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Eduardo N. GIOVANNINI
Recebido: 4.1.2012
Versão final: 8.3.2012
RESUMO: O artigo documenta e analisa as vicissitudes em torno da incorporação por Hilbert de seu famoso axioma da
completude ao sistema axiomático da geometria euclidiana.
Essa tarefa é realizada com base no material fornecido por suas anotações manuscritas para as aulas,
correspondentes ao período 1894-1905. Argumenta-se que essa análise histórica e conceitual não só permite
esclarecer como Hilbert originalmente concebeu a natureza e a função do axioma da completude em sua
versão geométrica, mas também permite dissipar mal-entendidos sobre a relação desse axioma com a
propriedade metalógica .completude de um sistema axiomático, como concebido por Hilbert neste estágio
inicial.
RESUMO: O artigo relata e analisa as vicissitudes em torno da inclusão de Hilbert de seu famoso axioma da completude,
em seu sistema axiomático para a geometria euclidiana. Essa tarefa é realizada com base em suas notas
inéditas para cursos de palestras, correspondentes ao período 1894-1905. Argumenta-se que esta análise
histórica e conceitual não apenas lança uma nova luz sobre como Hilbert originalmente concebeu a natureza
de seu axioma geométrico de completude, mas também permite esclarecer alguns equívocos sobre esse
axioma e a propriedade metalógica de completude de um sistema axiomático, como foi entendido por Hilbert
nesta fase inicial.
ÿ
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer expressamente aos dois pareceristas
anônimos do Theo ria, cujos comentários e sugestões me permitiram fazer importantes
melhorias e esclarecimentos na versão original do artigo. Versões preliminares deste
trabalho foram apresentadas na 16ª Conferência Brasileira de Lógica (Petrópolis) e
no Colóquio de Lógica Matemática (ILLC–Amsterdam). Agradeço aos participantes
dessas seções por suas críticas. Também gostaria de expressar minha gratidão a
Alejandro Cassini, Ricardo Toledano e Jorge Roetti, por seus comentários em versões
anteriores deste artigo. Finalmente, agradeço ao Niedersächsische Staats– und
Universitätsbi bliothek Göttingen pela permissão para citar os manuscritos de Hilbert;
especialmente o Dr. Helmut Rohlfing da Handschriftenabteilung.
1. introdução
Em sua palestra clássica “Über den Zahlbegriff” (Hilbert 1900b), proferida em 19 de setembro
de 1899 em Munique perante o Deutsche Mathematiker Ve reinigung (DMV), Hilbert apresentou
a primeira caracterização axiomática do sistema de números reais como um corpo ordenado de
Arquimedes. ou máximo – como atualmente designado. Tal caracterização axiomática dos
números reais foi baseada nos axiomas para um “conjunto de números complexos”, apresentados
por Hilbert alguns meses antes, na primeira edição de Fundamentos da Geometria (Cf. Hilbert
1899, §13).1 Em De fato, a única diferença entre os dois sistemas de axiomas foi que, em sua
palestra em Munique, Hilbert propôs pela primeira vez seu axioma original de completude
[Vollständigkeitsaxiom]. Como se sabe, a função desse axioma era garantir a propriedade de
completude dos números reais de maneira "indireta", a saber: estabelecendo uma condição de
maximalidade sobre o conjunto de elementos do sistema, cuja consequência imediata era que a
ordenação completa do campo dos números reais tornou-se a única realização ou "modelo"
capaz de satisfazer todos os axiomas.
Pouco tempo depois, Hilbert emulou a estratégia adotada para a aritmética dos reais,
incorporando seu novo axioma da completude ao sistema de axiomas da geometria euclidiana
elementar, que na versão original tinha o axioma de Arquimedes como único axioma da
continuidade. Em sua versão geométrica, o axioma da completude apareceu pela primeira vez
na tradução francesa do Festschrift (Hilbert 1900a), publicada em abril de 1900; mais tarde na
edição inglesa de EJ Townsend (Hilbert 1902a), e mais tarde na segunda edição alemã (Hilbert
1903).
