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INTRODUÇÃO

TONY TCHEKA

António Soares Lopes Júnior (Bissau, Guiné-Bissau, 21 de dezembro de 1951) é


um jornalista e poeta guineense.
Como jornalista foi director da Rádio Nacional da Guiné-Bissau (RDN), chefe da redacção
e director do Jornal Nô Pintcha, tendo criado um suplemento cultural e literário com o
nome "Bantabá". Foi também correspondente e analista, tendo trabalhado com
a BBC, Voz da América, Voz da Alemanha, Tanjug e, em Portugal, com a Agência
Noticiosa Portuguesa (ANOP), com o jornal Público, com a RTP África e com a TSF.
Tony Tcheka foi um dos fundadores da Associação de Escritores da Guiné-
Bissau (AEGUI), tendo sido eleito vice-presidente da associação. Colaborou na criação
da União de Artistas e Escritores da Guiné-Bissau (UNAE) onde desempenhou o cargo de
secretário executivo. Ajudou a criar e presidiu à Associação Guineense de
Jornalistas (AJGB) em Setembro de 1986.
António Soares Lopes tem colaborado com diversas entidades reconhecidas
internacionalmente como UNICEF, Swedish Save de Children, UNESCO, IRIN (ONU)
e IPAD (Portugal) entre outras.

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DESENVOLVIMENTO
Arrefecida a euforia dos primeiros anos da libertação do jugo estrangeiro, a traição aos
ideais revolucionários anuviou o entusiasmo do passado recente e a auto colonização
recrudesceu, ulcerando a dignidade e o amor próprio da classe dirigente, ao lado do
descalabro dos governantes, desiludindo a população que, cada vez mais, foi buscar
possibilidades de sobrevivência fora do país. A falta de oportunidades profissionais na
Guiné Bissau, a estagnação económica, o mau estado da agricultura e das infra
estruturas sociais (provocando o êxodo rural), a ausência de indústrias que criariam
lugares de trabalho são muitas das razões que movem o emigrante: “É gente nossa
partindo/ desesperadamente/ semana/ a /semana/ vôo/ a/ vôo”, registra Tony Tcheka num
poema intitulado “Ilusão”, consciente da falácia dessa vã esperança (Tcheka, Noites de
insónia, p. 63).

Em “Diasporando”, o poeta reforça com essa transgressão semântica o protesto contra a


degradação do emigrante africano na diáspora, vítima da complacência e do desprezo
dos privilegiados: “Silenciosamente/ mudámos// para ficar/ sem estar// Mas ainda nos
querem/ grãos de gente apeada/ da vida/ os negados do bem estar// ilegitimados/ da
sorte” (Tcheka, Guiné sabura, p. 38). A experiência acumulada pela submissão ao
colonizador continua viva, repetindo se, na metrópole, quase a mesma situação das
passadas humilhações e de desintegração identitária: “adulteraram a minha cartilha –
amassaram a minha alma”, denuncia ainda no mesmo poema; e em “Poesia brava”,
recusa-se altivamente a perpetuar a dependência: “Não seremos/ o velho das grandes
avenidas/ de cadillacs e benzes/ que estende a mão/ sem vintém/ ouve desdém/ e passa
fome” (Noites de insónia, p. 81).

A identificação com o meio social e físico onde cresceu e viveu tem grande relevância
para o posicionamento do indivíduo dentro da sociedade e em sua interação com ela, e
propicia uma ligação emocional com esse território. Desenvolve-se uma identidade
espacial que constitui uma necessidade emocional e psicológica do indivíduo (Mai, p. 5).
Longe, na cidade estrangeira, a saudade envolve o emigrante, ampliando na memória o
espaço físico
do torrão natal, o que pode provocar uma desestruturação no indivíduo, assunto muito
tratado nas ciências políticas e também presente na literatura guineense, como se vai
apresentar exemplarmente na lírica de Tony Tcheka.

A ilusão de uma vida melhor, a perspetiva de salários mais elevados, de liberdade e de


autodeterminação podem levar ao fascínio muitas vezes falacioso da emigração. Em um
poema na língua guineense, “Noba di prasa” (Novidades da cidade), o poeta realça a
desilusão da jovem que sai de sua aldeia natal para tentar a vida num meio maior, cedo
descobrindo que os encantos do mundo urbano não trazem nem a esperada fartura nem
a almejada felicidade: “tarbadju keia/ diñeru nin pliu!/ [...] é barankial bida/ kurpu sinti ”
(nenhum trabalho, nenhum dinheiro, [...] a vida sacode-a (a jovem) com violência, a
pessoa sofre). Nem o conforto nem o brilho da cidade conseguem arrefecer a saudade do
lugar de origem, a saudade do vento a soprar nos campos de arroz, nas bolanhas,
misturada à sede da água da fonte: “sodadi di bentu di blaña/ djagasi ku sidi di iagu/ di
fonti ” (Noites de insónia, p. 21), à sede de suas raízes e de sua autenticidade.

