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Trabalho de Direito Processual Civil III

Estudo de Caso

Estudo de caso:
Isolamento Social Compulsório por COVID-19 (TJRJ)

Niltom Vieira Junior


Weverton Vilas Boas de Castro
Estudo de Caso

a) descrição da lide existente (com a situação fática – causa de pedir remota -


que gerou o ajuizamento da ação)
O município de Conceição de Macabu (RJ) ajuizou ação, com manifestação
favorável do Ministério Público, requerendo tutela de urgência para impor a
quarentena a um munícipe que compareceu ao hospital municipal apresentando
sintomas da COVID-19, após recente viagem ao exterior. Além disso, o réu informou
ter passado dois dias em terminal aeroportuário (na Europa) compartilhando
objetivos e alimentos com diversos desconhecidos em ocasião em que o vírus
começava a se disseminar fortemente pelo continente europeu.
A intervenção judicial se fez necessária após o réu se evadir do hospital sem ter
recebido alta médica e, não bastante, passou a ser visto, por agentes de saúde,
transitando frequentemente em vias públicas sem utilizar EPI (Equipamento de
Proteção Individual).
O pedido requereu que ele fosse obrigado a permanecer em seu domicílio até que
exames complementares identificassem seu estado de saúde.

b) apresentação do periculum in mora [dentro da situação fática descrita no


item a), que situação caracterizaria o periculum in mora], ou seja, o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo narrada na decisão
O risco de uma decisão tardia, que caracteriza o periculum in mora da lide, reside
na potencial disseminação da doença, uma vez considerando a possibilidade de o
réu estar por ela acometido e o fato do mesmo ignorar, reiteradamente, as
recomendações médicas e o cumprimento dos protocolos epidemiológicos.
Além do risco à saúde pública, a paz pública torna-se também ameaçada na medida
em que notícias começaram a ser compartilhadas pelo aplicativo whatsapp (com
provas juntadas aos autos), informando que um homem, possivelmente
contaminado, estaria transitando imprudentemente causando pânico na pequena
cidade.

c) apresentação do fumus boni juris [dentro da situação fática descrita no item


a), que situação caracterizaria o fumus boni juris], ou seja, da probabilidade do
direito indicada na decisão;
O indício do direito no caso em tela, ou seja, do fumus boni juris, invoca o Art. 1º e o
Art. 2º, Lei 13.979/2020, que dispõe das medidas para enfrentamento da
emergência de saúde pública causada pelo coronavírus estando, dentre estas, o
isolamento (de doentes) e a quarentena (de pessoas suspeitas de contaminação).
Para efeito, invoca-se também o Art. 3º do mesmo diploma legal (BRASIL, 2020a):
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito
de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada
pela Lei nº 14.035, de 2020)
[...]
II - quarentena;

d) explicação sobre as normas jurídicas aplicáveis ao caso (regras ou


princípios jurídicos utilizados na decisão);
A principal norma aplicável ao caso é a Lei 12.979/2020 (BRASIL, 2020a), que
autoriza o uso da quarenentea, cuja validade está associada o “Estado de
Calamidade” reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 (BRASIL, 2020b), em
função da pandemia do coronavírus.
Além disso, vê se também que o comportamento do réu, em tese, poderia ser
tipificado pelo Art. 268, CP, posto que estaria infringindo determinação do poder
público destinada a impedir propagação de doença contagiosa (BRASIL, 1940.
Tal aparato legal, contudo, suscita discussões no que tange ao direito constitucional
da liberdade, visto no Art. 5º, CF (BRASIL, 1988). Entretanto, a própria decisão
explicitou o uso abusivo deste direito e ressaltou que, seu cerceamento, meramente
momentâneo, visaria igualmente a proteção de direitos constitucionais de
incontáveis pessoas como, por exemplo, o direito à vida visto no mesmo dispositivo
constitucional e o direito à saúde visto no Art. 196, CF (BRASIL, 1988). Esta
interpretação encontra amparo também na decisão da suprema corte que atribuiu
autonomia aos Estados e municípios para medidas de enfrentamento ao
coronavírus (VIEIRA, 2020).

