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Robert Whitaker - Anatomia de Uma Epidemia. Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o Aumento Assombroso Da Doença Mental (2010)
Robert Whitaker - Anatomia de Uma Epidemia. Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o Aumento Assombroso Da Doença Mental (2010)
UMA EPIDEMIA
Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o
Aumento Assombroso da Doença Mental
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
Presidente
Nísia Trindade Lima
Editora Fiocruz
(Gestáo 2017-2020)
Diretor
Manoel Barrai Netto
Editor Executivo
João Carlos Canossa Mendes
Editores Científicos
Carlos Machado de Freitas
Gilberto Hochman
Conselho Editorial
Denise Valle
José Roberto Lapa e Silva
Kenneth Rachel de CamargoJr.
Ligia Maria V ieira da Silva
Marcos Cueto
Maria Cecília de Souza Minayo
Marilia Santini de Oliveira
Moisés Goldbaum
Rafael Linden
Ricardo Ventura Santos
ANATOMIA DE
UMA EPIDEMIA
Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o
Aumento Assombroso da Doença Mental
Robert Whitaker
Tradução
Vera Ribeiro
(psicanalista)
Revisão técnica
Paulo Amarante
Fernando Freitas
1 ª reimpressão
EDITC>RA
FIOC::::RUZ
Copyright© 2017 do autor
Originalmente publicado em inglês sob o título
Anatomy ofan Epidemie: magic bullets, psychiatric drugs, and the astonishing
rise efmental illness inAmerica (Broadway Paperbacks, 2010)
l ª edição: 2017
1ª reimpressão: 20 I 7
Revisão
Irene Ernest Dias
Índice
Clarissa Bravo
Capa
A partir da capa da edição original, criada por Laura D,gjy sobre ilustração de © Dietrich Madsen/Getty Images
Catalogação na fonte
Fundação Oswaldo Cruz
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde
Biblioteca de Saúde Pública
l■■I
2017
EDITORA FIOCRUZ Editora filiada
Av. Brasil, 4.036, térreo, sala 112 - Manguinhos
21040-361 - Rio de Janeiro, RJ
Tek (21) 3882-9039 e 3882-9041 1 Telefax, (21) 3882-9006 ASSOCIAÇÃO EIRASIJ.SRA
DAS EDITORAS UNIVERSITÃIUAS
E-mail: editora@fiocruz.br I www.fiocruz.br/editora
Sumário
pARTE I - A EPIDEMIA
1. Uma Praga Moderna .......................................................................................... 21
2. Reflexões Experienciais .., .................................................................................. 31
PARTE V - SOLUÇÕES
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enigma: está havendo um crescimento vertiginoso de pessoas diagnosticadas com
algum transtorno mental, com parte considerável da população entrando em
tratamento psiquiátrico e não se curando com as abordagens psicofarmacológicas;
muito pelo contrário, ficam mais doentes e dependentes da psiquiatria. Ora, essa
realidade contraria o pensamento dominante segundo o qual a psiquiatria tem
tido enorme progresso científico nos últimos cinquenta anos.
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é-nos apresentado um determinado diagnóstico, quase sempre acompanhado
por uma droga psiquiátrica. O enigma é: por que continuamos a sofrer, física,
fisiológica e/ou psicologicamente? Por que o sofrimento parece ficar ainda mais
acentuado com as formas de tratamento hegemônicas?
O primeiro mito abordado por Whitaker é o de que, graças aos avanços
científicos das últimas décadas, a sociedade conta, cada vez mais, com diagnósticos
psiquiátricos precisos, com protocolos de intervenção objetivos e confiáveis,
capazes de identificar problemas que até então ou não eram percebidos ou
eram abordados de forma não científica, os quais devem orientar o tratamento
adequado. Por conseguinte, não é surpresa que o número de pessoas com algum
"transtorno mental" esteja sempre aumentando. Sendo isso quase s_enso comum
entre nós, o desafio maior seria dotar o sistema de saúde de capacidades para dar
conta·das demandas (das quais uma parte significativa ainda estaria reprimida!).
Whitaker desconstrói esse mito recapitulando a história das maneiras como
a psiquiatria tem tornado problemas normais, usuais - comuns ao cotidiano da
maioria das pessoas - em "transtornos mentais". Em sua desconstrução, adota a
própria lógica que supostamente sustenta o discurso psiquiátrico: a das evidências
científicas. Com a leitura do livro, a cada página somos surpreendidos com a
constatação de que faltam justamente evidências científicas para a construção das
categorias de diagnóstico. As sucessivas revisões doDiagnostic and Statistical Manual
of Mental Disorders (DSM), dizem os seus formuladores, apenas tornam oficial o
que é observado na prática. Dizem ainda que a causa dos transtornos mentais é
essencialmente biológica, e por isso mesmo a medicação psiquiátrica é essencial.
Quer dizer, historicamente o que a psiquiatria tem feito é primeiro nomear
transtornos para depois buscar causas biológicas. A lógica que fundamenta a
construção desses manuais é que se um número importante de clínicos sente que
determinada categoria de diagnóstico é importante em seu trabalho, então essa
categoria merece estar no manual (muito em particular noDSM, objeto de análise
de Whitaker). As sucessivas versões doDSM têm como questão saber o quanto de
consenso há para se reconhecer e incluir um transtorno mental qualquer. Porém,
para a ciência acordo não necessariamente significa verdade.
O segundo mito é o de que as drogas psiquiátricas íniciaraffi um extraordinário
avanço científico. Para a visão oficial, a introdução da clorpromazina na medicina
asilar em 1955 foi o ponto de partida para uma revolução na psiquiatria,
comparável à introdução da penicilina na medicina. E em 1989, com a introdução
dos medicamentos da segunda geração, argumenta-se que ocorre uma nova
li
etapa revolucionária. Com "transtornos mentais" bem definidos e medicamentos
adequados para atingir o "alvo", eis que nós, contemporâneos, podemos, cada vez
mais, nos ver livres do "sofrimento psíquico" - é o que nos fazem pensar! Ora,
quando se faz um tratamento para determinada doença, o que se espera é que esta
desapareça ou pelo menos seja submetida a controle. No entanto, cada vez mais há
mais pessoas "doentes mentais" e em tratamento por médio e longo prazos.
12
psiquiátricos está tão generalizado entre nós, no cotidiano da nossa população,
mesmo nos serviços e dispositivos clínicos construídos no bojo do processo de
reforma psiquiátrica!
Assim como tem sido trabalhoso para nós superar o modelo asilar de
assistência, certamente não será menos difícil conseguirmos mudar o paradigma
da psiquiatria biológica que domina a nossa assistência. Como tratar as pessoas?
Relativizando não apenas os diagnósticos, mas sobretudo o papel hegemônico
que a medicação psiquiátrica exerce no cotidiano? É possível obter os resultados
esperados com as diversas abordagens de natureza psicossocial se os pacientes
estão sendo submetidos a tratamentos psicofarmacológicos? Como livrar o grande
número de pacientes das drogas psiquiátricas após meses ou anos de uso?
Whitaker apresenta alternativas. Detalha o exemplo das experiências na
Finlândia, conhecidas pela expressão diálogo aberto, em que, com o emprego
ao nível mais reduzido quanto possível de drogas psiquiátricas, e sempre a curto
prazo, os resultados com o tratamento da esquizofrenia são os melhores de todo
o mundo ocidental. O princípio fundamental que orienta essa abordagem é o
diálogo entre os profissionais, os pacientes, suas redes sociais, explorando todos
os recursos psicossociais disponíveis no território. A maioria das pessoas é tratada
em sua própria casa, reduzindo-se ao máximo a necessidade de espaços físicos
especializados em cuidados em saúde mental.
Esperamos que este livro seja um instrumento de reflexão para todos os seus
leitores, mas principalmente para os profissionais que atuam nas práticas clínicas
e institucionais e que, por uma série de razões - dentre as quais se destacam as
maciças propagandas e promoções dos laboratórios, inclusive com o financiamento
de pesquisas, publicações, programas de formação e eventos médicos. E que esses
profissionais acreditem que é possível melhorar o cuidado dirigido às pessoas em
sofrimento, assim como a vida destas e a de seus familiares.
13
Apresentação
15
ANATOMIA DE UMA EPIDEl\.flA
Nosso raciocínio era fácil de compreender. Diziam que essas drogas eram "como
a insulina para o diabetes". Fazia algum tempo que eu sabia que isso era "verdade",
desde a ocasião em que fizera a cobertura do campo da medicina no Albany Times
Union. Claramente, portanto, era um abuso os pesquisadores psiquiátricos fazerem
dezenas de estudos sobre a suspensão dos medicamentos, nos quais calculavam
cuidadosamente a percentagem de pacientes esquizofrênicos que tornavam a
adoecer e tinham que ser reinternados. Por acaso alguém conduziria um estudo
que envolvesse retirar a insulina de diabéticos, para ver com que rapidez eles
tornavam a adoecer?
Foi assim que descrevemos na nossa série os estudos sobre retirada da
medicação, e esse teria sido o fim dos meus escritos sobre psiquiatria, não fosse o
fato de ter me restado uma questão não resolvida que me incomodava. Enquanto
preparava as reportagens dessa série, eu havia deparado com duas constatações de
pesquisas que simplesmente não faziam sentido. A primeira era de investigadores
da Faculdade de Medicina de Harvard que anunciaram, em 1994, que os resultados
observados nos pacientes de esquizofrenia nos Estados Unidos haviam piorado
durante as duas décadas anteriores, e não estavam melhores agora do que tinham
sido cem anos antes. A segunda era da Organização Mundial da Saúde (OMS), que,
em duas ocasiões, havia constatado que os resultados referentes à esquizofrenia
eram muito melhores em países pobres, como a Índia e a Nigéria, do que nos
Estados Unidos e em outros países ricos. Entrevistei vários especialistas a respeito
dos dados da OMS e eles sugeriram que os maus resultados nos Estados Unidos
se deviam a políticas sociais e valores culturais. Nos países pobres as famílias
davam mais apoio aos esquizofrênicos, disseram eles. Embora isso parecesse
plausível, não era uma explicação inteiramente satisfatória e, depois de publicada
a série no Boston Glohe, voltei atrás e reli todos os artigos científicos relacionados
com o estudo da OMS sobre os resultados referentes à esquizofrenia. Foi então
que fiquei sabendo de um fato estarrecedor: nos países pobres, apenas 16% dos
pacientes eram sistematicamente mantidos com medicamentos antipsicóticos.
16
Apresentação
Confesso tudo isto por uma razão simples. Uma vez que a psiquiatria é um tema
tão controvertido, considero importante os leitores compreenderem que iniciei
esta longa jornada intelectual como alguém que acreditava no saber convencional.
Eu acreditava que os pesquisadores psiquiátricos estavam descobrindo as causas
biológicas das doenças mentais e que esse conhecimento levara ao desenvolvimento
de uma nova geração de drogas psiquiátricas que ajudavam a "equilibrar" a
química cerebral. Esses medicamentos eram como "insulina para o diabetes". Eu
acreditava que isso era verdade, porque era o que me diziam os psiquiatras na
época em que eu escrevia para jornais. Depois, no entanto, tropecei no estudo de
Harvard e nas descobertas da OMS, e isso levou a que eu me lançasse numa busca
intelectual que acabou por se transformar neste livro,Anatomia de uma Epidemia.
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1
Uma Praga Moderna
"Esta é a essência da ciência:Jaça uma pergunta impertinente
e vocêestará a caminho de uma resposta pertinente."
�Jacob Bronowski, 1973 1
21
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
enfermos". Mas então foi introduzido o T horazine.1 Essa foi a primeira droga a
constituir um antídoto específico para um distúrbio mental - era um medicamento
antipsicótico - e ela deu o pontapé inicial numa revolução psicofarmacológica. Logo
em seguida, foram descobertos agentes antidepressivos e ansiolíticos, e, como resultado,
hoje desfrutamos de "uma variedade de tratamentos, de eficácia bem documentada,
para o conjunto de transtornos mentais e comportamentais claramente definidos
que ocorrem ao longo da vida", escreveu Satcher. A introdução do Prozac e de
outros medicamentos psiquiátricos de "segunda geração", acrescentou o diretor
nacional de Saúde, foi "instigada por avanços das neurociências e da biologia
molecular" e representou mais uin avanço no tratamento das doenças mentais.3
Os estudantes de medicina que fazem formação em psiquiatria leem sobre essa
história em seus livros didáticos, e o público lê sobre ela nas matérias populares
a respeito desse campo. A torazina, escreveu Edward Shorter, catedrático da
Universidade de Toronto, em seu livro Uma História da Psiquiatria, de 1997, "iniciou
na psiquiatria uma revolução comparável à introdução da penicilina na medicina
geral".4 Esse foi o começo da "era psicofarmacológica", e agora podíamos ter
certeza de que a ciência havia provado que as drogas do armário de medicamentos
da psiquiatria eram benéficas. "Dispomos de tratamentos muito eficazes e seguros
para uma ampla gama de distúrbios psiquiátricos", informou Richard Friedman,
diretor da clínica de psicofarmacologia da Faculdade de Medicina Weill Cornell,
aos leitores do New York Times, em 19 de junho de 2007.5 Três dias depois, num
editorial intitulado "Quando as crianças precisam de remédios", o Boston Globe
fez eco a esse sentimento: "O desenvolvimento de medicamentos potentes
revolucionou o tratamento da doença mental".6
Psiquiatras que trabalham em países do mundo inteiro também creem que
isso seja verdade. Na 16 1ª Conferência Anual da Sociedade Norte-Americana de
Psiquiatria (APA} ,11 realizada em maio de 2008 em Washington, quase metade
dos vinte mil psiquiatras presentes era estrangeira. Nos corredores fervilhavam
conversas sobre esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão, distúrbio do pânico,
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e uma multiplicidade de outros
distúrbios descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais,m da APA,
e, ao longo de cinco dias, quase todas as palestras, seminários e simpósios falaram
de avanços nesse campo. "Percorremos um longo caminho na compreensão dos
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Uma Praga Moderna
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
A Epidemia
Bem,juro que este não será apenas um livro de estatísticas. Estamos tentando
solucionar um mistério neste livro, e isto nos levará a urna exploração da ciência
e da história e, em última análise, a uma narrativa com muitas reviravoltas
surpreendentes. Mas esse mistério brota de uma análise profunda das estatísticas
do governo e, portanto, como primeiro passo, precisamos levantar os números da
invalidez nos últimos cinquenta anos, para ter certeza de que a epidemia é real.
A sigla da denominação original, Supplemental Security Incarne, foi mantida nesta tradução. (N.T.)
"'
V
A sigla da denominação original, Social Security Disability Insurance, foi mantida nesta tradução
(N.T.)
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Uma Praga Moderna
Ora, pode-se argumentar que isso é comparar alhos com bugalhos. Em 1955,
talvez os tabus da sociedade a respeito da doença mental levassem a uma relutância
em procurar tratamento e, por isso, a baixos índices de hospitalização. Também
é possível que a pessoa precisasse estar mais doente para ser hospitalizada em
1955 do que para receber uma pensão da SSI ou do SSDI em 1987, e por isso o
índice de invalidez em 1987 seria tão mais elevado. Entretanto, também seria
possível elaborar argumentos no sentido inverso. Os números da SSI e do SSDI
fornecem apenas uma contagem dos doentes mentais inválidos com menos de 65
anos de idade, ao passo que os hospitais psiquiátricos de 1955 abrigavam muitos
esquizofrênicos idosos. Também havia muito mais doentes mentais que eram
moradores de rua e estavam na cadeia em 1987 do que em 1955, e essa população
não aparece nos cálculos da invalidez. A comparação é imperfeita, mas é a melhor
que se pode fazer para levantar os índices de invalidez entre 1955 e 1987.
Felizmente, a partir de 1987, a comparação torna-se direta, envolvendo
apenas os números da SSI e do SSDI. A Administração Federal de Alimentos e
Medicamentos (FDA) VII aprovou o Prozac em 1987 e, nas duas décadas seguintes,
o número de inválidos por doença mental nas listas da SSI e do SSDI saltou
para 3,97 milhões.9 Em 2007, o índice de invalidez era de um em cada 76 norte
americanos. Isso equivale a mais do dobro do índice de 1987 e a seis vezes o de
1955. A comparação direta prova que há alguma coisa errada.
Se vasculharmos um pouco mais os dados sobre invalidez, encontraremos
um segundo quebra-cabeça. Em 1955, a depressão grave e o transtorno bipolar
não incapacitavam muita gente. Havia apenas 50.937 pessoas em hospitais
psiquiátricos municipais e estaduais com diagnóstico de um desses transtornos
afetivos.1 0 Durante a década de 1990, entretanto, pessoas em luta com a depressão
e com o transtorno bipolar começaram a aparecer nas listas da SSI e do SSDI em
número cada vez maior, e hoje estima-se que haja 1,4 milhão de pessoas de 18 a
64 anos que recebem pensão federal por invalidez em decorrência de transtornos
afetivos. 1 1 Acresce que essa tendência vem se acelerando: de acordo com o relatório
de 2008 do General Accountability Office (GAO),virr 46% dos adultos jovens (de 18
a 26 anos) que receberam pensão da SSI ou do SSDI por invalidez psiquiátrica em
2006 foram diagnosticados com algum transtorno afetivo (e outros 8% tornaram
se inválidos por "transtorno da ansiedade"). 12
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
4.000.000 Total
3.500.000
3.000.000
2.500.000
Beneficiários da S81
Beneficiários do SSDI
2.000.000
1.500.000
1.000.000
Um em cada seis beneficiários do SSDI também recebe pagamentos da SSI, de modo que o número total
de beneficiários é inferior à soma dos números da SSI e do SSDI. Fonte: relatórios da Administração
de Seguridade Social, 1987-2007.
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Uma Praga Moderna
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
de 20 anos que entra nas listas da SSI ou do SSDI receberá mais de um milhão de
dólares em benefícios nos próximos quarenta anos, aproximadamente, e esse é
um custo - caso a epidemia continue aumentando - que nossa sociedade não terá
corno bancar.
Há outro aspecto, mais sutil, nessa epidemia. Nos últimos 25 anos, a
psiquiatria remoldou profundamente a nossa sociedade. Por meio do seu Manual
Diagn6stico e Estatístico, ela traçou uma fronteira entre o que é "normal" e o que
não é. Nossa compreensão social da mente humana, que no passado provinha
de uma mescla de fontes (grandes obras de ficção, investigações científicas
e textos filosóficos e religiosos), é hoje filtrada pelo DSM. Na verdade, as
histórias contadas pela psiquiatria sobre "os desequilíbrios químicos" do cérebro
reformularam nossa compreensão de corno funciona a mente e questionaram
nossas concepções do livre-arbítrio. Será que somos realmente prisioneiros de
nossos neurotransmissores? Mais importante, nossas crianças são as primeiras da
história humana a crescerem sob a sombra constante da "doença mental". Não faz
muito tempo, os vadios, os gaiatos, os valentões, os cê-dê-efes, os tímidos, os xodós
dos professores e um sem-número de outros tipos reconhecíveis enchiam os pátios
das escolas, e todos eram considerados mais ou menos normais. Ninguém sabia
realmente o que esperar dessas crianças quando chegassem à idade adulta. Isso
fazia parte da gloriosa incerteza da vida-o mandrião da quinta série podia aparecer
na comemoração de vinte anos de formatura do curso médio como o empresário
rico, e a menina tímida, como uma atriz de sucesso. Hoje em dia, no entanto, as
crianças diagnosticadas com problemas mentais - em especial transtorno do déficit
de atenção com hiperatividade [TDAH], depressão e transtorno bipolar - ajudam
a povoar o pátio estudantil. Essas crianças são informadas de que há algo errado
com seu cérebro e de que talvez tenham que tomar remédios psiquiátricos pelo
resto da vida, assim como "o diabético torna insulina". Essa máxima da medicina
ensina a todos os alunos do pátio uma lição sobre a natureza da humanidade, e
essa lição difere radicalmente do que se costumava ensinar às crianças.
Portanto, eis o que está em jogo nesta investigação: se for verdadeira a história
convencional, e se a psiquiatria de fato houver obtido grandes progressos na
identificação das causas biológicas dos distúrbios mentais e no desenvolvimento
de tratamentos eficazes para essas doenças, poderemos concluir que tem sido
benéfica a remoldagem de nossa sociedade pela psiquiatria. Por pior que possa
ser a epidemia de doenças mentais incapacitantes, será razoável supormos que,
sem esses avanços da psiquiatria, ela seria muito pior. A literatura científica
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Uma Praga Moderna
E, se for esse o caso, passaremos a última parte deste livro examinando o que,
como sociedade, podemos fazer para construir um futuro diferente.
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2
Reflexões Experienciais
"Se valorizamos a busca do conhecimento, devemos ter a liberdade
de prosseguir nessa busca aonde quer que ela nos leve."
- Adiai Stevenson, 1952 1
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
e hoje a organização conta com quase mil desses grupos de apoio em todo o território
nacional. Existem sete deles somente na área da Grande Boston, e a maioria -
como o grupo que se reúne no McLean - oferece às pessoas a oportunidade de se
reunirem e conversarem várias vezes por semana. A DBSA cresceu pari passu com
a epidemia.
A primeira hora da reunião foi dedicada a uma palestra sobre a "terapia da
flutuação" e, à primeira vista, a plateia não era realmente identificável - pelo
menos não para uma pessoa de fora, como eu - como um grupo de pacientes. Os
participantes tinham idades muito variadas, estando os mais jovens no final da
adolescência e os mais velhos na faixa dos 60 anos, e, embora houvesse um número
maior de mulheres, talvez essa disparidade de gênero fosse esperável, dado que
a depressão afeta mais as mulheres do que os homens. Quase todos na plateia
eram brancos, o que talvez refletisse o fato de Belmont ser uma cidade abastada.
Talvez o único sinal revelador de que a reunião era para pessoas diagnosticadas
com algum distúrbio mental fosse o fato de um bom número delas estar acima do
peso. Às pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar é muito comum receitar
um antipsicótico atípico, como o Zyprexa, e esses remédios costumam fazer as
pessoas engordarem.
Terminada a palestra, Steve Lappen, um dos dirigentes da DBSA em Boston,
listou os novos grupos que passariam a se reunir. Havia um de "recém-chegados",
outro de "familiares e amigos", um terceiro de "adultos jovens", um quarto de·
"manutenção da estabilidade" e assim por diante, e a última das oito opções era
um "grupo do observador", que Steve havia organizado para mim.
Havia nove pessoas no nosso grupo (excetuando eu mesmo) e, à guisa de
introdução, cada um fez um rápido resumo de como vinha passando, ultimamente
- "tenho atravessado uma fase difícil" era um refrão comum - e nos falou de
seu diagnóstico específico. O homem à minha direita era um ex-executivo que
havia perdido o emprego por causa de sua depressão recorrente e, à medida
que fizemos a ronda da sala, essas histórias de vida foram surgindo. Uma mulher
mais moça falou de seu casamento problemático com um chinês que, em função de
sua cultura, não gostava de falar em doença mental. Ao lado dela, um ex-promotor
público contou ter perdido a mulher dois anos antes e disse que, desde então,
''tenho a impressão de não saber quem eu sou". Uma mulher que era professora
adjunta numa faculdade da região contou como estava difícil o seu trabalho
naquele momento, e por fim, uma enfermeira recém-internada no McLean por
depressão explicou o que a levara para esse lugar sombrio: ela enfrentava a tensão
32
Reflexões Experienciais
de cuidar do pai doente, a tensão do trabalho e anos de convívio com "um marido
agressivo".
O único momento mais leve dessa rodada de apresentações veio do membro
mais velho do grupo. Ele andava passando muito bem nos últimos tempos, e
sua explicação para sua relativa felicidade agradaria ao personagem George
Constanza, do seriado Seirifeld: "O verão costuma ser uma época difícil para mim,
porque todos parecem muito felizes. Mas, com toda a chuva que temos tido, não
tem sido bem esse o caso neste verão", declarou.
33
.ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Quatro Histórias
Na medicina, as histórias pessoais dos pacientes diagnosticados com uma
doença são conhecidas como "estudos de caso", e há um entendimento de que,
embora esses relatos experienciais possam trazer a compreensão profunda de uma
doença e de seus tratamentos, não têm como provar se determinado tratamento
funciona. Somente os estudos científicos que examinam os efeitos do conjunto
podem fazê-lo e, mesmo assim, é comum ser nebuloso o quadro que emerge.
A razão de os relatos experienciais não poderem fornecer essa comprovação é
que as pessoas podem ter reações sumamente variáveis aos tratamentos médicos,
o que é particularmente verdadeiro na psiquiatria. Podemos encontrar pessoas
que nos falam de corno os remédios psiquiátricos lhes trouxeram imensa ajuda;
podemos encontrar pessoas que nos dirão como os remédios arruinaram sua
vida; e podemos encontrar pessoas - e estas parecem ser a maioria, na minha
experiência - que não sabem o que pensar. Não conseguem propriamente decidir
se os medicamentos as ajudaram ou não. Ainda assim, ao nos propormos resolver
o enigma da epidemia moderna de doenças mentais incapacitantes nos Estados
Unidos, os relatos experienciais podem ajudar-nos a identificar perguntas que será
conveniente vermos respondidas em nossa investigação da literatura científica.
Vejamos quatro dessas histórias de vida.
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Reflexões Experienciais
Cathy Levin
Conheci Cathy Levin em 2004, não muito depois de publicar meu primeiro
livro sobre psiquiatria, Loucos nos Estados Unidos. Tornei-me um admirador imediato
do seu espírito de luta. A última parte deste meu primeiro livro indagava se os
medicamentos antipsicóticos estariam piorando o curso da esquizofrenia a longo
prazo (tema explorado no Capítulo 6 do presente livro), e Cathy objetou a essa
ideia, de certa maneira. Apesar de ter sido inicialmente diagnosticada com um
transtorno bipolar (em 1978), seu diagnóstico fora posteriormente substituído
por um distúrbio "esquizoafetivo" e, na sua própria avaliação, ela fora salva por
um antipsicótico atípico, o Risperdal. Em certo sentido, a história que eu havia
relatado em Loucos nos Estados Unidos ameaçava a experiência pessoal de Cathy,
que me telefonou várias vezes para me dizer o quanto essa droga lhe fora útil.
Nascida em 1960 num subúrbio residencial de Boston, Cathy havia crescido no
que recordava como um mundo "dominado pelos homens". Seu pai, professor de
uma universidade na área de Boston, era veterano da Segunda Guerra Mundial, e
sua mãe, do estilo dona de casa, via esses homens como "a espinha dorsal da ordem
social". Seus dois irmãos mais velhos, ela se lembrou, costumavam "intimidá-la"
e, em mais de uma ocasião, desde quando era bem pequena, vários meninos do
bairro a haviam molestado. "Eu vivia chorando quando era criança", disse ela, que
não raro fingia estar doente para não ter de ir à escola, preferindo, em vez disso,
passar os dias sozinha em seu quarto, lendo livros.
Embora se saísse bem no segundo grau, em termos acadêmicos, Cathy
tinha sido "uma adolescente difícil, hostil, raivosa, retraída". No segundo ano
do bacharelado, na Faculdade Earlham, em Richmond, estado de Indiana, seus
problemas afetivos se agravaram. Ela começou a se divertir com os rapazes do
time de futebol americano, ansiosa "por transar", disse, mas, ao mesmo tempo,
com medo de perder a virgindade. "Eu ficava confusa quanto a me envolver com
algum cara. Ia a uma porção de festas e não conseguia mais me concentrar nos
estudos. Comecei a levar pau na faculdade."
Cathy também estava fumando muita maconha, e logo começou a agir de
maneira excêntrica. Pegava roupas emprestadas de outras pessoas para usar, e
circulava pelo campus com "tamancos enormes, um macacão por cima da roupa
comum, uma jaqueta de aviador e um chapéu engraçado, que comprei numa loja
de artigos do Exército e da Marinha". Uma noite, ao voltar de uma festa para
casa, ela jogou fora os óculos, sem a menor razão para isso. Suas ideias sobre sexo
35
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
evoluíram aos poucos para uma fantasia com o comediante Steve Martin. Sem
conseguir dormir a noite inteira, ela acordava às 4 horas da manhã e saía para
caminhar, e às vezes, era como se Steve Martin estivesse no campus a espreitá-la.
"Eu achava que ele estava apaixonado por mim e correndo pelos arbustos, sem se
deixar ver", disse. "Estava me procurando."
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Reflexões Experienciais
37
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
38
Reflexões Experienciais
de 1978, depois do episódio psicótico inicial, ela não tivesse sido medicada nem
informada de que teria de tomar remédios pelo resto da vida. A ciência deveria
poder dizer-nos se os psiquiatras têm razões para acreditar que seu paradigma
de tratamento medicamentoso altere para melhor ou para pior os efeitos a longo
prazo. Mas Cathy acredita que essa é uma questão que os psiquiatras nunca
consideram: "Eles não fazem a menor ideia de como essas drogas nos afetam
a longo prazo. S6 tentam estabilizar a pessoa naquele momento, e procuram
controlá-la de semana em semana, de um mês para outro. É s6 nisso que eles
pensam".
George Badillo
Atualmente, George Badillo mora em Sound Beach, em Long Island, e sua casa
caprichosamente arrumada fica a uma pequena distância da praia. Aos quase 50
anos, ele está em boa forma, penteia o cabelo ligeiramente grisalho para trás e tem
um sorriso fácil e caloroso. Seu filho de 13 anos, Brandon, mora com ele - "Está no
time de futebol americano, na equipe de luta romana e no time de basquete, e está
no quadro de honra", disse-me George, com compreensível orgulho -, e a filha de
20 anos, Madelyne, que é aluna da Faculdade de Staten Island, estava lhe fazendo
uma visita no dia em que estive com ele. Mesmo à primeira vista, era patente que
os dois estavam felizes por passarem esse tempo juntos.
Como muitas pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, George se lembra de
ter sido "diferente 1' na infância. Quando menino, crescendo no Brooklyn, sentia
se isolado das outras crianças, em parte porque seus pais porto-riquenhos só
falavam espanhol: "Eu me lembro de todos os outros garotos conversando e sendo
camaradas e extrovertidos, convivendo uns com os outros, mas eu não sabia fazer
isso. Sentia vontade de falar com eles, mas sempre ficava apreensivo", recordou.
George também tinha um pai alco6latra que sempre batia nele, e por isso começou
a achar que "as pessoas viviam tramando coisas e querendo me machucar".
Ainda assim, ele se saiu bem na escola, e s6 no fim da adolescência, quando era
aluno do Baruch College, foi que sua vida começou a dar errado: "Entrei numa
vida de discotecas", explicou. "Comecei a usar anfetaminas, maconha e cocaína,
e gostei. As drogas me relaxavam. S6 que a coisa fugiu do controle e a cocaína
começou a me fazer pensar numa porção de maluquices. Fiquei paranoico de
verdade. Achava que havia conspirações e tudo o mais. As pessoas me perseguiam,
e o governo estava envolvido nisso". George acabou fugindo para Chicago, onde
foi morar com uma tia e se retirou do mundo que julgava persegui-lo. Assustada, a
39
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Os nove anos seguintes passaram-se num remoinho caótico. Tal corno Cathy
Levin, George detestava o Haldol e os outros antipsicóticos que os médicos o
mandavam tomar e, em parte por esse desespero induzido pelas drogas, fez
múltiplas tentativas de suicídio. Brigou com a família por causa dos medicamentos,
largou as drogas e voltou para elas, passou por um ciclo de várias hospitalizações
e, em 1987, tornou-se pai, quando sua namorada de 18 anos deu à luz Madelyne.
Casou-se com a namorada, decidido a ser um bom pai, mas Madelyne era uma
criança doentia, e ele e sua mulher sofreram crises nervosas na tentativa de
cuidar da menina. A avó dele levou Madelyne para Porto Rico, e George acabou
divorciado e morando num asilo para inválidos. Ali conheceu e se casou com uma
mulher igualmente diagnosticada como esquizofrênica paranoide e, após uma
série de aventuras e desventuras em San Francisco, também eles se divorciaram.
No começo de 1991, desanimado e novamente paranoide, George baixou no Centro
Psiquiátrico Kings Park, um hospital estadual dilapidado em Long Island.
E veio então seu mergulho no desamparo completo. Depois de tentar introduzir
clandestinamente uma pistola no hospital, para poder se matar, ele recebeu uma
sentença de dois anos numa ala de acesso restrito. Em seguida, ao se aproximar o
Natal daquele ano, aborreceu-se quando vários pacientes que eram seus colegas
não receberam autorização para passar as festas em casa e ajudou-os a fugir,
quebrando uma janela em seu quarto e amarrando lençóis uns nos outros para
que eles pudessem descer até o chão. O hospital reagiu mandando-o para uma ala
destinada a pessoas que estavam internadas havia décadas. "Fiquei então numa
ala com pessoas que se urinavam", recordou. "Eu era um perigo para a sociedade
e fui dopado. A pessoa fica sentada o dia inteiro, vendo televisão. Não pode nem ir
para o lado de fora. Achei que minha vida tinha acabado."
George passou oito meses nessa ala de doentes mentais incuráveis, perdido
numa névoa de drogas. Entretanto, foi finalmente transferido para uma unidade
em que podia sair dos recintos fechados e, de repente, lá estavam o céu azul para
ver e o ar puro para respirar. Ele começou a reter a medicação antipsicótica na
língua e a cuspi-la quando o pessoal hospitalar não estava olhando. "Voltei a poder
pensar", contou. "As drogas antipsicóticas não me deixavam pensar. Eu parecia
um vegetal e não conseguia fazer nada. Não tinha emoções. Ficava lá sentado,
40
Reflexões Experienciais
vendo televisão. Mas, nessa ocasião, eu me senti com um controle maior. E foi
ótimo voltar a me sentir vivo."
Por sorte, George não sofreu um retorno dos sintomas psicóticos e, não mais
tendo o corpo amolecido pelos remédios, começou a fazerjogging e levantamento
de peso. Enamorou-se de mais uma paciente do hospital, Tara McBride, e, em
1995, depois que os dois receberam alta e se transferiram para uma residência
comunitária próxima, Tara deu à luz Brandon. George, que nunca havia perdido
inteiramente o contato com a filha, Madelyne, passou a ter um novo objetivo na
vida: "Percebi que eu tinha uma segunda chance. Eu queria ser um bom pai".
No começo, as coisas não correram bem. Tal como Madelyne, Brandon nasceu
com problemas de saúde - tinha uma anomalia intestinal que precisou de cirurgia-,
e Tara entrou em crise, em função do estresse, e tornou a ser hospitalizada. Como
George continuava morando numa residência para doentes mentais, o Estado
julgou que ele não tinha condições para cuidar de Brandon, que foi entregue à irmã
de Tara para ser criado. Em 1998, porém, George começou a trabalhar em regime
de meio expediente como facilitador entre pares no Serviço de Saúde Mental do
Estado de Nova York, orientando pacientes internados sobre seus direitos, e, três
anos depois, pôde apresentar-se ao tribunal como alguém capaz de ser um bom
pai para Brandon. "Minha irmã Madeline e eu obtivemos a custódia", contou. "Foi
a melhor sensação possível. Simplesmente dei pulos de alegria. Parece ter sido a
primeira vez que alguém no sistema obteve a custódia dos filhos."
No ano seguinte, uma das irmãs de George comprou-lhe a casa em que ele
mora atualmente. Embora ainda receba pensão do SSDI, ele trabalha sob contrato
para um órgão federal, a Administração de Serviços de Saúde Mental e Controle
de Abuso de Drogas, e faz trabalhos voluntários com jovens hospitalizados em
Long Island. Sua vida é repleta de sentido e, como atesta o sucesso de Brandon na
escola, George tem se revelado o bom pai que sonhava tornar-se. Madelyn e, por
sua vez, orgulha-se escancaradarnente do pai. "Ele queria o Brandon e eu na sua
vida", disse. ''Isso o fez querer dar a volta na sua situação. Ele queria ser um pai
para nós. E é a prova de que uma pessoa pode se recuperar da doença mental."
Embora a história de George seja claramente inspiradora, ela não prova
nada, em um sentido ou em outro, sobre os méritos globais dos antipsicóticos.
Mas instiga uma indagação de ordem clínica: dado que sua recuperação começou
quando ele parou de tomar antipsicóticos, será possível que algumas pessoas que
sofrem de doenças mentais graves, como a esquizofrenia ou o transtorno bipolar,
venham a se recuperar na ausência de medicação? Porventura a história dele é uma
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ÁNATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Manica Briggs
Manica Briggs é uma mulher alta, marcante e, como tantas pessoas que atuam
no movimento de "recuperação dos pares", imensamente agradável. No dia em
que almocei com ela, num restaurante do bairro de South Boston, Manica chegou
à mesa mancando, apoiada numa bengala, por ter se machucado em data recente,
e, quando lhe perguntei como tinha ido até lá, ela sorriu,- discretamente satisfeita
consigo mesma: "Vim de bicicleta", disse.
Nascida em 1967, Manica é de Wellesley, no estado de Massachusetts, e, como
adolescente criada naquela comunidade abastada, parecia ser a última pessoa
fadada a ter pela frente uma vida de doença mental. Vinha de uma família culta
- a mãe era professora da Universidade de Wellesley e o pai lecionava em diversas
faculdades da área de Boston - e, na infância, tinha sido uma criança que se
sobressaía em tudo que fazia. Era boa atleta, tirava as mais altas notas e exibia um
talento especial para a pintura e a literatura. Ao concluir o curso médio, recebeu
vários prêmios sob a forma de bolsas de estudos e, ao ingressar na Faculdade de
Middlebury, em Vermont, no outono de 1985, acreditou que sua vida seguiria um
rumo muito convencional: ''Achei que eu iria para a faculdade, me casaria, teria
um labrador cor de chocolate e uma casa num subúrbio residencial, com um SUV.
( ...) Eu achava que tudo aconteceria assim".
Depois de um mês como caloura na Middlebury, Manica foi atingida de
surpresa por um grave episódio depressivo, que pareceu não ter causa alguma.
Ela nunca tivera problemas afetivos até então, não havia acontecido nada de mau
em Middlebury e, ainda assim, a depressão a atingiu com tal força que ela teve de
deixar a faculdade e voltar para casa. "Eu nunca tinha abandonado coisa alguma",
disse. "Achei que minha vida estava acabada. Achei que aquilo era um fracasso de
que eu nunca poderia me recuperar."
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Reflexões Experienciais
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
da previdência social, e não era isso que se esperava que fizessem as moças de
Wellesley. Aquilo era muito corrosivo para a autoestima."
Como se poderia supor, considerando que Monica chegou ao restaurante de
bicicleta, havendo pedalado até lá no seu intervalo de almoço no trabalho, sua
vida acabou dando uma guinada para melhor. Em 2006, ela parou de tomar um
antidepressivo e isso desencadeou uma "mudança drástica". A depressão cedeu
e ela começou a trabalhar meio expediente no Centro de Transformação, uma
organização de pares em Boston que ajuda pessoas com diagnósticos psiquiátricos.
Embora o lítio que ela continua a tomar tenha seus inconvenientes - "minha
capacidade de criar trabalhos artísticos acabou", disse-me -, ele não lhe cobrou
um tributo físico demasiadamente grande. Apesar de Manica ter problemas de
tireoide e sofrer tremores, seus rins estão bem. ':Agora estou em recuperação",
disse ela, e, ao nos levantarmos para sair do restaurante, deixou claro que gostaria
de obter um emprego de horário integral e sair do SSDI. "Depender da previdência
é uma fase da minha vida", afirmou em tom enfático, "não um fim."
Foi esse o arco longo da sua doença. Como estudo clínico, sua história
simplesmente parece falar dos benefícios do lítio. Ao que parece, essa droga
tem mantido sua mania sob controle há décadas e, como monoterapia, tem
contribuído para mantê-la estável desde 2006. Apesar disso, após anos de
tratamento medicamentoso, Manica acabou no rol do SSDI e, nessas condições,
sua história ilustra um dos mistérios centrais da epidemia de invalidez. Como é
que uma pessoa tão inteligente e preparada acabou nesse programa de governo?
E, se retrocedermos o relógio para a primavera de 1986, veremos surgir uma
pergunta intrigante: ela sofreu seu primeiro episódio maníaco por ser "bipolar",
ou o antidepressivo induziu a mania? Será possível que a droga a tenha traniformado
de alguém que sofreu um episódio depres·sivo numa paciente bipolar, e com isso
a tenha colocado no caminho da doença crônica? E será que o uso posterior de
antidepressivos alterou para pior o curso de sua "doença bipolar", por uma razão
ou por outra?
Dito de outra maneira, no mundo das pessoas que frequentam as reuniões
da DBSA, com que frequência elas falam em ter se tornado bipolares depois do
tratamento inicial com um antidepressivo?
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Reflexões Experienciais
Dorea Vierling-Claassen
Se você tivesse conhecido Dorea Vierling-Claassen em 2002, quando ela estava
com 25 anos, ela lhe diria que era "bipolar". Havia recebido esse diagnóstico
em I 998 e ouvido do psiquiatra a explicação de que sofria de um desequilíbrio
químico no cérebro, e, em 2002, tomava um coquetel de drogas que incluía um
antipsicótico, o Zyprexa. No entanto, no outono de 2008, ela havia suspendido
toda a medicação psiquiátrica Gá fazia dois anos), prosperava numa vida que
girava em torno do casamento, da maternidade e de sua pesquisa pós-doutoral
no Hospital Geral de Massachusetts, e estava convencida de que seus anos de
"bipolaridade" tinham sido um grande erro. Ela acredita ter sido um dos milhões
de norte-americanos apanhados no frenesi de diagnosticar esse distúrbio, o que
por muito pouco não acabou por transformá-la em paciente mental por toda a
vida. "Escapei por um triz", diz ela.
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
decadente da cidade de Denver -, temia que, por causa das convicções religiosas,
eles não aceitassem sua homossexualidade. Terminado o primeiro ano de seu
curso no Instituto Peabody, um prestigiado conservatório de música em Baltimore,
Dorea respirou fundo e revelou seu segredo aos pais. "Foi basicamente tão terrível
quanto se poderia esperar", contou. "Houve lágrimas e ranger de dentes. Aquilo
estava desesperadamente arraigado nas convicções religiosas deles."
Dorea mal falou com os pais nos dois anos seguintes. Saiu do Peabody e
passou a se dar com uma turma punk que morava no centro de Denver. A antiga
aspirante a trompetista passou a circular pela cidade com a cabeça raspada
e usando botas de combate. Depois de um ano de trabalho numa loja de restauração
de tapetes, matriculou-se na Faculdade Estadual Metropolitana de Denver, uma
instituição em que a maioria dos alunos não morava no campus. Ali, travou
uma luta constante com suas emoções, chorando com frequência em público, e
logo começou a consultar um terapeuta, que a diagnosticou como deprimida.
A terapia da fala não trouxe grande alívio e, na semana das provas finais, na
primavera de 1998, Dorea descobriu que não conseguia dormir. Quando apareceu
agitada e meio maníaca no consultório do terapeuta, ele teve uma nova explicação
para tudo que a infernizava: transtorno bipolar. "Fui informada de que aquilo era
uma doença crônica e de que a frequência dos meus episódios aumentaria, e de
que eu precisaria tomar remédios pelo resto da vida", recordou.
Embora isso prenunciasse um futuro sombrio, Dorea consolou-se com esse
diagnóstico. Ele explicava as razões de ela ser tão emotiva. Era também um
diagnóstico comum a diversos grandes artistas. Dorea leu Tocados pelo Fogo, de Kay
Jamison,n e pensou: "Sou igualzinha a todos esses escritores famosos, que ótimo".
Passou a ter uma nova identidade e, ao retomar sua car.reira acadêmica, chegou
a cada nova instituição - primeiro à Universidade de Nebraska, para obter o
diploma de bacharel, depois à Universidade de Boston, para fazer o doutorado em
matemática e biologia - com uma "caixa gigantesca de comprimidos". O coquetel
que ela tomava costumava incluir um estabilizador do humor, um antidepressivo e
um benzodiazepínico para tratar da ansiedade, embora a combinação exata fosse
sempre mutável. Uma droga a deixava sonolenta, outra lhe causava tremores, e
nenhum dos coquetéis parecia lhe trazer tranquilidade afetiva. E então, em 2001,
ela foi tratada com um antipsicótico, o Zyprexa, que, em certo sentido, funcionou
como um passe de mágica.
