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A antropologia etnográfica no ensino médio: reflexões sobre as experiências do

professor e do aluno
Júlia Dias1
Karoliny Martins2

Resumo: A presente proposta de trabalho visa discutir, primeiramente, a contribuição do autor


Bronislaw Malinowski e as suas inovações metodológicas para a fundação da Antropologia
Social. Para isso, é feito uma revisão literária de sua obra “Argonautas do Pacífico Ocidental”.
A obra de Malinowski publicada ainda no início do século XX se torna referência à
antropologia moderna e o seu autor, torna-se reconhecido como o principal responsável que
contribuiu para a formação da Antropologia como ciência etnográfica, que a partir de suas
novas concepções metodológicas, como a instituição de novas formas de coleta de dados, de
pesquisa de campo e sobretudo, da observação participante como método de pesquisa de
campo, reconhece o etnógrafo e o valida cientificamente como profissional. Por conseguinte,
tratamos sobre a inserção da matéria de produção etnográfica na disciplina de Sociologia no
ensino médio, sendo o objeto deste artigo, o estudo de uma proposta de aula que tem como
objeto de campo o templo Hare Krishna de Curitiba, e na análise dessas experiências que
resultaram, posteriormente, em textos etnográficos produzidos por estudantes de escolas
estaduais do Paraná. Por fim, é analisado, a partir das experiências etnográficas dos estudantes,
a contribuição da investigação antropológica no processo de reflexão da teoria antropológica
lecionada nas aulas de ensino médio, e o seu papel de ampliação e aprofundamento desse
conhecimento, tendo em vista o papel do campo como agente referencial empírico dessa
consolidação teórica e da relação entre a oferta dessa matéria antropológica como fonte
catalisadora que estimula o interesse profissional e acadêmico na Antropologia.

Prefácio
Franz Boas viveu entre os esquimós no Canadá em 1985 e publicou suas experiências
em seu livro, em 1888. The Central Eskimo, foi produzido trinta e nove anos antes de Bronislaw
Malinowski publicar o famoso Argonautas do Pacífico Ocidental (1922), fruto de alguns anos
de pesquisa entre os nativos das Ilhas Mares do Sul, na Nova Guiné. Entretanto, é Malinowski
o antropólogo responsável pela validação da Antropologia como ciência e o profissional
reconhecido como pai da Antropologia Social, a nova característica da Antropologia que
pressupõe a superação do etnocentrismo e a adoção de um olhar menos prejudicial, mais
objetivo e mais científico.

Malinowski defendia que o etnógrafo deveria ir a campo a fim de coletar os dados


necessários para sua pesquisa. A partir de suas observações dos homens vivos e de suas
memórias, o pesquisador poderia produzir um material neutro e honesto, capaz de fornecer um

1
Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2
Professora de Sociologia da rede pública do Estado do Paraná. Graduada em Ciências Sociais pela PUC-PR e
pós-graduanda em Antropologia Cultural pela mesma universidade.
esquema claro da constituição social da tribo estudada. Além disso, Malinowski concedeu
novas metodologias à antropologia, até hoje utilizadas. Para o autor, a estadia do pesquisador
por um tempo longo no campo não é o suficiente para que se alcance os objetivos. O
conhecimento científico da antropologia moderna, as suas normas, teorias e critérios, assim
como o aprendizado da língua nativa e a manipulação dos dados, são métodos essenciais para
a superação dos obstáculos iniciais e a conquista dos resultados.

O que nos transforma e nos torna seres humanos: a perspectiva antropológica no


processo educativo
As reflexões presentes neste artigo resultam de uma proposta didática que aliou
conceitos antropológico à perspectiva etnográfica. Como orientado pela BNCC (Base Nacional
Comum Curricular) trabalhou-se com a categoria conceitual das representações sociais e
culturais na rede Estadual de Educação do Estado do Paraná iniciado em 2016 na disciplina de
Sociologia. Além disso, a proposta busca discutir com os alunos temáticas como intolerância
religiosa, preconceito, diversidade cultural e identidade. O procedimento didático inicia-se
com aulas teóricas anteriores que focadas nas teorias antropológicas clássicas como
evolucionismo cultural e relativismo cultural pretendem mover um processo reflexivo por parte
do e da estudante no momento da prática que resultará, posteriormente, em um ensaio
etnográfico.

A experiência etnográfica permite a reconstrução e transmissão de uma vivência diversa


dos e das estudantes, possibilitando a compreensão acerca de costumes e crenças ricos em
significados, coerentes e integrados.

