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Um exemplo descrito
Aflorar por Zumthor que o levou a elaborar melhor essa sensualidade do corpo em relação
a diferentes estados e temperaturas da água, texturas variadas de pedras, luz e escuri-
dão, foi a referência de um banho oriental. [vide figura 66]
“But there was a color photograph of the Rudas Baths in Budapest dating to the days of
the Turks, which I had copied from a book and stuck on the wall. The rays of light falling
F65. Trabalho da água e luz sobre through the openings in the starry sky of the cupola illuminate a room that could not be more
a forma. Desenho de estudo da
autora. perfect for bathing: water in stone basins, rising steam, luminous rays of light in semidarkness,
a quiet relaxed atmosphere, rooms that fade into the shadows; one can hear all the different
sounds of water, one can hear the rooms echoing. There was something serene, primeval, medi-
tative about it that was utterly enthralling. The life of an Oriental bath. We were beginning to
learn.” 28
A busca por esse quase misticismo que envolve o ato de banhar-se começa a ser
desenvolvida. Os blocos de pedra serão preenchidos com diferentes experiências
de banho que demandam um refinamento de proporções, materiais, temperaturas,
luminosidade e sons adequados. Na figura 56 é possível observar a organização fun-
damental do programa, um grande espaço intersticial que contém as piscinas prin-
cipais e conecta todas as experiências mais individuais. Os estudos realizados para
cada parte mostram a elaboração do percurso da entrada, se o corpo deve mudar
de direção, sendo possível ou não avistar seu interior, se a passagem de entrada será
estreita e mais baixa em relação ao interior, se o corpo vai ascender ou descender ao
entrar e com qual velocidade [vide figuras 57, 58, 59]. Todas essas características são
trabalhadas de forma diferente para cada espaço, mas um movimento é unânime: se
a experiência envolve imersão em água, o corpo deve descer de encontro a água. O
nível da água é nivelado com o piso principal, formando uma continuidade horizon-
tal em que a pedra “transforma-se” em água.
F66. Rudas Bath, Budapeste.
“Peter Zumthor’s models are never abstract, they are strikingly physical objects: tactile, gritty to
the touch, and sited in rocky and wooded landscapes. They are not a representation of reality,
but reality itself. Carved, assembled, and arranged, made of plaster, concrete, stone or wood,
Zumthor’s models come as close as possible – in their materiality and their execution – to the
reality of a built project. Their ambiances and spaces are expressed in the same materials and
structure. They have an identity and a palpable atmosphere.” 30
28 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.27.
29 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.66,67.
30 BERTELOOT, M.; PATTEEUW, V.. Form / Formless: Peter Zumthor’s Models. In: OASE #91: Building
Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.87.
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F67. Foto estudo de volumes com papel cartão. Atelier F68. Acima, foto maquete de entorno Terma de Vals. Atelier Peter Zumthor.
Peter Zumthor. F69. Foto maquete Terma de Vals. Atelier Peter Zumthor.
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Seus modelos não são apenas uma representação tridimensional clínica do espaço,
são experiências espaciais. Acrescenta pessoas, móveis e utiliza dos materiais (como
argila, tijolo, pedra, aço, cobre, tecido, madeira, gesso, entre outros) para explorar
suas texturas, e consonância entre si, com a luz natural e a paisagem. São diariamente
observadas, manipuladas e alteradas durante seu projetar.
Diferente da maioria dos arquitetos que preferem uma perspectiva aérea das maque-
tes, Zumthor as posiciona na linha do olhar, conduzindo a uma perspectiva hori-
zontal. E ainda, as maquetes de estudo são apresentadas em escala 1:10, 1:30, 1:50
que, em conjunto com esse posicionamento, vão permitir uma visão espacial mais
F70. Maquetes Mountain Hotel
próxima da realidade. Isso demonstra uma mudança de importância do objeto para o
Tschlin, Atelier Peter Zumthor.
sujeito, o ponto de vista é de quem experiencia a arquitetura.
