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Nossas residências, escolas, locais de trabalhos e outras edi cações são colonizados por uma grande
variedade de bactérias, fungos e até vírus que formam o chamado microbioma de ambientes
construídos. No mundo ocidental, estima-se que as pessoas passem em média 90% do seu tempo em
espaços internos. Assim, é de se esperar que os microrganismos que compartilham esses locais
conosco tenham in uência em nossa saúde.
Mas, a nal, quais as consequências desse convívio? Para começar, não vamos, necessariamente,
car doentes por causa disso. Muitas espécies são comensais: se bene ciam dos nossos ambientes,
obtendo alimento, por exemplo, sem causar prejuízo algum para nós. Outras podem até ter efeitos
positivos, como estimular o bom funcionamento do nosso sistema imunológico. Por outro lado, se o
conjunto de microrganismos estiver em desequilíbrio, podemos, realmente, desenvolver problemas de
saúde.
Mas como con rmar se realmente ocorreram mudanças no microbioma se não sabemos quais eram
os microrganismos que conviviam com os nossos antepassados? Uma possibilidade seria estudarmos
populações que mantêm, até hoje em dia, hábitos de vida tradicionais, como comunidades indígenas.
Comparar os microrganismos existentes no corpo e nas habitações indígenas com aqueles de
pessoas com hábitos modernos nos ajudaria a entender qual o efeito do estilo de vida no microbioma,
e quais as possíveis consequências para a saúde.
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30/03/2021 Ciência Hoje | Nossa vida com os microrganismos
O estilo de vida das pessoas nesses quatro locais foi comparado em relação a vários aspectos: como
se alimentam, como são suas casas, como fazem a limpeza dos ambientes, entre outros. Usando
métodos de análise de DNA, foram estudados os microrganismos nos vários cômodos das
residências, incluindo pisos, paredes, móveis e objetos. Foram investigadas também as substâncias
químicas nas amostras colhidas nas moradias.
As características das habitações e o uso dos espaços vão mudando conforme o grau de urbanização.
Nos locais mais urbanizados, as residências são maiores, com menos ventilação e maior separação
com o meio exterior. Entretanto, o número de pessoas morando em cada residência é pequeno. Há
mais divisões internas, formando cômodos, onde as pessoas se isolam umas das outras, buscando
privacidade. Esse estilo de vida contrasta bastante com os hábitos da aldeia indígena estudada:
muitas pessoas moram juntas, inclusive membros de famílias diferentes. As habitações não têm
divisões internas, e todos compartilham os mesmos espaços.
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Há diferenças também nas substâncias químicas encontradas nas residências. Em Manaus, foram
identi cados nas superfícies das moradias muitos produtos de limpeza e de higiene, além de
medicamentos. Apesar disso, há maior variedade de fungos nas casas de Manaus em comparação
com os outros locais estudados.
É surpreendente que, em uma cidade, possa haver mais fungos do que em uma aldeia no meio da
oresta amazônica. A explicação para isso pode estar, justamente, no uso de produtos de limpeza e,
também, de produtos de higiene e alguns medicamentos, como antifúngicos, que cam na pele das
pessoas e são transferidos para as superfícies das residências. Pode parecer uma contradição, mas
alguns fungos podem ser resistentes a esses produtos. Por efeito da seleção natural, os fungos
sensíveis vão morrendo e sobram apenas os resistentes, que proliferam. Outra possibilidade é a falta
de luminosidade dentro das casas, que geralmente favorece os fungos.
Os microrganismos dos ambientes construídos podem entrar em contato direto com o nosso corpo
por meio de inalação, ingestão e contato com a pele. O próprio ar interno pode servir como fonte de
transmissão de patógenos, como a bactéria Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose, e
o fungo Aspergillus, que pode causar doenças pulmonares, além de diversos vírus causadores de
doenças respiratórias.
Uma possível abordagem para minimizar os efeitos negativos do estilo de vida moderno sobre
os microrganismos das residências e outros ambientes construídos é o planejamento da
arquitetura. O chamado design bioinformado considera, no projeto arquitetônico, os
elementos que poderiam favorecer um microbioma mais saudável. Por exemplo,
comparações do microbioma em vários projetos arquitetônicos mostraram que, quanto
menos ventilado o ambiente, maior a proporção de microrganismos patogênicos. A
luminosidade e os materiais utilizados na construção também poderiam ser considerados.
Porém, ainda carecemos de informações sobre qual seria o design ideal para a saúde do
microbioma dos ambientes construídos.
Um conceito análogo poderia ser aplicado aos ambientes construídos, introduzindo no local
microrganismos probióticos ou então compostos prebióticos que seriam capazes de restaurar o
equilíbrio do microbioma ‘doente’ e, com isso, favorecer a saúde dos ocupantes.
Para veri car essa possibilidade, três espécies de Bacillus foram testadas como probióticos para
limpeza de superfícies em três hospitais na Itália. Os hospitais também têm seu microbioma, apesar
de todos os procedimentos de limpeza. O microbioma de hospitais é composto também por
microrganismos típicos do corpo humano, principalmente da pele. Os hospitais podem ainda atuar
como reservatório de patógenos, não só pelo contato com os microrganismos dos pacientes, como
também pelo uso de antibióticos. Os resultados da pesquisa italiana mostraram que os probióticos
reduziram a quantidade de microrganismos associados a infecções hospitalares, incluindo
coliformes, Staphyloccus aureus, Clostridium di cile e Candida albicans.
Posteriormente, um estudo mais detalhado, utilizando técnicas de análise de DNA, avaliou o efeito de
probióticos sobre patógenos e sobre o microbioma residente em hospitais na África do Sul. Bacillus
foram aplicados a três tipos de superfícies hospitalares, e analisou-se seu efeito no microbioma
residente e em bactérias patogênicas introduzidas no ambiente. Os resultados foram comparados
com desinfetante e sabão comum. Nos locais limpos com sabão, os patógenos foram suplantados
pelo microbioma residente. Já no caso do desinfetante, surpreendentemente os patógenos ganharam
a competição com o microbioma. A aplicação do probiótico se mostrou tão e ciente para eliminação
de patógenos quanto o sabão; mas tem a desvantagem de reduzir a diversidade microbiana no local.
Os autores do estudo sugerem que poderiam ser utilizados como probióticos não uma espécie
microbiana única, mas sim misturas de diversas espécies, para garantir a manutenção da
diversidade.
Apesar dos resultados iniciais parecerem promissores, a manipulação do microbioma das residências
e outros ambientes construídos ainda não faz parte do nosso dia a dia. Para sabermos como restaurar
de forma e ciente o microbioma ‘doente’ seria fundamental compreendermos melhor como deveria
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ser o microbioma saudável. É necessário prosseguir com as pesquisas, buscando descobrir não
apenas quais são os microrganismos que compõem as comunidades, mas também como eles estão
agindo e como interagem com nosso corpo. Seria preciso ainda considerar diferenças geográ cas e
climáticas, características arquitetônicas das edi cações e utilização dos espaços, além de fatores
associados aos habitantes, como a concentração e circulação de pessoas, condições de saúde,
hábitos de vida e muitas outras variáveis.
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Luciana Campos Paulino
Centro de Ciências Naturais e Humanas,
Universidade Federal do ABC
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