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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

COMPONENTE CURRICULAR - PRÁTICA E PESQUISA PEDAGÓGICA - PPP I


DISCENTE - NAYARA SOUSA SILVA VIEIRA
DOCENTE - FRANCISCO MARCELO

A ESCOLA COMO REFLEXO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS

O presente texto advém com a proposta de produzir um texto reflexivo a partir


das leituras realizadas ao longo do semestre 2023.2 para o componente curricular
PPP I. Logo, buscou-se produzir um texto que refletisse como a escola pode ser um
espaço de “legitimação dos privilégios sociais” (Nogueira e Nogueira, 2002, p. 17),
especialmente no contexto brasileiro, a partir do aprofundamento do neoliberalismo
no campo da educação com o Novo Ensino Médio.

Antes de adentrarmos ao contexto brasileiro de educação, é necessário


repensarmos a perspectiva sobre O que é uma escola justa?, questionamento feito
por François Dubet com o artigo de mesmo nome. Inicialmente, em seu texto, Dubet
(2004) traz os conceitos de igualdade e justiça escolar para refletir o que é
considerado como uma escola justa, logo o autor pontua que “as sociedades
democráticas escolheram convictamente o mérito como um princípio essencial de
justiça: a escola é justa porque cada um pode obter sucesso nela em função de seu
trabalho e de suas qualidades.” (p. 541)

Ou seja, a partir do momento que houvesse a igualdade de acesso, a pessoa


a partir de seus méritos poderia chegar aonde quisesse, contudo Dubet (2004)
sinaliza que a igualdade de oportunidades meritocrática apenas omitindo as
desigualdades existentes em nossa sociedade.

Com isso, o autor sintetiza de maneira assertiva que

quanto mais favorecido o meio do qual o aluno se origina, maior


sua probabilidade de ser um bom aluno, quanto mais ele for um bom aluno,
maior será sua possibilidade de aceder a uma educação melhor, mais
diplomas ele obterá e mais ele será favorecido... (Dubet, 2004, p. 543)

A partir do pressuposto anteriormente esboçado por Dubet (2004), nota-se


que a mobilidade social não ocorre mediante o mérito pessoal, mas através de
privilégios sociais que acompanham a sua caminhada, logo o autor é perspicaz ao
questionar o que se designa como mérito ao refletir que “o mérito é outra coisa além
da transformação da herança em virtude individual?” (p. 544)

Devido a discussão desenvolvida por Dubet (2004) sobre a concepção de


uma escola justa, é importante trazer a relevância do pensamento de Pierre
Bourdieu sobre o contexto educacional francês através do artigo produzido por
Nogueira e Nogueira (2002) intitulada A Sociologia de Pierre Bourdieu: limites e
contribuições, no qual ambos os autores pontuam que, a partir da década de 1960, a
França passou por uma crise na concepção de escola, em que um dos motivos
foram os efeitos da massificação do ensino.

Logo, por conta desse contexto, Bourdieu cunhou o termo geração


enganada, por conta de terem sido “frustradas suas expectativas de mobilidade
social através da escola” (Nogueira e Nogueira, 2002, p. 17), por causa do caráter
elitista do sistema de ensino francês.

Mais adiante, conforme Nogueira e Nogueira (2002), Bourdieu traz o papel do


ator na perspectiva da Sociologia da Educação ao compreender que o mesmo não é
regido apenas por si, mas munido de uma bagagem familiar formada pelo capital
econômico, os bens que pertencem a sua família, o capital social, ou seja, o círculo
de influência que a sua família está inserida, e o capital cultural na forma
institucionalizada constituída pelos títulos escolares.

Com isso, Bourdieu conclui que “a posse de capital cultural favoreceria o


desempenho escolar na medida em que facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e
códigos escolares” (Nogueira e Nogueira, 2002, p. 21) e que também estimularia “o
êxito escolar, em segundo lugar, porque propiciaria um melhor desempenho nos
processos formais e informais de avaliação.” (ibid., p. 21)

