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nitidamente pedagogico feitas nas entrelinhas e margens de textos com o rista dos eruditos e gramiticos da época, o cariter de lingua perfeita,
intuito de ajudar a interpretar palavras ou passagens que representavam simbolo de uma tradiqao cuitural e de vaiores universais.
dificuidades de leitura o u aprendizagem. As glosas consistiam, muitas O contexto intelectuai da época n50 havia mudado muito com
vezes, em tradqoes. A necessidade sistematica desses suportes pedago- relaqao ao periodo anterior: o numero de pessoas letradas e de pessoas
gicos levou a uma formuiaq50 mais elaborada que viria a dar origem aos que tinham acesso a uma educaq5o formal continuava muito restrito;
glossirios, que constidam um conjunto de glosas de um texto. os livros, escritos a mao, eram poucos e caros. As escolas eram manti-
Na Antiguidade, a preocupaqao diditica sempre esteve presente das pelos mosteiros e destinadas à formaqao de monges. Responsiveis
na elaboraqao dos glossirios tanto na Grécia, onde essa tradiqao é pela conservaqao d o saber, aos monges se deve a preservaqao de mui-
mais antiga, quanto em Roma. Na Grécia, a valorizaqao dos textos tos dos conhecimentos e da literatura dos romanos. Eles compilavam
clissicos, sobretudo a partir do reinado de Alexandre Magno (336- e estudavam manuscritos antigos tanto cristaos como pagaos. Assim,
323 a.C.), levou os eruditos e gramiticos a produzirem comentirios o ensino e a preservaqao da cultura estavam nas mios da Igreja que re-
sistemiticos que explicavam palavras raras o u de acepcao particular, presentava um dos redutos da esfera social em que o latim apresentava
utilizadas pelos autores clissicos. Essa preocupaqao resuitaria em 1é- maior resistencia com relaqao à expansao das linguas vulgares. Todos
xicos e glossirios consagrados à linguagem desses autores, sobretudo esses fatores explicam o fato de que grande parte dos glossirios pro-
de Homero, além da compilaqao de termos técnicos e dialetais. A duzidos nessa época esteja voltada à preocupaqao em suprir lacunas
necessidade de elaboraqao de glossirios de cariter bilingue devia-se à de conhecimento tanto dos monges e sacerdotes quanto daqueles por
diversidade diaietal e à presenqa de paiavras de diferentes dialetos, em- cujo ensino e formaqao intelectual eram responsiveis.
pregadas sobretudo nos textos literirios. Seguindo o mesmo caminho, Durante o longo processo de estruturaqao da sociedade medievai,
também foram produzidos, em Roma, muitos léxicos e glossirios as linguas vulgares viio, pouco a pouco, ganhando terreno frente ao la-
consagrados à lingua dos grandes escritores tanto romanos quanto tim, lingua da Igreja e de cultura. As primeiras manifestaqoes literirias
gregos. O interesse pela cultura grega levou à elaboraqao de glossirios em lingua vulgar sao anteriores ao século XII e, ji no sécuio seguinte,
que traduziam para o latim tanto termos correntes quanto termos essas linguas tem um papel importante na institucionaiizaq50 da vida
especificos a certos escritores gregos, além de fragmentos de textos publica e privada, à medida que o latim n50 atende satisfatoriamente
(MATORÉ, 1968, p. 39-44). às necessidades discursivas das sociedades em transformaqao. Essas
Na Idade Média, a produqao de glossirios também se deve a pre- mudanqas dao lugar, por um lado, a uma situaqao de bilinguismoj
ocupaqoes pedagogicas, ligadas às transformaqoes e mudanqas socio- entre as pessoas mais cuitas, que se estende até a aurora dos tempos
economicas e politica~que marcaram o periodo. As invasoes birbaras modernos e, por outro lado, a urna defasagem de competencia que
sucessivas que sofreram os territorios que, na Antiguidade, constidam tornava o discurso latino cada vez mais obscuro (MATORÉ, 1968,
o Império Romano acarretaram uma verdadeira onda de instabilida- p. 45). Assim, podemos considerar, de uma forma geral, que o surgi-
de. Na Europa, a decadencia d o ensino e a deterioraqao progressiva mento dos glossirios, assim como das primeiras listas lexicais de que
d o latim clissico favorecem o desenvolvimento dos faiares popuiares e se tem noticia, se deve, em grande parte, às exigencias impostas por
espontbeos que, relegados à comunicaq50 cotidiana e familiar, eram uma simq50 de bilinguismo que, segundo Dubois (1971, p. 34), tem
considerados formas deterioradas e corrompidas d o latirn, ao qual se um cariter determinante no surgirnento historico dos dicionirios de
atribuia, no h b i t o de uma concepqao estritamente normativa e pu- uma forma gerai.
