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ALMA GRUPO

COMUNICAÇÃO E CULTURA:

A NAQUE BARROCO
ORALIDADES E
MESTIÇAGEM
DE CULTURA
BARROCO
MESTIÇA

Vol. II
E P L E I L S B L H Y O E O N H B S A F U S
S A Z E R U T A N E A T A M B É M I W A T C
N I E Y W D I I L R R R E F D A S H E A U O PEQUENO

ALMA
F S S N F Q N S N G N F I I D O H E I T T H

DE CULTURA
I A E E O N O E I H I S M E T T W E R N Y I
A G R E E N A I P F P C D T T D T A L L H Y
G E S T O V R L B L O L T A T N D N N M N T

NAQUE
X M C O V N P E P R A A F O E U O F V O Z E
E R R O D O H B D M É N T I Ç E O R R I A B
R T A I L O F E E A N V B Ã T C L U F Y T S

BARROCO
N D S O T Ô L O E O C M O O C W H T R E E S
T T W B L A N I S N A T P R M N S A E T F S

MESTIÇA
L H T C U B I I P R G P P Y P G S A H D R I
M F S O P N E A A A L A I N D T B T O T T Y
T E D N E U D N D G L O T C G I T E I N W H

Vol. II
E T S C A E T A E E D A S U E E B T E H O T

Oferecimento: PEQUENO A

Organização:
Bondes Amálio Pinheiro
Luís Fernando Pereira
dlendlen
sacolejando
desde 1922

A
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Reitora
Maria Amalia Pie Abib Andery

EDITORA DA PUC-SP
Direção:
Thiago Pacheco Ferreira

Conselho Editorial
Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)
Carla Teresa Martins Romar
Ivo Assad Ibri
José Agnaldo Gomes
José Rodolpho Perazzolo
Lucia Maria Machado Bógus
Maria Elizabeth Bianconcini Trindade Morato Pinto de Almeida
Rosa Maria Marques
Saddo Ag Almouloud
Thiago Pacheco Ferreira (Diretor da Educ)

Rua Monte Alegre, 984 - Sala S16


CEP 05014-901 - São Paulo - SP
Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

E-mail: educ@pucsp.br - Site: www.pucsp.br/educ


Grupo Comunicação e Cultura: Barroco, EDUC - Editora da PUC-SP
Oralidades e Mestiçagem
Direção
Organização e Edição Thiago Pacheco Ferreira
Amálio Pinheiro e Luís Fernando Pereira
Produção Editorial
Revisão Sonia Montone
Luíza Spínola
Editoração Eletrônica
Capa, Projeto Gráfico e Diagramação Waldir Alves
João Lucas Nogueira Gabriel Moraes
Arte da Página de Abertura Administração e Vendas
Karina Sousa Ronaldo Decicino

Copyright © 2021. Foi feito o depósito legal.


Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri/PUC-SP

Pequeno almanaque de cultura barroco-mestiça / orgs.


Amálio Pinheiro, Luís Fernando Pereira. - São Paulo: EDUC, 2021
v. II ; 18 cm.
Bibliografia.
ISBN: 978-65-87387-41-3
Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco, Oralidades e Mestiçagem
Apoio financeiro Pipeq.

1. Cultura - Modelo semiótico. 2. Comunicação e cultura - América Latina. 3.


Miscigenação - América Latina. 4. Antropologia. 5. Semântica (Filosofia). 6. Mestiçagem
- América Latina. I. Pinheiro, Amálio. II. Pereira, Luís Fernando. III. Título.

