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Educação escolar na Primeira República: memória, história e

perspectivas de pesquisa
Alessandra Frota Martinez de Schueler
Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi
2008

Resumo
 Reflexão sobre a educação escolar, enfocando os debates, projetos e
iniciativas voltadas para a disseminação da escola primária, no período da
Primeira República (1889 - 1930)
 Problematização da produção historiográfica sobre a educação republicana

 Institucionalização da escola primária, no período da Primeira República


 Duplo movimento de análise
o 1º - problematização do modo pelo qual a historiografia da educação
vem produzindo representações e diagnósticos sobre a educação
escolar republicana; diagnósticos e representações que têm
contribuído para a sacralização de determinadas chaves de leitura e
hipóteses explicativas, nas quais têm sido permanentemente
(re)alimentadas as tensões e disputas pela afirmação e legitimação de
uma dada memória e de uma história da educação republicana
 Algumas representações contribuíram para a produção de uma memória
reificadora da ação republicana, na qual a Primeira República foi tomada
como marco zero, lugar de origem da escolarização elementar e das políticas
de institucionalização, disseminação e democratização da educação escolar
no Brasil
 Memória que (re)inventa a ideia de uma República que não foi, que não
cumpriu suas promessas de extensão de direitos de cidadania, que não se
tornou efetivamente uma res publica, uma coisa de todos, com um governo
para e por todos; aquele que permanece, ainda hoje inconclusa, inacabada
 Duplo movimento de análise
o 2º - levantamento de algumas questões sobre a temática educacional
na Primeira República, tendo como base a historiografia da educação
brasileira recente, que vem sendo alimentada por uma crescente
aproximação com os vários campos de pesquisa em história,
especialmente o da história cultural
 Preocupados em compreender a República que foi, os historiadores da
educação vêm reconstruindo o processo tenso de disputas, internas e
externas, decorrentes da crescente especialização e legitimação do campo
educacional
o Flagram o processo de constituição da escola primária (seriada,
graduada, circunscrita a espaços e tempos específicos) como modelo
ideal e hegemônico, como lugar social de educação da infância
 Constituição da cultura escolar moderna e com os processos de socialização,
transmissão, circulação, criação, apropriação e re(invenção) culturais a partir
da escola primária, no período da Primeira República

1. Memórias e histórias da escola primária republicana


 A memória da escola primária e da ação republicana em prol da educação
escolar foi edificada por cima dos escombros de antigas casas de escola, de
“palácios escolares”, de debates, leis, reformas, projetos, iniciativas e políticas
de institucionalização da escola nos tempos do Império
 Ideias e práticas pedagógicas daquele tempo
o Memorização dos saberes, tabuada cantada, palmatória, castigos
físicos...
o Má-formação ou ausência de formação especializada
 A historiografia da educação há muito vem abordando o processo de
silenciamento do passado colonial e imperial, a desqualificação e o
apagamento produzido pela memória da educação republicana em relação às
práticas, ações e iniciativas educacionais e pedagógicas que lhe antecederam
 Necessidade de serem repensados marcos cronológicos convencionais e
romper com delimitações rígidas, que dividiram a história nacional - e
educacional - em colônia, império e república
 Jorge Nagle
o Educação e Sociedade na Primeira República
 Questionamento da pertinência de uma classificação que tendia a
enfatizar mais supostas rupturas, ao invés de problematizar a
complexidade dos processos históricos de mudança social,
cultural e política, as continuidades e as permanências e os
jogos de disputas e tensões, imbricações e apropriações mútuas
entre representações do novo e do velho, do moderno e do
antigo, da inovação e da tradição
 A escola primária brasileira não foi uma invenção republicana, tampouco uma
novidade fin-de-siécle
 Para realçar o tempo presente e a modernidade de suas propostas, a
Primeira República apagava os significados políticos e sociais do
estabelecimento do princípio da gratuidade da instrução primária, aos
cidadãos, na Constituição de 1824, e as suas repercussões nas disputas
pelos significados, extensão e limites dos direitos de cidadania
 A simplificação das reformas educacionais ocorridas em vários pontos do
império era uma estratégia que referendava o esquecimento a respeito do
legado educacional do século XIX: a difusão de novos métodos de ensino
simultâneo, intuitivo e de alfabetização, a propagação das bibliotecas
escolares e a criação do Museu Pedagógico; a expansão da iniciativa privada,
dos colégios, escolas, cursos de preparatórios e de jardins-de-infância; o
progressivo incremento da atuação de mulheres no magistério público e
particular e o processo tendo de criação das Escolas Normais e a crescente
participação do magistério na imprensa pedagógica e nos movimentos
associativos; a transformação da cultura material da escola primária; a
efervescência do mercado editorial de livros didáticos, a constituição de novos
espaços e temporalidades escolares
 As “Escolas do Imperador” não foram analisadas sob a perspectiva da
modernização da cultura escolar no final do século XIX, sendo
desconsideradas, ou minimizadas como expressões da modernidade
pedagógica, pela historiografia dedicada ao estudo dos grupos escolares
 A grande dificuldade colocada para os historiadores quanto à realização de
um balanço preciso sobre a situação educacional, no Império ou na
República, reside justamente na elevada desigualdade e na diversidade
historicamente construídas no ensino brasileiro
 Cada província, ou estado da federação, apresenta singularidades
significativas nos processos de construção dos sistemas, normas e redes de
ensino primário e secundário
 O debate sobre a reconstrução da nação via escola primária e a leitura da
decadência do ensino público - já manifestados no império - foram
recorrentes nos anos posteriores à Proclamação da República

2. A educação escolar na República que foi: debates, disputas, projetos


 Desde a década de 1990, pesquisadores da área de história da educação
brasileira vêm se empenhando em explorar arquivos, redescobrir novos
documentos, reler, com novos olhos e abordagens teórico-metodológicas,
antigos objetos, utilizando as fontes mais usuais, ou “inventando” novas
formas de reconstituir os indícios das escolas, dos mestres, dos paradigmas
pedagógicos e dos alunos de outros tempos, tanto nas cidades, quanto em
outros espaços sociais
 História cultural
o Focalizando a instituição escolar, alguns trabalhos operam com a
categoria de cultura escolar ou - enfatizando uma perspectiva plural -
de culturas escolares
 Problematização do processo de implantação da forma escolar moderna,
seriada e graduada como lugar institucionalizado e legítimo de educação na
sociedade brasileira
 Reforma educacional conduzida por Caetano de Campos, a partir de 1893
o Vinculação essencial entre a adoção de uma nova proposta para a
escola primária e a preparação dos professores que nela iriam atuar
o Implantação da Escola-Modelo na cidade de São Paulo
 O modelo formulado e disseminado era o dos grupos escolares, em que
assumiam grande relevo aspectos como a construção de prédios
considerados apropriados para a finalidade educativa, o trabalho escolar
apoiado no princípio da seriação e no destaque conferido no cotidiano da
escola; a racionalização dos tempos escolares; o controle mais das atividades
escolares...
 Pode-se dizer que os grupos escolares consolidaram no país a representação
do ideal da escola pública elementar, assumindo a posição de uma escola de
verdade
 Modelo escolar paulista
o Centralidade
o Particularidades em outros Estados
 Marcos que contribuem para a cristalização da memória educacional
republicana
 Projeto da escola primária republicana
o Papel que assume na formação do caráter e no desenvolvimento de
virtudes morais, de sentimentos patrióticos e de disciplina na criança
 Ainda que a preocupação com a escolarização e com sua extensão a
camadas mais ampliadas da população se tornasse crescente, a
democratização efetiva do ensino ainda se mostrava como uma realidade
bastante limitada, nas primeiras décadas do século XX
 Cultura escolar escolanovista
o Cientifização progressiva das práticas educativas, que estimulava a
formação apropriada de professores em espaços concebidos para esta
tarefa e inspirados pelos ideais renovadores