Pois a realidade do emigrante é bem distinta: “ Erramos/ no desconforto/ desesperado/ da


diáspora ” (Guiné sabura, p. 39). Em “Ceia operária”, espelha-se o que quase sempre
aguarda o emigrante na metrópole: uma vida de operário não qualificado, trabalho por
vezes aviltante, salários de fome e a frustração, fatores que o arrastam frequentemente,
por desespero, ao vício da embriaguez, além da marginalização e do isolamento: “Um

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copo três/ tinto/do tinto que queima o peito/[...] manhãs de invernia/ em pleno verão/[...]
’uma sandes/ de chouriço’/ sem manteiga/[...] e mais.../ um copo/ e outro/ no papo seco/ é
uma ceia operária/ às duas da tarde./ Lisboa coisa boa/ disseram-me um dia!!!” (Noites de
insónia, p.58).

Referências geográficas são parte da comunicação, apontam simbolicamente para um


sentido social e guardam uma vigorosa memória histórica e biográfica, contribuindo para o
equilíbrio emocional e o reforço da “consciência de pertencimento”, expressão já utilizada
por Georg Simmel. Muitos poemas de Tony Tcheka estão impregnados de uma ira santa,
de indignação e impaciência pelo desbarato social e económico em que o país está
mergulhado, pelo marasmo de sua “Guiné”, “terra adormecida”, sua “terra tísica”,
“zurzida”, terra “mulher grande/ fêmea/ sofredora/ terra di mi” (Guiné sabura,p.45),mas
também terra “suave, sabi”, “kerensa gustus”.Confirmando a assertiva de Stuart Hall, que
afirma fazer geralmente parte da definição do indivíduo nomear sua origem (Hall,p.47), a
“Guiné sabura que dói” é referida ao longo de toda a obra, ora com desabafos
esbravejantes, como em “Terra sofredora”: “Terra [...]/ plasmada de dores/ sucumbindo a
tormentos/ amontoados nos becos” (“Guiné sabura”, p. 33); ou por lamentos amargos:
“Terra sahel/ [...] voos amargos/ [...] esperança a esvair” (p. 21), ora ainda com balbuceios
plenos de ternura: “Guiné minha flor de canteiros perdidos”. Elegendo a “sombra minha/
protegendo as minhas ibéricas noites”, o poeta amante desdobra-se em evocações,
entoando um “Concerto à Guiné”: “Guiné [...] amor/ da chuva deflorando/ a terra vermelha
de Bankulé/ [...] do perfume das moranças/ em tons de cabaça[...] acácias floridas” (p.30).

Stuart Hall, em A identidade cultural na pós modernidade, acentua a grande importância


para o indivíduo de pertencer a um grupo, a uma sociedade, a uma nação, ali estar
integrado, conhecimento ao qual “pode até não dar nome, mas que ele reconhece
instintivamente como seu lar” (Hall, p. 48). Tony Tcheka conhece, por experiência própria,
a inadaptação, a saudade da pátria distante, o perigo do desenraizamento. Em “Guiné”,
confessa ter a pátria onipresente no pensamento: “De longe/ entre as sete colinas/ vejo-
te” (Noites de insónia, p.59). E a ânsia do regresso provoca miragens no sujeito poético:
“aquela ausência demorada/ faz-me ver o Geba/ subindo sobre o Tejo”.

Dificilmente integrando-se no novo ambiente, o traço de união mais forte e a força


congregadora mais eficiente do emigrante é a vivência em comum do não pertencimento,
o desconforto causado pelo estranhamento. “A integração foi um fiasco”, constata Joana,
personagem de Kikia matcho (Barros, p. 142). A inclusão se efetua entre os excluídos,
formando uma comunidade de sofrimento e insatisfação, de frustração e ressentimentos,
mas que lhes proporciona uma estabilidade emocional.

