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Sociologia da Educação | Avaliação da Unidade 2

Aportes sociológicos para a educação brasileira que desejamos no século


XXI

Bourdieu e Marx: um breve diálogo sobre as bases materiais da educação


brasileira

Arthur Leonardo de Lima Pereira

Este ensaio se debruça acerca de uma breve síntese do pensamento de Pierre


Bourdieu e Karl Marx no que tange às suas perspectivas sobre a educação,
ressaltando as bases materiais e históricas que a estruturam. Para tanto, utilizaremos
aqui os conceitos de capital cultural (BOURDIEU, 2007), propondo um diálogo com
a perspectiva do materialismo histórico dialético (FILHO, FERNANDES, PINTO,
2019) enquanto uma maneira de encarar a realidade material enquanto decorrentes
de causas sócio-históricas cujo motor decorre da luta de classes e das contradições e
crises intrínsecas ao próprio sistema capitalista.
É assim que a perspectiva do Capital Cultural está intimamente ligada à uma
perspectiva de classe, uma vez que, para Bourdieu

a influência do capital cultural se deixa apreender sob a forma da


relação, muitas vezes constatada, entre o nível cultural global da
família e o êxito escolar da criança. A parcela de ‘bons alunos’ em
uma amostra da quinta série cresce em função da renda de suas
famílias.” (BOURDIEU, 2007, p. 42).

Isso pode ser especialmente aplicado para pensarmos a realidade da


educação básica brasileira, onde vemos, num projeto educacional hegemônico, que
ins índices de maior êxito escolar se desdobram a partir dos alunos oriundos das
classes mais privilegiadas socialmente.
Esse projeto educacional acaba por achar solo fértil em um horizonte político
cuja dominação se ampara na reprodução de desigualdades na trajetória escolar dos
alunos, sendo este campo de suas vidas indissociável de um caráter simbólico
reiterado pelas vias educacionais.
Logo, alunos de diferentes origens sociais terão distintos tempos e índices de
êxito escolar. É desse modo que, as vias de uma educação hegemônica apontam na
direção de um projeto de sociedade não apenas aglutinador, homogeneizador e que
conduz à reprodução de estruturas de dominação da classes dominantes, mas
também assenta firmemente as bases do Estado burguês que, para Marx, “mesmo
laico, não promove a emancipação humana.” (FILHO, FERNANDES, PINTO, 2019,
p. 3).
É de tal sorte que, uma sociologia na perspectiva marxista nos oferece um
instrumental teórico-metodológico valioso a fim de analisar a origem desses
processos de perpetuação de desigualdades pelas vias de um cenário perene das lutas
de classes. Ainda que Marx não tenha se detido à uma análise profunda da educação,
uma chave de leitura marxista acerca da educação irá entender esta última enquanto
parte de processos de alienação onde as conjunturas de forças apontam na direção de
crises cíclicas do capitalismo, perpetuação da miséria, da exploração e da
precarização da classe trabalhadora.
Esse instrumental permite que analisemos o cenário da educação brasileira
na medida em que possamos superar esse horizonte de eventos cíclicos e
intermitente onde temos, por exemplo, uma massa de professores que, além de
desvalorizada, é mal paga e não dispõe das condições favoráveis de trabalho para que
cumpra sua vocação à docência.
Logo, podemos arriscar nos demorarmos aqui em um ponto de contato entre
as perspectivas de Bourdieu e Marx, onde ambos oferecem uma denúncia a um
sistema de reprodução social, econômico e cultural que mina um vislumbre crítico à
superação desse legado de defasagem e miséria.
É bem verdade que Bourdieu se concentre sobremaneira nos aspectos mais
culturais e simbólicos que na esfera econômica da reprodução do capital, e que sua
teoria invista em uma crítica e ruptura à teoria marxista.
Ainda assim, insistimos aqui que, ao ressaltar os aspectos dos antagonismos
de classe e os mecanismos de dominação, Bourdieu acaba por reafirmar o caráter
material e econômico dessas estruturas, pois estamos refletindo acerca da sociedade
no seio do capital, e essas esferas de influência (simbólica, cultural, social,
econômica) são indissociáveis.
É assim que o materialismo histórico dialético nos ajuda a enfrentar as
desigualdades, uma vez que nos ajuda a enxergar o investimento de poder da classe
dominante que define os rumos para a nossa sociedade.
Como pensar, então, um projeto de escola e de educação para o Brasil que
entenda o espaço escolar enquanto um espaço que possa ser aberto à outas
linguagens e outros saberes que não os formais e legitimados pela elite burguesa
nacional?
A escola pode fomentar espaços contra-hegemônicos que não apenas sejam
abertos, mas que possam igualmente se constituir enquanto espaço de utopias, pois
da semente que planta a utopia nasce a potência de um fazer pedagógico que seja
revolucionário.
Para além de uma instituição que seja perpetuadora de hierarquias, a escola
pode fomentar sonhos, que mudem ou ofereçam outras rotas para o país. Investir em
um horizonte educacional que semeie outros possíveis é, talvez, uma abertura no
campo de visão de futuro para as classes populares, para a classe trabalhadora e,
sobretudo, para seus filhos que frequentam a escola.
Logo vemos, por exemplo, a responsabilidade do ofício do professor
enquanto agente que pode servir à reprodução das desigualdades no contexto
escolar, ou ente mediador do encontro de saberes populares que direcionam à uma
práxis emancipadora e libertária. Esse compromisso ético é mister no fomento de
outros cenários de futuro, já tão solapado e esvaziado de esperança para aqueles que
não dispõem de meios materiais de acesso à informação e ao conhecimento formal.
O educador, dessa maneira, deve ser o primeiro agente a ser emancipado,
uma vez que essa é condição fundamental ao exercício de emancipação de seus
aprendizes.
É assim que podemos ver um processo lento, é fato, mas perene e constante
de retomada do próprio protagonismo das suas próprias histórias de vida pelos
alunos que não dispõem de capital cultural. Enxergar-se enquanto sujeitos, dotados
de saberes válidos e únicos, saberes revolucionários que conduzem a uma superação
da estrutura de classes e que só pode ser possível por meio de uma educação pública
de qualidade, pois
o contexto marxista reporta-se a educação emancipatória que busca
amparo na filosofia, que conduz a reflexão acerca da precisão de
(re)construir e um homem iluminado para uma sociedade
emancipada. Essa ideologia é erificada também nos pressupostos de
Paulo Freire, que, direciona seu discurso, de modo mais específico,
para a educação latino-americana. (FILHO, FERNANDES, PINTO,
2019, p. 7).