Il
Kay R . Jamison, Tocadospelo Fogo: a doença maníaco-depressiva e o temperamento artístico, s/indicação de
tradutor, prefácio do dr.José ManuelJara. Colares, Portugal: Pedra da Lua, 2007. (N.T.)
46
Reflexões Experienciais
"Sabe de uma coisa?", disse ela, admirada com o que estava prestes a confessar,
"Eu adorava aquele treco. Era como se finalmente eu houvesse encontrado a
resposta. Porque, imagine s6, eu não tinha emoções. Era ótimo. Eu não chorava
mais".
Embora Dorea se saísse bem em termos acadêmicos na Universidade de
Boston, continuou a se sentir "realmente burra" com o Zyprexa. Dormia dez, 12
horas por dia e, como inúmeras pessoas que usam esse medicamento, começou
a virar um balão, engordando quase 14 quilos. Angela, que tinha conhecido e se
apaixonado por ela antes de Dorea começar a tomar Zyprexa, experimentou um
sentimento de perda: "Ela já não era tão animada, não ria", afirmou.
Mas as duas entendiam que Dorea precisava dos medicamentos, e começaram
a organizar sua vida - e seus planos de futuro - em torno do transtorno bipolar.
Frequentaram reuniões da DBSA e começaram a achar que Dorea devia reduzir
seus objetivos de carreira. Provavelmente, não conseguiria lidar com o estresse
das pesquisas pós-doutorais; seu trabalho anterior numa loja de tapetes seria mais
ou menos a coisa certa. "Hoje isso parece loucura", disse Angela, que é professora
de matemática na Universidade Lesley, "mas, naquela época, ela não era uma
pessoa de grande resiliência, e estava ficando cada vez mais dependente. Eu tinha
de arcar com o peso de cuidar dela."
As possibilidades de Dorea foram diminuindo e ela poderia ter prosseguido
nesse caminho, não fosse o fato de, em 2003, haver tropeçado numa literatura que
levantava dúvidas sobre a segurança do Zyprexa a longo prazo e sobre os méritos
das drogas antipsicóticas. Isso a levou a procurar reduzir esse remédio e, embora
o processo tenha sido "um perfeito inferno" - Dorea sofreu com uma ansiedade
terrível, graves ataques de pânico, paranoia e tremores pavorosos -, ela acabou
suspendendo por completo essa medicação. Em seguida, decidiu ver se poderia
suspender a benzodiazepina que vinha tomando, o Klonopin [clonazepam], e isso
se transformou em outra experiência terrível de abstinência, com dores de cabeça
tão agudas que ela ia para a cama ao meio-dia. Mesmo assim, aos poucos Dorea
foi desfazendo seu coquetel de drogas, o que a levou a questionar seu diagnóstico
de bipolaridade. Ela havia procurado um terapeuta, inicialmente, porque chorava
demais. Não houvera mania - a insônia e a agitação só tinham surgido depois de
ela ser medicada com um antidepressivo. Seria possível que ela tivesse sido apenas
uma adolescente instável, que precisava crescer um pouco?
"Até então, eu sempre havia pensado ser um daqueles casos em que a doença é
claramente biológica", disse ela. "Não podia ser situacional. Não havia acontecido
47
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
nada de terrível na minha vida. Mas então, pensei: bem, eu assumi que era lésbica
e não tive nenhum apoio familiar. Ora, era o óbvio. Isso podia ter sido meio
estressante."
Os estabilizadores do humor foram os últimos a ser suspensos e, em 22 de
novembro de 2006, Dorea se declarou livre das drogas. "Foi fabuloso. Foi uma
surpresa descobrir quem eu era, depois de todos aqueles anos", disse ela,
acrescentando que, ao se livrar mentalmente do rótulo de bipolar, seu senso de
responsabilidade por sua personalidade também mudou. "Quando eu era 'bipolar',
tinha uma desculpa para qualquer comportamento imprevisível ou instável. T inha
permissão para me portar daquela maneira, mas agora me pauto pelos mesmos
padrões de comportamento das outras pessoas, e me descubro capaz de satisfazer
a esses padrões. Isso não quer dizer que eu não tenha dias ruins. Tenho, e é possível
que ainda me preocupe mais do que a média das pessoas, mas já não tanto quanto
antes."
A pesquisa feita por Dorea no Hospital Geral de Massachusetts concentra-se
em averiguar como a atividade vascular afeta o funcionamento do cérebro, e, dado
que suas lutas com a "doença mental" parecem passíveis de ser registradas como
um caso de erro de diagnóstico - "Tenho uma fantasia de ser 'desdiagnosticada'
como bipolar", diz ela -, sua história talvez pareça irrelevante para este livro. Na
verdade, porém, levanta uma possibilidade que contribuiria muito para explicar a
epidemia de doenças mentais incapacitantes nos Estados Unidos. Se expandirmos
os limites da doença mental1 o que claramente tem acontecido neste país nos
últimos 25 anos, e se tratarmos com drogas psiquiátricas as pessoas que recebem
esses diagnósticos, será que corremos o risco de transformar um adolescente
angustiado num paciente psiquiátrico vitalício? Dorea, que é uma pessoa
extremamente inteligente e capaz, escapou por pouco de trilhar esse caminho.
Sua história é a de um possível processo iatrogênico em ação, a história de uma
pessoa normal que se transforma em doente crônica por causa de um diagnóstico
e do tratamento subsequente. E assim, cabe perguntarmos: será que temos um
paradigma de tratamento que às vezes pode criar doenças mentais?
48
Reflexões Experienciais
essas duas famílias foi que elas chegaram a conclusões opostas sobre o que era
melhor para seus filhos, e senti curiosidade de saber de que informações eles
haviam disposto ao tomarem suas decisões.
Primeiro fui conversar com Gwendolyn e Sean Oates. Eles moram na zona
sul de Syracuse, numa casa agradável que se ergue sobre uma pequena colina.
Esse gentilíssimo casal birracial tem dois filhos, Nathan e Alia, e, enquanto
conversávamos, Nathan, então com 8 anos, passou quase o tempo todo esparramado
na sala de estar, fazendo desenhos com lápis de cor num caderno de rascunho.
"Começamos a nos preocupar com o Nathan quando ele tinha 3 anos", disse a
mãe. "Notamos que ele era hiperativo. Não conseguia ficar sentado até o fim de
uma refeição, não conseguia nem mesmo se sentar. A hora das refeições consistia
em ele correr em volta da mesa. Era a mesma coisa no maternal: ele não conseguia
parar quieto. E também não dormia. Íamos até as 9 ou 1O horas da noite para
fazê-lo adormecer. Ele dava chutes e gritos. Não eram acessos de pirraça normais."
Primeiro eles levaram Nathan à sua pediatra. Mas ela relutou em diagnosticá
lo, e assim, os pais o levaram a um psiquiatra, que concluiu rapidamente que o
menino sofria de "transtorno do déficit de atenção com hiperatividade [TDAH]".
Seu problema, explicou o psiquiatra, era de natureza "química". Apesar de ficarem
nervosos com a ideia de dar Ritalina ao filho - "Estávamos passando por tudo
aquilo sozinhos, e não sabíamos nada sobre IDAH", disse a mãe -, aproximava
se a hora do jardim de infância e eles ponderaram que isso seria o melhor para
Nathan. "A hiperatividade o estava impedindo de aprender", disse a mãe. "A escola
nem queria que o puséssemos no jardim de infância, mas nós dissemos: 'Não, nós
vamos mandá-lo'. Tomamos a decisão de fazer com que ele seguisse em frente."
No começo, houve um período de "tentativa e erro" com a medicação. Nathan
recebeu uma dose alta de Ritalina, mas "ficou parecendo um zumbi", recordou a
mãe. "Ficava calmo, mas não se mexia. Olhava para o espaço." A medicação foi
trocada e Nathan passou a tomar Concerta, um estimulante de efeito prolongado
com o qual se estabilizou bem. Em algum momento, porém, começou a exibir
comportamentos obsessivos, como se recusar a pisar na grama, ou precisar
constantemente ter alguma coisa nas mãos, e foi medicado com Prozac, para
controlar esses sintomas. Enquanto usava essa combinação de dois remédios,
começou a ter "acessos de fúria" terríveis. Chutou a janela do seu quarto, num
episódio, e fazia ameaças reiteradas de matar a irmã e até a mãe. O Prozac foi
suspenso, mas, embora o comportamento do menino melhorasse um pouco, ele
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Desde aquela época, Nathan toma um coquetel de drogas. Por ocasião da minha
visita, estava tomando Concerta pela manhã, Ritalina à tarde e três doses baixas
de Risperdal, um antipsicótico, em diferentes horá�ios do dia. Essa combinação,
dizem os pais, funciona bastante bem para ele. Embora Nathan continue mal
humorado, já não explode em acessos de fúria, e sua hostilidade em relação à irmã
menor diminuiu. Ele tem dificuldade com os deveres escolares, mas vai avançando
de uma série para outra e se dá bastante bem com os colegas. A maior preocupação
dos pais com os medicamentos é que eles inibam o crescimento do filho. Nathan
é menor do que a irmã, apesar de ser três anos mais velho. No entanto, o auxiliar
médico e outras pessoas que tratam dele não falam muito de como as drogas
poderão afetá-lo a longo prazo: "Eles não se preocupam com isso", disse o pai.
"A medicação está ajudando agora."
No final da entrevista, Nathan me mostrou seus desenhos. Gosta de tubarões
e dinossauros e, quando lhe falei do quanto havia apreciado seu trabalho artístico,
ele quase pareceu enrubescer. Ficou quieto durante a maior parte do tempo em
que estive em sua casa, sendo até meio reservado, mas trocamos um aperto de mão
quando eu me preparava para sair e, naquele momento específico, ele pareceu um
menino muito meigo e gentil.
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Reflexões Experienciais
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
talentosa", disse Kelley. "E ela havia progredido muito desde os 2 anos. Não
conseguimos pensar em lhe dar aqueles remédios."
Os pais tomaram essa decisão em 2005 e, três anos depois, segundo dizem,
Jessica está passando bem. Quase só tira notas I O na escola, e agora seus professores
acham que o diagnóstico anterior de transtorno bipolar era "maluquice". Embora
ela brigue com outras crianças, de vez em quando, e dê respostas malcriadas
quando outra criança a provoca, ela sabe que não pode bater em ninguém. Em
casa, ainda tem pitis ocasionais, mas suas explosões afetivas não são extremadas
como antes.Jessica tem até uma recomendação pessoal sobre como os pais devem
lidar com esses chiliques: "Eles devem dizer [à criança] 'vem cá', e fazer massagem
nas costas dela, pra ela se sentir melhor e não poder ter um piti, e aí, quando ela
para de ter o piti, é disso que ela se lembra".
Antes de eu ir embora,Jessica leu para mim o livro The Little Old Lady Who Was
Not Afraid efAnything/" e em mais de um momento pulou do sofá para encenar
uma situação. "Mesmo com os problemas de comportamento, todos gostam dela",
disse o pai. "E foi disso que tivemos medo, de que a medicação a modificasse por
completo, a ela e sua personalidade. Não queríamos prejudicar as faculdades dela.
Só queremos que cresça saudável e tenha sucesso na vida."
Duas famílias diferentes, duas decisões diferentes. As duas viram sua decisão
como a correta, e ambas disseram acreditar que seu filho ou filha estava num
caminho melhor do que estaria, se não fosse assim. Foi animador, e prometi voltar
a falar com ambas mais tarde, ao final de meus levantamentos para este livro.
Não obstante, Nathan e Jessica estavam claramente seguindo rumos distintos e,
na viagem de regresso a Boston, tudo em que consegui pensar foi em como os
dois casais de pais haviam precisado tomar sua decisão de medicar ou não um
filho em meio a um vazio cientffico. Será que seus filhos realmente sofriam de um
desequilíbrio químico? Havia estudos mostrando que o tratamento medicamentoso
do TDAH ou do transtorno bipolar juvenil é benéfico a longo prazo? Se urna criança
pequena for tratada com um coquetel de drogas que inclua um antipsicótico, de
que modo isso afetará sua saúde física? Pode-se esperar que essa criança se torne
um adolescente saudável, um adulto saudável?
N
Em tradução livre,A Velhinha que Não Tinha Medo deNada, de Linda D. Williams, com ilustrações de
Megan Lloyd. Nova York: HarperCollins, reimpr. 2002. (N.T.)
52
3
As Raízes de uma Epidemia
"Os norte-americanos p�saram a acreditar
que a ciência é capaz de quase tudo."
- Dr. Louis M. Orr, presidente da Sociedade
Norte-Americana de Medicina,1958 1
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ANATO:MIA DE UMA EPIDE.MIA
segundo a conclusão da maioria dos cientistas da época, era que aquilo que era
tóxico para o micróbio certamente envenenaria o hospedeiro. ''A desinfecção
interna é impossível", declararam cientistas presentes num Congresso de
Medicina Interna na Alemanha, em 1882. Mas os estudos de Ehrlich com corantes
de anilina o levaram a uma conclusão diferente. Um corante podia colorir um
único tecido do corpo e deixar todos os demais incolores. E se ele conseguisse
achar uma substância química tóxica que interagisse com o micróbio invasor, mas
não com os tecidos do paciente? Se assim fosse, ele mataria o germe sem causar
qualquer dano ao paciente.
Escreveu Ehrlich:
Se imaginarmos um organismo infectado por determinada espécie de bactéria, será
fácil realizarmos a cura, caso se hajam descoberto substâncias que tenham uma
afinidade específica com essas bactérias e que ajam unicamente sobre elas. (Se)
não tiverem afinidade com os componentes normais do corpo, tais substâncias serão
pílulas mágicas.2
Em 1899, Ehrlich foi nomeado diretor do Real Instituto de Terapia
Experimental, em Frankfurt, onde iniciou sua busca de uma pílula mágica.
Concentrou-se em encontrar uma droga que matasse seletivamente os
tripanossomos, parasitas unicelulares que causavam a doença do sono e várias
outras moléstias, e logo se deteve num composto de arsênico, o atoxil, como o
melhor candidato a pílula mágica. Seria essa a substância química que ele teria de
manipular para encaixá-la na "fechadura" do parasita, mas sem abrir, ao mesmo
tempo, a fechadura de qualquer célula humana. Ehrlich criou sistematicamente
centenas de derivados do atoxil, testando-os repetidas vezes com os tripanossomos,
mas deparando em igual número de vezes com o fracasso. Por fim, em 1909, depois
de ele haver testado mais de novecentos compostos, um de seus assistentes decidiu
verificar se o composto de número 606 mataria outro micróbio recém-descoberto,
o Spirocheta pallida, causador da sífilis. Em poucos dias, Ehrlich obteve seu triunfo.
A droga, que ficou conhecida como salvarsan, erradicou o micróbio da sífilis de
coelhos infectados, sem causar qualquer dano aos coelhos. "Era a pílula mágica!",
escreveu Paul de Kruif num livro que foi campeão de vendas em 1926. "E que
pílula segura!" A droga, acrescentou ele, produzia uma "cura que só se podia
chamar de bíblica".3
O sucesso de Ehrlich inspirou outros cientistas a buscarem pílulas mágicas
contra outros micróbios causadores de doenças e, embora tenha levado 25 anos,
em 1935 a empresa química Bayer ofereceu à medicina sua segunda droga
56
As Raízes de uma Epidemia
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
para reposição não houvesse alcançado o nível de uma cura milagrosa da doença,
chegara perto disso, por fornecer uma correção biológica de algo que faltava no
corpo. Em I 950, o cientista britânico sir Henry Dale, numa carta ao periódico
British Medical Journal, resumiu esse momento extraordinário da longa história
da medicina: "Nós que tivemos a possibilidade de assistir aos primórdios desse
grande movimento podemos sentir alegria e orgulho por ter vivido esta época,
e confiar em que um avanço ainda maior e mais majestoso será visto pelos que
viverem os cinquenta anos que agora se iniciam".6
Os Estados Unidos se prepararam para esse maravilhoso futuro. Antes da
guerra, quase toda a pesquisa básica era financiada por verbas particulares,
com destaque para Andrew Carnegie e John D. Rockefeller como os principais
benfeitores; entretanto, terminada a guerra, o governo norte-americano criou a
Fundação Nacional de Ciências para prover esse esforço de verbas federais. Ainda
havia muitas doenças por vencer, e quando os líderes nacionais olharam em volta,
à procura de um campo da medicina que estivesse atrasado, logo depararam com
um que parecia se destacar de todos os demais. A psiquiatria, ao que parecia, era
uma disciplina à qual um pouco de ajuda faria bem.
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As Raízes de uma Epidemia
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
de ser oferecidos a mais pacientes, e então poderiam surgir soluções a longo prazo,
advindas do mesmo processo que havia produzido o assombroso progresso da luta
contra as doenças infecciosas. As pesquisas sobre as causas biológicas das doenças
mentais levariam a tratamentos melhores, tanto para os gravemente enfermos
quanto para os que tinham apenas transtornos moderados. "Posso vislumbar
a chegada de um tempo em que nós, do campo da psiquiatria, abandonaremos
inteiramente nossos ancestrais, esqueceremos ter tido nossos primórdios no asilo
para pobres, na casa de correção e no presídio", disse Charles Burlingame, diretor
do Instituto dos Vivos, em Hartford, estado de Connecticut. "Posso vislumbar um
tempo em que seremos médicos, pensaremos como médicos e dirigiremos nossas
instituições psiquiátricas exatamente do mesmo modo e com as mesmas relações
que prevalecem nas melhores instituições de medicina e cirurgia." 1 1
Em 1946, o Congresso aprovou uma Lei Nacional d e Saúde Mental que
pôs o poder econômico do governo federal na base dessa reforma. O governo
patrocinaria pesquisas sobre prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças
mentais, e concederia verbas a estados e cidades para ajudá-los a criarem clínicas
e centros de tratamento. Três anos depois, o Congresso criou o Instituto Nacional
de Saúde Mental (NIMH) para supervisionar essa reforma.
"Devemos reconhecer que os problemas mentais são tão reais quanto as doenças
físicas, e que a angústia e a depressão exigem uma terapia tão ativa quanto a
da apendicite ou da pneumonia", escreveu o Dr. Howard Rusk, um professor da
Universidade de Nova York que redigia uma coluna semanal para o New York Times.
"Todos eles são problemas médicos que exigem atendimento médico." 12
Assim, estava preparado o cenário para uma transformação da psiquiatria
e de sua terapêutica. O público acreditava nas maravilhas da ciência, a nação
via uma necessidade premente de melhorar o atendimento prestado aos doentes
mentais e o NIMH tinha sido criado para fazer com que isso acontecesse. Havia
uma expectativa pelas grandes coisas que viriam e, graças às vendas de antibióticos,
uma indústria farmacêutica em rápido crescimento estava pronta para capitalizar
essa expectativa. E, com todas essas forças alinhadas, talvez não seja de admirar
que logo tenham surgido drogas maravilhosas para doenças mentais graves e não
tão graves - esquizofrenia, depressão e ansiedade.
61
4
As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
"Foi a primeira cura medicamentosa
em toda a história a psiquiatria."
- Nathan Kline, diretor de pesquisas do Hospital
Estadual Rockland, em Nova York, 19741
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ANATOWA DE UMA EPIDEMIA
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As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
não davam qualquer sinal de estarem estressados com sua nova situação. Berger
deitava os animais de costas e eles não conseguiam se endireitar, mas seu "ritmo
cardíaco era regular e não havia sinais sugestivos de envolvimento do sistema
nervoso autônomo". Os ratos permaneciam parados e tranquilos, e o cientista
constatou que, mesmo quando lhes administrava doses baixas desse admirável
novo composto - doses pequenas demais para causar paralisia muscular -, os
animais exibiam essa curiosa tranquilidade.
Berger percebeu que uma droga dessa natureza teria possibilidades comerciais
como agente atenuador da ansiedade em seres humanos. Entretanto, a mefenesina
era uma droga de ação muito curta, que proporcionava apenas alguns minutos de
paz. Em 1947, Berger mudou-se para os Estados Unidos e foi trabalhar na Wallace
Laboratories, em Nova Jersey, onde sintetizou um composto, o meprobamato,
que durava oito vezes mais no corpo do que a mefenesina. Ao dá-lo a animais,
Berger descobriu que a droga também tinha poderosos efeitos de "domesticação".
"Depois de receberem meprobamato, os macacos perderam sua indocilidade e se
tornaram mais fáceis de manejar", escreveu.9
A Wallace Laboratories introduziu o meprobamato no mercado em 1955,
vendendo-o sob o nome de Miltown. Outras empresas farmacêuticas se alvoroçaram
para desenvolver drogas concorrentes e, ao fazê-lo, procuraram compostos que
tornassem os animais menos agressivos e os insensibilizassem à dor. Na Hoffmann:..
La Roche, o químico Leo Sternbach identificou o clordiazepóxido como dotado de
um efeito tranquilizador "potente e singular", depois de administrá-lo a ratos que
eram comumente instigados à luta pela aplicação de choques elétricos nas patas. 1 0
Mesmo com uma dose baixa da droga, os ratos continuavam não combativos ao
levarem choques. Esse composto também revelou ter efeitos domesticadores
potentes em animais de maior porte - transformava tigres e leões em gatinhos.
A prova final dos méritos do clordiazepóxido envolveu outro teste com choque
elétrico. Ratos famintos foram treinados a pressionar uma alavanca para obter
comida e, depois, ensinados a saber que se a pressionassem quando havia uma
luz acesa na gaiola, levariam um choque. Embora eles aprendessem rapidamente
a não pressionar a alavanca enquanto a luz estava acesa, mesmo assim exibiam
sinais de extrema tensão - defecação etc. - toda vez que ela acendia na gaiola.
Mas, e quando recebiam uma dose de clordiazepóxido? A luz acendia e eles não
se importavam minimamente. Sua "ansiedade" desaparecia, e eles chegavam
até a pressionar a alavanca para arranjar alguma comida, despreocupados com o
choque que viria. A Hoffmann-La Rache introduziu o clordiazepóxido no mercado
em 1960, vendendo-o como Librium.
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Por razões óbvias, o público recebeu poucas informações sobre os testes com
animais que tinham dado origem aos tranquilizantes leves. Todavia, um artigo
publicado na Science News Letter foi a exceção à regra, e o repórter que o escreveu
situou os experimentos com animais num quadro de referência humano. Se você
tomasse um tranquilizante leve, explicou, "isto significa que ainda poderia sentir
medo ao ver um carro acelerar na sua direção, mas o medo não o/a faria correr".' 1
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As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
A sigla da denominação original, American Medical Association, foi mantida nesta tradução.
(N.T.)
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As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
n Em 1914, a Lei Harrison sobre Narcóticos havia exigido receitas médicas para o uso de opiáceos
e cocaína. A Lei de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos de 1938 estendeu essa exigência de
venda exclusiva com receita médica a um número maior de medicamentos.
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Pílulas Milagrosas
A Smith Kline and French, que obteve uma licença da Rhône-Poulenc para
vender a clorpromazina nos Estados Unidos, obteve aprovação da FDA para o
T horazine em 26 de março de 1954. Dias depois, a companhia usou seu programa
A Marcha da Medicina para lançar o produto. E mbora a Smith Kline and French
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As Pílulas Mágicas da Psiquiatria
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
a Consumer Reports, "não amortece nem embota os sentidos, além de não criar
hábito. Relaxa os músculos, acalma a mente e dá às pessoas uma nova capacidade
de aproveitar a vida".27
Tamanha foi a corrida popular para conseguir o novo medicamento que a
Wallace Laboratories e a Carter Products, que vendiam juntas o meprobamato,
tiveram que fazer um grande esforço para atender à demanda. As farmácias que
tinham a sorte de possuí-lo em estoque exibiam cartazes que gritavam: SIM, NÓS
TEMOS MILTOWN! O comediante Milton Berle disse gostar tanto do remédio que
talvez trocasse seu prenome por Miltown. A Wallace Laboratories contratou
Salvador Dalí para ajudar a atiçar a febre do Miltown, pagando 35.000 dólares ao
grande pintor para criar uma instalação numa convenção da AMA, com a intenção
de captar a magia dessa nova droga. Os participantes entravam num túnel escuro
e gerador de claustrofobia, que representava o interior de uma lagarta - seria
essa a sensação da ansiedade -, e ao emergirem de novo na luz deparavam
com uma dourada ''borboleta da tranquilidade", metamorfose que se devia ao
rneprobamato. ''.Ao Nirvana com Miltown", foi como a revista Time descreveu a
instalação de Dalí.28
Houve uma ligeira nota de hesitação surgida em matérias de jornais e
revistas durante a introduçãÜ do Thorazine e do Miltown. Na década de 1950,
muitos psiquiatrias das melhores faculdades de medicina norte-americanas
eram freudianos que acreditavam que os distúrbios mentais eram causados por
conflitos psicológicos, e sua influência levou a Smith Kline and French, em sua
promoção inicial do Thorazine, a alertar os repórteres para o fato de que "não
existe a ideia de que a clorpromazina seja a cura da doença mental, mas ela pode
ter enorme valor, se relaxar os pacientes e os tornar acessíveis ao tratamento".29
Tanto o T horazine quanto o Miltown, explicou o New York Times, deviam ser
considerados ''adjuvantes da psicoterapia, não a cura'i_3o O Thorazine foi chamado
de "tranquilizante potente" e o Miltown, de "tranquilizante leve", e, quando a
Hoffmann- L a Rache introduziu a iproniazida no mercado, ela foi descrita como
"estimulante psíquico". Esses remédios, embora talvez fossem notáveis em sua
natureza, não eram antibióticos para a mente. Como observou a revistaLije, num
artigo de 1956 intitulado ''.A busca apenas começou", a psiquiatria ainda estava
nos estágios iniciais de sua revolução, pois as "bactérias" dos distúrbios mentais
ainda estavam por ser descobertas.31
Contudo, em curtíssimo prazo, até esse toque de cautela foi posto de lado.
Em 195 7, o New York Times noticiou que agora os pesquisadores acreditavam que
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A Caçada aos Desequilíbrios Químicos
"Eis a grande tragédia da ciência - o assassinato
de uma bela hipótese por umfato abominável."
- Thomas Huxley, 18701
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ANATO:MIA DE UMA EPIDEMIA
Para a medula
espinhal
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A Caçada aos Desequilíbrios Químicos
límbico, o córtex cerebral e os lobos frontais. Essa via está envolvida na memória,
na aprendizagem, no sono, no apetite e na regulação dos estados de humor e
dos comportamentos. Como assinalou Efrain Azmitia, professor de biologia
na Universidade de Nova York, "o sistema serotoninérgico do cérebro é o maior
sistema cerebral conhecido e pode ser caracterizado como um sistema neuronal
'gigantesco"'.2
Sistema
nigroestriatal
Substância
negra
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ANATO:MIA DE UMA EPIDE:MIA
nossas emoções. É aí que sentimos o mundo, num processo que é vital para nosso
senso de identidade pessoal e nossas concepções da realidade. Os lobos frontais são
o aspecto mais distintivo do cérebro humano e nos fornecem a capacidade quase
divina de monitorar nosso próprio eu.
Toda essa fisiologia - os 100 bilhões de neurônios, os 150 trilhões de sinapses,
as diversas vias neurotransmissoras - refere-se a um cérebro de complexidade
quase infinita. No entanto, a teoria dos desequilíbrios químicos dos transtornos
mentais reduziu essa complexidade a um simples mecanismo patológico
fácil de apreender. Na depressão, o problema estaria em que os neurônios
serotoninérgicos liberariam muito pouca serotonina na fenda sináptica e, por
isso, as vias serotoninérgicas do cérebro ficariam "subativas". Os antidepressivos
elevariam e normalizariam os níveis de serotonina na fenda sináptica, e isso
permitiria que essas vias transmitissem mensagens numa velocidade adequada.
Enquanto isso, as alucinações e vozes características da esquizofrenia resultariam
de vias dopaminérgicas hiperativas. Ou os neurônios pré-sinápticos jogariam um
excesso de dopamina na sinapse, ou os neurônios-alvo teriam uma densidade
anormalmente alta de receptores dopaminérgicos. Os antipsicóticos poriam um
freio nesse sistema, o que permitiria às vias dopaminérgicas funcionarem de
maneira mais normal.
Foi essa a teoria do desequilíbrio químico proposta por Schildkraut e Jacques
Van Rossum, e a própria pesquisa que levou Schildkraut a sua hipótese também
forneceu aos investigadores um método para testá-la. Os estudos da iproniazida
e da imipramina haviam mostrado que os neurotransmissores eram removidos
das sinapses de uma de duas maneiras: ou a substância química era recaptada
pelo neurônio pré-sináptico e restaurada para uso posterior, ou era metabolizada
por uma enzima e descartada como resíduo. A serotonina é metabolizada em
ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA); a dopamina é transformada em ácido
homovanílico (HVA). Os pesquisadores poderiam buscar esses metabólitos no
líquido cefalorraquidiano, e as quantidades encontradas serviriam de medição
indireta dos níveis sinápticos dos neurotransmissores. Como a teoria dizia que
o nível baixo de serotonina causava depressão, qualquer pessoa nesse estado
emocional deveria ter níveis de 5 - HIAA inferiores ao normal em seu líquido
cefalorraquidiano. Similarmente, como se teorizava que o sistema dopaminérgico
hiperativo causava a esquizofrenia, as pessoas que ouviam vozes ou eram paranoicas
deveriam ter níveis anormalmente altos de HVA no líquido cefalorraquidiano.
Essa linha de pesquisa manteve os cientistas ocupados por quase 15 anos.
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A Caçada aos Desequilíbrios Químicos
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Isso era prova, no dizer dos pesquisadores suecos, de que haveria "um subgrupo
bioquímico de transtorno depressivo caracterizado pela perturbação da circulação
serotoninérgica".8
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
O Déjà-Vu da Dopamina
Ao formular sua hipótese dopaminérgica da esquizofrenia, Van Rossum
assinalou que a primeira coisa que os investigadores precisavam fazer era
"consubstanciar melhor" o fato de que as drogas antipsicóticas realmente
r eduziam a transmissão da dopamina no cérebro. Isso levou algum tempo, mas,
em 1975, Solomon Snyder, da Faculdade de Medicina Johns Hopkins, e Philip
Seeman, da Universidade de Toronto, explicaram como as drogas surtiam esse
efeito. Primeiro, Snyder identificou dois tipos distintos de receptores de dopamina,
conhecidos como D 1 e D2 • Em seguida, os dois pesquisadores descobriram que os
antipsicóticos bloqueavam de 70% a 90% dos receptores D/5 Os jornais pasSararn
então a falar de como essas drogas poderiam corrigir o desequilíbrio químico no
cérebro.
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A Caçada aos Desequilíbrios Químicos
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Isso nos leva à nossa próxima grande indagação: se as drogas psiquiátricas não
regulam uma química cerebral anormal, o que elas fazem?
Prozac na Cabeça
Durante as décadas de 1970 e 1980, os investigadores montaram descrições
detalhadas de como as várias classes de drogas psiquiátricas atuam no cérebro
e de como o cérebro, por sua vez, reage a elas. Poderíamos relatar a história dos
antidepressivos, dos neurolépticos, das benzodiazepinas ou dos estimulantes,
e todas as narrativas falariam de um processo mais ou menos comum em ação.
Entretanto, visto que a história dos desequilíbrios químicos, na mentalidade
popular, realmente deslanchou depois que a Eli Lilly introduziu no mercado o
Prozac (fluoxetina), parece apropriado revermos o que os cientistas da Eli Lilly
e outros investigadores, em relatórios divulgados em publicações científicas,
tiveram a dizer sobre como funciona de fato esse "inibidor seletivo de recaptação
de serotonina".
Como já foi observado, depois que um neurônio pré-sináptico libera a serotonina
na fenda sináptica, ela tem que ser retirada com rapidez, para que o sinal possa ser
concluído com precisão. Uma enzima metaboliza uma pequena quantidade; o resto
é devolvido para o neurônio pré-sináptico, entrando nele por um canal conhecido
como SERT (transportador de recaptação de serotonina). A fluoxetina bloqueia
esse canal de recaptação e, como resultado, escreveu em 1975James Clemens, um
cientista da Eli Lilly, ela causa uma "acumulação de serotonina na sinapse''.36
Entretanto, como descobriram investigadores da Eli Lilly, nesse momento um
mecanismo de realimentação entra em ação. O neurônio pré-sináptico tem em
sua membrana terminal "autorreceptores" que monitoram o nível de serotonina
na sinapse. Quando os níveis de serotonina ficam muito baixos, disse um cientista,
esses autorreceptores gritam "liguem a máquina da serotonina". Quando os
níveis ficam altos demais, eles gritam "desliguem a máquina". Trata-se de um
circuito de.feedback projetado pela evolução para manter em equilíbrio o sistema
serotoninérgico, e a fluoxetina desencadeia a segunda mensagem. Já não sendo
a serotonina retirada da sinapse, os autorreceptores dizem aos neurônios pré
sinápticos para dispararem num ritmo drasticamente menor._ Eles começam a
liberar na sinapse quantidades de serotonina abaixo do normal.
Os mecanismos de realimentação também modificam os neurônios pós
sinápticos. Em quatro semanas, a densidade de seus receptores serotoninérgicos
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A Caçada aos Desequilíbrios Químicos
" A longo prazo, parece que a liberação de serotonina cai a um nível anormalmente baixo, pelo
menos em algumas regiões do cérebro.
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ANATOMIA DE UMA EPIDE:rvIIA
De Volta ao Começo
Ainda que o artigo do dr. Hyman possa parecer espantoso, ele serve de coda
para uma narrativa científica que, na verdade, é coerente do começo ao fim.
A conclusão dele foi algo que se deva ver não como inesperado, mas como previsível
no capítulo inicial da psicofarmacologia.
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6
Revelação de um Paradoxo
"Se quisermosfundamentar a psiquiatria na medicina baseada
em evidências, correremos o verdadeiro risco de examinar mais
de perto o que há muito se considera uma realidade."
- Emrn.anuel Stip, psiquiatra europeu, 2002 1
!OI
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
doença e esperar que ela conte uma história consistente e coerente. Será que os
tratamentos medicamentosos alteram para melhor o curso a longo prazo de uma
doença mental - na população geral dos pacientes -, ou será que o alteram para
pior?
Uma vez que a clorpromazina (Thorazine) foi a droga que lançou a revolução
psicofarmacológica, parece apropriado investigarmos primeiro os resultados da
esquizofrenia,
102
Revelação de um Paradoxo
Agora, portanto, temos que perguntar: qual é o espectro natural dos resultados
desse grupo de pacientes psicóticos? Aqui, infelizmente, esbarramos num segundo
problema. De 1900 até o fim da Segunda Guerra Mundial, as atitudes eugênicas
em relação aos doentes mentais eram muito populares nos Estados Unidos, e
essa filosofia social afetou drasticamente os resultados. Os eugenistas afirmavam
que os doentes mentais precisavam ser is9Iados em hospitais, a fim de serem
impedidos de ter filhos e de espalhar seus "genes ruins". O objetivo era mantê-los
confinados em manicômios, e em 1923 um editorial dojournal efHeredity concluiu,
com ar de satisfação, que "a segregação dos loucos está praticamente concluída".3
Em consequência disso, muitas pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas, na
primeira metade do século XX, foram internadas e nunca mais tiveram alta, e
essa política social foi então erroneamente percebida como um dado sobre os
resultados. O fato de os esquizofrênicos nunca deixarem os hospitais foi visto
como prova de que a doença era crônica e irremediável.
Depois da Segunda Guerra Mundial, porém, a eugenia cam eín descrédito.
Ela era a própria "ciência" que Hitler e a Alemanha nazista haviam abraçado
e, depois da des�rição de Albert Deutsch sobre as condições aterradoras dos
hospitais psiquiátricos norte-americanos, na qual ele os assemelhou a campos
de concentração, muitos estados começaram a falar em tratar os doentes
mentais no seio da sociedade. A política social se modificou e os índices de alta
hospitalar dispararam. Como resultado, há um breve intervalo, entre 1946 e
1954, no qual podemos verificar como se saíam os pacientes recém-diagnosticados
como esquizofrênicos e, desse modo, ter uma ideia dos "resultados naturais" da
esquizofrenia antes da chegada do T horazine.r
Durante esse período, a esquizofrenia era um diagnóstico largamente aplicado aos indivíduos
hospitalizados. Hoje, muitos d.esses pacientes seriam diagnosticados como portadores de
transtorno bipolar ou de transtorno esquizoafetivo. Não obstante , esse era o diagnóstico das
pessoas mais "gravemente perturbadas" na sociedade norte�americana daquela época.
103
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Eis os dados. Num estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde Mental
(NIMH), 62% dos pacientes internados após um primeiro episódio psicótico no
Hospital Estadual Warren, na Pensilvânia, no período de 1946 a 1950, receberam
alta em até 12 meses. Ao fim de três anos, 73% estavam fora do hospital.4 Um
estudo de 216 pacientes esquizofrênicos internados no Hospital Estadual de
Delaware, no período de 1948 a 1950, produziu resultados semelhantes. Deles,
85% receberam alta em cinco anos e, em 1° de janeiro de 1956 - seis anos ou mais
depois da internação inicial -, 70% viviam com sucesso no seio das comunidades.5
Enquanto isso, o Hospital Hillside, no Queens, na cidade de Nova York, fez
um levantamento de 87 pacientes esquizofrênicos que tiveram alta em 1950, e
determinou que pouco mais da metade deles nunca teve recaídas nos quatro anos
seguintes.6 Durante esse período, as análises de resultados na Inglaterra, onde
a esquizofrenia era definida com mais rigor, pintaram um quadro similarmente
animador: 33% dos pacientes gozaram de "recuperação completa" e outros 20%,
de "recuperação social", o que significava que podiam se sustentar e levar uma
vida independente.7
Esses estudos fornecem uma visão bastante surpreendente dos resultados da
esquizofrenia durante aquele período. Segundo o entendimento convencional, foi o
Thorazine que permitiu que as pessoas esquizofrênicas vivessem em comunidade.
Mas o que constatamos é que a maioria das que foram internadas após um
primeiro episódio esquizofrênico, durante o fim da década de 1940 e o início da
de 1950, recuperou-se a ponto de poder, dentro dos primeiros 12 meses, retornar
à sociedade. Ao cabo de três anos, isso se aplicava a 75% dos pacientes. Apenas
uma pequena percentagem - cerca de 20% - precisou manter-se continuamente
hospitalizada. Além disso, os que retornaram ao seio da sociedade não foram morar
em abrigos e residências coletivas, uma vez que esse tipo de instituição ainda não
existia. Não recebiam pensões do governo federal por invalidez, e os programas
SSI (Renda Complementar da Previdência) e SSDI (Seguro da Previdência Social
por Invalidez) ainda estavam por ser criados. Na maioria dos casos, as pessoas
que recebiam alta dos hospitais estavam voltando para suas famílias e, a julgar
pelos dados de recuperação social, muitas estavam trabalhando. No cômputo
geral, havia razão para que as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, naquele
período do pós-guerra, fossem otimistas quanto a sua possibilidade de melhora e
de um funcionamento bastante bom na comunidade.
Também é importante assinalar que a chegada do Thorazine não melhorou
os índices de alta na década de 1 950 entre as pessoas recém-diagnosticadas
104
Revelação de um Paradoxo
105
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Justiça seja feita, o NIMH organizou urna conferência, em setembro de 1956, para
"examinar cuidadosamente toda a questão dos psicotrópicos", e as conversas dessa
conferência acabaram por se concentrar numa questão muito específica: de que
modo poderia a psiquiatria adaptar para seu uso uma ferramenta científica que
recentemente provara seu valor na medicina das doenças infecciosas - os testes
clínicos aleatórios, duplos-cegos e controlados por placebos? 10
Como observaram muitos oradores, essa ferramenta não se prestava
especialmente bem para avaliar os resultados de uma droga psiquiátrica.
Como poderia ser "duplo-cego" o estudo de um neuroléptico? O psiquiatra logo
perceberia quem estava e quem não estava usando o medicamento, e qualquer
paciente a quem fosse administrado o Thorazine também saberia estar usando
um medicamento. Além disso, haveria o problema do diagnóstico: como poderia o
pesquisador saber se os pacientes aleatórios incluídos num teste eram realmente
portadores de "esquizofrenia"? Os limites diagnósticos dos transtornos mentais
estavam sempre se modificando. Igualmente problemático era saber o que definia
um "bom resultado". Os psiquiatras e o pessoal hospitalar talvez quisessem ver
mudanças comportamentais medicamentosas que tornassem o paciente "mais
socialmente aceitável", mas que talvez não se dessem "em benefício último
do paciente", disse um orador da conferência. 1 1 E como seria possível medir os
resultados? Num estudo de uma droga criada para uma doença conhecida, os
índices de mortalidade ou os resultados laboratoriais podiam servir de medid�s
objetivas para saber se um tratamento funcionava. Por exemplo, para testar a
eficácia de um remédio contra a tuberculose, uma radiografia do pulmão poderia
mostrar se o bacilo causador da doença havia desaparecido. Qual seria a meta final
mensurável no teste de um medicamento contra a esquizofrenia? O problema,
como disse na conferência Edward Evarts, um médico do NINIH, era que "os
objetivos da terapia, na esquizofrenia, exceto o de fazer o paciente 'melhorar', não
foram claramente definidos". 12
Todas essas questões infernizavam a psiquiatria, mas, apesar disso, como
resultado dessa conferência, o NINIH planejou montar um teste sobre os
neurolépticos. A pressão da história era simplesmente grande demais. Os testes
eram o método científico usado naquele momento, na medicina clínica, para
avaliar os méritos de uma terapia, e o Congresso norte-americano havia criado o
NI1\11H com a intenção de que ele transformasse a psiquiatria em uma disciplina
científica mais moderna. A adoção dessa ferramenta pela psiquiatria provaria que
ela estava caminhando para esse objetivo. O NIMH criou um Centro de Serviços
106
Revelação de um Paradoxo
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Revelação de um Paradoxo
rv Há uma falha evidente na meta-análise de Gilbert. Ela não determinou se a velocidade da retirada
das drogas afetou o índice de recaídas. Depois da publicação de seu estudo, �ele Viguera, da
Faculdade de Medicina de Harvard, reanalisou os mesmos 66 estudos e determinou que, quando
as drogas eram retiradas aos poucos, o índice de recaída chegava a apenas um terço do constatado
nos estudos sobre retirada abrupta. O modelo de retirada abrupta da maioria dos estudos sobre
recaída aumentava drasticamente o risco de que os pacientes esquizofrênicos tornassem a adoecer.
Com efeito, o índice de recaída dos pacientes entre os quais a droga foi gradualmente retirada
assemelhou-se ao observado entre os pacientes que tiveram a medicação mantida.