e) descrição da resolução dada à lide, com o apontamento da parte dispositiva


da decisão;
Na sentença, o juízo de primeiro grau concedeu a tutela de urgência obrigando o
réu a se manter em isolamento domiciliar até que seja oficialmente descartada a sua
contaminação ou, se for confirmada, até que receba alta médica para retornar às
atividades normais.
Além disso, determinou o julgador multa de R$10.000,00 por episódio de
descumprimento e, no caso de descumprimento reiterado, autorizou a internação
compulsória em unidade hospitalar.

f) eventuais críticas à decisão, caso a formulem


Não expede-se nenhuma crítica à decisão, ao contrário, se entende que face ao
contexto e a situação completamente atípica causada pela pandemia, ela mostrou-
se razoável e adequada a interpretação de que um direito individual não pode
extrapolar um direito, de mesma hierarquia normativa, coletivo.
Referências

BRASIL. Constituição Federal. Constituição da República Federativa do Brasil, de


5 de outubro de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15
ago 2020.

BRASIL. Código Penal. Decreto-lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>.
Acesso em: 15 ago. 2020.

BRASIL. Enfrentamento de emergência de saúde pública decorrente do


coronavírus. Lei n. 13979, de 6 de fevereiro de 2020. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm>. Acesso
em: 15 ago. 2020

BRASIL. Estado de Calamidade Pública. Decreto legislativo n. 6 de 2020


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm>.
Acesso em: 15 ago. 2020.

VIEIRA, Anderson. Decisão do STF sobre isolamento de estados e municípios


repercute no Senado. Senado notícias, Brasília, v. online, 16/04/2020. Disponível
em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-
sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado>. Acesso em: 15
ago. 2020.
ANEXO - Inteiro teor

Decisão

Manifestação do Ministério Público


Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário
Tribunal de Justiça
Comarca de Conceição de Macabu 37
Cartório da Vara Única
Fued Antonio, 08 CEP: 28740-000 - Centro - Conceição de Macabu - RJ e-mail: cmbvuni@tjrj.jus.br

Fls.
Processo: 0000229-03.2020.8.19.0018
Processo Eletrônico

Classe/Assunto: Procedimento Comum - Internação Hospitalar

Autor: MUNICÍPIO DE CONCEIÇÃO DE MACABU


Réu: FABRÍCIO DA SILVA DOMINGUES

___________________________________________________________

Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz


Wycliffe de Melo Couto

Em 11/03/2020

Decisão
Trata-se de ação de obrigação de fazer impeditiva ajuizada pelo Município de Conceição de
Macabu em face do nacional Fabrício da Silva Domingos, qualificado nos autos, com pedido de
tutela antecipada de urgência.

Em sede de tutela, o Município requer seja determinado ao réu que se abstenha de sair de sua
residência, permanecendo em isolamento domiciliar enquanto não concluídos os testes
laboratoriais para confirmação ou descarte de contaminação por COVID-19 e posterior alta
médica.

O Ministério Público se manifestou favoravelmente ao pleito e ressaltou a importância da


concessão da medida requerida, em prol da saúde pública.

É o relatório. DECIDO.

Analisando-se a petição inicial, em síntese, relata o Município de Conceição de Macabu que o ora
réu, Fabrício, procurou atendimento de emergência no Hospital Municipal Ana Moreira, no
final da noite do último sábado, quando apresentava febre alta, tosse e dificuldade
respiratória.

Indagado sobre eventuais deslocamentos recentes ao exterior, ele informou à equipe médica de
plantão que esteve no final de fevereiro (carnaval) na Europa, tendo sido, portanto, classificado
como caso suspeito de contaminação com o COVID-19, tanto em razão dos sintomas
característicos da doença, quanto em razão de seu histórico recente de passagem por países com
casos confirmados de contaminação pelo vírus.

Nada obstante o alerta da equipe médica quanto a seu possível contágio e necessidade de
aguardar a realização dos testes confirmatórios da possível contaminação, o paciente retirou-
se do hospital sem alta médica e, mais grave, vem se recusando a cumprir os protocolos de
quarentena recomendados pelas autoridades médicas em coordenação com as autoridades de
vigilância epidemiológica.

