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A EDUCAÇÃO PRIMÁRIA BAIANA:

GRUPOS ESCOLARES NA PENUMBRA

Lucia Maria da Franca Rocha1


Maria Lêda Ribeiro de Barros2

Este estudo volta–se para a educação primária na Bahia entre o final do século
XIX e o final dos anos 20 do século XX. Sua motivação inicial partiu de uma
constatação: Salvador, no seu processo de modernização urbana no início do século XX,
não incluiu entre seus projetos, prédios forjados pelos ideais republicanos para abrigar a
escola primária – os denominados grupos escolares. Salvador, é distinta de outras
capitais, onde até hoje se encontram vestígios dessas construções espalhadas em
diversos pontos da cidade. Salvador, à primeira vista, parece que não possuiu os
“templos da civilização” como foram consagrados os grupos escolares pela literatura
educacional, instituições eleitas como modelo para difundir os valores republicanos. O
trabalho tece, num primeiro momento, com base em estudos sobre o movimento
republicano na Bahia, algumas considerações a respeito da escola primária. Em seguida,
confronta a escola em suas permanências e problemáticas com as proposições
legislativas, inclusive o modelo “grupo escolar”; por fim, conclui com os elementos que
indicam a modificação dos rumos do ensino primário público na Bahia, a partir da
reforma de Anísio Teixeira, de 1925, a qual, do ponto de vista dos prédios escolares, vai
adotar o modelo de “escolas reunidas”. Os grupos escolares desses tempos, que existirão
em alguns poucos lugares, serão um modelo de pouca visibilidade.

A escola primária e a República

Para configurar o ensino primário no período republicano de 1889 até 1930,


parece-nos importante voltar a atenção para o movimento republicano na Bahia e nele o

1
Professora da Universidade Federal da Bahia; Doutora em História e Filosofia Educacional pela
PUC/SP. E-mail: lufranca@unb.br
2
Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana; Mestre em Educação pela Universidade
Federal da Bahia.
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lugar da educação. O republicanismo baiano, diferentemente de outros Estados,


conforme afirma Araújo (1992) não se configurou como um movimento

pujante e definidor para o plano nacional, mas contou com um grupo que
empunhou bandeiras de natureza radical na luta democrática (…) [mas]
faltava uma base de apoio mais ampla aos republicanos… Essa estrita base
de apoio condicionou, provavelmente, a permanência do discurso, em um
nível de relativa retórica. (p.91) (…) [Ademais esse] grupo formador de uma
classe média (…) por não reunir determinadas condições sociais e
ideológicas, deixou de atingir, com o advento do regime republicano, os
postos decisórios mais importante do novo Estado que se organizava. (p. 4)

Portanto, com a proclamação da República, o quadro político não apresentou


significativa mudança, apenas nova arrumação, a qual tornou–se firme em 1890 quando,
no entender de Tavares (1968), antigos políticos e conselheiros da Monarquia são
convocados para o governo republicano, sendo um deles Satyro de Oliveira Dias. O
episódio da proclamação, segundo o autor, “já indicava a próxima composição dos
liberais–conservadores–federalistas–republicanos – composição de nomes e interesses
regionais, em tudo desarmada de qualquer prévia definição teórica ou ideológica”.
(Tavares, p. 25). Por outro lado, a chegada da República encontrou no sertão “todo o
poder oligárquico plantado, sedimentado, arrumado e poderoso, na área da pecuária
principalmente” (Teixeira, 1988, p. 34), o qual vai pleitear assento nas áreas decisórias
do Parlamento da República, o que lhe tinha sido negado no período anterior, de
domínio das oligarquias do Recôncavo, ligadas à produção açucareira.
Diante desse panorama, como considerar a educação como um elemento
importante para a consolidação do regime republicano, tal como observado em outros
Estados? A Proclamação da República deu um lugar de destaque à educação, em
particular, à difusão da escola primária para as camadas populares, necessária para a
consolidação do novo regime, como em São Paulo (cf. estudo de Souza, 1998), Minas
Gerais (cf. estudo de Faria Filho, 2000), dentre outros. Na Bahia vamos encontrar uma
situação peculiar: não havia condições políticas, sociais e econômicas para priorizar, de
fato, a escola primária. Mas, pelo contexto do novo regime, a escola entrou na ordem do
dia da política baiana, pela via da retórica e de proclamações recorrentes verificáveis na

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documentação – inúmeras reformas, mensagens, regulamentos, continuando uma


tradição que vinha dos tempos imperiais.
Por exemplo, logo após a Proclamação da República, o segundo governador,
Manoel Victorino Pereira (23/11/1889–26/04/1890)3 “tendo em vista o parecer de uma
comissão de pessoas competentes”, emitiu um Ato, em 31 de dezembro de 1889, com
53 artigos, em cujo art. 1º determinava: “É completamente livre aos particulares neste
Estado o ensino primário e secundário (…)”, explicitando a obrigatoriedade nos termos
do art. 2º – a freqüência do ensino primário, público ou particular, gratuito ou
remunerado, é obrigatória.” A escola devia, segundo esse Ato, ter seu espaço próprio
tal como se lê no art. 9º – “toda escola deve ter o seu prédio, destinado a ela,
obedecendo a todas as prescripções higyenicas estatuídas em regulamento, e feito de
acordo com um plano previamente aprovado pela autoridade competente”. E instituiu,
no artigo 14, o recenseamento escolar como requisito para a localização das escolas.
A obrigatoriedade do ensino primário, como se vê, era formulada como dever
compartilhado entre o poder público e a iniciativa particular. Após a deposição de
Manoel Victorino, esse Ato foi revogado em 30 de abril de 1890, por sugestão de Satyro
Dias que “salientava que a sugerira [a suspensão do Ato] por causa de suas disposições
radicais, impraticáveis na Bahia” (Tavares, 1968, p. 29). Para o mesmo autor, a
Constituição de 1891, todavia, vai expressar melhor alguns ideais republicanos quanto à
universalização, à laicidade e à obrigatoriedade, ideais protelados nas leis
complementares, tensionados pelos interesses e pelas dificuldades econômicas e
financeiras do Estado.

A escola primária real que contrariava a idealizada

Em linhas gerais, a escola primária pública na Bahia caracterizava–se, desde os


primórdios do século XIX, como uma escola isolada, separada por sexo, de
responsabilidade de um/a professor/a, sem mobiliário, sem prédio próprio e sem boas

3
Entre 1889 e 1892, ocuparam o cargo de governador do Estado: Virgílio Clímaco Damásio (18/11/1889
a 23/11/1889); Manoel Victorino Pereira (23/11/1889 a 26/04/1890); Hermes Ernesto da Fonseca
(26/04/1890 a 14/09/1890); Virgílio Clímaco Damásio (14/09/1890 a 16/11/1890); José Gonçalves
(16/11/1890 a 24/11/1891); Tude Neiva (24/11/1891 a 12/12/1891); Francisco Leal Ferreira Júnior
(12/12/1891 a 28/05/1892).

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condições de asseio e higiene. No final do século é que se começou a observar


referências à escola mista. Dominavam, no entanto, escolas diferenciadas por sexo. Era
usual, também, referir–se às escolas primárias, como cadeiras.
Em 1889, ainda no período monárquico, um relato do então Diretor Geral de
Estudos sobre o ensino primário demonstrava,

que o ensino primário era concentrado na cidade do Salvador (…),


diminuindo as escolas, cadeiras e professores, à medida em que se
distanciavam para o interior: Salvador – 66 cadeiras do ensino primário;
Vitória da Conquista – 3. (…) Nada havia (…) em prédios escolares, a não
ser, no máximo, a ocupação de antigas residências, muitas delas em ruínas,
para localização das escolas. Assim mesmo, o costume generalizado era o de
o professor custear, êle próprio, com seus vencimentos, o aluguel da sala ou
do prédio em que instalava uma escola ou uma cadeira (…) [E quanto ao
mobiliário escolar, citando o relatório de Eduardo Pires Ramos], “atamanca–
se uma mobília escolar improvisada em barricas, caixões, pequenos bancos
de lastro rijo de tábua, tripeças estreitas, mal equilibradas, cadeiras
encouradas ou tecidas a junco…” (Tavares, 1968, pp. 21–22).

A mudança de regime político para a forma republicana não trouxe, como


corolário, mudanças efetivas na realidade da escola primária. Por muito tempo perdurou
a situação descrita em 1894:

A quem visita as nossas escolas confrange–se–lhe o coração ao ver o estado


de abandono em que vegetam. Não funcionam em casas regulares: não teem
livros, não teem mobília, nem pedras, nem quadros, nem mappas, nem cousa
nenhuma. Seria suppor que nellas se cogita ou cogitou jamais dessas
interessantes e essenciaes questões higiênicas e pedagógicas de orientação
das salas de estudo, de ar e luz, de horas de trabalho, de pateos e jardins, de
exercícios de gymnasticos e militares, e do emprego desses admiráveis
methodos de ensino, que dão ás escolas um ar festivo e attrahente, e aos
meninos toda a expansão e desenvolvimento ás funções do organismo e às
faculdades do espírito. (Bahia, 1894, p. 4)

As idéias sobre a escola primária no período republicano começam a ser


observadas a partir da primeira reforma educacional. O projeto dessa reforma teve uma
longa tramitação (1891–1895) decorrente das inumeráveis emendas e interpretações.
Tavares (1968) indica pelo menos cinco questões polêmicas: competência e poderes do
Diretor Geral da Instrução; extensão do ensino obrigatório; competência constitucional
dos municípios; programa móvel ou variável para as escolas primárias e atribuições do

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Conselho Superior do Ensino. Polêmica maior, pela ótica de Satyro Dias (1893), esteve
vinculada à interpretação do dispositivo constitucional que atribuía aos municípios
competência para administrar a instrução pública primária. A lei aprovada, conjugando
os interesses que estiveram em conflito, delega aos municípios o ensino primário, mas
não exclusivamente. Esse dispositivo, associado à situação política e econômica do
Estado, legalizou as dificuldades, mesmo em Salvador, para o florescimento da escola
primária pública.
Outro ponto que gerou intensa divergência, segundo Silva (1997), foi o da
obrigatoriedade do ensino primário. Para o deputado Aristides Borges

O ensino obrigatório não pode ser dado neste Estado. Os nobres deputados
infelizmente não conhecem as condições do sertão. Pois. Ss. Ex.as não Vêem
que um homem que dificilmente passa a vida, não tem recursos para mandar
seus filhos á escola, distante muitas vezes 4 ou 5 léguas? Os ilustres colegas
podem mandar a escola para a casa do cidadão? (Apud Silva, p. 25).

A idéia republicana quanto à obrigatoriedade prescrita no texto constitucional de


1891 não alcançou êxito e foi traduzida na Lei 117 de 24 de agosto de 1895, art. 4º – “a
freqüência nas escolas elementares publicas ou particulares será obrigatória no raio de
um quilometro das cidades, villas e povoados do Estado…” As vozes que defendiam a
obrigatoriedade não eram numerosas e as forças conservadoras tinham poder para
derrubar o que não estivesse em concordância com seus interesses. Os argumentos que
mais pesavam contra a obrigatoriedade eram a carência de escolas, sua dispersão,
reduzida demanda escolar, número insuficiente de professores e parcos recursos
financeiros dos municípios, responsáveis que foram, na Constituição de 1891, pela
difusão da escola primária.
Este dispositivo legal foi resultado da “composição dos antigos liberais e
conservadores nas formas regionais dos partidos republicanos”. (Tavares, 1968, p.42), o
que assegurou a eleição de Joaquim Manuel Rodrigues Lima para o Governo do Estado.
Conhecido como o coronel Cazuzinha, ele representava o poder coronelístico e
oligárquico do sudoeste da Bahia, e trouxe novamente à cena política o liberal Satyro de

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Oliveira Dias4 escolhido para o cargo de Diretor Geral de Instrução Pública. Satyro,
embora não pertencesse às hostes republicanas, acreditava como liberal, que a
“educação significava progresso”. A lei 117/1895 é associada a seu nome.
E, enquanto a reforma, depois de muitos debates, vinha a lume, a realidade da
escola primária, configurada pelos inspetores, demonstrava tensões entre a escola e a
família, resultando baixas freqüências de alunos, além dos velhos problemas de
localização das escolas, de mobiliário e prédios escolares. Dizia Aloysio Lopes Pereira
de Carvalho, Inspetor do 4º distrito escolar do Estado, em relatório que se encontra
anexado ao do Diretor da Instrução Pública, em 1894:

Vêde, por exemplo, Sr. Dr. Director, que em muitas localidades é não
pequena lucta o conseguir–se que a população infantil freqüente as escolas,
já por precárias condições de vida que, principalmente nas epocas de safra,
afastam–n´a para auxiliar seus progenitores em trabalhos ruraes, já pelas
grandes extensões de caminhos, escaldado no verão e intransitável no
inverno, que as creanças têm de percorrer para chegar ás escolas. (…) Na
Feira de Santana, por exemplo, cidade das mais educadas e importantes do
estado, declarou–me uma professora que meninas havia que traziam cadeiras
de casa para a escola, por faltar a esta a mobília correlativa à frequencia,
sendo até que fôra obrigada a aproveitar–se tambem de simples caixões que
realmente vi! (Bahia, 1894, anexo, pp. 3 e 6).

Pelo relatório do Inspetor do 5º distrito escolar, Augusto Flavio Gomes Villaça,


o pouco aproveitamento dos alunos ao final do ano letivo era de responsabilidade,
principalmente, dos pais:

Em pequeno numero se notam alumnos que tenham seguido fielmente os


cursos com aproveitamento notavel, e se em parte póde–se attribuir a tal ou
qual negligencia dos professores, é comtudo a causa principal de tão
lamentável facto, a pouca freqüência dos alumnos, a desídia dos paes de
famílias ou dos encarregados da educação das crianças (Bahia, 1894, anexo,
p. 4).

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Satyro de Oliverira Dias (1811-1913) destacou-se no cenário nacional, presidindo várias províncias no
Império: Ceará, Rio Grande do Norte e Amazonas. No Ceará, declarou extinta a escravidão em 1884.
Foi também deputado provincial e geral, além de médico. Era Diretor Geral da Instrução Pública da
Bahia no momento da Proclamação da República e continuou no cargo durante os primeiros governos
republicanos.

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Tal observação se repete em outros relatórios como no de José Amancio


Carneiro da Motta, Inspetor do 6º distrito, que afirma: “é realmente para lamentar a má
vontade com que muitos chefes de família destas regiões mandam os filhos á escola,
reluctando assim no cumprimento deste dever moral e cívico (Bahia, 1894, anexo, p. 2)
As motivações políticas e as necessidades sociais, entre outros fatores,
contribuíram para que a primeira reforma republicana ficasse no papel.

Os grupos escolares

A lei 117/1895 vai propor uma nova organização do ensino, que passa a
compreender o ensino infantil, o elementar ou de 1º grau (obrigatório) e o
complementar ou de 2º grau. Surge, então, pela primeira vez, alusão a um novo tipo de
escola primária, os grupos escolares, definido no artigo 10º – “um grupo escolar
completo, compreende a escola infantil, a escola elementar e a complementar as quais
poderão funcionar separadamente, ou em um só prédio”.
A documentação por nós trabalhada até o momento não nos permitiu maiores
informações quanto à discussão que ocorreu para a introdução do “grupo escolar” nessa
Lei. Dentre os debates mais conhecidos sobre a Reforma de 1895, conforme já nos
referimos, estiveram os das competências administrativas do ensino primário, que a
Constituição de 1891 delegou aos municípios. O Grupo Escolar, portanto, chega na
legislação em 1895 e vai ser conhecido na prática como um estabelecimento modelo de
ensino primário em 1908, quando encontramos referência ao único Grupo Escolar de
Salvador no período em estudo.
Após a promulgação da legislação, o município de Salvador assume em 1896
todas as escolas primárias da capital e, a partir daí, os relatórios apresentados ao
Conselho Municipal vão registrar tópicos referentes à instrução pública. É o que se
observa no Relatório de 1909, do Conselheiro Antonio Carneiro da Rocha, o qual faz
referência às dificuldades financeiras do município para assumir a educação primária,
incluindo pagamento de professor e a inexistência de prédios escolares próprios.

Temos professores que, não obstante as difficuldades que tem a vencer,


cumprem satisfatoriamente a sua ardua e utilíssima missão, mas falta–nos o

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prédio escolar, o material do ensino e o mobiliário indispensável, e sem estes


elementos não se pode considerar que se tenha uma escola segundo as
exigencias da pedagogia moderna .
O município não dispõe de um so prédio escolar e as escolas funccionam nos
predios onde habitam os respectivos professores, que percebem para isso
uma gratificação, a titulo de locação, que lhes não tem recebido
pontualmente, pelo atrazo em que estão os seus vencimentos, aos quaes
aquella gratificação esta unida. (Bahia, 1911, p.20)

A exceção que o Relatório menciona é para um prédio, o Grupo Escolar da


Penha, inaugurado, provavelmente, em 1908.

Em virtude do estado financeiro do município, apenas pude dotar o Grupo


Escolar da Penha de um prédio espaçoso e bastante arejado, dispondo de
commodos sufficientes para o seu regular funcionmmento, e dotei da
necessária mobília, que me foi cedida pelo governo do Estado, das muitas
que recebeu dos Estados Unidos.
Tenciono montar convenientemente a Escola Modelo, para que seja um foco
de onde se irradiem a instrucção e a educação para as creanças e dê aos
professores municipaes a orientação pedagógica necessária , como foram os
intuitos de sua creação. (idem, p. 20)

Este foi o único Grupo Escolar de Salvador construído para tal fim. Outro grupo
escolar encontrado na documentação consultada refere–se às escolas anexas ao Instituto
Normal, as quais mudam de denominação, em decorrência da lei em vigor. Em 1911,
em sua Mensagem à Assembléia Geral Legislativa, o governador João Ferreira de
Araújo Pinho salienta que esse grupo compunha–se de “5 escolas: uma infantil, cujo
programma visa o ensino intuitivo do Jardim da Infância, duas elementares e duas
complementares, uma de cada cathegoria para cada sexo”. (Bahia, 1911, p. 24)
A documentação encontrada sobre o Grupo Escolar da Penha, posteriormente
denominado Rio Branco, é pouca. Apenas tivemos acesso a um relatório de 1927, do
diretor Deocleciano Barbosa de Castro, enviado ao então Diretor da Instrução Pública
Anísio Teixeira. O Diretor, nesse documento, informa que o grupo só atendia aos alunos
do sexo masculino e refere–se às dificuldades de funcionamento:

(…) apesar de estarmos em condições de ser o nosso estabelecimento, o


primeiro desta capital, pois dispomos dos melhores elementos possíveis,
como sejam: bom prédio, boa situação, bom professorado, faltando apenas
distribuição de recursos compatíveis com a natureza e porte do nosso
estabelecimento (…) A matrícula e a freqüência deste estabelecimento, que

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está situado nas proximidades de várias escolas do mesmo sexo, quando as


demais escolas reunidas são de caráter misto, neste ano, aumentaram
regularmente, em virtude da evidência em que tem se tornado o trabalho
executado nesta casa, devido aos esforços do seu professorado. (…) com
relação ao curso infantil continuamos em lastimável estado, sem solução
adequada, devido à inadaptação do seu funcionamento, mau grado termos
habilíssima professora D. Clara Conceição, numerosos alunos e espaçosos
salões (…) Com relação ao curso fundamental, depois de uma expectativa
certa de exito da Directoria, professores e alumnos, estes completamente
dissuadidos (sic) abandonaram o estabelecimento, depois de um anno de
espera (…) Penso que deveria continuar existindo o curso fundamental
oficial com caráter mixto, prestando grande serviço à população de Itapajipe.
(Salvador, Relat., 1927, pp 5 e 8)

Pelas informações estatísticas sobre exames trimestrais constantes do Relatório


observou–se que o Grupo possuía alunos nos quatro anos do ensino elementar.
O Estado inaugurou o período de construções de prédios escolares próprios no
governo de João Ferreira de Araújo Pinho (1908 – 1911). Segundo Silva (1997)

Em 1910 é votada pelo Legislativo, uma lei autorizando a despesa de


cinqüenta contos de reis (50:000$000) com a construção de prédios
escolares, a começar pelas cidades mais próximas da capital. Na mensagem
com que ele encerrou sua gestão (1911), justificava o pedido de abertura
desse crédito especial para a construção de prédios, nos municípios de Santo
Amaro, Nazaré, São Felix, Cachoeira e Feira de Santana, de acordo com as
plantas organizadas pela Diretoria de Obras Públicas (p. 66).

A autora informa também que o primeiro desses prédios foi o de São Felix,
inaugurado em 14 de junho de 1912, com a denominação de Escola Deiró Lefundes. O
prédio de Cachoeira foi chamado Escola Ana Néri. Dos prédios projetados nesse
período, o único e último a ser inaugurado com a denominação de Grupo Escolar foi o
de Feira de Santana: o Grupo Escolar J.J. Seabra, em 19165. Este, embora de bela
fachada e o de “maior vulto” entre as construções da época, possuía pequenas salas de
aula conforme comentário de Alberto Assis:

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O grupo escolar J. J. Seabra desaparece em 1927, quando é reorganizado para sediar a Escola Normal,
que lá fica abrigada entre 1927 e 1960. No período de 1968 a 1976 passa a ser reconhecido como o
prédio da Faculdade de Educação de Feira de Santana. A partir de 1988 é incorporado ao patrimônio da
Universidade Estadual de Feira de Santana e hoje é conhecido como Centro Universitário de Cultura e
Arte (CUCA).

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Mal distribuído em seus alojamentos (…), saleta e salinhas quebram a


harmonia interna do edifício prejudicando–lhe e muito as necessiadades
pedagógicas, motivando o acréscimo de dois pavillhões anexos que mesmo
assim tem sala para visitas, embora as visitas não sejam tantas (apud Silva,
1997, p. 68).

Apesar do pouco investimento em prédios próprios para escolas, e,


particularmente, segundo o modelo “grupo escolar”, o ensino primário baiano foi objeto
de várias reformas6, as quais definiram o grupo escolar como a instituição responsável
pela difusão do ensino primário, em contraposição à escola isolada.
O que impressiona é a proliferação legislativa em tão curto período de tempo,
bem como a quantidade de artigos das leis e dos regulamentos – a legislar para uma
realidade que continuava a contrariá–las. O Grupo Escolar, como idéia, foi cada vez
mais aperfeiçoado. De um modelo que não implicava em um só prédio (1895) e nem
sempre em grandes hierarquias e em cargo de diretor, passou a incluir a idéia de um só
prédio, uma direção e uma graduação de anos de estudo, a partir de 1913. Essa reforma,
de 1913, estabeleceu duração de dois anos para escolas infantis, destinadas à população
de 4 a 7 anos, e em conformidade com o plano froebeliano; duração de 4 anos para
escolas elementares, destinadas à população de 6 a 14 anos e duração de três anos para
escolas complementares, destinada à população de 12 a 16 anos.
Um elemento polêmico quanto ao grupo escolar na legislação, pode ser
observado nos Anais da Câmara dos Deputados, por ocasião do debate da Reforma de
Instrução de 1913, que se refere às condições propostas nos artigos 21 e 28. O artigo 21
determinava: “Haverá para a diffusão do ensino primário, em todo o Estado e em
número sufficiente às necessidades publicas: a) escolas isoladas; b) grupos escolares”; e
o artigo 28: “conforme o gráo de cultura da cidade, o grupo escolar se comporá de uma
escola infantil, uma ou mais escolas elementares e uma complementar para cada sexo”.
Sobre o assunto, o deputado Alfredo Rocha se pronuncia:

Por este artigo (21) a difusão do ensino está feita de dois modos: ou por
escolas ou por grupos. Senhor Presidente, diz o artigo 28, este que está

6
As reformas do período foram: Lei n. 1006, de 6 de setembro de 1913, regulamentada pelo Decreto n.
1354, de 20 de janeiro de 1914; Lei n. 1293, de 9 de novembro de 1918, regulamentada pelo Decreto n.
1994, de 26 de maio de 1919 e a Lei n. 1846, de 14 de agosto de 1925, regulamentada pelo Decreto n.
4218, de 30 de dezembro de 1925.

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parecendo um duende: (leitura do artigo) conforme o gráo de cultura das


cidades (…) Ora, si se diz “conforme o grao de cultura das cidades”, é para
que se aprecie, a fim de se saber se o grupo escolar deve ou não ser creado.
(continua a ler o artigo) Istoé: está estabelecido no artigo 21 a existência de
grupos escolares em qualquer cidade. Agora, considera o Governo si a cidade
A tem mais cultura do que a cidade B, se a cidade A tiver mais cultura do
que a cidade B, terá o grupo escolar, não tendo a cidade B (… ) Nas leis
números 117 e 579 não existe assim a creação que agora o governo resolveu
dos grupos escolares na capital. Não é preferência, a razão é esta: não tendo o
governo escolas suas, resolveu crear, o que é muito natural. Mesmo por conta
exclusiva do Governo, ou por lei do Congresso do Estado, tinha–se que crear
estas escolas. (Annaes da Câmara dos Deputados, 1914 , pp. 255 – 258)

Outro deputado, Américo Alves, manifestando–se na mesma sessão,


especificamente sobre o artigo 32 da proposta de lei da reforma diz: “O artigo 32 do
projeto quer dar à capital grupos escolares em cada distrito, abandonando a grande
população sertaneja. Si a lei não lh´os nega, também não lh´os dá.” (idem, p. 258)
No momento em que se projetava uma nova reforma de ensino e diante de uma
realidade da escola primária que, a rigor, mantinha–se quase inalterada, jornais de
Salvador denunciavam a situação do ensino, a exemplo do Diário de Notícias que em
editorial do dia 15 de abril de 1912 dizia:

Se há entre nós uma questão social que mereça grande e várias apreciações, a
do ensino primário é uma das primeiras. Fala–se, agora, na remodelação, da
reforma do ensino primário da Bahia, que podemos dizer não existe
satisfatoriamente. Três de fevereiro é a data tradicional para a abertura dos
cursos primários mantidos pelo governo municipal ou estadual. Quatorze de
novembro, porque a 15 se deve realizar as festas de férias, é o dia do
respectivo encerramento. Entretanto, em março ou talvez em abril (não
falamos do interior, por ora), encontramos escolas primárias que não se
reabriram ainda. Nos lugares mais distantes da sede do muncipio – Maré,
Passe, Pirajá, Matoim, as escolas funcionam dois meses, três meses, por ano.
Em fins de outubro, muitos professores despacham as crianças mais atrasadas
porque vão preparar os que vão prestar exames. O horário é variadíssimo.
Com as exceções honrosíssimas, já se vê, aqui há escolas que se abrem às
nove horas; há as que se abrem as nove e meia; as que se abrem um quarto
antes das dez. Os trabalhos são encerrados às duas horas da tarde, a uma hora
e meia, a uma hora, sendo que a escola é useira e vezeira em abrir tarde, se
fecha cedo! Não há na Bahia edifícios escolares. O Governo dá, para a casa,
que deve ser procurada pelo professor a quantia de 50 mil réis. Ora, com 50
mil réis não se encontra na Bahia um pardieiro de sala grande, que possa
comportar umas 60 infelizes crianças, com mobiliário sui generis, como os
das nossas escolas. Que procura fazer o professor? Aluga uma sala de visitas,
ou então faz da sua própria casa a escola pública! (…) Nós não podemos
compreender uma reforma da instrução primária na Bahia, sem os edifícios

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escolares, exclusivamente destinados ao ensino. Se a reforma projetada for


somente para criar maior número de escolas só no papel, para colocar
professores e professoras sem as necessárias habilitações, por obra e graça da
politicagem, e tudo o mais ficar como está, é o caso de se pedir
encarecidamente aos reformadores que deixem em paz o ensino primário da
Bahia (…) Deixem em paz porque nada adiantará ao progresso da Bahia”
(Salvador, 1912, “Editorial”. Diário de Notícias, Salvador, 15 abr.).

Importa registrar que a reforma de 1913 ocorre no primeiro governo de J.J


Seabra (1912–1916), conhecido como o modernizador da cidade de Salvador, o que
abriu avenidas, demoliu e construiu os primeiros edifícios modernos da cidade,
“desenfeiando” a velha cidade colonial. Leite (1996) nos propicia alguns elementos para
contextualizar os principais aspectos desse projeto modernizador ocorrido em Salvador
e através dos quais é possível avaliar o papel da instrução primária nesse projeto.
Seabra, ao dar início à modernização da capital “atendia a um interesse comum de
certos segmentos elitistas da sociedade local, inconformados com a cidade em que
viviam” (idem, p. 19). Cidades com o passado colonial, e em especial a mais velha
capital de todas, Salvador não poderia ficar à margem dessa modernização. Como diz o
autor:

A Salvador do contexto remodelador era uma capital de gente inculta,


deseducada e incivilizada, cujas “práticas de barbaria numa cidade tida como
civilizada” enchia–lhe de vergonha. Esta impressão, ressaltada dos jornais,
compõe uma noção, representa uma idéia que certos segmentos locais das
elites (social, política ou intelectual) tinham do povo (ibidem, p. 120).

A urbanização que foi justificada inicialmente pelas condições sanitárias e


higiênicas da cidade, estabeleceu outros vínculos que foram associados à
“modernização, urbanização, higienização, normatização, moralização dos costumes,
ações de controle social, regulamentação dos usos do espaço. (…) Uma expressão,
entretanto, pela abrangência que adquiriu, resumia todo este complexo de relações:
civilizar.” (Leite, 1996, p. 12).
E em diversos contextos do período de 1912–1916, outras idéias difundidas
pelos jornais, possibilitaram verificar a associação do “civilizar” com questões sociais
que podia:

159
160

ser representada, por um lado, no cuidado com a habitação e o transporte


popular; e por outro lado, no cuidado com a assistência pública, com as casas
correcionais e escolas profissionalizantes para a infância desvalida, casas
correcionais para vadios e criminosos, abrigos noturnos para indigentes e
miseráveis, hospitais para alienados, entre outros. Tinha–se, ainda, um anseio
pela extensão da instrução pública.” (idem, p. 50)

A preocupação “civilizatória” estava, de fato, centrada em alguns aspectos


disciplinadores das camadas populares e, ao que parece, não exatamente ou
principalmente com a educação primária. Por isso pode–se afirmar que a reforma de
1913 não ocupou um lugar de destaque no projeto modernizador da Bahia no governo
Seabra.

O ensino primário: novos rumos

Até 1925, contrariando todas as leis, o ensino primário na Bahia continuava, a


rigor, inalterado em sua configuração do século XIX. As iniciativas de construção de
prédios próprios, por exemplo, foram poucas, conforme pudemos comprovar. Nem em
Salvador, onde florescia desde o século XIX o ensino particular – ou talvez por isso
mesmo – era perceptível uma situação diferente.
Foi no governo de Francisco Góes Calmon (1924–1928) e sob a direção de
Anísio Spínola Teixeira que uma reforma de ensino saiu do papel. Quando foi aprovada
, iniciativas logo foram tomadas visando implementá–la, destacando–se a avocação para
o Estado de todo o ensino primário e a construção de prédios escolares, principalmente
sob a denominação de Escolas Reunidas.
Assumindo o Governo, Góes Calmon ressaltou em sua primeira Mensagem à
Assembléia Geral Legislativa, em 7 de abril de 1924, a função pública da educação, a
sua importância para a democracia e a necessidade de sua expansão, principalmente a
educação primária.

Chegamos ao momento em que é preciso promover com coragem e fé no


futuro o desenvolvimento do Estado (…) a consecução deste desideratum,
(…) é a aspiração de toda a Bahia, até hoje dominada pelas idéas ferrenhas
do partidarismo, (…) creado e fomentado sempre em torno de ambições
individuaes (…). O melhor remédio que encontramos para esse grande mal é,
antes de tudo, a diffusão da instrução, e a primaria é a base de toda ella; ahi

160
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está o alicerce das democracias, que não podem ser comprehendidas nem
praticadas em um povo que não possua pelo menos a consciência de seus
deveres e direitos. É preciso que seja uma realidade o regimen da opinião
popular e esta jamais existirá onde a instrucção não for realmente cuidada
com maior empenho do governo” (Bahia, 1924, p. 9).

A primeira proposta da reforma de 1925, foi gestada em 1924 e elaborada por


comissões organizadas e presididas pelo Governador. Em Mensagem à Assembléia
Geral Legislativa, em 19 de julho de 1924, o Governador expõe princípios norteadores,
enfatizando não se tratar propriamente de uma reforma, mas de aperfeiçoamentos e de
inovações à existente. Ao final do período legislativo, nova projeto foi elaborada já sob
a direção de Anísio Spínola Teixeira como Inspetor da Instrução Pública e apreciado na
Assembléia, a partir de maio de 1925, como um substitutivo do primeiro. Esse
substitutivo assume uma ênfase reformista e se transformou na Lei 1846, de 18 de
agosto de 1925, regulamentada pelo Decreto nº. 4.218, de 30 de dezembro de 1925.
Alguns aspectos dessa reforma são destacados por Góes Calmon em sua
Mensagem de 7 de abril de 1925, apresentada à Assembléia Geral Legislativa:

O problema da educação da criança reune os mais complexos e variados


aspectos. Em redor da escola primaria enxameiam, ruidosas e inquieta,
questões de pysicologia, pedagogia e sociologia. A lei vigente organizara o
ensino primário sem a preoccupação desses problemas. A Bahia que temos á
nossa frente e que a escola primaria se propõe a educar, é, além da Bahia
mais ou menos civilizada de algumas cidades, a Bahia rudimentar e sertaneja
de pequenos agricultores elementares, de vaqueiros e criadores primitivos, de
pescadores e operários ruraes aventureiros e nômades. (Diário da Assembléia
Geral, 1925, p. 45)

A gratuidade e a obrigatoriedade foram princípios reafirmados pelo Governador


nos seguintes termos: “A gratuidade absoluta existirá somente para o curso elementar.
(…) Os fatos demonstram a necessidade absoluta da obrigatoriedade escolar. Não é
tanto a obrigatoriedade de matrícula quanto a da frequencia que se tem de levar a
effeito” (idem, p. 46). E faz questão ressaltar o caráter educativo da escola primária e
em decorrência, os programas de ensino procuraram incluir o estudo da geometria, do
desenho e dos trabalhos manuais:

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162

A escola primária de hoje procura desenvolver na criança a sua


personalidade, cultivando–lhe a vontade e a intelligencia e armando–a para a
vida com o senso prático de coragem, de iniciativa e de independência. (…)
A escola americana prepara a creança para a vida como se adextra um
luctador para a arena (…). Ora, na América, os trabalhos manuaes e o
desenho têm sido a grande escola de desenvolvimento da personalidade pelo
cultivo intensivo da vontade e do pensamento. Enquanto as escola theoricas e
livrescas desenvolvem a intelligencia e a imaginação, descurando a vontade,
a educação americana fortifica esta pela acção. (ibidem, p. 47)

E, nessa Mensagem faz a defesa das “escolas reunidas” que considera como “o
módico e pequeno grupo escolar talhado para o nosso meio”

O ensino primario, entre nós, se compõe quase exclusivamente de escolas


isoladas. As escolas reunidas, o modico e pequeno grupo escolar talhado
para o nosso meio, trouxe–o a reforma, reconhecendo que a reunião de
escolas alem, de vantagens econômicas, traz vantagem de caráter
pedagogica e de reciproca fiscalização. As escolas reunidas se
estimularão umas ás outras, ao mesmo tempo que, sujeitas a uma
direcção única, terão um ensino primario mais uniforme e completo. O
grupo escolar, organização mais luxuosa, ficará para as cidades onde as
exigências sociaes e naturaes solicitarem a sua criação. (Diário da
Assembléia Geral, 1925, p. 49)

A implementação da reforma começa em 1926, o que enseja oportunidade a


Góes Calmon em sua Mensagem, de 7 de abril de 1926 a enfatizar as principais
inovações administrativas que iriam possibilitar os novos rumos do ensino primário na
Bahia, entre estas a avocação do ensino primário a cargo do Estado, e não mais do
município, e a criação da Diretoria de Instrução Pública.
Um ano após a execução da Reforma, o Governador Góes Calmon em sua
Mensagem do ano de 1927 apresenta “demonstrativos dos progressos que vae
conquistando esse serviço publico” (Diário da Assembléia Geral, 1927, p. 33). Afirma
que “conseguiu melhores dotações orçamentárias” (p.33) . Lembra que na Bahia, esses
recursos foram declinantes a partir de 1895, quando representavam 16,25% da receita
geral do Estado. “A verba da instrução pública representava em 1924, 6,98% (…) e em
1926 alcançou 17,44% da receita geral do Estado (p.34). Destaca aspectos considerados
modernizantes nos âmbitos pedagógico e técnico e, nesse sentido informa que mandou
traduzir a obra de Omer Buyse – Methodos Americanos de Ensino. (Diário da
Assembléia Geral, 1927, p. 46)

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Ao fazer um balanço de seu trabalho à frente da Direção da Instrução Pública,


Anísio Teixeira (1928) em seu relatório, reiterou o seu empenho em “modificar a escola
primária” e ratificou a sua concepção da escola elementar como uma instituição
educativa a qual, ao

exercitar nos meninos os hábitos de observação e raciocínio, despertando–


lhes o interesse pelos ideaes e conquistas da humanidade, ministrando–lhes
noções rudimentares de litteratura e historia pátria, fazendo–os manejar a
língua portugueza como instrumento de pensamento e da expressão;
guiando–lhes as actividades naturaes dos olhos e das mãos mediante formas
adequadas de trabalhos práticos e manuaes; cuidando, finalmente, do seu
desenvolvimento physico com exercícios o jogos organizados e
conhecimento das regras elementares de hygiene, procurando sempre não
esquecer a terra e o meio a que a escola deseja servir, utilizando–se o
professor de todos os recursos para adaptar o ensino ás particularidades da
região e do ambiente bahiano. (Teixeira, 1928, p. 11)

Destacando aspectos considerados modernizantes nos âmbitos pedagógico e


técnico, referiu–se aos novos programas da escola primária, à reforma do ensino
normal, ao curso de férias para os professores da capital, à experiência com testes
psicológicos e à publicação do livro de Omer Buyse – Methodos Americanos de Ensino
1927, entre outros. Essa obra tinha por objetivo “iniciar os nossos professores nos
méthodos activos da educação da América do Norte (…) [o qual] procurou mostrar o
que se faz e como se faz, na América, para que a escola seja verdadeiramente educativa,
verdadeiramente formadora da vontade e da intelligencia da criança” (idem, p. 45)
Pretendia Anísio que a circulação das idéias de Omer Buyse pudesse “abrir para
o interesse da creança uma escola nova” (idem, p. 12), e que a escola primária baiana
adotasse os métodos ativos da educação.
Os testes psicológicos foram aplicados experimentalmente na Escola 16, do sexo
feminino, distrito de São Pedro, nas Escolas Reunidas da rua do Paço, nas Escolas
Reunidas do distrito de Nazaré e nas Escolas Aurelino Leal, do distrito da Vitória, todas
na capital do Estado. A experiência objetivou familiarizar os professores num trabalho
considerado científico e tinha o objetivo de

aferir os progressos do escolar bahiano. Só por esse meio é, hoje, possível


não só organizar o trabalho do professor e inspeccionar a execucção de um
programma, como evitar julgamentos extravagantes dos alumnos. Por meio

163
164

dos testes de escolaridade, o progresso do escolar se poderá fazer com


perfeita consciência do professor que, assistido pela Directoria, poderá
controlar todo o seu trabalho no sentido de um progresso global da classe
(…) Os technicos americanos são hoje accordes em que não debe haver
repetições de anno em um systema escolar (idem, p. 26)

Tendo em vista as inovações introduzidas e o inicio de solução de vários


problemas ligados à matrícula, à freqüência, à melhor qualificação do professorado, à
execução de programas de ensino e aos prédios escolares, pode–se afirmar que a
Reforma de 1925 institui no Estado novos rumos para a escola primária. Segundo as
estatísticas, somaram 31 “os módicos e pequenos grupos escolares talhados para o nosso
meio”, ou seja, as “Escolas Reunidas”, no período de 1926–1928 – todas em prédios
próprios. Dos prédios construídos ou adaptados no período nenhum recebeu a
denominação de “Grupo Escolar”. O período dos “grupos escolares” na Bahia7 ocorreu
a partir da década de 30.

7
A ressalva é para um prédio cujas obras foram retomadas no governo Góes Calmon e foi inaugurado em
15/11/1928, no governo seguinte, de Vital Soares, como Grupo Escolar de Morro do Chapéu.

164
165

Referências bibliográficas

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Calmon, governador do Estado da Bahia á Assembléa Geral Legislativa, por ocasião
da abertura da 2ª reunião ordinária da 18ª legislatura. Bahia: Diário da Assembléia
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165
166

BAHIA. Mensagem apresentada pelo Exm. Sr. Dr. Francisco Marques de Góes
Calmon, governador do Estado da Bahia á Assembléa Geral Legislativa, por ocasião
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O GRUPO ESCHOLAR MODELO “AUGUSTO SEVERO” E A EDUCAÇÃO DA CRIANÇA


(NATAL – RN, 1908 A 1913)

Marta Maria de Araújo8


Keila Cruz Moreira9

Venceu, finalmente, entre nós, a idéia já


triunfante em outras latitudes de congregar
as cadeiras públicas, para estimular mestres
e discípulos a uniformizar os métodos,
corrigir os defeitos da inspeção oficial,
senão também para economia e regularidade
das edificações (Relatório apresentado pelo
Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1908)

Em fins do século XIX, a universalização da escolarização primária já era um


fenômeno social consolidado em grande parte dos países europeus e nos Estados
Unidos. Como uma “razão de Estado”, a educação escolar, especialmente a primária,
estava acometida por uma série de inovações socioeducacionais; dentre outras, o ensino
individual cedeu lugar ao ensino simultâneo, o método intuitivo sucedeu o método
tradicional e a sala de aula unitária deu lugar à escola graduada com várias classes e
seus respectivos professores.
No ímpeto dessas inovações socioeducacionais, coincidentes com a ambiência
histórica de fin–de–siècle, o grupo escolar (também chamado escola graduada), por sua
compatibilidade com o preceito da universalização do ensino primário, tornar–se–ia a
modalidade educacional, por excelência, implantada no mundo ocidental, alicerçada em
preceitos de pedagogias modernas mais ou menos equivalentes. Destaca Cambi (1999,
p. 512) que, no século XX, renovação educativa e renovação pedagógica agiram de
modo constante e entrelaçado.
No Brasil, a expansão dos grupos escolares principia, em 1893, pela capital
São Paulo, justamente quatro anos após a decretação do regime republicano. A intenção
dos republicanos, de uma maneira geral, era bem clara: estabelecer um marco distintivo

Profª da UFRN. E-mail: martaujo@digi.com.br


8

167
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entre a escolarização primária ofertada antes e depois do regime republicano. A presente


exposição é orientada pela seguinte pergunta: o grupo escolar representando uma
modalidade educacional inovadora traz alterações no modo de pensar e de praticar a
educação escolar da criança, no território potiguar?
No Rio Grande do Norte, os anos imediatos à instalação do regime
republicano também presenciaram a materialização de um programa de inovações
socioeducacionais, notadamente a partir do segundo Governo de Pedro Velho de
Albuquerque Maranhão (1892 a 1895), indiscutivelmente como desdobramento da
organização político–jurídica republicana, promovida com mais intensidade por esse
governante.
No dia 21 de novembro de 1889, justamente seis dias após a proclamação do
regime republicano no Brasil, Pedro Velho lançou um Manifesto dirigido ao Povo do
Rio Grande do Norte, no qual exaltava o regime recém–inaugurado como um tempo de
vida nova, de horizontes largos, de ordem e dignidade social (Manifesto Republicano,
1889, p. 278). Para esse novo tempo, a educação escolar primária deveria contemplar
um programa de disciplinas ampliadas e diversificadas em vez de um ensino que
privilegiasse simplesmente as habilidades de ler, escrever, contar e rezar desenvolvidas
nas escolas de primeiras letras existentes.
Na primeira organização da instrução pública sob o regime republicano, o
programa escolar compreendeu as disciplinas “Leitura e Escrita, Gramática Nacional,
Elementos de Música, Lições de Coisas, Noções de Geografia e História, Educação
Moral e Cívica, Aritmética Elementar, Geometria, Desenho Linear, Trabalhos Manuais
e Ginástica. No âmbito dessa renovação educacional, apenas ensaiada, todas as
disciplinas oferecidas precisavam harmonizar–se com os progressos da Pedagogia
Moderna” (Regulamento da Instrução Primária, 1892, p. 209).
O curto período em que Dr. Antonio José de Melo e Souza respondeu pelo
governo do Rio Grande do Norte – 1906 a 1907 – foi deveras suficiente para convencer
os Deputados da Assembléia Legislativa a autorizar a reforma da instrução pública,
“dando especialmente ao ensino primário moldes mais amplos e garantidos de
proficuidade” (Lei Nº 249 De 22 Novembro de 1907, p. 5).

9
Mestranda na UFRN

168
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Não havia, portanto, para esse governante, como desconhecer a tarefa


educativa da escola primária pública no alicerce da nova ordem política e social
republicana. Afinal, reformar a escola primária em moldes mais amplos e profícuos não
era uma medida política compatível com a edificação de uma rede de grupos escolares,
a partir da capital Natal, propagando o paradigma de inovação socioeducacional
universalmente aceito? Esse clima político, ou o “espírito republicano”, fez com que o
Governador Antonio de Souza prestasse contas, sem discórdias, à Assembléia
Legislativa Estadual dos últimos investimentos públicos em matéria educacional ─ o
edifício do grupo escolar da capital, tal como comprova parte do texto de sua mensagem
a seguir:

Está sendo edificado um prédio destinado ao primeiro grupo escolar da


capital, cujas plantas e orçamento já haviam sido organizados, por ordem
de meu ilustre e operoso antecessor, o exmo. sr. dr. Tavares de Lira, pelo
conhecido arquiteto Herculano Ramos. Efetuada a transação, contratei em
maio com aquele profissional, a construção do edifício, de acordo com as
plantas e orçamento, aprovados depois de várias modificações, pela
quantia de 50.201$508. Os trabalhos já se acham muito adiantados,
devendo, pelo contrato, estarem concluídos em 31 de dezembro próximo.
Podendo, assim, ser inaugurado em janeiro seguinte, torna–se necessário
apenas que habiliteis o governo com os recursos precisos para o
provimento das cadeiras que ali funcionarão (Mensagem Apresentada ao
Congresso Legislativo, 1907, p. 12).

Era um tempo de idéias liberais, republicanas, evolucionistas, que se


entrelaçavam com as de pedagogia moderna, ensino intuitivo, universalização das
oportunidades educacionais, educação integral, uniformidade escolar e educação
integral da criança. Um tempo de homens públicos que se associavam e levavam adiante
projetos inovadores ligados à causa da educação escolar da criança.
Os partidários dos projetos educativos inovadores, a exemplo dos homens da
imprensa, elogiavam e incentivavam a construção do edifício do Grupo Escolar
“Augusto Severo”, como fator de progresso da formosa capital. Sob tal ponto de vista,
acrescentavam: “Pois quereis de antemão conhecer a grandeza moral de um povo? Pedi
que vos mostrem seus templos e suas escolas infantis”. (Instrução Primária, 1908, p. 3).
Tornou–se constante, nas páginas do Jornal “A República”, o enaltecimento da firmeza
dos governantes republicanos em promover inovações socioeducacionais.

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170

Todas as administrações do Rio Grande do Norte republicano têm agido


em conformidade com os altos interesses do Estado, tendo cada qual uma
parte preponderante na construção do grande edifício social e político, que
se não tem belezas de arquitetura que deslumbrem, apresenta solidez
bastante para afrontar a ação do tempo (Contento, 1908, p. 1).

Eleito para um segundo mandato de governador, em fins de 1807, Alberto


Frederico de Albuquerque Maranhão confirmou, por meio do Decreto nº 178, de 29 de
abril 1908, as medidas legislativas e governamentais preconizadas anteriormente, e
conferiu a urgência de fazer avançar a reforma da educação escolar pública com fins de

(...) adaptá–la às novas condições sociais e interesses respeitáveis do povo


no governo republicano, [por] considerar que a primeira condição de êxito
da reforma é o preparo racional dos novos mestres, consoante a orientação
da pedagogia moderna. É criada uma Escola Normal para o preparo do
magistério de ambos os sexos, anexo ao Atheneu Rio–grandense. O
governo restabelecerá, pelos menos, um grupo escolar em cada sede de
comarca e uma escola mista em cada um dos outros municípios do
Estados, nos prédios estaduais existentes e nos que forem construídos
(Decreto Nº 178 de 29 de Abril De 1908, pp. 46–47, grifos nossos).