109
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Surge um Enigma
Embora os comentários de Dixon e Stip sugiram que não há dados de longo
prazo a reexaminar, na verdade é possível construir a história de como os
antipsicóticos alteraram o curso da esquizofrenia, e essa história tem início, muito
apropriadamente, com o estudo de acompanhamento feito pelo NThffi com os 344
pacientes de seu teste inicial em nove hospitais. Em alguns aspectos, os pacientes
- independentemente do tratamento que haviam recebido no hospital - não
estavam muito mal. Ao cabo de um ano, 254 viviam na comunidade, e 58% dos que
seria esperável que estivessem trabalhando, de acordo com sua faixa etária e seu
sexo, de fato estavam empregados. Dois terços das "donas de casa" funcionavam
bem nesse papel doméstico. Embora os pesquisadores não tenham informado
sobre o uso de medicamentos pelos pacientes no acompanhamento feito após
um ano, eles ficaram chocados ao descobrir que "os pacientes que receberam o
tratamento com o placebo [no teste de seis semanas'] tinham menos probabilidade
de voltar a ser hospitalizados do que aqueles que receberam qualquer das três
fenotiazinas ativas".2º
Temos aí, exatamente nesse momento inicial da literatura científica, a sugestão
de um paradoxo: embora as drogas fossem eficazes a curto prazo, talvez tornassem
as pessoas mais vulneráveis à psicose a longo prazo, donde os índices mais altos
de reinternação de pacientes medicados ao final de um ano. Os investigadores do
NIMH logo retornaram com outro resultado surpreendente. Em dois testes de
retirada dos medicamentos, ambos os quais incluíram pacientes que não estavam
sendo medicados com nenhuma droga no começo do estudo, os índices de recaída
aumentaram correlativamente à dose dos remédios. Apenas 7% dos que haviam
recebido um placebo no início do estudo sofreram recaídas, comparados a 65%
dos que tomavam mais de 500 miligramas de clorpromazina antes da suspensão
do medicamento. "Constatou-se que a recaída tinha uma relação significativa
com a dose da medicação tranquilizante recebida pelo paciente antes de lhe ser
administrado um placebo - quanto mais alta a dose, maior a probabilidade de
recaída", escreveram os pesquisadores.21
Havia algo errado, e as observações clínicas aprofundaram a suspeita. Os
pacientes esquizofrênicos que haviam recebido alta usando medicamentos
estavam retornando aos prontos-socorros em tamanha quantidade que o pessoal
hospitalar deu a isso o nome de "síndrome da porta giratória". Mesmo quando se
podia confiar em que os pacientes tomavam regularmente a medicação, as recaídas
1 10
Revelação de um Paradoxo
eram comuns, e os pesquisadores observaram que "a recaída tem maior gravidade
durante a administração de drogas do que quando não é fornecida nenhuma
medicação".22 Ao mesmo tempo, quando os pacientes sofriam recaídas depois de
abandonar os medicamentos, Cole notou que seus sintomas psicóticos tendiam a
"persistir e se intensificar" e, pelo menos por algum tempo, eles sofriam também de
uma multiplicidade de novos sintomas: náusea, vômitos, diarreia, agitação, insônia,
dores de cabeça e tiques motores estranhos.23 A exposição inicial a um neuroléptico
parecia preparar os pacientes para um futuro de episódios psicóticos graves, e isso
ocorria independentemente de eles continuarem ou não com os remédios.
111
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
1 12
Revelação de um Paradoxo
Neste estudo, os pacientes foram agrupados de acordo com seu tratamento durante a internação
hospitalar (placebo ou remédio) e de acordo com o uso ou não de antipsicóticos depois de receberem
alta. Assim, 24 dos 4 l pacientes tratados com o placebo no hospital permaneceram sem remédios
durante o período de acompanhamento. Esse grupo nunca exposto aos medicamentos foi o que obteve
os melhores resultados, sem termos de comparação. M. Rappaport, ''Are there schizophrenics forwhom
drugs may be unnecessary or contraindicated?", lnternational Pharmacopv,chiatry 13 (1 978): 100-111.
O terceiro estudo foi conduzido por Loren Mosher, que chefiava as pesquisas
sobre esquizofrenia no NIMH. Embora pudesse ser o principal médico do país
nessa matéria, na época, sua visão da esquizofrenia discordava daquela de muitos
de seus pares, que haviam passado a achar que os esquizofrênicos sofriam de um
"cérebro avariado". Mosher acreditava que a psicose podia surgir em resposta a
traumas afetivos e internos, e que, à sua maneira, podia ser um mecanismo de
enfrentamento. Assim, acreditava haver a possibilidade de as pessoas lidarem
com suas alucinações e delírios, lutarem para atravessar surtos esquizofrênicos
e recuperarem a sanidade. E, se assim era, ele ponderou que, se proporcionasse
aos pacientes com psicoses recentes uma morada segura, onde os profissionais
tivessem uma evidente empatia com outras pessoas e não se assustassem com
comportamentos estranhos, muitos ficariam bons, mesmo não sendo tratados com
antipsicóticos. "Eu achava que o envolvimento humano sincero e a compreensão
eram cruciais para as interações curativas", disse. ''A ideia era tratar as pessoas
como pessoas, como seres humanos, com dignidade e respeito."
A casa vitoriana de 12 quartos que ele abriu em 1971 em Santa Clara, na
Califórnia, podia acolher seis pacientes de cada vez. Mosher a chamou de Casa
Soteria, v e acabou inaugurando também uma segunda residência, a Emanou. Ao
V O termo vem do grego sótêr, -êros, "protetor, salvador", e de sótêrion, "salvação"; o mesmo radical
originou sotérias, antigas festas de ação de graças para agradecer aos deuses o afastamento de um
perigo grave, e também soteriologia, a parte da teologia que trata da salvação do Homem. (N.T.)
113
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
todo, o Projeto Soteria funcionou durante 1 2 anos, com 82 pacientes tratados nas
duas casas. Já em 1974, Mosher começou a relatar que seus pacientes da Soteria
passavam melhor do que uma coorte equiparável de pacientes que vinham sendo
convencionalmente tratados com medicamentos num hospital, e, em 1979, ele
anunciou seus resultados após dois anos. Ao cabo de seis semanas, os sintomas
psicóticos haviam se atenuado tanto em seus pacientes da Soteria quanto
nos pacientes hospitalizados, e, ao cabo de dois anos, os pacientes da Soteria
tinham "escores psicopatológicos mais baixos, menor número de reinternações
[hospitalares] e melhor adaptação global".27 Mais tarde, ele eJohn Bola, um professor
assistente da Universidade da Califórnia Meridional, apresentaram um relatório
sobre seu uso de medicamentos: 42% dos pacientes da Casa Soteria nunca tinham
sido expostos a remédios, 39% haviam-nos usado temporariamente, e apenas 19%
haviam necessitado deles durante todo o período de dois anos de acompanhamento.
"Contrariando a visão popular, o uso mínimo de medicamentos antipsicóticos,
combinado com uma intervenção psicossocial especialmente concebida para
pacientes recém-identificados com transtornos do espectro da esquizofrenia, não
é prejudicial, mas parece ser vantajoso", escreveram Mosher e Bola. "Acreditamos
que o balanço dos riscos e benefícios associados à prática comum de medicar quase
todos os episódios iniciais da psicose deve ser reexaminado."28
Três estudos financiados pelo NIMlI, e todos apontaram para a mesma
conclusão.VI Talvez 50% dos pacientes recém-diagnosticados com esquizofrenia,
se tratados sem antipsicóticos, se recuperassem e continuassem bem por extensos
períodos de acompanhamento. Apenas uma minoria dos pacientes parecia
necessitar da administração contínua de remédios. A "síndrome da porta giratória",
que se tornara tão conhecida, devia-se, em,grande parte, aos medicamentos, muito
embora, nos testes clínicos, eles se houvessem provado eficazes para atenuar os
No começo da década de 1960, Philip May conduziu um estudo que comparou cinco formas de
tratamento em regime de internação hospitalar: medicamentos, eletroconvulsoterapia (ECT),
psicoterapia, psicoterapia aliada a medicamentos e terapia ambiental (num ambiente de apoio).
A curto prazo, os pacientes tratados com remédios saíram-se muito melhor. Como resultado,
o estudo passou a ser citado como prova de que os pacientes esquizofrênicos não podiam ser
tratados sem medicação. Entretanto, os resultados ap6s dois anos contaram uma hist6ria com
mais nuances. Cinquenta e nove por cento dos pacientes inicialmente tratados com terapia
ambiental e sem medicação receberam alta, com sucesso, no período inicial do estudo, e esse
grupo "funcionou durànte o acompanhamento pelo menos tão bem quanto os casos de sucesso dos
outros tratamentos, se não melhor". Assim, o estudo de May, que costuma ser citado como prova
de que todos os pacientes psic6ticos devem ser medicados, na verdade sugeriu que a maioria dos
pacientes num primeiro episódio se sairia melhor, a longo prazo, se inicialmente tratada com a
terapia ambiental, e não com remédios. Fonte: P. May, "Schizophrenia: a follow-up study of the
results of five forms of treatment", Archives ofGeneral P.rychiatry 38 ( 1981): 776-784.
1 14
Revelação de um Paradoxo
1 15
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
haviam demonstrado que pelo menos 50% de todos os esquizofrênicos podiam sair
se bem sem medicamentos. Havia apenas uma atitude moralmente correta que
a psiquiatria podia tomar: "Todo paciente esquizofrênico ambulatorial mantido
com medicação antipsicótica deve ter o benefício de uma experiência adequada
sem drogas". Isso, explicou ele, salvaria muitos "dos perigos da discinesia tardia,
bem como dos ônus financeiros e sociais da terapia medicamentosa prolongada".32
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Revelação de um Paradoxo
que os dos pacientes dos Estados Unidos e de outros cinco "países desenvolvidos".
Os primeiros tinham uma probabilidade muito maior de estarem assintomáticos
durante o período de acompanhamento e, o que era ainda mais importante,
desfrutavam de "um resultado social excepcionalmente bom".
Essas constatações deixaram mordidas as comunidades psiquiátricas dos
Estados Unidos e da Europa, que protestaram dizendo que devia ter havido
uma falha na concepção do estudo. Talvez os pacientes da Índia, da Nigéria e da
Colômbia não fossem realmente esquizofrênicos. Em resposta, a OMS lançou em
1978 um estudo sobre dez países e, dessa vez, incluiu primordialmente pacientes
que haviam sofrido um primeiro episódio de esquizofrenia, todos diagnosticados
por critérios ocidentais. Mais uma vez, os resultados foram praticamente os
mesmos. Ao cabo de dois anos, quase dois terços dos pacientes dos "países em
desenvolvimento" tinham obtido resultados positivos, e pouco mais de um terço
havia se transformado em doentes crônicos. Nos países ricos, apenas 37% dos
pacientes tinham resultados positivos, ao passo que 59% tornaram-se doentes
crônicos. "A constatação de um resultado melhor nos pacientes dos países em
desenvolvimento foi confirmada", escreveram os cientistas da OMS. "Estar num
país desenvolvido revelou-se um forte preditor de não obtenção da remissão
completa."45
Embora não tenham identificado uma razão para a flagrani-e disparidade
dos resultados, os investigadores da OMS fizeram um levantamento do uso
de antipsicóticos no segundo estudo e formularam a hipótese de que talvez os
pacientes dos países pobres se saíssem melhor por tomarem a medicação com
mais regula,ridade. No entanto, constataram que a verdade era o inverso. Apenas
16% dos pacientes desses países eram regularmente tratados com antipsicóticos,
em contraste com 61 % dos pacientes dos países ricos. Além disso, em Agra, na
Índia, onde era possível afirmar que os pacientes tinham se saído melhor, apenas
3% deles eram mantidos no tratamento com antipsicóticos. O uso mais intenso da
medicação era feito em Moscou, e essa cidade revelou a mais alta percentagem
de pacientes constantemente enfermos.46
Nesse estudo transcultural, os melhores resultados associaram-se claramente
ao baixo uso da medicação. Posteriormente, em 1997, pesquisadores da OMS
voltaram a entrevistar os pacientes dos dois primeiros estudos (15 a 25 anos depois
dos estudos iniciais) e constataram que os dos países pobres continuavam a se sair
muito melhor. O "diferencial de resultados" se manteve quanto ao "estado clínico
geral, à sintomatologia, à invalidez e ao funcionamento social". Nos países em
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Revelação de um Paradoxo
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Revelação de um Paradoxo
A Ilusão do Clínico
Compareci ao congresso de 2008 da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria
(APA) por diversas razões, mas a pessoa que eu mais queria ouvir era Martin
Harrow, um psicólogo da Faculdade de Medicina da Universidade de Illinois. De
1975 a 1983, ele incluiu 64 jovens esquizofrênicos num estudo de longo prazo
financiado pelo NIMH, recrutando os pacientes de dois hospitais de Chicago.
Um deles era particular, o outro, público, pois isso garantia que o grupo fosse
economicamente diversificado. Desde então, Harrow avalia periodicamente o
estado desses pacientes. Eles estão sintomáticos? Em recuperação? Empregados?
Tomam medicamentos antipsicóticos? Os resultados de Harrow proporcionam um
quadro atualizado de como têm se saído os pacientes esquizofrênicos nos Estados
Unidos, de modo que seu estudo pode levar nossa investigação da literatura
científica a um clímax apropriado. A acreditarmos no saber convencional, os
pacientes que continuassem a tomar antipsicóticos deveriam ter os melhores
resultados. A acreditarmos na literatura científica que acabamos de examinar, o
resultado deveria ser o inverso.
VIl
Alegria de viver, em francês no original. (N.T.)
125
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
50%
45%
Sem
40% antlpslcótlcos
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5% ______.com
antipsicóticos
0% ---'-----'-- ----'--- ----'-------'-- -
Acompanhamento Aoompanhamento Acompanhamento Acompanhamento Acompanhamento
de 2 anos de 4,5 anos de 7 anos de 10 anos de 15 anos
Fonte: M. Harrow, "Factors involved in outcome and recovery in schizophrenia patients not on
antipsychotic medication", Thejournal efNervous and Mental Disease, 195 (2007): 406-414.
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Revelação de um Paradoxo
--
Espectro de resultados de pacientes esquizofrênicos
-
Uniformemente ruins
Resultados razoévels
Recuperados
Espectro dos resultados de pacientes medicados e não medicados. Os que tomaram antipsicóticos
tiveram um índice muito menor de recuperação e uma tendência muito maior a chegar a resultados
"uniformemente ruins". Fonte: M. Harrow, "Factors involved in outcome and recovery in schizophrenia
patients not on antipsychotic medication", Thejoumal q/Nervous andMenta!Di.sease, 195 (2007): 406-414.
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ANATO:MIA DE UMA EPIDE:MIA
Reexaminando as Provas
Seguimos urna trilha de documentos até um final surpreendente, e por isso creio
que precisamos fazer uma última pergunta: será que todas as provas que refutam
o saber comum se sustentam? Em outras palavras, a literatura sobre os resultados
conta uma história coerente e sistemática? Precisamos reexaminar tudo, para ter
certeza de não deixar escapar alguma coisa, porque é sempre incômodo chegar a
uma conclusão que discorda do que a sociedade "sabe" ser verdade.
Primeiro, como reconheceram os pesquisadores Lisa Dixon e Emmanuel Stip,
não há uma boa comprovação de que os antipsicóticos melhorem os resultados da
esquizofrenia a longo prazo. Sendo assim, podemos confiar em que não deixamos
escapar nenhum estudo desse tipo no nosso levantamento. Segundo, indícios de
128
Revelação de um Paradoxo
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Revelação de um Paradoxo
Pouco depois, sua antiga vida desmoronou por completo. Ela descobriu que
o marido vinha dormindo com uma de suas amigas e, depois que se mudou do
apartamento do casal, teve de passar algum tempo dormindo em seu carro.
Embora, a princípio, durante essa fase de desespero, ela se agarrasse aos
medicamentos, a visão não esquizofrênica de si mesma também a atraía e, em
fevereiro de 2006, ela resolveu dar o salto: pararia de fumar, pararia de tomar
café e faria o "desmame"VIII da medicação psiquiátrica. ''Aí fiquei sem remédios,
sem nicotina e sem café, e meu corpo foi entrando em choque. Eu ficava doente
com aquilo tudo e chegava quase a vibrar, porque precisava dos meus cigarros, dos
meus remédios."
Essa decisão também a levou a se desentender com quase todas as pessoas
de sua vida. "Parei de falar com minha família, porque não queria voltar àquela
identidade [de pessoa inválida). Minha mente era muito delicada, por isso eu tive
que me desligar do que conhecia e me desligar do meu terapeuta." Em pouco
tempo, Kate começou a emagrecer tanto que os amigos pensaram que devia estar
doente. Enquanto lutava para se manter sã, ela se agarrou à orientação do seu
grupo religioso, falando com os outros de maneira muito formal, e essa conduta
convenceu sua mãe de que ela estava sofrendo uma recaída. "Estranho não é a
palavra, meu bem", era o que lhe dizia sua mãe, e até Kate temia, no íntimo, estar
voltando a ter um surto psicótico. "Mas eu tinha aquela esperança, aquela fé, e
por isso disse a mim mesma: 'Vou andar nesta corda bamba para atravessar esse
cânion medonho e, quando chegar ao outro lado, espero que haja um cume em
que eu possa ficar de pé'. Eu tinha de me concentrar em seguir em frente, para
VIII Embora, rigorosamente, seja uma expressão inadequada, porque o desmame propriamente dito
é um processo natural de desapego do seio materno, de autonomia, de perda da dependência
infantil em relação à mãe, ao passo que com drogas esse processo não é natural, porque a droga
foi artificialmente introduzida na relação do seu usuário com o mundo, é usual o emprego do
termo para se referir ao processo de desintoxicação, interrupção, abandono de alguma substância
psicoativa. Por isso, ao longo do livro a palavra withdrawal, usada em expressões como drug
withdrawal, withdrawal efdrugs etc., foi traduzida como desmame e grafada entre aspas. (N.R.T.)
133
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
onde quer que aquilo me levasse, porque, se caísse da corda bamba, voltaria para
o hospital."
Foi nesse momento perigoso, quando parecia prestes a desabar, que Kate
concordou em se encontrar com a mãe para jantar. "Achei que ela estava tendo
um surto", disse a mãe. "Ela se sentou toda certinha, com um ar disperso e
desorganizado. O corpo estava rígido. Vi muitos dos mesmos sintomas de antes.
Os olhos estavam dilatados e ela parecia paranoide." Ao saírem do restaurante,
a mãe começou a conduzir o carro na direção do hospital, mas mudou de ideia no
último segundo. Kate "não estava tão maluca" que precisasse ser internada. "Fui
para casa e chorei", recordou a mãe. ''Não sabia o que estava acontecendo."
Pelos cálculos da mãe, Kate levou seis meses para atravessar esse processo de
desabituação. Mas emergiu do outro lado traniformada. ''Vi que o rosto dela estava
cheio de vida e que ela estava mais ligada ao corpo", contou a mãe. "Sentia-se à
vontade no próprio corpo e mais em paz do que nunca com ela mesma. Estava
fisicamente saudável. Eu não sabia que esse tipo de recuperação era possível."
Em 2007, Kate casou-se com o homem mais velho que a tinha incentivado a
seguir esse caminho; também logrou êxito em seu trabalho de gerente de uma
instituição para pessoas com problemas psiquiátricos, e a empresa reconheceu seu
desempenho "extraordinário" em 2008 - reconhecimento que veio acompanhado
por um prêmio em dinheiro.
Às vezes, K.ate ainda luta. A instituição que ela dirige abriga vários homens
com desvios sexuais - 'Já tive gente dizendo que ia atear fogo em mim, ou que ia
urinar na minha boca", disse -, e suas reações emocionais a essa tensão já não são
embotadas pelos medicamentos. "Faz dois anos que não tomo remédios e, às vezes,
é muito, muito difícil lidar com as minhas emoções. Tendo a ter uns acessos de
raiva. Será que os remédios cobriram minha mente com uma nuvem tão grande,
me deixaram tão comatosa que nunca desenvolvi habilidades para lidar com
minhas emoções? Hoje eu me descubro ficando com mais raiva do que nunca e me
sentindo mais feliz do que nunca. O círculo dos meus afetos está aumentando. E,
sim, é fácil lidar com isso na hora em que a gente está feliz, mas como lidar com o
afeto quando a gente está furiosa? Tenho me empenhado em não me deixar ficar
defensiva demais e procurado levar as coisas com calma."
A história de Kate é de natureza idiossincrática, é claro. Seu êxito ao deixar os
remédios não significa que todos possam largá-los com sucesso. Kate é uma pessoa
admirável - incrivelmente voluntariosa e incrivelmente corajosa. Com efeito,
134
Revelação de um Paradoxo
o que a literatura científica revela é que, depois que a pessoa começa a tomar
antipsicóticos, pode ser muito difícil e arriscado suspender essa medicação, e que
muitas pessoas sofrem recaídas agudas. Mas a literatura também revela que há
pessoas capazes de abandonar com sucesso os medicamentos, e que é esse grupo
que se sai melhor a longo prazo. Kate conseguiu entrar nesse grupo.
''Aquele dia de 2005 em que eu resolvi melhorar foi o divisor de águas na minha
vida", diz ela. "Eu era uma pessoa completamente diferente. Era muito gorda,
fumava o tempo todo e era emocionalmente apática. Hoje, quando topo com
pessoas que me conheceram naquela época, elas nem me reconhecem. Até minha
mãe diz: 'Você não é a mesma'."
135
7
A Armadilha das Benzodiazepinas
"O que parecia muito bom nas benzodiazepinas, quando eu brincava
com elas, era que realmente parecíamos dispor de uma droga que não tinha
muitos problemas. Em retrospectiva, porém, vê-se que era comopôr uma chave
de grifa dentro de um relógio de pulso e esperar que ela não causasse estragos."
-Alecjenner, médico britânico que conduziu os primeiros
ensaios com uma benz9diazepina no Reino Unido, 2003 1
Os fãs de Mad Men, seriado da televisão a cabo que fala da vida de Don Draper
e outros publicitários da avenida Madison no começo da década de 1960, talvez
se recordem de urna cena do último episódio da segunda temporada em que
uma amiga da mulher de Draper, Betty, diz a ela: ''Você quer um Miltown? É a
única coisa que tem me impedido de roer as unhas até o sabugo". Foi um toque
interessante, historicamente correto, e, se os criadores de Mad Men mantiverem
essa exatidão na reprodução de época, na terceira temporada e nas seguintes, que
contarão a história dos homens da publicidade e suas famílias nos anos turbulentos
de meados da década de 1 960, os telespectadores poderão esperar que Betty
Draper e suas amigas vasculhem suas bolsas e façam referências dissimuladas
ao "ajudantezinho da mamãe". A companhia farmacêutica Hoffmann-La Roche
introduziu o Valium no mercado em 1963, anunciando-o particularmente para as
mulheres, e, de 1968 a 1981, ele foi o remédio mais vendido no mundo ocidental.
No entanto, enquanto os norte-americanos devoravam esse comprimido destinado
a mantê-los tranquilos, aconteceu uma coisa muito estranha: disparou o número
de pessoas admitidas em hospícios, prontos-socorros psiquiátricos e clínicas para
pacientes externos com problemas mentais.
A literatura científica sabe explicar por que essas duas coisas se ligaram.
137
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
138
A Armadilha das Benzodiazepinas
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
que o Miltown "foi mais eficaz do que um placebo" como tratimento da ansiedade.
E não havia nenhum indício de que ele fosse melhor que um barbitúrico para
acalmar os nervos. A popularidade inicial desse medicamento, escreveram eles,
"ilustra corno outros fatores que não a comprovação científica podem determinar
os padrões de uso de medicamentos pelos médicos".8
140
A Armadilha das Benzodiazepinas
"PERIGO À VISTA! VALlUM - O COMPRIMIDO QUE VOC:Ê AMA - PODE VOLTAR- SE CONTRA
VOCÊ", gritou uma manchete da revista l1Jgue. Os benzodiazepínicos, explicou a
revista, podiam levar a um "vício muito pior que o da heroína''. 12 Estava iniciada
a reação contra o Valium, particularmente nas páginas das revistas femininas, e a
revista Ms. logo ofereceu ao público leitor relatos em primeira mão dos horrores
da privação do medicamento. "Meus sintomas de abstinência são uma dose
dupla da ansiedade, da irritabilidade e da insônia que eu sentia", afirmou uma
usuária. Outra confessou: "Nem sei como descrever a angústia física e mental que
acompanhou minha suspensão do remédio". 13 A pílula da felicidade da década de
1950 estava se transformando na pílula da infelicidade da década de 1970, com
o New York Times relatando, em 1976, que "alguns críticos chegam a dizer que [o
Valium] tem causado mais estragos do que benefícios, ou chegam até a negar
que ele faça algum bem para a grande maioria dos pacientes. Alguns, alarmados,
gritam que ele está longe de ser tão seguro quanto se proclama, que pode
viciar de forma horrenda e perigosa, e que pode ser a causa direta da morte dos
viciados".14 Afirmou-se que dois milhões de norte-americanos estavam viciados nas
benzodiazepinas - quatro vezes o número de viciados em heroína no país -, e um
dos usuários do comprimido veio a se revelar a ex-primeira dama Betty Ford, que
se internou num centro de reabilitação do consumo de álcool e drogas em 1978.
O abuso de tranquilizantes, disse seu médico, Joseph Pursch, era "o problema
número um de saúde da nação". 15
Nos anos seguintes, as benzodiazepinas caíram oficialmente em desgraça.
Em 1979, o senador Edward Kennedy conduziu uma audiência da Subcomissão
de Saúde do Senado sobre os perigos das benzodiazepinas, as quais afirmou
terem "produzido um pesadelo de dependência e vício, ambos de tratamento
e recuperação muito difíceis". 16 Depois de reexaminar a literatura científica, o
Gabinete da Casa Branca sobre a Política Nacional de Controle de Drogas concluiu
que os efeitos soníferos desses remédios não duravam mais que duas semanas, e
essa constatação logo foi respaldada pela Comissão de Revisão de Medicamentos
do Reino Unido, que constatou que os efeitos antiansiedade dos benzodiazepínicos
não iam além de quatro meses. Nessas condições, a comissão recomendou que
"os pacientes que recebem terapia benzodiazepínica sejam cuidadosamente
141
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
142
A Armadilha das Benzodiazepinas
misterioso medo de voar. Mas, como revelaram os ensaios clínicos, essa eficácia
imediata começa a diminuir depressa e praticamente desaparece ao cabo de
quatro a seis semanas.
Em 1978, Kenneth Solomon, da Faculdade de Medicina de Albany, no estado de
Nova York, examinou 78 ensaios duplo-cego de benzodiazepinas e determinou que
os medicamentos só se revelaram significativamente melhores do que um placebo
em 48 deles. Quando muito, seria possível dizer que os resultados coletivos
"sugerem uma eficácia terapêutica", escreveu.22 Cinco anos depois, Arthur Shapiro,
da Faculdade de Medicina Mt. Sinai, na cidade de Nova York, consubstanciou um
pouco mais esse quadro de eficácia, relatando que, num ensaio com 224 pacientes
ansiosos, o Valium revelou-se superior a um placebo na primeira semana, porém,
em seguida, essa vantagem começou a se reduzir. Com base na autoavaliação dos
sintomas feita pelos pacientes, não havia, ao término da segunda semana, nenhuma
diferença entre a droga e um placebo, e, ao cabo de seis semanas, o grupo que
tomava o placebo saiu.se ligeiramente melhor. "É improvável, na nossa opinião,
que estudos cuidadosamente controlados demonstrem, de modo consistente,
efeitos terapêuticos das benzodiazepinas contra a ansiedade", escreveu Shapiro.23
Esse quadro da eficácia das benzodiazepinas a curto prazo não sofreu
mudanças marcantes desde então. Essas drogas mostram clara eficácia na
primeira semana e, em seguida, sua vantagem em relação a um placebo diminui.
Todavia, como assinalaram investigadores brit.1nicos em 1991, esse breve período
de eficácia se dá a um custo bastante alto. "O funcionamento psicomotor e o
funcionamento cognitivo podem ser prejudicados, e a amnésia é um efeito comum
de todas as benzodiazepinas", disseram.24 Em 2007, pesquisadores da Espanha
averiguaram se esses efeitos adversos anulavam o pequeno "benefício da eficácia"
proporcionado pelos medicamentos, e constataram que as taxas de abandono nos
ensaios clínicos - medida comumente usada para avaliar a "eficiência" global de
um medicamento- eram idênticas nos pacientes que recebiam a benzodiazepina e
o placebo. "Esse exame sistemático não encontrou provas convincentes da eficácia
a curto prazo das benzodiazepinas no tratamento do transtorno generalizado de
ansiedade", afirmaram.25
Malcolm Lader, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria de Londres que é um dos
maiores especialistas mundiais em benzodiazepinas, explicou numa entrevista a
importância desse resultado: '½. eficácia é uma medida do que se dá na realidade
da clínica".26
143
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Síndromes de abstinência
Embora o primeiro relato de dependência de benzodiazepínicos tenha
aparecido na literatura científica em 1961, quando Leo Hollister, da Universidade
Stanford, relatou que pacientes que suspendiam o tratamento com Librium
vinham experimentando sintomas estranhos, foi só quando o Ministério daJustiça
classificou as benzodiazepinas como drogas da categoria IV que os pesquisadores
começaram a investigar o problema com algum vigor. Em 1976, os médicos
Barry Maletzky e James Kotter deram a partida nessa investigação, informando
que, quando seus pacientes paravam de tomar Valium, muitos se queixavam
de "extrema ansiedade".27 Dois anos depois, médicos da Universidade Estadual
da Pensilvânia anunciaram que era frequente os pacientes que suspendiam o
tratamento com a benzodiazepina experimentarem "um aumento da ansiedade
acima dos níveis basais (...), um estado que chamamos de 'ansiedade de rebote'".28
Na Grã- B retanha, Lader relatou resultados similares. "A ansiedade teve uma
acentuação marcante durante a retirada da droga, a ponto de chegar ao pânico
em vários pacientes. Foi comum eles experimentarem sintomas corporais de
ansiedade, tais como sensação de sufocamento, boca seca, sensações de calor e
frio, pernas bambas como gelatina etc. "29
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º 7 14 28 42 56
Dias de tratamento
Nesse estudo de 1985, feito por investigadores britânicos, os pacientes tratados com Valium não
se saíram melhor que os pacientes tratados com um placebo durante as primeiras seis semanas.
A administração do Valium foi então suspensa nos pacientes que os recebiam, e seus sintomas de
ansiedade dispararam para um nível muito mais alto que o dos sintomas dos pacientes tratados com
o placebo. Fonte: K Power, "Controlled study of withdrawal symptoms and rebound anxiety after six
week course of diazepam for generalised anxiety'', British MedicalJoumal 290 ( I 985): l .246-1.248.
144
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A Armadilha das Benzodiazepinas
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ANATO.MIA DE UMA EPIDEMIA
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Geraldine Burns, uma mulher magra, de cabelos ruivos escuros, ainda mora na
casa em que foi criada. Sentada comigo em sua cozinha, contou-me sua história,
enquanto sua mãe idosa entrava e saía às pressas.
Nascida em 1955, Geraldine foi uma entre seis filhos e veio de uma família
feliz. Seu pai era irlandês, sua mãe, libanesa, e o bairro em que moravam, em
Boston, era conhecido como Pequeno Líbano - um lugar onde todos, com certeza,
sabiam o nome uns dos outros. Tias, tios e outros parentes moravam por perto.
Aos 18 anos, Geraldine começou a namorar um rapaz que morava mais adiante, no
mesmo quarteirão:Joe Burns. "Estou com ele desde então", disse-me, afirmando
que, por um tempo, a vida dos dois desdobrou-se do jeito que ela havia esperado.
Geraldine tinha um emprego de que gostava, no setor de recursos humanos de
um centro de reabilitação; o casal teve um filho saudável (Garrett) em 1984 e
se comprazia com sua vizinhança muito unida. Extrovertida e cheia de energia,
Geraldine era uma anfitriã constante de reuniões de familiares e amigos. "Eu
adorava minha vida", contou-me. "Adorava trabalhar fora, adorava minha família
e adorava este bairro. Fui eu que organizei a reunião de reencontro da turma da
minha escola primária. Ainda tinha amigos dos tempos de jardim de infância. Eu
não poderia ser mais normal."
149
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Entretanto, em março de 1988, ela teve uma filha, Liana, e em seguida sentiu
se fisicamente mal. "Eu dizia repetidamente aos médicos e enfermeiras que tinha
a sensação de estar pesando uma tonelada" e, depois de excluir a possibilidade de
infecção, um médico calculou que ela devia estar ansiosa e lhe receitou Ativan.
Geraldine voltou do hospital para casa com uma receita dessa benzodiazepina e,
embora o remédio a tivesse ajudado por algum tempo, meses depois ela continuava
a sentir que havia algo errado, e procurou uma psiquiatra. "Imediatamente, ela
me disse que eu tinha um desequilíbrio químico", recordou Geraldine. "Disse que
eu devia continuar a tomar o Ativan e me garantiu que o remédio era inofensivo
e não viciava. Disse que eu teria de tomar esse remédio pelo resto da vida. Mais
tarde, quando a questionei a esse respeito, ela deu esta explicação: 'Se você fosse
diabética, teria que tomar insulina pelo resto da vida, não é?'."
Em pouco tempo, a psiquiatra acrescentou ao Ativan um antidepressivo
e, enquanto Geraldine lutava para cuidar da filha naquele primeiro ano, seus
sentimentos lhe pareciam entorpecidos, sua mente, turva. "Eu passava metade
do tempo desorientada. Mamãe telefonava e eu lhe dizia alguma coisa, e ela
respondia: 'Você me disse isso ontem à noite'. E eu respondia: 'Disse?'." Pior
ainda, com o correr dos meses, ela percebeu que estava se tornando cada vez mais
ansiosa, a tal ponto que começou a ficar em casa. Voltar ao trabalho, no setor
de recursos humanos do centro de reabilitação, ficou fora de cogitação. A certa
altura, depois de passar um ou dois dias sem tomar o Ativan, ela teve um "pesado
ataque de pânico". O governo federal concordou em considerá-la incapacitada
pela "ansiedade" e, por conseguinte, com direito a uma pensão mensal do Seguro
da Previdência Social por Invalidez (SSDI). "Eu, que era a pessoa mais sociável do
planeta, não conseguia sair", disse Geraldine, abanando a cabeça, incrédula. "Só
saía se meu marido me levasse."
Nos oito anos seguintes, Geraldine passou por ciclos intermináveis de uma
combinação de medicamentos ansiolíticos e antidepressivos. A ansiedade e
o pânico persistiram e ela passou a sofrer de um leque de efeitos colaterais -
erupções cutâneas, disfunção sexual, aumento de peso, taquicardia (por causa
dos ataques de pânico) e sangramento menstrual excessivo, este levando a uma
histerectomia. "Todas as minhas conhecidas que passaram muito tempo tomando
Ativan acabaram fazendo histerectomia, todas elas", disse Geraldine, com
evidente amargura. Por fim, em outubro de 1996, ela consultou um novo médico,
que, depois de considerar sua anamnese, identificou um culpado provável. "Ele me
disse: 'Você vem tomando um dos remédios mais viciantes de que se tem notícia',
150
A Armadilha das Benzodiazepinas
Três dias antes do encontro que eu havia marcado com Hal Flugman, que
mora no sul da Flórida, ele me telefonou para dizer que sua ansiedade tinha
tornado a se desencadear e que a ideia de sair de casa para uma entrevista
comigo era estressante demais. "Não tenho passado bem", disse-me. ''Ando com
hiperventilação e com uns problemas gastrintestinais terríveis. Acho que tenho
de aumentar minha dose de Klonopin. (...) É isso que está acontecendo comigo."
Hal, que eu havia entrevistado por telefone alguns meses antes, sentiu
ansiedade pela primeira vez aos 13 anos. Baixo e acima do peso, ele não se dava
bem com os colegas do segundo grau. "Eu tinha acessos de pânico e um ligeiro
medo de ficar perto das pessoas", recordou. Nos cinco anos seguintes, ele fez um
aconselhamento psicológico, mas sem que lhe receitassem medicamentos. "'Eu
estava convivendo com aquilo, lidando com aquilo", disse Hal; mas então, uma
noite, num show de rock, o pânico o atingiu com tanta força que ele teve de ligar
para a família e pedir que alguém fosse buscá-lo. No dia seguinte, um médico lhe
deu uma receita de Klonopin.
"Eu me lembro de ter perguntado ao médico: �ou ficar viciado e ter uma
dificuldade enorme para largar esse remédio?' Também fiquei preocupado com
os efeitos colaterais. Mas o médico disse que eles passariam em uma ou duas
semanas, e será que isso não era melhor do que conviver com aqueles ataques de
pânico insuportáveis? Eu respondi: 'Bom, é claro'. E, desde o primeiro comprimido,
vi que aquilo solucionaria o meu problema de ansiedade. Para mim, funcionou
perfeitamente. Eu me senti ótimo."
151
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Desde então, a vida de Hal tem sido uma história de vício. Pouco depois de
começar a tomar o medicamento, ele se mudou para San Francisco, para levar
adiante sua carreira de músico, e tudo correu bem por algum tempo - ele chegou
até a se dar com Carlos Santana, o grande guitarrista. Mas sua carreira musical
não decolou, e hoje ele acha que parte da culpa foi do Klonopin, porque o remédio
acabou com sua ambição e não contribuiu para a destreza dos seus dedos. Hal
acabou entrando numa depressão profunda - "eu me sentia um zumbi", disse - e,
aos 29 anos, regressou à Flórida para morar com os pais. Nessa ocasião, recebeu
um diagnóstico de transtorno bipolar e o governo concordou em que a doença
mental o deixara tão incapacitado que ele tinha direito a receber a Renda
Complementar da Previdência (SSI). Passaram-se os anos, sua mãe faleceu e,
em 2001, Hal começou a tomar doses maiores de Klonopin, caso contrário sua
depressão tornava-se insuportável. O médico lhe disse que ele estava abusando da
medicação e o mandou para uma clínica de desintoxicação, na qual, durante um
período de dez dias, ele foi "desmamado" da benzodiazepina que vinha tomando
fazia 16 anos.
"'O que aconteceu em seguida foi a pior coisa que já vivi", disse ele. "Eu poderia
lhe dar uma lista de sintomas, mas ela não faria justiça ao que eu atravessei
mentalmente. Mês após mês, a coisa foi piorando cada vez mais. Eu não conseguia
dormir, e os sintomas... o mais debilitante era a sensação de que eu estava morto.
Eu sentia que o cérebro tinha sido arrancado da minha cabeça, corno se eu nem ao
menos fosse um ser vivo. Eu estava despersonalizado, tinha sensações esquisitas
na pele, meu corpo parecia estranho. Eu não queria nem mesmo entrar no
chuveiro. Até a água à temperatura ambiente era estranha na minha pele. Se eu
a amornasse ligeiramente, tinha a sensação de que ela estava me queimando até
os ossos. Eu não digeria direito a comida, passava semanas sem conseguir ir ao
banheiro, não conseguia urinar direito... Vivia num estado constante de ataques
de pânico, e o médico me dizia que estava tudo na minha cabeça, que não ia me
dar receita nenhuma e que os sintomas da abstinência podiam durar no máximo
trinta dias. Eu estava afundando, ficando maluco."
Isso prosseguiu durante dez meses. Hal conheceu Geraldine Burns na internet,
porque ela havia iniciado um grupo de apoio para quem tinha problemas com
benzodiazepinas, e Burns o consolava por horas a fio. Dez, vinte vezes por
noite, ele telefonava para sua irmã Susan, gritando que ia se matar. Procurou
desesperadamente conseguir uma nova receita de Klonopin, mas os médicos
que consultou não acreditaram que seus tormentos se relacionassem com a
descontinuação da benzodiazepina. Em vez disso, calcularam que ele havia
152
A Armadilha das Benzodiazepinas
Se uma imagem vale mais que mil palavras, as fotos que me foram mandadas
por uma mulher de Ohio, que chamarei de Liz, contam sua história de maneira
muito sucinta. Existe a foto do "antes", na qual ela sorri e olha para a câmera com
ar confiante, posando como urna modelo num elegante vestido preto. Uma das
mãos apoia-se graciosamente no quadril, o colar acrescenta um toque refinado,
e o penteado do cabelo preto revela uma mulher que se apresenta ao mundo
cuidadosamente. E há também a foto do "depois", na qual os olhos aparecem
encovados e injetados, o rosto é tenso e contraído, o cabelo ficou ralo - ela parece
uma viciada em metanfetamina, meio enlouquecida, que tirasse uma foto depois
de ter sido detida pela polícia.
Falamos por telefone pela primeira vez em julho de 2008, três meses depois de
ela tomar sua última dose de uma benzodiazepina, medicamento que havia usado
153
ANATOMIA D.E UMA EPIDEMIA
durante 13 anos. E foi assim que Liz iniciou sua história: "Minha cabeça parece
esmigalhada. É como se houvesse cavalos dando coices no meu crânio".
Liz, que tem trinta e poucos anos, cresceu num subúrbio residencial abastado
de Columbus, em Ohio, onde frequentou escolas particulares e se sobressaiu de
múltiplas maneiras. Participou de concursos de canto, ganhou prêmios por sua
arte e era excelente aluna. Miúda e bonita, foi convidada por um representante do
desfile de Miss Ohio a participar dessa competição. ''Eu era uma pessoa vibrante,
criativa e divertida", disse. Mas é verdade que, de vez em quando, lutava com
a ansiedade e a depressão e, quando cursava o segundo ano da faculdade na
Universidade do Estado de Ohio, um psiquiatra a medicou com um antidepressivo.
Infelizmente, o remédio pareceu aumentar sua ansiedade, e o psiquiatra acabou
acrescentando o Klonopin à combinação. "Ele disse que era um comprimidinho
leve, usado para ajudar senhoras idosas a dormir. Disse que não viciava e que, se
eu quisesse parar, no máximo dormiria mal por algumas noites. Mas disse que
o provável era eu precisar desse remédio pelo resto da vida, como um diabético
precisa de insulina."
Nos dez anos seguintes, Liz funcionou bem. Formou-se com máximo louvor
na Universidade do Estado de Ohio em 1996, fez mestrado em aconselhamento
psicológico e, após diversas aventuras, em 2002 começou a lecionar para a quarta
série primária numa escola pública. Durante todo esse período, entretanto,
a ansiedade retornou reiteradamente e, toda vez que o fazia, o psiquiatra
aumentava a dose do Klonopin. E, à medida que a dose ia aumentando, declinava
a capacidade de funcionamento de Liz. "Eu pensava: o que há de errado comigo?
Por que estou ficando tão retraída? Por que estou perdendo o interesse em tudo?
Fui adoecendo cada vez mais." E então, no fim de 2004, a ansiedade, o pânico e
a depressão voltaram num grau pior do que nunca, além de aparecerem novos
sintomas - obsessões e ideias suicidas. Liz foi informada de que isso significava
que era "bipolar", e lhe receitaram um antipsicótico, o Abilify. "Foi aí que eu pirei.
Minha ansiedade foi para os píncaros, como se me injetassem estimulantes, e um
dia, eu estava lecionando e desatei a chorar na sala de aula. Não aguentei mais e
fui hospitalizada num pavilhão psiquiátrico."
E veio então a sucessão interminável de remédios. Nos dois anos seguintes,
Liz foi medicada com Lamictal, Lexapro, Seroquel, Neurontin, lítio, Wellbutrin e
outros fármacos de que não se lembra, com o Klonopin sempre incluído no coquetel.
Esse tratamento a deixou com os olhos inchados, a pele encheu-se de erupções
e houve queda de cabelo e dos pelos das sobrancelhas. "Meu pobre cérebro foi
154
A Armadilha das Benzodiazepinas
tratado como uma tigela de mistura", disse Liz. Só que, quando ela perguntava aos
médicos se o coquetel não a estaria fazendo adoecer, "eles diziam: (Tentamos os
remédios e eles não estão ajudando, de modo que o problema é você"' . E de fato,
já que a medicação não funcionava, seus psiquiatras lhe aplicaram eletrochoques,
o que cobrou um preço de sua memória.
Cada vez mais desesperada, Liz concluiu, ao final de 2006, que "eram os
remédios que estavam me deixando doente". Começou a suspendê-los um a um,
mas, embora conseguisse livrar-se dos antidepressivos e dos antipsicóticos, toda
vez que tentava reduzir a dose do Klonopin sofria uma longa lista de tormentos:
alucinações, ansiedade terrível, vertigens, dolorosos espasmos musculares,
distorções da percepção e desrealização, para citar apenas alguns. Por fim, na
primavera de 2008, ela adotou uma nova estratégia. Resolveu fazer o '(desmame"
passando para benzodiazepinas progressivamente menos potentes. O Klonopin
foi substituído pelo Valium, o Valium, pelo Libriuro, e por último, em abril de
2008, ela largou o Librium. Ficou livre dos remédios, mas, três meses depois,
quando conversamos por telefone, ainda estava vivendo o tormento da síndrome
de abstinência. "As coisas que eu tenho passado, o trauma...", disse, desatando em
lágrimas. "Eu vivo com tonteiras. É como se o chão se inclinasse para um lado e
eu saísse rodando para o outro. É pavoroso. T ive alucinações, sou obrigada a usar
óculos escuros em casa, às vezes grito de dor."
No fim da entrevista, pedi-lhe para lembrar como era sua vida antes de lhe
receitarem uma benzodiazepina, e, mais uma vez, ela começou a chorar. ('Naquela
época, minha ansiedade era como um caso brando de asma, e hoje, é como se eu
tivesse uma doença pulmonar em estágio terminal. Tenho pavor de não conseguir.