LINGUAGENS E M INTERAÇÁO 111: ESTUDOS D O LÉXICO
Nesse período, muitas produções bilíngues ou multilíngues fo- Os dicionários bilíngues ou multilíngues desse período recebem
ram concebidas como formas de acesso ao latim, com a preocupa- como legado das produçóes lexicográficas anteriores uma estrutura se-
ção de preservar o uso ameaçado das línguas mortas. A essa categoria mântica definida desde a Antiguidade e Idade Média, construída sobre
pertencem dicionários como o Dictwnnaire JCiançais-latin (1539) de um princípio de equivalência passível de se estabelecer entre as formas
Robert Estienne, ao qual se atribui o uso, pela primeira vez, da pa- de um determinado sistema linguística e formas simples ou perifrásticas
lavra francesa dictionnaire, o Vocabulario espa6ol-latim (1495) de Elio de um outro sistema (REY, 1977, p. 14). Os dicionários monoiíngues
Antonio de Nebrija e o dicionário português-latim de Jerônimo Car- surgem posteriormente com base na evolução do mesmo princípio, ma-
doso (1562). Embora dicionários como esses revelem as primeiras nifestado no interior de um mesmo sistema, sob a forma de substituição
manifestações de um interesse pelas línguas maternas, as condições do procedimento de tradução pela descrição por meio de enunciados
que presidiram a sua produção contribuem para acentuar a precarie- provenientes da mesma língua: "notre idée centrale du dictiunnaire, lhe
dade metodológica de sua descrição, uma vez que a nomenclatura wdonnée dJunités-stgnesdémites par des émcés provenant du même code,
desses dicionários era constituída em função do latim. Na verdade, o est &c issue de la disparition d'une démrcbe traductrice" (REY, 1977, p.
dicionário de R. Estienne (1539) é uma inversáo do seu Dictionarium 87). Por isso, é importante dizer que, segundo Wagner, os dicionários
latimgallicurn (1538) e o dicionário de Nebrija (1495) é uma inver-
monolíngues das línguas ocidentais não são resultado de uma simples
são do seu Diccionario latino espa6ol (1492).
tradução ou adaptação dos dicionários monolíngues latinos que os an-
Com a mesma preocupação de preservar o passado das línguas tecederam (tbesauus), mas de uma lenta evolução das versóes bilíngues
mortas, ameaçadas de desaparecimento, o século XVI também foi o anteriores (apud DUBOIS, 1971, p. 36).
período de produçáo dos tbesaurus, procuraram fornecer reper-
O surgimento dos primeiros dicionários monolíngues do Ocidente
tórios completos tanto do grego quanto do latim. Como exemplos,
no século XVII marca um outro grande momento da história da Lexi-
podemos citar o Dictionariurn seu lingum latinm tbesauus (1531)
cografia. Isso não se deu como resposta a uma necessidade social súbita,
de Robert Estienne (cuja tradução resultou, em 1538, no seu Dictio-
mas como consequência das transformações sociais que preparavam a
narium latinogallicum) e o Tbesaurusgrmcae linguae, publicado em
formação dos Estados europeus modernos. Uma série de fatores con-
1572, por Henri Estienne. Embora os tbesaurus fossem obras mono-
correm para definir o contexto sociocultural que deu origem à necessi-
língues, na verdade, eles náo representaram as primeiras produçóes da
dade de um novo tipo de dicionário: o dicionário monolíngue.
Lexicografia monolíngue moderna porque se destinavam a descrever
as línguas clássicas e não a língua materna dos usuários aos quais s~e No século XVI, consolida-se a expansão comercial e marítima
destinavam. Além disso, da mesma forma como os primeiros dicionai- das nações europeias, a Europa vive o Renascimento, formam-se as
rios bilíngues ou multilíngues dos tempos modernos, os t/~esaurusnão monarquias nacionais, as línguas vulgares começam a impor-se como
respondiam às exigências de uma descriçáo objetiva da língua e nem is símbolo de uma identidade. O nascimento dessa identidade linguís-
necessidades comunicativas concretas de seus usuários que, na verda- tica coincide com o nascimento de um sentimento de unidade que
de, eram falantes de outras línguas. Em outras palavras, subordinados está intimamente ligado a todo o processo histórico de formação das
a uma necessidade prática, destinavam-sea transmitir e perpetuar m a nações europeias modernas.