Semelhante ao que ocorreu em São Paulo, Minas Gerais, Paraíba e Sergipe,


como mostram Souza (1996), Faria Filho (1996), Pinheiro (2002) e Azevedo (2004), no
Rio Grande do Norte, a edificação de uma rede de grupos escolares tanto derivava de
um programa de inovações socioeducacionais quanto conjugava com a ordem social
republicana. No âmbito desse Estado, o programa de inovações socioeducacionais
acelerou–se com a instalação concomitante da Escola Normal (13 de maio de 1908) e do
Grupo Escolar Augusto Severo (12 de junho de 1908), na capital Natal.
A Escola Normal do Rio Grande do Norte foi singelamente instalada na tarde
do dia 13 de maio de 1908 (aniversário da abolição da escravatura), no prédio do
Atheneu Rio–Grandense, com a presença do Governador Alberto Maranhão, do Diretor
Geral da Instrução Pública, prof. Francisco Pinto de Abreu, do Diretor da Escola
Normal e do Grupo Escolar Modelo “Augusto Severo”, prof. Ezequiel Benigno de
Vasconcelos Júnior (especialmente convidado para dirigir as duas instituições devido à
sua larga experiência educacional inovadora na capital do país), além de outras
autoridades, professores e alunos da primeira turma. Como bem observou o então

170
171

normalista Severino Bezerra (A Escola Normal do Rio Grande do Norte,1958, p. 3),


todas as pessoas ali presentes estavam muito entusiasmadas pelo alvissareiro
acontecimento. A Escola Normal permaneceu no prédio do Atheneu Rio–Grandense até
31 de dezembro de 1910. A partir de janeiro de 1911, passou a funcionar no próprio
prédio do Grupo Escolar “Augusto Severo”.
A inauguração do Grupo Escolar “Augusto Severo”, inquestionavelmente, foi
pensada para ser uma espetacular festa pública cívica. A festa esteve abrilhantada pela
orquestra do Teatro Carlos Gomes que entoou os Hinos do Rio Grande do Norte, da
Proclamação da República e da Bandeira Nacional. O cerimonial da festa cívica foi
assistido por autoridades políticas e educacionais, entre elas, o Governador Alberto
Maranhão, o Diretor Geral da Instrução Pública, prof. Francisco Pinto de Abreu, o
Diretor do Grupo Escolar “Augusto Severo” e da Escola Normal, prof. Ezequiel
Benigno de Vasconcelos Júnior, além de professores e alunos das escolas públicas e os
concidadãos. O Jornal “A República” assim noticiou o evento:

Teve lugar ontem a inauguração do grupo escolar ‘Augusto Severo’ com


muito brilhantismo, assistida pelo exm. Governador do Estado, altas
autoridades representantes do coronel Febronio de Britto, do Atheneu
Rio–grandense, da Escola Normal, muitas famílias e cavalheiros
(Inauguração do Grupo Escolar Augusto Severo, 1908, p. 1).

A data de 12 de junho escolhida para a inauguração do Grupo Escolar Modelo


“Augusto Severo” era de grande relevância para a história republicana no Brasil e no
Nordeste, vez que correspondia ao aniversário da morte daquele considerado um dos
heróis e mártir do movimento republicano de 1817, no Nordeste, Miguel Joaquim de
Almeida Castro, o nosso Frei Miguelinho.
O Grupo Escolar Modelo “Augusto Severo” foi edificado no Bairro da Ribeira,
em frente à Praça de igual nome ─ Augusto Severo. Era um bairro representativo por
congregar as repartições públicas, o palácio do governo, as lojas comerciais, as
moradias de famílias de renda alta, além de ser contemplado pelas paisagens do Rio
Potengi e do mar. A denominação “Augusto Severo” prestava um tributo ao intelectual,
matemático, aeronauta e político Augusto Severo de Albuquerque Maranhão (1892 a
1902) ─ irmão do Governador Alberto Maranhão e do ex–Governador Pedro Velho ─

171
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que morreu em Paris, a 12 de maio de 1902, quando conduzia o seu balão PAX, em
companhia do seu mecânico, George Sachet. A sua genialidade intelectual e artística
erguia–se como símbolo de exemplo para as crianças e os jovens, de memória e de
homenagem das instituições educacionais e culturais.

Os editores dos jornais entusiastas do programa sociocultural implementado no


decorrer do Governo Alberto Maranhão, notadamente na capital Natal, utilizavam muito
papel e tinta para noticiar todos os investimentos realizados, tais como: a edificação do
Grupo Escolar “Augusto Severo”, a remodelação do Teatro Carlos Gomes (hoje Alberto
Maranhão), a instalação da Escola de Música, a fundação do Hospital Jovino Barreto
(hoje Onofre Lopes) e as benfeitorias na rede de telefonia e de bondes elétricos. Era por
meio desses investimentos socioculturais que a capital

Natal despertava ao som festivo do hino do progresso: sente nas veias o


influxo de um sangue novo, que lhe revigora a existência, para ser, de
futuro, senão a primeira, uma das mais importantes cidades das plagas do
Norte; ─ nada lhe falta para conseguir um lugar proeminente que de
direito compete–lhe ─ Nos vastos horizontes desta terra de belas praias e
colinas verdejantes, rasgam–se extensas avenidas, constroem–se escolas,
parques e jardins, notando–se a comunicativa alegria até mesmo entre os
habitantes das choupanas que de boa mente vão cedendo o campo por
onde passa o arado da civilização e do progresso (Alencar, 1908, p. 4).

O Diretor Geral da Instrução Pública, prof. Francisco Pinto de Abreu, autor


intelectual da reforma da educação escolar de 1908, concebeu–a como parte integrante
de uma reforma social mais ampla e profunda. Sob esse prisma, tratou imediatamente de
“extinguir as cadeiras isoladas viciadas da antiga Província, com suas metodologias
obsoletas, a disciplina humilhante, e os programas de ensino preconizando ainda os
processos mnemônicos e abstratos” (Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de
Abreu, 1908, p. 6).
O pensamento ilustrado de Francisco Pinto de Abreu ateve–se, outrossim, à
defesa veemente da ampliação da educação renovada a ser efetivada pela
institucionalização de uma rede de grupos escolares, em virtude de permitirem à criança
o exercício da aquisição ativa da cultura letrada e a descoberta de suas vocações

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173

individuais. Para esse Diretor da Instrução Pública, a antiga escola primária condenava
os poucos alunos que ali estudavam ─ “entre quatro paredes nuas, sobre bancos ásperos,
numa temperatura elevada, em classes de quatro horas modorrentas, que as tornavam
inquietas e aborrecidas, pela natural necessidade de movimentos físicos” (Relatório
apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1909, p. 5) ─ a transformarem–se numa
legião de pessoas passivas, hipócritas e subjugadas, levando, assim, a Nação a anular–se
diante do mundo civilizado.
Contra a “antiga escola primária” insurgiram–se o governo e as elites locais,
abrindo gradativamente grupos escolares em lugar das escolas de primeiras letras
multiseriadas, para “matar o Adamastor que vai talhando o passo à juventude”
(Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1909, p. 5). Modalidade
educacional transplantada consoante um plano de adaptação, o grupo escolar era
produto da alteridade de certos padrões de sociabilidade decorrentes da cultura letrada e
do processo civilizatório em marcha.
Convencidos os dirigentes republicanos da eminente tarefa política de reformar
os costumes societários, pareceu fundamental implementar, no decorrer do Governo
Alberto Maranhão (1908 a 1913), uma rede de grupos escolares mediante auxílio
financeiro e material do poder municipal e da própria população local, começando pelos
maiores núcleos urbanos do Estado na seguinte ordem: Natal (Augusto Severo e Frei
Miguelino), Mossoró (Trinta de Setembro), Caicó (Senador Guerra), Tomaz de Araújo
(Acari), Caraúbas (Antônio Carlos), Martins (Almino Afonso), Serra Negra (Coronel
Mariz), São José de Mipibu (Barão de Mipibu), Goianinha (Moreira Brandão), Pedro
Velho (Fabrício Maranhão), Jardim do Seridó (Antônio Azevedo), Papari, hoje Nísia
Floresta (Nísia Floresta), Pau dos Ferros (Joaquim Correia), Arês (Jacumaúma), Açu
(Ten. Cel. José Correia), Macaíba (Auta de Souza), Currais Novos (Capitão Mór
Galvão), Apodi (Ferreira Pinto), Angicos (José Rufino), Nova Cruz (Alberto
Maranhão), Luiz Gomes (Coronel Fernandes), Ceará–Mirim (Felipe Camarão), São
Gonçalo (Dr. Otaviano) e Canguaretama (Pedro Velho). Desenvolver a cultura de
cidade em conjugação com a cultura de cidadania correspondia rigorosamente a educar
a infância.

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Em vista de uma homogeneidade da educação escolarizada ─ imperativo caro da


escola graduada ─ o Grupo Escolar Modelo “Augusto Severo” tornou–se, tanto a
“escola de aplicação” e campo de estágio das normalistas quanto o paradigma de
referência para o ordenamento (em termos da adoção de livros, das matérias de ensino,
do material didático, do tempo letivo, do calendário, da higiene, da mobília etc.) dos
grupos escolares nas cidades interioranas do Estado. Por meio de um Decreto, o
Governador Alberto Maranhão determinou:

O Grupo Escolar Augusto Severo que funciona no bairro abaixo desta


capital, à Praça do mesmo nome, será a Escola Modelo para servir de tipo
ao Ensino Público elementar em todo o Estado, devendo os Regimentos
Internos dos diversos Grupos e Escolas já inaugurados e a inaugurarem–
se neste e em outros municípios, modelar–se pelo Regulamento e
Regimento Interno do Augusto Severo (Decreto Nº 198 de 10 de maio de
1909, p. 73).

A idéia da difusão de uma educação escolar renovada para todas as crianças


em idade escolar ─ reiteradamente apregoada pelo Diretor da Instrução Pública,
Francisco Pinto de Abreu ─ “definia o primeiro dever de uma democracia num país
republicano” Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1908, p. 2).
Sem dúvida, desde meados do século XIX, assistia–se, nos países avançados, à
universalização da escola pública como uma prioridade política intrínseca a um
desenvolvimento industrial em larga escala. Para o republicano Francisco Pinto de
Abreu, um integrante da elite ilustrada brasileira, o atraso econômico e político da nação
brasileira deveria, sim, ser subvertido por meio de um projeto educacional à altura dos
países adiantados, evidentemente pelo transplante de pedagogias e ensinamentos
adotados, adaptando–os minimamente às condições locais.
O desejo coletivo (governo e povo) à luz de um mesmo ideal ─ a educação
escolar primária seriada e integral, ao sabor da pedagogia moderna ─ engendraria a
“consciência social” do indivíduo republicano do século XX. E da iniciativa de uma
educação escolar pública, laica e renovada para todas às crianças em idade escolar é que
se modelaria o cidadão consciente do amanhã. Na ótica do prof. Pinto de Abreu,

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175

Os erros políticos registrados pela crítica desinteressada, bem como os


defeitos de ordem moral, que ora lamentamos, têm como causa imediata a
ausência de cultura intelectual. A necessidade de instruir o povo decorre
da própria vida em sociedade, para consecução do seu próprio destino
democrático. A ninguém é lícito deixar de trabalhar, mas ninguém
trabalha eficazmente sem aprender em novas bases (Relatório apresentado
pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1910, p. 2).

A sociedade que pretendia alterar certos padrões de sociabilidade também


desejava agenciar, pelo procedimento da uniformidade, a dinâmica escolar ao lado dos
comportamentos individuais. Da mesma forma, invocava os preceitos da pedagogia
moderna visando “ao cultivo simultâneo do corpo e do espírito da criança” (Relatório
apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1908, p. 1). A uniformização
pedagógica fundava–se no estatuto de “uma nova concepção de educativo escolar”
(Faria Filho, 1996, p. 112).
Essa nova concepção de educativo escolar foi inequivocamente à concepção que
permeou a estruturação do Grupo Escolar Modelo “Augusto Severo”, e dos que a ele se
seguiram, ganhando corpo a princípio no aspecto referente à disposição física da
ambiência escolar, marcada pelo efeito da concentração e da vigilância geral. Pelo
Código de Ensino, espécie de lei de diretrizes e bases da educação escolar estadual, as
salas de aula destinadas a 40 alunos deviam ser retangulares e conter carteiras de
madeira de elevação adequada à postura elegante e à saúde física do educando. Por
meio de um certo padrão homogêneo, “facilitar–se–á a vigilância do professor e a
responsabilidade individual do aluno” (Código de Ensino, 1910, p. 126).
Para Pinto de Abreu, a arte de educar, nos grupos escolares, exigia um sistema
único de fiscalização e inspeção, sob a orientação da Diretoria Geral da Instrução
Pública. Fiscalizar, para ele, era antes de tudo vigiar para que os grupos escolares
instalados correspondessem às necessidades sociais da população local. A inspeção
tratava, acima de tudo, “de dirigir o modo do ensino conforme a Pedagogia e a Lei.
Aquela é o órgão de conservação; esta é o elemento propulsor”. A responsabilidade do
Estado em matéria de educação pública não dispensaria a fiscalização e a inspeção
escolar, “porque elas giram como dois círculos concêntricos”. (Relatório apresentado
pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1909, p. 7).

175
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A gradualidade como premissa básica dos grupos escolares e do Grupo Escolar


Modelo “Augusto Severo” materializava–se, por exemplo, na distribuição dos alunos,
conforme a classe de aula infantil e primária. Nas classes infantis mistas admitia–se
meninos e meninas de cinco a dez anos de idade Na classe primária masculina, os
alunos de seis a doze anos; nas classes femininas, as alunas de seis a quatorze anos.
A escola graduada comportava muitas outras dimensões, abarcando a abertura e
término das classes de aulas (1º de fevereiro a 14 de novembro), a regularidade do
horário das classes de aula (7h às 11h e 13h às 17h, com intervalo de meia hora para o
recreio), o calendário das férias (16 de novembro a 31 de janeiro e entre 22 de junho a
1º de julho), a natureza dos exames (provas escritas, orais e práticas) e os dias feriados
(domingos, carnaval, semana santa, festas juninas, feriados nacionais e do Estado). Por
essa estrutura graduada, pretendeu–se atingir uma homogeneidade do educativo escolar
e reproduzi–la mediante a rede de grupos escolares distribuídos pelas cidades
interioranas do Estado.
Karl Mannheim, dentre outros assuntos da cultura da escola, qualifica a
disposição física desses elementos como representando, no conjunto, uma espécie de
“unidade” para o ensino em classe graduada necessária para êxito da homogeneização
do educativo escolar. Mannheim, por outro lado, alicerçava o seu ponto de vista no
seguinte exemplo:

Primeiramente, focalizemos uma classe com trinta e cinco crianças de


doze anos. Como estão elas organizadas? (...) Comumente sentam–se em
carteiras, freqüentemente enfileiradas, todas voltadas num mesmo sentido,
embora isso tenda a ser mudado pelo mobiliário e organização da sala de
aula moderna. Esta disposição básica em fileira ajuda, de alguma forma, a
delimitar a área de atenção e capacita o professor – colocando diante da
classe e geralmente numa mesa posta um pouco mais no alto – a
supervisionar a classe e, quando necessário, tornar–se um foco de atenção.
A carteira ajuda a indicar a sobriedade do comportamento esperado; as
fileiras, a mostrar o cuidado do planejamento e os hábitos que os
professores esperam ver aparecendo em seus alunos (Mannheim; Stewart,
1977, pp. 131–132).

Concebido o Grupo Escolar Modelo “Augusto Severo” como representando o


paradigma de inovação socioeducacional no plano estadual, o edifício (ou como
costumava defini–lo o prof. Francisco Pinto de Abreu ─ o belo palacete construído

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elegantemente e decorado pelo arquiteto Herculano Ramos) agrupava idéias, símbolo,


imagens alegóricas e criação artística que se desdobravam na elegância e sobriedade do
conjunto arquitetônico de traços funcionais.
A reciprocidade artística, ornamental e educativa sobressai–se bem mais na
decoração interna do grupo escolar, mais ou menos assim descrita no Jornal “A
República” (Arte e Arquitetura, 1908): no topo da escada, estavam posicionadas duas
estátuas de crianças simbolizando a iniciação na vida letrada e representando a escrita e
a leitura sábias. No vértice do frontão, tinha–se a imagem artística de uma mulher
figurando a ciência – aquela que é procriadora de conhecimentos e de ensinamentos
científicos universais. De um lado e outro da imagem da mulher, estavam postos dois
condores dos Andes na posição de alçar vôo, expressando a força das ciências no seu
poder de ir a campos longínquos, inexploráveis, e posar em qualquer lugar do planeta, a
exemplo das terras potiguares.
O conjunto arquitetônico projetado cuidadosamente observava as prescrições da
engenharia sanitária concernentes à higiene, à ventilação, à luminosidade, à salubridade
e às convivências. Sombreado pelas árvores tropicais da Praça Augusto Severo, o
edifício com belos gradis comportava as classes infantis e primárias com capacidade
para 20 e 50 alunos, respectivamente. Assim como um salão para o gabinete dos
professores, um salão para a diretoria, um salão para a biblioteca, uma sala do museu de
lições de coisas, um pátio para o recreio e uma área aberta para aula de ginástica, dentre
outros ambientes. O mobiliário antes confeccionado aqui, em 1911, foi substituído pelo
adquirido na Alemanha.
Os horários dos grupos escolares, compatíveis com a lógica da vida social e
industrial, obedeciam à simultaneidade e à integralidade do programa de cada matéria
de ensino. No Diário de Classe, os professores registravam o horário destinado para
cada matéria (vinte minutos), ponto tratado e demonstrações feitas em classe. Sobre o
Diário de Classe, o prof. Ezequiel Vasconcelos Júnior, primeiro Diretor do Grupo
Escolar Modelo “Augusto Severo”, assim explicou uma de suas funções pedagógicas:
“Terminado os trabalhos escolares, os diários são entregues ao diretor do grupo para
serem remetidos à Diretoria da Instrução e ficarem arquivados para por eles se julgar o

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zelo, o esforço e até a aptidão pedagógica do professor”(Vasconcelos Júnior, 1908, p.


3).
As autoridades educacionais responsáveis pela estruturação pedagógica do
Grupo Escolar Modelo “Augusto Severo” definiram o período da escolarização infantil
de dois e a primária de quatro anos, justificado como compatível com o
desenvolvimento das faculdades naturais do educando. Por esse entendimento, corolário
das pedagogias modernas, o aprendizado da criança da classe infantil obedecendo às
condições físico–psicológicas convinha ser por meio das atividades de leitura, escrita,
aritmética, lições de coisas, canto, desenho e de exercícios físicos. A desenvolução dos
sentidos, do caráter e do coração da criança devia ser a principal preocupação do
professor alfabetador.
Por sua vez, a escolarização primária teria de ser tributária de uma educação
intelectual, moral e cívica, bem como física, com fins de atingir harmonicamente a sua
integralidade humana. Assim sendo, “a educação intelectual tinha por princípio básico a
aplicação do ensino simultâneo e graduado em classes das seguintes matérias: Leitura e
Escrita, Língua Nacional, Cantos Escolares, Rudimentos de História do Brasil, Noções
de Geografia, Instrução Moral e Cívica, Lições de Coisas, Geometria Concreta,
Desenho Natural, Contabilidade, Trabalhos Manuais, Economia Doméstica e Exercícios
Físicos” (Código de Ensino, 1910, p. 121). O Estado de São Paulo, como núcleo
irradiador da experiência da escola graduada no Brasil já havia disseminado a idéia de
que a formação integral do indivíduo republicano advinha de uma soma maior de
conhecimentos intelectuais.
A educação moral e cívica voltava–se para o preparo do cidadão útil à
sociedade. Para esse alcance, era necessário exercitar as faculdades que presidem “os
atos ordinários do educando que são a vontade e a sensibilidade”. Ao professor cabia
instruir o aluno sobre noções de moral social e individual, direitos e deveres e sobre o
sentimento de patriotismo (Regimento do Grupo Escolar ‘Augusto Severo’, 1909, p.
85).
A educação física destinada ao desenvolvimento higiênico, físico e psicológico
das crianças era ministrada por meio de aulas teóricas relativas à higiene, à conservação
da saúde e aos órgãos dos sentidos, bem como por meio de exercícios físicos e

178
179

recreativos (Regimento do Grupo Escolar ‘Augusto Severo’, 1909, p. 85). Naquele


início de século XX, a educação escolar adaptada ao cultivo do desenvolvimento
intelectual, moral e físico da criança–aluno já era em si, nas palavras de Carneiro Leão,
“uma transformação na concepção da escola” (Leão, 1917, p. 95).
O século XX, designado o “século da criança”, efetivamente proclamava a
criança como o “centro de gravidade” de toda e qualquer atividade educativa. Nos
termos do Diretor da Instrução Pública já havia passado para o domínio da história a
aspereza da “educação tradicional” no trato cotidiano da criança aluno:

Ser bom discípulo é permanecer calado no banco, em atitude humilde ou


circunspeta. Nem um riso, nem uma mostra de prazer, que qualquer
expansão d’alma ou do corpo infantil será levada à conta de mal
procedimento ou incorrigibilidade. (...) Nem se cogitava a educação
física, onde até proibia–se os livres jogos recreativos, tão salutares ao
crescimento da primeira idade. Que direi do canto e do desenho, se até
pareceria um caso de punição entoar um hino ou riscar uma gravura
(Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, 1909, p. 5).

Era um tempo que queria se apartar de um passado educacional insensato e


estúpido para com a infância em idade escolar. Os grupos escolares como modalidade
educacional inovadora e projeto político republicano eram apresentados pelo Diretor da
Instrução Pública como estando empenhados no desenvolvimento de uma educação
integral da criança, “que é assunto da pedagogia moderna, já praticado no moderno
ensino dos grupos e estudo da Escola Normal” (Relatório apresentado pelo Dr.
Francisco Pinto de Abreu, 1909, p. 8).

A arte de educar integralmente o ser intelectual, o ser moral e o ser físico


infantil, de conformidade com um ensino simultâneo e homogêneo, como assim
acreditavam proceder os professores dos grupos escolares, consolidava o projeto de
esculpir na criança o homem brasileiro do futuro.

São esses meninos que saem da escola com certa dose de cultura e prática
– intelectual e moral – são os homens que amanhã terão necessariamente
de fundar uma sociedade sobre os novos alicerces, cuidando do
desenvolvimento das forças vitais do país (Cláudio, 1908, p. 4).

179
180

Adepto da “Pedagogia do Amor”, Francisco Pinto de Abreu foi cognominado “o


Pestalozzi potiguar”, pelo entusiasmo com que introduziu alguns pressupostos da
pedagogia de Johann Heinrich Baptist Pestalozzi, inicialmente na dinâmica do Grupo
Escolar Modelo “Augusto Severo” (Araújo, 1982). Das escolas de primeiras letras
multiseriadas, funcionando na casa do professor, ao pretenso processo uniforme de
ensino dos grupos escolares, a Pedagogia de Pestalozzi, tornou–se a Pedagogia
oficialmente autorizada para orientar a educação escolarizada da infância no Rio Grande
do Norte.
A Pedagogia Moderna, como se conheceu no Brasil, a “Pedagogia Nova”, assim
chamada na França e Itália, a “Pedagogia Experimental”, segundo os países de língua
alemã, correspondia a um “corpus de saberes e de instrumentos metodológicos aptos a
viabilizar a escola de massas, organizando o ensino simultâneo em classes numerosas”
(Carvalho, 2001, p. 146).
Estruturar uma rede pública e laica de grupos escolares com níveis consecutivos,
séries graduadas, espaço físico apropriado, pedagogia pestalozianna, absolutamente
tudo em antídoto as escolas de primeiras letras multiseriadas, o disciplinamento da
criança semelhante ao adotado em São Paulo10 residia na base

(...) de uma afeição recíproca dos mestres e discípulos. Que ele se faça
estimar, em vez de se fazer temer, porque assim ganhará a confiança dos
alunos e será respeitado. A persuasão e o conselho podem conseguir hoje
o que o temor das punições não conseguiu nunca. Serão abolidos os
castigos físicos, que pervertem o caráter das crianças e tornam odiosa a
função do mestre (Regimento do Grupo Escolar ‘Augusto Severo’, 1909,
p. 89).

Levando em consideração certas formulações teóricas de Pestalozzi, Francisco


Pinto de Abreu conjugou o pressuposto da educação integral com a aplicação do método
intuitivo. Por essa combinação metodológica deviam os professores esforçar–se “para
tornar o estudo agradável, preparando judiciosamente suas lições, que deviam ser
variadas, concretas, concisas e acessíveis à inteligência infantil, terminando antes que os

10
No Estado de São Paulo, o Decreto ( Nº 248, de 26 de julho de 1894) recomendava que a disciplina
escolar devia repousar na afeição do professor para com os alunos, para que fossem dirigidos não pelo
temor mas pelo conselho e persuasão amistosos (SOUZA, 1996). No Rio Grande do Norte, a essência do
procedimento disciplinar define-se pelos moldes paulistas.

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alunos apresentassem sinais de fadiga” (Regimento do Grupo Escolar ‘Augusto Severo’,


1909, pp. 83–84).
O método intuitivo proposto entendia–se como peça chave da Pedagogia de
Pestalozzi que atuaria nos sentidos, na imaginação, na observação, na curiosidade, na
percepção, na memória, na abstração e no aprender–fazendo, e, nessa direção,
“promoveria o desenvolvimento espontâneo da criança e a faria adquirir conhecimentos
pelo exercício normal de suas faculdades”. Indissociável do cultivo das faculdades
específicas e gerais da criança, bem como “da ênfase não mais na lição de palavras, mas
na lição de coisas” (Moreira, 1997, p. 44), a tarefa do processo de ensino e
aprendizagem investiu–se de intenção científica: “o aluno deve apoderar–se da verdade
por meio de suas investigações, livre de coação de qualquer natureza” (Regimento do
Grupo Escolar ‘Augusto Severo’, 1909, pp. 84 e 83).
Considera Valdemarin que o método intuitivo pode ser sintetizado em duas
noções básicas: observar e trabalhar.

Observar significa progredir da percepção para a idéia, do concreto para o


abstrato, dos sentidos para a inteligência, dos dados para o julgamento.
Trabalhar implica a adoção de uma descoberta genial creditada a Froebel,
que consiste em fazer do ensino e da educação na infância uma
oportunidade para a realização de atividades concretas, similares àquelas
da vida adulta. Aliando observação e trabalho numa mesma atividade, o
método intuitivo pretende direcionar o desenvolvimento da criança de
modo que a observação gere o raciocínio e o trabalho prepare o futuro
produtor, tornando indissociáveis pensar e construir (Valdemarin, 1998,
p. 69).

Revela–se bastante nítida a correlação estabelecida entre organização


didático–pedagógica dos grupos escolares e a aplicação gradativa de processos
intuitivos dirigidos ao cultivo das faculdades da criança. Peça chave da pedagogia
pestalozianna, o método intuitivo deixou enraizados na cultura da escola primária
graduada, nas palavras de Souza (1996, p. 120), alguns princípios que vêm sendo
reafirmados há pelo menos cem anos: “o apelo à experiência e à observação, o estímulo
à curiosidade da criança, a organização do programa partindo do concreto para o
abstrato, do simples para o geral, do conhecido para o desconhecido”.

181
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A educação escolar da infância no grupo escolar exigiu a consideração dos


aspectos concernentes ao estímulo à curiosidade, à sensibilidade, à criatividade e à
atividade, sendo, pois, a razão para a introdução de materiais didáticos, como toras de
madeira, cubos, coleção de abecedários, ardósia, esqueleto humano, esquadros, globo,
mapas, dentre outros, no processo intuitivo de ensino e de aprendizagem. Do ponto de
vista da educação infantil, a quem creditar essa inovação pedagógica? A Friedrich
Fröbel, que pensou a infância como idade criativa, sensitiva e ativa. Destaca Cambi, a
propósito da pedagogia fröbeliana, que

(...) além de invocar a importância do jogo e do canto, da atividade


lúdico–estética como central no trabalho dos jardins, desenvolve também
uma teoria dos ‘dados’, que foi o aspecto mais criticado do fröbelismo,
pelo seu caráter apriorístico, artificioso e matematizante, portanto,
abstrato. (...) Brincando com os ‘dados’, compondo–os e decompondo–os,
a criança apreende as formas elementares do real, além de exprimir a
própria atividade criadora (Cambi, 1999, p. 426).

Os prêmios para os professores dos grupos escolares que se destacassem pela


aplicação de postulados das Pedagogias de Pestalozzi e de Fröbel foi decisão do
Conselho de Instrução Pública, presidido por Francisco Pinto de Abreu. A partir de
1910, a Diretoria Geral da Instrução Pública concedia a esses professores além de uma
medalha com esfinge de Pestalozzi e de Fröbel, viagens para fora do Estado (geralmente
São Paulo), com o intuito de observar as experiências educacionais inovadoras.
A arte de ensinar, de conformidade com os postulados teóricos da Pedagogia
de Pestalozzi e de Fröbel, levou as autoridades educacionais a editar um periódico
especializado em educação e ensino, dirigido ao professorado do Rio Grande do Norte –
O Boletim Pedagógico, cujo primeiro número circulou no dia 7 de setembro de 1909. A
formalização de uma iniciativa dessa natureza guarda forte associação com um
entendimento de que pedagogia é prática prescritiva de ensinar a ensinar com método11
(Carvalho, 2001, p. 142).
Os partidários das inovações socioeducacionais em curso no Estado – cabe
lembrar que eram na sua maioria os intelectuais da imprensa – estimularam mais e mais

182
183

“formar professores completamente aparelhados para o ensino prático e intuitivo, tal


como nos Estados Unidos da América e como se está fazendo em São Paulo” (Cláudio,
1908, p.4).
A especificidade da educação da infância cobrava em larga medida do
professorado a competência operacional para adequar os saberes ensinados, o método
adotado e os materiais escolares utilizados na fase de desenvolvimento em que a criança
se encontrava. Tornou–se indispensável veicular um conjunto sistemático de
procedimentos, métodos e, sobretudo, linguagem e repertório, com fins de orientar
homogeneamente o “saber ensinar” e o “como ensinar”. Com fins de socialização desse
conhecimento teórico e especializado era criado o Boletim Pedagógico. O Diretor da
Instrução Pública assim justifica a criação desse veículo ao Governador Alberto
Maranhão:

Senti que a reforma da instrução tinha criado a necessidade de um meio


de expansão entre profissionais e estudantes, já que os assuntos de
Pedagogia vão interessando no moderno ensino dos grupos escolares e
nos estudos da Escola Normal. De outra parte, era indispensável reunir as
leis e atos referentes ao ensino e era conveniente divulgar os novos
processos didáticos entre os interessados (Relatório apresentado pelo Dr.
Francisco Pinto de Abreu, 1909, p. 9).

A educação ativa da criança era a finalidade última dos grupos escolares.


Educar o ser infantil mediante a exploração dos sentidos e, por conseguinte, a difusão de
saberes culturais foi o objetivo estrito do dia–a–dia da escolarização nas classes de aula.
É importante aqui lembrar a concepção de Gramsci acerca da criança em idade escolar
tão bem sintetizada por Nosella.

(...) a criança, sua fantasia, sua inteligência e seu desenvolvimento são


realidades históricas, pois o ambiente geral, os estímulos concretos, o
clima cultural, os hábitos, os valores e as imagens mudam de época para
época. Por isso, a educação familiar, a rua, a escola, as leituras, os
currículos e seus instrumentos didáticos constituem a Paidéia educativa
em constante mudança (2002, p. 157).

11
Foi mais ou menos esse intuito que se editou a Revista Eschola Pública (São Paulo, 1893), a Revista de
Ensino (São Paulo, 1902) e o Anuário do Ensino (São Paulo, 1908), como mostram Souza (1996),
Carvalho (2001), Pinto (2002) e Catani (2003).

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Os grupos escolares como uma modalidade de ensino verdadeiramente


inovadora contemplavam uma concepção de educação da criança compatível com o
clima cultural de fim de século XIX e início de século XX, que funcionou
hegemonicamente gozando de prestígio sobre as escolas isoladas e rudimentares até
mais ou menos meados da década de 1950. Nessa década de 1950, a modalidade
educacional por excelência era então os Institutos de Educação, que agruparam um novo
tipo de escola graduada compreendendo educação infantil, primária, secundária e
normal.
A educação escolar da criança da sociedade industrial, tecnológica e
internacionalizada já não era mais aquela dos “antigos grupos escolares”. A Paidéia
educativa em constante mudança estruturava–se segundo saberes, métodos, técnicas,
repertórios e pedagogias condizentes com uma nova concepção de criança escolarizada.

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185
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1908.

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___. Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, Diretor Geral da
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___. Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, Diretor Geral da
Instrução Pública, em 15 de outubro de 1909. Natal, 1909, 18 p. (Manuscrito).

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Cria a escola normal, grupos escolares e escolas mistas e dá outras providências. Actos
Legislativos e Decretos do Governo (1908 a 1909). Natal: Typ. d’O Século, 1909.

___. Regimento do Grupo Escolar “Augusto Severo”. Actos Legislativos e Decretos do


Governo (1909). Natal: Typ. d’A República, 1909.

186
187

___. Relatório apresentado pelo Dr. Francisco Pinto de Abreu, Diretor Geral da
Instrução Pública, em 1º de outubro de 1910. Natal, 1910, 20 p. (Manuscrito).

___. Decreto nº 198 de 10 de maio de 1909. Declara que o Grupo Escolar “Augusto
Severo” será a Escola Modelo para servir de tipo de Ensino Público elementar em todo
o Estado Actos Legislativos e Decretos do Governo (1909). Natal: Typ. d’A República,
1910.

___. Código de Ensino (aprovado pelo Decreto nº 239 de 15 de dezembro de 1910).


Actos Legislativos e Decretos do Governo (1910). Natal: Typ. d’A República, 1911.

187
188

O FLORESCER DE UMA CULTURA ESCOLAR NO ENSINO PÚBLICO MATO-


GROSSENSE

Elizabeth Poubel e Silva12

“ O futuro da instrução popular é a base


fundamental de todo progresso social”
Cel. Pedro Celestino

A preocupação com o progresso social de Mato Grosso impulsionou o governo a


investir na reorganização da instrução primária e na formação de professores. Esta
preocupação se identifica com o ideal de progresso presente na sociedade brasileira
desde o final do século XIX, quando a elite republicana considerava a educação como
instrumento de consolidação do novo regime, bem como de regeneração da nação.
Segundo Souza (1998, p.27) o problema do crescimento econômico do país, a
transição para o trabalho livre, a construção da identidade nacional, a modernidade e o
progresso da nação foram temas amplamente discutidos no final do século XIX. Desta
forma, “um amplo projeto civilizador foi gestado nessa época e nele a educação foi
ressaltada como uma necessidade política e social”.
Para o pensamento de bases liberais e positivistas, dominantes no período, a
questão da eficiência do processo educativo se centrava na formação do cidadão,
indivíduo participante do processo produtivo e da organização política do país (Cf.
Rodrigues 1988, p.84)
Surge então, no bojo do projeto republicano de modernização da sociedade e de
civilização de massas, um modelo escolar que, embora tenha sido implementado
primeiramente em São Paulo, vai se difundindo pelos demais estados do país.
Desta forma, “a criação dos grupos escolares era defendida não apenas para
‘organizar’ o ensino, mas, principalmente, como uma forma de ‘reinventar’ a escola,

12
Doutoranda em História da Educação do Programa de Pós Graduação da FEUSP. E-mail:
bethpoubel@uol.com.br

188
189

objetivando tornar mais efetiva a sua contribuição aos projetos de homogeneização


cultural e política da sociedade” (Faria Filho, 2000, p.31), pois, até então, haviam
grandes críticas ao sistema educacional quanto à sua metodologia ineficiente, à
inadequação dos ambientes escolares, que estavam desprovidos de qualquer higiene, à
falta de tempo e organização do espaço escolar; fatores estes que dificultavam o projeto
empreendedor. Desta feita, foram os grupos escolares pensados e criados de modo que
pudessem garantir a eficácia das práticas educativas.
Eram os grupos escolares o tipo de escola que melhor atendia às necessidades de
difusão do ensino primário, pois estes “consistiram em escolas modelares onde era
ministrado o ensino primário completo com um programa de ensino enriquecido e
enciclopédico utilizando os mais modernos métodos e processos pedagógicos existentes
na época” (Souza, 1998, p.16).
Para o Major Estevão José Corrêa (1912), Diretor Geral da Instrução Pública de
Mato Grosso, “negar a influência social da educação, o mesmo seria que negar as
próprias leis do progresso e da civilização dos povos cuja grandeza decorre do grau da
cultura de cada um”.
No seu entendimento, Mato Grosso não podia ficar alheio ao movimento que
envolvia a sociedade brasileira. Afirmou que “neste contínuo peregrinar pela infinita
estrada da civilização, também Mato Grosso procura desferir os seus vôos de ensaio em
busca da perfectibilidade com que sonha para assegurar-lhe uma posição de destaque
nos domínios da cultura moral e intelectual de seus habitantes” (Corrêa, 1912).
O Presidente de Estado, Cel. Pedro Celestino Corrêa da Costa, partilhava das
mesmas preocupações, de modo que, quatro dias após a sua posse, investiu na instrução
pública assinando a resolução nº 508, de 16 de Outubro de 1908, que autorizou a criação
de várias escolas isoladas e três grupos escolares, sendo dois na Capital e um em
Corumbá.
Este texto pretende demonstrar como o grupo escolar consolidou-se no ensino
público e quais as mudanças que introduziu na educação mato-grossense, desvendando,

189
190

assim, sua cultura escolar13. Para a realização deste estudo foram utilizadas fontes
documentais, tais como, legislações, relatórios, mensagens e jornais.
O estudo se direcionou para a Escola Modelo Barão de Melgaço, grupo escolar
que funcionou com duas finalidades: a de ser modelo para as demais escolas do Estado
e de servir de prática para os normalistas em formação. Compreende, então, o período
de sua implantação em 1910, até a saída de Leowigildo Martins de Mello, um dos
implementadores da reforma educacional em Mato Grosso, da sua direção, em 1916.

Leowigildo Martins de Mello e a organização da Escola Modelo Barão de Melgaço

Considerando a precariedade da instrução pública em Mato Grosso e a falta de


pessoas habilitadas, o governo de Mato Grosso mandou buscar em São Paulo, estado
concebido por ele na vanguarda educacional do país, dois normalistas paulistas a fim
de (re)organizarem o ensino público primário e normal.
Segundo Carvalho (2000, p.226) “viagens de estudo a esse estado e empréstimo
de técnicos passam a ser rotina administrativa na hierarquia das providências com que
os responsáveis pela Instrução Pública de outros estados tomam iniciativas de
remodelação escolar na Primeira República”. Sendo assim, o governo de São Paulo
indicou os normalistas Leowigildo Martins de Mello e Gustavo Kulhmann, ambos
recém formados na Escola Normal Caetano de Campos, para a realização da reforma no
ensino público mato-grossense.
Estes, ao chegarem na Capital em 1º de Julho de 1910, procuraram logo visitar
as escolas públicas primárias do primeiro e segundo distritos. Mello, preocupado com a
falta de organização das escolas, assumiu para si a solicitação da criação dos grupos
escolares onde se implantaria um novo perfil de escola. Fez isto, segundo ele, “não
pelas exuberantes vantagens que o grupo escolar apresenta sobre a instituição das
escolas isoladas, como também por ter considerado impossível qualquer
empreendimento reorganizador nestas, atento o estado de atraso em que as mesmas se
encontravam” (Mello, Relatório, 1911).

13
Definida por Júlia (2001) como “conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas
a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação
desses comportamentos”.

190
191

Foi então que, através do decreto nº 258 de 20 de Agosto de 1910, valendo–se


do artigo 3º da Lei nº 508, Pedro Celestino criou dois grupos escolares na Capital,
sendo um no primeiro distrito e, o outro, no segundo.
A direção do 1º grupo escolar, inaugurado no dia 3 de setembro de 1910, foi
confiada ao professor Leowigildo Martins Mello, e a do 2º distrito, inaugurado no dia
10 de setembro do mesmo ano, ao professor Gustavo Kulhmann.
Segundo o Regulamento de 1910, a criação de um grupo escolar só se fazia
possível se houvesse pelo menos seis escolas primárias no perímetro fixado, sendo as
mesmas organizadas em um só prédio e distribuídas em oito classes, sendo quatro para a
seção masculina e quatro para a seção feminina. Porém, no mesmo ano, através da lei de
n 580, foi dada uma nova redação no que se referia ao número de escolas, passando a
ser de no mínimo 3 e no máximo 8 escolas. Isso porque, segundo Amâncio (2000,
p.109) “mantida a exigência anterior, a existência dos grupos escolares, provavelmente,
seria mais escassa ainda em Mato Grosso, tendo em vista a dimensão territorial e a
dispersa ocupação populacional”.
Um ano e meio depois após a criação dos dois grupos escolares, através do
decreto de nº 297, foram criados mais quatro grupos, sendo em São Luiz de Cáceres,
Poconé, Vila do Rosário e Corumbá. Para essas novas instituições, mais uma vez o
governo do Estado mandou contratar professores paulistas. Foram eles: Ernesto
Sampaio, José Rizzo, João Bryene de Camargo e Francisco Azzi.
As orientações para a estrutura e instalação dos grupos escolares em Mato
Grosso estão explicitadas no Regulamento da Instrução Pública de 1910, no capítulo IV,
do artigo 38º ao 52º, porém seu funcionamento foi organizado, provisoriamente,
conforme o regulamento interno e programa do estado de São Paulo14 e, após 1916,
através do seu Regimento interno15.

14
Conforme Decreto nº 258 de 20 de Agosto de 1910.
15
O Regimento Interno para os Grupos Escolares do Estado de Mato Grosso, organizado de acordo com o
parágrafo 1º do artigo 77 do Regulamento da Instrução Pública e Decreto nº258 de 20 de agosto de 1910
em 4 de novembro de 1916, foi solicitado por Mello que alegou que já era tempo de se proceder a
organização definitiva de programas para os grupos escolares pois os que estavam em vigor eram “feitos
para estabelecimento de outro Estado, se bem que de categoria e orientação pedagógicas idênticas aos
nossos, não são, in totum, aplicáveis ao nosso meio” (Mello, Relatório, 1912). Porém, quando o
Regimento entra em vigor, Mello já se encontrava nos fins de seu mandato na direção da Escola Modelo.

191
192

José Estevão Corrêa depositava suas esperanças na reorganização do ensino,


afirmando que a educação estava liberta “do estado doentio em que se debatia sob o
poder da velha rotina que tanto atrofiava o seu desenvolvimento, vasto o seu programa
de ensino nos moldes dos mais aceitos princípios e regras da pedagogia moderna”.
Afirmou então que acreditava não haver temeridade em assegurar para breve a época de
seu florescimento, desde que as novas escolas fossem servidas por professores
convenientemente preparados que bem compreendessem e desempenhassem os deveres
de sua elevada missão social (Corrêa, 1911).
Para que as inovações propostas com a implantação dos Grupos surtissem o
resultado esperado, tornava-se necessário haver mudanças não só na estrutura
organizacional, como também no cotidiano escolar e na prática docente.

Metodologia: prática e organização

A orientação metodológica dos grupos escolares correspondeu a dois sentidos:


um referente à prática educacional e a outra concernente organização escolar.
Quanto à organização escolar a orientação era que o ensino fosse simultâneo16,
isto é, não era permitido “o sistema de ensino por decuriões ou monitores; pelo que o
professor que não tenha adjunto é obrigado a lecionar pessoalmente todos aos seus
alunos” (Cf. Regulamento de 1910, Artigo 22º).
Em relação à prática educacional, privilegiava o ensino através do método
intuitivo, mantido pelo Regulamento da Instrução Pública de 1910 de forma mais
incisiva17.

O ensino nas escolas primárias será tão intuitivo e prático quanto possível,
devendo nele o professor partir sempre em suas preleções do conhecido
para o desconhecido e do concreto para o abstrato, abstendo-se outrossim,
de perturbar a inteligência da criança com o estudo prematuro de regras e
definições, mas antes, esforçando-se para que seus alunos, sem se
fatigarem, tomem interesse pelos assuntos de que houver de tratar cada
lição (Regulamento, 1910, Art. 12º).

16
Método pedagógico pelo qual os professores encontravam-se no comando da atenção simultânea de
todos seus alunos (Cf. Souza, 1998, p. 33)
17
A introdução do método intuitivo surgiu, em Mato Grosso, na legislação de 1896. Porém Mello e
Kulhmann verificaram que, na iniciativa não havia se tornado prática nas instituições escolares.

192
193

O método intuitivo era entendido como um mecanismo fundamental para que a


escola exercesse o seu papel na estabilização do regime republicano, pois o Estado
necessitava de cidadãos que soubessem ler, escrever, compreender e pensar, sendo ainda
capazes de perceber as virtudes da organização social alcançada até o momento (Cf.
Valdemarin,1998).
A adoção do método intuitivo implicou na necessidade de material didático
devido à concepção de ensino-aprendizagem pressuposta pelo mesmo. Sua introdução
no cotidiano da escola revelava-se disponível especialmente ao sentido do olhar.
Porém, Mello acusou veementemente a falta de materiais apropriados para a
implantação desse método e, consequentemente, da aplicação adequada das disciplinas.
Segundo ele, “por mais boa vontade que tenha o educador para cumprir seus deveres, a
sua ação é constantemente cercada pela falta de meios”. Disse ainda que a Escola não
possuía, para seu uso próprio, o material didático exigido pela aplicação dos novos
métodos. Processando o ensino intuitivo, empregando o método analítico na
transmissão do conhecimento, a Escola carecia dos meios de instrução imprescindíveis a
essa organização pedagógica, dos quais citou os principais:

Cartas de Parker....................para números e leituras;


Mapas de relevo alto.............para geografia;
Ideografias.............................para história-pátria;
Museus infantis......................para botânica, anatomia, etc.
Sólidos geométricos
Cartas de pesos e medidas
Aparelhos infantis.................para demonstração dos fenômenos mais comuns de
física, química, astronomia, etc.
Aparelhos destinados às aulas de trabalhos manuais. (APMT, Relatório, 1912)

Segundo Mello (1912) “são estes alguns dos aparatos exigidos pela pedagogia,
para o manejo proveitoso dos processos e métodos preconizados como únicos capazes
de educar e instruir à infância vantajosamente”.
Não foi uma tarefa fácil levar o método intuitivo para as salas de aula das
escolas públicas da Capital. Segundo José Estevão Corrêa

193
194

Primeiro, porém que este vaticínio se transforme em realidade longo


estádio haverá ainda a percorrer muito trabalho a executar e grandes
dificuldades a superar. Preconceito inveterados de um lado, costumes
arraigados de outro, a pouca ilustração da maioria da população por uma
parte, e a má vontade de uns e o indiferentismo de muitos por outra parte,
tais serão os principais baluartes contra os quais terão de terçar armas no
campo da luta, os operosos obreiros a cujo cuidado for confiada a nobre
tarefa de defender o ensino obrigatório e intuitivo, nas escolas estaduais
do ensino primário (Corrêa, Relatório, 1911).

Mello tinha clareza do trabalho penoso que teria pela frente, pois, segundo ele,
os professores, “adstritos ao pernicioso método da decoração, ao ensino de todas as
disciplinas por intermédios do livro tratadista”, não estavam em condições favoráveis à
reorganização. Investiu, então, na capacitação de seus professores, durante três meses
seguidos logo após a inauguração da Escola Modelo, de modo que estes deixassem de
lado o método da decoração e passassem a orientar seus alunos através da linguagem
oral, “banidos do ensino de todos os livros, exceto o de leitura, condenada para sempre a
decoração” (Mello, 1911).
A capacitação dos docentes também se dava através de Conferências
Pedagógicas escritas na revista A Nova Época, principalmente por Gustavo Kulhmann.
“Esse periódico parece ter sido canal, por excelência, para que os normalistas paulistas
pudessem - a exemplo do que ocorria em São Paulo - divulgar, ainda que em pouco
tempo, seus ideais republicanos e pedagógicos” (Amâncio, 2000, p.815).
Além da capacitação dos professores em exercício na Escola Modelo, o Governo
do Estado investiu na formação dos professores. Tinha a Escola Normal a seguinte
fundamentação teórico-metodológica:

Seu programa de ensino, cuja orientação (...) é ensinar a fazer, fazendo, e


não, ensinar a fazer, dizendo como se faz. (...) É lei fundamental de
pedagogia, que, em aquisição de conhecimentos, os fenômenos devem
sempre partir do consciente para o inconsciente, mediando, entre essas
duas frases extremas da evolução físico- psíquica, o termo médio –
consciente –inconsciente, ou, por outras palavras, a ação educadora deve
partir do concreto para atingir ao abstrato, mediante a transição natural
pelo concreto-abstrato. (Mello, 1911)

194
195

Os mestres tinham a incumbência de preparar e apresentar os conteúdos


disciplinares ao educando sempre partindo do particular, utilizando os órgãos dos
sentidos e, após a impressão sensorial, os conhecimentos adquiridos seriam traduzidos
em exercícios graduados.
Estando à frente da direção da Escola Normal e Modelo anexa e acompanhando
o estágio dos normalistas, Mello orientou e acompanhou a utilização do método
intuitivo nas duas instituições a fim de assegurar que o mesmo fosse aplicado nas salas
de aula do ensino primário.

A organização do tempo e do espaço escolar

Além da necessidade de se investir na capacitação do pessoal docente e nos


materiais, Mello acusou também a urgência em se organizar o tempo e o espaço escolar.
Em seu relatório de 1911, ele afirmou que as casas alugadas para funcionar a
Escola Normal e Modelo anexa, na Rua 1º de Março, não tinham condições pedagógicas
e higiénicas, sendo impossível de se adaptar tais prédios para escolas por serem
péssimas as divisões internas, onde a luz e o ar não penetravam em quantidade
suficiente. Elas se encontravam localizadas em uma rua anti-higiênica, que recebia as
águas servidas das casas da parte superior, conservando-as em depósitos e estagnadas. A
medida mais urgente a se tomar era a mudança da escola para outro prédio. Nenhuma
das casas que ela ocupava oferecia as condições higiênicas e pedagógicas exigidas para
funcionamento dos prédios escolares.
O Governo do Estado estava ciente desta situação e afirmou em mensagem à
Assembléia Legislativa, que a Escola Normal e a Escola Modelo estavam funcionando
em prédios inadequados e que não ofereciam condições higiênicas e pedagógicas
indispensáveis para institutos dessa natureza (Marques, 1912).
Para liquidar esta situação foi que o governo investiu na construção do Palácio
da Instrução, sob a direção do engenheiro Dr. Miguel Carmo de Oliveira Mello, sendo
este localizado em frente à praça principal da Capital, com instalações adequadas para
abrigar o Liceu, Escola Normal e Escola Modelo anexa.

