Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
professor e do aluno
Júlia Dias1
Karoliny Martins2
Prefácio
Franz Boas viveu entre os esquimós no Canadá em 1985 e publicou suas experiências
em seu livro, em 1888. The Central Eskimo, foi produzido trinta e nove anos antes de Bronislaw
Malinowski publicar o famoso Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), fruto de alguns anos
de pesquisa entre os nativos das Ilhas Mares do Sul, na Nova Guiné. Entretanto, é Malinowski
o antropólogo responsável pela validação da Antropologia como ciência e o profissional
reconhecido como pai da Antropologia Social, a nova característica da Antropologia que
pressupõe a superação do etnocentrismo e a adoção de um olhar menos prejudicial, mais
objetivo e mais científico.
1
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2
Professora de Sociologia da rede pública do Estado do Paraná. Graduada em Ciências Sociais pela PUC-PR e
pós-graduanda em Antropologia Cultural pela mesma universidade.
esquema claro da constituição social da tribo estudada. Além disso, Malinowski concedeu
novas metodologias à antropologia, até hoje utilizadas. Para o autor, a estadia do pesquisador
por um tempo longo no campo não é o suficiente para que se alcance os objetivos. O
conhecimento científico da antropologia moderna, as suas normas, teorias e critérios, assim
como o aprendizado da língua nativa e a manipulação dos dados, são métodos essenciais para
a superação dos obstáculos iniciais e a conquista dos resultados.
Eu achei muito interessante, pois já tinha ouvido falar sobre essa cultura/filosofia, mas
nunca explorei, eu gostei muito da filosofia deles e o jeito como eles nos trataram, com tanta
gentileza, vemos que é algo que merece toda a atenção, agora se alguém me perguntar sobre,
vou ficar feliz de responder o que eu achei e como foi minha experiência. Hare Krishna
(Alberto, 15)
(...) Aprender sobre uma crença nova, mostra a vastidão de crenças e religiões , que
podem mudar nosso conceito sobre o que gostamos ou não, porque esse movimento que vimos,
ajudam o próximo sem pensar nada em troca, sem beneficiar a eles, e mesmo assim eles
toleram xenofobia dia após dia, o que me fez repensar sobre meus pré - julgamentos sobre
coisas novas. (Marina, 16)
3
Os nomes foram alterados a fim de preservar a identidade dos e das estudantes.
para a Antropologia, nomeadamente, a Antropologia da Educação, compreensiva,
moderna e crítica, o que está em questão é a capacidade de fornecer ao sujeito de
aprendizagem uma metodologia do pensar, centrada no comparar e descobrir. Para
tanto, faz se necessário um saber que reconheça e considere a experiência do
indivíduo como sujeito coletivo que tem memória, tradição, histórias de vida, valores,
sentimentos, emoções: um ser concreto, objetivo e subjetivo ao mesmo tempo; um
ser que não é apenas aluno ou professor, mas é um ser de história e de singularidade;
um ser sociocultural. (GUSMÃO, 2016, p. 54)
Com base neste exposto, a prática etnográfica fornecida aos estudantes possibilita a
construção deste sujeito coletivo por meio da experiência antropológica, o que permite a
reflexão sobre si e sobre os outros, sobre ser e estar no mundo assumindo a dinâmica como
essência do aprender-fazer, abraçando a premissa de que o que nos transforma e nos torna seres
humanos é a potência das trocas humanas.
Assim sendo, “a aventura de se colocar no lugar do outro, de ver como o outro vê, de
compreender um conhecimento que não é o nosso” (GUSMÃO, 1997) é o exercício posto em
prática nesta proposta de atividade e constitui o paralelo entre antropologia e educação. Esta
aproximação abre possibilidades para debate, reflexão, e intervenção bastante abrangente no
que se refere a abordagem de temáticas que variam
Todas as culturas humanas fornecem a seus membros uma visão definida do mundo,
uma atração definida pela vida. Nas minhas perambulações pela história humana e
pela superfície da Terra, o que sempre me encantou, despertando em mim o desejo
real de penetrar outras culturas, de entender outros tipos de vida, foi a possibilidade
de ver a vida e o mundo de diversos ângulos, peculiares a cada cultura. [...] Há ainda
alguma coisa mais profunda e mais importante do que o interesse pela variedade dos
modos de vida humana, que é o desejo de transformar tal conhecimento em sabedoria.
[...] Não conseguiremos alcançar o objetivo último da sabedoria socrática de
conhecermo-nos a nós mesmos, se não abandonarmos o estreito confinamento dos
costumes, crenças e preconceitos em que todos nós nascemos. [...] A ciência do
homem, em sua versão mais profunda e refinada, deve conduzir-nos a esse
conhecimento, a essa tolerância e generosidade, baseando-se na compreensão da
perspectiva dos outros. (MALINOWSKI, 1986, p. 115-116).
Aluna da Karol, foi no segundo ano do ensino médio que tive o meu primeiro contato
com a etnografia, no fim do ano eletivo, precisamente em novembro de 2016. Na data que
escrevo, em agosto de 2019, perto de completar três anos dessa experiência, resta pouca
informação na memória do que foi a minha primeira pesquisa de campo. Felizmente, depois de
revirar todos os meus e-mails e documentos, encontrei em um armazenador portátil antigo, o
que foi a minha primeira etnografia. Pretendo, então, tendo essa como base, não somente expor
a minha primeira impressão a partir do meu primeiro contato com a etnografia, mas articular a
importância da matéria de Antropologia e Etnografia no ensino médio e suas influências na
minha escolha profissional. Consequentemente, compará-la, a partir da minha entrada na
academia, como graduanda do curso de Ciências Sociais com habilitação em Antropologia,
com outra obra etnográfica de minha autoria.