Sinto muito, muito medo."
155
ANATO:MIA DE UMA EPIDEMIA
"Agora tenho alguns dias bons, e os dias ruins já não são tão ruins", disse ela.
"Acho que posso ver a luz no fim do túnel. Não há dúvida de que vou melhorar.
Vou me mudar para outra cidade e, apesar de ter que começar do zero, sei que
tudo correrá bem. Agora valorizo a vida muito mais do que qualquer pessoa que
eu conheça. Sinto prazer em poder andar de novo em linha reta, em poder voltar
a enxergar e até em ter uma pulsação normal. Meu cabelo está recomeçando a
nascer. Estou melhorando, apenas esperando que o cimento saia completamente
do meu cérebro."
Os Números da Invalidez
Pelo menos até certo ponto, podemos fazer um levantamento do tributo cobrado
pelos medicamentos ansiolíticos nos últimos cinquenta anos. Como foi observado
no início deste capítulo, depois que irrompeu a febre do Miltown, o número de
pessoas que apareceram em hospitais psiquiátricos, centros para pacientes
ambulatoriais e instituições residenciais para doentes mentais começou a ter um
aumento drástico. O Ministério da Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos
chama esse número de "episódios de atendimento a pacientes", e ele disparou de
1,66 milhão em 1955 para 6,86 milhões em 197 5, quando a "Valiurnania" estava
chegando ao auge.50 Em termos de cálculo per capita, isso significou um aumento
de 1.028 episódios de atendimento a pacientes para cada cem mil habitantes
para 3.182 para cada cem mil, ou um salto que triplicou esse número em vinte
anos. Embora muitos fatores possam haver contribuído para essa elevação (as
batalhas emocionais vivenciadas por alguns veteranos da Guerra do Vietnã são
uma possibilidade que vem à lembrança, e outra é o consumo de drogas ilícitas), a
Valiumania foi claramente um dos principais. No fim da década de 1970, o médico
de Betty Ford,Joseph Pursch, concluiu que as benzodiazepinas eram "o problema
número um de saúde da nação", isto porque sabia que elas estavam levando as
pessoas a centros de desintoxicação, prontos-socorros e clínicas psiquiátricas.
Como atestam as histórias pessoais de Geraldine, Hal e Liz, as benzodiazepinas
continuam a ser, para muitos, um caminho para a invalidez. Eles três fazem parte
da onda de pessoas com "transtornos afetivos" que engrossaram as listas da SSI
e do SSDI nos últimos vinte anos. Embora a Administração da Seguridade Social
156
A Armadilha das Benzodiazepinas
não forneça detalhes sobre o número de doentes mentais incapacitados que têm
na ansiedade seu diagnóstico primário, um relatório de 2006 do U.S. General
Accountability Office [Controladoria Geral da União, Estados Unidos] proporciona
um substituto para calcular esse número. O relatório assinalou que 8% dos adultos
jovens (de 18 a 26 anos) nas listas da SSI e do SSDI foram incapacitados pela
ansiedade, e, caso essa percentagem se mantenha em todas as faixas etárias, terá
havido mais de trezentos mil adultos no país recebendo pensões do governo em
2006 por transtornos de ansiedade.51 Isso equivale a aproximadamente sessenta
vezes o número de psiconeuróticos hospitalizados em 1955.
Embora faça trinta anos que painéis governamentais de avaliação dos Estados
Unidos e do Reino Unido concluíram que as benzodiazepinas não deviam ser
receitadas para uso por períodos prolongados, painéis estes acompanhados por
dezenas de estudos posteriores que confirmaram a prudência dessa orientação,
a prescrição de benzodiazepinas para uso contínuo ainda prossegue. De fato, um
estudo conduzido em 2005 sobre pacientes ansiosos, na região da Nova Inglaterra,
constatou que mais de metade deles tomava regularmente uma benzodiazepina,
e hoje em dia muitos pacientes bipolares tomam benzodiazepínicos como parte de
um coquetel de medicamentos.52 As provas científicas simplesmente não parecem
afetar os hábitos de muitos médicos em matéria de prescrições. "Ou a lição nunca
foi aprendida, ou passou despercebida para as pessoas", afirmou Malcolm Lader.53
157
8
Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
"Com o leque de tratamentos disponíveis para
a depressão, podemos indagar por que a invalidez
relacionada com ela tem aumentado."
- Carolyn Dewa, Centro de Saúde Mental e
Dependência de Drogas, Ontário, Canadá, 2001 1
159
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
162
Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
tiveram três ou mais episódios. 10 T homas Rennie, que investigou o destino de 142
depressivos internados no HospitalJohns Hopkins entre 1913 e 1916, determinou
que 39% tiveram "recuperações duradouras" de cinco anos ou mais. 1 1 Um médico
sueco, Gunnar Lundquist, acompanhou 216 pacientes tratados de depressão
durante 18 anos e determinou que 49% nunca vivenciaram um segundo ataque,
e que outros 21% tiveram apenas um episódio a mais. Ao todo, 76% dos 216
pacientes tornaram-se "socialmente sadios" e retomaram seu trabalho habitual.
Depois de se recuperar de um episódio depressivo, escreveu Lundquist, a pessoa
"tem a mesma capacidade de trabalho e as mesmas perspectivas de levar adiante
a vida que tinha antes do aparecimento da doença". 12
Esses bons resultados estenderam-se pelos primeiros anos da era dos
antidepressivos. Em 1972, Samuel Guze e Eli Robins, da Faculdade de Medicina
da Universidade Washington em St. Louis, reexaminaram a literatura científica e
determinaram que, em estudos de acompanhamento conduzidos ao longo de dez
anos, 50% das pessoas hospitalizadas por depressão não tiveram recorrência da
doença. Apenas uma pequena minoria dos diagnosticados com depressão unipolar
- um em dez - tornara-se cronicamente doente, concluíram Guze e Robins. 13
Foram essas as provas científicas que levaram as autoridades do NTh!IH, durante
as décadas de 1960 e 1970, a falarem com otimismo sobre o curso da doença a
longo prazo. "A depressão, de modo geral, é um dos problemas psiquiátricos com
tr,1elhor prognóstico de eventual recuperação, com ou sem tratamento. Quase
todas as depressões são autolimitantes", escreveu Jonathan Cole em 1964. 14 "No
tratamento da depressão", explicou Nathan Kline no mesmo ano, "sempre se
encontra um aliado no fato de que a maioria das depressões termina em remissões
espontâneas. Isso significa que, em muitos ·casos, independentemente do que se
faça, o paciente acaba começando a melhorar." 15 George Winokur, um psiquiatra
da Universidade Washington, informou ao público, em 1969, que "pode-se dar ao
paciente e seus familiares a garantia de que os episódios posteriores da doença
após um primeiro episódio de mania ou até de depressão não tenderão a assumir
um curso mais crônico". 16
De fato, como explicou Dean Schuyler, chefe da divisão de depressão do
NIMH, num livro de 1974, os índices de recuperação espontânea eram tão altos
- acima de 50%, num prazo de poucos meses - que era difícil "julgar a eficácia de
uma droga, de um tratamento [eletrochoque] ou da psicoterapia em pacientes
deprimidos". Talvez um medicamento ou o eletrochoque pudessem abreviar o
tempo de recuperação, uma vez que a remissão espontânea comumente levava
163
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
muitos meses para acontecer, mas era difícil algum tratamento ser melhor do que
o curso natural da depressão a longo prazo. A maioria dos episódios depressivos,
explicou Schuyler, "segue seu curso e termina com a recuperação praticamente
completa, sem nenhuma intervenção específica". 17
Tristeza Abreviada
A história dos ensaios sobre a eficácia dos antidepressivos a curto prazo é
fascinante, porque revela muito sobre a capacidade de uma sociedade e da classe
médica se apegarem à crença nos méritos mágicos de um comprimido, ainda que
os ensaios clínicos produzam, em sua maioria, resultados desanimadores. Os dois
antidepressivos desenvolvidos na década de 1950, a iproniazida e a imipramina,
deram origem a dois tipos gerais de medicamento para a depressão, conhecidos
como inibidores de monoamina oxidase (IMAOs) e tricíclicos, e os estudos do fim
da década de 1950 e do início da de 1960 consideraram que os dois tipos eram
maravilhosamente eficazes. Entretanto, os estudos foram de qualidade duvidosa,
e em 1965 o Conselho Britânico de Medicina submeteu os dois tipos a um teste
mais rigoroso. Embora o tricíclico (imipramina) tenha se revelado modestamente
superior a um placebo, o mesmo não se deu com o IMAO (fenelzina). O tratamento
com essa substância foi "singularmente malsucedido". 18
Quatro anos depois, o NHAH fez uma revisão de todos os estudos sobre
antidepressivos e constatou que, "quanto mais rigorosamente controlado o estudo,
menor o índice de melhora registrado para um dado medicamento". Em estudos
bem controlados, 6 1% dos pacientes medicados tiveram melhora, em contraste com
46% dos pacientes que usaram um placebo, o que significa um benefício líquido
de apenas 15%. "As diferenças entre a eficácia dos medicamentos antidepressivos
e a do placebo não são marcantes", disse o estudo. 19 O NIMH conduziu então
seu próprio ensaio com a imipramina, e foi somente nos pacientes com depressão
psic6tica que esse tricíclico demonstrou algum benefício significativo em relação
a um placebo. Apenas 40% dos pacientes medicados com a droga concluíram o
estudo de sete semanas, e a razão de tantos o haverem abandonado foi que seu
estado "se deteriorou". Para muitos pacientes deprimidos, concluiu o Nll\lIH em
1970, "os medicamentos desempenham um papel de influência insignificante no
curso clínico da doença".20
A eficácia mínima da imipramina e de outros antidepressivos levou alguns
investigadores a se perguntarem se a resposta ao placebo seria o mecanismo que
164
Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
165
ANATOMIA DE UMA EPIDE:MIA
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Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
Todos os Psicotrópicos
Funcionam dessa Maneira?
Embora um punhado de médicos europeus possa ter, no fim dos anos 60 e
início dos 70, soado o alarme sobre o curso modificado da depressão, só em 'I 994 é
que um psiquiatra italiano, Giovanni Fava, da Universidade de Bolonha, anunciou
de forma contundente que era hora de a psiquiatria enfrentar esse problema.
Os neurolépticos tinham se revelado bastante problemáticos a longo prazo, as
benzodiazepinas também, e agora, os antidepressivos pareciam estar produzindo
um resultado semelhante a longo prazo. Num editorial de 1994, da revista
P�chotherapy and P�chosomatics, Fava escreveu:
No campo da psicofarmacologia, os profissionais têm sido cautelosos, senão
temerosos, quando se trata de abrir um debate para saber se o tratamento é
mais nocivo [do q�e benéfico] . ( ... ) eu me pergunto se é chegado o momento de
debatermos e iniciarmos pesquisas sobre a probabilidade de que os medicamentos
psicotrópicos efetivamente agravem, pelo menos em alguns casos, a progressão da
doença que supostamente deveriam tratar.38
169
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
' A depressão, ao que parecia, nunca tinha sido a doença relativamente benigna
descrita por Silverman e outros, no NIMH, no fim dos anos 60 e início da década
de 1970. E, uma vez reconcebida a depressão dessa maneira, como doença
171
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
a longo prazo para as pessoas que ela atinge é sombrio. "Um episódio grave de
depressão pode ocorrer apenas uma vez na vida de uma pessoa, porém, com mais
frequência, ele se repete durante toda a sua vida", adverte o NIMH.54
Il
A ressalva a ser feita sobre os estudos naturalistas é que o grupo não medicado, no momento do
diagnóstico inicial, pode não estar tão deprimido quanto os indivíduos que usam medicamentos.
Além disso, aqueles que evitam a medicação também podem ter uma "resiliência interna" maior.
Mesmo feitas essas ressalvas, deve ser possível obtermos uma ideia do curso da depressão não
medicada com base nos estudos naturalistas, para ver como ela se compara com o curso da
depressão tratada com antidepressivos.
174
Uma Doença Episódica Torna-se Cr6nica
175
ANATOMIA DE UMA EPIDE:MIA
60%
D Diagnosticados/
Antídepressivos
• Diagnosticados/
Sedativos
• Diagnosticados/
Sem medicação
Não díagnosticados/
•
Sem medicação
Bem Depressão contínua
Os investigadores da OMS informaram que uma percentagem mais alta do grupo não medicado se
recuperou, e que a "depressão contínua" se mostrou mais elevada entre os tratados com antidepressivos.
Fonte: D. Goldberg, "The effects of detection and treatment of major depression in primary care",
Briti<hJournal efGeneral Practice 48 (1998); 1.840-1.844.
m Esse estudo é uma poderosa ilustração de por que, como sociedade, podemos ser iludidos a respeito
dos méritos dos antidepressivos. Dos que tomaram um antidepressivo, 73% regressaram ao
trabalho (outros 8% pediram demissão ou se aposentaram), e não há dúvida de que muitos desse
grupo diriam que o tratamento medicamentoso os ajudou. Eles se tornariam vozes da sociedade
que atestam os benefícios desse paradigma de atendimento e, sem um estudo como o aqui
apresentado, não haveria como saber que, na verdade, os medicamentos estavam aumentando o
risco da invalidez a longo prazo.
1 76
Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
•
Risco de invalidez em pacientes deprimidos
•
Voltaram
ao trabalho
•
Invalidez por
longo prazo
Pediram demissão/
Aposentaram-se/
Foram demitidos
Esse foi um estudo de 1.281 empregados canadenses que estavam em licença temporária por invalidez,
em decorrência da depressão. Os que tomaram um antidepressivo tiveram mais que o dobro da
probabilidade de passar para a condição de licenciados permanentes por invalidez. Fonte: C. Dewa,
"Pattern of antidepressant use and duration of depression-related absence from work", BritishJournal
efPrychiatry 183 (2003), 507-513.
Vários países também observaram que, após a chegada dos ISRS, o número
de seus cidadãos incapacitados pela depressão aumentou drasticamente. Na Grã
Bretanha, o "número de dias de incapacidade" por depressão e por distúrbios
neuróticos saltou de 38 milhões, em 1984, para 117 milhões, em 1995, ou um
aumento de três vezes.62 A Islândia informou que a percentagem de sua população
incapacitada pela depressão quase duplicou entre 1976 e 2000. Se os antidepressivos
fossem realmente úteis, ponderaram os investigadores islandeses, o uso desses
177
.ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Tratada
Tratada
Não tratada
Nesse estudo, o NIMH investigou os resultados naturalistas de pessoas diagnosticadas com depressão
grave que foram tratadas e não tratadas. Ao cabo de seis anos, os pacientes tratados tiveram uma
probabilidade muito maior de parar de funcionar em seus papéis sociais costumeiros e de se tornarem
inválidos. Fonte: W. Coryell, "Characteristics and significance ofuntreated major depressive disorder",
Americanjoumal ofPsychiatry 152 (1995): 1.124-1.129.
178
Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
180
Uma Doença Episódica Torna-se Crônica
Melissa
Entrevistei diversas pessoas que recebiam pensões da Renda Complementar
da Previdência (SSI) ou do Seguro da Previdência Social por Invalidez (SSDI) em
decorrência da depressão, e muitas contaram histórias semelhantes à de Melissa
Sances. Tomaram um antidepressivo pela primeira vez quando estavam na
adolescência, ou no começo da casa dos 20 anos, e o medicamento funcionou por
algum tempo. Depois, no entanto, a depressão voltou e, desde então, elas passaram
a lutar com episódios depressivos. Suas histórias combinam de maneira notável
com a cronicidade a longo prazo detalhada na literatura científica. Também me
reencontrei com Melissa pela segunda vez, nove meses depois de nossa primeira
entrevista, e suas lutas continuavam praticamente iguais. No outono de 2008, ela
começou a tomar uma dose alta de um inibidor de monoamina oxidase, o que
proporcionou algumas semanas de alívio, depois das quais a depressão voltou
ainda pior. Em nossa segunda entrevista, ela estava considerando a terapia de
eletrochoque e, quando almoçávamos num restaurante tailandês, falou, com ar
tristonho, de.como gostaria que seu tratamento pudesse ter sido diferente.
"Eu realmente me pergunto o que teria acontecido se [aos 16 anos] eu tivesse
simplesmente conversado com alguém, e se essa pessoa pudesse ter me ajudado
a aprender o que eu poderia fazer sozinha para ser uma pessoa saudável. Nunca
tive um modelo para isso. Alguém poderia ter me ajudado nos meus problemas
com a comida e com a minha dieta e exercícios, e me ajudado a aprender a cuidar
de mim. Em vez disso, me disseram: 'Você tem tal ou qual problema com seus
neurotransmissores, portanto, tome este comprimido de Zoloft'; e, quando isso não
funcionou, foi 'Tome este comprimido de Prozac', e, quando isso não funcionou,
foi 'Tome este comprimido de Effexor', e aí, quando comecei a ter problemas para
dormir, foi 'Tome este comprimido para dormir'", disse ela, com a voz mais triste
que nunca. "Estou muito cansada dos comprimidos."
181
9
O Crescimento Explosivo
do Transtorno Bipolar
"Eu gostaria de assinalar que há na história da medicina muitos exemplos
de situações em que a vasta maioria dos médicosfaz alguma coisa que
dá errado. O melhor exemplo disso é a sangria, quefai a prática
médica mais comum desde o século I d.C. até o século XIX.��
- Nassir Ghaemi, Centro Médico Tufts, Conferência da
Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria (APA), 2008
183
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
dia, e num carregador de telefone celular, no outro. Eles também podiam ganhar
brindes jogando um videogame chamado "Desafio da corrida dos médicos", no qual
o ritmo do seu eu virtual corria para a linha de chegada, regido pela qualidade
de suas respostas a perguntas sobre as maravilhas do Geodon corno tratamento
do transtorno bipolar. Depois de jogar esse game, muitos faziam fila para tirar sua
foto e estampá-la num bóton publicitário que dizia "O Melhor Médico do Mundo".
184
O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
Referência às duas adolescentes representadas por Patty Duke em seu programa de televisão, The
Patty Duke Show (1963-1966), Patty e Cathy, cujos pais, Martin e Kenneth, são gêmeos idênticos,
donde a denominação de "primas idênticas" das meninas. (N.T.)
Il
A sigla corresponde à denominação original, National Alliance on Mental Illness. (N.T.)
185
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
186
O Crescimento Explosivo do 'lranstomo Bipolar
187
ANATOMIA DE UMA EPIDE:MIA
188
O Crescimento Explosivo do 'Ilanstomo Bipolar
essa doença de falie à double farme.m Tratava-se de uma forma incomum, porém
reconhecível, de insanidade. 1
189
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Entrada na Bipolaridade
Atualmente, de acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH),
o transtorno bipolar afeta um em cada quarenta adultos nos Estados Unidos1 de
modo que, antes de examinarmos o que dizem os registros sobre resultados acerca
desse distúrbio, precisamos tentar compreender esse aumento assombroso em
sua prevalência.9 Embora a explicação simplista seja que a psiquiatria ampliou
enormemente as fronteiras do diagnóstico, isso é apenas parte da história. As
drogas psicotrópicas - legais e ilegais - ajudaram a alimentar o crescimento
explosivo da bipolaridade.
Em estudos sobre pacientes que sofrem um primeiro episódio de bipolaridade,
investigadores do Hospital McLean, da Universidade de Pittsburgh, e do Hospital
da Universidade de Cincinnati constaram que pelo menos um terço deles havia
usado maconha ou outra droga ilegal antes de seu primeiro surto maníaco
190
O Crescimento Explosivo do ll'anstorno Bipolar
191
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
192
O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
Os Anos do Lítio
Com a revolução psicofarmacológica correndo a pleno vapor na década de
1960, era como se todos os grandes distúrbios psiquiátricos devessem ter sua
própria pílula mágica, e quando o transtorno bipolar foi separado da psicose
maníaco-depressiva, a psiquiatria encontrou no lítio um candidato adequado.
Fazia mais de 150 anos que alguns sais desse metal alcalino rondavam as bordas
da medicina, e então, de repente, no início dos anos 1970, o lítio foi alardeado
como uma espécie de cura para essa doença recém-identificada. "Não encontrei
na psiquiatria nenhum outro tratamento que funcione com tanta rapidez, de
modo tão específico e em caráter tão permanente quando o lítio, nos estados
de humor maníacos e depressivos recorrentes", disse Ronald Fieve, psiquiatra da
Universidade Colurnbia, em seu livro de 1975, Moodswing (Oscilação de humor].25
Metal mais leve da natureza, o lítio foi descoberto em 1818, encontrado em
rochas do litoral sueco. Relatou-se que ele dissolvia o ácido úrico, o que o levou
a ser comercializado como urna terapia que poderia romper cálculos renais e os
cristais úricos que se acumulavam nas articulações das pessoas afetadas pela gota.
No fim do século XIX e início do século XX, o lítio se tornou um ingrediente
popular de elixires e tônicos, e teria sido acrescentado até mesmo a cervejas e
outras bebidas. Contudo, acabou-se por descobrir que ele não tinha nenhuma
propriedade solvente do ácido úrico e, em 1949, a Administração Federal de
Alimentos e Medicamentos (FDA) o proibiu, uma vez constatado que ele causava
problemas cardiovasculares.26
Sua ressurreição como droga psiquiátrica teve início na Austrália, onde o
médico John Cade o deu como alimento a cobaias e observou que ele as tornava
dóceis. Em 1949, ele informou haver tratado com sucesso dez pacientes maníacos,
usando lítio; entretanto, em seu artigo publicado, deixou de mencionar que o
193
ANATO:MIA DE UMA EPIDEMIA
tratamento havia matado uma pessoa e que outras duas estavam gravemente
enfermas. Como sabiam desde longa dada os fabricantes de tônicos de lítio, esse
metal podia ser tóxico até mesmo em doses bem pequenas. A função intelectual e
os movimentos motores podiam ficar prejudicados e, caso fosse administrada uma
dose muito alta, o paciente podia entrar em coma e morrer.
Como grupo, os psiquiatras dos Estados Unidos demonstraram pouco interesse
pelo lítio, até o transtorno bipolar surgir como uma doença distinta. Antes
dessa ocasião, usavam-se Thorazine e outros neurolépticos para coibir os surtos
maníacos, e assim não havia necessidade de outra droga que parecia ter efeitos
similares de amortecimento cerebral. Entretanto, depois que George Winokur
publicou seu livro de 1969, dividindo a psicose maníaco-depressiva em formas
unipolares e bipolares, a psiquiatria passou a ter uma nova doença, carente do seu
próprio antídoto.
Visto que nenhuma empresa farmacêutica podia patentear o lítio, a APA
tomou a iniciativa de fazer com que a FDA o aprovasse. Apenas um pequeno
número de ensaios da droga, com o controle feito por placebos, chegou a ser
conduzido. Em 1985, pesquisadores britânicos que vasculharam a literatura
científica conseguiram encontrar apenas quatro ensaios dignos de algum mérito.
Nesses estudos, entretanto, o lítio produzia uma boa resposta em 75% dos
pacientes, o que era muito mais do que a taxa de resposta no grupo tratado com
um placebo.27 A segunda parte da base de provas sobre o lítio veio, corno de praxe,
de estudos sobre a abstinência. Pesquisadores que analisaram 19 desses ensaios,
em 1994, constataram que 53,5% dos pacientes de quem se retirou o lítio sofreram
recaídas, em contraste com 37,5% dos pacientes que deram continuidade a esse
tratamento. Isso foi interpretado como indicação de que ele prevenia a recaída,
embora os investigadores assinalassem que, nos poucos estudos em que a droga
foi gradualmente retirada, apenas 29% dos pacientes apresentaram recidiva (o
que ficou abaixo da taxa verificada entre os pacientes em quem o tratamento foi
mantido).28
No cômputo geral, essa não foi uma prova particularmente robusta de que o
lítio beneficiasse os pacientes, e, durante a década de 1980, vários investigadores
começaram a externar preocupações sobre seus efeitos a longo prazo. Observaram
que as taxas de reinternação por mania, tanto nos Estados Unidos quanto no
Reino Unido, haviam subido desde a introdução do lítio, e acabou por ficar clara
a razão de os pacientes bipolares estarem aparecendo com tanta frequência nos
prontos-socorros dos hospitais.
194
O Crescimento Explosivo do 'franstomo Bipolar
Vários estudos constataram que mais de 50% dos pacientes tratados com lítio
deixavam de tomar o medicamento em bem pouco tempo, em geral por objetarem
à maneira pela qual o remédio embotava sua mente e tornava mais lentos os seus
movimentos físicos; e, quando o suspendiam, eles tinham taxas assombrosamente
altas de recaída. Em 1999, Ross Baldessarini relatou que metade de todos os
pacientes apresentava recidiva em até cinco meses de suspensão do lítio, ao passo
que, na ausência da exposição à droga, eram necessários quase três anos para que
50% dos pacientes apresentassem recidiva. O intervalo entre os episódios, após
a retirada do lítio, era sete vezes menor do que em condições naturais.29 "O risco
de recorrência, após a descontinuação da terapia com lítio (...), especialmente da
mania, é muito maior do que o curso da doença no paciente antes do tratamento
ou os conhecimentos gerais da história natural da doença permitiriam prever",
escreveu Baldessarini.30 Outros investigadores notaram o mesmo fenômeno:
"A recaída maníaca é prontamente desencadeada [pela suspensão do lítio] ,
provavelmente pela liberação d e receptores supersensibilizados, ou por vias
membranosas", explicouJonathan Himmelhoch, da Universidade d e Pittsburgh.31
Isso significa que os pacientes bipolares que eram tratados com lítio e depois
paravam d e tomar o medicamento acabavam "pior do que se nunca houvessem
feito nenhum tratamento medicamentoso", escreveu a psiquiatra britânicaJoanna
Moncrieff.32 Um psiquiatra escocês, Guy Goodwin, concluiu em 1993 que quando
os pacientes eram expostos ao lítio e paravam de tomá-lo nos primeiros dois anos,
o risco de recaída era tão grande que talvez o remédio fosse "prejudicial para
pacientes bipolares". Os índices mais altos de reinternação hospitalar de pacientes
bipolares, desde a introdução do lítio, "podia ser inteiramente explicado" por esse
agravamento induzido pelo fármaco, disse ele.33
195
ANATOMIA DE UMA EPIDE:MIA
Embora ainda seja usado hoje em dia, o lítio perdeu seu lugar de terapia de
ponta depois que se introduziram "estabilizadores de humor" no mercado, no fim
da década de 1990. Como escreveu Moncrieff em 1997, resumindo o histórico de
eficácia do lítio, "Há indicações de que ele é ineficaz no panorama a longo prazo dos
transtornos bipolares, e é sabido que se associa a diversas formas de malefício ii.37
Permanentemente Bipolar
Na verdade, há duas narrativas a extrair da literatura científica, no tocante ao
tratamento do transtorno bipolar com m edicamentos psiquiátricos. A primeira
fala da ascensão e queda do lítio como pílula mágica para tratar esse distúrbio.
A segunda diz que os r esultados dos pacientes bipolares sofreram uma p10ra
drástica durante a era da psicofarmacologia, com especialistas do campo
documentando essa constatação a todo momento.
196
O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
197
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Sigla do original Systematic Treatment Enhancement Program for Bipolar Disorder. (N.T.)
198
O Crescimento Explosivo do lranstomo Bipolar
O Dano Causado
Num artigo publicado na revista PDJchiatric Quarter/y em 2000, um psiquiatra da
Faculdade de Medicina da Universidade Harvard, Carlos Zarate, e um psiquiatra
que trabalhava na empresa farmacêutica Eli Lilly, Mauricio Tohen, abriram uma
nova linha de preocupações: os pacientes bipolares de hoje não apenas são muito
mais sintomáticos do que no passado, mas também não funcionam igualmente
bem. "Na era anterior à farmacoterapia, o desfecho negativo da mania era
considerado uma ocorrência relativamente rara", escreveram Zarate e Tohen.
"Entretanto, os estudos modernos sobre os resultados constataram que a maioria
dos pacientes bipolares evidencia altos níveis de deterioração funcional." O que
poderia, indagaram eles, explicar "essas diferenças"?53
O notável declínio nos resultados funcionais de pacientes bipolares é fácil de
documentar. Na era pré-lítio, 85% dos pacientes maníacos voltavam ao trabalho
ou a seu papel social "pré-mórbido" (o de dona de casa, por exemplo). Como
escreveu Winokur em 1969, a maioria dos pacientes não tinha "nenhuma
dificuldade em retomar suas ocupações habituais". Depois, no entanto, os
pacientes bipolares começaram a passar ciclicamente pelos atendimentos de
emergência com frequência maior, os índices de emprego começaram a diminuir
e, em pouco tempo, os pesquisadores passaram a relatar que menos de metade de
todos os pacientes bipolares estava empregada ou "funcionalmente recuperada".
Em 1 995, Michael Gitlin, da UCLA, relatou que apenas 28% de seus pacientes
bipolares tiveram um "bom resultado ocupacional" ao fim de cinco anos.54 Três
anos depois, psiquiatras da Universidade de Cincinnati anunciaram que apenas
24% de seus pacientes bipolares estavam "funcionalmente recuperados" ao
cabo de um ano.55 David Kupfer, da Faculdade de Medicina da Universidade de
Pittsburgh, num estudo de 1.839 pacientes bipolares, descobriu que, apesar de 60%
haverem frequentado a universidade e 30% terem se formado, dois terços estavam
desempregados.56 "Em resumo", escreveu Ross Baldessarini numa resenha crítica
de 2007, "a situação funcional fica muito mais prejudicada, nos pacientes com
transtorno bipolar I, do que antes se acreditava, [e] o notável é a existência de
alguns indícios de que o resultado funcional nos pacientes com tr�nstorno bipolar
II pode ser ainda pior que nos do tipo I."57
Por aumentarem a frequência dos episódios sofridos pelos pacientes
bipolares, os antidepressivos reduzem, naturalmente, a capacidade de essas
pessoas retornarem ao trabalho. Mas, como se evidenciou nos últimos anos, o
problema é muito mais profundo. Um dos marcos da psicose maníaco-depressiva,
199
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
remontando a K.raepelin, era que, uma vez recuperadas de seus surtos de mania
e depressão, as pessoas tinham a mesma inteligência de antes de adoecerem.
Como observaram Zarate e Tohen em seu artigo de 2000, "os estudos conduzidos
antes de 1975 não revelaram dados consistentes sobre déficits cognitivos em
pacientes bipolares". Mas era sabido que o lítio tornava o pensamento mais lento
e, de repente, os pesquisadores começaram a reavaliar essa crença. Em 1993,
investigadores do NIMH compararam a função cognitiva em pacientes bipolares
e esquizofrênicos e concluíram que, embora os bipolares mostrassem sinais de
deterioração, os déficits eram "mais graves e extensos na esquizofrenia".58
Essa foi uma descoberta do tipo copo meio cheio ou meio vazio. Podia
se interpretá-la no sentido de que o prejuízo cognitivo não era tão grave nos
pacientes bipolares, ou, caso se tivesse lembrança dos dias pré-lítio, seria possível
perguntar por que, de repente, esses pacientes davam mostras de declínio mental.
Entretanto, essa foi apenas a salva inicial de uma história trágica. Depois que a
monoterapia com lítio caiu em desgraça, os psiquiatras começaram a se voltar
para "coquetéis de medicamentos" para tratar seus pacientes, e os investigadores
não tardaram a ter isto para relatar: "Os prejuízos cognitivos [que] existem
na esquizofrenia e nos distúrbios afetivos (...) não podem ser qualitativamente
distinguidos com suficiente confiabilidade".59 O grau de deterioração nessas duas
doenças começou a convergir de repente e, em 2001, Faith Dickerson, do Sistema
de Saúde Sheppard Pratt, em Baltimore, forneceu um quadro mais detalhado dessa
convergência. Ela submeteu 74 pacientes esquizofrênicos medicados e 26 pacientes
bipolares medicados a uma série de testes, que avaliavam 41 variáveis cognitivas
e de funcionamento social, e constatou que os pacientes bipolares estavam tão
comprometidos quanto os esquizofrênicos em 36 das 41 medidas. Havia "um
padrão similar de funcionamento cognitivo nos pacientes com transtorno bipolar,
comparados aos portadores de esquizofrenia", escreveu ela. "Na maioria das
medidas de funcionamento social, nossos pacientes com transtorno bipolar não
diferiram significativamente dos que estavam no grupo da esquizofrenia."6º
Depois disso, relatos de um declínio cognitivo importante nos pacientes
bipolares pareceram brotar profusamente de pesquisadores psiquiátricos
do mundo inteiro - investigadores ingleses, suecos, alemães, australianos e
espanhóis, todos falaram disso. Em 2007, os australianos informaram que, mesmo
quando os pacientes bipolares apresentavam apenas uma sintomatologia leve,
tinham "cicatrizes neuropsicológicas" - ficavam prejudicados em suas habilidades
decisórias, sua fluência verbal e sua capacidade de recordar coisas.61 Enquanto isso,
200
O Crescimento Explosivo do 'lianstorno Bi[Xllar
V Nesse estudo, os investigadores informaram que os prejuízos cognitivos, do mais leve ao mais
grave, foram registrados na seguinte sequência de tratamentos recebidos: monoterapia à base de
lítio, sem tratamento medicamentoso, monoterapia à base de neurolépticos e terapia com uma
combinação de medicamentos. Entretanto, não foram fornecidos detalhes sobre o grupo "sem
tratamento medicamentoso" nem se informou se ele havia sido previamente exposto a drogas
psiquiátricas.
201
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
202
O Crescimento Explosívo do Transtorno Bipolar
Bons resultados
75% a 90% 33%
funcionais a longo prazo
Curso dos sintomas Episódios agudos .de mania e Recuperação lenta ou incompleta
depressão grave, limitados no dos episódios agudos, risco
tempo, com recuperação da permanente de recidivas e
eutimia e adaptação funcional morbidez contínua ao longo do
favorável entre os episódios tempo
Estas informações foram extraídas de múltiplas fontes. Ver, em particular, N. Huxley, "Disability and
its treatment in bipolar disorder patients",Bipolar Disorders 9, 2007: 183-196.
203
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
204
O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
Piores
resultados
7
•
"'
6 Esquirofre11íCO$
o medicados
5 Maníaco-
o depressivos
""
'i'J. 4
medicados
� Esqulzofrênioos
nlio medlcados
3
m Man{aco-
1
m 2 depressivos
nlio medicados
205
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
a doença mental qlie mais derruba pessoas nos Estados Unidos. É esse o amargo
fruto nascido da revolução psicofarmacológica.
Dorea Vierling-Claassen
Se olharmos agora para a história de Dorea Vierling-Claassen, veremos que
ela tem boas razões para crer que nunca deveria ter sido diagnosticada como
portadora de doença bipolar. Ela foi consultar um terapeuta em Denver porque
chorava demais. Não tinha história de mania. Mas então, durante a semana das
provas finais na faculdade, teve dificuldade para dormir e ficou agitada, e logo
recebeu um diagnóstico de bipolar e uma receita de um coquetel de drogas, que
incluía um antipsicótico. Uma adolescente brilhante foi transformada em -doente
mental, e teria continuado assim pelo resto da vida, se ela mesma não tivesse feito
o "desmame" da medicação. Na última vez que nos falamos, na primavera de 2009,
ela estava reluzindo com o brilho da maternidade, pois acabara de dar à luz um
filho, Reuben. Ela e Angela cuidavam ativamente da criação dos filhos, enquanto
Dorea planejava retomar em breve sua pesquisa pós-doutoral no Hospital Geral
de Massachusetts, e a lembrança de seus dias de "bipolar" ia recuando para um
passado mais e mais distante.
206
O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
Manica Briggs
Durante o período em que trabalhei neste livro, Monica Briggs foi a única
pessoa que, após uma entrevista inicial, saiu do Seguro da Previdência Social por
Invalidez (SSDI) ou da Renda Complementar da Previdência (SSI). Obteve um
emprego de horário integral no Transformation Center, uma organização de pares
em Boston cujo foco é ajudar as pessoas a se "recuperarem" da doença mental, e,
se esmiuçarmos sua história clínica, será fácil vermos que seu retorno ao trabalho
se relacionou com uma mudança em sua medicação.
Steve Lappen
Steve Lappen, que é um dos líderes da Aliança de Apoio a Depressivos e
Bipolares (DBSA)vn em Boston, foi diagnosticado com psicose maníaco-depressiva
em 1969, quando tinha 19 anos. Foi uma das quatro pessoas que entrevistei cuja
doença maníaco-depressiva era de natureza "orgânica" e, no primeiro dia em
que nos encontramos, achava-se numa espécie de estado hiperativo, falando tão
depressa que deixei prontamente de lado a caneta e liguei um gravador. "Tudo
bem", eu lhe disse, "pode disparar."
207
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
208
O Crescimento Explosivo do 'Iranstomo Bipolar
Brandon Banks
Brandon Banks sabe identificar o momento exato em que se tornou
"bipolar" e, embora isso tenha envolvido um antidepressivo, houve uma série de
acontecimentos em sua vida que o levaram a esse ponto. Ele cresceu pobre na
cidade de Elizabethtown, no Kentucky, sem a presença paterna em casa, e tem
lembranças dolorosas de abusos sexuais, de maus-tratos físicos e de um terrível
desastre de automóvel, que matou sua tia, seu tio e um outro parente. Na escola,
era comum as outras crianças implicarem com ele por causa de uma marca de
nascença facial que o traumatizava a tal ponto que, para cobri-la, ele começou a
usar um chapéu enterrado na cabeça. Após a formatura no curso médio, em 2000,
mudou-se para Louisville, onde ficou frequentando a faculdade em meio horário e
trabalhando à noite na United Parcel Service [UPS]. Não tardou a notar que "não
se sentia bem", e, quando voltou para casa, o médico da família diagnosticou uma
"depressão moderada" e lhe receitou um antidepressivo. "'Fiquei maníaco em três
dias", disse Brandon. "Foi rápido."
209
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Seu médico lhe explicou que, por ele ter tido essa reação ao remédio, devia
ser bipolar, e não apenas deprimido. O remédio havia "desmascarado" a doença,
o que Brandon encarou como um dado positivo. ''Fiquei pensando: não é tão mau
assim; eu poderia ter passado muito tempo no sistema sem ter uma confirmação
imediata de que sou bipolar." Foi medicado com um coquetel composto por um
estabilizador de humor, um antidepressivo e um antipsicótico, e então entendeu:
"Foi um tremendo empurrão para a seriedade".
Nos quatro anos seguintes, seus psiquiatras mudaram constantemente suas
receitas. "Os coquetéis pareciam aquela dança das cadeiras. [Os médicos]
me diziam: 'Vamos tirar tal remédio e introduziu tal outro'." Brandon tomou
Depakote, Neurontin, Risperdal, Zyprexa, Seroquel, Haldol, Thorazine, lítio e
uma sucessão interminável de antidepressivos, e, com o correr do tempo, passou
a ter ciclos rápidos e a sofrer com estados mistos. Seus registros médicos também
documentaram o desenvolvimento de novos sintomas psiquiátricos: piora da
ansiedade, ataques de pânico, comportamentos obsessivo-compulsivos, vozes e
alucinações. Ele foi internado várias vezes e, numa ocasião, subiu ao topo de um
edifício-garagem e ameaçou jogar-se de lá. Sua capacidade de concentração sofreu
um declínio tão acentuado que o estado de Kentucky confiscou sua carteira de
motorista. "Minha vida passou a consistir em ficar em casa o dia inteiro, levantar
de manhã, pôr meus comprimidos na bancada da cozinha, tomá-los e voltar para
a cama, porque não conseguiria mesmo ficar acordado, nem se eu tentasse. Mais
tarde, eu me levantava,jogava uns video games e ficava com a família."
Aos 24 anos, ele se sentia um completo fracasso e, um dia, após uma briga
com a mãe, saiu de casa e parou de tomar os remédios. "Deteriorei muito",
recorda. "Não tomava banho nem comia." No entanto, à medida que as semanas '
se transformaram em meses, seus sintomas bipolares se atenuaram e "comecei
a achar que levava mais jeito de eu só estar meio pirado", disse-me. Essa ideia
lhe deu esperança, porque passou a haver uma possibilidade de mudar, e ele saiu
viajando pelo sul. "Eu bem que podia ser um sem-teto", disse a si mesmo, e essa
viagem acabou se tornando uma experiência de transformação. Quando voltou
para casa, ele havia jurado não comer mais carne vermelha nem tomar bebidas
alcoólicas, e estava em vias de se tornar um "fanático pela saúde" e praticante de
ioga. ''Voltei daquela viagem e, cara, estava ótimo. Eu me sentia o máximo, e todo
mundo na minha família - primos, outros parentes, tias e tios - disse que não me
via com aquele brilho desde que eu era pequeno."
210
O Crescimento Explosivo do ll'anstorno Bipolar
Desde -então, Brandon ficou longe dos remédios psiquiátricos. Mas não foi
fácil, e a dinâmica de altos e baixos da sua vida ficou em nítido relevo em seu ano
letivo de 2008-2009, na Faculdade Comunitária e Técnica de Elizabethtown. Ele se
matriculou nessa instituição em janeiro de 2008, com sonhos de se tornar jornalista
e escritor, e, no outono, tornou-se editor-chefe do jornal da faculdade. Sob a sua
direção, o jornal ganhou 24 prêmios da Associação de Imprensa Inter_universitária
do Kentucky, e Brandon recebeu, pessoalmente, dez dessas honrarias por artigos
de sua autoria, inclusive -o primeiro lugar num concurso de redação com prazo
marcado. Durante aqueles nove meses, de maneira incrível, também obteve
outros sucessos. Um de seus contos tirou o segundo lugar num concurso e foi
publicado num semanário de Louisville; uma de suas fotografias foi escolhida como
ilustração de capa de uma revista literária; um curta filmado por ele foi indicado
para o prêmio de mdhor documentário num festival local de cinema. Em maio de
2009, a faculdade o homenageou com seu prêmio ao "calouro mais destacado". No
entanto, mesmo durante essa temporada de realizações notáveis, Brandon sofreu
com vários episódios hipomaníacos e depressivos, que o deixaram com intensas
inclinações suicidas. "Eu passava semanas lendo autores depressivos, com uma
arma na mão", contou. "Minhas realizações, nesses momentos, só pareciam piorar
tudo. Nunca pareciam bastar."
Era nesse pé que estavam as coisas em sua vida no verão de 2009. Ele vicejava
e lutava ao mesmo tempo, e suas lutas eram tais que, se a medicação psiquiátrica
houvesse funcionado para ele na primeira vez, ele teria ficado feliz em retomá
la, em busca de alívio. ''Ainda estou bem isolado das outras pessoas", explicou.
"Eu aguento por causa da marca de nascença. Sou diferente. Não sei m·e integrar.
Isso vira um problema com as pessoas. Mas tenho tentado me integrar mais na
vida. Hoje tenho mais gente na minha vida do que tive em muito tempo. Estou
começando a fazer mais contatos. Um dia desses, almocei com um amigo. Para
mim, isso é difícil de fazer, simplesmente porque não é fácil eu lidar com as pessoas
e lidar com as minhas emoções. Estou tentando melhorar."
Greg
Ás da matemática e das ciências, Greg, que me pediu para não usar seu
sobrenome, foi um tipo de garoto que, quando estava no segundo ciclo, construiu
um gerador de Van de Graaff com peças catadas aqui e ali (que incluíram um
aspirador de pó e uma tigela de salada, para ser exato). Mas ele tinha uma relação
problemática com os pais e, no início da última série do curso médio, -começou
211
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
a resvalar para um estado de loucura (sem ter usado drogas ilegais). "Fiquei
delirante, muito paranoico e cheio de ansiedade", contou. "Estava convencido de
que meus pais estavam tentando me matar."
