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ANPUH – XXII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – João Pessoa, 2003.

AS CONFERÊNCIAS PEDAGÓGICAS DOS PROFESSORES PRIMÁRIOS DO MUNICÍPIO DA CORTE:


PERMUTA DAS LUZES E IDÉIAS (1873-1886?) i

MARIA HELENA CAMARA BASTOS


PPGEDU/PUCRS

INTRODUÇÃO
a conferência é o mais frutuoso e natural exercício do espírito. (...) O estudo dos
livros é um movimento lânguido e fraco, que não entusiasma: enquanto a
conferência ensina e exercita simultaneamente. Ao conferenciar com uma alma
forte e um vigoroso adversário as minhas linhas de defesa são atacadas pela
esquerda e pela direita; a sua imaginação impulsiona a minha; o ciúme, a glória, a
controvérsia impulsionam-me e fazem-me ultrapassar a mim próprio. (Montaigne,
s/d, p.372-373)

Já no século XVI, Montaigne destacava o papel educativo e formativo de uma conferência, como espaço de
permuta das luzes e idéias. No século XIX, as conferências disseminam-se como uma estratégia de educação e de
vulgarização do conhecimento. Caracterizam-se pela reunião de pessoas interessadas em ouvir e/ou discutir temas da
atualidade. Integram-nas professores ou outros intelectuais, figuras proeminentes. Estão intimamente vinculadas com a
exigência de formação dos professores primários, a disseminação das escolas normais, a constituição de um sistema de
instrução pública em vários países, a ampliação do mercado editorial, especialmente no campo educativo, e com o
estímulo às bibliotecas e as bibliotecas pedagógicas. Podemos considerar as conferências como uma modernização
intelectual que procurava corresponder às mudanças sócio-econômicas.
As conferências pedagógicas ou de professores objetivavam discutir sobre diversas questões vinculadas à
profissão, isto é, à educação e ao ensino. Tinham uma perspectiva de atualização, de continuação dos estudos depois da
formação, e de vulgarização e aperfeiçoamento dos métodos de ensino. Campagne (1886, p.496) as define como
“reuniões de professores, com o fim de discutirem as diversas questões relativas à sua profissão, isto é, à educação e ao
ensino da mocidade”. Justifica sua necessidade, com o argumento de formação continuada: o professor, ao sair da
Escola Normal, precisa continuar os seus estudos. Se ficasse entregue só a si, correria o risco de os abandonar, ao passo
que com estas reuniões de colegas, é obrigado a estudar certas questões pedagógicas e por-se ao corrente dos métodos
de ensino adotados pelos outros professores. Todos os membros da conferência se instruem mutuamente: cada um
utiliza a experiência de todos os outros”.
Alguns autores consideram essa modalidade tão antiga como a própria escola. A Prússia parece ter sido a
primeira a instituí-las. Na França, há uma primeira referência em 1829, mas é a partir de 1835 que se generalizam,
sendo suspensas em 1849. Recomeçam em 1871 e generalizam-se em 1878. No Brasil, o decreto n. 1331, de 17 de
fevereiro de 1854, que regulamenta a instrução primária e secundária do Município da Corte (reforma Couto Ferraz),
cria as conferências pedagógicas (art. 76), mas as mesmas só ocorrem a partir de 1873. Nos demais estados brasileiros,
encontram-se inúmeras referências legais de estabelecimento das conferências pedagógicas ii .
Para Souza Bandeira Filho (1884, p. 28), as conferências pedagógicas “constituem um exercício destinado a
aumentar as idéias e estabelecer a animação e a vida do professorado, (...) elevar o nosso ensino primário”. Alambary
Luz (1886) afirma que visam “manter os debates nas regiões serenas da ciência pedagógica”. Francisco Otaviano as
considera um antídoto contra a rotina, permitindo discutir seus métodos de ensino, analisarem seus resultados, de
comunicarem-se mutuamente as idéias de progresso e de aperfeiçoamento; constata que com esse estímulo, “com essa