195
196

Para Faria Filho (2000, p.39) “os typos para a construção dos grupos escolares
ressaltavam a singularidade do local onde deveriam ser construídos, estabelecendo a
preferência pelas regiões centrais, bem ventiladas, higiênicas, de fácil acesso”.
O “Palácio da Instrução” era um prédio majestoso para a época. Souza afirma
que “a monumentalidade que revestiu as construções dos grupos e principalmente das
escolas normais revelou o desejo do Estado em propagar e divulgar a ação do governo”
e elevou os edifícios escolares à altura da importância atribuída à educação naquele
momento histórico (Souza, 1998, p. 124).
Desta forma, teve a instrução primária, pela primeira vez no Estado, um prédio
com salas de aula construídas para este fim, provido de mobiliários completos,
mandados vir da América do Norte. Sua arquitetura foi descrita pelo jornal em
circulação na época do seguinte modo:

O edifício, que se inaugura, tem uma superfície coberta de 1.620 metros


quadrados, em dois pavimentos, tendo seu perímetro a forma retangular,
apresentando a fachada principal um desenvolvimento de 54 metros, por
sobre 27 de fachada lateral. Tem um pé direito de 13 metros de altura,
levantando-se o frontal a 16 metros. Todo edifício assenta-se em um soco
de alvenaria de pedra canga de 0,50, a partir do qual segue-se a maciça
alvenaria de tijolo, de que é inteiramente construído. As fundações do
edifício atingiram em alguns pontos a profundidade de 2,40, sendo a
profundidade mínima de 1,30 e largura constante de 1,20. É inteiramente
simétrico em relação à linha do centro, paralelamente à fachada lateral, e
possui 38 salas, das quais 32 para as necessidades escolares; 4 destinadas
aos gabinetes sanitários e toiletes; uma ocupada pelo embasamento da
escada principalmente, que é propriamente o vestíbulo e um vasto e
espaçoso salão, consagrado às solenidades escolares – salão nobre.
Andar térreo – é todo revestido de mosaicos de cimento, de coloração
variada, apresentando desenhos diversos e variados. O forro de todas as
dependências é de cimento armado, feito de tela metálica, expande metal
e de cimento distendido em lençol. E as salas de aulas são pintadas de
branco com gregas terminais, compondo com singeleza e elegância à
necessária decoração.
As salas de aula não apresentam reentrâncias, tendo os cantos quebrados,
produzindo um conforto agradável, obediente às regras de construção em
estabelecimentos congéneres. Para o arejamento respectivo e iluminação
necessária, existem dois pátios internos, um de cada lado, revestido de
cimento, com passeios em torno. No andar térreo existem duas salas
destinadas aos gabinetes sanitários, com seus waterclosets, caixas
automáticas, etc.
Andar Superior: O andar superior tem as mesmas disposições que o
térreo, apresentando, porém, as salas dimensões maiores, devido a menor
espessura das paredes. Todo ele é assoalhado com tábuas de cedro de 10

196
197

centímetros de largura e polegada de espessura. As salas e as demais


dependências são entabeiradas, com 4 ordens de tabeira e juntas
perfeitamente regulares.
No centro mesmo do edifício e como que dividindo-o em partes iguais e
rigorosamente simétricas, encontra-se o salão nobre, com proporções
avantajadas, tendo 17,50 de cumprimento, por 7,50 de largura. É todo
pintado de branco.
O acesso ao andar superior é feito por uma ampla escadaria em 3 planos,
desenvolvendo por sobre uma série de abóbadas de alvenaria de tijolos e
argamassa de cimento, abóbadas que se apoiam umas sobre as outras e
sobre as paredes do edifício, formando um sólido e belo conjunto e dando
a impressão de solidez e resistências.
Os degraus são revestidos de cimento, em baixo relevo, e de lado a lado,
ela é percorrida por um gradil, singelo, porém elegante. Como no andar
térreo, existem salas para os banheiros ( Jornal O Debate , nº 841, 1914,
p.3).

Além da monumentalidade, a concepção arquitetônica atendeu às exigências


pedagógicas concebida nos termos do ensino intuitivo e enciclopédico, criando, dessa
forma, além das salas de aula, outros espaços como portaria, biblioteca, laboratórios,
pátios para recreio e salão de festas.
“Se os novos espaços escolares foram necessários para acolher o ensino seriado,
permitir os ditames higiénicos do fim do século XX, facilitar a inspeção escolar,
favorecer a introdução do método intuitivo e disseminar a ideologia republicana, novos
tempos escolares também se impunham” (Vidal; Faria Filho, 2000, p.25).
A idéia de tempo escolar fundamentou as reformas modernas da Instrução
Pública, pois passou a ser “sinônimo de valor, e a escola transformada em espaço
responsável pela formação do futuro cidadão produtivo, ordeiro, disciplinado,
moralizado e, consequentemente, cumpridor de seus deveres, não poderia ser
desperdiçado, mas, contrariamente, racionalmente utilizado” (Siqueira, 1999, p.289) .
Ciente disto, Mello chamou a atenção para a importância da organização do
tempo escolar por não ter encontrado o horário organizado nas escolas isoladas as quais
visitou. Para ele

Uma escola sem horário, é, na frase do grande mestre, Montaigne, um


centro atrofiador das faculdades infantis. (...) Uma escola dotada de bom
horário torna o serviço mais fácil para mestres e alunos e oferece
resultados mais fecundos. A sucessão regular dos exercícios dá ao estudo
variedade, movimento e animação, ao mesmo tempo que estimula a
aplicação e evita o cansaço; excita a tenção dos indolentes, atraindo-a a

197
198

assuntos variados; (...) facilita o serviço da classe e prepara os alunos para


terem, mais tarde, ordem na vida, que é sua dignidade, e pontualidade,
que é sua força”(Mello, Relatório, 1911).

Sendo assim, organizou o horário da Escola Modelo estabelecendo a divisão do


tempo diário e semanal, como podemos verificar no horário do primeiro ano.

Divisão
do tempo Dias da semana
2ª 4ª 6ª 3ª 5ª sábados
12- 12:10 Chamada e canto Chamada e canto
12:10 – 12:30 Aritmética. Cálculo. Números e Cartas de Geometria. Estudo das formas. Sistema métrico
Parker
12:30- 1. Leitura Seção A; ocupação Seção B e C Leitura Seção A; ocupação Seção B e C
1.- 1:25 Leitura Seção B; ocupação Seção A e C Leitura Seção B; ocupação Seção A e C
1:25-1:35 Exercícios calistênicos Exercícios calistênicos
1:35 – 2:00 Leitura Seção C; ocupação A e B Leitura Seção C; ocupação A e B
2:00- 2:20 Caligrafia Caligrafia
2:00- 3:00 Recreio Recreio
3:00-3:20 Geografia. História. Instrução Cívica Linguagem. Ciências Físicas Naturais e Higiene
3:20 – 3:40 Leitura Seção A; ocupações B e C Leitura Seção A; ocupações B e C
3:40- 3:55 Leitura ou cópia de Parker Leitura e cópia de Parker
3:55 – 4:15 Leitura Seção B; ocupações A e C Leitura Seção B; ocupações A e C
4:15 – 4:30 Leitura Seção C; ocupações B e A Leitura Seção C; ocupações B e A
4:30- 4:35 Marcha e Canto Marcha e Canto
4:35 – 5:00 Desenho. Jogos ginásticos. Trabalho Desenho. Jogos ginásticos. Trabalho manual. Canto e
manual. Canto e declamação. declamação.

FONTE: Relatório da Escola Normal e Modelo Anexa, 1911- Anexo 1

O horário acima exposto, como os dos anos seguintes, não foi organizado com
distribuição uniforme do tempo, mas obedeceu a alguns princípios: o de proporcionar a
duração de exercícios à idade e ao desenvolvimento físico e intelectual dos alunos;
abranger o programa completo, destinado a cada matéria o tempo exigido pela maior ou
menor dificuldade ou facilidade; e de alterar as horas sucessivas elementos mais difíceis
com outros menos difíceis (Mello, 1911).

198
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Surge então o recreio para que as crianças pudessem descansar o físico e a mente
para retornar às aulas, adequando-se aos preceitos higiénicos da época.
Depois de haver manuseado este horário durante um ano, Mello assegurou
possuir ele ótimas condições pedagógicas e pedológicas, pois além dos resultados
colhidos de seu emprego, nenhum caso de fadiga cerebral ou de atrofiamento qualquer
foi por ele observado (Mello, 1911).

Embora o Regulamento de 1910 no seu artigo 13º tenha deixado a cargo do


regulamento interno das escolas a organização do tempo, o artigo 23º determinava que
“são feriados nas escolas públicas primárias, além dos domingos, também os dias de
festa nacional e estadual declarados em leis e os que decorrerem do último dia dos
exames finais de cada ano até 31 de Janeiro do ano seguinte”.

Porém, mesmo não previsto no Regulamento, Mello solicitou a dispensa dos


alunos no mês de Julho, alegando que a festividade de São João, comemorada no final
desse mês por diversas famílias, ocasionando uma variedade grande de festas
espalhadas pelos distritos, envolvia um grande número de pessoas, por vários dias,
diminuindo a freqüência dos alunos nesse período. Além disso argumentou que “os
professores, pelos meados do ano letivo, sentem-se extenuados, e o seu organismo
reclama repouso. A falta deste prejudica seriamente o ensino, pois o educador, cansado
já não é tão solicito, como antes, no cumprimento dos seus deveres. A necessidade
física sempre vence a obrigação moral” (Mello, 1911).
A organização do tempo e do espaço escolar demonstrou ser de extrema
importância para racionalização das atividades escolares, bem como para a formação do
cidadão, educando-o à obediência e aos hábitos de ordem e de trabalho.

A organização dos saberes escolares

Após relatar a importância do horário Mello afirmou que “da combinação do


horário com o programa resulta a obediência a mais geral das leis pedagógicas e, ao
mesmo tempo, ao fim da educação: desenvolvimento gradual e harmônico das
faculdades infantis” (Mello, 1911).

199
200

Havia uma grande insatisfação em relação a organização dos saberes escolares


trabalhados no ensino primário até então, a ponto do Presidente de Estado declarar à
Assembleia Legislativa que

Não é raro ver figurando em programa de ensino primário variadíssimas


disciplinas, um acúmulo extraordinário de matérias, às vezes sem
classificação metódica, o que ocasiona o sacrifício de umas às outras, sem
obtenção do que se tem em vista; fatiga-se a inteligência da infância com
uma série de noções abstratas e fúteis e tudo se perde de esforços e
sacrifícios.
É exatamente o nosso caso, com a instrução primária a que ora temos
graças ao citado regulamento de 1896: um amontoado de matérias, em
regra mal ensinadas e pior aprendidas, e das quais não poucas
perfeitamente dispensáveis para os meninos.
É isso o que convém acabar, reduzindo-se o ensino popular aos seus
justos e naturais limites (Ponce, 1908).

Mello se reportou ao regulamento em vigor para organizar o programa em


conformidade com o ensino intuitivo, acusando a necessidade de se estabelecer um
plano uniforme de conhecimentos a ministrar, fixando previamente a quantidade e a
qualidade dos mesmos, bem como estabelecer o tempo que a cada disciplina deveria ser
consagrado, pois, para ele

O Grupo Escolar é um curso primário, seriado em quatro classes distintas


para ambos os sexos. Por essas classes, primeira, segunda, terceira e
quarta distribuem-se gradativamente, os conhecimentos que constituem a
instrução primária, propriamente dita. As matérias ensinadas da primeira à
quarta classe obedecem a um plano uniforme, de tal natureza que o
educando, ao iniciar o seu curso na primeira classe, recebe conhecimentos
dosados pedagogicamente, de todas as disciplinas consagradas no
programa geral do Grupo Escolar. O Grupo Escolar apresenta uma
uniformidade perfeita em suas aulas e impossibilita completamente o
desenvolvimento maior de uns em prejuízos de outros conhecimentos
(Mello,1911).

A fim de garantir o funcionamento dos grupos com o respeito pela graduação


dos conhecimentos por série e idade foi que os saberes curriculares foram organizados
de maneira bem detalhada, pois. Se os agentes da educação tivessem formação para tal,
bastaria que o programa enumerasse unicamente as disciplinas que devem ser estudadas
na escola primária. Mas, tratando-se de estranhos a um curso pedagógico regular, é

200
201

claro que o programa deve lhes precisar a qualidade e a quantidade dos conhecimentos a
ensinar (Mello, 1911) .
Os programas de primeira à quarta classe continham as seguintes matérias, de
acordo com o desenvolvimento particular de cada classe: leitura, linguagem oral e
escrita, aritmética, geografia, história pátria, ciências físicas e naturais e higiene,
educação moral e cívica, geometria, música, desenho, trabalhos manuais e ginástica
(Regulamento,1910, Art.4º).
Para justificar a importância da educação física Mello defendeu a unidade da
educação moral, intelectual e física, porém acusou a falta de materiais adequados para o
desenvolvimento das atividades físicas, sendo que, por isso, limitou “esta parte do
programa a passeios campestres, os quais, além de oferecer aos alunos um campo mais
higiênico para boa respiração e mais próprio para jogos infantis, tornavam mais
proveitosas, por serem práticas, as lições de coisas”(Mello, 1911).
Atendendo ao primeiro artigo do Regulamento da Instrução Pública de 1910
onde determinava que “o ensino primário no Estado de Mato Grosso será leigo” é que
foi introduzido no programa dos grupos escolares o ensino de moral e cívica.

Para Mello, esta disciplina era a grande responsável pela formação do cidadão
republicano, por isso, além de organizar o programa de ensino para a Escola Modelo
explicitando os seus respectivos conteúdos, tomou para si a responsabilidade de ensiná-
lo.

A educação moral e cívica tem merecido solícita atenção da direção da


Escola preocupada, e primeiro lugar, em dar à Escola a sua veracidade
feição de formadora da sociedade de amanhã. A primeira parte deste
programa tem sido conseguida mediante o exemplo do educador e os
conselhos amistosos, relativos aos deveres familiares e escolares dos
alunos; a segunda parte que se destina à formação da cívica do aluno, tem
sido conseguida pela intensa comemoração das datas nacionais e pelo
estudo e culto dos grandes homens da história (Mello, 1912).

Tal iniciativa encontrou a oposição da Liga Católica que se utilizou da imprensa,


através do Jornal A Cruz para contrapor ao ensino laico. Segundo o articulista do Jornal

201
202

(...) trabalhar a moderníssima escola no afan de laicizar a sociedade. Mas


isso é o mesmo que trabalhar para bestializa-la. A escola leiga, o Estado
leigo, justiça leiga, tudo isso é muito laicismo, mas são instituições de
molde para com delícia serem aproveitados pelos irracionais ou
desracionais, pois só as imposições da força bruta em mãos rendem
vassalagem (...) (Jornal “A Cruz”, 12/07/1912)

Mello explicou, tanto na imprensa através do Jornal O Debate, de 19 de


janeiro de 1912, quanto no seu Relatório que

Por leiga se deve entender a escola que respeita todas as religiões, sem
professar qualquer delas, e não escola contrária a qualquer credo ou a
Deus, segundo pregam, com intuitos pequeninos alguns fariseus do ensino
em nosso meio social. A educação só pode ser completa e perfeita desde
que desenvolva gradual e harmonicamente as faculdades intelectuais,
morais e físicas dos educandos. Nos tempos idos da monarquia, em que a
religião era unida ao Estado, a educação moral se realizava por meio do
ensino do catecismo católico romano aos alunos. Proclamada a República
e com esta a liberdade de cultos, foi banido da escola o ensino religiosos.
Desde então se fez mister nova orientação para a educação moral
(Mello,1911).

Os saberes elementares e as noções científicas faziam parte do que chamamos de


conhecimentos instrutivos, porém “ a Educação Moral e Cívica traziam, explicitamente,
as bases da formação do cidadão republicano” (Souza, 1998, p.178), através do ensino
de hábitos de ordem, comportamentos, sentimentos pátrios e deveres para com a pátria e
com o próximo.

Considerações finais

Os republicanos introduziram um novo modelo de escola no sistema de ensino


do país e, consequentemente, em mato-grossense. Embora tal movimento tenha o seu
início no estado de São Paulo, ele não se constituiu em Mato Grosso enquanto cópia dos
grupos escolares do Estado de origem.
Os grupos escolares mato-grossenses, destacando aqui a Escola Modelo, se
apropriou (Chartier, 1990) deste modelo, tendo como referencial a realidade social na

202
203

qual estava inserida. Desta forma, podemos observar que, por várias vezes, Mello
solicitou adequações ao programa e regulamento, que até então eram os que
regulamentavam o estado de São Paulo, por não serem aplicáveis à Mato Grosso.
Buscou, então, dentro das possibilidades do Estado, introduzir na Escola
Modelo, as modificações inerentes a tal modelo escolar, tais como: o ensino seriado,
ficando estabelecida uma relação entre série e idade do aluno; adoção do método
intuitivo; revisão da concepção de tempo escolar, fixando à jornada escolar o início e
término do ano letivo, das aulas, intervalos, descansos e elaboração de horário das
matérias de acordo com o grau de complexidade da disciplina e adoção de programa
escolar enriquecido e enciclopédico, com a inclusão de novas matérias e procedimentos
didáticos.
Neste movimento, floresceu em Mato Grosso uma cultura escolar próxima dos
demais estados do país, mas com características próprias, se consolidando no ensino
público desse Estado e na memória da população mato-grossense.

Referências bibliográficas

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Brasileira de Educação, nº 14.

204
205

OS GRUPOS ESCOLARES EM MINAS GERAIS COMO EXPRESSÃO DE UMA POLÍTICA


PÚBLICA: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

José Carlos Souza Araujo18

Enfocar uma compreensão a respeito da política educacional republicana,


mediada pela instauração dos grupos escolares nas unidades federativas no âmbito do
Primeira República, implica uma perspectiva de totalidade, enquanto expressão de um
movimento histórico-educacional brasileiro a favor da escola pública, movimento este
que ensaiou passos mais adensados em relação ao período imperial - mas vagarosos -
em torno de sua disseminação efetiva.
Os grupos escolares resultam de uma concepção adquirida no decorrer do
andamento da escolarização que buscou imprimir racionalização à educação escolar,
abarcando várias dimensões: a) os sujeitos (professor e aluno), imediatamente
envolvidos no processo pedagógico-escolar, se estabelecem em posições diferenciadas:
triunfa o ensino simultâneo a ser exercido pelo professor, porém com alunos
homogêneos, em oposição à heterogeneidade dos mesmos que estruturava o ensino
mútuo; b) é o tempo da ênfase na intuição como faculdade capaz de revelar o caminho
metodológico para o ensino e para a aprendizagem, anteriormente à emergência dos
métodos ativos; c) é o tempo, no Brasil, da emergência de uma organização espacial
diferenciada, expressa em edifícios arquitetonicamente expressivos, qualificados como
palácios em Minas Gerais e em Goiás; d) é o tempo da centralidade da inspeção escolar
e de seu papel fiscalizador do andamento pedagógico-escolar.
Nesse sentido, o exercício de conceituação expresso abaixo talvez abarque
mais sinteticamente o que está expresso no parágrafo anterior, mas complementando-o:

Os Grupos escolares podem ser entendidos, de maneira geral, como as


primeiras escolas públicas primárias que no Brasil utilizaram-se de uma
forma de organização administrativa, programática, metodológica e

18
Professor vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo, Uberlândia, MG, e ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como Professor Colaborador; membro do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em História e Historiografia da Educação da Universidade Federal de Uberlândia (para contatos:
jcaraujo@ufu.br).

205
206

espacial baseada nas concepções educacionais de tipo ‘moderno’ – já em


uso em algumas escolas particulares à época, como a Escola Americana
de São Paulo –, fundadas num ideal de racionalização, pode–se dizer
numa economia escolar dominantes na Europa e nos EUA na segunda
metade do século XIX e início do século XX (Nóbrega, 2003, p. 253).

O objeto deste estudo é configurar uma análise em torno da política


educacional mineira voltada para uma avaliação dos ideais republicanos expressos em
relação à escolarização devotada aos grupos escolares instaurados a partir de 1906. O
marco cronológico se deve à Lei n° 439 de 28/09/1906 – visando a reforma do ensino
primário, normal e superior do Estado de Minas Gerais –, pelo Decreto n° 1947 de
30/09/1906 – relativo ao programa do ensino primário –, e pelo Regulamento da
Instrucção Primária e Normal do Estado de Minas Gerais, decreto n° 1960 de
16/12/1906. Ainda em 03/01/1907, há um decreto, n° 1969, que trata do regimento
interno inclusive dos grupos escolares. Como a preocupação deste estudo está centrada
na externalização de tal política educacional, os decretos relativos ao programa do
ensino primário e a este regimento interno, há pouco mencionado, não serão aqui
tratados.
Em vista de tal objeto, este estudo visará construir uma análise que
correlacione quatro dimensões que se complementam: a) os compromissos republicanos
com a educação escolar; b) a instauração dos grupos escolares como política pública;
c) o perfil de João Pinheiro da Silva (ou somente João Pinheiro, como é mais
conhecido), enquanto figura política que congrega e expressa as diretrizes republicanas
em Minas Gerais, através do Partido Republicano Mineiro, particularmente no campo
da educação escolar; d) uma análise dos documentos legislativo–educacionais de 1906,
mencionados no parágrafo anterior.

Os compromissos republicanos com a educação

A resposta republicana à educação escolar precisa ser compreendida levando-


se em conta o contexto europeu do século XIX – quando a escolarização primária veio
se efetivando em diferentes compassos nos diferentes países –, bem como o contexto
brasileiro. No que tange a este, a primeira metade do século XIX brasileiro se ocupou da

206
207

unidade nacional do ponto de vista político. Na transição do Império (1822–1889) para


a República (a partir de 1889), especialmente no tocante às últimas décadas daquele, a
educação é objeto de significativas discussões e reformas (Haidar, 1972). Proclamada a
República, esta se viu diante de uma tarefa por fazer, a da configuração da escola
pública, seja em nível quantitativo e qualitativo, seja em termos de recursos humanos
para socorrê-la, seja através dos edifícios escolares etc.
Na avaliação de uma obra publicada em 1932, ressalte-se a crítica de natureza
histórico–educacional à Monarquia, tanto em relação ao Primeiro Império, quanto ao
Segundo, apontando o seu acanhamento em relação à política educacional empreendida:

Porque entre todos os peccados da Monarchia, o mais grave foi affectar


desconhecimento das questões pedagogicas que agitavam o mundo
inteiro e só aqui não tinham repercussão. Ao primeiro imperio, dadas as
contingencias historicas que o envolveram, perdoar–se–lhe–ia essa falta.
Ao segundo, não. É inadmissivel que taes problemas não houvessem
perturbado o espirito dos políticos, é inadmissivel que tendo havido
tantos projectos, pelo menos de 1869 em deante, tendente a resolvel–os,
nenhum houvesse conseguido despertar no fundo da consciencia
collectiva do Congresso Nacional a noção exacta do peso dessa
responsabilidade. É incrivel, finalmente, que, ás portas do seculo XX,
não houvessem comprehendido que o progresso, o futuro, o destino,
emfim, do paiz dependia exclusivamente da melhor organização desse
ramo da actividade humana (Menucci, 1932, p. 44).

A política educacional de caráter público no Brasil, expressa no período da


Primeira República, através dos grupos escolares, já é objeto de várias pesquisas. Sua
institucionalização em diferentes Estados aqui exemplificados, com suas respectivas
datas de emergência institucional – em São Paulo (1894), Maranhão (1903), Minas
Gerais (1906), Rio Grande do Norte (1908), Mato Grosso (1908), Espírito Santo (1908),
Paraíba (1911), Santa Catarina (1911), Sergipe (1916), Goiás (1918) –, expressam o
esforço e a resposta republicanos em torno da disseminação da escola pública sob esse
ideário (a respeito de tais realizações nos diferentes Estados citados, cf.
respectivamente: (Souza, 1998), para SP; (Andrade, 1984), para MA; (Faria Filho,
2000), para MG; (Moreira, 1997), para RN; (Silva, s/d), para MT; (Barreto, 1999), para
ES; (Pinheiro, 2002), para a PA; (Nóbrega, 2003), para SC; (Nunes, 1984), para SE;

207
208

(Bretas, 1991), para GO. Uma ressalva: alguns desses estudos não apresentam como
objeto os grupos escolares).
A emergência dos grupos escolares em diferentes Estados brasileiros não pode
ser compreendida somente a partir de olhares regionais, geograficamente configurados
pelas unidades federativas que compõem o território brasileiro. Nem mesmo a referida
emergência pode ser compreendida apenas do ponto de vista nacional. Em relação à
penúltima afirmação, deve-se ao motivo de que as pesquisas histórico–educacionais
ainda estão aquém quanto ao sentido de propiciar uma síntese explicativa sobre tal
temática; por outro lado, tal impossibilidade torna-se mais obstaculizada, posto que
ainda se desconhecem as dinâmicas estaduais que se avultaram em vista da assunção
dos grupos escolares como norteamento político–educacional, bem como as efetivas
respostas em vista do mesmo.
Não é sem significação que publicações recentes sobre a emergência dos
grupos escolares no Estado de São Paulo se apresente identificando–os com “templos de
civilização” (Souza, 1998); no Estado de Minas Gerais, com “palácios” que vão
suplantar os “pardieiros” (Faria Filho, 2000). Tais expressões constitutivas do
imaginário político traduzem a significação que os grupos escolares tiveram por ocasião
de sua emergência em vista do projeto republicano. No Estado de Goiás, a expressão
“palácio da instrução” (Bretas, 1991, p. 517) também traduz o fascínio que representava
a escolarização no período da República Velha, fascínio este expresso pela arquitetura
de tais edifícios escolares (cf. Buffa, 2002, a propósito dos mesmos no Estado de São
Paulo).
Nesse diapasão, em Minas Gerais, em documento oficial de 1908, que
expressava os ideais e as realizações mineiros em torno da educação escolar, os grupos
escolares também são concebidos como expressão arquitetônica, direcionada a um
modo político de contemplá-la:

Todos os grupos, excetuados dois, funcionam em prédios próprios,


adaptados para o fim a que se destinam. Em geral, esses prédios são os
melhores das localidades onde estão situados. Pode-se afirmar que,
quando nada, se iniciou no Estado a mudança das escolas dos pardieiros
para os palácios (MINAS GERAIS. Instrução Pública Primária em
Minas Gerais, Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1908. Apud Faria Filho,
2000, p. 38).

208
209

O posicionamento da autora de Templos de civilização:... traduz a estreita


associação entre o republicanismo e os grupos escolares, concebendo estes como
irradiadores daquele:

A escola primária republicana instaurou ritos, espetáculos, celebrações.


Em nenhuma outra época, a escola primária, no Brasil, mostrara-se tão
francamente como expressão de um regime político. De fato ela passou a
celebrar a liturgia política da República; além de divulgar a ação
republicana, corporificou os símbolos, os valores e a pedagogia moral e
cívica que lhe era própria (...) (Souza, 1998, p. 241).

E as indicações dessa mesma autora sobre a simbiose entre o republicanismo e


os grupos escolares são sugestivas aos pesquisadores em História da Educação sobre o
período da Primeira República:

Extrair todo o sentido da escola graduada como templo de civilização


requer um olhar atento para as múltiplas dimensões da pedagogia política
implementada pelo Estado republicano. A democratização do ensino, a
construção da nacionalidade, a formação do cidadão, a educação moral
fundada na perspectiva política e social, bem como a estatização da
escola e a renovação pedagógica são faces de um mesmo processo
político e cultural (...) (Souza, 1998, p. 284).

Observe-se aqui referências à conceituação sobre grupos escolares explicitada


inicialmente no tocante aos novos horizontes políticos manifestos, novas mediações
pedagógicas em processo e nova estrutura arquitetônica a expressar um anseio em torno
de intencionalidades sócio–políticas e de novas relações entre a educação escolar e a
sociedade.

Política educacional como política pública

Remetendo-nos às reflexões sobre as políticas públicas, com o propósito de


situar a educação escolar entre elas, é necessário assumi–las conceitualmente quando
são capazes de delimitar ações que visem dar norteamento à vida social no tocante a
aspectos de natureza estrutural, como afirma a citação abaixo:

209
210

As políticas públicas são medidas voltadas para a reprodução econômica


e social dos indivíduos ou da coletividade. Elas concernem as agências
do governo e os governados. As políticas públicas resultam de
determinações estruturais que regulam o processo social e se expressam
em medidas de educação, saúde, previdência, assistência, emprego,
habitação, renda etc. Elas podem também ser implementadas para dar
cobertura a situações conjunturais, assumindo um caráter provisório e
emergencial. As políticas públicas podem ser universais, ou seja,
voltadas para todos os cidadãos, ou seletivas (segmentadas/pontuais),
voltadas para determinados grupos sociais. O Estado é a instância
fundamental de implementação e regulação das políticas públicas, ao
assumir o papel de mediador entre os diversos atores presentes no
processo histórico–social (Fidalgo; Machado, 2000, p. 253).

Nesse mesmo verbete denominado por política pública, chama-nos a atenção a


distinção entre as políticas públicas com um dimensionamento provisório e emergencial
e, implicitamente expresso, aquelas com um direcionamento mais determinado e não de
curto prazo.
Essa distinção é importante, uma vez que os grupos escolares se instauraram
focados em “determinações estruturais” em vista da regulação do processo social. Em
vista das limitadas realizações no campo escolar durante o período imperial, os ideais e
a propaganda republicanos se punham como organizadores daquele, porém cabia a estes
explicitar princípios, diretrizes, metas, bem como operacionalizar decisões efetivas
quanto à implementação de uma política educacional que respondesse aos anseios
republicanos. É nesse sentido que os grupos escolares podem ser compreendidos como
compartilhantes das políticas públicas de então, posto que expressam o sentido
republicano buscado.
Nessa direção vão também as reflexões de Viñao Frago no sentido de oferecer
um suporte teórico-metodológico para a compreensão do objeto deste estudo, ou seja a
instância da política educacional em torno dos grupos escolares:

(...) as reformas parecem identificar-se mais com as mudanças globais no


marco legislativo ou estrutural do sistema educativo, e as inovações com
mudanças, também intencionais, mais concretas e limitadas ao currículo
– conteúdos, metodologia e estratégias de ensino-aprendizagem,
materiais, formas de avaliação.(...) As reformas seriam, em síntese,
‘esforços planificados para mudar as escolas com o fim de corrigir
problemas sociais e educativos percebidos (Viñao Frago, 2001, p. 26).

210
211

Ressalte-se que a distinção que apresenta entre as reformas e as inovações com


mudanças é instigante a assumir que os grupos escolares como política republicana
eram resultado de intervenção – que indo além das inovações – que se propunham a
direcionar a correção de “problemas sociais e educativos percebidos”. Esta diretriz está
presente nos ideais expressos, particularmente no governo de João Pinheiro em Minas
Gerais, entre 07/09/1906 e 25/10/1908. Os ideais postos no Regulamento de
16/12/1906, já mencionado anteriormente, tem como propósito provocar alterações
significativas nas mediações pedagógicas que envolvem a vida escolar, nas relações
entre os sujeitos envoltos nas relações pedagógicas, bem como no redirecionamento
político do papel da escolarização.
Nesse sentido, o distanciamento quase centenário em relação ao ano de 1906
de Minas Gerais permite–nos situar–nos em acordo com a seguinte posição:

(...) a impossibilidade de se avaliarem as políticas educacionais, o que só


se pode fazer após um certo tempo de maturação, nem sempre curto.
Outras políticas públicas podem ser avaliadas em pouco tempo, como a
política habitacional e até a política de saúde. A política educacional,
não, pois seus efeitos só se materializam muitos anos depois do ato
pedagógico (...) (Cunha, 1991, p. 475).

O estabelecimento de contornos em torno da realização republicana no campo


da escolarização primária não pode nos isentar de propor uma distinção entre a utopia
ali configurada – no caso em Minas Gerais, particularmente à instauração do
norteamento em torno dos grupos escolares – e os problemas vários que afetava Minas
Gerais. Ou seja: entre a consciência em torno do possível – expressa na significação e
na esperança em torno dos grupos escolares – e a consciência real das questões
políticas, econômicas, culturais, de caráter regional ou não, há uma tensão a ser
considerada, posto que a consciência real está carregada da memória que a sociedade
traz – no caso, sobre a educação escolar –, memória esta interpretada e ser constituída
como alavanca para a estruturação do possível.
Os grupos escolares em Minas Gerais a partir de 1906 se apresentam como
expectativa nutrida pelas estatísticas educacionais, pela análise e pelas críticas que se
punham ao período imperial e à própria experiência republicana que já completava 17
anos em relação à instituição da política educacional em apreço.

211
212

A fala de Janete M. L. de Azevedo (1997) é lapidar e precisa no sentido de


estar contribuindo com tais explicitações anteriores:

Outra importante dimensão que se deve considerar nas análises é que as


políticas públicas são definidas, implementadas, reformuladas ou
desativadas com base na memória da sociedade ou do Estado em que têm
lugar e que por isso guardam estreita relação com as representações
sociais que cada sociedade desenvolve sobre si própria. Neste sentido
são construções informadas pelos valores, símbolos, normas, enfim,
pelas representações sociais que integram o universo cultural e simbólico
de uma determinada realidade (Azevedo, 1997, pp. 5–6).

Nessa direção, é necessário dimensionar a Reforma João Pinheiro de 1906


numa perspectiva de historicidade enquanto pretendeu estabelecer uma diretriz para a
escola pública no início do século XX. Tal direção implica em assumir a memória
educacional construída e expressa no campo político e partidário do final do período
imperial como instâncias que vieram reunindo e acumulando análises, explicações e
interpretações sobre a escolarização e seus obstáculos naquele período da história
educacional brasileira.
A Reforma João Pinheiro promoveu uma alteração de direção da educação
primária, implicando, como será visto adiante, em reestruturações, em mecanismos de
participação dos municípios através dos edifícios escolares, a dar centralidade à
inspeção como a alma da educação escolar, em eleger a arquitetura escolar como
expressão simbólica do republicanismo, em privilegiar a reestruturação de programas de
ensino, bem como a reencaminhar novas orientações e diretrizes para a metodologia de
ensino etc.

João Pinheiro e as diretrizes republicanas em Minas Gerais

Para uma compreensão mais adequada, privilegiar a importância de João


Pinheiro na política estadual mineira não é um exagero, pois se apresenta como uma
figura que soube apreender as forças republicanas em Minas Gerais em seu nascedouro,
bem como dinamizá–las. Nesse sentido, a história educacional mineira tem em João
Pinheiro uma figura que soube manter a pulsação republicana, tecida a partir da

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instância governamental estadual, porém com ressonâncias locais e regionais


expressivas.
João Pinheiro da Silva é mineiro de Serro, que divisa com o município de
Diamantina, região central do Estado, ao norte da atual capital, nascido em 16/12/1860,
e vindo a falecer em Belo Horizonte, MG, em 25/10/1908, no Palácio da Liberdade,
quando exercia o mandato de Presidente do Estado de Minas Gerais, previsto para o
quadriênio que compreendia o período entre 07/09/1906 e 07/09/1910. Embora
inicialmente tivesse optado pela Engenharia em 1881, depois de ter passado pelo
seminário, dirigiu–se para São Paulo em 1883, onde concluiu o curso de Direito em
1887. Nessa cidade também foi professor da Escola Normal. É em ambiente paulista
que convive com o republicanismo, com o positivismo e com a campanha abolicionista.
São inúmeros os seus colegas de turma e contemporâneos no curso de Direito que
vieram a ter projeção no cenário republicano. É líder na estruturação do Partido
Republicano Mineiro. Após a proclamação da República, foi vice–governador de Minas
Gerais por um pequeno período. Em seguida, foi eleito deputado ao Congresso
Constituinte de 1890, renunciando ao mandato em fins de 1891 com a queda de
Marechal Deodoro. Posteriormente, acaba dividindo suas ocupações como empresário
de uma cerâmica em Caeté, MG – município próximo de Belo Horizonte, MG -, e
como professor na Faculdade Livre de Direito do Estado de Minas Gerais. Voltando ao
cenário político, em 01//01/1899 já era Agente Executivo de Caeté, MG, o que
implicava também a Presidência da Câmara de Vereadores. Em 1903, a convite do
então Presidente do Estado de Minas Gerais, Francisco Antonio Sales, o qual o
antecedeu entre 1902 e 1906, passa a projetar–se mais amplamente no campo político
mineiro. Presidindo o Primeiro Congresso Agrícola, Industrial e Comercial de Minas
Gerais, realizado em 1903, já reclamava, através de um discurso de encerramento do
referido Congresso, a retomada dos ideais republicanos. Candidato ao Senado em 1904,
foi eleito, onde permaneceu por menos de um ano depois da posse, vindo a ser
Presidente do Estado de Minas a partir de 07/09/1906.
Como vimos anteriormente, a educação escolar pela via dos grupos escolares,
que vinha se desenhando anteriormente, em outros países, e no Brasil em 1894 com a
liderança do Estado de São Paulo, situava-se como alavanca para a concepção

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republicana. Na fala do Secretário dos Negócios do Interior de Minas Gerais, em


Relatório de 1897, “a República será verdadeiramente amada quando constituir-se em
sentimento consciente do povo e a difusão desse sentido fundamental só poderá ser
generalizada e fortalecida pela instrução” (Apud Faria Filho; Vago, 2000, p. 34).
As expectativas postas pelos republicanos e pela própria República,
proclamada em fins de 1889, é de que as reclamações em torno da escola passassem a se
fazer ouvidas, fazendo com que se concretizassem respostas efetivas aos apelos críticos
que soavam há algum tempo. E os grupos escolares se constituíram em resposta cabível
em vista da reestruturação da educação escolar.
As reclamações se faziam em torno do analfabetismo, da preocupação para
com a criança em relação ao período de baixa freqüência à escola, da inquietação com a
formação do professor expressa ainda no período imperial, do empenho para com os
prédios escolares, bem como com o financiamento da educação escolar. Na verdade,
cabia aos republicanos, como opositores da política imperial, realizações efetivas em
resposta aos reclamos que apontavam na direção de superação de problemas
educacionais até então vividos. De outro modo, tratava–se de colocar o Brasil em
compasso com os avanços realizados em outros países no campo da educação escolar.
Com relação ao seu perfil político, comumente referido como positivista, há
uma avaliação:

Não era um positivista ortodoxo, menos ainda um positivista religioso,


pois casou–se na Igreja Católica e nela batizou os onze filhos que teve,
educando-os nos princípios do cristianismo. Não era um rígido seguidor
de Augusto Comte, como o “científico” representado pelo líder gaúcho
Júlio de Castilhos, que não escondia seu desprezo pelos “liberais
empíricos”. João Pinheiro fica no meio-termo, por assim dizer. Admirava
Castilhos, com quem havia convivido no Congresso Constituinte, como
admirava o pragmático ditador mexicano Porfírio Diaz, que se cercou de
“científicos” e promoveu a modernização da economia e da máquina
administrativa do País (DICIONÁRIO BIOGRÁFICO DE MINAS
GERAIS, 1994, p. 649).

Para um autor de uma obra dedicada ao estudos das idéias filosóficas em Minas
Gerais no século XIX, João Pinheiro

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215

(...) pertence à geração daqueles mineiros que viram ruir o edifício da


monarquia e expandir os ideais republicanos que ele abraçou com
convicção e perseverança. O período de João Pinheiro como estudante de
Direito em São Paulo é demasiadamente rico em intermináveis debates
filosóficos e políticos. O futuro governador de Minas se envolve nesse
clima de novas idéias, abraçando a causa republicana, pois considerava a
monarquia como um sistema anacrônico e responsável por uma série de
males sociais. (...) [João Pinheiro] mais pragmático e economista, ainda
se permitia certos caprichos positivistas, sem no entanto abandonar a
tradição liberal. Ele não era um positivista ortodoxo, nem tampouco um
positivista religioso. Era imbuído de um espírito religioso bastante
mineiro, talvez até por influência de seu irmão, padre José Pinheiro (...)
(Rodrigues, 1986, p. 165).

Antes de sua candidatura a deputado provincial ocorrida em outubro de 1889,


em Circular aos Eleitores do 2° Distrito, publicado em O Movimento, um jornal de
Ouro Preto, MG, co–dirigido por João Pinheiro, caracterizava o confronto entre os
monarquistas e os republicanos:

Sem sabermos que os candidatos da monarquia irão apontando para os


cofres públicos, enquanto os da república, para as desgraças do povo, os
da monarquia irão iludindo, enquanto os da república esclarecendo, os
fatores [sic] e desejosos continuadores das nossas desgraças irão se
desculpando, e os republicanos olhando para o futuro reorganizado como
a única salvação possível, os primeiros quererão corromper e os
segundos, elevar; aqueles não poderão discutir, mas nós convenceremos,
na história do partido deles acharão somente o exemplo dos egoísmos e
na do nosso, de muitos sacrifícios desinteressados (Pinheiro, 1980, p.
92).

Como se informou acima, entre 1893 e 1898, não se envolve com política. A
partir de 1899, volta ao cenário político primeiramente como Agente Executivo de
Caeté, MG. Daí em diante, e dada a sua projeção e liderança, acaba sendo senador
federal por um curto período. Em 13 de novembro de 1905, o Partido Republicano
Mineiro o proclama candidato à presidência do Estado de Minas Gerais.
Em 12/02/1906, o seu manifesto-programa, intitulado Ao Povo Mineiro, vem a
público em Caeté, MG. Entre outros aspectos, o da educação escolar ocupa as suas
preocupações de uma maneira primordial, afirmando-a como “benefício direto” para o
povo e como benéfica à “coletividade inteira”:

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Dominando todas as necessidades sociais, políticas e morais, está, em


toda a parte, a questão fundamental da instrução primária. Quase que é o
único benefício direto em troca dos seus sacrifícios, que o povo pode ver
e tocar. Demasiado têm–se os governos preocupado da instrução
aparatosa das academias e ginásios equiparados, dirigindo-se à classe dos
mais favorecidos da fortuna, em contraste com o esquecimento e
abandono da modesta escola primária, cuja função é a educação do
próprio povo, da qual depende a sorte futura da coletividade inteira
(Pinheiro, 1980, p. 190).

Outro aspecto destacável em Ao Povo Mineiro, além deste anterior em que se


expressa o ideário republicano, é a centralidade de que goza o professor primário em
seu discurso, prometendo ao mesmo melhores esperanças:

(...) as casas sem mobília, as classes sem alunos, os alunos sem livros, a
freqüência pequena; e, entretanto, em grande perda o sacrifício do
Tesouro, que nunca é demais em tal assunto. Urge remediar
energicamente tão grave estado de coisas, e abrir ao professor–primário
uma esperança de melhor sorte. (...) Para a reabilização e eficácia do
ensino primário, empregarei, se eleito, toda atenção, todo esforço e toda
energia de que for capaz (Pinheiro, 1980, p. 191).

Em entrevista concedida ao jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, em 19/07/1906,


portanto, antes de sua posse como Presidente do Estado de Minas Gerais, apontava que
a educação técnico-agrícola devia iniciar-se

(...) na escola primária, para o preparo dos operários rurais de amanhã,


indo até o ensinamento ao próprio lavrador pela constituição das
pequenas fazendas–modelo. Para isso instituirei um ensino técnico–
primário, ministrado nas escolas públicas, de modo concreto, sem
teorias, paralelamente ao ensino da leitura, da escrita e da aritmética
(Pinheiro, 1980, p. 207).

Logo em seguida, o teor da mesma entrevista revela o seu projeto para o


Estado de Minas Gerais, como o Brasil, ainda eminentemente rural: caberia em seguida
o ensino rural de nível secundário, para o qual estava prevista a institucionalização de
fazendas–modelo, através das quais expressa a possibilidade de que o agricultor dos
arredores aproximar-se-ia para também realizar a sua formação:

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217

(...) Depois desse [nível primário], vem o ensino técnico–secundário.


Este será dado nas pequenas fazendas–modelo, (...) providas de todos os
aparelhos aperfeiçoados, dirigidas por técnicos experientes, onde se
praticarão os novos processos de cultura e onde completam a sua
aprendizagem profissional rapazinhos de 15 a 17 anos, tirados, de
preferência, dentre os que demonstrarem maior aptidão e aproveitamento
nas escolas técnico–primárias. Semeadas essas fazendas–modelo em
diferentes zonas do Estado, o agricultor dos arredores ali irá por interesse
ou por curiosidade (...) (Pinheiro, 1980, p. 208).

E elogiado pelas suas idéias, afirma que

(...) nosso mal tem sido o excesso de teoria. Para essas escolas
secundárias, continuou, cuido de mandar vir professores americanos
contratados, que servirão até que as próprias escolas possam fornecer os
seus professores. Resta o ensino técnico–superior e esse penso que deve
ser dado pela União, em sessões anexadas às faculdades superiores,
especialmente às Escolas de Engenharia (Pinheiro, 1980 p. 208).

Esses posicionamentos do Presidente do Estado de Minas Gerais, seja anterior


ao 15/11/1889, seja relacionado ao ano de 1906 – como candidato e como Presidente
eleito – refletem o jogo a que se punham as esperanças republicanas diante da
monarquia, conteúdo presente no jornal O Movimento, em 1889; como candidato em
1906, situa a educação primária como benéfica ao povo, opondo-se às políticas elitistas;
nesse tom, caberia ao professor primário melhor sorte, sobretudo voltada às
preocupações com a infra-estrutura escolar (edifício escolar, mobília, livros,
orçamento). Como Presidente eleito, aponta para a educação técnico–agrícola primária e
secundária como alavancas para a formação do operário rural; para isso, as fazendas–
modelo seriam um aparato, ao lado dos professores norte-americanos, necessário para
alimentar a vocação agrária do país.
O liberalismo de João Pinheiro, no campo educacional, se expressa pelas
citações feitas, como se deixa entrever na coletânea que reúne documentos de sua
trajetória (Pinheiro, 1980). A democracia, a defesa da educação do povo como um
direito à igualdade, a defesa da propriedade, a defesa da separação entre Igreja e Estado
e da liberdade religiosa são somente alguns aspectos presentes em seu posicionamento
no campo político e partidário. “Deste modo as idéias filosófico–políticas de João
Pinheiro da Silva sugerem-nos sua não identificação com formas ortodoxas. Exemplos

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disto são suas principais preocupações como separação entre o Estado e a Igreja, defesa
da liberdade religiosa bem como da liberdade profissional, justiça, e democracia”
(Silva, 1992, p. 94).
Acompanhando a distinção de A. Paim entre o positivismo político e o
positivismo ilustrado, e assentado na concepção de que caberia ao segundo conceder
“(...) à política uma posição subalterna e privilegiando a mudança dos costumes e da
mentalidade, como condição prévia à reforma social” (Paim, 1979, p. 37), o
posicionamento que segue abaixo é esclarecedor:

Os positivistas ilustrados defendiam a idéia de que a identificação da


sociedade com o espírito positivo supunha, antes de mais nada, um
processo pedagógico–educativo, sob a luz da ciência e da própria
Filosofia Positiva.(...) Para os positivistas ilustrados era possível
combater a ignorância mediante um processo educativo, tendo em vista a
moralização da sociedade (Silva, 1992, p. 71).

As avaliações esboçam um João Pinheiro discordante para com a “filosofia


política de inspiração positivista” (Silva, 1992, p. 73); mas que “se permitia certos
caprichos positivistas, sem no entanto abandonar a tradição liberal” (Rodrigues, 1986,
p. 165). Ou numa outra avaliação também lapidar: “Na agenda daquele republicano
histórico do início do século, o liberalismo se mostrava capaz de viabilizar estruturas
mais modernas” (Bomeny, 1994, p. 160).

Os grupos escolares segundo a legislação educacional de 1906

Aos 22 dias de Presidência do Estado de Minas Gerais, João Pinheiro sanciona


a Lei n° 439 de 28/09/1906. Seu artigo 1° expressava o tripé spenceriano: “(...) que a
escola seja um instituto de educação intellectual, moral e physica”. Previa o seu artigo
3° que o ensino primário é gratuito e obrigatório, e ministrado em escolas isoladas,
grupos escolares e escolas-modelo anexas às escolas normais. O inciso II do artigo 6°
dispunha que ao Governo caberia “organizar o programma escolar, adoptando um
methodo simples, pratico e intuitivo”. O seu artigo 10° previa que “nos logares onde
forem organizados os grupos escolares (...), poderá o Governo supprimir tantas escolas
isoladas quantas as de que constarem os respectivos grupos (...)”. O seu artigo 14° reza

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que “os alumnos pobres que mais se distinguirem no curso primario pela intelligencia,
bom procedimento e assidua applicação, terão a protecção do Governo para serem
admittidos gratuitamente, quer no Gymnasio Mineiro, quer nos gymnasios
equiparados”. Em seu artigo 22°, afirmava que o Governo buscaria meios para que os
edifícios fossem apropriados à escola, e estas providas “de livros didacticos, mobilia e
todo o material de ensino pratico e intuitivo”.
O Regulamento da Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas, de
16/12/1906 – observe-se que também é a data de nascimento de João Pinheiro –, em seu
preâmbulo estimava Minas Gerais com 4.000.000 de habitantes, o que implicava em
800.000 alunos; no entanto, no Estado o número de alunos matriculados na escola
primária era 54.825. Destes, 11.607 alunos se vinculavam à iniciativa particular e
municipal.
Com esse raciocínio,

(...) não dispondo o governo de elementos necessarios para diffundir a


instrucção primaria pelas 800.000 crianças em edade escolar existentes
no Estado, entende que deve estimular a iniciativa particular,
francamente revelada nesta materia, para que ella possa com mais
efficacia collaborar com o Estado na lucta contra a ignorancia (MINAS
GERAIS, Regulamento da Instrucção Primaria e Normal do Estado de
Minas, 1906, p. 4).