Encaramos, pois, a escola enquanto um espaço não neutro, um lugar onde


são estabelecidas e travadas lutas sociais, onde os indivíduos podem vir a
reconhecer-se enquanto sujeitos históricos, que não nascem prontos e acabados, nem
muito menos sua condição, mas enquanto produzidos e construídos dentro de uma
longa trajetória histórica que tem um propósito para ser da maneira que é.
Bourdieu ainda ressalta o aspecto da psique que pode engendrar uma
disposição subjetiva aliada ao sucesso ou êxito escolar e social, pois

o capital cultural e o ethos, ao se combinarem, concorrem para


definir as condutas escolares e as atitudes diante da escola, que
constituem o princípio de eliminação diferencial das crianças das
diferentes classes sociais. (BOURDIEU, 2007, p. 50).

É assim que até mesmo as ações podem ser influenciadas pelo capital
cultural dos alunos. Logo, esse breve diálogo com os autores nos conduz a refletir
sobre nosso papel enquanto educadores e agentes para a dominação ou
emancipação.
A escola pode, então, se configurar dentro de um compromisso ético e
político que enseje potências e novas oportunidades de mudança. Os exemplos estão
aí atuantes, seja na educação escolar indígena, na educação popular, na EJA, nas
escolas modelo do estado, nos Institutos Federais, nos CMEIs, nas UFs, todas
atuantes na esfera pública, dotadas de profissionais competentes e formados diante
de um compromisso ético de exercício da docência numa perspectiva que possa
fomentar outros horizontes de possibilidade antes à educação brasileira.
É somente investindo nossos esforços num repensar das estruturas que rege
os rumos da educação do Brasil que poderemos sonhar outros futuros para nossas
crianças, nossos jovens e nossa gente, que já vive tão massacrada e sem esperança.
Assumir, pois, um compromisso ético e político é fundamental para repensar
os rumos do próprio cenário político brasileiro, uma vez que os projetos político
pedagógicos podem trazer em si uma visão crítica da realidade social.

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