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comunhão de vistas, não somente se tornaria o corpo profissional mais inteligente, mas também mais homogêneo”
(1851, in: Moacyr, 1939, p. 560).
O presente estudo analisa o significado político-educacional das conferências pedagógicas dos professores
primários do Município da Corte, realizadas a partir de 1873, e a apropriação que representantes da ilustração brasileira
fazem da cultura escolar francesa do período da IIIª República Francesa, cujas idéias são veiculadas nesses eventos
através das teses defendidas e dos trabalhos práticos de pedagogia – demonstração de aulas-modelos. Analisa os temas,
autores e obras citados pelos conferencistas que participaram das conferências pedagógicas.

AS CONFERÊNCIAS PEDAGÓGICAS DO RIO DE JANEIRO


As conferências são normatizadas pelo Regulamento de 3 de agosto de 1872 (anexo ao Decreto n. 1331, de 17
de fevereiro de 1854), pelo Inspetor Geral J. C. Figueiredo, que estabelece: “todos os professores públicos das escolas
primárias do Município da Corte, serão convocados com oito dias de antecedência pela Inspetoria Geral da Instrução
Pública, para se reunirem nas férias de Páscoa e nas do mês de dezembro, a fim de conferenciarem sobre todos os
pontos que interessarem: regime interno das escolas; métodos de ensino; sistema de recompensas e punições para os
alunos, expondo as observações que hajam colhido de sua prática e das leituras das obras que tenham consultado”. A
presença dos professores públicos é obrigatória, sendo vetada sua retirada antes do seu término, mas recebiam uma
subvenção diária para assistirem as sessões.Além dos professores, as conferências também teriam a participação dos
delegados dos distritos e dos membros do Conselho Diretor e diretores de estabelecimentos privados de ensino. As
conferências, presididas pelo Inspetor Geral, durariam três dias, com sessões diárias de três a quatro horas, com início
previsto para as 10 horas da manhã. O último dia seria destinado à organização do programa das matérias a serem
tratadas na próxima conferência, de preferência sobre os quatros pontos citados: “capacidade atual e eventual das casas
das escolas e utensílios necessários; estudo, exame e aplicação dos métodos e sistemas do ensino; apreciação dos livros
usados nas escolas e dos que convirá adotar; finalmente, tudo quanto se considerar necessário e profícuo em relação ao
melhor e mais pronto desenvolvimento da instrução e educação primária”. Após o encerramento, o Conselho Diretor
faria uma sessão especial para apreciar os trabalhos escritos dos professores, escolhendo aqueles que se distinguiram
nas sessões.
O regulamento também disciplina a constituição da mesa e os lugares ocupados pelas autoridades; normatiza a
atitude que o auditório deve evidenciar – conservar-se silenciosos, guardarem entre si a maior cortesia e urbanidade;
proíbe que as discussões enveredem para outros temas que não sejam aqueles prescritos na ordem do dia; regulamenta
que os discursos não sejam divagantes e extensos, mas concisos.
Na Portaria, de 30 de agosto de 1872, são estabelecidos os cinco pontos ou teses para o programa da primeira
conferência pedagógica: qual a melhor distribuição das matérias relativas à instrução moral e religiosa; leitura e escrita;
noções essenciais de gramática portuguesa; princípios elementares de aritmética e sistema decimal seguindo as
necessidades atuais, de modo que saiba o professor pelo programa a distribuição qual a tarefa de cada dia útil de
antemão preparada?; em quantos anos poderá o curso das ditas matérias ser percorrido de maneira que o aluno seja
dado por pronto na forma do regimento das escolas?; se convém ou não a instituição de escolas mistas de instrução
primária?; qual o método mais racional, simples e eficaz dentre os atualmente conhecidos para o ensino de primeiras
letras e de caligrafia nas escolas primárias? Dado o caso de haver efetivamente um que tenha alguma superioridade
sobre os outros convirá que seja adotado exclusivamente nas escolas públicas?; qual o meio mais simples para fazer
compreender aos meninos o mecanismo do sistema métrico decimal, sem recorrer aos cálculos aritméticos?.

