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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

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Campus Guarulhos

Paloma de Oliveira Lima || 140.176 || Ciências Sociais - Vespertino

As desigualdades decorrentes da questão curricular

Introdução

Popularmente, o ingresso na escola pode representar a possibilidade de


transformação da vida de alguns indivíduos de classes desfavorecidas e/ou
marginalizadas. Nessa fabulação, atribui-se ao papel da escola a oferta de iguais
oportunidades para todos, dado que, partindo de um mesmo currículo e de uma
mesma distribuição desse conteúdo programático (as aulas ministradas pelos
professores), cada indivíduo deveria ser capaz de absorver e utilizar o que é
ensinado. Todavia, a lógica por detrás desse discurso meritocrático-individualista é
uma das bases que legitima a desigualdade no âmbito escolar. Isto é, ao
desconsiderar as desigualdades socioeconômicas e as diversidades culturais que
existem para além dos muros da escola, o currículo naturaliza preconceitos e ignora
uma grande parcela das vivências e subjetividades dos grupos sociais que está
presente nas escolas. Desse modo, não sendo suficiente enunciar o fato da
desigualdade diante da escola, colocamos o currículo como um dos instrumentos
determinantes nessa conservação de privilégios e hierarquias. Para tanto,
primeiramente é necessário situar o papel da herança cultural da família na
transmissão de certos conhecimentos e valores que, correspondendo ao das classes
privilegiadas, reflete, também, nos conhecimentos e valores ensinados nas escolas.

O papel da herança cultural na educação

Ao longo de sua produção sobre as desigualdades frente à escola e à cultura, o


sociólogo Pierre Bourdieu (2007, p. 42) enfatiza o papel da herança cultural familiar
como fator determinante para o êxito escolar. Conforme Bourdieu, a transmissão do
capital cultural ocorre de maneira natural, sem que haja a necessidade de métodos e
técnicas de ensino. Assim, a facilidade que os membros dessas classes mais
privilegiadas têm, em relação ao domínio de certos conhecimentos culturais e que

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são exigidos nos conteúdos programáticos dos currículos, “contribui para reforçar a
convicção de que eles só devem aos seus dons esses conhecimentos, essas
aptidões e essas atitudes que, desse modo, não lhes parecem resultar de uma
aprendizagem” (BOURDIEU. 2007, p. 46). Ou seja, parte-se de uma pedagogia que,
em tese, é racional e universal, mas que, na realidade, oculta as assimetrias
culturais, sob a aparência de dons individuais e meritocráticos.
Sob essa perspectiva, as oportunidades objetivas de ascensão social pela escola
tornam-se meramente ilusórias, pois,
para que sejam favorecidos os mais favorecidos e
desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e
suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos que
transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos
critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as
crianças das diferentes classes sociais (BOURDIEU. 2007, p.
53).
E desse modo,
tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam
eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema
escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais
diante da cultura (BOURDIEU. 2007, p. 53).

A análise que o sociólogo faz da transmissão do capital cultural deixa claro a


influência que o nível de instrução dos membros da família exerce nas condutas
escolares e nas atitudes diante da escola. Contudo, ainda que essa reflexão seja
fundamental para que se possa entender o funcionamento da escola e a sua função
de conservação social, não é possível localizar, nesses escritos, a importância que o
currículo tem enquanto mecanismo primordial na segregação contínua de
desigualdades objetivas.

O projeto pedagógico da desigualdade

Sob essa conjectura, é necessário pensar a organização do currículo como um


projeto político e pedagógico que privilegia determinada cultura em detrimento de
outras. Isto é, o currículo, assim como outras ferramentas da instituição escolar, é
organizado e influenciado por posicionamentos políticos e ideológicos dominantes,
portanto, não há neutralidade na forma como é formulado e em como os processos

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educativos que dele desenvolvem-se irão ser concretizados. E, justamente por se


tratar do “produto de um sistema voltado para a transmissão de uma cultura
aristocrática em seu conteúdo e espírito” (BOURDIEU. 2007, p. 54), é que, segundo
Paulo Freire (1987, p. 55),
não podemos, a não ser ingenuamente, esperar resultados
positivos de um programa, seja educativo num sentido mais
técnico ou de ação política, se, desrespeitando a particular
visão de mundo que tenha ou esteja tendo o povo, se constitui
numa espécie de “invasão cultural”, ainda que feita com a
melhor das intenções.

Logo, é importante ressaltar que a não inclusão, no currículo escolar, da história e


dos valores de determinados grupos sociais marginalizados, parte de uma escolha,
intencional ou não, de manter, esses mesmos grupos sociais, marginalizados e que,
portanto,
seria ingênuo esperar que, do funcionamento de um sistema
que define ele próprio seu recrutamento, surgissem as
contradições capazes de determinar uma transformação
profunda na lógica segundo a qual funciona esse sistema, e de
impedir a instituição encarregada da conservação e da
transmissão da cultura legítima de exercer suas funções de
conservação social (BOURDIEU. 2007, p. 58).

A práxis libertadora

A pedagogia crítica freiriana, além guiar para uma tendência menos apocalíptica,
permite que se possa problematizar a imposição de um conteúdo programático
sobre determinada visão de mundo que não corresponde àquela com a qual uma
parcela significativa de grupos sociais tem para si. Para exemplificar a proposta de
Freire - tendo em vista a necessidade de transformar o modo como estabelecem-se
as relações de saber no ambiente escolar -, pode-se tomar como base a
necessidade de refletir o que será dialogado entre o educador e o educando, pois
essa reflexão abre caminho para se pensar o conteúdo que será transmitido nos
espaços educativos.
Isto é, segundo o educador e filósofo, é essencial que a prática pedagógica seja
realizada por meio do diálogo entre a realidade do educando e o esforço do
educador em investigar o universo temático do povo e o conjunto de seus temas

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geradores. Para tanto, Freire (1987, pp. 53-54) distingue o educador-bancário -


aquele que se utiliza de mecanismos padronizados e universalizados de saberes e
os deposita nos educandos -, do educador-educando - aquele que se utiliza de
elementos constitutivos da realidade dos educandos para oferecer os meios de
construção de um pensamento crítico e próprio de sua realidade.
À vista disso, é importante ressaltar que o não reconhecimento dessas relações
opressoras permite que as classes abastadas monopolizem e manipulem a
instituição escolar para o mascaramento de uma realidade hierárquica e
segregadora. Por conseguinte, quanto mais próxima a formulação do currículo for
das redes de conhecimento, que permitem a participação dos alunos na construção
das suas aprendizagens e o fortalecimento da sua identidade cultural, mais próxima
a educação torna-se, de fato, um meio para a ascensão social dos indivíduos.

Objetivos

Considerando a influência que a proposta curricular tem nas práticas pedagógicas, a


presente pesquisa tem como objetivo, sobretudo, analisar de que forma os
conteúdos programáticos dos currículos, construídos a partir da experiência cultural
das classes social e economicamente privilegiadas, podem contribuir para o
aumento das desigualdades entre os estudantes. Propomos também pensar, em
que medida se faz necessário que, no âmbito escolar, sejam incluídas e, acima de
tudo, respeitadas as subjetividades e as vivências desses estudantes - isto é, pensar
o estudante enquanto sujeito do conhecimento.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura.


In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. (orgs.). Escritos de Educação. Petrópolis:
Vozes, 2007.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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