Carlos Lopes, em “Do poilão à cova”, um dos contos de Corte Geral, refere se ao costume
de muitos emigrantes que não dispensam os produtos da terra para assim, na situação de
marginalidade em que vivem, fazerem face emocionalmente a uma relação social
assimétrica, de outro modo insuportável: “Sobretudo os mais velhos não dispensavam os
sabores mais exóticos que tinham pautado a sua vida: papaia, mango (que nós não
dizemos isso no feminino), goiaba, mas sobretudo fole, azedinha, veludo e miséria. Para
já não falar de chabéu e outros suculentos molhos pré preparados. Essas coisas não se
vendem nos hipermercados, nem tão pouco ’baguitche’ ” (Lopes,p.36).

O africano procura adaptar se, pelo menos exteriormente, ao ambiente e aos costumes
europeus, vestindo-se e comportando-se como aqueles que os rodeiam, mas tem
consciência de continuar sendo um corpo estranho. Carlos Semedo, a primeira voz
poética guineense, como poema “Ansiedade”, datado de Bissau, 1962, enquadra-se muito
bem nessa temática. A saudade o atormenta e o emigrante anseia pelos ruídos, cores e
aromas de sua terra: “Visto fato/ de corte moderno/ gravata condizente// A camisa de
Vibra sintética/ assenta impecavelmente// Sou peça sombria/ d’uma Europa/ patética//
Minha África distante...// A saudade faz-me louco” (Semedo, [p.27]).

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Mais de uma década depois de ter escrito os poemas que integram seu livro inaugural,
Tony Tcheka mostra se, em “Guiné sabura que dói”, continuadamente solidário e
vinculado a seus compatriotas, com eles identificando se empaticamente. Em
“Diasporando”, empregando a primeira pessoa do plural, Tcheka define-se a si, e aos
demais marginalizados na grande metrópole, com dolorosas metáforas, chamando a
atenção para a vida mofina dos desterrados: “chegamos/ asados/ africanamente [...]/
sublimamos os partos adiados/ aprendemos a falar de boca fechada/ e a saborear a
saliva amarga de desgraça (“Guiné sabura”, p.38).

Tony Tcheka tematizou em muitos poemas a experiência da guerra intestina que abalou o
país de junho de 1998 a maio de 1999, quando a visão dos “magotes de guineenses” em
fuga arrancou-lhe pungentes e irados versos, como em “Êxodo”: “Balaios/ de mágoas/
corpos/ sofridos/dores/ encruadas/ cruzam-se em estradas/ de ninguém/ caras/ tisnadas
de sofrimento/ baldeados/ sem caminhos/ magotes/ de guineenses/ fugindo da sua Guiné/
terra seca/ insuflada/ de pólvoras/de ódio” (p.37).

Está-se diante de um poeta de olhar vigilante e insone, possuidor de um lirismo indignado,


postura participativa, sensibilizada e sensibilizadora, gerando versos de grande
criatividade, e que capta, solidariamente, não só o sujeito subalterno no seu país,
emprestando-lhe sua voz, como tem olhos e oração para a vida difícil e interiormente
dividida dos emigrantes, saudosos do torrão natal, insatisfeitos em terras estrangeiras.
OBRA
 Noites de Insónia na Terra Adormecida  (1987) publicado em 1996.
 Desesperança no Chão de Medo e Dor
 Guiné: Sabura Que Dói
 Os média na Guiné-Bissau
 Coordenação das antologias
o Mantenhas para quem Luta
o Antologia da Poesia Moderna Guineense
o Eco do Pranto
o (no prelo)

Os seus textos foram publicados em diversas antologias como:


 Anthologie Littéraire de l´Afrique de l´Ouest  (França)
 No Ritmo dos Tantãs  (Brasil)
 Na Liberdade  (Portugal)
 Rumos dos Ventos  (Portugal)
 Anna  (Alemanha)
 Poesia da Guiné – Bissau  (Grã-Bretanha)
Prémios e honrarias
 "Diploma de Mérito com Estatueta" - atribuído pelo Instituto Superior das Ciências
da Educação de Lisboa pelo conjunto da obra.
 "Diploma de Mérito Grau de Engenheiro de Almas" - atribuído pela Sociedade de
Autores Guineenses  (SGA) pela sua contribuição na literatura guineense.
 "Diplomas atribuídos pela SGA na área do jornalismo  (televisão, rádio e imprensa
escrita).
 Prémio da Lusofonia" (2017)