Ainda no mesmo preâmbulo, esclarece as diretrizes para a instalação da


educação escolar para todo o Estado de Minas Gerais: “Para a disseminação de escolas
isoladas e de grupos escolares, serão de preferencia attendidas as localidades que
corresponderem aos intuitos do governo, offerecendo ao Estado predio onde o ensino se
possa exercer de modo conveniente e efficaz” (MINAS GERAIS, Regulamento da
Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas, 1906, p. 7). E em seu artigo 45°, o
mesmo precisa melhor tal orientação: “Na execução de seu plano de ensino, o governo,
para instituição de escolas de qualquer espécie, grupos escolares etc., dará preferência
às localidades que o auxiliarem eficazmente já por sommas em dinheiro, já por dadivas
de predios, terrenos ou materiaes”.
O teor das citações e comentários à Lei n° 439 de 28/09/1906 e do
Regulamento de 16/12/1906 estabelecem dois limites para a explicitação efetiva de tal

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política educacional pela institucionalização dos grupos escolares. O primeiro limite é o


estabelecimento de prioridade às localidades que ofereçam o edifício escolar, terrenos
ou somas em dinheiro, como contrapartida ao Estado; no entanto, tal diretriz postula
compartilhar com as políticas públicas locais, buscando fazer com que as
municipalidades arquem com o ônus, em atendimento ao norteamento de âmbito
estadual.
O segundo limite permite enveredar pelas categorias público e privado: de um
lado, podem os grupos escolares serem afirmados como expressão de uma política
pública estadual, e em torno da qual se depositavam esperanças de concretização, tendo
em vista revolver determinações estruturais inconseqüentes com o republicanismo e
com a democracia etc.
Por outro lado, o poder público estadual confessava, pelo Regulamento de
1906, incapacidade de publicizar a educação primária. A urgência da escolarização fez
se sentir mais sensivelmente no período republicano, e as respostas públicas e privadas,
confessionais ou não, se multiplicaram na direção do enfrentamento da urgente
necessidade de configurar a democratização do acesso à escola. Por conseguinte, com
esta declaração há uma publicização da iniciativa particular, quando anuncia estímulo à
iniciativa privada para que ela possa colaborar com o Estado na luta pela ignorância. Ou
seja, os interesses privados estavam convocados a cooperar com uma política pública.
Pode–se, inclusive, afirmar que há um intercambiamento entre o público e o privado,
implicando em parceria que, em última instância, alimenta os interesses privados,
fortalecendo–os, sem necessariamente institui–los.
Em referência à Reforma João Pinheiro, as observações à dinâmica interna de
uma sala de aula – que envolve a interação entre professores e alunos – , são
elucidativas anteriormente à instauração dos grupos escolares:

Até então, os professores em um exaustivo trabalho, ensinavam em aulas


heterogêneas, onde se reuniam crianças das quatro classes, com óbvios
inconvenientes para a aprendizagem e para esses próprios mestres que
teriam que redobrar esforços para manter em atividade todos os alunos,
sem poderem dispensar, ao mesmo tempo, a sua atenção para com todas
essas divisões. Ainda que empregassem auxiliares ou utilizassem os
próprios alunos mais adiantados para dirigirem os das primeiras classes,

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221

tal como se fazia no tempo do Império e mesmo na República, a


eficiência da aula muito deixava a desejar (Mourão, 1962, p. 93).

O objetivo da reforma empreendida é claramente explicitado ao final do


referido preâmbulo, mencionado há pouco: “encontrar no espírito publico o principal
collaborador na obra grandiosa que se propõe a fazer de cada criança em edade escolar
um cidadão digno de uma Patria livre” (MINAS GERAIS, Regulamento da Instrucção
Primaria e Normal do Estado de Minas, 1906, p. 8).
Porém, anteriormente a esta conclusão, e contemplando a inspeção como a
‘alma do ensino’, afirma: “(...) será o Estado dividido em 40 circunscripções, que serão
permanentemente percorridas pelos inspectores, agentes da confiança do governo,
incumbidos de fiscalizar as escolas e de orientar o ensino, para que este se aperfeiçoe de
modo uniforme em todos os recantos do Estado” (MINAS GERAIS, Regulamento da
Instrucção Primaria e Normal do Estado de Minas, 1906, p. 8).
Embora não sejam detalhados outros aspectos presentes nos 31 artigos da Lei
n° 439 de 28/09/1906 e do Regulamento de 16/12/1906, com seus 268 artigos, é
possível pelas citações e comentários feitos, reconhecer os horizontes postos pela
Reforma João Pinheiro. Em resumo de um discurso de João Pinheiro, pronunciado em
Itajubá, MG, em 04/05/1907, segundo a versão do Minas Gerais:

(...) a população escolar dobrou, quase, nos sete meses do seu governo;
todos porfiam em colaborar no esforço governamental; o movimento é
para confortar e firmar esperanças. Em todas as estações, durante sua
passagem, a manifestação das crianças das escolas é a prova do resultado
prático da última reforma e o atestado vivo do interesse que desperta
(Pinheiro, 1980, p. 249).

Em sua primeira mensagem enviada ao Congresso mineiro em 15/06/1907,


João Pinheiro reflete a perspectiva que a reforma pretendia, em acordo com
posicionamento de Viñao Frago citado anteriormente: “A reforma teve de ser completa
e total quanto aos métodos de ensino, à disciplina escolar e à fiscalização severa do
serviço, estando o governo cuidando da questão de casas escolares apropriadas e do
respectivo mobiliário, dentro de restritos recursos orçamentários” (Pinheiro, 1980
p.258).

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A citação em seqüência a esta avaliação interna a respeito da dita reforma – no


tocante ao método de ensino, à disciplina escolar, à fiscalização, aos edifícios, ao seu
mobiliário e ao orçamento – projeta uma referência à dimensão político–educacional no
que respeita aos seguintes aspectos: a) ao seu interesse voltado para a coletividade; b) ao
vínculo que implicava a adesão das municipalidades; c) concurso da iniciativa privada
(já comentado anteriormente); d) limites da formação do professor, incapaz de atender
às demandas que a reforma projetava; e) a definição de que tal reforma é uma
necessidade pública: daí o seu caráter de intervenção na redefinição das ‘determinações
estruturais’, bem como a explicitação de que a mesma sobreleva-se a todas as outras
necessidades públicas:

Para a alma mineira é extraordinário conforto o espectáculo que oferece


o início desse ressurgimento, cujas glórias mais ao próprio povo cabem
que ao governo, tendo compreendido rapidamente que o interesse visado
era o da coletividade, vendo–se a matrícula nas escolas primárias
rapidamente, quase que duplicada. As municipalidades têm vindo em
auxílio da ação administrativa e seja–me permitido augurar em breve o
concurso direto da própria iniciativa particular; (...) Entretanto, é cedo
ainda para nos julgarmos senhores de uma vitória definitiva: a reforma
tem que lutar com os hábitos maus e inveterados, com um professorado
que não estava suficientemente preparado para a prática dos novos
métodos e por isso será precisa, ainda e por tempos, uma ação intensa e
mantida, premunidos todos contra os desânimos vis, de que as infelizes
retrogradações são filhas. O governo manterá a sua orientação com
absoluta firmeza, certo de que satisfaz uma necessidade pública, que não
podia ser adiada e que domina todas as outras (Pinheiro, 1980, pp. 258-
259).

Em sua segunda mensagem ao Congresso mineiro em 15/07/1908,


relativamente ao item instrução primária, anuncia o crescimento vertiginoso da
matrícula escolar, com 10.090 alunos em 22 grupos escolares em funcionamento.
Retoma o caráter público de tal política educacional, que conta com doações de
particulares e com a iniciativa das municipalidades. Mas a afirmação que mais chama a
atenção nessa citação é a de que a instrução primária é um “serviço público, cujo
desenvolvimento é essencial ao regime republicano”, como está logo a seguir:

Instrução primária – Neste importante ramo de serviço público, cujo


desenvolvimento é essencial ao regime republicano, tem tido o governo

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máximo cuidado, mormente em relação à matrícula escolar, que, com a


atual reforma, chegou quase a duplicar, como já o mostrei com o cotejo
dos respectivos algarismos. Estão funcionando regularmente 22 grupos
escolares, em que se acham matriculados 10.090 alunos. Brevemente
este número estará consideravelmente aumentado, achando–se, para tal
fim em preparo, muitos prédios que sem muita demora, terão a
necessária adaptação e provindos principalmente de doações de
particulares e das municipalidades. A fiscalização técnica do ensino tem
sido feita com toda regularidade. E apesar da duplicação da matrícula, da
criação dos grupos e da remuneração dos inspetores, a despesa apenas se
elevou a 25%. Cumpre, entretanto, assinalar que, das 800 mil crianças do
Estado, em idade escolar, a 700.000 não se dá ainda o devido ensino
(Pinheiro, 1980, p. 382).

Observe–se ao final a importância que a fiscalização encarregada aos


inspetores escolares ganha, inclusive desde a legislação de 1906 comentada
anteriormente, e de que a despesa em vista de tal política não é preocupante aos cofres
do Estado. Mas, o seu realismo se expressa entre o que se fez até então – 100.000
crianças matriculadas – e o que se necessita fazer em prol da educação pública primária,
posto que 700.000 crianças ainda se encontravam inatingidas pela mesma.

Finalizando

Procurando encerrar, sem necessariamente ser conclusivo, e a um


distanciamento maior em relação ao movimento de implantação dos grupos escolares
em Minas Gerais, para além do governo de João Pinheiro entre 1906 e 1908, as
realizações efetivas não podem avaliadas sem conferir–lhes significação, sobretudo
desde o ponto de vista de projeto político–educacional público estadual.
Conforme dados levantados, as regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba,
a oeste do Estado do Minas, contavam com vinte e um municípios até 1923, e com
quinze até a data da Reforma João Pinheiro: o decreto de criação de grupos escolares se
deu em 17 municípios entre 1908 e 1926, o que não significa que tenham sido instalados
até 1926. De qualquer forma, são dezenove anos trilhados para que a criação dos
mesmos se desse. Em Uberlândia, MG, a criação se dera em 20/07/1911, e a instalação
em 01/07/1914. Mas, há outros municípios da mesma região que tem seus grupos
criados e instalados no mesmo ano, como é o caso de Uberaba, Prata, Araxá,

223
224

Sacramento, entre outros.


Tomando–se em consideração dados quantitativos relativos ao Estado de
Minas Gerais como um todo, cabem estudos de caráter monográfico local e regional,
tendo em vista a avaliação entre a criação e a instalação dos grupos escolares. No
entanto, ao lado de tal política pública, também se realiza a disseminação do ensino
privado, confessional ou não, que concorre com a dimensão pública, seja auxiliando–a
ou com ela estabelecendo parceria, seja socorrendo a nascente pressão pela
escolarização no período em apreço.
Entretanto, a avaliação de John D. Wirth deixa entrever alguns vestígios em
relação à Primeira República em Minas Gerais, o que pode trazer indicações para a
pesquisa histórico–educacional:

Infelizmente, apesar de tanto vigor e idealismo, essas escolas educaram


deficientemente a população urbana e quase nada as massas rurais; e as
poucas instituições de qualidade eram bastiões de privilégio.
Praticamente dois terços de todos os mineiros com mais de sete anos
ainda eram analfabetos na época da revolução de 1930. Para um estado
comprometido com a educação, esses resultados eram inadequados e os
governadores ressaltavam este aspecto em seus relatórios anuais para a
legislatura. A educação mineira atolou na economia de escassez e isso a
desmoralizou. O governador Silviano Brandão fechou quase 400 escolas
durante a depressão de 1898; mais tarde, o movimento de reforma da
década de 20 foi desacelerado drasticamente pela crise de 1929. (...)
Quase 80% da população viviam fora das áreas urbanas, de forma que a
distância e a dispersão eram problemas básicos (Wirth, 1982, p. 142).

Mas tal avaliação não implica em afirmar que a política educacional em torno
dos grupos escolares carecia de projeto e de iniciativa. Havia um projeto republicano em
efetivação, e dele João Pinheiro foi responsável pela iniciativa e pela capacidade em
dinamizá-lo em Minas Gerais, apesar do exíguo tempo de seu governo. Seu horizonte
liberal o faz assumir tal iniciativa, contando com a participação privada, mas apostando
no progresso. À educação cabia também acioná-lo e irradiá-lo. Se estava em jogo uma
política pública – a educação –, é necessário indagar, em perspectiva histórico–
educacional, a respeito de sua capacidade de incluir.
O pensamento e as ações políticas de João Pinheiro, provocado pelas mazelas
do período imperial, certamente são um capítulo significativo do liberalismo, do

224
225

republicanismo, mas também do positivismo, em território mineiro, mas nutrido pelas


discussões que pautavam a agenda nacional.
O seu projeto – enquanto expressão de uma consciência social que veio se
construindo desde os finais do século XIX – esbarrava na consciência real que se
averigua em várias citações feitas no decorrer deste. Se na política mineira foi um
semeador de esperanças e um animador das mesmas, posto que soube congregar o
ideário republicano e lhe dar diretriz, ideologicamente esteve comprometido com o jogo
entre o público e o privado, apesar de inaugurar uma política pública significativa para o
andamento republicano federal e mineiro.
Sua oposição à monarquia não o isenta de sustentar, pela Lei n° 439 de
28/09/1906, um direcionamento de caráter seletivo em relação aos alunos pobres que se
distinguissem pela inteligência, comportamento e aplicação. Os grupos escolares
certamente inauguraram uma alteração de sentido da cultura escolar de então – e o papel
de uniformizá–la caberia aos inspetores escolares –, bem como a potencialização da
escolarização como irradiação do progresso, mas preferencialmente este chegaria às
localidades melhor providas de recursos, portanto capazes de compartilhar desse
processo seletivo de tal política pública.
Esta, na verdade, se renova com o ideário res–publica–no, responsável por
orientar a oposição à monarquia. Mais alavancado ou não pelo positivismo ilustrado, o
ideário republicano teve no positivismo uma sustentação pedagógica ao processo
político, na medida em que o mesmo encaminhava a vida social numa perspectiva
fundada na evolução, no aperfeiçoamento e na progressão.
Entre o projeto republicano expresso em Minas Gerais em 1906 por esta
política pública, e os limites manifestos no bojo de sua própria implementação, não cabe
descurar as realizações. A centena e meia de grupos escolares criados até 1930, depois
de transcorridos 24 anos após a Reforma João Pinheiro, quando Minas Gerais contava
com pouco mais de duas centenas de municípios, esbarram em dados populacionais do
mesmo Estado: de 3.594.471 habitantes em 1900 para 7.308.853 em 1928. Houve sim
uma energia inicial, posto que até 1915, os grupos escolares criados somavam
aproximadamente uma centena, porém posteriormente tal vigor diminuiu, apesar do
crescimento populacional duplicar-se. Portanto, entre o projeto e as realizações, cabe

225
226

contemplar os limites postos pela própria Reforma, bem como os obstáculos ao


movimento histórico–educacional do período histórico e apreço.

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228
229

UM PROJETO MODERNIZADOR:
O GRUPO ESCOLAR NUMA CIDADE DE VOCAÇÃO INDUSTRIAL

Lola Yazbeck19

A Cidade: a economia e a política

A cidade de Juiz de Fora, localizada na Zona da Mata Mineira, nasce no século


XIX, no momento da construção do Caminho Novo dos Campos das Gerais, cuja
localização geográfica facilitava aos comerciantes do Rio de Janeiro o acesso à
província de Minas Gerais. O local servia também de apoio para as atividades mercantis
da economia mineradora no início do século XIX.
O crescimento econômico da região, baseado na cafeicultura, trouxe prestígio
político, econômico e social permitindo que as elites, de origem agrária, diversifiquem
seus investimentos e implementem um projeto industrial. Nesse aspecto, a trajetória de
Juiz de Fora confirma o padrão de desenvolvimento da indústria brasileira, ocorrido
entre meados dos anos 1880 e o final da década de 1930, baseado na expansão do setor
agrícola e, em particular, do café (ver Suzigan, 1986; Prado Júnior, 1962; Furtado,
1971).
Juiz de Fora guarda algumas iniciativas pioneiras que permitiram a expansão do
núcleo urbano e o desenvolvimento de uma economia não mais limitada à
comercialização do café na Zona da Mata mineira, expandindo para as províncias de S.
Paulo, Rio de Janeiro e Goiás as quais constituíam os principais mercados das empresas
locais. Para tanto, empreendimentos importantes como a abertura da Rodovia União e
Indústria, em 1861, a inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil em 1870, a
construção da primeira usina hidrelétrica da América do Sul, em 1889, representam
marcos no processo de conversão da cidade ao mundo da indústria (Yazbeck, 2000).
A industrialização de Juiz de Fora, num período compreendido entre o final do
século XIX e as duas décadas do século XX, caracteriza-se pelo predomínio de

229
230

pequenas fábricas e oficinas de produção limitada, pelo uso de tecnologia elementar,


com baixo índice de capital investido, e pela absorção de pequena quantidade de mão-
de-obra. Sem dúvida, as transformações decorrentes da industrialização tornam-se mais
evidentes em Juiz de Fora após 1890, quando se instalam na cidade fábricas de maior
porte e aumenta significativamente a população operária.20
Quanto à educação, até 1890, Juiz de Fora reproduz na educação o perfil corrente
no Império, durante o qual predomina o ensino particular – entre 1860 e 1890 registra-
se a sua maior expansão – por intermédio da ação do clero nos seminários ou em escolas
confessionais, consagrando o caráter religioso, literário e retórico do ensino secundário
(Azevedo, 1963).
Roque Spencer Maciel de Barros situa nesse período o confronto entre uma
tradição católica conservadora, opondo-se com tenacidade à perspectiva de um Estado
laico que afastasse a educação e a cultura da órbita religiosa, e os intelectuais da
ilustração brasileira, identificados com o ideário liberal ou com o cientificismo (Barros,
1986).
A elite econômica representada pelos industriais, cafeicultores e comerciantes
investem em eletrificação, comunicação, transporte e no sistema bancário, procurando
dotar a cidade de uma infra-estrutura adequada ao desenvolvimento industrial.
Da mesma forma, também a educação é vista como um investimento necessário
à expansão da economia. Dentre outras instituições de ensino fundadas nesse período,
destacam-se duas escolas, representativas da ação das elites locais em favor da nova
ordem competitiva, mediante a atribuição de um novo perfil à educação primária,
secundária e superior: o Granbery, criado em 1890, e a Academia de Comércio, cuja
fundação data de 1894, que poucos anos mais tarde projetariam respectivamente a
Universidade Metodista e Universidade Católica na cidade.

19
Prof. Dra Dalva Carolina (Lola) de Menezes Yazbeck Universidade Federal de Juiz de Fora. M.G. E-
mail: yazebeck@zaz.com.br
20
Até os anos de 1930, as atividades industriais diversificam-se entre os ramos de alimentação, fiação e
tecelagem, metalurgia, couros e calçados, madeira, móveis e serraria, cerâmica, cimento e marmoraria,
fumos e cigarros, tipografia, registrando-se no final do período um total de 286 indústrias (Giroletti,
1988).

230
231

Aos trabalhadores restavam as poucas possibilidades de educação fornecida pelo


trabalho meritório e missionário de alguns mestres – escolas que usavam o seu próprio
domicílio para o acolhimento dos alunos.
Este cenário apresentava a necessidade de organizar a educação no município a
fim de se estabelecer a educação dos trabalhadores e de se assegurar a hegemonia da
camada dominante.

A institucionalização da Educação Básica: o Grupo Escolar em Minas Gerais.

A educação no Brasil, estruturada no início do período republicano acompanhou


a racionalização do Estado. Neste sentido, torna-se possível avaliar a importância da
criação dos grupos escolares como mecanismo do Estado, não só para buscar a
modernização, mas, sobretudo, organizar a sociedade.

O sistema de instrução estava desorganizado; os professores eram


considerados, em sua grande maioria, incompetentes, desleais para com o
governo – pois fraudavam os livros de registro (matrícula e freqüência de
alunos para manter a cadeira funcionando) – e poucos assíduos ao
trabalho. Corroborava para que esse estado de coisas não mudasse,
segundo os inspetores e autoridades do ensino – principalmente os
secretários do Interior – a inexistência de um sistema de inspeção e de
fiscalização contínua sobre o professorado e as péssimas condições em
que trabalhavam: locais e materiais inadequados, baixos salários, dentre
muitos outros. Uma das conseqüências, amplamente divulgada, era que,
nessa escola a freqüência chegava, quando muito a 50% da matrícula, e o
aproveitamento dos alunos ficava em torno de 30 a 40% dos freqüentes, e,
muitas vezes, nem isso (Faria Filho, 2000, p.28).

A necessidade de reverter o quadro de mazelas da educação era urgente e mais


do que necessária. A Reforma Educacional do Estado de Minas, promovida no governo
de Afonso Pena (1892 – 1894), teve o objetivo de melhorar a qualidade do ensino
elementar e a formação dos professores. Através do Decreto nº 607, de 27 de fevereiro
de 1893, foi criada uma nova estrutura para a escola normal com a finalidade de formar
professores competentes, criando cursos intensivos, com duração de 4 anos e 21
matérias. Assim, em 1894 foi criada a Escola Normal de Juiz de Fora, funcionando no

231
232

prédio que serviu ao antigo mercado da cidade e, posteriormente, transferida para o


palacete Santa Mafalda.
Estevam de Oliveira, (1853 – 1926) natural de São José do Turvo do Piraí –
estado do Rio – Inspetor Técnico do Ensino, da Sétima Circunscrição Literária que
abrangia os municípios de Cataguazes, Leopoldina, Além Paraíba e Palmas, foi uma
importante figura no cenário educacional. Estevam foi lavrador e tropeiro na mocidade,
major honorário do Exército, foi também jornalista21, republicano e abolicionista radical
que acreditava numa maior participação política e na possibilidade de avanços para uma
cidade como Juiz de Fora, onde era morador, na qual “residia o pensamento dominante
da nova cruzada. Tinham aqui morada, chefes proeminentes do partido: publicava-se
ainda aqui o mais autorizado órgão da propaganda na província; era, finalmente, deste
centro intelectual que se irradiava, ardoroso, o calor do combate sem tréguas à
instituição vetusta” (Oliveira Apud Christo, 1994, p.110).
Sua atuação em prol da educação não se faz somente enquanto Inspetor Técnico
mas, também, como jornalista que emitia opiniões sobre questões educacionais do
estado de Minas Gerais. Um exemplo22 pode ser visto nos debates sobre ensino público
ocorridos no estado em 1891, cujo projeto tramitava naquele momento na Câmara dos
Deputados. O Plano reformador trazia à tona discussões sobre o preparo e a carreira do
professor, a unidade de ensino, a instituição de escolas superiores, além de comentários
e críticas sobre as medidas que, naquele momento, haviam sido adotadas pela comissão
mista que analisava a proposta reformadora.
Em seu relatório, em 1902, resultado de suas visitas às instituições escolares do
estado de São Paulo e Rio de Janeiro, tarefa comissionada pelo Secretário de Estado de
Minas Gerais, Estevam de Oliveira propõe uma racionalização da estrutura do ensino,
ligada a uma centralização que ficaria a cargo da Diretoria Geral de Ensino,
acompanhada por inspetores permanentes, de responsabilidade das autoridades locais, e
por inspetores “imprevistos”, vinculados à administração central. A antiga inspeção
gratuita ficaria suprimida tornando o cargo de caráter mais técnico e a atuação mais
competente, uma vez que o relator aconselhava que se criassem concursos e que se

21
Em Juiz de Fora fundou o jornal Minas Livre, em 1893, transformando-o em 1894 no Correio de
Minas em cuja direção permanece até 1914. Foi colaborador em A Imprensa e O País, do Rio de Janeiro.
22
Jornal Minas Livre. Juiz de Fora, de 08 ; 15 de outubro e 22 de dezembro de 1891, Anno I.

232
233

fizesse uma formação profissional mais rígida. O ponto nevrálgico da Reforma seria a
criação de grupos escolares e a formação de professores. Era preciso aperfeiçoar o
ensino normal quanto ao programa e recursos materiais. O ensino deveria ter uma
orientação mais prática e positiva. Também foi de opinião que o cargo de “professor
provisório” deveria ser extinto uma vez que pecavam pela má formação e eram, em
geral, presos à teia do coronelismo. Neste sentido, defendeu o princípio da
amovibilidade, ou seja, a possibilidade de remoção do professor ao critério exclusivo do
Estado. Seria a forma de romper com o esquema de favoritismo político que prendia
muitos professores ao poder local e de dar um caráter de competência e de
profissionalização ao professor.
Estas preocupações tinham fundamento, pois embora as idéias de Estevam
acompanhassem o ideal republicano, ele não desconhecia o caráter autoritário e a
prática de coerção no processo do controle político mineiro, a partir da organização do
Partido Republicano Mineiro (PRM), que foi consolidando progressivamente uma
tradição de fortalecimento das relações pessoais através de favoritismos, empreguismo e
desvio de recursos públicos para o atendimento a diversas demandas (Bomeny, 1994).
A opinião de Estevam de Oliveira sobre a Reforma do Ensino Primário e Normal
em Minas, no relatório de 1902, sobre a carreira do professor, se revestia de
objetividade, visto que para ele não adiantava exigir do professor um bom preparo
profissional na medida em que era mal remunerado e as escolas apresentavam precárias
condições. Assim, não havia estímulo para que o profissional se aperfeiçoasse e muito
menos para que quisesse permanecer no serviço público (Cf. Faria Filho, 2000).
Ainda sobre a criação de grupos escolares, Estevam de Oliveira afirmou que “é
esta instituição que há de reerguer o nosso ensino primário do estado de miséria a que
chegou” (Oliveira, 1902).
Ao Inspetor não caberia apenas acompanhar a construção física das escolas, mas
a organização de um trabalho eficiente com base em uma compreensão pedagógico-
administrativa quando seria eliminada a situação de um mesmo professor orientar
alunos de todas as séries, ao mesmo tempo, em uma mesma sala, com a agravante de
designar alunos mais adiantados para orientar alunos novatos. Assim, os Grupos
Escolares passavam a ser concebidos como dispositivos de imposição de novas regras

233
234

de sociabilidade urbana, impondo valores às famílias e ritmos de comportamento


adequado à freqüência escolar das crianças.
O governador João Pinheiro, entendendo que a autonomia regional facultava a
tomada da decisão sobre a formação do cidadão, percebeu que naquele momento lhe
reservava um papel histórico em relação à reestruturação da educação pública nas Minas
Gerais “com uma distinção que o notabilizou: o ideal educativo não se vinculava à
ilustração ornamental, mas, a uma perspectiva eminentemente prática” (Bomeny, 1994.
p.149).
A Reforma de Ensino em Minas Gerais, no governo de João Pinheiro, em 1906,
recuperou propostas de Estevam de Oliveira consagrando “a construção de espaços
próprios para a educação escolar, a fim de reunir e de abrigar em um só prédio as
escolas que estavam isoladas, provocando, então, o aparecimento das Escolas
Agrupadas e dos ‘Grupos Escolares” 23 (Faria Filho; Vago, 2000, p.37).
Com a reforma administrativa e pedagógica proposta, o Estado estipularia os
programas por mês ou trimestre, os métodos a serem utilizados, os horários das
disciplinas, os livros, os prazos e números de matrículas. Assim, o professor estaria
submetido a uma nova dinâmica exigida pelo cumprimento de um programa pré-
estabelecido e em um prazo pré-determinado. O Grupo Escolar trazia na sua
organização uma divisão e hierarquização do trabalho na qual o professor se submetia
ao controle do Estado podendo assumir um papel eficiente na educação do trabalhador
(Arroyo, 1985).
A reforma destinada à educação pública de 1906, estava endereçada às camadas
pobres e consagrava a existência dos Grupos Escolares, imprimindo a partir de então,
uma nova cultura do ensino escolar.

23
Curiosamente Estevam expressa descontentamento em relação à legislação de 1906
frente ao Relatório de 1902, através de um artigo redigido por um cronista do Jornal
Correio de Minas, que assina Neophyto. O artigo critica a reforma de ensino, por conter
emendas votadas no Congresso que alteravam profunda e radicalmente a proposta
primitiva. O autor afirma ter participado, ou melhor, ter sido incumbido de rascunhar
um projeto que sintetizasse um plano de reforma já esboçado por ele antes em
documentos oficiais. O autor do artigo é Estevam de Oliveira que assinava tal
pseudônimo. Jornal Correio de Minas 19/09/1906

234
235

A instalação do Grupo Escolar em Juiz de Fora

A organização de uma sociedade baseada no trabalho livre, com os trabalhadores


capacitados, tornou-se o desafio do projeto modernizador proposto especialmente por
João Pinheiro, no qual a educação era o eixo central, onde o trabalho era visto sob um
novo entendimento, que eliminava a antiga concepção de mão de obra servil, mas, que
preparava a mão de obra capacitada.
Esta proposta era bem vinda para Juiz de Fora que se firmava como cidade de
vocação industrial, que apresentava um panorama diferente das cidades mineiras
coloniais. Estas com suas igrejas e marcas do período colonial da extração do ouro, Juiz
de Fora, com suas fábricas, seus estudantes e uma economia capitalista liderava a região
da zona da mata mineira.
Este momento sinaliza a maior complexidade do espaço urbano em formação. A
sociedade enfrenta novos desafios provocados pelas grandes mudanças quer sejam as
provocadas pelo progresso, quer pelas desigualdades sociais, pelo crescimento urbano
desordenado ou pelas epidemias etc.
Entende-se que a escola primária neste novo contexto não se afastará destes
conflitos, mas atuará como elemento definidor dos limites do Estado, ao deixar de ser o
prosseguimento familiar e religioso. Este novo local torna-se gradativamente um espaço
público e simbólico da modernização e de centralização do papel estatal, renovador do
habitus24 pedagógico através da formação do professor que repercutirá indiretamente
nos habitus sociais (Nunes, 2000).
Pode-se afirmar que a proposta educacional do Estado que se institucionalizou
na cidade percebia a escola como um espaço que deixa de ser apenas o local de
racionalização do conhecimento para ser reconhecida como instrumento de mudanças,
criadora de hábitos, voltada para instrução, formação e profissionalização, mediadora
entre sujeitos sociais e a sociedade.

24
Categoria expressa por Pierre Bourdieu (1982).

235
236

Em 04 de fevereiro de 190725, pelo Decreto nº 1886, ocorreu a instalação do


Primeiro Grupo Escolar, sob a direção de José Rangel, cujo total de matrículas foi de
470 alunos. No mesmo ano, no dia 23 de março, foi inaugurado o Segundo Grupo
Escolar, com 396 alunos. O Segundo Grupo ficava sob a administração do mesmo
diretor, do servente e do porteiro do Primeiro Grupo Escolar. Ambos funcionavam no
mesmo prédio, oferecido ao Imperador Pedro II que ao recusá-lo aconselhou destiná-lo
para o abrigo de doentes ou para uma escola.
No ano de 191526, o Primeiro Grupo Escolar recebeu a denominação de Grupo
José Rangel e o Segundo Grupo Escolar de Grupo Delfim Moreira.
Em pouco tempo o casarão que antes abrigara a Escola Normal, de estilo
neoclássico, passou a ser denominado de Grupos Centrais27, nome justificado pela sua
localização, em frente a catedral Metropolitana, numa área central, que nos idos dos
primeiros vinte anos do século XX, compunha um trecho urbano considerado nobre, na
principal avenida da cidade, em cujas vizinhanças abrigavam as residências da alta
burguesia local. O casarão permanece ainda nos dias atuais, ampliado na parte de trás do
prédio. Abriga somente o Grupo Escolar Delfim Moreira, em meio de intensa
movimentação de pessoas e veículos, impedido de ser derrubado pela onda de
especulação imobiliária, por ser preservado pelo Patrimônio Histórico de Juiz de Fora.
O Jornal do Comércio no dia 04 de fevereiro anuncia a instalação do grupo
escolar através de um convite à população.

Effectua-se hoje as 11horas a solenidade da instalação do 1° Grupo


Escolar desta cidade. A esse acto poderão comparecer todos quantos se

25
Livro de Instalação dos Grupos Escolares 1907 – 1911 Presenças na Cerimônia de instalação do ano
letivo de 1907: Diretor – José Rangel –Inspetor Municipal: Belmiro Braga – Professoras Normalistas (do
1o Grupo): 1) Alexandrina de Santa Cecília 2) Sylvia de Azevedo Coutinho 3) Maria do Carmo Goulart
.4) Maria da Silva Tavares. 5) Maria Monteiro de Rezende. 6) Francisca Lopes. 7) Mª da Conceição G.de
Vasconcelos.) Izabel Bastos.
Agente Executivo do Município: Duarte de Abreu. –Promotor Público Municipal: Astolfo Leite
Magalhães Pinto. – Juiz Municipal: Francisco Cândido da Gama Júnior. – Fiscal p/ parte do governo
federal: José Cesarino Monteiro da Silva. (fiscal junto ao Gymnásio Granbery) Livro de Instalação dos
Grupos Escolares 1907 – 1911
26
Livro de Atas dos Exames, Atas de Instalação e Visitas Oficiais. 1907 – 1925 Termo de Instalação dos
Grupos de 02 de fevereiro de 1915.
27
O prédio era denominado Palacete Santa Mafalda.

236
237

interessem pelos assumptos que dizem respeito à instrucção, pois não há


convites especiais, conforme nos informa o respectivo director nosso
colega José Rangel.

Os jornais locais28 noticiaram a inauguração do Grupo Escolar, que pela


descrição, teve reconhecido o significado e a importância por significativas
representações políticas, intelectuais.

No dia 04 de fevereiro, às 11 horas da manhã, no salão nobre da Escola


Normal, ocorreu a instalação do Grupo Escolar.
A sessão foi aberta por José Rangel e em seguida o Dr, Duarte de Abreu
lembrou à Câmara a conveniência de ser prestado um auxílio pecuniário às
crianças pobres, destinado à compra de roupas para que possam comparecer
às aulas com a necessária decência.
Projeto apresentado à Câmara Municipal no dia 04 de fevereiro de 1907pelo
vereador Antonio Cerqueira
Artigo 1º - Fica o agente executivo autorizado a dispender a título de auxílio
às crianças pobres matriculadas no grupo escolar nesta cidade, até a quantia
de 500$, que será entregue ao respectivo diretor.
Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário.
A sessão foi encerrada com os alunos cantando o “hino do Grupo Escolar de
Juiz de Fora”, com letra de José Rangel e música do maestro Carlos Alves.
Em seguida, à sessão fotográfica na frente do prédio com as professoras e
autoridades, os alunos saíram em passeata percorrendo várias ruas da cidade
(O Jornal do Comércio, de 05 de fevereiro de 1907).

A cidade guarda com um curioso orgulho na idéia do pioneirismo, por ter ela
abrigado a instalação do primeiro Grupo Escolar do Estado de Minas Gerais. Algumas
fontes nos dão pistas que podem confirmar esta postura vaidosa que retrata mais um
sentimento de estar à frente da capital, mesmo que seja por um dia de diferença29.

28
O Jornal do Comércio, de 05 de fevereiro de 1907. Jornal o Pharol de 04 e 05 de Fevereiro de 1907.
29
Embora a pretensão de inaugurá-lo fosse no dia 1o de fevereiro, conforme Jornal
Correio de Minas do dia 01/02/1907, “a installação desse grupo não póde realizar-se
hoje como estava annunciado, em conseqüência da grande affluencia de candidatos á
matricula, cujo numero attinge a 454, o que tem tornado moroso o processo de
classificação de alumnos.
“Accresce que, por exigüidade de tempo, não puderam ser ultimados os trabalhos de
adaptação do prédio aos seus novos intuitos.
“A installação far-se-á no dia 4, as 11 horas da manhã, e para esse acto são convidados
as autoridades locaes, imprensa, instituições e interessados”, p.1.

237
238

O órgão oficial do estado o Jornal Minas Gerais30, noticiou que

com verdadeiro enthusiasmo os grupos escolares estão sendo instalados.


Instala-se hoje o primeiro Grupo Escolar da Capital, de Juiz de
Fora.Chegou um telegrama dirigido ao Sr. Carvalho Brito dizendo ter sido
instalado ontem um grupo escolar com 470 alunos sendo esse
acontecimento muito aplaudido pela população daquela adiantada cidade.

Duas questões nos sugerem o fato de Juiz de Fora instalar o Grupo Escolar em
quase momento análogo ao da capital mineira. A primeira pode ser entendida diante da
atuação da representação política em assuntos de bastante relevância política estadual.

Em se tratando de representação política os representantes de Juiz de


Fora ascendiam no cenário estadual, marcado por um radicalismo e por
uma rejeição ao predomínio político da área mineradora. Defendiam a
necessidade de uma nova capital para o estado mineiro e de autonomia
municipal com o objetivo de esvaziar a ascendência política da tradicional
área, cuja importância decorreu do período colonial (Bomeny, 1994,
p.35).

Nesta afirmativa conforma-se também a importância da questão política


intimamente ligada à atuação de homens envolvidos com o projeto modernizador
republicano. Neste caso, há importantes personagens que eram funcionários públicos,
envolvidos com a educação, e que também atuavam como jornalistas, politicamente
ligados o PRM, tal como o inspetor e jornalista Estevan de Oliveira e como José Rangel
(1868–1940), natural de Pitangui M.G. Este último colega de magistério e de jornalismo
e também grande admirador do político Antonio Carlos de Andrada, (1870–1946),
natural de Barbacena, M.G, importante figura política, atuante nas esferas do estado e
da política nacional que chegou à presidência da República, e que mantinha sua base
política na região da Mata Mineira. Esses homens que atuavam na educação e ligados a
Juiz de Fora, sem dúvida formavam parte da rede de conhecimentos políticos influentes
que foram importantes no desenvolvimento do projeto dos Grupos Escolares na cidade.

30
Jornal Minas Gerais dos dias 04 e 05 de Fevereiro de 1907, p.1 (segunda e terça feiras). Também a
autora Maraliz Christo, em seu livro no qual estuda a cidade de Juiz de Fora, na belle époque que examina
a relação entre cultura e as transformações econômicas da passagem do século XIX ao XX, afirma a
condição de primeiro grupo de Estado de Minas Gerais (Christo, 1994, p.11).

238
239

Por outro lado, ainda como uma segunda questão a ser levantada para se
entender por que a cidade de Juiz de Fora tivesse a imediata instalação do Grupo
Escolar, pode–se afirmar que houve a concorrência da cidade quanto à sua dinâmica
vida cultural, a sua influência na região como pólo cultural e econômico.

Juiz de Fora sempre gozou do merecido conceito de cidade culta, e essa


cultura não se tem limitado apenas à sociedade que a constitui, por
intermédio dos seus institutos de educação, as suas boas letras e costumes
civilizados, irradia a sua influência a regiões longínquas, muitas além da
circunscrição mineira. Desde tempos bem remotos têm sido os seus
educandários freqüentados por numerosas gerações de estudantes, de
afastadas procedências, pela circunstância de se encontrarem
estabelecimentos de ensino secundário tão somente em privilegiados
centros, dispersos por zonas distantes e de difícil acesso (Rangel, s/d,
p.160).

Não nos escapa a idéia de que o projeto de instalação do Grupo Escolar ao


ordenar o seu papel social numa cidade voltada à economia industrial revela a intenção
da aproximar a escola e o trabalho fabril, sem deixar de assinalar o seu papel na
moderna dimensão do mundo urbano. A escola por um lado reafirmava o espírito da
organização do trabalho nos moldes capitalista, cujo ideário era a superação do atraso
social visando o progresso, a civilização e a ordem social. Por outro lado, esse projeto
vem se integrar ao projeto cultural e educacional existente em Juiz de Fora, elaborado
pela elite industrial. Assim, o principal centro industrial do estado, que mereceu a
denominação de “Manchester Mineira”31, recebe com atenção e expectativa o Grupo
Escolar, já que a educação estatal imprimia uma nova ética do trabalho, cuja força
disciplinadora organizava a formação do trabalhador.
O primeiro Diretor dos Grupos Escolares, José Rangel, em relatório de 1907,
expressou a esperança de que a ampliação de escolas e, conseqüentemente, das
perspectivas de acesso para as crianças, descortinaria um horizonte revolucionário para
a sociedade.

31
O epíteto Manchester Mineira deve-se a Rui Barbosa exaltando o desenvolvimento industrial de Juiz de
Fora ( Bastos, 1966 Apud Yazbeck, 2000).

239
240

Uma verdadeira revolução se operará nos costumes, sob o ponto de vista


moral, atingindo os benefícios dela a própria vida econômica, pois
“teremos em vez de um exército de analfabetos a povoarem as oficinas,
um pessoal operário suficientemente preparado para exercitar os seus
misteres com inteligência e aptidão” (Faria Filho; Vago, 2000, p.41).

Para Carvalho Brito, Secretário do Interior, era fundamental que a reforma


iniciasse por Juiz de Fora e em carta datada de 1º de setembro de 1908 ao diretor José
Rangel, afirma com exagerado otimismo:

A reforma do ensino fracassaria em Juiz de Fora se a não realizasses.


Triunfante na capital intelectual de Minas, seu triunfo está garantido em
todo o Estado e talvez em todo o país (...) Agora a incumbência. Sem que
ninguém pudesse supor que obedecia a uma orientação, procurei destacar
todos os bons elementos intelectuais daí para que comigo colaborassem,
e, agora peço-te que sejas perante eles o intérprete do meu
reconhecimento (Apud Christo, 1994, p.119).

Porém, a visão otimista do Secretário do Interior contrasta com a realidade da


época, analisada pelos artigos de jornais que são contundentes ao lembrar das condições
pobres das professoras e sobretudo da pobreza dos alunos a quem o grupo escolar se
destina. Há preocupação com as exigências da legislação para aqueles que irão
freqüentar o grupo e as reais possibilidades dos freqüentadores.

(....) Parece, entretanto, que a nova organização escolar pretende banir


esse nobre sentimento inato ao coração brasileiro, e que os grupos
escolares foram criados só para filhos de pessoas ricas ou remediadas. Ali
nenhuma criança poderá ir descalça e exige-se até fardamento. Se ainda
este não o foi, será exigido dentro em pouco.
O diretor da escola se vê obrigado a responder as preocupações do
articulista e para tanto a imprensa lhe dá o devido espaço (Jornal do
Commercio de 05/02/1907, p.1).

Há esclarecimentos por parte da direção dos Grupos Escolares através da


imprensa:

Escreve-nos o nosso collega José Rangel director do 1º Grupo Escolar:


Nunca teve o propósito esta directoria de excluir da freqüência do grupo
escolar os alumnos que não se apresentassem calçados e uniformizados. O
regulamento em vigor dá autorização para isso; não será ella, porém,
posta em vigor, senão quando a caixa escolar creada pelo mesmo estiver

240
241

em condições de fornecer vestuário e calçado aos alumnos pobres. A ser


verdadeiro a propósito alludido, desde logo seria feita nesse sentido,
desde logo seria feita essa exigência por ocasião da matriculla.
Sem onerar os necessitados, ainda hei de ver, com prazer, todas as classes
niveladas sob uniforme, no estabelecimento que dirijo; é essa a verdadeira
doutrina democrática. Até lá não se assustem os que, como eu, se
interessam pela sorte do proletariado.
Quanto ao costume adoptado pelas professoras, por proposta minha, nada
tenho que responder, pois e assumpto de mero caracter econômico, e só a
ellas competeria reclamar, caso imposição lhes fosse feita nesse sentido, o
que aliás não se deu, por se ter tomado esse alvitre mediante accordo
prévio.

Não deixou de existir a critica ao salário e a condição das professoras

As professoras, com o minguado ordenado de 150$, foram convidadas a


apresentar-se sempre de roupa branca, de chapéu e luvas (...)
Pobres moças, que lutam com enormes dificuldades, obrigadas agora a
despesas extraordinárias; vão ainda, com o seu luxo forçado, amesquinhar
ainda mais a pobreza de muitos desses pequeninos seres (...)

Outras críticas são feitas pela imprensa local. O Jornal Correio da Tarde
apresenta um longo artigo dirigido ao futuro Secretário Carvalho Brito no qual faz
menção sobre a proposta que seria implementada quanto as bases de inspiração obtidas
pelo do futuro Secretário em sua ida a S. Paulo e Buenos Aires para observar as
questões sobre educação.
O articulista que assina apenas JN não poupa críticas ao projeto quanto a sua
distância da sociedade.

(...) A sua reforma é grandiosa, não há nega-lo , mas em alguns pontos


precisa ser alterada, porque não consulta interesses da população.
Aqui, na cidade, ella vem prejudicar á muita gente com a fundação do
grupo escolar e conseqüente suppressão das escolas singulares, visto
como no grupo as creanças só podem ser admittidas estando calçadas e
competentemente uniformisadas, medidas estas muito de accordo com a
hygiene e a esthetica, mas em flagrante contradicção com o estado de
fortuna daquelles mesmos que mais precisam das escolas publicas para a
instrucção de seus filhos os operários.
Estes, ganhando misérrimo salário que mal lhes dá para as mais primentes
necessidades da vida, como poderão calçar e vestir diariamente e com
certa decência 4 ou 5 filhos?
Medite o Sr. Dr. Carvalho de Britto nesta circunstancia e lembre-se que,
para as escolas da cidade vinham também os filhos dos colonos das

241
242

fazendas próximas, isto é, creanças que andavam uma légua e mais, e que
agora não mais virão, pois o grupo não os poderá receber.
Deverão, entretanto, ficar na eterna ignorância?
Não e não.
Assim, lembramos ao patriótico governo de Minas a conveniência de
serem conservadas, nos pontes extremos da cidade, 4 escolas as quaes,
sendo facilmente accessíveis aos meninos dos subúrbios, sirvam também
para aquelles que não dispondo de recursos, não podem freqüentar o
grupo, embora careçam mais que outros, da proteção do Estado.
As Escolas publicas são principalmente para os pequeninos desamparados
da fortuna (Jornal Correio de Minas de 19/01/ 1907, p.1).

A autora Maraliz Christo aponta o forte elo que existe entre a pobreza e o
trabalho e afirma que estes competiam com a escola provocando uma expressiva
evasão. Seu argumento se baseia nos dados fornecidos pela Secretaria do Interior em
1908: “dos 1002 alunos matriculados apenas 492 permaneciam”. Ela pergunta: onde
estaria a maioria de crianças pobres? Para a autora, as crianças menores de dez anos
compunham a força de trabalho nas indústrias locais, durante longas jornadas de
trabalho, e se encontravam impedidas de freqüentarem o Grupo Escolar assim
aguardavam a criação de cursos noturnos32.
Embora a autora tenha razão em se preocupar com o destino daqueles para quem
o Grupo fora criado, mesmo não sendo objeto de discussão deste artigo, é preciso
reiterar que as questões sobre evasão e repetência33 nas escolas, naquele período, devem
ser vistas, por exemplo, quanto às interpretações sobre a imagem da escola por parte das
famílias pobres, pois há indícios de que havia por parte deles a dependência do trabalho

32
O Grupo Escolar Noturno, no âmbito do estado, foi criado em 1914 como Escola Anexa ao Grupo José
Rangel. Durante dois anos ela recebeu somente alunas do sexo feminino. Em 1916 a escola recebe alunos
de ambos os sexos. Seu funcionamento se dava no mesmo prédio dos Grupos Centrais. Fonte: Livro de
Registro; Visitas Oficiais; Atas e Termos de Exames e\ Promoções para o Primeiro Grupo Escolar de Juiz
de Fora. 1907–1925. Porém é importante registrar que no âmbito municipal já existiam escolas noturnas
na zona urbana para operários, desde 1908. Fonte: Relatório Albino Esteves referente à instrução
municipal de 1910.
33
São também discussões importantes as que dizem respeito aos resultados quantitativos apresentados nas
promoções de alunos. Um exemplo pode ser dado, neste caso em particular, usando o Primeiro Grupo
Escolar, que em 1907 apresentou uma matrícula total de 470 alunos e o resultado de 133 aprovados o
que representa 28,3% de alunos aprovados, ou seja 71,7% dos alunos matriculados não conseguiram
aprovação. No ano de 1908, o número de aprovados apresenta um aumento expresso em 33,2%.
Porém, esse resultado deve ser mais atentamente discutido, para tanto devem ser considerados não
apenas a matrícula inicial, como foi a base destes cálculos, mas também levar em conta o número de
alunos que não obtiveram médias para exame, como eram considerados os não preparados, e também
levados em conta aqueles que evadiram no decorrer do ano.