herança cultural socialmente valorizada por uma elite intelectual, pro- A formaçáo das monarquias nacionais, o interesse econômico e po-
curando enriquecer o conhecimento de locutores que habitualmente lítico de consolidar uma soberania nacional e de garantir a expansão de
se expressavam numa outra língua (REY, 1977, p. 19). uma política imperialista sáo elementos importantes para o nascimento
entre as novas nações de uma compreensão de si mesmas enquanto uni- de descrição do léxico, os prefácios dos dicionários eram muito sucin-
dades político-econômicas. Esse sentimento de identidade e de unidade tos e pouco elucidativos. Por não explicitarem, de forma satisfatória,
política e econômica leva gradativamente a um interesse ideológico pe- as premissas nas quais se baseava sua técnica de descrição, muitos lin-
las línguas nacionais que surgem como instrumentos de representação guistas deploraram que a Lexicografia não tivesse erigido, de forma
simbólica do prestígio e do poderio das grandes nações, como formas explícita, uma problemática coerente que poderia contribuir para um
de legitimação do poder e da cultura dos novos impérios. melhor conhecimento das estruturas semânticas de uma língua.
Mas o interesse pelas línguas nacionais não se deu de uma forma Os primeiros trabalhos de tipologia, descrição, análise e crítica
objetiva que considerasse a diversidade de seus usos sociais. Pelo con- lexicográficas marcam um outro momento importante na história da
trário, esse interesse teve uma orientação normativa e purista herdada Lexicografia. Eles vão dar origem à metalexicografia, que surge para
dos séculos anteriores, baseada numa concepção de superioridade de preencher uma dívida epistemológica da Lexicografia, visto que, ao
determinados usos sociais da linguagem. E isso vai explicar que os lado de uma diversidade e um dinamismo em termos de produção
primeiros dicionários monolíngues inauguram uma Lexicografia ba- lexicográfica desde as origens da Lexicografia moderna, o lexicógrafo
seada num c q u s altamente seletivo que procura impor uma norma decidido a conceber e produzir um dicionário se via, até recentemen-
social: o discurso literário. Assim, como afirma Lara (1997, p. 46), os te, diante da dificuldade de constituir um referencial teórico que lhe
dicionários do século XVII eram, antes de tudo cccatálogossimbólicos, fornecesse explicitamente modelos e métodos de descrição, além de
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representativos, de lu calidad de1 vocabulario litmio, restrttrtn8ido I
um aparelho metalinguístico que formulasse as implicações teóricas e
idea de lu lengua imperante, que verdadeias obras de consultagetzerales". práticas do seu trabalho. A partir do final de 1960 e início de 1970,
Segundo o mesmo autor (1997, p. 47), para a imensa maioria da po- trabalhos importantes realizados por R. Wagner, J. Rey-Debove, J.-C.
pulação, praticamente analfabeta, os dicionários não tinham nenhum Dubois, B. Quemada e G. Matoré fornecem as bases dos conhecimen-
sentido. De qualquer forma, segundo Quemada, no final do século I tos teórico-metodológicos e históricos em Lexicografia, procurando
construir um objeto de estudo e uma problemática coerente.
XVII já estão definidas as formas essenciais que constituem as carac-
terísticas técnicas principais dos dicionários modernos e, depois disso, A longa tradição prática de produção de dicionários encontra seu
não convém falar em criação, mas sim em evolução (apud LEHMANN, componente teórico na metalexicografia e juntos formam o aspecto
1995, p. 5). científico e aplicado do fazer lexicográfico. Mas a Lexicografia não pode-
Foi preciso esperar, no entanto, até a metade do século XX para ria limitar-se a esse duplo aspecto. O advento da informática surge como,
se assistir ao surgimento de um interesse objetivo pelo estudo do fazer um outro grande momento da história da Lexicografia. Ele permitiu o
lexicográfico. Até então, os trabalhos de natureza crítica a respeito surgirnento da Nwa LexicograN, que corresponde à Lexicografia d o r -
dessas obras, que deveriam abrir caminho para uma teoria dos dicio- matizada e traz consigo uma verdadeira transformação nas condições
nários, eram raros e, quando existiam, consistiam em comentários que de trabalho dos lexicógrafos (facilidade, rapidez e novas possibilidades
visavam muito mais à sua promoção social do que a uma análise perti- de produção material dos dicionários), mas também uma evolução nas
nente do objeto. Além disso, a atividade lexicográfica era o privilégio formas de pensamento e nas práticas lexicográticas a&.