“Zumthor’s unique models occupy a prominent place in the center of his workspace and his
F71. Detalhe Maquete Gugalun daily life in Haldenstein. Seeing them every day allows Zumthor to work like a sculptor in the
House, Atelier Peter Zumthor. studio – to be absorbed in the act of building. On high pedestals, in front of bay windows,
they can be easily compared with other elements of the project. Images are rare in the workshop
of the architect. Only a few large drawings hang on the walls and these interact with the
models for ongoing projects. During long periods of observation and analysis the models can be
manipulated, turned around, and felt, to carry out the evaluation of projects under develop-
ment.” 32
Sua posição central confirma o papel fulcral das maquetes como instrumento de
interpretação atmosférica. Zumthor as considera primordiais para alcançar a precisão
que procura, pois, interpretar e construir uma atmosfera é demasiado complexo sem
ter um objeto real. Em entrevista à Tielens e Havik para a revista OASE, Zumthor
declara: “‘This is too difficult to do without models. It is too complex, and I am not a
genius.”33 É o confrontamento diário com o objeto concreto, consistente e prolonga-
do, que o possibilita orquestrar todas as diversas e complexas partes que compõem a
atmosfera desejada. “The models are an invitation to take one’s time.”34
F72. Maquete Capela Bruder Klaus,
Atelier Peter Zumthor.
A maquete do projeto preliminar em Vals, em escala 1:50, apresentada na reunião mu-
nicipal contém uma atmosfera densa. As imagens apresentadas são do interior, com os
três protagonistas presentes: pedra, água e luz. A textura da pedra, o reflexo da água em
continuidade do piso, o delineado da luz e sua atuação rasante aos blocos são trabalhados.
Apesar de mudanças em sua composição espacial, a ambiência geral permaneceu mui-
to similar a realidade construída. Portanto, é interessante notar como esse instrumento
concreto desenvolvido no estúdio é efetivo para sua metodologia, e como essa atmos-
fera própria do projeto foi verdadeiramente um fator central que guiou todas as etapas.
31 BERTELOOT, M.; PATTEEUW, V.. Form / Formless: Peter Zumthor’s Models. In: OASE #91: Building
Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.87.
32 Ibidem, p.87.
F73. Maquete Allmannajuvet
33 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about
Zinc Mine Museum, Atelier Peter
Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter
Zumthor. Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.67,69.
34 BERTELOOT, PATTEEUW. Op. cit., p.87.
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F74. Acima, foto interior maquete. Atelier Peter Zumthor. F76. Acima, foto interior maquete. Atelier Peter Zumthor.
F75. Foto interior maquete. Atelier Peter Zumthor. F77. Foto maquete em pedra de Vals. Atelier Peter Zumthor.
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2.5 Pedra
Ancorar “These buildings appear to be anchored firmly in the ground. They give the impression of being
a self-evident part of their surroundings and they seem be saying: “I am as you see me and I
belong here.”” 01
“Recollections. We observed the place, its surroundings. We were interested in the stone roofs,
their structure reminiscent of reflexes on water. We walked around the village and, suddenly,
everywhere there were boulders, big and small walls, loosely stacked rough plates, split material;
we saw quarries of different sizes, slopes cut away, and rock formations. Thinking of our
baths, of the hot springs pushing out of the earth behind our building site, we found the gneiss
in Vals more and more interesting; we started looking at it in greater detail - split, hewn, cut,
polished; we discovered the white ‘eyes’ in what is called augen gneiss, the mica, the mineral
structures, the layers, the infinitely iridescent tones of grey.” 02
Segundo Johann Josef Jörger, todas as construções, exceto a igreja da praça, como
casas, cabanas alpinas e estábulos foram construídos com telhados dessa pedra. Até
hoje a legislação em Vals especifica a utilização de placas de pedra para coberturas.