1
A partir de agora chamaremos a primeira edição de Fundamentos da Geometria "Festschrift".
Hilbert (1899).
Para isso, tentarei mostrar em primeiro lugar que a 'completude' de que fala
esse axioma, de modo algum se refere à completude do sistema de axiomas,
em sentido estrito. Este fato, explicitamente observado por Hilbert em um
período posterior, às vezes não é claramente expresso na
Sobre o caráter dessas notas manuscritas, ver Hallett e Majer (2004) e Corry (2004).
dois
2. Completude e continuidade
são iguais entre si. Então, na série de pontos A2, A3, A4, . . . , existe sempre um ponto
An, tal que B está entre A e An.
3
A propósito, como será visto a seguir, se os axiomas I-III (incidência, ordem e
congruência) é adicionado o princípio de Dedekind –ou algum axioma equivalente–
então o axioma de Arquimedes pode ser provado como um teorema.
4
Um corpo K é dito pitagórico se for ordenado e se, para cada elemento a ÿ K, a raiz
quadrado ÿ1 + a2 existe em K.
apresenta um número que surge dessas cinco operações.5 (Hilbert 1899, p. 454)
Em vez de apelar para o sistema de números reais, Hilbert decidiu em
1899 trabalhar com uma realização aritmética "menor" como o corpo ÿ,
para mostrar a independência e consistência de seus axiomas. No entanto,
como veremos a seguir, tanto em artigos publicados quanto em notas de
palestras anteriores ao Festschrift, Hilbert menciona e até faz uso dos
princípios de continuidade de Dedekind e Cantor. Na minha opinião, isso
sugere que, independentemente da explicação dada acima, existem outras
razões por trás da decisão de Hilbert de esperar até que um axioma das
características do axioma da completude esteja disponível, para incorporá-
lo como o segundo axioma da continuidade. Além disso, acredito que tentar
expor essas razões pode contribuir para obter clareza sobre como Hilbert
apreciou a natureza do axioma da completude, muitas vezes lido em uma
chave excessivamente modelo-teórica e, portanto, anacrônico.6
5
Em suma, o que se requer é que o campo ÿ seja fechado sob as operações de +, ÿ, ×, ÷ e a
quinta operação de ÿ1 + ÿ2.
6
A perspectiva 'teórica dos modelos' aberta pelo trabalho de Hilbert sobre geometria, bem como
algumas limitações desta interpretação, foram analisadas em Demopoulos (1994).
7
Falar do axioma da completude como um axioma de segunda ordem é certamente anacrônico,
pois nessa época não havia uma distinção conceitual clara entre lógica de primeira e segunda
ordem.
8
Na sétima edição de 1930, Hilbert apresenta uma nova versão do axioma da completude:
10
Basicamente, Hahn mostrou como era possível generalizar a condição de completude imposta pelo
axioma de Hilbert, de modo que a validade do axioma não precisasse ser assumida.
Axioma de Arquimedes (Cf. Hahn 1907, §3). Para um levantamento introdutório do trabalho de
Hahn e suas consequências para a pesquisa de Hilbert, veja Ehrlich
(1995, 1997). Uma discussão do axioma (aritmético) pode ser encontrada em (Ehrlich 1997)
de completude e suas relações lógicas com outros princípios de continuidade, à luz de
desenvolvimentos matemáticos mais gerais.
onze
Hilbert repete essa observação na segunda edição alemã Hilbert (Cf. 1903, p. 17),
acrescentando ainda que o axioma da completude também permite mostrar que
para cada corte de Dedekind há um elemento correspondente no sistema.
12
Axioma do Supremo: Todo conjunto não vazio e limitado superior de números reais
tem um supremo
13 Para uma discussão histórica do teorema de Bolzano-Weierstrass ver Ferreirós
(2007) e Moore (2000).