de intelectuais artesões que não se preocupavam em comentar seu tra- Diante das novas possibilidades de coleta, análise, tratamento e
balho. Além da inexistência de trabalhos objetivos que descrevessem a I armaxnamento de dormações oferecidas pela informática, Quemada
prática lexicográfica e justificassem as soluções adotadas no processo (1987). Chama a atenção para o surgimento de uma Lexicografia sem
dicionário, que ele chama de Lexicografia propriamente dita, em opo-
sição à dicionarística. Diferentemente de seu sentido usual, esse con-
ceito estrito de Lexicografia engloba todo trabalho de levantamento, BEJOINT, H. Tradition and innovatzon in modern en.lish dictwnaries.
descrição, análise, tratamento e armazenagem de dados lexicológicos New York: Oxford University Press, 1994.
sob a forma de banco de dados lexicográficos disponibilizados para a
DUBOIS, J.; DUBOIS, C . Introductwn a h lexicodraphie. Paris: La-
produção de obras lexicográficas, podendo resultar ou não na produ-
rousse, 1971.
ção de unl dicionário. Para o autor, a dicionarística, por sua vez, com-
preende toda a problemática relativa à produção material de dicioná- HWANG, Á. D. Le Robevt Mirra: possibilidades e dijicuidada para a
rios enquanto produtos comerciais, o que engloba questões de ordem conrtruçáo e recuperaçáo de infmações por parte h usuár% ertratyeiro
técnica, material e econômica, mas não se limita a isso, uma vez que a falante de línjua portuduesa. São Paulo, 2003, 280p. Tese (doutorado
produção de uma obra lexicográfica também envolve a formulação de em Letras). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Uni-
um projeto l e x i ~ o g r ~ ce,ocom ele, a confrontação de teorias e op- versidade de São Paulo.
ções metodológicas que, em seu conjunto, permitem a configuração LARA, L. E Teoria de1 diccionario monolin~ik.México, DF: E1 Colegio
de um modelo de descrição específico. de Mexico, 1997.
Essa Lexicografia que preexiste ao dicionário e que está interessa-
LEHMANN, A. Présentation. Langue Française, Montrouge, n. 106,
da em coletar e explorar um corpus linguístico com a preocupação de
p. 03-07, 1995.
formar bancos de dados lexicográficos.informatizados é a evoluçáo de
uma tradição que a Lexicografia já conhecia desde o século XVII, uma MATO&, G. Hhoire des dictionnairesfrançais.Paris: Larousse, 1968.
vez que a preocupação em constituir corpus já era conhecida dos pri- QUEMADA, B. Note sur lexicographie et dictionnairique. Cabiers de
meiros dicionários monolíngues. É fácil imaginar como os recursos Lexicolo~ze,Paris, v. 51, n. 2, p. 235-242, 1987
da informática vêm transformar um trabalho, antes manual e sujeito
a equívocos, erros e imprecisões. O surgimento dessa Lexicografia REY, A. La lexicolo~ie.Paris : Klincksieck, 1970.
é uma consequência do próprio desenvolvimento da Linguística de . Le hxique. Imdes et mo&hs. Paris: Librairie Armand Colin,
Cmpus que surge no final do século XX como uma área de conheci- 1977.
mento interdisciplinar cuja preocupação é fornecer as bases metodoló-
. Du discours au discours par l'usage: pour une problématique
gicas para a coleta e exploração de colpora textuais, com a finalidade de
de I'exemple. Landue Franfaise, Montrouge, n. 106, p. 95-120, 1995.
constituir bancos de dados informatizados para pesquisas linguísticas,
fazendo um uso amplo de ferramentas computacionais. .Le Robert Micro. Dictionnaire d 'apprentissge de la lavyuefran-
çaise. Paris: Le Robert, 1998.
REY, A.; DELESALLE, S. Problèmes et conflits lexicographiques.
Lang.uefrançaise, Paris, n. 43, p. 4-26, 1979.
REY-DEBOVE, J. Etude linguisrigue et sémiotique des dzctwnnaires
pançais contemporains. The Hague/Paris :.Mouton, 1971.