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Sobre a iniciativa, Alambary Luz (1872, p.216) assim expressa-se: “eis o que a cerca delas pensam os que
estão mais adiantados do que nós: reuniões sempre úteis para a permuta das luzes e idéias, contanto que sejam dirigidas
por homens experimentados e hábeis como por inspetores gerais, inspetores locais, diretores de escolas normais, etc.
Por sua reunião em conferências regulares, os professores multiplicam seus recursos, os de todos juntam-se os de cada
um e esses esforços, quando isolados produziriam apenas um frouxo resultado, tornam-se poderosos sustidos por outros
esforços. Pela discussão oral das idéias se desenvolvem e completam; sabemos melhor o que ouvimos em voz alta ou o
que fomos obrigados a redigir por escrito, a repetir e sustentar na presença de outros, etc. Estas reuniões vão ser, agora,
regularmente estabelecidas entre nós; fazemos votos, pois, para que delas se recolham frutos e proveitos”.
Nos dias 18, 21 e 25 de janeiro de 1873, iniciam-se as conferências pedagógicas que se realizaram com a
presença de S. M. o Imperador. Cerca de 25 professores apresentaram dissertações sobre as teses propostas. Segundo
Felisberto de Carvalho (1893, p.146), os resultados alcançados corresponderam perfeitamente aos intuitos da lei: “os
trabalhos exibidos, revelavam muito estudo, prática esclarecida e conhecimento dos métodos de ensino das noções mais
adiantadas, tornando-se alguns notáveis pela erudição que neles transluzia e que muito honrava aos seus autores”.
Foram realizadas conferências em 1874 iii , 1875, 1876 e 1877. Somente em 1882, encontra-se outra menção de
que houve conferências pedagógicas no relatório do Ministro Manoel Dantas.
Em 18, 19 e 20 de dezembro de 1883 realiza-se a sétima conferência para os professores primários e, depois
das novas instruções (11 de março de 1884), repetiram-se nos dias 21, 22 e 23 de abril de 1884 (oitava conferência),
sendo então ministro o Conselheiro Francisco Antunes Maciel. Segundo Souza Bandeira Filho (1884, p.28), a
freqüência de professores foi limitada, estando presentes 31 no dia de maior presença. Justifica que os professores
“parecem não ter compreendido ainda com clareza o caráter e o fim das conferências. Nas anteriores abriu-se larga
discussão sobre todos os assuntos referentes ao ensino, deixando-se de parte as teses propostas. Uma das sessões
chegou mesmo a ser suspensa por tumultuosa. Os atos das autoridades eram sujeitos à crítica e a julgamento, como se
tratasse de um tribunal encarregado de tomar contas à administração. Por outro lado, havia queixas de que não se tinha
ligado aos trabalhos das anteriores conferências o valor que eles mereciam; nem eram publicados, nem se tomavam
providências no sentido indicado pelos professores”. Quanto ao exposto, concorda que “a primeira queixa é justa, e
para satisfazê-la trato de reunir e classificar os discursos e observações da última conferência, a fim de serem
publicados. A segunda não tem fundamento; não é próprio das conferências pedagógicas de professores tomar decisões
obrigatórias para a autoridade superior. Elas constituem um exercício destinado a aumentar as idéias e estabelecer a
animação e a vida do professorado”.
Além do boicote, pode-se também pensar que o caráter eminentemente teórico das conferências, excluindo os
trabalhos práticos, não despertasse o interesse dos professores. Os professores adjuntos não estavam autorizados a
acompanhar os progressos do ensino, os quais representavam um número significativo do corpo docente; fixação de
horário para os trabalhos, sem atender as conveniências das pessoas que dele devem participar; o atraso ou não
pagamento das indenizações devidas aos professores que participam das conferências (gastos de transporte,
deslocamento, etc), seriam outros fatores que desmotivariam a participação dos professores.
Os trabalhos da oitava conferência pedagógica ocorreram de 21 a 23 de abril de 1884, nos salões do Museu
Escolar Nacional, no edifício da Tipografia Nacional. Ocorreram no período noturno (19h), sob a presidência do
inspetor geral Dr. Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho. Participaram docentes da Escola Normal, delgados
incumbidos da inspeção paroquial das escolas, membros do Conselho Diretor, totalizando 400 pessoas presentes. O
programa esteve constituído de apreciação geral dos trabalhos da última conferência; parte teórica, com as seguintes
teses para discussão: o ensino de desenho na escola de primeiro grau, o seu estado atual, meios de desenvolvê-lo,