242
243

dos filhos, além disso ler e escrever eram objetivos mais imediatos que se esperava da
escola, o que propiciava a evasão, a partir de um certo tempo de freqüência escolar.
No otimismo de José Rangel, nas análises realistas dos artigos dos jornais locais,
e na opinião de Maraliz Christo se encontram a dimensão qualitativa na compreensão da
importância dos Grupos Escolares, na formação dos valores da sociedade como
almejava o ideário republicano e, em particular essa cidade de vocação industrial.
Por outro lado, há de se levar em conta que quantitativamente o estado mineiro
se esforçou para ampliar numericamente os Grupos Escolares, pois até 1909
contabilizaram-se cinqüenta e sete grupos criados no estado de Minas Gerais. Estes
números apontam o caminho da consolidação da instituição em todo o estado, no
decorrer dos primeiros tempos republicanos.
Confirmam-se, assim, os propósitos de João Pinheiro no seu projeto
modernizador, para quem “a chave do sucesso se encontrava na qualificação da mão de
obra e na racionalização das relações do trabalho do campo” (Bomeny,1994, p.1). Para
a autora, é na educação bem orientada que João Pinheiro esperava um papel de
importante contribuição (idem).
É certo que o conceito básico de organização seriada das classes, a utilização
racionalizada do tempo e do espaço, o melhor controle do trabalho docente constituíram
uma referência na estrutura das instituições educacionais do país da qual a cidade se
beneficiou para atender à educação dos seus operários.

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JUIZ DE FORA.. Jornal - Minas Gerais dos dias 04 e 05 de Fevereiro de 1907,

JUIZ DE FORA.. Jornal O Pharol 04 e 05 de fevereiro de 1907

JUIZ DE FORA.. Jornal Minas Livre., de 08 ; 15 de outubro e 22 de dezembro de 1891.


Anno I

244
245

Documentos:

Arquivo da I.O.E.M.G. Reforma de Ensino Público Primário e Normal em Minas.

Relatório apresentado de Estevan de Oliveira ao dr Secretário do Interior do Estado de


Minas Gerais, Belo Horizonte, em 3 de agosto de 1902.

Arquivo Municipal. Relatório de Albino Esteves referente à instrução municipal de


1910

Arquivo do Grupo Escolar José Rangel. Livro de Atas dos Exames, Atas de Instalação e
Visitas Oficiais (1907 – 1925), Termo de Instalação dos Grupos de 02 de fevereiro de
1915.

Regulamento da Instrucção Primária e Normal do Estado de Minas, Belo Horizonte.


Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1906.

245
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Giroletti, Domingos (1988). Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Editora da
Universidade Federal de Juiz de Fora-MG

246
247

POR UM MODELO ESCOLAR MODELAR:


A CONSTITUIÇÃO DOS GRUPOS ESCOLARES NO DISTRITO FEDERAL EM FINAIS DO SÉCULO
XIX.

Sônia Camara34
Raphael Barros35

Introdução

“Alfabetizemos o Brasil, porque a ignorância é a fonte principal de


todas as mazelas que nos assolam” (Werneck, 1929).

Em finais do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro transformava-se. Cenário


privilegiado das efervescências políticas, a Capital Federal da recém República
proclamada era vista como alvo de inovações que se ambicionava implementar tendo
como questão central o progresso e a modernidade. Com uma paisagem urbana
mesclada de luxo, cores e símbolos a cidade vivia novos tempos que, aos moldes dos
padrões europeus tencionava instituir os pressupostos, a partir dos quais, o país
ingressaria na proclamada civilização. Nesta busca incessante pelo “Outro”,
intentaram instituir os referenciais a partir dos quais pretenderam forjar uma nova
concepção acerca do Ser brasileiro que se encontrava, indubitavelmente, associada à
negação ao “atraso colonial” existente e, por outro lado, a reafirmação dos valores e
comportamentos que deveriam moldar uma nova maneira de ser dos freqüentadores da
cidade (Menezes, 1992, p. 21).
Neste aspecto, a remodelação que se pretendia operar na edificação da Capital
Federal direcionava as ações do poder público municipal que além de empreender um
processo de demolição da “velha” cidade de traços coloniais colocava como desafio a
importação, mas também a construção dos símbolos burgueses de cidade que

34
Professora Assistente da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. E-mail:
soniacamara@uol.com.br
35
Aluno do Curso de História da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.

247
248

passariam a demarcar os ideais da jovem república, inscrevendo-os na paisagem da


cidade como o novo a ser compartilhado por todos e erigido em nome do bem comum.
Entre as iniciativas vislumbradas como ponto de sustentação do novo regime, a
educação aparecia como eixo articulador dos princípios que deveriam orientar e
organizar a sociedade brasileira. Para isso, era preciso desenvolver iniciativas que
possibilitassem a organização do ensino a ser realizado a partir da ingerência do
poder estatal na condução de uma proposta que conseguisse representar a ampliação
da escolarização elementar às massas que, até então, estiveram excluídas da escola.
A ênfase direcionada à instrução das crianças associava-se ao caráter essencial da
educação para o aprimoramento da raça e para o engrandecimento da pátria em uma
clara alusão ao papel preponderante que esta passava a assumir no processo de
“redenção nacional” que se esperava incrementar com a educação física e moral da
criança

A vida de uma civilização depende do império da educação moral e


religiosa, como a vida do organismo humano depende da pureza do ar
que respiram os seus pulmões.
Harmonize-se, pois, a instrução com a educação física e moral, e obter-
ter-se-a a realização do sublime ideal apresentado pela máxima antiga:
Mens sans in corpore sano (Duprat, 1884, p. 4).

Partindo da problemática indicada acima, podemos dizer que este texto tem
como objetivo estabelecer uma análise preliminar acerca do processo de elaboração
de uma nova forma escolar no Rio de Janeiro, então capital do país, que em sintonia
e em consonância ao movimento de modernização pedagógica em voga em alguns
estados da federação, particularmente, em São Paulo, pretendeu criar um auspicioso
sistema de educação pública que conseguisse alavancar a escolarização da
população pobre da cidade.
Com esse intento, direcionamos nosso foco de análise, prioritariamente, para
os decretos e as leis que, propugnados pelos poderes público federal e municipal,
tencionaram assegurar a legitimidade das propostas, sistematizando uma nova
organização e regulamentação para as escolas primárias, com a criação dos grupos
escolares em finais do século XIX.

248
249

Para isso, organizamos este texto em dois momentos: no primeiro, buscamos


problematizar os decretos e as leis que objetivaram constituir um novo modelo
escolar no período compreendido entre os anos de 1893 a 1897, recorrendo aos
decretos encaminhados pelo poder executivo federal e municipal a fim de ordenar a
lógica administrativa e pedagógica do ensino na capital do país; no segundo,
pretendemos empreender algumas conexões acerca das determinações e proposições
estabelecidas por esses decretos que tinham por intenção organizar a instrução
pública do Distrito Federal, dando especial atenção aos dispositivos concernentes à
instrução primária e a implementação dos grupos escolares.

Por um Esforço de Aproximação: a construção de um modelo escolar

(...) após um período de depressão econômica, equilibram-se as finanças


dos países centrais, assim como se verifica um certo desafogo e
conseqüente expansão dos negócios nos Estados Unidos e na Europa
Central. O resultado foi um clima de otimismo e confiança absoluta, que
saía da economia e ganhava a cultura, os costumes a moral. Na verdade, é
difícil determinar o que é causa e o que é efeito nesse processo, na
medida em que, no período que vai de 1890 até a Primeira Guerra, a
certeza da prosperidade deu lugar a uma sociedade de “sonhos
ilimitados”, mas conhecida como Belle Époque. No Brasil, por sua vez, a
atmosfera que no Rio de Janeiro ficou conhecida como “regeneração”
parecia corresponder ao surto que ocorria em outras partes do mundo,
além de trazer a sensação de que o país estava em harmonia com o
progresso e a civilização mundiais (Costa, 2000, p. 27).

Foi nesse cenário de profunda efervescência política36 e de crise econômica


marcada pelo Encilhamento que a educação assumiu uma conotação especial,
passando a constituir-se como uma espécie de “chave mágica” capaz de resolver os
problemas sociais relativos ao atraso e a ignorância da população. Com este intento
objetivaram construir um modelo de escolarização que se configurasse como base
para a realização da reorganização do ensino e racionalização dos seus
procedimentos pedagógicos a serem prescritos e direcionados à constituição de

36
É importante frisarmos que no contexto da década de noventa dos oitocentos, o Rio de Janeiro foi
cenário de várias agitações e revoltas o que suscitou por parte do governo iniciativas marcadamente
coercitivas diante do que qualificaram como sendo um”verdadeiro estado de guerra civil”. No entanto, é
necessário esclarecer que estratégias consensuais também foram implementadas como mecanismos
capazes de suplantar as adversidades (Vianna, 1965, p.29).

249
250

estratégias de ação que pudessem sintetizar as aspirações republicanas de


modernização pedagógica e de transformação social a ser implementada em nome da
regeneração da nação e do povo.
A idéia de modernização pedagógica defendida e proclamada pelos
reformadores (intelectuais, professores, médicos, juristas, entre outros) assentava-se
na acepção de modernidade vislumbrada como eclosão do “novo” que promoveria o
rompimento com os resquícios da tradição colonial, instituindo um sentido positivo de
mudança entendida como transformação e progresso. A fim de assegurar a
implementação das mudanças no campo da educação, os “arautos da república”
procuraram produzir um discurso que, embora identificasse na escola um poder
salvacionista e redentor, inferiam sobre o atraso que a escola imperial representava
diante dos desafios que o novo regime descortinava. Procuraram com as medidas e
ações encetadas na esfera do Estado construir a legitimação das idéias de
modernização da escola republicana, estabelecendo a tônica do “novo” em oposição
ao “velho” como fronteira irrefutável da “ruptura” que intentavam afirmar.
(Marcondes, 2001, p. 139)
Argumentando acerca do crescente movimento que se operou, Faria Filho
afirma que este se constituiu como um esforço em defesa da instrução pública como
via de integração do povo à nação e ao mercado de trabalho assalariado, que
fortalecido com a proclamação da República e com a abolição do trabalho escravo se
configurou como um momento crucial de produção da escola pública, uma vez que, a
existente era identificada como atrasada e desorganizada, não correspondendo às
aspirações e imperativos da República. (2000, p. 30)

Mas o ensino popular pouco se desenvolvia. Em 1832, quase dois lustros


depois da lei de 15 de outubro de 1827 e da Constituição de 11 de
dezembro do mesmo ano e, precisamente dez anos após a nossa
independência, havia em todo o Brasil apenas 140 escolas primárias, das
quais somente 10 femininas (Silva, 1936, pp.14-15).

Nessa linha de argumentação, os discursos produzidos acerca da necessidade


de se realizar mudanças no campo educacional fortaleceram-se tendo em vista se
instituir a marca da República, identificada com o novo e o moderno em oposição às

250
251

iniciativas formuladas no Império. Integrar o povo, construindo os referenciais de


nacionalidade mobilizou a ação dos reformadores que viam na educação escolar
papel de destaque na formação das novas gerações. Diante desse panorama,
identificaram na implementação das concepções e métodos modernos e na
elaboração de um discurso normatizador acerca do papel do professor a base de
sustentação do ideal republicano para o país em contraposição a situação
fragmentaria que a instrução pública assumira no Império.
Um outro aspecto lancinante da retórica formulada pelos republicanos foi à
perspectiva da igualdade como forma de assegurar a constituição da idéia de nação a
partir de uma nova fundamentação que tinha no direito o subsídio e o suporte
irrefutável para construção do país. Objetivando estabelecer uma ruptura com os
antigos procedimentos empreendidos pelo Império, o Estado Republicano recorreu à
confecção da lei como forma de representar a tônica liberal de afirmação dos
valores de igualdade entre os homens e de defesa dos interesses comuns, a fim de
constituir a legitimidades das suas ações intervencionistas que passava pela
ordenação das relações sociais e pela integração dos diferentes setores da sociedade
por via de sua escolarização (Faria Filho, 1998, p. 106).
Examinar o papel do Estado brasileiro na produção de uma escrita normativa,
reguladora e sistematizadora dos princípios pedagógicos e das instâncias de controle
e estratégias erguidas pelo poder instituído requer percebermos os mecanismos de
validação desses projetos pedagógicos expressos na organização das leis que
vigoraram no país. Com efeito, poderíamos inquirir sobre qual o papel da legislação
escolar na divulgação e ordenação de uma nova concepção de escola em finais do
século XIX?
Partindo desta problemática e dos pressupostos que a alicerçaram na
construção de uma determinada lógica discursiva, buscamos compreender que, para
além de proclamar a necessidade e a ênfase na educação, as investidas do poder
público federal e municipal visaram conciliar diferentes campos de saberes jurídico,
médico e educacional a fim de sistematizar, ordenar e fundamentar a materialização
de uma determinada concepção pedagógica a orientar as práticas e os saberes no
espaço escolar.

251
252

Constituindo-se à luz da doutrina positivista as proposições encaminhadas


pelos intelectuais e educadores, identificados com a reorganização do ensino e com a
ampliação da escolarização elementar como base para construção do país, assentava-
se no lema “ordem e progresso” e na afirmação dos princípios racionais e técnicos
como balizadores das práticas a serem empreendidas na escola, foram,
gradativamente, ganhando força, não somente, como resoluções apresentadas no corpo
de leis e decretos, mas também na ação direta que realizaram nas escolas e colégios
onde atuavam, em um esforço maciço no sentido de ver materializado as propostas
para a educação, por eles, propugnadas37.
Sendo assim, é possível afirmar que a década de noventa do século XIX,
constituiu-se como um período de grande efervescência no campo relativo a instrução
pública com a criação do Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos em
1890, representando uma primeira tentativa da República de organizar as questões
relativas à instrução; com a regulamentação da Escola Normal e criação do
Pedagogium38 que, entre suas atribuições, tinha a incumbência de publicar uma revista
de ensino, organizar exposições pedagógicas, subsidiando o professor em sua
formação.
Nesse ponto, no que diz respeito às iniciativas organizacionais da instrução
pública no Distrito Federal foi aprovado a partir do decreto federal de 1890, o
Regulamento da Instrução Primária e Secundária que entrou em vigência a partir da
lei número oitenta e cinco de 1892, paralelamente, foi, em setembro do mesmo ano,
aprovada a sua primeira Lei Orgânica, o que implicou na criação do Conselho

37
Um grande entusiasta das idéias positivistas foi Benjamin Constant que no Congresso da Instrução,
presidido pelo Conde D’Eu em 1882, defendia um programa positivista de ensino para a Escola Normal
recém inaugurada na capital do país. Benjamin Constant que além de primeiro diretor da Escola Normal,
atuou, juntamente, com outros adeptos do positivismo, tais como: Alfredo Soares, Basílio de Magalhães,
Francisco Cabrita, Luís Bueno Horta, Pedro Barreto Galvão, entre outros, como professor na Escola
Normal, procurando ali socializar suas concepções junto às alunas, futuras professoras primárias. (Lins,
1965, p. 38)
38
O Pedagogium foi pensado como um centro impulsor de reformas e melhoramentos de que carecesse a
instrução nacional, constituindo-se como um estabelecimento de ensino profissional direcionado a
formação do professor das escolas públicas ou privadas, oferecendo-lhes acesso aos métodos e materiais
de ensino mais aperfeiçoados. Elaboraram mecanismos a partir dos quais tencionavam atingir tais
objetivos, entre eles aparece à elaboração da Revista Pedagógica, a montagem de exposições e
conferências, entre outros aspectos. A partir de janeiro de 1897 o Pedagogium foi transferido para a
Municipalidade.Ver Silva, 1936, pp. 149-150.

252
253

Municipal e de um corpo de Intendentes, passando, por conseguinte, o poder


Executivo a ser exercido por um Prefeito Municipal nomeado pelo Presidente da
República. A nova organização administrativa e política do Rio de Janeiro ensejou a
implementação de relações de poder que se refletiram nas diferentes instâncias da
administração pública, cabendo a municipalidade, a partir de então, gerir e orientar as
propostas com relação ao atendimento da população.
Quanto às disposições relativas à instrução pública, a partir do Regulamento de
1892, elaborado pelas professoras Ludovina Portocarrero Drago e Joaquina Rosa
Ferreira Assunção, todo o custeio com pessoal, edificações e material, passaria para
responsabilidade da Municipalidade, cabendo-lhe, também à direção dos ensinos
públicos primário, profissional e normal. Quanto à disposição do ensino primário este
ficou organizado em escolas primárias do 1° grau para crianças dos 7 aos 12 anos e do
2° grau para crianças de 13 a 15 anos de idade.
Um aspecto importante dessa reorganização foi à direção que se pretendeu
implementar com o emprego do método intuitivo e a redefinição das idades a serem
atendidas pela escola, o que exigiu a reorganização dos espaços escolares que
deveriam passar a constituir-se com dependências para biblioteca especial; museu
escolar provido de coleções mineralógicas, botânicas e zoológicas; instrumentos
necessários ao ensino concreto, ginásios para exercícios físicos; pátio para jogos e
recreios e jardins preparados segundo os novos preceitos pedagógicos, bem como a
reafirmação de que o ensino seria livre, gratuito, e leigo, princípios defendidos na
Constituição de 1891 e que reforçava a cisão entre o Estado e a Igreja estabelecida
com a República (Silva, 1936, p. 31).
A publicação do decreto legislativo número trinta e oito, de 9 de maio de 1893,
que se constituiu na primeira lei municipal da República, não somente recuperou
alguns aspectos indicados na Regulamentação da Instrução de 1892, como também
alargou seu campo de abrangência na determinação, por exemplo, do que estabelecia
como sendo o ensino primário. Este passou a compreender o ensino primário, o
normal, o profissional e artístico, devendo ser oferecidos em escolas de 1° e de 2°

253
254

graus e jardins de infância39. Em suma, por este decreto ficou estabelecido à


obrigatoriedade do ensino, embora se saiba que isto não tenha refletido no aumento da
freqüência e no número de escolas a serem fundadas na capital, constituindo-se nos
anos vinte do século XX, o analfabetismo como sendo, ainda uma das grandes chagas
a ser erradicado em nome do progresso do país e a ampliação das escolas como um
dos grandes desafios a ser realizado pelo Estado (Carvalho, 2000, p. 227).
No bojo das propostas sistematizadas nesse decreto a criação dos Grupos
Escolares constituiu-se na possibilidade de se fundar uma nova organização escolar
para o Distrito Federal que permitisse através do ensino simultâneo e da seriação
abarcar um contingente maior de crianças e, desta forma, resolver, de uma única vez,
o mal representado pelo grande contingente de analfabetos existentes na capital do
país. O ensino passaria a ser graduado de forma que, a cada ano escolar, o aluno
deveria ampliar e aprofundar o estudo feito no ano precedente. Com base no método
intuitivo buscaram desenvolver a inteligência e o conhecimento do aluno através de
recursos metodológicos que os inserissem como agentes ativos do processo de
aprendizagem, sendo os conteúdos apresentados de forma prática de modo a
contribuir para o pronto desenvolvimento da criança.
No que tange à constituição dos grupos escolares ficou estabelecido a partir do
referido decreto que a municipalidade mandaria construir, em cada circunscrição
urbana do Distrito Federal, um ou mais grupos escolares conforme a densidade da
população. Os grupos escolares seriam compostos pela reunião de várias escolas do
mesmo sexo ou de sexo distinto que deveria ficar sob a administração de um professor
diretor, tendo em comum o ginásio, a biblioteca, e o museu escolar. Cabendo ao
diretor que seria nomeado, realizar a fiscalização e orientação dos trabalhos dos
professores, bem como a gestão administrativa e pedagógica das escolas (Boletim da
Intendência Municipal 1897, p. 33).
Com o decreto de número trezentos e setenta e sete, de 23 de março de 1897,
ficou autorizada a reforma da Lei de 1893, sendo organizados novos regulamentos
para o ensino municipal, para a escola normal, para os institutos profissional e

39
Embora tenha sido estabelecido, pelo decreto de 1879, a criação dos Jardins de Infância, só em 1909,
foi instalado, na Praça da República, o primeiro Jardim de Infância, da Capital do país com a designação
de Jardim de Infância Campos Sales.

254
255

comercial, implicando, por conseguinte, na reorganização da instrução primária do


Distrito Federal que passaria a ser oferecida nos Jardins de Infância e nas Escolas
primárias40. As escolas primárias classificadas por número continuariam a se
organizar por gênero, não sendo concebida a co-educação41. Quanto à estrutura
administrativa das escolas, só seria permitido à professora dirigir as escolas femininas
cabendo, indistintamente, a professores ou professoras dirigir os estabelecimentos de
ensino masculino.
O ensino primário passou a organizar-se com três cursos: o elementar, o médio
e o complementar, sendo aplicado, em quatro classes, compreendendo as disciplinas
de leitura, escrita e ensino prático de língua materna; contas e cálculos, aritmética
prática até regra de três mediante o emprego primeiro do processo espontâneo e
depois dos processos sistemáticos, sistemas métricos precedidos do estudo de
geometria prática; elementos de geografia e história, especialmente da América e do
Brasil; lições de coisas, e noções concretas de ciências físicas e história natural;
instrução moral e cívica; desenho, cantos escolares e patrióticos, em tessitura
apropriada para crianças de nove a quatorze anos; ginástica e exercícios militares;
trabalhos manuais; trabalhos de agulhas; noções de agronomia. (Ibidem)

1º: O ensino de português comportará o mínimo de instrução teórica de


gramática, acima de tudo o professor deve cuidar por exercícios
sistemáticos de invenção e composição, de fazer com que o aluno fale e
escreva corretamente a sua língua, em todos os três cursos, será de
preferência em todas as disciplinas empregado o método intuitivo. Os
programas serão feitos pela diretoria de instrução, ouvido por conselho
superior (Ibidem).

A rigor, o Decreto de 1897 e seus sucessivos regulamentos não modificaram os


aspectos relativos à constituição dos grupos escolares, reafirmando o seu caráter de

40
A partir do decreto de 1897 que estabeleceu a reforma da lei de 09 de março de 1893, foram extintas as
escolas do 2°grau, passando os seus alunos “para as escolas normais, dependendo do seu grau de
adiantamento.” Boletim da Intendência Municipal de 1897.
41
Quanto à questão do ingresso nas escolas, o decreto quatrocentos e um de 05 de maio de 1897,
estabelecia que as escolas femininas poderiam admitir meninos até dez anos o que em nossa concepção
aumentava as oportunidades de escolarização para o sexo masculino. Boletim da Intendência Municipal
de 1897.

255
256

reunião de escolas em um só edifício do mesmo sexo ou de sexo distinto, sob a


responsabilidade do diretor. No entanto, quanto à situação do magistério municipal,
procurou dar uma nova organização, passando o mesmo, a ser constituído por
professores primários em escolas urbanas e suburbanas, professores adjuntos efetivos,
professores adjuntos estagiários, professores adjuntos de segunda classe. A
reorganização do magistério passava pela legitimação da formação na Escola Normal
que assumiu um caráter de obrigatoriedade e pela realização de concursos como forma
de “qualificar” o magistério primário do Distrito Federal, instituindo a sua gradativa
profissionalização.
Embora tenha aparecido desde 1893 referência à criação dos grupos escolares,
só em 23 de janeiro de 1897, a partir do ato do Prefeito Francisco Furquim Werneck
de Almeida foi criado o primeiro grupo escolar do Distrito Federal que, com a
designação de Grupo Escolar Benjamin Constant, ocupou o antigo prédio da Escola
Matriz de São Sebastião, onde reconstruído passou a funcionar no atendimento da
instrução para o sexo feminino, reunindo a 4ª, 5ª e a 7ª escolas femininas do quarto
distrito. O Grupo Escolar Benjamim Constant deveria em sua organização pedagógica
e administrativa seguir as determinações encaminhadas para o ensino primário
feminino do município, não apresentando no que tange às questões administrativas e
pedagógicas nenhum aspecto que o diferenciava das demais escolas públicas de
ensino primário (Mensagem do Prefeito 1897).

Art. 2 – Para o grupo escolar assim ora organizado e todos os demais a


que se venham organizar, prevalecerá o regimento interno e mais
disposições vigentes para as escolas de 1º grau com as modificações que
determinar, a Diretoria de Instrução, depois de ouvidas sobre elas o
Conselho de Instrução Pública (Boletim da Intendência Municipal 1897,
p.33).

Concebido para abrigar a primeira escola primária municipal, o monumental


prédio da Escola de São Sebastião, sediado na Praça Onze de Junho foi planejado pelo
engenheiro José Antonio da Fonseca Lessa e construído por Pedro Bosísio e João
Bailariny. Erguido no centro do terreno, possuía um pátio interno, subdividindo-se em

256
257

três corpos: o central, de um só pavimento, ladeado por torreões com dois pavimentos
cada e um frontão, sustentando as armas da cidade que coroava o corpo central da
escola, apresentando um mostrador de relógio engastado na fachada do prédio como
forma de marcar no espaço da escola a racionalização do tempo como uma exigência
crucial da sociedade em processo de industrialização.

Talvez a principal característica dessas escolas seja a conjugação entre


uma localização nobre e uma arquitetura investida de um certo grau de
imponência e erudição, feição compatível com a sua condição de
homenagem substituta ao Imperador, o qual, aliás, esteve presente em
diversas solenidades para o assentamento das respectivas pedras
fundamentais. Assim é que várias escolas situaram-se nos cores (sic) de
certos distritos e, até mesmo, no próprio centro político-administrativo da
capital do Brasil monárquico (Sisson, 1990, p.67).

Com relação à discussão acerca da constituição dos grupos escolares no Brasil,


a historiografia educacional tem consagrado a São Paulo a implantação, em 1893, do
modelo do grupo escolar que se configurou numa das mais importantes inovações
educacionais ocorridas em finais do século XIX, tendo por perspectiva funcionar
como mecanismo capaz de resolver o problema do analfabetismo reinante e
estabelecer como necessidade a implementação de um sistema de educação que
tornasse universal a educação popular pela substituição da disposição escolar
precedente por uma nova organização que passava pela constituição das várias classes
de alunos e professores, diluindo o método tradicional pelo método intuitivo e pela
gradativa profissionalização do magistério (Souza, 1998a, pp 20-21).
Diferentemente de São Paulo, onde os grupos escolares foram, em sua grande
maioria, organizados a partir da construção de amplos edifícios que se estabeleceram
como “belos e majestosos palacetes” representando a apologia ao Estado republicano
com seus símbolos, ornamentos e monumentos (Souza, 1998b, passim), os grupos
escolares inaugurados no Distrito Federal não se produziram como presença a instituir
a idéia de novo em oposição ao velho.
Neste aspecto, os edifícios que abrigaram os grupos escolares da Capital da
República ainda traziam os traços da arquitetura colonial, tendo sido construídos para
acolher as primeiras escolas primárias municipais, ainda no Império, não
representando um rompimento com um modelo anterior pelo menos no que concernia

257
258

à concepção espacial da escola, o que em nossa compreensão pode ter contribuído, em


parte, para a pouca representação que os grupos escolares assumiram na paisagem
urbana da cidade do Rio de Janeiro enquanto expressão de um novo modelo escolar a
ser instaurado com a República.42
A Escola de São Sebastião, primeira das dez escolas construídas em finais do
Império43, passou a partir de 1897, a abrigar o Grupo Escolar Benjamin Constant,
constituindo-se, também as escolas Gonçalves Dias e São José como grupos escolares.
Logo em 1898, a partir do decreto quinhentos e oitenta e três (583-A), a designação de
grupo escolar foi substituída por escolas-modelo como podemos observar no referido
decreto, “(...) os grupos escolares existentes passariam a ser denominados escolas-
modelo44 e as diretoras dessas escolas seriam para todos os efeitos consideradas como
membros do magistério normal e profissional” (Silva, 1936, p. 55).
Embora tenha sido reafirmada a necessidade de construção de prédios
escolares dotados de instalações adequadas às novas exigências pedagógicas e
higiênicas, é possível observarmos nesse aspecto uma disparidade entre as reais
condições das escolas do Distrito Federal e as proposições proclamadas pelas
legislações que ambicionando construir uma escola modelar, procuraram reinventar
a escola, incidindo sobre os espaços, o tempo e os seus fazeres como forma de
assegurar a legitimação e realização de suas propostas. Nesse particular, podemos
dizer que, no período compreendido entre 1893, com o estabelecimento dos grupos
escolares, até 1897 com a apresentação do decreto de sua implementação, várias
medidas foram instituídas sem ter representado de fato mudanças reais nas “culturas
escolares” (Julia, 2001).

42
Além dessa hipótese inicial, podemos inferir que a força assumida pelas Reformas Escolanovistas na
cidade do Rio de Janeiro a partir dos anos de 1920 pode ter contribuído, em nosso entendimento, como
mais um elemento que corroborou para o “apagamento” da importância que os grupos escolares tiveram
na organização escolar da capital do país. Quanto a essa perspectiva de análise ver Vidal, 2004.
43
Com a designação de “Escolas do Imperador” foram construídas as escolas São Sebastião, São José,
Gonçalves Dias, José de Alencar, José Bonifácio, São Cristóvão com prédios monumentais e arquitetura
arrojada a partir dos quais se tencionou homenagear o Imperador Pedro II. Ver Sisson, op. Cit. P. 64.
44
No entanto, é interessante observar que embora o decreto n. 583-A, de 14 de outubro de 1898 tenha
estabelecido a alteração da designação dos grupos escolares, na década de 1920 do século XX, ainda
encontramos na documentação pesquisada, referencia ao Grupo Escolar Benjamin Constant. Como na
matéria publicada no Jornal do Brasil que alude a inaugurada da instituição do Prato de Sopa na escola,
assim se referiu o jornalista: “Entre sorrisos, flores e cânticos se criou, mas essa instituição que ora avante

258
259

Reinventando a Escola: a constituição dos fazeres e saberes escolares.

Por mais força que possam ter as leis, elas não têm a de inventar de um
dia para outro pessoal numeroso e habilitado: - e é isto antes de tudo o
que se torna preciso para a boa difusão do ensino entre nós” (Boletim da
Intendência Municipal 1897, p. 5).

A necessidade de se reinventar a escola como locus para o soerguimento de


um projeto nacional integrador do povo aos desígnios da nação moderna orientou as
iniciativas das políticas públicas do Estado, voltadas para a escolarização da
população pobre e desvalida. Nesse particular, a criação do novo modelo de escola
primária deveria levar em conta a possibilidade de se realizar a sua ampliação e
atendimento, transbordando para a sociedade o ideal de salvaguardar os interesses da
pátria pela reafirmação dos valores identificados com a escola. Para isso, fazia-se
mister estabelecer como exigência capilar à formação dos professores nas escolas
normais como base de sustentação das reformas a serem instituídas para o Distrito
Federal.
Com o propósito de fundar novas capacidades a partir das quais os professores
deveriam se guiar na realização de seu trabalho docente e também na (re) elaboração
dos conteúdos e métodos a serem adotados em seus planejamentos de aula foram
propostas novas estratégias pedagógicas que visavam controlar e racionalizar o
trabalho docente enquanto elemento organizador das atividades educacionais em sala
de aula. Exemplo disso foi à criação do Diário de Classe que teria que ser preenchido
de forma a registrar com “inteira clareza e precisão, onde começou e terminou a lição
do dia” (Silva op. cit., p. 52).
A organização das exposições dos Diários de Classe e dos Prêmios oferecidos
aos “melhores” configurou-se como tentativas de se instituir na atividade dos
professores a presença e a funcionalidade dos Diários que visavam regular as relações
cotidianas do trabalho docente a partir da homogeneização de critérios a serem
adotados diante da totalidade da classe. Por via da Legislação e dos Prêmios

distribuirá as crianças do Grupo Escolar Benjamin Constant do 4° Distrito escolar o prato de sopa.” Jornal
do Brasil, outubro de 1929.

259
260

conferidos buscaram “convencer” os professores de sua validade nas atividades


desenvolvidas nas salas de aula45.
Uma outra estratégia importante de socialização das idéias e preceitos teóricos
e práticos encaminhados pelo Estado foi a Revista Pedagógica, órgão ligado ao
Pedagogium que, embora tenha circulado apenas durante seis anos, de 1890 a 1896,
configurou-se como um importante instrumento de intervenção sobre o fazer dos
professores do ensino primário e das escolas normais. Distribuída gratuitamente, a
Revista procurava socializar, junto ao magistério, as concepções e modernidades
pedagógicas em voga nos países “civilizados”, servindo também como um
instrumento de divulgação das inovações relativas ao campo da instrução pública no
estrangeiro.
Além de tencionar possibilitar a atualização dos professores acerca das
modificações legais realizadas no ensino, a Revista visava proporcionar um
alargamento de sua “cultura geral”. Na parte intitulada Variedade, era discriminada as
principais realizações em diferentes campos de conhecimento, entre eles os da
geografia, ciência em geral, área industrial, inventiva, médica e pedagógica, bem
como, a publicação de títulos de obras produzidas na área pedagógica em sintonia com
os avanços processados no Brasil e no estrangeiro, uma vez que as idéias em voga no
Brasil encontravam-se conectadas as proposições encaminhadas em vários países da
Europa, como Portugal, Espanha e França.

Este processo modernizador espelhou-se nos modelos culturais em


circulação nos países mais avançados e mostra a contemporaneidade do
Estado de São Paulo em relação ao modelo de escolarização de massa
que estava sendo implementado em vários países europeus e nos EUA e,
portanto, a inserção da educação brasileira no movimento maior de
expansão das oportunidades educacionais e da racionalização,
padronização e uniformização do ensino primário (Souza, 1998b, p. 280).

Cumprindo o propósito de dar visibilidade aos novos métodos e procedimentos


encaminhados a partir de 1893, a Revista Pedagógica publicou o plano de ensino para
a Escola Normal, onde além da preocupação em estabelecer a especificidade dos

45
Segundo Silva os prêmios consistiam na concessão de gratificações adicionais e na contagem do tempo
para efeito de jubilação (Silva, 1936, p. 52-59).

260
261

diferentes saberes escolares, objetivava orientar a formação dos futuros professores


em relação ao ensino que necessitavam ministrar nas escolas primárias, devendo se
observar os seguintes aspectos:

1º: Será graduado de forma que cada ano superior desenvolva e


aprofunde o estudo feito no ano precedente, segundo o método seguido
nas escolas primárias.
2º: O método sempre será o método ativo ou intuitivo, esforçando-se o
professor não só por fazer-se bem entendido pelos alunos, e por
desenvolver-lhes as atividades intelectuais, estimulando-os a um trabalho
próprio e pessoal, como ainda cumpre dar-lhes um modelo do ensino que
no futuro transmitirão aos seus discípulos, chamando-os, freqüentemente
a lição, solicitando a sua atenção para um modo de a reproduzirem e
convencendo-os de que lhes convém fazê-lo como se estivessem na
presença de uma classe (Revista Pedagógica, 1893, p.72).

A tônica direcionada pela Revista Pedagógica como também a ênfase atribuída


nos decretos analisados no período inicial de implementação dos Grupos escolares no
Rio de Janeiro (1893-1897), bem como a formação e a delimitação do papel a serem
desempenhados pelo professor, permite-nos perceber o grau de preocupação que
norteou a ação dos reformadores que pretendendo instituir a validade dos
procedimentos e métodos adotados viam no magistério a possibilidade de transformar
a realidade do país ceifada pelo analfabetismo.
Neste caso, extirpar o analfabetismo e promover a educação do povo
sintetizava a máxima axiomática que orientava a ação do poder público municipal no
sentido de estabelecer estratégias que potencializassem ações diretivas de promoção
da educação cívica e moral do povo. Para isto, recorreram à organização dos
conhecimentos que deveriam compor o plano de matéria das disciplinas nas escolas
primárias.

6º: A História será particularmente encaminhada no sentido da educação


cívica, devendo os professores insistir nos acontecimentos que são os
mais próprios para inflamar o patriotismo e todos os sentimentos
generosos. O professor não dará o desenvolvimento as minudências
genealógicas e cronológicas.
7º: No ensino da matemática a parte pratica terá proeminência,
procurando obter dos alunos a precisão, rapidez, a facilidade, juntamente
com a correção dos cálculos. Se a matemática não deve limitar-se

261
262

simplesmente a parte mecânica dos cálculos e as demonstrações (...)


(Ibidem).

A partir de então, organizou-se uma série de medidas visando atuar sobre a


regulamentação do ensino, estruturando os fazeres dos professores, estabelecendo um
perfil desejado para o magistério que passava por uma moralidade impecável,
assiduidade no trabalho, aptidão pedagógica comprovada pelos resultados
apresentados e, fundamentalmente, por sua obediência aos programas de ensino, “o
qual deverá ser limitado à doutrina exclusivamente útil sã e substancial, evitando no
mais alto grau, ostentação aparatosa de conhecimentos” (Boletim da Intendência
Municipal 1893, p. 36-37).
Assim, com o propósito de reforçar esse caráter organizativo do ensino na
capital do país foram instituídas as Conferências Pedagógicas46 Municipais que
organizadas anualmente constituir-se-iam em espaços de apresentação de trabalhos de
pesquisa e teses atinentes ao ensino primário e profissional previamente formulados
pela Inspetoria de Instrução em obediência às formulações estabelecidas pela reforma
do ensino.
Nos discursos encetados a partir da tônica “redentora da educação” podemos
observar que algumas questões assumem centralidade como esteio sobre o qual se
estruturaria uma nova concepção de espaço escolar assentado na crença de que,
através da implementação das modernas concepções pedagógicas e da obediência aos
preceitos higiênicos, seria possível, à escola promover o aprimoramento e a “cura” de
uma população assolada pela pobreza e ignorância (Gondra, 1998, p. 66).
Além da preocupação com a ampliação da escolarização como uma questão
eficaz na resolução da grande chaga nacional representada pelo analfabetismo,
esperava-se através das práticas de uma educação moral e física apropriada instituir a
disciplinarização das crianças, como podemos observar na tese defendida pelo
professor Alfredo Alexandre, publicada pela Revista Pedagógica. Cabia à escola

46
Em 1872 o Inspetor Geral de Instrução Primária e Secundária do Município da Corte, Teófilo das
Neves Leão apresentou alguns pontos do programa para a primeira conferência pedagógica. Entre os
pontos defendidos destaca-se: “se convêm ou não a instituição das escolas mixtas de instrução primária?”;
“Qual o método mais racional, simples e eficaz, dentre os atuais conhecidos, para o ensino das primeiras
letras e da caligrafia nas escolas primárias? Dado o caso de haver efetivamente um que tenha alguma

262
263

através da educação moral e de atividades complementares como a prática da


ginástica, suplantar os modelos e instintos que as crianças traziam, realizando, assim,
a formação mais completa e adaptada às novas exigências da sociedade em
desenvolvimento (Revista Pedagógica 1891, p.282).

A saúde perfeita do corpo, a firmeza, e elasticidade dos tecidos


musculares, a ação perfeita do coração e dos pulmões, resultados todos
do desenvolvimento físico, promovido por estes passatempos, hão de
reagir forçosamente na moral, dando a índole mais suavidade e ao caráter
mais independência (Ibidem, p. 288).

Nesse particular, como afiança-nos Giddens, as relações de poder funcionam


sempre em dois sentidos, mesmo quando o poder de um dos atores ou parte de uma
relação social for mínimo quando comparado com o do outro. As relações de poder
são relações de autonomia e dependência, mas mesmo o mais autônomo dos agentes
encontrar-se-ia até certo ponto dependente, do mesmo modo que o mais dependente
dos atores, ou parte de um relacionamento, mantém ainda para si alguma autonomia.
As afirmativas de Giddens ajudam-nos a problematizar o peso e a força que as
iniciativas formuladas pelas legislações procuraram produzir, à medida que confere
aos professores e alunos, espaço de manobra e recusa aos procedimentos
implementados a fim de normatizar as práticas realizadas na escola (apud Lopes,
2001, p.68).
No que concerne à produção dos regulamentos que deveriam orientar a
organização das escolas primárias e, particularmente, os grupos escolares, ficaram
estabelecidos, pormenorizadamente, os pressupostos técnicos e pedagógicos com os
quais as escolas deveriam se pautar. Este direcionamento implicava desde a
intervenção sobre o regime de dois turnos das escolas até o estabelecimento dos
horários e a duração do ano escolar, criando um calendário que regulou o
funcionamento e as atividades escolares a serem realizadas e as festividades nacionais
a serem reverenciadas pelas escolas através de um movimento de comemorações
cívicas (Faria Filho e Vidal, 2000, pp.25-26).

superioridade sobre os outros, convirá que seja adotado exclusivamente nas aulas públicas?” (Silva, 1936,
p. 252).

263
264

O movimento de transformação estabelecido com a criação dos grupos


escolares encarnava um conjunto de saberes, métodos e projetos políticos e
pedagógicos que colocados em circulação visava instituir um novo lugar para a escola
e para os professores na legitimação do seu papel como elemento capaz de elevar o
país, transformando-o e reafirmando os valores morais e civilizadores. Projetando-se,
desta forma, “um futuro em que na República o povo, reconciliado com a nação,
plasmaria uma pátria ordeira e progressista” (Faria Filho, 2000, p. 147).
A educação que se esperava implementar com os grupos escolares assentava-se
na tentativa de se “inventar” uma nova forma escolar que trouxesse a especificidade
da escola e do seu papel com relação a outras instituições existentes, bem como a
determinação do lugar que o saber escolarizado passava a assumir na organização das
relações sociais e na dinâmica de ordenação do tempo e do espaço escolar em finais
do século XIX (Vincent, 2001, p. 9).
Instituem-se formas de intervir no processo ensino e aprendizagem, onde além
da preocupação com o ler, escrever e contar ofereciam modelos de como o professor
deveria habilitar as crianças a ler com facilidade o que escreviam e a reproduzir de
memória, partindo da palavra, do elemento concreto para chegar pela análise a silaba,
à letra, vogal ou consoante, constituindo-se, como nos afirmou o Professor Velho
Silva, o livro como instrumento auxiliar do professor, cabendo ao mestre e,
exclusivamente, ao mestre inspirar “a criança, nos seus exercícios escolares diários”
(Revista Pedagógica 1893, p.288).
Lançando mão do método intuitivo, defendiam que a escrita só deveria ser
desempenhada após uma atividade prévia de preparação reflexiva. Cabendo ao
método “educar de modo útil à vista e a mão”, tornando atraente, fácil e rápido o
estudo e a leitura, partindo do conhecido para o desconhecido, do concreto ao abstrato,
satisfazendo a atividade infantil e dando lugar ao processo intuitivo racional e lógico
(Revista Pedagógica 1891, p.281).

Os novos métodos ancoravam-se nas idéias de Pestalozzi, formuladas no


início do século XIX, e que entendiam que como fundamento absoluto de
todo conhecimento, os indivíduos seriam dotados de uma força de
intuição sensível (Anschauung) e de uma consciência sólida dos objetos

264
265

em seu entorno. A aprendizagem ocorreria pela educação dos sentidos


(Kuhlmann Jr., 2001, p.200).

O debate político institucional sobre a reorganização da educação envolveu a


redefinição do papel da escola que, para além de local de aprendizagens específicas,
passou a ser vislumbrada como lugar de incorporação de comportamentos e práticas
associada à criação de normas e hábitos que a escola deveria desenvolver na criança
escolarizada. Em suma, a aprovação de legislações específicas no que concerne à
educação visou estabelecer os pressupostos a partir dos quais as escolas e as demais
instituições relativas à instrução pública deveriam se pautar.
Através da atuação dos inspetores escolares e de todo um aparato
administrativo e pedagógico, propugnado pela legislação intentou-se regulamentar o
trabalho pedagógico e escolar, como também promover a sua “escuta” e vigilância.
Através das visitas freqüentes aos estabelecimentos de ensino primário e escolas-
modelo, antigo grupos escolares de sua circunscrição, deveriam os inspetores observar
os aspectos concernentes aos materiais, aos métodos de ensino e as condições de
conservação e de higiene dos prédios escolares, intentando-se criar medidas que
orientassem o cumprimento dos programas oficiais propostos pela municipalidade.
Recorrendo a diferentes mecanismos e estratégias de ação os reformadores
pensaram a escola e tenderam fundar uma representação de ensino primário que
visava não apenas regular os comportamentos, mas também disseminar valores e
normas sociais e educacionais a serem vislumbradas como pressupostos orientadores
dos fazeres escolares que se naturalizaram na realidade escolar carioca com mais
força, até a década de 1920, quando se operou a implementação de iniciativas
escolanovistas e a constituição de um “novo” modelo escolar, como tentativa de
responder às exigências da sociedade em transformação (Vidal, 2004, p. 16).
As escolas-modelo, antigos grupos escolares, foram extintas a partir do decreto
981 de 1914 da organização Municipal do Distrito Federal, não tendo conseguido
chegar a constituírem-se como modelos exemplares na configuração de uma nova
forma de pensar a instrução pública para a capital do país. Como afirma Vidal foi de
diferente monta a importância que os grupos escolares adquiriram na construção
simbólica da escola primária no Brasil. Se, em São Paulo, assumiram uma

265
266

representação hegemônica de ensino preliminar, no caso do Rio de Janeiro, Capital


Federal da República, não se constituíram de forma a demarcar um modelo
representativo de escola primária (Ibidem, p.17).
Em muitos aspectos podemos dizer que as propostas “proclamadas” nos
decretos e legislações analisadas no período demarcado entre 1893 a 1897, não
deixaram de constituir-se em inexeqüíveis proposições que, embora tenham se
configurado como expressão de um movimento alavancado por alguns setores da
sociedade, não repercutiram como ação efetiva na resolução dos problemas da
instrução pública, nem mesmo na resolução do problema do analfabetismo que, como
alude Werneck na epígrafe que anuncia este texto à questão “da ignorância é a fonte
de todas as nossas mazelas”, constituindo-se num mal que embora esquadrinhado,
descrito e delineado continuou a nos anunciar que a escola ainda permaneceu sendo
um privilégio.

Referências bibliográficas

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Revista Pedagógica. Tomo I, outubro de 1890 a março de 1891.

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março de.

268
269
DESFILES PATRIÓTICOS:

MEMÓRIA E CULTURA CÍVICA DOS GRUPOS ESCOLARES DE CURITIBA (1903 – 1971) 47

Marcus Levy Albino Bencostta48

Ao iniciar este capítulo sobre os grupos escolares de Curitiba, é necessário


refletir como a construção de compreensões, explicações e interpretações acerca do
passado têm feito a pesquisa histórica se interessar por questões a respeito das diferentes
realidades que, por mais ricas e complexas que possam ser, apresentam, de modo
consciente, um olhar que conduz a uma aproximação fragmentada dessa realidade, o
que impossibilita ao historiador trabalhar com certezas completas e universalizantes. É
neste sentido que temos aqui uma narrativa resultante da investigação histórica que não
pretende ser única e, muito menos, completa, mas deverá ser percebida como uma
contribuição à produção sobre a história de um tipo de instituição escolar presente na
memória de muitos que nela estudaram e/ou trabalharam e que tem sido, para os estudos
e pesquisas em história da educação, um objeto que problematiza a manifestação da
cultura cívica em ambiente escolar. Minha preocupação será construir uma interpretação
dessa realidade frente à história dos grupos escolares de Curitiba, no sentido de perceber
e tentar explicar algumas significações da cultura dos grupos escolares expressas na
organização e celebração dos desfiles que homenageavam, em diferentes momentos, a
República. Apesar de possuir suas singularidades, tais significações estão inseridas em
uma dimensão sócio–histórica mais ampla encontrada nos diversos grupos escolares
espalhados pelo Brasil.

Entendo aqui os desfiles patrióticos dos grupos escolares como transmissores de


uma linguagem coletiva, capaz de expressar concomitantemente múltiplos planos
simbólicos que os levam a ser identificados como uma grande festa.

47
Este capítulo é resultante de análises decorrentes do projeto: A imagem fotográfica no estudo das
instituições educacionais: os grupos escolares de Curitiba (1903-1971)[Fase II: Fotografias e culturas
escolares: universo digital e preservação da memória], financiado pelo CNPq com bolsa produtividade
de pesquisa. Conta com a contribuição das seguintes auxiliares de pesquisa: Antonia de Meira
(Pibic/CNPq), Ana Paula Milek (Pibic/CNPq), Cristiane Antunes Stein (UFPR) e Gisele Grein (UFPR).
48
Universidade Federal do Paraná. E-mail: marcus@educacao.ufpr.br

269
270

Visitando a historiografia sobre o tema da festa, há quase duas décadas, Mona


Ouzof (1976), em seu célebre livro sobre a festa revolucionária, destacava um certo tipo
de tradição entre os historiadores, que se preocupavam muito mais em investigar os
trabalhos e tarefas dos homens do que seus momentos de diversão, suas festas. Estas
somente se tornariam objeto de estudo histórico por influência das análises
antropológicas, em especial, a etnológica.49 Depois dela, também Michel Vovelle
(1987) entendia a festa como um fenômeno cultural bem demarcado por um tempo
coletivo próprio. Ela foi redescoberta, revisitada e revitalizada como um espaço
investigativo para os estudos históricos que analisam abordagens que vão do gestual às
atitudes e comportamentos coletivos. Optarei por este caminho na minha análise, que
percebe nas festas dos desfiles patrióticos, enquanto produções do cotidiano, uma ação
com um tempo e um lugar determinado, implicando a concentração de afetos e emoções
em torno de um assunto que é celebrado e comemorado e cujo principal produto é a
simbolização da unidade dos participantes.
Esses desfiles foram acontecimentos coletivos bastante especiais, que
demandavam uma certa organização, visto que foram visivelmente elaborados de
acordo com normas próprias a cada uma das datas cívicas. Deles participaram
regularmente os alunos dos grupos escolares, distribuídos dentro de uma determinada
estrutura de produção e de consumo das festas, na qual eles ocupavam lugares distintos
e específicos. Por estarem no âmago do calendário escolar, os desfiles não se revelavam
como uma mera descontinuidade do tempo da escola, mas intercalados por ele, tornando
necessário reunir o empenho e os sentimentos de adesão de alunos e professores.
Ao se referir às comemorações cívicas e sua relação com as festas escolares,
Rosa Fátima de Souza (1999) afirma que o tempo escolar está inserido no tempo social.