Sobre a rotinização da sociologia no Brasil: os primeiros manuais


didáticos, seus autores, suas expectativas
Simone Meucci
2007

Resumo
 Dados sobre os primeiros manuais didáticos de sociologia elaborados no
Brasil particularmente no período compreendido entre os anos de 1930 e
1945, quando houve uma produção notável destes livros
 Análise das condições institucionais e editoriais que permitiram a formação do
conjunto de obras
 Identificação da origem intelectual dos autores dessas obras e as
expectativas de que a disciplina era depositária

Os livros didáticos

 Brasil
o A publicação de um conjunto significativo de obras introdutórias ao
conhecimento sociológico ocorreu repentinamente na década de 30
 Iniciativas dedicadas à institucionalização da sociologia nos anos 30
o Introdução da cadeira de sociologia nos cursos secundários chamados
‘complementares’ (1925) e nas Escolas Normais de Pernambuco
(1928), Rio de Janeiro (1928) e São Paulo (1933)
o Criação dos cursos de Ciências Sociais na Escola Livre de Sociologia
e Política (1933) na Universidade de São Paulo (1933), na
Universidade do Distrito Federal (1935) e na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras do Paraná (1938)
o Publicação das consagradas obras Evolução Política do Brasil (Caio
Prado Júnior, 1933), Casa Grande & Senzala (Gilberto Freyre, 1933) e
Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda, 1936)
o Surgimento de dicionários, coletâneas de textos e periódicos que,
juntamente com os manuais didáticos, se constituíram como os
primeiros veículos de difusão do conhecimento sociológico, entre eles
o Dicionário de etnologia e Sociologia (1939) de Herbert Baldus e
Emílio Willems; o Dicionário de Sociologia (1939) de Achiles Archero
Júnior e Alberto Conte; a revista Sociologia (1939), primeiro periódico
especializado em Sociologia publicado por Romano Barreto e Emílio
Willems; e a coletânea Leituras Sociológicas (1940), organizada por
Romano Barreto e composta por traduções de artigos publicados
originalmente na Europa e nos Estados Unidos, traduzidos e reduzidos
ao que se considerava essencial para o conhecimento da teoria social
entre nós
 As iniciativas demonstram o complexo esforço dedicado à formação dos
primeiros portadores do conhecimento sociológico, à consagração das
questões, obras e autores fundamentais para a disciplina nova e à formação
de uma dinâmica de produção e divulgação das pesquisas e teorias
sociológicas no Brasil
 Rotinização
o Fenômeno de formação de uma comunidade científica e de um quadro
institucional a partir do qual é possível uma nova ciência ser produzida
sobre bases duráveis
 O surgimento do primeiro conjunto de livros didáticos de sociologia esteve
particularmente relacionado a duas condições favoráveis
o A consolidação da disciplina no sistema regular de ensino
o O surgimento de um mercado editorial especialmente voltado à
reprodução de obras sobre o Brasil e ao investimento na área
pedagógica

O ensino da sociologia no Brasil: breve histórico


 1891
o 1ª vez que o conhecimento sociológico ingressou formalmente no
sistema de ensino brasileiro
 Reforma educacional protagonizada por Benjamin Constant:
Sociologia e Moral (disciplina obrigatória cursada pelos alunos
dos 6º e 7º anos dos cursos secundários)
 Pouco depois foi retirada do currículo pela lei que
aprovou o regulamento do Ginásio Nacional
 Reaparecimento da sociologia
o 1925
 Reforma Rocha Vaz - necessidade de que os candidatos às
vagas nas faculdades dominassem o conteúdo da matéria
sociológica
 Em 1931, com a centralização do sistema educacional
brasileiro a reforma de ensino nacional, a sociologia
passou finalmente a compor o quadro de matérias dos
chamados cursos complementares
o Segunda metade da década de 20
 A disciplina tornou-se presença significativa no currículo dedicado
à formação dos educadores primários e secundários em
Pernambuco e no Rio de Janeiro (1928)
 Em menos de seis anos - entre o final dos anos 20 e o início da década de 30
- a sociologia passou a ser compreendida como uma disciplina necessária
para a formação geral de candidatos a bacharéis e professores
o Pouco depois foi reconhecida como disciplina acadêmica
 Ciências Sociais
 Escola Livre de Sociologia e Política (1933)
 Universidade de São Paulo (1934)
 Universidade do Distrito Federal (1935)
 Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná
(1938)
 No Brasil, o ingresso da sociologia nas escolas de nível secundário precedeu
a sua introdução na universidade
o Análise dos efeitos disso nos manuais de sociologia produzidos nos
anos 30
 Os primeiros livros didáticos foram elaborados ainda que não houvesse
portadores especializados no conhecimento sociológico
o Apresentam uma face importante do processo de consolidação do
campo sociológico: reconhecimento dos primeiros agentes
sistematizadores e identificação de suas expectativas em relação à
contribuição da nova disciplina
 A exclusão da sociologia na formação geral dos estudantes de nível
secundário (Reforma Capanema) resultou num debate intenso que envolveu
os primeiros cientistas especializados na área que então se tornavam notórios
o Florestan Fernandes (1955)
o Costa Pinto (1949)
o Antonio Candido (1949)
o Após 1942 foram elaborados apenas dois novos compêndios de
sociologia (voltados para o Ensino Superior)
 Donaldo Pierson
 Gilberto Freyre

O interesse da indústria editorial

 Iniciativa da nascente indústria editorial brasileira de produção regular de


manuais de sociologia
 Nos anos 30, os editores brasileiros, para conseguir concentrar recursos no
setor e compor um mercado editorial nacional, investiram de modo notável na
publicação de obras pedagógicas
o Naqueles primeiros anos de estabelecimento do mercado editorial
brasileiro, a produção de livros destinados aos cursos obrigatórios do
sistema regular de ensino foi compreendida como investimento seguro
já que os alunos matriculados certamente os adquiririam
 Explosão repentina de um mercado de compêndios escolares e acadêmicos
que mobilizou, num curto intervalo de tempo, iniciativas para a obra de
formação da literatura didática nacional
 O processo de nacionalização dos livros didáticos no Brasil repercutiu nos
mais variados campos de conhecimento e não se referia apenas à sociologia
 As editoras responsáveis pelas publicações de sociologia se concentravam
na região sudeste, mais especificamente em São Paulo e Rio de Janeiro, à
exceção da editora Globo, localizada em Porto Alegre