Hospitalizado por seis semanas, Greg foi informado de que tinha um transtorno
esquizoafetivo com tendências bipolares (um diagnóstico do tipo "maníaco
depressivo"), e recebeu alta com um coquetel composto por dois antipsicóticos e um
antidepressivo. Mas os remédios não eliminaram suas ideias paranoides e, depois
de ele ser internado pela segunda vez, seu psiquiatra acrescentou ao coquetel um
estabilizador do humor e uma benzodiazepina, dizendo-lhe que ele precisaria
abrir mão dos seus sonhos acadêmicos. "Disseram que eu tomaria remédios pelo
resto da vida, que era provável que viesse a ser pensionista do Estado, e que talvez,
quando chegasse aos 25 ou 30 anos, eu pudesse pensar em arranjar um emprego
de meio expediente. E eu acreditei, e por isso comecei a tentar imaginar como
viver com o desamparo esmagador que diziam que seria a minha vida."
Os cinco anos seguintes transcorreram mais ou menos como os psiquiatras
tinham previsto. Apesar de haver ingressado no Instituto Politécnico de Worcester
(WPI), em Massachusetts, Greg tomava uma medicação tão pesada que, em suas
palavras, "Eu passava a maior parte do tempo numa bruma. A mente da gente
fica sendo só um saco de areia. E por isso, eu me saí muito mal na faculdade.
Raras vezes chegava sequer a sair do meu quarto e vivia meio sem contato com
a realidade". Ele passou uns dois anos definhando na faculdade, sem conseguir
grande progresso, até que a abandonou entre 2004 e 2006 e passou a ficar quase o
tempo todo em seu apartamento, fumando maconha constantemente, porque "ela
me ajudava a aceitar a situação em que eu fora obrigado a entrar". Com 1,96 m de
altura, Greg viu seu peso subir de 1 1 6 quilos para quase 230. "No fim, eu disse a
mim mesmo: isto é ridículo. Prefiro ser maluco e ter minha vida a não ser maluco
e não ter vida alguma."
Ele foi fazer um checkup médico, achando que esse seria o primeiro passo para
reduzir seus medicamentos, e foi então informado de que precisava suspender
imediatamente o uso de Depakote e Geodon, porque seu fígado estava parando
de funcionar. A abstinência abrupta causou tamanho sofrimento físico - "suores,
dores nas articulações e nos músculos, náusea, tonteira", nas palavras dele - que
Greg nem prestou atenção para saber se a paranoia estava voltando. Mas, em
pouquíssimo tempo, havia largado todos os medicamentos psiquiátricos, salvo pelo
uso ocasional de um estimulante, e também parado de fumar maconha. "Para
ser franco, foi corno se eu acordasse pela primeira vez em cinco anos", contou.
212
O Crescimento Explosivo do Transtorno Bipolar
"Foi como se eu tivesse sido desligado, durante todos aqueles anos, e ficado
simplesmente rolando pela vida e sendo empurrado numa cadeira de rodas, e
tivesse finalmente acordado e voltado a ser eu mesmo. Foi como se os remédios
houvessem tirado tudo que era eu, e depois, quando larguei a medicação, meu
cérebro acordou e recomeçou a funcionar."
No fim de 2007, Greg voltou para a faculdade. Nós nos encontramos na
primavera de 2009 e, depois de me contar a história de sua luta com a doença
mental, ele me mostrou seu laboratório de pesquisas no WPI, onde agora passava
oitenta horas por semana, projetando e construindo um robô capaz de conduzir
cirurgias cerebrais com um aparelho de ressonância magnética. Dali a algumas
semanas ele receberia seu diploma de graduação em engenharia mecânica e, como
havia iniciado um curso de mestrado quando ainda fazia trabalhos da graduação,
no verão receberia o diploma de mestre em mecatrônica, que é uma fusão entre
engenharia mecânica e engenharia elétrica. Na véspera da minha visita, sua
pesquisa em robótica ficara em segundo lugar num concurso em que houve 187
inscrições de alunos de pós-graduação do WPI. Gregjá havia publicado três artigos
sobre seu projeto em periódicos acadêmicos e tinha uma viagem marcada para o
Japão, dali a poucas semanas, para fazer uma palestra sobre o assunto. Vinha
realizando esse projeto sob a supervisão de um professor titular do WPI, e eles
esperavam conduzir testes com o robô em animais e cadáveres no outono de 2009.
Se tudo corresse bem, os ensaios clínicos com seres humanos teriam início em dois
anos.
Quando estávamos em seu laboratório, Greg me mostrou o robô e os desenhos
de computador de suas placas de circuitos impressos, que me pareceram de uma
complexidade impossível. Naturalmente, pensei emJohn Nash, o matemático de
Princeton cuja história inspiradora de recuperação da esquizofrenia, e de uma
recuperação ocorrida sem medicamentos, foi narrada no livro Uma Mente Brilhante.
"Ainda acho que tenho de me livrar de alguns maus hábitos e adquirir hábitos
melhores, antes de entrar na vida profissional, mas realmente sinto que deixei
para trás aquela parte da minha vida [como doente mental]", disse Greg, que
emagreceu mais de 45 quilos. "Sinceramente, quase nunca penso nisso. Agora
penso em mim como uma pessoa passível de acumular ansiedade, mas, quando
começo a sentir essa ansiedade, ou começo a me sentir negativo a respeito das
coisas, paro e digo a mim mesmo: 'Será que é mesmo razoável eu alimentar esses
sentimentos, ou será CJ.Ue é só insegurança?' Basta eu me dar um tempo para me
controlar." Agora, concluiu Greg, ele está "muito otimista quanto ao meu futuro".
213
10
Explicação de uma Epidemia
"Com os medicamentos psiquiátricos, soluciona-se um problema
durante um período, mas, quando menos se espera, acaba-se com dois.
O tratamento transfarma um periodo de crise em uma doença mental crônica."
- Amy Upham, 2009 1
Há uma famosa ilusão de óptica chamada "a moça e a velha", pois, dependendo
de como olhemos para a imagem, vemos uma bela jovem ou uma bruxa velha.
O desenho ilustra como a percepção de um objeto pode alterar-se subitamente
e, em certo sentido, as histórias conflitantes a que demos corpo neste livro têm o
mesmo caráter curioso. Existe a imagem "bela jovem" da era psicofarmacológica
em que a maior parte da sociedade norte-americana acredita, que fala de um
avanço revolucionário no tratamento dos distúrbios mentais, e existe a imagem
"bruxa velha" que esboçamos neste texto, que fala de uma forma de tratamento
que levou a uma epidemia de doenças mentais incapacitantes.
A imagem «belajovem" da era da psicofarmacologia provém de uma combinação
poderosa de história, linguagem, ciência e experiência clínica. Antes de 1955, diz
nos a história, os manicômios estaduais estavam repletos de loucos furiosos. Mas
então, os pesquisadores descobriram um medicamento antipsicótico, o Thorazine,
e este permitiu aos estados fecharem seus hospitais decrépitos e tratarem os
esquizofrênicos na comunidade. Em seguida, os pesquisadores psiquiátricos
descobriram agentes ansiolíticos, antidepressivos e uma pílula mágica - o lítio - para
o transtorno bipolar. Depois disso, a ciência provou que os fármacos funcionavam:
em ensaios clínicos, constatou-se que eles melhoravam mais os sintomas
alvo, a curto prazo, do que o placebo. Por fim, os psiquiatras constataram com
regularidade que seus medicamentos eram eficazes. Deram-nos a seus pacientes
aflitos, cujos sintomas em geral se atenuaram. Quando os pacientes paravam de
tomar os remédios, era frequente retornarem os sintomas. Esse curso clínico -
redução inicial do sintoma e recaída após a retirada da medicação - também deu
aos pacientes razão para dizer: ''Preciso do meu remédio. Não consigo passar bem
sem ele".
2 15
ANATO:MIA DE UMA EPIDEMIA
Jovem ou velha? Se você deslocar ligeiramente os olhos, sua percepção da imagem se modificará,
passando de uma para a outra. The Boring Figure © Exploratorium, www.exploratorium.edu
216
Explicação de uma Epidemia
217
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Um Mistério Resolvido
Começamos este livro fazendo uma pergunta: por que temos visto um aumento
tão acentuado do número de doentes mentais inválidos nos Estados Unidos, desde
a "descoberta" dos medicamentos psicotrópicos? No mínimo, creio havermos
identificado uma causa fundamental. Em grande parte, essa epidemia é de
natureza iatrogênica.
Ora, talvez haja vários fatores sociais contribuindo para a epidemia. Talvez
nossa sociedade se organize, hoje em dia, de um modo que leva a um grau
maior de tensão e de perturbação emocional. Por exemplo, talvez nos faltem
bairros estreitamente unidos, daqueles que ajudam as pessoas a se manterem
bem. Os relacionamentos são a base da felicidade humana, ou assim parece, e,
como escreveu Robert Putnam no ano 2000, passamos tempo demais "jogando
sozinhos". Talvez também assistamos demais à televisão e façamos muito pouco
exercício, combinação que sabidamente constitui uma receita para a depressão.
A comida que ingerimos - mais alimentos industrializados etc. - também pode
estar desempenhando um papel. E o uso corriqueiro de drogas ilícitas - maconha,
cocaína e alucinógenos - contribuiu claramente para a epidemia. Por fim, depois
que uma pessoa começa a receber uma pensão ou uma renda complementar da
Previdência Social, há um enorme desincentivo financeiro para o retorno ao trabalho.
As pessoas que recebem algum auxílio-doença dão a isso o nome de "armadilha
dos direitos individuais". A menos que obtenham um emprego que pague o seguro
de saúde, elas perdem essa rede de segurança se voltarem ao trabalho, e, depois de
começarem a trabalhar, talvez percam também seu subsídio para o aluguel.
Neste livro, entretanto, temos focalizado o papel que a psiquiatria e seus
medicamentos estariam desempenhando nessa epidemia, e os dados são bastante
claros. Primeiro, por expandir enormemente as fronteiras diagnósticas, a
psiquiatria convida um número cada vez maior de crianças e adultos a ingressarem
no campo da doença mental. Segundo, as pessoas assim diagnosticadas são
tratadas com medicamentos psiquiátricos que aumentam sua probabilidade de se
transformarem em doentes crônicos. Muitos indivíduos tratados com psicotrópicos
acabam com sintomas psiquiátricos novos e mais graves, indisposições físicas e
prejuízos cognitivos. Essa é a história trágica, escrita de maneira clara e óbvia em
cinco décadas de literatura científica.
O histórico da incapacitação produzida por medicamentos psiquiátricos é
fácil de resumir. Na esquizofrenia, na década anterior à introdução do T horazine,
218
Explicação de uma Epidemia
cerca de 70% das pessoas que sofriam um primeiro surto psicótico recebiam alta
hospitalar em até 18 meses, e a maioria não voltava ao hospital durante períodos
bem longos de acompanhamento. Pesquisadores da era pós-Thorazine relataram
resultados semelhantes em pacientes não medicados. Rappaport, Carpenter
e Mosher constataram que talvez metade dos pacientes com diagnóstico de
esquizofrenia se sairia bastante bem se não tomasse uma medicação contínua.
Mas essa é a norma atual do tratamento, e, como mostrou o estudo de Harrow,
apenas 5% dos pacientes medicados se recuperam a longo prazo. Hoje em dia,
estima-se que haja dois milhões de adultos incapacitados pela esquizofrenia nos
Estados Unidos, e talvez esse número de inválidos pudesse ser reduzido à metade,
se adotássemos um paradigma de tratamento que empregasse medicamentos
antipsicóticos de maneira seletiva e cautelosa.
Nos transtornos afetivos, os efeitos iatrogênicos do nosso modelo de
atendimento baseado em fármacos são ainda mais visíveis. A ansiedade costumava
ser considerada um transtorno brando, que raramente exigia internação.
Atualmente, 8% dos adultos mais jovens nas listas da Renda Complementar da
Previdência (SSI) e do Seguro da Previdência Social por Invalidez (SSDI) por
invalidez psiquiátrica têm na ansiedade seu diagnóstico primário. Similarmente,
os resultados referentes à depressão grave costumavam ser bons. Em 1955, havia
apenas 38.000 pessoas hospitalizadas por depressão, e havia uma expectativa de
remissão da doença. Hoje, a depressão aguda é a principal causa de invalidez nos
Estados Unidos entre pessoas de 15 a 44 anos. Dizem que ela afeta 15 milhões
de adultos e, de acordo com pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da
UniversidadeJohns Hopkins, 60% deles têm uma "deterioração grave". Quanto
ao transtorno bipolar, uma doença extremamente rara tornou-se corriqueira.
Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), quase seis milhões de
adultos sofrem dela atualmente. Ao passo que, no passado, 85% dos indivíduos
afetados se recuperavam e voltavam ao trabalho, hoje apenas cerca de um terço
dos pacientes bipolares funciona tão bem assim, e, a longo prazo, os pacientes
bipolares que tomam sistematicamente seus remédios acabam tão prejudicados
quanto os esquizofrênicos que mantêm o uso de neurolépticos. Os pesquisadores
daJohns Hopkins concluíram que 83% tinham uma "deterioração grave".
Em suma, havia 56.000 pessoas hospitalizadas com ansiedade e psicose
maníaco-depressiva em 1955. Hoje, de acordo com o NIMJI, pelo menos 40
milhões de adultos sofrem de um desses transtornos afetivos. Mais de 1,5
milhão de pessoas incluem-se como inválidas nas listas da SSI ou do SSDI, em
219
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
220
Explicação de uma Epidemia
Amy Upham
Arny Upham mora num pequeno apartamento de quarto e sala em Buffalo
e, quando entrei na sala, apontou para uma mesa repleta de papéis. "Esta
sou eu com os remédios psiquiátricos", disse, e me entregou uma pilha de
documentos médicos. Eles falam de um edema cerebral induzido por fármacos,
de rins deficientes, edema de fígado e vesícula, problemas da tireoide, gastrite e
anormalidades cognitivas. Com pouco mais de 1,50 m de altura e cabelo castanho
avermelhado, arrepiado e crespo, Amy, que tem 30 anos, pesa 4 1 quilos. Apertou
uma dobra de pele solta perto do cotovelo, sob a qual os músculos minguaram:
"Isto é igual ao que a gente vê em usuários de heroína".
221
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
que ela voltou ao Ativan. "Aí, comecei a ter alucinações pela primeira vez na vida",
disse ela. "Andava de um lado para outro, incontrolável, querendo sair da minha
própria pele." Seguiram-se outras complicações ligadas aos remédios e, em 24 de
fevereiro de 2009, Amy mudou-se para um abrigo no terreno do hospital, já então
com os pensamentos tão dispersos que uma enfermeira se perguntou "se o mal de
Alzheimer de instauração precoce era um problema da família".
O notável é que grande parte dessa história estava documentada na pilha de
papéis que Amy me deu. Ela havia passado os quatro meses anteriores tentando
largar o Ativan, mas, toda vez que passava para uma dose mais baixa, sofria
acessos de raiva e algo parecido com um delírio. "Eu ando assustada", disse-me,
quando lhe devolvi os papéis. ':As síndromes de abstinência são terríveis e eu moro
sozinha. Vivo num estado constante de pânico, de ansiedade, e tenho um pouco de
agorafobia. Não é seguro."
Rachel Klein
Quando conheci Rachel Klein, na primavera de 2008, ela entrou mancando
no meu escritório, de bengala e com um cão-guia ao lado, que se deitou a seus
pés enquanto conversávamos. Ainda não tinha 40 anos, mas retrocedeu o relógio
para mim bem depressa, e não tardou a me falar de um esplêndido dia do outono
de 1984. Com apenas 16 anos, ela estava ingressando no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT) , urna menina-prodígio com QI 173 e os ouvidos tinindo
de previsões de que um dia ganharia o Prêmio Nobel. "Cheguei ao campus com um
ursinho de pelúcia saindo da minha mochila", contou, com um leve sorriso ante
a lembrança. "Para ver como eu estava despreparada em termos emocionais."
Seu colapso afetivo no :MIT começou no fim do segundo ano, quando ela se
envolveu com um aluno mais velho que era "totalmente psicótico'' e começou a
usar drogas ilícitas - Ecstasy, LSD, cogumelos e óxido nitroso [gás hilariante}.
Sua noção de eu começou a desmoronar e, depois que um verão de terapia da
fala a deixou mais confusa do que nunca, ela foi internada com uma depressão
psicótica. Ao receber alta, levava receitas de um antipsicótico, um antidepressivo e
uma benzodiazepina (Xanax). "Nenhum desses remédios me ajudou", disse. "Eles
me embotavam, e a tentativa de largar o Xanax foi um desastre. Esse é o pior
remédio que já existiu. Vicia muito, e todos os sintomas que levaram a gente para
o hospital, para começo de conversa, ficam mil vezes piores quando a gente tenta
largá-lo."
222
Explicação de uma Epidemia
Mesmo tendo acabado por se formar no MIT e ser aceita num curso de
mestrado e doutorado na Universidade do Colorado, Rachel começou a entrar
e sair ciclicamente dos hospitais; seu colapso no :MIT transformou-se num caso
de doença mental crônica. "Disseram que eu não tinha remédio e que nunca
melhoraria", recordou. Ela desfrutou de um período de estabilidade de 1995 a
2001, quando trabalhou como assistente da gerência de uma instituição residencial
comunitária em Boston, mas então seu irmão morreu de repente e seus problemas
psicológicos tornaram a eclodir. Seu psiquiatra tirou-a do Risperdal e a passou
para doses altas de Geodon e Effexor, além de lhe aplicar uma injeção de outro
medicamento psiquiátrico.
"Tive uma reação serotoninérgica aguda, uma reação tóxica", disse Rachel,
aban_ando a cabeça ao se lembrar. "Aquilo provocou uma vasoconstrição no meu
cérebro, o que causou uma lesão cerebral. Acabei numa cadeira de rodas, sem
conseguir raciocinar, falar nem andar. Esses centros cerebrais precisam de muita
lubrificação."
Desde então, sua vida seguiu entre altos e baixos. Ela se consola com seu
trabalho voluntário no M-Power, um grupo de defesa dos direitos de usuários do
sistema de saúde mental que tem sede em Boston e é dirigido por seus membros,
e, na primavera de 2008, trabalhava 16 horâs por semana para a Advocates,
lnc., que presta serviços aos surdos. Mas também estava combatendo um câncer
ovariano, e é possível que essa doença tenha se relacionado com os medicamentos
psiquiátricos. Hoje Rachel acha que esses remédios são úteis, sim, mas, quando
repensa sua vida, vê um modelo de atendimento que falhou por completo com ela.
"É um embuste, na verdade."
Scott Sexton
Na primavera de 2005, Scott Sexton recebeu seu diploma de mestrado da
Universidade Rice. Naquele momento, tinha pela frente um futuro brilhante,
mas rompeu com a mulher com quem pretendia casar-se e foi hospitalizado
com depressão. Era seu segundo surto de depressão aguda (ele havia sofrido um
primeiro episódio cinco anos antes, quando seus pais se divorciaram), e como seu
pai havia sofrido de transtorno bipolar, Scott foi diagnosticado com essa doença.
Receitaram-lhe um coquetel que incluiu o Zyprexa.
Naquele outono, ele começou a trabalhar como consultor da Deloitte, a grande
empresa de auditoria e contabilidade. Embora seus primeiros meses no emprego
223
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
No outono de 2006, Scott dormia tanto que, nos fins de semana, só se levantava
à tarde. Parou de ir ao escritório e disse à Deloitte que estaria trabalhando em casa.
No dia de Ação de Graças, telefonou para a mãe e lhe disse estar com dores terríveis
na barriga e, no dia seguinte, foi internado no Hospital Episcopal São Lucas, em
Houston. A mãe pegou um voo de Midland para lá. "Scott estava vermelho feito
uma beterraba, transpirando, e com as mãos tão inchadas que tiveram dificuldade
para tirar o anel dele. Ardia em febre, e os exames [de laboratório] estavam
totalmente malucos. Tudo muito esquisito. O colesterol estava nos píncaros. Os
triglicerídeos estavam altíssimos."
224
11
A Epidemia Disseminada
entre as Crianças
"Para muitos pais efamílias, a experiência {de ter
umfilho diagnosticado com uma doença mental} pode
ser uma desgraça; isto nós devemos dizer."
- E.Jane Costello, professora de psiquiatria
da Universidade Duke, 2006 1
225
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
226
A Epidemia Disseminada entre as Crianças
Provas cada vez mais numerosas mostram que alguns transtornos psiquiátricos
podem levar a uma deterioração neurológica progressiva quando não são tratados.
(...) Níveis tóxicos de neurotransmissores, como os glutamatos, ou de hormônios
do estresse, como o cortisol, podem danificar o tecido nervoso ou interferir nas
vias normais de neuromaturação. O tratamento farmacológico desses distúrbios
pode não só ter sucesso na melhora dos sintomas, mas também ser neuroprotetor
(em outras palavras, os tratamentos medicamentosos podem proteger de lesões
cerebrais ou promover a neuromaturação normal).3
Se isso é verdade, a psiquiatria realmente deu um grande salto nos últimos
trinta anos. O campo aprendeu a diagnosticar em crianças doenças cerebrais que
antes passavam despercebidas, e seus medicamentos "neuroprotetores" agora as
transformam em adultos normais.
A Ascensão do TDAH
Embora o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade não aparecesse
do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais da psiquiatria antes de
1980, esse campo profissional gosta de assinalar que tal distúrbio não surgiu
simplesmente do nada. Trata-se de um problema cujas raízes remontam a 1902.
Naquele ano, sir George Frederick Still, pediatra inglês, publicou uma série de
palestras sobre vinte crianças que tinham a inteligência normal, mas "exibiam
explosões violentas, peraltice desenfreada, destrutividade e falta de reação aos
castigos".4 Além disso, Still ponderou que esse mau comportamento provinha de
um •problema biológico (e não da má qualidade da educação dada pelos pais).
Crianças com doenças conhecidas - epilepsia, tumores cerebrais ou meningite
- eram amiúde agressivamente desafiadoras, e assim, Still calculou que essas
vinte crianças sofriam de uma "disfunção cerebral mínima", mesmo não havendo
doença nem trauma óbvios que a houvessem causado.
Nos cinquenta anos seguintes, um punhado de outros autores formulou a ideia
de que a hiperatividade era um marcador de lesão cerebral. As crianças que se
recuperaram da encefalite letárgica, uma epidemia virai que varreu o planeta
entre 1917 e 1928, exibiam com frequência comportamentos antissociais e
oscilações acentuadas de humor, o que levou os pediatras a concluir que a doença
havia causado uma lesão cerebral leve, ainda que a natureza dessa lesão não
pudesse ser identificada. Em 1947, Alfred Strauss, que era diretor de uma escola
para jovens agitados em Racine, no Wisconsin, chamou seus alunos extremamente
hiperativos de "crianças normais com lesão cerebral".5 O primeiro Manual de
227
ANATO:MIA DE UMA EPIDE:MIA
228
A Epidemia Disseminada entre as Crianças
229
ANATOMlA DE UMA EPIDEMIA
Portanto, vemos nessa história que não se descobriu nada novo d e que revelasse
uma "doença mental" chamada TDAH. Havia na medicina um longo histórico de
especulação de que as crianças extremamente hiperativas sofreriam d e algum tipo
de disfunção cerebral, o que decerto era uma ideia razoável, mas a natureza dessa
disfunção nunca foi d escoberta; e então, em 1980, a psiquiatria simplesmente
criou, com uma penada no DSM-III, uma d efinição drasticamente expandida da
"hiperatividade'\ O garoto irrequieto d e 7 anos que em 1970 poderia ser chamado
de "moleque" tornou-se um indivíduo que sofria d e um distúrbio psiquiátrico.
Podemos agora voltar nossa atenção para os dados relativos aos resultados.
Será que esse tratamento ajuda os jovens com diagnóstico d e TDAH a longo
prazo? O que mostra a literatura científica?
ll
É pelo fato de ter uma ação tão breve que a cocaína vicia mais do que o metilfenidato, pois, assim
que ela deixa o cérebro, o viciado pode querer tornar a experimentar o "barato" que vem quando
as vias dopaminérgicas são levadas a um estado hiperativo pela primeira vez .
230
A Epidemia Disseminada entre as Crianças
232
A Epidemia Disseminada entre as Crianças
aprender e de controlar seu comportamento, mas nas 'minhas pílulas mágicas, que
fazem de mim um bom menino"', disse o psicólogo Alan Sroufe, da Universidade
de Minnesota. 25
Tudo isso falava dos males causados, de uma medicação que deixava a
criança deprimida, solitária e carregada de um sentimento de inadequação, e,
quando os pesquisadores foram examinar se ao menos a Ritalina ajudava as
crianças hiperativas a se saírem bem no plano acadêmico, a tirarem boas notas
e terem sucesso como estudantes, constataram que não era esse o caso. Poder se
concentrar intensamente numa prova de matemática, como se revelou, não se
traduzia em realizações acadêmicas a longo prazo. Esse fármaco, explicou Sroufe
em 1973, melhora o desempenho em "tarefas rotineiras repetitivas, que exigem
atenção contínua", mas "o raciocínio, a resolução de problemas e a aprendizagem
não parecem ser [positivamente] afetados".25 Cinco anos depois, Herbert Rie foi
muito mais negativo. Informou que a Ritalina não produzia benefício algum no
"vocabulário, na leitura, na ortografia ou na matemática" dos estudantes, além
de prejudicar sua capacidade de resolver problemas. "As reações das crianças
sugerem fortemente uma redução do tipo de engajamento que pareceria crucial
para a aprendizagern."27 Naquele mesmo ano, Russell Barkley, da Faculdade de
Medicina de Wisconsin, fez um levantamento da literatura científica pertinente
e concluiu: "o efeito principal dos estimulantes parece ser a melhora no manejo
das crianças na sala de aulas, e não no desempenho acadêmico".28 Em seguida, foi
a vez de James Swanson fazer sua avaliação. O fato de as drogas frequentemente
deixarem as crianças "isoladas, retraídas e excessivamente concentradas" podia
"prejudicar mais a aprendizagem do que aprimorá-la", disse ele.29 Carol Whalen,
psicóloga da Universidade da Califórnia em Irvine, assinalou em 1997 que "tem
sido especialmente preocupante a sugestão de que os efeitos insalubres [da
Ritalina] ocorrem no âmbito de funções cognitivas complexas, de ordem superior,
como a resolução flexível de problemas ou o pensamento divergente".30 Por último,
em 2002, investigadores canadenses conduziram urna meta-análise da literatura,
revendo 14 estudos que tinham envolvido 1.379 crianças e adolescentes e durado
pelo menos três meses, e determinaram que houve "poucos indícios de melhora no
desempenho acadêmico".31
Houve mais um desapontamento com a Ritalina. Quando os pesquisadores
averiguaram se os estimulantes melhoravam o comportamento da criança a longo
prazo, não conseguiram encontrar nenhum benefício. Quando a criança parava
de tornar a Ritalina, era comum eclodirem os comportamentos ligados ao TDAH,
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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A Epidemia Disseminada entre as Crianças
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Calculando o Prejuízo
Em relação a qualquer medicamento, há que se fazer urna avaliação dos riscos
e benefícios, e a expectativa é de que _os benefícios compensem os riscos. Nesse
caso, porém, o NIMH constatou que, no longo prazo, não havia nada a registrar na
coluna de benefícios do balanço. Isso deixava apenas o cálculo dos riscos a ser feito,
razão por que, neste ponto, devemos examinar todas as maneiras pelas quais os
estimulantes podem prejudicar as crianças.
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A Epidemia Disseminada entre as Crianças
Resultados Deprimentes
Ainda em 1988, ano em que o Prozac chegou ao mercado, apenas uma em cada
250 crianças e adolescentes abaixo de 19 anos, nos Estados Unidos, tomava algum
antidepressivo.46 Isso se devia, em parte, à convicção cultural de que os jovens
eram naturalmente temperamentais e se recuperavam depressa dos episódios
depressivos, e em parte, ao fato de um estudo após outro haver demonstrado que
os tricíclicos não funcionavam melhor do que um placebo nesse grupo etário.
"Não há como escapar ao fato de que os estudos de pesquisa certamente não
corroboraram a eficácia dos antidepressivos tricíclicos em adolescentes deprimidos
medicados", reconheceu em 1992 um editorial do Journal ef Child and Adolescent
Psychopharmacology .47
Todavia, quando o Prozac e outros inibidores seletivos de recaptação da
serotonina (ISRS) foram introduzidos no mercado e alardeados como drogas
milagrosas, a prescrição de antidepressivos para crianças e adolescentes entrou
em alta. A percentagem de jovens assim medicados triplicou entre 1988 e 1994 e,
em 2002, uma em cada quarenta crianças e jovens abaixo de 19 anos tomava algum
antidepressivo nos Estados Unidos.48 Seria de se presumir que esses fármacos
proporcionassem às crianças e adolescentes um benefício a curto prazo que os
tricíclicos não fornecem, mas, infelizmente, não há possibilidade de examinarmos
a literatura científica para averiguar se isso é verdade, porque, como hoje se
reconhece em larga escala, a literatura está irremediavelmente corrompida.
Os ensaios foram deliberadamente tendenciosos; os resultados divulgados nas
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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A Epidemia Disseminada entre as Crianças
psiquiátrica, pensou-se durante muito tempo que não era possível fazer um
diagnóstico de transtorno bipolar em crianças ou jovens antes de meados ou final
da adolescência, e que a mania nas crianças era extremamente rara", escreveu o
psiquiatra Demitri Papolos em seu livro The Bipolar Chi/d [A criança bipolar], que
se tornou um campeão de vendas. "Mas cientistas na vanguarda das pesquisas
começam a provar que esse transtorno pode começar numa fase muito precoce
da vida e é muito mais comum do que se supunha anteriormente."58 No entanto,
tão assombroso foi o aumento do número de crianças e adolescentes com esse
diagnóstico - um aumento de quarenta vezes, de 1995 a 2003 - que a revista
Time, num artigo intitulado 'Jovem e bipolar", indagou se haveria alguma outra
coisa acontecendo.59 ''A nova consciência do transtorno talvez não seja suficiente
para explicar a explosão dos casos juvenis de bipolaridade", explicou a matéria.
''Alguns cientistas temem que possa haver no meio ambiente ou nos estilos de
vida modernos algo que esteja empurrando para a doença bipolar crianças e
adolescentes que, de outro modo, escapariam dela."6º
_
Essa especulação fazia todo sentido. Como era possível que uma doença mental
grave houvesse passado despercebida por tanto tempo, só agora vindo os médicos
a notar que milhares de crianças estavam ficando desenfreadamente maníacas?
Mas, se houvesse algo novo no meio ambiente que incitasse a esse comportamento,
como sugeriu a Time a seus leitores, haveria uma explicação lógica para a
epidemia. Os agentes infecciosos provocam epidemias, e portanto, ao traçarmos
a ascensão do transtorno bipolar juvenil, isto é o que nos convirá descobrir: é
possível identificarmos "agentes externos" que estejam causando essa praga da
era moderna?
Como aprendemos antes, a psicose maníaco-depressiva era uma doença
rara antes da era da psicofarmacologia, afetando talvez uma em cada dez mil
pessoas. Embora a instauração inicial às vezes ocorresse em jovens de 15 a 19
anos, em geral ela só aparecia quando as pessoas se achavam na casa dos 20 anos.
Mais importante, porém, ela praticamente nunca aparecia em crianças abaixo
de 1 3 anos, e tanto os pediatras quanto os pesquisadores médicos enfatizavam
sistematicamente esse ponto.
Em 1945, Charles Bradley disse que a mania pediátrica era tão rara que "é
melhor evitar o diagnóstico de psicose maníaco-depressiva em crianças".61 Um
médico de Ohio, Louis Lurie, revisou a literatura em 1950 e constatou que "os
observadores concluíram que a mania não ocorre em crianças".62 Dois anos
depois, Barton Hall reviu as anamneses de 2.200 pacientes psiquiátricos de 5 a
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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A Epidemia Disseminada entre as Crianças
Os estimulantes usados para tratar o TDAH induzem sintomas de excitação e disforia. Esses sintomas
induzidos pela medicação superpõem-se em grau notável aos sintomas tidos como característicos do
transtorno bipolar juvenil.
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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A Epidemia Disseminada entre as Crianças
247
ANATO:MIA DE Ui:11A EPIDEMIA
248
A Evolução de uma Epidemia
900,000 600.000
,,; 800.000
600.000
700.000
'·' Estimulantes 600.000 400.000
500.000
,., 400.000
300.000
300.000 200.000
'·'
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200.000
100.000
100.000
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•= 1991 ,oo, "" "" "" '"" ,.,, '"' '"' '""' 2007 �
�
Os índices de prescrição foram calculados com base
em três relatórios distintos. Ver, em particular, Zito,
J. "Psychotropic practice patterns for youth",Archives
Fonte: Moreno, C. "National trends in the outpatient
diagnosis and treatment ofbipolar disorder in youth",
ArchivesefGeneralP,tJChiatry 64, 2007: 1.032-1.039.
Fonte: Relatórios da Administração da Seguridade
Social, 1987-2007. ;.
efPediatricAdolescent Medicine 157, 2003: 17-25.
�
(")
j'
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
250
A Epidemia Disseminada entre as Crianças
251
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
É esse o curso a longo prazo dessa doença iatrogênica: a criança, que talvez
esteja hiperativa ou deprimida, é tratada com uma medicação que desencadeia
um surto maníaco, ou algum grau de instabilidade afetiva, e depois é medicada
com um coquetel de fármacos que leva a uma vida de invalidez.
Os Números da Invalidez
Ainda não existem bons estudos sobre a percentagem dos pacientes bipolares
"de instauração precoce" que, ao atingir a idade adulta, acabam nas listas
de inválidos da Renda Complementar da Previdência (SSI) e do Seguro da
Previdência Social por Invalidez (SSDI) . No entanto, o salto espantoso no número
de crianças "doentes mentais graves" que recebem auxílio ou pensão diz muito
sobre a devastação que vem sendo criada. Havia 16.200 jovens abaixo de 18 anos
considerados incapacitados por problemas psiquiátricos no rol da SSI em 1987, e
eles abrangiam menos de 6% do número total de crianças inválidas. Vinte anos
depois, havia 561.569 crianças e jovens inválidos por doença mental nas listas
da SSI, e eles correspondiam a 50% do total. Essa epidemia vem atingindo até
crianças pré-escolares. A prescrição de psicotrópicos a crianças de 2 ou 3 anos
começou a se tornar mais comum há cerca de dez anos e, dito e feito, o número de
doentes mentais graves abaixo de 6 anos que recebem auxílio da SSI triplicou desde
então, subindo de 22.453 em 2000 para 65.928 em 2007. 98
252
A Epidemia Disseminada entre as Crianças
600.000
Total
500.000
400.000
300.000
6-12 anos
13-17 anos
200.000
100.000
o
1987 1992 1997 2002 2007
Antes de 1992, os relatórios governamentais sobre a SSI não separavam os beneficiários infanta-j uvenis
em subgrupos etários. Fonte: relatórios da Administração da Seguridade Social, 1987-2007.
Além disso, os números da SSI mal começam a sugerir o alcance do estrago que
vem sendo causado. Há em toda parte indícios de piora da saúde mental de crianças
e adolescentes. De 1995 a 1999, a procura dos prontos-socorros psiquiátricos
por jovens aumentou 59%.99 A deterioração da saúde mental das crianças do
país, declarou em 2001 o diretor nacional de Saúde dos Estados Unidos, David
Satcher, constituía "urna crise sanitária". 100 Em seguida, as faculdades começaram
a se perguntar, de repente, por que tantos alunos _ seus estavam sofrendo surtos
maníacos ou apresentando comportamentos perturbados; um levantamento de
2007 descobriu que um em cada seis estudantes universitários havia se "cortado ou
queimado" de propósito no ano anterior. 101 Tudo isso levou o GeneralAccountability
Office (GAO)vrr a investigar o que estava acontecendo, e ele relatou em 2008 que
um em cada 15 adultos jovens, com 18 a 25 anos de idade, sofre hoje de urna
"doença mental grave". Há 680.000 indivíduos desse grupo etário com transtorno
bipolar e outros oitocentos mil com depressão grave, e o GAO assinalou que, na
verdade, essa era uma contagem abaixo da realidade do problema, pois não incluía
os adultos jovens sem teto, encarcerados ou institucionalizados. Todos esses jovens
têm al m grau de "comprometimento funcional", afirmou o GAO.'º2
gu
É nesse ponto que nos encontramos hoje, como nação. Vinte anos atrás, nossa
sociedade começou a receitar regularmente drogas psiquiátricas a crianças e
253
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
254
12
Quando os jovens Sofrem
"O tempo todo a gente se pergunta:
você está ajudando ou prejudicando seufilho?"
- A mãe deJasmine, 2009
Perdida em Seattle
Estive com a jovem que chamarei de Jasmine apenas por um curto período,
e mesmo esse breve encontro a deixou visivelmente agitada.1 Nascida em 1988,
Jasmine reside hoje numa instituição residencial meio dilapidada, destinada a
doentes mentais graves, num subúrbio de Seattle, e, já ao nos aproximarmos da
casa, a mãe dela e eu pudemos vê-la por urna janela, andando de um lado para
outro. Quando entramos, Jasmine me olhou de relance e se retraiu depressa,
encolhendo-se junto à parede, igualzinho a um animal selvagem assustado. Usava
calçasjeans e uma jaqueta azul-claro, e também manteve distância da mãe - agora
Como 'Jasmine" não pôde dar consentimento para a utilização de seu nome, sua mãe e eu
concordamos em manter sua identidade em sigilo. Também não forneci o nome da mãe, pela
mesma razão.
255
ANATOMIA DE U:MA EPIDEMIA
Jasrnine não deixa ninguém abraçá-la. Fornos em dois carros a uma lanchonete
Dairy Queen das imediações, pois Jasmine não se disporia a ir se eu ficasse no
mesmo carro que ela; ao chegarmos lá, a moça permaneceu no banco de trás, com
os olhos fixos num ponto adiante e balançando para frente e para trás. "Se algum
dia ela voltar a falar", disse sua mãe, em voz baixa, "terá uma história e tanto para
contar."
As fotografias de Jasmine quando menina são um bom lugar para iniciarmos
sua história. Sua mãe me mostrara essas fotos mais cedo, e todas falavam de
uma infância feliz. Numa delas, Jasmine está alegremente enfileirada com as
duas irmãs diante de um brinquedo da Disneylândia; noutra, exibe um sorriso
banguela; numa terceira, mostra a língua, com ar brincalhão. "Ela era muito
inteligente e engraçada, era mesmo a luz da nossa vida", recordou a mãe. "Ficava
brincando do lado de fora, andando de bicicleta pela rua, para baixo e para cima,
como qualquer criança típica. Chegava até a ir às casas dos vizinhos e lhes dizer
que, por cinquenta centavos, cantaria 'Row, row, row your boat'. Era um tremendo
diabrete - dá para ver por estas fotos como era valente."
Tudo correu bem na vida dejasmine até o verão posterior ao quinto ano. Como
ainda urinava ocasionalmente na cama, ela ficou nervosa com a ideia de ir para
uma colônia de férias, e por isso um médico lhe receitou urna "pílula do xixi na
cama", que vinha a ser um antidepressivo tricíclico. Em pouquíssimo tempo,
Jasmine ficou agitada e hostil e, certa tarde, disse à mãe: "Estou com urna porção
de ideias horríveis. Tenho a sensação de que vou matar alguém".
Olhando para trás, é fácil perceber o que estava acontecendo com Jasmine.
Sua agitação extrema era sinal de que ela estava sofrendo de acatisia, um efeito
colateral dos antidepressivos que se associa muito estreitamente ao suicídio e à
violência. "Mas ninguém nunca perguntou se o remédio podia ter desencadeado as
ideias homicidas", disse a mãe. "Eu só vim a saber que a imipramina podia fazer isso
anos depois, quando entrei na internet." Em vez disso, Jasmine foi encaminhada
a um psiquiatra, que a diagnosticou como portadora de transtorno obsessivo
compulsivo e transtorno bipolar. Receitou-lhe um coquetel de medicamentos,
composto por Zoloft, Luvox e Zyprexa, e, ao ingressar no segundo ciclo naquele
outono, ela era uma pessoa mudada.
"Foi terrível", lembrou sua mãe. "Ela engordou mais de 45 quilos com o
Zyprexa, e é miúda, tem 1,60 m de altura. A garotada que a conhecia do curso
primário dizia: 'O que aconteceu com você?' Os meninos começaram a chamá-la de
256
Quando osJovens Sofrem
'a fera'. Ela acabou sem nenhum amigo, e chorava sem parar, e pedia para almoçar
na sala do diretor, para ficar longe da cantina." Enquanto isso, os acessos de raiva
de Jasmine continuaram a acontecer em casa, e o psiquiatra aumentou tanto a
dose do Zyprexa que os olhos da menina reviravam e ficavam presos no alto. "Foi
como se ela estivesse sendo torturada. Ela se deitava na cama e gritava: 'Por que
isso está acontecendo comigo? "'
Depois que o Zoloft foi finalmente retirado,Jasmine acabou por se estabilizar
bastante bem com uma combinação de Zyprexa e Depakote. Apesar do seu raro
convívio social com os colegas de classe, ela se saiu bem em termos acadêmicos e,
nos primeiros anos do curso médio, era habitual tirar notas I O e ter certo prestígio
por suas fotos e seu trabalho artístico. Jasmine também mergulhou no trabalho
voluntário, ajudando numa sociedade humanitária, num centro para idosos e num
banco de alimentos, e a escola conferiu-lhe o prêmio do "herói anônimo" por esse
trabalho. Ela havia passado a aceitar a ideia de ser bipolar, e chegou até a fazer
planos para escrever um livro que ajudasse outros adolescentes a compreenderem
a doença. "Ela me dizia: 'Mãe, quando eu me formar no curso médio, vou ficar de
pé e perguntar: Alguém aí já se perguntou o que aconteceu comigo?' Ela era muito
valente.''
No final do penúltimo ano,Jasmine leu na internet que o Zyprexa podia causar
aumento de peso, hipoglicemia e diabetes. Sofria dos dois primeiros problemas,
mas, quando perguntou ao psiquiatra quais eram os efeitos colaterais do Zyprexa,
ele descartou suas preocupações. Enfurecida,Jasmine o "despediu" e, em junho de
2003, largou os dois medicamentos, suspendendo-os de forma bastante abrupta.
Dez dias depois de tomar a última dose de Zyprexa, ela estava numa excursão com
a mãe quando, subitamente, ficou pálida como cera, com o suor brotando acima do
lábio. "Isto está ruim, mesmo", murmurou. "Mãe, lute por mim."
Desde então,Jasmine ficou mais ou menos perdida para o mundo. Quando as
duas chegaram ao hospital, naquele dia,Jasmine gritava e puxava os cabelos. Havia
mergulhado fundo num surto psicótico por abstinência, e os médicos começaram
a lhe dar uma droga potente após outra, na tentativa de fazer aquilo se abrandar.
"Eles lhe receitaram 1 1 remédios em 13 dias, o que, basicamente, fritou o cérebro
dela", contou a mãe. Jasmine começou a entrar e sair de hospitais e, toda vez
que recebia alta e voltava para casa, tudo acabava mal. Às vezes, ela ficava tão
psicótica que ligava para a polícia, para dizer que estava sendo sequestrada ou que
havia homens construindo bombas no seu jardim. Em diversas ocasiões, "fugiu" de
casa e saiu correndo pelas ruas, aos gritos. Noutra ocasião, deu socos e pontapés
257
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
na mãe e, mais tarde, rasgou uma lata de refrigerante e cortou o pulso. "Essa é
a pessoa mais psicótica que já vimos na história deste pronto-socorro", disse a
equipe do hospital à mãe deJasmine, depois de um desses surtos.
No fim de 2006, um médico passou Jasmine para um único antipsicótico, o
Clozaril, e isso levou a um breve alívio. Embora raras vezes falasse, a adolescente
acalmou-se e entrou numa escola para cr�anças deficientes. À noite, a mãe passava
horas lendo para ela, procurando alimentar a centelha de sanidade que agora via
na filha. "Também notei que, quando eu cantava para ela, como se fosse para uma
paciente comAlzheimer, ela cantava de volta, comunicando-se por meio da música."
Mas, no início de 2007, Jasmine sofreu outro surto psicótico grave, que terminou
com ela aos gritos no meio de uma rua movimentada. "Não há esperança para
ela", disseram os médicos, e a jovem logo foi colocada na instituição residencial,
onde hoje passa os dias, evitando o contato com outras pessoas e, salvo por uma ou
outra palavra, de vez em quando, muda.