Antes da ida ao campo, os e as estudantes são apresentados aos Argonautas do Pacífico


Ocidental (1922) especialmente por conta de seus pressupostos teóricos contrários à
antropologia clássica proporcionada pela vivência de campo por Malinowski. Ainda antes
disso, os e as estudantes são expostos à perspectiva de Franz Boas inaugurando o relativismo
cultural se opondo às teorias evolucionistas marcadas pelo etnocentrismo, essas também
estudadas em sala, e que incentiva um olhar mais tolerante dos modos outros, contribuindo
para a promoção do respeito pelas diferenças culturais, entendendo desta forma que,
diversidade cultural é parte do fenômeno humano.

A singularidade cultural posta em debate por Franz Boas nega as premissas do


evolucionismo que, baseado em conceitos das ciências naturais do século XIX, estabelece um
fazer científico etnocêntrico que anula humanidades outras fora do contexto europeu.
Contrariando a perspectiva biológica, Boas introduz a diversidade enquanto possibilidade de
concepções de mundo e realidades humanas.

A etnografia, por sua vez, sistematizada por Malinowski permite “modular a


antropologia como ciência da alteridade” (GUSMÃO, 1997).

O trabalho de campo redimensiona o conhecimento científico, na medida em que


exige uma rigorosa e sistemática apreensão de uma dada sociedade ou grupo em seus
múltiplos aspectos, formais, institucionais, concretos, tal como se encontram
relacionados entre si e de acordo com a representação que deles é feita. A cultura se
torna, assim, central para a compreensão das práticas humanas, vistas como práticas
significantes que distinguem o homem da natureza, o homem do animal e que fundam
diferentes sistemas de interpretação da vida. (GUSMÃO, 1997)

O grupo escolhido para a realização desta atividade é o Templo Hare Krishna de


Curitiba devido a diversidade de elementos culturais que possibilitam a exploração do e da
estudante além da abertura para a prática da atividade em si por conta da aproximação da
professora para com o grupo. A atividade consiste na inserção dos e das estudantes em um
período de uma manhã (no horário de aula) no templo. A proposta, normalmente, é recebida
com euforia e certa curiosidade que são amenizadas assim que os e as estudantes chegam ao
local.

A manhã é dividida em quatro partes: a primeira parte se dá através de uma palestra


sobre o movimento e a cultura Hare Krishna, ministrada por um devoto que incentiva a
participação e sana certas curiosidades que os e as estudantes possam ter. Neste momento a
euforia dá lugar à timidez e são poucos os e as estudantes que se atrevem a realizar alguma
pergunta. Este momento objetiva a apresentação do movimento e os e as estudantes aproveitam
para realizar as notas de campo. A segunda parte, contudo, é o momento que mais divide
opiniões: a hora do café da manhã. Por seguirem uma alimentação lacto-vegetariana com base
na cultura indiana, este tende a ser o momento mais curioso: pão com queijo, doce de banana,
bolo sem ovos, pipoca no ghee, suco de manga e frutas acabam não agradando o paladar de
alguns.

O terceiro momento varia um pouco: por vezes, os e as estudantes se dividem nas


atividades orientadas pelos devotos como cortar e descascar legumes ou assistem à uma
animação sobre uma das divindades, seguido por explicações dos devotos sobre as atividades
desenvolvidas por eles. De vez em quando, estudantes também aproveitam este momento para
realizar mais perguntas. O último momento passa a ser o momento mais divertido de toda a
atividade: o cantar dos santos nomes. Em meio a tentativas atrapalhadas de decorar o mantra
hare Krishna e por vezes ansiedade de ir embora, os e as estudantes tendem a se envolver nesta
última etapa.

As notas de campo registradas pelos e pelas estudantes resultam no exercício


etnográfico. Nele, é possível identificar as reflexões feitas pelos e pelas estudantes pois
normalmente comentários acerca da atividade são deixadas ao final do trabalho, como
exemplo:

Com essa experiência de conhecer aspectos culturais e religiosos diferentes, fez eu


perceber como as pessoas independente de suas crenças podem ser boas e cooperativas. E que
a busca da felicidade pode ter vários caminhos, para ser feliz o ser humano deve estar bem
com ele mesmo, com os outros, e com o que ele acreditar ser o seu criador. (Ana3, 16 )

Eu achei muito interessante, pois já tinha ouvido falar sobre essa cultura/filosofia, mas
nunca explorei, eu gostei muito da filosofia deles e o jeito como eles nos trataram, com tanta
gentileza, vemos que é algo que merece toda a atenção, agora se alguém me perguntar sobre,
vou ficar feliz de responder o que eu achei e como foi minha experiência. Hare Krishna
(Alberto, 15)