Os autores

 A substituição sistemática de compêndios de sociologia estrangeiros por


nacionais a partir dos anos 30, após a implantação da disciplina nos
programas dos cursos complementares e normais e a institucionalização
acadêmica das ciências sociais
o Mobilização repentina de esforços para a composição de um conjunto
significativo de obras
 Necessidade de identificar a origem dos pioneiros sistematizadores do
discurso sociológico
o Qual formação intelectual dos autores dedicados à formação do
primeiro acervo de obras didáticas na área?
o Que funções desempenhavam na sociedade?
 Décadas de 10 e 20
o Paulo Egydio de Carvalho (professor de direito na USP) - estudo de
sociologia criminal (divulgador de Durkheim)
o Francisco Pontes de Miranda (professor de direito no Rio de Janeiro) -
síntese de sociologia
 1931 - 1945
o 28 manuais de sociologia elaborados por 22 diferentes autores
o Ainda que tivesse presença significativa de pessoas da área jurídica, a
formação acadêmica foi muito mais difusa (filosofia, economia,
diplomacia, odontologia e farmácia)
 Donald Pierson e Gilberto Freyre foram um dos únicos que tiveram acesso à
um ambiente acadêmico no qual as ciências sociais foram objeto de reflexão
mais ou menos especializada
 De modo geral, a aprendizagem intelectual dos autores das primeiras
sínteses didáticas do conhecimento sociológico se realizou em condições
muito convencionais (faculdades de saúde, instituições militares ou católicas)
 Ressonância da obra de August Comte (terceira metade do século XIX)
 A grande maioria dos autores pertencia a uma elite intelectual que transitava
livremente entre diversas áreas do conhecimento e tinham uma perspectiva
teórico-ideológica heterogênea
 Entre os primeiros livros didáticos de sociologia produzidos no Brasil há uma
total ausência da perspectiva teórica marxista
o Indicativa de que a disciplina é institucionalizada por certos setores
intelectuais que, ainda que por vezes apresentassem perspectiva
inovadora e crítica, não assumiam a radicalidade da proposta socialista
e comunista
 Parcela significativa dos autores era originária de uma elite que tinha posse
de capital político
 A produção numerosa e diversificada dos pioneiros é testemunho do baixo
índice de especialização das tarefas intelectuais nos anos 30
o Os autores eram polivalentes sistematizadores de conhecimentos que
atenderam à nova demanda de “nacionalização” dos conteúdos
escolares e acadêmicos
 Crença de que a maioria dos manuais foi resultado da organização dos
conteúdos dos cursos que os autores ministravam
 Os intelectuais brasileiros daquele período acreditavam que a ação educativa
era o recurso mais eficaz para a formação de uma nação forte
 A centralidade e a importância dada à educação fez com que a natureza da
ação educativa fosse, nos anos 30, objeto de um debate severo,
protagonizado por dois grupos de intelectuais
o Os “escolanovistas” esperavam ampliar a rede pública, reformular
programas e eliminar o ensino religioso das obrigações escolares
o Os católicos, que tinham como objetivo fundamental, dentro do quadro
de reformas que se esboçava, defender o ensino privado e conservar o
ensino religioso na rede pública escolar
 Grupos antagônicos que disputavam a legitimidade e o monopólio da
explicação sobre a natureza da vida social
 Desde o final dos anos 20 e principalmente na década de 30, o confronto
entre diferentes projetos de nação da elite intelectual brasileira se traduziu
sob a forma de confronto entre diferentes perspectivas sociológicas

As expectativas

 Os testemunhos dos autores sugerem, sobretudo, que o interesse pela


sociologia estava relacionado ao “movimento realista” no meio intelectual
brasileiro
o Os pressupostos liberais evocados nas leis que davam ossatura ao
Estado brasileiro de então não encontravam correspondência na
sociedade que, por sua vez, diante da inoperância estrutural do
governo, tornava-se dia a dia mais complexa, dotada de nova dinâmica
econômica, animada por novos agentes sociais
 Conhecer a realidade social passou a ser então compreendido como um
imperativo, quase uma religião cívica, condição necessária para celebração
de um novo acordo político capaz de nos conduzir a um melhor destino
 Crítica severa à formação dos juristas e estímulo à repercussão do
conhecimento sociológico
o Entendia-se que os bacharéis em direito acumulavam saber literário e
enciclopédico, empolgavam-se pela abstração teórica sem estabelecer
nexos com o curso da vida social
o A sociologia parece ter representado uma porta de entrada para uma
nova atitude na qual o conhecimento estaria duplamente ligado à
realidade: de um lado, a produção do saber sociológico teria a sua
origem na observação de fatos concretos, de outro, o conhecimento,
assim produzido, resultaria em intervenções eficientes planejadas e
controladas
 A expectativa era de que o conhecimento sociológico - originário da
observação empírica - permitisse que a transformação da realidade fosse
possível sobre bases concretas e factíveis
 Os autores dos livros didáticos de sociologia afirmavam repetidamente a
intenção de realizar, nas páginas de seus livros, sínteses adequadas à
formação de novos espíritos especializados a fim de tornar o conhecimento
sociológico mais prestativo e útil
 Imparcialidade, crítica e nexo com os fatos da realidade são compreendidos
como virtudes entre os autores dos manuais
 Para estimular a descoberta da “realidade nacional” entre os alunos, os
autores sugeriam atividades capazes de despertar o interesse pelas questões
sociais, tais como seminários, debates, excursões e pesquisas de campo
 As atividades exigiam também um papel ativo do professor
o Cabia ao professor a tarefa de disciplinar os alunos, torná-los aptos a
consultar bibliografias complementares, auxiliá-los nos desafios dos
trabalhos de campo, na aplicação de questionários, na reunião de
dados inéditos
 A princípio, os manuais parecem não estabelecer nexo entre a teoria
sociológica e a realidade social
o Os autores pareciam ser ainda tributários da tradição livresca que
queriam banir
 Presos entre conceitos e definições abstratas, descrições de obras
e escolas sociológicas, muitas vezes não conseguiam
estabelecer relação entre a teoria sociológica e a realidade
social brasileira
 A dificuldade de corresponder às expectativas originárias que os próprios
autores eram depositários se dá, primeiro, porque eles não tinham formação
especializada em sociologia; segundo, porque havia uma ausência de dados
acerca da vida social daquele período
 Apesar dos esforços para tentar estabelecer um vínculo maior entre realidade
e teoria social, os autores com frequência observavam que os próprios
conteúdos propostos pelos Programas Oficiais de Ensino eram
demasiadamente extensos, abrangiam assuntos estranhos à sociologia e
dificultavam os nexos da disciplina com a vida social
 Carneiro Leão
o É necessário libertar o aluno da tirania do compêndio
 A tirania do compêndio para ser a tradição livresca, herança do bacharelismo
jurídico
 Amaral Fontoura
o O livro de sociologia é importante, é indispensável mesmo, como guia,
como roteiro, como resumo, mas a sociologia não está dentro dos
livros e sim da vida
 Embora os autores não tivessem condições de estabelecer sistematicamente
a relação entre a realidade social e as ideias sociológicas, queriam, não
obstante cria-las para seus alunos, ou, no mínimo, estimulá-los para o
desenvolvimento de condições menos adversas para a pesquisa sociológica
 Desafios para a institucionalização da ciência sociológica
o Exorcização do diletantismo
o Fundação de uma nova perspectiva acerca do trabalho intelectual
o Reunião e tratamento de dados
o Estruturação de laboratórios, museus e bibliotecas
o Formação de pesquisadores
 Os manuais são reveladores de um dos dramas mais cruciais para a
constituição do campo de estudos sociológicos: o incentivo à pesquisa num
meio em que faltava tradição científica
 A sociologia apareceu como disciplina escolar num momento em que se
queria reconhecer a realidade social e constituir a nação; em que se formava
uma nova percepção da sociedade, do conhecimento e do papel dos
intelectuais