Segundo relato do Município, o réu, apesar de classificado como caso suspeito de

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contaminação por COVID-19 e no aguardo de confirmação por exames laboratoriais, não


tem usado os equipamentos de proteção individual prescritos, notadamente, máscaras e
luvas, como também tem sido visto pelas equipes de controle epidemiológico do Município
circulando pelo centro desta cidade sem qualquer EPI.

Desse modo, afirma o Município, o réu descumpre reiteradamente as recomendações médicas de


manter-se em isolamento domiciliar, a fim de evitar possível contaminação de terceiros enquanto
não descartada a presença do vírus no seu organismo.

O Município alega, ainda, que o réu já foi alertado sobre os riscos a que está expondo toda a
população da cidade, contudo, tem rechaçado os alertas e orientações de se manter em
isolamento domiciliar enquanto são realizados o testes laboratoriais para confirmar ou
descartar o seu contágio.

Consoante expões o Município, o réu alega acreditar ter apenas uma virose e se recusa a ficar
isolado em seu domicílio, de modo a desconsiderar os protocolos de avaliação e classificação
internacional e nacionalmente adotados para identificação de casos suspeitos de COVID-19.

Em razão disto, em sede de tutela antecipada de urgência, o Município requer seja determinado
ao réu que se abstenha de sair de sua residência, de forma a permanecer em isolamento
domiciliar enquanto não concluídos os testes laboratoriais para confirmação ou descarte de
contaminação por COVID-19 e, sob pena de multa incidente em cada caso de eventual
descumprimento e autorização para uso de força policial para manter o paciente sem contato
com outros cidadãos.

A petição inicial está instruída pelos documentos de fls. 12/23, dentre os quais destacam-se o
Boletim de Atendimento Médico na Emergência do Hospital Municipal Ana Moreira às fls. 14, com
relato de que o paciente retornara da Europa no dia 02 de março de 2020 e no dia seguinte
começou a apresentar tosse seca, febre e dificuldade respiratória, sintomas que teriam se
agravado com o passar dos dias e o levado a procurar atendimento médico de urgência,
especialmente, em razão da febre alta e da dificuldade respiratória.

Às fls. 15 consta cópia do documento de notificação epidemiológica sobre caso suspeito de


COVID-19, com encaminhamento de amostras do paciente para exames em laboratórios
credenciados na rede pública de saúde para diagnóstico de possível contaminação pelo vírus.

Há ainda a juntada de cópias de mensagens que estão circulando em grupos de aplicativo


WhatsApp e em redes socias mencionando que há um indivíduo contaminado pelo COVID-19
circulando sem qualquer restrição na cidade de Conceição de Macabu e, ainda, associando o óbito
recente de uma mulher por problemas respiratórios a possível contágio pelo COVID-19 de maneira
descontrolada no Município.

Com relação a legalidade do requerimento, a recente Lei Federal nº 13.979/2020, em seus


artigos 2º II, e 3º, criou no ordenamento jurídico brasileiro a figura da quarentena, ao autorizar a
sua adoção como uma das medidas possíveis para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde.

A definição legal de quarentena é justamente a restrição das atividades e separação das


pessoas suspeitas de contaminação das pessoas não contaminadas, a fim de evitar a propagação
do COVID-19, in verbis:

(...)
Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: (...)
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação

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das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de
transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível
contaminação ou a propagação do coronavírus.
(...)

Vê-se, portanto, que, para imposição da restrição de atividades e separação das pessoas não
contaminadas, não é necessária a existência de prova de contaminação pelo coronavírus, mas
tão-somente a suspeita de contágio, que, obviamente depende da observância de critérios
técnicos e análise por profissional médico, requisitos documentalmente comprovados pelo
Município de Conceição de Macabu em sua petição inicial.

O artigo 3º, II, da Lei 13.979/2020 contém a autorização legal expressa da imposição de
quarentena a pessoas suspeitas de contaminação por coronavírus como medida de enfrentamento
à epidemia mundial de COVID-19.

No presente caso, presentes o o fumus boni iuris, pois o réu possui sintomas típicos de
contaminação pelo coronavírus e também relata viagem recente a Europa e, o mais grave, revela
que permaneceu, por ao menos 2 (dois) dias, em situação precária no terminal
aeroportuário de Lisboa, compartilhando ambiente, alimentos e até mesmo cigarros com pessoas
desconhecidas de diversos países no momento de maior propagação do vírus no continente
Europeu, conforme consta da ficha de notificação de caso suspeito de fl. 15.