Ao tornar as datas cívicas uma atividade escolar, o Estado fez da escola


primária um instrumento de perpetuação da memória nacional. As festas
escolares, diferentemente das festas do calendário social, não contrapõem o
tempo livre ao tempo do trabalho, pois elas constituem tempo de atividade
educativa, um tempo a aprender (Souza, 1999, p. 134).

49
Em 1912, Émile Durkheim (1968), em seu livro Les formes elementaires de la vie
religieuse, apresentou várias observações acerca da relação entre o ritual e as festas que
marcaram profundamente os estudos posteriores relacionados ao uso que os diferentes
grupos sociais fazem de suas festividades.

270
271

Assim, os desfiles escolares entendidos como festa são uma construção social
que manifesta, em seu espaço, significações e representações que favorecem a
composição de uma certa cultura cívica inerente aos seus atores, o que nos facilita
entender a identidade que é dada pela compreensão que esse grupo possuiu acerca do
símbolo que justificou a realização do desfile e que registrou de modo duradouro na
memória social um sentimento que se propunha ser coletivo pela união dos anseios de
seus atores, delimitada em um tempo e um espaço histórico.
Podemos perceber, nas fotografias dos desfiles patrióticos, o envolvimento e o
entusiasmo que o universus scholaris manteve com as práticas cívicas implementadas
em determinados momentos da história nacional. É certo que a imagem fotográfica
manifesta um conjunto de signos, cujo grau de informação excede a simples função
ilustrativa. Ao nos depararmos com o signo fotográfico, seguindo os pressupostos de
Louis Hjelmslev (1975), podemos diferenciar, por um lado, o plano da expressão,
organizado pelos significantes materiais (cor, sombra, luz) e disposto de um modo
plástico (composição, enquadramento, ângulo). Por outro, temos o plano do conteúdo,
que é utilizado para transmitir o significado ou sentido da mensagem fotográfica,
estruturado segundo um modo discursivo.
Um exemplo que problematiza no tempo histórico os desfiles patrióticos
realizados pelos grupos escolares é figura 1. Nela, temos o registro fotográfico do
desfile em comemoração ao aniversário de nascimento de Getúlio Vargas. O detalhe dos
professores em trajes próprios para ocasiões solenes, que conduzem com maestria seus
alunos pela Rua XV de Novembro, palco central do comércio e da política da cidade de
Curitiba, conflui os olhares e os aplausos daqueles que anunciam e reconhecem esse ato
como uma manifestação de prestígio, dedicação, fidelidade e devoção dos grupos
escolares à pátria.

271
272

FIGURA 1 – DESFILE EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO DE GETÚLIO VARGAS


(CURITIBA, 19 DE ABRIL DE 1943)
FONTE: Acervo do Colégio Estadual República do Uruguai.

Este uso foi notório frente ao excepcional enaltecimento que o regime fazia à
figura de Getúlio Vargas, conquistando a simpatia dos escolares em todo o país, com
suas técnicas de propaganda política que o colocavam como um grande administrador,
que estaria conduzindo a pátria, desde outubro de 1930, com esplendor e glória. Essa
cultura cívica varguista, segundo Daryle Willians (1995), propunha uma burocratização
das cerimônias patrióticas que articulava modernidade, nacionalismo e ordem pública,
cujo investimento em torno de sua imagem foi responsável por inserir a data de
aniversário de seu nascimento no calendário de comemorações cívicas como
instrumento de convencimento, que levou alunos a trocarem os bancos das escolas pelos
desfiles nas ruas das cidades do país em homenagem ao senhor Vargas.50 Tudo isso
pressupunha ser efeito de um sinal de apreço, que, certamente, contribuiu para a
perpetuação de sua lembrança na memória coletiva como autoridade máxima do Brasil,
que, apesar de exercer um poder quase que absoluto do Estado, seria um benfeitor da
nação brasileira.
Em 1941, décimo ano da ditadura e terceiro do Estado Novo, o aluno do Grupo
Escolar Tiradentes, Amaury Stocchero, transmitiu o peso dessa inculcação ao relatar, no
jornal de sua escola, como essa homenagem teria se tornado um grande evento para ele
e seus colegas.

272
273

Todos os brasileiros comemoram hoje o aniversário de um de seus grandes


filhos – Getúlio Vargas. Tem ele, nos seus muitos anos de governo, feito tudo
pelo Brasil, tornando–o, cada dia, mais forte e respeitado entre as grandes
nações do mundo. O dia 19 de abril foi condignamente festejado. Saiu em
desfile pelas ruas da cidade a juventude escolar paranaense, prestando assim a
sua homenagem ao tão grande vulto da atualidade (O Tiradentes, 21 abr. 1941).

Outros exemplos indicam essa mesma apreciação acerca de outras datas cívicas
festejadas por meio de desfiles, como a parada em celebração ao Dia da República,
prática comum no cotidiano escolar que ficaria registrada no imaginário infantil
daqueles que delas participaram. A fala de Jerson Krebs, aluno do Grupo Escolar
Conselheiro Zacarias, poucos dias após o desfile de 15 de Novembro, representa bem a
exaltação coletiva dos alunos, atores nesses momentos de entusiasmo e interesse
patriótico.

Todos nós nos sentimos satisfeitos com os aplausos que recebemos durante o
desfile. Sempre que a pátria precisar do nosso concurso, nessas demonstrações
de civismo, há de nos encontrar cheios de brio, marchando altivamente. Salve,
Brasil, grandioso e amado! (O Conselheiro, 19 nov. 1938).

Contudo, ao afirmar que os desfiles escolares produziram uma identidade, não


quero levar o leitor a entender que eles construíram, necessariamente, um senso comum.
Esses rituais foram celebrações resultantes de momentos históricos específicos e, assim
sendo, exprimiam contextos permeados por restrições, contestações e contradições, não
podendo ser, portanto, um espaço limitado que inibisse a construção de identidades,
molduradas dentro do ambiente cultural escolar, mas um campo que permitiu o trânsito
de valores e símbolos.
Somos levados a perceber que, se, por um lado, esses desfiles ritualizados pela
população estudantil foram unificadores de um certo imaginário social, podemos
afirmar que, por outro, eles também foram capazes de estabelecer distinções no interior
e no exterior do universus scholaris. Há, na figura 2, uma exemplificação desta
distinção.

50
O aniversário de Getúlio Vargas (19 de abril) foi comemorado pela primeira vez como data cívica
nacional em 1940.

273
274

FIGURA 2 – DESFILE ESCOLAR PELA RUA XV


DE NOVEMBRO (CURITIBA–PR), DURANTE A I CONFERÊNCIA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO (1927)
FONTE: Fundação Cultural de Curitiba – Casa da Memória.

Se aceitarmos a explicação de que as crianças uniformizadas por jalecos e gorros


brancos, identificadas pela dupla fila indiana posicionada no centro da rua, estabelecem
fronteiras instituídas pelo ritual da celebração com as demais crianças espectadoras,
que, de certo modo, também foram ali para festejar, podemos interpretar a existência de
grupos diferenciados, entre aqueles aptos a exercer a função do desfile e os demais.
Contudo, os limites e os níveis dessa relação são, de modo geral, bastante tênues, a
ponto de não possibilitarem com precisão, a fronteira determinada pelos papéis que cada
um dos grupos possuía. Por este olhar, a reflexão resultante de questões sugeridas pela
análise dos desfiles escolares como coletiva sugere serem compreendidas como de
natureza processual, que ordenam padrões artísticos e narrativos únicos (Becker, 1982;
Simmel, 1971), configurados em amplos processos sociais (Turner, 1967; Da Matta,
1979).
Esta linguagem visual observada na figura 2 nos aproxima de uma realidade da
escola no passado que porta significações que somente ela é capaz de transmitir ao
presente. Esse e outros momentos, captados pelos mais diferentes tipos de lentes e

274
275

olhares, fixaram os instantes congelados do tempo como únicos e peculiares. Tais


registros de memória, verdadeiros baús de riquezas de múltiplas leituras, sugerem
problematizações acerca da relação entre história, tempo e memória escolar. Contudo, é
preciso estar atento: as fotografias escolares são capazes de ressemantizar os momentos
retratados, que podem apenas aparentemente diminuir o seu grau de iconicidade, como
forma de representação da realidade nos moldes defendidos por Roger Chartier (1990),
ou seja, essa fonte não serviria apenas para retratar a realidade, mas também para criar e
distorcer a imagem do mundo representado.
Uma vez que é uma característica do ser humano simbolizar seu comportamento
(Geertz, 1973), como bem afirmam os estudos antropológicos, a idéia de festividade
assume uma extensão mensurável (em todos os sentidos), que torna possível ver nela a
sociedade em ato (Durkheim, 1968). Em que pese esta, afirmação que conduz à
inevitável similitude entre os planos das representações e das práticas, da ação e do
pensamento, podemos considerar como provável que, quanto maior fosse a importância
que a cidade de Curitiba depositasse nos desfiles patrióticos de seus escolares, maior
seria o destaque na ação/comportamento como princípio da efervescência coletiva,
solidificada por uma autocompreensão e intermediada pelas representações ali
construídas. Em outros termos, o desafio deste capítulo não está em medir a capacidade
dos rituais cívicos escolares de refletirem uma sociabilidade prévia, mas sim em
investigar por quais instrumentos eles nomeiam o mundo do qual participam, tornando
visível, portanto, o tema das apropriações.
Ao tratar da qualificação declarada do tempo das celebrações e comemorações
escolares enquanto resultado da combinação de diversas durações qualitativamente
diferenciáveis entre si, tornam–se interessantes as discussões que a história apresenta
acerca da construção de calendários e formas de marcação coletiva do tempo (Le Goff,
1984). Se uma das qualidades peculiares desses rituais é a repetição e a consciência de
seu preparo, que possibilitam ao historiador analisá–los como espetáculos reveladores
de particularidades, dentre as diversas que oferece o ambiente histórico cultural do
universus scholaris, é a partir de suas representações sociais e valores nelas incutidos

275
276

que os desfiles patrióticos inventam tradições51 que assumem significados múltiplos de


experiência.
Em 1922, ano do Centenário da Independência do Brasil,52 a cidade de Curitiba
planejou um verdadeiro festival comemorativo a essa importante data do calendário
cívico da República. Anunciada como uma das mais brilhantes, dentre as demais
comemorações do Centenário planejadas no Brasil, fez crescer na cidade o entusiasmo
em torno da grande data. A Inspetoria Geral de Ensino do Paraná apresentou um
programa que deveria ser seguido pelas crianças atores dessa cena.

Dia 7 – Às 9 horas da manhã, em cada grupo da capital haverá uma explicação


alusiva a história da nossa independência e a plantação nos pátios das escolas
de um pé de pinheiro simbolizando a “Árvore do Centenário”.
Às 15 ½ horas as escolas públicas em geral, se encontrarão na Praça Eufrásio
Correia, daí partindo para a Avenida Barão do Rio Branco, com destino a praça
Santos Andrade, entoando nesta o hino da Independência e a seguir o hino da
Glória.
Em seguida, o mundo infantil escolar, armado de 5 mil crianças, desfilará em
torno da praça em homenagem a herma do Padre Ildefonso, seguindo após pela
Rua 15 de novembro até a Praça Ozório onde se dispersará.
Esse desfile será feito em coluna de 4, separadas por uma distância de cinco
passos, entoando cada grupo a sua marcha (Gazeta do Povo, 31 ago. 1922).

Para a surpresa da Inspetoria Geral de Ensino, no dia 7 de setembro de 1922,


uma forte chuva assolou a cidade de Curitiba, o que impediu a realização do principal
ato comemorativo daquela festa, qual seja, o desfile dos alunos pelas ruas da cidade,
sendo cumprido apenas o plantio da “Árvore do Centenário”. Essa situação inesperada
levou os organizadores do centenário a transferir para o dia 14 de setembro a realização
da parada propriamente dita (Gazeta do Povo, 8 set. 1922).

51
Hobsbawm e Ranger entendem por tradição inventada “um conjunto de práticas,
normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de
natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento
através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao
passado” (Hobsbawm; Ranger, 1984).
52
A revista O Ensino (1922), órgão oficial de divulgação da Inspetoria Geral de Ensino
do Paraná, afirma, em suas páginas, que foi a partir das comemorações do Centenário da
Independência do Brasil que teve início, em Curitiba, a prática de grandes desfiles de
escolares para o dia 7 de setembro, o que foi imediatamente percebido pelas autoridades
de ensino como uma dilatação do potencial que estes poderiam assumir na transmissão
de valores cívicos.

276
277

A nova programação foi apresentada e aprovada como uma necessidade das


autoridades de ensino de não deixar se perder no imaginário cívico dos escolares a
oportunidade de transmitir valores que deveriam ser preservados em seu espírito
infantil. A figura 3 apresenta–nos o campo do Internacional F. Club (atual Estádio
Joaquim Américo) como o palco dessa manifestação de apreço aos cem anos de
independência do Brasil. A manhã daquele 14 de setembro de 1922 contou com uma
apresentação de exercícios de ginástica sob o comando do Tenente Aristóteles Xavier e
com um desfile de alunos de todos os grupos escolares da cidade.

FIGURA 3 – APRESENTAÇÃO DE GINÁSTICA DOS GRUPOS ESCOLARES DE


CURITIBA EM COMEMORAÇÃO AO CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO
BRASIL (1922)
FONTE: Fundação Cultural de Curitiba – Casa da Memória.

Uma multidão ocupou as arquibancadas do Internacional, indo ali especialmente


para prestigiar o cântico dos hinos patrióticos entoados por suas crianças, acompanhadas
pela banda da Força Policial do Estado. Segundo a programação prevista para esse novo
momento, a entrada dos alunos, agora em número de 1.200 escolares, deveria acontecer
em colunas de quatro estudantes, distribuídos em 26 linhas de 45 metros, perfeitamente
paralelas, com a intercalação de 3 metros. Cada aluno empunharia uma miniatura da
Bandeira Nacional (Gazeta do Povo, 9 set. 1922). Ao tentar perceber os motivos de

277
278

tanta rigidez no ordenamento das crianças, é interessante perceber como uma gramática
própria dos desfiles põe em perspectiva os símbolos que se relacionam com as
especificidades das diferentes realidades históricas, assim como as performances
veiculadas no modo pelo qual transmitem seus valores estéticos de forma altamente
significativa, que podem ser interpretadas desde o uso da cor branca como uniforme,
passando pela simetria absurda que distribuía, como se fosse possível, a distância quase
que perfeita entre os corpos dos atores da grande cena.53
Os desfiles dos grupos escolares de Curitiba pelas ruas da cidade nos feriados54
cívicos propõem ao investigador uma posição especial por apreender informações
simbólicas que traduzem um certo modo da escola ver a sociedade e deixar–se ver por
ela. A esse respeito, o Estado assume um papel singular: é ele, ao mesmo tempo, ator
histórico, pois deveria fazer parte das comemorações cívicas, e narrador dos processos
que tornaram possível celebrar. Embora essa dupla posição de sujeito seja partilhada por
todos os agentes sociais, seria inadequado desconsiderar o poder do Estado em
momentos como esses. É ele, o Estado, por exemplo, quem define quais acontecimentos
devem ser fixados na memória da nação como seus sinais diacríticos definidos, entre
outras ações, pela institucionalização de feriados, além de fornecer os padrões
valorativos que devem informar a apreensão desses eventos. É ele que, ao selecionar
fatos e eventos da história oficial para festejar, não só faz uma escolha do que deveria
ser relembrado por meio das comemorações, mas também constrói um certo arranjo que
provoca reinterpretações desses eventos, concorrendo de modo decisivo na construção
de um tipo de memória social.
A cultura cívica foi responsável por estabelecer leis e decretos que fortaleceram
os rituais cívicos a serem cumpridos pelo universus scholaris, tais como os dias em que
deveriam ser celebradas as festas nacionais – Decreto n.º 19.488, de 15 de dezembro de
1930 (Coleção, 1931/1945) – e a obrigatoriedade do canto do Hino Nacional em todos

53
Ainda sobre os desfiles de 7 de setembro nas primeiras décadas do século XX. Em 1923, o centro da
cidade foi enfeitado por bandeirolas auriverdes para ver passar os alunos em passeata (dessa vez sem a
rigidez militar do desfile parada), que caminharam em visita aos bustos dos “heróis” nacionais
distribuídos pelas praças do centro de Curitiba (Gazeta do Povo, 7 set. 1923). Em 1925, cerca de dois mil
alunos dos grupos escolares de Curitiba, uniformizados de branco, foram conduzidos por seus professores
em desfile em torno da herma do padre Idelfonso Xavier Ferreira, na Praça Santos Andrade, seguindo,
logo depois, para a Escola Normal, na Rua Emiliano Perneta (O Estado do Paraná, 8 set. 1925).
54
Do latim fériátus – que está em festa.

278
279

os estabelecimentos de ensino e associações de fins educativos existentes no país, Lei


n.º 259, de 1 de outubro de 1936 (Coleção, 1931/1945). Logo, as comemorações de
cunho obrigatório e/ou voluntário festejadas pelos grupos escolares revelam–se também
como uma das esferas em que se dá o reconhecimento da memória coletiva. Ao fazer
opção por e dar publicidade a determinados fatos e eventos históricos, a festa escolar
cívica perpetuava uma recordação, separava o que tinha importância e o que não era
relevante para a história/memória dos alunos e para a fundação de sua identidade social.
Foi seguindo essa lógica que, em 16 de agosto de 1941, o então Diretor Geral da
Educação do Paraná, Hostilio César de Souza Araújo, determinava, por meio de portaria
e de divulgação nos principais jornais da imprensa paranaense, que os grupos escolares,
dentre outras instituições de ensino do estado, quer fossem públicas ou particulares,
deveriam comemorar a Semana Duque de Caxias, promovendo palestras, preleções e
desfiles em comemoração à memória oficializada de Luiz Alves Lima e Silva, o Duque
de Caxias, patrono do Exército (Gazeta do Povo, 22 ago. 1941).
As instruções para o desfile daquele ano ficaram sob a responsabilidade da
Inspetoria de Educação Física do Estado, que deveria organizar a formação dos alunos
às 8h30 na Praça Santos Andrade, em colunas de oito fileiras. Os escolares deveriam
utilizar seus aventais brancos e as professoras, o uniforme regulamentado para os dias
de desfile, não sendo permitido outro traje que rompesse com essa conformação do
vestuário. O percurso foi aquele utilizado costumeiramente quando se celebravam
paradas no centro da cidade de Curitiba, qual seja, saída da Praça Santos Andrade, Rua
XV de Novembro, Avenida João Pessoa e dispersão na Praça General Osório.

Desde as primeiras horas do dia de ontem as ruas da cidade se encheram de


agitação invulgar.
E a própria natureza, através de um dia da “Semana da Pátria” o mais
imponente e significativo de todos eles.
Crianças aos magotes surgiram de todos os cantos, e dirigiam–se para o local
da concentração, e os pais, que eram a cidade toda, pressurosos de tomar
posição para a satisfação fugaz de assistir a passagem do filho, iam enchendo
literalmente as ruas da nossa capital.
E realmente às 9 horas da manhã, hora em que teve inicio a parada escolar, a
cidade era um formigueiro humano.
Por certo, culminaram, neste dia causador de impressão inapagável [sic] as
solenidades da “Semana de Caxias”.

279
280

Foi a mais empolgante expressão de civismo, a mais tocante demonstração de


brasilidade (Gazeta do Povo, 28 ago. 1941).

Ao longo da história da imprensa paranaense do século XX, foi notório que ela
participou inúmeras vezes da construção de um passado social formalizado almejado
pelo Estado. Durante a época de comemorações cívicas, além de publicar os
preparativos, a imprensa descrevia todo o ritual dos desfiles. A informação jornalística,
como a que foi reproduzida acima, publicada poucos dias após o desfile do Dia do
Soldado (25 de agosto de 1941), reproduz uma concepção que fez parte constante nas
colunas dos jornais que anunciavam o mérito dos desfiles e a organização do tempo da
sua celebração. Com isto, a imprensa forneceu elementos retóricos que fortaleciam
fundamentos cívicos doutrinários, que pretendiam revestir os desfiles como
manifestações autênticas de patriotismo.
Mas será que essa realidade dos grupos escolares de Curitiba em preparar sua
população estudantil para a celebração significaria que eles estivessem concordando de
modo consciente com todos os ideais cívicos ali representados? E, conforme o momento
histórico, esta pode ter sido também uma postura encontrada na imprensa em forma de
crítica?
Se, por um lado, a participação da imprensa (jornais e rádio)55 na divulgação da
programação e registro dos desfiles pode ser entendida como um profundo
envolvimento na construção de mitos de nacionalidade, por outro, em certas situações,
ela esteve atenta para o fato de que as festividades cívicas não eram apenas ferramentas
em prol de um nacionalismo de Estado ou então um momento que justificaria sua
manifestação somente para atender aos propósitos das autoridades de ensino. Como em
toda comemoração, poderiam existir queixas antes da realização dos desfiles, como uma
multiplicidade de paixões de diferentes sentidos que não se circunscrevia a um único
objetivo, qual seja, aquele que atendia exclusivamente ao interesse político–cívico.
Senão, vejamos algumas circunstâncias que explicitam esta interpretação.

55
Nas comemorações da “Semana de Caxias” do ano de 1941, estava presente a Rádio
PRB2, narrando toda a festividade, e, quando do encerramento dos desfiles dos
escolares, foi cedido seu microfone ao intelectual paranaense Osvaldo Piloto, para
pronunciar discurso a respeito daquela data (Gazeta do Povo, 28 ago. 1941).

280
281

Em 1923, com a proximidade do 7 de setembro – como vimos anteriormente,


uma das datas preferidas determinadas para os grupos escolares realizarem seus desfiles
–, parte da imprensa curitibana não poupou esforços ao criticar os diretores da instrução
pública acerca do uso do horário de aulas para os exercícios preparatórios de festas que
envolviam desfiles cívicos. Segundo ela, essa prática apenas prejudicava o calendário
escolar, não sendo, portanto, uma atividade educativa. Assim, sugeria que as crianças
permanecessem em sala de aula, utilizando esse tempo para o estudo, e, com isso,
estariam elas, supostamente, melhor exercitando o patriotismo esperado pelas
autoridades de ensino.

Não há como negar que a educação cívica é indispensável nos colégios, mas
também não há como ignorar que só é bom patriota o cidadão que sabe ler e
não é em passeatas sem significação que a criança aprenderá a amar a Pátria e a
ler a cartilha (Gazeta do Povo, 14 ago. 1923).

Havia também muitas apropriações do momento festivo que não passavam


necessariamente pela festa que o Estado idealizava. Ao se concentrarem no centro da
cidade, no caso dos grandes desfiles, nem sempre todos os cuidados foram devidamente
tomados, como o tempo de espera que os estudantes deveriam aguardar antes da
apoteose do desfile propriamente dito.

Suplício da infância!
Mais de 4 horas a espera do desfile suportaram as crianças e o povo na parada
de 7 de Setembro! Mal organizada a concentração – penosa permanência em
forma e a pé dos escolares– colégios pretenderam se retirar – marcada a revista
para às 14:30h, o governador só chegou duas horas depois – flagrante pitoresco
e descuidado do Sr. Bento Munhoz da Rocha Neto (Diário da Tarde, 10 set.
1953).

Apesar desses contratempos, é possível afirmar que os escolares não deixavam


de entrar em contato com os valores políticos que os desfiles proclamavam. E mesmo
que os alunos não conseguissem adentrar nas significações dos símbolos invocados,
bastava que se deixassem imbuir pelo momento da celebração que eles exercitariam –
de certa forma, um espírito público, uma comunhão cívica.
Esse imaginário social presente nos alunos e professores como coletividade que
se designa e se representa, gera uma identidade responsável por estabelecer um tipo de

281
282

relação com a sociedade curitibana. Foi através desse imaginário, entendido aqui como
elemento essencial aos desfiles patrióticos, que essa coletividade estabeleceu sua
imagem, mediante a criação de princípios e códigos em comum. Por meio da elaboração
dos valores cívicos, essa agremiação se pensou e se fez como um determinado extrato
da sociedade, que atribui significado ao mundo e aos seus atos e cria para si uma
identidade. Em certo sentido, esta compreensão de que os grupos escolares participam
na construção de símbolos cívicos nos remete a Bronislaw Baczko, que discute o
nascimento e a perpetuação desse imaginário patriótico.

O imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo que constitui


um apelo à ação, um apelo a comportar–se de determinada maneira. Esquema
de interpretação, mas também de valorização, o dispositivo imaginário suscita a
adesão a um sistema de valores e intervém eficazmente nos processos da sua
interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos, capturando
energias e, em caso de necessidade, arrastando os indivíduos para uma ação
comum (Baczko, 1985, p. 322).

Os desfiles patrióticos dos grupos escolares são vistos como uma forma de
imprimir sentimentos cívicos, principalmente pelo fato de as autoridades de ensino
responsáveis pela sua organização compreenderem essas celebrações como co–
participantes da organização de sentido de comunidade escolar frente à vida social.
Portanto, o relembrar dessas comemorações foi repetidamente proclamado como um
dos pontos altos dessas manifestações que eram programadas dentro do calendário
escolar, nas datas em que as afetividades políticas eram postas em cena, não deixando
de se manifestar o estreitamento de laços de comunhão e de solidariedade cívica entre
os alunos, professores, funcionários e familiares.
Esses momentos, propícios à propaganda de valores educacionais, foram, em
geral, representados por uma imagem de relativo sucesso da população estudantil. Na
figura 4, é possível perceber uma dessas situações de fortalecimento dos laços de
solidariedade. Trata–se do desfile realizado no início do mês de setembro de 1940,
como parte dos festejos do Dia da Raça. As professoras brancas responsáveis pela
condução das bandeiras, dentre elas o pendão nacional, abrem solenemente o caminho
para o batalhão de alunas que asseguram singeleza nas vestimentas e nos buquês de

282
283

flores que carregam. Ao fundo, a faixa que apresenta os alunos como pertencentes ao
Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva é antecipada a poucos metros pelo quadro do patrono
da instituição (Francisco Xavier da Silva). Novamente, o público que assiste é parte
fundamental nessa festa, quando sua presença demonstra que ele também expressa uma
opção de um tempo que ficará marcado na memória da cidade.56

FIGURA 4 – DESFILE DO DIA DA RAÇA (CURITIBA, 4 DE SETEMBRO DE 1940)


FONTE: Gazeta do Povo, 6 jul. 2003 (Coluna Nostalgia).

Ao examinarmos este interessante registro, abro um parêntese em minha


narrativa para destacar a referência deste caráter relativo que perpassa a iconicidade da
fotografia na concepção de Roland Barthes (1984), que, diferente da pintura, postulava
que a fotografia remetia não somente a um objeto possivelmente real, mas também a um
objeto necessariamente real, mas que, contudo, apesar de sua condição de invariável,
não se podia contestar a própria existência do objeto. A fotografia seria uma emanação
do referente e testemunha de um “aconteceu assim”. Não seria, portanto, a expressão
fotográfica um mero reflexo ou reprodução fiel da realidade, mas uma mediação

56
Décadas à frente, resquício dessa permanência na memória da cidade era percebido na continuidade
dessa festividade dentre as comemorações organizadas pela Secretaria de Educação do Paraná, ao

283
284

(vermittelung) no sentido adotado por Hegel, ao discutir a idéia de dialética, inserida em


um contexto de experiência que dialoga com a memória. Ao pensar na ontologia da
imagem fotográfica, podemos afirmar que essa fonte sempre possuirá um estatuto de
evidência, mesmo que, teoricamente, existam concepções miméticas tradicionalistas que
aceitem a fotografia como uma simples impressão (impressìo) ou espelho (specùlum) da
realidade, ela é muito mais uma construção imaginária erigida histórica e socialmente,
que não deixa de ser metaforizada e idealizada.
Para fechar este parêntese, o historiador Ernst Hans Gombrich (1982), em artigo
sobre a imagem visual, afirma que a significação de uma imagem é, em grande parte,
resultado da experiência e do saber que o indivíduo que a contempla adquiriu
anteriormente. Neste sentido, a imagem não é uma simples representação da realidade,
mas um sistema simbólico. Esse falso realismo atribuído à imagem fotográfica é
resultado de uma leitura que somente atenta para a aparência visual das formas
sensíveis, excluindo as demais faces que a modelam. Além disso, destaca que a suposta
universalização da relação entre a fotografia e a realidade é questionável se
considerarmos que dados de outros universos culturais indicam a possibilidade de não
reconhecimento da imagem fotográfica como análise do real.
Como foi demonstrado, os desfiles patrióticos se valem de idéias e conceitos que
foram transformados em imagens e símbolos incorporados ao imaginário e transmitidos
pelos modos de expressão da cultura cívica. Sua referência básica é a comemoração,
elemento de ordem emocional de bastante efeito na atração dos escolares. Nesse terreno,
em que política e cultura se mesclam com idéias, imagens e símbolos, define–se esse
momento como um objeto de estudo de representações relacionado diretamente com o
estudo dos imaginários sociais, que constitui uma categoria das representações sociais
(Capelato, 1998). Certamente, esses desfiles foram utilizados pelos diferentes regimes
(República Velha, governo provisório de Vargas, Estado Novo, logo depois o curto
espaço de democracia e, finalmente, a ditadura militar) como estratégias de propaganda
para o exercício do poder do Estado sobre o que deveria se comemorar. No entanto, sua
força foi certamente muito maior naqueles em que ele, o Estado, exerceu uma maior

promover o desfile de trinta mil escolares infantis pelas ruas de Curitiba, ainda em comemoração ao Dia
da Raça (Diário da Tarde, 1 set. 1962).

284
285

censura sobre o conjunto das informações e utilizou manipulações que procuravam


bloquear toda a atividade espontânea.
Ao se utilizar desses meios espetaculares, o Estado pretendia inculcar
consciências patrióticas nos futuros cidadãos, por meio da profusão de imagens e
símbolos e, assim, conquistar o apoio da sociedade, não sendo, nesse sentido, menos
importante a preocupação que teve em organizar calendários normatizadores para a
população escolar comemorar suas datas cívicas. Algo que Ozouf (1988) destaca como
uma prática do estado revolucionário francês desde os fins do século XVIII, na qual as
festas cívicas e desfiles patrióticos se tornaram indispensáveis para configurar o povo de
uma nova nação, qual seja, a republicana.
A participação dos alunos dos grupos escolares também foi incorporada aos
grandes festejos e desfiles formatados pelos órgãos governamentais. O comparecimento
voluntário da população em geral e a presença obrigatória de vários setores (escolas
públicas e particulares, Forças Armadas, Polícia Militar, Bombeiros etc.) garantiam
sempre um número elevado de participantes, espectadores, em especial em grandes
cidades como Curitiba. É o que percebemos no conjunto de pessoas frente ao Palácio
Avenida (figura 5), em que os alunos, próximos ao final do desfile que deveria ocorrer
na bela e arborizada Praça General Osório, permanecem ordenados sob a guarda e o os
olhares atentos de seus professores.

285
286

FIGURA 5 – DESFILE DO DIA 7 DE SETEMBRO DE 1950


FONTE: Gazeta do Povo, 8 set. 2002 (Coluna Nostalgia).

Mas essa participação da população, estando presente e apoiando os desfiles,


guardada as proporções, também foi uma realidade nos desfiles dos grupos escolares de
Curitiba estabelecidos em bairros afastados do centro da cidade, não sendo, portanto, o
monumentalizado cenário da Rua XV de Novembro o único palco de manifestação
dessa cultura cívica. Mesmo distante dos “holofotes” do centro da cidade, em ruas de
chão batido, entre valetas a céu aberto, sem a presença de grandes autoridades públicas,
sendo a própria população do próprio bairro a principal espectadora, é possível
identificar, nesses pequenos desfiles, sentimentos de orgulho e admiração semelhantes
àqueles manifestados nos grandes desfiles.

FIGURA 6 – DESFILE DO DIA 7 DE SETEMBRO (INÍCIO DA DÉCADA DE 1970)


FONTE: Acervo particular de Minobu Nagata.

Com seus jalecos brancos, lá estavam os alunos celebrando. Notamos a


presença, no pequeno desfile que aconteceu na Rua Carmelina Cavassin, no bairro da
Barreirinha (figura 6), dos Grupos Escolares Gelvira Corrêa Pacheco e Professora Maria
Pereira Martins, juntamente com o Ginásio Estadual Almirante Pedro Álvares Cabral,
no início da década de 1970. O registro do olhar do senhor Nagata57, por meio da lente

57
Minobu Nagata, imigrante japonês que registrou cenas do cotidiano do bairro da Barreirinha
(localizado na região norte da cidade de Curitiba, a cerca de 6 km do centro) durante as décadas que ali
residiu e viveu.

286
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de sua máquina fotográfica, pôs em perspectiva as fileiras de alunos com suas


bandeirinhas, os quais demonstram, ao lado de suas professoras, o orgulho idêntico ao
daqueles que estavam cumprindo o mesmo ritual em outros lugares da cidade58.
É significativo o interesse dos grupos escolares da periferia da cidade em
organizar seus pequenos desfiles, não somente por querer estabelecer conexões
simbólicas com os grandes desfiles, mas por julgar importante a participação de sua
população estudantil nesses momentos de manifestação de uma cultura cívica que ainda
resiste. A inevitável interrupção temporária de suas atividades didáticas para se
apresentar nas ruas do bairro não pode ser entendida aqui como uma suspensão do seu
cotidiano escolar, ao contrário, o ritual do desfile, mesmo que em dias de feriado
nacional, reforça todo um conjunto de inculcações de civismo que tem na escola seu
principal agente.
As fontes de pesquisa privilegiadas para o olhar investigativo a que me propus
são as fotografias dos desfiles de alunos de grupos escolares ocorridos em diferentes
locais e momentos na cidade de Curitiba. Nelas, estão registradas as datas cívicas
comemorativas, bem como os discursos e as imagens que denotam claramente a
ideologia afirmada nesses eventos. Percebemos, por elas, que os grupos escolares
assumiram, ao longo de sua história, uma das funções das comemorações cívicas, qual
seja, oferecer à nação elementos para a construção de uma memória coletiva. Assim,
enquanto documento/monumento, as fotografias escolares foram, neste estudo,

58
Em 1966, os alunos da 4.a série do Grupo Escolar Leôncio Corrêa, Escola
Experimental Maria Montessori, Grupo Escolar Ermelino de Leão, Grupo Escolar
Nossa Senhora de Salete e o Grupo Escolar Olavo Bilac, desfilaram em homenagem ao
273.º aniversário da cidade de Curitiba. O trajeto se deu na avenida Prefeito Erasto
Gaertner, no bairro Bacacheri (localizado na região nordeste da cidade, a cerca de 3 km
do centro), indo até as proximidades do Quartel de Material Bélico do Exército, onde
houve concentração e entoou–se o Hino Nacional, além de saudação em prosa e verso à
aniversariante (Diário Popular, 27–28 mar. 1966). Na Semana da Pátria de 1968, alunos
de 19 estabelecimentos de ensino do bairro Portão (localizado na região sudoeste da
cidade, a cerca de 5 km do centro) desfilaram pelas suas principais avenidas (Av.
República Argentina e Av. Presidente Kennedy), assim como os alunos dos grupos
escolares do Boqueirão (localizado na região sudeste da cidade, a cerca de 12 km do
centro), que também saíram em desfile pela Marechal Floriano, dando continuidade às
comemorações promovidas pela Secretaria de Educação e Cultura daquele ano (Diário
Popular, 5 set. 1968).

287
288

possuidoras de um sistema diverso de signos que contribuíram na percepção e


conseqüente compreensão do passado dos grupos escolares. Esta e as demais fontes
foram utilizadas na construção de questões que problematizaram o tema de pesquisa.
Entendidas como matéria do conhecimento da realidade histórica, por dar a conhecer
uma evidência visual, no sentido de pertencer comumente a um estágio de proposições
que não são as primeiras no aspecto lógico, levaram–nos a lembranças de um passado
que se aproxima de uma representação de memória coletiva sobre o universus scholaris
do Brasil, que neste estudo fez referência à escola primária pública.

Fontes

Fotografias

DESFILE em comemoração ao aniversário de Getúlio Vargas (Curitiba, 19 de abril de


1943). Acervo do Colégio Estadual República do Uruguai.

DESFILE escolar pela Rua XV de Novembro (Curitiba–PR), durante a I Conferência


Nacional de Educação (1927). Fundação Cultural de Curitiba – Casa da Memória.

APRESENTAÇÃO de ginástica dos grupos escolares de Curitiba em comemoração ao


Centenário da Independência do Brasil (1922). Fundação Cultural de Curitiba – Casa
da Memória.

DESFILE do Dia da Raça (Curitiba, 4 de setembro de 1940). Gazeta do Povo, 6 de


julho de 2003 (Coluna Nostalgia).

DESFILE do dia 7 de Setembro de 1950. Gazeta do Povo, 8 de setembro de 2002


(Coluna Nostalgia).

DESFILE do dia 7 de Setembro (início da década de 1970). Acervo particular de


Minobu Nagata.

288
289

Jornais

O CONSELHEIRO. Órgão dos alunos do Grupo Escolar “Conselheiro Zacarias”.


Curitiba, ano 1, n. 1, 19 nov. 1938.

O ESTADO DO PARANÁ. Curitiba, 8 set. 1925.

DIÁRIO DA TARDE. Curitiba, 10 set. 1953.

DIÁRIO DA TARDE. Curitiba, 1 set. 1962.

DIÁRIO POPULAR. Curitiba, 27–28 mar. 1966.

DIÁRIO POPULAR. Curitiba, 5 set. 1968.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 31 ago. 1922.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 8 set. 1922.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 9 set. 1922.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 14 ago. 1923.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 7 set. 1923.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 22 ago. 1941.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 28 ago. 1941.

GAZETA DO POVO. Curitiba, 8 set. 2002

GAZETA DO POVO. Curitiba, 6 jul. 2003.

O TIRADENTES. Órgão dos alunos do Grupo Escolar “Tiradentes”. Curitiba, ano 4, n.


11, 21 de abr. 1941.

Legislação

COLEÇÃO das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1930 a 1945. Atos
dos Poderes Legislativo e Executivo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931/1945.

Revista

O Ensino. Curitiba: Inspetoria Geral de Ensino, ano 1, 1922.

289
290

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291
292

GRUPOS ESCOLARES NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS - PR59

Maria Isabel Moura Nascimento60

Os primeiros grupos escolares surgiram nos Campos Gerais – PR, no período


Republicano, num movimento de lutas, conflitos, embates e acomodações nem sempre
aparentes. Para compreender esse processo analisamos como a sociedade reivindicou e
organizou–se, a partir dos diversos grupos imigratórios (internos e externos), que se
instalaram na região.
A região dos Campos Gerais61 foi organizada por nacionais e estrangeiros,
trabalhadores do campo, da cidade ou de diferentes regiões do país. Nesse emaranhado,
investiga-se o processo pelo qual ocorreu a escolarização da região, quais condições
para formar essa população espalhada em lugarejos, vilas e cidades, numa região onde
as relações étnicas e de classe sociais se deram de formas diversas e enfrentadas no
mesmo espaço territorial político, econômico e social com transformações contínuas.
A partir de 1870, com a chegada da segunda grande leva de imigrantes62 no sul
do país, inicia–se na sociedade dos Campos Gerais um marco de “modernização.” Os
imigrantes organizaram–se em colônias de acordo com suas etnias, de forma
diferenciada do restante do país: “Os colonos na maior parte suíços, ocupão-se da
cultura do café, canna, arroz, mandioca, milho, feijão, legumes e algum fumo para o
gasto” (Relatório, Zacarias Góes de Vasconcellos, 15.07.1854)

59
Esse estudo integra o projeto nacional do HISTEDBR “História, Sociedade e Educação no Brasil,”
sediado na Faculdade de Educação da UNICAMP, criado em 1991, sob a orientação Geral do Prof.
Dermeval Saviani, e sob a coordenação executiva do professor José Claudinei Lombardi. O projeto tem a
participação de vários Grupos de Trabalho, incluindo o GT dos Campos Gerais sediado na UEPG
(Universidade Estadual de Ponta Grossa no qual estou inserida).
60
Doutora em filosofia e história da educação pela UNICAMP; professora do Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR. E-mail: misabel@lexxa.com.br
61
A produção historiografia que cita Campos Gerais no século XIX, é em grande parte produzida pelos
integrantes do Instituto e Geográfico, que funciona desde 1838. Francisco Adolfo de Varnhagem, por
exemplo, muito citado nos livros clássicos de História, bem como Auguste de Saint-Hilaire têm uma
visão elitista descritiva da paisagem ao seu redor. Poderíamos chamar de um olhar geográfico. É claro
que esta forma de ver as civilizações tem muIto das teorias históricas – geográficas da época, como o
determinismo.
62
Os imigrantes que chegaram ao sul do país eram de várias nacionalidades de origem, como a alemã,
austríaca, italiana, polonesa, russa, ucraniana, holandesa sírio-libaneses, sem excluir os ingleses e
franceses que vieram em menor número.

292
293

No Paraná foram estabelecidas as condições para que os colonos se instalassem


nas terras que o governo concedia para a construção de igrejas e escolas, assumindo as
despesas com mestres, padres e professores estrangeiros de cada colônia.
Já o povo que aqui residia, o caboclo do mato, fazia uso da terra sem quaisquer
benefícios, permanecendo no período de extração da erva–mate e de madeira. Após o
período de extração, o caboclo era abandonado as mínguas sem direito nenhum ficando
a mercê da própria “sorte”.
As colônias de imigrantes foram fundadas com escola, que tinha o material
pedagógico e a mobília necessária para o bom funcionamento. Os professores da escola
da colônia eram preparados nos países de origem étnica para dar continuidade à religião
e o idioma pátrio. A instrução escolar dada aos filhos dos imigrantes não era diferente.
Repetiam nas colônias as mesmas práticas educativas herdadas do país de origem e
conduzidas por professores da própria etnia, especialmente contratados para dar
continuidade à cultura natal.

Inicialmente eram permitidos os dois idiomas. Como as colônias


possuíam professores formados no seu país de origem, o governo imperial
autorizava que esses professores dessem aulas em suas casas. Mais tarde,
algumas dessas colônias foram autorizadas pelo governo a edificarem
escolas, como a colônia Argelina, em 1874, sob a responsabilidade do
professor Franz Motzko; bem como as colônias de Santa Cândida, de
Orleans63 e de Eufrasina (Nascimento, 2004, p.89).

Nesse sentido, a região foi organizada com direitos desiguais, os imigrantes


estrangeiros fechados no interior de suas colônias, eram de etnias diferentes, com
aspirações antagônicas, porém com direitos e responsabilidades de participação da
polis, quando entravam em solo brasileiro.

Os Grupos Escolares

A expansão da instrução pública foi idealizada no final século XIX e implantada


em algumas capitais do país, no início do século XX, com a criação dos grupos

63A escola pública polonesa da colônia Orleans foi pioneira entre as escolas polonesas oficiais no Brasil
(Wachowicz, 2002, p. 25).

293
294

escolares. Nos Campos Gerais – PR, os grupos escolares foram criados no início do
século XX e desempenharam papel fundamental para a consolidação das idéias
republicanas na região.
A escola se apresentava como Instituição estatal pública e gratuita, que cumpria
funções sociais determinadas sem deixar aparente as desigualdades que solidificou
durante a República com a legitimação e a manutenção pelo Estado.
A República recebeu como herança do império uma inexistente estrutura escolar,
cujas poucas escolas eram insuficiente para atender a população que vivia a margem,
sem o acesso à instituição estatal e gratuita.
A escola pública no período do Império não era um elemento importante para a
manutenção e reprodução das relações sociais. A quantidade e a qualidade da escola
pública era bastante limitada, destinando–se aos poucos indivíduos da minoria
dominante, sendo um mero ornamento e estendendo–se, quando muito, à camada média,
a quem conferia status.
O estado de abandono em que as escolas se encontravam somado à falta de
professores eram divulgados nos documentos oficiais redigidos pelo Inspetor de Ensino
em suas visitas as escolas. O Inspetor de Ensino fazia a verificação do estado de
funcionamento destas instituições, e dizia em um dos documentos, que o:

Estado, tendo o dever imperioso de precaver-se contra os perigos da


ignorância não tem se descuidado de criar escolas onde há população
escolar. Que Valle espalhar escolas por toda a parte, se não temos pessoal
idôneo, capaz de exercer com altruísmo a nobre e santíssima profissão de
mestre? (Paraná, Governo do Estado, 1901 ,vol.5).

As escolas que eram inauguradas para atender a população que vivia à margem
das colônias, as chamadas casas escolas ou escolas isoladas eram precariamente
organizadas, com pouca luz, salas sem ventilação adequada para atender a quantidade
de crianças de cada lugarejo.
Os jornais notificavam os descasos a que eram relegadas as escolas públicas
estatais;

Infelizmente não tem merecido por parte de nossos governantes o carinho


que realmente merecem. Vemos escolas que funcionam em casas

294
295

impróprias sobe o ponto de vistas da hygiene, vemos escolas


funccionando com falta de objectos indispensáveis; vemos, em fim,
escolas que não são escolas verdadeiramente. Sim, porque nós
consideramos a escola como foco que mais intensamente, irradia luz, luz
que não pode ser comparada porque illumina cérebros. Da escola é que se
começa o progresso de uma nação; da escola é que tudo que é bom tem
início.(...) Aqui no Paraná, digamos a verdade, ainda não se compreendeu
nem por sombras o que seja o professor e o que seja a escola.(...) (Jornal,
Diário dos Campo, N.705, Anno VI).

A República foi instalada no país sem organização escolar elementar, sem estar
aparelhada, sem professores preparados para atender a população.
Para a classe com o poder aquisitivo a realidade era diferente, pois podia enviar
seus filhos para estudar fora do país ou mesmo buscar as escolas privadas. Com a
chegada da república, a educação escolar do novo período foi elaborada para atender à
escolarização da elite que se estabelecia no país.
Nas palavras do Presidente da Província registram a existência de escolas
privadas após aprovação do regulamento de ensino em 1876 em que

Note com verdadeiro prazer instalarem-se diferentes escolas e colégios


particulares depois de promulgado o regulamento. (...) Penso que
semelhante resultado deveria concorrer essa bem atendida liberdade, que
não prejudicando o ensino oficial, pode despertar a iniciativa cidadã
(Paraná, Lins, Adolpho Lamenha. Relatório 15.02.1876, p.52).

As escolas privadas foram inauguradas nos grandes centros do Estado, que


tinham uma significativa economia, como a região de Curitiba, Paranaguá, Castro e
Ponta Grossa.
Com o estabelecimento no país da instrução anunciada no império, porém
concretizada na república como “missão honrosa.” Já estava generalizada para o povo
a idéia de educação escolar, como valor e importância para o desenvolvimento
econômico, que iria diminuir as “(...) diferenças econômicas entre os indivíduos de
permeabilização das classes sociais dentro de cada sociedade e de estreitamento e entre
os países desenvolvidos” (Rossi, 1978, p.17).

295
296

O que surge como pano de fundo, na primeira república64, era uma preocupação
marcante em acabar com o analfabetismo através da escola elementar para o povo.
No início do período republicano, o problema da instrução pública estava na
criação dos primeiros grupos escolares e na qualificação dos professores. Estes
problemas eram considerados responsáveis pela baixa presença das crianças nas poucas
escolas existentes em Ponta Grossa – PR.
As poucas escolas públicas primárias que existiam funcionavam em estado
precário, embora fossem constantes as reivindicações de melhorias desde o final do
século XIX, por parte das autoridades do ensino. Fato que pode ser constatados nos
relatórios dos Inspetores Gerais responsáveis pelas chamadas cadeiras de instrução
primária. Essas, últimas no geral, funcionavam em uma única sala sob a regência de um
professor, que administrava, na maioria das vezes, em diversas séries no mesmo espaço
de ensino.
No projeto liberal dos republicanos dos Campos Gerais surgiam os primeiros
grupos escolares, como a principal bandeira de ação política para a consolidação do
projeto da República na região.
Em 1907 foi inaugurada a primeira escola pública de ensino primário, “Instituto
João Candido Ferreira,” em Ponta Grossa – PR. Essa escola foi recebida com muita
expectativa, pois as existentes, até então, eram privadas. A sociedade considerava que o
ensino público havia fracassado, motivo pelo qual, muitos pais enviavam seus filhos
para estudar na Capital do Estado ou em São Paulo.
Em 30 de junho de 1909, o pastor George Bichertaph fundava a Escola
Presbiteriana em Ponta Grossa. E, em 20 de janeiro de 1912 era fundada a Sociedade
Espírita Francisco de Assis com escola primária e jardim de infância.
Em 1910, a Câmara Municipal de Ponta Grossa sancionou uma lei que dava
poder ao prefeito adquirir e ceder, pelo modo que julgar mais conveniente, uma área de
terreno dentro da cidade, suficiente para a edificação de um Grupo Escolar. A lei,
também, dava poder ao prefeito, quando necessário de desapropriar, vender, transferir
qualquer área de terreno, que fosse preciso para construção e expansão da escola pública

64
“O nacionalismo da década de 1910 trouxe à baila os problemas do analfabetismo e do atendimento da
escola pública às camadas populares. A opinião de vários profissionais da educação sobre o tema
encontra-se no Anuário do Ensino do Estado de São Paulo de 1918” (Apud, Souza, 1998, p.106).