Ensino de sociologia: periodização e campanha pela


obrigatoriedade
Amaury Moraes
2011

Resumo
 As datas estão longe de ser dados indiscutíveis - são construídas também, tal
como os fatos históricos: fazem parte de uma versão
 Sociologia
o Presença/ausências se deve a contextos ideológicos (o que é
superficial)
o Presença - períodos democráticos
o Ausência - períodos totalitários

Cronologias: 1882-1998 (tom polêmico)


 Apresentam-se fundamentadas numa objetividade de datas que, no entanto,
estão marcadas pela escolha que o autor da cronologia exerce e, mais do que
isso, ou por isso, tal escolha já é índice de interpretação, ou seja, está sujeita
a uma subjetividade
 As datas não são indiscutíveis, elas fazem parte de uma versão
 1991
o Campanha pela obrigatoriedade da sociologia no nível médio
o Passagem de Benjamim Constant pelo Ministério da Instrução Pública
durante o governo de Deodoro da Fonseca
 Não chegou a vingar
 Desentendimento
 Curto alcance da obrigatoriedade (capital federal), devido
a legislação federal se restringir às instituições federais,
dada a autonomia a autonomia dos Estados
o O Colégio de Pedro II servia de modelo, mas não podia impor nada
aos estabelecimentos públicos e privados fora do controle central
 1882-83
o Rui Barbosa
 Pareceres
 Redefinição do início da sociologia na educação brasileira
 Quer por não ter sido oficializada, quer pela não
especificidade, os pareceres têm importância relativa
como um marco na história do ensino de sociologia na
escola secundária brasileira
 Apesar das iniciativas legais mal-sucedidas, a sociologia começou a entrar
nas escolas nos cursos complementares ou preparatórios e no curso normal,
este de formação de professores
o Nesses começos, o ensino de sociologia tinha tanto um caráter
cientificista quanto uma expectativa cívico-redentorista
 1925
o Reforma Rocha Vaz
 Obrigatório o ensino de sociologia nos anos finais dos cursos
preparatórios
 Realizada em um governo autoritário – Arthur Bernades
 O espraiamento do ensino de sociologia ocorreu na ausência de cursos de
formação de professores de sociologia, sendo comum a presença de
advogados, médicos e engenheiros para cobrir essa carência
 1931
o Reforma Francisco Campos
 Na sequência da vitória da Revolução de 1930 e da criação do
Ministério da Educação e Saúde Pública
 Tanto o curso da ELSP (Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo -
1933) quanto o da USP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - 1934)
contam com a presença de estrangeiros entre seus primeiros mestres,
prevalecendo na USP uma influência europeia e na ELSP, americana
 1942
o Reforma Capanema
 Marcou o fim da obrigatoriedade do ensino de sociologia na
escola secundária
 Reorganizou a educação brasileira
o As ciências sociais, em geral, e a sociologia, em particular, ainda não
tinham ganhado legitimidade para figurar como uma ciência e não se
assumiam como uma possível alternativa a isso, de modo que não
cumpriam, de certa forma os quesitos necessários para se
enquadrarem nos currículos do clássico ou do científico
 Entende-se que a exclusão da sociologia do currículo prende-se menos a
preconceitos ideológicos e mais à indefinição do papel dessa disciplina no
contexto de uma formação que se definia mais orgânica, resultado do
estabelecimento de uma burocracia mais técnica e mais exigente ou convicta
em relação à concepção de educação
o Pode-se dizer que os defensores da sociologia não conseguiram
convencer essa burocracia educacional quanto à necessidade de sua
presença nos currículos
 Primeira LDB - 4.024/2961
o Apesar de ter sido aprovada após 13 anos de tramitação no Congresso
(fruto de amplos debates, pressões e negociações), num período
caracteristicamente democrático, não só não se previu o retorno da
sociologia para o colegial, como ainda não se fez alteração substancial
em relação ao estabelecido na Reforma Capanema
 A ideologização da exclusão da disciplina tem servido para justificar a volta da
sociologia ao ensino médio, marcando-a como o índice de democracia
 Aceita-se e reforça-se uma possível caracterização ideológica da disciplina
escolar que, até os anos 1940, tendia mais para uma concepção
conservadora, de controle social, do que de emancipação e crítica
 Foi-se formando uma legitimidade da presença da sociologia e até mesmo
uma expectativa de sua obrigatoriedade
 1994
o São Paulo
 Reestruturação da rede pública
 Objetivo de reduzir o seu tamanho e economizar recursos
 1996
o Marco importante para a educação brasileira
o Transição democrática para a educação
 O projeto de LDB que vinha tramitando no Congresso Nacional
desde 1988 (Jorge Hage) acaba abandonado e em seu lugar é
aprovado o LDBEN (Darcy Ribeiro)
 O tratamento a ser dado à Filosofia e à Sociologia
permanece obscuro na expressão “domínio de
conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários ao
exercício da cidadania
o Projeto de Lei 3.178/97 - explicita a
obrigatoriedade dessas disciplinas - é aprovado
em 18 de setembro de 2001

Anos de campanha - 1998-2008 (tom de relato-quase-depoimento)


 Depois do período de efetiva obrigatoriedade da sociologia na escola
secundária brasileira, entre os anos de 1925 e 1942, parece que sempre
estivemos em campanha pelo “retorno” da disciplina ao currículo
 1980
o Retorno do debate de modo mais consistente, a partir da criação de
associações de sociólogos, que culmina no retorno gradual e opcional
da disciplina ao currículo até meados dos anos 1990
 A publicação das OCEM-Sociologia, em que pese algumas críticas,
representou uma mudança na própria campanha, ao menos no que diz
respeito ao engajamento da SBS e de muitos professores universitários

Amansar o giz
Célia Xakriabá
2020

 Ensaio extraído e adaptado da pesquisa desenvolvida pela Célia Xakriabá


 Ao construir histórias como contranarrativas, com autonomia para contar a
própria versão, a presença indígena não faz parte apenas de uma história
passada, mas sim de uma história que está sendo tecida no presente, rumo
ao futuro
 Amansar o giz é ressignificar a escola indígena, refletindo sobre os desafios e
a importância da educação territorializada