"Os médicos me disseram que ela sempre seria esquizofrênica", disse-me a
mãe. "Mas nenhum médico jamais perguntou por esta história, por corno era ela
antes de lhe darem remédios. E sabe o que é muito difícil de aceitar? Nós fomos
procurar ajuda, naquele verão em que ela estava com 1 1 anos, por um problema
insignificante, que não tinha nada a ver com a psiquiatria. Na minha cabeça, ainda
a escuto rindo, do jeito que ela era naquela época. Mas a vida dela foi roubada.
Nós a perdemos, apesar de seu corpo continuar aqui. A cada minuto que passa, eu
vejo o que perdi."
Ambivalente em Syracuse
A última série do curso médio foi uma boa época para Andrew Stevens.
Diagnosticado com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)
na primeira série e medicado desde então, ele havia passado por altos e baixos
na escola, até chegar ao último ano. Mas aí, fizera um curso de mecânica de
automóveis e, pimba, tinha se sobressaído como nunca até então. "Fiquei numa
boa", explicou ele. "Gosto disso. Nem parece escola."
Na tarde em que nos encontramos, Andrew, que é de estrutura franzina e
talvez tenha 1,67 m de altura, levava bem o jeito do esqueitista que é: cabelo à
escovinha, brinco preto, camiseta, short e tênis salpicados por um caleidoscópio
de cores. Eu havia conhecido Ellen, sua mãe, um ano antes, numa conferência em
Albany, no estado de Nova York, e ela havia expressado um sentimento que, a meu
258
Quando osjovens Sofrem
ver, resumia muito bem a faceta moral da medicação de jovens na nossa sociedade:
"O Andrew tem sido uma cobaia para o campo da medicina".
Desde muito cedo, ela e o marido haviam reconhecido que Andrew era diferente
de seus outros dois filhos. T inha dificuldades de fala, seu comportamento parecia
excêntrico e ele apresentava "problemas de raiva". No primeiro ano da escola,
ficava tão tenso que comumente precisava ir para o corredor e pular numa pequena
cama elástica, para recuperar o foco. "Eu me lembro de ter chorado quando o
diagnosticaram com T DAH, e não foi por estarem rotulando meu filho", contou a
mãe. "Foi tipo 'Graças a Deus, sabemos que há uma coisa real acontecendo com
ele, e eles sabem como ajudá-lo. Não é imaginação nossa'."
Embora Ellen e o marido se inquietassem por dar Ritalina ao filho, os médicos
e as autoridades escolares a levaram a crer que ela seria "relapsa como mãe"
se não lhe desse a medicação. E, no princípio, "pareceu um milagre", contou
ela. Os medos de Andrew se atenuaram, ele aprendeu a amarrar os sapatos e
os professores elogiaram a melhora do seu comportamento. Após alguns meses,
porém, o remédio já não parecia funcionar tão bem e, toda vez que sua ação
passava, havia um 1'efeito rebote". Andrew "se portava como um selvagem fora de
controle". Um médico aumentou a dosagem, só que aí o menino passou a parecer
um "zumbi", e seu senso de humor só reemergia quando passavam os efeitos
do remédio. Mais adiante, Andrew precisou tomar clonidina para adormecer à
noite. O tratamento medicamentoso não parecia estar realmente ajudando e, por
isso, a Ritalina deu lugar a outros estimulantes, entre eles Adderall, Concerta e
dextroanfetamina. "Eram sempre mais remédios", disse sua mãe.
Enquanto isso, o sucesso do garoto na sala de aulas oscilava de acordo com o
talento de cada professor. Na quarta e quinta séries, Andrew teve professores que
sabiam trabalhar com ele e se saiu bastante bem. Mas o professor da sexta série
se impacientava com ele, e a autoestima do menino afundou de tal maneira que
a mãe resolveu lhe dar aulas em casa no ano seguinte. Os temores de Andrew
pioraram durante esse período, e era comum ele ficar '1hiperconcentrado", sempre
com medo de que a mãe morresse. "Essa tem sido a parte mais frustrante. Nunca
sei o que é o meu filho e o que é o remédio", disse Ellen.
Hoje, tamanha é a ambivalência dela em relação aos remédios que ela gostaria
de poder voltar atrás no tempo e tentar um caminho diferente. "O meu Andrew
não é um círculo nem um quadrado, não é nem mesmo um triângulo", explicou.
"Ele é um quadrilátero trapezoide e nunca vai se encaixar nesses outros moldes.
259
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
E eu acho, sim, que, se nunca o tivéssemos medicado, ele teria aprendido muito
mais mecanismos de enfrentamento, porque teria tido que aprender. E nós
deveríamos poder ajudar crianças como oAndrew, sem fazer com que elas se sintam
tão diferentes, sem tirar o seu apetite e sem ter medo dos efeitos dos remédios a
longo prazo - todas essas coisas com que eu fico aqui me preocupando."
260
Quando osJovens Sofrem
e depois cuspi-los - foi que sua cabeça começou a desanuviar. Mesmo assim, ela
não tem nada de "antimedicamentos" e, durante uma fase difícil, alguns anos
atrás, constatou que um antidepressivo e um estabilizador do humor foram
extremamente úteis, e continua a usar esses remédios.
Como mãe de criação, Gately tinha que seguir a "orientação médica'' e dar
os medicamentos psiquiátricos aos menores que chegavam com eles. A maioria
tomava coquetéis de drogas e, para Theresa, parecia que estes eram usados
principalmente para tornar as crianças mais calmas e mais fáceis de manejar.
"Uma menina, a Liz, tomava uma medicação tão pesada que nem conseguia
raciocinar", recordou. "A gente perguntava se ela queria uma costeleta de porco
e ela não respondia." Outra era "quase muda, quando chegou. A última coisa
que a gerite precisa dar a uma pessoa que já não fala é mais remédio". Theresa
desfiou as histórias de vários outros menores que estiveram sob a sua tutela, e
concluiu que "talvez uns nove a onze [dos 96 menores] precisassem tomar aqueles
remédios e estivessem sendo ajudados".
Ela acompanhou o desenvolvimento de vários dos 96 menores e, como se
poderia esperar, muitos enfrentaram lutas dificílimas quando adultos. Teria ela,
pensei, notado alguma diferença entre os que continuaram com os coquetéis de
medicamentos e os que pararam de tomá-los?
"Quando eu penso nas crianças que continuaram com os remédios e nas que
os largaram, as que tiveram sucesso foram as que pararam",. disse ela. ''A Liz
nunca devia ter tomado remédios. Largou todos e está ótima. Estuda em horário
integral na faculdade de enfermagem, está quase se formando e já está para
casar. O negócio é que, quando a pessoa larga os remédios, ela começa a construir
uns mecanismos de enfrentamento. Aprende a ter controle interno. Começa a
construir umas forças. Com a maioria dessas crianças, aconteceram coisas muito
ruins. Mas elas são capazes de superar o passado quando deixam a medicação, e
aí podem seguir em frente. A garotada que ficava dopada e continua dopada pelos
remédios nunca teve essa oportunidade de construir habilidades para enfrentar a
vida. E esses, por nunca terem tido essa oportunidade na adolescência, não sabem
o que fazer deles mesmos quando chegam à idade adulta."
T heresa não fez um estudo científico, mas sua experiência realmente oferece
um pequeno vislumbre do tributo que a medicação dos menores tutelados em
lares adotivos tem cobrado. Quase todos os que continuaram a tomar remédios,
no dizer dela, acabaram "pedindo pensão por invalidez".
261
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Tal como Theresa Gately, Sam Clayborn, que é assistente social em New
Rochelle, no estado de Nova York, sabe por experiência própria o que é ser um
garoto de lar adotivo temporário nos Estados Unidos. Quando nasceu, em 1965, no
Harlem, sua mãe não pôde cuidar dele e, aos 6 anos, ele foi morar numa pequena
instituição residencial. Nós nos encontramos em seu apartamento, em Croton-on
Hudson, e ele situou as coisas muito depressa num contexto histórico. "Eles não
eram tão ligados em diagnósticos psiquiátricos naquela época", explicou. "Eram
mais chegados a lhe dar uma surra, conter você e apenas jogá-lo numa porra de
um quarto vazio. Fico feliz por ter crescido quando era assim, e não como é agora,
porque, se fosse criado hoje, iam me encher dessas porcarias de remédios. Eu ia
ficar dopado, apagado."
Nas últimas duas décadas, ele e sua parceira, Eva Dech, têm trabalhado em
defesa de menores de lares adotivos e jovens pobres do condado de Westchester.
Eva também teve uma infância difícil, que incluiu um período num manicômio onde
ela foi medicada à força, e os dois veem uma dimensão racial nessa medicação dos
menores mantidos em lares adotivos temporários. A partir do ano 2000, os índices
dos jovens negros diagnosticados com transtorno bipolar dispararam e, com base
nas altas hospitalares, agora eles são tidos como portadores desse transtorno em
grau maior do que os brancos. 1 Esse diagnóstico fornece a razão lógica para a
medicação dos adolescentes, o que, por sua vez, coloca mais um fardo em cima
deles, na opinião de Clayborn.
"Os experimentos de Tuskegee com a sífilisII foram fichinha, comparados a
isso. Aquilo foi uma titica de nada, comparado com o que andam fazendo com
a garotada preta hoje em dia. As companhias farmacêuticas e o governo estão
ferrando todo mundo em conluio, e pintando o diabo com a vida de uma porção
de gente. Eles estão se lixando para esses garotos. É só capitalismo, e eles estão
dispostos a sacrificar a crioulada toda do gueto. Estamos prejudicando esses garotos
pela vida afora, e a maioria deles nunca vai se recuperar. Esses garotos vão ser
destruídos e vão sobrecarregar ainda mais as listas da SSI [Renda Complementar
da Previdência]."
Um dos adolescentes da região para os quais Clayborn tem servido de mentor é
Jonathan Barrow, que ficou esparramado no chão da sala durante a nossa conversa,
Il
Referência a um experimento médico realizado entre 1932 e 1972 na cidade de Tuskegee, no
Alabama, pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, usando centenas de cobaias humanas
para observar a evolução natural da sífilis não tratada, sem que os sujeitos estudados dessem
seu consentimento. A denúncia do estudo à imprensa demonstrou a completa falta de ética do
trabalho e gerou processos de indenização e pedidos formais de desculpas pelo governo norte
americano. (N.T.)
262
Quando osJovens Sofrem
263
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Quando tinha 16 anos, CalJonesm entrou numa discussão violenta, que acabou
por levá-lo a ser atendido no pronto-socorro do Hospital Infantil de Boston. Lá, ele
disse ao pessoal da emergência que "queria matar o outro garoto", sentimento que
lhe rendeu uma ida a uma instituição psiquiátrica, onde recebeu o diagnóstico de
doente bipolar. "Não fizeram nenhum exame", contou-me. "Só me fizeram uma
porção de perguntas e me mandaram começar a tomar uma porção de remédios."
Desde então, Cal esteve internado 25 vezes. Não gosta dos antipsicóticos, de modo
que para regularmente de tomá-los ao receber alta, preferindo fumar maconha,
e isso leva inevitavelmente a problemas. "Vou preso e me mandam de volta para
o hospital (psiquiátrico), e pra mim, tudo bem, é só um negócio. Quanto mais
pacientes eles têm, mais os médicos ganham. Mas eu detesto este lugar. Não
consigo suportá-lo. Eu me sinto um escravo num campo de concentração nazista."
Pelo menos outros três participantes da reunião contaram histórias parecidas.
Um rapaz disse que, pouco depois de se formar no curso médio, em 2002, tinha
se aborrecido com um assunto de família e quebrado as janelas do seu carro. "Eu
estava vivendo uma fase ruim. Queriam me rotular de doente mental. Não sei se eu
sou isso." Outro explicou que, seis meses antes, como havia cometido um pequeno
delito, um juiz lhe deu a opção de ir para o presídio ou para o Hospital Estadual
de Westborough. "É mais seguro aqui do que na prisão", disse ele, explicando
sua escolha. Um terceiro membro do conselho disse ter sido diagnosticado com
transtorno bipolar aos 13 anos, "depois que matei alguém".
As histórias desses rapazes atestaram uma outra via de entrada dos jovens
pobres no sistema de saúde mental. A delinquência e o crime podem levá-los a
ser diagnosticados, medicados e encaminhados para uma instituição manicomial.
Embora muitos rapazes do conselho usassem coquetéis pesados de medicamentos,
tendo os movimentos e a fala arrastados, o que falou em ter matado alguém estava
vivendo em sociedade, sem tomar nenhuma medicação. "Se o Estado quisesse
mesmo nos ajudar, devia investir dinheiro num programa de empregos", disse.
De volta a Syracuse
Numa última parada, tornei a visitar as duas famílias de Syracuse - Jason
e Kelley Smith e Sean e Gwen Oates - que havia conhecido na primavera de
2008. Parentes, amigos, terapeutas e médicos tinham dado a essas duas famílias
li
CaIJones é um pseudônimo. A equipe hospitalar pediu que eu não revelasse os nomes de pacientes
internados.
264
Quando osJovens Sofrem
conselhos conflitantes sobre elas deverem ou não medicar seus filhos e, diante
dessa orientação tão desconcertante, as duas haviam chegado a decisões opostas.
Jessica
Por uma conversa telefônica anterior, eu sabia que]essica Smith vinha passando
bem e, quando cheguei à sua casa, ela veio saltitando me receber à porta, como
havia feito um ano antes. Quando ela fora diagnosticada com transtorno bipolar,
aos 4 anos de idade, os pais tinham rejeitado as recomendações da equipe do
Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Nova York de que ela
passasse a tomar um coquetel de três medicamentos, que incluía um antipsicótico.
Hoje, eles têm uma menina de 8 anos que faz lembrar o encantador personagem
da peça teatral Real(y Rosie, de Maurice Sendak. Jessica, que é a típica menina
extrovertida, estrelou recentemente um musical na escola. "Ela adora isso", disse o
pai, e apontou o comportamento da filha na noite de estreia como prova do quanto
ela melhorou, em termos do controle de suas emoções. "Ela fazia o papel de um
personagem que era um crânio, e uma outra menina: da peça pegou a cadeira dela,
o que não era para ter feito. Vimos que aJessica ficou aborrecida. Mas deixou para
lá. Isso mostrou que ela está melhorando em matéria de distensionar as situações."
Embora Jessica já não se trate com um terapeuta, "ainda há umas batalhas",
disse sua mãe. "Ela ainda tem dificuldade com grupos, com brincar com mais de
uma criança de cada vez. E ainda solta os cachorros quando alguém a magoa.
Ela quer mandar, e sabe ser chamativa e barulhenta. Mas os chutes e mordidas
acabaram."
O pai acrescentou: "Ela tem uma personalidade forte, mas isso é parecido com
outras pessoas da minha família. Eu era igualzinho. Era muito barulhento. Não
conseguia parar quieto. Mas virei uma boa pessoa."
Nathan
Nathan Oates tinha passado por 12 meses mais atrapalhados. Eu havia
telefonado para sua mãe várias vezes durante o ano, e, no verão de 2008, Nathan
que recebera o diagnóstico de T DAH aos 4 anos e, posteriormente, o de portador
de transtorno bipolar - estava indo bem. Tomava Concerta para o T DAH e
Risperdal para o transtorno bipolar e, nesse verão, havia descoberto que "adorava
pistas de atletismo", segundo me contara sua mãe. "Agora estão ensinando o
Nathan a saltar obstáculos e a fazer salto em distância." Ainda mais importante,
265
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Era uma narrativa animadora, mas esse período relativamente tranquilo havia
acabado quando da volta de Nathan à escola, no outono. Ele ficara muito ansioso
e mal-humorado e tinha começado a resistir a ir às aulas. O assistente do m édico
que supervisionava seu caso aumentara a dose do Risperdal, na esperança de que
isso aplacasse a ansiedade do menino. "Estão tentando descobrir se a ansiedade
dele se relaciona com o transtorno bipolar, ou se é um distúrbio separado",
explicara sua mãe, numa conversa telefônica no início de 2009. "O TDAH está
bem e sob controle. Se isso não funcionar, vão lhe dar uma m edicação ansiolítica.
Eles querem se certificar de que ele não fique letárgico demais com a dose mais
alta do Risperdal."
266
Quando osJovens Sofrem
turma que não implicava com ele) e, em seguida, me ensinou a dobrar um papel
para fazer um avião, que soltou voando pela sala. "Gosto de fazer filmes" com um
gravador de vídeo, contou-me, e acabei lhe fazendo algumas perguntas sobre uns
dois assuntos que ele adora. "O Titanic afundou em 1912", Nathan me informou, e,
em seguida, identificou orgulhosamente vários ossos do corpo humano - sente-se
fascinado por desenhos de esqueletos. "Todos os professores o adoram", disse sua
mãe, e, naquele momento, foi muito fácil entender por quê.
267
13
A Ascensão de uma Ideologia
'Wãofoi surpresa que os estudantes de medicina aceitassem
acriticamente o dogma do reducionismo biomédico na psiquiatria;
eles não tinham tempo para ler e analisar a literatura original.
O que me levou algum tempo para compreender, à medida que
avancei por minha residência,Joi por que os psiquiatras também
raramentefaziam essa leitura crítica."
- Colin Ross, professor adjunto clínico de psiquiatria do
Centro Médico do Sudoeste, em Dallas, Texas, 1995 1
271
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Thomas Szasz, O Mito da Doença MentaL'fúndamentos de uma teoria da conduta pessoal, trad. Irley Franco
e Carlos Roberto Oliveira. São Paulo: Círculo do Livro, e. 1982. (N.T.)
272
A Ascensão de urna Ideologia.
273
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Evitando o Óbvio
Era essa a autoavaliação da psiquiatria nos anos 1970. Ela se olhou no espelho
e viu seu campo profissional atacado por um movimento de "antipsiquiatria",
economicamente ameaçado por terapeutas sem formação médica e cindido
por discordâncias internas. Na verdade, porém, estava fechando os olhos para o
problema fundamental, que era o fato de seus medicamentos virem falhando no
mercado. Era isso que havia permitido que a crise se firmasse e se alastrasse.
Se a primeira geração de psicotrópicos houvesse realmente funcionado, o público
estaria batendo às portas dos psiquiatras em busca de receitas desses remédios.
A tese de Szasz de que a doença mental era um "mito" poderia ser vista por alguns
como intelectualmente interessante, digna de debate nos círculos acadêmicos, mas
não restringiria o apetite do público por medicamentos que o fizessem sentir-se e
funcionar melhor. Do mesmo modo, a psiquiatria poderia descartar a concorrência
de psicólogos e orientadores como um incômodo inofensivo. Pessoas deprimidas
e ansiosas poderiam entregar-se a terapias do grito e a banhos de lama, e
buscar a terapia da fala com psicólogos, mas os vidrinhos receitados por médicos
permaneceriam em seus armários de remédios. E as divisões internas também não
persistiriam. Se os comprimidos tivessem provado proporcionar alívio a longo prazo,
toda a psiquiatria teria abraçado o modelo médico, porque as outras formas de
tratamento oferecidas - a psicanálise e os ambientes de apoio - seriam percebidas
como exageradamente trabalhosas e desnecessárias. A psiquiatria entrou em crise na
década de 1970 porque a aura de "pílula milagrosa" em torno de seus medicamentos
havia desaparecido.
Desde o momento em que o Thorazine e os neurolépticos foram introduzidos
na medicina manicomial, muitos pacientes hospitalizados os haviam considerado
objetáveis, tanto assim que muitos "davam uma linguada" nas pílulas. Essa era uma
prática tão difundida que, no começo dos anos 1960, a companhia farmacêutica
Smith, Kline and French desenvolveu um Thorazine líquido, que era possível fazer
os pacientes engolirem. Outros fabricantes criaram formas injetáveis de seus
neurolépticos, para que os pacientes internados pudessem ser medicados à força.
"Cuidado!", gritava um anúncio de T horazine líquido, "Os pacientes psiquiátricos
são conhecidos por ruam DA :MEDICAÇÃO" •9 No início da década de 1970, pacientes que
haviam experimentado esse tratamento forçado começaram a formar grupos com
nomes como Frente de Libertação dos Loucos e Rede Contra a Agressão Psiquiátrica.II
Em seus comícios, muitos carregavam cartazes com os dizeres ABRAÇOS, NÃO RErvIÉDIOS!
" No original, Insane Liberation Front e Network Against Psychiatric Assault. (N.T.)
274
A.Ascensão de uma Ideologia
lII A Lei de Substâncias Controladas, aprovada pelo Congresso norte-americano em 1970, tem cinco
categorias ou classes de drogas lícitas e ilícitas, separadas conforme suas diversas características
químicas e seu potencial gerador de vício. Dois órgãos federais, o Departamento de Repressão às
Drogas (DEA) e a Administração Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA), determinam a
inclusão e/ou exclusão das substâncias nessas categorias. Ocasionalmente, ela também pode ser
feita pelo Congresso. (N.T.)
275
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
um psiquiatra de Nova Jersey, estava num encontro profissional, no fim dos anos
1970, quando o orador que fez o discurso de abertura explicitou tudo: "Ele disse:
'O que vai nos salvar é que somos médicos'", recordou Platt. 14 Eles podiam dar
receitas, o que não era permitido aos psicólogos e assistentes sociais, e esse era um
cenário econômico que apresentava aos profissionais da área uma solução óbvia.
Se a imagem dos psicotrópicos pudesse ser reabilitada, a psiquiatria prosperaria.
276
A Ascensão de uma Ideologia
dessa maneira. O DSM-II, que tinha sido publicado em 1967, refletia conceitos
freudianos de "neurose", e Spitzer e outros argumentavam que tais categorias
diagnósticas eram notoriamente "indignas de confiança". Juntaram-se a ele na
força-tarefa outros quatro psiquiatras de orientação biológica, inclusive Samuel
Guze, da Universidade Washington. O DSM-111, prometeu Spitzer, serviria
como "defesa do modelo médico, tal como aplicado a problemas psiquiátricos".2º
O manual, disse em 1977 o presidente da APA, Jack Weinberg, "deixaria claro,
para quem quer que estivesse em dúvida, que encaramos a psiquiatria como uma
especialidade da medicina".21
277
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
278
AAscensão de uma Ideologia
Os Loucos da Psiquiatria
Uma vez publicado o DSM-111, a APA tratou de vender seu "modelo médico"
ao público. Embora as organizações médicas profissionais sempre houvessem
procurado promover os interesses econômicos de seus membros, essa foi a primeira
vez que uma organização profissional adotou tão completamente as práticas de
mercado conhecidas por qualquer associação comercial. Em 1981, a APA criou urna
"divisão de publicações e marketing", para "aprofundar a identificação médica dos
psiquiatras", e, em pouquíssimo tempo, transformou-se numa máquina comercial
muito eficiente.33 "É tarefa da APA proteger o poder de renda dos psiquiatras",
disse o vice-presidente da Sociedade, Paul Fink, em 1986.34
Como primeiro passo, a APA criou sua própria editora, em 1981, na expectativa
de que ela levasse "os melhores talentos e os conhecimentos atuais da psiquiatria
279
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
ao público leitor".35 A editora logo passou a publicar mais de trinta livros por ano,
e Sabshin teve o prazer de assinalar, em 1983, que os livros "proporcionarão muita
educação popular positiva sobre a profissão".36 A APA também criou comissões
para examinar os manuais que publicava, decidida a se certificar de que os autores
permanecessem ligados à mensagem. Aliás, em 1986, ao preparar a publicação
de Tratamento de Transtornos Psiquiátricos, Roger Peele, uma das autoridades eleitas
da organização, voltou a se preocupar com essa questão. "Como organizar 32.000
membros em defesa de seus direitos?", indagou. "Quem deve ser autorizado a se
pronunciar sobre a questão do tratamento das doenças psiquiátricas: somente os
pesquisadores? Somente a elite acadêmica? ( ...) Apenas os membros indicados por
presidentes da APA?"37
Desde muito cedo, a APA percebeu que seria valioso desenvolver um rol
nacional de "especialistas" capazes de promover a história do modelo médico
junto aos meios de comunicação. Criou um "instituto de relações públicas" para
supervisionar esse esforço, que envolvia o treinamento dos membros "em técnicas
para lidar com o rádio e a televisão". Apenas em 1985, a APA conduziu quatro
seminários sobre "Como sobreviver a urna entrevista na televisão".38 Entrementes,
cada filial distrital do país identificou "representantes de assuntos públicos" aptos
a serem chamados a se pronunciar diante da imprensa. "Ternos agora uma rede
experiente de líderes treinados, aptos a lidar de modo eficiente com todos os tipos
de mídia", afirmou Sabshin.39
Como qualquer organização comercial que vende um produto, a APA cortejava
a imprensa com regularidade e exultava ao receber coberturas positivas. Em
dezembro de 1980, realizou uma conferência de imprensa de um dia inteiro sobre
os "novos avanços da psiquiatria", à qual "compareceram representantes de
alguns dos jornais mais prestigiados e de maior circulação do país", vangloriou
se Sabshin.40 Em seguida, pôs �'inserções de utilidade pública" na televisão,
para contar sua história, num esforço que incluiu o patrocínio de um programa
de duas horas na televisão a cabo, intitulado Sua Saúde Mental. Criou também
"fichas informativas" para distribuição aos meios de comunicação, as quais
diziam da prevalência dos transtornos mentais e da eficácia dos medicamentos
psiquiátricos. Harvey Rubin, presidente da comissão de assuntos públicos da APA,
gravou um programa popular de rádio que levava a mensagem do modelo médico
a ouvintes de todo o país.41 A APA lançou urna ofensiva midiática em todos os
níveis e com todos os recursos - entregava prêmios aos jornalistas cujas matérias
lhe agradavam - e, ano após ano, Sabshin detalhava a boa publicidade que esse
280
AAscensão de uma Ideologia
esforço estava gerando. Em 1983, ele observou que, '"com a ajuda e o incentivo
da Divisão de Assuntos Públicos, a U.S. News and World Report publicou uma
grande matéria de capa sobre a depressão, a qual incluiu citações substanciais de
psiquiatras ilustres" .42 Dois anos depois, Sabshin anunciou que "'porta-vozes da APA
foram colocados no programa de Phil Donahue, noNightline e em outros programas
em rede nacional". Nesse mesmo ano, ela "ajudou a elaborar um capítulo de um
livro da Reader's Digest sobre saúde mental".43
Tudo isso gerou grandes lucros. As manchetes de jornais e revistas passaram a
falar com regularidade de uma "revolução" que estaria ocorrendo na psiquiatria.
Os leitores do New York Times aprenderam que "a depressão humana está ligada
aos genes" e que os cientistas vinham desvendando a "biologia do medo e da
ansiedade". Pesquisadores, disse o jornal, haviam descoberto "uma chave química
da depressão''.44 A crença da sociedade na psiquiatria biológica ia se firmando
claramente, como esperava a APA, e, em 1984,Jon Franklin, do Baltimore Evening
Sun, escreveu uma série de reportagens em sete partes, intitulada "Os reparadores
da mente", sobre os avanços espantosos que vinham sendo obtidos nesse campo.45
Franklin situou essa revolução num contexto histórico:
Desde os tempos de Sigmund Freud, a prática da psiquiatria era mais arte do que
ciência. Cercada por uma aura de feitiçaria, trabalhando com base em impressões
e palpites, amiúde ineficaz, ela era a enteada desajeitada e às vezes divertida
da ciência moderna. Todavia, há uma década ou mais, psiquiatras dedicados à
pesquisa têm trabalhado em silêncio nos laboratórios, dissecando os cérebros de
ratos e homens e desvendando as fórmulas químicas que revelam os segredos
da mente. Agora, na década de 1 980, o trabalho deles começa a compensar. Eles têm
identificado com rapidez as moléculas entrelaçadas que produzem o pensamento e a
emoção humanos. ( ... ) Como resultado, a psiquiatria encontra-se hoje no limiar de
sua transformação numa ciência exata, tão precisa e quantificável quanto a genética
molecular. Vem pela frente uma era de engenharia psíquica, com o desenvolvimento
de drogas e terapias especializadas para curar as mentes adoecidas.
Franklin, que entrevistou mais de cinquenta psiquiatras ilustres para sua série,
chamou essa nova ciência de "psiquiatria molecular", "capaz de curar as doenças
mentais que afligem talvez 20% da população". Foi agraciado com o Prêmio
Pulitzer de Reportagem Explicativa por esse trabalho.
Os livros escritos por psiquiatras para a imprensa leiga, nessa época, contaram
uma história semelhante. Em The Good News About Depression [A boa notícia
sobre a depressão] , o psiquiatra Mark Gold, da Universidade Yale, informou aos
leitores que "nós que trabalhamos neste novo campo chamamos nossa ciência de
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AAscensão de uma Ideologia
pularam em cima dessa ideia. Em 1983, a APA "fez um acordo com a NAMI"
para escrever um panfleto sobre drogas neurolépticas e, pouco depois, passou a
incentivar suas filiais em todo o país "a fomentar a colaboração com divisões locais
da Aliança Nacional para os Doentes Mentais".61 A APA e a NAMI se uniram para
pressionar· o Congresso a aumentar o financiamento de pesquisas biomédicas, e o
beneficiário desse esforço - o NIMH, que viu seu orçamento de pesquisa aumentar
84% ao longo da década de 1980 - agradeceu aos pais por isso. "Num sentido
muito significativo, o NIMH é um instituto da NA.MI", dissejudd a Laurie Flynn,
que presidia a NAMI, numa carta de 1990.62 Àquela altura, a NAMI tinha mais de
125.000 membros, a maioria deles de classe média, e buscava ativamente "educar
os meios de comunicação, as autoridades públicas, os prestadores de serviços de
saúde, a comunidade empresarial e o público em geral sobre a verdadeira natureza
dos transtornos cerebrais", nas palavras de um de seus dirigentes.63 A NAMI
trouxe urna poderosa autoridade moral à narração da história do cérebro avariado
e, naturalmente, as empresas farmacêuticas ficaram ansiosas por financiar seus
programas educacionais, havendo 18 firmas doado 11,72 milhões de dólares à
entidade entre 1996 e 1999.64
Em suma, um poderoso quarteto de vozes uniu-se durante os anos 1980, aflito
para informar ao público que os distúrbios mentais eram doenças do cérebro. As
companhias farmacêuticas entraram com a força financeira. A APA e os psiquiatras
das melhores faculdades de medicina conferiram legitimidade intelectual à
empreitada. O NIMH apôs o selo de aprovação do governo na história. A NAMI
forneceu a autoridade moral. Era uma coalizão capaz de convencer a sociedade
norte-americana de quase tudo, e, melhor ainda para a coalizão, havia em cena
uma outra voz que, à sua maneira, contribuiu para blindar a história, tornando-a
infalível aos olhos do público.
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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A Ascensão de uma Ideologia
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14
A História que Foi ... e Não Foi Contada
'�m matéria de cadáveres nos ensaios atuais com psicotrópicos,
o número deles é maior nos grupos de tratamento ativo do que nos grupos ·
tratados com um placebo. Isso é muito diferente do que acontece nos ensaios
com a penicilina ou nos ensaios com remédios que realmentefuncionam."
- David Healy, professor de psiquiatria da
Universidade de Cardiff, País de Gales, 20081
291
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Lorotas, Mentiras e um
Remédio Campeão de Vendas
Hoje, a natureza fraudulenta da história contada pela companhia farmacêutica
Eli Lilly e pela psiquiatria a respeito do Prozac, quando este chegou ao mercado, é
bastante conhecida, pois foi documentada por Peter Breggin, David Healy eJoseph
Glenmullen, entre outros. Breggin e Healy escreveram seus relatos depois de
obterem acesso aos arquivos da Eli Lilly, quando prestaram depoimento em ações
civis como peritos, o que lhes permitiu examinar dados e memorandos internos
que desmentiam o que fora informado ao público a respeito do medicamento. Com
o risco de entrar num terreno já conhecido, precisamos revisitar brevemente essa
história, pois ela nos ajudará a ver, com considerável clareza, como se formaram
nossas ilusões sociais sobre os méritos das drogas psiquiátricas "de segunda
geração". A comercialização do rrozac pela Eli Lilly revelou-se um modelo que
outras companhias seguiram, à medida que foram introduzindo suas drogas no
mercado, e envolveu a narração de uma história falsa na literatura científica,
a supervalorização publicitária ainda maior dessa história para a mídia e a
292
A História que Foi.. e Não Foi Contada
A ciência dafluoxetina
O desenvolvimento de fármacos começa no laboratório, com a investigação
do "mecanismo de ação" de uma substância, e, como vimos antes, os cientistas
da Eli Lilly determinaram, em meados da década de 1970, que a fluoxetina fazia
a serotonina "acumular-se" na sinapse, o que, por sua vez, desencadeava uma
série de alterações fisiológicas no cérebro. Em seguida, em estudos com animais,
constatou-se que a droga causava atividades estereotipadas em ratos (fungar ou
lamber de forma repetitiva etc.) e comportamentos agressivos em cães e gatos.3
Em 1977, a Eli Lilly conduziu seu primeiro pequeno ensaio com seres humanos,
mas "nenhum dos oito pacientes que concluíram o tratamento de quatro semanas
exibiu uma clara melhora induzida pelo medicamento", como disse Ray Fuller a
seus colegas da empresa farmacêutica em 1978. O remédio também havia causado
''um número bastante grande de relatos de reações adversas". Um paciente tivera
um surto psicótico ao tomar a medicação, e outros haviam sofrido de "acatisia e
inquietação", disse Fuller.4
Os ensaios com a fl.uoxetina mal haviam começado e já estava claro que a Eli
Lilly tinha um grande problema. A fl.uoxetina não parecia melhorar a depressão e
causava um efeito colateral - a acatisia - que aumentava sabidamente o risco de
suicídio e violência. Depois de receber mais relatos desse tipo, a Eli Lilly corrigiu
seus protocolos de ensaio. "Nos estudos futuros, o uso de benzodiazepinas para
controlar a agitação será permitido", escreveu Fuller em 23 de julho de 1979.5 As
benzodiazepinas ajudariam a eliminar os relatos de acatisia e deveriam melhorar
os resultados da eficácia, uma vez que diversos testes com benzodiazepinas
para a depressão haviam demonstrado que elas eram eficazes como tricíclicos.
É claro que, como depois confessou no tribunal Dorothy Dobbs, da Eli Lilly, o
uso de benzodiazepinas era "cientificamente ruim", uma vez que "confundiria os
resultados" e "interferiria na análise da segurança e da eficácia", mas permitiu
que a companhia levasse adiante o desenvolvimento da fl.uoxetina.6
Entretanto, mesmo com a adição das benzodiazepinas, a fluoxetina não
conseguiu funcionar bem. No começo dos anos 1980, a empresa conduziu um
ensaio de fase III do medicamento na Alemanha, e em 1985 o órgão alemão de
licenciamento, o Bundesgesundheitsamt (BGA), concluiu que essa droga era
"totalmente inadequada para o tratamento da depressão".7 De acordo com as
293
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
No fim de 1989, a Eli Lllly obteve aprovação para comercializar a fluoxetina na Alemanha, mas
com um rótulo que alertava para o alto risco de suicídio.
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A História que Foi... e Não Foi Contada
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ANATO:MIA DE UMA EPIDEMIA
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ÁNATO.MIA DE UMA EPIDEMIA
e não uma fraqueza". O público precisava compreender que era frequente ela
ser "subdiagnosticada e subtratada", e que podia "ser uma doença fatal", se não
recebesse tratamento. Havia 31,4 milhões de norte-americanos sofrendo de pelo
menos uma forma branda de depressão, disse o NII\1H, e era importante que eles
fossem diagnosticados. O público precisava ser informado de que os antidepressivos
produziam índices de recuperação de "70% a 80%, em comparação com 20% a
40% para o placebo". O NIWi jurou continuar indefinidamente o DART, a fim de
''inform ar" o público sobre esses "fatos".27
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A História que Foi... e Não Foi Contada
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Era o começo da campanha da Eli Lilly para salvar seu remédio campeão de
vendas. "A Lilly pode entrar pelo cano, se perdermos o Prozac", escreveu o diretor
médico Leigh Thompson, num memorando aflito de 1990.35 A companhia burilou
prontamente uma mensagem em quatro pontos para os meios de comunicação:
tratava-se de um problema que vinha sendo levantado pelos cientologistas; extensos
ensaios clínicos haviam mostrado que o Prozac era um medicamento seguro; os
eventos suicidas e homicidas estavam "na doença, não no remédio"; e "pessoas
que poderiam ser ajudadas vêm sendo afastadas do tratamento pelo medo, e essa
é a verdadeira ameaça p�blica".36 A empresa organizou sessões de treinamento
midiático para os psiquiatras acadêmicos que contratou como consultores, fazendo
os praticar a transmissão dessa mensagem. "Francamente, não me impressionei
com o desempenho dos nossos profissionais externos", queixou-se com Thompson o
vice-presidente da companhia, 1vli.tch Daniels, depois de uma dessas aulas práticas,
em abril de 1991. A empresa deveria "exigir" que os psiquiatras acadêmicos
melhorassem seu desempenho "em suas futuras sessões de treinamento", disse ele.37
Um artigo publicado no Wall Streetjournal de 1 9 de abril de 1991 mostrou que as
sessões de treinamento da Eli Lilly haviam compensado. ''A cientologia", informou
o jornal a seus leitores, era uma "organização quase religiosa/empresarial/
paramilitar" que vinha "travando uma guerra com a psiquiatria". O grupo havia
atacado a segurança do Prozac, muito embora "médicos não afiliados à Lilly"
tenham constatado, durante os ensaios clínicos, que havia "uma tendência menor
para o pensamento suicida com o Prozac do que com outros antidepressivos, ou
com as cápsulas de amido dadas a um grupo de controle". Nas palavras de Leigh
Thompson, era uma "revelação desanimadora ver vinte anos de sólidas pesquisas,
conduzidas por médicos e cientistas, serem vaiados aos gritos, em slogans de vinte
segundos, por cientologistas e advogados". Com efeito, informou o Wall Street
Journal, a Eli Lilly, em resposta às preocupações a respeito da segurança do Prozac,
havia solicitado a "peritos em suicídio" que reexaminassem os dados dos ensaios,
mas eles haviam "concluído que nada nos ensaios clínicos ligava os pensamentos
suicidas - comuns em pacientes com depressão - ao Prozac". Tratava-se da
doença, e não do remédio, e era essa a tragédia, explicou Jerrold Rosenbaum,
300
A História que Foi... e Não Foi Contada
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
A América Enganada
Enquanto a história do Prozac se desenrolava nos meios de comunicação, com
certeza o fantasma deJohn Brinkleydevia estar sorrindo em algum lugar. Ele havia
hipnotizado os ouvintes do seu programa de rádio com histórias sobre as maravilhas
das gônadas transplantadas de bodes, e agora ali estava um processo de narração
de histórias que havia transformado um remédio "totalmente inadequado"
para tratar a depressão nu:m fármaco milagroso, em meio a psiquiatras que
torciam as mãos em público por seus novos poderes divinos de moldar a mente
humana. Deviam eles preocupar-se em deixar as pessoas "melhor do que bem"?
Nossa sociedade perderia algo precioso se todos vivessem felizes o tempo todo?
Estava em andamento a medicação generalizada da mente norte-americana, e
- como revelará um exame muito rápido - foi esse mesmo processo de histórias
da carochinha que r espaldou o lançamento do Xanax como um remédio para a
síndrome do pânico e um antipsicótico atípico para a esquizofrenia. Depois que
essas drogas "de segunda geração" se tornaram campeãs de vendas, as companhias
farmacêuticas e os psiquiatras acadêmicos começaram a promover toda sorte de
drogas psiquiátricas para uso infantil, e essa narração de histórias varreu milhões
de jovens norte-americanos para a lata de lixo da "doença mental".
" Peter Kramer, Ouvindo o Prozac, trad. Geni Hirata. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1995. (N.T.).
302
A História que Foi... e Não Foi Contada
Xanax
O Xanax (alprazolam) foi aprovado pela FDA como agente ansiolítico em
1981 e, em seguida, a empresa farmacêutica Upjohn tratou de aprová-lo para
a síndrome do pânico, recém-identificada como doença distinta, pela primeira
vez, no DSM -111 (1980). Como primeiro passo, o laboratório contratou Gerald
Klerman, ex-diretor do Nll\lli, para copresidir sua "comissão diretiva" do processo
de testagem e pagou a Daniel Freedman, editor dos Archives ef General Psychiatry,
para ser assistente de sua "divisão de assuntos médicos".43 Isso foi apenas parte
dos esforços da companhia para cooptar a psiquiatria acadêmica. "Os psiquiatras
mais tarimbados do mundo foram bombardeados com ofertas de consultoria"
provenientes da Upjohn, disse Isaac Marks, especialista em transtornos da
ansiedade no Instituto de Psiquiatria de Londres.44
Klerman e a Upjohn conceberam o Estudo Colaborativo Transnacional sobre
o Pânico, da empresa farmacêutica Upjohn, de um modo que tornasse esperável
a produção de uma resposta precária ao placebo. Pacientes que haviam sido
tratados com benzodiazepinas foram admitidos no estudo, o que significou que
muitos integrantes do grupo do placebo estariam, na verdade, passando pelos
horrores da abstinência da benzodiazepina, sendo portanto esperável que ficassem
extremamente ansiosos nas primeiras semanas do ensaio. Quase um quarto dos
pacientes tratados com o placebo tinham vestígios de benzodiazepinas no sangue
ao se iniciar o período de tratamento.45
É sabido que as benzodiazepinas funcionam depressa, o que se comprovou
verdadeiro nesse estudo. Ao cabo de quatro semanas, 82% dos pacientes tratados
com o alprazolam estavam passando "moderadamente melhor" ou "melhor",
em comparação com 43% do grupo do placebo. No entanto, nas quatro semanas
seguintes, os pacientes tratados com o placebo continuaram a melhorar, o que não
se deu com os do alprazolam, e ao término da oitava semana "não havia diferença
significativa entre os grupos", segundo a maioria das escalas de avaliação, pelo
menos entre os pacientes que permaneceram no estudo. O grupo do alprazolam
também experimentou uma variedade de efeitos colaterais problemáticos:
sedação, fadiga, fala arrastada, amnésia e má coordenação. Um em cada 26
pacientes tratados com alprazolam sofreu uma reação "séria" ao medicamento,
como mania ou comportamento agressivo.46
Ao cabo ,de oito semanas, os pacientes foram paulatinamente desmamados da
medicação durante quatro semanas, e depois acompanhados, já sem remédios, por
303
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
mais duas semanas. Os resultados foram previsíveis: 39% dos que suspenderam o
uso do alprazolam tiveram uma "deterioração significativa", e seu pânico e
ansiedade dispararam a tal ponto que eles tiveram de reiniciar a medicação; 35%
dos pacientes tratados com alprazolam tiveram sintomas de pânico e ansiedade "de
rebote", mais severos do que quando se iniciara o estudo, e uma percentagem igual
sofreu com uma multiplicidade de novos sintomas debilitantes, entre eles confusão,
acentuação das percepções sensoriais, depressão, sensação de insetos rastejando na
pele, cãibras musculares, vista embotada, diarreia, redução do apetite e perda de
peso.47
Em suma, ao cabo de 14 semanas os pacientes expostos ao fármaco estavam
em piores condições que os do grupo tratado com o placebo: eram mais fóbicos,
mais ansiosos, mais abalados pelo pânico e se saíam pior numa "escala global" que
avaliava o bem-estar geral. Quarenta e quatro por cento ficaram impossibilitados
de deixar o medicamento, a caminho de uma vida de adieto. Sob todos os aspectos,
os resultados pintaram um retrato poderoso da armadilha das benzodiazepinas:
tratava-se de uma droga que funcionava por um período curto e, depois, perdia
eficácia em relação a um placebo; no entanto, quando os pacientes tentavam
abandoná-la, sentiam-se muito mal, e muitos não conseguiam desfazer-se do hábito.
As primeiras semanas de alívio vinham a um custo altíssimo a longo prazo, e os
que ficavam presos ao medicamento - como haviam demonstrado estudos
anteriores sobre as benzodiazepinas - tendiam a acabar com prejuízos físicos,
afetivos e cognitivos.
