-
education level was required to Sérgio Haddad e Maria Clara Di Pierro
leiros, o presente trabalho procura recu-
elementary teachers.
perar a história percorrida por essa Escolarização de jovens e adultos
instituição, da perspectiva da ação do O artigo aborda os processos sistemáti-
Estado, ou seja, da política educacional Luiz Antônio Cunha cos e organizados de formação geral de
por ele desenvolvida. Nascidas no sécu- pessoas jovens e adultas no Brasil sob
O ensino industrial-manufatureiro no
lo XIX ao nível de modestas escolas a ótica das políticas públicas. Oferece
Brasil
primárias e centradas sobretudo no con- uma visão panorâmica do tema ao lon-
O artigo apresenta a origem e o desen-
teúdo a ser ensinado, as escolas normais go dos quinhentos anos de história bra-
volvimento do ensino de ofícios para
foram aos poucos incorporando um con- sileira, dedicando especial atenção à
trabalhadores das manufaturas e indús-
teúdo didático-pedagógico. O ideário segunda metade do século XX, em que
trias no Brasil, desde o século XVIII. A
escolanovista as marcaria definitiva- o pensamento pedagógico e as políticas
tese central é a de que os preconceitos
mente, deslocando a ênfase de seu cur- de educação escolar de jovens e adul-
contra o trabalho manual representam o
rículo para as denominadas “ciências da tos adquiriram identidade e feições
mais importante determinante da desva-
educação”. O artigo aborda questões re- próprias. Analisa o sentido político
lorização das escolas profissionais, as-
lativas a: consolidação e expansão das que a ditadura militar conferiu à alfa-
sim como do sistema educacional dual
escolas normais como instituições for- betização de adultos e ao ensino suple-
no país. Desde 1942, o SENAI desem-
madoras do magistério para a escola tivo nos anos 70, as diversas configura-
penhou um novo papel na formação da
primária, evolução de sua organização ções assumidas pelas políticas
força de trabalho industrial brasileira,
geral e curricular, definida, a partir dos públicas de educação escolar de jovens
em termos de recrutamento de alunos,
anos 30, em nível médio, até as mudan- e adultos ao longo do processo de
pedagogia, gestão e financiamento. Nos
ças introduzidas pela Lei 9.394/96, que redemocratização dos anos 80, assim
anos recentes, todavia, essa instituição
elevou a formação do professor das sé- como a posição marginal conferida a
perdeu a hegemonia conquistada no
ries iniciais ao nível superior. essa modalidade de ensino pela refor-
campo educacional, e prepara um con-
History of Elementary School junto de importantes decisões para se ma educacional dos anos 90. O ensaio
Teachers’ Education in Brazil prevenir dos conflitos com o Estado e os indica como desafios a redefinição dos
This paper deals with the history of the sindicatos de trabalhadores. papéis do poder público e da sociedade
Brazilian training college for Industrial-manufacturing education na democratização de oportunidades de
elementary school teachers from the in Brazil alfabetização, escolarização básica e
viewpoint of State educational policy The article presents the origin and the educação continuada para que possam
and having as sources development of the training of works responder às crescentes necessidades

Revista Brasileira de Educação 193

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