14
Essa controvérsia foi iniciada principalmente por uma série de artigos de Klein (1871,
1873, 1874), onde o autor advertiu que os métodos desenvolvidos por von Staudt
para introduzir coordenadas no plano e no espaço projetivo, elas tiveram que ser adicionadas
um axioma de continuidade (especificamente, o axioma de Cantor-Dedekind). Então o
A posição de Klein atraiu um grande número de apoiadores, embora, é claro, houvesse
exceções importantes. Um exemplo claro foi Pasch (1882), que também exerceu
uma influência proeminente nas investigações axiomáticas de Hilbert. Da mesma forma,
Toepell (1986) mostrou que essas discussões sobre o papel das condições
de continuidade na coordenação da geometria euclidiana e projetiva alimentada
Axioma da continuidade: Se A1, A2, A3, é uma sucessão infinita de pontos em uma
linha reta a e B é outro ponto de a, de tal classe que em geral Ai está entre Ah e B,
desde que o índice h seja menor que i, então existe um ponto C com a seguinte
propriedade: todos os pontos da sequência infinita A2, A3, A4,... estão entre A1 e C, e
se C é outro ponto, para o qual isso também é verdade, então C está entre A1 e C.
Este axioma afirma diretamente a existência de um ponto limite para uma sequência
infinita e limitada de pontos em uma linha. Mais precisamente, por meio da última
condição (“Se C é outro ponto, para o qual isso também vale, então C está entre A1 e
C”), o ponto limite C é identificado com o supremo. É por isso que talvez possamos nos
referir a ele aqui como o “axioma da continuidade Bolzano-Dedekind”. Da mesma forma,
é importante destacar que através deste axioma, Hilbert impõe uma condição de
continuidade muito forte, a saber: o axioma da continuidade de Bolzano-Dedekind não
só garante a continuidade da linha por si só, mas também você pode obter como
consequência o axioma de Arquimedes.
Ora, Hilbert não se limitou a adotar essa alternativa em suas primeiras abordagens
axiomáticas, mas até recorreu a esse axioma da continuidade em seu curso semestral
de inverno de 1898/99, "Elemente der euklidischen Geometrie" (Hilbert 1898/1899a),
texto sobre o qual a primeira edição de Fundamentos da Geometria conta extensivamente
(Hilbert 1898/1899a, p. 377).
Hilbert também reconhece aí as coincidências de seu axioma com o princípio de
continuidade de Dedekind:
No modo de falar da teoria dos conjuntos, a proposição afirma a existência de um ponto limite
em um conjunto infinito de pontos. É desnecessário apontar aqui a analogia dessa proposição
com a teoria dos cortes de Dedekind. (Hilbert 1898/1899a, p. 378)
por Hilbert.
Em suma, do que precede segue que o objetivo do axioma (geométrico)
de completude era assegurar a coordenação completa do sistema de axiomas
da geometria elementar com o corpo dos reais, sem apelar a um
postulado de continuidade tão forte quanto o axioma da continuidade de Bolzano–
Dedekind. Em outras palavras, o axioma da completude, como complemento
do axioma de Arquimedes, permitiu obter os mesmos efeitos que aquele
axioma de continuidade mais forte, sem interferir nas investigações que Hilbert
considerava mais fundamentais em seu livro. Mas depois
avançar uma conclusão, façamos uma breve referência à outra alternativa
disponível para o axioma da completude.