296
297

no município.
As escolas primárias públicas que funcionavam em Ponta Grossa, no período de
1908 a 1916, receberam um tratamento diferenciado por parte das autoridades do
ensino, porque passaram a funcionar como grupos escolares não apenas na Capital, mas
também, nas cidades mais desenvolvidas como foi o caso de Ponta Grossa, onde foram
formados escolas ou os chamados “semigrupos” que continham (2 salas de aula),
aglutinavam “cadeiras” de diversos tipos (masculinas, femininas ou “promiscuas”
mistas), regidas por professores distribuídos entre as várias séries.
Em 1916, uma casa escola surgiu junto à Igreja Luterana, dirigida pelo pastor
Wilhelm Fugmann, para os filhos de imigrantes russos-alemães. Cinco anos depois, ela
passou a se chamar Escola Luterana. Em 1918, Ester Ferreira fundou o Colégio
Pontagrossense de Instrução Primária, com turnos diurno e noturno, também oferecia o
curso de datilografia.
Na Capital e nos arredores, funcionavam as escolas reunidas e isoladas que não
eram propriamente grupos escolares com uma única sala e sob a regência de um
professor. As novas escolas que foram inauguradas durante na República recebiam
mobiliário que eram adquiridos nas

(...) officinas da capital, ou confeccionado na Penitenciaria do Ahú.


Por Decreto de 15 de Setembro ultimo foi creada uma escola de
instrucção primaria na aldeia de indígenas Guaranys, na Barra Grande, á
margem dieita do rio Cinza, município de Thomazina, a qual foi installada
no dia 24 d’esse mez, com a matricula de 24 alumnos, aos quaes foram
fornecidos os livros necessários. Faço menção d’este facto, porque prova
que o Estado, além de haver reservado terras para o estabelecimento de
silvícolas em differentes pontos do seu território, cuida também da sua
instrucção (Paraná, Presidente do Estado, 1912, pp.13–14).

As escolas isoladas eram a condição rápida e barata que o governo apresentava


para as populações afastadas terem acesso à escola, com formas “próximas” às dos
grupos escolares que eram construídos no centro da cidade.
Diante das necessidades da população pobre foram criadas as escolas reunidas e
isoladas, cuja construção se intensificou mediante a concorrência pública realizada em
1912. Foi contratada a construção de 30 escolas, que no máximo continham 4 salas de
aulas. Este processo resultou na criação de 78 escolas, com salas separadas e

297
298

independentes nas seguintes localidades:

Lista das escolas criadas por localidade e quantidade de salas

Localidades Quantidade
de salas
Capital-rua Silva Jardim 4
Capital-rua Montevidéo 4
Capital-rua S. Machilde 4
Capital-rua Boulevard F. Peixoto 2
Capital -rua Graciosa 2
Capital-rua Portão 2
Capital-rua Silva Jardim-Jardim da Infância 1
Jaguariabyva 4
Jacarézinho 4
Ponta Grossa 4
Imbituva 2
Prudentopolis 4
Guarapuava 4
Barracão, fronteira Argentina 1
União da Victória 4
S. Matheus 2
Rio Negro 4
Balsa Nova 2
Araucaria 2
S. José dos Pinhaes 4
Villa Deodor 2
Roseira, povoado 1
Campo Largo 4
Balbino Cunha, colônia 1
Colombo 2
Campina Grande 2
Bocayuva 2
Serro Azul 2
Colônia Faria 1
Affonso Penna 1
Fonte: PARANÁ, PRESIDENTE DO ESTADO 08.02.1912

No início do período republicano, a instrução no Estado do Paraná tinha os


seguintes níveis de ensino: Jardim da Infância, Ensino primário, Escola Normal e
Ensino Secundário. Apenas as escolas privadas conseguiam oferecer cursos nesses

298
299

níveis, com professores formados, pois os pais podiam pagar para atender os seus
interesses. Eram poucos os professores formados na Escola Normal para atender a
necessidade dos grupos escolares que eram inaugurados.
Durante os primórdios do período republicano, o número de escolas era superior
ao número de professores preparados para assumir as cadeiras de ensino elementar
oferecidas, portanto muitas escolas permaneciam fechadas embora a reclamação do
povo desde a província65 era que a “(...) quantidade de crianças a educar era superior ao
número de escolas criadas” (Gazeta Paranaense,1886, p.8).
No período republicano nasceu o lema: “governo do povo, pelo povo e para o
povo,” que implicava na condição de abrir mais escolas para o povo, mesmo que essas
fossem ficar fechadas por falta de professores, pois não havia a preocupação com a
manutenção e muito menos em providenciar professores que pudessem assumir os
estabelecimentos de ensino.
Como afirmado anteriormente, esse estado de abandono em que as escolas se
encontravam somado a falta de professores aparece registrado nos relatórios oficiais
sobre a verificação do estado de funcionamento das escolas. O relatório admitia que
embora o

Estado, tendo o dever imperioso de precaver-se contra os perigos da


ignorância não tem se descuidado de criar escolas onde há população
escolar. Que valle espalhar escolas por toda a parte, se não temos pessoal
idôneo, capaz de exercer com atruísmo a nobre e santíssima profissão de
mestre? (Paraná, Gov.do Estado, 1901,vol. 5).

A herança deixada pelo Império para a república com relação a instrução pública
era de extremo abandono por parte dos governantes. Ancorado na constituição de 1834,
que determinou a descentralização do ensino, passando para as províncias a
responsabilidade pela instrução, isso fez com que houvesse uma omissão da parte dos
Poderes Geral e Provincial, com a instrução, pois as províncias recém formadas não

65
Em 1853, o Paraná foi elevado da categoria de 5ª Comarca da Província de São Paulo à categoria de
Província,65 sendo a cidade de Curitiba definida como sua capital. Pelo decreto N.704, de 29 de agosto de
1853 o Paraná foi desmembrado da Província de São Paulo. (Nascimento, 2004, p.2)

299
300

tinham recursos para arcar com a responsabilidade de criar e manter as escolas de


acordo com as suas necessidades.
Nos discursos políticos, a escola passou a ser enaltecida como força propulsora
do progresso do país, que deveria formar os cidadãos republicanos, dar noção dos
conhecimentos elementares da escrita, leitura, cálculo e princípios morais e cívicos que
os habilitassem para industrialização que iniciava no país.
A defesa da escola pública nos relatórios dos Inspetores Gerais era freqüente,
bem como, os pedidos para criação de grupos escolares preparados para atender as
crianças com espaços adequados, diferentes dos que existiam, que eram pequenas salas
de aula, sem ventilação, luz apropriada e sem mobiliário.

Criação dos Grupos Escolares

O surgimento dos grupos escolares nos Campos Gerais no Paraná estava


relacionado ao projeto republicano de educação popular. No ideário liberal dos
Republicanos Paranaense a instrução tinha um lugar de destaque, compreendido como
instrumento indispensável para consolidação da república.
O esforço de expandir o ensino elementar estava centrado na expansão
quantitativa, com a ampliação do número de matrículas. Essa foi a direção norteadora
das políticas educacionais não só nos Campos Gerais, como em todo país, durante a
Primeira República.
Seguindo as orientações dos princípios liberais, já na primeira Constituição
republicana do Estado: ensino livre, público, laico, obrigatório, científico, com a
finalidade precípua de formação do cidadão republicano- formação, sobretudo, moral,
cívica e intelectual.
O atendimento do ensino elementar das camadas populares, era feito, através da
atuação da escola pública nos grupos escolares que se organizavam nos centros urbanos
e das escolas urbanas, suburbanas ou rurais – e das escolas noturnas.
Os inspetores defendiam que os grupos escolares deveriam ser criados e só
assim “(...) uma medida (...) mais metódica, radical e consentânea com os modernos

300
301

planos pedagógicos (...), do que as pequenas escolas isoladas, derivadas das antigas
cadeiras de instrução primária” (Relatório, Prof. Cezar Martinez, 1908, p.62).
Os grupos escolares representavam para os republicanos um avanço no ensino, à
medida que traziam, para um prédio único, classes isoladas, com a direção de um
professor habilitado na Escola Normal; a organização das classes passa a ser feita
segundo critérios de grau de adiantamento, com um professor para cada ano.
A criação dos grupos escolares representou uma medida econômica, pois, reunia
duas ou mais escolas que funcionavam na mesma localidade, com vários alunos, de
séries diferentes e uma equipe de trabalho. Todos num mesmo prédio, que reunia as
necessárias condições de capacidade e de higiene, constituindo uma organização
administrativa e didático-pedagógico. Cada grupo contava com uma equipe
administrativa, com um diretor, porteiro e serventes, que foram assim como os
professores, sendo selecionados por concurso público e por outro lado o controle seria
mais uniforme, não só da equipe de trabalho quanto da clientela a ser atendida.
As matrículas em escolas públicas do ensino primário eram obrigatórias para as
meninas de 7 a 12 anos de idade e os meninos de 7 a 14 anos. Exceto da
obrigatoriedade: as crianças que residiam a uma distância de mais de três quilômetros
da sede da escola urbana, suburbana ou rural mais próxima ou das localidades de
circuito da mais próxima escola ambulante.
No início século XX, foi inaugurado a primeira escola pública e estatal de Ponta
Grossa, denominada Grupo nº 2, criada pela Lei nº 1201 de 28 de março de 1912. O
grupo escolar recebeu o nome de "Casa Escolar Senador Correia66" surgiu da junção de
duas outras escolas isoladas67 localizadas no centro da cidade. Construída dentro dos
moldes de “modernidade e progresso”, possuía 5 salas de aula, uma sala da direção e
uma pequena sala para as demais atividades. A primeira Diretora da Escola foi a
professora Luzia Fernandes. O nome da Escola foi escolhido em homenagem a Manoel
Francisco Correia, homem que exerceu vários cargos públicos no Estado do Paraná,

66
O Colégio “Senador Correia” foi a única escola pública estatal durante os primeiros 15 anos do período
republicano.
67
“(...) uma, localizada na rua Engenheiro Schamber, que funcionava sob a direção da professora Sara
Santos;outra, localizada na rua Sant’Ana, denominada Escola Pública de Ponta Grossa, funcionava sob a
direção da professora Luzia Fernandes” ( Luporini, 1987, p.21).

301
302

inclusive o de Senador. Em virtude disso, foi considerado o Patrono da Escola:


"SENADOR CORREIA".
Do agrupamento de 4 a 10 escolas isoladas podia ser formado um grupo escolar.
E as classes seriam formadas em 1a, 2a.,3a.e 4a. anos do curso preliminar com um
número de 40 alunos por classe, com um professor para cada turma. No mesmo grupo
escolar poderia ter classes masculinas e femininas sem distinção do número de vagas
por sexos.
A formação de classes homogêneas, meninas e meninas estudando no mesmo
grupo escolar, tornou-se modelo a ser seguido no Estado, sendo considerado de
qualidade superior a educação oferecida nas escolas isoladas, que sobreviviam “(...) a
sombra dos grupos escolares nas cidades, nos bairros e nos campos” (Souza, 1998,
p.51). Os benefícios vinham primeiro para os grupos escolares e as escolas isoladas
sobreviviam com a sobra desses grupos centrais e da ajuda do pouco que a comunidade
possuía, pois em geral essas escolas estavam localizados em lugarejos. Consideradas de

(...) ordem inferior, mal instaladas, esquecidas, sem estímulos para a


existência proveitosa. A própria criança formou consigo esse padrão entre
aluno do grupo e aluno da escola, indispondo-se à freqüência desta última
por não saber que lhe é negada a matrícula entre os meninos do Grupo
Escolar (Relatório do Inspector Municipal, Paulo Álvares Lobo, 1898
Apud. Souza, 1998).

Os grupos escolares se expandiram por todo Estado. Em 1916, existiam dez


grupos escolares e aproximadamente cinco escolas isoladas. Em Ponta Grossa nas duas
primeiras décadas do século XX, foram inauguradas “(...) nada menos de 28
estabelecimentos de ensino, contados os estaduais, municipais e particulares(...) A
população escolar deve ser de 10000 para cima” (Victor, 1996, p.221).
Em 1922, de acordo com as estatísticas escolares, as escolas mantidas pelo
Estado do Paraná eram freqüentadas por 25.689 alunos, dos quais 13.260 do sexo
masculino e 12429 do sexo feminino. Com relação às escolas isoladas, as matrículas
chegaram a 17.616 alunos e nos grupos escolares regimentais e escolas para operário
atingiram 12.379 alunos. Considerando que algumas escolas permaneciam fechadas por
falta de professores, a república até então conseguiu atingir um número de 27.000
alunos.

302
303

Os grupos da capital do Estado e do interior apresentavam em 1924, os seguintes


números:

Grupos Escolares da capital do Paraná

GRUPOS ESCOLARES DA CAPITAL ALUNOS


Grupo Escolar Dr Xavier da Silva 671
Grupo Escolar 19 de Dezembro 339
Grupo Escolar Tiradentes 251
Grupo Escolar Iliveira Bello 256
Grupo Escolar Annexo 220
Grupo Escolar Professor Cleto 150
Grupo Escolar Rio Branco 277
Grupo Escolar Professor Brandão 194
Grupo Escolar Cons. Zacharias 204
Grupo Escolar Cruz Machado 166
Grupo Escolar Presidente Pedrosa 245
Jardim da Infância Maria de Miranda 154
Jardim da Infância Emilia Erichsen 87
Escola Intermediária de Ponta Grossa 77
TOTAL 3.291
Fonte: Revista O Ensino, num.3, anno1- Setembro de 1922

Grupos Escolares no Interior-PR

Grupos Escolares no Interior Alunos


Grupo Escolar de Ponta Grossa 476
Grupo Escolar de Paranaguá 344
Grupo Escolar de Castro 290
Grupo Escolar de Morretes 282
Grupo Escolar da Lapa 253
Grupo Escolar Rio Negro 246
Grupo Escolar Jaguariahyva 204
Grupo Escolar Campo Largo 196
Grupo Escolar Imbituva 190
Grupo Escolar São Matheus 177
Grupo Escolar Tibay 151
Grupo Escolar Jacarezinho 148
Grupo Escolar Antonina 144
Grupo Escolar U. da Vitória 141
Grupo Escolar Guarapuava 110
Grupo Escolar Palmeira 105
Grupo Escolar São José dos Pinhaes 96
Grupo Escolar Prudentópolis 49
Jardim da Infância de Ponta Grossa 70

303
304

Jardim da Infância de Paranaguá 59


Escola Intermediária de Ponta Grossa 41
Total 3.772
Fonte: Revista O Ensino, num.3, anno1, Setembro de 1922

Os alunos que freqüentavam os primeiros grupos escolares eram provenientes


de varias camadas sociais, com predominância dos filhos de imigrantes alemães, em
decorrência da grande campanha que se fazia na época contra a falta de nacionalismo
das colônias que mantinham as suas próprias escolas, utilizando a língua de origem.
Essa situação passou a ser considerado uma falta de nacionalidade. As escolas das
colônias eram fechadas quando visitadas pelos Inspetores, e detectava-se esta
situação.

Nas colônias extrangeiras e villas, onde a inspecção official determinou o


fechamento de escolas, por ser a nossa língua de todo desconhecida, quer
dos professores, quer dos alumnos, apezar destes terem nascidos aqui,
começa agora a reflectir-se a nova acção, apparecendo de tempos em
tempos um requerimento, no qual se pede autorisação para reabertura de
escolas. Nos exames de Dezembro para professores effectivos, hove
alguns candidatos, de nacionalidade polaca, que foram approvados com
excelentes notas e por isso tiveram ordem de poder abrir suas escolas, sob
a condição de todo o ensino ser ministrado em portuguez e figurar no
programma a História e a Geografia pátrias. (Jornal O Progresso,
11.01.1912).

Os grupos escolares foram unificados, em todo Estado, aumentando o


número de escolas para:

(...) 803 unidades escolares funccionaram durante o quatriennio


governamental que fundou a 25 de fevereiro deste anno, sendo 605
isoladas e 198 grupos, dos quaes 10 na Capital e 17 no interior, dos mais
importantes, incluindo quatro jardins de infância da Capital de Ponta
Grossa e Paranaguá. A matrícula foi de 36.893 alumnos. Houve um
augmento de 16 grupos em relação ao anno de 1919 (Jornal O Progresso,
06.08.1924).

O sucesso da escola pública, divulgado pela impressa escrita era


atribuído à:

a) Uniformidade de livros escolares.

304
305

b) Esplendidos horários para Grupos e escolas isoladas


c) Optimos programmas para o curso primário
d) Efficiente fiscalização de ensino
f) Reforma do ensino nos grupos e escolas isoladas. Novos e modernos
methodos.
g) Suppressão da auctoridade escolares na direcção dos Grupos Escolares.
h)Regular e efficiente fornecimento de material escolar.
i) Fundação de Caixas Escolares em innumeras localidades.
j)Elevação considerável da matricula e promoção de alumnos no final de
anno, com o novo caracter que se imprimiu ao Estado Público
k) Fabricação de carteiras e mobiliário escolar, econômica, dentro do
próprio Estado.
j) Superioridade de ensino
l)Superioridade de ensino ministrado nas escolas publicas, o que levou a
diminuir consideravelmente a matricula das escolas particulares.
m) Diffusão do ensino nos campos.
n) Economia administração da verba destinada à Instrucção Pública
(Relatório do Prof. Cezar Martinez, 1924).

Embora a educação para o povo fosse o alvo nos discursos dos republicanos
e, mesmo considerando a abertura dos grupos escolares e o atendimento de uma
importante parcela da população do Estado do Paraná. No entanto, não conseguia
atender a real demanda por educação escolar.
Os interesses de pobres e ricos, é evidente, não são os mesmos; mesmo que
presumíssemos que são iguais, era pouco provável que as condições oferecidas pelo
Estado Republicano fossem suficientes para acabar com analfabetismo e muito
menos atender aos alunos em idade escolar que precisavam da instrução pública.
A democratização do ensino através da expansão das escolas era um avanço
inicial estabelecido como forma de transformação política no país. Para controlar os
problemas sociais e para manter a unidade em torno do ideal republicano no Estado
era preciso oferecer a abertura de escolas, como sinônimo de atendimento aos
reclamos das classes que iriam mantê-los no poder.

Referências bibliográficas

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JORNAL Diário dos Campos, N.705, Anno VI.

JORNAL O Progresso, Anno V, n. 510 ,11.01.1912, Casa da Memória Ponta Grossa.

305
306

JORNAL O Progresso. A Instrucção no Paraná. 6.8.1924. Casa da Memória-Ponta


Grossa.

LINHARES, Temístocles. (1954). Paraná Vivo. Um retrato sem retoques Curitiba:


Imprensa Oficial.

LUPORINI, Teresa Jussara. (1987). Escola estadual Senador Correa: pioneira da


instrução pública em Ponta Grossa. Ponta Grossa: Editora da UEPG.

MARTINS, Romário. (1969). História do Paraná. Curitiba: Editora Guairá Ltda, 3a. ed.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. (1993). A Ideologia Alemã (I – Feuerbach). Tradução: José
Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira , São Paulo: Hucitec, 9ª ed.

NASCIMENTO, Maria Isabel Moura. (2004) A Primeira Escola de Professores dos


Campos Gerais – PR. Tese de Doutorado em Educação, UNICAMP - Faculdade de
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PARANÁ, Governo do Estado, 1901,vol. 5 Arquivo Público de Curitiba.

PARANÁ. Presidente da Província. Relatório apresentado por Adolpho Lamenha Lins à


Assembléia Legislativa do Paraná no dia 15 de fevereiro de 1876. Curityba: Typ.

PARANÁ. Presidente do Estado Paraná. 08.02.1912.

RELATÓRIO, Zacarias Góes de Vasconcellos, 15.07.1854.

RELATÓRIO, Prof. Cezar Martinez.. Arquivo Público de Curitiba, 1908.

RELATÓRIO do Cezar Martinez. Jornal O Progresso 20.08.1924, NUM 3.698, Anno


XVIII)

RELATÓRIO Lusimaco. Arquivo Público de Curitiba, 1924.

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SOUZA, Rosa Fátima de. (1998). Templos de Civilização: A Implantação da Escola


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VICTOR, Nestor. (1996). A terra do futuro. Farol do Saber. Paraná: Curitiba

WACHOWICZ, Ruy Chistovam. (2002). As escolas da colonização polonesas no


Brasil. Curitiba: Champanat.

306
307

VITRINES DA REPÚBLICA:
OS GRUPOS ESCOLARES EM SANTA CATARINA (1889–1930) 68

Vera Lucia Gaspar da Silva69

Na concepção dos Grupos Escolares estão refletidas características políticas,


legais e administrativas que se materializam numa estrutura técnico-pedagógica. Nos
documentos que normatizam a escola primária dos primeiros anos do século XX, uma
recomendação é constante: não se deveria “perder opportunidade para imprimir no
espírito dos alumnos o amor ao trabalho, à ordem, ao asseio”. Estavam dados aqui os
primeiros traços que sustentariam o desenho de um tipo de escola primária que se
tornaria referência para as demais: os grupos escolares.
Em Santa Catarina, a racionalização do ensino, através de agrupamentos e
supressão de escolas, pautada nos princípios já enunciados – trabalho, ordem e asseio –,
data de finais do século XIX. Lei de 190170, por exemplo, autoriza o Poder Executivo a
suprimir as escolas de instrução primária ou cursos de instrução secundária em que não
se verificasse o número legal de freqüência. Autoriza-o também a transformar em
mistas as escolas que julgasse conveniente. Iniciava-se assim a primeira ordenação do
ensino do período republicano. Embora a literatura da área indique a reforma autorizada
em 191071 como marco na criação dos grupos escolares neste estado, um texto de 1904
já se referia a eles, sugerindo a intenção de criá-los desde os primeiros anos do século
XX. A Reforma da Instrução Pública do Estado, de 1904, refere-se a municípios onde já
estivessem instalados os grupos escolares, informando (no item XXIX) que:

para a direcção do primeiro grupo escolar fundado no Estado é facultado


ao Governo contractar temporariamente os serviços de um director de
estabelecimento idêntico da Capital Federal ou Estado de S. Paulo,

68
Texto revisado por Juarez Segalin.
69
Professora do Centro de Ciências da Educação – Faed -, da Universidade do Estado de Santa Catarina –
Udesc. Doutora em Educação (História da Educação e Historiografia) pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo – Feusp. E-mail: gaspar@zipmail.com.br
70
Fonte: Lei n.516, de 30 de agosto de 1901.
71
Fonte: Lei n. 846, de 11 de outubro de 1910, efetivada pelo Decreto n. 585, de 19 de abril de 1911.

307
308

mediante acquiescencia e indicação do governo da circumscripção


preferida72.

Esta mesma lei registra um projeto de escolarização para o estado, o de substituir


gradualmente as “escolas singulares” por grupos escolares. Também menciona a
intenção do aproveitamento de professores já formados pela Escola Normal como
diretores dos grupos escolares. A lei, como sinal da evolução que se firma, sinaliza a
unidade que marcava os dois projetos: o dos grupos escolares e o das escolas normais73.
Estas últimas eram referidas e contempladas nas reformas como lócus de formação do
professorado que seria responsável pela escolarização da população. Aliás, a criação dos
grupos escolares deu novo fôlego a esta categoria, que seria a responsável por
materializar um projeto tão caro ao governo.
A articulação da formação profissional, através da Escola Normal, com o que se
desejava ver veiculado nas escolas primárias e, por extensão, nos grupos escolares, pode
ser vista na decisão estadual de tornar obrigatório na formação o ensino da língua alemã
e da italiana, necessário, segundo o decreto, “aos professores no próprio interesse do
ensino da língua vernácula em regiões do Estado, cuja população somente conhece
aquelles idiomas”74. A professora Inês75 recorda-se de alguns conflitos motivados pelas
“diferentes origens”. Segundo ela, todos freqüentavam as mesmas festas, rezavam
juntos, estudavam juntos, mas, na hora do patriotismo, os conflitos afloravam.

Havia briga mesmo, feia. Posso até dar o argumento que o pequeno
alemão tinha para nos enfrentar, porque nós queríamos que eles se
dissessem brasileiros; muitas vezes só o tataravô era alemão. Então, eles
argumentavam: se uma vaca tem um filhote no estábulo do cavalo, ele
não é cavalo, ele é bezerro. Se uma gata tem filhotinhos num forno, eles
não são biscoitos (...) (1994, p. 3).

72
Fonte: Lei n. 636, de 12 de setembro de 1904.
73
Por exemplo, o Decreto n. 587, de 22 de abril de 1911, aprova e manda observar programa de ensino
para Grupos Escolares e Escolas Isoladas. No mesmo dia aprova-se o Regimento Interno para os Grupos
Escolares (Decreto n. 588, de 22 de abril de 1911), seguindo-se, uma semana mais tarde, a aprovação do
novo Regulamento da Escola Normal (Decreto n. 593, de 30 de maio de 1911).
74
Fonte: Decreto n. 1.945, de 4 de março de 1926.
75
Professora Inês Veiga Haas. Entrevista concedida a Ana Maria de Brito Gouvêa, vinculada ao projeto
“Resgate da História e da Cultura Material da Escola Catarinense - Museu da Escola Catarinense”,
coordenado pela professora Maria da Graça Machado Vandresen; Florianópolis, 25 de março de 1994
(Entrevista disponível no Acervo de História Oral do Museu da Escola Catarinense).

308
309

Na primeira década do século XX, o governador de Santa Catarina, Gustavo


Richard (1906-1910), tido comoconsiderado um republicano ardente, busca
implementar algumas ações afinadas com o desenho daquilo que vinha sendo construído
nos estados de São Paulo e Minas Gerais, tidos, neste período, como referência de
modernidade (principalmente o primeiro) em termos de ensino.
Já em 1907:

O Governador do Estado poderá cada anno commissionar um professor


publico que exerça o magisterio ha dous annos, pelo menos, para em
qualquer dos Estados da Republica, onde a instrucção lhe pareça melhor
orientada estudar os methodos de ensino e organisação que melhor se
prestem ao nosso meio. (...)
O commissonado terá licença com todos os vencimentos e passagens de
ida e volta.76

Por esta mesma lei, ficou o governador Gustavo Richard autorizado a contratar,
para lecionar na Escola Normal e reorganizar o respectivo curso, um professor de
comprovada competência no exercício do magistério, em alguns dos estados em que a
instrução tivesse “conseguido mais adiantamento”. Atos posteriores indicam que São
Paulo se efetivou como estado de referência. A contratação de um educador
disponibilizado pelo governo paulista selaria esta intenção. Contratado inicialmente para
dirigir o Colégio Municipal de Joinville (1907-1909), o educador Orestes Guimarães
seduz figuras públicas importantes e o sucessor no comando do estado. O governador
Vidal Ramos alça-o à condição de Inspetor Geral da Instrução Pública em 1910. Nesta
condição, seus poderes e influência foram espraiados da esfera municipal para atingir
todo o estado. Como relembra à professora Inês, “no tempo de Vidal Ramos ele
conseguiu de São Paulo um educador de muito valor: Orestes Guimarães. Foi ele quem
estabeleceu tudo sobre educação (...) dali por diante tudo estava documentado: as
escolas com seu regimento interno, com seu programa (...)” (1994, p. 14).
Através das leis que fixam as despesas e orçam as receitas anuais do poder
público, é possível reconhecer a alocação de verbas para a construção de prédios
escolares desde os primeiros anos do século XX, mas é em 1908 que um ato legal trata
claramente do fechamento de seis escolas públicas da capital e da criação de dois grupos

76
Fonte: Lei 765, de 17 de setembro de 1907.

309
310

escolares. Sancionada pelo coronel Gustavo Richard, governador do estado, a lei prevê
a construção de “dous edifícios especiaes que satisfaçam a todas as condições
hygienicas e que tenham a necessária capacidade de conter o numero de alumnos das
escolas supprimidas”77. Estes prédios foram estrategicamente criados em pontos de
grande visibilidade social, cravando no imaginário uma idéia de escola que não
alcançou um conjunto mais geral da população, mas teve força para seduzi-la. Estas
instituições sociais funcionaram como vitrines, mas expunham um produto que não
estava à venda; deveria ser reverenciado, admirado, mas estava disponível para poucos.
A criação dos grupos escolares integra o projeto republicano catarinense de
“reinvenção das cidades”, as quais deveriam se adequar aos padrões de urbanidade dos
grandes centros, ou dos centros que encarnassem de forma mais visível os padrões
urbanos de modernidade. Sua localização geográfica oferece indicativos de que estes
não atendiam um conjunto alargado da população, mas serviam como símbolos
importantes que demarcavam força política, registravam ação governamental e
disseminavam um ideal de escola que prometia o alcance do progresso, a modernidade,
a redenção. Quem sentasse em seus bancos teria um lugar “assegurado” na tessitura
social. Cabe lembrar que, nos primeiros anos do século passado, a população vizinha
dos grupos escolares era formada, em boa parte, pelos estratos médios e pela elite local.
Lembremo-nos de que o reordenamento urbano do qual os grupos escolares faziam
parte era composto também de projetos de assepsia das partes centrais das cidades.
Neste processo, os pobres e os marginais eram cuidadosamente removidos para não
perturbar a paisagem urbana.
Para além de uma reordenação de espaços, este projeto necessitava de homens
com as competências necessárias para ocupá-los. Observe-se que as competências que a
escola deveria inscrever nos corpos e mentes dos “novos” cidadãos – que aqui,
defendia-se, deveriam ser cunhados sob o espírito republicano –, não estão distantes
daqueles encampados por projetos estatais abrigados sob outras formas de regime
político (o caso português é aqui um bom exemplo).
Estas modernas instituições foram projetadas de forma a abrigar com maestria os
pressupostos do método intuitivo, ou lição das coisas, que primava por um ensino que

77
Fonte: Lei n. 780, de 22 de agosto de 1908.

310
311

partisse do simples para o complexo, do concreto para o abstrato, do particular para o


geral, da síntese para a análise, enfim, um conjunto de procedimentos que se julgava
mais afinado com as necessidades da época, particularmente a necessidade de
instrumentalizar desde a infância o homem que o Estado – ancorado num pretenso
espírito republicano – desejava ver circulando pelas cidades e compondo seus quadros
administrativos e políticos, que se ampliavam de forma ímpar numa reorganização da
máquina pública “liberta” pela proclamação da República. Não é de se estranhar que a
elite política e administrativa do estado catarinense tenha sentado nos bancos dos grupos
escolares. Estas escolas congregavam o que, em termos de ensino, havia de melhor à
época. Para funcionar “sob o manto” do novo método – o intuitivo ou lição das coisas –
estas instituições deveriam dispor – e parece que dispunham de fato – de um conjunto
de recursos didático-pedagógicos que se distinguiam daqueles disponibilizados ao
conjunto mais alargado da população que freqüentava as outras escolas públicas. Os
grupos escolares

foram aquinhoados com laboratórios e museus, além de uma imensa


quantidade de materiais, tal como globo terrestre, esqueleto humano,
cartas de Parker, mapas, caixas de formas geométricas, quadros de
história do Brasil e de História Natural, tabuleiros de areia, contadores
mecânicos, microscópios, tabuinhas, cartas de alfabeto, compassos,
coleção para desenho, ardósias, máquinas de costura, cadernos de
caligrafia e de aritmética, etc., adquiridos em São Paulo, no Rio e, alguns,
no próprio Estado (Teive 2003, p. 247).

Os primeiros anos do século XX marcam, em Santa Catarina, um período no


qual os governantes buscaram diminuir distâncias entre os discursos sobre a educação e
sua materialidade. Uma série de ações – muitas de fachada, é necessário lembrar – foi
empreendida na busca da concretização deste intento. Uma lei de 190478 acenava com
subvenções estaduais às iniciativas municipais que organizassem escolas nos moldes
dos grupos escolares, modelo já presente na retórica governamental como sinônimo de
modernidade e progresso. O município de Joinville, importante foco de colonização
alemã situado a norte do estado, foi pioneiro, iniciando seu intento com o “Collegio
Municipal de Joinville”. Para organizá-lo e dirigi-lo, o governo catarinense recorreu ao

78
Lei n. 636, de 12 de setembro de 1904.

311
312

governo paulista, que colocaria à disposição deste estado o professor Orestes de


Oliveira Guimarães, contratado até 1909.

Nascido na cidade de Taubaté, a 27 de fevereiro de 1871, ele formou-se


professor pela Escola Normal da Capital naquele Estado, aos 18 anos.
Iniciou o magistério em uma escola rural em Quiririm, na região de
Taubaté. Foi diretor do Grupo Escolar ‘Dr. Lopes Chaves’ instalado em
1º de setembro de 1896 nesta cidade. Instalou – isto é, organizou – e
dirigiu Grupos Escolares do ensino público paulista. Era, portanto, um
profissional da confiança da Diretoria da Instrução Pública daquele
Estado – um quadro técnico e burocrático – experiente e familiarizado
com as diretrizes do ensino primário de seu Estado, quando foi designado
para dirigir o Colégio Municipal de Joinville em 1907 (Nóbrega 2003, p.
261).

A atuação de Orestes Guimarães à frente do Collegio Municipal de Joinville


garantiu-lhe prestígio suficiente para que a escolha do reformador do ensino estadual
recaísse sobre seu nome. Além de suas competências técnicas, suas articulações
políticas pesaram na escolha, apesar do descontentamento de parte significativa da elite
política catarinense, que via no cargo de Inspetor Geral da Instrução Pública um espaço
precioso de ampliação de poder, seja na esfera do poder político-administrativo, seja nas
bases de sustentação.
A reforma da instrução catarinense autorizada em 1910 e levada a efeito em
1911 sob o comando de Orestes Guimarães é tida como a mais importante reforma do
ensino deste estado, considerando-se aquelas empreendidas ao longo do século. Não
causa surpresa a constatação de que o primeiro grupo escolar catarinense tenha como
origem o Collegio Municipal de Joinville, o qual, após reformas para adaptação, foi
reinaugurado em 15 de novembro de 1911 com o nome de Grupo Escolar Conselheiro
Mafra. O segundo grupo escolar do estado foi inaugurado em 10 de dezembro de 1912,
na cidade de Laguna, localizada no litoral sul, e recebeu o nome de Jerônimo Coelho.
No mesmo ano, no dia 24 de dezembro, a capital recebe festivamente o seu primeiro
grupo escolar, com o nome de Lauro Muller. No ano seguinte, em 20 de maio, foi a vez
do planalto serrano – berço de parte significativa da oligarquia política estadual –
inaugurar seu grupo escolar que, não por acaso, recebeu o nome de Vidal Ramos, o
governador da época. O próximo a ser inaugurado foi o Grupo Escolar Silveira de
Souza, em 28 de setembro de 1913, situado na capital. Seguiu-se a inauguração, em 4 de

312
313

dezembro de 1913, do Grupo Escolar Victor Meirelles, situado na cidade de Itajaí,


litoral norte do estado. O Grupo Escolar Luiz Delfino, de Blumenau, abriu suas portas
em 30 de dezembro de 1913. Nos sete “templos da modernidade” foram inscritos nomes
de pessoas influentes no cenário político e eles foram inaugurados com grande pompa.
A professora Maria dos Passos se recorda que diretores de grupos de São Paulo vieram
inaugurar o Grupo Escolar Silveira de Sousa; eram eles, Arlindo Rocha (ela hesita
quanto ao sobrenome) e Dona Cacilda (provavelmente a esposa de Orestes Guimarães).

Linda mulher, educadíssima. (...) Eles é que fizeram a inauguração, uma


inauguração linda, linda, assistida pelo governador do Estado e tudo. O
governador da época era o Hercílio Luz. O Grupo Escolar Silveira de
Sousa era muito bonito, muito, muito bonito!!! (1999, p. 10).

Para dirigir estas instituições, o governo estava autorizado a contratar


professores de outros estados, tendo-se aberto crédito especial para concretizar esta
tarefa79. À criação dos grupos segue-se uma série de atos que vão dar-lhes
materialidade, como o de nomear diretores e professores. Acompanhando-os, observa-se
que cada posto foi cuidadosamente ocupado. Em Lages, por exemplo, a direção do
grupo escolar foi atribuída ao inspetor escolar Dr. Antonio Selistre de Campos. Uma
série de nomeações sugere os contornos de um mapa bastante engenhoso, que desloca
professores considerados “eficientes” para atuarem como docentes nos recém-criados
grupos escolares, como se pode ver em documento de 1920, que exonera dos cargos
vários normalistas lotados em diversas escolas, de diferentes municípios do estado, e os
nomeia para exercerem atividade no Grupo Escolar Hercílio Luz, criado na cidade de
Tubarão, ao sul do território catarinense80. O governo parecia disposto a investir muito
de suas energias para não ver fracassado este projeto, que, mais que escolarizar a
população, alimentava sonhos, o sonho de ascensão social, de alcance da modernidade,
de inserção no mundo das luzes.
Em 191481, a instrução pública catarinense é novamente alvo de revisão. Com
este ato, estabelece-se a graduação do ensino estadual pelo modo abaixo:

79
Fonte: Lei n. 942, de 30 de agosto de 1912.
80
Fonte: Resolução n. 2.169, de 1 de junho de 1920.
81
Revisão autorizada pela Lei nº 967, de 22 de agosto de 1913, e levada a efeito pelo Decreto nº 796, de 2
de maio de 1914.

313
314

Primeiro – nas escolas isoladas, tres annos de curso, alumnos com


direito à matricula no ultimo anno do curso dos grupos escolares
(Decreto 585, de 19 de Abril de 1911);
Segundo – nos grupos escolares, sequencia das escolas isoladas, quatro
annos de curso, alumnos com direito á matricula no 1º anno das escolas
complementares, annexas aos grupos escolares (Decreto 587 de 22 de
Abril de 1911);
Terceiro – nas escolas complementares, sequencia dos grupos escolares,
annexas aos grupos escolares, funccionando em desdobramento dos
mesmos, quatro professores, cada um leccionando determinadas matérias,
metade do custeio cabendo ao Estado, metade às respectivas Camaras
Municipaes, não profissionaes, fim: - levantar o nível do ensino.
Nota: - Todavia os alumnos complementaristas têm o direito à matricula
no 3º anno da Escola Normal, onde repetem diversas materias do curso
complementar e estudam princípios de pedagogia e psychologia,
applicados ao ensino. (Decreto 604 de 11 de Julho de 1911);
Quarto – na Escola Normal, desenvolvimento dos programmas das
escolas complementares, acrescendo literatura da língua, princípios de
psychologia e pedagogia, phisica e chimica (Decreto 593 de 30 de Maio
de 1911).

Esta organização do ensino recupera e ordena pontos já presentes na Reforma da


Instrução Pública de 1911.
Em 1914, texto que aprova e manda observar nova versão do Regimento Interno
dos Grupos Escolares82 define que estes “têm por fim ministrar a educação e instrucção,
conforme o programma approvado pelo Governo”. Os diretores e professores estariam
obrigados a cumprir o programa em toda a sua “inteireza, não sendo permitido
supprimir partes, saltear ou inverter a ordem em que se acharem as partes”83. Vê-se que
a função da escola não se restringia à socialização de conhecimentos, o que se abrigaria
sob seu caráter “instrutivo”, mas que esta deveria ser também uma instância promotora
da educação.
Em 1915, o governo continua organizando suas ações no sentido de levar adiante
o projeto dos grupos escolares. As disposições sobre a instrução pública são
encaminhadas de forma a agrupar e suprimir escolas em função da densidade
populacional. As escolas agrupadas foram denominadas Escolas Reunidas, ficando
previsto que suas instalações físicas deveriam comportar a possibilidade de serem

82
Revisão autorizada pela Lei n. 967, de 22 de agosto de 1913, e aprovada pelo Decreto n. 795, de 2 de
maio de 1914.

314
315

transformadas em grupos escolares84. Para a manutenção destes grupos estavam


previstas “verbas de expediente”, as quais seriam adiantadas aos diretores que fariam,
após o uso, a prestação de contas de acordo com as prescrições do regimento.
Manter a estrutura demandada para os grupos escolares era tarefa dispendiosa,
particularmente para um estado que já se endividara com empréstimos externos para a
construção dos prédios que os abrigariam. Uma das saídas para a busca de recursos foi a
criação da Caixa Escolar, uma forma engenhosa de envolver parte da sociedade e fazê-
la contribuir direta e financeiramente neste projeto, sem revelar o quadro de fragilidade
financeira. Como recorda a professora Inês:

Com a Caixa Escolar nos dávamos uniformes para os meninos e para as


meninas. Era uma calça e duas blusas, uma saia e duas blusas. Eu ia com
algumas colegas para as empresas de Blumenau comprar peças de pano
azul marinho e branco. Justiça seja feita aos alemães, eles ajudavam a
educação com a maior alegria possível, como se fosse obrigação deles
(...) nós temos obrigação de ajudar o governo na educação (1994, p. 25).

A sociedade civil denominada Caixa Escolar tinha por função:

§ 1. – fornecimento de vestuário e calçado aos alumnos indigentes;


§ 2. – assistência medica e fornecimento de livros, papel, penna e tinta
aos mesmos alumnos;
3. – acquisição de livros, estojos, medalhas, brinquedos, etc. para serem
distribuídos, como prêmios, aos alumnos mais assíduos, mais applicados
ou de maior mérito;
§ 4. – fornecimento de lanches aos alumnos pobres.85

A receita e o patrimônio da Caixa Escolar viriam de jóias e subvenções pagas


pelos sócios, produtos de quermesses, festas, espetáculos etc., e auxílios votados pelas
câmaras municipais. O pagamento da jóia foi tornado facultativo pouco depois de
aprovado, tendo em vista as reclamações que chegaram ao governador contra este
pagamento. Sociedades idênticas foram estabelecidas junto às escolas isoladas. Outro
expediente adotado para auxiliar na difusão e consolidação da instrução pública
primária deu-se com a instituição da taxa de diversões, correspondente a 10%, cobrados

83
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795, de 2 de maio de 1914.
84
Fonte: Lei n. 1.044, de 14 de setembro de 1915.
85
Fonte: Lei n. 1.130, de 28 de setembro de 1916.

315
316

em selo adesivo comum sobre o valor de cada bilhete de ingresso em casa de


espetáculos ou diversões pagas86. Ainda, para auxiliar, com seus rendimentos, as
despesas de instrução primária nas zonas rurais foi criado em 1921 o Fundo Escolar.
Este fundo seria constituído, entre outros, pelo rendimento de metade da taxa de
diversões, pelos descontos sofridos, por qualquer motivo, pelos funcionários da
instrução pública, e pelo produto de multas aplicadas a professores ou responsáveis por
alunos devido a infrações de leis do ensino87.
Valorizada nos discursos a freqüência a estas instituições, construídas em pontos
estratégicos de forma a compor a paisagem urbana das cidades que se buscava
modernizar, assim como às escolas em geral, não era consenso entre a população;
gerava resistência e exigia o uso da força – discursiva, policial, material, simbólica –
para assegurar um nível de freqüência que impedisse o naufrágio de uma iniciativa tão
cara aos cofres públicos. Como recordou a professora Aurora88: “Nós íamos no meio
daquele mato procurar alunos que estavam escondidos” (1994, p. 6).
Para levar adiante o seu projeto, o governo lançou mão do endividamento
externo. Empréstimos para a construção de prédios escolares foram contraídos junto às
casas bancárias inglesas Emile Erlanger & C. e Dunn Fischer & C., em 1909 e 1911.

(...) gastou-se praticamente o dobro com o pagamento do serviço da


dívida do que foi gasto com a construção dos Grupos no período 1911–
1914. Assim, o endividamento externo cedo se mostrou um equívoco,
sendo fator de grande desequilíbrio nas contas do governo, o que não
impediu que em 1919 novo empréstimo fosse contraído (Nóbrega 2003,
p. 273).

Ainda segundo este autor:

A organização da “escola moderna” pública, representada no Brasil pelo


Grupo Escolar, apoiava-se nos itens seguintes: Prédio Escolar, Mobília
Escolar, Material Escolar, Livros Didáticos, Disciplina, Ensino e

86
Fonte: Lei n. 1.207, de 21 de outubro de 1918.
87
Fonte: Lei n. 1.380, de 21 de setembro de 1921.
88
Professora Aurora Piazza de Mello. Entrevista concedida a Ana Maria de Brito Gouvêa, vinculada ao
projeto “Resgate da História e da Cultura Material da Escola Catarinense - Museu da Escola
Catarinense”, coordenado pela professora Maria da Graça Machado Vandresen, Florianópolis, 25 de
março de 1994 (Entrevista disponível no Acervo de História Oral do Museu da Escola Catarinense).

316
317

Programa. O ordenamento adequado de todos eles garantiria uma escola


primária eficaz e de qualidade (Nóbrega 2003, p. 267).

Organização do espaço e do tempo escolar

A construção dos edifícios que abrigariam os grupos escolares deveria ocupar


mais ou menos a parte central da cidade, com localização e orientação que garantissem
aos alunos ar puro e salubre, bastante luz, com paredes sobre as quais incidissem
diretamente os raios solares, com “aspecto risonho, porem, modesto, sóbrio e sem
ornamentos, cornijas etc.”; com ajardinamento na frente e arborização nas áreas dos
recreios. Como relembra a professora Inês, “eles eram feitos mais ou menos com a
mesma planta: o pavilhão, o jardinzinho interno, os pátios e um muro separando a parte
masculina da parte feminina” (1994, p. 5). Confirmando o que registra a memória da
professora, nestes prédios uma das alas seria destinada “à secção masculina e a outra à
secção feminina”, assim mesmo, em negrito. Como recorda a professora Ada, “naquela
época tinha sala de aula só para meninos e sala de aula só para meninas. Nos pátios
também eram separados; num os meninos e no outro as meninas” (1994, p. 4). A
professora Maria dos Passos89 é outra que recorda que no Grupo Escolar Silveira de
Sousa os galpões eram “separados com um muro: secção feminina e secção masculina”
(1999, p. 4). Cada “secção” deveria constar de quatro salões amplos, ventilados, no
mínimo de 9m x 7m x 5m. Além destes cômodos, cada grupo escolar deveria ter: um
gabinete para o museu escolar; um gabinete para o diretor; um cômodo para a portaria;
um galpão de abrigo para cada “secção”; em cada um deveriam ser instaladas privadas
higiênicas, lavatórios e mictório no da “secção” masculina; pátios arborizados para os
recreios de cada “secção”90. A determinação de que os recreios das secções (para
meninos e meninas) deveriam acontecer “inteiramente” separados é clara. Vê-se uma
estrutura arquitetônica projetada para educar desde suas paredes.

89
Professora Maria dos Passos Oliveira (Dona Passinha). Entrevista concedida a Ana Maria de Brito
Gouvêa e Vera Lucia Gaspar da Silva, vinculada ao projeto “Resgate da História e da Cultura Material da
Escola Catarinense - Museu da Escola Catarinense”, coordenado pela professora Maria da Graça
Machado Vandresen; Florianópolis, 29 de julho de 1999 (Entrevista disponível no Acervo de História
Oral do Museu da Escola Catarinense).
90
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795, de 2 de maio de 1914.

317
318

As classes de meninas seriam regidas somente por professoras, já que estas


deveriam se ocupar também das aulas de “trabalhos de agulhas”; as dos meninos
poderiam ser regidas por docentes de ambos os sexos. Nestas classes deveriam existir
“carteiras hygienicas” em número suficiente à lotação (máximo de 50 alunos e mínimo
de 16); “dois quadros negros parietaes, sendo um delles (o do lado) para exercícios e o
outro (o do fundo da aula) para o lançamento das notas semanaes de applicação e
comportamento”; um armário de porta de vidro, para arrecadação do material dos
alunos; uma escrivaninha, com duas gavetas, para arrecadação do material de uso do
professor; um estrado; um relógio; um porta-canetas; um tinteiro duplo; lápis; penas e
uma pasta; um livro de chamada; um porta-mapas; uma cadeira para o professor e uma
ou duas para visitantes; um quadro de horário; junto de cada tinteiro das mesas dos
alunos deveria existir um “limpa-pennas”91.
As salas de aula deveriam ser construídas de forma a assegurar a cada aluno uma
área de mais ou menos 1,40 m de superfície e 6 a 7 m3 de ar por hora, com as paredes
internas caiadas de cor amarelada ou esverdeada, com barras pintadas a óleo. Os
aparelhos sanitários (dejectórios e mictórios) deveriam estar separados do edifício e
diariamente lavados e desinfetados. Nas salas de aula e nos corredores existiriam
escarradeiras, as quais deveriam ser lavadas, diariamente, com água fervendo. As
carteiras escolares seriam de tipo reconhecidamente aprovado pela higiene escolar. Os
quadros-negros, as carteiras e cadeiras individuais eram novidades pedagógicas que
entravam com pompa nos grupos escolares. Uma série de outros recursos didático-
pedagógicos conferia a estas instituições uma estética distintiva, se comparados aos de
outras escolas públicas. Uma estética que elevava o status dos grupos, que conquistava
um lugar de objeto de desejo. A ordenação espacial e didático-pedagógica era
“calculada” de forma a favorecer a formação de cidadãos quietos, atenciosos, que
tivessem no professor a autoridade – a referência maior, tudo isto ocupando um lugar
que primava pela assepsia, uma assepsia que deveria ocupar não só o espaço físico, mas
também os corpos e mentes.
Aos conteúdos, à maneira proposta para ensiná-los, à organização arquitetônica
junta-se uma série de prescrições quanto à maneira de portar-se na escola e de utilizá-la.