 Temporalidades que marcam a história xabriabá


o Barro, jenipapo e giz
 O contato, desde pequenos, com o barro, com a terra, é uma experiência
significativa que aproxima a criança com os dois corpos que constituem o
pertencimento deles: o corpo como território e o território como corpo
 A cerâmica e o artesanato de barro carregam significados que vão muito além
do objeto que é produzido, trazendo consigo habilidades e gestos peculiares
que moldam um pote ou uma panela
o Esses objetos possuem uma imaterialidade, uma subjetividade que
carrega valores simbólicos
 Cada peça de barro produzida carrega parte do território, não
apenas como lugar de morada do corpo, mas também no que se
reapresenta como lugar sagrado de morada da alma
 A intelectualidade indígena não está apenas na elaboração do pensamento,
está na elaboração do conhecimento produzido a partir das mãos, das
práticas e de todo o corpo
 Todo corpo é território e está em movimento, desde o passado até o futuro
 Povo Xakriabá
o Oralidade
o Com as tecnologias, a ampliação dos registros se torna possível
 Fotografias, escrita digital e da grafia audiovisual
 Escola xacriabá
o Fazer epistemológico que visa a construção do corpo-território em
permanente processo de (re)territorialização – abertos, portanto, a uma
historicidade que deve ser reativada pelas memórias que nos ensinam
não só sobre o passado, mas também sobre o presente e o futuro em
que continuaremos a ser corpo (re)territorializado
 Memória nativa
o Memória que passam de geração em geração (ancestralmente) e que
são antigas
 Memória ativa
o Reativação em matrizes do passado, mas que estão presentes e ativas
ainda hoje, sendo dinâmicas e marcadas por processos de
ressignificação que definirão a nossa relação com as memórias do
corpo-território no futuro daqueles que ainda virão
 Povo Xakriabá
o MG
o Habitantes do Vale do São Francisco
 Matias Cardoso
o Grande colonizador da região
o Escravizador dos povos indígenas do Vale do São Francisco
 Após 1728
o Posse das terras pelo fato de os antepassados terem apoiado o Estado
na guerra com os Kayapó
 Território sempre foi alvo de ameaças
 A partir de 1960 e 1970
o Desenvolvimento: intensificação das invasões de terras e projetos
agrícolas na região (atração de grandes fazendeiros para as cidades
vizinhas)
 O povo Xakriabá é conhecido por uma forma singular de organização social
interna e também pela política externa à comunidade
 Experiência de Célia
o Desafio de lidar com a pressão dos tempos regidos pelas normas no
ambiente acadêmico que não dão conta de compreender a nossa
temporalidade que, assim como o seu conhecimento, opera em outra
ordem
o Adentrar no território acadêmico lhe fez assumir o compromisso de
contribuir para a construção de outras epistemologias nativas, dando
relevância à produção do conhecimento indígena no território
acadêmico e em outras agências, na ciência do território
 Reivindicação
o Oportunidade de construir histórias como contranarrativas, por meio da
autonomia de contar suas próprias versões
 A presença indígena não faz parte apenas de uma história passada, pois eles
são protagonistas de uma história que está sendo tecida no presente
 Assim como ocorre majoritariamente na produção acadêmica, a produção dos
materiais didáticos que chegam as escolas está sempre privilegiando a teoria
produzida no centro
 Há um desbotamento e uma desvalorização grande dos estudantes indígenas
no meio acadêmico
o Alguns estudantes vão para a universidade e não são considerados
produtores, autores e interlocutores do conhecimento neste meio
 Reconhecer a participação indígena no fazer epistemológico é contribuir para
o processo de descolonização de mentes e corpos, descontruindo o
pensamento equivocado de que os indígenas não podem acompanhar as
tendências tecnológicas, ou qualquer outra coisa que exista fora do contexto
da aldeia e da ideia de que não são capazes de ocupar tais lugares
 Escola interessante
o Matriz formadora principiada no território atribuo o mote para uma
educação territorializada, que apresenta como ponto de partida e de
chegada a potência da epistemologia nativa, presente na memória e na
transmissão oral e ressonante em melodia escrita xakriabá
 No povo Xakriabá existem diferentes perfis de conhecedores da tradição, com
diferentes habilidades
 As mulheres xakribá, além de guardar práticas bem peculiares, guardam
sementes, e são responsáveis por uma rede troca e compartilhamento de
sementes
 Ser um professor indígena está muito além do simples perfil formador de cada
campo específico de conhecimento
o Eles compreendem seu papel no fortalecimento da cultura indígena
pela participação voluntária e solidária para com o outro
 Possibilidade de construir, a partir do protagonismo da coletividade e da
tradição, um futuro de valorização das culturas dos povos indígenas
 O período de aprendizado do barro representa um período em que não existia
a presença da instituição escola, mas em que já existia a educação indígena,
transmitida pelo entoar da palavra, na oralidade
 O jenipapo se refere aos momentos rituais em que as nossas tradições se
materializam em nossos corpos
o O povo Xakriabá e o jenipapo estabeleceram historicamente uma forte
relação pelas pinturas corporais
 A pintura corporal marca e demarca a identidade no contato entre o corpo e o
espírito
 O jenipapo é uma árvore de bom conhecimento, pois é dela que tiram a tinta
e com ela registram a sua cultura
 É necessário refletir sobre como a pintura carrega elementos de outra escrita
corporal, com narrativas simbólicas portadores de subjetividades, uma vez
que o ato de colocar e receber a pintura no corpo é um ritual, um preparo do
espírito
 O giz é utilizado para simbolizar a ressignificação da escola a partir da nossa
concepção de educação, fazendo frente à escola que chega como instituição
externa, em um primeiro momento desagregadora da cultura
 O amansamento do giz, como uma das ferramentas de ensino utilizada pelos
professores indígenas, tem-se feito presente como forma de ressignificar a
escola a partir de suas próprias concepções de educação
 Outro projeto de sociedade, não exatamente pela falácia do desenvolvimento
e, sim, por meio do reenvolvimento, que representa a retomada de outros
valores
 A sociedade carece de recuperar valores da relação com o espaço corpo-
território
 Assumir uma posição de educação subversiva faz da escola xacriabá um
lugar potente de articulação entre saberes
 A prática de organizar a escola de acordo com os tempos da aldeia também
consiste em uma importante estratégia de diálogo entre os conhecimentos
tradicionais e as demais formas de conhecimento
 Consideram que o processo educativo precisa ser fortalecido a partir daquilo
em que o povo acredita, para que assim se tenha, de fato, uma educação
escolar indígena não pensada para os povos indígenas, mas construída pelos
povos indígenas
 Amansar
o Em contraposição ao conceito de reapropriação
o Conceito elaborado a partir da resistência de amansar aquilo que foi
bravo, que era valente, e, portanto, atacava e violentava a cultura deles
 Indigenização
o Conceito de Sahlins
o Ressignificação
o É diferente de aculturação
o Povos indígenas não são aculturados
 Ampliação dos horizontes e construção de uma educação territorializada e
inspirada nas experiências dos povos indígenas e, assim, efetivas as práticas
decoloniais para além do discurso

Escritos de Educação
Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani (org.)
2007

Capítulo 2 - A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura


Pierre Bourdieu

 É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o


sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da
“escola libertadora”, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um
dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de
legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom
social tratado como dom natural
 Vê-se nas oportunidades de acesso ao ensino superior o resultado de uma
seleção direta ou indireta que, ao longo da escolaridade, pesa com rigor
desigual sobre os sujeitos das diferentes classes sociais
 Não é suficiente enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é
necessário descrever os mecanismos objetivos que determinam a eliminação
contínua das crianças
 A ação do privilégio cultural só é percebida, na maior parte das vezes, sob
suas formas mais grosseiras, isto é, como recomendações ou relações, ajuda
no trabalho escolar ou ensino suplementar, informação sobre o sistema de
ensino e as perspectivas profissionais
 Na realidade, cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que
diretas, um certo capital cultural e um certo ethos, sistema de valores
implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre
coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar
 A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes
sociais, é responsável pela diferença inicial das crianças diante da
experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxitos

A transmissão do capital cultural


 A influência do capital cultural se deixa apreender sob a forma da relação,
muitas vezes constatada, entre o nível cultural global da família e o êxito
escolar da criança
 A ação do meio familiar sobre o êxito escolar é quase exclusivamente cultural
 Em virtude da lentidão do processo de aculturação, diferenças sutis ligadas
às antiguidades do acesso à cultura continuam a separar indivíduos
aparentemente iguais ao êxito social e mesmo ao êxito escolar
 O nível de instrução dos membros da família restrita ou extensa ou ainda a
residência são apenas indicadores que permitem situar nível cultural de cada
família, sem nada informar sobre o conteúdo da herança que as famílias mais
cultas transmitem a seus filhos, nem sobre as vias de transmissão
 Em todos os domínios da cultura, teatro, música, pintura, jazz, cinema, os
conhecimentos dos estudantes são tão mais ricos e extensos quanto mais
elevada é sua origem social
 A parte mais importante e mais ativa da herança cultural, quer se trate da
cultura livre ou da língua, transmite-se de maneira osmótica, mesmo na falta
de qualquer esforço metódico e de qualquer ação manifesta, o que contribui
para reforçar, nos membros da classe culta, a convicção de que eles só
devem aos seus dons esses conhecimentos, essas aptidões e essas atitudes
que, desse modo, não lhes parecem resultar de uma aprendizagem

A escolha do destino
 As atitudes dos membros das diferentes classes sociais, pais ou crianças e,
muito particularmente, as atitudes a respeito da escola, da cultura escolar e
do futuro oferecido pelos estudos são, em grande parte, a expressão do
sistema de valores implícitos ou explícitos que eles devem à sua posição
social
 Alain Girard e Henri Bastide
o Os objetivos das famílias reproduzem de alguma maneira a
estratificação social, aliás tal como ela se encontra nos diversos tipos
de ensino
 As mesmas condições objetivas que definem as atitudes dos pais e dominam
as escolhas importantes da carreira escolar regem também a atitude das
crianças diante dessas mesmas escolhas e, consequentemente, toda sua
atitude em relação à escola
 A estrutura das oportunidades objetivas de ascensão social e, mais
precisamente, das oportunidades de ascensão pela escola condicionam as
atitudes frente à escola e à ascensão pela escola
 O capital cultural e o ethos, ao se combinarem, concorrem para definir as
condutas escolares e as atitudes diante da escola, que constituem o princípio
de eliminação diferencial das crianças das diferentes classes sociais
 Ainda que o êxito escolar, diretamente ligado ao capital cultural legado pelo
meio familiar, desempenhe um papel na escola da orientação, parece que o
determinante principal do prosseguimento dos estudos seja a atitude da
família a respeito da escola, ela mesma função, como se viu, das esperanças
objetivas de êxito escolar encontradas em cada categoria social
 O princípio geral que conduz à superseleção das crianças das classes
populares e médias estabelece-se assim: as crianças dessas classes sociais
que, por falta de capital cultural, têm menos oportunidades que as outras de
demonstrar um êxito excepcional devem, contudo, demonstrar um êxito
excepcional para chegar ao ensino secundário

O funcionamento da escola e sua função de conservação social


 A ideologia jacobina que inspira a maior parte das críticas dirigidas ao sistema
universitário evita levar em conta realmente as desigualdades frente ao
sistema escolar, em virtude do apego a uma definição social de equidade nas
oportunidades de escolarização
 Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais
desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos
conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e
dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das
diferentes classes sociais
o Tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de
fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a
dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura
 A igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e
justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais
diante do ensino e da cultura transmitida, ou melhor dizendo, exigida
 A pedagogia que é utilizada no ensino secundário ou superior aparece
objetivamente como uma pedagogia “para o despertar”, como diz Weber,
visando o despertar os “dons adormecidos em alguns indivíduos
excepcionais, através de técnicas encantatórias, tais como a proeza verbal
dos mestres, em oposição a uma pedagogia racional e universal que, partindo
do zero e não considerando como dado o que apenas alguns herdaram, se
obrigaria a tudo em favor de todos e se organizaria metodicamente em
referência ao fim explícito de dar a todos os meios de adquirir aquilo que não
é dado, sob a aparência do dom natural, senão às crianças das classes
privilegiadas
 A tradição pedagógica só se dirige, por trás das ideias inquestionáveis de
igualdade e de universalidade, aos educandos que estão no caso particular
de deter uma herança cultural, de acordo com as exigências culturais da
escola
 Produtos de um sistema voltado para a transmissão de uma cultura
aristocrática em seu conteúdo e espírito, os educadores inclinam-se a
desposar os seus valores, com mais ardor talvez porque lhe devem o sucesso
universitário e social
 Não há indício algum de pertencimento social, nem mesmo a postura corporal
ou a indumentária, o estilo de expressão ou sotaque, que não sejam objeto de
“pequenas percepções” de classe e que não contribuam para orientar o
julgamento dos mestres
 A cultura da elite é tão próxima da cultura escolar que as crianças originárias
de um meio pequeno burguês não podem adquirir, senão penosamente, o
que é herdado pelos filhos das classes cultivadas
 Os professores partem da hipótese de que existe, entre o ensinante e o
ensinado, uma comunidade linguística e de cultura, uma cumplicidade prévia
nos valores, o que só ocorre quando o sistema escolar está lidando com seus
próprios herdeiros
 É porque o ensino tradicional se dirige objetivamente àqueles que devem ao
seu meio o capital linguístico e cultural que ele exige objetivamente é que
esse ensino pode permitir senão explicitar suas exigências e não se obrigar a
dar a todos os meios de satisfazê-las
 O sistema de ensino pode acolher um número de educando cada vez maior
sem ter que se transformar profundamente, desde que os recém-chegados
sejam também portadores das aptidões socialmente adquiridas que a escola
exige tradicionalmente
 Seria ingênuo esperar que, do funcionamento de um sistema que define ele
próprio seu recrutamento, surgissem as contradições capazes de determinar
uma transformação profunda na lógica segundo a qual funciona esse sistema,
e de impedir a instituição encarregada da conservação e da transmissão da
cultura legítima de exercer suas funções de conservação social
 Ao atribuir aos indivíduos esperanças da vida escolar estritamente
dimensionadas pela sua posição na hierarquia social, e operando uma
seleção que sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui
para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima
 O sucesso excepcional de alguns indivíduos que escapam ao destino coletivo
dá uma aparência de legitimidade à seleção escolar, e dá crédito ao mito da
escola libertadora junto àqueles próprios indivíduos que ela eliminou, fazendo
crer que o sucesso é uma simples questão de trabalho e de dons