19
Cantor (1874, p. 128). Na verdade, esse 'axioma' era conhecido na Alemanha como
Axioma de Cantor-Dedekind. Por exemplo, é possível já encontrar esta designação em
um artigo de F. Klein (1874, p. 347), que, como sabemos, mantinha uma estreita relação
com Hilbert. Agradeço a um revisor do Theoria por esta observação.
vinte
Cantor usou o princípio dos intervalos embutidos, ainda que implicitamente, em seu conhecido
artigo de 1874, onde ele prova pela primeira vez que o conjunto dos números reais
é incontável, baseado em um argumento diferente da diagonalização de Cantor
(cf. 1874). No entanto, Cantor também reconhece que esse axioma não foi usado apenas
anteriormente por Bolzano e Weierstrass, mas também sua 'essência' pode ser traçada
aos trabalhos sobre teoria dos números de Lagrange, Legendre, Cauchy e Dirichlet
Singer (cf. 1879/84, p. 212). É por isso que o axioma dos intervalos embutidos também
chama-se princípio de Bolzano–Weierstrass (Cf. Ferreirós 2007, p. 139–141).
vinte e um
Uma última questão que gostaria de abordar é a relação entre o axioma da completude
– em sua versão geométrica – e a noção de categoria. como haverá
notado, há uma forte conexão entre o axioma da completude e o
categorização do sistema axiomático. De fato, no sistema de axiomas para
números reais, a função do axioma da completude é garantir que qualquer realização
ou 'modelo' possível dos axiomas seja isomórfico com o sistema
dos números reais. Mais precisamente, enquanto os primeiros dezessete
axiomas de (Hilbert 1900b) definem um campo de Arquimedes ordenado (Q, ÿ,
R), quando o axioma da completude é introduzido, o sistema de axiomas caracteriza
um campo arquimediano ordenado máximo ou completo, ou seja,
o sistema dos números reais. Assim, Hilbert afirma explicitamente que o
consequência da introdução do axioma da completude no sistema de
axiomas para números reais é 'categoricidade': “Em primeiro lugar, gostaria agora de
tornar plausível que o sistema de coisas definido através dos 18
axiomas é idêntico ao sistema de todos os números reais” (Hilbert 1905a,
pág. 18).
Da mesma forma, a categoria também é resultado da introdução do axioma da
completude no sistema de axiomas da geometria.
euclidiano Hilbert reconhece visivelmente essa consequência, conforme relata com
eloquência na seguinte passagem:
Como pode ser visto, há um número infinito de geometrias que satisfazem os axiomas
I-IV, V,1. No entanto, existe apenas uma, a geometria cartesiana, na qual o
o axioma da completude também é válido ao mesmo tempo. (Hilbert 1903, p. 20)22
A relação conceitual entre sintaxe e semântica é encontrada apenas em Hilbert (1917); sobre
esta questão ver Zach (1999). Por outro lado, vale ressaltar que anteriormente
a categorização do sistema axiomático para os números naturais foi um tema central em
Dedekind (1888). De fato, Dedekind prova lá em detalhes que dois modelos
qualquer um de seus 'axiomas' é isomórfico (Cf. Dedekind 1888, Teoremas 132, 133).
Sobre Dedekind ver Ferreirós (2007, 2009). Uma análise histórica das noções de
completude e categorização podem ser vistas em Awodey e Reck (2002).
23
Essa substituição é necessária uma vez que, em sua versão original, o axioma da completude
assume a validade do axioma das paralelas. Se, por outro lado, o axioma da
completude linear, tal requisito pode ser dispensado. Essa foi justamente uma das principais
contribuições da obra de Baldus: mostrar que o axioma da
completude essencialmente não tem relação com o axioma dos paralelos
(Cf. Baldus 1928a).
6. Considerações finais
24
Essa forma de entender a função do axioma da completude nos permite obter uma simplificação
muito importante em sua formulação. Ver, por exemplo, Bernays (1955). Por
por outro lado, nesta mesma linha e enfatizando a influência de Dedekind sobre Hilbert na
período inicial, Ferreirós apresenta uma interessante formalização do axioma da
completude em que é usada uma linguagem lógica que inclui a teoria dos conjuntos, e que
nesse sentido está mais próxima do contexto histórico de Dedekind e Hilbert
(Cf. Ferreirós 2009, p. 48).