Portanto, observa-se que a questão do mérito cai por terra quando a


bagagem familiar é o que verdadeiramente legitima os privilégios sociais através da
escola como reflexo dessas desigualdades, como é bem colocado por Bourdieu
(Nogueira e Nogueira, 2002) e Dubet (2004). Por conseguinte, iremos nos
aprofundar no contexto brasileiro a fim de analisar tais desigualdades no ambiente
escolar a partir do aprofundamento do neoliberalismo.
No texto Desafios para implantação do Ensino de Sociologia na escola
média brasileira, Moraes (2010) traz pontuações importantes acerca da
implantação do ensino de Sociologia no Brasil a partir da discussão entre
bacharelado e licenciatura, no qual o autor coloca que o bacharelado é uma
formação que não lhe dá liberdade para atuação da docência, mas em contrapartida
defende que a licenciatura possibilita atuar na pesquisa. Com isso, é necessário
relembrar a passagem da obra Pedagogia da Autonomia do pedagogo Paulo Freire
(2004) ao pontuar que “Ensinar exige pesquisa” (p. 29), tendo em vista que
pesquisar “faz parte da natureza da prática docente.” (p. 29)

Mais adiante, Moraes (2010) coloca que “os livros didáticos de sociologia,
como boa parte dos livros do ensino médio, ainda não passaram por um processo
de crítica especializada, tal como vem acontecendo há mais de uma década pelos
livros do ensino fundamental” (p. 2), logo o autor traz a responsabilidade para nós
enquanto docentes de analisar criticamente tais livros e, devido a isso, é válido
salientar como é importante o papel da crítica nesse processo, pois, conforme
Saviani (2009), “quando se alteram as influências teórico-pedagógicas, os livros
didáticos mudam de cara.” (p. 151)

Haja vista que o livro didático é atravessado por influências pedagógicas


diferenciadas ao longo do processo histórico brasileiro, é de fundamental
importância que os profissionais da educação, especialmente os da Sociologia,
busquem analisar o que está sendo produzido sobre a nossa área de conhecimento,
principalmente no contexto do Novo Ensino Médio, a fim de observar as influências
teórico-pedagógicas do aprofundamento do neoliberalismo no campo educacional.

Em seguida, acerca da proposta programática, Moraes (2010) elucida a


construção das Organizações Curriculares Nacionais de Sociologia, em que tinha
como objetivo

elaborar um documento que viesse a refletir sobre a realidade dos


professores de sociologia e sobre a história dessa disciplina; trazer também
uma reflexão ou, menos do que isso, uma legitimação das práticas e
recursos usados pelos professores nas salas de aula. (p. 3)

Logo, fica evidente a relevância das OCN’s de Sociologia ao buscar orientar o


professor de Sociologia no seu fazer docente e, dialogando com o próximo tópico
sobre números de aulas x conteúdos, Moraes (2010) defende que não é possível
definir o conteúdo da aula sem ser decidido previamente a quantidade de aulas a
serem realizadas, no qual deve ser resolvido mediante os currículos escolares. Com
isso, mais do que refletir sobre os conteúdos a serem dados em sala de aula, o autor
endossa que o objetivo maior é ajudar o educando a desenvolver o famigerado
“pensar sociologicamente.” (p. 5)

No que diz respeito à situação geral da escola pública no Brasil, Moraes


(2010) afirma que esse “não é um problema exclusivo da Sociologia, mas de toda
comunidade” (p. 7). Ou seja, a crise que permeia o campo da educação a partir do
sucateamento da escola pública e da precarização do trabalho docente é um projeto,
conforme defendido pelo sociólogo Darcy Ribeiro, no qual busca manter a população
refém da classe dominante.

Em seguida, no que concerne à organização curricular da escola média


brasileira, Moraes (2010) traz as contribuições de Florestan Fernandes no I
Congresso de Sociologia ao compreender que a presença da Sociologia na
educação básica seria uma forma de refletir sobre o currículo escolar. Contudo, é
preciso considerar que “o currículo, como diz Tomás Tadeu da Silva, é expressão de
poder, é uma construção arbitrária do poder (...) e como disse noutro lugar, a
presença ou ausência da sociologia no currículo é desde já expresso de opções
políticas.” (p. 9-10)

No último tópico chamado objetivos do ensino médio: vestibular,


cidadania e mercado de trabalho, Moraes (2010) discute os distintos objetivos das
escolas públicas e privadas, cujas

escolas privadas orientam-se claramente para o vestibular (...) a


escola pública por fazer valer o clichê de preparar para a cidadania,
subtraem de seus alunos a possibilidade de se orientarem para o
prosseguimento nos estudos, esvaziando o ensino médio. (p. 8)