CDD 306.4022

Bibliotecária: Maria Lúcia S. Pereira CRB 8ª/ 5754


Inventário

Alpendre, 11 e Duende Iauaretê, 55


João Lucas Nogueira

Ambiente, 16
Solange Alboreda

Animais, 21
Micheliny Verunschk

Bairro, 27
Vito Antico Wirgues

Bunda, 33, Gesto, 81 e Paisagem, 98


Isabel Rebelo Roque

Caderno, 37
Ariane Azambuja Salgado

Caixa, 43
Audrei Aparecida Franco de Carvalho

Colônia-Coral, 47 e Fronteira, 69
Luís Fernando Pereira

Cordel, 50
Antonio Iraildo Alves de Brito
Inventário

Fluxo, 61
Giuliana Angelini

Folia, 64
Karina Sousa

Frutas, 74
Amálio Pinheiro

Natureza, 86
Mila Goudet

Nheengatu, 93
Orlando García

Provérbio, 104
Abreu Paxe

Também, 110
Maria Fernanda de Mello Lopes

Tradução, 117
Mara Lafourcade Rayel

Voz, 121
Luiza Spínola
V
aconchego
transição
pen
Al
dre
interlúdio
rede

lua minguante
Z
Almanaque de cultura barroco-mestiça

Al
-pendre é borda. Marco poroso da
transição. Fronteira permeável entre
o interno e o externo. Não divide pois
não separa. Une dentro e fora enquanto pórtico coberto.
Cobre simplesmente, como manjedoura (Adalberto Alves,
2013) que protege encontros. Para o funcionalismo da
modernidade, é apenas membrana para bloqueio térmico.
O alpendre se sacrificaria expondo-se ao sol para garantir o
conforto-útero. Engano. As casas já eram excelentemente
climatizadas com suas alvenarias de fortificação com
argamassa de cal (Maria do Carmo Bezerra, 2012).

Perdem os tecnicistas funcionais o melhor do alpendre: as


trocas, os possíveis, a transição, o interlúdio. Pouso para as
jornadas nômades. Percursos comuns para quem carrega
o castanho mourisco nos alforjes da pele, para quem pisa
protegendo o calcanhar com as alpercatas barrocas da
civilização em desalinho com a história. Lugar de histórias
sob a luz das violas em cantoria com a lua. Lua que quando
minguante torna-se modelo para as redes de alpendres,
pendurada nos armadores do céu. Toda rede que se preza,
inclusive, tem varanda rendada, como os alpendres rendilham
avarandando as arquiteturas do aconchego. Não há alpendre
sem redes armadas. Preguiça do mormaço. Atenção no
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ALPENDRE
horizonte. Câmara Cascudo sugeriu que Sigmund Freud só
usava o divã para a análise porque nunca se deitou numa rede
(Diógenes da Cunha Lima, 2018). Certamente facilitaria seu
trabalho, se armada em um alpendre, balançando as brechas
do fora-dentro. O alpendre, afinal de contas, rompe com a
lógica do que é fora e do que é dentro. Permite a chegada, a
conversa e a partida. Recebe, acolhe e protege o viajante sem
que seja necessário escangotar as portas da intimidade.

Até as décadas iniciais do século XVIII é elemento


inexistente, ou de rara presença na arquitetura civil do
sertão. Com o declínio da pecuária e o início da valorização
da agricultura nas décadas finais do XVIII e início do século
XIX, segue-se relativa tranquilidade do ambiente. Um
novo espaço se forma na casa do sertão, uma membrana,
uma interface, um limite vivo de troca da casa com o
ambiente externo imediato. Efetiva-se um espaço que
ao mesmo tempo que acolhe aquele que vem de fora
e o protege, resguarda o que está dentro. Ademais, o
alpendre tornar-se-ia também como uma área de uso
múltiplo, que de pronto, adapta-se às necessidades de uma
alteração programática. (Daniel Ribeiro Cardoso, 2008)

Avesso do avesso das arquiteturas arábigo-andaluzas, que


abrem-se dentro de si próprias, nos livres pátios de seus
centros alpendrados. Talvez o sertanejo veja o mundo como

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Almanaque de cultura barroco-mestiça
um árabe andaluz nômade-mestiço: o mundo externo é o
verdadeiro interior de sua casa, seu pátio alpendrado. O interior
da casa é onde se entra para sair, abrigo de refúgio e descanso.