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exame dos métodos adotáveis e do programa a seguir; influência que é chamada a escola pública a exercer sobre a
educação dos alunos, meios ao alcance dos professores para formar o caráter de seus discípulos; e, por fim, uma parte
prática: direção de uma classe durante a conferência, explicação de aparelhos aperfeiçoados que podem ser adotados na
escola para auxiliar o ensino intuitivo.
Em 13, 20 e 24 de março de 1886, realizou-se a nona conferência pedagógica, nos salões do Museu Escolar
Nacional, presididas pelo inspetor geral da instrução primária e secundária do Município da Corte, Dr. Emigidio
Adolpho Victorio da Costa, com a presença do Imperador, do Conde d’Eu, de membros da administração superior do
ensino e do Conselho Diretor, delegados literários, professores da Escola Normal, professores públicos. O programa foi
o seguinte: apreciação geral dos trabalhos da última conferência; discussão das seguintes questões: ensino de ginástica
nas escolas de primeiro grau. Seu estado atual. Meios de desenvolvimento. Exame dos métodos aprovados e do
programa a seguir; 2. Influência que é chamada a escola pública a exercer sobre a educação dos alunos. Meios ao
alcance do professor para formar o caráter de seus discípulos; trabalhos práticos de Pedagogia: direção de uma classe
durante a conferência; 2. Explicação de aparelhos aperfeiçoados que podem ser adotados na escola para auxiliar o
ensino intuitivo.
No discurso de abertura, o Inspetor Geral destaca o intuito e vantagens das conferências pedagógicas: “Por em
comum e ao alcance do professorado inteiro o tesouro das lucubrações e da experiência de cada um dos membros da
classe; receber cada professor justo e necessário estímulo e provocar nos colegas nobre emulação; submeter ao cadinho
da crítica benevolente e judiciosa os métodos e processos empregados em cada escola para a cultura dos espíritos
juvenis, a mais difícil, porém, a mais fecunda e remuneradora de todas as culturas, finalmente por esta espécie de
ensino mútuo, abrir novos horizontes à árdua e importante missão pedagógica”.
A apreciação dos trabalhos da última conferência esteve a cargo do professor Augusto Candido Xavier Cony,
que fez referência ao fato dos professores estarem ressentidos pelo que havia sido publicado na revista Liga do Ensino.
Considera que as palavras do professor Manoel José Pereira Frazão, na sétima conferência, serviram de arma perigosa
para com elas ferir o magistério primário. Opondo-se as palavras de Frazão e de Rui Barbosa, Cony destaca que “desde
que nos compenetramos de que em nossas escolas se ensina a “ignorância orgânica” é por isso que empreendemos a
regeneração do ensino, cumpre empregar todos os meios que nos aproximam do nosso escopo, acelerando a transição
que os fatos impuseram”. Afirma que as conferências foram um dos dispositivos adotados para acelerar essa transição.
Não considera as conferências como espaço para a ostentação de conhecimentos de homens eruditos, mas destinadas
aos “homens práticos do ensino, para dizerem em linguagem singela e despida de atavios de eloqüência, o que fazem e
o que pensam sobre as diversas questões sujeitas à sua apreciação”. Essa fala remete às críticas dirigidas às
conferências - serem muito teóricas, terem um caráter de cerimônia e solenidade, quando deveriam ser conversas
amigáveis e profícuas. O professor Gustavo José Alberto denuncia a não concessão aos professores de uma hora
semanal para freqüentarem o Museu Escolar Nacional e sua biblioteca, que para ele seria muito mais útil e instrutivo.
As conferências pedagógicas foram publicadas - os trabalhos apresentados, o resumo dos debates e os
pareceres dos delegados -, o que possibilitou a maior circulação e apropriação da idéias e propostas discutidas. Também
a imprensa periódica registra e as conferências realizadas.
As conferências expressam, em parte, as leituras que os intelectuais faziam nessa época, evidenciando a
literatura mais utilizada. Assim, por exemplo, na conferência proferida em 30 de janeiro de 1876, sobre “Bibliotecas em
geral e bibliotecas populares em especial”, Duque Estrada Teixeira recorre a Célestin Hippeau iv para argumentar a
importância de altos investimentos do Estado para sanar os males da educação.