Destaca-se, ainda, que, para além do histórico recente de viagem e contato direto, o réu
apresenta sintomas típicos de contágio, que, inclusive, o levaram a procurar atendimento
médico emergencial, especialmente em razão da febre alta e de dificuldades respiratórias.

Há, portanto, prova documental suficiente nos autos a corroborar o diagnóstico preliminar de caso
suspeito de contaminação por COVID-19 feito por profissional médico.

Desta feita, com a existência de elementos concretos a respaldar a suspeita de contaminação


pelo COVID-19, bem como diante da previsão legal expressa sobre a imposição de
quarentena ao réu nestes casos, tem-se a imperiosa necessidade de restrição de sua circulação
e contato com as pessoas.

Noutro giro, o descumprimento reiterado da determinação médica e legal de isolamento domiciliar


enquanto se aguarda a confirmação dos testes laboratoriais já solicitados, configura, por evidente,
inequívoco periculum in mora.

O COVID-19 foi classificado como pandemia e vem se espalhando de forma rápida e


surpreendente, inclusive no Brasil, com a proliferação de casos de contaminação.

O isolamento domiciliar do paciente que, neste momento, não apresenta complicações que
demandem internação hospitalar para suporto respiratório, é medida que se impõe para
preservação da saúde pública, evitando-se os riscos de propagação do vírus no Município de
Conceição de Macabu, especialmente, tendo em conta que o réu reside no centro desta
cidade, local mais densamente povoado.

A sua livre circulação em ambientes públicos expõe a indeterminado número de pessoas


risco concreto de contágio por vírus com altíssimo poder de contaminação e com letalidade
consideravel, especialmente em pessoas idosas e imunodeprimidas, de forma a demoonstrar a
necessiadade de se tutelar a saúde e a vida da coletividade, em razão do não cumprimento
voluntário da ordem médica de isolamento domiciliar pelo réu.

Destaca-se que a restrição momentânea e provisória da liberdade de locomoção do réu visa

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preservar direitos de índole igualmente constitucionais de incontáveis pessoas, sendo certo que o
direito à liberdade de locomoção do réu, no presente caso, está sendo utilizada de maneira
nitidamente abusiva.

Por outro lado, a medida requerida encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, é a
menos invasiva, portanto, proporcional, e também adequada ao fim alemjado.

Cuida-se do exercício legítimo do Poder de Polícia, que é a faculdade que tem o Estado de limitar
e condicionar o exercício dos direitos individuais, tendo por objetivo a instauração do bem-estar
coletivo e o interesse público, nos termos da definição do art. 78 do CTN.

Por todo o exposto, DEFIRO A CONCESSÃO DA TUTELA , para DETERMINAR, EM CARÁTER


DE URGÊNCIA E COMPULSORIAMENTE, A INTERNAÇÃO DE FABRICIO DA SILVA
DOMINGOS, qualificado nos autos, a fim obrigar o réu a se manter em isolamento domiciliar até
que seja efetivamente descartada a sua contaminação pelo COVID-19 ou, caso seja confirmada,
até que receba alta médica para retomar sua livre circulação e atividades diárias, sob pena de
multa no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) por episódio de descumprimento do isolamento
domiciliar.

Em caso de descumprimento reiterado, fica AUTORIZADA a internação compulsória do réu em


unidade hospitalar, até o resultado dos exames ou, em caso de contaminação, até que receba alta
médica.

EXPEÇA-SE MANDADO DE INTIMAÇÃO, que deverá ser cumprido pelo OJA de plantão, em
conjunto com profissional de controle epidemiológico do Município, oportunidade em que deverá
receber toda as informações e os equipamentos necessários para cumprimento desta ordem
judicial sem riscos à sua integridade física ou saúde.

Intime-se, ainda, o réu para que fiquer ciente de que, além da cominação de multa, o
descumprimento deliberado e injustificado de sua quarentena poderá configurar os crimes
previstos nos artigos 267 e 268 do Código Penal.