25
Talvez se deva acrescentar que, para além deste papel determinante desempenhado pelo axioma
das paralelas para alcançar a natureza categórica do sistema axiomático de Hilbert
para a geometria euclidiana, o axioma da completude também desempenha um papel importante.
De fato, o axioma da completude é o único axioma do sistema que requer
de uma linguagem de segunda ordem a ser formalizada. Então independente de
que lugar ele ocupa dentro do sistema de axiomas, o axioma da completude
torna a categoricidade possível, pois se o sistema de Hilbert fosse inteiramente
formalizável em uma linguagem de primeira ordem, então pelo teorema de Löwenheim–
Skolem (1915/1919) segue-se que não poderia ser categórico. Hilbert obviamente não podia
conhecer esses resultados em um estágio inicial, embora fosse interessante investigar o que era,
se existiu, sua reação em um período posterior.
26
Dados dois círculos ÿ, ÿ, se ÿ contém pelo menos um ponto dentro de ÿ, e ÿ
contém pelo menos um ponto fora de ÿ, então ÿ e ÿ se encontram (exatamente em
dois pontos).
27
Uma crítica semelhante é que, se a propriedade de intersecção de dois círculos, e
conseqüentemente de interseção de linhas e círculos, não é pressuposta, então não há
é possível provar que “o círculo é uma figura fechada”. Hilbert reconhece esse problema
em Hilbert (1898/1899a, p. 337).
corpo euclidiano, mas um corpo "pitagórico"; mais precisamente, um corpo mínimo pitagórico.
Então, o campo abstrato ÿ é um subcampo próprio do
corpo euclidiano; e isso significa que todas as construções de régua e compasso que
caracterizam a geometria euclidiana elementar não podem ser
baseado no sistema de axiomas original de Hilbert. Dentro
Em outras palavras, o sistema de axiomas não é completo em relação ao domínio de
Geometria euclidiana elementar. O sistema de axiomas original não se sustenta assim
com o critério de completude definido por Hilbert neste período inicial,
sob o qual o sistema de axiomas deve ser construído de tal forma que
é possível obter de seus axiomas, dedutivamente como consequências, todas aquelas
proposições que esperamos encontrar no domínio da
geometria euclidiana. 28
É então muito significativo observar que Hilbert estava plenamente ciente dessas
dificuldades no momento de escrever o Festschrift, e mesmo
um pouco antes. Prova disso é o capítulo VII da primeira edição de Fundamentos, onde analisa
quais construções geométricas são viáveis em
seu sistema de axiomas. Em particular, Hilbert reconhece aí, embora apenas implicitamente e
de forma bastante abstrata, que seu sistema de axiomas não
pode garantir a propriedade de intersecção de duas circunferências; quer dizer,
a existência dos pontos de intersecção entre duas circunferências que, como
dissemos, é essencial poder realizar muitas das mais
elementais da geometria euclidiana plana.
Neste capítulo, e com mais detalhes em suas notas (Hilbert 1898/1899b,
pág. 257–261) e (Hilbert 1898/1899a, pp. 337–340), Hilbert reconhece pela primeira vez
lugar que todas as construções que podem ser feitas com base em
Os axiomas I–V da primeira edição de Fundamentos de Geometria são
construções usando apenas uma régua e um "transferidor de segmento"
[Streckenübertrage]. Este último instrumento é usado para medir segmentos e, segundo Hilbert,
corresponde a um “uso restrito do compasso” (Hilbert
1899, pág. 80). Em segundo lugar, ele percebe que o equivalente algébrico do
construções com régua e “transferidor de segmentos” é um corpo pitagórico. Ou seja, Hilbert
esclarece que as construções permitidas por seu sistema
de axiomas (originais) pode ser realizado em uma geometria analítica
cujas coordenadas formam um campo pitagórico (mínimo). Terceiro, em
as notas das aulas correspondentes ao curso que antecede imediatamente a
Festschrift, Hilbert constrói um campo numérico que lhe permite provar
que nem todo campo pitagórico é necessariamente um campo euclidiano – disse
em termos algébricos modernos –; isto é, que o corpo pitagórico é um
campo sub-próprio do campo euclidiano (Hilbert 1898/1899b, pp. 337-338). S
Finalmente, Hilbert reconhece que a condição algébrica correspondente ao
28
Hilbert oferece esta caracterização da propriedade de completude de um sistema de
axiomas em: Hilbert (1894, pp. 71-72), Hilbert (1899, p. 1), Hilbert (1900b, p. 181) e Hilbert
(1905a, p. 12). Essa noção (informal) de completude relativa já foi notada em
a literatura, entre outros, por Awodey e Reck (2002) e Corry (2004).