Cabe o mundo no alpendre. Lugar do possível, não


se limita ao uso funcional. Espaço mestiço que
incha seus sentidos a cada nova agregação.

Espaço do entre, a varanda sertaneja é lugar do inusitado.


Entre – vocativo de chamamento, aboio das almas vagantes,
muezim da siesta na hora das miragens. As horas abertas,
sem defesa, em que os demônios do meio-dia libertam-
-se e só se detém nas soleiras (Natércia Campos, 2011).

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Referências
Adalberto Alves. Dicionário de arabismos da língua portuguesa.
Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2013.

Daniel Ribeiro Cardoso. Desenho de uma poiesis - comunicação


de um processo coletivo de criação na arquitetura. Doutorado
(Comunicação e Semiótica) – PUC-SP, São Paulo, 2008.

Diógenes da Cunha Lima. Câmara Cascudo: um


brasileiro feliz. São Paulo: Dragon, 2018.

Maria do Carmo de Lima Bezerra. Notas sobre as casas de


fazenda dos Inhamuns. Brasília: Senado Federal, 2012.

Natércia Campos. A casa. 3a ed. Fortaleza: Imprece, 2011.

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onça w
du
improviso

iauaretê
en
de
R

jorro de sangue
pelintra saci
Almanaque de cultura barroco-mestiça

A
lma barroca da mestiçagem latino-americana. Brota
do chão e entra pela sola dos pés ibéricos, sobe
pelos quadris mestiços e sai pela boca, em jorro de
sangue, na voz de Mercedes a Chavela, de Bethânia a Chabuca,
de Omara a Amália. Saci que faz onça o sujeito ativo da criação.
Na precisão de Lorca, o duende é um lutar e não um pensar:

Así, pues, el duende es un poder y no un obrar, es


un luchar y no un pensar. Yo he oído decir a un viejo
maestro guitarrista: “El duende no está en la garganta;
el duende sube por dentro desde la planta de los pies.”
Es decir, no es cuestión de facultad, sino de verdadero
estilo vivo; es decir, de sangre; es decir, de viejísima
cultura, de creación en acto. (Garcia Lorca, 1933)

Intuição do gênio no improviso de um corpo em luta contra


a morte. Morte, as mais variadas. Regozijo que não se nega
à luta. A capacidade lúdica de rir e gozar mesmo e apesar
de dores e sofrimentos. É compartilhar saudade em festa e
rasgar num canto a solidão. E por falar em saudade, talvez
seja o duende que a faça brotar em nossas línguas. Segundo
Laplantine, é sofrer de um prazer passado ao mesmo tempo
em que se tem prazer no sofrimento de hoje. Sentimento
aduendado que faz brotar beleza nas dores dessa terra em
transe. Pois, “con duende es más fácil amar, comprender,

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duende iauaretê
y es seguro ser amado, ser comprendido, y esta lucha por la
expresión y por la comunicación de la expresión adquiere a
veces, en poesía, caracteres mortales” (García Lorca, 1933).

O duende de Lorca brota das culturas cigana e mourisca,


desde as encantarias do flamenco andaluz, embebido na
cultura judaica dos marranos mestiços em fuga imposta
pela inquisição. Paralelo entre o “Alá” gritado nos momentos
mais enduendados da música árabe e o “olé” gritado no
flamenco espanhol. Manifestação que é dança, ritmo, letra,
voz, garganta, liga-se à poesia, à música, à instrumentação
em movimento de pés, mãos, roupas, tablado e taberna.
Ação de um corpo vivo que não interpreta formas, mas
o tutano das formas. Viscerais. Das tripas coração.

Inspiração artística irrepetível, irrecriável e irrepresentável.