Por fim, intime-se o Município de Conceição de Macabu para trazer aos autos o resultado dos
testes laboratoriais no prazo de no máximo 24 (vinte e quatro) horas após a sua disponibilização
pelo laboratório responsável pela análise.

Sem prejuízo, cumpre esclarecer ao Município sua obrigação legal de manter acompanhamento
médico contínuo e todo o suporte essencial ao réu, para que ele não seja obrigado a deixar sua
residência, sequer para alimentar-se, articulando-se com a família e com a rede de apoio para
atendimento de suas necessidades, com fornecimento de EPI's a todos que tiverem de manter
contato com o demandado durante o período de quarentena.

Ciência ao MP.

Conceição de Macabu, 11/03/2020.

Wycliffe de Melo Couto - Juiz em Exercício

___________________________________________________________

Autos recebidos do MM. Dr. Juiz

Wycliffe de Melo Couto

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Em ____/____/_____

Código de Autenticação: 4PVS.LW6H.4FN2.EGM2


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Øþ

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Assinado em 12/03/2020 12:44:36


WYCLIFFE DE MELO COUTO:31970 Local: TJ-RJ
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

Autos nº 0000229-03.2020.8.19.0018

PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA – IMPOSIÇÃO QUARENTENA SUSPEITA


COVID-19

MM. Dr. Juiz,

Trata-se de ação de obrigação de fazer impeditiva, ou obrigação de


não fazer, ajuizada pelo Município de Conceição de Macabu em face do nacional
Fabrício da Silva Domingos, qualificado nos autos, com pedido de tutela
antecipada de urgência.

Em síntese, o Município de Conceição de Macabu relata que o ora


réu, Fabrício, procurou atendimento de emergência no Hospital Municipal Ana
Moreira no final da noite do último sábado, apresentando febre alta, tosse e
dificuldade respiratória.

Indagado sobre eventuais deslocamentos recentes ao exterior o ora


réu informou à equipe médica de plantão que esteve no final de fevereiro (carnaval)
na Europa, tendo sido portanto classificado como caso suspeito de contaminação
com o COVID-19, tanto em razão dos sintomas caracterísiticos da doença, quanto
em razão de seu histórico recente de passagem por países com casos confirmados
de contaminação pelo vírus.

Nada obstante o alerta da equipe médica quanto a seu possível


contágio e necessidade aguardar-se a realização de testes confirmatórios da
possível contaminação, o paciente retirou-se do hospital sem alta médica e, mais
grave vem se recusando a cumprir os protocolos de quarentena recomendados
pelas autoridades médicas em coordenação com autoridades de vigilância
epidemiológica.

1
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

Segundo relato do Município, o réu, apesar de classificado


como caso suspeito de contaminação por COVID-19 no aguardo de
confirmação por exames laboratoriais, não tem usado os equipamentos de
proteção individual prescritos, notadamente máscaras e luvas quanto em
contato com outras pessoas e tem sido visto pelas equipes de controle
epidemiológico do Município circulando pelo centro desta cidade sem
qualquer EPI, descumprindo reiteradamente as recomendações médicas de
manter-se em isolamento domiciliar a fim de evitar possível contaminação
de terceiros enquanto não descartada a presença do vírus no organismo do
réu.

O Município alega, ainda, que o réu foi alertado sobre os riscos a


que está expondo toda a população da cidade, contudo tem rechaçado os alertas e
orientações de manter isolamento domiciliar enquanto são realizados testes
laboratoriais para confirmar ou descartar o seu contágio, uma vez enquadrado
como caso de possível contaminação em razão de sua sintomatologia e histórico
recente de viagem.

Segundo relato do Município o réu alega, desconsiderando os


protocolos de avaliação e classificação internacional e nacionalmente adotados
para identificação de casos suspeitos de COVID-19, que acredita ter apenas uma
virose e que se recusa a ficar isolado em seu domicílio.

Em sede de tutela antecipada de urgência o Município requer seja


determinado ao réu que se abstenha de sair de sua residência, permanecendo em
isolamento domiciliar enquanto não concluídos os testes laboratoriais para
confirmação ou descarte de contaminação por COVID-19 e posterior alta médica,
sob pena de multa incidente em cada caso de eventual descumprimento da ordem
de isolamento domiciliar e autorização para uso de força policial para manter o
paciente sem contato com outros cidadãos enquanto não descartado sua
contaminação ou até que sobrevenha alta médica acaso esteja efetivamente
contaminado.