Antigamente, a extração do material era feita manualmente, produzindo placas natu-
ralmente irregulares, que eram empilhadas na conformação de um telhado robustos
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F78. Pedreira em Vals. Truffer AG.
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com pouca inclinação. Resistiram muito bem às geadas e intempéries locais, tanto
que Albin Truffer prometia cem anos de garantia para o material. Décadas depois,
a Truffer AG comprou a primeira fresadora, cortando os blocos em precisas placas,
algo inconcebível anteriormente. Esse novo método de processamento foi o que
permitiu a produção de peças milimetricamente projetadas que garantiram o aspecto
monolítico buscado por Zumthor.
Seu processamento pode ser por fresagem, quebra ou fissura. Acabamentos variados
(lixamento rústico ou fino, bujardado, jato de areia, polido) permitem a utilização
desse material em diversas categorias como alvenaria, revestimento externo e in-
F79. Pedra utilizada em muro de
retenção, Vals. JC0220.
terno, pisos, telhados e objetos. No vilarejo de Vals, além das coberturas, é possível
encontrar a pedra como paredes de retenção ao longo do rio, pavimentação da praça
central e na ponte de ligação com a estação de ônibus. Essa versatilidade permitiu
que a pedra fosse utilizada de diferentes formas em todo o edifício como placas de
piso, alvenaria, blocos monolíticos, polida, lascada e texturizada.
Inicialmente projetada com três tipos de pedra, “it took some time – Peter Zum-
thor says – before I could convince myself, and ultimately the others, that an entire
bath could be built with this stone.”04 Zumthor acabou por confiar inteiramente no
quartzito de Vals, não apenas nas suas qualidades mecânicas e estéticas, mas no que
ele representa.
Foram produzidas placas de três espessuras: 63, 47, e 31 milímetros que em conjun-
to com argamassa de três milímetros constitui exatos 15 cm. Essa é a altura de um
degrau e estabelece a medida básica para todo o edifício. O gabinete desenvolve o
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F83. Foto pedreira Jossagada, local de extração da pedra. F84. Foto pedreira Jossagada.
F85. Placas de pedra de Vals empilhadas e telhado ao fundo. F86. Telhados edifícios em Vals.
F87. Diferentes amostras de pedra de Vals no gabinete da F88. Detalhe placas de pedra utilizadas nas paredes da
Truffer AG. Diferença entra a superfície polida e natural. Terma. É possível ver as diferentes tonalidades acinzentadas
JC0220. e os veios e “olhos” embranquiçados. JC0220.
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que Zumthor chama de “regras de tricô”06, posteriormente conhecido como “esque-
ma de trajetória e assentamento de pedra”07. Os cantos possuem cinco tamanhos de
pedras mais profundas que são empilhadas de forma aparentemente irregular para
que, a priori, não seja possível reconhecer nenhuma repetição ou regra, garantindo o
aspecto “natural” e tranquilo do conjunto. A partir do rígido desenho dos cantos, o
restante do perímetro foi erguido de forma mais livre, desde que seguisse a mesma
espessura do bloco para cada linha.
Porém, ao invés da placa ser utilizada apenas como uma pele externa, ela foi integra-
da à estrutura, técnica desenvolvida e denominada “alvenaria composta de Vals”.08
Primeiro, a forma da face interior da parede é construída e recebe um concreto colo-
rido (diferente para cara área de banho) que funciona como um revestimento. Depois
a forma é removida e o concreto é tratado com uma camada de resistência à umidade
e uma de isolamento térmico. Vergalhões de aço são posicionados e, em alguns casos,
F89. Detalhe encaixe peça de piso e tubos para o aquecimento da parede. À 30cm desse conjunto, as placas de pedra são
alvenaria de pedra. JC0220.
empilhadas como designadas no esquema técnico. A cada 60cm elevado, concreto
é despejado entre as duas faces que as agrega num único conjunto. As variações de
placas contêm apenas dois comprimentos, 12 e 15 centímetros, que vão sendo alter-
nados no empilhamento para criar uma superfície serrilhada que vai aderir melhor
ao concreto. Dessa forma, a face de concreto, que vai envolver as salas de banho,
funciona como a fôrma interior da parede e as camadas de pedra são “costuradas” ao
concreto armado. Concreto e pedra trabalham em conjunto, uma única estrutura.