(...) Aprender sobre uma crença nova, mostra a vastidão de crenças e religiões , que
podem mudar nosso conceito sobre o que gostamos ou não, porque esse movimento que vimos,
ajudam o próximo sem pensar nada em troca, sem beneficiar a eles, e mesmo assim eles
toleram xenofobia dia após dia, o que me fez repensar sobre meus pré - julgamentos sobre
coisas novas. (Marina, 16)

Quero agradecer também por essa grande oportunidade de conhecimento e de


aprendizado com essa nova cultura, filosofia ou modo de viver, acredito que com este ato de
conhecer, de respeitar algo novo é o que nos torna melhor, sendo sempre abertos para o que
der e vier é o que nos transforma e nos torna seres humanos. (Jéssica, 17)

O desafio posto pela diversidade social humana exige o aperfeiçoamento da visão de


mundo e das coisas, a antropologia, em especial a antropologia da educação, assume o
entendimento de formas outras do fazer pedagógico para além da prática formal (GUSMÃO,
2016) capaz de fornecer ao estudante instrumentos de aprendizagem ao reconhecer sua
subjetividade em meio ao coletivo

3
Os nomes foram alterados a fim de preservar a identidade dos e das estudantes.
para a Antropologia, nomeadamente, a Antropologia da Educação, compreensiva,
moderna e crítica, o que está em questão é a capacidade de fornecer ao sujeito de
aprendizagem uma metodologia do pensar, centrada no comparar e descobrir. Para
tanto, faz se necessário um saber que reconheça e considere a experiência do
indivíduo como sujeito coletivo que tem memória, tradição, histórias de vida, valores,
sentimentos, emoções: um ser concreto, objetivo e subjetivo ao mesmo tempo; um
ser que não é apenas aluno ou professor, mas é um ser de história e de singularidade;
um ser sociocultural. (GUSMÃO, 2016, p. 54)

Com base neste exposto, a prática etnográfica fornecida aos estudantes possibilita a
construção deste sujeito coletivo por meio da experiência antropológica, o que permite a
reflexão sobre si e sobre os outros, sobre ser e estar no mundo assumindo a dinâmica como
essência do aprender-fazer, abraçando a premissa de que o que nos transforma e nos torna seres
humanos é a potência das trocas humanas.
Assim sendo, “a aventura de se colocar no lugar do outro, de ver como o outro vê, de
compreender um conhecimento que não é o nosso” (GUSMÃO, 1997) é o exercício posto em
prática nesta proposta de atividade e constitui o paralelo entre antropologia e educação. Esta
aproximação abre possibilidades para debate, reflexão, e intervenção bastante abrangente no
que se refere a abordagem de temáticas que variam

desde o contexto cultural da aprendizagem, os efeitos sobre a diferença cultural,


racial, étnica e de gênero, até os sucessos e insucessos do sistema escolar em face de
uma ordem social em mudança. Nesse sentido, como ciência e, em particular, como
ciência aplicada, antropologia e antropólogos estiveram, no passado e no presente,
preocupados com o universo das diferenças e das práticas educativas. (GUSMÃO,
1997)

O exercício etnográfico permite, também, a construção do conhecimento reconhecendo


a própria realidade como campo sendo experenciada através do contato e compreensão de
modos outros de viver, contribuindo para a construção de conhecimento baseado na superação
do etnocentrismo o que concebe o relativismo enquanto prática.
Por parte do professor, a perspectiva antropológica permite o exercício diário sobre os
e as estudantes na medida em que assume uma postura crítica de como lidar com o outro
considerando seu contexto cultural, contribuindo para uma percepção mais ampla sobre
educação e seus possíveis conflitos

O mergulho na literatura antropológica e nas etnografias permite que o especialista


da área de educação descubra outras lentes para observar os fenômenos educacionais.
Esse profissional abre-se para perguntas inspiradas na Antropologia, fabricando
outras versões e interpretações sobre fenômenos de seu interesse (DAUSTER, 2008)
Além disso, esta experiência etnográfica abre novos olhares para a atuação profissional
dos estudantes que, entrando em contato com o fazer antropológico em sua prática, as ciências
sociais e a antropologia especificamente também entram no crivo de possíveis escolhas
profissionais ainda que esta experiência tenha, até então, resultados práticos no lidar com o
outro de uma forma mais compreensiva percebido, inclusive, na escola.