A escola e a prática cultural


 Numerosos autores pretendem que as distâncias culturais entre as classes
tendem a se reduzir
 Falar de “necessidades culturais”, sem lembrar que elas são, diferentemente
das “necessidades primárias”, produtos da educação, é com efeito, o melhor
meio de dissimular que as desigualdades frente às obras da cultura não são
senão um aspecto e um efeito das desigualdades frente à escola, que cria a
necessidade cultural ao mesmo tempo em que dá e define os meios de
satisfazê-la
 São os mesmos indivíduos que têm oportunidades mais numerosas, mais
duradouras e mais extensas de frequentar os museus, por ocasião de giros
turísticos, os que são também dotados da cultura, sem a qual as viagens
turísticas não enriquecem em nada a prática cultural
 Deixando de dar a todos através de uma educação metódica, aquilo que
alguns devem ao seu meio familiar, a escola sanciona, portanto, aquelas
desigualdades que somente ela poderia reduzir
 Somente uma instituição cuja função específica fosse transmitir ao maior
número possível de pessoas, pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e
as aptidões que fazem o homem “culto”, poderia compensar as desvantagens
daqueles que não encontram em seu meio familiar a incitação à prática
cultural
 Como toda mensagem é objeto de uma recepção diferencial, segundo as
características sociais e culturais do receptor, não se pode afirmar que a
homogeneização das mensagens emitidas leve a uma homogeneização dos
receptores
 Enquanto perdurarem as desigualdades frente à escola, as técnicas de ação
cultural direta, desde os Centro Culturais até os empreendimentos de
educação popular, apenas contribuirão para disfarçar as desigualdades
culturais que não conseguem reduzir realmente e, sobretudo, de maneira
duradoura
 Medida de nível democrático
o Medir as chances de acesso aos instrumentos institucionalizados de
ascensão social e de salvação cultural que ela concede aos indivíduos
das diferentes classes sociais?
 Reconhecimento da “rigidez” estrema de uma ordem social que autoriza as
classes sociais mais favorecidas a monopolizar a utilização da instituição
escolar, detentora, como diz Weber, do monopólio da manipulação dos bens
culturais e dos signos institucionais da salvação cultural

Raymond Williams e a educação democrática


Alexandro Henrique Paixão
2018

Resumo
 Parte de uma perspectiva combinada entre a sociologia da cultura e a história
cultural, para enfatizar a experiência inglesa da educação de adultos contada
a partir da história particular de Raymond Williams e de duas instituições
educacionais
 Organização do artigo
o 1º: explanação geral sobre a educação de adultos como um projeto
político, intelectual e voluntário atrelado à defesa da democracia na
Inglaterra
o 2º: discussão de como Raymond Williams participou desse processo,
oferecendo significativas contribuições teórico-práticas para o debate
da educação democrática daquele momento

Introdução
“Education, not propaganda”
 Defesa da educação, não da propaganda
o Qual educação e qual propaganda?
 Educação: educação democrática relacionada à educação no
Reino Unido no pós-guerra, com destaque para educação de
adultos, naquele momento em discussão sobre a necessidade
de sua integração ao sistema nacional de educação
 Propaganda: não se trata de uma crítica propriamente dita ao
sistema privado de comunicação inglesa, mas de uma atitude
contra o caráter panfletário que estaria emoldurando um dos
relatórios oficiais do governo britânico para a reconstrução da
educação inglesa após a Segunda Guerra
 Relatório: a educação deveria ser praticada
democraticamente, sobretudo, pelo governo britânico, até
aquele momento ausente no movimento de educação de
adultos
 1943
o Segundo a revista de educação de adultos, trata-se de um momento
ideal para expansão e renascimento do movimento de educação dos
trabalhadores ingleses
 A Inglaterra do período pós-guerra trata-se de um cenário político e
educacional bastante fértil tendo em vista as ações governamentais e
voluntária, incluindo o movimento de educação de adultos
 Raymond Williams
o Sua história individual faz parte da história cultural da intelectualidade
inglesa do pós-guerra combinada com o movimento de educação de
adultos
 Toda história intelectual é uma história cultural, algo que se
constrói a partir de várias histórias particulares relacionadas
entre si e com as formas de organização que elas ajudam a
engendrar
 Há pouca apropriação dos escritos de educação de Williams no Brasil
o Criou-se uma linhagem interpretativa única, que tornou o assunto da
educação de adultos como um suplemento das discussões de cultura e
comunicação, estudos culturais, materialismo cultural, marxismo e
literatura, e não como algo centra na obra de Williams

Educação democrática
 Williams
o Problema centra da sociedade moderna: uso de recursos para
construir uma cultura em comum
 Para que a cultura seja algo comum é preciso aprender para depois começar
a alterar as diferentes formas e instituições existentes, como aquelas que
regem o sistema comunicativo, afinal, comunicar é um intenso processo de
aprendizagem
 Williams
o A educação é a confirmação dos significados comuns de uma
sociedade e das habilidades necessárias para corrigi-los
o Seu projeto consistia em formar a classe trabalhadora com a
expectativa de produzir uma sociedade mais democrática, educada e
participativa

Educação de adultos
 Williams
o Construção de tópicos que levassem os adultos-estudantes a refletirem
sobre: cultura, linguagem, imprensa, consumo, industrialização;
liberdade de expressão, rádio, teatro, cinema...
 O princípio da crítica da cultura é o que parece reger o programa de estudos
e os diferentes assuntos arrolados
o Crítica: conjunto de respostas obtidas por meio da análise e
interpretação de ideias e valores que marcaram determinadas
sociedades em constantes mudanças
 Williams
o Entender o que é comum, uma cultura em comum, uma experiência
em comum, ordinária e reciprocamente compartilhada
o O exercício da crítica é fundamental para compreendermos nossa
cultura e sociedade, sobretudo em tempos de crise
o The human crisis is always a crisis of understanding: what we
genuinely understand we can do
 Trata-se de um mal-estar provocado por uma crise de
consciência, uma crise teórica e também (e ao mesmo tempo)
de aprendizagem
 Essa crise é, entre outras coisas, sintoma dos problemas
e dilemas da comunicação, que deve ser compreendida
como extensão do desenvolvimento da democracia
 A expansão da comunicação coincide com “a mudança da natureza do
trabalho e da educação”, gerando novas oportunidades sociais e alguns
desafios para a classe trabalhadora que, por sua vez, não tem acesso a todos
os meios disponíveis ou simplesmente não consegue compartilhar
experiências em comum
 Richard Hoggart
o O problema nem é tanto a falta de informação, mas a falta de
capacidade de lidar com as informações comunicadas ou de
compreendê-las
 Williams
o A luta para aprender, descrever, compreender, educar, é uma parte
central e necessária para o desenvolvimento da nossa humanidade
 Um dos dilemas da sociedade democrática é fazer uso da comunicação não
para controle político ou lucro comercial, mas para expandir as capacidades
dos homens de aprender e trocas ideias e experiências, algo que não tem
acontecido, porque há muita propaganda (ou discurso) e pouca educação (ou
ação)
 A dificuldade de comunicação entre as pessoas, o estranhamento da
linguagem ou no uso de determinadas, de certas palavras-chave, é, portanto,
uma das expressões dessa, algo que, segundo Williams, agravou após a
Segunda Guerra
 O método de ensino das palavras-chave é um recurso de análise histórica e
de seus significados, embora Williams não estivesse interessado apenas em
distinguir os significados das coisas; ele quer compreender sua origem e os
nexos causais produzidos, haja vista o interesse na produção de um saber
 Williams
o Defende método de ensino de literatura estendido à crítica sociológica
para ser usado nas aulas para adultos e com o objetivo de dotar os
estudantes do instrumental crítico necessário para perceber e discutir
as mudanças sociais
 O mundo da educação é um universo de compreensão, de consciência e
tomadas de decisão, partindo do reconhecimento de que existe uma relação
orgânica entre cultura e organização prática, que envolve os sistemas de
decisão (política) e manutenção (economia)
 A linguagem encontra nas instituições políticas e econômicas da
comunicação seu espaço de poder e atuação
 Williams
o Certas atitudes, certas formas de governo, certos estilos de vida, estão
corporificadas nas instituições de comunicação, que têm um efeito
social poderoso sobre todas as pessoas graças às “novas tecnologias
da linguagem” dos meios de comunicação, sobretudo a publicidade e a
propaganda
o A cultura atual é sintética, é expressão da organização da cultura de
massas, firmemente entrelaçada com a organização da sociedade
capitalista