2
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

A petição inicial está instruída pelos documentos de fls. 12/23,


dentre os quais destacam-se o Boletim de Atendimento Médico na Emergência do
Hospital Municipal Ana Moreira às fls. 14 com relato de que o paciente retornara
da Europa no dia 02 de março de 2020 e no dia seguinte começou a apresentar
tosse seca, febre e dificuldade respiratória, sintomas que teria se agravado com o
passar dos dias e o levado a procurar atendimento médico de urgência
especialmente em razão da febre alta e dificuldade respiratória.

À fl. 15 consta cópia do documento de notificação epidemiológica


sobre caso suspeito de COVID-19, com encaminhamento de amostras do paciente
para exames em laboratórios credenciados na rede pública de saúde para
diagnóstico de possível contaminação pelo vírus.

Às fls. 22/23 forma juntadas cópias de mensagens que estão


circulando em grupos de aplicativo whatsapp e em redes socias propalando que
há um indivíduo contaminado pelo COVID-19 circulando sem qualquer restrição
na cidade de Conceição de Macabu e, ainda, associando o óbito recente de uma
mulher por problemas respiratórios a possível contágio pelo COVID-19 de maneira
descontrolada no Município.

Vieram os autos ao Ministério Público para manifestação sobre o


pedido de tutela antecipada de urgência.

A análise perfunctória dos autos permite extrair-se, ainda que


antes de aperfeiçoado o contraditório, a presença dos requisitos para a concessão
da tutela antecipada de urgência.

Com relação ao fumus boni iuris, a recente Lei Federal nº


13.979/2020, em seus artigos 2º II, e 3º, criou no ordenamento jurídico brasileiro
a figura da quarentena, autorizando a sua adoção como uma das medidas
possíveis para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde.
A definição legal de quarentena é justamente a restrição das
atividades e separação das pessoas suspeitas de contaminação das pessoas não
contaminadas a fim de evitar a propagação do COVID-19, in verbis:
3
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:


(...)
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas
suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de
bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias
suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação
ou a propagação do coronavírus.

Vê-se, portanto, que para imposição da restrição de atividades e


separação de pessoas não contaminadas não é necessário a existência de prova de
contaminação pelo coronavírus, mas tão somente a suspeita de contágio, que,
obviamente depende da observância de critérios técnicos e análise por profissional
médico, requisitos documentalmente comprovados pelo Município de Conceição de
Macabu em sua petição inicial.

O artigo 3º, II, da Lei 13.979/2020 contém a autorização legal


expressa da imposição de quarentena a pessoas suspeitas de contaminação por
coronavírus como medida de enfrentamento à epidemia mundial de COVID-19.

No presente caso, além dos sintomas típicos de contaminação pelo


coronavírus, o paciente relata viagem recente a Europa e, o mais grave, revela que
permaneceu por ao menos 2 (dois) dias em situação precária no terminal
aeroportuário de Lisboa, compartilhando ambiente, alimentos e até mesmo
cigarros com pessoas desconhecidas de diversos países no momento de maior
propagação do vírus no continente Europeu, conforme consta da ficha de
notificação de caso suspeito de fl. 15.

Destaca-se, ainda, que, para além do histórico recente de


viagem e contato direto, inclusive com compartilhamento de cigarros e
alimentos com pessoas de diversos países em continente europeu, o réu
apresenta sintomas típicos de contágio, sintomas esses persistentes que o
levaram a procurar atendimento médico emergencial em ao menos duas
oportunidades, especialmente em razão de dificuldades respiratórias.

4
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

Há portanto prova documental suficiente nos autos a corroborar o


diagnóstico preliminar de caso suspeito de contaminação por COVID-19 feito pela
profissional médica que atendeu o paciente na emergência do hospital deste
Município.

Desta feita, existindo suspeita concreta de contaminação pelo


COVID-19, há previsão legal expressa de imposição de quarentena ao réu,
restringindo sua circulação e contato com pessoas não contaminadas e que não
façam parte de serviços de saúde em atendimento direto a eventuais complicações
apresentadas pelo réu.