O trabalho de campo: a primeira experiência etnográfica no templo Hare Krishna de


Curitiba-PR

Todas as culturas humanas fornecem a seus membros uma visão definida do mundo,
uma atração definida pela vida. Nas minhas perambulações pela história humana e
pela superfície da Terra, o que sempre me encantou, despertando em mim o desejo
real de penetrar outras culturas, de entender outros tipos de vida, foi a possibilidade
de ver a vida e o mundo de diversos ângulos, peculiares a cada cultura. [...] Há ainda
alguma coisa mais profunda e mais importante do que o interesse pela variedade dos
modos de vida humana, que é o desejo de transformar tal conhecimento em sabedoria.
[...] Não conseguiremos alcançar o objetivo último da sabedoria socrática de
conhecermo-nos a nós mesmos, se não abandonarmos o estreito confinamento dos
costumes, crenças e preconceitos em que todos nós nascemos. [...] A ciência do
homem, em sua versão mais profunda e refinada, deve conduzir-nos a esse
conhecimento, a essa tolerância e generosidade, baseando-se na compreensão da
perspectiva dos outros. (MALINOWSKI, 1986, p. 115-116).

Aluna da Karol, foi no segundo ano do ensino médio que tive o meu primeiro contato
com a etnografia, no fim do ano eletivo, precisamente em novembro de 2016. Na data que
escrevo, em agosto de 2019, perto de completar três anos dessa experiência, resta pouca
informação na memória do que foi a minha primeira pesquisa de campo. Felizmente, depois de
revirar todos os meus e-mails e documentos, encontrei em um armazenador portátil antigo, o
que foi a minha primeira etnografia. Pretendo, então, tendo essa como base, não somente expor
a minha primeira impressão a partir do meu primeiro contato com a etnografia, mas articular a
importância da matéria de Antropologia e Etnografia no ensino médio e suas influências na
minha escolha profissional. Consequentemente, compará-la, a partir da minha entrada na
academia, como graduanda do curso de Ciências Sociais com habilitação em Antropologia,
com outra obra etnográfica de minha autoria.
O estudante de Economia teve a Matemática que o instigou ao curso, assim como o de
Biologia, a Ciência e o de Letras, Português. Pouco se discute quais foram as influências do
sociólogo, do antropólogo ou do arqueólogo, que possuem poucas representações, seja na mídia
ou referências profissionais na escola e no cotidiano do jovem.
No ensino médio público, o debate sobre diversidade cultural é insuficiente e senão,
inexistente. Em sala de aula, os debates costumam ser limitados, dificilmente o aluno é
instigado pelo professor à reflexão. Os alunos, que estão habituados a ouvir, costumam não
expressar suas opiniões sobre o que está sendo exposto. Eu só passei a perceber essa limitação
quando fui apresentada para a Sociologia no segundo ano do ensino médio, - no meu primeiro
ano, a minha professora não era formada na área - especificamente para a Antropologia, onde
foram iniciados debates sobre conceitos-chave da matéria, como a antropologia evolucionista,
o relativismo cultural, e o etnocentrismo. Era a realidade social transformada em teoria sendo
ensinada e, principalmente, discutida.
Quando foi dito que iriamos a campo, com o objetivo de observar e participar do
cotidiano de um outro grupo, obviamente eu não tomava a experiência com a seriedade de hoje.
Por ter me limitado a um dia de observação, não me introduzi o suficiente para encontrar algum
obstáculo. A ingenuidade foi uma característica importante para eu acreditar que dentro do
templo Hare Krishna, eu me sentia pronta para aquela experiência. Consciente de que não tinha
bagagem acadêmica o suficiente para acreditar que sabia o que estava fazendo, eu anotava o
que me parecia digno de uma anotação, ou seja, tudo. Não fiz perguntas. Não por cautela,
somente por timidez. Acompanhados pela Karol, pudemos ser inseridos, eu e os meus colegas
de classe, na rotina dos devotos Hare Krishna. Participei do ritual de estudos, dança e canto da
manhã, do café em jejum e da preparação do almoço comunitário. Alguns desses eventos,
atividades comuns do nosso cotidiano. Os costumes religiosos dos devotos, as suas práticas e
os seus princípios, portanto, foram os fatores que mais demandaram a minha atenção. Desde o
início, eu diria. Grande parte dos meus colegas estavam presentes nessa experiência
etnográfica, mas havia uma minoria que havia permanecido no colégio porque não tiveram a
permissão dos responsáveis para o contato com o movimento Hare Krishna. Compreendi que
sem a introdução à Antropologia eu não saberia conceituar essa decisão, e que sem a
Etnografia, eu não poderia identificá-la, tal como não a poderia praticar em campo,
independentemente da legitimidade acadêmica.
Mesmo sendo uma experiência de tempo relativamente curto (um semestre de
Antropologia e uma produção etnográfica), a etnografia teve o poder de despertar em mim o
interesse que me levou ao ensino superior. Em 2019, para a conclusão da disciplina de
Antropologia e Práticas Etnográficas, voltei ao templo Hare Krishna para uma pesquisa
etnográfica urbana. Dessa vez, com objeto, métodos e teorias verdadeiramente científicas que
pudessem me levar a interpretações válidas. Durante um período de quase três meses, entre
visitas cotidianas no templo, estudei o processo de iniciação a devoção dos Hare Krishna’s.
Claramente observei diferenças significativas de uma pesquisa de cunho mais “simulatório”
para a acadêmica. Entretanto, eu soube da importância de uma primeira experiência quando eu
aparentemente parecia menos assustada do que os meus colegas de disciplina. A minha
iniciação ao saber antropológico despertou a pré-disposição de um interesse ainda
desconhecido, quando me apresentou uma ciência diferente das outras as quais eu estava
acostumada. Essa ciência do contato, do diálogo e do convívio.
A partir desses relatos, tenho o objetivo de fazer com que o leitor compreenda que se
a Etnografia não me fosse apresentada, assim como acontece com muitos outros estudantes, eu
teria a possibilidade de nunca ter cogitado seguir carreira acadêmica. Acrescento aqui, igual
importância para a Arqueologia, a qual não tive nenhum contato durante o colegial, e aproveito
para instigar a reflexão sobre outras áreas, vítimas do desigual investimento educacional, do
sucateamento nas universidades públicas e da desvalorização social, como o Cinema, Artes
Cênicas, e a Música. Em razão das insignificantes representações dentro das instituições
públicas que acompanham a formação da criança.

