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MARANHÃO1
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Encaminhado para apresentação na 32ª Reunião Brasileira de Antropologia (virtual) – 30/10 a 6/11/2020;
Mesa Redonda nº35: Sincretismos, africanismos e religiões afro-brasileiras no século XXI.
Nos terreiros de Mina a integração do catolicismo ao Tambor de Mina é muito
antiga, generalizada e costuma ser encarada pelos terreiros como algo natural, que não
compromete sua autenticidade e sua identidade africana, inclusive porque para muitos
’mineiros’ que são também devotos dos santos, a sua religião é a católica, onde foram
batizados e casados; a Mina é frequentemente apresentada por eles como uma obrigação
passada de geração em geração por ancestrais africanos, que não conflita com o
catolicismo, embora tenha sido rejeitada muitas vezes por padres e outros membros
daquela Igreja. Por essa razão as vodunsis, se não eram devotas do santo associado ao seu
vodum, ao recebe-lo tornam-se devotas dele, como aconteceu com dona Lúcia, a
penúltima chefe da Casa de Nagô, que era devota de Santo Antônio e que depois da vinda
de Xapanã (aos 56 anos?) passou a festejar também São Sebastião. Na Casa das Minas,
sua coirmã, a festa de São Benedito que até pouco tempo era realizada por dona Maria
Celeste Santos, que recebia o vodum Averequete, nos oferece um bom exemplo de
integração entre Mina e catolicismo e de afirmação de identidade africana por uma
vodunsi católica, como veremos a seguir.
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A Casa das Minas, embora se orgulhando de sua origem africana e cumprindo
suas obrigações para com os voduns, pode ser encarada como uma Casa de religião afro-
brasileira “católica”, não apenas porque suas vodunsis e outros membros da comunidade
foram batizados naquela Igreja e praticam o catolicismo, mas também porque seu
calendário ritual obedece ao da Igreja Católica, daí porque na Casa os toques de tambor
e a “descida” de voduns eram suspensos durante a quaresma (por 40 dias - da 4ª feira de
cinzas até o domingo de Páscoa), tempo em que as vodunsis deveriam se dedicar
inteiramente ao catolicismo. Assim, em 1993, quando a Casa foi convidada para participar
no Benin do festival do vodum “Ouidah 92”, na delegação de Pierre Verger, dona Celeste
Santos, a vodunsi que representou a Casa, teve que solicitar autorização dos voduns para
viajar e que planejar detalhadamente a sua participação, pois a visita ao Benin ia ser
realizada na quaresma, o que a impossibilitava de receber Averequete no Benin e a
impedia de cantar a maioria das músicas de voduns da Casa das Minas. Por isso, durante
a preparação da viagem, ouvimos mais de uma vez de dona Celeste e de dona Deni (que
se encontrava na chefia da Casa) a seguinte explicação: “eles lá podem não ser católicos,
mas nós somos”.
Embora a Casa das Minas goze de elevado conceito no meio religioso afro-
brasileiro, o seu catolicismo continua a ser criticado por muitos pesquisadores, líderes
religiosos e militantes do movimento negro. Contudo, essa atitude parece não ter abalado
a convicção de suas vodunsis que continuavam a afirmar o seu catolicismo e a sua
devoção às entidades africanas e aos santos. Um exemplo dessa integração religiosa pode
ser encontrado na participação de dona Celeste e do vodum Averequete no festejo de São
Benedito organizado em São Luís pela Igreja Católica.