“The building has been conceived as a technically ordered, architectonic structure which avoids
naturalistic form. Yet within the homogenous stone mass it still retains a clear sense of the
strongest of the initial design ideas – the idea of hollowing out. The sunken springwater
basins and gulleys appear chiseled out of the dense mountain rock.” 10
06 HAUSER, S.; ZUMTHOR, P. Peter Zumthor: Therme Vals. Zurich: Scheidegger & Spiess, 2007, p.169.
07 “stone-course-laying scheme” Ibidem, p.169.
08 “Vals compound masonry”, Ibidem, p.168.
09 Ibidem, p.153-154.
F91. Degrau entrada bloco de
10 ZUMTHOR, Peter. Peter Zumthor Works: Buildings and Projects 1979-1997. Baden: Lars Müller Pu-
banho. JC0220. blishers, 1998, p.157.
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F92. Especificação e ordenamento das peças de canto em pedra.
F93. Detalhe construtivo parede e escada Flower bath. F94. Detalhe sobreposição do canto, parede externa, facha-
da leste. JC0220.
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Em conjunto com essa citação de Zumthor é possível perceber que após todo o
Compaixão detalhamento e processo construtivo, a essência do projeto inicial permanece. Pois,
a ideia inicial constituía um senso espacial, e não apenas priorizava a forma e suas
resoluções programáticas em planta ou corte. Isso foi possível porque durante todo
o processo uma atmosfera base foi projetada, com as decisões formais do arquiteto
fundamentadas nessa e guiadas por sua empatia e compaixão
“The spaces have to be occupied and lived in during the design process, and only the architect
can project that imaginary life. (…) My professor Aulis Blomstedt used to say that an impor-
tant area of talent for an architect is the capacity to imagine human situations. That is a very
important observation. Architects need the ability for empathy and compassion – that today is
more important than a formal fantasy. Even formal issues should be a consequence of being
able to imagine human life, human emotion, and human situations. I believe, that atmospheric
qualities arise from the designer’s empathetic sensitivity and skill.” 11
“We spent years developing the concept, the form, and the working drawings of our stone-built
thermal baths. Then construction began, I was standing in front of one of the first blocks that
the masons had built in stone from a nearby quarry. I was surprised and irritated. Although
everything corresponded exactly with our plans, I had not expected this concurrent hardness
and softness, this smooth yet rugged quality, this iridescent gray-green presence emanating from
the square stone blocks. For a moment, I had the feeling that our project had escaped us and
become independent because it had evolved into a material entity that obeyed its own laws.” 12
“Architecture should not specify emotion, but should invite emotion. (…) The architecture
admits me and authorizes me to feel this feeling, which I would otherwise suppress. That is the
liberating element in art or music. You are permitted to have these feelings, but they are your
feelings. (…) Architecture provides these imaginative spaces for events, which are important for
human imagination. They root us in a culture, whereas their absence makes us feel alienated.”
13
11 HAVIK, K.; TIELENS, G.. Atmosphere, Compassion and Embodied Experience: A Conversation about
Atmosphere with Juhani Pallasmaa. In: OASE #91: Building Atmosphere – Juhani Pallasmaa & Peter
Zumthor. Roterdão: Nai010 Publishers, 2013, p.41,43.
12 ZUMTHOR, Peter. Thinking Architecture. Basel: Birkhäuser, 2006, p.62.
13 HAVIK, TIELENS. Op. cit., p.41,43.
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F95. Contraste entre a rugosidade da camada de assentamento e da
pedra. Foto: Hélène Binet.
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