Os investigadores da Upjohn publicaram três artigos na revista Archives ef
General Psychiatry em maio de 1988, e qualquer pessoa que examinasse os dados
com cuidado poderia ver os danos causados pelo alprazolam. Mas, para que o
Xanax fosse comercializado com êxito, a Upjohn precisava que seus investigadores
extraíssem um tipo de conclusão diferente, e foi o que eles fizeram, particularmente
nos resumos dos três artigos. Primeiro, concentraram a atenção nos resultados das
quatro primeiras semanas (e não nos de oito semanas, ao término do período de
tratamento), anunciando que "o alprazolam revelou-se eficaz e bem tolerado".48
Segundo, assinalaram que 84% dos usuários do alprazolarn haviam concluído o
estudo de oito semanas, o que era prova de que "foi alta a aceitação do alprazolam
pelos pacientes". Embora seus pacientes de alprazolam exibissem regularmente
problemas corno "fala arrastada, amnésia" e outros sinais de "mentação
prejudicada", eles ainda concluíram que o medicamento tinha "poucos efeitos
colaterais e (era] bem tolerado".49 Por último, embora reconhecessem que alguns
304
A História que Foi... e Não Foi Contada
'
-� ' Xanax
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Tratamento ativo : fü!dução da droga sem medicação
No estudo do Xanax feito pela Upjohn, os pacientes foram tratados com o medicamento ou com um
placebo durante oito semanas. Em seguida, o tratamento foi lentamente suspenso (semanas 9 a 12) e ,
nas duas últimas semanas. os pacientes não receberam medicação alguma. Os pacientes tratados com
Xanax saíram-se melhor nas primeiras quatro semanas, e foi nesse resultado que os investigadores da
Upjohn se concentraram em seus artigos para _revistas especializadas. Todavia, quando os pacientes
com Xanax começaram a se abster da droga, sofreram um número muito maior de ataques de pânico
do que os pacientes tratados com o placebo, e , ao térmico do estudo, estavam muito mais sintomáticos.
Fonte: C. Ballenger, ''Alprazolam in panic disorder and agoraphobia", Archives ef General Psychiatry
45, 1988: 413-422; C. Pecknold, ''Alprazolam in panic disorder and agoraphobia", Archives efGeneral
Pfychiatry 45, 1988: 429-436.
305
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
306
A História que Foi... e Não Foi Contada
vendas" estavam começando a ser muito bem praticados, quase todos empregando
o modelo de desenvolvimento de fármacos do Prozac, e a Janssen, tal como a Eli
Lilly e a Upjohn, projetou testes tendenciosamente favoráveis a seu medicamento.
Em particular, comparou doses múltiplas de risperidona com uma alta dose de
haloperidol (Haldol), pois já então podia estar relativamente segura de que uma
das doses de risperidona teria um bom perfil de segurança, em comparação com
os antigos neurolépticos "padronizados". Como observaram os examinadores
da FDA, esses estudos eram "incapazes" de oferecer qualquer comparação
significativa dos dois fármacos.59 Na carta de aprovação enviada à Janssen pela
FDA, Robert Temple, diretor do Serviço de Avaliação de Fármacos, deixou bem
clara essa ideia:
Consideraríamos qualquer propaganda ou rotulação promocional do RISPERDAL como
falsa, enganosa ou desprovida do justo equilíbrio, nos termos da seção 502 (a) e 502
(n) da LEI, em havendo uma apresentação de dados que transmita a impressão
de que a risperidona é superior ao haloperidol ou a qualquer outro produto
farmacêutico antipsicótico comercializado, no tocante à segurança ou à eficácia.60
307
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
308
A História que Foi... e Não Foi Contada
Agora, a única dúvida parecia ser se o Zyprexa era mesmo melhor que o
Risperdal, e depois que a companhia farmacêutica AstraZeneca introduziu no
mercado um terceiro antipsicótico atípico, o Seroquel, os meios de comunicação
optaram pela ideia de que, coletivamente, os novos atípicos eram um
aprimoramento drástico em relação às drogas mais antigas. Eram, como disse
a revista Parade a seus leitores, "muito mais seguros e eficazes no tratamento
dos sintomas negativos, como a dificuldade de raciocinar e falar de maneira
organizada".68 Os fármacos mais recentes, anunciou o Chicago Tribune, "são mais
seguros e mais eficazes do que os antigos. Ajudam as pessoas a trabalhar".69
O Los Angeles Times escreveu: ''Antigamente, não se dava aos esquizofrênicos
nenhuma esperança de melhora. Mas agora, graças a novos medicamentos e a
um novo compromisso, eles estão regressando à sociedade como nunca havia
acontecido".7º A Aliança Nacional Contra a Doença Mental (NAMI) também
deu sua contribuição, publicando um livro intitulado Breakthroughs in Antipsychotic
Medications [Inovações nos medicamentos antipsicóticos] , que deu a proveitosa
explicação de que esses novos remédios "são melhores no trabalho de equilibrar
todas as substâncias químicas do cérebro, inclusive a dopamina e a serotonina".71
E assim prosseguiu até que, por fim, a diretora executiva da NAMI, Laurie Flynn,
disse à imprensa que finalmente se havia chegado à terra prometida: "Esses novos
medicamentos são mesmo uma inovação. Significam que finalmente seremos
capazes de manter as pessoas fora dos hospitais, e significam que a incapacitação
a longo prazo causada pela esquizofrenia pode chegar ao fim".72
309
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
o Xanax como uma terapia segura e eficaz para a síndrome do pânico, e, por
último, informaram ao público que os antipsicóticos atípicos eram medicamentos
"inovadores" para a esquizofrenia. Com isso, rejuvenesceram o mercado dos
remédios psiquiátricos, muito embora os estudos clínicos das novas drogas não
houvessem falado de nenhum avanço terapêutico.
Pelo menos nos círculos científicos, faz muito tempo que desapareceu a aura
de "remédio milagroso" em torno dos psicotrópicos. Como vimos antes, relatou
se em 2008 que os ISRS só proporcionavam um benefício clínico significativo a
pacientes gravemente deprimidos. Hoje se sabe que o Xanax vicia muito mais do
que o Valium, e vários pesquisadores determinaram que dois terços das pessoas
que o tomam por qualquer período têm dificuldade em deixar de usá-lo.73 Quanto
aos antipsicóticos atípicos mais vendidos, a supervalorização publicitária desses
medicamentos é hoje vista como um dos episódios mais embaraçosos da história
da psiquiatria, dado que uma sucessão de estudos financiados pelo governo não
conseguiu constatar que eles fossem melhores que os antipsicóticos da primeira
geração. Em 2005, o Ensaio CATIE do NIMH determinou que não havia "qualquer
diferença significativa" entre os atípicos e seus predecessores, e, o que foi ainda mais
perturbador, nesse estudo não se p ôde afirmar nem que os novos fármacos, nem
que os antigos realmente funcionavam. Dos 1.432 pacientes, 74% não puderam
manter o uso dqs medicamentos, principalmente por sua "ineficácia ou seus efeitos
colaterais intoleráveis".74 Um estudo do Departamento de Assuntos dos Veteranos
dos Estados Unidos chegou a uma conclusão similar sobre os méritos relativos dos
atípicos e dos antipsicóticos mais antigos, e então, em 2007, psiquiatras britânicos
relataram que, para dizer o mínimo, os pacientes esquizofrênicos tinham uma
"qualidade de vida" melhor usando as drogas antigas do que usando as novas.75
Tudo isso levou dois psiquiatras proeminentes a escreverem na Lancet que a
história dos antipsicóticos atípicos como medicamentos inovadores podia agora
ser ''considerada apenas uma invenção", uma história inventada "pela indústria
farmacêutica para fins comerciais, e que só agora está sendo desmascarada".
Todavia, eles se perguntaram: "como foi que, durante quase duas décadas, 'fomos
induzidos', no dizer de alguns, a pensar que eles eram superiores?".76
A história, como podem atestar os leitores deste livro, revela a resposta a essa
pergunta. A semente da história encantada dos antipsicóticos atípicos foi plantada no
começo da década de 1980, quando aAPA abraçou a "psiquiatria biológica" como uma
narrativa que poderia ser vendida ao público com sucesso. Tratava-se também de
uma história em que a classe profissional como um todo queria desesperadamente
310
A História que Foi... e Não Foi Contada
Silenciando a Dissidência
Como vimos, a psiquiatria norte-americana contou ao público uma história
falsa nos últimos trinta anos. O campo promoveu a ideia de que seus medicamentos
corrigiam desequilíbrios químicos no cérebro, quando eles não fazem nada disso,
e exagerou grosseiramente os méritos dos psicotrópicos da segunda geração. Para
manter de pé a história de progresso científico (e para proteger sua própria crença
nessa história), a psiquiatria precisou reprimir o discurso sobre os danos que os
medicamentos podiam causar.
O policiamento de suas próprias fileiras, na psiquiatria, começou para valer no
fim da década de 1970, quando Loren Mosher foi demitido do NIMH por ter feito
seu experimento chamado Soteria. O eminente psiquiatra seguinte a acabar na
lista negra da psiquiatria foi Peter Breggin. Embora hoje seja conhecido por seus
textos de "antipsiquiatria", também ele estivera numa trajetória de sucesso rápido
no NIMH. Depois de concluir sua residência médica no hospital da Faculdade de
Medicina da Universidade Harvard, Breggin foi para o NIMH, em 1996, para
trabalhar no desenvolvimento de centros comunitários de saúde mental. "Eu
ainda era o jovem medalhão", relembrou ele numa entrevista. "Achava que seria
o mais jovem titular de psiquiatria da história da Faculdade de Medicina da
Universidade Harvard. Era nessa trajetória que eu estava."77 Entretanto, ele viu
que o futuro pertencia à psiquiatria biológica, em contraste com a psiquiatria
social que o interessava, e deixou o NI1v1H para trabalhar na clínica privada. Logo
311
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
312
A História que Foi... e Não Foi Contada
aquilo de lado. "Ele me disse que minha carreira seria destruída, se eu continuasse
a mostrar resultados como os que acabara de exibir, e que eu não tinha o direito de
destacar aquele tipo de risco dos comprimidos", disse Healy.78
Em novembro de 2000, poucos meses antes da data marcada para o início
do seu trabalho na Universidade de Toronto, Healy fez uma palestra sobre a
história da psicofarmacologia, num colóquio organizado pela universidade. Em
sua apresentação, falou dos problemas surgidos com os neurolépticos desde sua
introdução, na década de 1950, examinou sucintamente os dados que mostravam
que o Prozac e outros ISRS elevavam o risco de suicídio, e observou de passagem
que, na atualidade, os resultados referentes aos transtornos afetivos eram piores
do que um século antes. E isso, observou, não deveria estar acontecendo, se "nossos
medicamentos realmente funcionassem".79
Ainda que, posteriormente, a plateia avaliasse sua palestra como a melhor do
colóquio, pelo conteúdo apresentado, quando Healy chegou de volta ao País de
Gales, a Universidade de Toronto havia retirado a proposta de emprego. ''Embora
o senhor seja altamente respeitado como estudioso da história da psiquiatria
moderna, cremos que sua abordagem não é compatível com os objetivos que temos
para o desenvolvimento dos recursos acadêmicos e clínicos", escreveu num e-mail o
chefe de psiquiatria do Centro de Saúde Mental e Dependência de Drogas, David
Goldbloom.80 Mais uma vez, os outros profissionais da área só puderam extrair
uma lição: ':t\. mensagem era que expor o próprio pensamento era má ideia, e
que a ideia de que talvez os tratamentos não funcionassem, ou talvez não fossem
manejados da melhor maneira ao serem confiados a médicos, era inaceitável",
disse Healy numa entrevista.8 1
Muitos outros podem atestar o fato de que externar uma opinião era "má
ideia". Nadine Lambert, uma psicóloga da Universidade da Califórnia em
Berkeley, conduziu um estudo de longo prazo sobre crianças tratadas com Ritalina
e descobriu que, quando adultos jovens, esses pacientes apresentavam taxas
elevadas de consumo abusivo de cocaína e tabagismo. Depois que ela relatou seus
resultados numa conferência do Instituto Nacional de Saúde (NIH), em 1998,
o Instituto Nacional de Abuso de Drogas parou de financiar seu trabalho. Em
2000, quando Joseph Glenmullen, professor clínico de psiquiatria na Faculdade
de Medicina da Universidade Harvard, escreveu Pro;:,,ac Backlash [O efeito
bumerangue do Prozac], que detalhou os muitos problemas associados ao uso de
ISRS, a farmacêutica Eli Lilly montou uma campanha para desacreditá-lo. Uma
empresa de relações públicas recolheu comentários críticos de vários psiquiatras
313
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Healy disse: "A faceta de controle do pensamento que se observa nas coisas da
psiquiatria atual é como o antigo estilo de controle social do Leste Europeu".
A Ocultação de Provas
O terceiro aspecto do processo de contar histórias que levou à nossa ilusão
social sobre os méritos das drogas psiquiátricas é fácil de documentar. Imagine
como seriam hoje as suas convicções se, nos últimos vinte anos, tivéssemos aberto
os jornais e lido sobre os seguintes resultados, que representam aqui uma simples
amostra dos estudos sobre resultados que examinamos num ponto anterior do
livro:
1990 -Num grande estudo nacional sobre a depressão, o índice de permanência
em boas condições atingiu seu auge nos pacientes tratados com psicoterapia (30%)
e seu ponto mais baixo nos tratados com um antidepressivo ( 19%). (NIMH)
1992 - Os resultados da esquizofrenia são muito melhores em países pobres
como a Índia e a Nigéria, onde apenas 16% dos pacientes são regularmente
medicados com antipsicóticos, do que nos Estados Unidos e noutros países ricos,
onde o uso contínuo de medicação é a norma-padrão de tratamento. (Organização
Mundial da Saúde)
1995 - Num estudo de 547 pacientes deprimidos, com duração de seis anos, os
que foram tratados pelo transtorno tiveram sete vezes mais probabilidade de ficar
incapacitados do que os não tratados, e três vezes mais probabilidade de sofrer
uma "cessação" do seu "papel social principal". (NIMH)
314
A História que-Foi... e Não Foi Contada
315
ANATOMIA DE UMA EPIDE:MIA
2007 - Num estudo com duração de 15 anos, 40% dos pacientes esquizofrênicos
sem antipsicóticos se recuperaram, em contraste com 5% dos pacientes medicados.
(Universidade de Illinois)
2007 - Os usuários de benzodiazepinas a longo prazo acabam "marcantemente
enfermos a extremamente enfermos", e sofrem habitualmente com sintomas de
depressão e ansiedade. (Cientistas franceses)
2007 - Num grande estudo de crianças com diagnóstico de TDAH, ao final
do terceiro ano "o uso de medicamentos foi um marcador significativo não de
resultados benéficos, mas de deterioração". As crianças medicadas também
exibiram maior probabilidade de apresentar comportamentos delinquentes; e
também terminaram ligeiramente mais baixas. (NIMH)
2008 - Num estudo nacional de pacientes bipolares, o principal preditor
de resultados precários foi a exposição a antidepressivos. Os que tomaram um
antidepressivo mostraram-se quase quatro vezes mais propensos a passar a ter
ciclos rápidos, o que está associado a resultados precários a longo prazo. (NIMH)
N
Nas críticas jornalísticas ao meu livro Mad in America, houve quem mencionasse o estudo da
OMS sobre os resultados melhores para a esquizofrenia nos países pobres, nos quais os pacientes
não eram regularmente medicados, e a partir daí, esta informação tornou-se mais ou menos
conhecida. Além disso, mencionei o estudo de Martin Harrow sobre a esquizofrenia, com duração
de 15 anos, numa palestra que fiz no Holy Cross College em fevereiro de 2009, e ela levou a um
artigo datado de 8 de fevereiro de 2009 no ™1rcester Telegram and Gazette (Massachusetts), que
discutiu o trabalho de Harrow. Foi a primeira vez que apareceram notícias sobre esse estudo em
qualquerjornal norte-americano.
316
AHistória que Foi... e Não Foi Contada
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ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
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A História que Foi... e Não Foi Contada
319
15
Contabilizando os Lucros
'�eceber cheques de 750 dólares para conversar com alguns médicos durante
um intervalo de almoço era um dinheiro tãofácil que me deixava zonzo."
- Psiquiatra Daniel Carlat, 2007 1
EmboraJenna tenha dito que eu poderia uSar seu sobrenome, sua mãe e seu padrasto, que detêm
sua guarda legal, pediram que eu usasse apenas o prenome.
321
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
tudo e, do ponto de vista de Jenna, esse era um processo de raciocínio ditado por
interesses econômicos. Se eu quisesse compreender o tratamento que ela recebia,
teria de compreender que ela era valiosa para as companhias farmacêuticas corno
"consumidora" dos seus remédios: "Ninguém", explicou Chris, "abordou o fato de
que os remédios podem estar causando os problemas dela."
A primeira vez queJenna foi exposta a uma droga psiquiátrica ocorreu quando
ela estava na segunda série, e esse episódio sugeriu que ela não responderia bem
a psicotrópicos. Até aquele momento, ela fora uma menina saudável, uma estrela
da equipe local de natação; mas depois havia apresentado convulsões e, ao ser
medicada com um agente anticonvulsivo, desenvolvera graves problemas motores,
como me contou sua mãe numa entrevista telefônica. Mas as convulsões acabaram
desaparecendo e, quandoJenna parou de tomar o anticonvulsivante, os problemas
motores se foram. A menina passou a praticar equitação e se destacou em torneios
de hipismo. "Ela voltou a ser totalmente normal", lembrou sua mãe.
Quando Jenna entrou na nona série, a mãe e o padrasto resolveram mandá
la para um colégio interno de elite no Massachusetts, por não terem confiança
nas escolas públicas do Tennessee, e foi então que começaram os problemas
comportamentais e afetivos da menina. Ela foi expulsa dessa primeira escola e
mandada para uma segunda, destinada a adolescentes problemáticos, onde "se
encantou com toda aquela tralha gótica" e começou a ''se portar mal" sexualmente,
no dizer da mãe. Depois, uma noite, em resposta a um desafio, ela furtou uma
embalagem de preservativos de uma farmácia e "pirou" ao ser detida. Nesse
momento, foi mandada para um terceiro colégio interno e medicada com Paxil.
"No minuto em que tornou aquele remédio, ela começou a tremer", contou a
mãe. "Eu disse ao médico: 'Ai, meu Deus, é do remédio'. E o médico disse: 'Ah,
não, não é do remédio'. Eu respondi: 'É, sim'. Fomos passando de um médico para
outro, fazendo exame após exame, mas eles não conseguiam encontrar nada, e por
isso a mantinham com a medicação, o que piorava tudo. Eles simplesmente não
me davam ouvidos."
Além dos tremores, Jenna tornou-se suicida ao tomar Paxil, e sua vida não
tardou a se transformar num pesadelo psiquiátrico. Ela começou a se cortar
com regularidade e, a certa altura, usou uma serra elétrica para decepar o dedo
médio da mão esquerda. O Paxil deu lugar a coquetéis de Klonopin, Depakote,
Zyprexa e outros medicamentos e, durante uma estada de quase quatro anos num
manicômio, ela acabou com um coquetel de cerca de 15 remédios, tão dopada que
322
Contabilizando os Lucros
nem sequer sabia onde estava. "Não sei a data exata", disse J enna, resumindo
essa história, "mas, aos poucos, minha fala e minha marcha e meu equilíbrio e os
tremores ficaram mesmo um horror, naquele hospital. E eles só continuavam a
acrescentar remédios. Pra ver como têm me-me-merda na cabeça."
Atualmente, os problemas psiquiátricos deJenna continuam graves. No dia em
que nos encontramos, ela estava com o pulso enfaixado e fazia pouco tempo que
tentara se cortar, de modo que os medicamentos também não foram de grande
ajuda nesse aspecto. Mas, disse ela, "não vejo nada diferente acontecendo.Já falei
de suspenderem meus remédios bilhões de vezes".
323
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
7
Como já vimos, durante a década de 1 970, a psiquiatria estava preocupada
com sua sobrevivência. O público via suas terapias como "de baixa eficácia" e
as vendas de medicamentos psiquiátricos estavam em declínio. Depois, no que
se poderia chamar de um esforço de "reformulação da imagem", a psiquiatria
publicou o DSM-111 e começou_ a dizer ao público que os transtornos mentais
eram doenças "reais", como o diabetes e o câncer, e que seus medicamentos eram
antídotos químicos contra essas doenças, tal como "a insulina para o diabetes".
Essa história, embora possa ter sido falsa, criou uma poderosa estrutura conceitual
para a venda de toda sorte de drogas psiquiátricas. Todos podiam compreender a
metáfora do desequilíbrio químico e, quando o público passou a entender essa
noção, tornou-se relativamente simples, para as companhias farmacêuticas e
seus aliados contadores de histórias, criar mercados para vários tipos de fármacos
psiquiátricos. Eles bancaram campanhas "educativas" para tornar o público mais
"consciente" das várias doenças para as quais os remédios eram aprovados e, ao
mesmo tempo, ampliaram as fronteiras diagnósticas dos distúrbios mentais.
Uma vez introduzido o Prozac, a campanha DART (Depression Awareness,
Recognition and Treatment) do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH)
informou ao público que a depressão era comumente "não diagnosticada e não
tratada". A Upjohn associou-se à Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria
(APA) para dizer ao público que a "síndrome do pânico" era um mal comum.
Em 1 990, o NIMH lançou sua Década do Cérebro, dizendo ao público que 20%
dos norte-americanos sofriam de transtornos mentais ( e portanto, poderiam estar
necessitados de medicação psiquiátrica). Em pouco tempo, grupos psiquiátricos
e outros passaram a promover "programas de triagem" que, na perspectiva
empresarial, melhor se descreveriam como esforços de recrutamento de clientela.
A Aliança Nacional Contra a Doença Mental (NAMI), por sua vez, compreendeu
que seus esforços "educativos" serviam a um propósito comercial e, num
documento do ano 2000 que apresentou ao governo, escreveu que "os prestadores
de serviços, os planos de saúde e as companhias farmacêuticas querem ampliar
seus mercados e aumentar sua participação no mercado. ( ...) A NAW cooperará
com essas entidades para ampliar o mercado, conscientizando as pessoas dos
problemas que envolvem os transtornos cerebrais graves".2
324
Contabilizando os Lucros
325
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
por criancinhas.4 O New York Times, em sua cobertura dessa iniciativa, explicou com
muita clareza o que a estava impulsionando: "O mercado adulto [dos ISRS] está
saturado. (...) As companhias buscam agora ampliar os mercados" .5 A psiquiatria
forneceu prontamente um respaldo médico a esse esforço de comercialização,
com a Academia Norte-Americana de Psiquiatria da Infância e da Adolescência
anunciando que 5% de todas as crianças dos Estados Unidos sofriam de depressão
clínica. "Muitos desses jovens pacientes de hoje são insuficientemente tratados,
dizem os especialistas, o que amiúde leva a problemas afetivos e comportamentais
a longo prazo, ao abuso de drogas ou até ao suicídio", informou o Wall StreetJournal.6
A criação do mercado "bipolar juvenil" foi um pouco mais complicada. Antes
dos anos 1990, a psiquiatria achava que o transtorno bipolar simplesmente não
ocorria em crianças pré-púberes, ou era extremamente raro. Mas as crianças e
adolescentes a quem se receitavam estimulantes e antidepressivos comumente
sofriam de episódios maníacos, e assim pediatras e psiquiatras começaram a ver
mais jovens com sintomas "bipolares". Ao mesmo tempo, depois que aJanssen e
a Eli Lilly introduziram seus antipsicóticos atípicos no mercado, ambas estavam
procurando um modo de vender esses fármacos às crianças, e, durante a década
de 1990, Joseph Biederman, do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston,
forneceu o arcabouço diagnóstico que possibilitava essa medida. Em 2009, ao
prestar depoimento numa ação judicial, ele explicou seu trabalho.
Todos os diagnósticos psiquiátricos, disse Biederman, ''são subjetivos, nas
crianças e nos adultos". Assim, ele e seus colegas decidiram que as crianças
que antes eram vistas como quem tem problemas comportamentais acentuados
deveriam, em vez disso, ser diagnosticadas como portadoras de transtorno
bipolar juvenil. "As condições que vemos diante de nós foram reconceituadas",
depôs. "Esses jovens eram chamados, antigamente, de portadores de transtornos
da conduta, de transtorno desafiador opositivo. Não é que eles não existissem,
apenas eram identificados por nomes diferentes."7 Biederman e seus colegas
decidiram que a "extrema irritabilidade" ou as "tempestades afetivas" seriam
os sinais reveladores do transtorno bipolar juvenil, e, tendo à mão esses novos
critérios diagnósticos, anunciaram, em 1996, que muitas crianças e jovens
diagnosticados com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)
eram, na verdade, "bipolares", ou então "comórbidos", tendo as duas doenças.8
Esse transtorno era "uma patologia muito mais comum do que se supusera antes",
amiúde surgindo quando as crianças tinham apenas 4 ou 5 anos, no dizer de
326
Contabilizando os Lucros
Biederman.9, II Pouco depois, os pais dos Estados Unidos estavam lendo matérias
de jornais sobre essa doença recém-reconhecida e comprando The Bipolar Chi/d [A
criança bipolar], livro lançado pela Random House no ano 2000. Enquanto isso,
psiquiatras da infância começaram a tratar a doença com antipsicóticos atípicos.
Foi essa a máquina mercadológica que atraiu mais e mais norte-americanos
para a farmácia psiquiátrica. À medida que novos medicamentos eram introduzidos
no mercado, conduziam-se campanhas de "conscientização" das doenças e se
ampliavam as categorias diagnósticas. Ora, depois que uma empresa atrai um
cliente para sua loja, ela quer conservá-lo e fazê-lo comprar múltiplos produtos, e
é nessa hora que entra em ação a "armadilha das drogas" psiquiátricas.
A história do "cérebro avariado" ajuda na retenção da clientela, é claro,
porque, se a pessoa sofre de um "desequilíbrio químico", faz sentido que ela
tenha de tomar indefinidamente a medicação que o corrige, como "a insulina
para o diabetes". Mais importante, porém, é que os remédios criam desequilíbrios
químicos no cérebro, e isso ajuda a transformar um cliente de primeira compra
num usuário a longo prazo e, muitas vezes, num comprador de múltiplas drogas.
O cérebro do paciente se adapta ao primeiro medicamento, e isso lhe dificulta
deixar a medicação. É difícil passar pela estreita porta de saída da loja, por assim
dizer. Ao mesmo tempo, como as drogas psiquiátricas perturbam o funcionamento
normal, é comum causarem problemas físicos e psiquiátricos, e isso prepara o
terreno para a polifarmácia. A criança hiperativa é medicada com um estimulante
que a desperta durante o dia; à noite, ela precisa de um sonífero para dormir. Um
antipsicótico atípico faz a pessoa sentir-se deprimida e letárgica; o psiquiatra
pode receitar um antidepressivo para tratar esse problema. Inversamente, um
antidepressivo pode provocar um surto maníaco; nesse caso, pode-se receitar
um antipsicótico atípico para reduzir a mania. O primeiro remédio desencadeia a
necessidade do segundo, e assim por diante.
A Eli Lilly cheg0u até a capitalizar nesse fato, ao introduzir o Zyprexa no
mercado. Como se sabia, o Prozac e outros ISRS podiam provocar surtos maníacos,
e assim a empresa instruiu seus representantes de vendas a dizerem aos psiquiatras
que o Zyprexa "é um ótimo estabilizador do humor, sobretudo para pacientes cujos
sintomas tiverem sido agravados por um ISRS".'º Em síntese, a Eli Lilly estava
dizendo aos médicos que receitassem seu segundo medicamento para consertar
ll
Durante o depoimento de Biederman, em 26 de fevereiro de 2009, um advogado lhe perguntou
sobre sua posição na Faculdade de Medicina da Universidade Harvard. "Professor titular",
respondeu ele."O que há acima disso?", indagou o advogado. "Deus", disse Biederman.
327
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
A Árvore do Dinheiro
Naturalmente, essa próspera empreitada comercial gera grande riqueza
pessoal para os executivos das companhias farmacêuticas, e o dinheiro também
flui em volumes bastante copiosos para os psiquiatras acadêmicos que promovem
os medicamentos produzidos por aquelas. De fato, os lucros dessa empreitada se
distribuem entre quase todos os que contam à nossa sociedade a história de que
"as drogas psiquiátricas são boas". Para termos uma ideia dos valores envolvidos,
podemos dar uma olhada no dinheiro recebido pelos diversos agentes dessa iniciativa.
Podemos começar pela Eli Lilly, já que ela serve corno um bom exemplo
dos lucros que vão para os acionistas e os executivos de uma fabricante de
medicamentos.
Eli LiUy
Em 1987, a divisão farmacêutica da Eli Lilly gerou uma receita de 2,3 bilhões
de dólares. A companhia não tinha uma droga importante para o sistema nervoso
m Numa linha semelhante, as companhias farmacêuticas aproveitaram o fato de muitas das drogas
inicialmente receitadas para um sintom a -alvo não funcionarem muito bem. "Duas em cada três
pessoas tratadas de depressão continuam a apresentar sintomas", informou aos telespectadores
um comercial de televisão da Bristol-Myers Squibb em 2009. Solução? Acrescente à mistura um
antipsic6tico atípico, o Abilify.
328
Contabilizando os Lucros
central, visto que seus três fármacos mais vendidos eram um antibiótico oral, um
remédio cardiovascular e um produto à base de insulina. A Eli Lilly começou a
vender o Prozac em 1988 e, quatro anos depois, ele se tornou o primeiro produto de
um bilhão de dólares da empresa. Em 1996, a Eli Lilly pôs o Zyprexa no mercado,
e ele se tornou um remédio de um bilhão de dólares em 1998. No ano 2000, esses
dois produtos responderam por quase metade da receita de 10,8 bilhões de dólares
da empresa.
Pouco depois, o Prozac perdeu a proteção de sua patente, de modo que a
melhor maneira de avaliar os efeitos geradores de riqueza dos dois medicamentos
é considerar o período de 13 anos entre 1987 e 2000. Durante esse intervalo, o
valor da Eli Lilly na Wall Street subiu de 1 O bilhões para 90 bilhões de dólares. Um
investidor que comprasse 10 mil dólares de ações da companhia em 1987 veria
esse investimento elevar-se para 96.850 dólares em 2000 e, ao longo do caminho,
teria recebido mais 9.720 dólares de dividendos. Ao mesmo tempo, os executivos
e empregados da farmacêutica, além de seus salários e bonificações, tiveram um
lucro líquido de aproximadamente 3,1 bilhões de dólares com as opções de compra de
ações que fizeram. 14
Psiquiatras acadêmicos
As companhias farmacêuticas não teriam conseguido construir um mercado
de 40 bilhões de dólares para as drogas psiquiátricas sem a ajuda de psiquiatras
de centros médicos acadêmicos. O público recorre aos médicos para se informar
sobre as doenças e sobre a melhor maneira de tratá-las, de modo que foram
os psiquiatras acadêmicos - pagos pela indústria farmacêutica para servir de
assessores em diretorias consultivas, bem como de palestrantes - que atuaram,
essencialmente, como vendedores dessa iniciativa comercial. As companhias
farmacêuticas, em seus memorandos internos, chamam esses psiquiatras, de uma
forma precisa, de "grandes líderes formadores de opinião", ou LFOs, para encurtar.
Graças a uma investigação promovida em 2008 pelo senador Charles
Grassley, o público teve uma ideia do montante de dinheiro pago pelas empresas
farmacêuticas a seus LFOs. Os psiquiatras acadêmicos recebem regularmente
verbas federais dos Institutos Nacionais de Saúde [NIH] e, nessas condições,
são solicitados a informar a suas instituições quanto recebem das companhias
farmacêuticas, havendo a expectativa de que as faculdades de medicina lidem
com o "conflito de interesses" sempre que esse valor ultrapassar l 0.000 dólares
anuais. Grassley investigou os registros de cerca de vinte psiquiatras acadêmicos
329
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
e descobriu que eles não apenas ganhavam muito mais do que 10.000 dólares por
ano, como também escondiam esse fato de suas universidades.
Eis alguns exemplos dos valores pagos a LFOs na psiquiatria:
• De 2000 a 2007, Charles Nemeroff, chefe do departamento de psiquiatria
da Faculdade de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta, ganhou pelo
menos 2,8 milhões de dólares como palestrante e consultor de empresas
farmacêuticas, tendo recebido só da GlaxoSmithK.line 960.000 dólares para
promover o Paxil e o Wellbutrin. Ele é coautor doManual de Psicefarmacologia
da APA, o livro didático mais vendido nesse campo. Também escreveu
um livro de divulgação sobre medicamentos psiquiátricos, The Peace ef
Mind Prescription [A receita da paz de espírito], destinado ao público em
geral. Participou do conselho editorial de mais de sessenta publicações
da área médica e, durante algum tempo, foi editor-chefe da revista
Neuropsychopharmacology. Em dezembro de 2008, renunciou ao cargo
de diretor do departamento de psiquiatria da Emory, por não ter dado
informações à universidade sobre os pagamentos que havia recebido de
empresas farmacêuticas.'&
• Zachary Stowe, também professor de psiquiatria na Emory, recebeu
250.000 dólares da GlaxoSmithK.line em 2007 e 2008, em parte para
promover o uso do Paxil por mulheres lactantes. A Emory o "repreendeu"
por não ter revelado adequadamente esses pagamentos à universidade. 16
• Outro membro da central de palestrantes da GlaxoSmithKline foi
Frederick Goodwin, um ex-diretor do NIMH. A companhia lhe pagou 1,2
milhão de dólares de 2000 a 2008, principalmente para promover o uso de
estabilizadores de humor para o transtorno bipolar (a GlaxoSrnithKline
vende o Lamictal, que é um desses estabilizadores). Goodwin é coautor de
Doença Maníaco- Depressiva: transtorno bipolar e depressão recorrente, o compêndio
de referência sobre essa doença, e durante muito tempo foi também
apresentador de um programa de rádio de grande audiência, The In.finite
Mind [A mente infinita], que era transmitido para todo o país pelas estações
da NPR. Seu programa apresentava debates rotineiros sobre medicamentos
psiquiátricos e, numa transmissão de 20 de setembro de 2005, Goodwin
avisou que, se as crianças com transtorno bipolar não fossem tratadas,
poderiam sofrer lesões no cérebro. Goodwin foi palestrante ou consultor
de várias outras empresas farmacêuticas; 1,2 milhão de dólares foi o que
330
Contabilizando os Lucros
33]
ANATOllfiA DE UMA EPIDEMIA
• Joseph Biederman talvez tenha sido o LFO que mais contribuiu para ajudar
a indústria farmacêutica a construir um mercado para seus produtos. Em
larga medida, o transtorno bipolar juvenil foi criação dele, e as crianças e
adolescentes assim diagnosticados são comumente tratados com coquetéis
de drogas. As companhias farmacêuticas lhe pagaram 1,6 milhões de
dólares por seus diversos serviços, no período de 2000 a 2007, e grande
parte desse dinheiro veio dajanssen, a divisão daJohnson &Johnson que
vende o Risperdal. 23
Biederman também fez a companhia pagar-lhe 2 milhões de dólares, de
2002 a 2005, para criar o Centro Johnson & Johnson de Psicopatologia
Pediátrica no Hospital Geral de Massachusetts.24 Num relatório de 2002,
ele expôs francamente os objetivos do centro. Explicou que este era urna
"colaboração estratégica" que "impulsionaria os objetivos comerciais da
J&J". Ele e seus colegas desenvolveriam testes de triagem do transtorno
bipolar juvenil e depois fariam cursos de EMC (educação médica contínua)
para treinar pediatras e psiquiatras a usá-los. Suas pesquisas, escreveu,
"alertariam os médicos para a existência de um grande grupo de crianças
que poderiam se beneficiar do tratamento com Risperdal". Além disso,
332
Contabilizando os Lucros
Nesse trecho, Biederman descreve a evolução clínica das crianças diagnosticadas com transtorno
bipolar e medicadas; essas crianças efetivamente tendem a se tornar doentes crônicas, tal como
ele descreveu. Mas não há literatura médica que mostre a existência de uma doença que siga esse
curso em crianças não medicadas.
333
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
O psiquiatra da comunidade
As empresas farmacêuticas também oferecem brindes aos psiquiatras
da comunidade. Convidam-nos para jantares gratuitos em que os LFOs e os
especialistas locais fazem seus discursos, e seus representantes de vendas
frequentam com regularidade os consultórios deles, levando pequenos
presentes. "Dei ao dr. Child um bombom de chocolate com creme de amendoim
do tamanho de um cupcake", escreveu uma representante de vendas da Eli Lilly
num relatório de 2002 para seu chefe. "Ele ficou contentinho." Ou, como a moça
escreveu, depois de outra visita de vendas: "O médico e a equipe adoraram a
caixa de brindes que levei, cheia de coisas úteis para sua nova clínica".27 Trata-se
de subornos muito pequenos, mas até um presentinho ajuda a construir vínculos
sociais. Um grupo da Califórnia fez um levantamento das empresas farmacêuticas
e descobriu que estas estabelecem limites, sim, para os brindes oferecidos aos
psiquiatras anualmente; o da GlaxoSmithKline era de 2.500 dólares por médico,
enquanto o da Eli Lilly chegava a 3.000 dólares. Há muitas empresas vendendo
drogas psiquiátricas, de modo que qualquer psiquiatra que receba representantes
de vendas pode desfrutar de uma oferta regular de brindes.
334
Contabilizando os Lucros
335
16
Projetos de Reforma
''Acho que está na hora de outra greve defome."
- Vince Boehm, 2009
339
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
340
Projetos de Reforma
341
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
342
Projetos de Reforma
costumavam melhorar no correr de três meses a um ano, e iam para casa. Cinquenta
por cento recebiam alta como "recuperados'' e outros 30%, como "aliviados". Além
disso, a esmagadora maioria dos pacientes internados por um primeiro episódio de
doença recebia alta e nunca mais voltava a ser internada, e isso se aplicava até aos
pacientes psicóticos. Este último grupo teve, em média, apenas 1,23 hospitalização
num período de dez anos (número que inclui a internação inicial).
Hoje em dia, há uma suposição de que os pacientes se saem muito melhor do
que antes graças aos medicamentos psiquiátricos. Todavia, em 1996 houve 522
admissões na ala psiquiátrica do Hospital Geral Distrital de Bangor - quase 12
vezes o número de pessoas internadas no hospício de Denbigh, um século antes.
Setenta e seis por cento desses 522 pacientes já tinham estado lá anteriormente,
como parte de um grande grupo de pacientes em Gales do Norte que gira em ciclos
regulares pelo hospital. Embora os pacientes passem um período mais curto no
hospital do que acontecia em 1896, apenas 36% receberam alta como recuperados.
Por último, os pacientes internados por um primeiro surto psicótico na década
de 1990 tiveram, em média, 3,96 hospitalizações no curso de dez anos - mais de
três vezes o número de um século atrás. Claramente, os pacientes atuais têm mais
doenças crônicas do que há um século, parecendo os tratamentos modernos haver
criado uma "porta giratória".9
"Ficamos surpresos ao ver como são precários os resultados atuais depois de
cinco anos", observou Healy. '°Toda vez que olhamos para os resultados de hoje,
para o primeiro lote de resultados [de um dado grupo de diagnóstico] após cinco
anos, pensamos: 'Meu Deus, não pode ser isso'."
O estudo deles envia uma mensagem bem clara sobre como e quando os
medicamentos psiquiátricos devem ser usados. "Uma porção de gente costumava
se recuperar", explicou Healy, mas, se você medica imediatamente todos os
pacientes, corre o risco de "lhes causar um problema crônico que, nos velhos
tempos, eles não teriam." Hoje, Healy procura "observar e esperar" antes de dar
drogas psiquiátricas aos pacientes que sofrem um primeiro episódio, pois quer
ver se esse tipo de recuperação natural pode ocorrer: "Procuro usar os remédios
com cautela, em doses razoavelmente baixas, e digo ao paciente: 'Se o remédio
não fizer o que queremos que faça, nós vamos suspendê-lo"'. Se os psiquiatras
escutassem seus pacientes a respeito de como os remédios os afetam, concluiu
Healy, "teríamos apenas alguns pacientes medicados a longo prazo".
343
ANATOMIA DE UMA EPIDE.MIA
344
Projetos de Reforma
345
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
dois anos, 43% dos pacientes dos três centros "experimentais" nunca tinham sido
expostos a neurolépticos, e os resultados gerais das sedes experimentais foram
"um pouco melhores" que os dos centros em que quase todos tinham sido expostos
aos medicamentos. Além disso, entre os pacientes das três sedes experimentais,
os que nunca tinham sido expostos a neurolépticos alcançaram os melhores
resultados. 1 1
"Eu recomendaria um uso [das drogas] específico para cada caso", disse
Rãkkõlãinen. "Experimente sem os antipsicóticos. Você pode tratar melhor deles
sem medicação. Eles ficam mais interativos. Tornam-se eles mesmos." Aaltonen
acrescentou: "Se você puder adiar a medicação, isso é importante".
A caminho de Tornio, que fica no norte, parei para entrevistar Jaakko Seikkula,
um professor de psicoterapia da Universidade de Jyvãskylã. Além de trabalhar
no Hospital Keropudas, em Tornio, há quase vinte anos, ele foi o principal autor
de vários estudos que documentaram os resultados extraordinários dos pacientes
psicóticos na Lapônia Ocidental.
A transformação do atendimento no Hospital Keropudas, passando de um
sistema em que os pacientes eram habitualmente internados e medicados para
outro em que raras vezes são hospitalizados e só ocasionalmente são medicados,
teve início em 1984, quando Rãkkõlãinen visitou o local e falou do tratamento
adaptado à necessidade. A equipe do Keropudas, relembrou Seikkula, intuiu de
imediato que fazer "reuniões abertas", nas quais cada participante compartilhasse
livremente suas ideias, proporcionaria aos pacientes psicóticos uma experiência
346
Projetos de Reforma
Pacientes (n=75)
Esquizofrenia (n=30)
Outros transtornos psicóticos (n=45)
Uso de antipsicóticos
Nunca expostos a antipsicóticos 67%
Uso ocasional durante cinco anos 33%
Uso contínuo ao final de cinco anos 20%
Sintomas psicóticos
Sem nenhuma recaída durante cinco anos 67%
Resultados funcionais em cinco anos 79%
Assintomáticos no acomnanhamento após cinco anos
Trabalhando ou na escola 73%
Desempregados 7%
Recebendo pensão por invalidez 20%
Fonte: J. Seikkula, "Five-year experience of first episode nonaffective psychosis in open-dialogue
approach", PsychotherapyResearch 16, 2006: 214-228.
347
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
348
Projetos de Reforma
ser procurada - por um dos pais, um paciente em busca de ajuda ou, talvez, um
administrador escolar - é responsável por organizar um encontro em 24 horas,
cabendo à família e ao paciente decidir onde se realizará essa reunião. A casa
do paciente é o local preferido. Deve haver pelo menos dois membros da equipe
presentes - de preferência, três - e essa se torna a -"equipe" que, idealmente,
J
permanecerá junta durante o tratamento do paciente. Todos vão a essa primeira
reunião cientes de que ''não sabem nada", disse a enfermeira Mia Kurtti. Seu
trabalho é promover um "diálogo aberto" em que as ideias de todos possam tornar
se conhecidas, sendo os familiares (e amigos) vistos corno colaboradores. "Somos
especialistas em dizer que não somos especialistas", comentou Birgitta Alakare.
Os terapeutas se consideram convidados na casa do paciente, e se um paciente
agitado foge para seu quarto, eles simplesmente lhe pedem que deixe a porta
aberta, para poder escutar a conversa. "Eles ouvem vozes, nós os encontramos e
tentamos tranquilizá-los", disse Saio. "Eles são psicóticos, mas não têm nada de
violentos." Com efeito, a maioria dos pacientes quer contar sua história, e quando
eles falam de alucinações e ideias paranoicas, os terapeutas apenas escutam e
refletem sobre o que ouviram. "Acho [os sintomas psicóticos] muito interessantes",
disse Kurtti. "Qual é a diferença entre vozes e pensamentos? Estamos tendo uma
conversa."