O duende não se planeja. Improviso que faz nascer um
primeiro som de linguagem. Puro ato de criação que se dá
com o transbordamento da técnica, esquecido nos arquivos
mofados de antiquíssima e profunda memória. Duende
que dá sua graça nos estertores da vida. No último suspiro
que contamina o corpo com a libido que escancara a morte.
É a transfiguração que Euclides da Cunha (1984) viu no
sertanejo: de Quasímodo a Titã, acobreado e potente.

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Almanaque de cultura barroco-mestiça
O percurso de criação do duende toma rumos distintos
aos experimentalismos das vanguardas europeias desde o
princípio. Vanguardas que buscavam romper e superar sua
crise histórica através do experimentalismo. Ruptura com o
passado clássico, disrupção com a própria história. Nos lugares
de duende o processo é outro. Segue caminhos barrocos
em abraço com o estranho, o insólito, o paradoxo. Não há
necessidade de rompimento com o passado, porque os tempos
se canibalizam em um ouroboros fractal e espiralado nas
veias abertas das saudades. Aglutinações, excessos e exageros
encaixados nas miudezas e no vai e vem preciso das tessituras
rendadas. “Constante batismo das coisas recém-criadas”.

Na América Latina, o duende é festivo e carnavalesco. Existe


na potência do quadril gingante e na voz rouca e metálica das
vadiações populares. É Zé Pelintra que trabalha as criações
juremeiras de uma constituição social em festa e trânsito
perene. “Cultura, encruzilhadas, adaptações, dinamismo,
ressignificação, sobrevivência, adaptação, invenção,
renovação” em uma “fabulosa odisseia de cura, amor, folia,
paixão e redenção arrebatada na rua” (Luiz Antônio Simas,
2021). É Saci em jogo na parceria não disputada e alegre das
brincadeiras. Supera-se a oposição entre morte e vida pela
reconstrução diária das regras dessa peleja pelo brincante.
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duende iauaretê
Está na orla, nos limites, é ferida aberta, vive na fronteira,
ente fronteiriço que refaz traduções entre corpos pelo
afeto. Portanto, desfaz os entendimentos tristes das velhas
dicotomias ocidentais: centro-periferia, novo-velho, corpo-
-mente, dentro-fora. Dá a volta nas compreensões
corporativas - desculpas pelo trocadilho –
por um corpo ativo que luta e descobre sua
existência única no limite do real e da vida:

não se explica pelo discurso dos meios, poderes e instituições:


atua, coletiva e anonimamente, nos porões da história e
nas séries da cultura cotidiana, como enorme laboratório e
almoxarifado da memória, dos acontecimentos urbanos e
da natureza, desde um simples objeto de uso doméstico aos
grandes espetáculos populares. (Amálio Pinheiro, 2020)

Duende-onça-saci-pelintra que faz real as mediações


possíveis através do encantamento. Traz à terra o divino
em corpo, quadril e bunda que dançam. O duende de
Campos de Carvalho (2017) ensina que “as flores têm o
perfume que a terra lhes dá sem ser perfumada. Assim,
também nós devemos dar a nossos atos aquilo que
não trazemos em nós mas de que somos realmente
capazes, e que não morrerá com a nossa morte”.

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Referências
Amálio Pinheiro. A condição mestiça. Pasquinagem,
São Paulo, v. 10. p. 8-23, set. 2020.

Amálio Pinheiro. Sistematização das atas 2006-2017: Projeto X – Fase


1. São Paulo: Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco,
Oralidades e Mestiçagem/PUC/SP. 2018. (DGP CNPq/Lattes)

Euclides da Cunha. Os sertões. São Paulo: Três, 1984.

Federico García Lorca. 1933. Juego y teoría del


duende. Libros Móviles. Edição do Kindle.

François Laplantine; Alexis Nouss. A mestiçagem.


Lisboa: Instituto Piaget, 2017.

Luiz Antônio Simas. O corpo encantado das ruas. 8a


ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

Walter Campos de Carvalho. A Lua vem da


Ásia. São Paulo: Autêntica, 2017.

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