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No 2º domingo do mês de agosto, quando se comemora no Brasil o dia dos pais,
no Maranhão é também celebrada a festa de São Benedito – santo negro, canonizado pela
Igreja Católica, que possui grande número de devotos na capital maranhense. O ponto
alto daquele festejo é a procissão organizada por sua irmandade, que percorre as ruas do
centro da cidade, acompanhada por grande número de devotos, alguns descalços, outros
de roupa marrom, em pagamento de promessa. Algumas pessoas, principalmente as mais
idosas ou com problema de locomoção, preferem aguardar na igreja a chegada da
procissão, anunciada por palmas e foguetes, trazendo a imagem do santo em um andor
ricamente decorado. Durante muitos anos nesse momento ocorria também ali a chegada
do vodum Averequete, recebido por dona Maria Celeste Santos, da Casa das Minas -
terreiro jeje fundado no século XIX por uma sacerdotisa de Zomadônu - possivelmente
pela rainha Nan Agontime escravizada após a morte do rei Agonglô (1797) ou por outra
pessoa ligada a família real do antigo reino do Dahomé (Benin).
Averequete é possivelmente o vodum mais conhecido e cultuado em terreiros
maranhenses (de Mina, Terecô, Umbanda e de Curador/Pajé) e em terreiros do Norte do
Brasil, onde é amplamente conhecido como ‘devoto de São Benedito’ – daí porque em
muitos terreiros a festa daquele vodum é realizada no 2º domingo de agosto (dia de São
Benedito no calendário católico) – e onde é apresentado como ‘grande apreciador do
Tambor de Crioula’ - dança folclórica, realizada pela população negra do Maranhão desde
a época do cativeiro-, que costuma ser dançado em sua homenagem por pessoas da
comunidade do terreiro e por integrantes de grupos folclóricos convidados ou que dela
participam em pagamento de promessa.
No dia de São Benedito, por volta das 20h, costumava ser realizada na Casa das
Minas uma reza na sala de visita, diante do altar católico com imagens dos santos de
devoção na Casa, tendo à frente a do homenageado naquele dia. Depois da ladainha de
Nossa Senhora, cantada em latim, e de alguns hinos cantados nas igrejas ou em rituais do
catolicismo popular, eram rezadas algumas orações católicas e, sempre que a reza era
acompanhada por músicos contratados, a reza era encerrada com uma valsa. Após a reza
católica era cantada pelas vodunsis que já estavam em transe, uma outra ‘ladainha’, desta
vez na língua das fundadoras do terreiro, fazendo referência a voduns da Casa e a santos
católicos, especialmente ao festejado naquele dia. Mais tarde, depois de servido aos
presentes doces e refrigerantes e obtida a autorização dos voduns que estavam em Terra,
ocorria na guma/barracão o tradicional toque de Tambor de Mina, com os voduns
cantando e dançando em homenagem aos presentes e aos assentados no terreiro. Ao final,
depois de cantadas as músicas de encerramento, os voduns deixavam a guma e se dirigiam
a sala de visita do terreiro onde passavam a conversar e a cantar com os acovilés (outros
voduns da Casa) e depois ficavam à disposição das pessoas presentes que desejassem
falar com eles. Depois de algum tempo, os voduns deixavam a sala de visitas e entravam
no vandecome (quarto de santo) e de lá ’subiam’, deixando fora do transe as vodunsis que
os receberam.
Nos últimos anos, com o falecimento de várias vodunsis, muitos rituais deixaram
de ser realizados na Casa. Mesmo assim, em 2020, apesar da suspenção de atividades e
do isolamento exigido, pelo combate ao Coronavírus, Averequete e São Benedito foram
homenageados na Casa com uma reza e almoço ao meio dia. Infelizmente já não se ouve
mais na Casa das Minas o som dos tambores e nem a ‘ladainha dos voduns’, pois além de
suas últimas vodunsis residirem em cidades diferentes (uma em São Luís e outra no Rio
de Janeiro) já não podem mais realizar suas obrigações na Casa, devido a sua idade
avançada e a problemas de saúde. Mas, apesar dessas limitações, a Casa continua
cultuando os voduns e a sua Festa do Espirito Santo continua crescendo, graças ao
empenho do tocador chefe (huntó) que, após o falecimento de sua última chefe (Deni,
28/2/2015), passou a zelar pela Casa e a realizar os rituais que estão ao seu alcance.