Não há menção alguma a antipsicóticos nos primeiros encontros. Quando
o paciente começa a dormir melhor e a tomar banho regularmente, e começa
a restabelecer de outras maneiras os vínculos sociais, os terapeutas sabem que
seu "domínio sobre a vida" está sendo reforçado e que a medicação não será
necessária. Vez por outra, Alakare pode receitar uma benzodiazepina para ajudar
a pessoa a dormir ou para atenuar a ansiedade do paciente, e pode vir a prescrever
um neuroléptico em dosagem baixa. "Em geral, sugiro que o paciente o use por
alguns meses", disse. "Mas, quando os problemas desaparecem, após seis meses
ou um ano, ou talvez até depois de três anos, tentamos suspender a medicação."
Desde o começo, os terapeutas se empenham em dar ao paciente e à família
um sentimento de esperança. "A mensagem que passamos é que podemos lidar
com essa crise. Temos a experiência de que as pessoas podem melhorar, e confiamos
nesse tipo de possibilidade", afirmou Alakare. Eles descobriram que pode levar
muito tempo - dois, três ou até cinco anos - para o paciente se recuperar. Embora
os sintomas psicóticos possam atenuar-se com bastante rapidez, os terapeutas se
concentram no "domínio [do pacienteJ sobre a vida" e em consertar a relação dele
com a sociedade, e essa é urna tarefa muito maior. A equipe continua a se reunir
349
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
No meu trajeto de volta para Helsinque, fui me intrigando com uma ideia: por
que as sessões de grupo de Tornio são tão terapêuticas? Dada a literatura sobre
resultados referente aos neurolépticos, eu podia entender por que o uso seletivo
dos medicamentos tinha se revelado tão proveitoso. Mas, por que a terapia do
diálogo aberto ajudava os pacientes psicóticos a se curar?
Durante meus dois dias em Tornio, acompanhei três sessões de grupo e,
apesar de não falar finlandês, pude ter uma ideia do teor afetivo das sessões e
350
Projetos de Reforma
Um Antidepressivo Natural
No começo dos anos 1800, os norte-americanos sempre recorriam a um livro
escrito pelo médico escocês William Buchan em busca de orientação médica. Em
Domestic Medicine [Medicina caseira], Buchan receitava este remédio sucinto para
a melancolia: ''O paciente deve fazer tanto exercício ao ar livre quanto puder
suportar. (...) Um plano desta natureza, com rigorosa atenção à dieta, é um método
muito mais racional de cura do que confinar o paciente a um recinto fechado e
cumulá-lo de medicarnentos". 1 7
Dois séculos depois, as autoridades médicas britânicas redescobriram a
sabedoria do conselho de Buchan. Em 2004, o Instituto Nacional Pró-Saúde e
Excelência Clínica, que atua como um conselho consultivo do Serviço Nacional
de Saúde do país, decidiu que "os antidepressivos não são recomendados para o
tratamento inicial da depressão leve, porque a relação risco-benefício é ruim". Em
vez disso, os médicos deveriam experimentar alternativas não medicamentosas e
orientar os "pacientes de todas as idades, portadores de depressão leve, sobre os
benefícios de seguir um programa estruturado e supervisionado de exercícios". 18
Hoje, os clínicos gerais do Reino Unido podem escrever uma receita de exercício
físico. "A base de dados sobre o exercício como tratamento da depressão é muito
boa", disse Andrew McCulloch, diretor executivo da Fundação de Saúde Mental,
351
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
352
Projetos de Reforma
353
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
No sistema norte-americano de tutela infanta-juvenil pelo Estado, são níuitos os tipos de abrigo
concedidos aos menores, desde os lares de criação temporários até várias instituições residenciais
coletivas, classificadas por níveis conforme as necessidades dos menores e oferecendo diversos
graus de assistência e supervisão. As do nível 14 são as instalações não prisionais reservadas
para a internação dos menores mais problemáticos, que costumam requerer assistência clínica e
supervisão intensa durante 24 horas por dia. (N.T.)
354
Projetos de Reforma
consegma beber um copo d'água mais depressa. Uma memna branca estava
sentada no sofá, e o sexto morador da casa, eu soube depois, havia saído para uma
aula de natação. Em pouco tempo, a garota dos fones de ouvido estava cantando
a cape/la (e muito bem) e a que se debruçava sobre o álbum de fotografias tinha
começado a me chamar de Bob Marley, aparentemente por eu saber quem era
Jordin Sparks. De vez em quando, um dos menores caía na gargalhada.
''A meninada fica muito grata por sair da medicação", disse a terapeuta Kari
Sundstrom. ''A personalidade deles volta. Eles tornam a ser gente."
355
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
356
Projetos de Reforma
Elas têm de pedir permissão para usar o banheiro e para entrar nos quartos e,
quando não cumprem as regras, podem ter que "ir para o banco", interrompendo
suas atividades, ou perdem um privilégio. Mas a equipe tenta concentrar-se em
reforçar os comportamentos positivos, elogiando e premiando as crianças de várias
maneiras. Elas são solicitadas a manter seus quartos arrumados e a fazer uma
tarefa doméstica diária, às vezes ajudando a preparar a refeição noturna.
"A questão do sentir-se cuidando de si, responsável por si mesmo, é o problema
central da vida deles", disse Stanton. �'Eles podem só o conseguir parcialmente,
enquanto estão conosco, mas, quando temos sucesso de verdade, nós os vemos
desenvolverem um sentimento de 'Ah, eu posso fazer isso; quero estar no controle
de mim mesmo e da minha vida'. Eles se veem dotados desse poder."
Mais importante ainda, depois que a medicação é suspensa, as crianças ficam
mais aptas a formar laços afetivos com a equipe, e esta com elas. Essas crianças
conheceram a rejeição durante a vida inteira e precisam estabelecer relações que
alimentem a convicção de que são dignas de ser amadas; quando isso acontece,
sua "narrativa int�rna" pode passar de "sou urna criança má" para "sou urna
criança boa".
"Eles chegam pensando: 'Eu sou maluco(a), vocês vão me detestar, vão se livrar
de mim, vou ser a pior criança que vocês já viram "', disse a terapeuta Julie Kim.
"Mas depois, passam a se dispor a formar vínculos [afetivos] , e isso é uma coisa
incrível. Você vê o poder que tem a relação para modificar uma criança, e até a
garotada que parece mais durona ao entrar aqui, aquela que a princípio não faz
progresso algum, acaba chegando lá."
Embora Kim e outros possam contar histórias de sua própria experiência
sobre crianças que receberam alta do programa residencial, voltaram para escolas
coinuns e se saíram bem, o Sêneca não fez um acompanhamento a longo prazo
das crianças que passaram por seu programa residencial. A única estatística de
que dispõe para mostrar que o programa funciona é esta: 225 crianças viveram em
suas residências de 1995 a 2006, e quase todas foram liberadas para instituições
residenciais coletivas para jovens menos problemáticos, ou para lares de criação
temporários, ou para suas famílias biológicas. Pelo menos, sua temporada
no Centro Sêneca pôs sua vida em um novo rumo. Entretanto, é difícil confiar
com otimismo que sua vida prosseguirá nessa direção. Seus problemas afetivos
e comportamentais não desaparecem por completo, e assim, muitas das crianças
que recebem alta - talvez a maioria - voltam a ser medicadas. Retornam a
357
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
358
Projetos de Reforma
para o outro. De repente, ela deu uma freada ruidosa na calçada: "Vou ao Burger
King. O que você quer?", anunciou. Segundos depois, voltou orgulhosa, segu rando
um saquinho imaginário com um Whopper, batatas fritas e uma Coca-Cola, pelos
quais paguei com uma nota igualmente imaginária de cinco dólares, pedindo
lhe para me dar o troco. Na hora de nos despedirmos, Layla pediu um abraço, e
então, Takeesha - que tinha corrido para buscar alguma coisa em seu quarto - me
ofereceu o que parecia ser uma embalagem de chiclete, exceto pelo fato de que o
pedaço com a ponta para fora era claramente de natureza metálica.
No Quadro-Negro
A psiquiatria e o restante da medicina costumam proclamar que os
tratamentos devem "basear-se nas evidências". Todas as soluções que examinamos
neste capítulo obedecem a esse padrão. A convicção de David Healy de que os
medicamentos psiquiátricos devem ser usados com cautela, o programa de diálogo
aberto em Tornio, a receita de exercícios como tratamento de primeira linha
para a depressão leve a moderada, todos se enraízam numa sólida base científica.
O mesmo se pode dizer da política de suspensão de medicamentos de Tony
Stanton. Num ponto anterior deste livro, vimos que as crianças medicadas com
estimulantes, antidepressivos e antipsicóticos cornumente pioram a longo prazo,
359
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
360
Projetos de Reforma
m A bem da transparência, devo informar que fui um dos palestrantes em vários desses eventos.
361
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
362
Projetos de Reforma
"Queremos trabalhar com pessoas mais jovens, que tenham usado medicamentos
psiquiátricos apenas por um curto período, e ao retirar sua medicação e ajudá-las
a melhorar, esperamos impedir que elas enveredem pelo trajeto da doença crônica",
disse Musante. "Nossa expectativa é que as pessoas se recuperem. Esperamos que
trabalhem ou frequentem a escola, que retomem um comportamento apropriado
para sua idade. Estamos aqui para ajudá- las a voltar a sonhar e a perseguir esses
sonhos. Não estamos dispostos a canalizá-las para a Renda Complementar da
Previdência (SSI) ou o Seguro da Previdência Social por Invalidez (SSDI).""
Agora, Gottstein tem os olhos voltados para um questionamento jurídico de
âmbito nacional. Tem movido processos que questionam a medicação de crianças
de lares de criação temporários e de crianças pobres do Alasca (os pobres têm
cobertura do Medicaid) e, em última análise, espera levar um desses processos
à Suprema Corte dos Estados Unidos. Para ele, essa é uma questão pertinente à
14ª Emenda constitucional, pois as crianças são privadas de sua liberdade sem o
devido processo legal. No cerne de qualquer desses processos estaria uma pergunta
científica: as crianças dos lares de cr�ação estão sendo tratadas com medicamentos
que ajudam, ou estão sendo tratadas com drogas tranquilizantes que causam
danos a longo prazo?
"Faço uma analogia com Brown vs Diretoria de Ensino", disse Gottstein. ''Antes
daquela decisão, havia nos Estados Unidos uma aceitação geral da ideia de que
a segregação era certa. A Suprema Corte já havia dito, em decisões anteriores,
que a segregação era certa. Mas no processo Brown vs Diretoria de Ensino ela disse
363
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
que não era, e isso realmente modificou a opinião pública. Hoje em dia, não se
consegue encontrar ninguém que diga que a segregação é certa. E é assim que
visualizo todo este esforço."
Nós, o Povo
Como sociedade, depositamos nossa confiança na classe médica, para que
ela desenvolva o melhor atendimento clínico possível para toda sorte de doenças
e indisposições. Esperamos que os profissionais sejam francos conosco no
cumprimento dessa tarefa. No entanto, ao buscarmos maneiras de deter a epidemia
de doenças mentais incapacitantes que irrompeu neste país, não podemos confiar
em que a psiquiatria, como classe profissional, cumpra essa responsabilidade.
Nos últimos 25 anos, a classe psiquiátrica tem nos contado uma história
falsa. Ela nos disse que a esquizofrenia, a depressão e o transtorno bipolar são
conhecidos como doenças cerebrais, muito embora - como revelou a greve de
fome feita por um grupo da organização MindFreedom - não consiga nos apontar
nenhum estudo científico que documente essa afirmação. Ela nos disse que os
medicamentos psiquiátricos corrigem desequilíbrios químicos no cérebro, muito
embora décadas de pesquisa não o tenham constatado. Ela nos disse que o Prozac
e os outros psicotrópicos de segunda geração eram muito melhores e mais seguros
que as drogas da primeira geração, muito embora os ensaios clínicos não tenham
mostrado nada disso. E, mais importante que tudo, a classe psiquiátrica dominante
não nos disse que os medicamentos pioram os resultados a longo prazo.
Se a psiquiatria tivesse sido honesta conosco, a epidemia poderia ter sido
estancada há muito tempo. Os resultados de longo prazo teriam sido divulgados
e discutidos, e isso teria disparado alarmes sociais. Ao contrário, a psiquiatria
contou histórias que protegeram a imagem de seus medicamentos, e essas
histórias da carochinha levaram a que fossem causados danos numa escala
enorme e terrível. Quatro milhões de adultos norte-americanos com menos de
65 anos recebem hoje auxílio da SSI ou do SSDI, por se acharem incapacitados
por doenças mentais. Um em cada 15 adultos jovens (de 18 a 26 anos) acha-se
"funcionalmente prejudicadd' por doenças mentais. Cerca de 250 crianças e
adolescentes são diariamente acrescentadas às listas da SSI por doenças mentais.
São números estarrecedores, mas a máquina geradora da epidemia continua a
operar, com crianças de 2 anos sendo agora "tratadas" no nosso país por transtorno
bipolar.
364
Projetos de Reforma
365
Epílo go
Este livro conta uma história da ciência que leva os leitores a um lugar
socialmente incômodo. Nossa sociedade acredita que os medicamentos psiquiátricos
levaram a um avanço "revolucionário" no tratamento dos transtornos mentais,
mas estas páginas falam de uma epidemia de doenças mentais incapacitantes
induzida pelos fármacos. A sociedade vê a moça bonita, e este livro orienta o olhar
dos leitores para a bruxa velha. Nunca é fácil afirmar uma convicção que está
fora de sincronia com aquilo em que o resto da sociedade acredita e, neste caso,
isto é particularmente difícil porque a história de progresso é contada por figuras
de autoridade científica: a Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria (APA), o
Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMFI) e psiquiatras de universidades de
prestígio, como a Faculdade de Medicina de Harvard. Discordar do saber comum
sobre este tema faz parecer que o sujeito é membro de carteirinha da sociedade
da Terra plana.
Mas, para os leitores que ainda se intrigam com a história aqui narrada,
ofereço um último relato. Você pode lê-lo e decidir por si se agora se coloca,
metaforicamente falando, no campo da Terra plana.
Depois que entrevistei Jaakko Seikkula na Universidade de Jyvãskylã, ele
me pediu para fazer uma pequena palestra sobre a história dos antipsicóticos
para alguns de seus colegas. Ora, Seikkula e outros profissionais do Hospital
Keropudas, em Tornio, não tinham decidido usar os antipsicóticos de modo
seletivo por acharem que os medicamentos pioravam os sintomas psicóticos a longo
prazo. Ao contrário, tinham observado que muitas pessoas se davam melhor sem
eles. Assim� quando fiz a palestra para os colegas de Seikkula na Universidade
de Jyvãskylã, essa ideia de que os antipsicóticos podiam transformar as pessoas
367
ANATOl\!lIA DE UMA EPIDEl\!lIA
em doentes crônicos era algo em que eles não haviam pensado muito até então,
e, ao término da minha fala, um dos membros do nosso círculo perguntou se is-so
também poderia se aplicar aos antidepressivos. Ele e outros vinham pesquisando
os resultados a longo prazo de pacient es deprimidos na Finlândia e também
mapeando se eles haviam usado esses medicamentos, e estavam assustados com
suas descobertas.
Então, caros leitores, formulem-se esta pergunta: o que acham que eles
descobriram? E vocês estão surpresos?
368
Notas
Para ler muitas das fontes documentais aqui listadas, consulte madinamerica.com ou
robertwhitaker.org.
369
ANATOl\ilA DE UMA EPIDEMIA
370
Notas
3. Ibid.: 79.
4. lbid. : 105.
5. Ibid. : 134-135.
6. F. AydJr., Discoveries in Biological Psychiatry (Filadélfia: Lippincott, 1970): 160.
7. Atas do simpósio Chlorproma;j,ne and Mental Health [Clorpromazina e Saúde Mental]
(Filadélfia: Lea and Fabiger, 1955): 132.
8. Ayd, Discoveries in Biological Psychiatry, op. cit.: 121.
9. M. Smith, Small Co"!fort (Nova York: Praeger, 1985): 23.
10. lbid.: 26.
1 1 . lbid. : 72.
12. "TE and hope", Time, 3 mar. 1952.
13. Valenstein, Blaming the Brain, op. cit.: 38.
14. "TB drug is tried in mental cases", New York Times, 7 abr. 1957.
15. M. Mintz, The Therapeutic Nightmare (Boston: Houghton Mifflin, 1965): 166.
16. lbid.: 488.
1 7 . lbid.: 48 1 .
18. lbid.: 59, 62.
19. T. Mahoney, The Merchants efLifé (Nova York: Harper & Brothers, 1959): 4, 16.
20. Mintz, The Therapeutic Nightmare, op. cit.: 83.
2 1 . Swazey, Chlorprama;:,ine in Psychiatry, op. cit.: 190.
22. "Wonder drug of 1 954?", Time, 14jun. 1954.
23. "Pills for the mind", Time, 7 mar. 1955.
24. "Wonder drugs: new cures for mental ills?", U.S. News and World Report, 17 jun.
1955.
25. "Pills for the mind", Time, 7 mar. 1955.
26. "Don't-give-a-damn pills", Time, 27 fev. 1956.
27. Smith, Small Comfort, op. cit.: 67-69.
28. "To Nirvana with Miltown", Time, 7 jul. 1958.
29. "Wonder drug of 1 954?", Time, 14jun. 1954.
30. "TB drug is tried in mental cases", New York Times, 7 abr. 1957.
3 1 . Smith, Small Comfort, op. cit.: 70.
32. "Science notes: mental drug shows promise", New York Times, 7 abr. 1957.
33. "Drugs and depression", New York Times, 6 'set. 1959.
34. H. Himwich, "Psychopharmacologic drugs", Science 1 2 7 (1958): 59-72.
35. Smith, Small Comfort, op. cit. : 1 10.
36. Ibid. : 104.
3 7. The NIMH Psychopharmacology Service Center Collaborative Study Group,
"Phenothiazine treatment in acute schizophrenia", Archives efGeneral Psychiatry I O
( 1 964): 246-261.
371
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
38. Valenstein, Blaming the Brain, op. cit.: 70-79. Ver também David Healy, The Creation
efPsychopharmacology (Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press,
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34. Ibid. Ver também S. Shellenbarger, "Eli Lilly stock plunges $4.375 on news of
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43. P. Breggin, Toxic Psychiatry (Nova York: St: Martin's Press, 1991): 348-350. Nesse
livro, Breggin detalhou a precariedade da base científica envolvida nos ensaios feitos
com o Xanax, a cooptação da psiquiatria acadêmica e o envolvimento da APA na
comercialização do medicamento.
44. "High anxiety", Consumer Reports,janeiro de 1993.
45. C. Ballenger, ''Alprazolam in panic disorder and agoraphobia", Archives ofGeneral
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48. Ballenger, ''Alprazolam in panic disorder", art. cit.
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398
Notas
Epílogo
1. E. Whipple, Character and Characteristic Men (Boston: Ticknor & Fields, 1866): 1.
399
Agradecimentos
Quando iniciei as pesquisas para este livro, procurei líderes de vários grupos
de "consumidores", em busca de ajuda para localizar "pacientes" a entrevistar.
Queria encontrar pessoas com diagnósticos diferentes e idades variáveis, e não
tardei a dispor de uma lista de mais de cem indivíduos dispostos a me relatar
suas histórias. Sou profundamente grato a todos que me ajudaram a encontrar
pacientes para entrevistar e a todos que conversaram comigo sobre sua vida. Além
dos nominalmente citados no livro, quero agradecer às seguintes pessoas: Camille
Santoro,Jim Rye, Sara Sternberg, Manica Cassani, Brenda Davis, Lauren Tenney,
Cheryl Stevens, Ellen Liversidge, Howard Trachtman, Jennifer Kinzie, Kathryn
Gaseio, Shauna Reynolds, Maggie McClure, Renée LaPlume, Chaya Grossberg,
Lyle Murphy, Oryx Cohen, Will Hall, Evelyn Kaufman, Dianne Dragon, Melissa
Parker, Amanda Green, Nicki Glasser, Stan Cavers, Cindy Votto, Eva Dech,
Dennis Whetsel, Diana Petrakos, Bert Coffman, ]anice Sorensen, Joe Carson,
Rich Winkel, Pat Risser, Susan Hoffman, Les Cook, Amy Philo, Benjamin Bassett,
Antti Seppala, Chris LaBrusciano, Kermit Cole, David Oaks, Darby Penney e
Michael Gilbert.
Em todas as ocasiões, as pessoas que entrevistei foram extraordinariamente
generosas com seu tempo. Em Syracuse, Gwen Oates, Sean Oates, Jason Smith
e Kelley Smith me receberam em suas casas. Na Califórnia, Tony Stanton
organizou dois dias de entrevistas com administradores, médicos e crianças do
Centro Sêneca. Ao longo de todo este projeto, David Healy respondeu a minhas
indagações, e quando o entrevistei em Gales do Norte, ele e sua mulher, Helen,
revelaram-se anfitriões gentis. Os arquitetos da terapia do diálogo aberto, na
Finlândia, passaram uma semana comigo, coletivamente. Sou extremamente
grato a Yrjõ Alanen, Jaakko Seikkula e Birgitta Alakare por terem possibilitado
401
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
minha viagem até lá, e a Tapio Salo e sua família por uma noite maravilhosa de
conversas em Tornio.
Enquanto trabalhava neste livro, busquei apoio regularmente em amigos e
familiares. Graças aJang-Ho Cha, pude comparecer a um seminário sobre secções
cerebrais no Hospital Geral de Massachusetts. Matt Miller, professor adjunto da
Escola de Saúde Pública de Harvard, revelou-se uma caixa de ressonância de valor
inestimável para pensar em como as terapias médicas são avaliadas e aquilatadas.
Cynthia Frawley, minha "vizinha" de escritório, desenhou os numerosos gráficos
que complementam este livro. E agradeço a Joe Layden, Winnie Yu e Chris
Ringwald por nossas conversas habituais sobre os altos e baixos da vida do escritor.
Este é meu quarto livro, e hoje estou mais convencido que nunca de que escrever
um livro - desde o momento em que ele é originalmente concebido até o dia da
publicação - tem na definição de empreitada coletiva a sua melhor descrição.
Minha agente, Theresa Park, ajudou-me a estruturar a proposta e me forneceu
uma orientação inestimável enquanto eu trabalhava no projeto. Meu editor, Sean
Desmond, pressionou-me para ampliar o alcance e o arco narrativo do livro e, na
hora de fazer a revisão do manuscrito, aprimorou-o de inúmeras maneiras. Todo
escritor deveria ter a sorte de contar com um agente incentivador como T heresa
Park e com um editor talentoso como Sean Desmond. Agradeço também a Rick
Willett por sua habilidosa revisão de texto; a Laura Duffy por sua capa chamativa;
a SongHee Kim por sua maravilhosa diagramação; a Stephanie Chan por sua
administração diligente do projeto; e aos muitos outros funcionários da Crown
que contribuíram para este livro com seu talento. E, por fim, sou profundamente
grato a Tina Constable por acreditar que a história narrada emAnatomia de uma
Epidemia merece ser conhecida.
402
Indice
A
Aaltonen,Jukka 344
Abbott Laboratories 325
Abilify (aripiprazol) 154, 221, 328
acatisia 240, 256, 293, 308
acetilcolina 76
Adderall (anfetamina) 259
Administração Federal de Alimentos e Medicamentos [Food and Drug
Administration (FDA)] 70, 105
aprovação do Paxil para o "transtorno de ansiedade social" 325
ausência sobre o Prozac 301
ensaios clínicos sobre o Risperdal 307
obtenção de medicamentos somente com receita médica 70-71
queixas da MedWatch sobre o Prozac 295
relatório da MedWatch sobre os riscos da Ritalina 244
Advocates, Inc. 223, 360
agentes ansiolíticos 22
efeitos a longo prazo 147-148
efeitos colaterais 47, 150, 303, 304
números da invalidez 156-157
síndrome de abstinência na suspensão dos 140-141, 144. Consulte
também benzodiazepinas; marcas registradas específicas
transtorno bipolar 152, 154
Age efAnxiety, The [A era da ansiedade] (Tone) 142
Alakare, Birgitta 348
Alanen, Yrjõ 344-345, 346
Aliança de Apoio a Depressivos e Bipolares [Depressive and Bipolar Support
Alliance (DBSA)] 31, 44, 47, 207
Aliança Nacional Contra a Doença Mental [National Alliance on Mental Illness
403
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
404
Índice
B
Badillo, George 39-42, 130- 131
Baldessarini, Ross 108, 169-170, 195, 199, 2 0 1-203
Banks, Brandon 209-2 1 1
Barrow,Jonathan 262
Bayer 56
Bayh, Birch 27 5
Beard, George 138
benzedrina 228
benzodiazepina 47, 137, 142-148, 150, 152-153, 155, 157, 188, 2 12 , 222, 275
caindo em desgraça 139-141, 273, 275
efeitos a longo prazo 147-148, 169
efeitos colaterais 222
eficácia a curto prazo 142- 143
estudos de casos 149-153
invalidez e 141, 148
lesão cerebral 147
ocultação de provas 315, 318
síndrome de abstin�ncia 140, 144-146. Consulte também Klonopin; Miltown
vício 140, 150
Berger, Frank 66, 67, 79, 139
Berrick, Ken 355
Biederman,Joseph 184, 240, 246, 250, 326-327, 332-333
Bipolar Child, The [A criança bipolar] (Papolos) 241, 327
Blaming the Brain [Culpando o cérebro] (Valenstein) 76, 9 1
Blau, T heodore 278
Bleuler, Eugen 102
Bockoven,J. Sanbourne I l i, 129
Bola,John 114
Bostic, Jeffrey 331-332
Bowers, Malcolm 85, 88
Boyer, Francis 72-73
Bradley, Charles 228, 231-232, 241
Breggin, Peter 238, 292, 294, 311-312
Briggs, Monica 42-44, 206
Brinkley,John R. 291-292, 302
Bristol-Myers Squibb 183, 328
405
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Brodie, Bernard 76
Broken Brain, The [O cérebro avariado] (Andreasen) 282
Bronowski,Jacob 2 1
Buchan, William 351
Burke, Tomie 247
Burns, Geraldine !49, 152
e
Carlat, Daniel 321
Carlson, Gabrielle 242-243
Carpenter, William 111-112, l 15, 129, 219
Carter Products 74
catecolaminas 76-77
Celexa (citalopram) 331
Centro de Saúde Mental e Dependência de Drogas da Universidade de
Toronto 312
Centro Sêneca 354-358, 360
cérebro 74-84, 86, 88-89, 9!-97, l !3, 116-l !8
benzodiazepinas e inibição do GABA l 46, 149
malefícios das drogas psicotrópicas 115-117, 122-124, 147, 170, !80,
1 99-200, 202
receptores D! e D2 88, 95, 1 16-118, 124, 315
Ritalina e 230
teoria do desequilíbrio químico e 28, 36, 51, 76-77, 78, 83-86, 88-89, 9 1 -97
Cha,Jang-Ho 81, 402
Chi/d and Adolescent Psychopharmacology Made Simple [Psicofarmacologia simplificada
da infância e da adolescência] (O'Neal) 226
Children and adults with attention deficit hyperactivity disorder (CHADD)
[Crianças e adultos com transtorno do déficit de atenção com
hiperatividade] 228-229, 335
Chouinard, Guy 116-119, 129, 187
Ciba-Geigy 228
Cientologia 288, 299
Clayborn, Sam 262-263
Clemens,James 92
clonidina 259-260
Clozaril (clozapina) 258
Cochrane Collaboration !08
Cogentin (benzotropina) 36
Cole,Jonathan 107, 111, 115, 129, 163
Comissão dos Cidadãos para os Direitos Humanos [CitiQns Commission qfHuman
Rights] 288, 299-300
Concerta (metilfenidato) 49, 259, 265
406
Índice
coquetéis medicamentosos 36
dados a crianças 49-50, 184, 251, 256, 2 6 1, 265, 322-323, 327, 356, 364
doença iatrogênica e 202, 359
efeitos colaterais 220-224
para o transtorno bipolar 46, 188, 200, 202, 206, 209, 2 10-211
Costello, E.Jane 225
Grane, George 191
Creation efPsychopharmacology, The [A criação da psicofarmacologia] (Healy) 91
crianças e adolescentes
acadêmicos pagos por empresas farmacêuticas 330-333
ações j udiciais movidas a favor de 363
como mercado para companhias farmacêuticas 326
coquetéis medicamentosos e 50-5 1, 184, 252, 256, 261, 265, 321-323, 327, 355,
359, 365
crianças de lares de criação, medicação das 260-264, 354, 363, 365
delinquência, crime e doença mental 235, 264
depressão em 28, 226, 238-240, 326
diagnóstico de transtornos mentais 28, 225-227
epidemia de doenças mentais em 26, 246-248, 250-254
estudos de casos 48-52, 255-267, 321-323
número dos que recebem auxílio da SSI por doença mental 21, 26, 248-249,
253-254, 364
números da GAO sobre 253
progressão do TDAH para o transtorno bipolar 244
raridade da mania pediátrica antes das terapias medicamentosas 241
síndrome de apatia 240
TDAH em 28, 49-52, 227
terapia medicamentosa 49-52, 171, 226, 228-229, 239-240, 246-248,
250, 325
terapia medicamentosa, efeitos colaterais 5 1, 23 1-239, 252, 255-258,
260-267
terapia medicamentosa, resultados a longo prazo 5 1-52, 231-237, 251-252
transtorno bipolar juvenil 28, 50-51, 184, 240-248, 250-253, 263, 326, 332,
359, 364
tratamento alternativo 353-358
cura milagrosa. Consulte medicina da "pílula mágica"
D
DBSA. Consulte Aliança de Apoio a Depressivos e Bipolares
Década do Cérebro 324
De!Bello, Melissa 244, 251, 332
Deniker, Pierre 65-66, 89-90, 1 16
Depakote (divalproato de sódio) 5 1, 2 10, 2 12, 257, 263, 322
407
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
408
Índice
psiquiatria biológica e 3 1 O
teoria do desequilíbrio químico 27, 36, 51, 76-77, 78, 81-97
terapia ambiental 114
doença mental, reforma do tratamento da 339-365
baseada em evidências 359
criança e 357-359
crianças e 354-356
David Healy e 342-344, 359
greve de fome da MindFreedom International 339-340
Lapônia, terapia do diálogo aberto 347-350
Lapônia, tratamento adaptado à necessidade 344, 345-346
paradigma do "melhor" uso 340, 342, 360
programas de desmame da medicação 360
Projeto Alasca 361-363
terapia do exercício 351-353
tratamento alternativo 58-59, 340, 342-343
verdade nas pesquisas e na comercialização 340
Domestic Medicine [Medicina caseiraJ (Buchan) 351
dopamina 76-78, 81-82, 84-85, 87-90, 94-95
esquizofrenia e 77-78, 82, 84, 88-90
psicose por hipersensibilidade 116-118
receptores D2 bloqueados por antipsicóticos 88-89, 94, 125
TDAH e teoria da baixa de dopamina 90-91, 229
Drugs and the Brain [As drogas e o cérebro] (Snyder) 119
DSM. Consulte também Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais
[Diagnostic and Statistical Manual ofMental Disorders]
Duke, Patty 185
E
Effexor 166, 181 , 223
Ehrlich, Paul 55-56
eletrochoque 59-60, 163, 181, 207-208, 288, 311-312.
Consulte eletroconvulsoterapia
eletroconvulsoterapia (ECT) 59, 114, 168, 191, 207, 276. Consulte
também eletrochoque; terapia eletroconvulsiva
Eli Lilly 57, 63, 165, 183, 199, 329, 334
distorção dos ensaios sobre medicamentos 238-239, 293-294, 296-297
fraude e 292
processos judiciais contra a 299
Prozac e 87, 91-92, 94, 165-166, 246, 292, 295-302, 325, 327
receita de fármacos 329
subvenções e pagamentos para influenciar a opinião pública 300-30 I,
325-326, 334
409
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
410
Índice
F
Faedda, Gianni 24 7, 250-251
Fava, Giovanni 1 69-171, 175, 1 80, 192
fenelzina 164
fenotiazinas 63-64, 66
Fieve, Ronald 193
Fink, Paul 279
Flugman, Hal 151
fluoxetina. Consulte Prozac
Flynu, Laurie 287, 309
Ford, Betty 141
Fores! Laboratories 331
Franklin,Jon 281, 283
Frazer, Alan 85, 90
Frazier,Jean 184
Frazier, Shervert 286, 297, 306
Freedman, Daniel 303
Freud, Sigrnund 138-139, 281
Fundação Nacional de Ciências [National Science Foundation] 58
Fundação Norte-Americana para Prevenção do Suicídio [American Foundation
for Suicide Prevention] 335
Fundo Fiduciário da Saúde Mental, Alasca 361, 363
G
GABA (ácido gama-arninobutírico) 146
Gately, Theresa 260-261
Geodon (ziprasidona) 184, 187, 2 12, 223
Ghaemi, Nassir 183, 186-187, 197-198
GlaxoSmithKline
acadêmicos pagos pela 330
brindes para psiquiatras 334
fraude e 331
Paxil e 325, 330-331
Glenmullen,Joseph 91, 292, 313-314
Gold, Mark 281-282
Good News About Depression, The [A boa notícia sobre a depressão] (Gold) 281
Goodwin, Frederick 186-187, 192, 195, 197, 330
Gordon, Chris 360
Gottstein,Jirn 361-363
Grassley, Charles 329
Gressitt, Stevan 148
Grupo de Apo10 a Sobreviventes do Prozac [Prozac Survivors GroupJ 299
411
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
Grupo do Maine para Estudo das Benz diazepinas (Maine Benzo Study Group]
14S
H
Haarakangas, Kauko 348
Hagler, Dennis 33
Haia, Rhoda 299
Halcion (triazolam) 36
Haldol (haloperidol) 36, 38, 40, 210, 2 5, 307
Harding, Courtenay 120, 129, 131, 20
Harrow, Martin 125-131, 185, 195, 202 206, 219, 235, 316-318
Hayes Inc. 252
Healy, David 87, 91, 238, 291-292, 312 314, 342-344, 359
Hellander, Martha 24 7
History efPsychiatry, A [História da Psiq iatria: da era do manicômio à idade do
Prozac, Uma] (Shorter) 22
Hoffmann-La Roche 67-68, 74-75, 137 140, 148
Hospital Keropudas, Tornio, Finlândia 346, 348, 35 1 , 367
Houtsmuller, Elisabeth 252
How to Become a Schizophrenic [Como fie r esquizofrênico] (Modrow) 341
Hubbard, L. Ron 288
Hyman, Steve 90, 95-97, 230
I
imipramina 74, 76-77, 79, 84, 87, 164- 65, 168-169, 256, 294, 296-297. Consulte
também tricíclicos
Infinite Mind, The [A mente infinita] (p ograma de rádio) 330
inibidores de monoamina oxidase (I Os) 164, 1 8 1
inibidores seletivos de reabsorção de s rotonina (ISRS) 87, 9 1 -94, 165-166, 1 80,
192
ações judiciais contra 238
como causa de desequilíbrio quími o 94, 180
crianças medicadas com 171, 237- 40, 246-247, 250, 325
efeitos colaterais 1 80, 239, 240, 31 -313
invalidez e 1 77-178
risco de suicídio 238, 293-295, 300, 312, 323. Consulte também Prozac
silenciamento da dissidência 3 1 2-3 1 3
vendas e uso de 1 71, 301
Instituto Nacional de Abuso de Drogas 3 1 3
Instituto Nacional de Saúde Mental [ ational lnstitute ofMental Health
(NIMH)] 6 1 , 163
aliança com companhias farmacêu · cas 303
412
Índice
J
Jackson, Grace 362
Jamison, Kay 46
Janssen, companhia farmacêutica 130, 306-308, 326, 332
Jenner, Alec 137
413
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
K
Kefauver, Estes 71
Kendler, Kenneth 91
Kennedy, Edward 141, 275
Kessler, Ronald 226
Kim,Julie 357
Klein, Rachel 222
Klerman, Gerald 271,277, 303, 306, 311
Kline, Nathan 63, 68, 79, 163
Klonopin (clonazepam) 47, 151-155, 2 l, 322
Kraepelin, Emil 102-103, 16 1-162, 1 7 , 186, 189, 196, 200, 202, 204, 208
Kramer, Peter 301-302
Kuhar, Michael 283
Kuhn, Roland 79
Kurtti, Mia 349
L
Lader, Malcolm 143-145, 148, 157, 37 , 379
Lamictal (lamotrigina) 154, 330
Lappen, Steve 32-33, 207
Laughren, T homas 238
LeFever, Gretchen 314
Lei Nacional de Saúde Mental 61
Leonhard, Karl 189
Levin, Cathy 35, 39-40, 130
Lexapro (escitalopram) 1 54, 331
Librium (clordiazepóxido) 67, 75, 139 140, 144, 147, 155
Listening to Prozac [Ouvindo o Prozac] ( amer) 302
lítio 36, 38, 43-44, 5 1 , 154, 186, 1 93-1 6, 199-201 , 203, 207-208, 210, 215, 221
lobotomia 59-60, 65, 96, 288
Lord, Nancy 294
Luvox (fluvoxamina) 246, 256
M
Mad in America [Loucos nos Estados U idos] (Whitaker) 15, 35, 316
Magic Bullets [Pílulas mágicas] (Suthe and) 57
Manic Depressive Illness [Doença maníac -depressiva] (Winokur) 189
Manic-Depressive lllness [Doença Mania o-Depressiva: transtorno bipolar e
414
Índice
N
NAMI. Consulte Aliança Nacional Contra a Doença Mental; Aliança Nacional
para os Doentes Mentais
Nash,John 2 1 3
Nemeroff, Charles 330
neurolépticos 75, 77-78, 88-9 1 , 94, 105-106, 108-109, 1 1 1, 1 15-119, 130, 149, 169,
1 79, 194
antipsicóticos atípicos 32-37, 1 30, 252, 302, 308-310, 326-327, 332
bloqueio de receptores D2 88-89, 94, 123, 1 25
415
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
o
Oates, Gwen 264
Oates, Sean 49, 264
O'Neal,John 226
Organização Mundial da Saúde (OMS)
ensaios do Paxil 166
estudos sobre a depressão 175-176
estudos sobre a esquizofrenia 120- 2 1, 129, 314, 316-31 7
Orr, Louis M. 55
O,ifórd Textbook ofClinical Psychopharmaco 1tY and Drug Therapy [Manual de
psicofarmacologia e terapia me icamentosa de Oxford] 231
p
Papolos, Demitri 241, 244, 247, 250-25 1
Parents o f Bipolar Children [Pais de C ianças Bipolares] 2 47
Pasnau, Robert 306
416
Índice
417
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
R
Rãkkõlãinen, Viljo 344-346, 398
Rappaport, Maurice 112-113, 118, 12 , 219
Recogni;:J,ng the Depressed Patient [Recon ecendo o paciente deprimido] (Ayd) 162
Renda Complementar da Previdência [Supplemental Security Income (SSI)J
ou Seguro da Previdência Socia por Invalidez [Social Security Disability
Insurance (SSDI)] 24, 37
"armadilha dos direitos individuai " 218
custos dos 27
depressão 159, 2 19, 220
número de pensionistas por doenç mental 2 1, 25, 220, 249, 253-254, 364
transtorno bipolar 152, 206, 209, 263
transtornos da ansiedade 25, 150, 156, 2 19
reserpina 76-77, 85
Rhône-Poulenc 63-64, 66, 72
418
Índice
s
Sabshin, Melvin 272-273, 276-277, 280-281,.284
Sala, Tapio 348
Sances, Melissa 159-160, 181
Satcher, David 2 1-22, 27, 91, 253
Schildkraut,Joseph 82, 84-85, 90
Schuyler, Dean 163-164, 297
Scott, Keith 360
Seeman, Philip 88-89, 118, 123
Seikkula,Jaakko 346-348, 350, 367
Seroquel [quetiapina] 42, 154, 210, 309
serotonina 76-77, 82, 85
depressão e 82, 84-87, 296
inibidores de "recaptação" da 76, 86-87, 92-94
Serzone [nefazodona] 166
Sexton, Scott 223
Shader, Richard 139
Shame of the States, The [A vergonha dos Estados Unidos] 60
Shorter, Edward 22
Silver, Ann 130
Silverman, Charlotte 162
Simon,Jobn 334
síndrome do pânico 302
Smith,Jason 50, 51, 264
Smith, Kelley 50, 5 1 , 264
Smith Kline and French 72, 74
419
ANATO:MIA DE UMA EPIDEMIA
420
Índice
Thorazine
aumento nos doentes mentais incapacitados 130
T horazine (clorpromazina) 22, 65, 72-75, 77-78, 94, 96, 102- 106, 108, 1 15-116,
1 29-130, 1 94, 2 10, 215-216, 2 1 8-219, 226, 260, 273-274
desenvolvimento do tratamento 65-66
efeitos colaterais 65, 77, ! 15, 118
ensaios do NIMH 75, 108-109
medicina da "pílula mágica" 72-73, 216
psicose por hipersensibilidade 115-1 1 8
Tocados pelo Fogo Gamison) 46
Tohen, Maurício 199-201
Tone, Andrea 142
transtorno bipolar 32, 183-2 13
acadêmicos pagos por empresas farmacêuticas 330
agentes ansiolíticos e 152, 154
Aliança de Apoio a Depressivos e Bipolares (DESA) e 31
alterações cíclicas ultra, ultrarrápidas 251
antidepressivos 186-188, 191-192
ciclos rápidos 186, 197, 208, 244-246, 251
como uma epidemia 1 90, 191, 243
coquetéis de medicamentos 200-202, 209-211
efeitos colaterais dos remédios 32, 44, 192, 199-201
estudo a longo prazo de Harrow 203-205
estudos de casos 35-38, 44-48, 206-213, 255-267
etiologia desconhecida 282
fronteiras diagnósticas e 250, 325
invalidez 24, 26-27, 34, 189-1 90, 198, 205-206, 220
lítio e 186, 1 93-196, 199-200, 208, 21O
marketing do 324
número de casos 189, 192, 203, 205, 220
ocultação de provas 314-319
Patty Duke e 185
resultados a longo prazo, com medicação vs sem medicação 188-190, 196-205
transtorno bipolar 43
transtorno bipolar juvenil 28, 50-5 1 , 1 84, 226, 240-253, 262-263, 326, 332, 364
tratamento medicamentoso e piora do 1 88, 194-197
transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) 28, 225-237,
333
estudos de casos 258-260, 265-267
etiologia desconhecida 229
ocultação de provas 316
progressão do TDAH para o transtorno bipolar 245-246
silenciamento da dissidência 3 14. Consulte também Ritalina
421
ANATOMIA DE UMA EPIDEMIA
u
Um Estranho no Ninho (filme) 272, 275
Upham, Amy 215, 221
Upjohn
comercialização do Xanax 303-306
Estudo Colaborativo Transnacional sobre o Pânico 303
parceria com a APA 324
psiquiatras pagos pela 303, 306
V
Valenstein, Elliot 76, 91
Valium (diazepam) 137, 141-144, 147- 48, 155, 160, 299, 310
Van Rossum,Jacques 78, 84, 88
Vierling-Claassen, Dorea 45, 206
Viguera, Adele 109
w
Wagner, Karen 331
Wallace Laboratories 67, 74
Wayne, Kim 354
Weinberg,Jack 277
Weinstein, Haskell 72
Wellbutrin (bupropiona) 154, 330
Whipple, Edwin Percy 367
Winokur, George 163, 189-190, 194, l 9
X
Xanax (alprazolam) 142, 222, 302-306 309-310
comercialização do 302-306, 309
z
Zajecka,John 306, 309
Zarate, Carlos 199, 318
Zoloft (sertralina) 160, 167, 181, 256- 57, 352, 353
Zubin,Joseph 107, 109, 179
422
Índice
Zyprexa (olanzapina) 32, 45-47, 123, 210, 217, 223-224, 256-257, 308-309, 322,
327, 329
aumento de peso 47, 224, 256-257, 308
comercialização 309
experimento ideativo 2 1 7
423
Formato: 16 x 23 cm
Tipologia: Baskerville2 BT
Papel: Pólen Soft 70g/m2 (miolo) e Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
CTP, impressão e acabamento: Imos Gráfica e Editora Ltda.
Rio de Janeiro, novembro de 2017