91
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.

318
319

Seu funcionamento é regrado nos mínimos detalhes: onde dispor os materiais, a quem
solicitar, como recuperá-los ou substituí-los. O diretor deveria fiscalizar pessoalmente,
zelando pelo patrimônio escolar e assegurando o cumprimento de prescrições como:
lavagem mensal dos compartimentos, a ser feita com panos molhados com água e
creolina, não sendo permitido o emprego de potassa por destruir o verniz dos móveis e o
óleo das barras; limpeza diária dos quadros negros após o término das aulas, não sendo
permitido o uso de sabão, potassa ou álcool, devendo apenas ser empregado pano
umedecido. A cada troca de diretor o demissionário deveria apresentar a seu substituto o
inventário do estabelecimento.
Organizado o espaço, as prescrições passam à organização do tempo escolar,
estabelecendo flexibilidade quanto ao horário de início dos trabalhos, que seriam
determinados pelos “hábitos locaes”. O curso dos grupos escolares estava previsto para
funcionar em quatro anos, tendo cada um oito classes, quatro para meninos e quatro
para meninas. Como analisa Rosa Fátima de Souza:

O emprego do tempo tornou-se um aspecto extremamente relevante para


a racionalização das atividades pedagógicas. Tratava-se de fixar a jornada
escolar – início e término das aulas –, estabelecer cadências, ritmos,
intervalos, descansos. Implicava os períodos de ocupação e descanso de
professores e alunos nos diversos momentos da aula e a fragmentação do
saber em matérias, unidades, lições e exercícios, reforçando mais os
aspectos que distinguiam uma matéria da outra do que daqueles que as
aproximavam. Procedia-se, ainda, à hierarquização de cada matéria, de
acordo com o espaço de tempo que lhe teria sido destinado (1998, p. 36).

O uso do tempo nas escolas revela alguns movimentos que sugerem uma
estruturação ao longo dos anos, bem como uma necessidade de integração das
atividades escolares com atividades familiares, nomeadamente as festas demarcadas no
calendário católico, como é o caso do Natal.

Considerando que a pratica tem demonstrado a necessidade de alterar a


actual época das férias dos grupos escolares, escolas complementares,
reunidas e isoladas, de maneira que os professores e alumnos desses
estabelecimentos de ensino possam gozar em uso de férias as festas
populares e tradiccionaes do natal;
Considerando que o prolongamento do anno lectivo até os últimos dias
do mez de Dezembro contraria os hábitos locaes, acarretando
difficuldades na realisação dos exames e festas escolares de fim de anno,

319
320

Decreta:
Art. 1. As férias para as escolas isoladas, grupos escolares e escolas
complementares e reunidas começarão a 15 de dezembro e terminarão a
15 de fevereiro.92

O ano letivo deveria ter início em 1º de março e terminaria a 31 de dezembro;


não haveria aulas nos domingos, no dia 24 de fevereiro; 21 de abril; 1º, 3 e 13 de maio;
11 de junho; 14 de julho; 7 de setembro; 12 de outubro; 2, 15 e 17 de novembro; 24, 25
e 26 de dezembro; nos dois dias de Carnaval; na Quinta, Sexta e Sábado da Semana
Santa e nos meses de janeiro e fevereiro93. As aulas não deveriam exceder a 40 minutos,
nem ter duração menor que 15 minutos, “salvo as aulas de recreação ou de
entretenimento – marchas, cantos, exercício calisthenicos, as quaes não deveriam
exceder a 10 minutos”94. Um recreio geral de meia hora dividiria as funções escolares
em dois períodos.
A permanência dos alunos na escola deveria ser controlada e, nos casos em que
adoecessem ou necessitassem se retirar antes de terminadas as aulas, o diretor
designaria o porteiro ou servente para acompanhá-los. Um controle que revela um
pouco da responsabilidade da escola frente aos alunos, bem como da vigilância que esta
exercia sobre seus passos. O controle estendia-se aos recreios que deveriam ser
fiscalizados pelos professores e praticantes, de acordo com uma escala organizada pelo
diretor. O “fiscal do dia” deveria permanecer no pátio do recreio “afim de encaminhar o
modo do mutuo tratamento entre alumnos, bem como para encaminhar as suas
diversões, ensinar-lhes jogos infantis adequados e prohibir correrias, empurrões,
palavras descortezes, algazarras”95. Nos pátios destinados aos recreios deveria existir
um lugar “conveniente”, escolhido pelo diretor, para os alunos privados deste intervalo,
em virtude de penas. Este espaço daria visibilidade à punição, que serviria de exemplo.
Ou seja, além de um espaço de recreação e descanso, o recreio servia também como

92
Fonte: Decreto n. 1.056, de 26 de outubro de 1917.
93
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.
94
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.
95
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795, de 2 de maio de 1914.

320
321

espaço de educação. A professora Ada96 se lembra de que este era um expediente de


repressão, utilizado quando o aluno não se comportava na sala de aula.
Considerava-se recreio todo o tempo que os alunos, coletivamente,
permanecessem nos pátios do estabelecimento, quer antes da entrada geral, quer no
período entre aulas. Os professores fiscais deveriam chegar na escola meia hora antes, a
fim de fiscalizarem os alunos antes da entrada geral, sendo estes os “directos
responsáveis pela boa ordem, disciplina e pelos accidentes que se dérem durante suas
fiscalizações”. “Tudo” o que os alunos faziam dentro do estabelecimento deveria ser
monitorado por profissionais da escola. A responsabilidade do fiscal cessaria com o
“toque de formar”, sinal que indicaria ao professor o momento de formar sua classe,
“com ordem, gosto e rapidez, dando em voz alta e clara as ordens de formatura”.97 A
ordenação do tempo era um importante dispositivo escolar. Segundo Norberto
Dallabrida:

Nos grupos escolares catarinenses procurava-se implementar o tempo


fabril, cronometrado pelo relógio mecânico. As aulas realizavam-se de
segunda–feira a sábado, no turno matutino, e deveriam oscilar entre 15 e
40 minutos e serem quebradas pelo “recreio geral” de meia hora. (...) O
tempo de recreio, o período em que os alunos permaneciam nos pátios –
antes da “entrada geral” e durante o “recreio geral” – e o tempo das aulas
eram bem marcados pelas “formaturas”. O Regimento Interno dos
Grupos Escolares prescrevia o “toque de silencio”, seguido do “toque de
formar”, quando cada professor deveria “formar a sua classe”. O artigo
166 dizia claramente: Os diretores e os professores se esforçarão a fim de
conseguirem formaturas rápidas, perfeitas, homogêneas, considerando
que a criança deve se habituar à ordem e à disciplina nas menores cousas
(2003, p. 295).

96
Professora Ada Bicochi Ramos. Entrevista concedida a Rosinei da Silveira, vinculada ao projeto
“Resgate da História e da Cultura Material da Escola Catarinense - Museu da Escola Catarinense”,
coordenado pela professora Maria da Graça Machado Vandresen,; Florianópolis, 29 de novembro de 1994
(Entrevista disponível no Acervo de História Oral do Museu da Escola Catarinense).
97
Nota do revisor mantida pela autora. “Como não lembrar o toque de formar, antes de entrar ou ao fim
dos recreios, um sinal de sineta, o aumentar da algazarra e a formação de filas, a drenagem de alumnos e
alumnas cada qual para sua própria fila distinta e formação de uma classe, com a professora que com
olhar severo e autoritário formava as filas duplas dos mais baixinhos aos grandalhões, a impedir
accidentes ou indisciplinas, e do impossível silêncio e o marchar, depois de hymnos ou avisos eventuaes
para uma classe particular ou pelo director quando fossem geraes, o marchar, dizia, na mesma ordem
estrictamente vigiada sob pena de chamadas ou cascudos, e a ordem na sala, cada um de pé ao lada da
carteira e de só sentar quando o último tivesse chegado e a professora postada no alto do estrado e à frente
do quadro negro de tamanho parietal ....” (Juarez Segalin, outono de 2004).

321
322

Do ingresso

A matrícula nos grupos escolares e escolas isoladas também foi objeto de


regulamentação, observando–se, pelo teor dos argumentos, certa contaminação de
pressupostos “importados” da Psicologia. Em texto de 1915 argumenta-se que:

(...) compete aos poderes públicos promoverem o desenvolvimento


physico das creanças matriculadas nas escolas primarias, quer publicas
quer particulares; ...entre as causas que concorrem para perturbar,
retardar ou mesmo impedir a esse desenvolvimento, a matrícula em idade
precoce é uma das principaes; a matrícula de creanças de idade inferior a
sete anos completos, pelos motivos acima referidos só deve ser permitida
em estabelecimentos que pelos seus methodos a isso se prestem, taes
como os denominados jardins de infância; [considera-se ainda] que a
creança só completa a sua primeira evolução physica aos sete annos.98

Com estes argumentos estabeleceu-se idade mínima de sete anos para a


matrícula nos grupos escolares e escolas isoladas, considerando-se com sete anos
completos as crianças para as quais faltassem até dois meses para completá-los. Exigir-
se-ia certidão de idade dos matriculandos sempre que estes, aos olhos dos diretores dos
grupos escolares e professores das escolas isoladas parecessem ter idade inferior à
exigida. Estas medidas foram extensivas às escolas e estabelecimentos particulares de
ensino primário. As autoridades escolares, durante as visitas, deveriam mandar eliminar
as crianças que estivessem fora destes critérios, repreendendo os responsáveis pela
matrícula. Assim, deveriam ser matriculadas pelos pais, tutores ou protetores, todas as
crianças, de ambos os sexos, maiores de seis anos completos e menores de quinze anos
completos. No ato de matrícula deveriam ser informados ao diretor nome e sobrenome
da criança; idade, dia, mês e ano do nascimento; filiação paterna e profissão do
responsável pelo aluno. Seriam privadas da matrícula as crianças de “notórios maos
costumes”; aquelas que não estivessem dentro dos limites de idade exigidos; as que
padecessem de moléstia contagiosa ou repugnante; “as imbecis e os que, por defeito
orgânico, forem incapazes de receber instrucção no estabelecimento”; e as que não
tivessem sido vacinadas99.

98
Fonte: Decreto n. 855, de 5 de fevereiro de 1915.
99
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795, de 2 de maio de 1914.

322
323

Dos materiais pedagógicos e dos programas de ensino

As obras didáticas a serem usadas nas escolas públicas também integram o


esforço de organização de uma nova estrutura administrativo-pedagógica para as escolas
catarinenses. Os livros de leitura são alvo constante de controle do Estado, que
designava comissões que os deveriam analisar, sendo o governo aquele que daria a
palavra final. Assim, vemos que as reformas não se descuidavam desta matéria. Em
1911, um decreto100 define um conjunto de livros de leitura a serem adotados, os quais
são referendados pelo Regimento Interno dos Grupos Escolares de 1914. Trata-se das
seguintes obras:

Cartilha Analytica Arnaldo Barreto;


Leitura Preparatoria F.co Vianna;
Primeiro Livro F.co Vianna;
Segundo Livro F.co Vianna;
Terceiro Livro F.co Vianna;
Minha Pátria (3º ano) Pinto e Silva;
Contos Patrios Olavo Bilac e Coelho Neto;
Cadernos de calligraphia vertical F.co Vianna;101

Esta relação de obras propostas sofre revisão alguns anos mais tarde. Sob o
argumento de que:

o exito dos methodos de ensino depende, em grande parte, do criterio na


adoptação de obras didacticas (...) que a fiscalização do ensino deve ser
exercida sobre a adopção (...) que algumas obras actualmente em uso nas
escolas e mandadas adoptar pelo Decreto n. 596 de 7 de Junho de 1911,
já não satisfazem as necessidades do ensino publico, ministrado pelo
Estado; e tendo em vista a proposta do Secretario Geral e o parecer da
commissão por esse nomeada,
DECRETA:
Art. Único. Ficam adoptadas para serem usadas nas escolas publicas
estaduaes as obras e material didactico constantes da relação que a este
acompanha....
Governador Vidal Ramos
Relação das obras e material didactico a que se refere o Decreto supra:

100
Fonte: Decreto n. 596, de 7 de junho de 1911.
101
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.

323
324

Cartilha – Ensino Rapido – M. Oliveira;


Cartilha Analytica – M. Oliveira;
Cartilha Analytica – Arnaldo Oliveira;
Paginas Infantis – M. Oliveira;
Segundo Livro – Francisco Vianna;
Terceiro Livro – Francisco Vianna;
Nossa Patria – Rocha Pombo;
A.B.C. do Agricultor – Dr. Dias Martins;
Grammatica Expositiva Elementar – Eduardo C. Pereira;
Anthologia Brazileira – de Eugenio Werneck;
Calligraphia Vertical – Francisco Vianna;
Calligraphia Ronder – Otto Boehm;
Quadros de Linguagem Oral – Ramon Roca e outros;
Mapas de Parker – F. Parker;
Cartões para trabalhos – Breser e Rocca;
Livro do Mestre – Miguel Milano;
Material para tecelagem – D. Rozina Soares e Miguel Milano;
Curso de Cartographia – José Carneiro e Pedro Voss.102 e 103

Cada aluno deveria ter um livro de leitura; um lápis de pedra; um lápis de pau;
um caderno de caligrafia; um caderno de desenho; um caderno de linguagem; um
caderno para as contas (3os e 4os anos); um caderno para cartografia (3os e 4os anos); uma
lousa; uma caneta e penas; materiais para trabalhos manuais e folhas avulsas de papel,
quando fosse o caso104. A professora Ada recorda que no primeiro ano utilizou a lousa

Era dentro de um quadradinho de madeira, com um buraquinho e um


cordãozinho amarrado no lado com dois paninhos. Então, um era para
lavar a lousa e outro para enxugar. E tinha o lápis de escrever na lousa.
Era tão engraçado, tínhamos um penal e levávamos tudo direitinho ali.
Ia–se para a escola com aquela lousa pendurada, com aquelas cartilhas e
um caderno pequeno para aprender a escrever (1994, p. 9).

Estes materiais eram tidos como necessários para se desenvolver os programas


de ensino, os quais receberam várias revisões nas três primeiras décadas do século

102
Fonte: Collecçcão de Leis, Decretos, Resoluções e Portarias de 1917. Estado de Santa Catharina.
Florianopolis: Offic. a elec. da Empreza d’«O Dia», 1917. Documento localizado no Arquivo Público de
Santa Catarina.
103 Nota do revisor mantida pela autora. “Não conheceu minha distincta o livro Meninice, um dos primeiros de
leitura, .. os cadernos decalligraphia, de linguagem (pautados), de matemática (quadriculados), de desenho (de papel
granulado), do cheiro de livros e cadernos, os lápis coloridos e as canetas e tinteiros, as tintas em tinteiros ao canto
direito da carteira.... Sabe, Vera, este seu trabalho está desempenhando para mim um exercício de regressão a uma
vida passada, não posso dizer se efeito terapêutico, mas de fortes reminiscências de uma história da qual descubro
uma personagem conhecida muito parecida com a minha, como se fosse a de outro que a distância não responde pelo
mesmo nome” (Juarez Segalin, outono de 2004).
104
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.

324
325

passado. O “Programma dos Grupos Escolares” revisado e aprovado em 1914, por


exemplo, é minucioso, detalhando os conteúdos a serem ensinados em cada ano e as
formas de fazê-lo. No “1º anno”, no tema “Leitura – Phase preliminar”, para uma
“secção”, equivalente a um período de cinco a oito dias, far-se-iam

Palestras, com os alumnos, relativamente aos assumptos das primeiras


paginas da Cartilha Analytica. Durante essas palestras, procurar obter
respostas completas, que sejam a reproducção exacta das sentenças
usadas na Cartilha, exemplo:
_ Quem é este menino?
_ Este menino é o Roberto.
(O professor apontando para a estampa). _ Como vocês devem
cumprimentar este menino ao chegar elle aqui ao grupo?
_ Bom dia, Roberto.
_ O que é que tem Roberto?
_ Roberto tem uma bola.
_ Como se chama este menino?
_ Este menino chama-se Roberto, etc.105

As orientações – que se caracterizam mais como normatizações da prática do


que sugestões de encaminhamento das atividades pedagógicas – revelam que o ensino
da leitura constituiu-se num expediente singular na estruturação de formas de aprender,
calcadas na repetição de modelos. Os conteúdos escolares modelavam comportamentos
pelos valores que veiculavam e pela forma como eram trabalhados. A escola ditava, por
seus conteúdos e formas de ensinar, as maneiras de apropriação destes conteúdos e as
formas de circular ou se inserir na sociedade. A recomendação de formas repetitivas,
que garantiriam a aprendizagem, revela um pouco mais do método, trunfo da escola,
que não deveria ser perturbado por interferências externas, tanto é que as cartilhas
deveriam ficar nas classes, “afim de evitar a confusão que adviria si os Paes em casa,
para auxiliar, ensinassem por outro methodo106”. Note-se que em fase mais avançada, o
que estava previsto para acontecer em agosto, a retenção da cartilha seria abolida e os
alunos as poderiam levar para casa. É provável que a esta altura eles já tivessem
incorporado a estrutura de leitura e aprendizagem ensinada pela escola e as

105
Fonte: Programma dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas do Estado de Santa Catharina. Approvado
e mandado observar pelo Decreto nº 796 de 2 de Maio de 1914.
106
Fonte: Programma dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas do Estado de Santa Catharina. Approvado
e mandado observar pelo Decreto nº 796 de 2 de Maio de 1914.

325
326

interferências externas não seriam mais perniciosas; ao contrário, os alunos, de posse de


suas cartilhas, passariam a ser irradiadores de um modo escolar de aprendizagem.
As variações recomendadas evidenciam que seu objetivo era o de reforçar de
várias formas a mesma coisa. Por exemplo, durante a “segunda phase” do ensino de
leitura, recomenda-se ao professor que:

(...) varie bastante a construcção; e, depois dê as sentenças – ora em linha


horizontal ora em linha vertical, de modo a destacar as palavras, ex:
Bichano não gosta de ratos; de ratos Bichano não gosta; não gosta de
ratos Bichano.

Bichano De ratos
não gosta Bichano
de ratos Não gosta Etc. 107

A “Linguagem Oral” servia como importante momento de inculcação de valores.


Vejamos o que estava reservado para os alunos do 1º ano dos grupos escolares. Neste
momento, os professores deveriam ocupar-se dos seguintes assuntos:

Asseio das unhas, mãos, orelhas, nariz, cabellos e dentes, mostrando às


crianças os grandes males que podem provir de descuido no asseio destas
partes e sobretudo dos dentes. Asseio do corpo – a necessidade dos
banhos. Maneira de servirem-se das escovas para dentes, caçados e
cabellos, (o uso diário do pente fino). O perigo das frutas verdes. Modo
de portarem–se as crianças em casa, nas ruas (as praças e as ruas não
são lugares de recreio para os meninos bem educados e sim os
quintaes de suas casas). Conselhos relativos aos cuidados com os
trastes, brinquedos, livros, cadernos etc. – de uso de cada um. Palestras
educativas, que infiltrem no animo infantil o desejo de ordem e de
asseio.108

A esta altura transparece – e os negritos do texto o indicam – o desejo da escola


de fomentar comportamentos calcados na ordem e asseio. Este asseio bem pode ser
compreendido na perspectiva de uma assepsia social.

107
Fonte: Programma dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas do Estado de Santa Catharina. Approvado
e mandado observar pelo Decreto nº 796 de 2 de Maio de 1914.
108
Fonte: Programma dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas do Estado de Santa Catharina. Approvado
e mandado observar pelo Decreto nº 796 de 2 de Maio de 1914.

326
327

Os conteúdos de Arithmetica também serviam como importante instrumento


educativo. Os professores eram alertados para o fato de que as crianças maiores de seis
anos já entravam nas escolas com algumas noções quantos aos números, mas em geral
desconheciam as possibilidades de combinações: somar, diminuir, multiplicar e dividir.
Contudo, recomendava-se que não se deveria ter pressa “pois, o ensino desta disciplina,
por sua natureza, deve ser methodizado de modo que desenvolva sobretudo o raciocínio,
suggira e cultive o espírito de dedução. É pois uma phase educativa.”109
Conteúdos contemplados no programa de História ajudam a compreender a
imagem de Brasil que se tinha.

O professor em forma de narração, em linguagem muito simples e


procurando despertar o gosto e a curiosidade dos alumnos, pela narração,
contará [por exemplo] ... que o Brazil é hoje um grande paiz, mas que
não o era a princípio, pois só era habitado por selvagens; que o modo de
vida dos selvagens era differente do nosso e em que consistia essa
differença.110

Convém ressaltar que, entre os conteúdos de Educação Moral e Cívica, os alunos


deveriam ser ensinados a “ser leal à sua pátria e orgulhar–se della. [Ter] amor a pátria e
como servil–la desde criança”. Mas como se orgulhar e ter amor a uma pátria que teve
origem nos “selvagens” na perspectiva mencionada no texto?
O diretor, além de referência administrativa, seria uma referência pedagógica no
grupo escolar, cabendo-lhe a função de ministrar aulas a fim de que os professores
observassem os métodos e processos de ensino que deveriam seguir. Lembremo-nos de
que desde 1904 estava indicada a preferência para a ocupação dos cargos de direção dos
grupos escolares pelos professores “que maior capacidade e zelo tenham demonstrado
no exercício de suas funcções”. O lugar de diretor de grupo escolar era neste contexto
um lugar de destaque, de onde se poderia alçar maiores vôos, como, por exemplo, o
cargo de inspetor escolar que, a partir de 1918, seria preferencialmente por eles
preenchido111. Entre outras tarefas, eles deveriam “assistir aulas” a fim de fiscalizar a

109
Fonte: Programma dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas do Estado de Santa Catharina. Approvado
e mandado observar pelo Decreto nº 796 de 2 de Maio de 1914.
110
Fonte: Programma dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas do Estado de Santa Catharina. Approvado
e mandado observar pelo Decreto nº 796 de 2 de Maio de 1914.
111
Fonte: Lei n. 1.230, de 30 de outubro de 1918.

327
328

aplicação dos métodos e dos processos recomendados. Cada diretor estaria obrigado,
pelo Regimento dos Grupos Escolares, a ministrar ou assistir no mínimo setenta e duas
aulas por mês, o que correspondia a três aulas por dia. A este expediente de modelagem
e controle dos trabalhos desenvolvidos no interior das salas de aula aliavam-se outros,
provavelmente não menos eficazes, como a análise dos trabalhos dos alunos e
comparação de trabalhos de diferentes turmas de uma mesma série, sabatinas orais e
escritas com alunos da 3ª e da 4ª série. Acrescente-se, aqui, que as notas de avaliações e
exames eram expostas nas paredes das escolas e deveriam registrar o desempenho dos
alunos que estavam proibidos de decorarem compêndios ou mesmo apontamentos
fornecidos ou ditados pelos professores. Estas notas seriam atribuídas semanalmente e
registradas em forma de fração ordinária, de modo que no numerador fosse colocado o
comportamento e no denominador a aplicação. Como foi possível observar, os métodos
de ensino recebiam atenção especial e a difusão destes era de responsabilidade dos
diretores dos grupos escolares. Em Florianópolis, capital do estado, a direção das duas
primeiras unidades criadas foi atribuída

(...) a normalistas vindos de São Paulo, os quais tinham, além das funções
administrativas e fiscalizadoras, a incumbência de, através da técnica da
demonstração, ensinar ao seu corpo docente a prática do novo método, a
“metodização”, conforme expressão de Orestes112. Ele não abria mão das
demonstrações por acreditar ‘mais fácil compreender e executar o que se
vê, do que o que se lê através de mil considerações e citações’. Ele e sua
mulher Cacilda Rodrigues Guimarães, até o ano de 1915, já haviam
exposto/demonstrado o novo método de ensino nas diferentes regiões do
Estado, perfazendo um total de 2.252 aulas113 (Teive 2003, p. 238).

Com o método intuitivo, que servia de base para o trabalho docente nos grupos
escolares, opera-se uma reordenação das atividades pela qual a figura do professor passa
a ocupar um lugar central. Lembremo-nos de que até então as escolas primárias

112
A autora refere–se a Orestes Guimarães, “reformador” do ensino catarinense.
113
Ainda segundo a autora, “Cacilda Rodrigues Guimarães havia aprendido o método intuitivo com a
professora norte-americana Márcia Priscilla Browne, professora cedida pela Escola Americana de São
Paulo para auxiliar Caetano de Campos na sua reforma da Instrução, assumindo posteriormente, a convite
do próprio Caetano, o cargo de diretora da Escola Modelo Caetano de Campos, Escola Modelo da Luz e
Escola Modelo do Carmo. A influência de Miss Browne e de Horácio Lane, diretor da Escola Americana,
foi decisiva na citada reforma, razão pela qual Orestes Guimarães afirmava ser esta escola o ‘berço da
reforma paulista’ ” (Teive 2003, p. 238 – nota de rodapé).

328
329

adotavam o “método Lancaster” ou “ensino mútuo114”, funcionando com turmas


heterogêneas de alunos – tanto em termos etários quanto “cognitivo” –, utilizando-se de
alunos–monitores que atuavam como auxiliares dos professores no ensino dos menos
adiantados.

Na economia da reforma da instrução, a reunião de escolas preexistentes


atendia à lógica seguinte: ela permitia o aproveitamento dos professores
(com seus proventos) já em exercício; a reunião e distribuição dos alunos
em grupos homogêneos segundo seu desenvolvimento e idade,
distribuídos pelas salas (séries ou classes) especialmente projetadas do
Grupo Escolar. E, o que era fundamental, a concentração num único
local, o prédio do Grupo, dos diversos materiais didáticos – novidades
nas escolas primárias públicas –, como mapas, gravuras, jogos
matemáticos, coleções zoológicas, botânicas ou minerais, etc., que
poderiam ser aproveitados pelo máximo de alunos, buscando-se a
melhora da eficácia dos investimentos em sua relação custo/benefício. O
agrupamento facilitava também a fiscalização, princípio fundamental na
mentalidade da reforma. Por exemplo, em um Grupo Escolar comum, o
diretor podia exercer a fiscalização administrativa e pedagógica do que
antes seriam oito escolas (classes) em localidades diferentes (Nóbrega
2003, pp. 257-258).

Dos registros escolares

A organização da escrituração escolar revela um pouco do como a escola deveria


ser lembrada e estava prevista em pormenores, devendo cada grupo ter um conjunto de
livros, todos eles “antecipadamente abertos, numerados, rubricados e encerrados pelos
respectivos directores”115. Haveria livro para registro do ponto, do inventário, de visitas
das autoridades escolares, dos visitantes, de compras, de honra para alunos, de pena
para alunos, de avisos, de promoção (nos quais deveriam constar nome e grau de
aprovação de cada aluno, total de alunos promovidos e total de reprovados), de
correspondência, de termos de compromisso (nos quais seriam registrados os termos de
compromisso, as licenças, remoções, permutas e exonerações de todos os funcionários
do grupo), nomeações, licenças e remoções, de chamada (escriturados conforme os
sinais convencionais: comparecimento = c; falta injustificada = f; entrada tarde = f

114
Sobre esta temática vale a pena consultar o livro A escola elementar no século XIX: o método
monitorial/mútuo, organizado por Maria Helena Câmara Bastos e Luciano Mendes de Faria Filho (Passo
Fundo, Ediuf, 1999).

329
330

cortado; retirada = c cortado; falta justificada = f* - f com asterisco) .... Estes livros
deveriam ser escriturados com tinta preta, sem borrões, raspaduras ou emendas.
O Regimento Interno dos Grupos Escolares de 1914 prevê, também, entre os
documentos de escrituração escolar, o “Livro Diário das Lições” para os professores de
3o e 4o ano. Como o próprio nome sugere, o registro nestes livros deveria ser diário e
feito imediatamente após a retirada dos alunos, “escripturado de modo a conter os
assumptos explicados durante o dia, com discriminação por materiais, o numero de
aulas ministradas sobre cada assumpto e o methodo seguido”116. Observe-se que não
deveriam ser registradas as aulas de “calligraphia, desenho, copia, dictado,
reproducção, composição, cartographia, canto, manuaes, gymnastica e musica”,
assim mesmo, colocados em negrito.

Dos professores

Para bem desempenhar suas funções, além de terem nos diretores um modelo a
seguir, os professores contariam com reuniões semanais, que aconteceriam sempre aos
sábados, depois de terminados os trabalhos escolares. Eles seriam avisados
antecipadamente da pauta das reuniões, as quais seriam coordenadas pelos diretores que
as deveriam tornar proveitosas, zelando para que versassem sobre os métodos e
processos de ensino das matérias dos programas. Nestas reuniões também seriam
programados os trabalhos escolares como comemorações, festejos e exames.
Os professores dos grupos escolares seriam nomeados e dispensados livremente
pelo governo. As nomeações seriam feitas sem dependência de concursos, devendo
recair preferencialmente entre os normalistas e “gymnasiaes”. Os normalistas seriam
efetivos e os “gymnasiaes” o seriam após seis meses de exercício. Entre muitos dos
deveres dos professores, encontram-se os deveres de: educar física, moral e
intelectualmente os alunos; não residir fora da sede do grupo escolar; dar exemplo de
moralidade e polidez em seus atos, tanto na escola como fora dela; manter em suas
classes o máximo de disciplina; interessar-se pela boa guarda e pela conservação dos

115
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795, de 2 de maio de 1914.
116
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.

330
331

móveis e utensílios escolares da sua classe; fazer com zelo, sem borrões, raspaduras e
emendas a escrituração que lhe estivesse afeta; consultar e requerer ao governo somente
por intermédio do diretor; seguir os métodos e processos de ensino recomendados pelo
diretor; comparecer às festas escolares, embora em dias feriados; cumprir fielmente o
programa e o horário; não discutir ordens do diretor do grupo... Embora cercadas de
dispositivos que permitiam um acirrado controle, as “insubordinações” se faziam
presentes e revelam algumas nuances da resistência dos professores. A professora Inês
relembra diálogo que teve com o Diretor do Departamento de Ensino, quando este lhe
chamou atenção de que havia um artigo no Regimento Interno que estabelecia
obediência para o professor em relação aos superiores.

_ Está bom Sr. Trindade, então no dia em que alguém mandar eu atirar-
me da ponte da Estrada de Ferro do Rio Itajaí Açu eu tenho que me atirar,
porque o Regimento Interno manda obedecer? _ Isso é exagero. _
Exagero é uma diretora mandar que eu abaixe uma nota que achei que
está certa, dizendo que era a presidente da banca examinadora. Eu virei
para ela e disse: _ A senhora poderia ser presidente da República que eu
não baixaria. (...) Dei um dez, ela queria que eu desse oito porque ela deu
oito. _ A senhora dê até sete se quiser, mas o meu dez vai ficar. E ficou
(1994, p. 12).

Os professores que apresentassem porcentagem de promoção superior a 70%,


em dois anos consecutivos de efetiva regência em classe teriam a gratificação de
100$000 e seu nome seria registrado no Livro de Honra da Diretoria da Instrução, mas
este encaminhamento era feito pelos superiores, que não deveriam ser desacatados.

Dos alunos

Os docentes deveriam conduzir as atividades, lembrando sempre que o


comportamento, a aplicação e a assiduidade são deveres atribuídos aos alunos, que
deveriam ser por eles convencidos da responsabilidade pessoal e de que constituíam
“precioso factor do bom nome do estabelecimento, sendo o professor, o director, a
família e o Governo outros factores”.
Apesar do conjunto de instrumentos repressivos, concebidos e disponíveis para
manter a disciplina escolar, defendia-se que esta fosse trabalhada de forma preventiva,

331
332

devendo professores e diretores explicar aos alunos “os inconvenientes das suas faltas,
de modo a despertar–lhes o sentimento de honra, a idea do dever, o estimulo e a
legitima ambição, antes de usarem dos prêmios e das punições”117, diga–se aqui, sempre
disponíveis e visibilizadas através de vários expedientes. A questão disciplinar ganha
especial atenção quando da idealização e normatização dos grupos escolares, afinal,
estas escolas serviam como modelo para as demais. Uma série de dispositivos era
acionada para reforçar modelos idealizados e a exposição pública era um deles. Uma
das estratégias era o elogio público, feito pelo diretor, quando os alunos estivessem
formados no pátio. O diretor mandaria sair da forma:

aquelles que tiverem de ser elogiados, depois do que, em linguagem ao


alcance dos alumnos, exaltará o procedimento dos alumnos a elogiar, de
modo a concitar os demais alumnos a imitarem o exemplo dos elogiados,
sem, no entretanto, menoscabar os demais alumnos118.

Para fazer jus a este tipo de elogio, o aluno deveria ter ótimas notas de
comportamento e de aplicação119 e não registrar nenhuma entrada tardia, retirada
antecipada ou ausência durante o trimestre. Apresentando estas credenciais durante dois
trimestres, o aluno seria alçado a um novo degrau: a inscrição de seu nome no Livro de
Honra para os alunos. Como lembra a professora Ada, “tínhamos um livro onde
constava o nome de quem recebeu a honra ao mérito, porque durante aquele trimestre
ou semestre tirou nota dez. Era essa a recompensa” (1994, p. 4). Ter o nome ali inscrito
representava ser um modelo a seguir, símbolo de um sujeito que cumpria os “deveres
dos alunos”.

São deveres do alumno:


1. – freqüentar as aulas com assiduidade, trajando asseadamente,
embora descalço;
2. – observar os preceitos de hygiene recommendados pelo director ou
pelos professores, quanto ao asseio corporal;
3. – tratar com delicadeza e urbanidade ao director, professores,
empregados e condiscípulos;

117
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.
118
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.
119
Conforme o Regimento Interno dos Grupos Escolares de 1914 (Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914),
as notas de comportamento e as de aplicação seriam expressas pelos coeficientes: 0 = nula; 1 = má; 2 =
sofrível; 3 = regular; 4 = boa e 5 = ótima.

332
333

4. - não damnificar o edifício, objectos do estabelecimento, do jardim,


ficando sujeito às penas deste Regimento, a critério do director,
quando o fizer;
5. - comparecer calçado nos dias de festas realizadas no
estabelecimento;
6. – apresentar sempre bem cuidado o material de uso escolar (...) para
o que:
a) – o livro de leitura deverá ser encapado;
b) – a lousa não deverá ter pregos, ou tachas, afim de evitar
arranhaduras nas carteiras;
c) – os lápis serão apontados, em casa;
d) – os cadernos não serão enrolados ou dobrados;
e) o boletim de notas será bem conservado;
7. – não delatar os condiscípulos, dizer, porém, o que souber a respeito
de qualquer facto, quando interrogado pelas autoridades – director,
professores ou outras autoridades escolares;
8. – não levar para o estabelecimento, objectos que não sejam de uso
escolar, salvo consentimento do director;
9. – executar com promptidão os signaes convencionaes para as
formaturas;
10. – guardar o maximo de silencio nas formaturas, salvo a ordem dos
professores – à vontade;
11. – sahir das classes somente quando se fizer necessário, afim de não
ser constrangido, quando de facto necessitar retirar-se;
12. – evitar algazarras, gritos, assobios à sahida das aulas;
13. – comparecer à formatura das festas escolares, marcadas pelo
director, não lhe sendo permittida a entrada como assistente, embora
acompanhado dos Paes ou responsaveis, excepto quando estes
tenham justificado, previamente, a sua ausência;
14. – procurar chegar no estabelecimento, mais ou menos à hora
regimental da entrada das aulas, não retardando ou adeantando
demasiadamente as chagadas.120

Além destes deveres, os alunos faziam exames três vezes durante o ano, nos
meses de maio, agosto e dezembro; o deste último mês deveria ser feito “com toda a
publicidade”, precedido de convite nominal aos pais, às autoridades e à imprensa. A
professora Ada recorda que estes eram feitos “ (...) com papel almaço, tudo direitinho,
com margem, o nome da escola, a data, o nome do aluno, a classe que freqüentava, se
era primeiro ou segundo ano. (...) Além das provas escritas tinha o exame oral” (1994,
p. 8).
As bancas examinadoras seriam compostas pelo diretor, pelos professores da
classe examinada e da classe imediata e mais dois examinadores externos. No caso da

120
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.

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334

chegada do inspetor à escola, este assumiria a presidência dos trabalhos. Seria


reprovado o aluno que tivesse nota inferior a três. As bancas examinadoras, além de
procederem às provas escritas e orais (cujos temas seriam sorteados uma hora antes dos
exames), deveriam examinar as provas de caligrafia, desenho, cartografia e trabalhos
manuais realizadas pelos alunos no decorrer do ano. Não haveria exame de
“gymnastica”, porém, em dia determinado pelo diretor e à vista da banca examinadora,
os alunos fariam os exercícios ensinados durante o ano. A entrega dos boletins e
atestados de habilitação dos alunos que terminassem o curso deveria acontecer
anualmente, “com toda a solemnidade, perante todos os alumnos, em formatura,
cabendo ao director dirigir-se aos alumnos, em pequena allocução”121. Aliás, as
solenidades – divididas em festas e comemorações –, configuravam-se como importante
instrumento utilizado para dar visibilidade e fortalecer socialmente a escola.

Das festas e comemorações

Nas vésperas dos feriados, os professores e diretores deveriam promover


solenidades que infiltrassem “na alma das crianças o amor e o respeito à Patria”. As
comemorações seriam promovidas sem aparato, sem convites, somente perante os
professores e alunos – proibindo–se os atos que preliminarmente demandassem ensaio –
, com o objetivo de incutir no ânimo das crianças amor a si próprias, à família e à pátria.
As festas escolares serviam como “complemento à educação cívica dos alumnos e do
povo”122, devendo acontecer nos dias 3 de maio, 7 de setembro, 19 de novembro e no
dia do encerramento dos trabalhos do ano letivo, a 30 de dezembro. O diretor
organizaria os programas dos festejos da seguinte forma:

a 1ª parte dos festejos de 3 de Maio, em homenagem ao Brazil e a 2ª


parte à festa das aves; a 1ª parte do programma dos festejos de 7 de
Setembro à Independencia e a 2ª parte à festa das arvores; a 1ª parte do
programma dos festejos de 19 de Novembro à Republica e a 2ª parte à
Bandeira.123

121
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.
122
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.
123
Fonte: Regimento Interno dos Grupos Escolares, aprovado pelo Decreto n. 795 de 2 de maio de 1914.

334
335

Outro recurso utilizado para visibilizar publicamente a escola, eram as


exposições, que deveriam ser organizadas de maneira que os visitantes pudessem
“ajuizar do progresso de cada alumno em cada trabalho”. O zelo exigido durante o ano
na execução das atividades estaria aqui exaltado ou alcançaria a consagração nos casos
em que fosse o trabalho escolhido para compor a exposição anual de todos os grupos,
realizada em 24 de fevereiro de cada ano na capital do estado. Fechava–se assim, um
ciclo engenhoso e muito bem ordenado.

********************************************************

Antes de finalizar, tomo a liberdade de agregar às minhas as palavras escritas em


nota de rodapé pelo revisor deste texto. Seu conteúdo instigou-me a mantê–las e
socializá–las.

Tive, em minha meninice, o privilégio de ser um dos primeiros alumnos,


assim como meus collegas de classe, do Grupo Escolar Belisário Penna,
de Capinzal. Por quanto me permite a memória lembrar, havia tantas
novedades que todas não poderia elencar; lembro dos quadros negros
parietais frontais, da largura da sala, o que era simplesmente
estupefaciente para os que haviam vindo de uma escola tão mais
primitiva em construção e objetivos e de status tão inferior; não lembro
que um delles (o do fundo da aula) se destinasse ao lançamento das notas
semanaes de applicação e comportamento”; lembro sim de notas de
applicação e comportamento (tecnicamente então distinguiam-se os bons
dos maos), mas isso mais tarde, na época do gimnásio, quando então,
além de muitas outras novedades, entre as quais a de se ter de sair da
própria para uma cidade maior, o que era então o maior objeto de desejo
e de promoção de status social, assim como era glamuroso voltar para as
férias de verão (e viver internado era tão charmoso quanto cheio de
histórias a contar e mais que tudo inventar), tudo sinal do mais
reconhecido prestígio quando o simples passar pelas ruas era como
desfilar e ser cumprimentado até pelos mais velhos que antes nunca
sequer nos haviam considerado e que agora curiosos se manifestavam por
novedades como tanto novo saber, o chamar de ‘matéria’ o o ter-se
‘tantas matérias’ de aula e o chiquê maior de ser ter um professor para
uma ou duas matérias, e de serem as aulas exclusivas para a matéria, e de
ser de tirar as dúvidas de português, história ou matemática ao professor
de português, ou de história ou de matemática, o ter que compartimentar
dúvidas e respostas num bem ordenado esquema do saber e do ignorar,
como se isso também fosse um insuspeitado salto social jamais sequer
inopinado; era, lembro, tão envaidecedor falar palavras que eram apenas
sonoras, mas que nossos antigos collegas, pais, familiares e senhores e
senhoras de nossa cidade natal nunca poderiam saber o que pudessem

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336

significar; perguntavam então, com pretensão do que pudessem melhor


entender, de viagens de trem, e então falávamos de andar de ônibus
urbano, de ruas calçadas e de praças.... palavras que enchiam o peito ao
serem pronunciadas, e até nessas coisas havia algo de muito maior e
superior e intangível aos pobres amigos e concidadãos confinados ao
interior. Lembro, voltando ao Grupo Escolar Belisário Penna, do armário
de porta de vidro, para arrecadação do material dos alumnos; lembro das
praças de esporte, cousas dantes nem pensadas, com modernos traçados e
grammadas; lembro dos apparelhos sanitários, com surpreendentes
dejectórios e mictórios que tão nobre e assepticamente substituíam as
casinhas; os hábitos de ‘asseio’, palavra nova e desconhecida, mas que
então em usar sabão de coco, grande novedade por cor e perfume e a não
menor novedade de as mãos em lavatórios de louça branca lavar, e que,
por levarem escripto ‘marca patente’ por patente havia de ser conhecido,
nome que logo aprendemos que devia ser substituído pelo então tão
chique de aparelhos sanitários; só não lembro das escarradeiras; lembro
das paredes caiadas; lembro da sala do director e do respeito e terror de
que se acercava, mormente se quando por negligência ou indisciplina à
sua presença, que rara e só formalmente se via, se tivesse que comparecer
para justa repprimenda receber ou satisfacção de actos repreensíveis que
ultrajassem a auctoridade e competência da professora; lembro que até
cozinha havia, com a merenda, em geral sopa, que se havia de tomar não
importava o gosto e sabor, tamanha era a novedade; lembro da estética e
do orgulho de a tal instituição pertencer, e do status que tal matrícula
conferia sobre os alumnos de outras quase inexistentes escolas
individuaes ou particulares; lembro da autoridade de que gozavam os
professores (aliás sempre e somente professoras eu tive), mas não de que
quietos e atenciosos fôssemos senão por receio à disciplina e suas
ameaças; sabíamos e nos surpreendia a limpeza geral, que não sabíamos
que para as instalações sanitárias se chamasse de assepsia; lembro de
hábitos antigos e locaes como os de marchar, a bandeira hastear, hymnos
patrióticos cantar, poemas recitar, as celebrações da semana pátria e os
desfiles de 7 de septembro em que alumnos e alumnas, sempre de
uniforme, azul e branco, de meias soquete e sapato preto ou tênis branco,
pelas ruas então cascalhadas – o que era signal de progresso e primeira
victória sobre a lastimável e pegajosa lama, que em geral por ela e pela
chuva descalços se enfrentava – se marchava por ruas de nomes pelas
ruas principaes que tinham nomes tão sonoros como XV de Novembro,
que vínhamos então a saber pela professora de História tratar-se da data
da proclamação da Repubblica (Juarez Segalin, outono de 2004).

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339
340

Apresentação:
Diana Gonçalves Vidal - Professora de História da Educação na Faculdade de Educação da
USP. Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da
Educação (NIEPHE) na mesma instituição. Pesquisadora do CNPq. Atualmente assume a
presidência da Sociedade Brasileira de História da Educação (2003-2007). E-mail:
dvidal@usp.br.

Cap. 1. –
Rosa Fátima de Souza - Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar
da Faculdade de Ciências e Letras, Departamento de Ciências da Educação da Universidade
Estadual Paulista, Campus de Araraquara. E-mail: rosasouza@pesquisador.cnpq.br

Luciano Mendes de Faria Filho – Professor de história da educação da UFMG, Vice-


Presidente da SBHE (2003-2007), bolsista do CNPq e pesquisador do GEPHE-FaE-
UFMG. Defendeu tese (FE-USP,1996) sobre os grupos escolares em Belo Horizonte (Dos
Pardieiros aos Palácios, Ed. Univ. Passo Fundo, 2000). Email: lucianom@fae.ufmg.br.

Cap. 2 –
Margarida Louro Felgueiras, Prof.ª da Faculdade da Psicologia e Ciências da Educação da
Universidade do Porto e-mail - margafel@fpce.up.pt

Elizabeth Poubel e Silva - Doutoranda pela Faculdade de Educação da USP. Professora,


Coordenadora do Curso de Pedagogia e Gestora do Grupo de Produções Acadêmicas em
Ciências Humanas do UNIVAG-Centro Universitário. E-mail: bethpoubel@uol.com.br

Cap. 3-
Antônio de Pádua Carvalho Lopes, Doutor em Educação, professor do Centro de Ciências
da Educação atuando no Departamento de Fundamentos da Educação e no PPGED da
Universidade Federal do Piauí, coordenador do núcleo de pesquisa educação, sociedade e
cultura. e-mail: apadualopes@ig.com.br.

Cap. 4 -
Antonio Carlos Ferreira Pinheiro - Doutor em História da Educação pela UNICAMP.
Docente/pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Programa de
Pós-Graduação em História, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Coordenador do
GT História da Educação da Paraíba, vinculado ao HISTEDBR. E-mail:
acfp@terra.com.br.

Cap. 5 –
Diomar das Graças Motta - Professora Adjunta de História da Educação Brasileira no
Departamento de Educação II, Centro de Ciências Sociais, na Universidade Federal do
Maranhão – UFMA. E-mail: diomar@elo.com.

Cap. 6 -
Jorge Carvalho do Nascimento é doutor em Educação, professor do Departamento de
História e coordenador do Mestrado em Educação da Universidade Federal de Sergipe. É
membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de História da Educação. E-mail:
jorge@ufs.br

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Cap. 7
Lucia Maria da Franca Rocha - Professora da Universidade Federal da Bahia; Doutora em
História e Filosofia Educacional pela PUC/SP. E-mail: lufranca@unb.br.

Maria Leda Ribeiro de Barros - Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana;


Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia.

Cap. 8 -
Marta Maria de Araújo - Profª Drª do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Profª de História da
Educação (Curso de Pedagogia) e de Educação Brasileira (Pós-Graduação) Coordenadora
da Base de Pesquisa Estudos Histórico-Educacionais. Editora Responsável da Revista
Educação em Questão. E-mail martaujo@digi.com.br.

Keila Cruz Moreira - Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Cap. 9 –
Elizabeth Poubel e Silva - Doutoranda pela Faculdade de Educação da USP. Professora,
Coordenadora do Curso de Pedagogia e Gestora do Grupo de Produções Acadêmicas em
Ciências Humanas do UNIVAG-Centro Universitário. E-mail: bethpoubel@uol.com.br.

Cap. 10
José Carlos Souza Araújo - Doutor em Educação pela UNICAMP, está vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário do Triângulo, em
Uberlândia, MG, e como professor-colaborador do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Atua no ensino e na pesquisa nas áreas
de Filosofia e de História da Educação (jcaraujo@unitri.edu.br).

Cap. 11
Profa. Dra Dalva Carolina (Lola) de Menezes Yazbeck Universidade Federal de Juiz de
Fora. M.G. E-mail: yazebeck@zaz.com.br.

Cap. 12
Sônia Câmara - Professora Assistente da Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Doutoranda da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo. E-mail: soniacamara@uol.com.br.

Raphael Barros - Aluno do Curso de História da Faculdade de Formação de Professores da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Cap. 13
Marcus Levy Bencostta - Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Pesquisador do CNPq. Principais Publicações:
História da Educação, Arquitetura e Espaço Escolar (2005); Uma cartografia da pesquisa
em História da Educação na Região Sul: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul (2004);
Memórias da Educação - Campinas (1999). E-mail: marcus@ufpr.br.

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Cap. 14
Maria Isabel Moura Nascimento – Doutora em Filosofia e História da educação pela
UNICAMP; Professora da Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Ponta Grossa – UEPG; Secretária do Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e
Educação no Brasil” – HISTEDBR. Email: misabel@lexxa.com.br.

Cap. 15
Vera Lucia Gaspar da Silva - Professora do Centro de Ciências da Educação da
Universidade do Estado de Santa Catarina - FAED/UDESC. Coordenadora do Museu da
Escola Catarinense - FAED/UDESC. Doutora em Educação: História da Educação e
Historiografia pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de São
Paulo - USP. Membro fundador da Sociedade Brasileira de História da Educação. Email:
vera.gaspar@zipmail.com.br.

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