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Em um levantamento preliminar, podemos citar alguns autores presentes nas alocuções dos conferencistas: A.
Cochin, Jules Simon, Guizot, Célestin Hippeau, Laveleleye (a criação da escola importa a supressão da cadeia: o
estado que não instrui carece amedrontar, porque os dois grupos mantenedores da ordem social são o carrasco e o
professor público), Chateuabriand (Derramemos a instrução sobre a cabeça do povo, devemos-lhe este batismo),
Leibnitz (Daí-me a direção do ensino durante um século e eu mudarei a face do mundo), Ernest Renan (Na luta da
França com a Alemanha, a inferioridade da França foi sobretudo intelectual; o que lhe faltou não foi coração, foi a
cabeça), Theodoro Barrau, Lord Broughem (o arbítrio do mundo não é o canhão, é o professor), Horace Mann,
Herbert Spencer, Eugéne Rendu, Alexandre Bain, Rui Barbosa, Jules Ferry (La Republique ne vous demande qu’une
chose, c’est de faire que nos instituteurs deviennent des éducateurs), Bardoux, José Pedro Varela, etc.
Muitas conferências evidenciam uma extensa pesquisa bibliográfica e um domínio da literatura corrente na
época. Luis Augusto dos Reis, por exemplo, na conferência que faz em 1886, embasa sua fala em autores como
Montaigne, Rousseau, Spencer, Fénelon, Daligault, Charbonneau, Overberg, Aristides Rendu, Félix Cadet, Célestin
Hippeau, Garsault, Michelet, Horace Mann, Vincent Paroz, Samuel Smiles. Recomenda as obras de Justiniano da
Rocha – Coleção de Fábulas para a educação moral; Hilário Ribeiro – Pátria e dever.
As conferências visando instaurar uma “nova ordem” educacional, refletem a situação do ensino e o conflito
de posições frente às chamadas “modernidades” pedagógicas. Luis dos Reis (1886, p.104), posiciona-se em relação ao
livro “Novo Guia de Ginástica adotado na Prússia”, distribuído nas escolas, considerando-o não o mais adequado para
esse ramo de ensino. Também denuncia a real situação material das escolas para fazer frente às novas necessidades.