O estudante de Economia teve a Matemática que o instigou ao curso, assim como o de
Biologia, a Ciência e o de Letras, Português. Pouco se discute quais foram as influências do
sociólogo, do antropólogo ou do arqueólogo, que possuem poucas representações, seja na mídia
ou referências profissionais na escola e no cotidiano do jovem.
No ensino médio público, o debate sobre diversidade cultural é insuficiente e senão,
inexistente. Em sala de aula, os debates costumam ser limitados, dificilmente o aluno é
instigado pelo professor à reflexão. Os alunos, que estão habituados a ouvir, costumam não
expressar suas opiniões sobre o que está sendo exposto. Eu só passei a perceber essa limitação
quando fui apresentada para a Sociologia no segundo ano do ensino médio, - no meu primeiro
ano, a minha professora não era formada na área - especificamente para a Antropologia, onde
foram iniciados debates sobre conceitos-chave da matéria, como a antropologia evolucionista,
o relativismo cultural, e o etnocentrismo. Era a realidade social transformada em teoria sendo
ensinada e, principalmente, discutida.
Quando foi dito que iriamos a campo, com o objetivo de observar e participar do
cotidiano de um outro grupo, obviamente eu não tomava a experiência com a seriedade de hoje.
Por ter me limitado a um dia de observação, não me introduzi o suficiente para encontrar algum
obstáculo. A ingenuidade foi uma característica importante para eu acreditar que dentro do
templo Hare Krishna, eu me sentia pronta para aquela experiência. Consciente de que não tinha
bagagem acadêmica o suficiente para acreditar que sabia o que estava fazendo, eu anotava o
que me parecia digno de uma anotação, ou seja, tudo. Não fiz perguntas. Não por cautela,
somente por timidez. Acompanhados pela Karol, pudemos ser inseridos, eu e os meus colegas
de classe, na rotina dos devotos Hare Krishna. Participei do ritual de estudos, dança e canto da
manhã, do café em jejum e da preparação do almoço comunitário. Alguns desses eventos,
atividades comuns do nosso cotidiano. Os costumes religiosos dos devotos, as suas práticas e
os seus princípios, portanto, foram os fatores que mais demandaram a minha atenção. Desde o
início, eu diria. Grande parte dos meus colegas estavam presentes nessa experiência
etnográfica, mas havia uma minoria que havia permanecido no colégio porque não tiveram a
permissão dos responsáveis para o contato com o movimento Hare Krishna. Compreendi que
sem a introdução à Antropologia eu não saberia conceituar essa decisão, e que sem a
Etnografia, eu não poderia identificá-la, tal como não a poderia praticar em campo,
independentemente da legitimidade acadêmica.
Mesmo sendo uma experiência de tempo relativamente curto (um semestre de
Antropologia e uma produção etnográfica), a etnografia teve o poder de despertar em mim o
interesse que me levou ao ensino superior. Em 2019, para a conclusão da disciplina de
Antropologia e Práticas Etnográficas, voltei ao templo Hare Krishna para uma pesquisa
etnográfica urbana. Dessa vez, com objeto, métodos e teorias verdadeiramente científicas que
pudessem me levar a interpretações válidas. Durante um período de quase três meses, entre
visitas cotidianas no templo, estudei o processo de iniciação a devoção dos Hare Krishna’s.
Claramente observei diferenças significativas de uma pesquisa de cunho mais “simulatório”
para a acadêmica. Entretanto, eu soube da importância de uma primeira experiência quando eu
aparentemente parecia menos assustada do que os meus colegas de disciplina. A minha
iniciação ao saber antropológico despertou a pré-disposição de um interesse ainda
desconhecido, quando me apresentou uma ciência diferente das outras as quais eu estava
acostumada. Essa ciência do contato, do diálogo e do convívio.
A partir desses relatos, tenho o objetivo de fazer com que o leitor compreenda que se
a Etnografia não me fosse apresentada, assim como acontece com muitos outros estudantes, eu
teria a possibilidade de nunca ter cogitado seguir carreira acadêmica. Acrescento aqui, igual
importância para a Arqueologia, a qual não tive nenhum contato durante o colegial, e aproveito
para instigar a reflexão sobre outras áreas, vítimas do desigual investimento educacional, do
sucateamento nas universidades públicas e da desvalorização social, como o Cinema, Artes
Cênicas, e a Música. Em razão das insignificantes representações dentro das instituições
públicas que acompanham a formação da criança.
Referências Bibliográficas
DAUSTER, Tania. Etnografia e educação: quais as perspectivas e dilemas? Revista
Espaço INES, Rio de Janeiro, n. 29, 2008.
GUSMAO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia, Cultura e Educação na
Formação de Professores. ANTHROPOLÓGICAS, Ano 20, 27(1):45-71, 2016.
GUSMAO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia e educação: Origens de um
diálogo.Cad. CEDES, Campinas, v. 18, n. 43, p. 8-25, Dec. 1997. Disponível em:
from<http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S010132621997000200002&ln
g=en&nrm=iso>. Acesso em 15 agosto, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
32621997000200002.
MALINOWSKI, Bronislaw. 1986 [1922]. “O significado do Kula”. In E. Durham
(org.) Malinowski. São Paulo: Ática, Coleção Grandes Cientistas Sociais, p. 115-116.