Considerações finais: por uma educação antropológica

O sistema escolar deficitário coloca o professor na difícil missão de instigar o interesse


dos e das estudantes em um contexto tecnológico fazendo com o professor dispute o interesse
dos estudantes, da forma mais convencional possível, frente às mídias sociais.
As redes cada vez mais inseridas no contexto escolar atribui ao educador o desafio de
proporcionar aos estudantes meios didáticos e teóricos de reflexão sobre as relações humanas.
Encontramos na prática etnográfica uma ferramenta para estimular o contato com o outro e
repensar relações. É comum durante a atividade, ao se sentirem atraídos por esse outro de
cabeça rapada, silka e tilaka no rosto, o abandono dos aparelhos eletrônicos tão utilizados em
sala de aula durante um momento significativo. Os olhares curiosos voltados para este outro
constitui um mecanismo de interação interessante à medida em que são abandonadas visões e
perspectivas etnocêntricas.
Além do mais, esta atividade tende a marcar o e a estudante primeiro por ser uma
proposta inovadora dentro do histórico escolar da escola pública e segundo por colocá-los em
contato com um grupo que, até então, é uma novidade.
Encontrar algo novo, que faça brilhar os olhos dos e das estudantes, acreditamos, ser
um dos maiores desafios da educação hoje devido ao acesso facilitado à informação
proporcionado pela internet.
Colocar a antropologia em contato com a educação potencializa discussões e abre
possibilidades para a produção de conhecimento ao atribuir aos educandos e às educandas papel
ativo neste fazer-saber que resulta no texto etnográfico tão diverso um do outro, valorizando
as singularidades humanas contribuindo para a compreensão do olhar sobre o outro de uma
forma mais tolerante e respeitosa.

Referências Bibliográficas
DAUSTER, Tania. Etnografia e educação: quais as perspectivas e dilemas? Revista
Espaço INES, Rio de Janeiro, n. 29, 2008.
GUSMAO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia, Cultura e Educação na
Formação de Professores. ANTHROPOLÓGICAS, Ano 20, 27(1):45-71, 2016.
GUSMAO, Neusa Maria Mendes de. Antropologia e educação: Origens de um
diálogo.Cad. CEDES, Campinas, v. 18, n. 43, p. 8-25, Dec. 1997. Disponível em:
from<http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_arttext&pid=S010132621997000200002&ln
g=en&nrm=iso>. Acesso em 15 agosto, 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-
32621997000200002.
MALINOWSKI, Bronislaw. 1986 [1922]. “O significado do Kula”. In E. Durham
(org.) Malinowski. São Paulo: Ática, Coleção Grandes Cientistas Sociais, p. 115-116.

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