CONCLUINDO
As conferências pedagógicas são um valioso registro das idéias que agitaram o ambiente intelectual brasileiro,
após 1870. Expressam um amplo debate travado sobre as questões educacionais: métodos de ensino, matérias de
ensino, co-educação, educação das mulheres, educação e trabalho, escolas mistas, ensino primário, ensino secundário,
escola normal, universidade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, liberdade de ensino, magistério, etc.
Apoiando-me nas palavras de Chizotti (1989, p.8), pode-se afirmar que as conferências expressam “um
ufanismo laudatório de pessoas”, em prol do progresso da instrução pública no Brasil, atitude típica do intelectual da
época, que participava da formação do Estado nacional. “A louvação não deve ser confundida como mera bajulação,
mas como um entusiasmo nacionalista, sobretudo um entusiasmo pela educação, responsável pelo papel de promover o
desenvolvimento e a marcha radiosa da humanidade para um novo porvir da civilização humana”.
As idéias que circularam através das conferências pedagógicas, das conferências populares, do Congresso de
Instrução e pelos impressos, faziam parte de um movimento internacional, no qual a elite intelectual brasileira
procurava integrar-se e vivenciá-las na sua realidade social. Esses intelectuais que participam do Estado, favorecendo a
sua manutenção, também preconizam transformações nas estruturas sociais, na perspectiva de que a educação equivalia
a progresso.
As conferências pedagógicas também tiveram a função de qualificar o estatuto da educação como uma ciência,
demonstrando a necessidade de tratar cientificamente esse conhecimento. A necessidade de uma articulação entre os
professores, entre esses e os sistemas de ensino e as autoridades, ampliam a dimensão das conferências pedagógicas,
transformando-as em Conferências de Educação. v
Como fórum privilegiado de discussão e circulação de idéias e posturas, as conferências expressam o universo
de idéias e de leituras que os intelectuais, juntamente com o mercado editorial e a imprensa, colocam em circulação.

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Esse rico acervo documental permite “inventariar e racionalizar uma prática – a leitura” (Chartier, 1994, p.11), que
subsidia as falas da elite intelectual brasileira - como indivíduos e como homens públicos.
É importante compreender que as idéias apropriadas pela elite brasileira não permaneceram iguais e inertes:
tomaram novas formas e traduções à realidade brasileira, muitas vezes em sentido contrário àquele preconizado por
seus autores. A viagem das idéias pedagógicas, das práticas educativas e escolares inscreve-se, simultaneamente no
espaço e no tempo, como um dos padrões consistentes da modernidade e da modernização buscada pela sociedade
brasileira.

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i
Este estudo integra o projeto de pesquisa “ Desenhando a educação Brasileira à francesa. Um estudo da apropriação das idéias educativas e das
práticas escolares da França (1870-1900). CNPQ/FAPERGS (2003-2005)
ii
Maranhão; Piauí; Ceará (conferências na escola popular, 1874; conferências pedagógicas, 1881); Paraíba (1886); Pernambuco (1882); Alagoas
(1886); Sergipe; Bahia (1873); São Paulo; Minas Gerais (1859,1879); Paraná (conferências pedagógicas práticas); Santa Catarina (1883); Rio Grande
do Sul (1881) -; as quais necessitam um estudo regional e local. Sobre o RGS, ver: JESUS, Aline Rolando. Permutas das idéias e luzes. O Partenon
Literário e a difusão das idéias educativas e práticas escolares. Porto Alegre: PPGEDU/UFRGS, 2003. (Relatório BIC-FAPERS)
iii
Até o momento, a pesquisa não tem dados sobre a segunda conferência e a data de sua realização.
iv
Sobre a obra de Celestin Hippeau, ver BASTOS, M.H.C. Leituras da Ilustração Brasileira: Célestin Hippeau. Revista Brasileira de História da
educação/SBHE. n.3, julho 2002.
v
Na República, em 1921, ocorrerá a Conferência Interestadual de Ensino Primário; em 1922, a Conferência do Ensino Secundário e Superiorv; em
1927, a I Conferência Nacional de Educação Sobre a I Conferência Nacional de Educação, ver: COSTA, M.J.F. da.; SHENA, D. R.; SCHMIDT, M.A.
I Conferência Nacional de Educação .

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