Logo, deve-se analisar que as escolas privadas seguem uma lógica


capitalista valendo-se dos seus privilégios sociais para garantir o seu acesso às
universidades, especialmente da sua bagagem formada pelo capital econômico,
social e cultural, como foi discutido anteriormente acerca da Sociologia de Bourdieu.
Portanto, devido ao fato de que os estudantes das escolas públicas não estão
munidos desta mesma bagagem de privilégios, são relegados a pertencer a um
mercado de trabalho precarizado.
Além disso, o autor ainda produz uma crítica contundente acerca das escolas
técnicas profissionalizantes a partir dos discursos políticos em defesa de tal tipo de
escola, contudo Moraes (2010) reitera que a sua tentativa de implantação da
profissionalização compulsória foi um desastre. Com isso, deve-se contextualizar
qual era o papel das escolas técnicas profissionalizantes na educação brasileira, em
que eram

voltadas para os filhos dos operários, cujo elemento de reprodução


social era tão explícito que aqueles possuidores do diploma profissional de
nível médio não poderiam pleitear o prosseguimento nos estudos, ou seja,
não poderiam ingressar na universidade (Oliveira, 2013, p. 138 apud
Freitag, 1980).

Logo, nota-se que o papel das escolas técnicas profissionalizantes estavam


versadas na manutenção da dominação da elite sob a classe dominada, seguindo
uma tendência pedagógica tecnicista que não estimulava o desenvolvimento do
pensamento crítico e não buscava incentivar o prosseguimento dos estudos através
da universidade.

Por conseguinte, acerca da tendência tecnicista, é fundamental trazer a


contribuição de Saviani (2005) ao compreender que esta advém da tendência
produtivista fundamentada na teoria do capital humano, cujo sistema de ensino
dialogava com o desenvolvimento econômico do Brasil, tendo sido alvo de críticas
da tendência crítico reprodutivista por “tornar a educação útil ao sistema capitalista”
(p. 19)

Com isso, Moraes (2010) traz mais adiante que

Os defensores da escola propedêutica para as classes populares


porque entendem a escola profissionalizante como mantenedora da
situação de classe, além de entenderem que a universidade deve ser um
direito de todos. (LDB9394/96, art. 35 e 36). (p. 9)

Levando em consideração o pressuposto trazido acima, é interessante


observar que o mesmo dialoga com o conceito de dualismo educacional defendido
por Florestan Fernandes ao explicitar que existem dois tipos de educação, em que
tem uma “educação voltada para a burguesia para manter seu estado de dominação
e o outro modelo para o mercado de trabalho, sendo ambos alienantes.” (Nobre e
Maia, [s.d.], p. 7)
Para finalizar, trazendo para o contexto brasileiro mais atual, mesmo sendo
garantida a obrigatoriedade do ensino da Sociologia perante a lei, este componente
curricular passa por constantes ataques, especialmente com o advento do Novo
Ensino Médio, aprovada em 2017 sob o governo Temer, tendo como objetivo o
adentramento ainda mais profundo do neoliberalismo no campo da educação, em
que reduziu a carga horária dos componentes curriculares para dar lugar aos
itinerários formativos.

REFERÊNCIAS

DUBET, François. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123,
p. 539-555, set./dez. 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática


educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 148p.

MORAES, Amaury César. Desafios para a implantação do Ensino de Sociologia


na escola média brasileira. Cadernos do NUPPs Ano 2, #1 Setembro de 2010.

NOBRE, Iziane Silvestre; MAIA, Lucíola Andrade. A educação segundo Florestan


Fernandes. Disponível em:
<https://www.editorarealize.com.br/editora/anais/fiped/2012/1a1f5179a20291f786451
d464ccb8289_1850.pdf>. Acesso em: 21 de novembro de 2023.

NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A Sociologia da


Educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação & Sociedade, ano
XXIII, no 78, Abril/2002.

OLIVEIRA, Amurabi. A formação de professores de Ciências Sociais frente às


políticas educacionais. Crítica e Sociedade: revista de cultura política. v.3,n.2,
Dez.2013.

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do


problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr.
2009.

SAVIANI, Dermeval. As concepções pedagógicas na História da Educação


Brasileira. Texto elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “O espaço acadêmico
da pedagogia no Brasil”, financiado pelo CNPq, para o “projeto 20 anos do Histedbr”.
Campinas, 25 de agosto de 2005.

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