Por fim, é preciso destacar que, justamente nesse aspecto fundamental que,
segundo Hilbert, explicava a inclusão do axioma da completude em seu sistema
de axiomas para a geometria – ou seja, a independência do axioma de Arquimedes
–, encontra-se um medida
notável
emdificuldade
que o axioma
do ponto
da completude
de vista axiomatico,
se refere aaoutros
saber: na
axiomas e pressupõe sua validade, não é possível provar a independência de
nenhum dos axiomas explicitamente mencionados. Em outras palavras, a peculiar
forma “metalinguística” do axioma da completude impede mostrar que o axioma
de Arquimedes não decorre dele como consequência.30 Essa dificuldade
intrínseca com o axioma da completude foi assim apontada para Hilbert por
29
Ver Sommer (1900, p. 291). Como para garantir a propriedade de intersecção de dois
círculos basta que o campo de coordenadas seja euclidiano, a continuidade completa
do espaço não é indispensável, mas basta acrescentar ao sistema axiomático um
axioma que postule precisamente essa propriedade. Essa via é apresentada, por
exemplo, por Hartshorne (2000). Hallett (2008, p. 247) aponta, entretanto, que adicionar
a propriedade de interseção de dois círculos como um axioma para garantir a
'propriedade euclidiana' pareceria ser uma solução ad hoc.
30
O primeiro a observar essa dificuldade foi Hahn (1907, §3).
Baldus (1928a).31
Diante dessas críticas, Hilbert optou por não comentar e manter o axioma da completude
dentro de seu sistema de axiomas para a geometria euclidiana elementar. Talvez esta seja uma
indicação clara de que, assim como foi recebido mais tarde, Hilbert vislumbrou no axioma da
completude uma de suas contribuições mais originais para a axiomática moderna.
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31
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de Fundações - veio a sustentar que, dada essa "complexidade lógica" do axioma da
completude, o axioma de intervalos embutidos de Cantor era preferível ao de Bernays ( Cf.
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Mathematische Annalen 7: 531-537. Reimpresso em Klein 1921, 344-350.
Klein, Félix. 1921. Gesammelte Mathematische Abhandlungen, volume 1. Berlim: Springer.
MOURA, Gregório. 2000. Historiadores e filósofos da lógica: eles são compatíveis? O Teorema de
Bolzano-Weierstrass como Caso de Estudo. História e Filosofia da Lógica 20: 169-180
Eduardo N. GIOVANNINI é formado em filosofia pela Universidad Nacional del Litoral (UNL). Realizou estudos de
doutorado na Universität Paderborn (Alemanha), sob a orientação do Prof. Dr. Volker Peckhaus, por meio de bolsa
do DAAD. Entre suas publicações recentes estão "A concepção axiomática da geometria de Hilbert à luz da
Bildtheorie de Heinrich Hertz" (Crítica 2012) e "Intuição e método axiomático na concepção inicial da geometria de
David Hilbert" (Latin American Journal of Philosophy 2011).
ENDEREÇO: Universidad Nacional del Litoral Departamento de Filosofia, Faculdade de Humanidades e Ciências -
Cidade Universitária - Paraje El Pozo - (S3000ZAA) - Argentina. E-mail: engiovannini@conicet.gov.ar