Reações
 Necessidade de resolver a equação entre a educação popular e a nova
cultura comercial, tendo em vista que o progresso de nossa sociedade
depende também da combinação entre educação e os meios de comunicação
o Comunicação é educação, não propaganda
 Crítica ao caráter utilitário atribuído à educação de adultos pelos professores
universitários, que comumente associam esse tipo de ensino ao trabalho de
extensão acadêmica
o As práticas de ensino devem ser outras, daí a necessidade da
universidade pensar a educação de adultos não como uma extensão,
algo que reproduz a mesma lógica universitária, com suas regras e seu
currículo, mas criar um outro projeto educacional próprio
 Observa-se que as formas culturais, graças à circulação de jornais e aos
programas de rádio e televisão, modificaram-se de todas as maneiras diante
de novos leitores e telespectadores, todavia, os processos de “transmissão,
recepção e resposta” não se deram de forma efetiva, pois as condições de
acesso à cultura escrita ou midiática permaneceram desiguais

Considerações finais: desafios e dilemas


 Uma sociedade mais educada e participativa se formaria por intermédio da
cultura ordinária, algo cotidianamente conquistado em meio à luta constante e
comum pela compreensão, aprendizado e ação

Pedagogia do oprimido
Paulo Freire
1968

Capítulo 3 - A dialogicidade: essência da educação como prática da liberdade

 Educação problematizadora
 Diálogo
o Fenômeno humano
o Palavra
 Encontra-se a palavra, na análise do diálogo, como algo mais
que um meio para que ele se faça
 Necessidade de buscar, também, seus elementos constitutivos
 Palavra
o Duas dimensões: ação e reflexão
o Não há palavra verdadeira que não seja práxis
 Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo
 A palavra inautêntica, com que não se pode transformar a realidade, resulta
da dicotomia que se estabelece entre seus elementos constituintes
 Não há denúncia verdadeira sem compromisso de transformação, nem este
sem ação
 Esgotada a palavra de sua dimensão de ação, ela se transforma em
verbalismo
 Se, se enfatiza ou exclusiviza a ação, com o sacrifício da reflexão, a palavra
se converte em ativismo
 Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo
 O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos
pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar
 Não é no silencia que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na
ação-reflexão
 Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o
transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham
significação enquanto homens

Educação dialógica e diálogo


 Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos
homens
o Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar
o amor que nela estava proibido
 A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não
pode ser um ato arrogante
 Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no
outro, nunca em mim?
 Como posso dialogar, se me sinto participante de um “gueto” de homens
puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são
“essa gente”, ou são “nativos inferiores”?
 A autossuficiência é incompatível com o diálogo
 Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens
o Fé no seu poder de fazer e de refazer
 O homem dialógico, que é crítico, sabe que, se o poder de fazer, de criar, de
transformar, é um poder homens, sabe também que podem eles, em situação
concreta, alienados, ter este poder prejudicado

O diálogo começa na busca do conteúdo programático


 O que será dialogado entre educador e educando
 A inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do
conteúdo programático da educação
 Para o “educador-bancário”, na sua antidialogicidade, a pergunta,
obviamente, não é a propósito do conteúdo do diálogo, que para ele não
existe, mas a respeito do programa sobre o qual dissertará a seus alunos
o Essa pergunta, responderá eles mesmo organizando seu programa
 Para o “educador-educando”, dialógico, problematizador, o conteúdo
programático da educação não é uma doação ou uma imposição - um
conjunto de informes a ser depositado nos educandos, mas a revolução
organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles elementos que
este lhe entregou de forma desestruturada
 “Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses,
estes, de modo geral, imersos num contexto colonial, quase umbilicalmente
ligados ao mundo da natureza de que se sentem mais parte que
transformadores, para, à maneira da concepção “bancária”, entregar-lhes
“conhecimento” ou impor-lhes um modelo de bom homem
 Não podemos, a não ser ingenuamente, esperar resultados positivos de um
programa, seja educativo num sentido mais técnico ou de ação política, se,
desrespeitando a particular visão do mundo que tenha ou esteja tendo o
povo, se constitui numa espécie de “invasão cultural”, ainda que feita com a
melhor das intenções

As relações homens-mundo, os temas geradores e o conteúdo programático desta


educação
 Necessidade de propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua
situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o
desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no risível intelectual, mas no nível
da ação
 Papel do educador
o Não falar ao povo sobre sua visão de mundo, ou tentar impô-la, mas
dialogar com eles sobre a sua e a nossa
 Para que haja comunicação eficiente entre eles, é preciso que educador e
político sejam capazes de conhecer as condições estruturais em que o pensar
e a linguagem do povo, dialeticamente, se constituem
 O momento da busca do conteúdo programático da educação que inaugura-
se o diálogo da educação como prática da liberdade
o É o momento em que se realiza a investigação do universo temático do
povo ou o conjunto de seus temas geradores
 O que se pretende investigar, realmente, não são os homens, como se
fossem peças anatômicas, mas o seu pensamento-linguagem referido à
realidade, os níveis de sua percepção desta realidade, a sua visão de mundo,
em que se encontram os envolvidos seus “temas geradores”
 Nunca será demasiado falar em torno dos homens como os únicos seres,
entre os “inconclusos”, capazes de ter, não apenas sua própria atividade, mas
a si mesmos, como objeto de sua consciência, o que os distingue do animal,
incapaz de separar-se de sua atividade
 Os homens, ao terem consciência de sua atividade e do mundo em que
estão, ao atuarem em função de finalidades que propõem e se propõem, ao
terem o ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações com
mundo, e com os outros, ao impregnarem o mundo de sua presença criadora
através da transformação que realizam nele, na medida em que dele podem
separar-se e, separando-se, podem com ele ficar, os homens, ao contrário do
animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica
 Os temas geradores podem ser localizados em círculos concêntricos, que
partam do mais geral ao mais particular
o Temas e caráter universal, contidos na unidade epocal mais ampla,
que abarca toda uma gama de unidade e subunidades, continentais,
regionais, nacionais ... diversificadas entre si

A investigação dos temas geradores e sua metodologia


 Faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão
captando-a em pedaços nos quais não reconhecem a interação constituinte
da mesma totalidade, não podem conhecê-la
 O tema gerador só pode ser compreendido nas relações homens-mundo
 Investigar o tema gerador é investigar o pensar dos homens referido à
realidade, é investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis
 A investigação temática faz um esforço comum de consciência da realidade e
de autoconsciência, que a inscreve como ponto de partida do processo
educativo, ou a ação cultural de caráter libertador

A significação conscientizadora da investigação dos temas gerados: os vários


momentos da investigação
 Prática do programa educativo
o Educadores-educandos e educandos-educadores conjugam sua ação
cognoscente sobre o mesmo objeto cognoscível, tem de fundar-se na
reciprocidade da ação
 A investigação temática, que se dá no domínio do humano e não no das
coisas, não pode reduzir-se a um ato mecânico
 A investigação se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais
crítica quanto, deixando de perder-se nos esquemas estreitos das visões
parciais da realidade, das visões “focalistas” da realidade, se fixe na
compreensão da totalidade

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