Noutro giro, o descumprimento reiterado da determinação médica


e legal de isolamento domiciliar no aguardo da confirmação de contaminação por
testes laboratoriais já solicitados configura inequívoco periculum in mora.

O COVID-19 vem se espalhando em uma velocidade


surpreendente, inclusive no Brasil, com proliferação de casos de contaminação,
até mesmo interna, ou seja, ocorrido em solo brasileiro.

O isolamento domiciliar do paciente que, neste momento, não


apresenta sintomas ou complicações que demandem internação hospitalar para
suporto respiratório, é medida que se impõe para preservação da saúde pública,
evitando-se ou ao menos mitigando-se os riscos de propagação do vírus no
Município de Conceição de Macabu, especialmente tendo em contra que o réu
resido no centro desta cidade, local mais densamente povoado.

A sua livre circulação em ambientes públicos expõe incontável


número de pessoas a um risco concreto de contágio por um vírus com altíssimo
poder de contaminação e com letalidade não desprezível, especialmente em
pessoas idosas e pessoas imunodeprimidas, sendo a tutela da saúde e da vida da
coletividade obrigações do Município, que, demonstrou em sua inicial a existência
de interesse de agir em razão do não cumprimento voluntário da ordem médica de
isolamento domiciliar pelo réu.

5
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

Destaca-se que a restrição momentânea e provisória da liberdade


de locomoção do réu visa a preservar direitos de índole igualmente constitucional
de incontáveis pessoas, não sendo lícito expor a vida de centenas ou milhares de
pessoas a risco apenas pela invocação vã do direito à liberdade de locomoção que,
no presente caso está sendo utilizada de maneira nitidamente abusiva pelo réu, o
que não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro que veda todo e
qualquer abuso de direito, especialmente quanto coloca em xeque a vida de
terceiros.

Pelo exposto, e, considerando-se que a conduta do réu além de


expor a risco concreto a saúde de incontável número de pessoas, ainda vem
alimentando boatos que apenas insuflam a população local contra o próprio réu,
expondo-o, inclusive a riscos de retaliações em razão do ambiente de aparente
histeria coletiva causado pelas notícia de identificação de um caso suspeito neste
pequeno Município e pela repercussão midiática da disseminação mundial da
epidemia, requer o Ministério Público a concessão da tutela antecipada de
urgência obrigando-se o réu a manter-se em isolamento domiciliar até que
seja efetivamente descartada a sua contaminação pelo COVID-19 ou, caso seja
confirmada, até que receba alta médica para retomar sua livre circulação e
atividades diárias, sob pena de multa no valor de R$1.000,00 (mil reais) por
episódio de descumprimento do isolamento domiciliar.

Desde logo esclarece-se que eventual busca por atendimento


médico de urgência em caso de agravamento do quadro de saúde do réu não
configura tal descumprimento e que o Município, a seu turno, tem obrigação
de manter acompanhamento médico e suporto ao réu para que não seja
obrigado a deixar sua residência sequer para alimentar-se, articulando-se com
a família rede de apoio para atendimento de suas necessidades, com
fornecimento de EPI’s a todos que tiverem de manter contato com o réu
durante o período de quarentena, especialmente à ilustríssima Oficial de
Justiça responsável pelo cumprimento do presente mandado a que deverá ser
acompanhada na diligência por profissionais de controle epidemiológico do
Município, recebendo todos os equipamentos necessários para cumprimento
de eventual ordem judicial sem riscos à sua integridade física ou saúde.

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PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CONCEIÇÃO DE MACABU

Requer, ainda, o Ministério Público seja o réu expressamente


advertido, além da cominação de multa, que o descumprimento deliberado e
injustificado de sua quarentena por motivos de saúde poderá configurar,
ainda, os crimes previstos nos artigos 267 e 268 do Código Penal.

Por fim, requer o Ministério Público seja o Município de Conceição


de Macabu intimado a trazer aos autos o resultado dos testes laboratoriais no
prazo de no máximo 24 (vinte e quatro) horas após a sua disponibilização pelo
laboratório responsável pela análise.

Conceição de Macabu, 11 de março de 2020

VICTOR DE SOUZA MALDONADO DE CARVALHO MICELI


Promotor de Justiça
Mat. 7827

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