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TERRA TÍSICA
terra sahel
POVO ADORMECIDO vento
cinzento
Há chuvas
esboçando
que o meu povo não canta voos amargos
Há chuvas movediços
que o meu povo não ri esperança a esvaiar
Perdeu a alma das alturas do futa djalon
na parede alta do macaréu -o bombolom
Fala calado lamina ventos
e canta magoado anuncia eventos
repica forte
Vinga-se no tambor e geme
na palma e no caju no corpo
mas o ritmo não sai do vento saheliano
Dobra-se sob o sikó dores saheis
como o guerreiro vergado em contravento
cala o sofrimento no peito
a seca
O meu povo é um gemido ululante
chora no canto sublimado
canta no choro nas cordas adelgaçadas
e fala na garganta do bombolon do nhanhero griot
Grei silêncio a chuva
quebrado que o vento
nas gargalhadas de Kussilintra levou
em quedas de água mora no imaginário
moldando pedras sumido
esfriando corpos de um choro
esculpidos sem tambores
no corpo do bissilão sem cana sem
lágrimas
o vento
deixou-nos
a ânsia gotejando
no pulmão da terra tísica

CONCLUSÃO

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E Concluímos com excertos de um longo poema do recente livro de TonyTcheka, como
título “Angulazada na Tugalândia!”,neologismos invulgares que ressaltam as diferentes
interseções dos ajustes e compromissos da aculturação, marcando a distância existente
entre os dois mundos, mas também a inevitável, e mesmo desejável, coexistência:
“Obtuso/ ângulo/na interceção/ de um tempo fronteira/ configurou se/ a 360 graus//
angulei//[...] e /quando o mar/ desadamastado/ anuiu aos encantos do korá/ o nhanhero
traçou a nobel rota/ cantado o último fado/ [...]//benzidas com cálices de porto e palma/ as
novas caravelas zarparam/ ligando o Tejo ao Geba/ sem adamastores e sem recear
bojadores// angulei/ voltei/ à terra branco das sete colinas/ de infantes conquistadores/ de
Camões e de Alegre/ de Eça e de Negreiros/ penas afiadas/ que cortaram amarras/ quais
santos milagreiros// – Capitães de Abril – // não vi a rainha santa/ mas saboreei a
multiplicação/ de cravos vermelhos/[...] rasgando sorrisos/ dessa lusa gente minha irmã//
[...] soltei/ o tempo/ fui às docas catingadas de suor antigo/ de cais em cais fui ouvindo
Zeca Afonso/ interpretado na dança das gaivotas// os soldados já não embarcam/ as
mães guardaram os lenços de acenos temerosos// uma lágrima de negro/ juntou se às
águas ternurentas do Tejo/ falando mantenhas de saudade da Guiné reencontrada// essa
Guiné que embala o sono/de soldadinhos de chumbo/ que nunca mais voltaram/ ao
regaço da Tugalândia// subi/ subi/ subi/ animei/ fui à Mouraria Alfama Bairro Alto/ becos
de saudade[...]// eu estava na Tugalândia/ sem mordaça//[...] fintei/ a saudade/ de um
espaço/ que não era meu[...]// lembrei/ tempos estéreis/ tempos em que/ eu/ tu/ nós/
éramos/ os outros/ o segundo/ o terceiro/ o quarto/ de um outro qualquer// regressei/ hoje
estou aqui/ sem lanhos biliosos/ aliviado de um peso/ que não é meu/ nem teu// e/ sem
precisar de/ crucificar caravelas/ ou de permutar/ santos e/ aguardentes// angulei//
exorcizei !“ (Guiné sabura, p.40).

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

«Figura da Semana: Guineense Tony Tcheka distinguido com o Prémio da Lusofonia».


Jornal O Democrata GB. 10 de setembro de 2017. Consultado em 16 de junho de
2018. Cópia arquivada em 12 de setembro de 2017

«Criação da Associação de Escritores da Guiné-Bissau – AEGUI». GBissau.com. 16 de


outubro de 2013. Consultado em 15 de junho de 2018. Cópia arquivada em 15 de junho
de 2018

«Correntes d'Escritas» (PDF). Câmara Municipal de Varzim. Fevereiro de 2017.


Consultado em 16 de junho de 2018. Cópia arquivada (PDF) em 23 de agosto de 2017

«Guiné-Bissau: Criada Associação de Jornalistas» (PDF). Cadernos do Terceiro Mundo.


Setembro de 1986. p. 78. Consultado em 17 de junho de 2018. Cópia
arquivada (PDF) em 17 de junho de 2018

Mário Matos e Lemos. Política Cultural Portuguesa em África - O Caso da Guiné-


Bissau (1985-1998). Gráfica Europm, 1999

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